Logica Da Acao Coletiva

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    Logica da A cao Coletiva, Institui c oese Crescimento Econ omico: UmaResenha Tematica sobre a Nova

    Economia Institucional

    Newton Paulo BuenoDepartamento de Economia, Universidade Federal de Vi cosa, Brasil

    ResumoAs instituic oes s ao em essencia restri c oes ao comportamento indi-

    vidual criadas pelos pr oprios indivduos para permitir as intera c oessociais. Os mais promissores avan cos te oricos e empricos no es-tudo desse tema tem sido alcan cados nos ultimos anos pela Nova Economia Institucional (NEI), mas s ao ainda relativamente poucodifundidos no Brasil, o que motiva essa resenha tem atica. Alem deidenticar os princpios metodol ogicos e as proposi c oes comuns em suas principais obras, as quais denem o espa co te orico ocupado pela NEI, o artigo procura mostrar algumas insuciencias de seus textoscl assicos em explicar os processos hist oricos de mudan ca institucio-

    nal, apontando, no entanto, como trabalhos mais recentes procuram tornar mais convincente o modelo interpretativo b asico. Finalmenteprocura-se sugerir como derivar, com base na NEI, proposi c oes em-piricamente test aveis sobre a evoluc ao das estruturas de governan ca e da pr opria matriz institucional de sociedades especcas.

    Palavras-chave: Instituicoes, Nova Economia Institucional,Resenha Tematica

    Revista EconomiA Julho 2004

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    Newton Paulo Bueno

    Classicac ao JEL : JEL, B15

    Abstract

    Institutions are in essence restrictions to the individual behavior created by the own individuals to allow social interactions. The most promising theoretical and empiric progresses in the study of that theme have been reached in the last years by the New Insti-tutional Economy (NIE), but they are still relatively little known in Brazil, what motivates this thematic review. Besides identifying themethodological principles and the common propositions in its princi-pal works, which dene the theoretical space of the NEI, the articletry to identify some inadequacies of its classic texts in explaining the historical processes of institutional change, showing, however, as

    more recent works have tried to turn more convincing the basic in-terpretative model. Finally the paper suggests as reeaching, with basein NEI, at empirically testable propositions about evolution of both governance structures and institutional matrix of specic societies.

    1 Introdu cao

    Instituicoes e o termo generico que os economistas institu-

    cionais utilizam para representar o comportamento regular epadronizado das pessoas em uma sociedade, bem como as ideiase os valores associados a essas regularidades; sao exemplos deinstitui coes: as leis e os costumes que regulamentam o direito depropriedade, as pr aticas comerciais formalmente codicadas ounao vigentes nas diferentes sociedades, as formas de casamento e

    Email address: [email protected] (Newton Paulo Bueno)

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    ate as regras de etiqueta `a mesa. A maior parte de nossas ativi-dades diarias, assim, obedecem a padroes porque, consciente ouinconscientemente, calculamos que agir de acordo com as normasestabelecidas e mais vantajoso do que adotar comportamentos al-ternativos. Os autores denominados de antigos institucionalis-tas, como Veblen, Commons e Mitchell, embora houvesse muita

    divergencia entre eles a respeito de detalhes especcos, acredi-tavam que essas normas n ao podiam ser compreendidas comosendo resultantes apenas da acao de indivduos buscando al-cancar objetivos pessoais. A raz ao e que os objetivos individuais,eles proprios, s ao moldados por outros fatores, como a evolu caotecnol ogica, as formas de comportamento coletivo preexistentese a acao de organizacoes como as grandes empresas; isto e aspreferencias individuais sao moldadas pelas instituicoes sociaispre-existentes. Assim, segundo esses autores, para compreendero processo de formacao de institui coes temos que empregar comounidade de an alise as proprias instituicoes e nao um indivduo denatureza supostamente imut avel no tempo hist orico, que constroiregimes polticos, formas padronizadas de trocar bens e normassociais e culturais isto e instituicoes para atender objetivospessoais. A premissa fundamental do novo institucionalismo, eexatamente oposta a do antigo institucionalismo, isto e pres-supoes ser possvel explicar as instituicoes em termos de decis oestomadas por indivduos racionais; nesse sentido adota como pro-cedimento basico o individualismo metodologico. 1 O fato de quenem sempre tem sido bem compreendido pelos leitores n ao fa-miliarizados com seus textos cl assicos que, apesar de adotar umapremissa metodol ogica tao restritiva, a nova economia instituci-onal tem produzido insights extremamente originais e relevantespara a compreens ao dos processos economicos e sociais mo-tivou a realiza cao desta resenha tematica. Alem de identicar

    1 Para uma discussao mais detalhada sobre as diferen cas entre o novoe o antigo institucionalismos, embora viesada em favor desta ultimainterpretacao, ver Hodgson (1989).

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    os princpios metodologicos e as proposicoes comuns em suasprincipais obras, as quais denem o espa co teorico ocupado pelaNEI, o artigo procura mostrar algumas insuciencias de seustextos cl assicos em explicar os processos historicos de mudancainstitucional, apontando, no entanto, como trabalhos mais re-centes procuram tornar mais convincente o modelo interpretativo

    basico. Finalmente procura-se sugerir como derivar, com base naNEI, proposi coes empiricamente testaveis sobre a evolucao dasestruturas de governanca e da propria matriz institucional desociedades especcas. Antes de iniciar a discuss ao, talvez sejaconveniente resumir seus aspectos essenciais.

    Embora abrigue uma consideravel diversidade interna, pode-searmar que os autores que se alinham a essa corrente parti-lham de um postulado fundamental sobre a forma cao de insti-tui coes, a saber: o de que estas sao criadas, por meio de com-plexos processos de negociacao entre as partes envolvidas, parareduzir os custos contratuais que surgem quando agentes sujeitosa racionalidade limitada e propensos a agir de forma oportunistaassociam-se para realizar um empreendimento conjunto. Em umapalavra, os indivduos aceitam restringir seu comportamento nor-malmente oportunista, de aproveitar as oportunidades inclusivecontornando e mesmo descumprindo normas pre-estabelecidas(se a puni cao por faze-lo for menor do que o ganho que obtemagindo dessa forma), para que os outros indivduos se sintam con-antes o suciente para fazer neg ocio com eles. Em um contratode aluguel, por exemplo, o locat ario tem que oferecer garantias

    sucientes de que nao ocupar a o imovel por mais tempo do que oinicialmente combinado, assim como o locador tem que se com-prometer a n ao aumentar o aluguel,ou exigir o imovel de volta,por um perodo que compense ao locat ario os custos incorridosna mudan ca, inclusive os de adapta cao dele e de seus lhos anova vizinhan ca.

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    A NEI adota uma perspectiva micro-analtica, no sentido que deque, por um lado, enfatiza as instituicoes que regulam transa coesentre agentes econ omicos em nvel microeconomico. Por exemplo,procura explicar porque em uma determinada situa cao uma em-presa prefere verticalizar-se, fundindo-se com empresas fornece-doras ou usuarias de seus produtos e, em outras circunst ancias,

    a mesma empresa, ou outra pertencente ao mesmo ramo, es-colhe terceirizar parte de suas atividades; os trabalhos semi-nais dessa linha de pesquisa foram produzidos por Coase (1937)e Williamson (1996, 1985). O segundo sentido em que a NEIe micro-analtica e o de que, quando focaliza o nvel macro-institucional, procura entender os resultados agregados, do com-portamento dos indivduos, rmas e governos a partir do nvelmicroeconomico. Os trabalhos mais importantes nessa vertenteforam os de Douglass North que recebeu o premio Nobel deEconomia em 1993. Uma de suas principais preocupa coes foitentar mostrar que a perspectiva da NEI poderia ser util paracompreender porque as instituicoes de um pas podem ser maisou menos propcias ao desenvolvimento economico. Por exemplo,porque em alguns pases se xam direitos de propriedade bemdenidos, enquanto em outros prevalece uma situa cao de inse-guran ca generalizada que compromete o desempenho econ omicode longo prazo dessas sociedades.

    A resposta que North e seus seguidores vem formulandoa essa quest ao fundamental e extremamente rica em novos in-

    sights sobre o processo de desenvolvimento economico para ospases mais pobres. Mas, ao basear-se na premissa de que as insti-tui coes resultam essencialmente de negocia coes entre os agentesrelevantes, ainda nao parece inteiramente convincente, embora,em seus textos mais recentes North tenha enfatizado cada vezmais o carater path dependent , e assim historicamente determi-nado, da evolu cao institucional. Os trabalhos hoje classicos deMancur Olson complementam a discussao acima mostrando que

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    o fato de uma situa cao ser desejavel para os agentes envolvidosnao garante que essa situacao ideal ira prevalecer.. Usando oinstrumental da teoria dos jogos, e facil demonstrar que, agindoracionalmente, os indivduos muitas vezes podem n ao atingir umacordo via negociacao que os levem a melhor situa cao possveldentro das circunstancias. Ao contrario, muitas vezes a sociedade

    pode car aprisionada a um equilbrio do tipo dilema do pri-sioneiro , nao apenas porque n ao existem instrumentos institu-cionais que permitam as pessoas alcan car o grau de conancamutuo necess ario para alcan carem solucoes mais ecientes parao problema fundamental da escassez, mas principalmente devidoa problemas de pura l ogica da acao coletiva.

    O que Olson especicamente sugere e que n ao ha uma raz aologica para a transformacao de uma sociedade particularista,em que prevalecem instituicoes que favorecem comportamentos

    free rider e rent seeker , em uma sociedade coordenada por me-canismos impessoais e por isso compatvel com uma economia demercado plenamente desenvolvida. Para isso, as sociedades pre-cisam dar um salto, que n ao ha razoes para imaginar que seradado automaticamente, para uma nova arquitetura institucio-nal, se desejam se desenvolver economicamente. Para compreen-der porque esse salto so acontece eventualmente, mostram Olsone seguidores, e necessario acrescentar uma dimensao poltica aanalise essencialmente econ omica proposta nova economia insti-tucional dos custos de transacao.

