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Lógica para Linguistas 20 de abril de 2013

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Lógica para Linguistas

20 de abril de 2013

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Sumário

1 Introdução 2

2 Teoria de Conjuntos 4

2.1 Conjuntos e elementos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42.2 Relações entre conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62.3 Operações sobre conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62.4 Relações e funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3 Inferência e análise lógica de sentenças 13

3.1 Inferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133.2 Forma Lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153.3 Sentenças e proposições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173.4 Mundos possíveis e o conjunto-verdade de uma proposição . . . . . . 183.5 Sentenças analíticas e sintéticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193.6 Sentenças simples e compostas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203.7 A profundidade da análise lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

4 Lógica proposicional 22

4.1 Conectivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224.2 O significado dos conectivos lógicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

4.2.1 Negação — ∼ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254.2.2 Conjunção & . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264.2.3 4.2.3. Disjunção ∨ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 284.2.4 Implicação → . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 314.2.5 Equivalência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

4.3 Como indicar a estrutura constituinte . . . . . . . . . . . . . . . . . 344.4 A sintaxe e a semântica do cálculo proposicional . . . . . . . . . . . 364.5 Sintaxe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 374.6 Semântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 384.7 Tautologias e contradições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 404.8 Tabelas de verdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

5 Lógica de predicados 47

5.1 Estendendo a análise lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 475.2 Quantificadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 495.3 Resumo da sintaxe da lógica de predicados . . . . . . . . . . . . . . . 565.4 A semântica da lógica de predicados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 575.5 Verdadeiro em todas as interpretações . . . . . . . . . . . . . . . . . 615.6 Resumo da semântica da lógica de predicados . . . . . . . . . . . . . 67

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Capítulo 1

Introdução

A maioria dos linguistas do século vinte considerou os aspectos estruturais da lingua-gem como seu principal objeto de estudo. Isto não somente se aplica aos linguistasque geralmente são referidos como estruturalistas (por exemplo, Saussure, Hjelms-lev, Bloomfield e a Escola de Praga), mas, talvez, até mesmo mais a Chomsky eà Escola Transformacional Gerativa, que fizeram importantes avanços no estudoformal da estrutura linguística. Mas a maior parte dos sucessos notáveis do estru-turalismo foi nos campos da fonologia, morfologia e sintaxe. Quando se chega àestrutura formal do conteúdo ou do significado da linguagem, há muito pouco pro-gresso consentido. A propósito, muitos estruturalistas escolheram desconsiderar oconteúdo da linguagem, mesmo a ponto de negar que a Semântica fosse uma parteda Linguística.

Portanto, algumas das tentativas mais interessantes para caracterizar a estruturado conteúdo, assim como a estrutura em geral, têm de ser encontradas não dentro daprópria Linguística, mas dentro da Lógica Formal. Embora a lógica do século vintese concentrou na lógica da matemática e na linguagem matemática, a linguagemordinária cotidiana também foi analisada, embora de uma maneira menos completa,por lógicos tais como Frege, Russell, Carnap, Reichenbach e Montague1. Linguistase lógicos começaram agora aplicar seriamente os métodos lógicos ao estudo daslinguagens naturais e várias análises muito interessantes da estrutura semânticaapareceram.

O propósito desta introdução é expor aos estudantes de linguística e aos outros,que estejam interessados na semântica das linguagens naturais, alguns dos conceitose teorias lógicos básicos. Algum conhecimento destes [conceitos e teorias] é neces-sário para qualquer um que estuda semântica contemporânea ou, então, LinguísticaOs métodos desenvolvidos dentro da Lógica Formal estudar a semântica de lingua-gens artificiais foram, de uma maneira frutífera, aplicados à semântica da linguagemnatural; e dentro da Teoria Linguística em geral, os métodos e abordagens tomadosdas teorias lógica e matemática se tornaram cada vez mais comuns. A gramática da‘estrutura-frase’ que foi apresentada por Chomsky em Estruturas Sintáticas (1957)é um bom exemplo disto. Neste livro, Chomsky foi capaz de aplicar ‘sistema rees-critos’ à linguagem natural usando um tipo de gramática desenvolvida pelo lógicoamericano Post para descrever a estrutura das linguagens formais2.

Também queremos ajudar a reduzir as diferenças entre a Linguística e a Lógicae assim encorajar uma íntima cooperação entre lógicos e linguistas em seu estudocomum da estrutura da linguagem. Embora os aspectos introdutórios e pedagógicosdeste livro sejam mais importantes, queremos tentar substanciar nossa reivindicaçãode que a Lógica é uma área digna a ser estudada por todos aqueles que estão

1Para uma história da lógica antiga e moderna, veja Kneale e Kneale (1962).2Post (1936).

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CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO 3

primariamente preocupados com a linguagem natural, fornecendo-se exemplos decomo a análise lógica pode ser aplicada à linguagem natural e discutindo-se a relaçãoentre análise lógica e a análise linguística e entre a Lógica e a linguagem natural.Algumas das ideias que apresentaremos são relativamente novas.

O livro inteiro pode ser visto como um argumento implícito a favor da relevânciada lógica à linguística No capítulo final, há uma discussão explícita desta questão.

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Capítulo 2

Teoria de Conjuntos

2.1 Conjuntos e elementos

Nos capítulos seguintes, usaremos frequentemente os conceitos tomados da Teoria

de Conjuntos1. Além de suas conexões com a Lógica, a Teoria de Conjuntosé fundamental para a Matemática e tem várias aplicações diretas na Linguística.Portanto, começaremos caracterizando, em poucas palavras, os conceitos mais im-portantes neste campo.

Um conjunto é uma pluralidade ou coleção de coisas ou entidades de qualquertipo. Outros termos que são geralmente usados para se referir a conjuntos são‘classe’ e ‘grupo’ (embora estes também tenham outros usos técnicos na matemá-tica). Um conjunto consiste em vários elementos ou membros. Os conjuntos dosquais frequentemente falamos na vida cotidiana consistem geralmente em elementosque têm algo em comum, tais como o conjunto de todos os suecos ou o conjunto detodos os livros em uma certa biblioteca. A Teoria de Conjuntos não põe nenhumarestrição sobre os conjuntos: um conjunto pode ser formado a partir de elementosque não tenham qualquer ligação. Por exemplo, poderíamos escolher considerar oconjunto que consiste no Primeiro Ministro sueco, na menor lua de Marte e na raizquadrada de 7.

Algumas convenções de notação: usaremos letras maiúsculas em itálico (A,B,C, . . .)para nos referirmos aos conjuntos e letras minúsculas em itálico (a, b, c, . . .), paranos referirmos aos objetos individuais que são membros dos conjuntos. Introdu-zimos um símbolo especial, ∈, que tem de ser lido ‘é um elemento de’ ou ‘é ummembro de’. Por exemplo, ‘a é um membro de B’ é escrito a ∈ B. Se desejarmosdizer que a não é um membro de B, escreveremos a /∈ B.

Também precisamos de uma notação para escrever expressões tais como ‘o con-junto que consiste nos seguintes indivíduos: John, Bill, Harry’ ou ‘o conjunto detodos os homens ingleses que são ruivos’. Fazemos isto usando as chaves, {}. Comopode ser visto pelos exemplos que demos, há pelo menos duas maneiras de definirconjuntos: por enumeração e por descrição. Com as chaves, nossos exemplos ficamda seguinte forma.

Enumeração: {John, Bill, Harry}

Descrição: {x/x é um homem inglês ruivo} (tem de ser lido: ‘o conjunto de todosos x tais que x é um homem inglês ruivo’)

Existem também construções cotidianas a fim de expressar a mesma coisa. Enu-merações são geralmente formadas com a conjunção e, por exemplo, John (e) Bill

1Boas introduções à teoria de conjuntos são, por exemplo, Halmos (1960), Lipschutz (1964) eStoll (1961).

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CAPÍTULO 2. TEORIA DE CONJUNTOS 5

e Harry, e para descrições usamos orações [subordinadas] adjetivas, por exemplo,aqueles que são homens ingleses.

Embora isto possa surpreender algumas pessoas, a Teoria de Conjuntos permiteconjuntos onde o número de elementos é um ou zero. Para cada indivíduo ou objetono mundo, há um conjunto que tem como seu único membro este indivíduo ou esteobjeto. Por exemplo, dada uma pessoa a, podemos formar um conjunto {a}. Éimportante lembrar que a e {a} são coisas diferentes – a não é um conjunto.

Um conjunto que tem um único membro é chamado de conjunto unitário. Umconjunto que não tem nenhum membro (zero) é chamado de conjunto vazio, oumelhor, o conjunto vazio, uma vez que há apenas um tal conjunto, com o símboloespecial ∅. A razão disto é que existe um princípio geral na Teoria de Conjuntos queé chamado de princípio da extensionalidade e que diz o seguinte: para que doisconjuntos sejam distintos um do outro deve existir pelo menos uma coisa que sejaum elemento de um deles e não do outro. Em outras palavras, se a lista de elemen-tos for a mesma, estaremos tratando do mesmo conjunto. Qualquer conjunto vazio,obviamente, terá a mesma lista de elementos, logo há somente um conjunto vazio.Uma consequência um pouco paradoxal disto é que, por exemplo, o conjunto detodas as presidentes dos Estados Unidos é idêntico ao conjunto de todos os cães quepodem escrever programas de computadores. Todavia, entenderemos isto melhor secontemplarmos a diferença entre (a) a maneira na qual os elementos de um conjuntosão escolhidos (os critérios para distinguir entre elementos e não-elementos) e (b) oselementos que são, de fato, escolhidos. Obviamente, os mesmos elementos podemser escolhidos de muitas maneiras diferentes. A ideia do princípio da extensiona-lidade é que se desconsidere inteiramente a maneira na qual os membros de umconjunto foram escolhidos. Isto está relacionado com a distinção que será de grandeimportância nos capítulos seguintes, a saber, a distinção entre intensão e extensãode uma expressão em uma linguagem. Considere uma descrição de um nome quedescreve um conjunto, por exemplo, os homens ingleses que são ruivos. Podemosdizer que esta descrição de um nome identifica (ou se refere a) certas entidades oucoisas no mundo especificando várias propriedades que lhes são comuns. As entida-des identificadas ou referidas – ou seja, os indivíduos que são homens ingleses e sãoruivos – constituem a extensão da descrição do nome, enquanto a maneira na qualelas são identificadas – ou seja, os critérios usados para determinar a extensão daexpressão – seria a intensão da descrição. Agora vemos que o conceito de ‘conjunto’na Teoria de Conjuntos pode ser chamado de extensional no sentido em que não éimportante a maneira na qual os membros de um conjunto foram escolhidos – daío nome de princípio da extensionalidade.

O que dissemos aqui também mostra que o conceito matemático de conjunto nãoé totalmente idêntico ao conceito cotidiano para o qual usamos palavras tais como‘classe’ e ‘grupo’, mesmo se assumíssemos que isto era o caso no início deste capítulo.Quando falamos de grupos, por exemplo, grupos de pessoas, na vida cotidiana,frequentemente pensamos neles como sendo os mesmos em diferentes pontos dotempo, embora seus membros mudem. Assim, podemos falar, por exemplo, degrupo de pessoas que governam a Grã-bretanha, até mesmo podemos dizer coisatais como Este grupo tem mais membros do que costumava ter, uma sentença queseria contraditória se o princípio da extensionalidade fosse supostamente válido paraas entidades referidas por este grupo. Note também que, enquanto há várias coisasque podem ser afirmadas dos grupos, por exemplo, que eles desempenham tais etais ações (coletivas) — como em Nosso grupo enviou uma petição ao governo —,alguns matemáticos, pelo menos, diriam que conjuntos são entidades abstratas quenão podem fazer tais coisas.

Outro conjunto especial é o conjunto universal, que é simbolizado por 1 (onúmero 1). Para explicar o conjunto universal, temos de introduzir outra noção: ade um universo de discurso, que pode ser aproximadamente definida como ‘tudo

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CAPÍTULO 2. TEORIA DE CONJUNTOS 6

do que é falado em um certo texto ou em uma certa conversa’. Por exemplo, em umlivro didático de matemática, o universo de discurso poderia ser todos os números,enquanto em um livro didático de física, o universo de discurso poderia ser todosos corpos físicos. O conjunto universal será então o conjunto de todos os indivíduosdo universo relevante ao discurso.

2.2 Relações entre conjuntos

Vários conceitos da Teoria de Conjuntos dizem respeito às relações entre conjuntos.Estas relações podem ser representadas desenhando os conjuntos como círculos.Considere, por exemplo, o conjunto de todos os europeus e o conjunto de todos oshomens ingleses. Uma vez que todos os homens ingleses são europeus, podemosdesenhar um diagrama (I) para representar a relação entre os dois conjuntos, ondeA é o conjunto de todos os europeus e B o conjunto de todos os homens ingleses.

(1)

Neste caso, dizemos que B é um subconjunto de A ou que B está incluído em A.Na Teoria de Conjuntos, duas relações são geralmente distinguidas: a inclusão e ainclusão própria. Se um conjunto B estiver propriamente incluído em um conjuntoA, todos os membros de B serão membros de A e existirá, além disso, pelo menos ummembro de A que não é membro de B. Então, escrevemos B ⊂ A, com o símbolo ⊂,significando ‘está propriamente incluído em’ ou ‘é um subconjunto próprio de’. Se,como frequentemente é o caso, não quisermos asseverar que A contenha pelo menosum membro que não pertence a B, escreveremos B ⊆ A, que é, então, simplesmente‘B está incluído em A’ ou ‘B é um subconjunto de A’.

Se quisermos dizer que A e B são o mesmo conjunto – em outras palavras,que eles são idênticos – escreveremos A = B. Dissemos na seção anterior que istosignifica que eles têm os mesmos membros.

É importante reconhecer a diferença entre as relações ‘é um elemento (é ummembro) de’ e ‘é um subconjunto de’. O conjunto de todos os homens ingleses éum subconjunto do conjunto de todos os europeus, mas aquele não é um membrodeste. John Smith, por outro lado, é um membro do conjunto de todos os homensingleses, mas ele não é um subconjunto deste conjunto.

2.3 Operações sobre conjuntos

Há também conjuntos cujos membros são outros conjuntos. (Tais conjuntos são, àsvezes, chamados de coleções ou famílias). Por exemplo, para qualquer conjunto,digamos, A, podemos formar o conjunto que consiste em todos os subconjuntosde A. Este conjunto é chamado de o conjunto potência de A. Exemplo: O con-junto {a, b} tem os seguintes subconjuntos: {a}, {b}, {a, b}, ∅. (O conjunto vazioé um subconjunto de todos os conjuntos). O conjunto potência de {a, b} é então{{a}, {b}, {a, b}, ∅}.

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CAPÍTULO 2. TEORIA DE CONJUNTOS 7

Para distinguirmos conjuntos de conjuntos dos conjuntos ordinários, podemosnos referir aos mesmos usando letras maiúsculas, por exemplo, A.

Falamos acima das diferentes formas de definir conjuntos. Um conjunto tambémpode se definido em termos de outros conjuntos usando as então chamadas opera-

ções de conjuntos ou operações sobre conjuntos. Dados dois conjuntos A eB, podemos definir o conjunto que consiste em todos os objetos que são membrosde A e B. Este conjunto é chamado de interseção de A e B e é denotado porA ∩B. Em (1), ele [o conjunto interseção] corresponde à área sombreada.

(1)

Exemplo: Se A for o conjunto de todos os linguistas e B for o conjunto de todos ossuecos, então A ∩B será o conjunto de todos os linguistas suecos.

Podemos também querer falar do conjunto de todos os objetos que são membrosde um dos dois conjuntos A e B. Este conjunto é chamado de união de A e B e édenotado por A ∪B. Ele é mostrado em (2).

(2)

Exemplo: Se A for o conjunto de todas as pessoas que leram Guerra e Paz e B for oconjunto de todas as pessoas que leram Anna Karenina, então A∪B será o conjuntode todas as pessoas que leram Guerra e Paz ou Anna Karenina (ou ambos).

(3)

O conjunto sombreado, ou seja, o conjunto de todos os objetos que são membros deA, mas não são membros de B, é chamado de diferença de A e B e é denotado por

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CAPÍTULO 2. TEORIA DE CONJUNTOS 8

A−B (lê-se ‘A menos os homens ingleses e B, o conjunto de todas as pessoas quefalam Português, então A − B será o conjunto de todos homens ingleses que nãopodem falar Português (todos os homens ingleses exceto aqueles que podem falarPortuguês).

Até agora, falamos somente das operações sobre pares de conjuntos. Não obs-tante, não há nada que nos impeça de estender a aplicação das operações a trêsou mais conjuntos. Por exemplo, poderíamos definir a interseção de A, B, C, D(o conjunto que contém todos os objetos que são membros de todos os quatrosconjuntos A, B, C e D) como sendo uma operação sobre o conjunto de conjuntos{A,B,C,D} (a área sombreada em (4)).

(4)

Da mesma maneira, a união de A, B, C e D (o conjunto que contém todos osobjetos que são membros de pelo menos um dos quatro conjuntos A, B, C e D)pode ser denotada por ∪{A,B,C,D} (a área sombreada em (5)).

(5)

Um outro conceito importante é o de complemento de um conjunto. Dado umcerto universo de discurso U , por exemplo, o conjunto de todos os seres humanos,e um subconjunto A deste conjunto, por exemplo, o conjunto de todos os homensfranceses, então podemos também falar do conjunto de todos os membros de U quenão são membros de A, ou seja, neste caso, o conjunto de todos os humanos que nãosão homens franceses. Este conjunto é então chamado de complemento de A emrelação a U . Em (6), o retângulo é U , o círculo é o conjunto A e a área sombreada,o complemento de A, que é simbolizado como ∁A ou A−.

(6)

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CAPÍTULO 2. TEORIA DE CONJUNTOS 9

2.4 Relações e funções

Um conjunto de dois elementos é chamado de par. Se decidirmos considerar oselementos do par como ordenados de alguma maneira, obteremos um par ordenado.Para denotar pares ordenados, usaremos parênteses angulares <>, ao invés daschaves {}. (Às vezes, os parênteses ( ) são usados2. Quando estamos tratandode conjuntos não-ordenados, a ordem na qual enumeramos os elementos não temimportância. Assim, {a, b} é o mesmo conjunto que {b, a}. Por outro lado, o parordenado < a, b > não é idêntico ao par ordenado < b, a >. Para tornar isto claro,consideraremos brevemente aqui o conceito de relação, que será discutido em maisdetalhes na seção 5.8. Uma relação binária, por exemplo, ‘ser mais inteligente que’,ocorre entre dois objetos individuais que devem ser considerados como membros deum par ordenado. É imediatamente claro que a ordem dos dois objetos individuaisé essencial: ‘Hengist é mais inteligente que Horsa’ não é a mesma coisa que ‘Horsaé mais inteligente que Hengist’.

Da mesma maneira, podemos falar de triplas ordenadas (com três membros),quádruplas (4 elementos), quíntuplas (5 elementos) e, em geral, de n-tuplas or-denadas. (Estas correspondem às relações binárias, ternárias, quaternárias e eneá-rias, respectivamente). Os dias de um ano podem ser considerados como uma365-tupla.

Um conceito muito importante na Lógica, Matemática e Linguística é o de fun-

ção. Exemplifiquemos: Todo motor de carro tem um número de licença. Considereagora o conjunto de todos os motores de carro e o conjunto de todos os números delicença. Representamo-los em (1)

(1)

2Embora esta seja a maneira na qual o conceito de um par ordenado é introduzido em muitoslivros didáticos (por exemplo, nos mencionados em n.1 acima), ela não é totalmente correta. Comoé enfatizado no texto principal, o conceito de um par ordenado é usado para explicar o conceito deuma relação binária [two-place relation]. Considere o caso no qual alguém ou algo se encontra emuma certa relação consigo mesmo, por exemplo, o caso de Édipo, que foi seu próprio padrasto. Estarelação corresponde à qual par ordenado? A única resposta possível é a designada por <Édipo,Édipo>. Mas isto não é um conjunto de dois elementos, uma vez que o primeiro elemento éidêntico ao segundo. Portanto, ao invés disso, o que queremos é um objeto abstrato que pode serrepresentado como algo que consiste em dois ‘espaços’, onde o primeiro membro do par ordenadoentra no primeiro espaço e o segundo membro, no segundo espaço, mas onde a mesma entidadepossa ocupar ambos os espaços de uma só vez. As duas possibilidades podem ser ilustradas pordois ‘jogos’. Imagine que temos diante de nós uma caixa com bolas de gude. Em ambos os jogos,o jogador tem de fazer duas escolhas de uma bola de gude que está dentro da caixa, mas nosegundo jogo, ele põe de volta a primeira bola de gude que ele escolheu antes de fazer a segundaescolha, de maneira que ele possa escolhê-la outra vez se quiser. Somente no primeiro caso obtemosnecessariamente um conjunto de dois membros. Assim, poderíamos distinguir – correspondendoaos dois jogos – dois conceitos; UM CONJUNTO ORDENADO COM n MEMBROS É UMAN-TUPLA ORDENADA, onde somente o segundo conceito permite que um elemento ocorra emvários lugares. Um par ordenado é então uma dupla ordenada.

