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1 LUIZ ANTÔNIO BARRETO TOBIAS BARRETO SOCIEDADE EDITORIAL DE SERGIPE 1994

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LUIZ ANTÔNIO BARRETO

TOBIAS BARRETO

SOCIEDADE EDITORIAL DE SERGIPE

1994

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Este livro, com defeitos de repetições, por se

tratar de reunião de ensaios e artigos diversos, foi

motivado pela efeméride de 1989, e pela edição das

Obras Completas de Tobias Barreto, a partir de 1990.

Não deixa de ser, então, uma homenagem, um elogio

distante, que repõe à vida e à obra o exato efeito dos

fatos, sublinhando a coerência de um intelectual que

soube viver o seu tempo, e mais que outros soube

antecipar o futuro aos brasileiros.

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ÍNDICE

A Fé e a Razão ........................................................................ .6

Tobias Barreto e a Crítica ......................................................... .45

Tobias Barreto e a Luta pelo Direito ......................................... .66

Tobias Barreto, a Abolição da Escravatura e a

Organização da Sociedade......................................................... ..83

Tobias Barreto e a Filosofia no Brasil .......................................153

O Pensamento e a Ação Política de Tobias Barreto ............... .....188

Nova Missão Tobiática no Recife ..............................................214

Tobias Barreto e Seus Seguidores ..............................................256

Tobias Barreto um Agitador Social ............................................285

Tobias Barreto e a Ideologia do Progresso ................................ 290

Tobias Barreto e o Preconceito Racial ...................................... 295

Tobias Barreto e a República ................................................... 300

A Escola do Recife e a Propaganda Republicana ....................... 304

Tobias Barreto e as Causas da Liberdade .................................. 309

O Poeta em Salvador ................................................................ 314

Tobias Barreto e o Brasil que ele Queria Novo .......................... 320

Tobias Barreto e o Maranhão ................................................... 326

Tobias Barreto nas Alagoas ...................................................... 331

Tobias Barreto e a Educação da Mulher .................................... 330

Tobias Barreto e o Compromisso Democrático .......................... 341

A Edição dos Livros de Tobias ................................................. 347

As Obras Completas de Tobias Barreto ..................................... 354

Tobias Barreto e a Imprensa Alemã .......................................... 359

O Jornal Alemão de Tobias Barreto .......................................... 365

Tobias, Jhering e Losano .......................................................... 369

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Este é um livro de elogios. Ninguém pode ficar

indiferente diante de Tobias Barreto, mulato pobre de

Sergipe, que se projetou, ousadamente, como jornalista,

advogado, professor e crítico, compondo uma obra

plural e interdisciplinar, marcando com sulcos pro -

fundos a vida intelectual de Pernambuco e do Brasil, na

segunda metade do século XIX.

Tobias Barreto é um sedutor. Seduziu os jovens

nordestinos, alunos da Faculdade de Direito do Recife,

destronando os velhos conceitos embolorados nos

compêndios sacralizados. Seduziu as galerias nas

sessões da Assembléia Provincial de Pernambuco,

defendendo teses sobre a educação da mulher. Seduziu,

também o povo de Escada, que o acompanhou nas

audiências, pressionando juízes e promotores para a boa

administração da justiça.

Somente os que não conhecem a obra tobiática, e

nem o contexto que a gerou, passam ao largo da figura

genial do poeta e filósofo, um dos poucos a fazer do

Brasil o objeto de suas preocupações e dos seus estudos.

Como Tobias Barreto foi um divisor de águas, muitos

foram os seus críticos e alguns dos seus detratores. Ou-

tros, contudo, fizeram o elogio da obra, como Sílvio

Romero, Artur Orlando, Graça Aranha, e mais recen-

temente Hermes Lima, Antônio Paim, Miguel Reale,

Jackson da Silva Lima, Virgílio Campos.

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As novas gerações não conhecem Tobias Barreto.

Este livro pretende ser uma contribuição, porque mes-

clado de informações biográficas, repleto de circuns-

tâncias, cujo poder influi sobre as várias facetas da

obra, está destinado a guiar os mais novos nos caminhos

da descoberta da cultura brasileira, especialmente no

capítulo que teve como personagem, no centro dos

debates, Tobias Barreto.

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A F É E A R A Z Ã O

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O concurso para a cadeira de Filosofia do Ginásio

Pernambucano, que disputou com José Soriano de

Souza, em 1867, e a leitura, durante a aprendizagem da

língua alemã, da História do Povo de Israel,(1)

de

Ewald, marcaram, sem dúvida, a evolução de Tobias

Barreto, desapegando-se das raízes religiosas herdadas

no convício de sua terra, no contato com o Seminário da

Bahia, onde era professor o frei Itaparica,(2)

e no

magistério de latim, na Província de Sergipe, que

largou, com licença do Governo, para estudar direito no

Recife.

Tobias, na verdade, participa de dois concursos.

O primeiro, em 1865, para a cadeira de Latim do Curso

Preparatório da Faculdade de Direito do Recife.

Concorreu com seu conterrâneo e parente padre Félix

Barreto de Vasconcelos, e com Samuel Wallace

MacDowel, Francisco Jacinto de Sampaio e Joaquim

José Henrique da Silva. As provas foram realizadas no

dia 4 de abril, e apresentaram um resultado que

qualificava em primeiro lugar o padre Félix, em segundo

Tobias Barreto, e os demais em terceiro lugar. A

Comissão examinadora, formada pelo Diretor da

Faculdade, o Visconde de Camaragibe, José Nicácio,

padre Joaquim Graciliano de Araújo e o dr. Pedro

Autran da Mata Albuquerque, respondia pela

classificação, encaminhada ao Ministro do Império com

as seguintes observações: “O padre Féliz é aqui

professor particular de latim, natural de Sergipe, e

apresenta documentos de serviços prestados em diversas

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províncias. O candidato Tobias Barreto de Menezes é

estudante do segundo ano desta Faculdade, moço

aplicado e inteligente. V. Excia. resolverá o que lhe

parecer acertado.”

Leopoldino Antônio da Fonseca, por não ter sua

inscrição aceita no concurso, representou contra o

Diretor da Faculdade junto ao Ministro do Império, e o

concurso, e em 13 de julho de 1865, “julgando não

serem satisfatórias as provas que exibiram os

concorrentes”, foi anulado, mandando o Ministro que

fosse feita nova prova. O novo concurso foi realizado

nos dias 27 e 28 de novembro do mesmo ano,

concorrendo padre Féliz, Tobias, Francisco Jacinto de

Sampaio e Leopoldino Antônio da Fonseca. Na

Comissão examinadora estavam os padres Joaquim

Graciliano de Araújo e Inácio Francisco dos Santos.

Mais uma vez o julgamento beneficiou o padre em

primeiro lugar, com Tobias em segundo.(3)

O resultado do concurso não abateu o jovem

poeta sergipano. Poeta de escola própria, engajada. Seus

versos, cheios de patriotismo, agitavam as massas

recifenses, com o mote da guerra do Brasil contra o

Paraguai. Nas ruas da capital pernambucana, Tobias era

mais que um poeta condoreiro., era um orador do povo,

inflamado, devolvendo a coragem de lutar aos bravos

nordestinos de Pernambuco que guardavam, ainda, as

amarguras das derrotas dos movimentos libertários de

1817, 1824, 1842 e 1848, vivos na memória da “cabocla

civilizada.”(4)

O mesmo não se poderá dizer do concurso

para a cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano.

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Contra José Soriano de Souza é o estudante contra o

mestre, é o jovem formando seu espírito, de um lado, e

um professor experiente, médico e doutor pela

Universidade de Louvain, na França, que exercia forte

influência sobre professores e estudantes e jornalistas,

do outro. Do concurso o próprio Tobias trata, em carta a

Carvalho Lima Júnior: “Não obstante ir em primeiro

lugar fui preterido por esse doutor, alegando-se como

razão da preferência o ele ser casado e eu solteiro.”(5)

Tobias Barreto não iria esquecer a injustiça de

não ter sido o nomeado, embora guardasse um certo

orgulho por ter defendido, naquele co ncurso, modernas

idéias de filosofia, contrariando os ensinamentos

espiritualistas de Taparreli, Sanseverino e Kleutgen, que

seguramente balizavam a formação filosófica do dr. José

Soriano de Souza.

A Juventude e a religião

A Faculdade de Direito do Recife, que fora

fundada em Olinda, no Mosteiro de São Bento, quando

dirigida por Pedro Autran da Mata Albuquerque, era um

santuário da catequese dos moços nordestinos, oriundos

de várias províncias da região. Desde 1856 que havia

sido ereta, na Igreja de São Francisco, a Confraria

Acadêmica Nossa Senhora do Bom Conselho, sob os

aplausos dos professores, como se pode testemunhar

com a leitura deste texto da Memória Histórica

Acadêmica, de 1857:(6)

“A instalação da Irmandade Re-

ligiosa, no Convento dos Franciscanos, sob a invocação

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de Nossa Senhora do Bom Conselho, foi uma prova de

convicção de que só a religião oferece uma verdadeira e

real garantia à ordem e tranqüilidade pública de que só

ela pode sancionar de uma maneira positiva e dogmática

a Moral social, e prevenir e acautelar crimes cuja alçada

e investigação escapam às leis humanas.”

Pelo seu valor como documento de época, como

mostruário das idéias dominantes na Faculdade de

Direito e no ambiente em que vivia a juventude no

Recife, vale trazer a público algumas outras mani-

festações de professores daquela Casa.

Diz um texto da Memória Histórica Acadêmica de

1862: “Muito faz esta juventude, que, dotada geralmente

de fervor religioso, sustenta, por meio de algumas

associações e escritos pela imprensa, as et ernas

verdades do Cristianismo e pugna pela difusão das boas

doutrinas.”(7)

Em 1863,(8)

começam a surgir sintomas de que

nem todos estavam de acordo com a catequese e com o

controle religioso do conhecimento. Eis o que diz o

autor da Memória: “O indiferent ismo de poucos

estudantes – sectários do sistema da razão livre ou do

puro Racionalismo (sinônimo de Protestantismo),

felizmente não pode ainda influir nos louváveis atos de

quase totalidade, que por aqueles é qualificada de

ascética.” Mais adiante, dizia o professor: “Sem a

fecunda aliança da ciência com a religião, e da liberdade

com a ordem, dissolvidos estão, sem dúvida, os vínculos

sociais.”

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O ambiente da Faculdade era reproduzido na rua,

na medida em que os mestres do direito continuavam

com suas pregações destinadas a conter o crescimento

das que reagiam ao controle. O professor Antônio

Vasconcelos Menezes de Drummond, ao discursar em 7

de agosto de 1867, analisando a Constituição brasileira,

afirma categórico: “A religião cristã, obra da Sabedoria

Divina em prol do bem da humanidade (assim como o

Protestantismo é a obra da fraqueza humana e para sua

destruição), sendo a única capaz de fazer a felicidade

nesta vida, e também a única capaz de fazer a felicidade

na vida futura, foi pela Constituição preferida, sob cuja

sombra já havia prosperado a abençoada terra da Santa

Cruz, há trezentos anos.”

O Curso Preparatório da Faculdade, criado em

1832, no Seminário de Olinda, como Colégio das Artes,

seguia a mesma tradição catequética, e seu corpo

docente era repleto de padres. A situação era idêntica no

Ginásio Pernambucano, fundado em 1855, pelo des -

dobramento do Liceu, abrigando padres, como Inácio

Francisco dos Santos e Joaquim Graciano de Araújo,

que ensinavam, respectivamente, latim, e geografia,

retórica e filosofia.(9)

Era, portanto, muito forte a

influência religiosa no ensino pernambucano, aumentada

ainda mais a partir de 1867, quando é fundado o Colégio

São Francisco Xavier, confiado aos jesuítas. Abre -se um

novo capítulo na questão do controle do ens ino e da

cultura em Pernambuco, dando consistência ao mo-

vimento que entre os professores era liderado pelo

Conselheiro Pedro Autran da Mata Albuquerque e pelos

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irmãos Braz Florentino, Tarquínio Bráulio e José

Soriano de Souza.

Os jesuítas chegaram a Pernambuco “como

operários da educação da mocidade” a partir de 12 de

fevereiro de 1866. Os primeiros que chegaram foram os

padres Bento Shembri, logo designado Padre Espiritual

dos Seminaristas, Márcio Arcionni, lente de Moral, e

Tomé Vitale, lente de Teologia Dogmática. Em

princípios de 1867 chegaram os padres Candiami e

Clemente Maria Negri. Os jesuítas, mais que os outros

padres e que os professores das diversas escolas e da

Faculdade de Direito, atraíram a afeição da mocidade.

Eles haviam sido convidados pelo Bispo de Olinda, Dom

Manoel do Rego Medeiros, e estavam destinados ao

auxílio da educação nos Estados de Pernambuco,

Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas.

Em homenagem a Santo Inácio, no dia 31 de

julho, fundam o Colégio de São Francisco Xavier , com

finalidade primeira da “educação religiosa da mo -

cidade”, que não consistia apenas no ensino do

catecismo, “mas também em formar o coração dos

alunos para bem cumprirem com os seus deveres,

esclarecendo-lhes a inteligência nas verdades e preceitos

da religião cristã com progressivas instruções.” Ao lado

das intenções educacionais, o Colégio fixava uma rígida

disciplina para os seus alunos, que eram proibidos de

saírem para visitas, nem nas férias, bem assim de

mandar para fora do Colégio cartas, bilhe tes e recados,

senão por intermédio do Diretor ou Vice-Diretor.

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Os jesuítas do São Francisco Xavier estavam

realizando, em limites menores e em universos restritos,

os planos do anfitrião Bispo de Olinda, que dentre os

seus planos para a educação em Pernambuco incluía a

criação de um “Curso de Ciências Eclesiásticas”, com as

seguintes matérias: Direito natural e das Gentes, Direito

Público Civil, Direito Civil Pátrio, Direito Público

Eclesiástico, in si e em suas relações com o Direito

Civil Brasileiro, História Eclesiástica Geral e Peculiar

do Brasil, Escritura Sagrada, ou Exegética, ou

Explanação dos Fundamentos da Autenticidade,

Canonicidade e Integridade dos Livros Bíblicos, Teo -

logia Dogmática, fundamental e polêmica.(10)

O que dominava, com rotunda, a ação dos jesuítas

em Pernambuco era o que chegava ao Recife, através da

Revista Contemporânea de Paris, porta-voz do

Neotomismo que contagiava o grupo chefiado por José

Soriano de Souza, reforçando o binômio educação -

confessionário, espécie de estandarte dominante nas

casas de ensino recifenses. A visão religiosa daquele

tempo não tardaria em freqüentar as publicações

especializadas que circulavam no Recife, como a

Revista Mensal de Instrução Pública de Pernambuco.

A Religião e a Imprensa

Diversos jornais e revistas começaram a circular

com objetivos definidos de propagação da fé religiosa.

Alguns deles alcançaram repercussão maior, e causaram

efeitos também maiores no convício com o corpo social.

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Entre os jornais e revistas que circularam tendo em seu

grupo redacional estudantes da Faculdade de Direito,

professores e sacerdotes estão: O Santa Cruz, 1860; A

Verdade, 1861; O Constitucional, 1861; O Lidador

Acadêmico, dirigido por Tarquínio Bráulio, 1861; A

Religião, 1862; A Situação, redigido por alunos do 4º

ano da Faculdade de Direito, tinha no cabeçalho o

seguinte: “Religião, Autoridade Forte, Monarquia Pres-

tigiada, Lei, Conservação e Progresso”, 1862; O Íris da

Verdade, 1864; O Oito de Dezembro, 1864; A

Esperança, redigido por José Soriano de Souza, 1865; O

Vinte e Cinco de Março, do padre Joaquim Pinto de

Campos, 1865; O Oriente, 1866; O Democrata Fe-

derativo, 1868; A União Democrática, 1869; O

Católico, dirigido inicialmente por Pedro Autran da

Mata Albuquerque e depois, em 1872, por José Soriano

de Souza, 1869; A Santa Cruz, 1871; A União, dirigido

por José Soriano de Souza, 1872; O Verdadeiro

Católico, 1873; Cáritas, Caridade, 1874; e O Estudante

Católico, dirigido por Albino Meira, 1875.

Ninguém conseguia escapar dessa participação

compulsória na propaganda religiosa pela imprensa.

Num jornalzinho de 1863 – A Primavera – estão

reunidos Antônio Joaquim de Passos, Castro Alves e

Franklin Távora. Estava lá, no artigo de fundo de seu

número único, de 17 de maio, o perfil. “Filho de uma

idéia grande e generosa, vai ele professar e ensinar a

verdade da ciência e o conhecimento de Deus e da

humanidade, derramando a educação no seio das

famílias por meio de teologias sublimes, como a religião

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dos mártires.” E acrescentava: “A religião é a sua

profissão de fé e basta para recomendar a cada cabeça

um sinal de respeito e proteção ao nosso filho das letras,

que vem agora à luz da imprensa.”

Ainda que fossem de vida efêmera, os jornais e

revistas estavam destinados ao cumprimento de uma

missão, e cada órgão novo que circulava era um ânimo

novo em defesa das mesmas teses, continuamente

alimentando o fogo inquisitorial da propaganda, como

freio antes que surgissem e proliferassem as idéias

novas, que também procuravam abrigo nas páginas dos

jornais recifenses.

As publicações religiosas tomavam a dianteira na

vigilância do conhecimento, insistindo com as velhas

teses conservadas pelos ultramontanos que estavam,

com os jesuítas, na retaguarda da pregação pela

imprensa. Para ilustrar o pensamento comum no meio

dos mentores da mocidade acadêmica e estudantil em

geral, basta citar a teoria da Revista Contemporânea de

Paris, repetida pela Revista Mensal da Instrução

Pública de Pernambuco, que, sem rodeios, ensinava

que: “O progresso das ciências, das artes e da indústria

parece favorecer o desenvolvimento dos instintos menos

nobres da nossa natureza.”

Num discurso que pronunciou numa festa do

Colégio São Francisco Xavier, sobre “O Estudo da

Filosofia Natural e Racional”, o padre jesuíta Francisco

Rodina alerta que “a ciência sem a virtude é tão fatal ao

indivíduo como à sociedade.” Outro jesuíta, Clemente

Negri, em carta publicada pela mesma Revista,(11)

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afirma categoricamente que “a liberdade de ensinar,

dada a todos é essencialmente imoral, e por conseguinte

ilícita, visto que franqueará o ensino ao incrédulo, ao

racionalista, ao protestante, etc.”

O ambiente fazia da escola e da imprensa

instrumentos do mais direto e claro uso catequético,

controlando de forma ampla e quase total não apenas o

conhecimento, mas e principalmente as reações e

insurgências que pudessem aparecer entre os jovens

nordestinos residentes no Recife. Alguns jornais não

escondiam suas pretensões, como A Esperança, cuja

finalidade era “operar pela palavra, pela imprensa e

pelos exemplos uma saudável reação religiosa, se se

quer salvar o País do abismo para que caminha a olhos

vistos.”

Mais do que o mostruário de intenções, das

escolas e dos jornais, havia uma idéia básica, sedi-

mentada, alicerçando o edifício do pensamento do -

minante. Numa vertente, ela está no interior da

Faculdade de Direito, incrustada na cátedra de Direito

Natural, como deixara o Conselheiro Zacarias de Goes e

Vasconcelos, em 1851, abrindo o curso do ano. Dizia

ele que: “O Cristianismo, senhores, a que a humanidade

deve tantos benefícios, foi que despertou no ânimo do

homem o sublime conceito do direito da natureza,

conceito cuja verdadeira origem, por conseqüência, é

toda celeste, toda evangélica.”

Mais do que o Conselheiro Autran José Soriano

de Souza era um exemplo de um escudeiro, fiel e leal

seguidor de trilhas antigas, que ampliava com sua

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diligente participação na vida cultural pernambucana.

Em 1871 publica, em Paris, o livro Lições de Filosofia

Elementar; Racional e Moral, distribuído em Per-

nambuco pela Livraria Acadêmica de São Wa lfredo de

Medeiros. É a melhor referência para servir de

contraponto do pensamento dominante em relação à

reação esboçada em fins dos anos 60 e por diante por

Tobias Barreto e outros desbravadores da nova cultura,

animada pelas luzes da ciência que despont ava na

Europa alemã.

As Lições de Soriano

O livro do dr. José Soriano de Souza termina com

uma nota de sujeição, nos seguintes termos: “Sujeitos

estas Lições de Filosofia ao juízo indefectível da Santa

Igreja Romana, isto é, à correção do Soberano Pontíf ice,

Pai e Mestre infalível de todos os cristãos; e com ele

digo, e tenho como verdade que é obrigação rigorosa,

quer do filósofo, que deseja ser filho da Igreja, quer da

mesma filosofia, não dizer nada contra o que a Igreja

ensina, e retratar-se desde que ela o adverte; e bem

assim que inteiramente errônea e soberanamente inju -

riosa à Fé e à Igreja e à sua autoridade e doutrina que

ensina o contrário disto.”(12)

Retirados do corpo do livro, eis alguns ensi-

namentos do dr. Soriano, característicos como produto

de uma mentalidade largamente respeitada entre os

católicos, como destaca o jornal O Católico, na sua

edição de 20 de setembro de 1871: “Certamente per -

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correndo-a, com satisfação temos notado sólida robustez

de argumentos, clareza de exposição, exatidão de

definições, propriedade de linguagem científica, e o que

mais vale, bom critério na escolha das opiniões mais

recebidas entre os autores católicos (S. Agostinho, S.

Tomás, Audísio, Taparelli, etc.).” O jornal cita longo

trecho do livro que, pela sua importância como

justificativa teórica para a prática catequética, merece

transcrição. Diz o autor das Lições, sobre a Igreja: “A

Igreja é uma sociedade perfeita, absolutamente

independente da sociedade civil em seu fim, meios e

origem. Com efeito, chama-se perfeita aquela sociedade

que é completa em sua natureza, e tem em si mesma

todos os meios necessários e suficientes para atingir ao

seu fim; ora, neste caso está a Igreja de Jesus Cristo,

logo é uma sociedade perfeita. A menor deste argumento

provamos logo: o fim próprio da Igreja é a salvação

eterna dos homens, o culto divino, o ensino da doutrina

de Jesus Cristo: ofícios estes que não lhe foram

atribuídos por nenhuma outra sociedade, senão pelo

mesmo Jesus Cristo, como foi dito: ao passo que o fim

da sociedade civil é em substância a segurança e a

felicidade temporal, e o que a ela se refere, de tal sorte

porém que se não oponha ao fim último do homem. E

porque este fim último, como tal que é, há de dominar

os fins intermédios ou temporais, segue-se que longe do

fim da Igreja ser subordinado ao do Estado, é ao

contrário o fim deste que é sujeito ao daquela, como

exige a razão, por ser a matéria naturalmente sujeita ao

espírito.” O Católico faz o comentário: “Deste modo vê-

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se que o claro autor segue nas suas Lições de Filosofia

Elementar os sãos princípios, que são como a chave,

para refutar os sofismas miseráveis da moderna

incredulidade. Haveria pois estudo filosófico mais sério

e mais útil para a mocidade católica do Brasil?” A

pergunta fica realçando a preocupação afirmativa dos

tradicionalistas que tinham no professor José Soriano de

Souza um autêntico e aplicado porta-voz.

Ninguém melhor que ele, que afirmava a

subordinação da Filosofia à Teologia, para consolidar

teorias destinadas a recrutar adeptos entre os jovens

estudantes, na defesa de uma sociedade cujo poder

político só poderia vir de Deus, sendo inadmissível se

originar de um dos seus membros. Uma sociedade

composta pela “desigualdade de méritos individuais,

proveniente de ter a natureza dotado desigualmente aos

homens, que consiste a verdadeira igualdade perante a

lei social e não em que todos têm igual direito de

pretender tudo, como propalam os ultrademocratas,

porque essa igualdade material destrói o valor pessoa, a

liberdade, e a mesma sociedade, que não pode existir

sem ordem, e por conseguinte sem hierarquia social.”

Tobias e a Religião

Enquanto a figura de José Soriano de Souza era,

para Tobias Barreto, a encarnação das velhas doutrinas,

que “ao que parece, crê-se destinado a uma grave

missão. É fabricar no Recife o melhor contraveneno das

idéias perigosas”(13)

, o livro de Ewald era uma imensa

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porta por onde o sergipano iria penetrar nas questões

religiosas mais profundas. A um tempo, Tobias

aprendia, sozinho, o alemão, que conhecia de contatos

baianos, quando passara algum tempo junto a Francisco

Muniz Barreto de Aragão,(14)

e tomava conhecimento

histórico do povo de Israel, sendo levado a discutir,

pelos jornais recifenses, aquilo que de novo aprendia em

suas leituras.

Com tal leitura, Tobias faz passagem pelos

autores franceses, entre eles os positivistas, com quem

Tobias Barreto parecia ter intimidade, pondo uns contra

outros, no jogo dialético do confronto que permitia

adotar a evolução das idéias. Discute, com esse seu

método de raciocínio crítico, a questão da relig8ã e da

ciência, opondo Vacherot ao padre Gatry, para quem “a

ciência e coisa de fantasia”, como assinalara Tobias em

Sobre a Religião natural de Jules Simon, em agosto de

1869, pouco depois que escreveu A Luta de Gigantes.(15)

Em Moisés e Laplace opõe a cosmogonia à concepção

bíblica da origem do mundo. Surgem os nomes até então

ignorados, ou pronunciados com reserva pelos escritores

católicos e autores de compêndios e manuais de

filosofia.

Em “Notas de Crítica Religiosa”, “Os Livros

Mosaicos, ou Assim Considerados” e “Uma Excursão de

Diletante pelo Domínio da Ciência Bíblica”, Tobias se

vale de Ewald para fixar seus novos horizontes na

interpretação dos textos religiosos. Ewald é a porta para

os demais autores alemães que Tobias incorpora aos

seus estudos, muitos deles a partir da Revista de

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Teologia de Strasburgo, onde segundo o pensador

sergipano acharam eco todas as grandes questões

bíblicas levantadas durante os últimos 50 anos.”(16)

A ação intelectual de Tobias Barreto, nos últimos

dois anos como estudante e logo depois de formado,

concorre para alterar o seu perfil. O poeta das ruas e das

récitas teatrais, agitando o povo ou disputando o amor

das belas mulheres e artistas, cede lugar ao teórico da

organização política brasileira, de feição liberal, como

atestam seus artigos em O Liberal(17)

e O Americano,(18)

e ao crítico da religião, intuindo a busca de respostas

filosóficas para as questões que desejava solucionar,

como intérprete da evolução do conhecimento humano.

Um compromisso que levou até o final da vida,

enfrentando os dias ásperos e cruéis de sua jornada

existencial.

Tobias Barreto casara, em 11 de fevereiro de

1869, com Grata Mafalda dos Santos, no Oratório do

Engenho Riqueza, do seu sogro João Félix dos Sant os,

no município de Escada. Em princípios de 1871 Tobias

fez a opção por fixar residência em Escada, ainda Termo

da Comarca de Santo Antão. Advogado, Curador de

Órfãos e de Escravos, Juiz Municipal Substituto, editor,

em tipografia própria, de diversos jornais, incluindo o

Deutscher Kaempfer, inteiramente redigido em língua

alemã, Tobias Barreto molda, definitivamente, com a

publicação de Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica,

seu perfil de pensador e de crítico, filiando-se

completamente ao germanismo.

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O germanismo de Tobias Barreto leva a que

compreenda, de forma desapaixonada, o alcance, a

extensão da reforma luterana do século XVI. Tobias

passa a entender a reforma como uma nova teoria da fé,

e, qualificando Martinho Lutero como “o mais valente

orador alemão”, duvida se seria possível Kant sem

Lutero. Para ele os feitos do pensamento alemão após a

reforma levantam um novo princípio de moralidade, o

qual, em oposição à Renascença, corresponde essen-

cialmente ao espírito alemão, repousando sobre o lar e a

família.

Estava claro, para Tobias, que as transformações

operadas pela reforma fixavam uma nova ciência e uma

nova cultura, que dificilmente vicejariam no húmus do

Catolicismo tradicional. Impressiona, no entanto, que a

visão esclarecida e singular de Tobias não o leve a

participar das questões mais ruidosas do seu tempo de

crítico de religião: a polêmica do general Abreu e Lima,

assinando-se Cristão Velho, com o padre Joaquim Pinto

de Campos e com outros católicos, que resultou, anos

mais tarde, na posição radical da administração

eclesiástica de negar sepultura ao general de Bolívar,

finalmente enterrado no cemitério dos ingleses, e a

chamada Questão Religiosa, envolvendo os maçons e o

bispo Dom Vital.

Tobias estava nas páginas dos seus jornais, como

a Razão e a Regeneração, O Americano, e de outros que

se abriam para a crítica religiosa no Recife, prin-

cipalmente a partir de 1869, como a Consciência Livre,

que precedeu ao Americano, Correio Pernambucano, O

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Liberal e o Jornal do Recife, o mais antigo deles. Era a

imprensa aberta às contribuições mais novas, com-

batendo aquele outro grupo de jornais católicos, todos

com disposição férrea para a propaganda religiosa

tradicionalista.

A única das questões de evidência que atrai

Tobias é a discussão sobre a infalibilidade papal, antes e

depois do Concílio de 1870. Entre os católicos havia o

temor contra a Igreja. É o bispo Cardozo Ayres, em

texto de 29 de setembro de 1869, publicado em O

Católico de 17 de outubro do mesmo ano, que diz ser

“notório o incremento que vão tomando em algumas

folhas públicas desta diocese as idéias anti-religiosas, e

sendo de esperar que esse espírito de iniqüidade se

exacerbe, durante os trabalhos do sagrado Concílio.”

Ao ser concluído, com a afirmação do dogma, o

Concílio foi entusiasticamente saudado pelo O Católico,

que desabafa: “A definição da infalibilidade pontifícia

foi o ato mais brilhante do Concílio Vaticano, a suprema

idéia para que Deus o quis reunir. De feito, donde, a não

ser deste dogma, dependeria o triunfo do Cato licismo

sobre o Racionalismo, e a firmeza do reino de Jesus

Cristo sobre a terra? Portanto, definir a infalibilidade

pontifícia importava tanto quanto importa a duração do

reino de Jesus Cristo sobre a terra: especialmente nesta

nossa época, quando o alvo da atual guerra satânica é

destronizar a Jesus Cristo, e despedaçar-lhe o cetro. Não

podia pois o Concílio Vaticano prestar ao século XIX

serviço mais relevante que proclamar a infalibilidade do

Pontífice Romano.”(19)

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A Igreja não estava disposta a ceder nada em sua

forma de ver e de compreender o mundo e firmava, cada

vez de forma mais radical, a sua postura, tomando como

inimigos a todos os que questionavam ou queriam

respostas para questões antigas, que antes sequer eram

discutidas. A Maçonaria, animada pela discussão dos

jornais contra o jesuitismo, fortalecia suas lojas,

festejava o gesto de Pombal, um século antes, e atraía

grande número de adeptos. Jornais e jornalistas tinham

ligações com as lojas Regeneração, Restauração

Pernambucana, Seis de Março, Segredo e Amor da

Ordem, as que funcionavam legalmente no começo da

década 70. Com os liberais, e entre eles Tobias Barreto,

os maçons tratavam com interesse da questão da

escravidão e em suas festas costumavam alforriar alguns

escravos.

O ambiente agitado do Recife não era ignorado

por Tobias, que em seu refúgio de Escada, zona da mata

sul de Pernambuco, com 120 engenhos de açúcar, de

senhores conservadores e liberais, mas sempre senhores,

continuava mergulhado na leitura dos autores alemães,

como se verá em 1874, ao editar o seu primeiro jornal,

Um Signal dos Tempos, trazendo à cena da cultura

nomes como o de Strauss, por ocasião de sua morte, e de

Eduard von Hartmann, cuja obra, em sua edição alemã,

Filosofia do Inconsciente, é objeto de análise, três anos

antes que apareça no Recife a edição francesa.

É em Escada que Tobias Barreto aperfeiçoa o seu

entendimento das diversas correntes transformadoras,

que desde o Positivismo influem na mente dos jovens

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insubmissos ao controle da Igreja. Os autores alemães ,

em número cada vez maior, ocupam Tobias. Não há

como separar a crítica religiosa, a filosofia, o direito, a

ciência política, da influência germânica. Charles

Darwin, Ernest Haeckel, Rudolf von Jhering, Hermann

Post, Eduard von Hartmann passam a exercer sobre o

sergipano uma decisiva orientação, a partir da qual, em

todos os campos em que atua, Tobias exporá o conjunto

das novas idéias. Assim faz nos jornais escadenses, no

Clube Popular, quando pronuncia “Um discurso em

Mangas de Camisa”, em 1877, como deputado à

Assembléia Provincial, e discute a questão da educação

da mulher, quando publica a “Jurisprudência da Vida

Diária”, em 1878, quando mantém correspondência com

autores alemães e colabora com jornais germânicos

editados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Porto

Alegre, ou em jornais da Alemanha, ou ainda quando

concorre à cadeira de Lente da Faculdade de Direito do

Recife.

É evidente que a posição de Tobias Barreto gerara

grandes incômodos. Em 1870, quando ainda engatinhava

em seus estudos alemães, Tobias enfrentou ou católicos

tradicionalistas do jornal O Católico, sob a chefia do

Conselheiro Autran. Em 1875, ao publicar seu livro de

estudos filosóficos, mede forças com Albino Meira, do

Culto às Letras, e na Assembléia Provincial, como

deputado e orador muito aplaudido, tem um projeto

rejeitado, sob a justificativa de teorias antigas,

atrasadas, que predominaram.(20)

Mas, ao anotar o seu

“Um Discurso em mangas de Camisa”, em 11 de

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fevereiro de 1879, revela sua opção filosófica

irrevogável: “não sou judeu para crer no Messias, nem

tenho a ingenuidade dos primitivos cristãos para

acreditar na parousia; mas sou filósofo em confiar nas

leis da história, que regulam os destinos dos povos, e

essas hão de também cumprir-se entre nós.”

Tobias e o Direito

Ao retornar ao Recife, carregando a dura

experiência de uma convivência atribulada, onde não

faltaram ameaças e agressões, como no cerco feito a sua

casa, a caça de escravos que ele alforriara, por sua

mulher, seu cunhado e outros herdeiros de João Félix

dos Santos, Tobias era, já, o pensador maduro, com a

cabeça fértil para desencadear o mais notável

movimento intelectual do século XIX. Começa por

escrever Algumas Idéias Sobre o Chamado Fundamento

do Direito de Punir, em 1881, e Sobre uma Nova

Intuição do Direito, 1881/1882. Neste último desabafa,

numa nota de pé de página, anunciando trabalho inédito

– Die akademischen Lehrkraefte an der juristischen

Facultaet in Pernambuco: ein Beitrag zur Kunde des

geistigen Lebens in Brasilien – irônico: “Assim Deus

me ajude; não só o Deus da teologia, mas também o

Deus da ciência econômica, a substância spinosística do

mundo, na qual... vivimus, movemur et sumus.”

O germanismo que abrira os olhos de Tobias para

o futuro encantava os moços da Faculdade de Direito,

pela voz do candidato a uma cadeira de professor de

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Direito. O concurso de Tobias Barreto, em 1882,

representa, na opinião unânime dos historiadores das

idéias do século passado, uma ruptura formal com o

atraso, com o domínio das velhas teorias mofadas nos

compêndios, da lavra de professores que bebiam no

Catolicismo tradicional as “verdades” imutáveis que

transmitiam aos jovens acadêmicos nordestinos.

Demolindo, com o fogo das novas idéias, a

construção antiga da filosofia e do direito, Tobias

Barreto causava grande impacto na sua geração e

impunha uma derrota sem precedentes aos ultra-

montanos que abanavam a fogueira velha da inquisição

cultural. A partir daquele momento de reação, o Brasil,

como viria mais tarde a dizer Graça Aranha,(21) uma

das testemunhas arrebatadas pela palavra do mestre. A

vitória das idéias novas, festejada nas ruas recifenses

pelos moços da Faculdade, dava a Tobias Barreto a

certeza de que havia conquistado a adesão dos

estudantes, retirando-os da tutela intelectual a que

estavam, historicamente, submetidos.

A Escola do Recife – assim ficou conhecido o

movimento emancipador da cultura brasileira, liderado

por Tobias Barreto – produziu uma geração de

abolicionistas, de republicanos, de democratas, de

socialistas, de agnósticos e materialistas que, de volta

aos seus Estados, seguiam com a demolição de todas as

velhas estruturas.

A reação não tardara. Ao pronunciar discurso de

paraninfa de colação de grau, Tobias aprofundara sua

visão do direito, dizendo: “É mister bater, bater cem

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vezes, e cem vezes repetir: o direito não é um filho do

céu, é simplesmente um fenômeno histórico, um produto

cultural da humanidade.” Adiante, na mesma oração,

diz: “Tal é a concepção que está de acordo com a

intuição monística do mundo. Perante a consciência

moderna, o direito é o modus vivendi, é a participação

da antagonismo das forças sociais, da mesma forma que,

perante o telescópio moderno, os sistemas planetários

são tratados de paz entre as estrelas.” Na mesma ordem

de idéias, afirma categoricamente: “... mas somos nós os

primeiros a tratar de reformar-nos; somos os primeiros

que devemos munir-nos de abnegação e de coragem,

tanto quanto havemos mister de coragem e abnegação

para despirmo-nos das nossas bocas, mofadas de teorias

caducas, e tomarmos trajo novo. Releva dizer à ciência

velha: retira-te; e à ciência nova: entra moça.

Darwinista ou Haeckeliana, pouco nos importa, o que

queremos é a verdade. As faculdades não são somente

estabelecimentos de instrução, mas ainda e princi-

palmente, como diz Henrique von Sybel, verdadeiros

laboratórios, oficinas de ciência. É preciso também

pensar por nossa conta. Eis aí tudo.”(22)

O discurso propagou-se em todo o Nordeste e, ao

ser publicado em O País, no Maranhão, mereceu severas

restrições do órgão oficial religioso Civilização, le-

vando a uma longa polêmica, que toma todo o segundo

semestre de 1883. Mas, enquanto as críticas, os insultos,

as mesmas e velhas cantilenas tradicionalistas, que

repercutem no Recife e são transcritas no Diário de

Pernambuco, visam a atacar Tobias, ele produz, mais e

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mais, artigos de interpretação da literatura, da Bíblia,

sem esquecer de fustigar aquele seu velho adversário,

José Soriano de Souza, que parece estar escondido, ao

anonimato, na produção e na divulgação das críticas.

Tobias Barreto cresce na admiração e no respeito dos

seus alunos, que incorporados assinam nota de repúdio

contra o médico Antônio de Siqueira Carneiro da Cunha,

que usava o pseudônimo de Hunger par atacar o autor do

instigante discurso.

Em 1884, refeito da ruidosa polêmica e animado

pela boa repercussão que obtivera o seu livro Estudos

Alemães, publica Menores e Loucos, onde revela a face,

também inovadora, do criminalista. E lá, com todas as

letras, define-se: “Não faço mistério da minha fé

filosófica: eu sou um materialista, no bom sentido da

palavra. Não me insurjo nem mesmo contra a tentativa

de fazer-se da chamada Ciência da alma um com-

partimento da meteorologia. ‘O homem é o que ele

come’, disse o autor de Kraft um Stoff, e não hesito em

glosar: o homem é todo feito a imagem e semelhança,

não de Deus, porém da natureza, isto é, do céu que ele

contempla, do ar que respira, da terra em que pisa, do

leito em que dorme, e até das flores que colhe, se não

até dos lábios que beija.”(23)

Tobias Diante da Morte

Doente, recolhido por longo período ao leito, com

saídas esporádicas, e sofrendo as mesquinhas perse-

guições do meio, Tobias Barreto produzia, mais e mais,

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com suas leituras, uma vasta contribuição ao direito à

filosofia, aos estudos literários, à ciência política, e

ainda aceitava encomendas de trabalhos especiais, como

a apresentação e notas da Gramática de Castro

Nunes,(24)

em 1883, saudada efusivamente pela crítica, e

Gramática Latina do mesmo padre Féliz, do Concurso

de 1865, que fez prólogo e notas, em 1889.(25)

Nos últimos meses de vida tentou uma viagem à

Europa, ajudado por subscrições de estudantes, alguns

amigos da colônia alemã, alguma pessoas da Província

de Alagoas. Embarca com um dos seus filhos no piquete

Alagoas, com destino inicial ao Rio de Janeiro, no dia

18 de março de 1889. No dia seguinte, como piorara,

nem podia ler e nem escrever. Assim, alternando ligeiras

melhoras, com pioras cada vez mais irreversíveis,

Tobias Barreto morreu na noite de 26 de junho.