    O lay-out geral desta resenha tematica e o seguinte: na segundasecao apresentam-se os fundamentos da nova economia institu-cional, mostrando que tanto no nvel das estruturas de gover-nan ca, como no nvel macro-institucional, a ideia de que as pes-soas aceitam restringir seu comportamento para reduzir custosde transa cao e altamente inspiradora para analisar a evolu caoinstitucional das sociedades. Na secao 3 sugere-se que, no en-

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    tanto, a NEI, em usa versao tradicional, n ao consegue ser tao con-vincente quando se trata de explicar porque algumas sociedadesdao um salto institucional, cujas consequencias n ao podem serprevistas a priori e outras n ao; argumentar-se-a que essa in-suciencia decorre do fato de a NEI, em usa vers ao de econo-mia dos custos de transa cao, deixar de incorporar questoes rela-

    cionadas a problemas de a cao coletiva, estudados por MancurOlson e seguidores A secao 4 conclui o trabalho, fazendo umacompara cao entre as duas correntes interpretativas que podemser consideradas como integrantes da nova economia instituci-onal: a economia dos custos de transa cao e a teoria da a caocoletiva.

    2 A Nova Economia Institucional em sua Versao Tradi-cional: A Economia dos Custos de Transa cao

    A nova economia institucional, para introduzir a discuss ao,emerge e se difunde dentro da pr opria economia mainstream ,mas o faz como um ramo que ganha crescentemente maior au-tonomia te orica. Suas principais proposi coes sao: a) a de que asinstitui coes importam quando se trata de explicar os processoseconomicos e b) a de que a dinamica institucional, isto e o sur-gimento e a evolucao de institui coes, e passvel de teorizacao. Asegunda proposi cao e a que de fato dene o locus teorico da nova

    economia institucional, na medida em que a teoria economicaortodoxa nunca evidentemente armou que as institui coes naoeram importantes para explicar os processos economicos. O queela, em geral de forma implcita, assume e que o ambiente insti-tucional n ao e passvel de teorizacao, devendo por isso ser consi-derado como um conjunto de par ametros do sistema econ omico,cujas altera coes (exogenas) conduziriam a economia para diferen-tes congura coes Pareto- otimas. A nova economia institucional,

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    ao contr ario, parte do princpio que os mesmos princpios uti-lizados para derivar proposicoes puramente econ omicas podemser utilizados para estudar como as institui coes originam-se ese transformam ao longo do tempo, inuenciando e sendo inu-enciadas pelos processos economicos; sua tese fundamental e ade que as institui coes sao restri coes ao comportamento humano

    desenhadas para reduzir custos de transa cao.Os desenvolvimentos te oricos obtidos pela nova teoria institu-cional desdobram-se em duas dire coes principais comple-mentares. 2 Em uma delas, a preocupacao central e analisar asmudan cas no meio ambiente institucional geral das economias,isto e no conjunto de regras polticas, sociais e legais funda-mentais, por exemplo nas regras regulando os direitos de pro-priedade e os contratos, que estabelecem a base para a produ cao,troca e distribui cao de mercadorias em uma certa sociedade.A segunda corrente, por sua vez , ocupa-se basicamente do es-tudo da interacao entre as unidades econ omicas nos processo deprodu cao, troca e distribui cao, enfatizando a forma como surgeme se desenvolvem institui coes que asseguram a cooperacao entreas unidades economicas nesses processos.

    A primeira dessas correntes deriva fundamentalmente dos tra-balhos de Douglass North, cuja principal preocupacao e enten-der de que forma as macro-institui coes de um pas afe-tam seu desempenho econ omico no longo prazo, identicandoaquelas que sao mais propcias ao desenvolvimento economicoe mostrando porque em alguns pases as institui coes mais ade-quadas nao sao adotadas, eternizando uma situa cao de subde-senvolvimento economico. 3

    2 Ver Williamson (1993:111).3 Alguns dos trabalhos recentes mais representativos s ao North(1996, 1994, 1991).

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    A segunda corrente, que versa basicamente sobre o comporta-mento individual de rmas e indivduos, origina-se com o famosotrabalho de Coase (1937), mas s o vem a fruticar muito maistarde com base nas contribuicoes de Oliver Williamson (1979,1985). 4 O objetivo principal dessa corrente e entender como seformam e como se modicam as estruturas de governanca para

    determinadas transa coes; isto e o conjunto de institui coes quepermite que um determinado tipo de transa cao se realize deforma contnua.

    2.1 As institui c oes como uma forma de reduzir custos detransac ao em nvel macro: A contribuic ao de DouglassNorth

    A forma mais facil de entender o que sao custos de transa cao ecomparando-os com os custos de transformacao, que sao os rela-cionados a utiliza cao dos recursos produtivos pela rma ou pelaeconomia como um todo. Estes, como ja assinalado por AdamSmith, s ao reduzidos quando a economia (para raciocinarmos emtermos agregados) aprofunda o processo de divis ao do trabalho.O classico problema smithiano era: como assegurar que a de-pendencia resultante da divisao do trabalho se transforme em co-operacao em um mundo em que cada indivduo passa a dependermais do outro em raz ao da divisao do trabalho. Smith achava queisso estava garantido pela busca do interesse proprio que fazia

    funcionar o mecanismo da mao invisvel, mas isso deixava de con-siderar uma questao essencial. O avan co da divisao do trabalhorequer uma expans ao do tamanho dos mercados, mas a expansaodo comercio para alem dos mercados locais aumentava a insegu-ran ca nos negocios e portanto os custos associados as transa coes

    4 Os principais trabalhos inspirados pelos trabalhos deCoase/Williamson est ao reunidos em Williamson (1993, 1990).

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    entre os indivduos. No comercio a longa distancia, por exem-plo, vultosas somas de capitais precisavam ser imobilizadas, n aohavia normalmente como garantir a priori a qualidade do pro-duto a ser entregue pelo fornecedor usualmente desconhecido enao estava de modo algum garantido ate que o consumidor deprodutos industriais exportados, digamos pela Inglaterra, sim-

    plesmente n ao se apropriasse da carga dos navios sem pagar.Todos esses riscos evidentemente inibiriam o desenvolvimentodo comercio, e portanto da divisao do trabalho, se n ao fossemcriadas instituicoes que socializassem estes riscos entre as partesenvolvidas no comercio de longa dist ancia, isto e se n ao fossemcriadas instituicoes que reduzissem os custos da cooperacao entreos indivduos. O signicado de custos de transacao e exatamenteeste: os custos incorridos pelos indivduos quando, ao deixaremde ser auto-sucientes economicamente, passam a depender dosoutros para obter os bens que necessitam.

    Os custos de transacao assim incluem, entre outros: i) os cus-tos de adquirir e processar informa coes relativas a contratosreferentes a eventos futuros que nao podem ser previstos comcerteza; ii) os custos de monitorar o desempenho de cada partecontratante no perodo especicado, por exemplo os decorrentesda contratacao de rmas de auditoria contabil; iii) os custosorganizacionais incorridos pelo comportamento ineciente daspartes contratantes, por exemplo requerendo a constitui cao deestoques para eventuais falhas no uxo de entrega de mercado-rias e a necessidade de adquirir insumos por pre cos superiores

    aos contratados inicialmente; e iv) os custos legais associadosa puni cao por quebras de clausulas contratuais. 5 O custos de

    5 Embora negligenciados pela teoria neocl assica os custos detransacao sao extremamente signicativos nas economias modernas;segundo Wallis e North (1986), j a em 1970 45% do produto nacionalnorte-americano era gerado pelos ramos produtores de servi cos rela-cionados exclusivamente `a transacao de bens [citado por North, 1994,

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    Para que a coopera cao inerente ao funcionamento de uma econo-mia de mercado possa ocorrer de forma sistem atica os indivduosprecisam conar naqueles com os quais est ao negociando ou, nafalta dessa conan ca pessoal, nas instituicoes que induzem ourestringem o comportamento individual em favor da coopera cao.Sociedades diferentes desenvolvem instituicoes distintas, as quais

    operam com graus muito diferentes de eciencia, para permitirque transa coes interpessoais aconte cam. Em alguns lugares, astransacoes comerciais se basearam desde o princpio em criteriospersonalistas, de raca, parentesco ou religi ao. Em outros, me-canismos mais impessoais, como direitos de propriedade e insti-tui coes que garantem esses direitos, se desenvolveram de formainicialmente mais ou menos acidental e, depois, porque apresen-tavam claras vantagens sobre as outras formas de organiza caodisponveis

    As formas mais impessoais sao mais ecientes porque reduzem oscustos de transacao entre as partes. Para esclarecer esse ponto,imagine-se uma empresa que se instalasse, digamos, no Mexicodo seculo XIX (para usarmos um exemplo cl assico de DouglassNorth). Alem dos custos normais de produ cao que ela incorreriaem qualquer lugar, se depararia no Mexico dessa epoca com cus-tos caractersticos de um meio-ambiente institucional baseadoem relacoes personalsticas, que forcariam a empresa

    ...to operate in a highly politicized manner, using kinship net-

    works, political inuence, and family prestige to gain privilegedaccess to subsidized credit, to aid various stratagems for recruit-ing labor, to collect debts or enforce contracts, to evade taxesor circumvent the courts, and to defend or assert titles to lands.Success or failure in the economic arena always depend on therelationship of the producer with political authorities local offi-cials for arranging matters close at hand and the central govern-ment of the colony for sympathetic interpretations of the law and

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    intervention at the local level when condition required it. . . 6

    A empresa, em outras palavras, teria que contabilizar como cus-tos os gastos para assegurar simplesmente nao ser preterida pelasempresas concorrentes que est ao sujeitas as mesmas restri coesinstitucionais. Observe-se que os custos a que se est a se referindo

    nao tem nada a ver com os custos de transforma cao, que normal-mente s ao maiores em pases menos desenvolvidos em raz ao dedesvantagens tecnologicas e escalas menos ecientes de producao,referindo-se apenas ao meio ambiente institucional em que a em-presa se localiza; nao ha meios de a empresa reduzi-los interna-mente.