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CAPÍTULO 2. TEORIA DE CONJUNTOS 10

Cada x representa um elemento em seu respectivo conjunto. (É claro que deveriamexistir muito mais elementos). De cada elemento do conjunto à esquerda, ou seja, oconjunto dos motores de carro, há uma seta em direção a um elemento do conjuntoà direita, a saber, em direção ao número que pertence a este carro. Desta forma,obtemos um número enorme de pares ordenados onde o primeiro elemento é umcarro e o segundo, sua licença, por exemplo, <carro de John Smith, AAA 111>.Atribuímos a cada elemento do primeiro conjunto um elemento do segundo. Umatal atribuição é chamada de função. Para existir uma função, tem de existir exa-tamente um elemento do segundo conjunto para cada elemento do primeiro (é pos-sível que vários elementos do primeiro conjunto compartilhem um único elementono segundo). Em outras palavras, as setas podem convergir, mas não necessitamconvergir. (Retornaremos a esta questão quando discutirmos propriedades formaisdas relações na seção 5.8.).

Suponha agora que temos dois conjuntos A e B como em (2) e uma função(simbolizada pela seta) que atribui um elemento de B a cada elemento de A.

(2)

Então dizemos que temos uma função de A em B ou uma função que mapeia

A em B . A última locução pode parecer, à primeira vista, estranha, mas ela éfrequentemente usada na literatura linguística técnica. Por exemplo, uma transfor-mação na gramática transformacional pode ser considerada como uma função quemapeia um conjunto de estruturas em outro conjunto de estruturas, que é uma ma-neira mais elegante de dizer que para cada estrutura que ‘entra’ na transformação,há exatamente uma estrutura desenvolvida a partir dela.

Muitas outras instâncias cotidianas de funções podem ser encontradas, por exem-plo, em qualquer livro que contenha tabelas estatísticas. Exemplificando, podemosachar uma tabela que lista os países europeus e sua população (3).

(3)

País População

Albânia 2.337.600Andorra 25.000Áustria 7.456.403

Uma tal tabela representa uma função na qual a coluna à esquerda corresponde aoconjunto A em (2) e a coluna à direita, ao conjunto B. Em outras palavras, temosuma função que mapeia o conjunto dos países no conjunto dos números.

Há mais terminologia para ser explicada. Cada item da coluna à esquerda é umargumento da função e o item correspondente da coluna à direita é o valor da

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CAPÍTULO 2. TEORIA DE CONJUNTOS 11

função para este argumento. A própria função é denotada por letras minúsculascomeçando com f , e quando escrevemos f(x), queremos dizer o valor que a funçãotem para o argumento x. Se f for a função representada na tabela acima, poderemosescrever, por exemplo, f(Suécia)=8.000.000, significando que a função tem o valor8.000.000 para o argumento Suécia – em outras palavras, que a população da Suéciaé oito milhões.

O conjunto de todos argumentos possíveis de uma função (por exemplo, o con-junto A em (2)) é chamado de domínio da função, enquanto o conjunto de todosos valores possíveis da função é chamado de contradomínio da função.

Se todo elemento de B for o valor da função para algum elemento de A, diremosque a função mapeia A sobre B (ao invés de em B). Se A e B forem o mesmoconjunto, ou seja, a função mapeia A sobre ele mesmo, a função é chamada deoperação. Um exemplo de uma operação na matemática é ‘o cubo de’, que mapeiaos números sobre os números (por exemplo, o cubo de 3 é 9). Se os númerosnaturais de 1 a qualquer número arbitrário n forem mapeados sobre outro conjuntoA de objetos, obteremos uma sequência (na verdade, cada membro de A obtém umou mais números). Algumas funções têm mais de um argumento. Considere, porexemplo, uma tabela da distância em milhas entre as maiores cidades do mundo.Ela pode parecer com (4).

(4)

Berlin Buenos Aires Cairo CalcutáBerlin – 7.402 1795 4.368Buenos Aires 7.402 – 7.345 10.265Cairo 1.795 7.345 – 3.539Calcutá 4.368 10.265 3.539 –

Neste caso, a função tem pares de cidades como argumentos e uma distância comovalor.

Concluiremos este capítulo mencionando um tipo especial de função que usare-mos mais tarde. Consideremos dois conjuntos A e B tal que B seja um subconjuntode A. A poderia ser, por exemplo, o conjunto de membros do Parlamento Britâ-nico e B, o conjunto de MPs (membros do parlamento) que pertencem ao partidomajoritário. Tomemos então um terceiro conjunto C que contém exatamente doiselementos, por exemplo, o conjunto consistindo do número 1 e 0. Agora poderemosconstruir uma função que atribui a qualquer membro de A [o número] 1 se ele tam-bém for um membro de B e [o número] 0 se ele não for [membro de A], ou seja, seele estiver no complemento de B relativo a A. Esta função é chamada de função

característica do conjunto B relativo ao domínio de A.A escolha do conjunto de dois membros é, de fato, arbitrária: qualquer par

de objetos funcionaria na medida em que eles [os objetos do par] distinguem osmembros do conjunto que queremos caracterizar de seu complemento. Na Lógica, écomum identificar os valores de verdade ‘verdadeiro’ e ‘falso’ (aos quais retornare-mos na seção 3.4) com dois objetos arbitrários usados no contradomínio da funçãocaracterística.

Exercícios

1. Expresse em símbolos:(a) b é um elemento de C(b) C é um subconjunto próprio de D(c) a união de A e C(d) o conjunto que consiste nos elementos d, e e g(e) d não é um elemento da interseção de A e B

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CAPÍTULO 2. TEORIA DE CONJUNTOS 12

(f) o complemento de A é um subconjunto próprio da união de B e C2. Traduza as seguintes expressões para o Português(a) {x/x é um menino e Mary beijou x}(b) {x/ x é Dinamarquês}∩{x/ x é um filósofo}3. Qual é o conjunto potência de {Londres, Edimburgo, Dublin}?4. Considere o seguinte diagrama

Quais das afirmações seguintes são verdadeiras e quais são falsas?(a) Alfred é um elemento de A ∪B(b) Alfred é um elemento de A ∩B(c) A ∩B tem dois elementos(d) {Ethelred, Fafnir}⊂ (A ∪B)(e) {Ethelred, Fafnir, Grendel}⊂ (B −A)(f) {Ethelred, Fafnir, Grendel}⊆ (B −A)5. Sombreie a área que corresponde ao conjunto ∁(A ∩B).

6. Quais das afirmações seguintes são verdadeiras e quais são falsas?(a) c ∈ {a, b, c}(b) d /∈ {a, b, c}(c) {a, b, c} ⊂ {a, b, c}(d) {a, b, c} ⊆ {a, b, c}(e) {a, b} ⊆ {a, b, c}(f) c ∈ {b, {c}}(g) {c} ∈ {b, {c}}7. Encontre os domínios e os contra-domínios das seguintes funções:(a) ‘a capital (cidade) de’(b) ‘a esposa de’ (em uma sociedade monogâmica)(c) ‘o diretor [de escola] (ou diretora) de’

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Capítulo 3

Inferência e análise lógica de

sentenças1

3.1 Inferência

Compare os dois seguintes argumentos2

1

Todos os amigos de John são meus amigosTodos os meus amigos são simpáticos.

Portanto, todos os amigos de John são simpáticos ∴

2

Nenhum dos amigos de John é meu amigoNenhum dos amigos de John é simpático.

Portanto, nenhum dos meus amigos é simpático ∴

Imediatamente notamos a diferença entre (1) e (2): se raciocinarmos como em (1),pensaremos corretamente, e se raciocinarmos como em (2), pensaremos incorreta-mente. Diremos que em (1) a conclusão (a sentença que começa com portanto)se segue das premissas (as sentenças que o argumento usa como base, aqui asduas primeiras sentenças de (1) e (2)). Quando uma conclusão se seguir de suaspremissas, se as premissas forem verdadeiras, então sempre será o caso que a con-clusão também é verdadeira. Em (2), não seria certo que a conclusão é verdadeirase as premissas fossem verdadeira. Ela poderia ser, mas isto não dependeria da suarelação com as premissas. Em (1), entretanto, podemos estar certos de que se aspremissas forem verdadeiras a conclusão será também verdadeira. (1) é, portanto,uma inferência logicamente válida.

Um dos aspectos mais importantes da Lógica é o estudo das inferências válidase das sentenças necessariamente verdadeiras. Há dois principais tipos de inferência:as que são necessariamente válidas e as que são válidas somente com maior ou menorgrau de probabilidade.

1O material incluído nos capítulos 3-5 é tratado em vários livros didáticos, alguns dos quais sãoCarnap (1958), Reichenbach (1966), Resnik (1970), Strawson (1967), Tarski (1965) e Thomason(1970). Todos podem ser recomendados. Dentre estes, Reichenbach e Strawson são os maislinguisticamente orientados. Um pouco mais avançados são Anderson e Johnstone (1962), vanFraassen (1971), Mates (1965) e Mendelson (1964).

2sy‘Argumento’ é aqui usado no sentido ordinário em que razões dão respaldo a uma conclusãoe não no sentido técnico de uma entrada de dados [input] de uma função, como foi introduzido nocapítulo 2.

13

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CAPÍTULO 3. INFERÊNCIA E ANÁLISE LÓGICA DE SENTENÇAS 14

Cada tipo de inferência está correlacionado com um tipo especial de estudológico. O estudo de inferências necessariamente válidas é feito dentro da LógicaDedutiva, enquanto as inferências que são válidas com algum grau de probabilidadesão estudadas dentro da Lógica Indutiva. Considere os dois seguintes exemplos, queilustram a diferença entre uma inferência dedutiva e uma inferência indutiva.

(3) INFERÊNCIA DEDUTIVA

Premissas: Se nevar, estará frioEstá nevando

Conclusão: Está frio

(4) INFERÊNCIA INDUTIVA

Premissas: Quando está nevando, normalmente está frioEstá nevando

Conclusão: Está frio

Podemos ver que a conclusão da inferência indutiva é válida somente com um certograu de probabilidade e não é necessariamente válida como na inferência dedutiva.

A Lógica Dedutiva foi, até agora, mais completamente investigada do que aLógica Indutiva. Além disso, uma vez que a Lógica Dedutiva fornece os discerni-mentos mais interessantes em relação à estrutura da linguagem, trataremos, no quese segue, somente da Lógica Dedutiva. Doravante, usaremos o termo ‘Lógica’ comosendo sinônimo à Lógica Dedutiva.

Assim, a Lógica será o estudo das propriedades que tornam uma inferência ne-cessariamente válida ou que tornam uma sentença necessariamente verdadeira. Umavez que inferências válidas são inferências nas quais a conclusão é logicamente impli-cada pelas premissas, o interesse, na Lógica, está focado no estudo da implicação

ou consequência lógica.Validade lógica e verdade lógica são, em um certo sentido, completamente in-

dependente da validade factual ou verdade do que é afirmado ou argumentado.Validade e verdade lógicas são também independentes da natureza da área do as-sunto ao qual as afirmações ou argumentos se referem. Para que se entenda o quequeremos dizer por isto, consideraremos alguns exemplos de inferências.

(5) Premissas: Ou os anarquistas ou os comunistas conquistarão a vitória finalOs comunistas não conquistarão a vitória final

Conclusão: Os anarquistas conquistarão a vitória final

Note que a validade deste argumento não depende do que sejam os anarquistas eos comunistas e de quem conquistará a vitória final. Podemos ver que o argumentoseguinte é do mesmo tipo e válido da mesma maneira

(6) Premissas: Ou Colombo ou Leif Eriksson descobriu primeiro a AméricaColombo não descobriu primeiro a América

Conclusão: Leif Eriksson descobriu primeiro a América

As propriedades que são comuns aos argumentos (5) e (6) e que os tornam válidos,chamamos de forma lógica dos argumentos. Consideraremos este conceito mais

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CAPÍTULO 3. INFERÊNCIA E ANÁLISE LÓGICA DE SENTENÇAS 15

minuciosamente na próxima seção.Para ilustrar a questão segundo a qual a validade de um argumento é totalmente

independente da verdade factual de suas premissas e conclusão, consideraremos maistrês argumentos.

(7) Premissa: A coruja e a raposa são pássaros

Conclusão: A coruja é um pássaro

(7) é uma inferência válida, apesar de sua premissa ser factualmente falsa e somentesua conclusão ser verdadeira.

(8) Premissas: Se a lua for um pedaço de queijo verde, todos serão felizesA lua é um pedaço de queijo verde

Conclusão: Todos são felizes

(8) é uma inferência válida, apesar de suas premissas e a conclusão serem provavel-mente falsas.

Se tentarmos combinar uma premissa verdadeira com uma conclusão falsa comoem (9), constataremos que o resultado não pode possivelmente ser uma inferênciaválida.

(9) Premissa: Todas as baleias são mamíferas

Conclusão: Todas as baleias são peixes

Portanto, a inferência lógica preserva a verdade; ela nos diz o que terá de sero caso se as premissas forem verdadeiras. Em outras palavras, se, porventura,as premissas de um argumento forem verdadeiras, a conclusão também deverá serverdadeira. A validade e a verdade lógicas podem ser consideradas independentesda verdade factual, entretanto, elas são dependentes da forma (estrutura) e dosignificado das sentenças que aparecem nos argumentos que são estudados. A Lógicadesconsidera a questão de se o que foi dito é, de fato, verdadeiro, para se concentrarno que terá de ser verdadeiro se as premissas forem verdadeiras. A verdade factualdas premissas e da conclusão não é um problema lógico. Todavia, se porventuraas premissas forem verdadeiras, as conclusões que esboçamos das premissas serãonaturalmente verdadeiras.

A validade e verdade lógicas são formais, algo que é frequentemente interpretadocomo significando que validade e verdade lógicas dependem da forma (estrutura)de uma sentença ou de um argumento ao invés de depender do que a sentençatrata. Por causa disto, as inferências (verdades) lógicas podem consideradas válidas(verdadeiras) independentemente de como seja o mundo.

3.2 Forma Lógica

Consideremos alguns exemplos onde um argumento é expresso por uma sentença.

1. Todos os humanos são mortais; portanto, alguns humanos são mortais

2. Todos os cisnes são brancos; portanto, alguns cisnes são brancos

3. Nem todos os humanos são sábios; portanto, alguns humanos não são sábios

4. Nem todos os cisnes são brancos; portanto, alguns cisnes não são brancos

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CAPÍTULO 3. INFERÊNCIA E ANÁLISE LÓGICA DE SENTENÇAS 16

Novamente vemos que é a forma lógica das sentenças, e não do que elas tratam,que decide a validade do argumento. Não podemos delinear a validade em relaçãoà verdade factual das referidas sentenças. O argumento em (2) é válido apesar dofato de que todos os cisnes não são brancos na realidade. Há também cisnes negros.A validade do argumento depende somente do fato de que a conclusão teria de sero caso se as premissas fossem verdadeiras.

Poder-se-ia dizer que a forma lógica das premissas decidirá o que é verdadeiro(quais conclusões podem ser tiradas) se assumirmos que as premissas são verdadei-ras. Um argumento é válido quando a forma lógica ou as premissas têm, de fato, aconclusão como uma consequência Do que as premissas tratam é irrelevante. Elaspodem ser factualmente verdadeiras ou falsas. Na Lógica, estamos interessados so-mente em se a verdade das premissas, de fato, implica a verdade da conclusão edesconsideramos completamente a questão do que é, de fato, o caso.

Agora, estudaremos como podemos afirmar que a validade lógica depende de cer-tas relações formais entre as sentenças e os componentes sentenciais. Estas relaçõesformais são normalmente dependentes da ocorrência de certas palavras ou partícu-las lógicas. Em nossos quatro exemplos acima, estas partículas lógicas são todos,alguns e não. Agora podemos escrever os quatro exemplos da seguinte maneira.

(1) e (2) Todos os S são P; portanto alguns S são P

(3) e (4) Nem todos os S são P; portanto alguns S não são P

A forma lógica dos quatro argumentos se tornou agora mais perspicaz e podemosver mais facilmente as relações formais que fazem os argumentos válidos.

Um princípio importante na Lógica, que podemos agora expressar, é (5)

5. Se um argumento ou sentença de uma certa forma lógica for logicamente válidaou verdadeira, então todos os argumentos e sentenças de mesma forma lógicaserão válidas e verdadeiras respectivamente.

Um aviso é necessário aqui: a forma lógica não é a mesma coisa que, na gramáticatradicional, foi chamada de forma gramatical. De fato, é um problema bastantedifícil determinar exatamente como a forma gramatical e a forma lógica se cor-respondem. Como veremos mais tarde neste livro, muitas teorias foram propostassobre a relação entre a forma lógica e a forma gramatical alguns anos atrás. Porexemplo, foi sugerido que a forma lógica poderia ser comparada aos conceitos encon-trados dentro de várias versões da gramática transformacional como, por exemplo,‘estrutura profunda’, ‘estrutura conceitual’ ou ‘representação semântica’.

Podemos facilmente ver que é insuficiente considerar somente a estrutura grama-tical superficial para tirar conclusões lógicas. Considere as duas seguintes sentenças.

6. Richard é um assassino caolho

7. Richard é um suposto assassino

Embora (6) e (7) tenham estruturas superficiais similares, a conclusão expressa em(8) pode ser tirada somente de (6).

8. Richard é um assassino

Uma vez que o conceito de forma (estrutura) lógica é tão importante na lógica— vimos que é a forma que determina a validade e a verdade lógicas —, umadas tarefas mais importantes na Lógica é, na medida do possível, caracterizar demaneira clara e precisa o que é exatamente a forma lógica. Uma maneira de se fazeristo é encontrar um modo de expressão ou uma notação que reflita a forma lógicade uma sentença e as relações lógicas que podem ocorrer entre as formas lógicas desentenças.

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CAPÍTULO 3. INFERÊNCIA E ANÁLISE LÓGICA DE SENTENÇAS 17

3.3 Sentenças e proposições

Dissemos que a Lógica está preocupada com inferências, ou seja, como avançar daspremissas às conclusões. Quando introduzimos os conceitos de premissa e conclusão,falamos deles como se eles se referissem às sentenças. Portanto, parecia que a lógicaestudava as relações entre sentenças. Isto não é completamente verdadeiro, pelomenos não é se por ‘sentença’ entendermos uma certa sequência de sons ou letras.Considere a sentença (1) novamente.

1. Todos os amigos de John são meus amigos

Se escutássemos esta sentença sendo proferida, poderíamos claramente tirar quais-quer conclusões sobre os indivíduos particulares que aparecem nela?

Não; primeiramente, devemos saber quem a proferiu, porque, caso contrário, nãosaberíamos a quem se refere [a palavra] meus. Para sabermos quais inferências sãopossíveis de uma certa sentença, devemos primeiro saber o que a sentença afirmado mundo. A mesma sentença sendo proferida por diferentes pessoas ou em temposdiferentes podem dizer coisas muito diferentes sobre o mundo. Por exemplo, seJosephine, falando de Napoleão, às 2 hs da tarde em 6 de Janeiro de 1806, afirmasse,‘Ele está com fome agora’, ela teria dito algo totalmente diferente do que Krupskayateria dito se ela proferisse a mesma sentença, referindo-se a Lênin, às 3 hs da tardeem 7 de Janeiro de 1920. Uma das sentenças seria uma afirmação sobre Napoleão,enquanto a outra seria uma afirmação sobre Lênin.

O que é tratado em uma inferência é o que a sentença afirma do mundo, ao invésda própria sentença como uma sequência de sons ou sinais. Introduziremos o termoproposição3 para designar o que uma sentença afirma do mundo.

Como já vimos, a mesma sentença pode expressar proposições diferentes em oca-siões diferentes. Inversamente, sentenças diferentes podem expressar a mesma pro-posição. A sentença Hoje é segunda-feira proferida em uma segunda-feira expressaa mesma proposição que Ontem foi segunda-feira proferida em uma terça-feira.

Se quisermos indicar uma proposição na linguagem ordinária, frequentementeusaremos uma oração subordinada (that-clause). Assim, a distinção tradicionalentre discurso direto e indireto pode ser considerada, em termos bastante simpli-ficados, como uma distinção entre falar sobre sentenças e falar sobre proposições.Compare (2) e (3).

2. John Lackland disse, ‘Impostos são bons para os camponeses’

3. John Lackland disse que impostos eram bons para os camponeses

(2) é verdadeira somente se John Lackland usou as palavras Impostos são bonspara os camponeses. (3) é verdadeira se ele expressou o conteúdo da sentençasubordinada que os impostos eram bons para os camponeses. Ele poderia ter usadooutras palavras ou mesmo outra língua:

4. Skatter är bra för bönder

5. É benéfico para os camponeses serem taxados.

Em (3), onde temos discurso indireto, estamos dizendo, portanto, que John Lacklandafirmou uma certa proposição ao invés de uma sentença.