A sua morte comoveu o Recife e enlutou o

Nordeste todo. Estava em silêncio aquele que dera ao

Brasil o direito de pensar por si, e de buscar construir

um futuro para o seu povo. A morte era o final triste de

uma vida criadora. Sentida por muitos, mas esperada e

até mesmo antecipada, nos jornais, por outros, que não

tendo como refutar as idéias queriam a liquidação física

do mestre. Esses mesmos, tomados de estranha atitude,

espalham pelas ruas e pelos jornais a reconciliação de

Tobias, no leito de morte, com a Igreja. Falam em

confissão, e até mesmo um padre – João Vaessen –

lazarista do Convento das Missões, em Fortaleza,

Ceará, dissera anos mais tarde que “confessou e

ministrou a comunhão a Tobias Barreto.” Em julho de

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1939, quando do Cinqüentenário da Morte de Tobias,

seu filho João Barreto de Menezes foi a Fortaleza e

colheu do velho padre a informação de que houvera

engano de nomes no caso da confissão de Tobias

Barreto, difundida pelos jornais brasileiros. O padre

esclarecera, em entrevista à Agência Meridional, que

chegara ao Brasil, procedente da Holanda, em 1897, oito

anos após a morte de Tobias. É o próprio padre quem

diz: “faço a questão de restabelecer a verdade. Em 1897,

eu ainda era clérigo, não podendo confessar.”

Dele fica, para a história, a coerência de uma vida

de lutas, na síntese que o Diário de Pernambuco, em

1939, traçou-lhe: “Entretanto, esse homem de poderosa

personalidade encheu uma época e quase foi todo o seu

tempo. Há Faculdade de Direito, pode-se dizer que o

vulto enorme desse mestiço de talento tomava a casa

toda. Tobias era a academia. A sua ânsia de renovação e

de reforma dos estudos de Direito, a sua veia poética e o

s4eu gênio oratório, tudo fazia dele um homem diferente

dos outros. No Recife, transcorreu a parte mais brilhante

dessa existência romântica e inquieta. Tobias foi um

precursor e daqui fez jorrar pelo País inteiro um

pensamento novo. Esse é, aliás, o destino heróico do

Recife: aqui brotou a primeira idéia da República, aqui

se venceu a batalha da Abolição, aqui se reformou a

ciência do Direito, aqui se deu ao Brasil o que ele nunca

possuiu: a crítica filosófica. A glória de Tobias é

também a glória do Recife.”(26)

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O Legado de Tobias

A geração de seguidores de Tobias Barreto her -

dou a mesma força de luta e esteve na vanguarda das

grandes transformações das últimas décadas e da virado

de século. Em seus estudos fundaram jornais, revistas,

associações, faculdades, assumiram posturas críticas,

públicas, como germanistas, agnósticos, anticlericais e,

em muitos casos, amargaram a reação desmedida da

Igreja. O alemão Carl von Koseritz, divulgador de textos

em alemão de Tobias Barreto, em sua Koseritz Deutsche

Zeitung, em Porto Alegre, havia sido excomungado pelo

bispo do Rio Grande do Sul, pela publicação do livro

Roma Perante o Século. Almáchio Dizin, na Bahia,

sofrera igual sanção, por causa de uma obra literária.

Fausto Cardoso, um dos diletos discípulos de Tobias,

enfrentou, até com o sacrifício da vida, a oligarquia do

padre Olímpio Campos, escudada em figuras originárias

da Faculdade de Direito do Recife, co mo Coelho e

Campos e Pelino Nobre, formados na escola do dr. Braz

Florentino – o Ensaio Filosófico Pernambuca.(27)

Está ainda por ser feito um inventário completo

da seqüência de fatos culturais, a partir da geração da

Escola do Recife. Nelson Saldanham(28)

Dagoberto

Carvalho Júnior,(29)

Aluízio Bezerra Coutinho(30)

e

Antônio Paim(31)

trataram, em suas obras, da influência

da Tobias Barreto sobre a geração que depois dele

ocupou as cátedras, redigiu os compêndios e os

programas das Faculdades, assumiu cargos públicos,

editou jornais e revistas, levando o Brasil a sedimentar

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as suas referências e a fazer a interface com a história

dos outros povos.

Os seguidores de Tobias Barreto(32)

herdaram a

razão científica, como troféu da afirmação vitoriosa

contra a espada afiada da fé, na luta mais que simbólica

pela cultura, em seu múltiplo e infinito poder de

transformar a natureza, em função da vida, do bem e do

belo.

NOTAS

(1) História do Povo de Israel, Ein leitung in die Geschichte des

Volkes Israels, por Heir inch Ewald, 8 volumes, 1864.

(2) Tobias Barreto deve ter assistido ao Discurso proferido pelo

padre Fr. Antônio da Virgem Maria Itaparica, por ocasião da

abertura da aula de Filosofia do Seminário da Bahia, em março de

1861. Nele o padre exorta os alunos com versos de “um

Sapientíssimo e Santo Bispo: Quem não louva Deus, é um

ingrato./Quem se opõe a que o louvem é realmente um monstro.”

Em Diário da Bahia, 27 de março de 1861.

(3) O padre Félix havia perdido, em 1863, concurso para a

mesma cadeira de Latim, quando saiu vencedor Joaquim José

Henrique da Silva.

(4) Verso do poema “À vista do Recife”, de 1862, o primeiro dos

grandes poemas patrióticos de Tobias Barreto, publicado em Dias e

Noites, edição de 1881 e seguintes.

(5) Carta de 13 de setembro de 1880.

(6) Memória Histórica Acadêmica, 1857, pelo professor José

Antônio de Figueiredo.

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(7) Memória Histórica Acadêmica, 1861, pelo professor João

Capistrano Bandeira de Melo Filho, Recife, 1862.

(8) Memória Histórica Acadêmica, 1863, pelo professor Antônio

Vasconcelos Menezes de Drummond. Recife, 1864.

(9) O nome do padre Joaquim Graciano de Araújo é também

grafado, por alguns autores, como Joaquim Graciano de Araújo.

(10) Ver Ensino, Jornalismo e Missões Jesuíticas em Pernambuco,

por padre Ferdinand Azevedo, FASA, Recife, 1983.

(11) Revista Mensal de Instrução Pública de Pernambuco. Recife,

1872.

(12) Trata-se da Declaração do Autor, no livro Lições de Filosofia

Elementar, Racional e Moral. Paris, 1871.

(13) Sobre o livro de Soriano, Tobias escreveu três artigos, sob o

título de “O Atraso da Filosofia entre Nós”, publicados no Jornal

do Recife, nos dias 20 de julho, 3 de setembro e 18 de novembro de

1872.

(14) Francisco Muniz Barreto de Aragão, parente de Tobias, era

diplomado em Direito e em Filosofia pela Universidade de

Heidelberg, e foi grande propagandista da cultura alemã, através

dos jornais O Monitor, Diário da Bahia, Gazeta da Bahia, Diário

de Notícias e Jornal de Notícias, com artigos sobre filosofia,

crítica, política, finanças, economia política e literatura, além de

publicar Das Verfassungs – Wesen in Brasilien. Francisco Muniz

Barreto de Aragão era pai do poeta Egas Muniz, o Petion de Vilar,

professor de alemão do Ginásio da Bahia, redator da Revista do

Grêmio Literário e considerado por Arno Philipp, redator-chefe da

Deutsche Zeitung, como “o único escritor brasileiro que hoje

(1903) estuda com perseverança e entusiasmo o germanismo e

continua a obra de Tobias Barreto.”

(15) Este artigo foi publicado em 1869 e é dos mais antigos

trabalhos de Tobias Barreto. Por muito tempo figurou nas edições

de Tobias como de 1871.

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(16) A Faculdade de Direito do Recife está reunindo, em estantes

separadas, as obras de autores alemães que pertenceram à biblioteca

pessoal de Tobias Barreto. São mais de 200 volumes, muitos dos

quais foram citados por Vamireh Chacon em Da Escola do Recife

ao Código Civil. Organização Simões, Rio de Janeiro, 1969, e em

artigo do mesmo autor, na Revista Acadêmica da Faculdade de

Direito do Recife, LXVII, 1971.

(17) Os Homens e os Princípios. 1870.

(18) Política Brasileira, artigos de fundo, 1870.

(19) O Católico, 20 de agosto de 1870.

(20) Trata-se do projeto nº 129, criando o Partenogógio do Recife,

escola superior, profissionalizante, para moças. Em 1880, quando já

não era deputado, o seu projeto mereceu defesa do Barão de

Nazaré, que enfrentou a reação do médico Ermírio Coutinho, no seu

projeto Tobias abria alternativa para, enquanto não houvesse prédio

próprio, a escola – também chamada de Liceu para moças –

funcionasse no Ginásio Pernambucano. O dr. Ermínio Coutinho

considerara que esta idéia concorria para a promiscuidade, alegando

condicionamentos climáticos que, no seu entender, fomentavam as

paixões. Apesar da defesa do Barão de Nazaré, o projeto foi

esmagado pela reação e terminou arquivado na Comissão de

Instrução Pública.

(21) O Meu Próprio Romance, por Graça Aranha, 1931. Também

em Obras Completas, INL, Rio de Janeiro, 1969.

(22) Discurso proferido na cerimônia de colação de grau de

doutor em direito. 10p., Recife, 1883. Incluído, sob o título de

Idéia do Direito, no volume Estudos de Direito-1, das Obras

Completas – Edição Comemorativa. O termo Monismo, explicitado

por Tobias no discurso, não foi convenientemente compreendido.

Mais do que a sua força – como sinônimo de materialismo

científico, que impor6ta sublinhar para realçar a posição

progressista de Tobias Barreto e dos integrantes da Escola do

Recife que adotaram o Monismo, discutiu-se as diversas correntes

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monistas, e seus líderes, como principalmente Ernest Haeckel e

Ludwig Noiré, sublimando a essência doutrinária do conteúdo do

termo. O Monismo não era um eufemismo vazio, mas uma

afirmação categórica dos que escapando das rédeas do controle

clerical abraçavam o materialismo científico, como o fez, com

clareza, Tobias, seguido por Fausto Cardoso. A concepção

materialista explica, de algum modo, o fato de o fundador da Escola

do Recife ter passado ao largo das discussões sobre a Bíublia, de

fundo protestante, e sobre a Questão Religiosa, de fundo maçônico.

(23) Menores e Loucos em Direito Criminal; estudo sobre o artigo

10 do Código Criminal Brasileiro, Rio de Janeiro, Laermmert,

1884.

(24) Compêndio Elementar de Gramática Nacional, por J. A. de

Castro Nunes. Livraria Francesa, I. W. Medeiros, Pernambuco,

1883. Nova edição reformada e muito melhorada pelo dr. Tobias

Barreto de Menezes.

(25) Resumo de Gramática Latina ou arte explicatória das regras

indispensáveis nos estudantes de latim, pelo padre Félix Barreto de

Vasconcelos (obra póstuma), com um prólogo e notas do dr. Tobias

Barreto de Menezes, Livraria Francesa, Recife, 1889.

(26) Diário de Pernambuco, 8 de junho de 1939.

(27) O Ensaio Filosófico Pernambucano era, ao mesmo tempo,

nome de uma sociedade e de um periódico, científico e literário,

que no nº 6, de julho de 1860, publica artigo de Seve Navarro, A Fé

e a Razão, que começa dizendo: “Renegando o homem a fé para

integrar-se livre, absoluta, e exclusivamente a sua razão e reflexão

privada, jamais poderá chegar à verdade duma maneira fácil,

infalível e sem mancha de erro; portanto ele tem necessidade para

assenhorear-se da verdade, esta luz medianeira entre o espírito e a

coisa, de abraçar a fé naquilo que lhe for superior, e que a sua vista

não puder atingir, a fim de que coligando-se à crença e prestando-

lhe um assentimento forte, inabalável e consciencioso, possa

aportar são e salvo ao porto da verdade.”

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(28) A Escola do Recife, Nelson Saldanha, 2ª edição, Editora

Convívio/INL/Fundação Pró-Memória, 1985.

(29) A Escola do Recife, Reflexos no Piauí, Dagoberto Carvalho

Jr., Revista Presença, Ano IV, nº 9, outubro/dezembro, 1983.

(30) A Filosofia das Ciências Naturais na Escola do Recife, por

Aluízio Bezerra Coutinho. Editora Universitária da UFPE, Recife,

1988.

(31) A Filosofia da Escola do Recife, Antônio Paim, Editora

Convívio, São Paulo, 1981.

(32) Tobias Barreto e seus Seguidores, Luiz Antônio Barreto, série

de 9 artigos, publicados na Gazeta de Sergipe, de 4 a 22 de março

de 1989. Vide, também, Nova Missão Tobiática no Recife, Por Luiz

Antônio Barreto, série de 13 artigos. Gazeta de Sergipe.

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NOTAS COMPLEMENTARES ÀS POLÊMICAS

SOBRE RELIGIÃO

POLÊMICA COM O CATÓLICO

Tobias Barreto participava, a partir de 1868, da

agitação em torno de temas religiosos. Cria e participa

de redação de diversos jornais, como A Regeneração, O

Vesúvio, Correio Pernambucano, Jornal do Recife, O

Liberal, A Crença, que juntamente com A Consciência

Livre, jornal que antecedeu a O Americano, abre uma

verdadeira campanha contra a Igreja católica. Alguns

assuntos dominam as sessões literárias, as colaborações,

as publicações solicitadas. Possivelmente a chegada dos

jesuítas “como operários da educação da mocidade”, a

partir de 1866, dava nova conformação às discussões

religiosas. Mas é a partir de 1869, com o grande debate

em torno da negativa do bispo Cardozo Ayres de

conceder sepultura ao general Abreu e Lima, que as

opiniões se dividem e os debates se tornam apaixonados.

A autoridade eclesiástica resolveu punir Abreu e Lima

que, também pela imprensa, havia mantido uma

polêmica com alguns padres, entre eles o monsenhor

Pinto de Campos, sobre as Bíblias falsas, negando-lhe

sepultura no Cemitério de Santo Amaro. Os ingleses

permitiram o sepultamento no cemitério que tinham no

Recife, mas a questão mereceu longa discussão pelo

Jornal do Recife. Em 1870, repercute no Recife a

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notícia de que os gabinetes europeus, entre os quais

figuravam os da França, Itália, Inglaterra, Rússia e

Espanha, fizeram chegar ao Vaticano uma nota

declarando ao Santo Padre que o dogma da

infalibilidade papal não seria admitido e que deixava

com Pio IX toda a responsabilidade pelo que produziria

a promulgação do novo dogma. A Igreja, reunida em

Concílio, aprovou, na terceira sessão, em 24 de abril de

1870, pela vontade unânime de 667 padres, a

Constituição dogmática da fide catolica. Aparece no

Jornal do Recife, assinando artigos intitulados “Resumo

Histórico do Desenvolvimento da Supremacia dos

Papas”, para servir de introdução ao estudo da questão

da sua infalibilidade, ao lado de “O Jesuitismo En tre

Nós”, do mesmo jornal. O Americano, com os artigos de

crítica religiosa de Tobias Barreto, participa desse

momento de agitação, que bem pode ser testemunhado

pela carta enviada a Tobias por Antônio dos Santos

Pontual, datada do Engenho Cabeça de Negro, Escada,

de 11 de agosto, que entre outras coisas diz: “Apesar de

minha pouca capacidade para apreciar o estilo útil de

que usa o dito jornal, e que muito nos convém, para

algum dia sairmos deste estado de jesuitismo que nos

acabrunha, com tudo declaro que é o jornal de que mais

tenho gostado.” Logo o jornal O Católico não tinha

apenas O Americano, e nem somente Tobias Barreto,

para se preocupar. O Conselheiro Autran, Diretor do

Jornal, mantinha uma seção – “Crônica dos Disparates”

– na qual refutava as críticas dos diversos jornais. E

mais uma vez se valeu desse espaço para combater as

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idéias de Tobias Barreto. Os textos que vão aqui

reproduzidos seguem a cronologia e a ordem com que

apareceram nos jornais, para melhor proveito dos

leitores. As notas de O Católico começam em 28 de

agosto de 1870.

Sobre um Escrito de A. Herculano

A publicação deste ensaio no Liberal, a partir de

3 de julho de 1873, gerou uma ligeira polêmica de

Tobias com Franklin Távora, que, assinando Lessingh,

no Diário de Pernambuco, investe contra o germanismo

do sergipano, em artigo de 19 de julho, recebendo

respostas em 27 de julho, pelas páginas de O Liberal:

Tobias ao dito Lessing do Diário de 19 do corrente.

Mais tarde, em 1879, o ensaio merece de Artur Leal, no

seu Impressões Acadêmicas – ensaios Críticos (Tipo-

grafia do Correio da Noite, Recife, 1879) o seguinte

comentário, à página 20: “O distinto alemão Tobias

Barreto, envenenado pelo fel do seu pessimismo, qual

D. Quixote de lança em riste, arremete contra Portugal,

apedreja sua literatura, corre os seus literatos, e por

último põe fogo no feudal castelo de um Alexandre

Herculano.” É desta mesma época, da publicação do

ensaio, 1873, que datam os primeiros comentários

críticos contra o germanismo de Tobias. No Culto às

Letras Albino Meira faz crítica, recebendo forte

reprimenda de Sílvio Romero, através de O Liberal,

ainda quando assinava Sílvio da Silveira Ramos. Sílvio,

conterrâneo e discípulo, além de enaltecer Tobias aponta

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as ligações do sergipano com os cultores do direito, da

filosofia, da crítica religiosa, aí aparecendo o autor da

História do Povo de Israel.

Sobre David Strauss

(Um Fragmento Biográfico)

Artigo de maio de 1874, incluído no livro Ensaios

e Estudos de Filosofia e Crítica, edição de 1875. O

primeiro livro de Tobias Barreto sofreu pesada crítica de

Albino Meira, escondido sob o pseudônimo de O

Carvoeiro, na revista acadêmica Culto às Letras. Apesar

de tratar apenas de um dos artigos do livro –

“Socialismo em Literatura” – o crítico investe contra

Tobias, perguntando “com que direito um tribunal

composto de materialistas julgaria um autor espi-

ritualista?” Não, em sua resposta, insinua que Albino

Meira estava a serviço de um “dr. filósofo que me

odeia”, possivelmente referindo a José Soriano de

Souza. Convém anotar que Albino Meira, à época, era

presidente da União da Mocidade Católica e redator do

jornal O Estudante Católico. Logo, havia razão

ideológica para as críticas, pelo Culto às Letras,

respondidas por Tobias em A Província, de 24 e 29 de

agosto de 1875. Em compensação, Strauss, que por

muito foi lido e seguido por protestantes, terminou

redescoberto pelos católicos, especialmente depois da

Encíclica Divino Afflante Spiritu, de 1943, de Pio XII. E

Tobias Barreto, que fez a síntese biográfica do autor de

A Vida de Jesus, que teve tradução francesa do

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positivista Littré, no ano de sua morte, está sendo

lembrado no prefácio do padre José Nogueira Machado

ao livro Cristo Nasceu em Belém, do padre Victor

Notter, que vive em Taiwan, na China, justamente pela

compreensão que teve e pela divulgação que fez de

Strauss.

Polêmica com a Civilização

O discurso pronunciado por Tobias Barreto, numa

colação de grau, em abril de 1883, levou a que o jornal

religioso A Civilização, editado em São Luiz, Maranhão,

levantasse um escudo de proteção e de defesa do

Catolicismo e de tudo o que dele decorria em termos de

controle da informação, da educação e da cultura. O

discurso de Tobias abrira mais uma clareira entre os

jovens nordestinos que estudavam no Recife e obteve,

de imediato, grande repercussão, sendo publicado em

jornais e avulso. No Maranhão coube ao jornal O País,

dirigido por Temístocles Aranha, pai de Graça Aranha,

então aluno de Tobias, divulgar o discurso no

Maranhão, merecendo pronta resposta da Civilização.

Três pessoas – o padre Raimundo Alves da Fonseca, o

monsenhor João Tolentino Guedelha Mourão e o poeta

Euclides Farias – comandaram a reação a Tobias,

produzindo textos que variaram da defesa de princípios

até a ofensa pessoal, eivada de preconceito racial, como

está na série de Cartas ao Pai Tobias, em versos por

Euclides Farias, sob o pseudônimo de Lourenço Gomes

Furtado. Os artigos da Civilização, que começaram a

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sair em 7 de julho de 1883, foram reproduzidos no

Diário de Pernambuco, palco da polêmica, a part ir de 3

de agosto. Antes, em 28 de julho, alguém, que poderia

ser o próprio Tobias, sob o pseudônimo de Baur,

desagrava o fundador da Escola do Recife, com um

longo artigo intitulado O dr. Tobias Barreto de Menezes

e a Civilização do Maranhão. No dia 8 de agosto,

Tobias comparece ao Diário de Pernambuco com o

artigo “Os Teólogos da Civilização”, e leva, até final de

outubro, a polêmica com a Civilização e com adeptos

pernambucanos, como Antônio de Siqueira Carneiro da

Cunha, que se assinava Hunger, produzindo, para

resposta direta e indireta, os seguintes termos,

publicados no Diário de Pernambuco, na seguinte

ordem: “Os Teólogos da Civilização” (8.8), “Teoria do

Peruísmo ou Filosofia do Peru” (11.8), “Ao Sacerdos

Pernambucensis” (14.8), “Ainda os Sacerdos

Pernambucensis” (17.8), “O Doutor Hipnótico” (17.8),

“O Almocreve Padre Joaquim de Albuquerque” (7.9),

“Uma Nova Contribuição à Filosofia do Peru” (8.9),

“Um Esclarecimento” (11.9), “Ensaio de Pré-história de

Literatura Clássica Alemã”-I (12.9), “Ensaio de Pré-

história de Literatura Clássica Alemã” -II (15.9), “Ainda

o Padre do Maranhão” (18.9), “Ensaio de Pré-história de

Literatura Clássica Alemã”-III (21.9), “Os Decotes da

Bíblia” (23.9), “Ensaio de Pré-história de Literatura

Clássica Alemã”-IV (27.9), “Declaração” (2.10),

“Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã” -V

(4.10), “Que Padre Danado” (5.10), “Ensaio de Pré -

história de Literatura Clássica Alemã” -VI (7.10),

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“Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã” -

VII (9.10), “Ensaio de Pré-história de Literatura

Clássica Alemã”-VII (10.10), “Ensaio de Pré-história de

Literatura Clássica Alemã”-IX final (11.10), “É

Mentira” (13.10), “Um Capítulo da História da

Renascença-Leão X” (13.10), “Um Capítulo da História

da Renascença-Leão X”-II (14.10), “Uma Pequena

Excursão no Domínio da Teologia” (16.10), “Um

Quadro da Igreja Romana – Vitória Accoramboni”-I

(21.10), “Um Quadro da Igreja Romana – Vitória

Accoramboni”-II (23.10). Para tornar mais com-

preensível o embate intelectual travado por Tobias

Barreto contra os padres e agregados do jornal

Civilização é que se reúne os textos, publicando -os pela

ordem de saída no Diário de Pernambuco. Não apenas

os textos de Tobias, mas também os textos dos seus

opositores, republicados no mesmo Diário.

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TOBIAS BARRETO E

A CRÍTICA

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Toda a obra de Tobias Barreto é de crítica, ainda

quando, ao modo de Kant, formula teorias, indica

caminhos, questiona roteiros estéticos, ou valores

éticos, ou ainda compromissos ideológicos. O manejo da

crítica em toda a obra tobiática equivale ao efeito

caleidoscópico da sua coerência como um bom juiz de

valores, um perspicaz observador diante das expe -

riências, com capacidade para distinguir uma das outras,

e um experimentador ousado, atributos que combinam

com a idéia das qualificações do crítico, segundo J. A.

Richards.(1)

Na poesia, entendendo-a como a “expressão das

lutas da alma humana”, o autor de Dias e Noites agitou

as massas nordestinas no Recife, fazendo -se poeta do

povo. A sua obra poética está repleta de profecias, de

denúncias e de crítica. Nos jornais, anos mais tarde, é

crítico de religião, tomando partido no Iluminismo

alemão – o Aufklarung – que produzira dois eminentes

vultos que passam a freqüentar os escritos de Tobias nos

jornais pernambucanos: Immanuel Kant e Gotthold

Lessing, pondo em evidência o poder da razão humana.

Tão forte e entranhada é a sua crítica que a série de

artigos Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica

Alemã pode ser enquadrada nos limites da apreciação

literária, ou como exegese que faz aflorar questões

religiosas.(2)

Da crítica de religião à filosofia, e desta ao

direito, e deste à organização da sociedade, cresce o

intérprete do seu tempo, buscando a estatura do seu

século.

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Não deve causar surpresa, portanto, que em sua

maioria os escritos de Tobias Barreto sejam de crítica.

Sejam recensões, no sentido típico da palavra,

anunciando a obra ou o espetáculo, discutindo o assunto

e fazendo a apreciação dos seus méritos e defeitos.

Sejam as animadversões, com suas censuras. Sejam

ainda, como ele próprio o diz, “quase sempre um

trabalho, não por assim dizer de fisiologia, mas de

anatomia literária”,(3)

considerando a crítica como um

estudo de cadáveres. Este tom de sarcasmo, comum em

Tobias, remete ao fato comum de que a crítica, na

literatura brasileira, tem uma função post-mortem. O

trabalho do crítico se confunde, então, com o de um

arqueólogo, em permanente investigação do passado.

Não raro, a crítica literária tem sido produzida a

posteriori, já na distância do tempo entre a obra e o

público. Por outro lado, há uma crítica geralmente feita

pelos próprios criadores, abrindo caminho à compre-

ensão das obras literárias. Assim foi com o Modernismo

de 1922, com a Geração de 45, com o Concretismo, de

1956, e com o Poema-Processo, em 1965. A crítica

revelou-se desaparelhada para compreender o sentido

renovador da estética nova dos modernistas, dos

concretistas e de outros grupos da vanguarda literária do

País. O Brasil guarda os textos históricos, manifestos e

ensaios, produzidos pelos poetas, e ao mesmo tempo

críticos, dos movimentos, muitos dos quais se tornaram

também intérpretes da vida literária do País, como os

Mário de Andrade, Augusto e Haroldo de Campos,

Décio Pignatari, Wladimir Dias Pino.

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Tobias Barreto foi um crítico do seu tempo, como

tinha sido um poeta engajado nas lutas da sua fase

estudantil. Combateu o ars gratia artis que animava a

muitos escritores do século, e estabeleceu uma longa

discussão entre o romantismo, de França e Portugal, e o

germanismo. Esse debate, presente em toda a obra

crítica do pensador sergipano, é a chave da melhor

compreensão das posições assumidas pelo fundador e

pelos integrantes da Escola do Recife, uma espécie

mesmo de marca registrada, que se constituiu na mais

renovadora contribuição ao pensamento brasileiro, na

segunda metade do século passado e que levou Graça

Aranha, um dos modernistas, a declarar que Tobias

emancipou, intelectualmente, o Brasil.(4)

Não ficou assunto, ainda que fosse árido, que não

merecesse uma abordagem crítica por parte de Tobias

Barreto, nos jornais recifenses, nos seus pequenos

periódicos de Escada, ou nas preleções e discursos,

transformados em veículos de vulgarização cultura. Até

mesmo sua passagem pela Assembléia Provincial, como

deputado liberal, serviu para informar aos seus pares das

suas leituras científicas sobre a mulher. O poder crítico

de Tobias é algo que ainda falta ser dimensionado,

porque a leitura de sua obra sempre revela ângulos

novos, informações e contribuições singulares, apre -

ciações originais, que dão grandeza ao ofício jor-

nalístico do trato recensor.

É possível, então, levantar-se o itinerário do

pensamento brasileiro, na segunda metade do século

assado, a partir da obra de Tobias Barreto. Não apenas

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naquilo que ele operou de transformação, a par tir dos

seus contatos com autores alemães e com a própria

língua de Kant, mas também na fixação das idéias

dominantes, dentro e fora da velha Faculdade de Direito

do Recife, que foram objeto da crítica tobiática. Mais

importante se torna esse inventário intelectual, quando

se sabe, com certeza, que a discussão ditou dois corpos

distintos em peleja: o dos professores, intelectuais de

formação religiosa, tradicionalistas, ultramontanos, de

um lado, e a mocidade, formada por estudantes,

jornalistas, maçons, liberais, do outro. Tobias é a grande

figura que desfralda aos ventos nordestinos do Recife a

bandeira dos novos tempos, com a essência das novas

idéias, que espalharam rápido as teorias européias,

principalmente alemãs, da ciência, em oposição aos

dogmas e compromissos da fé.

Como escritor e como crítico Tobias fundava suas

convicções no avanço da ciência e da arte, como asas do

espírito humano. Circunscrevendo o seu entendimento, a

filosofia prima entre as ciências e a poesia entre as

artes. Daí sua crença de que os poetas e os sábios devem

ser iguais. No âmbito menor da discussão, Tobias chega

a afirmar que os padres são, em geral, inimigos da

poesia, porque eles gostam do culto da morte, enquanto

a poesia é liberdade e liberdade é vida. Na projeção

maior, ideológica, Tobias Barreto chega a citar, em

1872, diversos exemplos das mudanças sociais e po -

lít icas da Europa, graças ao poder dos romances que

propagaram, por exemplo, as idéias anarquistas. Na

esteira da mesma discussão, lembra que a França

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moderna possuía um idioma compacto, resultado da

autoridade e da concentração literária, ao lado da

autoridade e da concentração política, que dificultava a

expressão intelectual, de criação, para ele comum na

Alemanha, onde o “ato de escrever é sempre, mais ou

menos, um ato criador.”

Em 1875, passando uma vista ampla e demolidora

por sobre a vida intelectual brasileira, pugna por uma

“Internacional de Crítica”, citando, pela primeira vez,

Karl Marx.(5)

Seu trabalho mereceu forte reação por

parte de Albino Meira, na revista Culto às Letras.

Tobias Barreto reduziu a reação de Albino Meira a duas

ou três páginas de resposta, mas acompanhou com todo

o interesse a polêmica entre Sílvio Romero, que então se

assinava Sílvio da Silveira Ramos, e o redator do Culto

às Letras. Essa não fora a única fonte das discórdias de

Tobias Barreto no mundo cultural pernambucano. Suas

críticas a Alexandre Herculano e a outros autores

portugueses, aos tomistas e neotomistas, tiveram o

mesmo efeito provocador que os seus estudos alemães,

publicados a partir de 1874 no jornal escadense Um

Signal dos Tempos.

Para Tobias a “Internacional de Crítica” deveria

ser uma espécie de fórum, de espíritos cultos e

independentes, ao qual seriam submetidas “todas as

obras frívolas, que têm firmado a reputação de certos

vultos em Portugal e Brasil.” Para ele, os escritos que

fossem publicados deviam ser enviados para análise

imparcial dos homens competentes, onde receberiam o

placet ou o não presta. Arremata Tobias: “Destarte, à

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face do mundo inteiro, e sem abalos de ordem alguma,

poríamos fogo no castelo feudal de um Alexandre

Herculano; deitaríamos por terra a vila senhoril de um

José de Alencar, e tantos outros enfatuados de uma

nomeada toda local...”(6)

Com a crítica e pela crítica Tobias Barreto

marcou sua presença na luta intelectual que travou em

Pernambuco, de 1862 a 1889, deixando em todos os seus

escritos o traço inquieto do investigador, do intérprete,

do pensador, revelando e abrindo caminhos ao futuro.

A Licenciatura

Para Tobias, literatura tinha a significação de

vida espiritual. Contrariando os conceitos vigentes, que

limitavam a literatura ao poema e ao romance, ele

aprofunda a questão, ainda em 1872, numa nota de

crítica ao livro do dr. José Soriano de Souza.(7)

Sendo,

como Tobias assim a entendia, a literatura uma

estatística aprofundada de todas as produções inte-

lectuais de um País, em uma época dada, são

incorporadas, com suas valorações próprias, a ciência, a

filosofia, a poesia, o teatro, o romance, e até a pintura e

a música. Diz Tobias: “Assim se compreende na

Alemanha, onde os livros ou tratados de literatura nos

dão a conhecer não só Goethe e Schiller, como Kant e

Hegel, não só Freytag e Stiffer, como Strauss e Baur,

não só Beethoven e Mozart, como Cornelius (pintor),

etc., etc.”(8)

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A vastidão do quadro literário, segundo a

aprendizagem alemã de Tobias Barreto, explica seus

vôos de longo alcance sobre obras e autores que

trataram de Religião, como Ewald, de Filosofia, como

Kant, de Educação, como Frederico Diesterweg, de

Cultura, como Júlio Froebel, de Psicologia, como

Eduardo von Hartmann, de Economia Política, como

Karl Marx, de Antropologia, como Hermann Post, de

Direito, como Rudolf Von Jhering, de Psicologia

Feminina, como Adolfo Jellinck, e de tantos e tantos

outros temas que interessaram e moveram a sua

curiosidade crítica. Está, portanto, decodificado o facho

luminoso que Tobias lançou sobre o seu tempo e seus

contemporâneos: o amplo espectro da sua crítica,

correspondente ao corpus cultural objeto do seu

interesse.

Vocacionado para a crítica, menospreza o livro de

Ferdinand Wolf(9)

e não poupa, sequer, seu amigo,

conterrâneo, e parceiro Sílvio Romero, quando publica a

História da Literatura Brasileira.(10)

A obra de crítica

literária de Tobias supera, em muito, as informações e

inventários de época, ainda que alguns, como o próprio

livro de Sílvio Romero, preencham lacunas na

bibliografia brasileira. Não causa espécie, por isso

mesmo, que os críticos brasileiros e portugueses,

lançando os olhos sobre a literatura, isolem Tobias,

negando-lhe as qualidades de escritor e de filósofo. O

Brasil Mental, de Bruno,(11)

é um exemplo que

proliferou, lá e cá, como uma posição sobre o mulato

sergipano. Ainda que tenha testemunhado, apaixo -

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nadamente, sobre a genialidade de Tobias, Sílvio

Romero faz menor a poética condoreira, divide a

primazia do germanismo, e assume posturas de outras

escolas, contradizendo a evolução intelectual do mestre.

Mais que isto, Sílvio faz de Tobias, não raro, um

escudo, com o qual enfrenta as rivalidades fluminenses.

Assim, torna-se comum ao historiador da literatura, ao

apresentar Tobias Barreto aos leitores, diminuir o valor

de outros poetas e escritores, criando dificuldades para

o seu apresentado. Isto é visível na apreciação feita pelo

poeta Luiz Delfino do livro Dias e Noites, em sua

primeira edição, de 1881. No longo artigo o poeta se

ocupa de rebater as afirmações de Sílvio Romero,

terminando por julgar, de forma apressada, a obra em

versos de Tobias que deveria ser o objeto da crítica.

Sílvio Romero chega ao cúmulo de inserir, nos textos de

Tobias, citações de nomes de forma desfavorável, como

ocorreu num dos artigos do ensaio O Atraso da Filosofia

entre Nós.(12)

Tanto a amplitude dada à literatura, em sua

crítica, por Tobias Barreto, quanto sua disposição de

brigar pelas verdades que defendia, e mais a atitude

partidária de Sílvio Romero, devem ter concorrido para

que a obra do mestre não merecesse, no inventário da

história e da crítica literária, o juízo justo, o exame

correto. Fala-se mais de Tobias por ouvir dizer, do que

mesmo pelo conhecimento de seus textos, todos eles de

reflexão, por circunstanciais que possam parecer. Pois

essa é uma característica permanente na obra de Tobias:

a reflexão.

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Conceituando de forma larga e refletindo sobre

suas leituras, Tobias construiu um monumento de

crítica, valendo-se da ferramenta contundente que, de

cedo, preferiu para o trabalho intelectual: o ger -

manismo. Com ele, penetra seu olhar agudo por sobre

várias literaturas, comparando-as, identificando raízes e

arquétipos, formas e compromissos. É pioneiro em

estudos comparados, acreditando que “segundo o plano

da história, que muitos chamariam de a economia

providencial do universo, todo o povo que progride e se

desenvolve tem uma dupla missão: ima interna e outra

externa; uma volvida para si mesmo e outra para os

demais povos.”(13)

Daí a literatura ter, no seu entender,

caráter universalizante. Apoiado em George Brandes,

aprecia, comparativamente, as literaturas da França, da

Itália e da Alemanha, tendo esta última como uma

espécie de modelo. Será a primeira vez, no Brasil, que

os estudos literários ganham um método, o comparativo.

Com ele Tobias sente firmeza para explorar, com seu

agudo espírito crítico, todo o campo intelectual.

Citando Henrique Klenke, para quem os povo s

são divididos em três grupos – os solares, os

planetários, e os de transição – Tobias Barreto não

hesita em colocar o Brasil na terceira categoria, a da

transição, diferenciando os brasileiros dos povos

planetários, os do lado noturno da humanidade, e dos

solares, os do lado “diurno”. A transição é o lado

“crepuscular” da humanidade, valendo para os povos

que se levantam ou que decaem. Tal divisão, insólita no

âmbito dos estudos literários, retorna hoje ao interesse

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da ciência política, quando história e memória se

contrapõem, trabalho e lazer criam éticas diversas, e a

humanidade assiste à agonia dos sistemas liberal e

socialista, segundo Octavio Paz as duas grandes

heranças da modernidade ocidental.(14)

Também sobre

esse enfoque, Tobias avançou com sua intuição genial,

antecipando-se a discutir referências fundamentais que o

desenvolvimento dos povos constrói e que servem de

contato para a humanidade.

A adesão de Tobias Barreto ao estudo da

literatura comparada supera a visão interna da produção

literária do Brasil. Sem dúvida ele intuiu sobre as

migrações dos autores, bafejados pelo Poder, que por

sua vez deriva da prosperidade econômica. No Brasil é

fácil cartografar a evolução literária, na mesma escala

em que ocorrem os surtos do progresso econômico.

Assim, a poesia de Bento Teixeira, louvatória e de

circunstância – a Prosopopéia – reflete o bom sucesso

econômico da Capitania de Pernambuco, que explorava

todas as riquezas do Norte do Brasil. O barroco baiano

cuja oralidade produziu Gregório de Matos, responderia,

nas letras, ao florescimento da Capitania da Bahia,

ampliada com a incorporação das terras vizinhas, de

Ilhéus, Porto Seguro, Sergipe d’El Rey. A descoberta

das minas auríferas das gerais explica, com certeza, o

Arcadismo dos Gonzaga, Costa e Peixoto. A con-

centração do Poder, no Rio de Janeiro, com a chegada

da família Real portuguesa, dá nova dimensão e cen-

traliza a literatura brasileira, sedimentando uma hege -

monia que não apenas serve para abafar a reação

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nordestina, como entra no século XX devastando os

focos regionais de cultura. Não é sem razão, portanto,

que Tobias Barreto chega a aludir, na sua intenção de

criar uma ”Internacional de Crítica”, fazendo uma

liquidação itinerária, exaltando o mérito, só o mérito

real, “sem manejos diplomáticos e ridículas mis-

tificações.”(15)

Como crítico, Tobias Barreto inicia uma tradição

sergipana de intérpretes da obra literária, que passa por

Sílvio Romero, João Ribeiro, Laudelino Freire, Liberato

Bitencourt, Mário Cabral, e mais recentemente Jackson

da Silva Lima.(16)

Poesia & Prosa

O volume de Crítica de Literatura e Arte, que

integra o plano geral das Obras Completas de Tobias

Barreto, tem uma composição que escapa ao sim-

plesmente literário, porque representa um apanhado de

parte da obra crítica, naquilo que de mais próximo está

nas manifestações de poetas, romancistas, prosadores

em geral. Alguns temas teóricos, de lingüística, da

gramática, da estilística, ou ainda dos contextos nos

quais surgem as produções literárias.

O volume é aberto com duas apreciações sobre

jovens poetas: Paes de Andrade e Licurgo de Paiva, que

ficaram, como tantos outros, perdidos no esquecimento

do tempo. Mais do que examinar o conteúdo dos dois

livros, Tobias aproveita para conceituar sobre a poesia,

dando base ao seu edifício crítico que mais tarde

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aparecerá, imponente e resistente, no curso da sua

evolução intelectual. São escritos estudantis, de 1865,

1866, certamente solicitados ao vitorioso poeta das ruas

do Recife, profético e panfletário, do que ao mestre da

crítica literária. Mas, o verdadeiro dos escritos não os

torna menos importantes na obra de Tobias, mesmo

porque lá estão os sinais da sua insatisfação vulcânica:

“Seja qual for o vigor do seu talento, a grandeza de suas

concepções, o poeta é sempre um homem, e como tal

sujeito às leis que regem a natureza humana” (...) Ou:

“O coração do poeta é o clepsidro em que soam sempre

adiantadas as noras da vida do mundo. Os poetas e os

sábios devem ser iguais.”(17)

Tratando da literatura bíblica, uma de suas per -

manentes paixões, ele tem a certeza crítica de colocar o

livro de Naum no centro dos seus interesses, para

mostrar o quanto de poesia tem a Bíblia – “imensa como

a onipotência, ardente como os sopros do deserto” – e

afirmar, como uma advertência que permanece válida

ainda hoje, que os tradutores são, invariavelmente,

menores que os criadores das obras literárias. Mostrando

uma de suas virtudes, a de latinista, Tobias chega a

exercitar traduções que põe como alternativas mais

adequadas aos textos transcritos de Naum.

