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LIZA MARIA SOUZA DE ANDRADE AGENDA VERDE X AGENDA MARROM: Inexistência de princípios ecológicos para o desenho de assentamentos urbanos. Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre pelo Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Orientadora: Marta Adriana Bustos Romero BRASÍLIA 2005 i

Liza - Agenda Verde x Agenda Marrom

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  • LIZA MARIA SOUZA DE ANDRADE

    AGENDA VERDE X AGENDA MARROM:

    Inexistncia de princpios ecolgicos para o desenho de assentamentos urbanos.

    Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre pelo Curso de Ps-Graduao da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Braslia.

    Orientadora: Marta Adriana Bustos Romero

    BRASLIA 2005

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  • Andrade, Liza Maria Souza

    AGENDA VERDE X AGENDA MARROM: Inexistncia de princpios ecolgicos para o desenho de assentamentos urbanos. Braslia, 2005.

    207 p. : il.

    Dissertao (Mestrado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,Universidade de Braslia.

    1. Agenda Verde Agenda Marrom. 2. Princpios ecolgicos. 3. Princpios de sustentabilidade ambiental - desenho de assentamentos urbanos I. Romero, Marta, orient. II. Ttulo. CDD CDU

    ii

  • TERMO DE APROVAO

    LIZA MARIA SOUZA DE ANDRADE

    AGENDA VERDE X AGENDA MARROM: Inexistncia de princpios ecolgicos para o desenho de assentamentos urbanos.

    Dissertao aprovada como requisito parcial obteno do grau de Mestre pelo Curso de Ps-Graduao da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Braslia.

    Orientadora: Prof. Dr. Marta Adriana Bustos Romero

    Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UnB

    Prof. Dr. Suzi Huff Theodoro Centro de Desenvolvimento Sustentvel, UnB

    Prof. Dr. Miguel Aloysio Sattler

    Ncleo Orientado Inovao na Edificao - NORIE -UFRGS

    Braslia, 03 de fevereiro de 2005

    iii

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  • A Nina, Ana, Marcos e aos meus pais a quem dedico carinhosamente este trabalho.

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  • AGRADECIMENTOS

    Para o leitor, os agradecimentos sempre so uma listagem tediosa e intil. Para o escritor quando temos a oportunidade de fazer justia as pessoas e aos amigos que nos incentivaram e nos agentaram ao longo de todo o processo.

    Em primeiro lugar, gostaria de agradecer professora Rachel Naves Blumenschein da FAU/UnB pela grande contribuio da minha iniciao ao tema desenvolvimento sustentvel e pelo carinho demonstrado.

    professora Marta Romero, mais do que uma orientadora, uma amiga, quero expressar meu reconhecimento pelo profundo compromisso intelectual e a confiana que sempre demonstrou pelo meu trabalho.

    professora Eliani Carvalho da FAU/UnB pela amizade e pelas aulas maravilhosas de Infra-estrutura as quais me fizeram aproximar de Tecnologias Alternativas para o Saneamento Ambiental.

    professora Suzi Huff Theodoro do CDS/UnB pela fora no incio da caminhada e pela oportunidade de ensinar o procedimento para desenvolver Estudos de Impactos Ambientais.

    Ao professor Luiz Alberto de Campos Gouva (Jacar), pela oportunidade de ministrar aula ao seu lado para a turma de Projeto de Urbanismo I e pelas diferentes contribuies no processo. Igualmente ao professor Vicente Barcellos e ao professor Antonio Carlos Cabral Carpintero pelas opinies divergentes que contriburam indiretamente para o fortalecimento dos argumentos da pesquisa.

    professora Lcia Cony Faria Cidade do Departamento de Geografia da UnB pelas contribuies na fase de projeto . E professora Claudia Naves David Amorim da FAU/UnB pela gentileza em contribuir fazendo parte da composio da banca.

    Ao professor Ricardo Bernardes do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Tecnologia da UnB pela contribuio no aprendizado de clculo e compreenso de tecnologias sustentveis, como drenagem natural e tratamento de esgoto com sistema anaerbio e leito cultivado.

    Aos professores que, indiretamente, contriburam na busca dos princpios de sustentabilidade. Ao professor Miguel Aloysio Sattler, pela admirao ao seu trabalho determinado junto ao grupo de pesquisa em Edificaes e Comunidades Sustentveis do NORIE da UFRGS. professora Jeanine Maria Felfili do Departamento de Engenharia Florestal da UnB pelo trabalho em defesa das reas de Proteo Ambiental no DF e ao professor Anthony Alissom Brando Santos do MP pelo curso de Legislao Ambiental. Ao professor Genebaldo Freire Dias do curso de Gesto Ambiental da Universidade Catlica pelo seu conhecimento sobre pegada ecolgica e sustentabilidade humana.

    Aos funcionrios da SUPIN/SEDUH do DF pela disposio e contribuies com informaes importantes para acelerar o processo de coleta de dados.

    Ao Luiz Rocha da EMATER pela demonstrao do projeto de agricultura urbana para a Vila Varjo.

    Ao professor de ingls Milton da Western Idiomas pelas aulas enriquecedoras e discusses sobre o livro Ecocidades.

    Anita presidente da Associao de Mulheres do Varjo pelo seu apoio e contribuies com depoimentos sobre o processo de ocupao.

    Ao amigo e companheiro Valrio Medeiros da FAU/UnB (o mais acadmico de todos) pelas contribuies acadmicas, mapas e modelagens utilizados neste trabalho alm de sua grandeza como ser humano. E Paulinha agradeo o apoio constante.

    vii

  • amiga, irm, Juliana Saitter Garrocho quero agradecer pela solidariedade em todos os momentos, juntamente com o Lu, seu companheiro. amiga Darja Kos Braga pela delicadeza e simplicidade em suas atitudes.

    amiga e companheira Rejane Jung Vianna que, mesmo com as divergncias ideolgicas, no impediram o crescimento da nossa amizade e contriburam para fortalecer meus argumentos.

    Aos colegas do grupo formado na disciplina de Bioclimatismo do PPG-FAU pelo companheirismo, que tornaram a passagem pelo curso mais agradvel. Delayse, em especial, pelo companheirismo nos seminrios em defesa do Cerrado.

    Ao companheiro George da Guia, agradeo a disponibilidade para me acompanhar ao levantamento de campo da Vila Varjo. E aos colegas do CDS/UnB, Nbia, Simone e Augusto pelas contribuies no desenvolvimento do EIA-RIMA na disciplina de AIA.

    Aos amigos da secretaria da PPG-FAU, Junior, Joo e Conceio, quero demonstrar meu reconhecimento pela disponibilidade que sempre nos atenderam.

    No poderia de deixar de registrar meu reconhecimento aos amigos Daphne e Cassiano pela amizade acolhedora desde que chegamos a Braslia.

    Aos amigos companheiros Ana Prisce e Alosio Brando quero expressar minha gratido por todos os momentos agradveis que passamos juntos.

    Aos queridos amigos de sempre de Belo Horizonte: Marcela e Musso, Luciana (Lu) e Helosa, Paulo Dimas, Z e Ricardo, com os quais dividi angstias e dvidas, agradeo a constante solidariedade e amizade da qual muito me orgulho.

    Aos parentes que indiretamente torceram pelo xito do trabalho e amiga Geralda que me ajudou diariamente com as crianas.

    No poderia deixar de agradecer aos meus pais no constante incentivo as minhas atividades. fora de minha me, que mesmo lutando contra a doena conseguiu iluminar meu caminho. E ao meu pai, uma referncia na busca do conhecimento.

    Finalmente, minha gratido ao Marcos, companheiro de todas as horas, cuja ajuda inestimvel jamais me faltou. s minhas filhas Nina (desenho da capa) e Ana que me fazem refletir sobre o futuro das prximas geraes.

    viii

  • APRESENTAO

    No processo de dar forma e funo ao conjunto de estruturas de uma cidade ou um bairro,

    este trabalho visa contribuir para a busca de novas maneiras de atuao profissional que

    no objetivem estritamente a forma estilstica no sentido exato da palavra: o desenho

    esttico como o projeto.

    Por este motivo buscamos aprofundar os conhecimentos na dimenso-fsica espacial da

    cidade considerando sua anlise sistmica entre o projeto de arquitetura e o planejamento

    urbano. Significa dizer, nos inserimos no campo disciplinar que trata da dinmica da

    natureza dos elementos urbanos e suas relaes interpartes.

    Procuramos tratar o Desenho Urbano no apenas como um produto final acabado, mas

    como parte do processo de planejamento urbano - considerando a qualidade fsico-

    ambiental das cidades e o processo de controle de polticas, planos, projetos e programas -

    no qual todas as decises de desenho, com suas recomendaes especficas, terminaro

    por afetar a qualidade do meio ambiente local ou global.

    A temtica necessria por duas razes. Primeiro pela escassa literatura, em lngua

    portuguesa, que aborde ao mesmo tempo e com a mesma intensidade as dimenses

    fsicas, espaciais, sociais, econmicas e ticas para elaborar procedimentos de desenho

    voltados para Cidades Sustentveis. Segundo porque em nosso pas j se tornou evidente

    as condies locais de degradao ambiental provocadas pelas desigualdades sociais,

    tpicas das cidades do terceiro mundo, para as quais o desenho inadequado contribui

    fortemente.

    O trabalho, longe de indicar e se propor a padres ideais, mostra caminhos na direo da

    sustentabilidade para gerar o processo de desenho com estudo de princpios que

    perpassam as diversas reas do conhecimento - como ecologia, engenharia ambiental,

    desenvolvimento sustentvel, arquitetura e planejamento urbano - e, assim, num vis

    interdisciplinar simples, possam ser aplicados em projetos de reordenamento urbano para

    assentamentos localizados em reas ambientalmente sensveis.

    Pensamos ser esta a nossa contribuio para o trabalho dos profissionais da rea de

    arquitetura e urbanismo, bem como para aqueles cujas aes tm interfaces com o campo

    disciplinar do Desenho Urbano, visando nortear as atividades que atualmente esto

    desconectadas.

    ix

  • x

  • SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS xiiLISTA DE TABELAS xviiiLISTA DE QUADROS xviiiRESUMO xixABSTRACT xxiINTRODUO 11.Delimitao do Tema Problema 62.Relevncia do Tema Justificativa 123.Objeto 184.Objetivos 205. Hiptese 206. Metodologia 211a. PARTE: DEFINIO DE CONCEITOS E A EVOLUO DO DESENHO URBANO ASSOCIADO AO DESENHO DA PAISAGEM

    23

    CAPTULO I - A EVOLUO DO ECOURBANISMO OU URBANISMO SUSTENTVEL E PADRES URBANOS ATUAIS.