A linguagem ordinária dá algum suporte à visão segundo a qual as proposiçõessão o que ocorrem em inferências. É mais natural usar expressões tais como verda-deiro e implica em relação às sentenças subordinadas do que em relação às sentençasdiretamente citadas. Abaixo, as sentenças (a) são preferíveis às sentenças (b).

3Um aviso é necessário, uma vez que o termo ‘proposição’ é usado em várias outras maneirasna linguística e na lógica.

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CAPÍTULO 3. INFERÊNCIA E ANÁLISE LÓGICA DE SENTENÇAS 18

6. a. É verdadeiro que a neve é branca.

b. ‘A neve é branca’ é verdadeira

7. a. Que a neve é branca implica que a neve não é negra.

b. ‘A neve é branca’ implica ‘a neve não é negra’.

Ao invés de ‘proposição’, poderíamos ter usado a palavra afirmação (statement),que frequentemente significa proposição na linguagem ordinária. O inconvenienteno uso de ‘afirmação’ é que isto parece envolver a afirmação de alguém – alguémestá proferindo a afirmação.

Na Lógica, é comum desconsiderar as relações complicadas entre sentenças eproposições e assumir que cada sentença corresponda exatamente a uma proposiçãoe vice-versa. Certos lógicos – por exemplo, W. V. O. Quine – pensam até mesmo quea proposição é uma entidade supérflua. Na verdade, em certa medida, é possível serbem sucedido sem a distinção entre sentenças e proposições contanto que se eviteexpressões tais como pronomes pessoais (Eu, tu, ele) e advérbios temporais comohoje, agora, ontem, cuja interpretação depende da situação do discurso (veja depois,p. 121). Pode-se então usar os termos ‘sentença’ e ‘proposição’ sem distingui-los.No que se segue, continuaremos esta prática, mas o leitor deveria sempre manter adistinção em mente.

3.4 Mundos possíveis e o conjunto-verdade de uma

proposição

Usando a Teoria de Conjuntos, podemos interpretar o conceito de uma proposiçãoformalmente. Para fazermos isto, introduzimos o conceito de mundo possível.(Nas conversas cotidianas, frequentemente usamos palavras tais como caso ou si-

tuação, ao invés de ‘mundo’).A ideia é aproximadamente esta: todos nós poderíamos imaginar que o mundo

em que vivemos pudesse ser bastante diferente do que ele é na realidade e pareceque somos capazes de falar significativamente do que aconteceria se o mundo fossediferente, como na seguinte sentença.

1. Se não estivesse chovendo esta manhã, teríamos ido ao campo

Assim, podemos dizer que há várias ‘maneiras nas quais o mundo poderia ter sido’.Ao invés desta expressão complexa, usaremos a expressão mais curta ‘mundo pos-sível.

Já dissemos que uma proposição é o que uma sentença, em uma certa ocasião,afirma do mundo. Podemos expressar isto de uma forma diferente. Digamos queuma certa proposição, por exemplo, que Lincoln admirava Jefferson Davis, é ver-dadeira. Isto é o mesmo que dizer que nosso mundo é um membro de um conjuntode mundos possíveis, a saber, os mundos nos quais é válido que Lincoln admiravaJefferson Davis. Para qualquer proposição, podemos encontrar um conjunto demundos possíveis no qual a proposição é verdadeira. Chamaremos este conjunto deconjunto-verdade da proposição. Portanto, uma maneira de caracterizar uma pro-posição é apresentar seu conjunto-verdade, ou seja, o conjunto de mundos possíveisnos quais ela é verdadeira.

De acordo com o que foi dito acima, um mundo possível pode ser caracterizadocomo o conjunto de proposições que são verdadeiras nele (e assim o descreve).

Outra maneira de expressarmos a mesma ideia é falar da função característica(veja pág. 12) do conjunto-verdade, ao invés de falar do próprio conjunto-verdade.Quando obtemos então uma função que atribui a cada mundo possível um dos valo-res ‘verdadeiro’ e ‘falso’, segundo se a proposição é verdadeira ou falsa neste mundo

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CAPÍTULO 3. INFERÊNCIA E ANÁLISE LÓGICA DE SENTENÇAS 19

particular. De fato, alguns lógicos identificam a proposição a esta função. Assim,neste sentido, às vezes você encontrará afirmações segundo as quais ‘proposiçõessão funções de mundos possíveis a valores de verdade’. Talvez algum tipo de pa-rábola tornará mais fácil compreender esta ideia Pense na proposição como umacondição que é imposta sobre os mundos possíveis. Imagine um ser sobrenaturalque tem todos os mundos possíveis dentro de uma grande bolsa, e que os tira umpor um e que os organiza segundo se eles estão em conformidade com a condiçãoou não (ou seja, se a proposição é verdadeira ou não neste mundo), ou melhor,que o ser sobrenatural põe um selo ‘verdadeiro’ ou ‘falso’ nos mundos possíveis damesma maneira que um inspetor do governo põe ‘aprovado’ ou ‘não aprovado’ nasmercadorias, segundo se elas estão em conformidade com as regulamentações ounão. Assim, uma proposição seria um princípio para organizar os mundos em duascategorias: aquela na qual a proposição é verdadeira e aquela na qual a proposiçãoé falsa. Neste sentido, uma proposição é, – talvez seja melhor -, corresponde a umafunção de mundos possíveis a valores de verdade.

3.5 Sentenças analíticas e sintéticas

Verdade analítica é frequentemente introduzida como um conceito que é superior àverdade lógica. Todas as verdades lógicas são analíticas, mas há verdades analíticasque não são lógicas. As verdades analíticas que são verdades lógicas, por exemplo,

1. Não é o caso que a água seja e não seja um elemento químico.

são consideradas verdadeiras por causa de sua forma lógica, enquanto outras ver-dades analíticas dependem de certas relações semânticas entre palavras que nãopertencem ao vocabulário ‘lógico’ da sentença ou argumento. Sinonímia (identi-dade ou similaridade de significado) e hiponímia (inclusão de significado) são astais relações semânticas mais comuns4. (2) abaixo é um exemplo de uma sentençaque, por causa da sinonímia, é analiticamente verdadeira, mas não é logicamenteverdadeira.

2. Todos os solteiros são não-casados

(3) abaixo é uma inferência que é analiticamente válida por causa da hiponímia,mas não é logicamente válida.

(3) Premissa: Isto é uma rosa

Conclusão: Isto é uma flor

A diferença entre as verdades analíticas que dependem da forma lógica e as quedependem das relações semânticas é uma diferença de grau, ao invés de uma dife-rença de categoria. Em parte, a escolha entre o que se deseja chamar de forma (ouestrutura) e o que se deseja chamar de significado em uma sentença é arbitrário. Noúltimo exemplo, é uma questão de decisão se uma palavra pertence ao vocabuláriológico ou não.

Se negarmos uma sentença analiticamente verdadeira, obteremos uma sentençaque, por causa de sua forma ou de seu significado, tem de ser falsa – uma sentençaanaliticamente falsa ou uma contradição, por exemplo (4).

4. Não é verdade que todos os solteiros sejam não-casados

Sentenças analiticamente verdadeiras e analiticamente falsas podem ser cha-madas de sentenças analíticas5. O que elas têm em comum é que sua verdade é

4Veja Lyons (1968) e Katz (1972) para uma discussão das relações tais como estas.5Às vezes, o termo ‘sentença analítica’ é restrito às sentenças que são analiticamente verdadeiras.

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CAPÍTULO 3. INFERÊNCIA E ANÁLISE LÓGICA DE SENTENÇAS 20

independente de como seja o mundo. Uma sentença analiticamente verdadeira éVERDADEIRA EM TODOS OS MUNDOS POSSÍVEIS; uma sentença analitica-mente falsa é FALSA EM TODOS OS MUNDOS POSSÍVEIS. Podemos dizer que oconjunto-verdade das sentenças analiticamente verdadeiras é 1 (o conjunto de todosos mundos possíveis) e que o das sentenças analiticamente falsas é ∅ (o conjuntovazio).

Sentenças que não são analíticas são chamadas de sintéticas. Elas são verda-deiras ou falsas dependendo da aparência do mundo – em outras palavras, elas sãoverdadeiras em certos mundos e falsas em outros. Um exemplo de uma sentençasintética é

5. Charles I foi decapitado em 1649

Da mesma maneira que o limite entre verdade lógica e analítica é, em certa medida,arbitrário, não há nenhuma fronteira imutável entre sentenças analíticas e sintéticas.(6) é analítica?

6. O carro de John tem cor

Parece que em nosso mundo todos os objetos materiais têm de ter cores. Isto éverdadeiro em todos os mundos possíveis? Até agora não temos boas respostaspara tais questões; ainda estamos esperando por uma teoria que fundamentalmenteidentifique e distinga as sentenças sintéticas, analíticas e logicamente verdadeiras.

3.6 Sentenças simples e compostas

Um importante traço da concepção tradicional da estrutura lógica é a ideia de quetodas as sentenças podem ser reduzidas às sentenças simples ou atômicas. Estassentenças simples são então combinadas, ou se relacionam de várias maneiras paraformar sentenças compostas ou moleculares. Toda sentença é simples ou com-posta, ou seja, construídas a partir de sentenças simples de uma maneira definida.

A distinção entre sentenças simples e compostas não é nova, nem é peculiar àlógica. Ela também existe na gramática tradicional, onde as dependências sintáticasentre as sentenças simples foram, durante muito tempo, estudadas sob o título de‘coordenação’ e ‘subordinação’ (parataxe e hipotaxe). (1) mostra como, usando-see, podemos combinar duas sentenças simples para formar uma sentença composta.

(1)

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CAPÍTULO 3. INFERÊNCIA E ANÁLISE LÓGICA DE SENTENÇAS 21

3.7 A profundidade da análise lógica

A análise da forma lógica pode ser levada a cabo em vários níveis diferentes ou comgraus diferentes de sutileza. Uma maneira tradicional de dividir a Lógica é separá-lade acordo com o nível de refinamento no qual a análise é executada.

O tipo mais superficial ou mais comum de análise lógica é aquele no qual se inves-tiga as relações lógicas que ocorrem somente entre sentenças simples e compostas,e onde a análise da estrutura interna lógica das sentenças simples é totalmente ex-cluída. As sentenças simples são consideradas como totalidades não-analisadas eprestamos atenção somente à maneira na qual elas se relacionam.

O estudo de relações intersentenciais como distinguidas das relações intra-sentenciaisé efetuada na Lógica Sentencial ou Proposicional. Se considerarmos tambéma estrutura interna das sentenças simples, chegaremos à Lógica de Predicados

(veja capítulo 5) e a vários tipos de Lógica Modal (veja capítulo 7).

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Capítulo 4

Lógica proposicional

4.1 Conectivos

As relações lógicas [que ocorrem] entre sentenças simples que são partes de umasentença composta são normalmente determinadas por certas palavras chamadasde conectivos sentenciais (ou proposicionais). Um conectivo sentencial é umapalavra ou expressão que geralmente pertence à categoria gramatical tradicional deconjunção (e, ou, portanto, porque, uma vez que, mas, contanto que, embora e se ...então).

Nos seguintes exemplos, fica claro que os conectivos combinam as sentenças devárias maneiras logicamente distintas.

1. Bill é um sindicalista, embora ele leia Burke

2. Bill é um sindicalista e ele lê Burke

3. Bill é um sindicalista ou ele lê Burke

Em todos os três casos, duas sentenças são combinadas, mas com diferentes efeitosque dependem do conectivo escolhido.

Pode melhor ser visto, a partir das conclusões que somos capazes de tirar dastrês sentenças, que estamos tratando, na verdade, de relações lógicas diferentes. De(1), segue-se aproximadamente que não se espera que um sindicalista leia Burke. De(2) e (3) tal conclusão não pode ser tirada. (3) nem mesmo implica que ambas assentenças sejam verdadeiras, mas somente que pelo menos uma delas seja verdadeira.

Portanto, a forma lógica que os conectivos sentenciais fornecem determina asconsequências lógicas das sentenças que estão associadas pelos conectivos.

Uma vez que, na lógica proposicional, não estamos interessados na estrutura in-terna das sentenças, mas somente nas relações lógicas entre sentenças, introduzimosas então chamadas variáveis sentenciais (ou proposicionais), ou seja, símbolosque denotam qualquer sentença declarativa. Como variáveis são escolhidas geral-mente letras minúsculas em itálico de p em diante. Usando variáveis sentenciais,nossos três exemplos acima ficariam da seguinte forma:

1′. p embora q

2′. p e q

3′. p ou q

Estamos usando agora variáveis para as sentenças, mas estamos mostrando a estru-tura lógica com as palavras. Quaisquer sentenças declarativas que permitamos que

22

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 23

as variáveis representem, a estrutura lógica permanecerá a mesma, uma vez que eladepende somente das propriedades dos conectivos e não depende do conteúdo dassentenças simples.

Na Lógica, os símbolos que têm um significado permanente, invariável são cha-mados de constantes. Uma vez que os conectivos sentenciais têm esta propriedadee uma vez que eles também são parte do que chamamos de vocabulário lógico, elessão chamados de constantes lógicas, ou seja, símbolos que, através de seus sig-nificados e funções permanentes, determinam a estrutura lógica das sentenças nasquais eles ocorrem. As variáveis têm de representar o conteúdo que está sendo es-truturado, mas as constantes representam a própria estrutura. Além dos conectivossentenciais, coisas tais como quantificadores e operadores modais (que estudaremosmais tarde) são comumente contados como constantes lógicas.

Na Lógica Proposicional, tradicionalmente foi mostrado interesse somente emquatro conectivos sentenciais da linguagem ordinária, a saber, os quatros conectivose, ou, se ... então e se e somente se (se este último puder ser considerado comoum conectivo da linguagem ordinária). Houve também estudo de como a negação(não) afetava as sentenças.

A maioria dos conectivos da linguagem ordinária não foi estudada. Palavrascomo portanto, uma vez que, enquanto, apesar de e antes que dificilmente foramestudadas no que diz respeito à sua contribuição à estrutura lógica das sentenças.

Há duas razões para isto. A primeira e, talvez, a mais importante é que a lógicafoi, até agora, estudada primariamente pelo seu interesse matemático, que levou auma concentração em tipos de inferência que são comuns no raciocínio matemático.Muitos dos tipos de raciocínio para os quais usamos a linguagem ordinária são,portanto, relativamente pouco explorados.

A outra razão é mais séria de um ponto teórico de vista. Ela se preocupa coma questão: quantos conectivos da linguagem ordinária são veri-funcionais. Paraentendermos esta questão, temos de introduzir o termo valor de verdade. Todasentença declarativa tem um e somente um valor de verdade. Uma sentença verda-deira tem o valor de verdade ‘verdadeiro’, enquanto uma sentença falsa tem o valorde verdade ‘falso’. Abreviaremos os dois valores de verdade por v e f, respectiva-mente. Considere agora o seguinte exemplo.

4. Está quente e ventando

(4) pode ser parafraseado em uma maneira logicamente mais transparente por

4′. Está quente e está ventando

Para a expressão composta (4´) ser verdadeira, ambas (5) (a) e (5) (b) têm de serverdadeiras.

5. (a) Está quente

(b) Está ventando

A sentença composta será verdadeira, somente quando ambas as sentenças simplesque são combinadas por e forem verdadeiras. Se uma das sentenças ou ambas assentenças forem falsas, a expressão composta será falsa. Portanto, podemos dizerque o valor de verdade da expressão composta é uma função dos valores de verdadedas sentenças simples.

Um conectivo que tem a propriedade de tornar computável o valor de verdadeda expressão composta que ele produz a partir dos valores de verdade das sentençassimples que ele conecta é veri-funcional Podemos expressar isto de uma maneira umpouco diferente com o auxílio dos seguintes dois esquemas sentenciais.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 24

6. (a) e

(b) ou

Ao invés de variáveis, estamos usando linhas. E e ou são veri-funcionais e, portanto,os valores de verdade das sentenças compostas que eles produzem são completa-mente determinados pelos valores de verdade das sentenças que poderiam substituiras linhas.

Uma das tarefas mais importantes da lógica tem sido tradicionalmente mostrarquais conclusões corretas podem ser tiradas de um conjunto de premissas ou, emuma outra formulação, quais conclusões preservam a verdade das premissas. Por-tanto, é de grande importância entender as propriedades veri-funcionais dos conec-tivos. Estas propriedades são o que nos ajuda a julgar a validade de um argumento,ou seja, em que medida a validade de um argumento é independente da verdadefactual das sentenças simples.

Nem todos os conectivos são veri-funcionais Considere, primeiro, as diferençasentre as seguintes sentenças.

7. Há uma tempestade com relâmpagos e eu me sinto bem

8. Há uma tempestade com relâmpagos, mas eu me sinto bem

9. Uma vez que há uma tempestade com relâmpagos, eu me sinto bem

Tanto e quanto uma vez que requerem que as sentenças simples que eles combi-nam sejam verdadeiras para que a expressão composta que eles produzem sejamverdadeiras. Se esta condição for satisfeita, a sentença com e será verdadeira, masa sentença com uma vez que não será. Esta sentença ainda pode ser falsa. Além daconexão veri-funcional entre as duas sentenças simples, uma vez que exige que umadelas seja uma razão para a outra. Ou seja, é necessário, mas não suficiente que asduas sentenças sejam verdadeiras para que a sentença composta com uma vez queseja verdadeira. Uma vez que não é, portanto, um conectivo veri-funcional.

Se nos voltarmos aos [conectivos] e e mas, a sentença com mas será verdadeira seas duas sentenças simples que ele combina forem verdadeiras. Assim, [o conectivo]mas é veri-funcional Entretanto, ainda permanece uma diferença entre e e mas, masa diferença não é veri-funcional e, na Lógica, como ela foi desenvolvida até agora,não há nenhum método de tratar de tal diferença. Todas as relações formais, quesão tratadas na Lógica Proposicional, entre as sentenças são veri-funcionais.

Como vimos, a Lógica Proposicional tradicional está limitada por dois fatores:somente conectivos veri-funcionais foram estudados e, entre estes, somente os quesão relevantes à matemática foram estudados sistematicamente. Introduzir maisconectivos veri-funcionais é considerado trivial pelo lógico, pois um número pequenode funções de verdades é conhecido e, além disso, elas podem ser reduzidas àscombinações de operações com uma única função, a saber, a então chamada barrade Sheffer, que é escrita | (p|q é lido ‘não ambos p e q).

Originariamente, a Lógica foi concebida como uma ferramenta para estudar aspropriedades lógicas da linguagem natural. Ao traduzir os argumentos da lingua-gem natural para o cálculo proposicional, esperava-se obter os argumentos de umamaneira muito mais perspicaz, onde seria mais fácil ver se eles eram válidos. Nãoobstante, a tradução se mostrou difícil; a linguagem natural, com sua vagueza ecom a sua ambiguidade, tinha de ser transferida para um sistema de representa-ção formal inequívoco e arbitrariamente escolhido. Uma vez que um tal sistemafoi considerado uma grande vantagem em outros aspectos, a lógica se tornou cadavez mais separada do estudo da linguagem natural. Ainda não descobrimos comomelhor estudar e formalizar as relações não-veri-funcionais entre sentenças, emborao estudo do pragmatismo, que ainda tocaremos em certa medida no capítulo 9,forneça, talvez, um tipo de solução a este problema.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 25

4.2 O significado dos conectivos lógicos

Agora, estudemos um pouco mais minuciosamente o significado dos cinco conectivosnormalmente empregados na Lógica Proposicional. A exigência de que os conectivossejam veri-funcionais significa que, na Lógica, eles têm um significado fixo e definidoque inclui só parcialmente seus usos na linguagem cotidiana. Nas seções seguintes,chamaremos a atenção para algumas diferenças entre seus significados na linguagemordinária e na Lógica. Os cinco conectivos são: a conjunção1 (e), a disjunção

(ou), a implicação (se...então), a equivalência (se e somente se) e a negação

(não), que, na verdade, não é um conectivo, uma vez que ela não combina sentenças,mas opera em uma sentença de cada vez. Na Lógica, todos os cinco [conectivos] sãorepresentados por símbolos especiais.

4.2.1 Negação — ∼

Na linguagem ordinária, as seguintes expressões correspondem habitualmente à ne-gação lógica.

1. (a) É falso que

(b) Não é o caso em que

(c) Não

(d) É incorreto que

(e) Não é verdade que

(f) É errado que

A negação é usada na Lógica para formar uma sentença composta cujo valor deverdade é o oposto do valor de verdade da sentença simples na qual a negação opera.Assim, se Está nevando for verdadeira, Não está nevando terá ser falsa, e vice-versa.De uma maneira abreviada, isto pode ser expresso da seguinte forma. Usaremos asvariáveis sentenciais e um símbolo especial para não, ∼ (há [os símbolos] ¬ e – ,mas são menos comuns).

2.

p ∼ pv f

f v

Uma abreviação deste tipo em que os valores de verdade de ∼ p (a sentença com-plexa) são considerados como relativos aos valores de verdade de p (a sentençasimples) é chamada de tabela de verdade.