No estudo do romance de Maurício de Azevedo –

“Um Romance e um Romancista” – artigo de 1874,

Tobias reclama da apatia brasileira, em termos de

criação literária, reduz a expressões mais simples au -

tores como Joaquim Manoel de Macedo e José de

Alencar, elegendo o romance como a narrativa por

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excelência nacional, portadora da vida do povo, na

medida dos grandes romancistas como Walter Scott. No

mesmo artigo, publicado no jornal Um Signal dos

Tempos, de Escada, Tobias Barreto mantém a mesma

técnica técnica de tomar uma obra como pretexto para

aprofundar as suas críticas, sem poupar quem quer que

seja, independentemente da posição ou da fama. Nas

suas severas apreciações estão Braz Florentino, que

morreu quando exercia a presidência do Maranhão, o

Barão do Rio Branco, José de Alencar, Macedo, Tavares

Bastos, Franklin Távora, Taunay, José Soriano de

Souza, e muitos e muitos outros, incluindo aí Castro

Alves, de quem foi amigo e desafeto, e Joaquim Nabuco

a quem nunca reconheceu mérito.

Causou enorme júbilo entre os jovens pernam-

bucanos, rapazes e moças, a atitude de Tobias Barreto,

quando deputado, no biênio 1878/79, em defesa da

mulher, quando da discussão sobre um auxílio que

deveria ser dado, pela Província de Pernambuco, a duas

moças que queiram estudar medicina nos Estados

Unidos e na Suíça. A atualidade do tema, o acervo de

informações, a convicção dos argumentos científicos

fizeram com que Tobias fosse seguidamente aplaudido e

tivesse sua cabeça alvejada pelas pétalas de rosa que,

das galerias, lhe atiravam os admiradores. Foi um

momento especial na vida daquela casa legislativa, cujo

registro, nos anais e na imprensa do Recife, é um

documento indesmentível.

Não fora ali a única vez em que Tobias Barreto

colocava a mulher como centro de seus interesses de

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estudo. Na sua visão de crítico, ele soube distinguir e

ressaltar o papel da mulher os salões europeus. Não

aquelas das vulgares meias pretas, mas as blas-bleu,

com suas meias azuis, de lã, força “civilizatriz”, no

dizer do próprio crítico. O artigo é, na verdade, além de

uma clara tomada de posição em favor da mulher, um

inventário da importância que os salões tinham nos

círculos intelectuais da Europa. Ao lê-lo, fica difícil

distinguir o jogo das influências, pois Tobias, com seu

partidarismo feminino, iguala a influência do salão à

influência da mulher, abrindo crédito novo no livro de

contas da literatura.

Estudando estilo, Tobias Barreto procede a uma

das mais geniais de suas críticas, porque delimita cate -

gorias que condicionam, segundo seu entender, a própria

criação intelectual. Para ele o que difere, no seu século,

o estilo da antiga e da nova prosa é a velocidade. “O que

antes era largo e vagaroso torna-se, pouco a pouco,

rápido e precípite.”(18)

Mais do que para a dinâmica da

vida, o estilo – como relativo a diferentes épocas e dife-

rentes povos – está também em relação até as diferenças

de raça, afirma Tobias, exemplificando: “Assim a nação

francesa, que é a mais culta das nações latinas, exprime

no seu estilo o maior grau de antítese etnológica, entre a

essência românica e a essência germânica. Em nenhum

ponto melhor se manifestam os distintivos de uma e de

outra raça.”

Nesse seu pequeno ensaio Tobias chega a antever

a função concreta da palavra, sentenciando que “a

tendência para a frase, para a escolha da palavra,

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somente por ela mesma, torna-se inevitável.” Este

parece ser um dos fundamentos das literaturas de

vanguarda, que passou na batéia crítica de Tobias

Barreto.

Outras abordagens, sempre ferramentado com o

germanismo, fazem da obra de crítica de literatura de

Tobias Barreto uma fonte de consulta útil, que

radiografa o tempo, na sua interiorizada moldura, e nas

tendências novas que sopravam, inquietantes, por sobre

o dorso da rotina atrasada do Brasil, como uma recepção

sintônica, universalizada.

A Arte

No que diz respeito à arte, ainda que sob o campo

restrito da música e do teatro musical, Tobias Barreto se

vale, também, do método comparativo do dinamarquês

Brandes. E faz um grande painel, de porte e enver -

gadura, do que traçou nos dez artigos – de uma série de

cinqüenta que prometeu – sobre a literatura comparada

do século XIX, povoado de grandes nomes da criação

operística, da música e da representação cênica.

Confesso admirador de Vicenzo Bellini, autor de

óperas, reconhecidamente espontâneo e melodioso,

próximo do popular, Tobias se fez um crítico militante,

freqüentador assíduo do Teatro Santa Isabel e de outros

locais de espetáculos, apesar de escrever, em 1877, que

pertencia “à categoria dos diletantes que vão ao teatro

para gostarem e não ara julgarem.”(19)

Mais adiante diz

ele: “A verdadeira crítica musical é a que se restringe a

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ser simplesmente um pedaço de psicologia, isto é, a

exposição do que se sentiu ou deixou de sentir, sem o

direito, porém, de tornar o próprio sentimento, subjetivo

ou personalíssimo, bitola do mérito artístico.”(20)

Há uma proximidade, ou pelo menos havia no

século passado, entre a música e a filosofia. Conta -se,

na biografia de Franz Liszt, que numa de suas primeiras

viagens à Genebra, ao assinar a ficha do hotel, assim se

qualifica: Profissão – músico-filósofo; Nascido – ao

Parnaso; Oriundo – das dúvidas; com destino – à

verdade. O certo é que mais do que sogro, Liszt foi um

grande profeta da genialidade de Richard Wagner.

Recolhido na pequena cidade de Escada, de onde uma

vez por quinzena viajava ao Recife, Tobias Barreto

pôde estar atento ao ambiente musical da velha Europa,

onde as genialidades eram sucedidas celeremente. Nas

suas críticas estão os mais célebres compositores da

música, alguns deles, como o próprio Wagner, presente

também como crítico, a fornecer munição para os

embates intelectuais, como na polêmica com o sr.

Taunay, a propósito de Meyerbeer e de suas óperas

Roberto, o Diabo, e Os Hunguenotes.

A Tobias, como crítico musical, não escapa o

sentido da história, nem o da estética. Na música, como

na literatura, o crítico mapeava a Europa com os limites

da ópera da França, da Itália e da Alemanha,

intercalando todas as trocas de influências que, sem

perda dos conteúdos e matizes próprios, univer salizam a

criação musical. A ópera romântica estava embebida de

intuições transcendentais, dando margem a que o

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homem, e não apenas o instrumento musical, trans-

formasse a manifestação artística. A dramaticidade, o

recitativo, ocupam importância fundamenta l nos estilos

dos compositores, sinalizando um processo significativo

de evolução, desdobrado para outras partes do mundo,

como para o Brasil, onde vem a pontificar Carlos

Gomes, mestre aclamado em Milão, onde faz representar

algumas de suas óperas no Teatro Scala.

Atento ao que se passava na Alemanha e no resto

da Europa, o crítico exercia, no Recife, um papel

insubstituível de propagandista da ópera e dos seus

maiores compositores. Poucos críticos, no Brasil, ocu-

param espaço tão definido, tão conscientemente

exercido, como o fez Tobias Barreto, em Pernambuco.

Depois da militância jornalística, Tobias reúne algumas

de suas críticas e publica, em 1883, no livro Estudos

Alemães. Ele próprio identificava e localizava sua

missão musical nos limites do seu germanismo.

Completava-se, assim, o círculo cultural que fazia da

Alemanha um modelo capaz de ser utilizado como

ferramental comparativo.

Compreendendo-se a amplitude do germanismo

tobiático não há porque não reter num abrigo óbvio

como os dos Estudos Alemães a sua crítica musical,

agora enfeixada no volume de Crítica de Literatura e

Arte. Esses ajustes não passam de mera organização

quantitativa, porque, em essência, toda a obra de Tobias

Barreto, em todo o seu luminoso espectro de inves -

tigação crítica, é de forma e fundo germânicos.

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Diante das óperas de Carlos Gomes, o crítico

parece sentir a falta do velho Lied alemão, numa de suas

três categorias: o Volkslied, verdadeiramente popular,

folclórico até, seja lírico ou dançante, o Volkstumliches

Lied, de criação original, mas concebido e realizado à

maneira dos cantos populares, e o Kunstlied, ou Lied

artístico, com preocupações eruditas, ainda que não

interfira nas origens populares.(21)

Em 1884, numa de suas últimas apresentações de

crítica, lamenta a falta de gosto pelo drama, escrevendo

o artigo de fundo de um pequeno jornal – Arte

Dramática(22)

– prometendo seriar suas observações,

ainda que reconhecesse, com Honegger, que a história

do teatro era, naquele momento, a história da

decadência. Parecia compor, como crítico musical, sua

última profecia.

NOTAS

(1) A. Richards – Princípios de Crítia Literária. Citado por

Harry Shaw, in Dicionário de Termos Literários. Publicações

Dom Quixote, Lisboa, 1982.

(2) Os artigos de Ensaio de Pré-História da Literatura Clássica

Alemã, de 1883, estão no volume de Crítica de Religião, desta

edição comemorativa das Obras Completas de Tobias Barreto.

(3) In Um Romance e um Romancista.

(4) In O Meu Próprio Romance, 1931. Também em Obras

Completas. INL, Rio de Janeiro, 1969.

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(5) O artigo “Socialismo e Literatura”, escrito em novembro de

1874, foi publicado em 1875, na primeira edição dos Ensaios e

Estudos de Filosofia e Crítica.

(6) In Socialismo e Literatura.

(7) Lições de Filosofia Elementar, Racional e Moral. Paris,

1871.

(8) In “O Atraso da Filosofia entre Nós.” Jornal do Recife, 18 de

novembro de 1872.

(9) Le Brésil Litteraire, 1863.

(10) Em carta de 6 de abril de 1888, Tobias escreve a Sílvio

Romero e diz: “Pondo de parte o que me diz respeito, devo

declarar-lhe que achei o seu trabalho muito bom, exceto num ponto

– permita-me a franqueza. Foi no ponto em que o sr., a meu ver,

deturpou a sua História falando de gente que nada vale.

Geralmente, a que propósito falar de Aníbal Falcão, um verdadeiro

lobo, positivista e ortodoxo, bacharel taquígrafo, e taquígrafo

medíocre? Isto é gente que deva ocupar lugar numa história séria?

Não decerto.”

(11) Pseudônimo do escritor português José Pereira de Sampaio.

(12) No texto que está publicado no Jornal do Recife, Tobias não

faz qualquer menção de nomes. A citação de Alencar, Macedo,

Taunay e Machado de Assis é da responsabilidade de Sílvio

Romero, quando publica os artigos de Tobias no volume Vários

Escritos, em 1900.

(13) In Traços de Literatura Comparada do Século XIX.

(14) Eis o texto do pensador Octavio Paz, publicado no jornal

espanhol ABC, edição de 2 de abril de 1989: “Padecemos um

grande vazio, sobretudo um grande vazio moral. A nova filosofia

moral e política do século XXI terá que enfrentar o grande (o

nosso) vazio. As duas grandes heranças da modernidade ocidental,

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o Liberalismo e o Socialismo, se enfrentam em seu próprio esgo-

tamento ao haver perdido de vista suas referências fundamentais.”

(15) In Socialismo e Literatura.

(16) Sílvio Romero escreveu, dentre outros: Estudos de Literatura

Contemporânea, 1885, História da Literatura Brasileira, 1888;

João Ribeiro é autor de Autores Contemporâneos. Compêndio de

História da Literatura Brasileira, em colaboração com Sílvio

Romero, Clássicos e Românticos Brasileiros; Laudelino Freire é

autor de Sonetos Brasileiros, 1904;Mário Cabral escreveu Cadernos

de Crítica, 1944, e Jackson da Silva Lima é autor da História da

Literatura Sergipana, vol. 1, 1971, vol. 2, 1986.

(17) In Flores da Noite.

(18) In Idéias e Princípios da Estilística Moderna.

(19) In O Benefício da sra. Cortesi.

(20) In O Benefício da sra. Cortesi.

(21) Sobre o Lied alemão recomenda-se a leitura de Expressões e

Comunicação na Linguagem da Música, do professor e maestro

Sérgio Mangani. Editora da UFMG, Belo Horizonte, 1989.

(22) Nº 1, 14 de fevereiro de 1884.

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TOBIAS BARRETO E

A LUTA PELO DIREITO

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Ao organizar o Clube Popular Escadense, em

1877, realizando um anseio que desde 1874 impul-

sionava o seu espírito, Tobias Barreto dava um passo

consciente para realçar o seu papel de intelectual na

pequena vila de Escada. O clube era um outro estágio de

uma mesma luta iniciada em 1872, quando pela primeira

vez apela ao público para buscar reforço de opinião a

propósito de questão jurídica em que funcionara como

Curador Geral dos Órfãos. Ao instalar sua própria

tipografia – a Comercial – e editar o seu primeiro jornal

– Um Signal dos Tempos – aprofunda sua participação,

desdobrada, em diversas outras pequenas folhas,

veículos de críticas, de denúncias, mas também de

reflexão e difusão cultural. Nas três dimensões – a do

Curador que faz de uma injustiça contra órfãos razão de

protesto e de luta; a do jornalista que estabelece

diretamente com o povo o contato da informação

verdadeira; e a do intelectual que cria o lugar de reunião

para tratar dos problemas comuns da comunidade

escadense – Tobias Barreto firma o compromisso que

não é como o da classe econômica “porque a sua vida se

limita a uma luta pelo capital, e nada tem a ver com as

nossas lutas pelo direito.”(1)

Um Discurso em Mangas de Camisa pronunciado

na segunda reunião do Clube Popular Escadense(2)

é um

manifesto de natureza política que encerra algumas das

teorias abraçadas por Tobias Barreto. Teorias que não se

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filiavam à “lei da natureza”, de que tratou Locke,(3)

mas

que permitiam exercer o poder de influir, como mais

instruído, sobre os menos instruídos, como ensinara o

também inglês Stuart Mill.(4)

Tobias, contudo, não se

proclamava um salvador do povo; ao contrário, dava ao

povo a oportunidade de salvar-se, através da formação

da consciência do próprio valor, como está explicitado

no célebre discurso.A luta pelo direito que Tobias

Barreto deflagrou em Escada projetou-se nos seus

estudos jurídicos, quando do seu retorno ao Recife, no

seu ingresso, como lente, na Faculdade de Direito e em

seus ensinamentos reformistas. Diz ele: “Desde que na

idéia do direito entrou a idéia de luta, desde que o

direito nos aparece não mais como um presente do céu,

porém como um resultado de combate, como uma

conquista, caiu por terra a intuição de um direito

natural.”(5)

Uma luta permanente, cujo lampejo final é a

proteção à sua própria memória, que encerrava a

proteção à sua reputação de homem de idéias próprias,

com as quais renovou o pensamento brasileiro, algo

como o direito à imagem, como está em sua

correspondência com Sílvio Romero: “Peço -lhe uma

coisa: se eu morrer, salve a minha memória das garras

dos tratantes.”(6)

A luta pelo direito acabou sendo mais forte que a

inaptidão para a profissão de advogado, manifestada

pelo próprio Tobias. Uma espécie de sublimação,

alimentada pelo apetite voraz com que tomava contato

com a efervescência das idéias, especialmente aquelas

originárias da Europa alemã. Não falta razão a Jackson

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da Silva Lima, quando, ao estudar a participação forense

de Tobias Barreto, diz que sua falta de vocação “não

implica dizer que o sergipano tenha sido um desleixado

no patrocínio das causas ajuizadas. Muito pelo

contrário: conduziu-as com afinco, dignidade profis-

sional, consciente da responsabilidade assumida, mesmo

quando designado como curador dos interesses de

incapazes, miseráveis na forma da lei, sobretudo

escravos.”(7)

Na verdade, pouca diferença havia entre os

“incapazes, miseráveis na forma da lei” e a quase

totalidade da população de Escada, da qual Tobias se faz

tutor intelectual, no melhor sentido da palavra.

De um lado, Escada apresentava, segundo o

próprio Tobias, um quadro social de extrema carência:

90% de necessitados, quase indigentes; 8% dos que

vivem sofrivelmente; 1,5% dos que vivem bem; e 0,5%

dos ricos, em relação aos demais.(8)

De outro lado,

Escada parecia, aos olhos do jovem bacharel, o covil das

“três desgraças” de que mais tarde se ocupou Lourenço

Moreira Lima, Secretário da Coluna Invicta, que varou o

Brasil na década de 20: “O chefe político, um coronelão

boçal que furta as rendas do município, o juiz a serviço

dos fazendeiros, e o delegado venal e subserviente.”(9)

A

rigor, para pelejar com essa realidade em suas duas

faces, Tobias Barreto contava apenas com o poder da

palavra, em sua mais precisa investidura profética, como

guia do povo, na arbitragem do destino coletivo dos

escadenses.

A sociedade escadense onde Tobias funcionava

com sua palavra de advogado, de curador, de juiz

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substituto, de jornalista e de escritor era escrava ou

subalterna em suas classes, manejadas pelos cordões dos

120 senhores de engenho, travestido de chefes políticos

conservadores e liberais. Toda e qualquer conquista dos

dominados impunha, necessariamente, a cessão de

direito, por parte da classe dominante. Sim, porque não

havendo no Brasil uma Poor Law,(10)

como em outros

países, os pobres têm sido apenas bafejados com

melhorias de natureza quase sempre clientelista e de

interesse eleitoreiro. A evolução dos direitos entre os

pobres segue, mais ou menos, a mesma trajetória que foi

seguida em relação aos escravos: lenta e gradual. Os

direitos políticos foram secundariamente tratados e não

raros apareceram como favores, como benefícios

paternalistas, do que como resultado de luta, troféu

conquistado na liça, como quis Tobias Barreto.

A Cidadania

A ação pública de Tobias Barreto, em sua

integralidade, deu sensível contribuição ao processo de

construção da cidadania no Brasil. Como definiu

Marshall, três elementos compõem, a cidadania: “Uma

parte civil, relativa aos direitos necessários à liberdade

individual (que sapo garantidos pelos Tribunais de

Justiça); uma parte política, referente ao direito de

participar no exercício do poder político (exercida nos

Parlamentos e nos Conselhos”; e uma parte social – tudo

o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar

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econômico e segurança, ao direito de participar, por

completo, na herança social.”(11)

Tobias tinha a nítida convicção de que o direito

era como algo distante do povo, e que faltava alguma

coisa em favor dos cidadãos escadenses, para neutralizar

as desigualdades das classes. Seu papel foi de um

combatente, desbravando o campo tímido, medroso, do

frágil corpo social daquele lugar pernambucano,

exemplo, em micro, de um quadro comum no Brasil do

Nordeste, que o tempo sequer alterou signifi cati-

vamente. De fato, não havia a parte civil da cidadania,

por faltar a liberdade individual. Não havia, de igual

modo, a parte política, porque o povo – ainda que

aquela porção indefinida, formada ao lado da nobreza e

do clero, ou a plebi, como queria o Bispo Cardozo

Ayres, citado por Tobias no Discurso(12)

– não tinha

qualquer forma de participação no poder político ali

formado. Nem havia, também, parte social, produto de

um legado social, posto que este também era inexistente.

Pela sua oportunidade, mesmo tendo sido escrito

de 1870, vale repetir o que disse Tobias Barreto no

artigo de fundo de A Crença: “Se houver a imprudência

de aí erguer-se um brinde à liberdade de consciência, o

Brasil não o poderá acompanhar, porque mantém em si a

escravidão religiosa; se um brinde à liberdade natural ou

civil, o não poderá satisfazer, porque tem o escravo; se

um brinde à liberdade política, o não poderá satisfazer,

porque não tem o cidadão.”(13)

Tal escrito pode servir de

marco teórico da luta do sergipano em favor da cida -

dania do brasileiro, evidentemente nos limites geo -

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gráficos de sua atuação imediata, ainda que tenha

havido repercussão de suas prédicas em várias partes do

país, especialmente no Maranhão, Ceará e Bahia, onde

seus textos eram objeto de discussão, muito parti-

cularmente A Idéia do Direito, discurso de paraninfia,

pronunciado em abril de 1883, que gerou a polêmica

com os padres do jornal maranhense Civilização,(14)

e

Menores e Loucos em Direito Criminal, de 1884,

assunto de debate no Clube Literário de Fortaleza, sob a

liderança intelectual de Júlio César.(15)

É também de 1870 a frase: “O cidadão é a forma

social do homem, como o Estado é a forma social do

povo”, que roteiriza uma visão penetrant e da realidade,

tanto no sentido de revelar, em diagnóstico, seu estágio

de carência, dependência e subalternidade, quanto no

sentido de esboçar uma saída, por mais romântica que

seja, como a que proclamou ao findar seu Discurso

perante os assistentes do C lube Popular Escadense: “...

Mas tem o intuito de incutir no povo desta localidade

um mais vivo sentimento do seu valor, de despertar -lhe

a indignação contra os opressores e o entusiasmo pelos

oprimidos. E há momentos – já disse com razão alguém

– há momentos em que o entusiasmo também tem o

direito de resolver questões.”(16)

Ao longo de sua permanência em Escada, Tobias

fez crescer a sua participação, com o mesmo ideário. A

sua coerência, tantas vezes salientada quando se declara

da sua evolução mental de crítico – social, político, da

religião, da filosofia, do direito, da literatura e da arte

em geral – aparece igualmente no campo da militância

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como teórico da organização da sociedade. A construção

da cidadania é uma referência permanente na ação

tobiática. Daí sua importância no contexto de sua obra,

como momento existencial rico, e de certo modo

deixado ao largo pelos seus biógrafos. Não causa

estranheza, portanto, que haja simetria perfeita entre a

atividade forense e a propaganda jornalística da sua

pequena tipografia, ou entre seus artigos contra juízes,

promotores, delegados, autoridades do poder e seus

discursos de arregimentação popular, ou ainda entre

seus despachos, na eventualidade dos cargos, com seus

pronunciamentos do deputado provincial, ou, por fim,

entre as suas novas concepções do direito e a alforria

que impunha, solenemente, aos escravos dos demais

herdeiros do seu sogro. A coerência é traço funda-

mental, marcante, que singulariza a vida e a obra de

Tobias Barreto de Menezes.

Há, embutida na cronologia da presença de

Tobias Barreto em Escada uma clara ação que leva ao

edifício da cidadania, quase como uma obstinada luta,

sob todos os aspectos desigual, travada com os

mandatários da localidade. Em 1879, após o exercício

de mandato como deputado, perdeu a indicação à

reeleição, como punição pelas suas atitudes de crítico do

Governo Liberal instalado na Província de Pernambuco.

Eleito vereador, em 1880, tem contra si o fato de

renunciar ao mandato, aceitando uma suplência de Juiz

Municipal. Seu gesto leva o chefe liberal escadense,

Antônio dos Santos Pontual, o Barão de Frexeiras, a

pedir, em carta ao senador Luiz Felipe, a retirada de

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Tobias de Escada, nem que seja para “uma destas

diretorias de colônias alemãs que tem o Brasil, pois

sendo possível arrumar-se isto, ou mesmo outro

qualquer emprego, será um serviço que V. Exa. prestará

à Escada, de uma importância extraordinária para a paz

da localidade, além do partido.”(17)

Em 1880, ainda, foi enquadrado em crime de

imprensa; Tobias levantou o povo em sua defesa. Como

acontecera nas ruas do Recife, na década de 60, quando

era o poeta e o orador do povo, ou a tribuna da

Assembléia, quando as galerias exultavam com sua

presença e oratória, também em Escada o povo

acompanhava Tobias nas audiências. Em 12 de abril de

1880 testemunha o escrivão Antônio Joaquim Machado,

em informação prestada ao juiz, que na ocasião da

defesa do seu constituinte Manoel Francisco de Barros,

“Tobias Barreto foi calorosamente aplaudido por muita

gente que se achava presente.” Disse ainda o escrivão

que “seguiram-se mais duas audiências, com grande

número de pessoas. Na ocasião em que o dr. Tobias

censurava o procedimento do juiz e da parte, apareceram

alguns murmúrios aprobatórios.” Na mesma data, em

Certidão, oficial e porteiro do juiz, Manoel Tomaz de

Albuquerque diz que “as audiências do Juiz Municipal

têm sido mais ou menos tumultuadas, isto porque o

senhor doutor Tobias Barreto de Menezes, tendo de

estabelecer sua defesa em processo por uso indevido da

imprensa está sendo instaurado por denúncia do doutor

Promotor Público, tem sido acompanhado à casa das

audiências por crescido número de pessoas que por

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gestos, palavras e aplausos tem interrompido as

audiências.”(18)

A longa lista de registros oficialmente dirigidos

ao juiz sobre a popularidade de Tobias Barreto se

completa com a reclamação que o próprio Juiz Jerônimo

Materno Pereira de Carvalho dirigiu ao Presidente da

Província, Franklin Dória, de que “aquele bacharel,

confiado no grupo de adeptos que o cerca, leva o

tumulto e a desordem às audiências, procurando conver -

tê-las em praças públicas, para exaltação dos ânimos

com o fito de erguer opinião contra as autoridades

judiciais da Comarca, de quem se tem tornado gratuito

desafeto, no que infelizmente vai mais ou menos en-

contrando imitadores.” Mais adiante, na mesma re -

clamação, o Juiz Materno arremata: “Venho, pois, com o

exposto, em nome da lei rogar a V. Exa. que se digne

de providenciar nos sentido de ser garantida a este juízo

a livre administração da justiça, manutenção da ordem e

princípio da autoridade sempre que como nas audiência

as que falo, se procure subvertê-las aos caprichos e

desvairadas pretensões.”(19)

O juiz de Escada chega a requisitar forças

policiais para garantir as audiências, no que foi atendido

com 24 praças do 14º Batalhão de Linha, comandados

por um oficial. Tobias não se intimida, prossegue com

sua atividade, até que tem, em 1881, sua casa cercada.

Ameaçado, ofendido, pega em armas e faz sua defesa,

conforme relata o Juiz José Brandão da Rocha: “Cercada

a casa do doutor Tobias Barreto de Menezes, onde se

achavam os escravos e foram apreendidos, depois de

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muita resistência por parte do mesmo dr. Tobias.(20)

No

final do seu ofício, reportando-se ao artigo de Tobias no

Jornal do Recife, denunciando a agressão, o juiz diz que

o sergipano tinha o “fim de chamar a odiosidade pública

contra as autoridades.”

Uma luta levada, verdadeiramente, ao extremo da

participação. A presença de pessoas – e nelas descobre-

se a função de face, como queriam os gregos, e não de

disfarce, como fizeram prevalecer os romanos – indica,

claramente, que o discurso do agitador social encontrou

guarida em Escada. Ali onde estava mais obviamente

explicitado que “o povo brasileiro não se constituiu, foi

constituído”,(21)

ali onde era notória a diferença entre

uma e outra situação, Tobias operara a ação evange-

lizadora que anunciara em 1876: “Nós cremos na so -

berania do povo. Ele há de despertar.”(22)

A Opinião Pública

Assim como Tobias Barreto pode, sem favor,

aparecer entre os que mais decididamente ofereceram

contribuição pessoal ao processo de construção da

cidadania brasileira, como teórico da organização da

sociedade, pode, também, figurar entre os que primeiro

buscaram apoio na opinião pública, valendo-se do

conduto da imprensa. E o faz ao chegar a Escada e ao

ter uma de suas primeiras causas, como Curador Geral

dos Órfãos, julgada. Para ele, que defende ardo -

rosamente o direito que patrocinou, a injustiça não

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atinge apenas as partes, mas também a quem as

representa.

Em 3 de junho de 1872, assinando escrito no

Jornal do recife, começa por dizer: “Apelo para o

público – tal foi a idéia que primeiro me ocorreu,

quando vi ultimamente praticada uma injustiça notável,

e da qual não deixei de ser também atingido.” Na sua

exposição, Tobias conta aos leitores os detalhes do

feito, fazendo como que transbordar para o conhe-

cimento público o direito contido nos autos. Com isso

estabelece uma relação de advogado com a sociedade,

induzindo a que esta seja também fiscal da admi-

nistração da justiça.

A busca da solidariedade social intui sobre a

noção de que o saber não pode ser privativo de um

pequeno grupo, ainda mesmo quando a função do

intelectual pressupõe a hegemonia do mais ilustrado.

Assinando os seus escritos ou simulando-os, como fez

no mesmo jornal e data, Tobias pratica na sutileza da

identificação um jogo que iria ser característica per -

manente de sua personalidade como crítico. Para ele

valia aparecer por completo, ou protegido por pseu-

dônimos como “Um Importuno”, “O Advogado Quei-

xoso”, e tantos outros utilizados em sua esgrima

intelectual, principalmente contra a justiça e contra os

políticos e seus partidos. O fundamental, para Tobias,

era o respeito ao direito, pois nele estava resguardado o

avanço do corpo social que o produzia, a despeito de

todas as adversidades.

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No mesmo escrito em 1872, depois de levar o juiz

ao ridículo, que era uma de suas formas de luta,

assevera que aquela autoridade cometera dois erros: o da

sua decisão e o de pensar que ele era de bom acomodar .

Realmente, nada faz com que Tobias se acomode em sua

luta permanente pelo direito. Seguidor de Kant, vive a

fazer uso público da própria razão, em todos os campos.

Tomando para si a tarefa de esclarecer o povo sobre os

seus direitos, podia muito bem repetir as palavras de

Cícero: “Unus sustineo tres personas – Mei, Adversarii

et Judicis” (Eu me constituo em três pessoas: a minha

própria, meus adversários e os juízes).(23)

Na sua luta, Tobias queria mais do que o mero

juízo de valores, queria que a opinião pública criasse

juízo de fato, fruto do entendimento do direito, que ele,

com esforço, tornava ao alcance de todos. Ele não

queria a administração da justiça nas mãos exclusivas do

Juiz e do Promotor. Queria o povo ciente do andamento

e das decisões do processo. Essa é a sua linha, por ela

respondeu a processo por crime de imprensa, e nela

baseou sua mais clara e moderna concepção de direito,

como “processo de adaptação das ações humanas à

ordem pública, ao bem-estar da comunhão política, ao

desenvolvimento geral da sociedade.”(24)

Ora, a opinião pública nasce no debate e tem

como objeto a coisa pública, logo pressupõe uma

sociedade livre, articulada, separada ou distinta do

Estado. Foi essa, na verdade, a grande contradição

enfrentada por Tobias Barreto ao professar teses

antecipadoras, num ambiente que lhe negava o mais

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comezinho princípio de liberdade política. Na sua

formulação de uma opinião pública que tomasse

conhecimento dos feitos forenses de Escada ele requeria

liberdade de expressão, pela imprensa, que exerceu,

diga-se de passagem, em toda a plenitude possível,

graças à coração que teve de fundar e redigir jornais,

graças ao apoio que mereceu de companheiros de

geração e de ideário. A prova positiva da relação

opinião pública/liberdade de imprensa foi o enqua-

dramento em crime de imprensa, em Escada, quando

escapou, camuflado nas próprias malhas da lei, que não

considerava jornal as publicações cuja circulação era

restrita a poucos exemplares. Nem uma nem duas vezes

apenas Tobias se valeu das brechas da lei para fustigar

as autoridades escadenses. Em 1876, com Copo em

Punho, radiografou personalidades, sem reação jurídica,

salvo em depoimentos sem valor, que mencionava o

avulso.(25)

Nos seus escritos estão os melhores testemunhos

de sua atuação. E à medida que mais escritos chegam ao

conhecimento público, mais ainda se mostra agigantada

a figura do crítico social, que na tentativa de passar o

Brasil a limpo foi também um crítico dos costumes, um

implacável gestor daquilo que mais tarde foi iden-

tificado como interesse público. Munido da verdade que

julgava possuir, Tobias Barreto arquitetou para o Brasil

uma sociedade organizada a partir do interesse dos

próprios brasileiros, tendo a liberdade como fundamento

da ordem, tendo o direito como uma conquista cultural,

formando o cidadão, no micromundo da comunidade, e a

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opinião pública, na universalização dos mesmos

conceitos emancipadores. Sua obra pode até não ter sido

concluída, mas são muitos os seus êxitos como

intelectual ativo, conduzindo o processo de evolução

cultural do seu tempo.

NOTAS

(1) Um Discurso em Mangas de Camisa, pronunciado em

setembro de 1877, no Clube Popular Escadense, logo publicado

nas páginas do Jornal do Recife, e em 1879 editado como

plaqueta.

(2) Não se tem, com exatidão, a data da primeira reunião do

Clube. O próprio Tobias, em 1879, ao escrever uma pequena

introdução ao Discurso, cita apenas o mês e o ano: setembro de

1877. Sabe-se, no entanto, que, através do jornal Um Signal dos

Tempos, em 1874, ele convidou o povo para organizar uma

sociedade.

(3) John Locke. Segundo Tratado sobree o Governo (1681). In A

Representação, Leituras Universitárias, Fundação Projeto Rondon,

Brasília, sd.

(4) John Stuart Mill. Considerações .sobre o Governo

Representativo (1860-61). In A Representação, Leituras

Universitárias, Fundação Projeto Rondon, Brasília, sd.

(5) Tobias Barreto. Menores e Loucos em Direito Criminal. II.

Laemmert & D. Editores. Rio de Janeiro, 1884.

(6) Correspondência de 22 de setembro de 1888.

(7) Jackson da Silva Lima. Tobias Barreto e sua Atuação no

Foro, que serve de Introdução à primeira parte deste volume, a de

“Escritos Forenses”. O autor tratara deste aspecto da obra de

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Tobias Barreto em artigo na Revista do Tribunal de Justiça do

Estado de Sergipe, nº 6, 1984, e no volume de Esparsos e Inéditos

de Tobias Barreto, editado em 1989.

(8) In Um discurso em Mangas de Camisa.

(9) Lourenço Moreira Lima. A Coluna Prestes, Marchas e

Combates. Editora Brasiliense, São Paulo, 1945.

(10) “Lei dos Pobres”, citada em Cidadania e Classe Social, com

base nas The Marshall Lectures, conferências dedicadas, em

Cambridge, a Alfredo Marshall. Brasília, 1988.

(11) In The Marshall Lectures, introdução de Walter da Costa

Porto. Brasília, 1988.

(12) In Um Discurso em Mangas de Camisa.

(13) A Crença, nº 4, de 30 de maio de 1870. Tipografia do

Correio Pernambucano, Recife.

(14) Toda a polêmica de Tobias Barreto com os padres do jornal

Civilização, do Maranhão, transcrita do Diário de Pernambuco,

segundo semestre de 1883, está no volume Crítica de Religião,

que integra a edição comemorativa das Obras Completas de

Tobias Barreto, Record, 1989.

(15) Luiz Antônio Barreto. “Tobias Barreto e seus seguidores”

III. In Gazeta de Sergipe, Aracaju, 10 de março de 1989.

(16) In Um Discurso em Mangas de Camisa.

(17) Carta em manuscrito, original, encontrada por Luiz Antônio

Barreto entre os papéis do senador Luiz Felipe, no Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro. Publicada na sua íntegra por Jackson da Silva Lima in Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto,

Aracaju, 1989.

(18) As correspondências, certidões, registros de audiências estão

no Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Os textos citados,

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copiados dos originais por Luiz Antônio Barreto, foram divulgados

in “Tobias Barreto, um Agitador Social”, Diário de Pernambuco,

20 de novembro de 1987.

(19) Luiz Antônio Barreto. “Tobias Barreto, Um Agitador Social”,

Diário de Pernambuco, 20 de novembro de 1987.

(20) Luiz Antônio Barreto. Tobias Barreto, a Abolição da

Escravatura e a Organização da Sociedade. Recife, 1988.

(21) In “Política Brasileira”, série de artigos de O Americano,

Recife, 1870.

(22) Epígrafe de O Povo da Escada, jornal editado por Tobias

Barreto, em 1876.

(23) Citado por Thomas Hobbes (1588-1679) in Leviatã, Capítulo

XVI, conforme o caderno de Leituras Universitárias A Repre-

sentação. Brasília, sd.

(24) Tobias Barreto. Menores e Loucos em Direito Criminal.

(25) O avulso “Copo em Punho”, objeto da denúncia no Foro

escadense, circulou, conforme testemunho de Luiz de França

Batista dos Santos, editado por Tobias Barreto na sua Tipografia

Comercial. A tipografia foi adquirida de Antônio Pedro Gomes Magnata, morador de Afogados, bairro do Recife, cliente e amigo

de Tobias. A montagem, na rua do Comércio, 22, em Escada, foi

feita por José Francisco Durães. Ao escrever, em A Província, um

dos seus artigos de crítica, Tobias revela a autoria do avulso “Copo

em Punho”, o que leva a crer ser das primeiras manifestações

jornalísticas do pensador sergipano em Escada. Sobre a vida de

Tobias Barreto em Escada é recomendável a leitura de Escada e

Joaboatão, memória apresentada por Samuel Campelo ao VI

Congresso de Geografia, em 7 de julho de 1919. O autor recolheu

do povo escadense o seguinte dito, atribuído a Tobias: “Os homens

ilustres de Escada contam-se como os dedos de u’a mão ao se tomar

uma pitada de rapé e ainda ficam dedos.”

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TOBIAS BARRETO,

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E A

ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE

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A Dinâmica dos movimentos sociais nem sempre

faz justiça aos que, de muitas formas, deles participam.

É o caso de Tobias Barreto de Menezes, sergipano de

Campos do Rio Real, que estudou Direito na Faculdade

do Recife e se transformou no principal teórico

brasileiro à testa do movimento renovador das idéias

denominado de Escola do Recife, que ainda hoje

repercute no Brasil e em algumas partes do mundo

civilizado. O nome de Tobias Barreto não tem

aparecido, devidamente, no amplo registro que se tem

feito em todo o País por ocasião do Centenário da

Abolição da Escravatura. É preciso reler, revisar e

recontar a história do Brasil para que não sejam

remetidos ao definitivo esquecimento os nomes daqueles

que inovaram, e, de alguma forma, até revolucionaram a

vida nacional brasileira. Tobias Barreto tem assento

destacado entre as figuras que construíram o Brasil

como povo.

O movimento em defesa da liberdade dos negros

escravos pode ser dividido em três fases distintas, cada

uma com sua importância. A primeira delas, emi-

nentemente literária, constou de um engajamento

intelectual principalmente no Nordeste brasileiro, com

ênfase para Pernambuco, tendo como maior expoente o

poeta baiano Castro Alves (1847-1871). Seus poemas

arrebatados de humanidade ecoavam como disparos

destinados a sacudir a consciência escravocrata do -

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minante. Nos saraus, nas récitas, nas páginas soltas dos

bandos, e nos livros, as vozes poéticas dos primeiros

abolicionistas abriam caminho para uma luta mais ampla

em defesa da liberdade.

A partir de 1879, Joaquim Nabuco detonou uma

movimentação enorme de imediata repercussão social,

em defesa da liberdade dos cativos. A imprensa passava

a ter, muito mais que antes, o papel da tribuna

permanente da discussão em torno da questão servil e da

abolição da escravatura. Muitos vultos surgiram no

cenário do combate, dentre eles André Rebouças, que

aprofundava o estudo da abolição para desdobrá-la num

projeto de longo alcance, segundo o modelo francês das

fazendas centrais. Ao tempo em que tomava dimensão

nacional a luta, eram criadas as Sociedades aboli-

cionistas, eram fundados os jornais que nas Províncias

sustentavam o fogo, em defesa da liberdade dos negros.

Era a vibração da segunda e mais ruidosa fase do

movimento abolicionista.

A terceira e última fase, voltada para a libertação

dos escravos e para a organização da sociedade pela via

econômica do trabalho livre, tem em Tobias Barreto a

sua maior liderança. E nesta fase, como se verá adiante,

que a campanha abolicionista dilata seu alcance para um

ampla crítica social, através da atuação, algumas vezes

até planfletária, de Tobias Barreto, na tentativa de levar

o povo à consciência da cidadania.