    As empresas nesses ambientes institucionais operar ao em sumacom custos pouco competitivos internacionalmente. Ent ao naoapenas utilizarao os recursos internos inecientemente, como

    nao ter ao condicoes de exportar seus produtos, quando essestem que concorrer com produtos similares produzidos porrmas operando em pases onde as instituicoes sao menosonerosas para a atividade economica

    A quest ao obvia que a discussao acima suscita e: porque algunspases conseguem desenvolver instituicoes mais compatveis coma eciencia economica? Na secao 2.3 a frente apresenta-se a ex-plicacao de North de porque n ao so o Mexico da cita cao acima,mas todos os pases de coloniza cao iberica apresentaram uma

    evolucao institucional desfavoravel do ponto de vista econ omicoquando comparados aos Estados Unidos.Antes porem, examina-se uma quest ao correlata previa: por que e t ao difcil substituiruma matriz institucional economicamente ineciente por outra?

    6 Coatsworth, J. apud North, 1990, p.116.

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    2.2 A natureza path dependent da evoluc ao institucional

    A matriz institucional de uma sociedade em um determinadotempo e constituda de regras e normas formais e informais,bem como pelas institui coes que garantem a aplica cao (enforce-

    ment ) dessas regras, e e em raz ao principalmente das restricoescomportamentais informais que se pode dizer que a evolucaodessa matriz, ao longo de tempo, e path dependent . Isto porquesao estas que, em ultima instancia, d ao legitimidade as regrasformais e estao sujeitas a um processo muito mais gradual deevolucao, visto implicarem rendimentos crescentes. O fato deque, em uma sociedade cuja matriz institucional recompensa apirataria, organizacoes piratas prosperarao ilustra este ponto.Quanto menores as restri coes a corrup cao, por exemplo, maisprovavel e que muitas das institui coes existentes adotem essas

    praticas e maior o incentivo para que as que inicialmente nao ofazem venham a se tornar corruptas no futuro. Assim e relati-vamente f acil mudar leis e regulamentos formais, mas, como ocodigo nao escrito de comportamento e muito mais pervasivo, asmudan cas institucionais s ao em geral muito mais incrementaisdo que radicais.

    Um segundo elemento que explica a estabilidade da matriz insti-tucional est a relacionado a hipotese de racionalidade (limitada)adotada pelos neo-institucionalistas. Os indivduos perseguem

    seus interesses e neste sentido agem racionalmente. Mas o fazemda forma como os percebem, o que nao necessariamente implicaque eles avaliem corretamente as opcoes disponveis, nem quepossam medir precisamente as conseq uencias de suas decisoes. Asopcoes sao feitas de acordo com modelos mentais que propiciamuma representacao da realidade. Tais modelos sao elaborados apartir de estruturas geneticamente dadas, que se modicam ` amedida que sao confrontadas com a experiencia. O quanto al-

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    teramos nossos modelos mentais a partir da experiencia medeo aprendizado que conseguimos realizar. Essas altera coes entre-tanto n ao ocorrem simplesmente substituindo um modelo men-tal por outro, mas por meio da constante re-elabora cao do mo-delo inicial, atraves principalmente de analogias. Uma forma deavaliar a sostica cao de nossos modelos mentais e avaliar o grau

    de generalidade de nossas metaforas.A heran ca cultural comum em uma sociedade fornece um meiode reduzir a divergencia entre os modelos mentais individuais.As estruturas explicativas que passam de gera cao para gera caosao ent ao explicacoes sobre fenomenos alem da experiencia ime-diata que os indivduos compartilham na forma de religi oes, mi-tos e dogmas. Tais estruturas tiveram mais import ancia nas so-ciedades pre-modernas, mas possuem ainda hoje um papel fun-damental na construcao das institui coes economicas e sociais,moldando as regras formais e as normas informais que regem ocomportamento. Os modelos mentais sao assim representa coesque os indivduos criam para interpretar o ambiente em quevivem, enquanto que as instituicoes sao os mecanismos que de-senvolvem para atuar sobre este ambiente (North, 1996, P. 348).

    2.3 Ilustra c ao da teoria de North: As diferentes trajet orias ins-titucionais no novo mundo

    A revolucao ocorrida na tecnologia militar nos seculosXVI tornou proibitivos os custos da guerra a particulares. Masmesmos os Estados nacionais que surgem e ou se fortalecemno perodo s ao incapazes de arcar com esses custos sem mu-dar as formas institucionais que historicamente sustentavam aextra cao do excedente dos suditos. Na Inglaterra desse perodo,por exemplo, o governo transformou-se numa burocracia cujaprincipal tarefa era controlar e regular a economia, de modo a

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    aumentar a producao e extra cao do excedente. Tal tarefa foi malsucedida, e assim o nanciamento da Guerra dos Cem anos deuorigem a sucessivas crises scais que induziam a Coroa a aumen-tar ainda mais a pressao sobre os suditos. Estes reagiram atravesda oposicao do Parlamento, que se manifestava em duas frentes.Em uma, lutava-se por estabelecer direitos de propriedade mais

    seguros e, em outra, por se estabelecer direitos civis que per-mitissem aos parlamentares escapar da ira real. O processo foicomplexo, envolvendo avan cos e recuos entre as partes, o qualnao pode descrito apenas como um conito bipolar entre umamonarquia absolutista e um parlamento unicado, mas culmi-nou com a vitoria deste ultimo em 1689.

    A vitoria do Parlamento induziu um amplo processo de mudan cainstitucional, o qual como mencionado na se cao anterior deniuas bases de uma matriz institucional que favorecia o apareci-

    mento de institui coes e organizacoes que so poderiam vicejarem um ambiente em que os direitos de propriedade estivessemplenamente assegurados. A criacao do Banco da Inglaterra em1694, reetindo os retornos crescentes propiciados pela nova ma-triz institucional, seguiu-se o desenvolvimento de uma serie denovos instrumentos nanceiros que reduziram expressivamenteos custos de transa cao e puseram a disposi cao do Estado umvolume sem precedentes de fundos para nanciamento da guerraem curso contra a Franca. E possvel argumentar inclusive que avit oria inglesa nao teria sido possvel sem isso, o que teria impe-dido que a Inglaterra emergisse como principal potencia mundialapos a segunda vitoria contra a Franca em 1714 (North, 1990, p.139).

    A estrutura de governanca que emergiu nos pases ibericos parananciar os custos militares foi completamente distinta. Se naInglaterra a matriz institucional ao proteger os direitos de pro-priedade incentivava a inovacao tecnologica e a acumulacao de

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    capital, o auxo de riqueza proveniente do novo mundo abriuuma outra possibilidade. Ao inves de terem de negociar, os reispuderam manter e mesmo ampliar seu poder, criando enormes ecustosas burocracias para adminsitrar a manuten cao dos uxosde riqueza. Em Portugal, caso que mais interessa aqui, o marquesde Pombal teria reinado como um virtual ditador entre 1755 e

    1777, colocando o comercio colonial sob o controle estrito daburocracia real Segundo North (1989: 1329), quando a C amarade Comercio de Lisboa protestou contra o controle excessivo,Pombal simplesmente a dissolveu, aprisionou alguns de seusmembros e fundou uma outra associa cao comercial sob controleestrito da coroa.

    Como a divergencia de trajet orias institucionais nas metropolesinuenciar a as colonias? A resposta e que a America inglesaformou-se exatamente quando o conito entre a monarquia eo Parlamento estava no auge. A diversidade poltica e religiosana metr opole reproduziu-se na colonia pelos dois motivos apon-tados na se cao anterior. Os rendimentos crescentes gerados e aadaptacao dos modelos mentais favoreciam ambas as coisas: aformacao de instituicoes semelhantes as inglesas, principalmenteas relacionadas as garantias do direito de propriedade, 7 e o pre-domnio do controle local sobre o central, o que, entre outrasconsequencias, permitiu um grau de liberdade econ omica quenunca remotamente tiveram as col onias latino-americanas.

    Nestas ultimas, formadas quando nas metr opoles o rei recupe-

    rava seu poder ap os os descobrimentos, perpetuaram-se ascaractersticas associadas ` a estrutura de governanca burocr aticaadotada por Portugal e Espanha para administrar seus imperioscoloniais: personalismo nas rela coes economicas e polticas,

    7 Os norte-americanos parecem ter sido mesmo mais rigorosos nadeni cao de regras que protegessem esses direitos que os pr opriosingleses (North, 1989, p. 1329).

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    regulacao estatal, direitos de propriedade mal denidos e nemsempre adequadamente defendidos pelo Estado, e outras queao inves de estimular restringiram a atividade econ omica. Oresultado em termos de desempenho econ omico desse tipo deevolucao institucional e que a matriz institucional dos paseslatino-americanos ira favorecer o desenvolvimento de or-

    ganizacoes rent-seeker e desestimular organiza coes produtivascapazes de elevar a produtividade da economia (North, 1990,p.9).

    2.4 As contribuic oes de Coase e Williamson

    A questao principal que Coase colocou de forma aparente-mente ingenua no texto seminal de 1937, e que deu origemao formidavel boom de literatura em estruturas de governan cacom Wiliamson, foi a seguinte: porque a rma existe? Se a di-visao do trabalho e a consequente especializa cao de tarefas s aot ao importantes para elevar a produtividade do trabalho e, as-sim, a eciencia econ omica com que os indivduos transformamos recursos em bens, por que surgem estruturas hierarquizadas,isto e rmas, que realizam a coordenacao de fatores de produ caosem a interven cao do mecanismo de precos? A explicacao paraisso e que existem custos envolvidos nas transacoes atraves domercado que tornam mais vantajoso, a partir de certo ponto,produzir internamente os bens necessarios

    No primeiro caso a rma ter a de assegurar a cooperacao de seusfornecedores atraves do mercado; no segundo ela mesma pro-duzir a o bem, digamos o insumo, que necessita para realizara etapa seguinte do seu processo produtivo. Os neo-institucionalistas postulam que a rma escolher a uma ou outraopcao estrutura de governanca comparando os custos detransacao associados a cooperacao via mercado com os custos

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    a serem incorridos para expandir a rma, de modo a integr a-laverticalmente para incorporar o controle de etapas adicionais doprocesso produtivo.