Também podemos caracterizar a negação em termos de Teoria de Conjuntos.Considere (3). Seja A o conjunto-verdade de p, ou seja, o conjunto de todos osmundos em que p é verdadeiro. O conjunto-verdade de ∼ p será, então, todos osmundos nos quais p é falso – que, como podemos ver, é o mesmo que ∁A, ou seja,o complemento de A.

(3)

1O termo ‘conjunção’ tem um uso especial na Lógica e somente designa e, enquanto o termogramatical tradicional ‘conjunção’ corresponde, na Lógica, mais ou menos, ao termo ‘conectivo’.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 26

Como mencionamos, a negação lógica não é o equivalente exato das expressões[usadas] para a negação na linguagem ordinária. A linguagem ordinária parecepermitir a negação abaixo do nível sentencial, mas isto não é possível na LógicaProposicional.

4. Não-estudantes2 não são permitidos

Teríamos de ignorar o prefixo negativo não — e traduzir (4) como ∼ p. Outradiferença é que a possibilidade de enfocar, em uma sentença negada, constituin-tes diferentes por ênfase e entonação é também perdida na Lógica Proposicional.Compare (5) e (6)

5. Mary não beijou Bill

6. Mary não beijou Bill

(5), se falada com a ênfase e entonação normal, é a negativa neutra de Mary beijouBill, enquanto (6), onde Mary é enfatizada, parece pressupor que alguma outrapessoa beijou Bill. A diferença entre (5) e (6) não pode ser capturada na LógicaProposicional; ambas seriam traduzidas por ∼ p.

7. Harold Bluetooth não pensava que Alfred gostasse de bolos

Finalmente, (7) é ambígua para muitas pessoas, pois há uma escolha entre inter-pretar a oração subordinada ou a oração principal como sendo negada. Não háesperança de capturar uma tal complexidade na representação formal da LógicaProposicional.

4.2.2 Conjunção &

A conjunção se parece bastante com o e da linguagem cotidiana. A conjunção éusada na Lógica para construir uma sentença composta que será verdadeira somentese todas as sentenças simples (estas são chamadas de conjuntos3) a partir das quaisela é construída forem verdadeiras. Se qualquer uma das sentenças simples for falsa,a sentença composta ou a conjunção (é um costume geral usar o nome da constantelógica para a expressão composta que ela produz) será também falsa. Assim (1) éverdadeira, enquanto (2) é falsa.

1. Georg estava louco e Pitt foi primeiro-ministro

2. Georg estava louco e Pitt foi rei

Podemos resumir isto, também, em uma tabela de verdade com variáveis sentenciaise um símbolo para a conjunção, &.

2A expressão ‘não-estudante’ não parece ser permitida no Português, infelizmente. Contudo,mantive esta expressão para deixar claro o que o autor do livro pretendia dizer com a frase “alinguagem ordinária parece permitir a negação abaixo do nível sentencial...”. Aqui, a negaçãonão nega a proposição textitestudantes não são permitidos, mas sim a propriedade designada pelapalavra textitestudante. Podemos dar outros exemplos: A berinjela é não-vermelha, o cavalo énão-humano, textito não-cavalo não é não-humano, etc.

3Em inglês: conjuncts. Não confundir com ’conjunto’ do capítulo 2.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 27

(3)

p q p&qv v v

v f f

f v f

f f f

Vemos que exaurimos todas as possibilidades de combinação dos valores de verdadede p e q; e que somente se ambos os conjuntos forem verdadeiros, a conjunção inteiraserá verdadeira.

Agora, estudemos a relação entre o conjunto-verdade de p&q e o conjunto-verdade das sentenças simples que a conjunção contém. Em (4), A é o conjunto-verdade de p e B é o conjunto-verdade de q.(4)

O conjunto-verdade de p&q é o conjunto de todos os mundos em que p e q sãoverdadeiros. Este conjunto será o mesmo que a interseção entre A e B. Em geral, éverdadeiro que o conjunto-verdade da conjunção é equivalente à interseção entre osconjuntos-verdade de todas as sentenças simples que são partes da conjunção.

Uma maneira diferente de vermos a conexão entre a conjunção e a interseçãopode ser ilustrada da seguinte forma. Vamos supor que Egbert (e) seja um membrode um clube de xadrez A e um membro de um clube de futebol B. Então é verdadeiroque a ∈ A e a ∈ B. Sabemos que uma conjunção será verdadeira somente se todasas sentenças a partir das quais a conjunção é construída forem verdadeiras.(5)

a ∈ A & a ∈ Bv v v

v f f

f f v

f f f

Portanto, somente no caso em que e for um membro de A e de B ou, em outraspalavras, for um membro da interseção entre A e B, a conjunção complexa de ea ∈ A e a ∈ B será verdadeira.

Exatamente como observamos em relação à negação, o significado da conjunçãológica é um pouco diferente do e da linguagem cotidiana. Enquanto & pode somenteser usado para combinar sentenças, e pode ser usado para combinar constituintesabaixo do nível sentencial também. O e em John e Bill não pode receber nenhumatradução. Somente se os termos que são combinados puderem ser distribuídos àssentenças diferentes, uma tradução em relação à sentença composta será possível.

6. John e Bill possuem um carro

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 28

(6) pode ser dividido em duas sentenças (7) se John e Bill, cada um, possuírem umcarro.

7. John possui um carro e Bill possui um carro (p&q)

Todavia, se eles possuírem coletivamente um carro, esta análise não será possível ep tem de ser suficiente como uma tradução.

Frases combinadas por e na linguagem ordinária frequentemente expressamsequências de eventos. Se mudarmos a ordem dos conjuntos, a ordem dos even-tos mudará também.

8. Gunnar deitou-se na cama e morreu

9. Gunnar morreu e deitou-se na cama

Na lógica, p&q é sempre equivalente a q&p4. Isto torna a conjunção lógica atemporale incapaz de tratar dos aspectos temporais de e; podemos claramente ver que epossui estes aspectos temporais, se (8) for comparado a (9).

Há muitos outros usos do e na linguagem cotidiana. Frequentemente, estes usosnão serão analisados como conjunções lógicas.

10. Toca-me e eu beijá-la-ei

11. Corra uma milha todos os dias e você sentir-se-á como um novo homem

(10) e (11) serão provavelmente analisadas como implicações ao invés de conjunções.

10a. Se você me tocar, então eu beijá-la-ei.

11a. Se você correr uma milha todos os dias, então você sentir-se-á como um novohomem

Na Lógica Proposicional, é comum admitir somente conjunções de duas senten-ças. Na linguagem ordinária, não há este limite, por exemplo,

12. Julius fuma e Octavian procura a companhia de belas mulheres e Anthonybebe e Cleo lamenta-se

Não há nada que impeça a construção de uma Lógica Proposicional que funcionedesta maneira, ou seja, que permita a conjunção de mais que duas sentenças. Éentão prático pôr & na frente das sentenças que têm de ser combinadas e escrever aexpressão da seguinte maneira: &(p, q, r, s, t, u, v, w). Naturalmente, este método denotação (chamado de notação polonesa, que introduziremos em um dos exercícios)poderá ser usado se houver somente dois conjuntos. Isto também valerá para o nossopróximo conectivo, a disjunção. Além disso, deveria ser notado que ((p&q)&r) élogicamente equivalente a (p&(q&r)), o que significa que a conjunção de qualquertamanho pode ser reduzida a uma cadeia de conjunções binárias (na terminologiamatemática, dizemos que a conjunção é associativa).

4.2.3 4.2.3. Disjunção ∨

A disjunção corresponde muito intimamente a ou da linguagem ordinária. A dis-junção é usada, na Lógica, para produzir uma sentença composta (que também échamada de disjunção) que será falsa, somente se ambas as sentenças simples (os

disjuntos) [que ocorrem] nela forem falsas. Portanto, será suficiente que um dosdisjuntos seja verdadeiro para que a disjunção inteira seja verdadeira. Assim, dadonosso presente conhecimento, (1) é falsa, mas (2) é verdadeira.

4Em termos matemáticos, a conjunção é comutativa, ou seja, p&q ≡ q&p.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 29

1. Marte é um satélite ou um buraco negro

2. Marte é um planeta ou um buraco negro

A tabela de verdade da disjunção, com o símbolo especial ∨, é como se segue.(3)

p q p ∨ qv v v

v f v

f v v

f f f

Podemos ver que uma disjunção será falsa se ambos os disjuntos forem falsos; casocontrário, ela será verdadeira.

Na seção anterior, vimos que a conjunção corresponde à interseção da teoria deconjuntos. Agora, estudemos a disjunção. A e B, em (4), correspondem novamenteaos conjuntos-verdade de p e q, respectivamente.

O conjunto-verdade de p ∨ q será o conjunto de todos os mundos em que p ouq são verdadeiros – que é o mesmo que a união de A e B. O conjunto-verdadeda disjunção é, portanto, equivalente à união dos conjuntos-verdade das sentençassimples a partir das quais a disjunção é construída.

Também podemos demonstrar a conexão entre a conjunção e a disjunção de umamaneira diferente. Suponha que saibamos que Egbert (e) é um membro do clube dexadrez (A) ou um membro do clube de futebol (B), mas não estamos certos se eleé membro de ambos os clubes ou se é membro exatamente de um deles. O seguinteserá então verdadeiro: e ∈ A ∨ e ∈ B. Vemos que a disjunção das sentenças e ∈ Ae e ∈ B será verdadeira somente se e for membro da união de A e B.

Novamente, há discrepâncias entre a disjunção lógica e o uso do ou na linguagemordinária.

Frequentemente, um tipo mais estrito de disjunção parece ser pretendido, umadisjunção que seria verdadeira, somente se exatamente um dos disjuntos fosse ver-dadeiro. É dado, às vezes, a este conectivo seu próprio símbolo ⊕ e ele é chamadode disjunção exclusiva em distinção a ∨, que é chamada de inclusiva. A disjunçãoexclusiva tema a seguinte tabela de verdade.(4)

p q p⊕ qv v f

v f v

f v v

f f f

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 30

Neste caso, a disjunção será falsa, quando ambos os disjuntos forem verdadeiros equando ambos os disjuntos forem falsos. Ou exclusivo é, assim, veri-funcional, masele não é o ou que foi primariamente escolhido para ser simbolizado na Lógica. Umarazão para isto é que podemos simbolizar ou exclusivo usando e, não e ou inclusivoda seguinte maneira.

6. (p ∨ q)& ∼ (p&q)

Partindo do ou inclusivo, excluímos a possibilidade de que ambos p e q sejamverdadeiros, negando a conjunção que afirma que ambos p e q são verdadeiros. Esta éprecisamente a função do ou exclusivo. Um ou que parece funcionar exclusivamentepode ser encontrado em sentenças [que têm a forma] ou...ou, em questões [perguntas]e em solicitações [pedidos].

7. Ou Deus é bom ou ele não é bom

8. Você deseja vinho tinto ou branco?

9. Seu dinheiro ou sua vida!

Um ou que tem um caráter claramente mais inclusivo pode ser encontrado em (10),onde, é claro, para ambos os disjuntos, a circunstância comum terá de ser verdadeirade uma pessoa.

10. Qualquer um que é ou um cidadão da Suécia ou viveu na Suécia no anopassado é obrigado a apresentar a declaração de renda.

Também deveríamos mencionar que não é necessário na Lógica o ar de incertezaque, nas situações normais de discurso, concordam com um uso de ou. No que dizrespeito à lógica, é perfeitamente aceitável proferir a seguinte sentença quando seobserva a primeira neve de inverno cair.

11. Está nevando ou chovendo

A única coisa que é exigida de uma disjunção para que ela seja verdadeira é averdade de um disjunto. Isto será o caso, mesmo se for totalmente excluído queesteja chovendo. Entretanto, em geral, além das propriedades veri-funcionais, hámais coisas envolvidas na comunicação linguísticas. O fato de que (11) seria conside-rada um pronunciamento muito estranho de acordo com a situação que descrevemosmostra que, além das propriedades veri-funcionais, há outros fatores que determi-nam nossa interpretação dos pronunciamentos linguísticos. Uma sugestão para umaanálise destes fatores é afirmar que há um conjunto de normas comunicativas5 quetêm como objetivo tornar, na medida do possível, efetiva a troca de informaçõesentre os participantes de uma situação de discurso. Baseando-se nestas normas,poder-se-ia dizer: não se deveria afirmar p ∨ q, se pudéssemos dizer p ou p&q; asduas sentenças, em virtude de suas condições de verdade, dão informações maisprecisas do que p ∨ q. Deveríamos utilizar expressões linguísticas que tornem, tãoefetivamente quanto possível, o que se diz e o que não se diz relevantes à forma emque é entendido o que é dito. Normalmente, esta é uma das hipóteses implícitas dacomunicação linguística.

5Veja Grice (1975) para um relato de tais normas.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 31

4.2.4 Implicação →

A implicação da lógica proposicional é ainda mais diferente de suas expressõescorrespondentes na linguagem ordinária (se...então, se e, às vezes, e) do que osoutros conectivos que discutimos. Consideremos alguns exemplos de se...(então) nalinguagem ordinária.

1. Se você trabalhasse muito, (então) provavelmente você estaria cansado

2. Se chover, (então) estará úmido

3. Se Hengist for mais gordo que Horsa, (então) Horsa será mais magro queHengist

4. Se você for um bom menino, (então) você ganhará um biscoito

Em (1) e (2), se...então expressa uma ‘ligação causal’ entre a oração antecedente ea consequente. Em (4), o antecedente está conectado ao consequente por uma pro-messa da parte do falante. Em (3), podemos dizer que uma consequência lógica foiexpressa por se...então. Na Lógica Proposicional, a implicação somente é tratadaveri-funcionalmente e, portanto, foi simplesmente estipulado que uma implicaçãoserá verdadeira sempre que seu antecedente for falso ou seu consequente for verda-deiro. Então, a seguinte tabela de verdade pode ser dada para a implicação. Comosímbolo especial, introduzimos →. (⊃ talvez seja mais comum, mas ele é facilmenteconfundido com ⊂, o símbolo da inclusão na Teoria de Conjuntos).(5)

p q p → qv v v

v f f

f v v

f f v

A implicação veri-funcional é chamada geralmente de implicação material

e, como podemos ver, ela será somente falsa, se seu antecedente for verdadeiro eseu consequente for falso. Vejamos como isto corresponde ao uso de se...então dalinguagem ordinária.

Um caso não parece ser relativamente problemático: uma sentença [do tipo]se...então assim como uma expressão → será falsa quando seu antecedente for ver-dadeiro e seu consequente, falso. Considere (6).

6. Se Londres for a capital da Inglaterra, então a Inglaterra não terá capital

Talvez pareça natural dizer que a implicação (a sentença composta) será verda-deira quando o antecedente e o consequente forem verdadeiros. Todavia, habitu-almente, muitas coisas são exigidas de uma sentença construída por se...então nalinguagem ordinária. É exigido normalmente que o antecedente e o consequente este-jam unidos por alguma ligação não-veri-funcional como causalidade ou consequêncialógica. Veja os exemplos (1-4). Considere (7).

7. Se Kennedy fosse um presidente, então o repolho seria um vegetal

Aqui o antecedente e o consequente não estão totalmente relacionados, mas ambossão verdadeiros, e uma vez que os valores de verdade são a única consideraçãorelevante para uma valoração veri-funcional de uma sentença complexa, (7) deveser tratada exatamente da mesma forma que outras sentenças com se...então, emque, além dos antecedente e consequente serem verdadeiros, há algum tipo de ligaçãonão-veri-funcional entre eles.

A situação torna-se pior quando o antecedente de uma implicação é falso. Pode-se considerar uma aposta.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 32

8. Se chover amanhã, eu aposto com você que não haverá excursão

Se a condição em relação à chuva não for satisfeita, a aposta perderá a sua força.Parece natural pensar que isto também é valido para afirmações genuínas.

9. Se os cães forem peixes, então eles não poderão nadar

Em todo caso, parece sem propósito dizer algo sobre o valor de verdade da implica-ção quando o antecedente for falso. Exemplos deste tipo (normalmente chamadosde sentenças contra-factuais) podem tornar-se visivelmente absurdos.

10. Se eu fosse invisível, todos me veriam

Suponha que (10) é analisada como p → q e que p é falsa, o que é empiricamenteprovável. Então p → q, de acordo com as condições de verdade da implicação,automaticamente se torna verdadeira.

11. Se eu fosse invisível, ninguém me veria

(11), que parece muito mais razoável, seria verdadeira pela mesma razão. Não hámaneira de explicar, segundo nossa intuição, porque (11) parece totalmente razoávele (10) parece completamente absurda. As duas sentenças são analisadas como p → qe tratadas veri-funcionalmente da mesma forma.

12. Se Canute fosse francês, ele seria talentoso

13. Se Canute fosse francês, ele não seria talentoso

Embora (13) afirme o oposto de (12), as duas sentenças deverão ser consideradasverdadeiras, se analisarmos que o antecedente e o consequente estão unidos pelaimplicação material, pois o antecedente comum às sentenças é falso.

Mesmo se a análise de se...então como implicação material for inadequada emmuitos casos, há algumas coisas que contam a seu favor. Parece que as contra-partidas da linguagem ordinária das expressões lógicas que são veri-funcionalmenteequivalentes a p → q têm a mesma força que as contrapartidas da linguagem ordi-nária de p → q. ∼ p ∨ q é veri-funcionalmente equivalente a p → q. A tabela deverdade da implicação material diz-nos que a [implicação] será verdadeira se a ora-ção antecedente for falsa ou a oração consequente for verdadeira. Isto é exatamenteo que é expresso por ∼ p ∨ q: ‘antecedente falso ou consequente verdadeiro’. Istopode ser averiguado, construindo-se a tabela de verdade de ∼ p ∨ q.

(14) e (15) são contrapartidas da linguagem ordinária de p → q e ∼ p ∨ q,respectivamente.

14. Se eu estiver correto, devo-lhe R$10

15. Ou eu estou errado ou devo-lhe R$10

Como vimos, eles têm praticamente o mesmo significado. Isto dá alguma evidênciaindireta à análise veri-funcional de se...então que estipulamos. Também houve ten-tativas de usar a implicação material como a base para uma análise de se...entãoque utilize normas comunicativas do tipo que discutimos em relação à disjunção6.Os resultados bastante absurdos de analisarmos se...então como →, que discutimosacima, são explicados então como violações de tais normas comunicativas gerais.

A contrapartida da teoria de conjuntos para a implicação não é tão simplesquanto as que discutimos para os outros conectivos. Em (16), A e B são osconjuntos-verdade de p e q respectivamente e a área sombreada é o conjunto-verdadede p → q. (Um bom exercício é checar que ele [conjunto-verdade de p → q] corres-ponde à tabela de verdade na pág. 37).(16)

6Para este tipo de tratamento, veja Grice (1975).

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 33

4.2.5 Equivalência

A equivalência corresponde aproximadamente a se e somente se, exatamente quando,somente quando, somente se. Às vezes, até mesmo se simples é usado para indicara equivalência. Veri-funcionalmente, uma equivalência é analisada como uma duplaimplicação material, a primeira indo do antecedente ao consequente, a segunda indodo consequente ao antecedente. Uma vez que a análise da equivalência é baseada naanálise da implicação, alguns dos problemas sobre as contrapartidas da linguagemordinária da implicação ocorrem em relação à equivalência.

Outro problema que, às vezes, provoca dificuldade é como diferenciar a equiva-lência e a implicação. Tentaremos esclarecer a distinção com dois exemplos.

1. Mary passará no exame, se seu resultado na prova escrita for satisfatório

2. Mary passará no exame se e somente se seu resultado na prova escrita forsatisfatório

Em (1), ‘passar na prova escrita’ é uma exigência suficiente, mas não é neces-sária para que Mary passe no exame. Prova oral, maças vermelhas ou até mesmoflerte leve poderiam ser outros meios suficientes. Em (2), entretanto, passar naprova escrita não é somente uma condição suficiente, mas também é uma condiçãonecessária para passar no exame. Nenhuma outra coisa servirá.

Uma vez que uma equivalência é uma conjunção de duas implicações, obtemos aseguinte tabela de verdade da equivalência. Como símbolo especial, usamos ≡ (↔é, às vezes, usado). Com muita frequência, ‘se e somente se’ é abreviado por ‘sse’.(3)

p q p ≡ qv v v

v f f

f v f

f f v

Como podemos ver, a equivalência será verdadeira somente quando as sentençassimples que ela combina tiverem o mesmo valor de verdade. Se pensarmos na equi-valência como uma conjunção de duas implicações materiais, entenderemos porqueisto é o caso.

4. (p → q)&(q → p)

Sabemos que uma conjunção para ser verdadeira exige que todas as sentenças queela combina sejam verdadeiras. Para que esta condição seja satisfeita p e q têmde ser verdadeiros ou p e q têm de ser falsos. Se eles tiverem valores de verdadediferentes, as condições de verdade da implicação material não serão satisfeitas

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 34

simultaneamente em ambas as sentenças (o antecedente não pode ser verdadeiro eo consequente, falso), o que é necessário para que a conjunção seja verdadeira.

