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LUIS SEPÚLVEDA HISTÓRIA DE UMA BALEIA BRANCA Ilustrações de Paulo Galindro Tradução de Helena Pitta Oo

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LUIS SEPÚLVEDA

HISTÓRIA DE UMABALEIA BRANCA

Ilustrações de Paulo Galindro

Tradução de Helena Pitta

Oo

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«E as baleias foramespreitar Deus entreas estrias dançantes das águas.E Deus foi visto pelo olho de uma baleia.»

Homero Aridjis, El ojo de la ballena

«O olho da baleia regista de longe o quevê nos homens. Guarda segredos que nãopodemos conhecer.»

Plínio, o Antigo, História Natural

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IA antiga linguagem do mar

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Numa manhã do verão austral de 2014, muito perto de Puerto Montt, no Chile, uma baleia encalhou na costa de seixos.

Era um cachalote de quinze metros de comprimento e o seu corpo, de uma estranha cor cinzenta, não se movia.

Alguns pescadores acharam que talvez se tratasse de um cetáceo desorientado; outros sugeriram que, provavel-mente, tinha ficado intoxicado com todo o lixo que se atira para o mar. E um silêncio carregado de tristeza foi a home-nagem de todos os que rodeávamos o grande animal mari-nho sob o céu cinzento do Sul do Mundo.

O cachalote ficou ali umas duas horas, embalado sua-vemente pelas ondinhas da baixa-mar, até que uma embar-cação se aproximou, fundeou a pouca distância e alguns

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homens se atiraram à água, munidos de cordas grossas que amarraram à barbatana caudal, ou cauda do animal, e depois, muito lentamente, a embarcação deu a proa a sul, arrastando o corpo sem vida do gigante marinho.

– O que farão com a baleia? – perguntei a um pesca-dor que, com o seu gorro de lã nas mãos, via afastar-se a embarcação.

– Respeitá-la. Quando chegarem ao mar alto, passada a saída sul do golfo, abrem-lhe o corpo, esvaziando-o para que não flutue, e deixam-na afundar-se na escuridão fria do oceano – respondeu em voz baixa o pescador.

Depressa a embarcação e a baleia desapareceram entre o perfil incerto das ilhas, e as pessoas afastaram-se da costa. Mas ficou um menino, a olhar fixamente para o mar.

Aproximei-me dele. Os seus olhos de pupilas escuras perscrutavam o horizonte e duas lágrimas desciam-lhe pelo rosto.

– Eu também estou triste. És daqui? – perguntei, em jeito de cumprimento.

O menino sentou-se na praia de seixos antes de res-ponder, e eu fiz o mesmo.

– Claro. Sou lafkenche. Sabes o que significa? – per-guntou.

– «Gente do mar» – respondi.– E tu, porque estás triste? – quis saber o menino.– Por causa da baleia. Que lhe terá acontecido?– Para ti é uma baleia morta, mas para mim é muito

mais do que isso. A tua tristeza e a minha não são iguais.

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Permanecemos em silêncio durante um tempo medido pelas ondas que iam e vinham, até que ele me ofereceu um objeto maior do que a sua mão.

Era uma concha de loco, um caracol marinho muito apreciado, com uma concha exterior rugosa, pétrea, e o interior branco como uma pérola.

– Encosta-a ao teu ouvido e a baleia falará contigo – disse o pequeno lafkenche, afastando-se com grandes pas-sadas pela praia escura de calhaus.

Foi o que fiz. E, sob o céu cinzento do Sul do Mundo, uma voz falou comigo na velha língua do mar.

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