O Nordeste da segunda metade do século passado

era a região pobre, dividida entre os proprietários dos

engenhos de açúcar, os criadores de gado, escravos e

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agregados, distantes das decisões do Império. Na sua

história estavam ainda vivas as cicatrizes das

insurgências, guardando a ousadia e o heroísmo de

muitos sonhadores de liberdade. Foi em meio a esta

realidade que deslocou-se de Sergipe para Pernambuco o

mulato Tobias Barreto de Menezes, a quem, muito

injustamente, se comete a omissão e o distanciamento da

causa da libertação dos negros. Injustiça, aliás, que vem

de Evaristo de Morais e de outros autores citados e

repetidos, até os dias atuais quando a omissão de alguns

biógrafos alimenta a dúvida e estimula a condenação,

como ocorreu com Medo à Utopia – O Pensamento

Social de Tobias Barreto e Sílvio Romero – de Evaristo

de Morais Filho, um incompleto ensaio que reprisa a

mesma e surrada má vontade expressa anteriormente, em

1977, pelo mesmo autor quando da introdução ao livro A

Questão do Poder Moderador e outros ensaios

brasileiros, da Editora Vozes, organizado por Hildon

Rocha.

A biografia de Tobias Barreto de Menezes, desde

que chegou ao Recife, em 1862, é facilmente resumível.

Nos primeiros anos foi estudante de Direito, professor

particular e jornalista. Nesta época é poeta da escola

hugoana, ou condoreira, ao lado de Castro Alves, José

Jorge de Siqueira e outros, arrebatando as platéias nos

saraus, nos teatros, nas residências, nas praças públicas.

Sua poética está afinada com seu tempo. Os jornais

recifenses guardam seus poemas saudando os Volun-

tários de Pernambuco. Nas suas, se faz orador do povo.

Nos jornais combate o clericalismo em memoráveis

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polêmicas, enquanto professava a fé liberal através de

uma série de 5 artigos sob o título único de O Homem e

os Princípios. Participa de três concursos – dois para a

cadeira de Latim do Curso Preparatório e um para a

cadeira de Filosofia do Ginásio Provincial. Nos dois

primeiros, concorreu com seu parente Padre Félix

Vasconcelos Barreto, ficando no segundo lugar. No

concurso de Filosofia, concorre com José Soriano de

Souza e apesar de superá-lo nas provas perde o lugar.

Ou seja: ganha, mas não leva. O episódio do concurso

do Ginásio Pernambucano confirma definitivamente, a

antipatia recíproca entre Tobias Barreto e o Clero.

Formado em Direito vai advogar na Comarca de

Vitória, fixando-se no termo de Escada, por motivos de

família. Criada a Comarca de Escada Tobias Barreto se

dedica aos estudos jurídicos, ao mesmo tempo que se

lança ao domínio da língua e da cultura alemã e se fez,

pelos seus pequenos jornais, quase volantes ou bandos

distribuídos nas feiras, teórico da organização da

sociedade. Em Escada Tobias Barreto amadurece a sua

visão de crítico e de pensador, lançador as bases de uma

nova ordem cultural e social. Dois exemplos, mais oque

outros, ilustram esta afirmação: a fundação do Clube

Popular Escadense, com o monumental Discurso em

Mangas de Camisa, no qual utiliza o método estatístico

para sublinhar as mazelas do município e a sua presença

na Assembléia Provincial, como deputado, defendendo

direto novos como aquele em favor da mulher.

De volta ao Recife, Tobias Barreto entra na

última fase criadora de sua vida de intelectual, como

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professor da Faculdade de Direito e como líder de um

movimento fecundo, de grande repercussão nacional,

conhecido sob a denominação de Escola do Recife.

Pernambuco estabelecia, no Nordeste, o compromisso

engajado da sua Faculdade de Direito, em contr aponto

ao descompromisso da Faculdade de Direito de São

Paulo, onde uma geração de poetas abstraía a realidade

de uma sociedade em formação para intimizar seus

sentimentos e seus perplexidades. Mais uma vez Per -

nambuco evoca para si os vínculos com a nacio nalidade,

com as causas sociais, com o futuro, deste feita tendo à

frente a figura de Tobias Barreto.

Como muitos poetas do seu tempo, Tobias

Barreto também engajou a sua poesia na defesa da

liberdade dos negros. E o fez de três formas: exaltando a

morena, mestiça brasileira, deplorando a escravidão, de

forma explícita, e inflamando as massas em torno das

idéias de liberdade.

Cantando a morenidade,Tobias Barreto toma o

tema em O Beija-flor, de 1860:

“Neste empenho o seis ambos

Deixa ver, inconhos jambos

De algum celeste pomar.”(1)

Repete-o em Lenda Civil, de 1865:

“Inflamável morena, que esperdiça

De seu rosto suado as bagas de oiro.

Anda, brinca, sorri, deusa morena.”

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Em Tabaréus, de 1866, o poeta colhe a cena

popular e nele insere sua predileção pela musa mestiça:

“Amor de minha morena?

Quebrantos de seu olhar?

Consta-me que há muito arrojo

Nos festejos de São João.

Vim hoje ver a novena

E conversar com a morena

Que trago no coração.

Conversar? e vim disposto.

A carregá-la também.”

Mais tarde, já em Escada, pai de filhos, sublima a

tentação pelo sonho com a mulher amada. Os versos são

de Brincadeira, 1874:

“Bastos, crespos cabelos de mulata,

Sendo ela aliás de pura raça ariana,

Olhos d’águia, mãozinha de criança

Boca de rosa e dentes de africana.. .

É esta a imagem que peguei num sonho

Sonho de amor, febril e delirante;

A mais moça, a mais quente das dez virgens,

A que o reino dos céus é semelhante.”

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Ao lado do cântico moreno, Tobias Barreto

explicou sua participação poética na tua abolicionista,

com o poema A Escravidão, de 1868.

“Se Deus é quem deixa o mundo

Sob o penso que o oprime,

Se ele consente o crime,

Que se chama escravidão,

Para fazer homens livres

Para arrancá-los do abismo,

Existe um patriotismo

Maior que a religião.

Se não lhe importa o escravo

Que a seus pés queixas deponha,

Cobrindo assim de vergonha

A face dos anjos seus,

Que em delírio inefácil,

Praticando a caridade

Neste hora o mocidade

Corrige o erro de Deus.”

Não ficou no poema único. A mesma temática

ressurge em Ignorabimus, o antológico soneto, e em

outros poemas tobiáticos. Em 1881, quando do cerco à

sua casa, em Escada, mais uma vez Tobias Barreto

recorre à poesia para expressar sua margura:

“Cercam-me a casa p’ra tirar escravos...

O juiz que tal ordem preparou

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É mais negro que o negro da senzala,

Pois a reles mandões se escravizou.

Esses cativos só brandura querem

Nos grilhões das cadeias onde estão

Mas o senhor despótico é quem mancha

A própria mancha dessa escravidão.”

Erra quem compara a produção poética de Tobias

Barreto com a de Castro Alves. São coisas diferentes,

incomparáveis naquilo que se relaciona com a temática.

No entanto, enquanto o poeta baiano se fixa no tema da

libertação dos negros, Tobias Barreto avança dilatando o

conceito de liberdade, como um planfletário a mobilizar

a opinião pública em torno de outras questões,

correlatas. São exemplos da agitação das massas os

versos de A Polônia, de 1864:

“Só é grande a liberdade

eu sacode a majestade

E arranca a juba dos reis.”

Desde aí que Tobias Barreto investe contra a Mo-

narquia brasileira, ao tempo em que exalta o nacio -

nalismo como no poema Sete de Setembro, de 1865:

“Rolam os astros, os dias,

E o grande dia não vem:

Cada povo o seu Messias

Aguarda, espera também;

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Suporta, suspira, anseia

Pelo homem, pela idéia,

Que passa e se faz Nação...

Para que tudo estremeça,

Basta erguer-se uma cabeça,

Cheia de revolução.”

Revolução, está aí uma palavra aplicável ao com-

promisso de Tobias Barreto, em todas as manifestações

do seu talento, até os últimos dias de sua vida, no gesto

audaz de quem enfrentando incompreensões, dificul-

dades, insiste em manter-se no combate das idéias

revolucionárias.

Em Decadência, poema de 1870, o sergipano

ameaça:

“Por que não te ergues, ó Brasil fecundo,

Por vastas ambições, por fortes brios?

Que glória é esta de mostrar ao mundo,

Em vez de grandes homens, grandes rios?...

Que o povo fale, isto [e, prenda na boca

A escuma, a raiva, o fel dos oceanos

E a brasa dos vulcões! Matéria pouca

Para cuspir na face dos tiranos.

Tiranos? Sim que matam o progresso,

Que sufocam a luz e o direito.

Para quem toda a idéia é um excesso...

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Nas ruas de Pernambuco, como orador do povo,

Tobias Barreto alimentava o sentimento nacional com

frases assim – “a Pátria somos nós” – dita perante os

Voluntários pernambucanos, de volta da Guerra do

Paraguai.

Mais do que o lastro humanitário dos poetas,

Tobias Barreto impregnava a sua participação de uma

antevisão política, como que a pregar uma campanha

cívica, patriótica, pela mocidade, assim chamados os

estudantes, tanto para libertar os escravos, como para

corrigir “o erro de Deus”. No batente da imprensa

pernambucana, no jornal recifense A Crença, em 1870,

Tobias Barreto patrocina editorias com textos assim:

“Se houver a imprudência de aí erguer-se um brinde à

liberdade de consciência, o Brasil não o poderá

acompanhar, porque mantém em si a escravidão

religiosa; se um brinde à liberdade natural ou civil, o

não poderá satisfazer, porque tem o escravo; se um

brinde à liberdade política, o não poderá satisfazer,

porque não tem o cidadão.”(2)

Está aí uma temática que

conviveu na variada obra de Tobias Barreto: na

imprensa, nos discursos, nos livros.

Recolhido ao interior, como advogado e mais

tarde Curador dos Órfãos, vereador à Câmara Municipal

de Escada, deputado liberal à Assembléia Provincial de

Pernambuco, e Juiz Municipal Substituto. Em Escada,

Tobias Barreto de Menezes praticou essa tríplice busca:

da liberdade religiosa, da liberdade aos negros e da

organização da sociedade e afirmação do cidadão.

Consciente de que Escada, com seus 120 engenhos

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ditando sua vida, era uma representação pernambucana,

Tobias Barreto foi um agitador a bradar contra as

formas de injustiça que uniam, não raro, a Igreja, a

justiça e o poder constituído. Para combatê-los, em

todas as frentes, Tobias dispôs de uma tipografia

montada para editar seus jornais, muitos dos quais

distribuía gratuitamente, na feira, com o povo. Um

Signal dos Tempos, 1874, A Comarca de Escada, 1875,

Devaneio Literário, 1875, O Povo de Escada, 1876. O

Escadense, 1877, Aqui para nós, 1877, A Igualdade,

1878, Contra a Hipocrisia, 1879, a revista Estudos

Alemães, 1880, e O Martelo, 1881, eram os veículos de

comunicação direta de Tobias Barreto com o povo

escadense, tratando de uma variedade imensa de

questões, percorrendo um largo espectro do

conhecimento, com o direito, a filosofia, a religião, a

sociologia, a literatura, as artes, mas também as

peculiaridades locais, muitas delas ligadas “as três

desgraças”, mais tarde fixadas por Lourenço Moreira

Lima, Secretário Oficial da Coluna Invicta, no final da

década de 20 deste século: “o chefe político – um

coronelão boçal que furta as rendas do município – o

juiz, a serviço dos fazendeiros e o delegado venal e

subserviente.”(3)

Está no jornal O Povo de Escada, de 1876, a

frase: “Nós cremos na soberania do povo. Ele há de

despertar.”(4)

Mais do que a idéia, há a prática. Tobias

Barreto fundou, em 1877, o Clube Popular, pronun-

ciando o célebre Discurso em Mangas de Camisa, que a

imprensa recifense – o Jornal do Recife – publica com

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destaque no mesmo ano. Nele, traçando um painel da

realidade escadense e pernambucana, Tobias Barreto

conclui: “O Clube Popular Escadense, meus senhores,

não nutre pretensão, que seria ridícula, de vir levantar

um dique de resistência contra a corrente de tantos

males, cujo ligeiro esboço acabo de fazer, mas tem o

intuito de incutir no povo desta localidade um mais vivo

sentimento de seu valor, de despertar-lhe a indignação

contra os opressores, e o entusiasmo pelos oprimidos. E

há momentos, já disse com razão alguém, em que o

entusiasmo também tem direito de resolver questões.”(5)

Um Discurso em Mangas de Camisa é, ainda hoje, um

notável documento que radiografa, com perfeição, a

realidade nutrida pela açucarocracia pernambucana,

como gostava de nomear, Tobias Barreto, aos coronéis

senhores de engenhos, divididos, artificiosamente, em

liberais e conservadores, alternando-se, sempre, no

Poder.

Não apenas o Clube Popular, mas também a ação

pessoal de Tobias Barreto como advogado pode ser

inserida em sua biografia de agitador social. Em Escada,

nas audiências, o povo era presença constante, locando

as dependências do foro, aplaudindo a cada frase o

orador que defendia uma nova intuição do direito, ao

tempo em que pregava a organização livre da sociedade.

Em 1879, escrevia no seu jornal Contra a Hipocrisia:

“Eu desejo a abolição de todas as instituições caducas,

que são outras tantas afrontas à dignidade do homem;

desejo a extinção de todas as excrescências, de todos os

órgãos rudimentares e deturpantes da sociedade humana.

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Neste caso está, sem dúvida a escravidão. Porém en-

tendamo-nos: neste caso está também a Monarquia.”(6)

Foi, no entanto, em 1881, ainda em Escada, que Tobias

Barreto tomou mais a sério a sua participação na luta

abolicionista, ao declarar livres os escravos que herdara

do seu sogro, bem assim os demais que pertenciam ao

mesmo inventário e que mereceram dele uma petição,

dirigida ao Juiz, para alforriá-los. Em carta a seu amigo

e conterrâneo Sílvio Romero, Tobias diz: “Não deve

passar desapercebido que eu, reagindo contra o in-

ventariante dos bens do meu sogro, que requerera o

cerco da casa, para apreensão dos escravos do

inventário, que me tinham procurado, alforriei a to -

dos.”(7)

A atitude foi a gota d’água, pois cercada a casa

pela polícia, tendo a justiça em seu encalço como

incurso por delito de imprensa, Tobias Barreto não teve

outra alternativa, que não a de retornar ao Recife, para

continuar vivo.

A luta de Escada, tão bem referenciada na

imprensa recifense, aponta o confronto entre o advogado

e tantas vezes Curador de Escravos nas audiências da

Comarca e a Justiça, a serviço dos escravocratas. Mais

do que a denúncia do próprio Tobias Barreto, nas cartas

em que relata o cerco à sua casa, aos insultos de Cabra,

de Bode, de Turco dos Diabos e outras ofensas, vale

reproduzir trecho da correspondência dirigida ao então

Presidente da Província de Pernambuco, José Antônio

de Sousza Lima, pelo Juiz Municipal José Brandão da

Rocha. Diz o Juiz: “1º - Que foi expedido o mandado de

apreensão, a requerimento do dr. Samuel Pontual na

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qualidade de inventariante do espólio do Cel. João Félix

dos Santos; 2º - Que por força do mesmo mandado, foi

cercada a casa do dr. Tobias Barreto de Menezes, onde

se achavam os escravos e foram apreendidos, depois de

muita resistência por parte do mesmo dr. Tobias.”(8)

Não poderia haver mais exata e nem melhor

certidão do comportamento libertário de Tobias Barreto,

frente aos escravos, do que o documento do Juiz

Municipal. Dr. José Brandão da Rocha não fora o

primeiro Juiz a merecer censura por causa do

envolvimento com os senhores de escravos. Antes dele,

Jerônimo Materno Pereira de Carvalho foi acusado de

proteger alguns senhores de escravos alforriados pelo

Fundo de Emancipação. Tobias Barreto chamava a

atenção, a propósito, para o uso indevido do Fundo de

Emancipação, que geralmente beneficiava ao senhores

mais importantes e de maior poder político, citando o

exemplo de “um escravo já idoso, pertencente ao dr.

Epaminondas de Barros Correia, Vice-Presidente da

Província, foi avaliado em 1.800$000, o passo que um

outro, mais moço e mais sadio, de profissão igual a

daquele, mas de propriedade de Francisco Urbano, que

não tem a posição política do seu Epaminondas, foi

avaliado em 900$000.”(9)

A denúncia, faz parte da

defesa levada a efeito por Tobias Barreto, em novembro

de 1880, em favor do Coletor João Batista Gomes Pena,

através do artigo intitulado “A Justiça da Escada”,

publicado no Jornal do Recife de 2 de dezembro de

1880.

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Mais do que alforriar escravos, defendê-los como

Curador, e protegê-los como advogado fiscalizando a

ação da justiça, Tobias Barreto dedicou parte de sua

permanência em Escada para denunciar as diversas

formas de injustiças ali praticadas contra os negros e

contra o povo. Num pequeno artigo int itulado Dê

Remédio quem Puder, publicado no jornal Um Signal

dos Tempos, ele narra um fato que é, a um tempo, um

quadro de penúria e um grito de revolta: “Tivemos de

presenciar aqui, há poucos dias, o triste espetáculo de

um escravo doente, abandonado por seu senhor, que

veio a esta cidade mendigar o pão. Aí esteve com efeito

exposto sob o telheiro da feira, despertando a

compaixão sobre ele e a indignação sobre o senhor sem

alma, que assim o expelira de casa. Dizem ser João

Lopes Ferreira, do Engenho Capindão; e não é a

primeira vez que deste modo procede. Seria bom que se

lhe fizesse aplicável o parágrafo 4º do artigo 6º da Lei

de 28 de setembro; menos por amor de uma liberdade

que se importa pouco ao infeliz, do que para obrigar o

bárbaro senhor a alimentá-lo.”(10)

O texto é de 31 de

outubro de 1874.

Ainda em Escada, em 1875, Tobias Barreto es-

creve no jornal Desabuso que “Repugna aos sentimentos

da dignidade humana ver-se um homem, nosso igual,

escravizado a um senhor, como seu instrumento de

trabalho.”(11)

No mesmo ano de 1875, a propósito do

tratamento de Cabra, Tobias Barreto, no mesmo jornal,

esclarece sua posição perante a chamada fidalguia

pernambucana: “O escritor destas linhas que não tem

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outros títulos de nobreza, senão a honra dos seus pais,

está disposto a não apelar da sentença, com que aqui se

o condenou a ser um cabra, no sentido pernambucano da

palavra” – (segundo Pereira da Costa, no Vocabulário

Pernambucano, Cabra, Bode, é o mestiço de negro, é

mulato). Continua Tobias: “Assim fique assentado que

eu aceito o apelido. Entretanto, importa observar que a

nós, os cabras é que pertence o futuro, pois somos nós

quem tem a preponderância do número. Dest’arte

suponhamos que os cabras aqui da cidade, por exemplo

se reunissem para dar uma surra de cansanção e uma

ajuda de malaguetas em todos os brancos, reais e

presumidos, qual é o que teria a coragem de afrontar o

martírio de sua branquidade?”(12)

Os biógrafos de Tobias Barreto, ainda não

levantaram, completamente, a presença intelectualmente

rica, genial mesmo, do autor de Estudos Alemães em

Escada. Pois o farto material existente no foro, nos

jornais, certamente desmentiria a malfadada omissão de

que alguns escritores e críticos têm tratado, na questão

da abolição. O já citado Evaristo de Morais Filho com

certeza mudaria a sua opinião de que “Tobias foi mais

do que um omisso ou um ausente, foi um desafeto”,

contida na página 159 do livro Medo à Utopia.(13)

Nem omisso, muito menos ausente, como é fácil

provar com fatos, com textos, com documentos, algu ns

dos quais ainda inéditos. Desafeto, pode ser, de algumas

das muitas figuras que foram, a um tempo, aboli-

cionistas e monarquistas, que festejaram a Lei Áurea da

Princesa Isabel e que enviuvaram, a seguir, com a

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proclamação da República. Desafeto, talvez, com os

abolicionistas que queriam importar braço da Europa

para uma colonização que isolava o negro a ser

libertado.

Mais do que defender a abolição da escravatura,

Tobias Barreto defendeu uma nova ordem política,

econômica e social. Em 26 de março de 1878, no jornal

O Escadense, ele dá a receita do desenvolvimento:

“Criar escolas para o ensino agrícola, abrir vias de

comunicação, fundar bancos rurais, que livrem os

agricultores da agiotagem dos correspondentes, animar e

facilitar todos os trabalhos que aumentem o valor da

terra, essa mina inesgotável e sempre generosa da

fortuna dos povos, eis a missão do governo.”(14)

Inimigo da escravidão, mas também da Mo-

narquia, Tobias Barreto cunhava frases que tinham gran-

de efeito e que provocavam, não raro, o mis to de admi-

ração e de repulsa, entre admiradores e desafetos. Em

1879, em Escada, escreve: “A enxada ou a foice na mão

do escravo que só trabalha para outrem, é de fato um

hediondo anacronismo; não é menos hediondamente

anacrônico o simbólico cetro na mão do Imperador, que

é um mendigo ilustre, que só consome e nada

produz.”(15)

Mais do que futucar o Imperador. Tobias

cumpre o papel de crítico da celebrada Lei de 28 de

Setembro, dizendo: “Chamo a atenção para o seguinte:

O artigo 1º, parágrafo 1º da lei determina que os

ingênuos ficarão em poder dos senhores de suas mães

até a idade de 8 anos; depois do qual os senhores terão a

opção ou de serem indenizados pelo Estado, entregando -

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lhe os mesmos ingênuos, ou de utilizarem-se dos seus

serviços até 21 anos comp letos.”(16)

Tobias Barreto

concluía seu juízo mostrando que a lei criava anal-

fabetos obrigados, que mais tarde, por força da reforma

eleitoral, ficaram sem direito de votar. Logo, a lei

libertava o ventre, mas não criava o cidadão.

Ainda hoje muitos não compreendem como

alguém – e no caso Tobias Barreto – pode defender a

abolição da escravatura e ao mesmo tempo condenar a

legislação anterior, como a Lei de 28 de setembro. Fosse

apenas um abolicionista, preocupado única e exclu -

sivamente com o fim da escravidão, e poderia ser

exigido de Tobias que ele silenciasse o seu comentário

com relação a Lei do Ventre Livre. Mas, o que movia o

pensador era a visão mais ampla do problema social,

que assimilava e de algum modo engolia o drama racial.

Tobias Barreto cobrava leis que mais do que a liberdade

de ir e vir, desse a liberdade de sobreviver com dig ni-

dade. Ao contato com toda a sua obra, colhe-se a

coerência que justifica sua posição nova, inovadora,

além dos limites de todas as propagandas e campanhas.

Após o famigerado cerco à sua casa, ameaçado e

ofendido, Tobias Barreto retorna ao Recife, aquela

mesma “cabocla civilizada” a quem dedicara um poema,

logo ao chegar de Sergipe, e continua firme na defesa

das liberdades. Lança-se com afinco aos livros, produz

para os jornais e participa da vida intelectual e social

pernambucana.

Em Glosas Heterodoxas a um dos Motes do Dia,

ou Variações Anti-sociológicas, Tobias Barreto expõe,

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sem temos, seu pensamento: “Realmente eu digo que o

característico da sociedade é lutar co ntra a luta natural

pela existência, tratando sobretudo de corrigir seus maus

efeitos. Ser natural não livra de ser ilógico, falso e

inconveniente. As coisas que são naturalmente regu-

lares, isto é, que estão de acordo com as leis da

natureza, tornam-se pela maior parte outras tantas

irregularidades sociais; e como o processo geral da

cultura, inclusive o processo do direito, consiste na

eliminação destas últimas, dará o antagonismo entre a

seleção artística da sociedade e as leis da seleção

natural.

Assim, e por exemplo se alguém hoje ainda ousa

repetir com Aristóteles que há homens nascidos para

escravos, não seja motivo de estranheza. Sim – é natural

a existência da escravidão. Há até espécies de formigas,

como a polyerga nibescens, que são escravocratas;

porém é cultural que a escravidão não exista.”(17)

1822 é o grande ano da afirmação intelectual de

Tobias Barreto. Na Faculdade de Direito ele faz con-

curso para Lente Substituto e arrebata a platéia de

professores e estudantes com suas novas idéias, como a

de que “O ensino deve ser gratuito e obrigatório”,(18)

embutida na sua tese, e que ainda hoje, mais de 100

anos depois, ainda é uma palavra de ordem dos grupos

progressistas e engajados que lutam em defesa da

sociedade brasileira.

Poeta e orador, compositor e crítico musical, To-

bias Barreto é convidado constante dos saraus artísticos,

das tertúlias, dos encontros culturais pernambucanos.

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Estava sempre entre os primeiros oradores e foi ele o

primeiro inscrito para falar na festa do dia 9 de julho de

1883, em homenagem ao compositor Carlos Gomes,

quando seriam libertados dois escravos. O Diário de

Pernambuco de 8 de julho diz que “Às 4 horas da tarde

em ponto, partirão do largo do Arsenal da Marinha,

incorporados e precedidos da Banda Musical do Corpo

de Polícia, indo no centro da marcha o carro triunfante

com o símbolo do Guarani, seguindo-se a Comissão

promotora da festa após da qual irão os escravos libertos

em honra do laureado maestro.”

No seu discurso emocionado, Tobias Barreto diz a

Carlos Gomes: “Depois de mil preitos rendidos à sua

pessoa, chegou também momento de esquecermo-nos

dela, para somente prestarmos homenagem a uma de

suas grandes obras. Mas, vêde bem; essa obra não é

nenhuma das suas brilhantes composições musicais, é

um produto muito mais brilhante, porque é um ato

humanitário, porque é a liberdade, em seu nome e por

sua causa, restituída a dois infelizes.”(19)

Não seriam estas as únicas palavras de Tobias

Barreto em favor dos escravos do Recife. Nem aquele, o

único ou último ato público do pensador sergipano em

defesa da liberdade dos negros. Ao ingressar na So -

ciedade Nova Emancipadora, encarregada da libertação

do município do Recife, Tobias Barreto se faz orador de

suas solenidades e diante das multidões assume sua

condição de abolicionista, em plena campanha, ao ano

de 1883. Um original manuscrito, ainda inédito em sua

vasta obra, dá a verdadeira dimensão do homem público,

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do intelectual engajado, do agitador social, do orador da

liberdade.

Vale a longa citação da oração de Tobias Barreto

diante dos membros do Clube Carlos Gomes, no Recife.

“Senhores do Carlos Gomes,

A Sociedade Nova Emancipadora, a que tenho a

hona de pertencer, encarregou-me de vir, em seu nome,

manifestar-vos os seus sentimentos de profunda gratidão

pela generosidade com que vos dignastes de prestar o

vosso auxílio à causa que ela defende. Refiro -me ao

concerto dado em seu benefício no dia 19 do corrente,

cujo produto econômico foi destinado à libertação de

tantos escravos que hoje aqui mesmo, e para melhor

(acentuar) a parte da glória que tendes em semelhante

feito, vem receber os seus títulos de liberdade.

Não foi sem um certo propósito que eu usei a

expressão produto econômico destinado à alforria de

alguns escravos, pois que o concerto que destes, também

tem um produto moral, que há de contribuir o mais cedo

possível, nós o esperamos, sim e como disse o

americano Emerson, não há esperança, bem nutrida e

bem fundada, que não traga já em si o princípio da sua

realização.

Prezado Clube Carlos Gomes,

A Nova Emancipadora tem motivos bastante

valiosos para dar um grande peso ao auxílio que lhe

prestastes. Além do fato altamente meritório de

concorrerdes assim para o bem da humanidade, o que

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em toda e qualquer condição seria digno de louvor,

acresce que nas circunstâncias do momento, diante da

luta travada com as larvas do passado que querem

sufocar no horizonte a estrela do futuro, houve de vossa

parte um ato de coragem em tomardes o nosso lado, um

ato de heroísmo não comum nessa profissão de fé

cantada, nessa declaração feita por música de que sois

também adeptos da idéia que nos anima.

Prezados do Carlos Gomes,

Eu não vim fazer um discurso, nem aqui se trata

de discursar, mas é bom nunca perder de vista as

dificuldades do problema que nos propomos resolver,

nunca deixar de estar atentos para a carranca da esfinge,

que nos diz: decifrai-me, ou eu vos devoro. Sim,

Prezados do Clube – Jacta est alea – nós aceitamos a

luta com os deuses, nós ousamos querer galgar o cimo

da montanha e dar combate ao abutre que rói as

entranhas de Prometeu. Nesta conjuntura é muito natural

que os rochedos rolados do alto tentem embargar a

nossa passagem. E eles, com efeito continuam a rolar,

como nós também continuamos a subir.”(20)

Está aí mais do que uma bela peça de retórica do

mestre. Está um compromisso em pleno resgate, na mais

insofismável participação, que, revelado, não tem o

sentido de querer a glória tardia para adornar o perfil de

Tobias Barreto, mas apenas registrar o fato, com toda a

sua integridade histórica, toda a sua importância social,

toda a sua responsabilidade cultural. A presença de

Tobias Barreto integrando a Sociedade Emancipadora é

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citada por Coriolano de Medeiros, no Movimento da

Abolição no Nordeste, no O Livro do Nordeste, de 1925.

Ao lado de Tobias Barreto, formando uma “Comissão de

Homens Ilustres” figuravam Barros Sobrinho, João

Barbalho, Braz Florentino, Barros Guimarães, Paula

Baptista, Figueiroa de Farias, José de Vasconcelos,

Martins Júnior, Gomes de Matos e Artur Orlando, com a

incumbência de promover a libertação no município do

Recife.(21) No Manifesto da Nova Emancipadora,

lançado em 31 de março de 1883, há um recado: “Podem

os senhores de escravos dormir tranqüilos acerca dos

intuitos da Comissão Emancipadora do Município do

Recife, que são os mais legítimos e honrosos.”(22)

O insuspeito Mauro Mota, voltando a tratar da

Sociedade Nova Emancipadora, diz em artigo intitulado

O Recife no Tempo da Escola do Recife, publicado no

Diário de Pernambuco, em 11 de agosto de 1977, que

“Ultrapassando o proselitismo, a Escola do Recife

acompanha as reivindicações do seu tempo. Apesar do

Hino Abolicionista (Os dois tribunos da Pátria/no

Congresso Nacional/Mariano a nossa glória/Nabuco

nosso fanal) Tobias e Artur Orlando dirigem a Comissão

Emancipadora do Recife.

Assumindo como seus, os compromissos da

Sociedade Nova Emancipadora do Recife começa a

circular, a partir de 9 de abril de 1883, o jornal O

propulsor, que também proclama a organização do

trabalho livre, através do editorial – O Motivo e o Fim

deste Jornal.(23)

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A fama de Tobias Barreto espalha-se por todo o

Nordeste, por conta de suas colaborações na imprensa,

pela sua passagem pela Assembléia Provincial, onde

defendeu, magistralmente, o direito da mulher, seu

germanismo, seu concurso na Faculdade, sua obra

literária e, também, sua participação ativa nas lutas

abolicionistas. Viaja a Sergipe e na passagem por

Maroim, centro comercial importante, é festejado e

homenageado em sessão especial do Gabinete de

Leitura. O coronel José de Faro Rollemberg, após ouvi-

lo entusiasmado enaltecer a mocidade sergipana, abraça-

o e manda anunciar, pelo dr. João Moreira de

Magalhães, que, em sua homenagem, alforriava uma

escrava. O fato está contado por Joel Aguiar, em livro

de 1927 sobre o Gabinete de Leitura de Maroim.(24)

De volta ao Recife continua a luta. Pereira da

Costa o relaciona entre os benfeitores que contribuíram

para os festejos da libertação dos escravos no Ceará, em

1884. Em 1885, a Associação Mista Redentora dos

Cativos e Protetora dos Ingênuos promove, no dia 19 de

maio no Teatro Santa Isabel, uma Sessão Literária para

arrecadar fundos para a libertação dos negros. No

convite o destaque: “Nela tomará parte o talentoso e

ilustrado dr. Tobias Barreto de Menezes.”(25)

Na Faculdade de Direito, então já um centro

irradiador das idéias renovadoras de Tobias Barreto e de

outros que se agrupavam em torno da Escola do Recife,

os programas refletiam as mudanças propostas pelo

combativo sergipano. João Viera, professor da

Faculdade, inclui no programa de Direito Civil o Direito

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Autoral, idéia nova de Tobias Barreto, conforme

comentário de Benilde Romero, em O Sahara, de abril

de 1883.

Comentando o livro Lendas e Superstições do

Norte, de João Alfredo de Freitas, Tobias Barreto

defende mais estudo para determinar o quinhão africano

na gênese das lendas e superstições populares, e ensina:

“A parte da introdução relativa ao africano, como fator

da superstição brasileira, permita que lhe diga, merecia

um pouco mais de pesquisa. Da pouca ou nenhuma

religiosidade dos negros não deriva logicamente que

eles deixassem de ser supersticiosos, que não tivessem

muitas fábulas e lendas grosseiras, que bem puderam

chegar até nós e incorporar-se aos nossos contos.”(26)

O germanismo de Tobias Barreto, que não

significa apenas o domínio da língua e da cultura alemã,

mas também afinidades com a evolução filosófica,

econômico e jurídica, fez com que o Príncipe Henrique,

da Prússia, irmão do mais tarde Imperador Guilherme II,

em cruzeiro pelo mundo, ao tocar o Recife, a bordo da

corveta Olga, manifestasse int eresse em conhecer o

pensador sergipano. Em casa, de blusa de pijama,

Tobias saudou aquela visita dizendo: “Permita a este

caboclo te abraçar, filho da Germânia.”(27)

Caboclo, Tobias Barreto parecia encontrar sua

condição nordestina, como ele próprio dizia “indivíduo

de uma raça, ou sub-raça, que ainda se acha em vias de

formação.”(28)

Poucos, como Tobias Barreto, ousaram tratar da

questão racial brasileira, quando a realidade da misci-

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genação conflitava-se com as teorias arianas vigorantes.

Diz Tobias: “Quanto ao ponto relativo às raças, - isso é

apenas o efeito de outra mania do nosso tempo; a mania

etnológia. Eu quisera que Lilienfeld viesse ao Brasil,

para ver-se atrapalhado com a aplicação de sua teoria ao

que se observa entre nós. As chamadas raças inferiores

nem sempre ficam atrás. O filhinho do negro, ou do

mulato, muitas vezes leva de vencida o seu coevo de

puríssimo sangue ariano.” A questão racial, da forma

como foi tratada, tornou-se mais um legado do “mulato

de Sergipe”, como ele próprio proclamava, mais tarde

inventariado e genialmente estudado por Gilberto

Freyre, no conjunto de suas obras antecipadoras.

São também múltiplos os campos de estudos

sugeridos pela vida e pela obra de Tobias Barreto.

Voltando sempre ao tema, ao discursar, em 1884, em

julho, numa solenidade acadêmica, não abre mão do

entendimento do direito, ao explicar o que entendia

como antíteses do direito: “... o direito in fieri e o

direito factum, o que se faz e o que se passa, ou melhor

o direito novo e o direito velho, de que é exemplo,

quanto ao primeiro, a questão do dia – o Abolicionismo

– direito que se forma, que está lutando para garantir -se,

o direito da liberdade dos escravos, e a propriedade

escrava, direito já feito, sobre o qual a lei dispensa

proteção.”(29)

É com O INDUSTRIAL, finalmente, que anuncia

o encerramento da escravidão e lança as bases de uma

sociedade progressista. É do primeiro número da

publicação: “A abolição da escravidão caminha com

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uma tenacidade irresistível – tanto mais forte quanto

mais necessária infunde-se pela força natural da lei do

progresso, que não conhece barreiras em sua marcha

impetuosa e fatal. À semelhança desses organismos, que

uma vez preenchida sua missão em uma certa época,

tendem naturalmente para a decomposição e subse -

qüente desaparecimento, a escravidão é uma questão

vencida.”(30)

Sem faltar com sua participação nas duas fases da

luta, Tobias Barreto liderava, ele próprio, uma terceira e

última fase abolicionista, voltada para o trabalho livre,

para a perspectiva do desenvolvimento econômico e

social, embasado numa certa ideologia do progresso. A

fase começa em 1883 com a publicação, em janeiro, do

primeiro número da revista de indústrias e artes O

INDUSTRIAL, de propriedade da fábrica Apolo. A

revista, redigida por Tobias e mais três professores da

Faculdade de Direito – José Higino, Barros Guimarães e

Graciliano Baptista – circulou mensalmente por todo o

ano de 1883 e defendeu, tanto nos editoriais redigidos

por Tobias Barreto, como em artigos de seus

colaboradores, inclusive o próprio intelectual sergipano,

a dignidade do trabalho, libertando o homem do papel

de motor, apresentando-o como condutor de forças. Uma

novidade que casava bem com o pensamento de Tobias,

de que “não somos nós que temos tudo a esperar do

futuro; é o futuro que tem tudo a esperar de nós.”(31)

O

novo jornal começa a circular em 15 de janeiro de 1883

e seu ideário pode ser resumido assim:

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Atualizar as forças de trabalho com os últimos

progressos da ciência e da técnica, nos domínios

superiores da atividade industrial; esclarecer que a

riqueza privada de quem quer que seja não fica exposta

a perigo algum pelo fato de procurar-se aperfeiçoar a

indústria existente, criar novas e contribuir para a

consecução de todos os melhoramentos necessários à fe -

licidade e bem-estar social; garantir o direito de infor-

mação sobre qualquer processo industrial e artístico;

prestar assessoria jurídica em negócios industriais e

artísticos; fundar a manter Asilos Agrícolas; fundar

Bancos Populares para os Operários; Bancos Provinciais

com juros moderados e pagamentos a longo prazo;

habilitar os industriais e artistas aos grandes recursos

que a adoção de máquinas pode proporcionar-lhes;

renovar o pensamento de tudo depender -se dos Go-

vernos, como erro que os bons princípios econômico s

fulminam e condenam; e transformar e modificar o País

de acordo com as tendências e leis do progresso. Eis aí,

a síntese de uma plataforma que incorporava a idéia, o

método, o modelo de organizar a economia para a

produção industrial, a partir do trabalho livre.”(32)

O surgimento de uma publicação dedicada aos

novos tempos, no Nordest4e, coincide com a nova

ordem de idéias que sacudiam a Europa e que chegavam

ao Brasil, modernizando a economia. Capitais europeus,

muitos deles fugindo do avanço socialista e das con-

quistas dos trabalhadores, são transferidos para o Brasil

e participam da alavancagem industrial. O Nordeste,

apesar dos esforços, não acompanhou o desenvol-

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vimento do centro-sul, passando a exportar sua mão-de-

obra, grandemente desqualificada, para concorrer com o

operariado paulista, formado, em parte, por estrangeiros.

O INDUSTRIAL não tinha forças para garantir a

implantação de uma nova ordem econômica, sintonizada

com a evolução dos países civilizados do mundo,

tangidos pelos ventos progressistas, e interpretados pela

aguda percepção da realidade de Karl Marx, a quem,

desde 1883, Tobias Barreto dedicara atenção, citando O

Capital, edição alemã, em 2 volumes, que possuía entre

os livros da sua grande estante germânica.(33)

Mas,

certamente, era um veículo de propaganda, valioso para

a fixação de um modelo novo, atualizado, capaz de

promover o desenvolvimento por igual da sociedade,

partindo do trabalho livre e da mentalidade produtiva

industrial.

A fase da luta em defesa da libertação do negro

encontrava uma proposta concreta de saída para a crise

no qual o País, escravocrata e atrasado, estava

mergulhado. Houve, então, grande eco. Passaram a ser

comuns, por exemplo, as exposições de “artes e de

indústrias”, desde 1882 sugeridas pelo próprio Tobias e

por outro como Antônio Pepes Barreto de Vasconcelos.

As sociedades organizadas em função das novas idéias,

tentam harmonizar os direitos dos oprimidos com o

interesse da ordem social, enfatizando que em nome da

prosperidade nacional, que só progrediria com o tra-

balho livre. O Congresso Agrícola de 1884 foi, no dizer

de Manoel Gomes de Matos,(34)

uma reação dos senhores

de escravos e de terras, atestando o incômodo da

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pregação tobiática e de outros engajados na linha de O

INDUSTRIAL.