    Ao colocar as coisas desse modo, o que os neo-institucionalistasde fato fazem e formular uma nova teoria da rma, com

    base na constatacao de que a producao hierarquizada na rmae a producao orientada pelo mercado n ao sao exatamente formasmutuamente exclusivas, mas institui coes complementares paraa organiza cao da produ cao; o espaco da rma aumenta quandoos custos de transa cao associados a coordenacao pelo mercadocrescem.

    Toda uma gama de novos problemas de pesquisa emerge quandose considera a rma deste novo ponto de vista. Por exemplo, emque ramos da economia e mais prov avel a coordenacao pelo mer-cado e em quais e mais prov avel encontrarem-se formas verticali-zadas? Ou, de um ponto de vista mais normativo, em que ramosda economia deve-se adotar uma postura anti-truste rgida e emquais essa poltica, se implementada com rigor, pode reduzir aeciencia economica, por elevar custos de transacao? Algumasdessas quest oes serao listadas a frente em uma agenda prelimi-nar de pesquisa, mas um ponto deve ser estabelecido desde ja:a teoria neo-institucionalista da rma permite fazer proposi coestest aveis sobre a estrutura industrial das economias.

    O desenvolvimento de instituicoes que permitem reduzir custos

    de transa cao, entretanto, nao assegura que esses custos venhama ser sempre baixos. Os contratos, por mais acurados que sejam,sao por denicao incompletos, no sentido de n ao ser possvelpor meio deles eliminar completamente a incerteza associada aoperacoes destinadas a produzir efeitos em momentos separa-dos no tempo. Esse problema e maior quando as partes con-tratantes devem imobilizar grandes somas de capital durantelongos perodos de tempo; nesse caso mudan cas imprevistas na

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    conjuntura, isto e nos pressupostos sob os quais o contrato foidenido, podem provocar prejuzos signicativos para a parteque mais imobilizou capital. Em outros casos (a serem especi-cados a frente), os riscos de perda n ao sao t ao grandes e arma tem exibilidade para se adaptar ` as mudan cas de cir-cunst ancias. Uma proposi cao chave dos novos institucionalistas,

    inspirada pelo trabalho pioneiro de Coase (1937) e desenvolvidapor Williamson (1985), e que a maior ou menor probabilidade deprejuzo envolvida nas transa coes dene o espaco da coordenacaoda produ cao pelo mercado, por formas hbridas, especicadas emcontratos de longo prazo e por hierarquias, por exemplo quandoa rma decide aumentar seu grau de verticalizacao, ao invesde continuar a adquirir insumos dos fornecedores habituais.

    A formula neo-institucionalista pode ser resumida no seguinte:quanto maior for o prejuzo potencial associado `a transa cao,maior sera o estmulo para a rma evitar depender do mercadonas suas opera coes; nesse caso pode ser mais vantajoso adquirira unidade produtiva do fornecedor, integrando-se verticalmentepara garantir o uxo de insumos requerido para sua produ cao -nal atraves de planejamento interno, do que depender do forneci-mento atraves de compras e vendas, mesmo que o volume destas,prazos, qualidade do produto e outras caractersticas sejam es-pecicadas por contrato.

    Isto porque nem mesmo contratos minuciosos podem ser su-cientes para assegurar um mnimo de seguran ca para a rma

    no que diz respeito ao fornecimento de insumos vitais para suasatividades. Ja se mencionou essa possibilidade acima e agora enecessario aprofundar um pouco mais a discussao.

    Os neo-institucionalistas fazem duas pressuposi coes basicas so-bre o comportamento humano quando se trata de realizar umatransacao: a) os termos da transacao sao denidos em condicoesde informacao incompleta ( bounded rationality ), o que signica

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    que os agentes estao sujeitos a racionalidade limitada, isto eagem racionalmente mas sem conhecimento completo das opcoesdisponveis e de todas as conseq uencias possveis das opcoesque conseguem discernir e b) os agentes sao oportunistas, nosentido de que se for de seu interesse desistir ao das obrigacoespactuadas se n ao houver restri coes sucientemente fortes. A

    quest ao e: dadas essas duas hip oteses sobre o comportamentohumano, em que condi coes tender ao a prevalecer as opera coespredominantemente via mercado, os casos intermediarios, com oestabelecimento de contratos mais ou menos minuciosos entre aspartes envolvidas, ou o caso extremo de integracao vertical?

    A regra geral e a de que prevalecer ao formas de contratacaomais rgidas e minuciosas, e eventualmente integra cao verticalde plantas produtivas, em segmentos da economia onde o graude especicidade de ativos for mais elevado. Isso sera melhor ex-plicado a frente mas pode-se resumir a ideia basica no seguinte:como o agentes sao oportunistas e agem sob condi coes de in-formacao limitada as rmas que comprometem mais seu futurocom outras, imobilizando seus ativos para atender uma demandamuito especca, tornam-se presa facil para aquelas que podemobter seus insumos e vender seus produtos nais para variasoutras. Colocando em termos simples, a rma cujos ativos saomais especcos encontra-se em uma situacao em que ou vendepara uma determinada rma ou n ao vende para nenhuma; nes-sas condicoes a rma usuaria pode extrair quase-rendas da

    primeira, a menos que esta tenha imposto como condicao inicialpara imobilizar seus ativos um contrato sucientemente minu-cioso para evitar este comportamento oportunista. Em algunscasos isto acontece, e de fato como se mostrar a a frente formasde contratacao mais rgidas tendem a prevalecer em segmentosda economia onde o grau de especicidade de ativos e alto masnao excessivamente alto. Em outros casos, entretanto e virtual-mente impossvel manter os perigos do oportunismo abaixo de

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    um limiar considerado aceitavel pela rma e a forma que prevale-cera e a rma verticalmente integrada.

    Os principais tipos de especicidade de ativos, que denem ograu de rigidez da rela cao contratual, sao os seguintes: 8

    especicidade locacional (site specicity ) ocorre quando asdecisoes ex ante baseadas em outros custos que n ao os detransacao determinam a construcao de plantas muito proximasuma das outras, praticamente impondo uma rela cao fornecedor-usuario entre elas

    especicidade em ativos fsicos ( physical asset specicity ) manifesta-se quando uma ou as duas partes contratantes faz in-vestimentos em equipamentos de uso especco para a transa cao

    especicidade em capital humano ( human-capital specicity )

    surge como consequencia de processos de learning-by-doing oude transferencias de conhecimento entre rmas

    especicidade em ativos vinculados a escala de produ cao (ded-icated specicity) ocorre quando investimentos de naturezageral sao realizados com base no pressuposto de que uma quan-tidade signicativa do produto nal sera vendida para um con-sumidor particular.

    O grau de especicidade de ativos portanto tem a ver com oscustos de transacao, de acordo com a seguinte regra geral: naausencia de institui coes que os reduzam, os custos de transa caoserao tanto mais altos quanto maior for o grau de especici-dade dos ativos nos sentidos expostos acima. Mas os agenteseconomicos desenvolvem salvaguardas e mecanismos de garan-tia dessas salvaguardas para reduzir os custos de transa cao. Por

    8 Ver Williamson (1983:526).

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    Fig. 1.

    exemplo, uma rma de auto-pe cas so fara investimentos para am-pliar sua capacidade de fornecimento de componentes para umadeterminada rma montadora, aumentando os graus de especi-cidade em ativos fsicos, em ativos vinculados e eventualmentelocacional (se os investimentos envolverem a construcao ou am-pliacao de plantas pr oximas a industria montadora), se pudergarantir, por contrato, a demanda de uma quantidade mnimade componentes por parte da montadora em um perodo deter-minado de tempo. Se a montadora se recusar a oferecer essasalvaguarda ela tera de disputar com as demais a oferta poten-cial de componentes disponvel, vale dizer tera de pagar pre cosmaiores pelos componentes do que no primeiro caso. O esquemaabaixo ilustra o raciocnio.

    Na parte superior do diagrama est a representada uma transa caoque nao envolve investimentos em ativos especcos por parteda rma de auto-pe cas (k = 0) e na parte inferior uma queenvolve (k > 0). Quando a transacao e do segundo tipo, elapode ocorrer de duas formas: com a rma montadora oferecendoalguma garantia contratual ( s > o ), por exemplo de aquisi caode um volume mnimo de componentes por um perodo especi-

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    cado de tempo, ou sem a concessao de garantia de qualquerespecie ( s = 0). Neste ultimo caso a rma de auto-pe cas soaceitar a aumentar sua dependencia em rela cao a montadora seesta se dispuser a pagar um pre co unit ario pelo componente de p1 > p 2; tudo se passa como se a rma de auto-pe cas exigisseum preco maior de modo a constituir uma provisao para com-

    pensar eventuais atitudes oportunistas por parte da montadora.A especicacao de garantias contra essas atitudes por contrato,por outro lado, permite a montadora reduzir o custo de obtencaodo componente em p2 p1; a institui cao do contrato, em outraspalavras, permitiu reduzir o custo de transa cao exatamente nestemontante menos os custos de escrever, monitorar e garantir essecontrato.

    Voltando ao diagrama, mas sem se limitar aos casos extremosrepresentados, pode-se concluir entao que a transa cao entre as

    duas rmas pode-se dar de tres formas basicas:

    i) quando o grau de especicidade de ativos e reduzido, oscustos de transacao serao pequenos nao justicando o estabe-lecimento de garantias contratuais, que custariam mais do queos proprios custos de transacao incorridos se a transa cao forrealizada diretamente atraves do mercadoii) quando o grau de especicidade de ativos e relativamentealto, ser a mais barato para a rma montadora incorrer noscustos de concessao de garantias contratuais do que pagar o

    preco que induziria a rma de auto-pe cas a fornecer o com-ponente sem garantias; as garantias contratuais ter ao de sertanto mais favor aveis a rma de auto-pe cas, quanto mais ele-vado evidentemente for o grau de especicidade de ativos queela tiver de incorreriii) quando o grau de especicidade de ativos for excessiva-mente alto, as garantias para induzir os investimentos da rmade auto-pe cas teriam de ser t ao grandes que nao compensariam

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    a queda de pre cos do componente se ele fosse comprado e naoproduzido pela pr opria montadora; neste caso compensaria `arma montadora adquirir o controle da propriedade da rmade auto-pe cas, integrando-se verticalmente e produzindo elapropria o componente.