    25

    1.1 - A evoluo do desenho urbano associado ao desenho da paisagem 291.2 - O planejamento das Cidades-Jardins 311.3 - A Cidade-Jardim e o Ecourbanismo 351.4 - O planejamento urbano ampliado de Village Homes e as tecnologias sustentveis 381.5 - Os padres urbanos atuais predominantes nos EUA 421.6 - Experincias europias de cidades sustentveis 471.7 - Iniciativas brasileiras para assentamentos de habitaes sustentveis 51CAPTULO II - PRINCPIOS ECOLGICOS: DIRETRIZES PARA A CONSTRUO DE ASSENTAMENTOS URBANOS SUSTENTVEIS

    57

    2.1 - Princpios ecolgicos 622.2 - Permacultura: princpios do desenho ambiental 632.3 - A aplicao dos princpios ecossistmicos no espao urbano 692.4 - Princpios associados morfologia urbana 742.5 - Aplicao dos princpios de sustentabilidade s vrias escalas territoriais 802.6 - Procedimentos para aplicao de princpios de sustentabilidade no desenho de um

    condomnio na regio do Distrito Federal 83

    2a PARTE DEMONSTRAO DO PROBLEMA - CONFLITOS ENTRE AS AGENDAS VERDE E MARROM NO BRASIL

    94

    CAPTULO III - A IMPORTNCIA DAS REAS AMBIENTALMENTE PROTEGIDAS NO BRASIL PARA DESENHO URBANO SUSTENTVEL

    99

    3.1 - A legislao ambiental brasileira representada nos instrumentos da gesto ambiental urbana

    100

    3.2 - As reas de Proteo Permanente APPs nas cidades 1113.3 - A importncia das APPs nas cidades para a drenagem urbana 114

    xi

  • 3.4 - A Gesto Ecolgica do Ciclo da gua: definio de princpios 121CAPTULO IV - HIGIENIZAR OU ECOLOGIZAR ASSENTAMENTOS EM REAS DE PROTEO AMBIENTAL

    133

    4.1 - Caracterizao do assentamento localizado em rea de Proteo Ambiental: Vila Varjo - Distrito Federal

    137

    4.2 - Programa Habitar Brasil/BID: uma tentativa de planejamento ambiental 1524.3 - Controvrsias e Conflitos Governamentais do Licenciamento Ambiental do Projeto

    Integrado da Vila Varjo PROGRAMA HABITAR BRASIL/BID 158

    4.4 - Higienizar ou Ecologizar assentamentos em reas de Proteo Ambiental? 172

    CONCLUSO 185REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 199ANEXOS 209

    xii

  • LISTA DE FIGURAS Figura 0.1 - Mapa das APA's do DF 4Figura 0.2 - Mapa de localizao da Vila Varjo DF 19Figura 1.1 - Vielas estreitas sem iluminao e ventilao adequadas - Londres -

    Inglaterra, 1900 27

    Figura 1.2 - Ruas estreitas sem iluminao e ventilao adequadas Favela da Rocinha - Rio de Janeiro

    27

    Figura 1.3 - Desenho da vila modelo de Robert Owen (1813) 30Figura 1.4 - Foto da vila modelo de Robert Owen (1813) 30Figura 1.5 - Vista da Vila de Saltaire de Titus Salt Yorkshire (1851) 30Figura 1.6 - Detalhe da Vila de Saltaire de Titus Salt Yorkshire (1851) 30Figura 1.7 - Plano de Bourniville 1879 George Cadbury 31Figura 1.8 - Plano de Port Sunlight, 1887 Willian H. Lever 31Figura 1.9 - Diagrama de Howard Os trs ims: cidade, campo, cidade-campo 32Figura 1.10 - Diagrama de Howard Planejamento 32Figura 1.11 - Diagrama de Howard - Distrito e Centro 33Figura 1.12 - Diagrama de Howard - Constelao de Cidades 33Figura 1.13 - Foto area do centro de Letchworth 34Figura 1.14 - Foto do centro de Letchworth 34Figura 1.15 - Tipo de moradia 34Figura 1.16 - Tipo de moradia 34Figura 1.17 - Tipo de moradia 34Figura 1.18 - Projeto de Welwyn 35Figura 1.19 - Imagem de Welwyn 35Figura 1.20 - Imagem de Welwyn 35Figura 1.21 - Radburn Desenho - a idia de superblocks de Clarence Stein, 1928 36Figura 1.22 - Radburn Foto - a idia de superblocks de Clarence Stein, 1928 36Figura 1.23 - Foto de Village Homes, 1973 - Davis Califrnia 37Figura 1.24 - Desenho Urbano com orientao norte-sul para as moradias - Village

    Homes 37

    Figura 1.25 - Rede de vias e caminhos para pedestres e ciclovias - Village Homes 38Figura 1.26 - Agrupamento de 8 casas - Village Homes 38Figura 1.27 - reas comuns entre o grupo de 8 casas - Village Homes 39Figura 1.28 - Hortas comunitrias entre o grupo de 8 casas Village Homes 40Figura 1.29 - Detalhe do canal de infiltrao Swale Village Homes 40Figura 1.30 - Foto do canal de infiltrao Swale Village Homes poca de chuva 41Figura 1.31 - Foto do canal de infiltrao Swale Village Homes poca de seca 41Figura 1.32 - Croqui de cidade vista pelos novos urbanistas 42Figura 1.33 - Croqui de cidade vista pelos novos urbanistas 42Figura 1.34 - Foto de Seaside Flrida - EUA 43Figura 1.35 - Foto de Seaside Flrida - EUA 43Figura 1.36 - Foto de Seaside Flrida - EUA 43Figura 1.37 - Vista area do condomnio Jurer Internacional - SC 44Figura 1.38 - Foto das casas do condomnio Jurer Internacional - SC 44

    xiii

  • Figura 1.39 - Foto do condomnio Jurer Internacional - SC 45Figura 1.40 - Foto do condomnio Jurer Internacional - SC 45Figura 1.41 - Foto do condomnio Jurer Internacional - SC 45Figura 1.42 - Projeto de Frank Gehry (Ps-Urbanista) - Museu Guggenhein em Bilbao

    Espanha 46

    Figura 1.43 - Projeto de Frank Gehry (Ps-Urbanista) - Museu Guggenhein em Bilbao Espanha

    46

    Figura 1.44 - Projeto de Frank Gehry (Ps-Urbanista) - Museu Guggenhein em Bilbao Espanha

    46

    Figura 1.45 - Maquete do condomnio de Ecolnia Holanda (1991-1993) 48Figura 1.46 - Foto do condomnio de Ecolnia Holanda (1991-1993) 48Figura 1.47 - Foto do condomnio de Ecolnia Holanda (1991-1993) 48Figura 1.48 - Empreendimento de Nieuwland em Amersfoort Holanda (1994-2000) 49Figura 1.49 - Empreendimento de Nieuwland em Amersfoort Holanda (1994-2000) 49Figura 1.50 - Desenho da gleba de 2,3 ha projetada pelo CETHS 52Figura 1.51 - Perspectiva da gleba de 2,3 ha e da habitao projetada pelo CETHS 52Figura 1.52 - Perspectiva da gleba de 2,3 ha e da habitao projetada pelo CETHS 52Figura 2.1 - Construo com tecnologias alternativas do Instituto de Permacultura e

    Ecovilas do Cerrado 65

    Figura 2.2 - Construo com tecnologias alternativas do Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado

    65

    Figura 2.3 - Foto da Ecovila de Findhorn Esccia 66Figura 2.4 - Foto da Ecovila de Findhorn Esccia 66Figura 2.5 - Ecovila Viso Futuro So Paulo - Brasil 67Figura 2.6 - Ecovila Clareando So Paulo - Brasil 67Figura 2.7 - Deslocamentos de uma cidade com zoneamento das atividades para os

    ncleos de uso misto 71

    Figura 2.8 - Ilustrao de uma metrpole transformada em Ecocidade 73Figura 2.9 - Ilustrao de uma metrpole transformada em Ecocidade 73Figura 2.10 - Ilustrao da reconstruo de um centro de cidade para automveis

    modificado para um centro ecolgico para pedestres - Register 73

    Figura 2.11 - Ilustrao da reconstruo de um centro de cidade para automveis modificado para um centro ecolgico para pedestres - Register

    73

    Figura 2.12 - Ilustrao da reconstruo de um centro de cidade para automveis modificado para um centro ecolgico para pedestres - Register

    73

    Figura 2.13 - Desenho do Empreendimento Christie Walk, em Adelaide Austrlia - 78Figura 2.14 - Foto do Empreendimento Christie Walk, em Adelaide Austrlia - 78Figura 2.15 - Mapa de localizao do Centro de Atividades (CA) 83Figura 2.16 - Mapa de localizao do Centro de Atividades (CA) 83Figura 2.17 - Foto da quadra CA-6 do Centro de Atividades (CA) 84Figura 2.18 - Foto da quadra CA-6 do Centro de Atividades (CA) 84Figura 2.19 - Mapa da topografia do Centro de Atividades do Lago Norte 84Figura 2.20 - Planta do Condomnio Sustentvel do Centro de Atividades do Lago

    Norte 89

    Figura 2.21 - Mapa de Uso e Ocupao do CA existente desenvolvido pela SEDUH 90Figura 2.22 - Foto do alto da Chapada de Contagem da Quadra CA novembro/2002 90Figura 2.23 - Modelagem do alto da Chapada de Contagem da Quadra CA com a 90

    xiv

  • proposta de interveno Figura 2.24 - Desenho do Condomnio Sustentvel - Quadra CA-6 91Figura 2.25 - Localizao da Estao de Tratamento do Condomnio Sustentvel e

    Croqui esquemtico 91

    Figura 2.26 - Localizao da Estao de Tratamento do Condomnio Sustentvel e Croqui esquemtico

    91

    Figura 2.27 - Modelagem da Chapada de Contagem e da Sub-bacia do Ribeiro do Torto

    92

    Figura 2.28 - Sistema de Drenagem com bacia de reteno de guas pluviais 92Figura 3.1 - Trip da Poltica de Ocupao Urbana 102Figura 3.2 - Trip do Plano de Ocupao Urbana 103Figura 3.3 - Trip do plano de ocupao de uma Unidade de Conservao 104Figura 3.4 - Trip do Plano de Ocupao das Bacias Hidrogrficas 105Figura 3.5 - Adaptao do diagrama de Bursztyn para as etapas no processo de

    estudos de impactos ambientais 109

    Figura 3.6 - Fotos da ocupao urbana nas proximidades da Represa Billings So Paulo, manancial crucial para o abastecimento da maior cidade da Amrica Latina

    113

    Figura 3.7 - Fotos da ocupao urbana nas proximidades da Represa Billings So Paulo, manancial crucial para o abastecimento da maior cidade da Amrica Latina

    113

    Figura 3.8 - Foto do azul do Rio So Francisco na sada da represa de Trs Marias, MG

    113

    Figura 3.9 - Foto de eroso por falta de mata ciliar na represa de Furnas, MG 113Figura 3.10 - Foto do rio assoreado no Portal do Paranapanema 114Figura 3.11 - Foto do rio Araguaia perto da nascente, com o detalhe da terra erodida

    por uma vooroca, que ser levada pelo rio nas prximas chuvas 114

    Figura 3.12 - Impactos no ciclo da gua aps a construo em reas urbanas 115Figura 3.13 - Destino das guas: precipitao nas diversas densidades urbanas 117Figura 3.14 - Croqui do Processo de impacto da drenagem urbana adaptado do

    esquema de Sunderhsa, 2002 118

    Figura 3.15 - Associao entre os servios que se relacionam com a gua (adaptado do esquema de Tucci, 2003)

    119

    Figura 3.16 - Croqui de Hynes de diferentes tipos de drenagem urbana para Virginia Park