A contrapartida da teoria de conjuntos para a equivalência é bastante simples eclaramente mostra que a condição de simultaneidade em relação ao valor de verdadedas duas sentenças é mantida. Em (5), o conjunto-verdade de p ≡ q é sombreado,enquanto A e B representam os conjuntos-verdade de p e q, respectivamente.(5)

4.3 Como indicar a estrutura constituinte

Na Lógica assim como na Linguística, é de grande importância saber como qualquersequência de símbolos é estruturada; quais coisas estão relacionadas; e quais coisasnão estão relacionadas. Há várias maneiras de representar a estrutura linguística emdiagramas. As formas mais comuns são diagramas de árvore, diagramas de caixase parênteses. Todos os três são formalmente equivalentes, mas diferem um poucona aplicação prática. Na Lógica, os parênteses são os artifícios mais comuns paraindicar a estrutura.

A razão mais importante para caracterizar a estrutura constituinte na Lógicaé evitar ambiguidade Sem qualquer indicação da estrutura, a seguinte expressão éirremediavelmente ambígua.

1. Está nevando e está chovendo implica que estará úmido e estará frio

Com as variáveis sentenciais, escrevemos

2. p&q → r&s

Ora, temos as seguintes escolhas do que implica o que.

3. (p&q) → (r&s)

4. p&(q → (r&s))

5. p&((q → r)&s)

6. ((p&q) → r)&s)

As possibilidades de estrutura que indicamos pelos parênteses em (3)-(6) podemtambém ser indicadas pelos diagramas de árvore e de caixa, respectivamente.Diagramas de árvore. Daremos primeiro as estruturas de árvores sem nó-dulos rotulados (um nódulo é uma interseção das linhas em uma árvore) e depoiscom nódulos rotulados. Os nódulos rotulados são abreviados da seguinte maneira:Implicação = Impl., Conjunção = Conj. O conectivo sentencial que é posto direta-mente abaixo do nódulo superior é chamado de conectivo principal da sentença.Em (3´), este é a seta de implicação.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 35

(3’)

(4’)

(5’)

(6’)

Diagramas de caixas. Desta vez introduziremos os rótulos imediatamente nodiagrama

(3”)Impl

Conj Conjp & q → r & s

(4”)

ConjImpl

Conjp & q → r & s

(5”)

ConjConj

Implp & q → r & s

(6”)

ConjImpl

Conjp & q → r & s

É claro que os nódulos rotulados também podem ser usados com parênteses(obtemos então os chamados parênteses rotulados). A implicação é abreviada por Ie a conjunção, por C.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 36

3′′′ (I(C p&q) → (C r&s)C)I

4′′′ (C p&(I q → (C r&s)C)I)C

5′′′ (C p&(C(I(q → r)I&s)C)C

6′′′ (C(I(C p&q)C → r)I&s)C

Antes de sair desta digressão, deveria ser dito que normalmente os parêntesessão usados na Lógica somente quando eles são necessários para clareza. Muitofrequentemente, as seguintes convenções são seguidas: se nenhum parêntese virdepois de um símbolo de negação, o escopo da negação é sempre considerado omenor possível, ou seja, a [negação] se aplica ao menor constituinte que está maispróximo à sua direita. Em geral, o escopo de um operador lógico é a parte de umaexpressão que é afetada pelo operador. Isto pode ser indicado pela proximidadedireta em relação à negação ou pelos parênteses, onde tudo que está enclausuradoentre dois parênteses emparelhados constitui o escopo.

7. ∼ p & q

8. ∼ (p & q) & r

Assim, em (7), a negação se aplica somente a p e não à conjunção inteira,enquanto, em (8), os parênteses inseridos forçam que ela [a negação] se aplique àconjunção que está à esquerda, mas novamente não se aplica à expressão como umtodo. Similarmente, a & e ∨ é dado frequentemente um escopo mais curto do quea → e ≡. Se aceitarmos estas convenções, nosso exemplo (2)

2. p & q → r & s

deixa de ser ambíguo e teria de ser interpretado como (p & q) → (r & s). Toda-via, não seguiremos estas convenções, exceto para a negação e usaremos parêntesesquando acharmos que eles são necessários para evitar ambiguidade.

4.4 A sintaxe e a semântica do cálculo proposicional

Agora chegamos longe o suficiente para podermos apresentar um sumário dos sím-bolos mais simples da Lógica Proposicional. Também podemos apresentar um con-junto de regras que nos dirão como estes símbolos podem ser combinados em uni-dades maiores. As regras têm a propriedade de expressar exatamente quais combi-nações são permitidas e quais combinações são excluídas.

A enumeração dos símbolos mais simples é normalmente referida na lógica comoo vocabulário. Ele tem a mesma função que um dicionário tem em relação àlinguagem natural. As regras que estabelecem as combinações admissíveis das uni-dades simples – chamadas de fórmulas bem formadas (fbf) – são frequentementechamadas de regras de formação e podem ser comparadas com as regras grama-ticais de uma linguagem natural. Juntos o vocabulário e as regras de formaçãocompõem a sintaxe da Lógica. A sintaxe não nos diz nada sobre como as fórmulasbem formadas têm de ser interpretadas, ou seja, quais são seus significados. Isto éestudado na semântica.

Agora estamos em posição de tentar uma definição do que seja uma linguagemformal. Uma linguagem formal é um conjunto de expressões que é correlacionadoa um vocabulário, a partir do qual as expressões são construídas segundo as regrasda sintaxe e interpretadas pelas regras da semântica. Uma distinção importantea ser feita aqui é a distinção entre falar EM uma tal linguagem e falar SOBRE

uma tal linguagem. A linguagem em si – o objeto que estamos investigando – é

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 37

chamada de linguagem-objeto e a linguagem que estamos usando para investigara linguagem-objeto é chamada de metalinguagem. A linguagem que usamos nagramática ou na lógica quando falamos de outras linguagens pode ser caracterizadacomo metalinguagem.

4.5 Sintaxe

Para apresentar a sintaxe da Lógica Proposicional, começamos expondo seu voca-bulário.

1. Vocabulário

i. Infinitas variáveis sentenciais: p, q, r, s, t, p1, q1, . . . , p2, q2, . . .

ii. Os conectivos lógicos: ∼, &, ∨,→,≡

iii. Parênteses: ( )

iv. apenas estes símbolos [e nenhum outro] ocorrem nas expressões da LógicaProposicional

Em segundo lugar, devemos indicar quais combinações de símbolos são permiti-das – as fórmulas bem formadas. Portanto, apresentaremos as regras de formaçãopara a Lógica Proposicional.

2. regras de formação

i. Toda variável sentencial é uma fbf.

ii. Se α e β forem fbfs arbitrárias, então (a) ∼ α, (b) (α & β), (c) (α ∨ β),(d) (α → β) e (e) (α ≡ β) serão fbfs.

iii. Uma expressão será uma fbf somente se ela for construída por estasregras.

Na regra (ii), queremos tornar claro que estamos falando de uma linguagem emuma metalinguagem e, portanto, introduzimos as chamadas metavariáveis (as letrasgregas α, β), ao invés das variáveis sentenciais, como se poderia esperar. Fazemosisto para indicar que estamos falando, neste caso, não das sentenças arbitráriasSIMPLES, mas de qualquer fbf arbitrariamente escolhida da Lógica Proposicional.Assim, α, β podem ser substituídas por qualquer coisa que seja uma fbf. Estasregras, portanto, podem ser aplicadas aos seus próprios resultados. Tome, porexemplo, as duas fbfs p e q. A partir delas, de acordo com a regra (ii) (b), cons-truímos p & q. Contudo, podemos aplicar a regra (ii) (b) mais uma vez e obter((p& q) & p). α é substituído por p & q, que é uma fbf. Desta forma, através daaplicação passo a passo, podemos gerar expressões tão longas quanto quisermos. Asregras que têm esta propriedade são chamadas de recursivas e desempenharam umgrande papel no desenvolvimento da gramática gerativa e de muitas linguagens decomputador. O procedimento de aplicação de regras recursivas é frequentementereferido como indução (matemática).

Sendo as regras sintáticas recursivas, podemos construir um conjunto indefini-damente grande de expressões com um conjunto finito de regras. Uma vez quequalquer linguagem natural contém um número indefinidamente grande de sen-tenças gramaticais, a gramática da linguagem natural deve conter, provavelmente,regras recursivas.

As seguintes expressões são exemplos de fbfs. Aqui, não usaremos os parêntesesexternos da regra (ii), que foram introduzidos somente para excluir a ambiguidade:p, q, p & q, (p & q) → q, p ∨ q, (p & q) ≡ (p ∨ q). As seguintes expressões não sãofbfs: & q, ∨r → p, q ∼→ p.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 38

As regras (2)(i) e (2)(ii) também podem ser escritas da seguinte maneira equi-valente.(3)(i)

S −→

∼ S(S &S)(S ∨ S)(S → S)(S ≡ S)

(3)(ii)

S −→ p, q, . . . , p1, q1, . . . , p2, q2, . . .

Se elas forem escritas desta maneira, ser-lhes-á dado o mesmo formato do queé normalmente chamado de regras de estrutura de frases na gramática gera-tiva. Da mesma maneira que (2)(iii) em uma tal gramática é sempre entendidacomo válida por convenção implícita, as regras (3)(i) e (ii) fornecem, portanto, umadescrição alternativa e equivalente à sintaxe da Lógica Proposicional.

4.6 Semântica

Quando descrevemos a sintaxe da Lógica Proposicional, consideramos todos os sím-bolos da Lógica como ‘vazios’, sem significados. Mas, é claro, também estamosinteressados em usar a Lógica para fazer inferências sobre o mundo que nos rodeia.Assim que relacionamos os símbolos que estamos estudando a outros fenômenospara os quais eles são símbolos, passamos da sintaxe para semântica. A semânticaé o estudo de como as expressões que são permitidas pela sintaxe estão relacionadascom o que as expressões tratam.

Uma vez que, na Lógica, estamos primariamente interessados em sentenças, oque queremos estudar é o significado das sentenças. Uma das melhores maneiraspara entender o significado de uma sentença é imaginar como teria de ser o mundopara que a sentença fosse verdadeira.

1. Barão de Münchhausen saiu da água, levantando-se pelos cabelos

A razão do porquê (1) é difícil de entender é que é difícil imaginar como teria deser o mundo para que (1) fosse verdadeira. Assim, o conceito de verdade dá-nos umexcelente instrumento para se chegar à relação entre as sentenças e ao que elas tra-tam. Podemos caracterizar uma parte importante do significado de uma sentença,formulando as condições que o mundo deve satisfazer para que a sentença seja verda-deira (em outras palavras, dizemos em que mundos a sentença é verdadeira). Estascondições são chamadas de condições de verdade da sentença. Na Lógica, o sig-nificado de uma sentença é comparado às suas condições de verdade. É claro queisto significa que alguns aspectos importantes do significado são desconsiderados,mas uma análise deste tipo é ainda bastante satisfatória para propósitos lógicos,porque estamos interessados somente naqueles aspectos do significado que tenhamum papel a desempenhar na verdade lógica e na inferência lógica. (Voltaremos aisto no capítulo 10).

Uma vez que a Lógica Proposicional trata de sentenças simples como totalidadesnão-analisadas, não podemos dizer, dentro dos limites da Lógica Proposicional,nada sobre as condições de verdade das sentenças individuais simples. Entretanto,podemos dizer muitas coisas sobre como as condições de verdade das sentenças

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 39

compostas estão relacionadas às das sentenças simples a partir das quais aquelassão construídas.

Mais precisamente, na Lógica Proposicional, estamos interessados em como osvalores de verdade das sentenças compostas são determinados pelos valores de ver-dade de suas sentenças constituintes e na escolha dos conectivos lógicos. Portanto,a única propriedade relevante, neste caso, a uma sentença simples é seu valor deverdade. Para estudarmos o que ocorre em sentenças compostas, um valor de ver-dade é normalmente atribuído a cada variável sentencial simples. (É claro que seriapossível usar sentenças reais e verificar o valor de verdade de cada sentença, masisto tem interesse limitado na medida em que estamos interessados no efeito dosconectivos sobre o valor de verdade da sentença composta, dado qualquer conjuntode valores de verdade de suas sentenças constituintes).

Usando a informação que apresentamos na tabela de verdade de cada conec-tivo lógico acima, agora daremos as condições de verdade das sentenças compostas.Usaremos novamente as letras gregas como metavariáveis para expressões arbitrá-rias, o que significa que nossas condições de verdade serão recursivas. As condiçõesde verdade poderão ser aplicadas repetidamente para dar as condições de verdadede expressões cada vez mais complexas. Também, mais uma vez, distinguimos alinguagem de investigação – a metalinguagem – e a linguagem que estamos inves-tigando – a linguagem-objeto. Estamos apresentando as condições de verdade dalinguagem-objeto e, assim, não estamos tentando dar qualquer análise da metalin-guagem, que supomos simplesmente como entendida. O símbolo ‘sse’ que usamosabaixo é parte da metalinguagem – parte de nossa descrição das condições de ver-dade da linguagem-objeto – e, portanto, deveria ser distinguida de ≡, que é umsímbolo da linguagem-objeto, a linguagem que estamos investigando. (2) abaixoapresenta recursivamente as condições de verdade das sentenças compostas da Ló-gica Proposicional.

2. a semântica da lógica proposicional

i. ∼ α será verdadeiro sse α não for verdadeiro

ii. α & β será verdadeiro sse α e β forem verdadeiros

iii. α ∨ β será verdadeiro sse pelo menos uma das expressões α e β foremverdadeiras

iv. α → β será verdadeiro sse α não for verdadeiro ou β for verdadeiro

v. α ≡ β será verdadeiro sse α e β tiverem o mesmo valor de verdade

Usando estas condições de verdade, podemos calcular o valor de verdade de umaexpressão de complexidade arbitrária. Consideremos alguns exemplos.

3. (p &(q ∨ p)) → ((p ∨ r) & q)

Agora assumiremos que valores de verdade foram atribuídos às variáveis; istopode ser feito através da atribuição arbitrária ou substituindo cada variável poruma sentença declarativa e, então, atribuindo-lhe seu valor de verdade. Estamosassumindo que isto foi feito e que às variáveis foram atribuídos os seguintes valoresde verdade: p é verdadeiro; q e r são falsos.

Representemos o exemplo em diagrama de árvore ‘de cabeça para abaixo’, paravermos como os valores de verdade das expressões simples determinam os das senten-ças complexas. Disjunção, negação e equivalência são abreviadas por ‘Disj’, ‘Neg’ e‘Eq’, respectivamente; conjunção e implicação, como anteriormente, são abreviadaspor ‘Conj’ e ‘Impl’.(4)

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 40

As disjunções no nível (3) são ambas verdadeiras, uma vez que pelo menosuma das sentenças simples em cada uma das disjunções é verdadeira. No nível(2), somente a primeira conjunção é verdadeira, porque as suas duas sentençassubordinadas (uma delas sendo composta) são verdadeiras. A outra conjunção éfalsa, pois um de seus conjuntos subordinados é falso.

A implicação no nível (1) é falsa, uma vez que seu antecedente é verdadeiro, masseu consequente é falso. O valor de verdade da expressão complexa é, portanto, f.Vale mencionar que na computação do valor da expressão complexa, estamos traba-lhando, por assim dizer, de dentro para fora. Partimos dos menores constituintes,que estão mais profundamente embutidos, e terminamos com os constituintes mai-ores. Os parênteses que estão mais no interior primeiro! Aqueles que estiveremfamiliarizados com a gramática transformacional , na versão de Chomsky (1965),poderão observar que este princípio também é válido para as regras cíclicas da sin-taxe e da fonologia e para as regras de projeção da semântica. O exemplo final éuma equivalência que deixaremos ao leitor.(5)

Foi atribuído f a p e q, enquanto q recebeu t.

4.7 Tautologias e contradições

Há certas expressões complexas que sempre recebem ‘verdadeiro’ como seu valor deverdade computado, independente da atribuição dos valores de verdade às sentençassimples da expressão. Estas expressões são de interesse especial na Lógica, pois ovalor de verdade de tais expressões pode ser considerado como completamente de-terminado pelas propriedades veri-funcionais dos conectivos lógicos – pelas formaslógicas das expressões. Tais sentenças complexas são chamadas de tautologias. Hátambém sentenças que sempre recebem f como o valor da sentença inteira, inde-pendente do valor de verdade das sentenças simples. Estas sentenças são chamadasde contradições.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 41

Uma vez que uma tautologia é sempre verdadeira, ela é uma verdade lógica,mas há verdades lógicas que não são tautologias, como veremos depois. Da mesmamaneira que verdade lógica é um conceito mais amplo do que tautologia, verdadeanalítica é um conceito mais amplo do que verdade lógica (veja pág. 19 acima).

Um exemplo simples de uma tautologia pode ser obtido, de uma maneira dis-juntiva, combinando-se uma sentença com a sua própria negação.

1. p∨ ∼ p (Está chovendo ou não está chovendo)

Qualquer que seja a sentença que usemos para p e qualquer que seja o valor deverdade que demos a esta sentença, o valor de verdade da expressão complexaserá t — uma verdade lógica. Outra maneira de expressar isto é dizer: ‘Emboramudemos o mundo (seja qual for o mundo que escolhemos), será sempre verdadeiroque a lua é um pedaço de queijo verde ou não’. Em outras palavras, o conjunto-verdade de uma tautologia é sempre o conjunto de todos os mundos possíveis (oconjunto universal). Ou seja, é fácil ver que o conjunto de mundos possíveis em quep∨ ∼ p é verdadeiro é a união do conjunto de todos os mundos possíveis em quep é verdadeiro e do conjunto de mundos possíveis em que ∼ p é verdadeiro, que éo mesmo que o conjunto de todos os mundos possíveis (o conjunto universal). Deuma maneira mais geral, é válido que o conjunto-verdade de uma tautologia é oconjunto universal e que o conjunto-verdade de uma contradição é o conjunto vazio.

4.8 Tabelas de verdade

Seria interessante ter um meio mecânico de decidirmos se uma sentença é umatautologia ou não. Um tal meio existe na Lógica Proposicional. É o então chamadométodo da tabela de verdade.

Usamos parcialmente este método quando estudamos as propriedades veri-funcionaisdos conectivos. Agora, veremos como este método pode ser aplicado às sentençascompostas com vários conectivos diferentes.

O propósito do método é determinar se uma sentença é uma tautologia, umacontradição ou nenhuma das duas coisas. O que faremos, portanto, é simplesmenteinvestigar todas as combinações possíveis dos valores de verdade para as sentençassimples e, então, determinar o valor de verdade resultante da expressão complexa.No caso de p∨ ∼ p, há duas possibilidades: ou p é verdadeiro ou p é falso. Se p forverdadeiro, sua negação será falsa e vice-versa.

Uma disjunção de p e sua negação deve, portanto, ser verdadeira, porque, emcada caso, um dos disjuntos é verdadeiro. No formato da tabela de verdade, escre-vemos:(1)

p ∼ p p∨ ∼ pv f v

f v v

(1) também pode ser escrito como (1´)(1’)

p ∨ ∼ pv v f v

f v v f

Se tivermos duas variáveis sentenciais, teremos quatro possibilidades; se tivermostrês [variáveis sentenciais], haverá oito possibilidades (de uma maneira mais geral,

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 42

há sempre 2n possibilidades, onde n é o número de variáveis sentenciais diferentese 2, a base, é o número de valores de verdade).

Estudemos mais dois exemplos.

2. (p &q) → p

p q p&q p (p&q) → pv v v v v

v f f v v

f v f f v

f f f f v

Sejam quais forem os valores de verdade que atribuímos às sentenças simples, ob-teremos uma sentença verdadeira. Assim (2) é uma tautologia.

3. (p & q) → (p ∨ r)

p q r p&q p ∨ r (p&q) → (p ∨ r)v v v v v v

v v f v v v

v f v f v v

v f f f v v

f v v f v v

f v f f f v

f f v f v v

f f f f f v

Novamente uma tautologia, pois o resultado de todas as combinações possíveisde valores de verdade dos constituintes é t.

Mas nem todas as sentenças na Lógica Proposicional são tautologias:

4. ∼ p → (p ∨ q)

p q ∼ p p ∨ q ∼ p → (p ∨ q)v v f v v

v f f v v

f v v v v

f f v f f

(4) não é uma contradição, nem é uma tautologia, mas é o que chamamos acimade uma sentença sintética: uma sentença cujo valor de verdade depende de como éo mundo. A propriedade característica de uma sentença sintética é a combinaçãode t’s e f ’s da última fileira, de acordo com o conectivo principal da expressão.Isto significa que o valor de verdade da sentença complexa depende dos valores deverdade das sentenças constituintes; e os valores das sentenças simples dependem, éclaro, de como é o mundo. É por isto que dizemos que as sentenças compostas quenão são nem tautologias, nem contradições são sentenças sintéticas, isto é, sentençascujos valores de verdade são uma questão de como é o mundo.