    O sentido geral do raciocnio e o de que as instituicoes, comoos contratos de prazo mais longo e a pr opria forma da rmaintegrada verticalmente, s ao criadas para reduzir custosde transa cao. Quando o espaco para o oportunismo entre osagentes e reduzido, e isto acontece quando o grau de especi-cidade dos ativos e pouco expressivo, eles preferir ao relacionar-se atraves do mercado que permite, devido `a divisao do tra-balho, utilizar os recursos de modo mais produtivo, possibili-tando aos agentes fornecerem-se produtos mutuamente a pre cosmais baixos. Mas quando a especicidade de ativos a ser in-corrida e maior come carao a se desenvolver novas formas de co-operacao, como aquela garantida por contratos de longa dura cao,para preservar cada parte do comportamento oportunista daoutra. A forma extrema, associada ao grau mais elevado de es-pecicidade de ativos, e a elimina cao total da coopera cao atravesdo mercado pela integra cao vertical.

    A proposicao de que a forma como se estrutura um determi-nado segmento da ind ustria (isto e o tamanho e a na-tureza das rmas participantes, as formas organizacionaise os padroes de concorrencia entre elas) depende dos custos de

    transacao incorridos pelas rmas participantes, os quais por suavez sao determinados pelo grau de especicidade de seus ativose uma proposi cao test avel da teoria neo institucionalista de or-ganizacao industrial. Na se cao seguinte, apresenta-se parte daevidencia emprica mais relevante disponvel relacionada a essaproposicao.

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    2.5 Duas ilustra c oes da teoria de Coase-Williamson

    a) as estradas de ferro e o surgimento da grande empresa mo-derna

    Com base na magistral descri cao de Alfred Chandler (1965, 1977)do surgimento da empresa multidivisional moderna a par-tir da constituicao das empresas ferrovi arias americanas noseculo passado, Williamson sugere que estas ultimas adotaramnalmente a forma de empresas integradas, que foram o modelopara as demais empresas industriais, para reduzir os custos detransacao decorrentes de um elevadssimo grau de especicidadelocacional de ativos, como exposto na secao anterior. A seguintepassagem, traduzida livremente do texto original (Williamson,1985, pp. 275-276), resume o cerne do argumento:

    As primeiras empresas ferroviarias tpicas detinham li-nhas de cerca de cinquenta milhas de extensao. Essas empresasempregavam em media cinquenta trabalhadores e eram ad-ministradas por um superintendente e diversos gerentes fun-cionais.... Isto era adequado enquanto os uxos de trafego eramrelativamente simples e os fretes nao eram feitos para regi oesmuito afastadas. Mas a promessa das estradas de ferro s o pode-ria ser plenamente cumprida se a densidade de tr afego fosseaumentada e os fretes de longa dist ancia introduzidos. Comoisso foi feito?

    Em princpio, sucessivos sistemas ponto-a-ponto poderiam serligados por contrato. Mas esses contratos teriam de ser es-tabelecido entre as partes em termos extremamente minucio-sos, desde que os investimentos por cada parte em ativos es-peccos em termos locacionais eram consider aveis. Dois tiposde diculdades contratuais estavam envolvidos. N ao apenasas empresas ferrovi arias tinham de chegar a um acordo so-bre como lidar com uma serie de complexos aspectos opera-

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    cionais utilizacao, custos e manuten cao do equipamento,adaptacao para atuar cooperativamente frente a problemasinesperados, atribuicao de responsabilidades quanto a even-tuais reclama coes dos clientes, acidentes etc mas tinhamtambem de solucionar os problemas envolvidos nas transa coesentre o consumidor e varias empresas autonomas.

    Havia varias possibilidades. Uma era ser paciente e deixar omercado fazer as coisas funcionar. A segunda era mover-separa o outro extremo e adotar um processo de planejamentoabrangente para coordenar as atividades. A terceira era de-senvolver inovacoes organizacionais intermedi arias entre essasduas formas extremas.

    A estrutura de governanca que acabou prevalecendo foi a doembri ao da moderna empresa multidivisional: as empresas fer-roviarias tornaram-se imensas unidades detentoras de v arias cen-tenas e as vezes varios milhares de milhas de trilhos, sendo a co-ordena cao pelo mercado suplantada em grande parte pela orga-nizacao administrativa. Nos termos discutidos na se cao anteriordeste trabalho, os custos de transa cao associados a coordenacaopelo mercado eram t ao elevados que as empresas preferiram ado-tar a forma integrada fundindo-se entre si.

    b) especicidade de ativos e a organiza cao da industria de energiaeletrica americana

    Um estudo emprico mais detalhado, embora de alcance te orico

    mais limitado, sobre a importancia dos custos de transacao nadenicao da estrutura da industria e o realizado por Joskow(1985, 1991) para a industria de energia eletrica norte ameri-cana. A conclusao e an aloga a obtida por Williamson para asestradas de ferro: nos segmentos da ind ustria em que se requereminvestimentos em ativos mais especcos, os contratos s ao maisminuciosos e cobrem perodos mais longos; em alguns casos, en-tretanto, a especicidade de ativos e t ao expressiva que as rmas

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    integram-se verticalmente. O argumento pode ser resumido noseguinte.

    Mais de metade da energia eletrica nos Estados Unidos era pro-duzida na epoca em que os trabalhos foram escrito a partir docarvao, de modo que essa industria respondia sozinha por mais

    de 80% do consumo domestico desse recurso natural. O padraolocacional das usinas variava no pas de acordo com as especi-cidades de cada regiao e a qualidade do carv ao disponvel. Osquatro principais padroes eram os seguintes:

    i) a usina situa-se em uma regi ao em que podem adquirircarvao de um grande numero de minas dispersas por umagrande area, atraves de opera coes a vista no mercado ou con-tratos de curto prazo;ii) a usina localiza-se em uma area em que podem comprarcarvao de poucas minas situadas pr oximas umas das outras,produzindo carv ao de qualidade similar;iii) a localizacao da usina implica que ela deve comprar carv aoexclusivamente de uma ou duas minas durante toda sua vidautil, sendo que tanto as minas como a usina precisaram fazergrandes investimentos: as primeiras para atender a demandapresente e futura de carvao e a segunda, em linhas ferreas evagoes para o transporte do carvao da mina para a usina;iv) a usina localiza-se a boca da mina e obtem todo o carvaoque utiliza de uma ou duas minas adjacentes, as quais temcomo unico consumidor a usina; esta, alem disso realizou ini-

    cialmente pesados investimentos em linhas de transmiss aopara distribuicao de energia para grandes centros urbanos.

    Do exposto anteriormente e facil perceber que o grau de especi-cidade de ativos e muito maior nos dois ultimos casos tanto paraas minas, cujos ativos s ao vinculados a escala de produ cao, comopara as usinas nessas situacoes, que tem que realizar pesados in-vestimentos em uma determinada regi ao. No caso particular das

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    usinas localizadas a boca das minas parecem estar presentes pelomenos 3 tipos de especicidades de ativos: a) locacional,visto que a usina e construda deliberadamente pr oxima amina para reduzir outros custos que nao os de transa cao, comocustos de transporte; b) especicidade em ativos fsicos, j a que aplanta e projetada para utilizar o tipo de carv ao produzido

    por uma mina especca e c) especicidade em ativos vin-culados a escala de producao, ja que nem a mina, nem ausina seriam construdas se nao fosse a expectativa que haver ademanda e oferta garantidas de carv ao por cada uma das partesnum horizonte de planejamento sucientemente longo.

    A hipotese da teoria neo-institucionalista , como discutido nasecao anterior, e que as usinas do tipo 4, portanto, ser ao mais ver-ticalizadas do que as demais ou estabelecerao com seus fornece-dores contratos mais minuciosos e abrangendo perodos de tempomuito maiores do que os realizados pelas outras usinas.

    A conclusao de Joskow e que a evidencia emprica e consistentecom essa hipotese. Das 21 plantas localizadas a boca da mina,que respondiam em conjunto por 15% da demanda domestica decarvao em 1982, apenas duas compravam algum (pouco) desteinsumo no mercado em opera coes a vista. Dez delas obtinhamtodo o carvao utilizado de subsidi arias e as restantes, atravesde contratos extremamente minuciosos, especicando cl ausulaspara pre cos e quantidades por um prazo medio de 35 anos. Odado mais signicativo entretanto, por seu car ater comparativo,

    e que embora respondam por apenas 15% do carv ao consumidoas usinas a boca da rma respondem por mais da metade daoferta gerada por usinas integradas verticalmente.

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    2.6 Algumas proposic oes empiricamente test aveis da teoria neoinstitucionalista da rma

    Sugeriu-se na ultima se cao que a teoria do custo de transacaopermite formular hipoteses test aveis sobre teoria da rma de

    natureza completamente diferente das derivadas da teoria mi-croeconomica tradicional e mesmo das baseadas na teoria da or-ganizacao industrial inspirada nos trabalhos pioneiros de Labini,Bain e Steindl. Acredita-se que o fato de, ate onde se sabe, a teo-ria do custo de transacao nao ter ainda estimulado o desenvolvi-mento de trabalhos empricos para verica cao dessas hipotesesno Brasil talvez se deva a uma falta de interesse alimentada pordesconanca de origem por aqueles que poderiam realiz a-los deforma mais proveitosa. Explico: os economistas de orientacaoortodoxa est ao atualmente muito pouco preocupados, para dizer

    o mnimo, com o estudo de temas de elevado conte udo empricocomo organizacao industrial, preferindo dedicar-se `a formulacaode modelos teoricos de equilbrio geral, que por sua pr opria na-tureza n ao podem tratar das questoes levantadas pela abordagemdo custo de transa cao, como as que serao mencionadas a frente.J a os autores menos ortodoxos que tiveram algum contato coma teoria, e que eventualmente teriam maior interesse em suaspossibilidades empricas, provavelmente a descartam por ter elase originado no proprio coracao da economia mainstream , o que ja seria suciente, de seu ponto de vista, para compromete-lacom pressuposicoes nao aceitas doutrinariamente como as deequilbrio e a de individualismo metodologico.