    121

    Figura 3.17 - Drenagem Tradicional Crregos canalizados e casas situadas nas vrzeas

    122

    Figura 3.18 - Drenagem Natural Crregos preservados e casas fora dos fluxos de gua - pequenos canais de infiltrao

    123

    Figura 3.19 - Comparao entre o sistema tradicional de loteamentos urbanos e o sistema agrupado (clusters) em relao densidade e drenagem

    123

    Figura 3.20 - Exemplo de drenagem natural nos EUA: Village Homes ( Davis, Califrnia)

    123

    Figura 3.21 - Exemplo de drenagem natural nos EUA: Village Homes ( Davis, Califrnia)

    123

    Figura 3.22 - Maquete do projeto de Renzo Piano da Potsdamer Platz, em Berlim 124Figura 3.23 - Maquete do projeto de Renzo Piano da Potsdamer Platz, em Berlim 124Figura 3.24 - Foto da Potsdamer Platz, em Berlim 124

    xv

  • Figura 3.25 - Sistema de drenagem de Potsdamer Platz de Herbert Dreiseitl 125Figura 3.26 - Planta de Marlene-Dietrich-Platz, Potsdamer Platz - Berlim 125Figura 3.27 - Lagoa de reteno das guas pluviais Ecolnia Holanda (1991-1993) 126Figura 3.28 - Condomnio de Ecolnia Holanda (1991-1993) 126Figura 3.29 - Condomnio de Ecolnia Holanda (1991-1993) 126Figura 3.30 - Condomnio de Ecolnia Holanda (1991-1993) 126Figura 3.31 - Foto da Estao de Tratamento de Esgotos com Biosslido de Serto do

    Carangola 128

    Figura 3.32 - Foto da Estao de Tratamento de Esgotos com Biosslido de Serto do Carangola

    128

    Figura 3.33 - Modificao no centro de Berkeley com reas verdes para infiltrao Califrnia

    130

    Figura 4.1 - Carta imagem do DF Degradao do Bioma Cerrado Landsat/TM-7 - 1998

    134

    Figura 4.2 - Modelagem da Chapada de Contagem e da Sub-bacia do Ribeiro do Torto

    136

    Figura 4.3 - Modelagem da Bacia do Lago Parano 138Figura 4.4 - Modelagem da Bacia do Lago Parano 138Figura 4.5 - Mapa de hidrografia do DF 139Figura 4.6 - Mapa da Balneabilidade do Lago Parano 139Figura 4.7 - Foto da ETE Norte 139Figura 4.8 - Foto de satlite do assoreamento do Lago Parano no brao Riacho

    Fundo SPOT 1995 140

    Figura 4.9 - Foto de satlite do assoreamento do Lago Parano no brao Riacho Fundo LANDSAT 1997

    140

    Figura 4.10 - Foto do assoreamento do trecho Riacho Fundo do Lago Parano 140Figura 4.11 - Foto da sada da drenagem das guas pluviais do Lago Parano 140Figura 4.12 - Foto da sada da drenagem das guas pluviais do Lago Parano 140Figura 4.13 - Unidades Hidrogrficas da Bacia do Lago Parano 141Figura 4.14 - Drenagem da Bacia do Lago Parano 141Figura 4.15 - Perspectiva multitemporal da ocupao do solo da Sub-bacia do Ribeiro

    do Torto de 1953 a 1994 142

    Figura 4.16 - Mapa do Corredor Ecolgico Torto/Parano Faixa de degradao ambiental

    143

    Figura 4.17 - Foto area da Vila Varjo de 2003 144Figura 4.18 - Projeto de 1991 com a demarcao das poligonais propostas 147Figura 4.19 - Foto ETE Varjo, antes de ser desativada 151Figura 4.20 - Foto ETE Varjo, antes de ser desativada 151Figura 4.21 - Grotas existentes (APP - curso dgua intermitente com lixes a cu

    aberto) 152

    Figura 4.22 - Grotas existentes (APP - curso dgua intermitente com lixes a cu aberto)

    152

    Figura 4.23 - Plano de Ocupao do Programa Habitar Brasil/BID 154Figura 4.24 - Projeto proposto sobre ortofoto de 1991 155Figura 4.25 - Repetio do modelo de ocupao existente no projeto de 2001 156Figura 4.26 - Repetio do modelo de ocupao existente no projeto de 2001 156Figura 4.27 - Detalhe da canalizao das grotas 156

    xvi

  • Figura 4.28 - Detalhe da canalizao das grotas 156Figura 4.29 - Detalhe da canalizao das grotas 156Figura 4.30 Mapa de drenagem da canalizao das grotas 157Figura 4.31 - Fotos da situao das grotas e das ruas aps as ltimas chuvas

    fev/2004 162

    Figura 4.32 - Fotos da situao das grotas e das ruas aps as ltimas chuvas fev/2004

    162

    Figura 4.33 - Fotos da situao das grotas e das ruas aps as ltimas chuvas fev/2004

    162

    Figura 4.34 - Fotos da situao das grotas e das ruas aps as ltimas chuvas fev/2004

    162

    Figura 4.35 - Fotos da situao das grotas e das ruas aps as ltimas chuvas fev/2004

    162

    Figura 4.36 - Fotos da situao das grotas e das ruas aps as ltimas chuvas fev/2004

    162

    Figura 4.37 - Croqui da borda de ruptura das chapadas e o limite imposto pelo Cdigo Florestal e pela Resoluo CONAMA n. 303

    164

    Figura 4.38 - Detalhe das curvas de nvel com ruas no perpendiculares s curvas de nvel

    165

    Figura 4.39 - Detalhe das curvas de nvel com mais de 10% de declividade para superfcies contnuas

    165

    Figura 4.40 - Detalhe da situao em que a linha de mudana de declividade no coincide com as linhas de incio de escarpa

    165

    Figura 4.41 - Detalhe da linha que indica mudana de unidades geomorfolgicas 165Figura 4.42 - Mapa com as linhas de transio entre reas com mdia abaixo de 10%

    de declividade e mdia acima de 10% de declividade superposto aos limites determinados pelo Cdigo Florestal para os cursos dgua

    167

    Figura 4.43 - Mapa com as linhas de transio entre reas com mdia abaixo de 10% de declividade e mdia acima de 10% - anlise, caso a caso, pelo custo-benefcio

    168

    Figura 4.44 - Mapa das grotas e nascentes APPs (curso dgua intermitente grotas faixa de 30m e nascentes raio de 50m) superposto ao Projeto Integrado da Vila Varjo

    169

    Figura 4.45 - Mapa com superposio do parcelamento proposto 171Figura 4.46 - Foto da encosta (fevereiro de 2004) 173Figura 4.47 - Foto do incio de uma grota (fevereiro de 2004) 173Figura 4.48 - Foto das obras de higienizao do assentamento - out./2004 174Figura 4.49 - Foto das obras de higienizao do assentamento - out./2004 174Figura 4.50 - Foto das obras de higienizao do assentamento - out./2004 174Figura 4.51 - Foto das obras de higienizao do assentamento - out./2004 174Figura 4.52 - Foto das obras de higienizao do assentamento - out./2004 174Figura 4.53 - Foto das obras de higienizao do assentamento - out./2004 174Figura 4.54 - Foto das obras de higienizao do assentamento - out./2004 174Figura 4.55 - Foto das obras de higienizao do assentamento - out./2004 174Figura 4.56 - Projeto de Revitalizao das margens do Crrego So Francisco Belo

    Horizonte MG 176

    Figura 4.57 - Projeto de Revitalizao das margens do Crrego So Francisco Belo Horizonte MG

    176

    xvii

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 0.1 - Diferena de interesses das Agendas Verde e Marrom 8Tabela 2.1 - Anlise comparativa dos princpios dos ecossistemas estabelecidos

    por Capra com os ecossistemas urbanos 72

    Tabela 2.2 - Diagnstico Ambiental (Tabela Meio Antrpico/Abastecimento de gua)

    85

    Tabela 2.3 - Princpios de sustentabilidade utilizados na aplicao do parcelamento urbano

    87

    Tabela 4.1 - Nmero de lotes por usos URB 108/91 146Tabela 4.2 - Nmero de lotes previstos em 1996 148Tabela 4.3 - Nmero de lotes previstos em 2001 149Tabela 4.4 - Aplicao dos princpios de sustentabilidade ambiental para Vila Varjo

    paralelo ao Projeto Integrado de 2001 179

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 3.1 - Impactos causados pela ocupao urbana no ciclo da gua 116Quadro 3.2 - Princpios da gesto ecolgica do ciclo da gua 124Quadro 3.3 - Critrios Ambientais para os PDDUS 127

    xviii

  • RESUMO Este trabalho objetiva contribuir para a elaborao de princpios de sustentabilidade

    ambiental que auxiliem no processo de desenho de assentamentos em reas

    ambientalmente sensveis, a partir de dados obtidos por meio de estudos de impactos

    ambientais para que, de uma forma coerente, seja possvel atender s exigncias da

    legislao vigente.

    O estudo aborda o conflito entre os atributos prprios das agendas Verde e Marrom,

    refletidos no planejamento e desenho urbano no Brasil, uma vez que inexistem tais

    princpios para o processo de desenho. Assim, detectou-se a necessidade de uma

    aproximao ecolgica por parte das reas de arquitetura e urbanismo para sua insero

    dentro da Agenda Marrom.

    Para tanto, num primeiro momento, investigou-se a evoluo do desenho das cidades,

    associada ao desenho da paisagem nos pases desenvolvidos ao longo do sculo XX.

    Identificou-se que os problemas relacionados Agenda Marrom foram resolvidos com

    intensas prticas urbansticas e, atualmente, tais pases se preocupam com as questes da

    Agenda Verde.

    Num segundo momento, pesquisou-se como os princpios ecolgicos podem se tornar

    diretrizes para construo de comunidades sustentveis, sendo apropriados para o desenho

    de assentamentos urbanos por meio de princpios de sustentabilidade ambiental. Foi

    estabelecido um mtodo e procedimento aplicado ao desenho de um condomnio, no Distrito

    Federal, dentro da APA do Parano, desenvolvido na disciplina de ateli de Desenho

    Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Braslia.

    Para ilustrar a inexistncia no Brasil de princpios de sustentabilidade ambiental para o

    processo de desenho de parcelamentos urbanos em reas ambientalmente sensveis,

    objeto desta pesquisa, escolheu-se o processo de licenciamento ambiental do projeto

    urbanstico desenvolvido pelo PROGRAMA HABITAR BRASIL/ BID para o assentamento da

    Vila Varjo do Distrito Federal inserida na APA do Parano e circunscrita na APA do

    Planalto Central. Concluiu-se que no houve a incorporao sistmica dos princpios,

    embora alguns deles tenham sido contemplados. Portanto, no se obteve o equilbrio nas

    vrias dimenses da sustentabilidade.

    Considerando que o desenho urbano parte do processo de planejamento, os princpios de

    sustentabilidade ambiental devem ser pensados juntamente com estratgias e

    recomendaes especficas como as tcnicas, numa inter-relao dinmica.

    xix

  • xx

  • ABSTRACT

    This study aims to contribute to the development of sustainable environment principles which

    could aid in settlement design in environmentally sensitive areas based on data obtained

    from environmental impact studies in order to coherently meet current legal requirements.