Agitador, e por isto mesmo combatido de todas as

formas, polêmico e nesta condição desafeto de Castro

Alves, com quem trocou desaforos pela imprensa, ainda

quando estudantes do curso jurídico, e de Joaquim Na-

buco, a quem destratou, também pela imprensa, Tobias

Barreto não foi destacado pelos historiadores do mo-

vimento abolicionista. A verdade histórica, no entanto, é

que recomenda uma luz nova sobre o passado,

resgatando não apenas a maiúscula e esclarecida figura

de um homem genial, pobre e mulato, que foi

identificado por Haeckel como parecer pertencer à raça

dos grandes pensadores, agora que se aproxima o duplo

evento do Sesquicentenário do seu Nascimento e Cen-

tenário de sua Morte, 1989, mas para fazer justiça ao

seu papel de abolicionista, defensor do trabalho livre,

teórico da organização da sociedade, a partir das

profundas investigações e reflexões que fez ao longo do

seu contato com o povo.

Ao chegar o dia 13 de maio de 1888, já doente e

afastado da Faculdade de Direito, Tobias Barreto atende

ao apelo dos estudantes e esculpe a frase que encima, na

primeira página do jornal especial em homenagem ao

dia da abolição – A ACADEMIA:

“A honra do trabalho livre – já o disse alguém – é a

condição fundamental da saúde de qualquer Estado,

principalmente de uma democracia. Está, pois, lançado

entre nós o alicerce de um novo edifício; está assentada a

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base de uma nova ordem de coisas. Esperemo-la, portanto;

e se ela tardar e, vir, é justo que provoquemo-la.”(35)

NOTAS

(1) Os textos poéticos foram retirados de Dias e Noites, Edição

do Governo do Estado de Sergipe, 1926.

(2) CRENÇA – Periódico literário. Recife. Tipografia do

Correio Pernambucano, Nº 4, de 30 de maio de 1870.

(3) A Coluna Prestes – Marchas e Combates, Lourenço Moreira

Lima. Editora Brasiliense. São Paulo, 1945.

(4) Epígrafe de O Povo de Escada, jornal editado por Tobias

Barreto, em 1876, na Tipografia Comercial, Rua da Cadeia, 22,

Escada PE).

(5) Parágrafo final de Um Discurso em mangas de Camisa,

pronunciado por Tobias Barreto, em setembro de 1877, quando pensou em organizar um Clube Popular. O texto citado foi

retirado de A Questão do Poder Moderador e Outros Ensaios

Brasileiros, de Tobias Barreto, Seleção e Coordenação de Ilildon

Rocha, Editora Vozes, em convênio com o INL, 1977, p. 184.

(6) Artigo de fundo do jornal Contra a Hipocrisia, nº 6, de 5 de

outubro de 1879.

(7) Carta de Tobias Barreto a Sílvio Romero, datada de Recife,

24 de outubro de 1887.

(8) Correspondência do Juiz Municipal de Escada, José Brandão

da Rocha, a José Antônio de Souza Lima, Presidente da Província,

de 7 de agosto de 1881. Arquivo Público do Estado de Pernam -

buco – Juiz Municipal, Códice 48, ano 1881.

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(9) A Justiça de Escada é o título de uma colaboração de Tobias

Barreto, publicado no Jornal do Recife, de 2 de dezembro de

1880.

(10) Um Signal dos Tempos, jornal redigido por Tobias Barreto,

em Escada, Ano I, nº 8, 31 de outubro de 1874.

(11) Os Bispos Anistiados, artigo publicado em O Desabuso,

jornal escadense de Tobias Barreto, ano I, nº 4, 2 de outubro de

1875.

(12) Fidalguias Pernambucanas, em O Desabuso, nº 4, 2 de

outubro de 1875.

(13) Medo à Utopia – o pensamento social de Tobias Barreto e

Sílvio Romero, Evaristo de Morais Filho. Editora Nova Fronteira,

em Convênio com o INL, Rio de Janeiro, 1985.

(14) Algumas Considerações sobre o Estado Agrícola do Brasil,

em O Escadense, Ano 1, nº 15, de 26 de março de 1878.

(15) Vários Escritos, p. 204. Edição do Governo do Estado de

Sergipe, 1926.

(16) Idem, Ibidem, p. 205.

(17) Questões Vigentes, p. 55, Edição do Governo do Estado de

Sergipe, 1926.

(18) Teses do Concurso de 1882, parte referente ao Direito

Público. Em Estudos de Direito, vol. II, p. 233. Edição do Governo

do Estado de Sergipe, 1926.

(19) Discurso pronunciado no dia 10 de julho – Dia do Trabalho –

de 1882. Em Discursos. p. 166. Edição do Governo do Estado de

Sergipe, 1926.

(20) Manuscrito recentemente encontrado pelo autor, entre os

papéis de Artur Orlando, sob a guarda da Fundação Joaquim

Nabuco.

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(21) O Livro do Nordeste. Edição do Arquivo Público do Estado

de Pernambuco, 1975.

(22) Manifesto citado por Coiolano de Medeiros em O Movimento

da Abolição no Nordeste, em O Livro do Nordeste, Recife, 1975, 2ª

edição.

(23) O Propulsor – órgãos dos interesses abolicionistas,

industriais, agrícolas, literários, etc. Ano 1, nº 1, de 9 de abril de 1883. Tipografia Mercantil, Recife.

(24) Escorço Histórico do Gabinete de Leitura de Maroim – 1877-

1927, por Joel Aguiar. Gráfica Guttemberg, Aracaju, 1927. pp. 61 a

63.

(25) Diário de Pernambuco, 19 de maio de 1885.

(26) A Folha do Norte, nº 92, de 3 de maio de 1884.

(27) Citado por Carlos II. Oberacker Jr. em Tobias Barreto de

Menezes o mais significativo germanista do Brasil. Revista

Humboldt, nº 53, 1986.

(28) Trecho de Deixemo-nos de Lendas, em Estudos Alemães, p.

513. Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926.

(29) Preleção, na Faculdade de Direito do Recife, em 5 de julho de

1884. Em Vários Escritos, pp. 285-286.

(30) O Industrial, Ano 1, nº 1, de 15 de janeiro de 1883.

(31) Em Política Brasileira, série de artigos de O Americano,

1870.

(32) O último número de O Industrial circulou em 15 de dezembro

de 1883.

(33) A edição alemã de O Capital de 1883 – DAS KAPITAL –

Drite Vermehrts Auflase – que pertenceu a Tobias Barreto e por ele

anotada, está na Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife,

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juntamente com quase duas centenas de outras obras alemãs que

formavam a biblioteca particular do fundador da Escola do Recife.

(34) Jornal do Recife, de 17 de julho de 1884.

(35) A Academia – homenagem dos estudantes de Direito ao 13 de

maio. Comissão de redação: Bianor de Medeiros, Samuel Martins,

Galdino Loreto. Recife, PE.

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Documentário(*)

* Referente à participação de Tobias Barreto na Campanha Abolicionista.

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A CARLOS GOMES(*)

Meus senhores! Já houve quem dissesse que as

musas não eram somente as nove conhecidas, porém

havia uma outra, e a mais importante de todas, que era a

saúde. Esta décima, esta outra musa não me inspira na

hora presente. É meu dever declará-lo; e sirva isto, ao

mesmo tempo, de preliminar e de desculpa. Confesso

achar-me colocado em um tal ou qual embaraço.

Ainda uma festa, depois de tantas outras, como

tributo de admiração ao componista brasileiro!

O vocabulário dos predicados pomposos, o te-

souro dos epítetos ornantes está esgotado; o que posso

mais dizer? Creio que nada. E todavia sinto -me obrigado

a satisfazer o encargo, que me foi cometido, e que eu

* Carlos Gomes mereceu muitas festas e demonstrações de admiração

dos pernambucanos, como aconteceu no Teatro Santa Isabel, quando

da apresentação da Ópera Salvatore Rosa. Tobias Barreto falou duas

vezes, no terceiro intervalo e ao final da festa. Em outra ocasião,

Tobias Barreto foi o primeiro inscrito para falar, na festa do dia 9 de

julho, em homenagem a Carlos Gomes, quando seriam libertados

escravos. O Diário de Pernambuco, ao registrar o acontecimento, diz

que “às 4 horas da tarde em ponto, partirão do largo do Arsenal da

Marinha, incorporados e precedidos da banda marcial do Corpo de

Polícia, indo no centro da marcha o carro triunfante com o símbolo do

Guarani, seguindo-se a Comissão Promotora da festa após da qual irão

os escravos libertos em honra ao laureado maestro.” Tobias, que ía na

frente do povo, pronunciou o discurso onde ressalta a obra maior “é a

liberdade, em seu nome e por sua causa, restituída a dois infelizes.”

(LAB)

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aceitei, de também aqui aparecer e falar. Mas falar o

quê?

É a grande questão; pois não se trata mais de

entoar um hino ao mérito do maestro, e tampouco de

prometer-lhe, em nome do futuro, que muitas vezes não

passa de um tempo de verbo na gramática, ou de uma

simples esperança messiânica na escatologia dos povos

modernos, um sem-número de monumentos mais dura-

douros do que o bronze. Não se trata de repetir, pela

milésima vez, que Carlos Gomes é um gênio e suas

obras outras tantas revelações do espírito nacional. Tudo

isto está dito. Insistir sobre este assunto, variar sobre

este tema, que já tornou-se vulgar, com o concurso

mesmo de novas flores e novas palmas, é uma espécie

de pleonasmo estético.

Entretanto, apresso-me em pedir que não se me

traduza ao pé da letra.

Ainda que eu tivesse as melhores idéias a opor ao

frenesi provocado pela presença do maestro seria ao cer-

to fazer ato de desazo, quando não de criminosa incivi-

lidade, querer temperar o vinho que transborda da taça

dos outros com a água da minha taça. Mais do que uma

incivilidade, seria até uma tolice; e pois que eu seja

daqueles que, em colisão de tolices, antes querem

praticá-las do que dizê-las, não cairia na fraqueza de

praticar uma tal.

Bem pode parecer, pela maneira de exprimir-me,

que na acho num estado de anestesia intelectual em

ralação aos motivos que determinam presentemente o

arroubo popular. Nada, porém, de mais errôneo. Nin-

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guém compreende melhor do que eu a significação e

importância dos aplausos derramados sobre a cabeça do

ilustre componista, como também, mais do que eu, não

há quem sinta a necessidade de ver a nação inteira – esta

grande águia, que vive aliás em perpétuo choco – reunir-

se no pensamento de uma glória comum, qual é a posse

de uma notabilidade artística, e deste modo manifestar -

se ao mundo debaixo de outra forma, que não a de um

simples conceito geográfico, e por alguma coisa de mais

do que gestos e atitudes de uma superioridade, que ela

de fato não trem. Eu sei que dificilmente pode agradar

aos patriotas de bon aloi, quem não está pelos seus

adjetivos e pelas suas interjeições. Mas nem por isso

julgo-me com direito ao monstrari digiti como um

pirrônico e um pessimista intolerante. Contenho-me

dentro dos justos limites. A moderação também entra no

reino do entusiasmo.

Neste sentido subscrevo de bom grado as palavras

do notável italiano Francisco de Sanctis: Non conosco

arma più violenta che la moderazione del linguaggio

accompagnata con la buona fede: ne nasce uma

persuazione irresistibile. – Uma verdade pois, falada ou

escrita, uma só verdade, moderadamente expressa, é

muito mais honroso para o nosso componismo do que

cinqüenta mentiras ditirambicamente cantadas.

Meus senhores! Lembro-me de ter lido na Emília

Galotti, de Lessing, as seguintes profundas palavras,

que o poeta colocou na boca do príncipe conversando

com o pintor: “Vós bem sabeis, Conti, que o maior

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louvor que podemos tecer a um artista é esquecermo-nos

dele, absorvidos pela contemplação da sua obra.”

Quero crer que estas palavras encerram um prin-

cípio verdadeiro, porém, ao certo, de difícil aplicação.

Quem seria capaz de deixar-se sempre medir por

semelhante bitola? Se o maior elogio que se fizesse ao

artista consistisse justamente em não pensar na sua

pessoa, por amor da sua obra, podia-se então assegurar

que o maestro brasileiro não foi até aqui suficien-

temente elogiado, pois ninguém ainda esqueceu-se dele

para só recordar-se dos seus trabalhos. Mas eu aceito a

rigorosa verdade expressa pelo célebre prógono da

literatura alemã. É uma medida talhada para tomar -se o

tamanho de gigantes. Tanto melhor. Quero aplicá -las ao

nosso componista.

Depois de mil preitos rendidos à sua pessoa,

chegou também o momento de esquecermo-nos dela,

para somente prestarmos homenagem a uma das suas

grandes obras. Mas vede bem: essa obra não é nenhuma

das suas brilhantes composições musicais; é um produto

muito mais brilhante, porque é um ato humanitário,

porque é a liberdade, em seu nome e por sua causa

restituída a dois infelizes.

Aqui e agora é que compreendo a exatidão com

que um escritor dos nossos dias Karl Fuchs, em seu

interessante opúsculo, Virtuos und Dilettant, pôde dizer

que há na música alguma coisa que não se ouve.

Perfeitamente. Essa alguma coisa, que não se ouve,

acabo de compreendê-lo, é o bem que a musica nos faz;

mais ainda do que isso, é o bem que ela nos obriga a

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fazer aos outros. Eis o caso; e o caso é convosco,

maestro. Tendes tido toda a sorte de triunfos. Se tudo

que Pernambuco já havia até hoje feito para glorificar-

nos não correspondia exatamente ao merecimento do

artista, ao menos é inegável que chegava para satisfazer

a vaidade do homem.

Nesta conjuntura, uma grande porção da classe

comercial do Recife, por uma feliz inspiração, entendeu

que devia pôr o indivíduo, com todos os seus triunfos,

com todas as suas glórias, a serviço da humanidade; e

vós que até o presente tínheis sido o objeto supremo do

entusiasmo geral, vos convertestes em pretexto e

ocasião de um ato generoso. E não há dúvida de que

servir de motivo, prestar-se como meio para a prática de

uma nobre ação, é mil vezes mais glorioso do que ser

alvo de quantas manifestações se inventem para festejar

o talento de um homem.

Permiti, ilustre senhor Carlos Gomes, que vos

diga uma verdade. A deusa da verdade não costuma

pintar o rosto, nem usa véu. Mas oito ou dez gerações, e

as vossas músicas, hoje tão apreciadas – ninguém mais

cantá-las-á. Posso afirmá-lo em nome do progresso e da

cultura humana. Mas este quadro, como quaisquer

outros semelhantes, que se executem por vossa causa,

nunca será esquecido.

O ruído dos aplausos e ovações, que suscitais,

talvez não chegue nem sequer à altura em que as águias

voam, e muito menos àquela, em que se diz que os anjos

cantam; porém, bem alto, aos ouvidos do grande

alguém, se é que lá existe alguém que nos observa,

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chegarão as bênçãos emanadas dos lábios e do coração

destes entes, que por amor de vós acabam de ser

libertados e entregues à sociedade, que ansiosa e agra-

decida os espera.

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Palavras ao Clube Carlos Gomes(*)

(1883)

Senhores

A Sociedade Nova Emancipadora, a que tenho a

honra de pertencer, encarregou-me de vir, em seu nome,

manifestar-vos os seus sentimentos de profunda gratidão

pela(1)

generosidade com que vos dignastes de prestar o

vosso auxílio à causa que ela defende. Refiro -me ao

concerto dado em seu benefício no dia 19 do corrente,

concerto esse cujo produto econômico foi destinado à

libertação de tantos escravos, que hoje aqui mesmo, e

para melhor acentuar(2)

a parte de glória que tendes em

semelhante efeito, vêm receber os seus títulos de

liberdade.

Não foi sem um certo propósito que eu usei a

expressão – produto econômico – destinado à alforria de

alguns escravos, pois que o concerto que destes também

tem um produto moral, que há de contribuir, o mais

cedo possível, nós o esperamos, para a libertação de

todos eles. Nós o esperamos, sim, e como disse o

americano Emerson, não há esperança, bem nutrida e

bem fundada, que não traga já em si o princípio da sua

realização.

* Manuscrito encontrado por Luiz Antônio Barreto entre os papéis de

Tobias em poder da família de Artur Orlando, hoje sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife – PE.

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Prezado(3)

Clube C. Gomes! A Nova Emancipa-

dora tem motivos bastante valiosos para dar um grande

peso ao auxílio que lhe prestastes. Além do fato alta-

mente meritório de concorrerdes assim para o bem da

humanidade, o que em toda e qualquer condição seria

digno de louvor, acresce que nas circunstâncias do

momento, diante da luta travada com as larvas do

passado, que querem sufocar no horizonte a estrela do

futuro, houve de vossa parte um ato de coragem em

tomardes o nosso lado, que se malsina, um ato de

heroísmo não comum nessa profissão de fé cantada,

nessa declaração feita por música de que sois também

adeptos da idéia que nos anima.

Prezado(4)

Clube C. Gomes! Eu não vim(5)

fazer

um discurso, nem aqui se trata de discursar, mas é bom

nunca perder de vista as dificuldades do problema que

nos propomos resolver, nunca deixar de estar atentos

para a carranca da esfinge, que nos diz: decifrai-me ou

eu vos devoro. Sim Prezado(6)

Clube – Jacta est alea –

nós aceitamos a luta com os deuses, nós ousamos querer

galgar o cimo da montanha e dar combate ao abutre que

rói as entranhas de Prometeu. Nesta conjuntura, era

muito natural que os rochedos rolados do alto tentassem

embargar a nossa passagem. E eles, com efeito,

continuam a rolar, como nós também continuamos a

subir.

Falemos sem imagem: A Nova Emancipadora,

cujo intuito grandioso de remir o município do Recife

desencadeou uma tempestade de iras contra os porta-

dores de tão santa idéia, está firme no seu propósito, não

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cedeu nem cederá jamais um passo d(ado)(7)

nesse

terreno. E não se pergunte de que meios ela dispõe para

levar avante o seu desígnio. Esta pergunta que tem ares

de irresponsável é simplesmente um dislate, e como tal

só pode achar eco no espírito daqueles, para quem o

mundo inteiro, inclusive a ciência e a virtude, é um

conjunto de frações diversas, que se reduzem a um mês-

mo denominador, o denominador comum do dinheiro.

Mas não é assim. No meio das alavancas da mecânica

social, a par do interesse, que é muito justo nos limites

da indi(...)(8)

, a par da coação que su(bmete)(9)

as

vontades rebeldes à disciplina da vida legal, também

figura o dever que faz o homem de bem, e a obrigação

que faz os heróis. Quando nos faltem as duas pri-

meiras(10)

molas, não é lícito contar com as duas últi-

mas, que são tanto mais eficazes quanto mais nobres e

elevadas? É possível que se duvide, e eu quero ser

generoso com os céticos; quero crer que se tenha razão

de duvidar. Mas o que importa? Sae acreditam na nossa

sinceridade, e não obstante julgam ilusória a nossa

pretensão, de modo que tudo isto não passa de uma

espé(cie) d(e meta)física(11)

humanitária, permiti que

respondamos com o(s) fa(tos).(12)

O coração também.

Deixem-nos pois arcar com a nossa im-

possibilidade. Se porém(...).(13)

NOTAS

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(1) Está, no original, riscada a palavra modo.

(2) A palavra está incompleta, por dilaceração do texto (a.c ....

tuar/accentuar).

(3) Psdo (abreviação da palavra Prezado, então escrita com /s/).

(4) Idem (nota anterior).

(5) Foi riscada a expressão nem quero.

(6) Idem (nota 3 e 4).

(7) Texto dilacerado (d...).

(8) Antes da palavra incompleta indi(...), foi riscado outro

termo, também incompleto (explica...). Não seria – da indi-

vidualidade? do individual?

(9) Texto dilacerado (su....).

(10) No original, a palavra está abreviada (1 as).

(11) Texto dilacerado (espe...d....física).

(12) Trecho ilegível (o. fa....).

(13) O rascunho tobiático ficou interrompido. Logo abaixo, com

letra e tinta diferentes, em tom esmaecid, aparecem os nomes de

Treitschke, Longfellow, e a frase ou frases: T. de Sophocles e

logo abaixo Zeus de Pluvius. Em Tobias Barreto: A Abolição da

Escravatura e a Organização da Sociedade, Recife, 1988. Luiz

Antônio Barreto traz a reprodução facsimilar desse documento

(pp. 35v-37) e transcreve, no corpo do livro, parte do seu

conteúdo (pp. 17-18). (Notas de Jackson da Silva Lima, em

Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto, Aracaju, 1989).

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Redenção do Município do Recife(*)

Manifesto

A Comissão Emancipadora do Município do Re-

cife julga hoje oportuno, senão de urgente necessidade,

tornar solenemente públicos os intuitos que a dirigem no

desempenho do honroso encargo, que lhe foi cometido

pela benemérita sociedade Nova Emancipadora. Não

obstante ter dado publicidade aos seus trabalhos

preliminares, fazendo inserir nos jornais desta capital as

atas de suas sessões: e posto que até este momento não

haja praticado ato algum capaz de admitir a mínima

dúvida acerca da legitimidade de seus desígnios, não

quer todavia que, por carência de uma explicação clara e

definitiva, ganhem crédito no ânimo das pessoas de boa

fé os desarrazoados conceitos, que o único ato de sua

organização tem injustamente suscitado.

* Manifesto lançado pela Sociedade Nova Emancipadora do Recife,

publicado no diário de Pernambuco de 5 de abril de 1883, no qual Tobias Barreto de Menezes figura ao lado de José Mariano, Martins

Júnior, Artur Orlando, João de Oliveira e outros abolicionistas.

Cumpre sublinhar que a Nova Emancipadora foi a primeira grande

sociedade abolicionsita, antes que o Clube Relâmpago, o Clube do

Cupim e Ave Libertas fossem organizadas, projetando muitas das

figuras que assinaram o Manifesto, como José Mariano e João de

Oliveira, e especialmente Joaquim Nabuco, que a partir de 1884, com

suas conferências no Teatro Santa Isabel, toma a dianteira na

campanha que antes empreendia pelo jornal. O Manifesto é um dos

documentos comprobatórios da participação de Tobias Barreto na luta

em favor da liberdade dos negros, luta, aliás, omitida na sua bibliografia. (LAB)

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A Comissão considera-se inteiramente dispensada

de demonstrar que a existência da escravidão estabelece

para o Brasil uma situação anormal no concerto das

nações civilizadas: também não precisa fazer o triste

inventário dos males com que essa monstruosidade

social aflige a Pátria brasileira, quer debaixo do ponto

de vista puramente econômico, quer pelo que respeito à

moral pública e doméstica.

Tudo quanto neste sentido pudesse expender

ficaria aquém da temerosa realidade e interior à

convicção de todos os homens ilustrados e ao

sentimento geral do País, que por todos os modos tem

patenteado quanto lhe é incômoda e antipática a

permanência dessa infamante instituição, que um infeliz

passado nos legou.

Todas as divergências, mais aparentes que reais,

acerca da extinção do elemento escravo estão – podemos

dizê-lo desvanecimento – limitadas ao campo da reali-

zação prática, adstritas à escolha dos meios mais con-

ducentes à satisfação pronta dessa nobre aspiração, que

irrompe de todos os corações numa corrente magnífica e

irresistível de grandes sentimentos humanos.

Em teoria não há certamente no Brasil um só

espírito infenso ao movimento abolicionista, que em

todo o vasto território desta nacionalidade se propaga,

para honra dos seus habitantes dos sentimentos

humanitários deste século.

Efetivamente não se pode dizer que o povo

brasileiro cerrasse ouvidos impenitentes ao generoso

apelo, que há longos cinqüenta anos passados, lhe

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dirigia nestas soberbas palavras o venerante José

Bonifácio, esplêndida glória nacional:

“Generosos cidadãos do Brasil, que amais a vossa

Pátria, sabei que sem a abolição total do infame tráfico

da escravatura africana e sem a emancipação sucessiva

dos cativos, nunca o Brasil formará a sua independência

nacional, e segurará e defenderá a sua liberal cons-

tituição, nunca aperfeiçoará as raças existentes e nunca

formará, como imperiosamente o deve, um exército

brioso e uma marinha florescente. Sem liberdade indi-

vidual não pode haver civilização nem sólida riqueza;

não pode haver moralidade e justiça, e sem estas filhas

do céu não há nem pode haver brio, força e poder entre

as nações.”

A estas frases repassadas de verdade e

sent imento patriótico corresponderam dignamente as

leis de 7 de novembro de 1831 e 2 de setembro de

1840, o grande espírito de Euzébio de Queiroz, a

magnânima lei de 28 de setembro de 1871, e, final -

mente, todo esse extenso movimento emancipador,

animado no País pelo nobilíssimo exemplo do Visconde

do Rio Branco e pelas cláusulas do ato legislat ivo, a

quem o nome desse eminente estadista permanecerá

eternamente ligado.

A existência da Comissão Emancipadora do

Município do Recife é apenas um aspecto da evo lução

moral e intelectual que se opera no País; não é uma

causa, mas simplesmente um efeito, um dos multíplices

fenômenos da invencível lei, que se impõe aos

indivíduos como aos povos, e por força da qual o amor

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do próximo há de ir progressivamente conquis tando ao

egoísmo os benefícios da sociabilidade.

A Comissão não exerce ação isolada, nem é

original na sua intenção, o que torna inexplicável e

estranho o ardor excepcional com que o simples

incidente de sua organização está sendo hostilizado.

A idéia da emancipação por município neutro

acaba de adotá-la com os mais francos aplausos da im-

prensa duminenso e da suprema autoridade eclesiástica

da diocese do Rio de Janeiro, mas com adesão fervorosa

do próprio imperante.

Dir-se-á que todos esses homens, que todas essas

autoridades máximas pretendem conflagrar a nação e

violar a propriedade?

Lê-se, entretanto, o que no assunto escreveu a

admirável pena de Tavares Bastos:

“São os poderes locais que hão de completar a

obra iniciada pelo Estado, pondo em contribuição, para

o fim comum, a estatística, o imposto, a polícia, a

justiça e a escola.”

Junte-se a essa sintética, mas criteriosíssima

indicação inelitamento constante da caridade pública e

liberalidade particular entre os que compõem o nosso

grupo comunal, e eis aí exposto e completo o programa

da Comissão Emancipadora do Município do Recife,

pelo que respeita à sua necessária ação total.

Em que pode semelhante desideratum perturbar a

serenidade da justiça, que deve acompanhar todos os

progressos sociais?

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É evidente que a Comissão não tem, nem podia

ter a pretensão injustificável de decretar a abolição

instantânea da escravidão neste município, por isso que

amplamente conhece ser o tempo um fator impres-

cindível de todas as transformações, quer na esfera

cosmológica, quer no campo menos vasto, porém mais

complicado e espinhoso da sociologia. Semelhante

pretensão só poderia ser sugerida por um cego e

impotente espírito revolucionário, em absoluto oposto

aos precedentes e critério dos indivíduos que a

Comissão const ituem. Não, ela não quer revoltas, nem

sedições, nem a violação de direitos: o que deseja é

interessar a sua causa de paz, de justiça e humanidade

todos os homens bons, todas as classes sinceramente

conservadoras e sobretudo os poderes públicos, já

locais, já centrais, sem cujo auxílio seria, senão de todo

improfícuo, ao menos pouco opulento em resultados o

maior esforço que empregasse para alcançar o almejado

fim a que se propôs.

Para que desvairamentos da paixão não se

apoderem dos espíritos na resolução de um problema,

cuja própria reflexão é calma; para que o coração dos

oprimidos em tremendas iras e rancores, é que a

Comissão Emancipadora do Município do Recife, como

todas as que, com as mesmas intentas dela, se alistarem

na sagaz cruzada da liberdade, tem o indispensável

direito de esperar, em vez de baldões e afrontas, toda a

possível coadjuvação, não só por parte dos poderes do

Estado e da Igreja, mas também de todas as pessoas

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dignas e sinceramente interessadas no bem-estar

presente e futuro da sociedade brasileira.

O que pode sem dúvida ameaçar a tranqüilidade

nacional não é por certo o trabalho meritório e

altamente reparador das corporações emancipadoras,

mas pelo contrário a manifesta acrimônia com que é

encarado esse generoso ofício por aqueles –

venturosamente poucos – a quem a conduta de ânimo ou

intransigente egoísmo não deixa ver claro a situação

social, nem a verdade de seus próprios interesses.

Quanto não ganharia em moralização e

prosperidade o trabalho agrícola deste País, se por meio

de medidas sábias, que a Comissão não deixará de

solicitar dos poderes competentes, o abjeto regime da

escravidão fosse proficuamente transformado no da

servidão ao solo, com as modificações correspondentes

à nova condição dos trabalhos!

A Comissão esforçar-se-á intimamente para dar

dos iludidos, dos que são vítimas de velhos preconceitos

ou da conspiração da calúnia, a nítida consciência dos

perigos, que de inconsidera e tumultuária oposição

poderia advir à sociedade brasileira, cujos sentimentos

em prol da remissão dos cativos – é necessário dizê-lo

muitas vezes – já não é possível sufocar.

Podem, pois, os senhores de escravos dormir tran-

qüilos acerca dos intentos da Comissão Emancipadora

do Município do Recife, que são os mais legítimos e

honrosos.

Além do concurso indispensável dos poderes

públicos e das classes diretoras, a Comissão só conta

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com a boa vontade e conhecido humanitarismo da nossa

população, a quem falará sempre em nome do bem, do

justo e do honesto.

Talvez se diga: “mas é isto o que até hoje t êm

feito todas as sociedades constituídas nesta cidade em

favor da libertação dos escravos.”

Perfeitamente. A Comissão não quer atribuir -se

as glórias de uma iniciativa que é honra do País inteiro.

Ela apenas vem dar objetivo definido porventura mais

eminente ao movimento dessas distintíssimas incor -

porações, auxiliando-as, secundando-as nos seus egré-

gios esforços por todos os modos prescritos pela lei,

pela religião, pela moral e pelo mais ardente

patriotismo.”

Recife, 31 de março de 1883.

Manoel Gomes de Mattos

Juvino Cesar Paes Barreto

Dr. Antônio Joaquim de Barros Sobrinho

João Barbalho Uchôa Cavalcante

Annibal Falcão

Dr. João Capistrano Bandeira de Mello

Antônio de Souza Pinto

Luiz Emygdio Rodrigues Vianna

João de Oliveira

Joaquim Felippe da Costa

Oscar Falktisen

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Bellarmino Carneiro

João Duarte Filho

Braz Florentino H. de Souza

Dr. J. A. de Barros Guimarães

José Domingos da Costa

Dr. Graciliano de Paula Baptista

Dr. João Thomé da Silva

Dr. Tobias Barreto de Menezes

Henrique da Silva Ferreira

José Mariano Carneiro da Cunha

Dr. Raymundo Bandeira

José Joaquim Dias Fernandes

Dr. Malaquias Antônio Gonçalves

Felippe de Figueroa Faria

José de Vasconcellos

Candido José Lisboa

Dr. José Austregésilo Rodrigues Lima

Dr. João Bastos de Melo Gomes

Antônio Carlos Ferreira da Silva

José Isidoro Martins Júnior

Artur Orlando da Silva

Antônio Gomes de Matos

Dercio de Aquino Fonseca

João José Rodrigues Mendes

José Joaquim Moreira

Joaquim Olinto Bastos

Francisco C. R. Campelo

Affson Octaviano P. Guimarães

Argemiro Alvez Aroxa

José Jacinto Borges Diniz

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Antônio C. F. da Luz

Dario Cavalcante do Rego Albuquerque

Francisco Ignacio Pinto

Antônio José da Costa Ribeiro

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TOBIAS BARRETO

COMO TEÓRICO DA

ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE

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Nos vários momentos da vida e da obra de Tobias

Barreto são encontrados e revelados aspectos de sua

contribuição à cultura brasileira que fica difícil

distinguir no qual ele foi mais genial. Na renovação da

estética literária, como poeta social, condoreiro, nas

ruas do Recife agitando o povo, tendo como mote a

guerra contra o Paraguai. No jornalismo político e

polêmico, afirmando sua convicção liberal e guerreando

contra o clericalismo dominante. Na advocacia de

Escada, seguido de grande acompanhamento popular nas

audiências, ou como Curador de Órfãos, de Escravos, ou

ainda Juiz Municipal Substituto, na Comarca de

Escada.(1)

Também em Escada, o panfletário impressor

de pequenos jornais, em português e em alemão,(2)

para

distribui-los com o povo, gratuitamente, nas feiras, e

fundador do Clube Popular Escadense, no qual

pronunciou a célebre oração Um Discurso em Mangas

de Camisa.(3)

De volta ao Recife, demolindo os

conceitos de sociedade e de direito, vigentes na

Faculdade, para a qual fez concurso, selando com a

mocidade nordestina uma das mais duráveis e eficazes

alianças ideológicas e intelectuais. Publicando livros

com estudos literários, filosóficos, críticos, religiosos,

sociais. Como deputado à Assembléia Provincial, como

orador do povo, nas ruas e, nos teatros, empolgando

com sua pregação as primeiras manifestações públicas

em favor da abolição da escravatura. Em qualquer destes

momentos, Tobias Barreto dá prova de sua disposição

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mental, uma capacidade infinda de assimilar o que de

mais novo o mundo produzia em termos de idéias. Não

há, portanto, como enquadrá-lo num clichê qualquer,

por mais atrativo que o seja.

A obra de Tobias Barreto nos jornais e nos livros,

nas ruas e nas cátedras, na tribuna da Assembléia ou do

Foro, é sublinhada por uma coerência pouco conhecida

no Brasil até então, e marcada pela força do pensamento

próprio, reflexivo diante de uma realidade adversa para

todos os brasileiros dos meados do século passado,

salvo algumas exceções de senhores de terras e de

escravos, e particularmente adversa para ele próprio,

pela sua condição racial e de pobreza. No âmago da obra

tobiática duas vertentes, muito próximas, andaram

marcando a sua atividade intelectual: a da sociedade e a

do direito. Em ambas, a revelação revolucionária, fruto

de suas convicções, alicerçadas nos ensinamentos de

Darwin, Haeckel, Jhering, Noiré e outros.

Antes de Tobias Barreto os estudantes da Fa-

culdade de Direito do Recife aprendiam que a socie -

dade, como o direito, tinha origem divina. O Contrato

Social, de Rousseau, era combatido por mestres e alunos

da Faculdade. Havia uma única e exclusiva história

humana, aquela narrada na Bíblia. Fora daí, tudo era

uma grande novidade, mas era, também, uma rebeldia

que provocara fortes reações. Entre os professores,

como afirma José Antônio de Figueiredo, numa das

Memórias da Faculdade de Direito do Recife, era regra

comum ensinar que “só a religião oferece uma

verdadeira e real garantia à ordem e à tranqüilidade

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pública, de que só ela pode sancionar de uma maneira

positiva e dogmática a moral social e prevenir e

acautelar crimes cuja alçada e investigação escapam às

leis humanas.”(4)

Em 1862, em outra Memórias, o

professor João Capistrano Bandeira de Melo Filho des -

taca que a mocidade, “dotada geralmente de fervor

religioso sustenta, por meio de algumas associações e de

escritos pela imprensa, as eternas verdades do

Cristianismo e pugna pela difusão das boas doutrinas.”

Mesmo tendo recebido uma formação religiosa,

católica, convivido com padres e aprendido o latim,

Tobias Barreto rejeitou a aliança da ciência com a

religião, com a mesma ênfase que refugou a aliança da

liberdade com a ordem, ambas defendidas no âmbito da

Faculdade de Direito do Recife, como fez o professor

Antônio de Vasconcelos Menezes de Drummond, co -

mentando o ano de 1863, justo o primeiro ano de

estudante do jovem mulato sergipano.(5)

Sobre a liberdade, Tobias tem expressões

antológicas, como esta de 1870, que diz que “Nenhum

povo é realmente grande, senão ela liberdade, que tem

ou que conquista.”(6)

Bastaria a única frase para

derrubar a doutrina que estava de pé, sendo ensinada na

Faculdade de Direito do Recife. O conceito de liber -

dade, para Tobias Barreto, mexia com a ordem, esta

tida, à época como ainda hoje, como o predomínio da

força inspirando o temor ou a obediência. Enquanto a

ordem era a submissão do homem, a liberdade era uma

conquista, logo, não podia haver aliança entre uma e

outra.

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Em 1864, ao escrever o poema A Polônia, Tobias

Barreto dizia que:

“Só é grande a liberdade

que sacode a majestade

e arranca a juba dos reis.”

Em 1865, falando, como acadêmico de direito, na

sessão festiva do dia 7 de setembro, no Teatro Santa

Isabel, ele diz que “ainda é de notar, senhores que ao

tempo em que o direito divino rolava na poeira com a

cabeça de Luís XVI, o direito do povo pendia ludibriado

com o pender da fronte de um brasileiro – mas o último

suspiro do mártir encontrou logo no espaço o primeiro

grito de liberdade, essa grande função que Deus deu ao

homem, que Bruto deu a Roma, que a revolução deu aos

povos.”(7)

Em 1877, discursando para o povo, em

Escada, ele ensinava q1ue “a liberdade é alguma coisa,

de que o homem pode dizer: eu sou”, e afirmava que “a

realização da liberdade satisfaz ao mais nobre impulso

do coração e da consciência humana”, exortando o povo

escadense: “Abramos mãos de nossos prejuízos, de

nossas reservas, de nossos temores, e sejamos um povo

livre.” E conclui: “é a liberdade que nos falta.”(8)

No mesmo discurso Tobias Barreto fixa sua po-

sição: “Não pertenço à escola de teoréticos pacientes, que

julgam o povo ainda não maduro para a liberdade. Como

se fosse possível aprender a nadar sem meter-se dentro

d’água, ou aprender equitação sem montar a cavalo.

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Dislates iguais aos dos que querem que o povo passe por

um tirocínio da liberdade, sem aliás exercê-la.(9)

Na visão ampla do teórico a liberdade é uma

insurgência, uma insubmissão aos domínios do Poder.

Nos versos e frases, a panfletagem libertária: “A Pátria

somos nós.”(10)

“Nós cremos na soberania do povo, ele

há de despertar.”(11)

“O Clube Popular Escadense... tem

o intuito de incutir no povo desta localidade um mais

vivo sentimento de seu valor, despertar -lhe a indignação

contra os opressores, e o entusiasmo pelos oprimi-

dos.”(12)

A voz do mestre tem um sólido compromisso

com a liberdade, o que é o mesmo que dizer, com a

ruptura da ordem, e com a organização do povo.

* * *

O Racionalismo, ou Cientificismo de Tobias

Barreto tem servido para que muitos dos seus críticos

cometam injustiças e peças imerecidas contra o

sergipano. Serviu, igualmente, para que padres e líderes

católicos, em Pernambuco e no Maranhão, escrevessem

artigos de combate ao pensamento e à obra tobiática.

Sem fraquejar, Tobias assume, sem ligações com a

Maçonaria, ou com o Protestantismo, posição clara de

defesa da ciência, para engrossar as teses da origem

cultural e social do direito. No concurso para Lente

Substituto da Faculdade de Direito do Recife, 1882,

Tobias Barreto oficializa, perante uma banca exami-

nadora e centenas de jovens estudantes, seus conceitos

novos, que assombram, impressionam, embebedam os

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assistentes, enquanto fulmina e remete para a história os

compêndios em uso, com suas velhas verdades,

rançosas, carcomidas pelo tempo.

Na prova escrita do concurso, respondendo à

questão Conforma-se com os princípios da ciência

social a doutrina dos direitos naturais e originários do

homem? Tobias Barreto afirmou que: “A concepção de

um direito superior e anterior à sociedade é uma

extravagância da razão humana, que não pode mais

justificar-se. O homem é um ser histórico, o que vale

dizer que ele é um ser que se desenvolve. A idéia de um

direito natural e originário do homem envolve a um

direito, quero dizer, que não está sujeito a relatividades,

nem no espaço, nem no tempo. Um direito universal é

um direito que existe, para todos os povos; um direito

permanente é um direito móvel, isto é, um direito que

não se desenvolve; mas, de acordo com as noções

correntes da própria Sociologia, que se forma, tudo está

subordinado à lei do desenvolvimento, da qual não

escapa o direito mesmo. É concludente, portanto, que a

teoria dos direitos naturais não se harmoniza com a

ciência social.”

Adiante com sua doutrina nova, na mesma Prova

Escrita, Tobias Barreto diz que “Desde que na idéia do

direito entrou a idéia da luta, desde que o direito nos

aparece, não mais como um presente do céu, porém

como um resultado do combate, como uma conquista,

caiu por terra a instituição de um direito natural. Bem

como as artes, bem como as ciências, o direito é um

produto da cultura humana.” Categórico, ee afirma:

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“Não há direitos naturais e originários; o que nós hoje

chamamos direito é uma transformação da força, que

limitou-se e continua a limitar-se no interesse da

sociedade. Os direitos como teses, quer como condições

de existência, quer como condições evolucionais da vida

social, são da mesma natureza, e são – no justamente,

porque saem da mesma fonte: esta fonte é a sociedade.”