    Pode ser que essa desconanca seja de fato legtima e que ateoria do custo de transacao, como concepcao geral, deva ser a-nal posta de lado. Mesmo se isto for verdade, entretanto, n aosignica necessariamente que ela n ao possa fornecer insights es-clarecedores sobre a forma como a industria de um pas se or-

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    ganiza. Parece proveitoso portanto, indagar em que condi coessuas proposi coes podem (ou nao) ajudar a compreender melhora estrutura da economia brasileira. Tres quest oes, entre inumerasoutras, podem ser listadas numa agenda preliminar de pesquisaem torno dessas proposi coes:

    1. a possibilidade de as formas empresariais verticalmenteintegradas na economia brasileira, em termos de controle dapropriedade e/ou dos processos produtivos, como as ob-servadas atualmente na produ cao integrada de frango pelasmaiores empresas do setor e no ramo de extra cao e bene-ciamento de minerio de ferro por exemplo, poderem ser ex-plicadas como resultando de uma estrategia empresarial deminimiza cao de custos de transa cao, ou por outros fatorescomo as exigencias tecnol ogicas e estrategias competitivasde longo prazo. A metodologia a ser utilizada em traba-lhos neste tema deve ser aproximadamente a mesma que autilizada por Joskow, na pesquisa resenhada neste trabalho, asaber: dever a consistir idealmente, mas nao necessariamente,numa an alise comparativa de empresas participantes de ummesmo ramo de atividade que operem em condi coes de pro-dutividade semelhantes, mas que apresentem graus de inte-gracao vertical distintos; nessas condicoes podem-se coeterisparibus excluir as exigencias tecnol ogicas como um fator queimpoe a integra cao vertical. O mesmo raciocnio aplica-se asestrategias competitivas de longo prazo, procurando-se isolar

    o grau de heterogeneidade de custos e de produtos, que indicao grau de monopolio existente no setor, do grau de vertical-izacao da produ cao. A hipotese sera vericada, isto e os custosde transa cao serao importantes na determina cao da estruturada industria, se as empresas do ramo em estudo forem tantomais verticalizadas ou seus contratos forem tanto mais rgidosquanto mais especcos forem seus ativos. Uma proxy paraessa medida pode ser por exemplo os tipos diferentes de es-

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    pecicidades presentes nos ativos das empresas estudadas;2. a possvel utilidade da teoria do custo de transa cao paraexplicar processos de concentra cao regional e de clustering in-dustrial na economia brasileira. Uma das hip oteses que podeser testada a respeito e que, por estarem sujeitos a rendimen-tos crescentes, tais processos s ao cumulativos na medida em

    que acabam por favorecer por exemplo uma crescente concen-tra cao de capital humano de alta qualidade em certas regi oesdo pas, o que atrai novas empresas, atraindo ainda mais capi-tal humano. O capital humano e atrado porque a existenciade um numero signicativo de empresas em um mesmo ramo(no caso do clustering ), ou de empresas industriais de ramosdiferentes mas que usam trabalhadores de alta qualica cao(como no caso da concentra cao regional de atividades gerado-ras de maior valor adicionado), permite ao trabalhador espe-cializado manter um relativamente alto grau de independenciaem relacao ao seu emprego atual porque tem a op cao de traba-lhar em empresas concorrentes. A concentracao de atividades,nas duas formas acima, confere as empresas um grau de exi-bilidade an alogo ao conferido ao trabalhador, tornando menora especicidade de seu capital humano. A explica cao e queao treinar seu trabalhador, a empresa torna-se mais depen-dente dele, na medida em que demitindo-o tera de incorrernovamente nos custos de treinamento. Mas se varias empre-sas em um clustering por exemplo est ao fazendo o mesmo,a empresa poder a atrair um trabalhador de outra empresa aum custo menor do que o de treinar um trabalhador novo. Oresultado e que tanto `as empresas como os trabalhadores alta-mente qualicados expoem-se menos ao oportunismo mutuo,reduzindo custos de transacao, concentrando-se em determi-nadas regi oes. Nao se esta realmente armando que o processoacima seja de fato o mais importante na formacao de clustersindustriais, o que se deseja indicar e um dos possveis usos daabordagem do custos de transacao em uma das areas de fron-

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    teiras da ciencia economica de mais rapido desenvolvimentonos ultimos anos; 9 e por ultimo3. a possibilidade da teoria do custo de transacao ser utilizadapara entender a estrutura cao da industria em ramos onde asdecisoes empresariais est ao mais sujeitas a incerteza. Comovisto, a incerteza n ao pode ser eliminada totalmente pelo esta-

    belecimento de contratos, na medida em que estes sao sempreem alguma medida incompletos. Mas, independentemente deoutros fatores, o grau em que as decis oes empresariais est aosujeitas a incerteza, varia muito de ramo para ramo, sendomenor por exemplo em industrias que produzem bens de con-sumo duravel do que naquelas que produzem bens de capital. Econcebvel portanto que os contratos tendam a ser mais incom-pletos (genericamente falando) nessas ultimas ind ustrias doque nas primeiras. Se, alem disso, adicionar-se a informacao deque os ativos da industria de bens de capital tendem a ser emalguns segmentos altamente especcos em termos fsicos, umahipotese plausvel sobre a estrutura industrial desses ultimossegmentos e que as rmas tendam a ser mais verticalizadasou que apresentem um padrao de relacionamento fornecedor-usuario diferente do de outros ramos da economia, em razaotanto da incerteza como da especicidade de ativos. Espera-se encontrar especicamente, na medida em que as empresasprodutoras de bens de capital dicilmente integram-se para ` afrente, cl ausulas contratuais bastante restritivas no ramo deprodu cao de bens de capital, na medida em que as rela coesfornecedor-usu ario que essas empresas estabelecem com as de-mais nao sao continuadas, mas espacadas no tempo.

    9 Ver a respeito entre outros Krugman (1998), Malmberg & S olvell(1995) e Schmitz (1997).

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    3 A Nova Economia Institucional e a Logica da A caoColetiva

    3.1 Racionalidade e dilemas de a c ao coletiva

    Um dos pressupostos metodol ogicos que melhor distingue a teo-ria economica das demais ciencias sociais e o de que os economis-tas levam mais longe do que qualquer outro o princpioda racionalidade. Vimos que os novos economistas institucionaiscolocam esta hip otese no centro do seu argumento, ainda quesupondo que esta racionalidade seja limitada, no sentido de queos indivduos procuram atender seus interesses mas sem conhecerintegralmente as circunst ancias em que irao fazer isso. Uma dasrazoes de porque as pessoas, mesmo as mais sosticadas, n ao po-dem prever as consequencias completas de suas decisoes e porquetais consequencias dependem do que as demais pessoas irao fazer.Muitas vezes, nessas circunstancias, e melhor adotar um com-portamento defensivo que implique minimizacao de danos parao indivduo, independentemente do que os demais facam. As-sim agir racionalmente pode signicar que os indivduos adotemum tipo de comportamento que nao produz a melhor situa caoque um indivduo em tese poderia alcancar se todos os demaisagissem de forma mais cooperativa. Congura-se nesse caso umdilema de acao coletiva.

    A tese classica sobre a existencia de problemas de acao coletiva,formulada inicialmente por Olson (1965) e desenvolvida mais re-centemente por Hardin (1982) e Bates (1995) e de que muitasvezes e impossvel alcan car solucoes cooperativas por negociacao.Existem situacoes, denidas como dilemas sociais, em que, porrazoes associadas por exemplo a existencia de externalidades, associedades sao incapazes de alcan car congura coes ecientes nosentido paretiano, porque indivduos e rmas, agindo racional-

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    mente, ir ao engajar-se excessivamente na producao de bens quegeram externalidades negativas e deixar ao de produzir bens eservicos que geram externalidades positivas, esperando que ou-tros o facam por eles. Nessas condicoes o assim chamado teoremade Coase deixaria de ser valido nao apenas porque existem custosde transa cao que impedem que as pessoas negociem de forma a

    alocar privadamente os custos implicados pelas externalidade. Arazao principal porque as instituicoes que garantiriam a ecienciasocial nao sao em geral adotadas e que essas instituicoes naointeressam a grupos de indivduos capazes de se organizar po-liticamente para se beneciar de comportamentos do tipo freerider e rent seeker . As negociacoes que os novos economistasinstitucionais supoem serem a fonte do processo de evolucao ins-titucional, em outras palavras, se d ao dentro de estruturas for-madas na arena poltica. Assim, parafraseando Bates (1995) n aoe que a teoria neo-institucionalista esteja essencialmente incor-reta em suas formula coes; o problema e que ela deixa de incluirem suas analises a dimensao essencialmente poltica do processo.Este trabalho tentar a contribuir para essa discussao sugerindouma forma de incluir a poltica nos modelos econ omicos do neo-institucionalismo.