    The study addresses the conflicts between the specific features of the Green and Brown

    Agendas, reflected in urban planning and design in Brazil, given that there are no such

    principles for the design process. Thus, a need was found for an ecological approach for

    fields of architecture and urban planning in order for their integration into the Brown Agenda.

    To this end, the study examined, in a first phase, the evolution of city design associated to landscape design in developed countries throughout twentieth century. It was found that the

    problems related to the Brown Agenda were solved with intensive urban practices and that

    nowadays such countries are concerned with the issues of the Green Agenda.

    In a second phase, the study investigated how ecological principles can become guidelines

    for the construction of sustainable communities, appropriate for the design of urban

    settlements through the principles of environmental sustainability. Afterwards, a method and

    procedure was established for the design of a condominium located in the Federal District of

    Brazil and inside the Paranoa Environmental Protection Area (APA do Parano). This

    method and procedure had been developed in the Urban Design Studio course at the School

    of Architecture and Urban Planning of the University of Brasilia.

    The environmental licensing process of the urban project developed by the PROGRAMA

    HABITAR BRASIL/BID for the settlement of Varjo Village of the Federal District, inside the

    Paranoa Environmental Protection Area, was chosen in order to illustrate the inexistence in

    Brazil of environmental sustainability principles for the design of urban subdivision in

    environmentally sensitive areas, the subject of this research. The study found that there was

    no systemic incorporation of the principles, even though some items have been considered.

    Therefore, no balance of the various dimensions of sustainability has been obtained.

    Considering that urban design is part of the planning process, the environmental

    sustainability principles should be considered together with strategies and specific

    recommendations as techniques, in a dynamic interrelationship.

    xxi

  • xxii

  • INTRODUO

    As cidades, lcus da cidadania e palco das relaes sociais, so historicamente

    concentraes de poder que controlam fluxos econmicos, sociais, culturais e polticos,

    constituindo centros de acumulao de riqueza e de conhecimento. Desde o incio da

    Revoluo Industrial, a implantao de tcnicas de produo e um modo de consumo

    predatrio vm provocando um grande impacto das atividades humanas sobre o meio

    ambiente.

    Segundo Bursztyn (1994) este impacto d origem a problemas crticos de degradao

    ambiental, externalizado sob a forma de custo social por meio dos grandes lanamentos

    de resduos na atmosfera, nas guas superficiais e subterrneas e nos solos. Mesmo os

    pases desenvolvidos que apresentaram progressos na resoluo de seus problemas

    ambientais locais, em decorrncia dos padres locais de consumo exacerbados, continuam

    contribuindo significativamente para sobrecarregar os ambientes regionais e globais, ou

    seja, para a degradao ambiental de outros territrios.

    No incio deste sculo, as mudanas globais que estamos experimentando - como os efeitos

    da mudana climtica no planeta provocados pela emisso de dixido de carbono, o efeito

    estufa, o desflorestamento, o esgotamento de certos recursos e o aumento da populao e

    da pobreza nos grandes centros urbanos dos pases em vias de desenvolvimento - fica

    evidente a necessidade pela busca por novas solues para o processo de desenvolvimento

    urbano, fundamentado no uso racional dos recursos naturais, para que estes possam

    continuar disponveis s futuras geraes.

    De acordo com Dias (2002), existe uma correlao entre as modificaes globais e o

    crescimento populacional induzidos pelas prticas de uso do solo e pelas alteraes

    causadas em sua cobertura. As mudanas de uso do solo so potencializadas quando reas

    so transformadas para abrigar os aglomerados urbanos com o aumento de reas naturais

    produtivas necessrias para sustentar o consumo de alimentos, alm do consumo de

    combustveis fsseis, gua e energia e reas para a assimilao de resduos de atividades

    especficas bsicas.

    As cidades crescem em todo o mundo1 e, nos pases em vias de desenvolvimento, a rpida

    urbanizao intensifica os problemas ambientais urbanos como o aumento pela demanda

    habitacional e a presso sobre as infra-estruturas urbanas bsicas, que so marcadas pela

    1 A populao mundial aumentou cerca de 2,4 bilhes nos ltimos 30 anos e aproximadamente metade deste crescimento ocorreu nas cidades. Estima-se que entre 2000 e 2030 quase todas as 2,2 bilhes de pessoas

    1

  • insuficincia no atendimento, inexistncia do servio ou, muitas vezes, adoo de solues

    ambientalmente condenveis.

    Verifica-se a proliferao de assentamentos informais nas cidades em locais de risco,

    ambientalmente sensveis ou de preservao obrigatria, em funo de sua excluso das

    reas legalmente urbanizadas, tornando difcil a sua legalizao e integrao nas cidades.

    Somado a isto, a expanso das cidades, sem qualquer limitao do territrio, incentivada

    pelas polticas pblicas de cunho populista2, diminui as reas circundantes para agricultura e

    reas de reservas naturais ou impe modificaes irreversveis a reas ambientalmente

    sensveis.

    Os impactos ambientais urbanos so todos inter-relacionados e se associam na maioria das

    vezes a um mesmo fato que gera uma seqncia em cadeia - a expanso urbana provoca a

    dependncia do automvel que aumenta a demanda por infra-estruturas (pavimentao e

    redes) e por combustveis fsseis. Ainda contribui para o desmatamento que enfraquece o

    solo, causando eroso, que, aliado falta de um sistema adequado de drenagem, resulta no

    carreamento de terra e lixo para os corpos dgua.

    O assoreamento reduz a profundidade dos rios e lagos prejudicando seriamente a qualidade

    desses recursos que so, ainda, comprometidos pela falta de saneamento ambiental e a

    presena de esgotos clandestinos. Alm disso, a constante impermeabilizao do solo e o

    uso de redes de drenagem subterrneas contribuem para o efeito de ilhas de calor.

    O aplainamento da topografia destri as caractersticas ambientais com a ocupao das

    margens dos rios e a destruio da vegetao local. Num estilo tabula rasa, reas

    desflorestadas surgem como bairros ridos carentes de espaos pblicos adequados,

    jardins ou arborizao. medida que infra-estruturas espalhadas so construdas para o

    automvel, cria-se uma realidade diferente de bairros densos construdos para pedestres.

    Os zoneamentos rgidos (cidades universitrias, distritos industriais, grandes conjuntos

    habitacionais contnuos, reas residenciais exclusivas, centros administrativos),

    sacramentados pelos CIAM3 e que dominaram o pensamento urbanstico dos anos 40 em

    acrescidas populao mundial acabaro em centros urbanos do mundo em desenvolvimento (Bright et al, 2003). 2 As ofertas de lotes, geralmente, ocorrem em lugares distantes dos centros urbanos, longe de possibilidades de emprego e sem infra-estrutura. Em Braslia, entre 1990 e 1994, foram ofertados mais de 100.000 lotes na periferia incentivada por populismo poltico como forma de controle social e o fomento da indstria da invaso, registrando a maior taxa de crescimento demogrfico do pas da poca. 3 CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna - A Carta de Atenas, de 1933, estabeleceu princpios do urbanismo moderno definindo o zoneamento e o plano, com densidades razoveis, a partir de quatro funes chaves, cada uma com sua autonomia: habitar, trabalhar, lazer e circulao. Apesar das separaes por usos, as reas destinadas ao lazer ou reas verdes permeiam as cidades modernistas projetadas - como no caso de Braslia.

    2

  • diante, no cumpriram seus objetivos. Surgem espaos ociosos, perigosos,

    descaracterizados e sem identidade que geram fortes demonstraes de excluso.

    Segundo Rogers (2001), este modelo, que se tornou fracassado nos pases desenvolvidos e

    se mantm nos pases em desenvolvimento, afasta investimentos em projetos de

    desenvolvimento urbano de uso misto que poderiam ter benefcios sociais e ambientais.

    O planejamento da capital do Brasil representa bem o olhar urbanstico dos CIAMs.

    Projetada segundo as normas de zoneamento e com objetivos de cidade polinucleada,

    Braslia foi pensada para uma populao de 600 mil habitantes para o Plano Piloto e conta

    hoje com apenas 240 mil. A poltica de periferizao criou uma constelao de cidades

    circunscritas ao Plano, algumas com avantajada populao como Ceilndia (mais de 330 mil

    habitantes) e Taguatinga (com cerca de 240 mil).

    Conforme explica Paviani (1991), a segregao social e espacial se deu pela preservao

    do aspecto lmpido do plano original conjuntamente com a formao e expanso das

    cidades satlites que no usufruem dos mesmos equipamentos coletivos urbanos e muito

    menos de empregos concentrados no Plano Piloto.

    A presso constante da populao migrante e o forte contedo preservacionista acabam

    segregando aqueles sem poder aquisitivo para fixar residncia ou estabelecer algum

    negcio no Plano Piloto, dada a alta valorizao desse espao. Restam ento, para esses,

    "cidades semi-urbanizadas", na periferia do centro, por vezes distanciadas em mais de 40

    km, carentes de oportunidades de trabalho.

    A valorizao imobiliria do Plano Piloto, devida em grande parte ao monoplio exercido

    pelo Estado sobre o solo urbano, o qual, por sua vez, no se explica sem fazer intervir a

    idia de administrao da escassez, somada ao sonho de todo brasiliense de classe mdia

    de ter casas ou chcaras nos arredores do Plano Piloto, implica a demanda por invaso de

    terras pblicas. Segundo Romero (2003, p. 250):

    A partir dos anos 80 e mais acentuadamente na ltima dcada do sculo XX, as aes no stio da capital tm intensificado os nveis de danos e de comprometimento ambiental. Atualmente, o diagnstico ambiental aponta um quadro crtico no Distrito Federal , especialmente nos ncleos urbanos situados em reas mais susceptveis, onde a reduo na qualidade de vida visvel, em conseqncia no apenas do desenho pouco adequado e da infra-estrutura deficiente mas tambm do processo contnuo de degradao e alterao dos ambientes locais (58% da vegetao nativa destruda). Podemos distinguir diversos nveis da devastao ambiental, desde a ocupao desordenada do espao at a desfigurao de ambientes locais ou ambientes de escassa qualidade de vida.