Na mesma esteira dos novos argumentos, e diante

de uma oportunidade rara na vida cultural pernam-

bucana, Tobias Barreto aproveitou para expor, de forma

total, seu compromisso científico e filosófico com a

sociedade e com o direito. Concluindo sua Prova, diz:

“E seja-me ao terminar, permitido repetir o que aqui já

tive ocasião de exprimir oralmente: Em nome da

religião, disse o sublime gnosta, autor do quarto

evangelho – no princípio era o Verbo; em nome da

poesia, disse Goethe – no princípio era o ato; em nome

das ciências naturais disse Carus Sterne – no princípio

era o carbono; em nome da filosofia, em nome da

intuição monística do mundo, quero eu dizer – no

princípio era a força, e a força estava junto ao homem, e

o homem era a força. Desta força, conservada e

desenvolvida, é que tudo tem-se produzido, inclusive o

próprio direito, que em última análise não é um produto

natural, mas um produto cultural, uma obra do homem

mesmo.”

Desde 28 de abril de 1882, data do Concurso, em

sua Prova Escrita, que a Faculdade de direito do Recife

abraçou o pensamento científico, incorporando idéias

que soavam fortes como rajadas nos ouvidos inquietos

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dos jovens estudantes. O Brasil estava emancipado

intelectualmente, pela sensibilidade e pela consciência

de Tobias Barreto de Menezes, ao fazer ecoar no meio

pobre do Nordeste as vozes mais novas, mais

atualizadas, do mundo civilizado, que de certo modo a

Alemanha da época representava. O Concurso de Tobias

Barreto é, assim, um dos muitos divisores de água que o

autor sergipano construiu, dialeticamente, na interface

com a realidade. Depois da noção do direito como

fenômeno cultural, nascido e evoluído na sociedade e

esta mesma com seus avanços e conquistas, amoldando a

força, foi fácil captar outros conceitos, queimar etapas,

levar a mocidade a ler e a refletir com o pensamento

filosófico mais novo e mais revolucionário. Segura-

mente por isto é que sai da Escola do Recife a geração

de abolicionistas, republicanos, democratas, federalis -

tas, socialistas, e outros que agitam bandeiras reno -

vadoras e revolucionárias. O próprio Tobias, em 1884,

dá o exemplo, ao citar O Capital, a obra máxima de Karl

Marx, edição de 1883, mais tarde incorporada à

Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, ao lado de

quase duas centenas de outros livros de autores alemães,

com os quais o fundador da Escola do Recife travava

contatos. Por tal via, o Brasil troca sua bibliografia e

com ela troca os conceitos que balizavam sua cultura.

* * *

Há um forte apelo de modernidade na obra de

Tobias Barreto. Não apenas nas suas aulas de preleções

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da Faculdade de Direito do Recife, nos seus escritos em

jornais e livros, mas também em atitudes objetivas,

concretas, que podem ser conferidas no simples exame

da memória histórica pernambucana. A idéia do Direito

Autoral, enaltecida até mesmo por Gondin Filho, em

artigo publicado no Diário de Pernambuco, em 8 de

fevereiro de 1944, aproveitada pelo professor João

Vieira, no seu Programa de Direito Civil, evoluiu até os

nossos dias e ainda hoje atrai a atenção de tratadistas e

dos organismos arrecadadores e fiscalizadores.

Em 1883, com mais três professores da Faculdade

de Direito do Recife, os mais abertos – José Higino,

Barros Guimarães e Graciliano Baptista – Tobias Bar-

reto assume a redação da revista de artes O Industrial,

preconizando uma nova era para a vida econômica

pernambucana, pela via do trabalho livre, da formulação

de uma política agrícola, de crédito fácil, de preparação

de mão-de-obra e pela mecanização. O Industrial,

pertencente à Fábrica Apolo, estampava as suas edições

o mais novo maquinário posto à disposição dos

produtores rurais e urbanos, que estavam atolados no

atraso de um modelo escravocrata, arca ico de produção,

sem qualquer forma participativa dos trabalhadores na

riqueza do Brasil.

O Industrial teve 12 edições, de janeiro a

dezembro de 1883 e neles Tobias Barreto publicou

diversos artigos, todos eles voltados para uma nova

ordem econômica e social, alguns destinados à educação

e ao melhor aproveitamento profissional da mulher, a

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partir de tendências e sensibilidades reconhecidas. A

síntese programática da revista era a de:

- atualizar as forças de trabalho com os últimos

progressos da ciência e da técnica, nos

domínios superiores da atividade industrial;

- esclarecer que a riqueza privada de quem quer

que seja não fica exposta a perigo algum pelo

fato de procurar-se aperfeiçoar a indústria

existente, criar novas e contribuir para a

consecussão de todos os melhoramentos

necessários à felicidade e bem-estar social;

- garantir o direito de informação sobre

qualquer processo industrial e artístico;

- prestar assessoria jurídica em negócios

industriais e artísticos;

- fundar e manter asilos agrícolas;

- fundar Bancos Populares, para os operários;

- Bancos Provinciais com juros moderados e

pagamentos a longo prazo;

- habilitar os industriais e artistas aos grandes

recursos que a adoção de máquinas pode

proporcionar-lhes;

- renovar o pensamento de tudo depender-se dos

Governos, como erro que os bons princípios

econômicos fulminam e condenam;

- transformar e modificar o País de acordo com

as tendências e as leis do progresso.

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Síntese feliz, contida em editorias e artigos de O

Industrial, que incorporava a idéia, o método, o modelo

de organizar a economia. Já em 1884 uma forte reação,

partida dos senhores de terra, levara a organização de

Congresso Agrícola, que longe de parecer um teste-

munho negativo, serve de atestado, passado e recibado,

do incômodo que as novas idéias defendidas por Tobias

Barreto causava entre setores conservadores de

Pernambuco. Antes mesmo de assumir a redação de O

Industrial e de inspirar a redação de O Propulsor,(13)

jornal de 1883, fundado como órgão dos interesses

abolicionistas, industriais, agrícolas, literários, etc.,

Tobias Barreto participara do esforço teórico pela

organização de exposições de artes e indústrias das

Províncias do Norte e Nordeste, reunindo com Antônio

Pepes Barreto de Vasconcelos, Martins Júnior e outros,

no Gabinete Português de Leitura, público interessado

em acelerar o desenvolvimento regional.

A ciência tinha, portanto, um sentido prático de

utilização direta em favor do progresso econômico e do

bem-estar da sociedade. Combinava-se, então, a luta

cultural em favor da liberdade e do direito, com a

aplicação da técnica e da ciência, como primado capaz

de alterar o quadro fatalístico da economia senhorial e

escravocrata. Tobias Barreto mudava o enfoque que

pressupunha a organização da sociedade, sugerindo q1ue

ela deixasse de ser uma mera representação dos in-

teresses do capital e dos seus detentores que a orga -

nizavam, em moldes exploratórios, para ser organizada a

partir das potencialidades e possibilidades do povo. A

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ação do pensador batia com seu enunciado de que a

sociedade brasileira não se organizara, fora organizada,

chamando a atenção para a diferença. Esta observação

focal, lúcida, feliz, serve para nortear os dois diferentes

caminhos tomados pelo povo brasileiro: um, a partir dos

interesses dos dominadores e colonizadores; outro, a

seguir os auspícios das carências e dos anseios sociais.

Embutida nessa constatação que põem, de forma frontal,

interesses de fora para dentro e anseios internos de

liberdade e de justiça, está a noção de cidadania, no se u

aspecto mais novo, o dos direitos sociais, como

preconizados em Um Discurso em Mangas de Camisa.

Tobias Barreto está entre os adversários e críticos do

primeiro, e pugnadores e artífices das lutas do segundo,

constituindo-se, de forma antecipada, num teórico da

organização da sociedade, com teses ainda válidas hoje,

quando o Brasil evoca sua figura e sua obra, por conta

dos 150 anos do seu nascimento e do Centenário de sua

Morte.

NOTAS

(1) A Fundação Joaquim Nabuco microfilmou 77 processos nos

quais Tobias Barreto aparece como Advogado, Curador de Órfãos,

Curador de Escravos e Juiz Municipal Substituto.

(2) Em Escada, Tobias Barreto redigiu e editou, na sua própria

Tipografia, os seguintes jornais: Um Signal dos Tempos, 1874, A

Comarca de Escada, 1875, Devaneio Literário, 1875, O

Desabuso, 1875, O Povo de Escada, 1876, O Escadense, 1877,

Aqui prá Nós, 1877, A Igualdade, 1878, Contra a Hipocrisia,

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1879, O Martelo, 1881, e ainda a revista Estudos Alemães, 1880.

Em alemão Tobias Barreto editou o Deutscher Kaempfer, 1875.

(3) A instalação do Clube Popular Escadense ocorreu em

setembro de 1877. Um Discurso em Mangas de Camisa foi

publicado, logo depois pelo Jornal do Recife, e em fevereiro de

1879 apareceu em plaquete, em pequena nota introdutória do seu

autor.

(4) Memória Histórica Acadêmica, apresentada à Congregação

dos Lentes da Faculdade de Direito do Recife, pelo dr. José

Antônio de Figueiredo. Recife, Tipografia Universal, 1857.

(5) Memória Histórica Acadêmica, apresentada à Congregação

dos Lentes da Faculdade de Direito do Recife, na sessão de 15 de

março de 1864, pelo dr. Antônio de Vasconcelos Menezes de

Drummond. Pernambuco, 1864.

(6) Política Brasileira, na série de artigos publicados de junho

a dezembro de 1870 no jornal O Americano, do Recife. Incluído

em Vários Escritos, 1800.

(7) Trecho do discurso Libertas quae sera tamem, pronunciado

na sessão solene de 7 de setembro de 1865, no Teatro Santa

Isabel. Diário de Pernambuco, 11 de setembro de 1865.

(8) Um Discurso em Mangas de Camisa, in A Questão do Poder

Moderador e Outros Ensaios Brasileiros, seleção e coordenação

de Ilildon Rocha. Editora Vozes, em convênio com o Instituto

Nacional do Livro. Petrópolis, 1977.

(9) Idem, Ibidem.

(10) Verso do poema Volta dos Voluntários, de 1870. Em Dias e

Noites. Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926.

(11) Epígrafe do jornal O Povo de Escada, 1876.

(12) Um Discurso em Mangas de Camisa.

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(13) O nº 1 do jornal O Propulsor circulou em 9 de abril de

1883, e informava que seu ideário abolicionista seguia a linha da

Sociedade Nova Emancipadora, do Recife, a qual Tobias Barreto

pertencia. Sobre o assunto, ler Luiz Antônio Barreto. Tobias

Barreto, A Abolição da Escravatura e a Organização da

Sociedade. Recife, 1988.

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TOBIAS BARRETO

E A FILOSOFIA NO BRASIL

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A recente publicação das Obras Completas de

Tobias Barreto, (INL/Editora Record) revigora o in-

teresse pela cultura nacional, na medida em que valoriza

o conjunto das reflexões assumidas pelo intelectual

sergipano no seu tempo e no ambiente histórico,

econômico e social onde estava situado. É forçoso

admitir, de saída, que a existência de uma preocupação

crítica, voltada ao domínio do conhecimento, repre-

sentava uma reação diante de uma situação cultural de

dependência. O Brasil de Tobias Barreto tinha a

conformação de um satélite, fatalmente atrelado a um

centro de exploração e de dominação. Por margem larga

de tempo os habitantes do Brasil emolduraram a

estampa exótica do fazer, extraindo e produzindo

riqueza. Não haviam escolas, nem jornais, nem ex-

pressões livres de arte. O quadro era agravado pela

multiplicidade e pela complexidade das relações de

trabalho e de trabalhadores, tanto pela origem do poder

senhorial, como pela escravidão dos negros africanos,

com toda a sua patologia. E a tudo a Igreja dava a sua

bênção e empreendia, catequeticamente, a semeadura da

conformação. Nem sempre foi fácil separar os interesses

do Estado brasileiro, organizado para proteger e

legitimar a propriedade, com os interesses de um clero

que exerceu, no tempo, a função auxiliar da colo-

nização, no cumprimento de um projeto de cris -

tianização, aplicado com extrema competência nos

países periféricos aos centros católicos de Espanha e

Portugal.

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O simples saber cultural, desprovido de crítica,

foi conquista tardia do Brasil. Um saber rançoso, repleto

de antigüidades dogmáticas, de segunda mão, que

alcançou a glória das cátedras, na reprodução elitizada

do modelo de dominação vigente. Pensar, portanto, era

uma atitude de superação pessoal, um exercício mental

que retirava da solidão, para o convívio solidário das

idéias e dos autores, o indivíduo preso como membro

compulsório de um corpo social criado à imagem e

semelhança dos interesses dos colonizadores. Pensar

era, assim, um exercício de liberdade, como, em geral,

ocorreu nos diversos países da América Latina. Não é

sem razão que no Brasil, como no México, no Uruguai,

no Peru, na Argentina, os corpos letrados abraçaram o

Positivismo, pelos seus diversos porta-vozes, ao tempo

em que eram esboçadas as reações populares e militares

que tratavam da liberdade política destes países.

Diferenciado em seus ângulos e mentores, como nas

épocas em que floresceu, o Positivismo representou, na

história do pensamento latino-americano, um momento

especial de vigência insubmissa, rebelde, questionadora,

que tem valor maior do que mesmo as suas qualidades

intrínsecas como sistema filosófico.

O Positivismo foi comum aos latino-americanos,

porque também a situação histórica de dependência e de

domínio era comum a toda a América Latina. Uma

situação que se altera, de algum modo tarde, antes no

Brasil e depois nos demais países irmanados pela mesma

subalternidade e controle. A filosofia voltava a exercer,

nesses países, papel relevante, na medida em que

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colocava o conhecimento e a massa crítica que dele

decorria pelo trabalho filosofante dos pensadores ao

alcance do corpo social. Tem-se como verdade a

formação de correntes de adoção de pensamento

filosófico, entre estudantes nordestinos no Recife, com

maior ardor que o engajamento nas disputas políticas e

eleitorais. No Brasil a filosofia de algum modo precedeu

a ciência política, ainda quando esta foi fartamente

divulgada pelos liberais, na segunda metade do século

passado. Há uma razão insuspeita para isso. A política

dos partidos reduzia, aos termos locais, os interesses de

uma mesma classe de senhores, enquanto o pensamento

filosófico impunha, necessariamente, uma revisão de

conceitos e de posturas, renovando, em maior ou em

menor intensidade, o conhecimento comum ao corpo

social. Essa singularidade explica, por exemplo, a

sintonia perfeita entre abolicionistas e monarquistas,

quando a lógica formal sinalizava para a comunhão de

idéias entre aqueles e os republicanos, democratas,

socialistas, que se enfileiravam em grupos novos na

vanguarda das novidades.

Foi nesse tempo e no ambiente do Recife, como

fórum nordestino, que a filosofia mereceu uma fixação

clara, objetiva, como instrumento crítico do conhe-

cimento, com seu vetor científico, experimental, que

produz uma verdade operacional, mantendo a especu-

lação inexperimental, diferente da crença que o espiri-

tualismo impingia, e até da metafísica conciliadora entre

a fé e a razão. E no centro da reflexão portava-se, com

invulgar talento, Tobias Barreto de Menezes.

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Mais do que pela mesma ocupação geográfica do

espaço e pela comunhão da língua o corpo social

brasileiro teve como vínculo de identidade a história, no

cômputo da subalternidade esmagadora. No Brasil a

história situa-se entre a memória codificada como fonte

de tradições de mando, abrandadas pela cumplicidade do

compadrio paternalista, e a filosofia, esta entendida

como uma permanente e secreta, porque íntima, cons -

piração. O filosofar era mais incômodo do que a

declarada guerra contra autoridades, porque a evolução

mental abalava o prestígio dos mestres e dos ensi-

namentos oficiais, com os quais e nos quais estava

assentado o edifício do poder. Ao lado do campo

absoluto dos dominadores, com seus fossos e arma-

dilhas, apareceram gerações de insurretos, inadaptados

ao convívio omisso. Foi a freqüência objetiva de

insurgências que quebrou com a rotina monótona de um

ensino esclerosado, de nítidas intenções redutoras.

Os sistemas filosóficos eram cometas no céu da

curiosidade dos jovens nordestinos reunidos no Recife.

Embriagados de conhecimentos novos, logo estavam

ressacados, buscando outras novidades, com a pressa

própria dos que conspiram. Para o combate ao domínio

dos poderosos, os jovens construíram barricadas na

imprensa, nas lojas maçônicas, nos corredores da

Faculdade de Direito, nas ruas e nos teatros, espalhando

teorias, cada um com a sua função amplificada, na

dimensão do anseio da liberdade que unia aqueles

sedentos de saber novo. Ao desembarcar no cais do

Recife, com uma carta de professor de latim licenciado

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em sua Província, Tobias Barreto parecia auscultar o

silêncio dos revoltados, solto no ar que varria as ruas

daquela “cabocla civilizada”. Diante da cidade evocou

seus heróis e suas lutas, pranteando a homenagem de

quem se iguala na mesma postura batalhadora.

Aquele tempo Brasil e Paraguai estavam em

guerra. O clamor heróico dos que ficavam distantes do

campo de batalha servia de motivação para exaltar

qualidades guerreiras, sufocadas pela força dos vence-

dores. Com o mote da guerra Tobias Barreto alvoroçou

as massas pernambucanas, fazendo das ruas o palco

especial do contágio para a resistência. O patriotismo

genérico, indefinido, mascarava a organização do povo

em torno de questões do dia. Ao fim da guerra o Brasil

recifense era outro. Os temas científicos introduziam

suas obras e autores. A poesia sacrificava o sentimento

de intimidade para projetar-se como instrumento de

consciência moral, pelo qual os poetas, como os sábios

faziam da ciência, pudessem fazer da arte asa do espírito

humano. A poesia era, naquele momento, afirmação de

liberdade. Na esteira do tempo a religião, o direito, a

filosofia, todo o conhecimento fervilhava em confrontos

amiudados pela legião de combatentes intelectuais.

O positivismo arrastara o Evolucionismo, o Trans-

formismo e batia duro no costado dos espiritualistas.

Cientificismo e Racionalismo pareciam, diante de

tomistas e ultramontanos, heresias do Materialismo e do

Protestantismo. Tobias Barreto, na vanguarda da crítica,

opta pelo Monismo, acelerando a rotação do

entendimento filosófico, permitindo que fossem dadas

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as múltiplas explicações às inquietantes indagações do

tempo. No cotejo das teorias, de Haeckel e Noiré, de

Hartmann a Kant, Tobias afirmava e negava conceitos

com a velocidade de quem corria em revezamento, tendo

como parceiros da disputa, com todos os méritos, os

autores alemães que introduziram e discutiram as

novidades da ciência, como filosofia, em confronto com

a fé, como dogma indiscutível. O Positivismo parecia

produzir uma reação antipositivista, apontando ca -

minhos diversos para a reafirmação da liberdade, como

condição instrumental de construção da história

nacional.

Aquela sociedade, constituída, como denunciara

Tobias, por outrem, assistia anestesiada pela alienação

da maior parte dos seus componentes, ao ma is ágil e

completo motor de reação: a emancipação intelectual do

País. Na sintonia latino-americana registra-se, mais

tarde, no México, a contribuição de José Vasconcelos,

com seu Monismo Estético, no Peru, com Alexandro

Deustua que dava a liberdade como princípio in-

formador de toda a beleza, integrando os conceitos de

ordem e de liberdade em uma síntese superior, ou ainda

na Argentina, quando a cátedra de Alexandro Korn fazia

voltar a Kant e os cursos de José Ortega Y Gasset

difundiam o pensamento alemão. Tobias Barreto havia

chegado, muito antes, às mesmas conclusões e posições.

Adotou o Monismo e lhe fez reparos, afirmou a li-

berdade como fundamento da ordem e abriu portas e

janelas do Brasil para a cultura alemã, voltando a Kant e

aplicando o mais indefensável golpe no Positivismo,

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reabilitando, a princípio, a velha metafísica que os

positivistas tinham como morta. Defendendo a sua

legitimidade e até preconizando a sua necessidade,

Tobias Barreto eu à metafísica o mesmo valor que José

Ingenieros, anos mais tarde, na Argentina, proclamou,

para glória do pensamento portenho.

O pensamento filosófico, em toda a América

Latina, teve como estuário natural as cátedras das

escolas, por onde desfilaram as idéias, os sistemas, e

seus autores e divulgadores. Tanto o Positivismo, como

as reações antipositivistas, o Cientificismo, o Materia-

lismo, freqüentaram as escolas com desembaraço, in-

dicando um controle menos rígido da educação e dos

meios de ensino. No Brasil, ao tempo de Tobias Barreto,

as escolas eram tuteladas pela Igreja e reproduziam, em

todos os seus níveis, os saberes dominantes, de interesse

permanentemente conversor. Do Maranhão a Sergipe

uma única Faculdade, a de Direito do Recife, e dezenas

de escolas de grau intermediário, sob orientação oficial,

como as Escolas Normais, os Liceus, os Ginásios, e

outras tantas sob o rigor de uma disciplina aplicada

pelos grupos católicos, inspirados ou diretamente

sujeitos a orientação dos jesuítas.

A fronteira intelectual superior do Brasil

nordestino era com a Bahia, em cuja Faculdade de

Medicina prosperou, nos anos 70 em diante, uma reação

renovadora, iniciada, provavelmente, pela tese,

rejeitada, do doutorando Domingos Guedes Cabral,

sobre as Funções do Cérebro, seqüenciada pela presença

de estudantes sergipanos – Felisberto Freire, Joviniano

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Romero, Rodrigues Dória – que refletiam, à distância, a

inquietude intelectual de Tobias Barreto. No Recife,

sede nordestina da cultura em todo o século XIX, a

cátedra era a mais eloqüente tribuna de manutenção dos

velhos conhecimentos, intocados pela auréola de

divindade que ornava a verdade clerical. O próprio

Tobias experimentou, por três vezes, furar o bloqueio do

controle do ensino em Pernambuco. Candidatou-se duas

vezes a uma cadeira de Latim, no Colégio das Artes, que

funcionava em anexo e como preparatório à Faculdade

de Direito, e uma vez à cadeira de Filosofia do Ginásio

Pernambucano. Nos dois primeiros concursos perdeu

para o padre sergipano Félix Vasconcelos Barreto e no

último foi derrotado, mesmo tendo maior nota, pelo dr.

José Soriano de Souza, divulgador neotomista, filiado à

propaganda da Revista Contemporânea de Paris, que no

Recife teve na Revista Mensal da Instrução Pública de

Pernambuco, veículo especial de difusão.

Não houve, de nenhum modo, atividade seme-

lhante àquela da Faculdade de Filosofia e Letras de

Buenos Aires, primeiro como Rodolfo Ricarola e depois

com Alexandro Korn, ou do Colégio Livre de Estudos

Superiores de Buenos Aires, ou ainda das Escolas

Normais de Paraná e de Mercedes, da Faculdade de

Humanidades de La Plata, ou do Colégio Novecentista,

fundado sob influxo dos cursos ministrados, em 1916,

por Ortega Y Gasset, todos na Argentina, onde o

Positivismo não tomou a feição religiosa que adquiriu

no Brasil. Vários pensadores e divulgadores da fi losofia

mais nova, como Alexandro O. Deustua, no Peru,

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Antônio Caso, no México, Carlos Vaz Ferreira, no

Uruguai, fizeram da cátedra a mais contundente função

crítica, projetando sobre as gerações latino-americanas a

sentença de uma filosofia compromissada com o fazer

histórico da liberdade.

No Brasil Tobias Barreto foi dos raros pensadores

a ser aceito no ambiente da Faculdade de Direito, onde

fora aluno e desafeto dos surrados e embolorados

compêndios. Seus companheiros, como Sílvio Romero e

Artur Orlando, com quem manteve total entrosamento e

intimidade, foram barrados na entrada da escola,

derrotados nos concursos a que se submeteram. Por isso

mesmo a Faculdade de Direito do Recife, cenário e

depois palco das transformações mentais da juventude,

não produziu, depois de Tobias, qualquer vertente

inovadora de cultura, ainda que por ela passassem

figuras notáveis que honraram a memória do combate

intelectual. A Escola do Recife não se fez na Faculdade

de Direito, mas nos jornais recifenses e pernambucanos,

que representaram o conduto esclarecido das mudanças

de atitudes diante do repertório de conhecimentos.

Os jornais, muitos deles pequenas folhas, como

os periódicos escandeses de Tobias Barreto, as revistas,

as publicações avulsas, serviram de suporte para a

resistência filosófica dos brasileiros do Nordeste. Cir -

cularam, do Maranhão a Sergipe, entre 1862 e 1889

(data da chegada de Tobias ao Recife e de sua morte)

mais de 1.600 jornais e periódicos, sendo cerca de 700

em Pernambuco, quase 400 no Ceará, mais de 150 em

Alagoas, mais de 100 no Piauí, quase 100 em Sergipe e

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no Maranhão, mais de 60 na Paraíba e no Rio Grande do

Norte. Esse acervo, desaparecido ou degradado, serviu

de meio eficaz de luta, fixando posições, divulgando

novidades, que compensava a estrutura monolítica de

controle da educação por parte das classes dominantes.

A imprensa, como a filosofia, teve profundos compro -

missos com as lutas da liberdade.

A independência mental de Tobias Barreto, diante

dos sistemas e das correntes filosóficas, desnorteou a

trajetória das idéias no Brasil. O comportamento nor -

mal, nos países latino-americanos, que também vigorava

no Recife ao tempo de Tobias, era o da união perpétua

entre o leitor e o autor, o professor e o filósofo, a

cátedra e a pregação das idéias abraçadas. Com Tobias

Barreto as idéias perderam o tônus de ensinamentos

permanentes, para serem ferramentas efêmeras de

transformação cultural. O pensador sergipano percorreu

escolas e sistemas, desbravando-os, num processo con-

tínuo e coerente de reflexão, deixando nos jornais e nos

livros a marca de seu labor crítico. A circunstância que

teve poder mais largo e profundo foi a do vetor

germanista da postura tobiática. Um germanismo denso,

encorpado nas fontes mais sedimentadas da evolução

intelectual, capaz de banhar com a essência poética da

emoção as cruas revelações da ciência de Darwin,

aperfeiçoada por Ernest Haeckel, ou a penetrante

confissão psicológica do inconsciente de Eduardo Von

Hartmann, ou a instigante luta pelo direito, de Rudolf

von Jhering, tendo a crítica kantiana permeado sua

conduta.

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Mesmo não se engajando na questão religiosa,

entre padres chefiados por Dom Vital, e maçons das

diversas lojas recifenses, ou não tomando partido da

peleja jornalística entre Abreu e Lima e Pinto de

Campos, sobre bíblias falsas, Tobias viveu, em dois

momentos distintos de sua existência, a mesma situação,

de travar embates com representantes do pensamento

católico. Uma vez em 1870, quando pelo seu jornal O

Americano discuto com o velho professor Autran da

Mata Albuquerque, do jornal O Católico, e segunda vez,

em 1883, quando pelo Diário de Pernambuco polemiza

com os padres e seus redatores do jornal maranhense

Civilização. Embates virulentos, cruéis até, desgas-

tantes, que deixaram feridas expostas, que jama is

cicatrizaram. Para a administração da Igreja Tobias

Barreto era a encarnação de toda a reação ideológica ao

primado da fé, mesmo quando referendado pela decisão

tomada no Concílio do Vaticano, em 1870.

O germanismo operara em Tobias Barreto uma

profunda mudança de atitude, a visão universal da

cultura, esta vivida como lei da história humana perante

a natureza, transformando-a para o bem e para o belo,

fez de Tobias Barreto um sistematizador de conceitos,

um exegeta das idéias, um conciliador de sistemas . Seu

retorno a Kant, em 1887, mesclado de estudos ante -

riores, a partir de 1874, é um sinal de vitória, sobre os

espiritualistas, sobre os positivistas, precedendo a evo -

lução materialista da história. Quando retorna a Kant,

Tobias não extrai, da filosofia alemã, apenas aquilo que

ele havia produzido no passado. Vai mais adiante, numa

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releitura kantiana que antecede a outros autores, tanto

na América Latina, quanto no resto do mundo, O pastor

Hermamm Dohms, presidente do Sínodo, escreveu no

jornal evangélico de São Leopoldo, no Rio Grande do

Sul, em 1932, que Tobias Barreto, sem conhecer a

teologia de A. Ritschl, conhecia no entanto a situação

espiritual em que se desenvolveu a teologia daquele

autor, na base filosófica da conexão com Kant. Para

Dohms, a repetição de uma grande experiência e o

desespero diante da própria experiência eleva e aponta

para uma confissão de fé.

O movimento teológico protestante vicejou ao

tempo de Tobias. Em Sergipe dois fatos obtiveram

enorme repercussão: a queda da obrigatoriedade do

ensino religioso na Escola Normal, decretado por Inglês

de Souza, que passara pela Faculdade de Direito do

Recife e presidia a Província onde Tobias nascera, e a

presença, como clínico, em Laranjeiras, interior

sergipano, do médico baiano Guedes Cabral, à mesma

época. Logo depois, em 1883, os pastores Blackford e

Finley realizaram pregações evangélicas e em 1884

fundaram duas igrejas protestantes em Sergipe: uma em

Laranajeiras, e outra no povoado Lavandeiras, entre

Laranjeiras e Itabaiana. Por todo o Nordeste surgiram os

templos protestantes, ocupando um espaço na população

que não temia conviver com a fé reformada. O ambiente

criado pela posição filosófica de Tobias Barreto pro -

piciou o debate das idéias religiosas na população,

através das Igrejas protestantes, como na vertente do

Materialismo permitiu o surgimento de agremiações

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socialistas, formadas por discípulos seus, como foi o

caso de Manoel dos Passos de Oliveira Teles, em

Sergipe, associações sindicais, anarquistas e utópicas,

centros operários marxistas, num evoluir perfeito de

discussão ideológica.

Assim como pensar e escrever em alemão era a

transgressão maior de um dominado em luta, a

divulgação das idéias alemãs de Lutero a Kant, de

Hartmann a Jhering, de Hegel a Marx, era o produto

social e histórico da liberdade intelectual brasileira.

Parafraseando o pensador sergipano, quando a propósito

de Kant criou Herman Hettner, voltar a Tobias Barreto é

progredir. As suas Obras Completas são documentos da

vida brasileira, que afirmam a condição pensante do

homem em seu processo histórico de evolução cultural,

num País ainda hoje preso ao atraso e à dependência nas

suas relações com o mundo.

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Bibliografia Recomendada

O Brasil Mental, por Bruno (José Pereira de

Sampaio), Porto, 1898.

Sobre la Filosofia en América, por Francisco Romero,

Buenos Aires, 1952.

La Filosofia Classica Alemana em Cuba; por Antônio

Sanchez de Bustamante y Montoro, Havana, 1984.

Horizontes do Direito e da História, por Miguel

Reale, São Paulo, 2ª edição, 1977.

História da Faculdade de Direito do Recife, por

Clóvis Bevilácqua, Rio de Janeiro, 2ª edição, 1977.

A Filosofia no Brasil, por João Cruz Costa, Porto

Alegre, 1945.

A Filosofia da Escola do Recife, por Antônio Paim,

Rio de Janeiro, 1966.

Tobias Barreto na Cultura Brasileira, por Paulo

Mercadante e Antônio Paim, São Paulo, 1972.

Da Escola do Recife ao Código Civil, por Vamireh

Chacon, Rio de Janeiro, 1969.

Ensino, Jornalismo e Missões Jesuíticas em

Pernambuco por padre Ferdinand Azevedo, Recife,

1983.

Tradicionalismo Católico em Pernambuco, por Tiago

Adão Lara, Recife, 1980.

Aspectos do Pensamento Alemão na Obra de Tobias

Barreto, por Lílian de Abreu Pessoa, São Paulo, 1984.

A Escola do Recife, por Nelson Saldanha, São Paulo,

2ª edição, 1985.

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168

Tobias Barreto e a Teologia Protestante Alemã do

Século XIX, por Hermamm Dohms, in Deutsche

Evangeliche Bläter, 7 e 8, 9 e 10, São Leopoldo,

1932.

Tobias Barreto, A Abolição da Escravatura e a

Organização da Sociedade, por Luiz Antônio Barreto,

Recife, 1988.

Obras Completas de Tobias Barreto, Edição Come-

morativa, organização de Antônio Paim e Paulo

Mercadante, Direção Geral de Luiz Antônio Barreto,

com a colaboração de Jackson da Silva Lima, INL/

Editora Record, Rio de Janeiro, 1989/1990, 10

volumes, conforme sumários a seguir:

Estudos de Filosofia

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio

Barreto.

Introdução, por Antônio Paim e Paulo Mercadante.

Parte I – Período de Formação em Escada

Guizot e a Escola Espiritualista do Século XIX

A Propósito de uma Teoria de São Tomás de Aquino

Teologia e Teodicéia não são ciências

Fatos do Espírito Humano

Sobre a Motricidade

Sobre a Religião natural de Jules Simon

A Religião Perante a Psicologia

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A Ciência da Alma Ainda e Sempre Contestada

O Atraso da Filosofia entre Nós

Sobre a Filosofia do Inconsciente

Parte II – Período Final em Escada

Deve a Metafísica ser Considerada Morta?

O Partido da Reação em Nossa Literatura

O Haeckelismo na Zoologia

Algumas Idéias sobre o Chamado Fundamento do Di-

reito de Punir

Sobre uma Nova Intuição do Direito

Uns Ligeiros Traços sobre a Vida Religiosa no Brasil

Parte II – Última fase (Período do Recife)

Dissertação de Concurso

Notas a Lápis sobre a Evolução Emocional e Mental

do Homem

Relatividade de Todo Conhecimento

Glosas Heterodoxas a um dos Motes do Dia, ou

Variações Anti-sociológicas

Recordação de Kant

A Irreligião do Futuro

Introdução ao Estudo do Direito

Fortuna Crítica

A Trajetória Filosófica de Tobias Barreto, por An-

tônio Paim

Nota sobre a Noção de “Monismo” em Tobias Barreto

e na Escola do Recife, por Nelson Saldanha

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Estudos de Direito I

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio

Barreto

Tobias Barreto na Cultura Brasileira, por Miguel Reale

I – Filosofia do Direito

Idéia do Direito

Apêndice: Teses do Concurso de 1882,

Programas da Faculdade de Direito,

Jurisprudência da Vida Diária

II – Direito Público Constitucional

Comentário à Dissertação de Luiz de Souza da

Silveira, sobre o art. 5º da Constituição do Império

A Questão do Poder Moderador

O Artigo 32 do Ato Adicional

O Direito Público Brasileiro

A Província e o Provincialismo

Responsabilidades dos Ministros no Governo Par-

lamentar

Reforma da Constituição

Selfgovernment

III – Direito Privado

Novo Direito que é Preciso Reconhecer

O que se Deve Entender por Direito Autoral

Algumas Palavras sobre a Teoria da Mora

Direito Romano

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Estudos de Ciência Financeira

Coisas

Lições de Abertura do Curso de Economia Política

IV – Direito Processual

História do Processo Civil

Fortuna Crítica

Um Triunfo Esplêndido, por Gumercindo Bessa

A Caricatura do Direito Natural, por Djacir Menezes

Estudos de Direito II

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio

Barreto

Tobias Barreto e o Direito Penal, por Everardo Luna

Menores e Loucos

Prolegômenos do Estudo do Direito Criminal

Comentário Teórico e Crítico ao Código Criminal

Brasileiro

Delitos por Omissão

Ensaio sobre a Tentativa em Matéria Criminal

Mandato Criminal

A Co-delinqüência e seus Efeitos na Praxe Processual

Fortuna Crítica

Tobias Barreto, Criminalista, por Aníbal Bruno

Tobias Barreto, Pensador do Direito Criminal, por

Virgílio Campos

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Estudos de Direito III

Sumário

Tobias Barreto, Uma Biobibliografia, pr Luiz Antônio

Barreto

Parte I – Escritos Forenses

Tobias Barreto e sua Atuação no Foro, por Jackson da

Silva Lima

1. Curador Geral de Órfãos

2. Advogado

3. Juiz Municipal Suplente

4. Processo-crime contra Tobias Barreto

Tobias Barreto e a Luta pelo Direito, por Luiz An-

tônio Barreto

Apelo para o Público

Leia quem Tiver Interesse

Um Processo de Injúrias Verbais

Amostra do Pano

Escada I

Escada II

Negócios da Escada I

Negócios da Escada II

Ainda a Questão do Arbitramento

Um Processo Singular

Mais uma Pitada nas Ventas da Parelha Judiciária

A Justiça da Escada

Escada: um Outro Escândalo do sr. dr. Materno

O Cerco da Casa:

Cidade da Escada

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Escada

O Cerco da Minha Casa I

O Cerco da Minha Casa II

Fortuna Crítica:

A Filosofia Jurídica de Tobias Barreto, por Manoel

Cabral Machado

Crítica de Religião

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz An-

tônio Barreto

O Acadêmico

Uma Luta de Gigantes

Theologia Rationalis

Teologia Racional (refutação)

Notas de Críticas Religiosas

Moisés e Laplace

Os Livros Mosaicos ou Assim Considerados

Polêmica com “O Católico”

Uma Excursão de Diletante pelo Domínio da Ciência

Bíblica

Sobre um Escrito de Alexandre Herculano

Sobre David Strauss

Encore um Pelerin

Mais um Peregrino

Polêmica com “A Civilização”

Os Pontos de Filosofia do padre dr. Jerônimo Thomé

O Último Livro de E. Renan e o sr. Oliveira Martins

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Fortuna Crítica:

Tobias Barreto, o seu Ponto de Vista Religioso, por

Artur Orlando

Crítica Política e Social

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio

Barreto

Tobias Barreto, por Evaristo de Morais Filho

O Patriotismo

Ao Sete de Setembro

Os Homens e os Princípios

Política Brasileira

Política da Escada

Ainda Politica da Escada

Fidalguias Pernambucanas

Os Bispos Anistiados

Apelo

Ajuste de Contas

Um Discurso em Mangas de Camisa

Verificação de Poderes

Manifestações ao dr. Jsé Mariano

Oposição ao sr. Adolfo de Barros

Oposição ao sr. Adolfo de Barros II

Educação da Mulher

Educação da Mulher II

Ainda a Educação da Mulher

Projeto de um Partenogógio

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Projeto nº 129

O Grande Dia

Reforma Eleitoral

A Próxima Eleição

Ao Corpo Eleitoral

Um Ligeiro Boato

Morte de Osório

Revolução do Vintém

Henrique von Treitschke e o Movimento Antijudaico

na Alemanha

O Martelo dos Tratantes

A Política Brasileira

A Carlos Gomes

Redenção do Município do Recife - Manifesto

Palavras ao Clube Carlos Gomes

A Academia

Apêndice – artigos e notas de jornais

Fortuna Crítica:

Tobias Barreto, por Brasil Brandechi

Tobias Barreto e a Teoria Política no Brasil, por

Gláucio Veiga

Monografias em Alemão

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio

Barreto

Tobias Barreto e Dom Pedro II: Duas Faces do Germa-

nismo Brasileiro, por Vamireh Chacon

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O Lutador Alemão

O Brasil como Ele é Considerado do Ponto de Vista

Literário

Uma Carta Aberta à Imprensa Alemã

Fortuna Crítica:

Tobias Barreto de Menezes, o Mais Significativo

Germanista do Brasil, por Carlos H. Oberacker Jr.

Dias e Noites

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio

Barreto

A Obra Poética de Tobias Barreto, por Jackson da Silva

Lima

Parte I – Gerais e Naturalistas

Elegíacas:

Dia de Finados no Cemitério

Pela Morte de um Amigo

Viúva e Filhos do Capitão Pedro Afonso

Pressentimento

Morte de um Pai

D. Hermínia de Araújo

Filosóficas:

Juízo Final

Anelos

Aspiração

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Vôos e Quedas

A Caridade

O Gênio da Humanidade

Epicurismo

Ignorabimus

A Glória

O Coração

Últimos Versos

A Morte

Campestres:

Cena Sergipana

O Beija-flor

Os Trovadores das Selvas

Lenda Rústica

Os Tabaréus

Ano Bom

Mágoas

Diversas:

Maria

Victor Hugo

Mãe e Filho

No Álbum de um Poeta

Inspiração

Lenda Civil

Oito Anos

A Luva

A Escravidão

Hino ao Trabalho

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Je Sais

Discípulo e Discípula

Improviso

No Álbum de uma Discípula

Porque Volto?