5. ∼ (p → (p ∨ q))

p q p ∨ q p → (p ∨ q) ∼ (p → (p ∨ q))v v v v f

v f v v f

f v v v f

f f f v f

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 43

(5) é uma contradição. Todas as combinações possíveis dos valores de verdadeproduzem o valor final f.

As contradições do tipo exemplificado por (5) ilustram a relação entre a contra-dição e a tautologia. p → (p ∨ q) é, como podemos ver, uma tautologia, enquanto∼ (p → (p ∨ q)) é uma contradição. Negando-se uma tautologia, obtemos umacontradição, assim como se negando uma contradição, obtemos uma tautologia.

Podemos comparar a forma lógica de uma sentença, que, na Lógica Propo-sicional, é determinada pelas propriedades veri-funcionais dos conectivos, a umamáquina em que inserimos os valores de verdade das sentenças simples e a partir daqual recebemos os valores de verdade das sentenças compostas. Se recebermos t,independente de qual valor de verdade que foi inserido, estamos lidando com umatautologia.

Esta qualidade [similar a uma máquina] da forma lógica depende do fato deque cada conectivo lógico relaciona, de uma maneira específica, cada combinaçãopossível de valores de verdade com o valor de verdade da sentença composta. Asrelações estruturais, que são estudadas na Lógica Proposicional, entre sentençaspodem ser consideradas como relações que ocorrem entre sentenças com respeitoa seus valores de verdade. O que um conectivo lógico faz é decidir, para cadacombinação possível de valores de verdade, qual é o valor de verdade resultante paraesta combinação. O valor de verdade de uma sentença composta é determinado,sem ambiguidades, pelo conectivo lógico e pelas combinações possíveis de valoresde verdade das sentenças simples.

Portanto, é natural dizer que os conectivos designam funções que mapeiam umou vários valores de verdade sobre um e somente um valor de verdade.

Chamaremos tais funções de funções de verdade.Por toda parte, exceto no exemplo (3), escolhemos exemplos de como calcular os

valores de verdade, de maneira que tivéssemos manipular somente com duas variá-veis. A razão disto é que o número de combinações possíveis de valores de verdadecresce exponencialmente com o número de variáveis sentenciais diferentes; portanto,seria muito tedioso, para não dizer outra coisa, realizar as computações. Nas ex-pressões com mais de duas variáveis, tentaremos, portanto, usar o então chamadoraciocínio indireto (também chamado frequentemente de reductio ad absurdum [re-dução por absurdo]).

No raciocínio indireto, procedemos da seguinte maneira. Assumimos que a ex-pressão em que estamos interessados é falsa. Se esta hipótese não levar a umacontradição, sabemos que ela não é uma tautologia. Isto deve ser assim, porqueuma tautologia é caracterizada como sendo sempre verdadeira. Se for possível quea expressão em que estamos interessados seja falsa, a expressão não poderá ser umatautologia. Não obstante, se nossa primeira hipótese de que a expressão é falsa levara uma contradição (ou seja, não é possível que a expressão seja falsa), teremos umatautologia.

Ainda que mostremos que a hipótese de uma certa sentença ser falsa não levaa uma contradição, ainda falta determinar se a sentença é uma contradição ouuma sentença sintética. Este problema é, em geral, deixado sem solução, pois, naLógica, estamos primariamente interessados em determinar se uma expressão é umatautologia ou não. Se estivermos interessados no problema de determinar se umasentença é uma contradição, simplesmente inverteremos o processo de raciocínio,assumindo que a sentença composta é verdadeira e determinando se isto leva a umacontradição.

Consideremos alguns exemplos de raciocínio indireto.

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 44

6. Nível ( ( p ∨ q ) & r ) → p(1) f

(2) v f

(3) v v

(4) f v

No nível (1), assumimos que o valor de verdade principal da implicação é f. Nossoconhecimento da tabela de verdade da implicação material nos dizs que uma impli-cação poderá somente ser falsa se seu antecedente for verdadeiro e seu consequentefor falso, que é o que indicamos no nível (2). Os dois t’s no nível (3) são um re-sultado das condições de verdade da conjunção que foi considerada t no nível (2).Uma conjunção será verdadeira, somente se ambos os conjuntos forem verdadeiros.O nível (4) é determinado pelo fato de que já atribuímos f a p no nível (2) – umavariável deve ter o mesmo valor em todos os lugares na mesma atribuição de valorde verdade. Também usamos o fato de que foi atribuído à disjunção no nível (3)o valor t. De acordo com as condições de verdade da disjunção, t deve ser agoraatribuído a q. Uma vez que não chegamos a uma contradição, assumindo que (6)era falsa, (6) não pode ser uma tautologia.7.

Nível (((∼ p → ∼ (q ∨ r)) & (s → r)) & s) → p(1) f

(2) v f

(3) v v

(4) v v

(5) v f1 v f v2 v*

(6) f f*

Os dois valores atribuídos a p e a s no nível (5) (marcados pelos sobrescritos (1) e(2) respectivamente) são transferidos diretamente das atribuições feitas nos níveis(2) e (3), respectivamente.

Neste exemplo, deixaremos que o próprio leitor faça o raciocínio, fazendo uso doseu conhecimento das propriedades veri-funcionais dos conectivos.

Concluiremos exatamente que (7), como deveria estar claro, leva a uma contra-dição (veja as duas variáveis marcadas por *). Somos forçados a assumir que r éfalso e que r é verdadeiro. Como isto é uma contradição, somos levados a concluirque (7) não pode ser falsa. Portanto, ela deve ser uma tautologia.

Como manipulamos sentenças cujos conectivos principais não são implicações?Por exemplo, se assumirmos uma conjunção como sendo falsa, haverá três possi-bilidades para investigar. A maneira heroica é investigar cada possibilidade pelosmétodos que indicamos acima. Existe, entretanto, outra possibilidade. Podemosusar nosso conhecimento da equivalência lógica para reescrever as expressões quenão são implicações como implicações. Listamos abaixo algumas sentenças e equi-valências logicamente verdadeiras e bem conhecidas, algumas das quais podem serusadas para reescrever uma expressão lógica como uma implicação, tornando assimuma inferência por reductio mais fácil.

8. i. p∨ ∼ p

ii. ∼ (p & ∼ p)

iii. p ≡ p

iv. (p ∨ q) ≡∼ (∼ p & ∼ q)

v. (p & q) ≡∼ (∼ p∨ ∼ q)

vi. ∼ (p ∨ q) ≡ (∼ p & ∼ q)

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 45

vii. ∼ (p & q) ≡ (∼ p∨ ∼ q)

viii. (p → q) ≡ ∼ (p & ∼ q)

ix. (p & q) ≡ ∼ (p →∼ q)

x. ∼ (p → q) ≡ (p & ∼ q)

xi. ∼ (p & q) ≡ (p →∼ q)

xii. (p ∨ q) ≡ (∼ p → q)

xiii. (p → q) ≡ (∼ p ∨ q)

xiv. ∼∼ p ≡ p

xv. p ≡ p ∨ p

Usando-se qualquer uma destas tautologias e equivalências ou outras similares7, oleitor pode facilmente transformar uma expressão em uma forma que seja fácil demanipular. Considere (9).

9. ∼ (((p & (q∨ ∼ q)) → p) & ∼ p)

(9) parecerá formidável assim que a transformarmos em (10), usando (8)(xi)

10. ((p & (q∨ ∼ q)) → p) →∼∼ p)

Pelo menos agora, temos uma implicação na qual podemos experimentar o raciocínioindireto. Se passarmos de (10) para (11):

11. ((p & (q∨ ∼ q)) → p) → p)

e tentarmos um argumento por reductio, veremos que (9) não é uma tautologia.

Exercícios

1. Quais das seguintes três sentenças não podem ser formalizadas como as outras epor que?

(a) Oliver e Richard são puritanos(b) Oliver e Richard são parentes(c) Oliver e Richard gostam de beber

2. Tente representar as seguintes sentenças com variáveis sentenciais e conectivoslógicos.

(a) Se for verão, estará um frio detestável(b) Os limões parecem bons, mas o gosto é azedo(c) Você pode se você quiser(d) Ele chegará hoje ou amanhã, mas não depois(e) Se nem Deus, nem o Diabo existirem, será difícil ser religioso(f) Expulse o gato ou eu sairei

3. Dê os valores de verdade das seguintes sentenças compostas nas quais assumimosque p e q são verdadeiros e r é falso.

(a) ∼ p

7Para um tratamento maior de tautologias na lógica proposicional, veja Kalish e Montague(1964) ou Thomason (1970).

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CAPÍTULO 4. LÓGICA PROPOSICIONAL 46

(b) ∼ (p & r)(c) ∼ (p ∨ q)(d) p ∨ (q & r)(e) r → ((q & r) ∨ (p ∨ q))(f) r ≡ (p & r)

4. Quais das seguintes expressões são tautologias?(a) ∼ (p & ∼ p)(b) (p ∨ q) → p(c) ∼ (p & q) ≡∼ p∨ ∼q(d) ∼ ((p ≡ q) ≡ (p ≡∼ q))(e) (p →∼ q) ∨ (q →∼ p)(f) ((p ≡ q) ≡ p) ≡ q)(g) (p & q) ∨ (p ≡∼ q)(h) (p ∨ (q & r)) ≡ ((p ∨ q) & (p ∨ r))

5. A conjunção porque é um conectivo veri-funcional? Apresente as razões para asua resposta.

6. O termo notação polonesa livre de parênteses significa que um conectivoé escrito à esquerda das sentenças que ele combina ao invés de ser escrito, comoé habitual, entre elas. Os conectivos, neste caso, são normalmente abreviados daseguinte maneira: N= negação, A= disjunção (‘alternação’), K= conjunção, C=implicação (‘condicional’), E= equivalência.Exemplos:

Notação padrão notação polonesa∼ p Npp & q Kpqp → q Cpq

(p → q) & p KCpqp(p & q) ∨ (p & r) AKpqKpr

Agora, escreva as seguintes expressões na notação polonesa.(a) p ∨ q(b) ∼ p ≡ q(c) (p ∨ q) ≡ (p & q)

7. Escreva as seguintes expressões polonesas na notação padrão(a) KpNp(b) CAKEpqrst(c) ECpqCNqNp

8. Determine, por raciocínio indireto, se as seguintes expressões são tautologias.(a) p → (q → (r → (s → (t → p))))(b) ((p ≡ q) & (q ≡ r)) → (p ≡ r)(c) (p & (q ≡ r)) → ((p & q) ≡ r)

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Capítulo 5

Lógica de predicados

5.1 Estendendo a análise lógica

No capítulo sobre a Lógica Proposicional, foi mostrado que poderíamos decidir seas inferências e as sentenças eram corretas ou verdadeiras (tautológicas) usandotécnicas tais como o método da tabela de verdade.

Entretanto, podemos expressar muitas inferências na linguagem natural queparecem ser intuitivamente corretas, mas que não podem ser demonstradas corretasna Lógica Proposicional, por exemplo, (1).

(1) Se todos os alces (americanos) forem espertos, e Bruce for um alce, entãoBruce será esperto

O raciocínio nestas sentenças parece adequado a todos, todavia não podemosdemonstrar que ele é correto na Lógica Proposicional. (1) seria analisada, na Ló-gica Proposicional, como (p&q) → r, que pode ser tudo menos uma tautologia, deacordo com a tabela de verdade. A Lógica de Predicado, por outro lado, dá-nos uminstrumento com o qual podemos demonstrar que a inferência em (1) é correta. Emgeral, pode ser dito que a Lógica de Predicados nos leva daquelas relações lógicasque ocorrem entre sentenças àquelas que ocorrem dentro da sentença.

Examinaremos agora em maiores detalhes como isto é feito. Comecemos comuma sentença simples.

(2) Bruce é um alce

Esta sentença afirma algo de um indivíduo. O indivíduo é Bruce e é afirmado queele tem a propriedade de ser um alce. Tais sentenças são chamadas de predicações

– predica-se algo (por exemplo, uma propriedade) de um indivíduo.O paralelo linguístico de sujeito e de predicado pode ser útil, em certa medida,

na elaboração da intuição pertinente aqui.Todas as seguintes sentenças têm a mesma forma lógica que (2), porque elas

predicam algo de um indivíduo.

(3) O urso está adormecidoO rei Canute se rendeuOlaf foi um viquingueO leste é vermelho

Os sujeitos, nas sentenças acima, são escritos a, b, c, d, . . .. Estes símbolos sãochamados de constantes individuais (letras minúsculas em itálico). Os predica-dos, nas sentenças acima, são escritos A,B,C,D, . . .. Estes símbolos são chamados

47

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 48

de constantes de predicados ou, simplesmente, de predicados (letras maiúscu-las em itálico).

Agora, podemos formalizar a sentença (2) na Lógica de Predicados. Por umaquestão de simplicidade, atribuímos a letra b a Bruce e a letra M , à propriedadede ser um alce. A sentença é representada da seguinte maneira. Por convenção, opredicado é posto primeiro na expressão

(4) M(b)

Em (4), falamos de um certo, Bruce, e de uma certa propriedade, ser um alce, eafirmamos que Bruce tem a propriedade de ser um alce. Podemos também formara seguinte expressão.

(5) M(x)

Nesta expressão, x não é uma constante individual, e sim uma variável indivi-dual. Isto significa que x não se refere a um indivíduo particular, mas a qualquerindivíduo (ou, em outras palavras, x se refere a um indivíduo arbitrário). De acordocom isto, (5) não expressa qualquer proposição. Portanto, (5) não é chamada desentença na Lógica de Predicados, mas sim de sentença aberta (veja pág. 63 paraoutras discussões de sentenças abertas).

Podemos ir um passo além na escala de abstração e formar a seguinte expressão.

(6) Φ(x)

Nesta fórmula, não temos somente uma variável individual, mas também umavariável de predicados, Φ (a letra grega maiúscula phi). Uma variável de predi-cados não se refere a uma propriedade particular, mas a qualquer propriedade (umapropriedade arbitrária). De acordo com isto, (6) é uma expressão sem significado.Ela indica a possibilidade de predicar uma propriedade arbitrária de um indivíduoarbitrário. (6) não faz asserções existenciais. Todavia, como será mostrado abaixo,as expressões como (6) podem ser usadas para certos propósitos na Lógica.

As constantes individuais e as variáveis individuais são agrupadas juntas sob onome de termos individuais. Da mesma maneira, as constantes de predicados e asvariáveis de predicados são agrupadas juntas sob o nome de termos de predicados.

Podemos dizer que todas as sentenças dadas em (2) e (3) têm a mesma estruturalógica ou a mesma forma lógica. Elas são formadas por um termo de predicado(P ) seguido por um termo individual (t). Assim, todas elas têm a forma lógicarepresentada em (7).

(7) P (t)

Obviamente, nem todas as sentenças têm a forma lógica de (7). As seguintessentenças têm outra forma lógica.

(8) Thor roubou o marteloWotan admira ThorDeus criou o mundoWotan é mais sábio que Thor

Nestas sentenças, encontramos predicados que requerem dois argumentos.Argumento é um termo que é usado para se referir, entre outras coisas, ao que é

chamado de sujeito e objeto na terminologia gramatical. Os termos individuais quevêm depois do predicado em uma expressão da Lógica de Predicados são chamadosde argumentos deste predicado. Se um predicado requerer um argumento, ele seráchamado de predicado unário; se ele requerer dois argumentos, ele será chamado depredicado binário e assim por diante. Esta terminologia é ilustrada em (9).

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 49

(9) P (t) — predicado unárioP (t1, t2) — predicado binárioP (t1, t2, t3) — predicado ternárioP (t1, t2, t3, t4) — predicado quaternárioP (t1, t2, . . . , tn) — predicado eneário

Uma vez que cada um dos predicados em (8), roubou, admira, criou, e é maissábio que, requer dois argumentos, eles são predicados binários. As sentenças em(8), consequentemente, têm a forma lógica P (t1, t2). As sentenças em (10) podemser formalizadas como P (t1, t2, t3), ou seja, elas contêm predicados ternários. Osargumentos estão sublinhados.

(10) Jack deu a maçã a JillO guia mostrou Gothenburg ao turistaWotan ofereceu cerveja a Thor

É difícil encontrar sentenças na linguagem natural que ilustram predicados querequeiram mais de três argumentos sem entrar em controvérsias. A seguinte sen-tença, entretanto, poderia ilustrar o uso de um predicado quaternário.

(11) Jack comprou um relógio para Jill por cinco libras

Nas sentenças acima, apresentamos alguns exemplos onde os predicados nasfórmulas lógicas correspondem muito bem aos predicados da análise gramatical.Para um lógico, entretanto, é uma questão de pouco interesse se um predicado lógicocorresponde a uma certa palavra ou a uma certa expressão simples da linguagemnatural. Na Lógica, as expressões muito complexas como comer mingau entre 10 e11 da manhã de domingo ou é um linguista cabeludo que está interessado na relaçãoentre lógica modal e a dialetologia podem ser consideradas como predicados em umafórmula lógica. Isto significa que uma sentença como Thor roubou o martelo nãotem de ser analisada como F (a, b), com um predicado binário, ainda que isto seria,de um ponto linguístico de vista, a maneira mais natural de se analisar a sentença,mas significa que esta sentença, em princípio, poderia também ser analisada comoF (a), com um predicado unário, onde F referir-se-ia ao predicado roubou o martelo.

5.2 Quantificadores

Retornemos agora à primeira oração do primeiro exemplo deste capítulo.

(1) Todos os alces são espertos

Se analisássemos esta sentença como analisamos as outras sentenças deste capí-tulo, obteríamos

(2) C(todos os alces)

da mesma maneira que

(3) C(Bruce)

O problema com (2) é que não podemos substituir a expressão todos os alces poruma constante individual. Esta expressão não se refere a um indivíduo, como o nomeBruce refere-se. De fato, o que (2) diz é que se encontrarmos um alce, poderemosesperar que ele seja esperto. Isto pode ser expresso de uma outra maneira: selecioneum alce arbitrário e você verificará que ele é esperto.

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 50

Para analisarmos as sentenças como (1), introduzimos um novo tipo de constantelógica: o quantificador universal, com o significado de ‘todo’, ‘qualquer’ ou ‘paraqualquer pessoa/ coisa é válido que’. O quantificador universal é representado pelosímbolo ∀. Uma sentença como Tudo está em um estado de fluxo de Heráclito éformalizada da seguinte maneira, usando-se o quantificador universal.

(4) ∀xF (x)

Isto pode ser lido: ‘Para qualquer x, é válido quex está em fluxo’. Em uma maneirasimilar, (1) pode ser analisado como (5).

(5) ∀x(M(x) → C(x))

Esta expressão pode ser lida em quaisquer das seguintes maneiras.

(6) (a) para qualquer x, é válido que se x for um alce, então x será esperto

(b) para qualquer coisa, é válido que se ela for um alce, então ela será esperta

(c) Se alguma coisa for um alce, então ela será esperta

(d) Todos os alces são espertos

Para entendermos como fórmulas semelhantes a (5) funcionam, é importantesaber o que é uma variável. O x em ∀x refere-se a qualquer indivíduo do universo.Ele percorre todos os indivíduos e objetos do universo: seu domínio é [compostode] todos os indivíduos e objetos do universo.

O domínio não precisa ser tudo que [existe] no universo no qual vivemos, emboraeste seja o caso no exemplo acima. Em um texto matemático, o domínio poderiaser o conjunto de todos os números, e em um texto sociológico, o conjunto de todosos seres humanos e assim por diante. O conceito universo de discurso é usadoneste contexto, ou seja, tudo do que falamos em um certo contexto. Este conceitofoi introduzido no capítulo 2.

Para alcançarmos um melhor entendimento da diferença entre sentenças simples,comoF (b) (‘Bruce está em um estado de fluxo’), e sentenças quantificadas, como∀xF (x) (‘Tudo está em um estado de fluxo’), retornaremos ao conceito de sentençasabertas. Uma sentença aberta é uma expressão da forma (7).

(7) F (x) (lê-se: ‘x está em um estado de fluxo’)

Uma vez que x é uma variável que não se refere a qualquer indivíduo em par-ticular, não podemos, de uma maneira significativa, dizer que F (x) expressa umaproposição ou faz uma afirmação. Não pode ser dito que uma sentença aberta éverdadeira ou falsa. Uma sentença simples, como Bruce está em um estado de fluxo,por outro lado, é sempre verdadeira ou falsa – ela tem um valor de verdade. Comoa questão ‘é verdade que x está em um estado de fluxo?’ pode ser respondida? Aúnica coisa que podemos responder é ‘depende de quem ou do que é x’. Se x referir-se ao Thames, então a sentença será verdadeira, mas se x referir-se ao rei Canute,ela não poderá ser [verdadeira]. Afirmar que o rei Canute não satisfaz a sentençaaberta F (x) é equivalente a afirmar que F (c), onde c se refere ao rei Canute, é umasentença falsa.