    3

  • E acrescenta: A gua desce desordenada pelas ruas, vinda de nascentes, de esgotos ou da chuva. Sem estrutura adequada de escoamento, invade condomnios e leva lixo, dejetos e cascalho para dentro dos crregos. Para se desfazer da gua suja os moradores puxam encanamentos at os crregos e constroem fossas ecologicamente incorretas; no h sistema de gua potvel. As nascentes so usadas e constroem poos artesiano secaram; a rea de proteo por especialistas da UnB revediminuindezenas em cinco

    Ao que se v, u

    95% da popula

    a maioria de s

    Unidades de Co

    maior percentual

    antes da criao

    4 As Unidades de Cterritrio nacional. SConservao SNUUnidades de Conserdeterminado ecossisambiental, por meio dpor um conselho.

    de forma desordenada pelos moradores, qus sem nenhum critrio. Muitos veios de gua do crrego no respeitada. Medies feitas

    lam que em vrios pontos do DF o nvel das guas subterrneas est do rapidamente. Na regio de So Sebastio, por exemplo, onde h de condomnios, o abaixamento do lenol fretico foi de quatro metros anos.

    m dos maiores problemas que se enfrenta hoje no Distrito Federal, onde

    o urbana, a ocupao desordenada de seu territrio. Paradoxalmente,

    eus assentamentos urbanos informais ou irregulares se encontra em

    nservao4 . O Distrito Federal a unidade da federao brasileira com

    de reas protegidas, chegando a aproximadamente 43% do seu territrio

    da APA do Planalto Central em janeiro de 2002. (Figura 0.1)

    o servao (UC) so reas protegidas e estabelecidas em ecossitemas representativos do o disciplinadas pela Lei 9985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidade de C. A categoria rea de Proteo Ambiental APA definida pela Lei do SNUC. So vao de uso sustentvel, onde se pretende preservar os atributos fsicos e culturais de um tema, evitando a ocupao desordenada e estimulando atividades de baixo impacto e um zoneamento, de um plano de manejo, da fiscalizao e da educao ambiental gerido

    n

    www.viaecologica.com.br

    Fig. 0.1 - Mapa das APA's do DF Fonte: Via Ecolgica, 2004

    4

  • Hoje, esta Unidade de Conservao engloba mais de 500 mil hectares, abrange todo o

    territrio do DF5 (exceto zonas urbanas consolidadas e algumas dentro de outras APAs

    limites embasados no Macrozoneamento do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF

    PDOT/97) e partes dos municpios goianos de Padre Bernardo e Planaltina de Gois,

    cabendo ao IBAMA, e no mais ao governo local, fiscalizar e licenciar todo empreendimento

    com impacto ambiental nesta regio.

    Assim, qualquer projeto urbanstico que esteja nesta rea, desenvolvido pela Secretaria de

    Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitao do DF SEDUH, deve passar pela

    aprovao do IBAMA. Conseqentemente, o processo de licenciamento ambiental para a

    regularizao dos assentamentos torna-se mais complexo, uma vez que o projeto

    urbanstico desenvolvido por profissionais da rea de arquitetura e urbanismo do rgo

    distrital e o licenciamento ambiental assegurado por tcnicos ambientais do rgo

    ambiental, na esfera federal.

    As iniciativas para regularizao dessas invases geram um procedimento administrativo de

    licenciamento ambiental, incluindo a aprovao de estudo de impacto ambiental e seu

    respectivo relatrio (EIA-RIMA), que deve prever como os meios social e ambiental ficaro

    afetados, positiva ou negativamente, pela implantao do projeto.

    O EIA-Rima funciona como um elo entre o componente poltico e social, responsvel pela

    execuo das diretrizes ambientais, e o componente tcnico, cientfico e legal desses

    instrumentos. No entanto, existe um distanciamento entre as informaes obtidas nos

    estudos de impactos ambientais e as anlises e proposies para as intervenes urbanas,

    ou seja, apresentam um carter mais enciclopdico do que analtico.

    Esses estudos, em sua maioria, no evitam conflitos no processo de licenciamento e,

    conseqentemente, estendem-se por muito tempo, privando a populao carente dos

    benefcios da urbanizao da rea. Concomitantemente, em um projeto urbanstico, a

    nfase ainda dada ao tipo de uso do espao e suas malhas virias e no capacidade de

    suporte do regime hdrico de cada regio, estabelecendo uma unidade hidrogrfica como

    unidade de planejamento. O que se observa so proposies de tecnologias imediatistas,

    tradicionais para a infra-estrutura, ou seja, o mero saneamento para a higienizao do

    local.

    Enquanto isso o processo de ocupao do territrio do Distrito Federal se apresenta como

    sinnimo da degradao ambiental do Bioma Cerrado, a despeito da proteo do seu

    5 Ver em anexo o Mapa Ambiental do DF e a rea de Proteo Ambiental do Plananto Central.

    5

  • territrio ou de planos de ordenamento territorial (PDOT), e tentativas correlatas de

    zoneamento. As principais vulnerabilidades ambientais de assentamentos sem

    planejamento so: escassez e poluio dos recursos hdricos e a susceptibilidade do solo

    eroso, que contribuiem para a diminuio da biodiversidade.

    1. Delimitao do tema - Problema

    A abordagem da questo ambiental para reas urbanas no Brasil requer uma especificidade

    de percepo que envolve mltiplos atores e conflitos de interesses com dimenses

    bastante complexas. Alm da problemtica em si enquanto desastres possveis, os

    problemas ambientais urbanos devem ser vistos sobretudo pelo critrio da conflitualidade

    entre os atores, principalmente quando os elementos do ambiente no so incorporados nas

    solues urbansticas (proposta, planejamento e desenho).

    De acordo com Pacheco et al (1992), em relao ao aspecto terico-metodolgico, a

    questo ambiental urbana no tem ainda um estatuto delimitado devido ao tratamento

    dissociado entre ecologia e a questo urbana. No campo concreto das polticas urbanas

    com uma abordagem integrada, h a tendncia de se gerar uma nova agenda de pontos a

    serem contempladas no planejamento e gesto das cidades.

    A incorporao da temtica ambiental na agenda governamental no mbito do urbano

    implica o questionamento dos tratamentos setorizados das polticas pblicas e requer uma

    renovao das interfaces entre os problemas relativos aos recursos hdricos, ao

    saneamento, energia, poltica agrcola e industrial, ao uso do solo e sade pblica

    entre outros.

    A multiplicidade de atores diante das questes ambientais urbanas envolve um conjunto de

    conflito de interesses e um conjunto de compatibilidade e pactos possveis que perpassam

    no apenas diversos segmentos organizados da sociedade civil, mas igualmente variadas

    agncias governamentais. Pacheco et al (1992) enumeram esses conflitos que se

    entrelaam: na competncia entre esferas de governo, nos diferentes rgos e anis

    burocrticos e novos arranjos institucionais para a formulao e gesto das polticas

    pblicas para o setor.

    No caso do gerenciamento dos recursos hdricos nas cidades h um campo de conflitos

    quanto s competncias governamentais, uma vez que a Constituio Federal (CF) de 1988

    adotou a competncia concorrente6 para o meio ambiente. Abrese espao paras as

    6 Competncia legislativa concorrente - cabe a Unio Federal (UF) fazer as normas gerais a serem respeitadas pelos demais Entes Federativos: os Estados Membros da Federao, o Distrito Federal e os Municpios. A funo dos demais entes da Federao criar leis com o intuito de viabilizar, frente a seus

    6

  • disputas polticas no que tange os limites jurdico-legais implicados nos termos da

    competncia concorrente e as esferas de governo. Os municpios no tm poder decisrio

    sobre as questes relativas aos recursos hdricos e ao saneamento e buscam se aglutinar

    na forma de consrcio intermunicipal e os governos estadual e federal, por sua vez, tm que

    se adaptar s mudanas no processo decisrio e nas rotinas internalizadas da mquina

    administrativa.

    Em se tratando de regularizao urbanstica para assentamentos em reas ambientalmente

    protegidas, os conflitos so evidenciados no s pela divergncia entre ambientalistas e

    grupos populares em movimento por moradias, como tambm pela diviso dos problemas

    ambientais entre atores envolvidos nas agncias governamentais na conduo de

    determinada poltica setorial.

    Continuando na viso de Pacheco (op. cit.), cada agncia procura se colocar como

    interlocutor poltico-privilegiado e busca novos arranjos institucionais, aliando-se muitas

    vezes a novos atores pblico ou privados, que, por sua vez, travam uma luta por melhor

    posicionamento institucional e maior influncia nas discusses oramentrias (interesses

    coorporativo-burocrticos).

    Assim, comea a existir outro aspecto de disputa: as interfaces que cortam as duas esferas

    burocrticas: pblica e privada. Nestas interfaces, os interesses da sociedade civil comeam

    a aparecer e os novos agentes sociais passam a ter papel importante nas discusses e

    propostas alternativas. No entanto, nem sempre os interesses dos diversos grupos sociais

    so coincidentes, tornando-se um desafio a construo de articulaes inovadoras entre os

    atores que regulam, fiscalizam e consomem os recursos naturais.

    A Agenda 21, documento previsto na Rio-92, com o plano de aes para as naes do

    ponto de vista do desenvolvimento sustentvel, estabelece uma verdadeira parceria entre

    governos e sociedades. um roteiro de aes concretas, com metas, recursos e

    responsabilidades definidas e serve de guia para as aes do governo e de todas as

    comunidades. Ocorre que os problemas e interesses das naes desenvolvidas e em

    desenvolvimento so diferentes e nas prioridades de ao ficou ntida a separao de

    agendas denominadas Verde e Marrom.

    problemas e caractersticas peculiares, as normas gerais estabelecidas pela UF e pela CF. No caso do DF a Lei Orgnica subordinada a CF. Competncia executiva concorrente os rgos e entidades da UF, Estados Membros, Distrito Federal e Municpio responsveis pela proteo e melhoria da qualidade ambiental: rgo central Ministrio do Meio Ambiente, rgo executor IBAMA, rgos seccionais secretarias estaduais e do DF do meio ambiente, rgos locais secretarias municipais do meio ambiente (Santos et al, 2004).

    7

  • A Agenda Verde se refere a assuntos como a preservao de florestas e biodiversidade,

    mudanas climticas, enquanto a Agenda Marrom, segundo terminologia utilizada pelos

    profissionais da rea de saneamento ambiental, refere-se a problemas ambientais urbanos,

    como poluio do ar, da gua e do solo, coleta e reciclagem do lixo e ordenamento

    territorial. (Tabela 01)

    De acordo com Anjos (2003), os conflitos7 entre os atributos das duas agendas partem das

    diferenas entre as prioridades ambientais de pases desenvolvidos e pases em vias de

    desenvolvimento. As grandes cidades dos pases desenvolvidos passaram por esses

    problemas no final do sculo XIX: superpopulao, pobreza, problemas com sade,

    canalizaes de esgoto a cu aberto e detritos e resduos prximos s moradias.

    Tabela 0.1 Diferena de interesses das Agendas Verde e Marrom

    Agenda Verde Agenda Marrom

    Concentra aes em torno da proteo e preservao do espao natural, com

    preocupaes que emergem de interesses pblico-coletivo.

    Concentra aes em torno da interveno e transformao do mesmo espao natural, com

    preocupaes que emergem de interesses geralmente privado-individual.

    Representada por atores que fiscalizam o meio ambiente no nvel estadual ou federal.

    Representada por atores envolvidos com o planejamento urbano no nvel municipal

    Problemas ambientais globais: desflorestamento, mudana climtica, efeito estufa e destruio de zonas costeiras, etc...

    Problemas ambientais urbanos: a poluio do ar, da gua e do solo, a coleta e

    reciclagem de lixo, ordenamento urbano, etc...