    Segundo a classica formula cao de Olson, as solucoes cooperativasmais importantes assumem a forma de bens publicos, denidoscomo bens que apresentam duas propriedades: nao rivalidade,no sentido de que seu consumo por um grupo de indivduos n aoreduz sua disponibilidade para o consumo de outros, e nao ex-

    cludabilidade, que signica que indivduos nao podem ser im-pedidos de usufruir do bem mesmo que n ao contribuam parasua provisao. 10 Os bens publicos, assim, podem estar sujeitos `aprovisao insuciente em grupos grandes, visto que, sabendo queagentes que n ao podem ser excludos de seu consumo ter ao incen-tivos para atuar como free-riders, sera uma estrategia racional

    10 Ver a respeito Drazen (2000:cap.9).

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    do ponto de vista de cada indivduo nao contribuir para suaprovisao. Posteriormente, Hardin (1982) demonstrou que esseproblema pode estar presente, denindo o grupo como latente,mesmo em grupos pequenos se nao houver nesses grupos umsub-grupo ecaz. Um sub-grupo ecaz e aquele que tem incen-tivo para nanciar o bem p ublico, mesmo se os demais

    nao contriburem. A existencia de mais de um sub-grupo ecazno mesmo grupo, entretanto, pode gerar problemas de provis aoporque cada um desses grupos esperar a que o outro assuma onanciamento do bem p ublico.

    Para garantir a oferta de bens p ublicos e preciso ent ao mobilizarincentivos seletivos, como a coercao direta, ou explorar a possi-bilidade de, sob certas circunstancias, ser vantajoso para atoressociais sucientemente grandes incorrer nos custos de gerar in-dependentemente as externalidades positivas para o restante dasociedade. 11 A primeira possibilidade implica o uso de poderpoltico e a segunda, a mobilizacao de interesses poderosos, isto einscrevem-se no ambito da a cao essencialmente poltica, nao con-templada sucientemente pela teoria neo-institucionalista tradi-cional.

    A principal implica cao dessa conclusao para a teoria dasinstitui coes e que nao se pode esperar que as institui coes maisecientes para o crescimento economico possam ser alcancadasatraves de negociacoes entre agentes racionais, a n ao ser quandose forma um quadro institucional que torne as decisoes cooperati-

    vas racionais do ponto de vista individual. Isto acontece quandoocorre uma mudan ca em cascata do aparato institucional pre-existente. Mostro, em seguida, que uma das razoes de porque emais facil alcan car solucoes racionais do ponto de vista coletivoquando o numero de pessoas envolvido e menor e que e mais f acil,nessas condicoes, criar capital social Finalmente tento mostrar

    11 Ver especialmente Bates(1995:42).

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    que o nao desenvolvimento de algumas instituicoes como asque garantem o direito de propriedade tem implica coes maisserias para o desenvolvimento economico; nao obstante, algunspases a minoria no mundo conseguiram faze-lo. Como eles ozeram?

    3.2 O conceito de capital social

    Examinando a questao de por que e t ao difcil alcan car solucoescooperativas para problemas coletivos com base na conhecidamet afora do dilema do prisioneiro (explicitada adiante), pareceplausvel que a coopera cao possa acabar prevalecendo sobre acompeti cao se os agentes interagem continuamente, como suge-rido por North (embora se apresentem uma serie de qualica coesa essa possibilidade na se cao seguinte). Em jogos repetidos emque os agentes nao percebam claramente a existencia de um jogonal, como acabou se tornando por exemplo a Guerra Fria (em-bora em varios momentos a hipotese de haver um end gametivesse sido realisticamente considerada), os agentes adotam es-trategias tit for tat , que tornam a solu cao cooperativa racional doponto de vista individual, visto que cada jogador pode (em tese)testar a superioridade dessa solucao e eventualmente alterar seucurso de acao. 12

    12 Segundo North (1996:13): ...the most dismal aspects of Olsonsanalysis and prisioner dilemma problems reect the static nature of the analysis and the fact that is a one shot game. That is, when theprisioner dilemma game is played only once, it is a dominant strat-egy for players to defect and therefore not to achieve what would bean efficient outcome with respect to the aggregate well-being of theplayers. However, it is well known that defection is not the dominantstrategy if the situation is repeated over and over again, as many col-lective action problems are. In an iterated prisioners dilemma game,

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    A implicacao e que a cria cao de institui coes que possibilitam ocomportamento cooperativo e um processo cumulativo em que setorna mais f acil alcan car solucoes cooperativas mais complexasquando as pessoas conseguem estabelecer rela coes de conancaem situa coes mais simples que envolvem menor comprometi-mento de recursos e menores riscos pessoais. Mas ha um segundo

    aspecto da quest ao relacionado a cumulatividade do processo quee central para explicar porque as solucoes encontradas s ao distin-tas para os grupos humanos, as quais ajudam a compreender porexemplo porque os pases seguem normalmente trajet orias de de-senvolvimento economico tao distintas. Trata-se do fato de que assolucoes encontradas em cada situa cao delimitam as escolhas quepodem ser feitas nas etapas seguintes da trajet oria. O estoquede solucoes cooperativas que uma sociedade alcan ca assim podeser considerado uma especie de capital capital social no sen-tido de que essas solucoes, ao gerar conanca inter-pessoal, agemcomo um insumo na produ cao sem o qual muitos empreendimen-tos coletivos nao podem ser realizados; mas tambem de maneiraanaloga ao capital fsico, o capital social tranca ( locks in ) aevolucao futura da sociedade em determinadas trajet orias ins-titucionais que podem ser mais ou menos ecientes em termosde desenvolvimento economico.

    O conceito de capital social diz respeito a estrutura de incen-tivos e sancoes ao comportamento individual, denida por umconjunto pre-existente de regras formais e informais, comporta-

    one that is repeated there is no dominant strategy. In a now-famoustournament, Robert Axelrod found that the winning strategy underthese conditions of continuous repeated play is a strategy of tit-for-tat, one in which a player responds in kind to the action of the otherplayer. This led to Axelrods celebrated The Evolution of Coopera-tion (1984), an optimistic book about the ability of human beings todevise cooperative solutions to problems without the intervention of a coercive state.

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    mentos organizados e organiza coes, que promovem a conanca ea cooperacao entre as pessoas. Engloba, assim, em primeiro lugara rede de contatos sociais que um indivduo tpico mantem, im-plicando portanto comportamentos sociais relativamente est aveisno tempo e por isso conaveis. Mas inclui tambem uma dimens aode bem coletivo, no sentido de que se um determinado n umero

    crtico de indivduos pertence a essas redes, a comunidade comoum todo se beneciara na medida em que emerge um ambientegeral de conanca e seguranca, o qual incentiva a coopera cao en-tre as pessoas e, como ja vimos, melhora a eciencia econ omicada comunidade. 13

    Duas comunidades com dota coes semelhantes de recursos na-turais, capital fsico e capital humano, assim, podem apresen-tar desempenho econ omico muito diferente se as dota coes decapital social forem diferente. Em interessante estudo realizadoem estabelecimentos rurais na Tanz ania por exemplo, Narayan(1997) descobriram que, mesmo nas condi coes de extrema po-breza deste pas, as famlias que participavam mais ativamente deorganiza coes coletivas tinham renda mais alta do que as demais.Essa situa cao relativamente mais favoravel derivava de cinco fa-tores, todos eles compreendidos no conceito de capital socialexplicitado acima. Primeiro, essas famlias utilizavam pr aticasagrcolas mais ecientes, j a que ao participarem das organizacoescoletivas recebiam informa coes que as induziam a utilizar maisinsumos modernos e sementes melhoradas; segundo, dispunhamde melhores informacoes sobre o mercado; terceiro, estavam dis-

    postas a aceitar mais riscos, devido a se sentirem mais protegidaspelas redes de relacionamentos de que participavam; quarto, in-uam na melhoria dos servicos publicos, inclusive participandomais ativamente das escolas, e quinto, cooperavam mais em nvelde municpios.

    13 Os trabalhos precursores cl assicos no tema do capital social saoColeman (1990) e Putnam (1993).

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    O capital social pode em alguns casos ter um efeito negativosobre as comunidades, como quando estimula ou sanciona com-portamentos criminosos; o caso da M aa na Siclia por exem-plo descrito no ja classico livro de Gambetta (1993). Mas emgeral os efeitos sao positivos, ja que dicilmente comunidadescuja principal atividade economica seja o crime podem sobre-

    viver por longos perodos. A quest ao e: porque o capital sociale t ao frequentemente insuciente em pases pobres, o que colocauma outra pergunta, a saber: pode o capital social ser criadoou aumentado em prazo aceitavel em termos de planejamentoeconomico? Comecemos pela primeira questao.

    O capital social, diferentemente do capital fsico, n ao se desgastacom o uso. Ao contrario tem o potencial de desencadear ciclosvirtuosos em pases onde a estrutura de incentivos pune compor-tamentos oportunistas e ciclos viciosos, onde os c odigos de com-

    portamentos, os costumes e o aparato jurdico formal sancionama desonestidade e a corrup cao. Num pas onde vigore uma estru-tura de incentivos do segundo tipo, e racional do ponto de vistaindividual n ao se comportar de maneira cooperativa, na medidaem que nao se pode esperar que os demais indivduos cumpramsua parte nos acordos. Exatamente como no caso classico dodilema do prisioneiro, o equilbrio cooperativo seria beneco parao conjunto dos indivduos, mas os custos das provaveis defeccoessao t ao elevados que nenhum dos indivduos isoladamente es-tar a disposto a cooperar, sendo a estrategia dominante a n aocooperacao.

    Em uma sociedade do segundo tipo acima, portanto, prevalecer aum equilbrio negativo, onde por exemplo os elevados ndices decriminalidade tornam pouco racional andar desarmado e o portede armas de fogo, por parte da maioria da populacao, torna asociedade progressivamente mais violenta e a vida mais insegurapara os indivduos, do que em uma sociedade onde a solu cao

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    cooperativa de banimento geral de armas de fogo pudesse seralcan cada. O equilbrio positivo representado pelas solu coes coo-perativas, entretanto, baseia-se na reciprocidade e esta s o existequando a coopera cao esta fundamentada no interesse proprio,porque a sociedade nao e constituda de santos mas de homenscomuns que, em sociedades cooperativas, vivem num sistema em

    que o altrusmo no curto prazo e em geral uma forma de bus-car o interesse pr oprio no longo prazo. Nos mutir oes familiarespara a construcao de casas proprias por exemplo, frequentes en-tre as popula coes mais pobres dos pases subdesenvolvidos, osindivduos sacricam seu descanso semanal para auxiliar naconstru cao da casa do vizinho porque esperam que, mais paraa frente, seu vizinho far a o mesmo por ele. E evidente que senao tiver essa garantia de reciprocidade sera racional do pontode vista individual ir ao bar ou a igreja no domingo ao invesde carregar tijolos e construir lajes, embora toda a vizinhan capermane ca desse modo em uma situa cao pior, pagando aluguel evivendo em moradias prec arias, do que se cooperasse formandoo mutir ao.