Filia Pulchra et Mater Pulchrior

Charadas

Parte II – Patrióticas:

Guerra Holandesa

À Vista do Recife

A Polônia

Os Voluntários Pernambucanos

Os Leões do Norte

Aos Oficiais da Guarnição da Paraíba

SS. AA. Imperiais

Sete de Setembro

Em Nome duma Pernambucana

Partida de Voluntários

Num Dia Nacional

Capitulação de Montevidéu

Caxias e Herval

Queda da Assunção

Fim da Guerra

Volta dos Voluntarios

Diante de um Batalhão que Voltava da Campanha

Minha Pátria

O General Deodoro da Fonseca

Guerra do Paraguai

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Parte III – Estéticas:

A uma Mulher de Talento

Depois de Ouvir a Ária Final da Traviata

Artur Napoleão

O Pianista Hermenegildo

O Rabequista Moniz Barreto

Ainda Moniz Barreto

Uma Cantora

Adelaide do Amaral

De Novo Adelaide do Amaral

Joaquim Augusto

Mr. Reichert

Ainda à mr. Reichert

Ainda à Adelaide do Amaral

À Bottini

Polca Imperial

À Júlia Tamborini

Ainda à Tamborini

Líbia Drog

Giuseppina de Senespleda

Ida Giovanni

Ainda Líbia Drog

Desânimo

À Augusta Cortesi

A uma Cantora

Parte IV – Amorosas

Criança

Eu Amo o Gênio

Deusa Ignota

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Glosa

Amália

Teus Olhos

Uma Poetisa

Um Pouco de Música

Penso em Ti

Idéia

Haec Olim Meminisse Juvabit

Pelo Dia em que Nasceste

Leocárdia

Suprema Visio

Amar

É Cedo

Carmem

Consente

A Mulher

Como?

Nós as Estrelas

Sobre as Asas Querúbicas

O Beijo

Súplica

Contemplação

Tão Longe Assim

Dize-me Sempre

Oh! Isto Mata

Não Falei em Mim

Sê Meiga e Terna

Porque me Feriste?

Como é Bom! Cantai

Malévola

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181

Lutas D’Alma

Fatalidade

Jerônima

Por Brincadeira

Que Mimo!

Ainda e Sempre

Incrédula

Nada

Impossível

Sempre Bela

Variação à Heine

Paráfrase

Uma Sergipana

À

Pilhéria

Improviso

Improviso

Um Sonho em Vigília

Parte V – Satíricas:

Decadência!

O Rei Reina e não Governa

Conselheiro Pedro Autran de Albuquerque

Papel Queimado

Namoro não é Crime

O Mal da Humanidade

Homo Homini Lupus

Sê Leão!

Diante do Retrato de D. Josefa A.F. de Oliveira

Cena Cômica

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182

Chapa

Dr. José Brandão da Rocha

O Coronel João Félix

Ainda o Coronel João Félix

Uma Rima p’ra Camelo

Padre Fonseca

Ainda Padre Fonseca

Dr. Joaquim Nabuco

José Higino

Ainda José Higino

Dr. Carneiro da Cunha

Dr. Fagundes Coelho

Lá Vai Verso, Rapaziada!

Academia

Apêndice

Tentação

Quando à Mesa dos Prazeres

Elegus

Elegia

Nênia

Ao Promotor Leandro Borges

Dois de Julho

Veni de Libano, Sponsa Mea

Camões

Ao Padre Benvindo

A um Velho Latinista

Padre J. A. de Faro Leitão

Hino à Virgem

Soneto

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183

Soneto

Ode Sáfica (em Latim)

Ode Sáfica (Tradução)

Elogio (em latim)

Elogio (tradução)

A Imagem da Minha Amada

Minhas Lágrimas

Fortuna Crítica:

Tobias Barreto, o Poeta, por Mário Cabral.

Crítica de Literatura e Arte

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio

Barreto

Tobias Barreto e a Crítica, por Luiz Antônio Barreto

A Paes de Andrade

Flores da Noite

Literatura Bíblica: Naum

O Romance no Brasil

A Influência do Salão na Literatura

Auerbach e Victor Hugo

Idéias sobre os Princípios da Estilística Moderna

A Musa da Felicidade

Carolina Michaellis e a Nova Geração Literária em

Portugal

Socialismo em Literatura

A Última Carta de Victor Hugo ao Congresso de

Genebra

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O Dia de Camões

Um Romance e um Romancista

Sobre Lingüística

Nota sobre o Romantismo Alemão

Ligeira Conjectura sobre o Nome de Camões

Lendas e Superstições do Norte do Brasil

O que Nós Queremos

Nota sobre a Literatura da América do Norte

Traços da Literatura Comparada do Século XIX

Prálogo (Gramática Latina)

O Benefício da sra. Cortesi

O Último Espetáculo da Companhia Lírica

Alguma Coisa Também sobre Meyerbeer

Ainda Alguma Coisa Também sobre Meyerbeer

Minha Contribuição

Um Pedaço de Autopsicologia

Algumas Palavras sobre o Lírico

A Traviata e a sra. Lucia Avalli

Companhia Lírica

As Últimas Representações do Fausto

Belini e a Norma

Carlos Gomes e sua Ópera Salvator Rosa

A Senhora Drog como Elvira

Não Há mais Gosto pelo Drama

Sobre Lucinda

Fortuna Crítica:

Três Mestres do Direito no Batente do Jornal, por

Luiz do Nascimento

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Estudos Alemães (e Vários Escritos)

Sumário

Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio

Barreto

O Germanismo de Tobias Barreto, por Paulo Mercadante

Prólogo

Como Introdução

Carta ao Redator do Deutsche Zeitung

The Position of Women in Germany

A Alma da Mulher

A organização Comunal da Rússia

Apresentação do Der Deutsche Kaempfer (alemão)

Apresentação do Der Deutsche Kaempfer (tradução)

Pedido

Is Die Metaphysik Als Zu Betrachten

De quem é o Erro. Da Autora ou da Tradução?

As Faculdades Jurísticas como Fatores do Direito

Nacional

Carta a Karl von Koseritz

J. C. Frederico Zollner

Política Prussiana

Notas a Lápis

Tobias ao dito Lessing do Diário do Dia 19 do Corrente

A Mulher e o Amor

Miséria do Império e sua Corte

O Príncipe de Bismarck e o Visconde do Rio Branco

Uma Anticrítica, ou Melhor, uma Andidescompostura

Nem Filósofo nem Crítico

Reforma do Regimento

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Privilégio dos Carros Fúnebres

Há entre Nós uma Verdadeira Eloqüência Parlamentar?

Avis au Lector

Aviso ao Leitor

Um Lente de São Paulo Julgando um Colega do Recife

1879

Fundação Bluntchli

O Monismo

O Monismo

O Industrial

As Artes e a Indústria Artística

As Flores Perante a Indústria

Memória Acadêmica do Ano de 1883

A Fotografia como Ramo de Indústria Próprio das

Mulheres

Himmel-und Escadafahrt

Avulsos

Idéias Introdutórias ao Estudo da História

Correspondências:

A Carvalho Lima Júnior

Aos Estudantes Sergipanos da Faculdade de Me-

dicina da Bahia

A Sílvio Romero

A Artur Orlando

De Autores Alemães para Tobias

De Sílvio Romero a Artur Orlando, sobre Tobias

Fortuna Crítica:

O Germanismo de Tobias Barreto, por Mário G.

Losano

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O Radicalismo Crítico de Tobias Barreto (seu pen-

samento filosófico e político), por Vamireh Chacon

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O PENSAMENTO

E A AÇÃO POLÍTICA

DE TOBIAS BARRETO

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Introdução

Debater as idéias que marcaram a história do

Brasil, na quadra da sua emancipação política, é exer -

citar o compromisso da liberdade, ao qual Tobias

Barreto concorreu com o seu talento, sua genialidade.

Um compromisso permanente, de afirmação na-

cional. Quem ensina é o próprio Tobias, ao dizer que “a

liberdade é uma condição, uma lei. Não é porém uma lei

da existência social, porque as sociedades não se faze m,

não existem livremente; é uma lei do seu desen-

volvimento, por ser a condição de todo o progresso

moral intelectual e econômico.”

O Brasil, como todos os países do Novo Mundo,

experimentou, ao longo da sua trajetória histórica,

diversos modelos de economia que impuseram modelos

de sociedade e de cultura. Tobias Barreto é, no contexto

nacional do Brasil, uma referência, uma vertente, à qual

se poderá sempre recorrer para compreender todo o

processo de reação cultural, na visão multidisciplinar do

crítico, reformando conceitos, demolindo o edifício

dominante do estabelecido como verdade imutável.

Assim, a obra de Tobias Barreto adquire um liame

afirmador de sua coerência diante das indagações do seu

tempo.

A literatura, sob o ponto de vista do poeta e do

crítico, a religião, a filosofia, o direito, a ciência política,

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tudo converge para uma mesma postura diante do mundo

e do destino da humanidade. O foco sobre qualquer dos

aspectos do pensamento e da ação de Tobias Barreto

fornece, de saída, a oportunidade reveladora, graças à

contribuição que o fundador da Escola do Recife deu às

idéias no Brasil. Voltar a Tobias é ter a oportunidade de

acompanhá-lo no trabalho de passar o Brasil a limpo, na

feliz expressão de Antônio Paim. Ou, valendo-se do

próprio Tobias, e parafraseando Hermann Hettner, voltar

a ele é progredir.

O tema que desenvolverei, centrado no PEN-

SAMENTO E AÇÃO POLÍTICA DE TOBIAS BAR-

RETO, permitirá, esquemativamente, contextualizá -la na

ambiência histórica, econômica, social e cultural do

Brasil, na segunda metade do século XIX.

É o que farei, a seguir.

O Brasil no Tempo de Tobias

O Estado brasileiro, erigido politicamente com a

Independência de 7 de Setembro de 1822, e juri-

dicamente com a Constituição de 1824, pareceu sempre

ter como “objetivo grande e principal” a preservação da

propriedade, como ensinara John Locke.(1)

A descoberta

da América e do Brasil, não afirmou apenas o poder

navegador da época, mas projetou o ideário cristia -

nizador ibérico, que lastreou, historicamente, as

presenças espanholas e portuguesa do Novo Mundo. O

signo da cruz, nas caravelas, como na consideração da

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infidelidade de índios e negros, norteou a posse e a

ocupação, a exploração e a colonização do Brasil,

determinando um rígido controle da sociedade e da

cultura que ela deveria produzir. Ao longo de 350 anos,

desde o Governo Geral de Tomé de Souza até à queda de

Pedro II, passando pelo período de sede do Reino, das

Regências e dos Impérios, o Brasil permaneceu como

uma grande propriedade, intocada naquilo que deveria

render à Coroa, ou naquilo que ela deveria dar aos seus

sesmeiros, posseiros, arrendatários, exploradores, colo -

nos, senhores. É evidente um quadro diversificado, de

acordo com as fases da história. Os conflitos e disputas

com outros povos, principalmente com os franceses,

espanhóis e holandeses, contudo, não alteraram a base

econômica da exploração fundiária. Bem assim a

descoberta das minas, no século XVIII, não alterou a

antiga relação senhorial das lavouras nordestinas, ou dos

criatórios espalhados no Nordeste, e para o Centro e

para o Norte do Brasil. E ao lado da proteção da

propriedade em seu duplo aspecto, foi protegida a fé, de

todos s questionamentos.

O Brasil, não é demais repetir, não teve escolas e

nem imprensa até 1808, salvo as de formação religiosa e

as “gazetas subversivas”, a exemplo das distribuídas

pelo padre Eusébio Dias Laços, na primeira metade do

século XVIII. A rigor, não foi possível configurar uma

sociedade nacional, antes da Independência do Brasil,

de 1822, ainda que insatisfações proliferassem por

diversas partes do País, culminando com a Inconfidência

Mineira, que reuniu intelectuais, magistrados, e

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militares, sob a liderança de Joaquim José da Silva

Xavier, o Tiradentes. Por isso mesmo, não havia o que

poderia ser identificado como cultura brasileira.

O espírito nacional formou-se aos saltos, embutido

nos movimentos difusos que marcaram o período de sede

do Reino, como a Revolução Pernambucana de 1817, do

Primeiro Reinado, como a Confederação do Equador,

1824, ou do Segundo Reinado, como a Revolução

Liberal, de 1842, a partir de São Paulo, e a Revolução

Praieira, de Pernambuco, em 1848, além de outros

movimentos localizados, menores, mas sinalizadores de

uma inquietação social no País. Tais insurgências, no

entanto, fracassaram e deixaram profundo abatimento na

alma nacional.

Faz mister dizer que, ao mesmo tempo, o Brasil

empreende o seu esforço de crescimento econômico,

gerando, em conseqüência, uma produção cultural, da

qual é expoente o Romantismo, em todas as suas

manifestações. Em 1827, ainda no Primeiro Império, a

criação dos Cursos Jurídicos impulsiona o saber letrado,

nos moldes dos compêndios dos autores europeus,

traduzidos em Portugal. Ao lado dos autores do Direito,

chegam os autores da crítica religiosa, da filoso fia,

marcando com um sulco profundo o controle da

educação e da cultura. O Brasil do século XIX tomava

emprestado um saber velho, de segunda mão, que

transplantado com atraso embotava a formação da

mocidade. Não havia, por exemplo, muita diferença

intelectual entre o que era ensinado pelos padres e

frades, de um modo geral pelos jesuítas, em especial, e

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o que ensinavam os professores da Faculdade de Direito

do Recife, como José Antônio de Figueiredo, Antônio

Vasconcelos Menezes de Drummond, ou do Ginásio

Pernambucano, como José Soriano de Souza que seguia

a mesma linha dos meus irmãos Braz Florentino e

Tarquínio Bráulio.

José Antônio de Figueiredo dizia, em 1857, que

“A instalação da Irmandade Religiosa, no Convento dos

Franciscanos, sob a invocação de Nossa Senhora do

Bom Conselho, foi uma prova de convicção de que só a

religião oferece uma verdadeira e real garantia à ordem

e tranqüilidade pública de que só ela pode sancionar de

uma maneira positiva e dogmática a Moral social, e

prevenir e acautelar crimes cuja alçada e investigação

escapam às leis humanas.”(2)

O professor Drummond(3)

afirmava, 10 anos

depois, em 1867, que “A religião cristã, obra da

Sabedoria Divina em prol do bem da humanidade (assim

como o Protestantismo é obra da fraqueza humana e

para sua destruição) sendo a única capaz de fazer a

felicidade nesta vida, e também a única capaz de fazer a

felicidade na vida futura, foi pela Constituição pre-

ferida, sob cuja sombra já havia prosperado a abençoada

terra da Santa Cruz, há trezentos anos.”

No seu livro Lições de Filosofia Elementar,

Racional e Moral,(4)

o dr. José Soriano de Souza, com

quem Tobias Barreto disputara uma vaga de professor

de Filosofia do Ginásio Pernambucano, pregava que o

Estado era a matéria e a Igreja o espírito, devendo

aquele estar sempre subordinado a esta. Soriano anota

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ao final do seu livro: “Sujeito estas Lições de Filosofia

ao juízo indefectível da Santa Igreja Romana, isto é, à

correção do Soberano Pontífice, Pai e Mestre infalível

de todos os cristãos; e com ele digo, e tenho como

verdade que é obrigação rigorosa, quer do filósofo que

deseja ser filho da Igreja, quer da mesma filosofia, não

dizer nada contra o que a Igreja ensina, e retratar -se

desde que ela o adverte; e bem assim que inteiramente

errônea e soberanamente injuriosa à Fé e à Igreja e à sua

autoridade a doutrina que ensina o contrário disso.” Não

era sem razão que o Conselheiro Autran, com quem

Tobias polemiza, em 1870, exultava com o livro de

Soriano, dizendo: “Deste modo vê-se que o claro autor

segue nas sua Lições de Filosofia Elementar os sãos

princípios, que são como a chave para refutar os

sofismas miseráveis da moderna incredulidade. haveria

pois estudo filosófico mais sério e mais útil para a

mocidade católica do Brasil?”(5)

Os jesuítas, que regressavam ao Recife em 1866,

como “operários da educação da mocidade” fundaram,

já em 1867, o Colégio São Francisco Xavier e assu-

miram a redação da Revista de Instrução Pública de

Pernambuco, onde diziam que “O progresso das

ciências, das artes e da indústria parece favorecer o

desenvolvimento dos instintos menos nobres na nossa

natureza”, e que “A liberdade de ensinar, dada a todos, é

essencialmente imoral, e por conseguinte ilícita, visto

que franqueará o ensino ao incrédulo, ao racionalista, ao

protestante, etc.”(6)

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As citações, todas elas, reforçam a preocupação

da classe dominante e o controle que ela exercia sobre a

educação, nas escolas e através dos jornais, e sobre a

cultura, desdobrando-se na condenação à ciência. Era

esse ambiente do Recife – a cabocla civilizada – como a

vira Tobias em 1862, ao chegar da Província de Sergipe.

Aquele ambiente, ponto de convergência da mocidade

nordestina, mesclava-se apenas do lirismo dos ainda

muito jovens poetas que freqüentavam os teatros como o

baiano Castro Alves, o cearense Júlio César, o per-

nambucano Vitoriano Palhares, o sergipano Tobias

Barreto, entre muitos outros que existiram meteo -

ricamente na história luminosa das letras brasileira.

O Poeta da Guerra

A ação política de Tobias Barreto, esta entendida

como o engajamento na luta social, precede a for -

mulação do seu pensamento, filiado ao Liberalismo.

Ainda estudante da Faculdade de Direito se faz, a partir

de 1865, poeta do sentimento patriótico e nacionalista,

tomando como mote do seu canto a Guerra do Brasil

contra o Paraguai. Antes disso, já o estro de Tobias

evocara as tradições guerreiras de Pernambuco, numa

alusão às batalhas vencidas contra os invasores ho -

landeses, que estão na base dos sentimentos brasileiros

de liberdade.

Em 1864, protestando ao mundo em favor da

Polônia, Tobias agita o Teatro Santa Isabel com versos

como este:

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Só é grande a liberdade

Que sacode a majestade

E arranca a juba dos reis.

Pernambucano, pois, renasce, nas ruas, com a

Guerra do Paraguai. O heroísmo dos padres de 1817 e de

1824, dos liberais de 1842 e dos praianos de 1848,

aflorava novamente, como síntese de lutas perdidas,

sufocadas pelas forças das armas. Tobias Barreto adotou

uma estética poética nova dentro do Romantismo vi-

gorante, inclinada ao social, em substituição ao inti-

mismo dos outros poetas do seu tempo. A nova poesia, à

qual também se filiou Castro Alves, Tobias a levou a

Pernambuco por influência de poetas de Sergipe que,

segundo o escritor, crítico e historiador sergipano

Jackson da Silva Lima(7)

o precederam, como atestam

jornais baianos e sergipanos, na maneira de poetar. O

Condoreirismo fez escola e entre os críticos existem os

que emprestam ao movimento poético de Tobias Barreto

um sentido de marco, espécie de primeiro momento da

Escola do Recife. O que é certo é que o poeta se declara,

de todo, enfático na luta pela liberdade e pela pátria. É

ele mesmo quem diz, aos Oficiais da Guarnição da

Paraíba, em 1865:

É uma canção magoada,

Que a Pernambuco votei;

Quando a luz da sua espada,

Em prol da pátria invoquei.

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No mesmo poeta Tobias cunha a frase são os do

Norte que vêm, que ficou, antológica, no repertório

nordestino, como um grito guerreiro de afirmação e de

ênfase na coragem de luta do povo do Nordeste, que

Manuel bandeira e Ariano Suassuna, em épocas dife-

rentes, renovaram.

Liberdade e patriotismo são as duas medidas profé-

ticas da poesia de Tobias Barreto, como estão no impro-

viso, no Teatro Santa Isabel, em 7 de setembro de 1865:

Para que tudo estremeça,

Basta erguer-se uma cabeça

Cheia de revolução.

Ergueu-se uma: foi decepada,

Mais outra: ainda calcada...

Ao longe o brado se ouviu

Era o espírito das matas,

Os turbilhões democratas

Que a liberdade produz.

Mais tarde, refazendo o poema, ele completa:

Fazendo os tronos vergarem

E os reis se descoroarem,

Cortejando a nova luz.

Em Capitulação de Montevidéu, também em

1865, ele diz:

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Juntem as almas gratas

De colegas e de irmãos;

Que o vento que acorda as matas

Nos toma os livros das mãos:

A vida é uma leitura,

E quando a espada fulgura,

Quando se sente bater

No peito heróica pancada

Deixa-se a página dobrada

Enquanto se vai morrer.

A Guerra do Paraguai, mais que os levantes

internos forjava a têmpera de uma nova classe que

crescia a sua influência no Brasil: a dos militares.

Tobias percebe o fato e se apressa em dar aos militares

uma função patriótica, libertária, democrática, com

responsabilidade política. Diz ele, exaltando o brio de

dois militares:

A frente augusta da história

Assoma um grupo imortal;

Que um mesmo raio de glória

Ligou Caxias a Herval:

Fulgor de duas espadas,

Que sóbrias, enfastiadas

Daquele sangue servil,

São as pontos do compasso

Que traçou longa no espaço

A evolução do Brasil.

Caxias e Herval, 1869.

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O poeta insiste:

Não, não! A pátria não mente,

De tudo ela é inocente,

Pois a pátria somos nós.

Volta dos Voluntários, 1870.

A temática patriótica leva Tobias a traduzir o

poema Minha Pátria, de Hofmann, publicado, em

alemão e na tradução, no seu jornal O Americano, em

1870. É este o canto:

Constante amor até rolar no túmulo,

Eu te juro com a destra ao coração;

O que sou e o que tenho, pátria minha,

Devo a ti – sinto arder-me o coração.

E não somente em cantos e palavras

É grato o peito meu para contigo

É nas ações que eu quero demonstrar-te,

Nos combates, na luta e no perigo.

Na ventura, bem como na desgraça,

Ante amigos e adversos grito altivo:

“Eternamente unidos nós serems,

E meu consolo és tu, por ti só vivo.”

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A poética da guerra encerra-se, em Dias e Noites,

com o improviso, sem data, recolhido entre amigos pelo

filho João Barreto.(8)

Patrícios! O drama é sério!

Juntao ao trono armas erguei!

Nós mesmos somos o Império!

Nós mesmos somos o rei.

Não pensemos no monarca.

Um homem que os passos marca,

Vale o povo varonil,

Pois agora o insulto feito

Vibra a honra do Brasil.

Bastaria, pois, a agitação patriótica para exaltar o

poeta Tobias Barreto na história da literatura brasileira.

E esta parte da obra, sob nenhum pretexto, pode ficar

fora da consideração crítica, porque ela encerra um

posicionamento que servirá, mais adiante, como um

roteiro conseqüente de participação de Tobias Barreto

na vida política, cultural e social do Brasil. O pensador

está no poeta, como, aliás, já disse Miguel Reale,

quando proferiu conferência, sem Sergipe, por ocasião

das celebrações do Centenário de Tobias. Ademais, a

poesia de Tobias era a primeira resposta ao meio

dominado pelo saber livresco e de sacristia, numa

reação que teria enorme conseqüência e que mudaria o

curso da história da cultura no Brasil.

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201

O Teórico da Liberdade

O anticlericalismo de Tobias Barreto não é uma

atitude isolada de um desafeto pessoal, mas uma forma

de combate que o Liberalismo, nas suas várias

tendências, patrocinou contra a Igreja e contra o

Catolicismo, porque estes pareciam estruturalmente

ligados à velha sociedade aristocrática do ancião

regime. A reação liberal, que a partir de 1869 integra “o

surto das idéias novas”, como ensina Paim,(9)

contagia

Tobias, que passa a ocupar espaço na imprensa,

principalmente nos jornais O Liberal, órgão oficial do

Partido, e O Americano, de sua propriedade, para

difundir o Liberalismo que, no seu entender, tinha o

verdadeiro solar na democracia. Para Tobias o Estado

era a sabedoria do Poder e o Partido Liberal não tinha e

nem deveria ter um programa e sim um ideal, e ideal

não se discutia.

Em O Liberal Tobias escreve uma série de 5

artigos – Os Homens e os Princípios – no início de

1870, assumindo a pregação teórica e partidária, ainda

que mantivesse a autonomia do pensamento, conciliando

sua convicção. Já no segundo artigo produz fr ases

assim: “O cidadão é a forma social do homem, como o

Estado é a forma social do povo.” “Onde o povo não é

tudo, ele torna-se nada.” Os artigos servem, também,

para produzir um diagnóstico do comportamento

partidário brasileiro, ou seja, para realçar as atitudes dos

Partidos Conservador e Liberal, que nem honravam os

princípios que defendia, nem tinham nomes qualificados

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202

para o exercício da política, naquela quadra especial da

vida brasileira, quando era organizado, no Rio de

Janeiro, o Clube Republicano , Tobias não poupa seus

companheiros, ao comparar a idéia liberal ao Judaísmo

político “esperando e prometendo ardentemente o

reinado messiânico da liberdade, só nos críticos

momentos de perseguição e de penúria; mas desde que

céu se azula e a tempestade serena, adeus messias, adeus

esperanças.”

Mantendo-se na mesma postura crítica, mesmo

ampliando o campo de seus estudos, Tobias produz

outra série, de 26 artigos, que saem sem assinatura no

jornal O Americano, ainda em 1870. Trata-se, sem

dúvida, de um documento precioso de ciência política,

pelo qual a sociedade, o Estado e os partidos são vistos,

radiografados e contextualizados. Ninguém, nem em

Pernambuco e nem em outra qualquer parte, realizou

semelhante tarefa, com independência, isenção e espírito

crít ico. A autonomia do pensamento é a marca constante

da obra de Tobias Barreto. A sua contribuição à ciência

política foi recentemente destacada por Gláucio Veiga,

na Aula Magna que proferiu em 1989, na Faculdade de

Direito do Recife.(10)

E certamente o será por outros

estudiosos que têm, agora, acesso aos escritos de

Tobias, através da edição das Obras Completas.

Não cabe, nesta rápida abordagem, arrolar os

textos que tratam da liberdade, mas vale citar alguns

deles, justamente dessa fase primeira da sua pregação

liberal. Os textos seguintes foram extraídos dos artigos

Política Brasileira, do jornal O Americano, 1870.

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“O povo brasileiro não se constituiu, foi

constituído. Vêde bem a diferença. Como atividade,

como força, como espírito, ele não deu-se a si mesmo os

órgãos e funções da sua vida social. Tudo lhe foi

outorgado, como a um autômato mesmo que devesse

bulir só por virtude aquela mágica e suprema chave de

toda a organização política.” Considero este texto um

claro enunciado que coloca a questão da sociedade

brasileira em termos situações concretas, porque in-

clusive aborda a presença passiva do povo, como

destinatário de uma decisão superior, de conquista e de

Poder, faltando aclarar o papel político que deveria ter

na organização do Estado. Não é demais lembrar que o

Brasil de Tobias Barreto tinha uma economia primária,

movida pelo braço escravo. O conceito de povo

prometia para uma casta de homens “bons e abastados”,

que juntamente com a nobreza e com o clero eram os

agentes da vida brasileira. Tobias Barreto não se referia,

com certeza, ao conceito estereotipado de povo, comum

no seu tempo, mas a partir da redescoberta romântica,

desdobrada na composição da realidade nacional, na

interface do Estado com a Nação, e na perspectiva de

mobilização popular em favor de partidos fortes, re-

presentativos, como condutos de expressão transfor-

madora. Também nisso Tobias apresentou-se como um

antecipador.

Noutro texto ele diz:

“Nenhum povo é realmente grande, senão pela

liberdade que tem ou que conquista.” Mais adiante,

pondera: “Os que cremos no triunfo inevitável do direito

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não nos impacientemos com o seu vagaroso andar. Não

aceitemos a resignação, virtude estéril, que em política

mal difere da humilhação, ms também não esqueçamos o

poder das circunstâncias.” Ou mais esta afirmativa

observação: “O povo brasileiro quer ser livre, mais livre

do que permitem-no as suas instituições. Podê-lo-á

conseguir? Eis a questão.

O linguajar profético soava como o mais

apropriado à sua condição de reformador, incorruptível,

que não transacionava com os seus princípios. Achava-

se até, como confessou, um nominalista, pois que não

dava às idéias e proposições gerais, vulgarmente acre-

ditadas, a realidade e o valor que queriam ter. Vigoroso

na crítica, aprofunda a análise da vida e da política

brasileira, qualificando o Governo constitucional repre-

sentativo como “um complexo de altas medidas po -

liciais, um sistema de prevenções, a organização das

desconfianças.” Mais tarde, no seu pequeno jornal O

Desabuso, editado em Escada, complementa, dizendo:

“Só conheço bem o Governo do meu País sob a forma do

Coletor, que me exige o imposto, e sob a forma do

soldado, que me faz medo.”

Em dois outros momentos, em 1870 e em 1873,

Tobias trata do isolamento político das Províncias, em

relação ao Império. Uma vez afirmando que sem

municípios não poderia haver Província, e sem Pro -

víncia jamais haveria o Império. Ele justificava -se

dizendo que “A capital, donde partem as leis e os

regulamentos e os avisos e as ordens secretas e todo este

tecido administrativo que nos embrulha, não é uma fonte

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de idéias, não é uma capital do pensamento.” Noutro,

criticando a obra de Tavares Bastos – A Província – de

1870, quando se definiu contrário a aceitar a tese rude

de que o que era bom para os Estados Unidos era bom

para o Brasil. No seu trabalho Tobias, em três artigos,

um dos quais permaneceu desconhecido do público, por

não constar em livro, vai fundo na análise dos pressu-

postos da centralização/descentralização, ao mesmo

tempo em que chama, para abonar as suas palavras, a

Alexis Tocqueville, que com seu Democracia na

América mereceu respeito e citação obrigatória. Não

houve, assim, aspecto geral ou particular, que inte-

ressasse ao Brasil, que não passasse pela visão crítica de

Tobias Barreto. “É nosso entender que o destino do

século XIX – dizia ele – sendo a crítica leal e sincera de

todas as coisas e por todas as formas, os homens e as

idéias políticas não devem ficar fora do seu alcance.”

Isto confirma sua consciência de crítico, ainda que o

ambiente da Província, infenso às novidades, sufocasse

o seu esforço e guardasse os ressentimentos, alimen-

tando, aprioristicamente, um julgamento desfavorável

que sobreviveu à sua morte.

A Organização da Sociedade

Tobias Barreto não estacionou na crítica.

Procurou, em diversos momentos da sua atribulada vida,

contribuir, prática e objetivamente, para a organização

da sociedade, segundo os princípios que ardentemente

defendia. Em 1871, formado em Direito, transfere

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residência para Escada, localidade da zona da mata su l

de Pernambuco, onde seu sogro – João Félix dos Santos

– possuía alguns dos 120 engenhos do município. Em

1874, montando, por conta própria, uma tipografia, edita

seu primeiro jornal – Um Signal dos Tempos – pelo qual

difunde o pensamento alemão, mas também os dramas,

as dificuldades, as queixas do povo escadense,

convocando-o a organizar-se. Em 1877 funda o Clube

Popular Escadense, pronunciando Um Discurso em

Mangas de Camisa, que é uma síntese, até ali, do

pensamento político daquele homem conturbado pelo

sofrimento, o próprio e dos seus iguais mestiços.

Um Discurso em Mangas de Camisa radiografa

Escada, o poder econômico dos senhores conservadores

e liberais, o funcionamento parcial da justiça, e o estado

depauperado do povo, oferecendo um diagnóstico

preciso, estatístico, da realidade escadense. Tobias

identificava naquela população de três mil pessoas,

“90% de necessitados, quase indigentes, 8% dos que

vivem sofrivelmente, 1,5% dos que vivem bem, e 0,5%

de ricos, em relação.” Seguindo com sua estatística,

Tobias revela que da receita municipal apenas 10%

tinha como destino a instrução pública, mas 20% a

polícia.

O quadro de domínio dos senhores foi definido,

por Tobias, como produto da açucarocracia, casta dos

donos dos engenhos, que por possuírem o maio r número

de bois, cavalos e escravos, se julgava com o direito à

posse de todos aqueles que vieram tarde e não encon-

traram um pouco de terra para chamarem sua, e dentro

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desse domínio manejaram sem piedade o bastão da

prepotência. Tobias enunciava, diante dos integrantes do

Clube, uma equação onde poderiam estar poten-

cializados os da classe econômica, com a “luta pelo

capital” e os que estavam, com ele, em “luta pelo

direto”, e entre ambos o povo. É essa situação passiva

do povo que o leva a dizer, no mesmo discurso, que

“Entre nós o que há de organizado é o Estado, não é a

Nação; é o Governo, é a administração, pelos seus altos

funcionários na Corte, por seus sub-rogados nas Pro-

víncias, por seus ínfimos caudatários, nos municípios;

não é o povo, o qual permanece amorfo e dissolvido,

sem outro liame entre si a não ser a comunhão da língua,

dos maus costumes e do servilismo.”

Aos escadenses o Discurso causa impacto, mas

não surpreende, porque Tobias, nos seus pequenos

jornais, prometia “avivar no espírito desta gente o

sentimento do seu direito, bem como a necessidade de

pugnar por ele.”(11)

No jornal O Desabuso, de apenas

quatro folhas pequenas, distribuído com o povo nas

feiras, Tobias escreveu isto: É preciso que nos

convençamos: a magna questão dos tempos atuais não é

política, nem religiosa, é toda social e econômica. O

problema a resolver não é achar a melhor forma de

governo para todos, porém a melhor foram de viver para

cada um, não é tranqüilizar as consciências, porém,

tranqüilizar as barrigas. Que importa ao homem do povo

que lhe dêem o direito de votar em quem quiser, se ele

não tem o direito de comer o que quiser? Que lhe

aproveita a liberdade de ir ao templo, quando queira, e

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orar a Deus, como lhe aprouver, se ele não tem o poder

de ir ao mercado, quando lhe apraz, e comprar o que

precisa.”(12)

Tanto nos jornais, como no Clube Popular Esca-

dense, de vida e atividades efêmeras, Tobias Barreto

discute uma variedade imensa de questões, percorrendo

a religião, a filosofia, a política, o direito, com a

preocupação de aprofundar seus posicionamentos como

crítico que não se deixou sectarizar por qualquer das

causas e escolas que abraçou. Este é um outro traço da

personalidade do mulato sergipano, o de progredir

sempre, tangido pela capacidade investigativa , pela

sensibilidade de distinguir autores atualizados, refor -

mistas, quando muitos deles apenas estavam iniciando

suas obras.

Uma das mais notáveis discussões de Tobias,

nesse seu período de Escada, prendeu-se a dificuldade

de conciliar Liberdade e Igualdade, como queriam os

liberais, os maçons, e outros propagandistas. Além de

achar a trilogia da Revolução Francesa um “estribilho da

moda”, Tobias afirmava, categoricamente, que a liber -

dade e a igualdade são contraditórias e repetem-se

mutuamente. E explica: a liberdade é um direito, que

tende a traduzir-se no fato, um princípio de vida, uma

condição de progresso e desenvolvimento; a igualdade,

porém, não é um fato, nem um direito, nem um

princípio, nem uma condição.” “A liberdade é alguma

coisa de que o homem pode dizer eu sou, a igualdade

alguma coisa, de que ele somente diz: quem me dera

ser.”

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A discussão parece ser, ainda hoje, de grande

atualidade, como se observa com as declarações de

Achille Occheto, deputado e Secretário do Partido

Comunista Italiano . Diz ele: “A Revolução Francesa

proclamou liberdade e igualdade. mas em que medida

esses dois termos conseguiram conciliar -se efetivamente

nas sociedades do século passado? Em quase nada: a

liberdade logo concedida cedo se encontrou em

contradição com uma igualdade quase nunca alcançada,

quase sempre traída. Eis aí: a Revolução de Outubro,

longe de resolver esta contradição, a exasperou,

forçando os sentidos de igualdade. Assim, distanciou-se

ainda mais da solução. Resultado: hoje temos ainda de

enfrentar a tarefa de realizar de verdade a Revolução

Francesa, integrando igualdade e liberdade. Este é ainda

o grande problema das sociedades modernas do fim do

século XX.”(13)

Creio ser dispensável cotejar um e outro texto,

ainda que entre o de Tobias e o de Occheto a marcha da

história registre 113 anos. A simples menção deve já

servir para acentuar a objetiva preocupação de Tobias

com a liberdade e com a igualdade, como se pode

verificar no seu célebre Discurso. Voltando ao tempo de

Tobias, quando ele proferiu tais sentenças proféticas,

cabe assinalar, não apenas a conexão do seu pensamento

com as correntes alemãs que renovavam o mundo das

idéias, mas também os embates locais, de refutação aos

temas principais de sua análise crítica. Em 1870 entrou

em polêmica com o Conselheiro Pedro Autran da Mata

Albuquerque, sobre religião, com Albino Meira, em

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1875, por defender uma Internacional da literatura, no

primeiro dos seus livros: Ensaios e Estudos de Filosofia

e Crítica, onde cita Marx, pela primeira vez no Brasil, e

por fim com Franklin Távora, sobre Alexandre

Herculano, o que, aliás, não ocorreu apenas uma vez.

Artur Leal, no seu Impressões Acadêmicas – Ensaios

Críticos – de 1879, toma a defesa de Herculano com o

seguinte comentário: “O distinto alemão Tobias Barret o,

envenenado pelo fel do seu pessimismo, qual D. Quixote

de lança em riste, arremete contra Portugal, apedreja sua

literatura, corre os seus literatos e por último põe fogo

no feudal castelo de um Alexandre Herculano.”

Escada encerra todo um círculo, inic iado com a

panfletagem poética, a profissão de fé liberal, a

teorização da liberdade, a organização da sociedade, o

germanismo, os mandatos políticos e a vivência parti-

dária, e, ainda, a luta pelo direito.

A Luta pelo Direito

Em Escada Tobias Barreto fo i Curador Geral de

Órfãos, Advogado e Juiz Municipal Substituto. Nas três

funções teve o mesmo comportamento que lhe valeu

ferrenhas inimizades com juízes, promotores, chefes

políticos e delegados, um processo por delito de

imprensa e um cerco armado à sua casa, que resultou no

seu retorno, em 1881, ao Recife.

Tobias usara para si o direito de influir, como

mais instruído, sobre os menos instruídos, como

ensinara Stuart Mill, mas enfrentava um ambiente que

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mais tarde foi descrito, por Lourenço Moureira Lima ,

Secretário Oficial da Coluna Invicta – Coluna Prestes –

como cenário das “três desgraças: o chefe político – um

coronelão boçal que furta as rendas do município – o

juiz, a serviço dos fazendeiros e o delegado venal e

subserviente.”(14)

A luta pelo direito era, como ainda hoje, uma luta

contra os privilégios. Tobias abraçou a causa e nela deu

sensível contribuição ao processo da construção da

cidadania, na medida em que tornava o direito mais

próximo do cidadão, tentando neutralizar as

desigualdades das classes. Neste sentido mais do que

atuar no Foro, Tobias leva para a imprensa, como apelo

ao público, as questões que patrocinava, principalmente

quando a parcialidade do juiz atropelava a boa

administração da justiça. Cidadania e opinião pública,

contidas na ação política de Tobias Barreto, o escritor

das Cartas Abertas, numa localidade onde o comum era

a carta anônima.

Conclusão

Voltando ao Recife, Tobias faz concurso e

ingressa na Faculdade de Direito, como Lente Substi-

tuto. Amadurecido, convicto do seu papel de crítico, ele

se torna guia da mocidade, vendo despontar entre

alunos, colegas nordestinos, amigos e admiradores, Co -

fundadores da Escola do Recife, para coroar a sua luta

devotada. O Brasil mudou depois dele, com a geração

dos abolicionistas, dos republicanos, dos democratas,

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dos socialistas, modernistas, que fundam instituições,

revistas, escolas, ocupam posições e cargos no Poder,

redigem leis, códigos, enfim ordenam a vida brasileira.

Em nenhum momento Tobias foi omisso diante

das questões do seu tempo. Republicano, abriu seu

jornal ao Manifesto do Clube da Corte, e teceu

comentários seguidos de propaganda. Abolicionista,

redigiu Manifesto, integrou a Sociedade Nova

Emancipadora do Recife, foi orador de clubes e de

saraus libertários, e pregou, através da revista O

Industrial, que redigiu em 1883, o trabalho livre,

deixando ali um ideário para o Brasil, com os olhos

pregados no futuro.

Enquanto viveu, fiel ao seu próprio evoluir,

Tobias Barreto revelou o Brasil aos brasileiros e com

eles apostou na soberania do povo e no triunfo do

direito. 101 anos depois de sua morte, ele vive na

atualidade dos seus textos, no patriotismo de sua vida

pública, no merecimento de sua fortuna crítica.