    Prioridade dos pases desenvolvidos

    Prioridade dos pases em vias desenvolvimento

    Portanto, os riscos sade e s desigualdades sociais levaram busca por melhores

    7 Na viso de Theodoro, Cordeiro e Beke (2004), os conflitos modernos, sobretudo os socioambientais, so inerentes prpria formao do modelo atual da sociedade, os quais contm dualismos divergentes, considerando-se conflito um processo de associao de objetivos, nem sempre compatveis, quando se trata de disputas envolvendo os recursos naturais. Assim, o conflito tem como incumbncia resolver uma unidade perdida, reunindo o embate entre os atores envolvidos. Constitui-se num elemento vital para a renovao e unidade das sociedades, podendo ser s vezes responsvel pela desagregao, pois nem sempre conduz conciliao. necessrio que no se perca a noo, de que os conflitos no se resolvem entre procedimentos maniquestas, e sim na busca de um ponto intermedirio. Os conflitos podem ser classificados em: potenciais, nos quais as situaes mostram a possibilidade do confronto e, manifestos, nos quais existem atores conscientes da possibilidade do confronto. Deve-se considerar quatro elementos centrais quando se analisa um conflito: os atores, a natureza (econmica, poltica, ambiental, entre outras), os objetos e as dinmicas.

    8

  • condies de vida, por meio de vrios modelos higienistas8 de Reforma Urbana. Podem aqui

    ser citadas, desde as Leis Sanitrias de 1848, que permitiam a interveno do Estado para

    reformas em reas insalubres na Inglaterra, passando pela reforma de Paris em1860, do

    Baro Haussman, at o movimento para as Cidades-Jardins de Ebenezer Howard9, tambm

    na Inglaterra em 1898, que dava nfase ao desenvolvimento econmico e os problemas

    sociais integrados ao desenho da paisagem. Estas questes sero abordadas no captulo 1,

    no qual trata a evoluo do desenho urbano associado ao desenho da paisagem.

    Desde ento, passado um sculo de intervenes urbanas, apesar do esgotamento de seus

    recursos naturais10 vide Floresta Negra na Alemanha e da explorao dos recursos de

    suas colnias na frica, na Amrica e na sia aos pases desenvolvidos foi possvel

    estabelecer uma melhoria da qualidade de vida nas cidades e, conseqentemente, da

    qualidade ambiental local11. Como se percebe, os pases desenvolvidos se preocuparam em

    garantir a qualidade de vida das geraes futuras. Portanto, assuntos globais como

    desflorestamento, mudanas climticas, destruio da camada de oznio, ganham destaque

    nas reunies de Cpula das Naes Unidas para o desenvolvimento sustentvel.

    Enquanto isso, nos pases em vias de desenvolvimento, as necessidades da maioria das

    populaes pobres, evidenciadas nos quesitos da Agenda Marrom, no so atendidas, tais

    como: abastecimento de gua, acesso rede de esgoto, coleta de lixo e, at mesmo, a

    moradia12. Como exemplo da catica situao brasileira, segundo o Ministrio das

    Cidades13, estima-se que 32,3 milhes de pessoas no tm acesso gua potvel, apenas

    31% da populao brasileira atendida com esgotamento sanitrio e 150 milhes de

    pessoas no tem esgoto tratado.

    No Brasil, nesses ltimos anos, os principais temas ambientais discutidos pelos atores

    sociais envolvidos, como ONGs, empresrios, organismos multilaterais e governos, esto

    8 No Brasil, no final do sculo XIX, com o aumento da taxa de crescimento urbano, a interveno estatal tambm se deu por meio de concepes higienistas que no questionavam as causas da insalubridade resultando em um autoritarismo sanitrio. A interveno do poder pblico no controle da produo do espao urbano foi desenvolvida em trs direes: legislao urbanstica, planos de saneamento bsico e estratgias de controle sanitrio (BonduKi, 1998). 9 Os ideais de Howard so vistos hoje como um dos precursores do Ecourbanismo apesar do efeito de suburbanizao ou periferizao que estes promoveram. No entanto, os princpios para a construo de Cidades-Jardins no foram trazidos na ntegra para os pases da Amrica Latina: o que se transplantou para c foi o modelo de Subrbio-Jardim, uma concepo incompleta para empreendimentos de classe mdia (Hardoy et al, 1988). 10 Nos pases desenvolvidos em apenas trs dcadas (1960 a 1990), 1/5 da cobertura florestal nativa foi perdida. (Dias, 2002). 11 Nas ltimas dcadas, as reas urbanas dos pases desenvolvidos apresentaram progressos na resoluo dos seus problemas ambientais locais, no entanto em decorrncia dos seus altos padres de consumo, continuam contribuindo para sobrecarregar os ambientes no mbito regional e global. 12 Tais problemas urbanos existem nas cidades da Amrica Latina, como So Paulo, desde o incio do sculo XX. (Bonduki, 1998) 13 Fonte: Correio Braziliense, 21 de setembro, 2003.

    9

  • baseados nos interesses da Agenda Verde e menos na Agenda Marrom14. Na maioria das

    vezes os temas ambientais urbanos so abordados por engenheiros ambientais, numa fase

    posterior aos projetos urbansticos, sendo, portanto, tratados como projetos

    complementares.

    De acordo com Braun (2003), a criao de novas tecnologias ou o uso de tecnologias

    alternativas no processo de desenvolvimento sustentvel por meio da engenharia ambiental,

    constitui um instrumento fundamental para a concretizao de projetos ecolgicos. Existem

    tecnologias alternativas simples e de relativo baixo custo, mas por elas fugirem dos padres

    de engenharia tradicional, acabam sendo alvo de preconceitos, facilitando a sua rejeio.

    Os programas abordados pelo setor de saneamento e recursos hdricos so dominados por

    foras hegemnicas, enquanto a rea ambiental relegada a grupos politicamente menos

    fortes, o que dificulta a aceitao de novas tecnologias ou tecnologias alternativas. Neste

    sentido, as organizaes governamentais e o setor privado preferem optar por tecnologias

    convencionais caras, mesmo sabendo que as tecnologias alternativas bem projetadas e

    implantadas bem resolveriam a demanda.

    No Brasil, comum associar ecologia luta contra a devastao dos recursos naturais e no

    mbito do urbano recai sobre o aumento de reas verdes ou a diminuio de cortes de

    rvores. S mais recentemente, com os alarmantes casos de enchentes, contaminao de

    mananciais para o abastecimento de gua e racionamento, a imprensa comeou a enfatizar

    questes relativas aos servios urbanos. Torna-se necessrio passar da percepo de

    catstrofes e riscos eventuais conscincia dos problemas cotidianos.

    Faltam princpios ou modelos para a aplicao de projetos de infra-estrutura associados ao

    planejamento e desenho de nossas cidades, e que resolvam os problemas relacionados s

    duas agendas. Ou seja, uma aproximao ecolgica por parte das reas de arquitetura e

    urbanismo e uma aproximao urbanstica por parte dos cientistas ambientais.

    Os dilemas socioambientais urbanos que afligem pases como o Brasil so vistos apenas

    como de curto prazo e no esto relacionados degradao planetria. So polticas de

    gesto ambiental urbana de final de tubo15 voltadas para resolver problemas existentes

    14 No Brasil a atuao do Ministrio do Meio Ambiente no campo da gesto ambiental urbana a chamada Agenda Marrom teve origem em 1999, com a criao da Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos e da Gerncia de Gesto Ambiental Urbana e Regional. E no ano de 2002, com a criao do Ministrio das Cidades inicia-se o Programa de Modernizao do Saneamento Ambiental. 15 Final de tubo - Terminologia utilizada para as solues de impactos ambientais causados por industrias para problemas imediatos, que j esto como poluentes. No levam em considerao todo o processo, ou seja, o ciclo de vida dos produtos.

    10

  • ou apenas para substituir problemas, ao invs de estabelecer solues ecolgicas

    alternativas ocupao do espao urbano.

    De acordo com Fortes (2003), uma gesto ambiental urbana deve se dedicar s atividades

    de gerenciamento de uma cidade na perspectiva da melhoria e da conservao de sua

    qualidade ambiental. Isso implica desenvolver atividades de "Engenharia Ambiental16" e de

    "Ecologia Aplicada ao Meio Urbano", alm de atividades que envolvam a formulao e

    aplicao da "Legislao Ambiental" e das normas complementares.

    So atividades que devem ser pensadas simultaneamente, pois apesar da Legislao

    Ambiental Brasileira ser bastante rigorosa em suas normas disciplinadores para o meio

    ambiente ecologicamente equilibrado, no possui, em seus instrumentos, princpios ou

    padres com solues tcnicas para a reurbanizao de assentamentos em reas

    ambientalmente protegidas.

    A poltica ambiental urbana, vigente no mbito federal e estadual, expressa em instrumentos

    de comando e de controle trabalha muito mais com o fato j ocorrido, procurando mitigar os

    impactos negativos, ao invs de promover e incentivar a aplicao de tecnologias

    apropriadas ou desenhos urbanos sustentveis ocupao do espao urbano.

    representada pela Poltica Nacional do Meio Ambiente, os Cdigos Florestal, de gua, de

    Fauna, e as Resolues do CONAMA.

    Por outro lado, o planejamento urbano tradicional reproduz as potencialidades e restries

    ao uso de ocupao do solo e no se vincula necessariamente aos condicionantes

    ambientais do territrio. representado por planos de ordenamento territorial (no caso do

    DF PDOT de 1997) ou planos diretores, leis e cdigos complementares de parcelamentos

    e de edificaes e pelo Estatuto da Cidade. As polticas urbanas voltadas para as questes

    ambientais restringem-se s aes de saneamento por parte do poder municipal,

    principalmente por meio de redes de infra-estruturas e tratamentos de resduos de forma

    convencional com tecnologias a custos elevados.

    Conforme analisa Ribas (2003), o grande desafio est em promover uma melhor integrao

    16 A Engenharia Ambiental trata das atividades dedicadas ao exame dos problemas de poluentes dispostos no meio ambiente e os requisitos tecnolgicos do manejo de contaminantes existentes na gua, solo e ar. Pode-se, tambm, desenvolver tecnologias sustentveis para aplicaes diretas nos projetos de arquitetura e urbanismo. A Ecologia Aplicada ao Meio Urbano desenvolve atividades que examinam a estrutura dos ecossistemas e a dos organismos vivos e a relao funcional existente entre estes e o meio fsico. Avalia os ciclos de energia e nutrientes, a dinmica populacional e os fatores limitantes que influem na qualidade dos ecossistemas. importante para se estabelecer princpios ecolgicos para outras reas do conhecimento. A Legislao Ambiental, por sua vez, o conjunto de normas jurdicas produzidas pelos poderes representativos (executivo, legislativo e judicirio), e constituem a base para a determinao do contexto legal que permite o adequado manejo do meio ambiente e a utilizao criteriosa de seus recursos (Fortes, 2004).

    11

  • entre a poltica urbana e a poltica ambiental e, ao mesmo tempo, promover um enfoque

    sistmico na definio de princpios e instrumentos de planejamento para todos os atores

    envolvidos na direo de um desenvolvimento urbano sustentvel. Cabe ao projetista uma

    srie de estratgias ou princpios associados morfologia para assegurar a sustentabilidade

    ambiental.

    Muitos problemas ambientais urbanos tais como a escassez de gua, enchentes,

    deslizamentos, poluio do ar oriunda dos automveis e indstrias, poluio dos recursos

    hdricos, formao de ilhas de calor e inverso trmica poderiam ser evitados se os

    cientistas ambientais e os urbanistas trabalhassem conjuntamente no planejamento e

    desenho integrado.