    Quando entretanto uma solu cao cooperativa e alcancada o graude conanca aumenta porque, em primeiro lugar, cam clarospara os indivduos os benefcios dessa solucao e, talvez mais im-portante, ca claro que essa solu cao e possvel para uma seriede outros empreendimentos. Quanto mais extensas as redes derelacoes pessoais, que se estabelecem entre as pessoas envolvi-

    das nesses empreendimentos, menor o estmulo ao oportunismo,porque os indivduos que consideram adotar esse comportamentosabem que tender ao a ser excludos de muitos outros empreendi-mentos se se mostrarem como n ao conaveis. O capital socialassim, que em ultima instancia e produto do grau de conancainterpessoal em uma sociedade, aumenta progressivamente emsociedades que conseguem libertar-se do equilbrio negativo dassolucoes nao cooperativas e tende a ser insuciente em pases

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    onde prevalece o cada um por si e as rela coes economicas e so-ciais coordenadas atraves da coer cao (relacionamentos verticais)ao inves da coopera cao volunt aria (relacionamentos horizontais).Em seu classico estudo sobre a It alia, Putnam (1993:174), resumeo argumento no seguinte:

    ... as tradi coes cvicas do norte da Italia do norte proveem umrepert orio historico de formas de colaboracao que, tendo provadoseu valor no passado, est a disponvel aos cidad aos para tentarresolver novos problemas de a cao coletiva. Foram construdassociedades de ajuda m utua, nas fundacoes arrasadas dos velhosgremios , cuja experiencia foi utilizada por cooperativas e par-tidos polticos de massa. Os movimentos ambientais italianoscontempor aneos, por exemplo, foram uma dessas associa coes queutilizaram este precedente mais cedo. Por outro lado, onde nen-hum exemplo anterior de colaboracao cvica bem sucedida existe,e mais dicil superar as barreiras de suspeita e descompromisso.Em todos os lugares, colocados face a novos problemas que re-querem compromisso coletivo, homens e mulheres tendem a olharpara as solu coes dadas a esse problemas no passado. Os cidad aosde comunidades cvicas acham exemplos de relacoes horizontaisprosperas em sua hist oria, enquanto os habitantes das regi oesmenos cvicas acham, no m aximo, exemplos de clientelismo ver-tical.

    Mas, pode esse equilbrio estagnante da solucao nao cooperativaser rompido? Isto e pode o capital social ser criado, quando exis-

    tente em quantidade insuciente, de modo a viabilizar projetosde investimentos modernizantes, que contemplem por exemploinvestimentos em sistemas de irrigacao?

    Os autores pioneiros na discuss ao do tema, Putnam por exemplo,sao pessimistas a respeito, na medida em que veem o processode mudan ca institucional como muito lento, devendo ser medidona melhor das hip oteses em decadas, em razao dos efeitos auto-

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    reforcadores que conduzem as sociedades a equilbrios positivosou negativos; neste ultimo caso, a desconan ca e a trai cao mutuasao reforcadas em crculos viciosos difceis sen ao impossveis deromper.

    E possvel, entretanto, encontrar na literatura mais recente

    inumeros casos em que o capital social parece ter sido criadoou adaptado rapidamente produzindo resultados apreci aveis emtermos economicos.

    Um dos exemplos mais interessantes de como a estrutura de in-centivos pre-existente, por mais irracional que pare ca, pode serconsiderada como capital social e assim ser utilizada em favorda implantacao de sistemas de irriga cao baseados em tecnolo-gia moderna e o caso de Burkina Fasso, relatado em Smale eRuttan (1997). Nesse caso, utilizou-se uma institui cao existente,os Kombi-Naam, que s ao grupos de jovens que tradicionalmentededicam um ano ao trabalho voluntario da aldeia, para construirdiques que viabilizaram a implantacao de tecnicas agrcolas maisavan cadas.

    Outros exemplos que merecem ser destacados sao os seguintes: oestudo de Ostrom (1997), que mostra que, de 108 sistemas de ir-rigacao pesquisados no Nepal, aqueles governados pelos pr opriosusuarios apresentaram resultados melhores em termos deeciencia e de incremento da produtividade agrcola do queos administrados pelo governo. A principal razao detectada para

    essa maior eciencia comparativa foi a de que a manuten cao daadministracao nas maos dos usuarios preservava mais o capitalsocial historicamente constitudo para lidar com os problemasdo dia a dia, e assim produzia menos perturbacoes nas relacoessociais entre produtores; um segundo caso ilustrativo e relatadopor Narayan (1997) em estudo de 121 projetos de irriga cao lo-calizados em 49 pases em desenvolvimento da Africa, Asia eAmerica Latina. A conclus ao novamente e a de que a

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    participacao dos usu arios no processo de tomada de decisoes ecrucial para explicar o grau de sucesso com que tais projetos saoimplementados e operados.

    Respondendo a segunda quest ao colocada anteriormente, entao,pode-se dizer que embora a criacao de capital social pare ca ser defato um processo lento, a adaptacao do capital social j a existentepara outros ns parece poder ser feita em perodos de tempo bemmais curtos; a principal forma de fazer essa adapta cao e atravesda participacao dos indivduos pertencentes `as comunidades aque os projetos de investimento se destinam. Denindo par-ticipa cao como o processo voluntario pelo qual as pessoas inuen-ciam ou controlam as a coes que as afetam, pode-se armar, combase na discuss ao acima, que a participa cao dos usuarios e funda-mental em projetos de construcao de infra-estrutura porque issopermite que elas acrescentem o capital social ja existente ` as novasrelacoes de produ cao implicadas, entendendo por capital sociala estrutura de incentivos que lhes permite viver em comunidadee lidar com seus problemas economicos atuais. Ao permitir aparticipacao, portanto, os programas n ao tem de construir umainteiramente nova estrutura de incentivos, que quase sempre n aofunciona, visto ser a estrutura de incentivos pre-existente com-posta em boa parte de regras quase invisveis, muitas vezes como ja mencionado destitudas de qualquer racionalidade do ponto devista dos nanciadores do projeto.

    3.3 Por que algumas vezes as institui c oes mais ecientes sedesenvolvem mas na maioria dos casos n ao: a teoria deMancur Olson

    Ate aqui examinamos casos em que um numero relativamentereduzido de agentes est ao envolvidos no jogo . Mas o quese pode dizer de sociedades? E mais difcil ou mais facil obter

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    a solucao cooperativa em grupos maiores? De que tipo s ao asinstitui coes que representam essas solucoes cooperativas?Quais sao as instituicoes crticas para que uma sociedade possadesenvolver-se? Por que a maioria das sociedades n ao conseguedesenvolver essas institui coes? Tais sao as quest oes que MancurOlson procurou responder em duas das suas obras classicas sobre

    acao coletiva que resumimos a seguir.A forca da met afora do dilema do prisioneiro para ilustrar dile-mas sociais, isto e a diculdade de se atingir solu coes social-mente superiores, reside mais na sua beleza e simplicidade do queem seu poder explicativo propriamente. 14 Quando a sociedade

    14 Ha muitas outras situa coes de intera cao social onde h a motivostanto para cooperar como para agir isoladamente. As matrizes depay-offs abaixo retratam os quatro arquetipos mais conhecidos deintera cao social, incluindo o do dilema do prisioneiro:

    Dilema do PrisioneiroC NC

    C 3,3 1,4NC 4,1 2,2Jogo da Conan ca

    C NCC 4,4 1,3NC 3,1 2,2Batalha dos Sexos

    C NCC 1,1 3,4NC 4,3 2,2Jogo da Coragem

    C NCC 3,3 2,4NC 4,1 1,1

    Comparado com o dilema do prisioneiro, h a um maior incentivo `acoopera cao no jogo da conan ca porque os pay-offs de ambos os jo-gadores aumentam expressivamente ao deixarem de agir isoladamente

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    e passarem a cooperar, isto e passarem da celula (NC,NC) para acelula (C,C). Como entretanto existe o risco de defec cao, e possvelque um agente que decida cooperar tenha sua situa cao piorada se ooutro decidir nao cooperar; o jogo portanto ilustra a import ancia daconan ca entre os agentes envolvidos para que a solu cao cooperativapossa ser alcan cada.O jogo da Batalha dos Sexos, que e frequentemente encontrado emsitua coes de negociacao entre agentes no mundo real, ilustra a im-port ancia da coordenacao entre as decis oes individuais. Como estearquetipo n ao e t ao conhecido, vale a pena lembra o tipo de situa caoque ele representa. O marido prefere ir ao bar do que ao cinema e a es-posa, ao cinema ao inves de ir ao bar. Ambos entretanto preferem sair juntos, mesmo n ao fazendo o programa preferido. Assim o marido,representado na linha da matriz, prefere ir ao cinema com a esposae obter 3 de pay-off (enquanto a esposa obtem 4) do que n ao coope-rar, saindo sozinho e obtendo 2 de pay-off . Observe-se que se ambosdecidissem cooperar fazendo o que o outro deseja obteriam o menorpay-off possvel, porque ambos se sentiriam contrariados. Quando jo-gado como um jogo nao cooperativo com movimentos simult aneos esem possibilidade de comunicacao nao ha uma solu cao denida. Se o jogo nao for simult aneo, por outro lado, ha um claro incentivo para osegundo agente coordenar sua decis ao com a tomada pelo rst mover ,o que lhe asseguraria o segundo melhor pay-off possvel. Mas ha umaimplica cao mais sutil: sabendo que o outro n ao retaliar a, ou seja n