Uma maneira de se obter uma sentença a partir de uma sentença aberta é atribuirum certo valor à variável. Como indicamos acima, isto é efetuado, substituindo-se, na fórmula, a variável por uma constante individual. As sentenças abertastambém são chamadas de funções sentenciais. Podemos entender este termo,considerando a sentença aberta como uma função que exige indivíduos diferentescomo argumentos e que dá sentenças diferentes como valores. Outra maneira deobter uma sentença a partir de uma sentença aberta é pôr um quantificador seguidode uma variável na frente da sentença aberta. Isto leva-nos de volta à sentença quetínhamos acima.

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 51

(8) ∀xF (x) ‘Tudo está em um estado de fluxo’

(8) diz que todos os objetos do universo de discurso satisfazem a sentença abertaF (x). Isto é óbvio. Se existisse um objeto, por exemplo a, do universo de discursoque não satisfizesse a sentença aberta, então a afirmação ‘Tudo está em um estadode fluxo’ seria falsa. Portanto, se F (a) for uma sentença falsa, ela tornará falsa asentença quantificada ∀xF (x), dado que a esteja incluído no domínio de x (ou seja,que a pertença ao universo de discurso).

É importante notar que quantificamos sentenças abertas e não sentenças. Quan-tificar uma sentença ordinária dá resultado estranho.

(9) ∀xF (b)

(9) é lido como algo semelhante a ‘Para qualquer x, é válido que Bruce está em umestado de fluxo’, que não tem sentido.

Não obstante, este tipo de quantificação, que é chamada de quantificação vá-

cua, uma vez que ela não tem influência sobre o significado da sentença, é permitidode acordo com a maioria dos manuais de lógica, porque este tipo de quantificaçãosimplifica as regras sintáticas. (9) é, então, interpretada como sendo equivalente àsentença simples F (b). De um ponto linguístico de vista, a quantificação vácua temum conteúdo pouco intuitivo ou nenhum conteúdo intuitivo e, nas regras sintáticasformuladas abaixo, não a permitiremos.

Não somente predicações simples podem ser descritas pelas sentenças abertas,mas também estruturas mais complexas como (10), por exemplo.

(10) M(x) → C(x) ‘Se x for um alce, então x será esperto’

Se assumirmos (10) e colocarmos parêntese em torno dele e um quantificador nasua frente, obtemos uma sentença.

(11) ∀x(M(x) → C(x))

É importante observar que embora possamos selecionar qualquer indivíduo parax, é sempre um e o mesmo indivíduo que temos em mente nas duas expressões M(x)e C(x) quando elas estão incluídas no mesmo parênteses, como em (11). Dizemosque o quantificador ∀x liga os x’s em M(x) e C(x).

O escopo de um quantificador é o comprimento do parêntese que vem imedia-tamente depois do quantificador (cf. o parágrafo sobre o escopo na Lógica Propo-sicional na pág. 43).

Uma variável que está ligada por um quantificador é chamada de variável li-

gada. As variáveis que não são ligadas são chamadas de variáveis livres, como aúltima ocorrência em (12), por exemplo.

(12) ∀x(F (x) → L(x)) & K(x)

Em (13), entretanto, a variável correspondente está ligada.

(13) ∀x(F (x) → (L(x) & K(x)))

Isto significa que o valor de x em K(x), na primeira expressão, (12), é independentedo valor dos x’s que estão dentro dos parênteses. Isto não vale para a segundaexpressão. Em (12), K(y) poderia substituir K(x) sem alterar o significado daexpressão. Esta substituição não é possível em (13). As fórmulas lógicas que contêmvariáveis livres não constituem sentenças, mas sentenças abertas.

Dentro do escopo de um quantificador, uma e a mesma variável sempre se referea um e o mesmo indivíduo.

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 52

Em (14), várias fórmulas lógicas são dadas onde o escopo de cada um dos quan-tificadores é sublinhado. Não estamos interessados em que estas expressões possamsignificar e a que os predicados se referem. O propósito destas fórmulas é familia-rizar o leitor com os conceitos ‘escopo’, ‘variável ligada’, ‘variável livre’ e ‘sentençaaberta’.

(14) (a) (F (a) ∨ ∀x(K(x) → G(x, a))) & ∀xG(x, a)

(b) ∀x(K(x) → F (y) & G(x, a))

(c) ∀x∀y(K(x) → F (y) & G(x, a))

(d) ∀x((K(x) & F (a)) → (∀y(G(x, y) ∨G(y, x)) & ∀z(F (z) → G(z, y))))

(14) (a) não é uma sentença aberta, uma vez que não há variáveis livres nela.(14) (b) é uma sentença aberta, porque ela contém uma variável livre – o y emF (y). (14) (c) é uma sentença com dois quantificadores, cujo escopo se justapõe.(14) (d) mostra uma expressão com três quantificadores. O escopo de dois delesestá dentro do escopo do primeiro. (14) (d) não é uma sentença, mas uma sentençaaberta, porque a última variável da expressão não está ligada por qualquer um dosquantificadores.

Em Português, um conjunto inumerável de sentenças, que não contêm o quan-tificador qualquer (todo, para cada um), mas alguma outra palavra quantificadoracomo um, dois, três, algum, vários, muitos e poucos, pode ser formado. Todos osmembros da categoria gramatical de pronomes indefinidos podem ser consideradoscomo quantificadores de algum tipo.

Na Lógica, geralmente estamos satisfeitos com o reconhecimento de somente doisquantificadores. Estes dois quantificadores têm as seguintes duas características.Eles são importantes para a formalização da matemática e suas propriedades lógicassão relativamente simples. O primeiro destes dois quantificadores é o quantificadoruniversal, que discutimos acima.

O segundo [quantificador] é chamado de quantificador existencial. Ele é es-crito ∃ e significa algo semelhante a ‘alguém/alguma coisa’ ou ‘existe alguém/algumacoisa’. Os seguintes exemplos mostram como este quantificador é usado.

(15) (a) Alguém é conservador — ∃xC(x)

(b) Existe um unicórnio −−−∃xU(x)

(c) Alguma garota é mais bonita que Jane −−−∃x(G(x) & N(x, j))

onde C se refere a ‘conservador’;U se refere a ‘ser um unicórnio’;G se refere a ‘ser uma garota’;N se refere a ‘ser mais bonita que’;j se refere à Jane.

(15) mostra que expressões bastante diferentes podem ser representadas peloquantificador existencial. A melhor maneira de se ler ∃x, em uma fórmula lógica,é ‘Existe um x tal que...’ ou, para ser mais preciso, ‘Existe pelo menos um x talque...’. O quantificador existencial afirma que pelo menos um membro do universode discurso satisfaz a sentença aberta que vem depois do quantificador.

As fórmulas lógicas em (15) seriam lidas da seguinte maneira.

(16) (a) Existe pelo menos um x tal que x é conservador

(b) Existe pelo menos um x tal que x é um unicórnio

(c) Existe pelo menos um x tal que x é uma garota e tal que x é mais bonitaque Jane

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 53

Uma vez que as sentenças em (16) são ‘retraduções’ símbolo a símbolo dasfórmulas em (15) para o Português, elas soam de uma maneira um pouco estranha.

Os quantificadores universal e existencial funcionam diferentemente em outrosaspectos. Uma coisa que parece estranha a um neófito em Lógica é a maneira naqual as seguintes duas sentenças em Português são representadas.

(17) Toda garota é linda — ∀x(G(x) → P (x))

(18) Alguma garota é linda — ∃x(G(x) & P (x))

A única diferença entre (17) e (18) parece ser que elas contêm quantificadores di-ferentes. Olhando para as representações lógicas destas sentenças, vemos que elasnão têm somente quantificadores diferentes, mas elas contêm conectivos lógicos di-ferentes. À primeira vista, isto pode parecer estranho, mas é fácil mostrar que seriaimpossível trocar os conectivos lógicos em (17) e (18).

A representação lógica de (17) contém uma implicação. Se esta implicação formudada por uma conjunção, obtemos (19).

(19) ∀x(G(x) & P (x))

(19) diz que todo indivíduo do universo do discurso é tanto uma garota quantolinda. Logo, (17) e (19) não são equivalentes. (17) não exclui a possibilidade deexistir algum menino feio no universo de discurso, como (19) exclui. Isto significaque (19) não é uma representação correta do significado da sentença (17).

(18) contém uma conjunção. Se esta conjunção for mudada por uma implicação,obtemos (20).

(20) ∃x(G(x) → P (x))

(20) diz que há pelo menos um x no universo de discurso tal que se x fosse umagarota, x seria linda. (20) tornar-se-á verdadeiro, se algum objeto que não é umagarota for encontrado no universo do discurso (por causa dos fatos da implicaçãomaterial que é usada na Lógica). (18) não se tornaria verdadeiro sob tais circunstân-cias. Ademais, (20) não implica que haja qualquer garota no universo de discurso,enquanto (18) implica. Isto mostra que (18) e (20) não são equivalentes e que (20)é uma representação incorreta do significado de (18).

A partir de um ponto linguístico de vista, as duas representações lógicas (17)e (18) são ambas um pouco contra-intuitivas. (21) e (22) apresentam, linguistica-mente, representações mais satisfatórias das sentenças (17) e (18).

(21)∀x

x ∈ G

P (x)— ‘Para toda garota x, é válido que x é linda’

(22)∃x

x ∈ G

P (x)— ‘Para alguma garota x, é válido que x é linda’

Nestas fórmulas, temos o que é habitualmente chamado de quantificação res-

trita. A expressão situada abaixo do quantificador indica o domínio da quantifica-ção – neste caso, o conjunto de todas as garotas. G refere-se ao conjunto de todas asgarotas e ∈ é a relação de pertinência da Teoria de Conjuntos. (21) e (22) mostramo paralelo entre as duas sentenças, o que (17) e (18) não mostram. A única dife-rença entre (21) e (22) está na escolha do quantificador e, escrevendo-se o domínioda quantificação como um subscrito, evitamos o uso de diferentes conectivos nasfórmulas. A quantificação restrita não é padrão na Lógica, mas poderia ser incluídapara dar uma análise mais adequada da linguagem natural.

Podemos ter mais de um quantificador na mesma fórmula lógica. Assim, (23) éuma expressão bem formada da Lógica de Predicados.

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 54

(23) ∀x∃y∀zR(x, y, z)

A ordem dos quantificadores não é arbitrária quando mais de um precede asentença aberta, porque a ordem indica seus escopos em relação uns aos outros.

Compare as seguintes duas fórmulas, onde F (x, y) refere-se a ‘x é pai de y’.

(24) ∀y∃xF (x, y) — ‘Para todo y, é válido que há um x tal que x é pai de y’

(25) ∃x∀yF (x, y) — ‘Existe um x tal que é válido para todo y que x é pai de y’

A única diferença entre as duas sentenças é que o quantificador existencial estádentro do escopo do quantificador universal em (24), enquanto o inverso ocorreem (25). Este fato influencia, consideravelmente, o significado das sentenças. EmPortuguês claro, (24) significa ‘Todos têm um pai’, que parece razoável. Por outrolado, (25) significa ‘Alguém é o pai de todos’, que parece ser menos razoável.

Em (24), é dito que não importa o indivíduo que consideramos, é sempre possívelencontrar algum indivíduo que é seu pai. Em (25), é dito que há um certo indivíduoque é tal que, não importa qual indivíduo que consideramos, o primeiro indivíduo éo pai do segundo. Isto pode soar estranho, mas mostraremos abaixo uma maneirana qual estas diferenças possam ser ilustradas.

Há sentenças no Português, como Todos admiram alguém, por exemplo, quesão ambíguas dependendo do escopo do quantificador. As diferentes leituras destassentenças correspondem às diferentes fórmulas na Lógica de Predicados. A sentençamencionada tem a seguinte duas leituras. A refere-se a ‘admira’ nas fórmulas abaixo.

(26) ∀x∃yA(x, y) — ‘Todos tem alguém que eles admiram’

(27) ∃y∀xA(x, y) — ‘Existe alguém que todos admiram’

Para vermos como o escopo do quantificador funciona, consideremos um pequenouniverso de discurso que tenha, digamos, somente cinco indivíduos. Assumamos queo universo de discurso contenha os indivíduos Alfred, Bruce, Charles, Dennis e Erod.O domínio de cada quantificador é o conjunto destes cinco indivíduos.

Consideremos primeiramente (26). De acordo com os quantificadores, explica-mos nos mínimos detalhes o domínio das variáveis. As linhas tracejadas indicamque o primeiro indivíduo admira o segundo

(26’) ∀x∃yA(x, y)

Alfred

Bruce

Charles

Dennis

Erod

Alfred

Bruce

Charles

Dennis

Erod

(26) diz que é possível encontrar um indivíduo do segundo conjunto para cadaindivíduo do primeiro conjunto tal que o primeiro indivíduo admira o segundo.

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 55

As linhas em (26’) indicam isto. Cada um dos indivíduos do universo de discursoadmira alguém do segundo [universo].

(27) é entendido de uma maneira diferente. Esta sentença afirma que é possí-vel encontrar alguém do universo do discurso que é admirado por todos, como émostrado em (27´).

(27’) ∃y∀xA(x, y)

Alfred

Bruce

Charles

Dennis

Erod

Alfred

Bruce

Charles

Dennis

Erod

A diferença entre (26) e (27) pode agora ser vista claramente. A coisa importanteem (26’) é que verificamos que, para cada indivíduo do primeiro conjunto, existealgum indivíduo do segundo conjunto que ele admira. Os indivíduos do primeiroconjunto podem admirar indivíduos diferentes do segundo conjunto, mas cada umdeles deve admirar alguém deste conjunto. A coisa importante em (27’) é quetodos os diferentes indivíduos do primeiro conjunto admiram o mesmo indivíduo dosegundo conjunto. Como vimos de (27’), todos eles admiram Charles

Uma outra questão tem de ser mencionada. (27) ainda seria verdadeira se, porexemplo, Alfred, além de admirar Charles, admirasse Bruce. A coisa importante éque todos eles admirem Charles.

A sentença (27) implica a sentença (26), mas [a sentença] (26) não implica [asentença] (27). Isto pode ser visto a partir do esquema acima. Se todos admiraremum e o mesmo indivíduo, deverá ser verdadeiro que todos admiram alguém. Emoutras palavras, ∃y∀x∀A(x, y) → ∀x∃yA(x, y), mas não é o caso de ∀x∃yA(x, y) →∃y∀xA(x, y).

As ambiguidades de escopo produzidas pelas sentenças que contêm dois quan-tificadores são interessantes de um ponto linguístico de vista. Frequentemente, aentonação transforma uma sentença potencialmente ambígua em uma sentença quenão é ambígua.

Um exemplo disto é o seguinte verso de uma canção que foi popular alguns anosatrás: Todos amam, às vezes, alguém. Se você conhecer a melodia, concordará queesta sentença pode somente ser entendida como tendo o quantificador universal oescopo mais amplo.

Outro aspecto dos quantificadores que foi amplamente discutido na literaturalinguística é o seguinte: A ordem que os quantificadores têm em uma sentença doPortuguês corresponde, frequentemente, à ordem que damos a estes quantificadoresna representação lógica do significado desta sentença. Compare as duas seguintessentenças.

(28) (a) Todos nesta sala falam duas línguas

(b) Duas línguas são faladas por todos nesta sala

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 56

(28) (a) favorece fortemente a leitura na qual o quantificador universal tem oescopo mais amplo. (28) (b), por outro lado, favorece a leitura onde a expressão duaslínguas tem o escopo mais amplo. Pode ser que ambas as sentenças em (28) sejamambíguas, mas, claramente, a leitura preferida para os quantificadores, em cadacaso, é aquela onde a representação lógica tem a mesma ordem que a da sentençaPortuguês. Uma vez que a transformação passiva, que é usada para relacionar (28)(b) com (28) (a), é pensada como uma transformação que preserva o significado,estas sentenças criam um problema para o linguista. Pares de sentenças como (28)já foram mencionadas por Chomsky (1957).

Um problema similar é criado pelos seguintes pares de sentenças.

(29) (a) Ninguém explicou a situação

(b) A situação não foi explicada por ninguém

O que é importante aqui não é a ordem dos dois quantificadores, mas a ordemda negação em relação ao quantificador. Para muitos falantes do Português, (29)(a) é ambígua e tem as seguintes duas leituras, onde Erefere-se a ‘explicar’ e s, asituação

(30) (a) ∀x ∼ E(x, s) — ‘Para todo x, é válido que x não explicou s’

(b) ∼ ∀xE(x, s) — ‘Não é o caso em que seja válido para todo x que xexplicou s’

(30) (a) diz que ninguém explicou a situação. (30) (b) diz que nem todos expli-caram a situação – alguém explicou e alguém não explicou [a situação]. (29) (a) temestas duas leituras, mas (29) (b), provavelmente, pode ser somente entendida comotendo a leitura (30) (b). Contudo, (29) (b) está relacionada com (29) (a) atravésda transformação passiva.

Com estes exemplos, deixaremos de tratar, por enquanto, das ambiguidades deescopo, mas teremos a oportunidade de retornar às mesmas no capítulo sobre lógicamodal.

Até agora, discutimos principalmente a sintaxe da Lógica de Predicados, ou seja,discutimos como as fórmulas lógicas são construídas na Lógica de Predicados. Antesde nos voltarmos à semântica, daremos um resumo da sintaxe.

5.3 Resumo da sintaxe da lógica de predicados

O propósito da sintaxe é especificar quais expressões constituem as fórmulas bemformadas da Lógica. Neste livro, tratamos separadamente a Lógica Proposicional ea Lógica de Predicados, mas deveria estar claro que a Lógica de Predicados contéma Lógica Proposicional como uma [sub] parte.

Apresentamos primeiro uma lista das categorias da Lógica de Predicados.

1. (a) constantes individuais — a, b, c, d, . . .

(b) variáveis individuais — x, y, z, . . .

(c) constantes de predicados — A,B,C,D, . . .

(d) variáveis de predicados — Φ,Ψ, X, . . .

(e) variáveis sentenciais — p, q, r, . . .

(f) quantificadores — ∀, ∃

(g) conectivos lógicos — ∼,&,∨,→,≡

(h) parênteses — ( , )

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 57

As fórmulas da Lógica de Predicados são construídas a partir deste vocabulário.Quando a sintaxe da Lógica Proposicional foi dada, introduzimos as metavariá-veis para falar de sentenças da linguagem-objeto. Similarmente, introduzimos asmetavariáveis para falar de expressões da linguagem-objeto da Lógica de Predi-cados. As seguintes metavariáveis são necessárias: P para termos de predicados;t1, t2, t3, . . . , tn para termos individuais; e α, β, . . . para fórmulas bem-formadas.

As seguintes regras sintáticas descrevem as fórmulas bem formadas da Lógicade Predicados.

(2) (a) Toda variável sentencial é uma fórmula bem formada

(b) Se t1 for um termo individual e P , um termo de predicado unário, entãoP (t1) será uma fórmula bem formada.

(c) Se t1 e t2 forem termos individuais e P , um termo de predicado binário,então P (t1, t2) será uma fórmula bem formada

(d) Se t1, t2, . . . , tn forem termos individuais e P , um predicado eneário, en-tão P (t1, t2, . . . , tn) será uma fórmula bem formada

(e) Se x for uma variável individual e α, uma fórmula bem formada na qualx ocorre como uma variável livre, [então] ∃xα será uma fórmula bemformada

(f) Se x for uma variável individual e α, uma fórmula bem formada na qualx ocorre como uma variável livre, [então] ∀xα será uma fórmula bemformada

(g) Se α e β forem fórmulas bem formadas, então (i) ∼ α, (ii) (α&β), (iii)(α ∨ β), (iv) (α → β) e (v) (α ≡ β) serão fórmulas bem formadas.

(h) Uma fórmula bem-formada que não contém quaisquer variáveis livres éuma sentença

(i) Somente as fórmulas construídas de acordo com estas regras são fórmulasbem formadas.

Note a diferença entre as sentenças e as fórmulas bem formadas. Tanto as sen-tenças quanto as sentenças abertas são bem formadas. As fórmulas bem formadasconstruídas pelas regras (2) (a-d) são chamadas de expressões simples ou atômicasda Lógica de Predicados. As formulas bem formadas construídas pelas regras (2)(e-g) são chamadas de expressões complexas da Lógica de Predicados.

5.4 A semântica da lógica de predicados

Conhecer o significado de uma sentença indicativa é conhecer como o mundo tem deser para que esta sentença seja verdadeira. Um falante da língua portuguesa podedecidir se a sentença Está chovendo será verdadeira em um certo mundo possível,se ele souber como este mundo é. Este fato é o ponto de partida para a semânticalógica.