    Fica ento a questo para os projetistas urbanos em descobrir como evitar os conflitos entre

    as duas Agendas para que no seja necessrio destruir para crescer, principalmente

    porque so pases que no tero fundos para esta reconstruo urbana. De acordo com

    Register (2002) a construo constri, se no for levada em considerao a estrutura fsica

    da cidade e a sua organizao, no seremos capazes de resolver todos os problemas da

    desintegrao do planeta. ...Aquilo que se constri cria possibilidades e limites para o modo

    de se viver, ao mesmo tempo educa queles que moram na cidade sobre os valores e as

    preocupaes reais.

    2. Relevncia do tema - Justificativa

    No Brasil existem alguns instrumentos da gesto ambiental urbana de formato preventivo,

    como a avaliao de impacto ambiental (AIA), que orienta a concepo dos projetos ou

    programas de desenvolvimento, identificando e avaliando as conseqncias ambientais e

    scio-culturais, numa perspectiva de curto, mdio e longo prazos.

    Segundo Bursztyn (1994), a AIA tem como funes definir os critrios relevantes ambientais,

    conhecer e identificar os processos socioeconmicos, conhecer os ecossistemas, fornecer

    subsdios para a tomada de deciso e viabilizar os canais de participao da sociedade. Por

    meio desse instrumento, pode-se reduzir ou anular benefcios socioeconmicos previstos

    num determinado projeto.

    composto por uma sucesso de etapas que se encadeiam e se inter-relacionam

    sistematicamente: planejamento e elaborao do projeto, diagnstico ambiental,

    identificao, previso e medio dos impactos, interpretao e avaliao dos impactos,

    consulta e participao, e, por fim, programa de acompanhamento e monitoramento. Deve-

    12

  • se intervir numa etapa anterior da deciso realizao de um determinado projeto que

    acaba resultando na elaborao de um estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA).17

    O EIA-RIMA tem auxiliado os rgos de meio ambiente na tomada de deciso quanto

    concesso de licenas ambientais e servido como instrumento de negociao entre os

    agentes envolvidos nos projetos propostos. Entretanto, segundo Absy (1995), tem

    contribudo muito pouco para aperfeioar a concepo dos projetos propostos e para a

    gesto ambiental no seu todo.

    No entanto, de acordo com tcnicos e promotores do ministrio pblico que trabalham

    diretamente no processo de aprovao de Estudos de Impactos Ambientais (no caso de

    ao civil pblica) na regio do DF, existe um distanciamento entre as informaes obtidas

    nos estudos de impactos ambientais e as anlises e proposies alternativas para as

    intervenes urbanas.

    Segundo Ribas (2003), quando os EIAs-RIMAs so aplicados diretamente em reas

    urbanas apresentam alguns problemas operacionais que comprometem sua credibilidade e

    sua eficcia de avaliao: primeiramente, a necessidade de avaliao da hiptese de no

    realizao do projeto analisado ou suas alternativas de localizao.

    Em prosseguimento, trata da rotina processual de aprovao ou emisso de licenas a

    prvia, a de instalao e a de operao. Na viso deste autor, a licena de operao no se

    aplica dinmica urbana, uma vez que, ao implantar o loteamento (desmatamento, abertura

    de vias, implantao de infra-estrutura), a operao j est sendo iniciada.

    Por fim, apresenta o problema de estruturao metodolgica de avaliao de impactos, pois

    so estabelecidos pesos iguais para atributos de naturezas diversas, resultando em

    concluses hipotticas e gerando documentos conclusivos ilegtimos, verdadeiras

    enciclopdias de dados, muitas vezes irrelevantes e, quase sempre, onerosos para o agente

    empreendedor.

    Alm disso, a partir da anlise das informaes disponveis sobre a regio, pelas diversas

    reas do conhecimento, seria possvel formular um desenho urbano verdadeiramente

    ecolgico se houvesse um mtodo para se projetar de acordo com princpios de

    sustentabilidade ambiental que pudessem ser aplicados diretamente morfologia urbana.

    17 O Estudo de Impacto Ambiental foi introduzido no sistema normativo brasileiro, via Lei 6.803/80, no seu artigo 10, 3o. , que tornou obrigatria a apresentao de estudos especiais de alternativas e de avaliaes de impacto para a localizao de plos petroqumicos, cloroqumicos, carboqumicos e instalaes nucleares. Posteriormente, a Resoluo CONAMA 001/86 estabeleceu a exigncia de elaborao de Estudo de Impacto Ambiental EIA e respectivo Relatrio de Impacto Ambiental RIMA para o licenciamento de diversas atividades

    13

  • Entretanto, sabe-se que ainda existe uma lacuna entre as restries impostas pelos estudos

    de impactos ambientais e as solues urbansticas adotadas.

    Esse instrumento importante da gesto ambiental urbana deveria ser utilizado anteriormente

    e durante os planos e projetos de interveno, pois sem entender a morfologia e atividades

    urbanas associadas ao meio natural, como poderemos projetar cidades ou lugares

    ecologicamente saudveis?

    Ser que a nica maneira de recuperar ambientes degradados usarmos tecnologias ou

    estratgias para a higienizao da rea como foi feito na Europa e no Brasil no final do

    sculo XIX? Ou podemos pensar em solues tcnicas e estratgias de sobrevivncia por

    meio da satisfao de necessidades bsicas como abastecimento de gua, moradia e

    alimentos que tenham o efeito de ecologizao do ambiente humano?

    No se deveria insistir no tratamento padro de nossas cidades, onde se privilegia o uso

    do automvel que, por sua vez, contribui para a expanso urbana por meio de um sistema

    virio monumental e grandes redes de infra-estrutura impermeabilizando grande parte das

    reas urbanas, com a canalizao de grande parte dos riachos. Este modelo urbanstico

    atual de pouca densidade contribui tambm para a perda da escala de vizinhana e o

    rompimento da organizao social priorizando o espao privado.

    De acordo com Romero (2003), este modelo corrobora na criao de condies

    degradantes do meio urbano com feies: bioclimticas (rajadas de vento / poeira, calor

    intenso nos dias de sol e visuais ridas), funcionais (difcil e insegura mobilidade e falta de

    locais pblicos para o lazer e o convvio comunitrio), ambientais (fraco senso de orientao

    locacional e baixo valor cnico), e socioeconmicas (violncia e falta de auto-

    sustentabilidade, com dependncia do Plano Piloto).

    Os problemas, ao que parece, so em grande parte atribudos: presena de inmeros

    vazios urbanos - lotes institucionais desocupados / reas pblicas abandonadas - falta de

    tratamento paisagstico, ao repetitivo padro urbano adotado e distncia do plo produtivo.

    Por que no introduzir a dimenso ecolgica nos vrios processos de urbanizao desde o

    planejamento, design e estratgias de desenvolvimento?

    A utilizao dos elementos ambientais diagnosticados nos EIAs-RIMAs sobre o local do

    futuro assentamento, como o ar (sentido dos ventos), a gua (recursos hdricos), o solo, a

    modificadoras do meio ambiente, bem como as diretrizes e atividades tcnicas para a sua execuo (ABSY et al, IBAMA, 1995).

    14

  • vegetao e a posio do sol, podem representar uma poderosa ferramenta, ou at mesmo,

    uma economia de recursos para o planejamento e desenho do espao urbano.

    As cidades podem cultivar biodiversidade, restaurar terras e guas, conservar a cobertura

    vegetal e, ao mesmo tempo, incorporar um conjunto de estratgias de sobrevivncia,

    integralmente presentes, como moradia, trabalho, alimentao, saneamento, manufatura,

    lazer, vida social e comrcio, em propores balanceadas, contribuindo para a melhoria da

    sade do planeta.

    2.1 A dimenso ecolgica no desenvolvimento urbano

    A preocupao com os temas ambientais e o desenvolvimento vem se expressando em

    diferentes fruns internacionais desde 1972, quando ocorreu a Conferncia sobre o

    Ambiente Humano que resultou na Declarao de Estocolmo. No documento foram

    estabelecidos uma viso global e princpios comuns, que servissem de inspirao e

    orientao humanidade para a preservao e melhoria do ambiente humano.

    O conceito de sustentabilidade foi criado por Lester Brown da WWI (Worldwatch Institute),

    no incio da dcada de 1980. Foi definido que uma sociedade sustentvel aquela capaz

    de satisfazer suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivncias das

    geraes futuras.

    Alguns anos depois foi utilizada pela Comisso Mundial do Meio Ambiente e

    Desenvolvimento, no famoso Relatrio Brundtland de 1986, a mesma definio para

    apresentar a noo de desenvolvimento sustentvel. Afirmava-se seria o desenvolvimento

    que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das geraes

    futuras de suprir suas prprias necessidades. No entanto, por se tratar de um documento,

    essa definio no nos mostra como devemos construir uma sociedade sustentvel e, muito

    menos, como devemos construir cidades sustentveis.

    Foi a partir desse relatrio que a idia de que necessrio um esforo comum e planetrio

    para corrigir os rumos do modelo de desenvolvimento econmico se firmou no cenrio

    poltico, idia reforada em 1992, quando ocorreu a Conferncia das Naes Unidas sobre

    Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro.

    Levou-se aprovao de um documento, denominado Agenda 21, no qual os vrios pases

    signatrios se comprometeram ao estabelecimento de um pacto pela mudana do padro de

    desenvolvimento global para o prximo sculo. O documento rene o conjunto mais amplo

    de premissas e de recomendaes sobre como as naes devem agir para alterar seu vetor

    de desenvolvimento em favor de modelos sustentveis, iniciando programas de

    15

  • sustentabilidade.

    Nesse contexto, o Brasil coloca-se no mundo globalizado com uma questo fundamental: os

    problemas tpicos dos pases do Primeiro Mundo de degradao ambiental derivados do

    excesso de desenvolvimento (poluio industriais, concentrao populacional nas

    metrpoles, uso indevido dos recursos naturais) e da ausncia de desenvolvimento

    (pobreza, condies de sade e educao precrias, carncias de moradias e de servios

    de saneamento). Como equacionar tais problemas na direo do desenvolvimento

    sustentvel?

    O conselheiro especial da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e

    Desenvolvimento de 1992, Ignacy Sachs (1993), afirma que as estratgias de

    Ecodesenvolvimeto, posteriormente renomeado de desenvolvimento sustentvel, para os

    pases em vias de desenvolvimento, podem ser triplamente vencedoras, pois alm de

    promover o progresso social, por meio de gerao de empregos, e contribuir para melhorar

    o meio ambiente so economicamente justificveis na medida em que as atividades que

    geram uma economia de recursos se auto-financiam. Torna-se o trip do desenvolvimento

    sustentvel: prudncia ecolgica, justia social e desenvolvimento econmico.

    De acordo com Bezerra (2000), a partir do exame do conceito de desenvolvimento

    sustentvel firmado na Agenda 21 e incorporado em outras agendas mundiais de

    desenvolvimento e de direitos humanos, o marco terico utilizado pelo Consrcio Parceria

    21 (atores relevantes do governo e da sociedade) para a formulao da Agenda 21

    Nacional, elegeu 21 eixos prioritrios que se traduzem em princpios e polticas pblicas.

    A Agenda 21 brasileira considera duas noes-chave para o tema Cidades Sustentveis18: a

    noo da sustentabilidade ampliada, que trabalha a sinergia entre a dimenso ambiental,

    social e econmica do desenvolvimento e a de que a sustentabilidade no um estado, mas

    um processo. Ambas as noes permitem combinar as duas fortes caractersticas

    programticas da Agenda 21 o pragmatismo e a utopia.

    Distingue quatro dimenses bsicas: uma dimenso tica, compromisso com as geraes

    futuras; uma dimenso temporal, que planeja a longo prazo; uma dimenso social, baseada

    numa sociedade menos desigual e com pluralismo poltico; e uma dimenso prtica, na qual

    se reconhece como necessria a mudana de hbitos de consumo e de comportamentos.

    As dimenses complementam a dimenso econmica do Relatrio Brundland, de 1987, no

    18 Uma Cidade sustentvel precisa atender aos nossos objetivos sociais, ambientais, polticos, culturais, econmicos e fsicos. Na viso de Rogers (2001), ela tem que ser uma cidade justa, bonita, criativa, ecolgica, fcil (mobilidade), compacta e policntrica (maximizar a proximidade) e diversificada.

    16

  • qual se diz que possvel crescer sem destruir.

    Indica critrios e vetores de sustentabilidade, estratgias, paradigmas e produtos a serem

    incorporados pelas esferas pblica, estatal e privada. Foram consolidadas e ordenadas em quatro estratgias de sustentabilidade urbana, identificadas como prioritrias para o

    desenvolvimento sustentvel das cidades brasileiras (Bezerra, 2000, p.15 -18).

    1. Aperfeioar a regulamentao do uso e da ocupao do solo urbano e promover o ordenamento do territrio, contribuindo para a melhoria das condies de vida da populao, considerando a promoo da eqidade, a eficincia e a qualidade ambiental.

    2. Promover o desenvolvimento institucional e o fortalecimento da capacidade de planejamento e de gesto democrtica da cidade, incorporando no processo a dimenso ambiental urbana e assegurando a efetiva participao da sociedade.

    3. Promover mudanas nos padres de produo e de consumo da cidade, reduzindo custos e desperdcios e fomentando o desenvolvimento de tecnologias urbanas sustentveis [grifo nosso].

    4. Desenvolver e estimular a aplicao de instrumentos econmicos no gerenciamento dos recursos naturais visando sustentabilidade urbana.

    Dentre as quinze propostas relacionadas ao item 3, no qual este estudo est inserido cabe

    ressaltar: promover mudanas nos procedimentos utilizados para lidar com assentamentos

    e com projetos habitacionais, passando a levar em considerao o conforto, a qualidade

    ambiental e a ecoeficincia, com o mximo aproveitamento de materiais reciclados e

    apropriados.

    Entre os objetivos especficos voltados para a promoo do desenvolvimento sustentvel

    dos assentamentos humanos, destacam-se: Oferecer a todos habitao adequada; aperfeioar o manejo dos assentamentos humanos; promover a existncia integrada de infra-estrutura ambiental: gua, esgotamento sanitrio, drenagem e manejo de resduos slidos; promover sistemas sustentveis de energia e de transporte nos assentamentos; promover o planejamento e o manejo dos assentamentos humanos localizados em reas sujeitas a desastres; promover atividades sustentveis na indstria da construo; promover o desenvolvimento dos recursos humanos e a capacitao institucional e tcnica para o avano dos assentamentos humanos.

    No entanto, como transformar essas estratgias de planejamento com seus objetivos

    especficos em modelos ou princpios, que possam ser aplicados no desenho de nossas

    cidades brasileiras? H como ser traduzido para a forma urbana? Existe no Brasil um

    mtodo para aplicao de princpios ecolgicos, na disciplina de desenho urbano, nos

    Departamentos de Arquitetura e Urbanismo? Ou temos que tomar emprestado da Ecologia?

    Seria o Ecourbanismo, ou Urbanismo Sustentvel, uma nova maneira de projetar de forma a acomodar as atividades humanas em um entorno cada vez mais ameaado e

    deteriorado?

    17

  • Segundo Ruano (2000), o Ecourbanismo uma nova disciplina que articula mltiplas e

    complexas variveis e incorpora uma aproximao sistmica ao desenho urbano com uma

    viso integrada e unificada, trazendo, como conseqncia, a superao da diviso clssica

    do urbanismo tradicional e seus critrios formais e estilsticos. A partir deste novo paradigma

    deve-se estabelecer uma relao dialtica entre o planejamento estratgico e o desenho

    urbano.

    Neste sentido, torna-se importante aprofundar conhecimentos desta nova disciplina,

    investigar ao longo da histria modelos que serviram de base para este vetor e analisar

    padres urbanos desenvolvidos no mundo que esto caminhando nesta direo.

    Alm disso, torna-se necessrio investigar princpios19 aplicados forma urbana e sua

    organizao que possam ser caracterizados como de sustentabilidade ambiental, a fim de

    se entender como projetar assentamentos humanos em equilbrio com a natureza,

    economicamente viveis e lugares agradveis para se viver. Conseqentemente por meio

    deste entendimento, tornar-se-ia possvel fornecer subsdios para o estabelecimento de

    critrios locais para o desenho de parcelamentos urbanos, pois conforme coloca Register

    (2002), a forma que construmos lugares para viver significa o modo que devemos viver.

    3. Objeto

    Para ilustrar a inexistncia no Brasil de princpios de sustentabilidade ambiental, que

    possam ser aplicados de forma sistmica, ao processo de desenho para parcelamentos

    urbanos em reas sensveis, objeto desta pesquisa, escolheu-se o processo de

    licenciamento ambiental do projeto urbanstico desenvolvido pelo PROGRAMA HABITAR

    BRASIL/BID para o assentamento da Vila Varjo, localizado no DF. Como foi desenvolvido,

    alm do estudo de impactos ambientais, alguns laudos tcnicos - em especial o

    desenvolvido pela empresa TOPOCART, com mapas georeferenciados, sinalizando os

    problemas referentes aos recursos hdricos, declividade e geologia - houve um

    encurtamento no caminho para a anlise e diagnstico da rea a ser trabalhada.

    Trata-se de um projeto para uma invaso,20 localizado na Sub-bacia do Ribeiro do Torto,

    nas proximidades do Lago Parano, circundada pela Chapada da Contagem. Inserida,

    portanto, na APA do Parano e circunscrita na APA do Planalto Central. Foi assentada em

    reas de veredas e nascentes, sem respeitar os afastamentos legais do Cdigo Florestal.

    19 Princpios entendidos como teoria e conceito. 20 Em Braslia, o termo invaso normalmente designado para caracterizar um conjunto de moradias subnormais ou condomnios irregulares promovidos para a classe mdia.

    18

  • Pode-se estimar que 70% da rea total foi desmatada e vrios trechos da mata de galeria do

    Ribeiro do Torto esto degradadas em funo da ocupao antrpica.

    Os Estudos de Impactos Ambientais (Taquari - 1990, Centro de Atividades - 1997, Relatrio

    de V bientais

    do P e 2001)

    dem dricos.

    Ape

    boa

    no

    tradu

    izinhana - RIVI - do Varjo de 1997 e Relatrio de Avaliao de Impactos Am

    rojeto Integrado da Vila Varjo do PROGRAMA HABITAR BRASIL/BID d

    onstram a sensibilidade do local, principalmente no que tange aos recursos hsar do projeto urbanstico de 2001, aprovado pela SEDUH e financiado pelo BID, ser de

    qualidade em termos de arquitetura, desenho urbano e preocupaes socioambientais,

    foram aplicados num nvel adequado os princpios de sustentabilidade ambiental

    zidos pelas informaes obtidas nos EIAs. (Figura 0.2)

    Fig. 0.2 - Mapa de localizao da Vila Varjo DF

    RibeirTorto

    Distrito Federal

    Regio Administrativa XVIII - Lago Norte

    Brasil

    Pennsula Norte (Lago Norte)

    Centro de Atividades do Lago Norte

    Taquari

    LaPa

    Vila Varjo rea - 102,37 ha

    O Lago Parano formado por quatrobraos principais,equivalentes aos

    Distrito Federal

    Fonte: Princpios de sustentabilidade aplicados s diferentes escalas territoriaisRibeiro do Torto/ANPUR, 2003 mapa: Rmulo Ribeiro

    19o do

    quatro principaisafluentes que so:Ribeiro do Torto,Ribeiro Bananal,Ribeiro RiachoFundo e Ribeirodo Gama. go rano

    da sub-bacia do

  • 4. Objetivos

    4.1 Objetivos Gerais

    Esta pesquisa tem como objetivo geral contribuir para o estudo de princpios de

    sustentabilidade ambiental que sirvam de base para o processo de desenho de

    assentamentos em reas ambientalmente sensveis a partir de dados obtidos por meio de

    estudos de impactos, permitindo uma melhor adequao de implantaes irregulares

    legislao ambiental vigente e evitando conflitos entre as Agendas Verde e Marrom.

    4.2 Objetivos Especficos

    4.2.1. Executar um levantamento bibliogrfico sobre autores que desenvolveram padres urbanos associados ao desenho da paisagem e ao desenvolvimento socioeconmico,

    arrolando princpios de sustentabilidade ambiental que possam ser aplicados ao processo

    de desenho urbano.

    4.2.2. Demonstrar o conflito entre as Agendas Verde e Marrom, explicitado nos processos de regularizao de assentamentos em reas de Proteo Ambiental. Ser adotado como

    exemplo o processo de licenciamento ambiental do assentamento da Vila Varjo,

    evidenciando: os impactos ambientais de longo alcance, considerando a unidade

    hidrogrfica, as repercusses conflituosas entre o rgo de planejamento urbano distrital

    (Secretaria de Desenvolvimento Urbano - SEDUH/GDF) e o rgo ambiental federal

    (IBAMA), e a ausncia de tecnologias e princpios ecolgicos aplicados ao desenho urbano.

    4.2.3. Apontar diretrizes de desenho urbano, baseadas em princpios de sustentabilidade ambiental, para assentamentos em reas ambientalmente sensveis, para que de uma forma

    coerente se possa atender s exigncias da legislao vigente e, assim, agilizar o processo

    de licenciamento ambiental para a sua implantao. Procura-se assim contribuir para a

    melhoria da qualidade de vida e da coletividade dos assentamentos.

    5. Hiptese

    Se os princpios de sustentabilidade ambiental forem incorporados aos projetos urbansticos

    haver melhorias e agilidade no processo de licenciamento ambiental, o que pode se tornar

    uma estratgia de desenvolvimento e de educao ambiental. Alm de trazerem benefcios

    para a prpria comunidade, contribuem sensivelmente, por exemplo, para a recarga dos

    corpos hdricos da regio e recuperao da biota, tornando-se lugares mais agradveis para

    se viver .

    20

  • 6. Metodologia

    Esta pesquisa est dividida em duas partes. A Primeira Parte, essencialmente terica, trata

    da pesquisa histrica e a definio de conceitos. Fraciona-se em dois captulos.

    O CAPTULO I retrata a evoluo do planejamento habitacional associado ao desenho da paisagem e a modelos que se destacaram na direo do Ecourbanismo, para o

    entendimento de como os pases desenvolvidos res