Entretanto, isso não é suficiente – também temos de saber como os termos dalinguagem estão relacionados com o mundo. Para sabermos se a sentença Wotan éum deus será verdadeira em um certo mundo possível, deveremos saber a que indi-víduo o nome Wotan refere-se. Se tivermos uma linguagem e decidirmos como cadaexpressão desta linguagem está relacionada com o mundo, diremos que temos umainterpretação desta linguagem. Esta linguagem pode ser uma linguagem formalcomo a Lógica de Predicados ou uma linguagem natural como o Português. Em se-guida, veremos como as expressões da Lógica de Predicados podem ser relacionadas

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 58

com o mundo. Em poucas palavras, podemos dizer que uma interpretação relaci-ona a linguagem com mundo (ou um mundo possível), apresentando as extensõesdas expressões da linguagem, ou seja, apresentando os objetos do mundo que sãodesignados pelas expressões da linguagem (veja a definição do termo ‘extensão’ napágina 4).

Além de ‘interpretação’, o termo modelo é frequentemente usado, embora esteconceito seja habitualmente introduzido em uma maneira um pouco diferente. Seuma sentença for verdadeira em uma certa interpretação, poderemos dizer que ainterpretação é um modelo da sentença. O tipo de semântica apresentado nestaseção é frequentemente chamado de semântica modelo-teórica. (a palavra ‘mo-delo’ é usada aqui de uma maneira diferente da maneira na qual ela é usada namaioria dos contextos científicos e cotidianos).

Começaremos com constantes individuais. Corresponde a cada constante indi-vidual um certo indivíduo do mundo. Por exemplo, suponhamos uma linguagemque tem as constantes individuais a − h e um mundo possível que tem o númerocorrespondente de indivíduos. As constantes individuais estão relacionadas com omundo da seguinte maneira.

1. a= Alfred e= Erodb= Bruce f= Frankc= Charles g= Georged= Dennis h= Harold

Este mundo construído contém somente estes oito indivíduos. Neste caso, temosum nome para cada indivíduo do mundo. Este é um exemplo bastante simples, queé construído para propósito de explicação. É muito mais problemático, por razõesóbvias, dar nomes a cada indivíduo do mundo real.

Voltemos-nos agora às constantes de predicados. Por extensão de um predicadounário, entendemos o conjunto de indivíduos para os quais este predicado é válido.A extensão de um predicado binário é o conjunto de pares ordenados de indivíduospara os quais este predicado é válido.

Resumindo, temos a seguinte situação.

(2) (a) Um predicado unário é interpretado como um conjunto de indivíduos

(b) Um predicado binário é interpretado como um conjunto de pares orde-nados de indivíduos

(c) Um predicado ternário é interpretado como um conjunto de triplas or-denadas

(d) Um predicado eneário é interpretado como um conjunto de n-tuplas or-denadas de indivíduos

Introduzamos dois predicados unários, M para ‘alce’ e C para ‘esperto’. Asseguintes listas apresentam as extensões destes predicados.

(3) M : {Alfred, Charles, Erod, George, Harold}C: {Alfred, Charles, Erod, George, Harold, Bruce, Frank}

A interpretação aqui dada pode ser descrita em um diagrama como (4).

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 59

x

x

x

x

xx

x

x

x

da

b

c e

f

g h

(4)

Podemos assumir agora algumas sentenças e ver qual valor de verdade que elasrecebem na dada interpretação.

(5) (a) M(b) ‘Bruce é um alce’ — falsa

(b) C(a) ‘Alfred é esperto’ — verdadeira

(c) C(g) ‘George é esperto’ — verdadeira

(d) M(e) ‘Erod é um alce’ — verdadeira

(e) C(d) ‘Dennis é esperto’ — falsa

A condição de verdade das sentenças que têm a forma de (5) é simples e podeser formulada como em (6).

(6) Uma sentença da forma P (t) será verdadeira em uma interpretação se e so-mente se o objeto que é designado pelo termo individual puder ser encontradoentre os objetos designados pelo predicado nesta interpretação

Isto significa que F (a) será verdadeira em uma certa interpretação se o objetodesignado por a estiver incluído na extensão de F .

A condição de verdade de uma sentença com um predicado binário pode serformulada como em (7).

(7) Uma sentença da forma P (t1, t2) será verdadeira em uma interpretação arbi-trária se e somente se o par ordenado dos objetos designados por t1, t2 puderser encontrado entre o conjunto de pares ordenados designado por P nestainterpretação.

Isto significa que uma sentença F (a, b) será verdadeira em uma certa interpre-tação se o par ordenado de objetos designado por a, b estiver incluído na extensãode F .

Retornemos à interpretação descrita em (4) e vejamos quais das seguintes sen-tenças complexas são verdadeiras nesta interpretação.

(8) (a) M(g)&C(b) — ‘George é um alce e Bruce é esperto’ — verdadeira

(b) M(b) ∨ C(d) — ‘Bruce é um alce ou Dennis é esperto’ — falsa

(c) ∼ M(e) — ‘Erod não é um alce’ — falsa

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 60

(d) M(b) → C(g) — ‘Se Bruce for um alce, então George será esperto’ —verdadeira

Para determinarmos o valor de verdade destas sentenças complexas, partimosdas sentenças constituintes simples. Em (8) (a), vemos que ambas as sentençasconstituintes são verdadeiras e que, portanto, a conjunção das duas sentenças temde ser verdadeira. Em (8) (b), vemos que nenhuma das duas sentenças constituintesé verdadeira e que, portanto, a disjunção das duas tem de ser falsa. As regras queseguimos aqui são idênticas às regras da Lógica Proposicional. A única diferença éque, na Lógica de Predicados, partimos de um nível abaixo do ponto de partida daLógica Proposicional. Na Lógica Proposicional, a verdade ou a falsidade de umasentença como M(g) é suposta como dada, mas, na Lógica de Predicados, derivamosa verdade ou a falsidade desta sentença a partir de sua estrutura interna.

Para determinarmos o valor de verdade de (8) (c), partimos do interior da sen-tença e calculamos até se obter o valor de verdade da sentença inteira. Partimos dasentença constituinte M(e) e vemos que esta sentença tem de ser verdadeira, porqueo objeto que é referido por e está incluído na extensão de M na interpretação dadaem (4). Depois, consideramos o sinal de negação e vemos que ∼ M(e) tem de serfalso, uma vez que M(e) é verdadeiro, seguindo as regras especificadas no capítulosobre lógica proposicional.

Finalmente, (8) (d) tem de ser verdadeira, pois a primeira sentença é falsa,enquanto s segunda é verdadeira; isto torna verdadeira a implicação. Uma tabelade verdade (parcial) para (8) (d) é dada em (9).

(9)M(b) → C(g)

F V V

Na discussão das sentenças em (8), ilustramos como as regras da Lógica Pro-posicional estão contidas na Lógica de Predicados. Agora, olhemos para algumassentenças complexas com quantificadores e determinemos seus valores de verdade,de acordo com a interpretação dada em (4).

(10) (a) ∃xM(x) — ‘Existe um alce’ ou ‘Alguém é um alce’ — verdadeira

(b) ∼ ∃xC(x) — ‘Não é o caso em que exista alguém que seja esperto’ —falsa

(c) ∼ ∃xM(x) — ‘Não é o caso em que alguém seja um alce’ ou ‘Ninguém éum alce’ — falsa

(d) ∃x ∼ C(x) — ‘Alguém não é esperto’ — verdadeira

(e) ∃x(M(x)&C(x)) — ‘Algum alce é esperto’ — verdadeira

O fundamento aqui é que a sentença ∃xF (x) será verdadeira em uma interpreta-ção I se e somente se F tiver, pelo menos, um objeto na sua extensão em I. Quandoisto é entendido, é simples calcular o valor de verdade das sentenças que têm umanegação combinada com o quantificador existencial.

(11) (a) ∼ ∃xF (x) será verdadeira em I, sse a extensão de F for o conjunto vazioem I

(b) ∃x ∼ F (x) será verdadeira em I, sse existir pelo menos um objeto em Ique não esteja incluído na extensão de F em I

(c) ∼ ∃x ∼ F (x) será verdadeira em I, sse não existir nenhum objeto emI que não esteja incluído na extensão de F em I, ou seja, que todos osobjetos estejam incluídos na extensão de F

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 61

Estas definições de valores de verdade para as combinações de um quantifica-dor existencial com uma negação são redundantes quando as condições de verdadesão dadas pelo quantificador existencial e pela negação. Elas são dadas aqui porpropósitos de exposição. Tanto na Lógica Proposicional quanto na Lógica de Pre-dicados, é válido que a condição de verdade da sentença complexa seja uma funçãodas condições de verdade das partes desta sentença.

Tendo em mente a interpretação dada em (4), determinemos o valor de verdadedas seguintes sentenças.

(12) (a) ∀xC(x) — ‘Todos são espertos’ — falsa

(b) ∼ ∀xM(x) — ‘Nem todos são alces’ — verdadeira

(c) ∀x ∼ M(x) — ‘Todos não são alces’, significando ‘Para qualquer um, éválido que ele seja um alce’ — falsa

(d) ∀x(M(x) → C(x)) — ‘Todo alce é esperto’ — verdadeira

(e) ∀x(C(x) → M(x)) — ‘Qualquer esperto é um alce’ — falsa

O fundamento principal aqui é (13).

(13) ∀xF (x) será verdadeira em I, sse todos os objetos em I estiverem incluídos naextensão de F em I

Esclareçamos os detalhes completamente em (14).

(14) (a) ∼ ∀xF (x) será verdadeira em I, sse nem todos os objetos em I estiveremincluídos na extensão de F em I, ou seja, sse algum objeto em I nãoestiver na extensão de F .

(b) ∀x ∼ F (x) será verdadeira em I, sse todos os objetos em I não estiveremincluídos na extensão de F em I, ou seja, sse não existir nenhum objetona extensão de F

Tomemos um exemplo das sentenças em (12). Olhando para ∼ ∀xM(x), con-sideremos a primeira sentença constituinte ∀xM(x), ‘Todos são alces’. Vemos queesta sentença constituinte é falsa na interpretação dada em (4). Frank não é umalce nesta interpretação, por exemplo. Uma vez que esta sentença constituinte éfalsa, sua negação tem de ser verdadeira (ou seja, a sentença (12) (b) é verdadeira).

Da Lógica Proposicional, conhecemos a condição de verdade da implicação (vejapág. 38). Seguindo esta condição de verdade, apresentamos a seguinte condição deverdade das sentenças similares a (12) (d, e).

(15) ∀x(F (x) → G(x)) será verdadeira em I, sse for válido para todos os objetosincluídos na extensão de F em I que eles também estejam incluídos na extensãode G em I, ou seja, sse não existir nenhum objeto em F que também não estejaem G

5.5 Verdadeiro em todas as interpretações

Voltemo-nos à inferência com a qual abrimos este capítulo sobre Lógica de Predi-cados. Esta inferência é repetida em uma forma ligeiramente modificada.

(1)

Premissa: Todos os alces são esper-tos

Bruce é um alce.

Conclusão: Bruce é esperto ∴

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 62

Para que uma inferência similar à (1) seja válida ou correta, tem de ser o casoem que ela seja válida em todas as interpretações possíveis, e não somente emuma particular; ou, para usar uma terminologia um pouco diferente: em todosos mundos possíveis onde as premissas forem verdadeiras, a conclusão terá de sertambém verdadeira.

Se uma inferência for correta, será impossível construir um mundo possível noqual as premissas sejam verdadeiras, enquanto a conclusão seja falsa.

Como verificamos que uma inferência é correta? Uma vez que há um númeroinfinito de mundos possíveis, não é possível examinar todos estes mundos e ver sea conclusão segue-se das premissas. Quando começamos a examinar os mundospossíveis um por um, podemos somente esperar mostrar que uma inferência não écorreta. A razão é: tão logo é encontrada uma interpretação que torne as premis-sas verdadeiras ao mesmo tempo em que torne a conclusão falsa, sabemos que ainferência em questão é incorreta.

Entretanto, podemos mostrar que uma inferência é correta. Se uma inferênciafor correta, ela será correta em virtude de sua estrutura lógica, independente decomo sejam os mundos possíveis.

A inferência dada em (1) parece ser intuitivamente correta e se ela for correta,deveremos ser capazes de mostrar isto, investigando sua estrutura, como dissemosacima. Se for encontrada uma interpretação na qual as premissas são verdadeirasenquanto a conclusão é falsa, saberemos que a inferência é incorreta. Se pudermosmostrar que não há nenhuma tal interpretação, saberemos que a inferência é correta.

Agora, tentemos construir uma interpretação na qual as premissas são verda-deiras e a conclusão, falsa. Começamos da primeira premissa. O que é necessáriopara que esta premissa seja verdadeira? Ora, obviamente que todos os elementosda extensão do predicado ‘alce’ sejam elementos da extensão do predicado ‘esperto’.Esta situação é descrita pelo diagrama em (2).

M

C

(2)

A segunda premissa será verdadeira se e somente se Bruce for um elemento daextensão do predicado ‘alce’.

M(3)

x

b

Quando estas duas premissas são simultaneamente assumidas, chegamos à si-tuação descrita em (4). Simplesmente poremos (2) e (3) juntos em uma figura

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 63

[diagrama].

M

x

b

C

(4)

(4) descreve o que deve ser o caso quando ambas as premissas são verdadeiras.Em cada mundo possível no qual ambas as premissas são verdadeiras, deve ser ocaso em que a extensão de ‘alce’ seja um subconjunto da extensão de ‘esperto’ eque Bruce seja um elemento da extensão de ‘alce’.

Se a inferência em (1) for correta, deverá ser impossível que a conclusão sejafalsa quando ambas as premissas forem verdadeiras, ou seja, quando tivermos asituação descrita em (4). A correção da inferência segue-se da impossibilidade deconstruir um mundo possível no qual as premissas são verdadeiras e a conclusão,falsa.

Se a conclusão em (1) for verdadeira, Bruce será um elemento da extensão de‘esperto’.

C(5)

x

b

Por outro lado, se a conclusão for falsa, Bruce não será um elemento da extensãodeste predicado.

x

b

(6)C

Dos dois diagramas (5) e (6), somente (5) é consistente com (4), que descreviao que era necessário para que as duas premissas fossem verdadeiras.

(6) é inconsistente com (4), porque (6) afirma que Bruce não está incluído naextensão de ‘esperto’, mas, uma vez que, de acordo com (4), Bruce é um elementoda extensão de ‘alce’; e uma vez que a extensão de ‘alce’ é um subconjunto daextensão de ‘esperto’, Bruce tem de ser um elemento da extensão de ‘esperto’. Emqualquer mundo possível no qual (4) for válido, (5) também será válido.

Assim, não parece existir uma maneira de se construir um mundo possível no

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 64

qual a conclusão será falsa quando as premissas forem verdadeiras, o que significaque a inferência de (1) é correta.

Esta prova poderia tornar-se consideravelmente mais curta, usando-se o forma-lismo da Teoria de Conjuntos, mas, ao invés disso, escolhemos usar um raciocínioinformal que utiliza as intuições que estão por trás da Teoria de Conjuntos.

Que (1) seja uma inferência correta, não significa que a sentença Bruce é espertoé verdadeira em qualquer mundo possível. Significa somente que esta sentençaserá verdadeira em qualquer mundo possível no qual as premissas de (1) foremverdadeiras. Considere a interpretação dada em (7).

(7)

M C

x

x

x x

x

x

x

x

b

c d g

f

h

d

a

Obviamente, nesta interpretação, é falso que Bruce seja esperto. Isto significaque (7) refuta que (1) seja uma inferência correta? Absolutamente não. A razão éque no mundo descrito por (7), não é o caso em que ambas premissas de (1) sejamverdadeiras. A primeira premissa, Todos os alces são espertos, é falsa em (7). Comovemos em (7), acontece, nesta interpretação, que Bruce é um alce que não é esperto,portanto pelo menos um alce não é esperto.

Agora, recorramos à outra inferência que é diferente de (1), porque a conclusãoe a segunda premissa são substituídas uma pela outra.

(8)

Premissa: Todos os alces são esper-tos

Bruce é esperto.

Conclusão: Bruce é um alce ∴

Antes de continuar a ler, você deve perguntar às suas próprias intuições se estainferência é correta ou não. A intuição de ninguém dá imediatamente o resultadocorreto.

Agora, (8) é uma inferência correta ou não? Considere a interpretação descritaem (9).

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 65

M C

x

x x

x

x

x

x

b

a e c

df

g

x

h

(9)

Tanto as premissas quanto a conclusão são verdadeiras nesta interpretação. Aprimeira premissa é verdadeira, porque a extensão de ‘alce’ é um subconjunto daextensão de ‘esperto’. A segunda premissa é verdadeira, porque Bruce é um ele-mento da extensão de ‘esperto’ e a conclusão é verdadeira, porque Bruce tambémestá na extensão de ‘alce’.

Isto mostra que (8) é uma inferência correta? Não; somente mostramos quea conclusão poderá ser verdadeira quando ambas as premissas forem verdadeiras,não que a conclusão terá de ser verdadeira quando as premissas forem verdadeiras.Assim, tentemos construir uma interpretação na qual as premissas são verdadeirase a conclusão, falsa.

Para que a primeira premissa seja verdadeira, a extensão de ‘alce’ terá de serum subconjunto da extensão de ‘esperto’.

(10)

C

M

A segunda premissa será verdadeira somente se Bruce for um elemento da ex-tensão de ‘esperto’.

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 66

(11)C

x

b

Agora, existem duas maneiras de combinar (10) e (11). Estas duas maneiras sãomostradas em (12) (a) e (12) (b).

(12)

(a) (b)

C C

M Mx

b

x

b

Em todos os mundos possíveis nos quais (12) (a) ou (12) (b) ocorrem, é o casoem que ambas as premissas são verdadeiras; mas a conclusão de (8) é consistentesomente com (12) (a), não é consistente com (12) (b). A conclusão será verdadeirasomente quando Bruce for um elemento da extensão de ‘alce’.

Um dos mundos possíveis nos quais a situação dada em (12) (b) ocorre é esteque é descrito pela interpretação em (13).

(13)

M

C

x x

x

x

x

x

x

a c d

h

e

f

g

(13) mostra que há pelo menos um mundo possível no qual as premissas sãoverdadeiras, enquanto a conclusão é falsa. Isto significa que (8) não é uma inferênciacorreta.

Na discussão acima sobre os quantificadores, você pode ter notado que uma sen-tença que tem um quantificador universal poderia ser parafraseada pela sentençaque contém o quantificador existencial e vice-versa. Em geral, uma sentença quetem um dos quantificadores é sempre equivalente a uma sentença que tem o outroquantificador. Assim, as sentenças em (14) são verdadeiras em todas as interpreta-

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 67

ções, isto significa que elas são verdades lógicas.

(14) (a) ∃xF (x) ≡ ∼ ∀x ∼ F (x)

(b) ∼ ∃xF (x) ≡ ∀x ∼ F (x)

(c) ∃x ∼ F (x) ≡ ∼ ∀xF (x)

(d) ∼ ∃x ∼ F (x) ≡ ∀xF (x)

Podemos ilustrar, por exemplo, a validade de (14) (a) com um raciocínio in-formal. A primeira sentença em (14) (a) afirma que pelo menos um elemento estádentro da extensão do predicado F, como (15) demonstra.

(15)F

x

A segunda sentença em (14) (a), ∃xF (x) ≡ ∼ ∀x ∼ F (x), é a negação da sen-tença constituinte ∀x ∼ F (x). Esta sentença constituinte diz que todos os objetosdo universo de discurso estão fora da extensão de F , como indicado em (16). Ob-viamente, a negação desta sentença constituinte é equivalente à sentença ∃xF (x).

F(16)

x

x

x

x

5.6 Resumo da semântica da lógica de predicados

Neste resumo da semântica, usaremos a mesma terminologia que foi usada no resumoda sintaxe. I será um símbolo que se refere a uma interpretação arbitrária.

(2) (a) P (t) será verdadeira em I, sse t referir-se a um indivíduo em I que é umelemento da extensão de P em I.

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CAPÍTULO 5. LÓGICA DE PREDICADOS 68

(b) P (t1, t2) será verdadeira em I, sse < t1, t2 > referir-se a um par em I queé um elemento da extensão de P em I

(c) P (t1, . . . , tn) será verdadeira em I, sse < t1, . . . , tn > referir-se a umn-tupla em I que é um elemento da extensão de P em I

(d) ∀xP (x) será verdadeira em I, sse todos os indivíduos em I forem elemen-tos da extensão de P em I

(e) ∃xP (x) será verdadeira em I, sse existir pelo menos um indivíduo em Ique seja um elemento da extensão de P em I

(f) ∼ α será verdadeira em I, sse α não for verdadeira em I

(g) α&β será verdadeira em I, sse α e β forem verdadeiras em I

(h) α ∨ β será verdadeira em I, sse pelo menos uma das sentenças α e β forverdadeira em I

(i) α → β será verdadeira em I, sse α não for verdadeira ou β for verdadeiraem I

(j) α ≡ β será verdadeira em I, sse as duas sentenças α e β forem ambasverdadeiras ou não forem ambas verdadeiras em I

Estas definições de verdade podem parecer complicadas à primeira vista, mas,uma vez que você leu as seções 5.4 e 5.6 acima, elas deveriam ser auto-evidentes.