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NOVA MISSÃO TOBIÁTICA

NO RECIFE

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No dia 4 de maio de 1925, perante o

Presidente Maurício Graccho Cardoso e selecionada e

atenta platéia, no salão do Instituto Histórico e

Geográfico de Sergipe, Manoel dos Passos de Oliveira

Teles relatou aquilo que ele denominou de Missão

Tobiática no Recife, que lhe fora confiada pelo

Presidente do Estado e que consistia no levantamento e

na organização da obra dispersa do genial pensador

sergipano Tobias Barreto de Menezes, de quem o

próprio orador era discípulo, guardando do Mestre as

recordações e as saudades da Faculdade de Direito do

Recife, das récitas, das noitadas, da boemia intelectual

que mesclava o espírito inquieto do gênio sergipano.

Manoel dos Passos de Oliveira Teles de

Aracaju, a bordo do vapor Íris, em fins de 1924, para

resgatar, em 90 dias, a obra dispersa de Tobias Barreto,

em cerca de 46 jornais, sendo 32 editados no Recife, 11

de responsabilidade do próprio Tobias, editados em

Escada, e 3 jornais editados em língua alemã. Ainda que

contando com a colaboração de João Barreto de

Menezes, filho de Tobias, e com a colaboração de

muitos pernambucanos e sergipanos em postos de

destaque na vida administrativa do Recife, não foi

possível ao pesquisador ter acesso, nem na Faculdade de

Direito, nem na Biblioteca Pública do Estado, a todos os

jornais que tiveram Tobias Barreto como redator ou

colaborador. Os jornais estavam em pedaços, ou

desaparecidos.

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Em 1907 Alfredo de Carvalho chamava a

atenção, nos Anais da Imprensa Periódica

Pernambucana, para a raridade em que já se constituía

alguns dos jornais publicados por Tobias Barreto ou que

receberam sua colaboração em prosa e verso. Mas, ainda

assim, a Missão Tobiática no Recife teve grande êxito,

porque permitiu a primeira organização da Obra

Completa, a partir das edições diversas até 1889, das

publicações feitas, postumamente, por Sílvio Romero,

acrescidas, todas elas, dos textos recolhidos no Recife

por Manoel dos Passos de Oliveira Teles. Coube ao

mesmo Governo que bancou a idéia da recolha, editar,

em 10 volumes toda a obra de Tobias Barreto, legando

às novas gerações de sergipanos e de brasileiros o

conhecimento do repertório intelectual que renovou, na

segunda metade do século passado, o direito, a filosofia,

a ciência social e a literatura, emancipando mentalmente

o Brasil.

Mesmo coberta do sucesso que dá a

Manoel dos Passos de Oliveira Teles os mais justos

louvores a Missão Tobiática no Recife deixou de reunir,

dentre outros, o trabalho de Tobias Barreto como

advogado, como Curador dos Órfãos e como Juiz

Municipal – substituindo – no Termo, depois comarca

de Escada, onde o mestre viveu por cerca de 10 anos, e

de onde lançou mais longe suas vistas de intelectual, de

pensador e de teórico social, e de onde saiu eleito

deputado à Assembléia Provincial de Pernambuco, ou

ainda foi eleito Vereador à Câmara Municipa l. A vida

intelectual de Tobias Barreto em Pernambuco tem, pelo

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menos, três fases distintas: aquela inicial, de acadêmico

de direito, publicando poesias e artigos variados nos

pequenos jornais, a de Escada, e a de Lente Substituto

da Faculdade de Direito, e de jornalista, a partir do seu

retorno ao Recife e até a sua morte, em 1889. Foram 27

anos de intensa atividade, desde a chegada ao Recife,

em dezembro de 1862, com 23 anos de idade, pobre e

desconhecido, superando o meio e as adversidades da

vida.

Ainda é possível, com os mais velhos,

recolher em Escada a impressão deixada por Tobias

Barreto. No cartório da rua João Manoel Pontual, nº

220, sob a guarda do Tabelião e Escrivão José Maria

Correia, estão os Processos, dezenas deles, nos quais

Tobias funcionou. De muitos dos Processos Maria

Andrelina de Melo, em nome da extinta Subsecretaria de

Cultura do Estado de Sergipe – SUCA – tirou cópias de

peças e procurações que atestam a lide forense de

Tobias Barreto de Menezes. Mais recentemente, os

pesquisadores do Instituto de Documentação da Fun-

dação Joaquim Nabuco, orientados à distância por

Jackson da Silva Lima, empreenderam a novo

levantamento, relacionando, registrando e micro fil-

mando Processos, com vistas a revelar essa faceta

inédita de Tobias Barreto, preliminarmente referenciada

por Jackson da Silva Lima, em artigo publicado na

Revista do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

Tem início, assim, Nova Missão Tobiática

no Recife, ampliada para Escada, Vitória de Santo

Antão, Cabo Rio Formoso, Ipojuca, Gameleira,

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Serinhaem, Palmares e Barreiros, em busca de Processos

nos quais Tobias Barreto tenha funcionado como

advogado. Mais que isto, estão sendo procurados os

jornais recifenses e escadenses, nos quais Tobias

Barreto deixou a marca de sua genialidade.

* * *

Aos 23 nos, ajudado pelo Governo da

Província de Sergipe, Tobias Barreto chegou ao Recife,

segundo suas próprias palavras, no dia 10 de dezembro

de 1862, com apenas 95 mil réis. Sem dinheiro e doente,

viu frustrada a sua entrada na Faculdade de Direito.

Passara, com muitas dificuldades o ano de 1863. Mas, a

partir de 1864, quando consegue matrícula como

acadêmico de Direito, começa a ativar uma vida

intelectual, mantida ininterruptamente, através da

imprensa periódica. Poucos intelectuais bras ileiros se

valeram tanto e de forma tão íntima e definitiva, da

imprensa como Tobias Barreto. Foi redator, editor,

diretor, colaborador de jornais e de revistas, deixando

seu nome em pelo menos 32 periódicos pernambucanos,

segundo Alfredo de Carvalho – Anais da Imprensa

Periódica Pernambucana, 1821-1908, Recife, 1908 –

Luiz do Nascimento – História da Imprensa de

Pernambuco – e outros informantes, incluindo o próprio

Tobias Barreto em carta de 6 de agosto de 1880, dirigida

a Carvalho Lima Júnior.

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Os levantamentos que estão em curso, no

âmbito do Instituto de Documentação da Fundação

Joaquim Nabuco, sugerem a organização da seguinte

lista de jornais e revistas, todos do Recife:

Ensaio Literário do Recife:

Ensaio Literário, 1864,

O Futuro, 1864,

A Palmatória, 1865,

O Acadêmico, 1865,

Revista Ilustrada, 1866,

A Luta, 1867,

A Regeneração, 1868,

O Vesúvio, 1869,

Correio Pernambucano, 1869,

Jornal do Recife, 1869,

O Americano, 1870,

A Crença, 1870,

O Liberal, 1870,

O Movimento, 1872,

Jornal do Comércio, 1872,

A Província, 1874,

Escola, 1875,

O Século, 1878,

Correio da Noite, 1879,

A Lyra, 1881,

A Estação Lírica, 1882,

Homenagem a Cargos Gomes, número único,

1882,

A Tribuna, 1882,

O Sahara, 1883,

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219

O Industrial, 1883,

Folha do Norte, 1883,

A Arte Dramática, 1884,

Revista das Artes, 1885,

A Academia, 1888,

Homens e Letras, 1888,

Revista Acadêmica, 1888, e, em várias

épocas,

Diário de Pernambuco.

Dos 32 periódicos listados, apenas 23

podem ser encontrados, sob a guarda do Arquivo

Público do Estado. 9 deles não são mais encontrados em

Instituições de documentação de Pernambuco. São eles:

Revista Ilustrada,

A Luta,

A Regeneração,

A Crença,

O Movimento,

O Século,

Homenagem a Carlos Gomes,

Revista das Artes,

Revista Acadêmica.

Alguns desses periódicos sobreviventes

estão microfilmados pela Fundação Joaquim Nabuco,

dentro do Plano Nacional de Microfilmagem, orientado

pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A Nova

Missão Tobiática tem tido como uma de suas

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preocupações localizar e conferir tal acervo que guarda

a obra jornalística e literária do gênio sergipano. Há

indícios de colaborações de Tobias Barreto em outros

jornais e revistas, dos quais a informação é escassa.

Além da falta, preocupa o estado degrado dos jornais,

muitos dos quais sem condições de consulta. Urge salvar

o que ainda não foi perdido e tem sido esta a

providência da FUNDAJ, com a colaboração do Arquivo

Público do Estado.

* * *

Uma rua em Vila Alegre, em Jaboatão, na

grande Recife, uma importante rua do Bairro do São

José, no centro comercial do Recife e um luxuoso prédio

de apartamentos, na rua Navegantes, no agitado bairro

de Boa Viagem, na zona sul da capital pernambucana,

guardam o nome de Tobias Barreto, o genial sergipano

que, nascido em Campos do Rio Real, hoje Tobias

Barreto, em 1839, fez carreira de estudante de direito,

de bacharel, professor e escritor em Pernambuco, de

1862 até 1889, quando morreu, aos 50 anos, deixando

vasta obra dispersa na imprensa recifense e de Escada,

nos livros que publicou em vida, cobrindo diversos

campos do conhecimento, aos quais emprestou

colaboração original. Ainda hoje as novas gerações de

estudantes da velha Faculdade de Direito do Recife

guardam respeito e veneração a figura daquele que

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liderou a chamada Escola do Recife, movimento

irrompido na segunda metade do século XIX, e que

renovou a idéia dominante sobre a filosofia, o direito e a

sociedade brasileira.

“Ídolo da mocidade acadêmica” ou

“feiticeiro” do germanismo, assim ficou conhecido a

partir de quando assumiu o lugar de Lente substituto da

Faculdade de Direito do Recife, para o qual foi nomeado

em 31 de julho de 1882, pelo Imperador Pedro II,

“atendendo ao merecimento e às habilitações que

concurso mostrou o Bacharel Tobias Barreto de

Menezes.” Casa de Tobias, assim é chamada, por

professores e alunos, a Faculdade de Direito na qual o

Mestre foi aluno até 1869 e professor. Retratos,

assinados por vários artistas renomados de Pernambuco,

e um monumento em bronze, nos jardins da Escola,

inaugurada em 14 de dezembro de 1925, guardam a

imagem de Tobias Barreto, na homenagem recifense e

pernambucana ao talento fulgurante que marcou a vida

intelectual de Pernambuco e do Brasil.

De seus hábitos, sabe-se, pela informação de

Manuel dos Passos de Oliveira Teles, que levava

consigo, sempre, um vidrinho de perfume, água de

colônia, que cheirava para combater tonturas que sofria

constantemente. Quando morava em Afogados, no

Recife, depois que voltara de Escada, costuma ficar

longos períodos numa rede, tendo ao lado uma esteira

nesta muitos livros que devorara, um a um, a todos,

segundo testemunhos de familiares do Padre Pedrosa,

seu vizinho e amigo. Quando morava em Escada cos-

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tumava visitar o Recife, de 15 em 15 dias, para publicar

artigos nos jornais, freqüentar teatro, reabastecer sua

biblioteca. Era uma viagem de t rem, que durava mais de

3 hortas, cortando canaviais, ao cheiro dos engenhos

fumegantes.

Em Escada, Tobias Barreto era, para seus

desafetos, o “Turco”, que significava na época, como

ensina o próprio Tobias, Homem terrível, homem-fera.

“Turco do Inferno” ou “Tobias do Diabo”, assim

gritaram insultos, na madrugada de 1º para 2 de agosto

de 1881, no famoso cerco à sua casa, quando Samuel

dos Santos Pontual, acumulando função testamenteira e

de delegado em exercício, queria capturar 6 escravos

que estavam na casa e sob a proteção de Tobias e de seu

cunhado Sinfronio, que desde 1874 morava com ele. Os

insultos indicavam a animosidade e correspondiam, em

agressividade, ao tom utilizado por Tobias Barreto nos

jornais que publicava em Escada, nos quais não poupava

sátiras contra seu sogro João Félix dos Santos e, mais

tarde, os herdeiros, principalmente os irmãos Samuel e

Antônio dos Santos Pontual, este o Barão de Frexeiras.

Poucas pessoas têm lembranças, em prosa ou

verso, de Tobias Barreto em Escada. Uma sobrinha-neta

de sua mulher, em idade avançada, tenta lembrar que

Tobias era amável e carinhoso com os filhos. Os mais

velhos arriscam uma estória na qual Tobias Barreto é

personagem principal, enquanto outros preferem, com

uma ponta de inimizade, lamentar que o mestre tenha

dito que as escadas, todas elas, servem para subir, mas

aquela Escada só servia para descer. Mas, além das

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queixas, a cidade de Escada guarda retrato de Tobias,

sua letra nos processos em que funcionou como

advogado, como Curador dos Órfãos, co mo Juiz

Municipal e do Comércio, como integrante da Junta

Eleitoral da Paróquia, como vereador à Câmara Mu-

nicipal, como guarda seus jornais, editados ali, em

pequenas tiragens, quase sempre em tipografia própria.

Um Signal dos Tempos, 1874, A Comarca de

Escada, 1875, Devaneio Literário, 1875, O Desabuso,

1875, O Povo de Escada, 1876, O Escadense, 1877,

Aqui para Nós, 1877, A Igualdade, 1878, Contra a

Hipocrisia, 1879, a revista Estudos Alemães, 1880, e O

Martelo, 1881. Além destes, Tobias Barreto editou em

Escada o Deutscher Kaempfer, 1875, O Brasilien wil is

ist, 1876, e o Ein Offner Brief an Die Deutsche Press,

1878. Esta a contribuição jornalística de Tobias Barreto

em Escada, complementando a sua permanente presença

na imprensa do Recife, com artigos de fundo, ensaios e

críticas, poemas e comentários sobre artes, política,

religião, fatos da história e tudo o mais que despertava o

interesse do gênero sergipano.

* * *

Alguns períodos da vida de Tobias Barreto ainda

não foram devidamente esclarecidos na composição global

de sua biografia. Seus biógrafos, como Hermes Lima,

Sebrão Sobrinho, Junot Silveira, Omer Mont’Alegre,

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tratam das partes separadamente, sem a preocupação de

juntá-las no único perfil de vida de 50 anos completos.

Assim, Tobias Barreto é visto na Bahia, para onde foi

por pouco tempo, em Lagarto e em Itabaiana, em

Sergipe, no Recife e em Escada. Tem faltado a ligação

de todas essas partes, bem como a revelação ampla da

vida e do fazer cultural do grande sergipano, Mestre da

Escola do Recife, movimento intelectual da segunda

metade do século XIX que ainda hoje tem conseqüência

prática, motivando estudos como o recente “Um

Pensador da Escola do Recife” (Sá Pereira e sua Época)

de autoria de Virgílio Campos, editado pela FUN-

DARPE, no Recife.

Falta ainda incorporar à biografia de Tobias

Barreto as suas andanças por Maceió, capital de

Alagoas, pelo menos em duas fases distintas de sua

vida: quando passava de Sergipe para estudar, com

licença da Assembléia Legislativa Provincial, na

Faculdade de Direito do Recife, em Pernambuco, em

1862, e quando doente, em 1889, três meses antes de

morrer, ali esteve recolhido ao leito sob os cuidados de

médicos locais. Nas duas vezes Tobias Barreto foi

destacado pela imprensa alagoana – Diário do Comércio

e Diário das Alagoas, em 1862, ORBE, em 1889.

Tobias Barreto de Menezes, em caminho do

Recife, fez escala no Porto de Maceió. Em novembro de

1862 estava lá, como professor público de Latim, da vila

do Lagarto, em contato com a mocidade alagoana, como

o fez no dia 29 de novembro, assistindo à récita da

Sociedade Dramática Particular Maceioense. No Palco,

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os jovens autores alagoanos representavam o drama Luiz

e Camões, de Burgian, tendo como estrela maior

Catarina de Ataíde. Na platéia, o jovem professor

sergipano.

– Camões à cena, gritou Tobias ao fim do

espetáculo, num chamado ao jovem atos que interpretou

o papel do grande poeta luso. Aberta a cortina, apareceu

o ator e diante dele, de pé, 66 declamou um poema de

homenagem a Camões, conforme o Diário das Alagoas

de 2 de dezembro do mesmo ano, em nota de primeira

página. Entre surpresa e espantada a platéia ouviu uma

das produções poéticas daquele que, mais tarde, viria a

rivalizar com Castro Alves na produção da poesia

brasileira, como romântico, na fase condoreira ou

hugoana que, teve como ambiente o Recife.

Não fora essa a única aparição, nem o único

contato dos alagoanos com Tobias Barreto. Um dia

antes, a 28 de novembro, o Diário do Comércio

estampara um longo poema do jovem sergipano

intitulado Veni de Líbano, Sponsa Mea..., de 15 estrofes,

datado de 1862. É um poema sem rima de estrofes sem

número regular de versos, que não consta em sua obra

poética DIAS E NOITES. Não há indicação de que seja

por exemplo, uma tradução, o que explicaria a falta de

rimas e de uma estrutura estrófica e métrica mais

definida. O poema passa a ser, como aquele dedicado a

Camões, mais um esparso de Tobias Barreto, dos quais

tem cuidado o pesquisador tobiático Jackson da Silva

Lima.

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No dia 30 de novembro deixa Maceió com destino

a Recife, para dar início a um período decisivo de sua

vida, que consagra sua inteligência e sua genialidade.

Os jornais de Maceió continuam a se ocupar com o

jovem sergipano, como a acompanhar sua glorificação

intelectual. Assim, Tobias Barreto retorna aos espaços

da imprensa alagoana, em 1889, doente, sob os cuidados

dos doutores Luiz Joaquim da Costa Leite, Antônio

Francisco Gouveia e dr. jambeiro, que tudo fazem em

favor da saúde do mestre.

Recolhido ao leito, Tobias Barreto é alvo de

muitas homenagens, de freqüentes visitas e rodeado do

carinho alagoano, como se verifica nas notícias de

primeira página do jornal ORBE, dos dias 22 e 24 de

março de 1889. Diz o ORBE de 22 de março: “Tem

conseguido melhoras nesta cidade o ilustrado sr. dr.

Tobias Barreto. Sempre cercado de amigos e admi-

radores, durante o dia e a noite, o ilustrado enfermo vai

se animando muito, principalmente com os cuidados do

distinto facultativo dr. Costa Leite. O ORBE deseja de

coração o pronto restabelecimento do grande professor

de direito e eminente poeta.”

No dia 24 dizia o ORBE: “O ilustre sr. dr. Tobias

Barreto vai obtendo melhoras. Nós, os alagoanos, temos

procurado cercar o ilustre mestre do maior desvelo

possível. Ele nos merece mais. O talentoso sr. dr. Costa

Leite, médico assistente do ilustre enfermo, tem sido

admirável por sua constância no exercício da hu-

manitária missão que exerce. Os distintos facultativos

drs. Gouveia e Jambeiro têm prestado também grandes

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serviços. O ilustre enfermo tem sido muito visitado. As

exmas. sras. D. Maria Lúcia Duarte e sua irmã a

acadêmica D. Ana Sampaio foram cumprimentar o

venerando Mestre. Deus apresse o restabelecimento do

nosso eminente hóspede.”

No dia 27, o mesmo jornal informa que no dia

anterior, 26 de março, Tobias Barreto, acompanhado do

advogado José Ferrão, redator da Revista do Norte,

embarcou no vapor costeiro Sergipe com destino ao

Recife. Ao seu lado todos os amigos que acompanharam

a sua doença em Maceió.

A capital alagoana homenageou Tobias Barreto

dando o seu nome, após a morte, a uma rua, no bairro de

Bebedouro.

* * *

Há quem destaque apenas o germanismo de

Tobias Barreto de Menezes quando de sua presença em

Escada. É um engano, que enquanto exalta a condição

intelectual do grande sergipano de travar contato com

uma nova cultura, professando-a na língua germânica e

estabelecendo relações com figuras de época da

Alemanha, encobre o loca, de invulgar importância,

desenvolvido através de muitos jornais que editou,

redigiu e dirigiu naquele município do interior per -

nambucano. Ali Tobias Barreto iria encontrar “as três

desgraças que liquidavam o Brasil”, como fixou

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Lourenço Moreira Lima, Secretário Oficial da Coluna

Invicta, no final da década de 20 deste século: “O chefe

político – um coronelão boçal que furta as rendas do

município – o juiz a serviço dos fazendeiros e o

delegado venal e subserviente.” O cronista da Coluna

Prestes ao fazer, como observador dos jovens militares

que percorreram um grande pedaço do Brasil, a

constatação, estava confirmando um quadro que, em

Escada, enfrentou Tobias Barreto.

Munido de um diploma de advogado, Tobias

Barreto chegou em Escada quando ainda vila e Termo da

Comarca de Santo Antão, depois Vitória de Santo

Antão. Instalada a Comarca de Escada, Tobias Barreto

passa a funcionar como advogado, como Curador dos

Órfãos e, depois como Juiz Municipal e do Comércio,

Substituto, exercendo uma prática forense que vai se

refletir, a partir do Concurso para Lente Substituto da

Faculdade de Direito do Recife, em sua obra jurídica,

como um renovador do direito, num dos momentos mais

importantes da chamada Escola do Recife, fundada em

torno do próprio Tobias, de Sílvio Romero, reunindo

figuras como Virgílio Sá Pereira, Martins Junior, Artur

Orlando, Phaelante da Câmara, os sergipanos

Gumercindo Bessa, Fausto Cardoso, Nobre de Lacerda,

Prado Sampaio, Manoel dos Passos de Oliveira Teles,

em meio a muitos outros, citados por Clóvis Beviláqua,

na sua História da Faculdade de Direito.

Três vertentes, portanto, ficam definidas da

presença de Tobias Barreto em Escada. A do direito,

principalmente a partir da Instalação da Comarca,

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através da Lei Provincial nº 1.092, de 24 de maio de

1873; a do germaniano, com a publicação dos jornais em

alemão e da revista Estudos Alemães; e a da agitação

popular, tanto pelos jornais que editou, como pelo Clube

Popular de Escada, onde proferiu o célebre Discurso em

Mangas de Camisa.

Assim como o povo tem, ainda hoje, apenas o

direito de preferir, diante de um Reisado ou de um

Pastoril, entre os cordões Azul e Encarnado, a

população de Escada, na segunda metade do século

passado tinha – os que eram livres para preferir entre

senhores de engenho conservadores e senhores de

engenho liberais, disputantes dos dois partidos que

brigavam pelo Poder. Foi nesse contexto, nessa

realidade, que Tobias Barreto organizou seu trabalho,

instalando uma tipografia e nela editando, como

verdadeiras armas de luta, seus jornais, a partir de 1874,

com Um Signal dos Tempos, seguindo-se A Comarca de

Escada, Devaneio Literário e O Desabuso em 1875, O

Povo de Escada, em 1876, O Escadense e Aqui para

nós, em 1877, A Igualdade, em 1878, Contra a

Hipocrisia, de 1879, Estudos Alemães, de 1880, e O

Martelo, de 1881.

Dos jornais editados por Tobias Barreto em

Escada, 11 em língua portuguesa e mais três publicações

em alemão, apenas 6 – Devaneio Literário, O Desabuso,

O Escadense, Contra a Hipocrisia, Estudos Alemães e O

Martelo, são encontrados, em raros números, no

Arquivo Público do Estado de Pernambuco e na

Biblioteca Presidente Castelo Branco, no Recife. Neles,

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em artigos de fundo, em comentários e no noticiário

local Tobias Barreto se faz porta-voz do povo escadense

e com ele estabelece uma relação que visa, sem dúvida,

a organização social. O Devaneio Literário é dedicado

aos jovens de Escada, saindo duas vezes por semana,

editado pela Tipografia Comercial na rua da Cadela, nº

22. O Desabuso, impresso na mesma oficina gráfica,

saía quantos números fossem possíveis no mês e além

dos números destinados aos assinantes, 100 exemplares

eram distribuídos com o povo, em dia de feira. O

Escadense era semanal, com formato maior, dedicado a

publicações literárias também impresso na Tipografia

Comercial. Outro jornal semanal – Contra a Hipocrisia

– tinha a mesma função do precedente. Estudos

Alemães, uma revista mensal, dedicada a filosofia,

direito, literatura e crítica, com fascículos editados pela

mesma tipografia, com capas e papel colorido. Por fim

O Martelo, cujo primeiro número circulou em 20 de

março de 1881, como periódico literário e crítico, sem

dia certo para sair. No artigo de fundo, datado de 18 de

março de 1881, está dito que “A história nos dá

testemunho de mais de um Martelo, que em vez de

exercer o seu ofício na cabeça dos gregos, exercia -o de

preferência, na cabeça dos homens. O presente

jornalzinho pretende filiar-se a esta última classe. Ao

lado das velhas expressões martelo dos ímpios, martelo

dos hereges, não é estranhável que apareça também um

martelo dos tratantes, cuja missão não é preciso

explicar, o próprio título a indica por si mesmo.”

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Com seus jornais, Tobias Barreto fustigou os

senhores da classe dominante, a justiça, e defendeu, de

forma abnegada e destemida, suas novas idéias de

organização do povo. Denunciado e processado por uso

indevido da Imprensa, Tobias Barreto fez sua própria

defesa, acompanhado por legião de homens simples que

aplaudiam sua coragem, sua bravura, sua palavra

inflamada e única na defesa dos desafortunados

escadenses.

* * *

Ainda estudante de Direito, Tobias Barreto fez,

no Recife, três Concursos para professor. Dois, em

1865, à cadeira do Curso Preparatório da própria

Faculdade de Direito e um, em 1867, à cadeira de

Filosofia Provincial de Pernambuco, conhecido como

Ginásio Pernambucano. Nos três Tobias Barreto con-

segue aprovação, muito embora não consiga ser

aproveitado. Ele próprio escrevendo de Escada, em 13

de setembro de 1880 a Carvalho Lima Júnior, informa:

“Não me recordo dos dias, mas apenas dos meses e

anos, em que concorri com o Padre Félix à cadeira de

Latim. O primeiro concurso foi em março de 1865, este

sendo anulado pelo Ministro, deu-se segundo, que teve

lugar em novembro do mesmo ano. Não sei a que outro

motivo, se não à superioridade do meu contendor, deva

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eu atribuir o não ter sido nomeado. A não ser essa razão,

só posso explicar o fato por infelicidade m inha.”

Apesar de não endereçar suspeitas, Tobias Bar -

reto lança sobre o passado uma ironia fina. Os Con-

cursos de Tobias Barreto, salvo aquele de Lente

Substituto da Faculdade de Direito do Recife, em 1882,

não interessaram aos seus biógrafos, ainda que possam

servir, como de fato servem, para esclarecer um

relacionamento sempre inamistoso entre o pensador

sergipano e o Clero pernambucano. E, também, para

identificar a “superioridade do contendor” ou a

“infelicidade” do próprio Tobias, concorrendo com o

Padre Félix Barreto de Vasconcelos.

Os Concursos, segundo os assentamentos nos

livros do Arquivo do Curso Preparatório e da Faculdade

de Direito, foram realizados, respectivamente, nos dias

4 de abril o primeiro, e 27 e 28 de novembro, o segundo.

No primeiro Tobias Barreto concorreu com Samuel

Wallace Mac Dowel, Francisco Jacinto de Sampaio,

Joaquim José Henrique da Silva e o Padre Félix Barreto

de Vasconcelos. No dia 5 de abril, os examinadores e

membros da Comissão Julgadora – Visconde de Cama-

ragibe – Diretor da Faculdade, José Nicácio, Padre

Joaquim Graciano de Araújo e doutor Pedro Autran da

Mata e Albuquerque – assinam o seguinte parecer:

“Atendendo às provas escritas e orais dos candidatos,

qualificamos no primeiro lugar o reverendo Padre Félix

Barreto de Vasconcelos; em segundo Tobias Barreto de

Menezes: ambos por unanimidade de votos, em terceiro

conjuntamente Joaquim José Henrique da Silva, Samuel

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Wallace Mac Dowel, e bacharel Francisco Jacinto de

Sampaio, sendo o exmo. sr. Conselheiro Autran de

parecer que os três últimos não estavam no caso de

entrar na classificação.”

No dia 8 de abril, encaminhando o parecer da

Comissão, o Visconde de Camaragibe, depois de tecer

comentários sobre as provas dos dois primeiros

candidatos, ambas com imperfeições, diz: “Por esta

razão parece desnecessário propô-los. O Padre Félix é

aqui professor particular de Latim, natural de Sergipe, e

apresenta documentos de serviços prestados em diversas

Províncias. O candidato Tobias Barreto de Menezes é

estudante do segundo ano desta Faculdade, moço

aplicado e inteligente. Vossa Excia. resolverá o que lhe

parecer acertado.” Ocorreu que Leopoldino Antônio de

Fonseca, por não ter sua inscrição aceita no Concurso,

representou contra o Diretor da Faculdade, e, em 13 de

julho de 1865, alegando “não serem satisfatórias as

provas que exibiram os concorrentes.” O Ministro dos

Negócios do Império anula o Concurso, autorizando a

que outro seja feito.

Abertas as inscrições apareceram quatro candi-

datos: Tobias Barreto de Menezes, Padre Félix Barreto

de Vasconcelos, Francisco Jacinto de Sampaio e Leo -

poldino Antônio da Fonseca. As provas foram realizadas

nos dias 27 e 28 de novembro, sendo examinadores os

padres Joaquim Graciano de Araujo e Inácio Francisco

dos Santos. O julgamento dos padres fo i o seguinte,

sobre as provas de Tobias Barreto: “Julgamos boa esta

prova (de composição), não obstante alguns defeitos que

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vão sublinhados. A parte dos defeitos que não vão

sublinhados, julgamos boa esta prova (de tradução).”

Sobre as provas do Padre Félix Barreto de Vasconcelos:

“Boa composição e muito boa a tradução.” Estava ali,

um tiro seco, no julgamento que repetia o resultado

anterior: em primeiro lugar, o Padre Félix, em segundo

Tobias Barreto.

Por Decreto de 30 de dezembro de 1965, Padre

Félix Barreto de Vasconcelos foi nomeado Professor de

Latim do Curso Preparatório da Faculdade de Direito do

Recife para o qual havia concorrido três vezes. Duas

com Tobias, nos Concursos de 1865, e uma, em 1863,

com Joaquim José Henrique da Silva. No Concurso de

1863, “porque a tradução não era boa”, segundo um

ofício reservado, o Padre Félix perdeu. Nos de 1865,

ganhou os dois, sempre seguido do seu conterrâneo e

parente.

Por pura ironia do destino, coube a Tobias

Barreto, num dos seus últimos trabalhos, escrever o

Prólogo e anotar o Resumo da Gramática Latina (ou

Arte Explicatória das Regras Indispensáveis aos

estudantes de Latim), obras póstumas do Padre Félix

Barreto de Vasconcelos, editadas pela Livraria Francesa

de João Walfredo de Medeiros, em 1889. Tobias Barreto

dá a lição do mestre que domina a matéria sobre a qual

escreve, consagrando-se aí, também, como um latinista.

EM outubro de 1867, Tobias Barreto volta a

concorrer num outro concurso para Professor, já então

para a cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano,

enfrentando o médico e doutor em filosofia José Soriano

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de Souza. Tobias ganha, mas não leva. É o que revela a

Carvalho Lima Júnior, na carta de 1880.

* * *

Tobias Barreto tinha 28 anos, era estudante do

terceiro ano da Faculdade de Direito do Recife, quando

concorreu com o já famoso professor José Soriano de

Souza, à cadeira de Filosofia do Ginário Provincial de

Pernambuco. Soriano era médico, doutor em Filosofia

pela Universidade de Louvain, tinha um livro de

Filosofia publicado em 1862 e já ensinava, em caráter

precário, no próprio Ginásio, antes do Concurso. Em

carta a seu conterrâneo Carvalho Lima Júnior, de 13 de

sete,brp de 1880, Tobias Barreto d[a sua informação

sobre o Concurso, realizado no dia 24 de outubro de

1867: “Não obstante ir em primeiro lugar fui preterido

por esse doutor, alegando-se como razão da preferência,

o ele ser casado e eu solteiro”...”

Os livros de Atas e de Relatórios do Ginásio

Pernambucano, que ainda se conservam, muitos deles,

no velho prédio da rua da Autora, no Recife, não

esclarecem as dúvidas deixadas à posteridade

pernambucana e brasileira pelo fundador da Escola do

Recife. Nas vezes em que se referiu ao Concurso, o

mestre exibe um certo orgulho por ter defendido

modernas idéias de filosofia, num tempo de extrema

dominação religiosa, especialmente na dependência ao

espiritualismo de Taparelli, Sanseverino e Kleutgen, que

seguramente balizava a formação filosófica do dr. José

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Soriano de Souza, mais tarde redator do jornal A União

e figura destacada entre os que dirigiam o Colégio de

São Francisco Xavier, dos Padres da Companhia de

Jesus, fundado no justo ano de 1867.

Os padres, de um modo geral, dominavam o

ensino em Pernambuco e estavam no Curso Preparatório

da Faculdade de Direito, no Ginásio Pernambucano e no

São Francisco Xavier. O pensamento dominante era

aquele esposado pela Revista Contemporânea de Paris,

tomado pela Revista Mensal de Instrução Pública de

Pernambuco, que dizia que “O progresso das ciências,

das artes e da indústria parece favorecer o desen-

volvimento dos instintos menos nobre da nossa

natureza.” Nos anos seguintes, a propaganda educa -

cional religiosa aumenta, tendo como um dos seus

teóricos o jesuíta Francisco Rondina que, numa festa do

Colégio São Francisco Xavier, pronunciou um discurso

intitulado “O Estudo da Filosofia Natural e Racional”,

publicado na Revista Mensal de 1872, quando entre

outras coisas diz: “pois a ciência sem a virtude é tão

fatal ao indivíduo como à sociedade.” Outro jesuíta, o

padre Clemente Negri, em carta publicada pe la mesma

revista, sempre citada por Padre Ferdinand Azevedo no

seu Ensino, Jornalismo e Missões Jesuíticas em

Pernambuco, considerou “que a liberdade de ensinar,

dada a todos, é essencialmente imoral, e por conseguinte

ilícita; visto que franqueará o ensino ao incrédulo, ao

racionalista, ao protestante, etc.”

O ambiente, portanto, não era propício a abrigar

um talento cujas idéias eram sucessivamente colocadas,

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na razão da própria evolução do espírito inquieto e

sempre disposto a aprender com as novidades que o

mundo dos homens de letras, dos filósofos, tornava

possível. Não tardaria e o próprio Tobias Barreto tra -

vava polêmica com os redatores do jornal O Católico,

entre os quais iria figurar o mesmo Soriano de Souza,

através do jornal O Americano. Parecia estar, defi-

nitivamente, criada a distância cultural e ideológica

entre Tobias Barreto e o clero pernambucano. Passando

por aí, por esse julgamento, será possível entender a

desclassificação de Tobias Barreto no Concurso de

Filosofia do Ginásio Pernambucano, dirigido, em 1867,

pelo Padre Augusto Franklin Moreira da Silva. A

animosidade chegou ao ponto do jornal O Católico

argüir, em 28 de agosto de 1870, que Tobias Barreto

estava levantando a questão dos arianos e as

preocupações do Concílio Niceno.

Dos examinadores dos dois primeiros Concursos,

de Latim, no Curso Preparatório da Faculdade de

Direito, em 1865, a quase totalidade tinha as mais

íntimas lgações com as propagandas religiosas. Pedro

Autran da Mata e Albuquerque estava, em 1864, na

redação do jornal A Esperança, cuja finalidade era a de

“operar pela palavra, pela imprensa e pelos exemplos

uma saudável reação religiosa, se se quer salvar o País

do abismo para que caminha a olhos vistos.” Padre

Joaquim Graciano de Araújo chega, em 1877, a

Governador do Bispado. E o Padre Inácio Francisco dos

Santos era, à época, professor de Latim do Ginásio

Pernambucano. Havia, portanto, um ambiente preparado

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e disposto a barrar as novas idéias às quais Tobias

Barreto estava, de cedo filiado.

Por Portaria nº 22, de 28 de novembro de 1867, O

Barão de Vila Bella, Presidente da Província, nomeou

José Soriano de Souza que, a no dia 27, prestara

juramento e tomara posse na cadeira de Filosofia do

Ginásio Pernambucano. No seu Relatório anual o Padre

Augusto Franklin Moreira da Silva, Regedor, dizia:

“tenho esperança de que em breve este instituto

mostrará quanto lucro com essa nomeação.” Em 1874,

José Soriano de Souza estava defendendo a criação do

Partido Católico, em carta a Zacarias de Goes e

Vasconcelos, enquanto Tobias Barreto, em Escada,

publicava em seu jornal Um Signal dos Tempos

(31.10.1874) artigo intitulado “O Capítulo do Amor na

Filosofia do Inconsciente”, apresentando Eduard von

Hartmann aos leitores brasileiros. Aprofundavam-se as

diferenças.

* * *

Muitos dos jornais pernambucanos, editados no

Recife e no interior, se perderam. Alfredo de Carvalho e

Luiz do Nascimento, dois dos historiadores da imprensa

de Pernambuco, relacionaram mais de um mil e seis -

centos jornais, que circularam entre 1821 e 1907, dos

quais poucos restam, sob a guarda do Arquivo Público

do Estado de Pernambuco. Na Biblioteca Pública

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existem alguns poucos jornais, na seção de Obras Raras,

que não foram transferidos para a guarda no Arquivo

Público. Na Biblioteca do Ginásio Pernambucano não

existem jornais. Da velha Biblioteca do Liceu de Artes e

Ofícios, hoje incorporada à Universidade Católica de

Pernambuco, restam alguns volumes encadernados do

Diário de Pernambuco, do Jornal do Recife e de outros

jornais pernambucanos. A Fundação Joaquim Nabuco,

que incorporou a Biblioteca da Associação dos Em-

pregados do Comércio do Estado de Pernambuco, con-

serva algumas coleções, incompletas, de jornais famosos

como O Liberal, A Província, A União, Diabo a Quatro,

Cáritas Caridade, já microfilmados.

Dos jornais que contaram com a redação e a

colaboração de Tobias Barreto, muitos desapareceram.

Por isto mesmo seus biógrafos e organizadores de suas

obras, como Sílvio Romero e Manoel dos Passos de

Oliveira Teles, deixaram escapar diversos artigos,

poemas e outras colaborações do gênio sergipano.

A série de artigos, “O Homem e os Princípios”,

por exemplo, é composta de cinco colaborações, sendo

que apenas três aparecem em livro. “Carolina de

Michaelis e a Nova Geração de Intelectuais Portugue-

ses”, outra série de artigos de jornal, dos quais apenas

um, o primeiro, e ainda assim incompleto, está em livro.

Os demais estão no jornal e um deles, o IV, faltando

uma parte, foi encontrado entre manuscritos do autor.

Dos jornais redigidos e editados em Escada, Um

Signal dos Tempos, de 1874, não consta do acervo do

Arquivo Público. Encontrei, recentemente, um exem-

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plar, em bom estado, entre documentos de Artur

Orlando, depositados na Fundação Joaquim Nabuco. Um

outro jornal – Copo em Punho – é completamente des-

conhecido dos historiadores pernambucanos. Nem o

próprio Tobias Barreto, na carta endereçada a Carvalho

Lima Júnior, menciona a existência do jornal. A notícia

de Copo em Punho, a encontrei no depoimento de Luiz

de França Baptista dos Santos, em fevereiro de 1880, em

processo movido pelo Promotor Público de Escada

contra Tobias Barreto, por causa do artigo intitulado

“Desmentido a Queima Roupa”, publicado no nº 15 do

jornal Contra a Hipocrisia, de 1º de fevereiro de 1880.

Ao depor como testemunha, Luiz de França

Baptista dos Santos esclarece que foi ele quem pagou a

José Francisco Durães para transportar de Afogados, no

Recife, para Escada, a Tipografia adquirida por Tobias

Barreto a Antônio Pedro Gomes. Na Tipografia Co-

mercial, Tobias editou todos os seus jorna is escadenses,

vendendo assinaturas, ou distribuindo -os gratuitamente

na feira, como fazia com o Desabuso. Tobias Barreto foi

processado por crime de imprensa, escapando da

condenação, depois de inocentar a todos os que

trabalhavam na sua tipografia e aos distribuidores dos

jornais. A crítica aos membros da Justiça – o Juiz e o

Promotor – continuou sendo a característica básica da

ação jornalística de Tobias Barreto em Escada, ou ainda

através das cartas publicadas nos principais jornais do

Recife.

Copo em Punho seria, então, o oitavo jornal

editado por Tobias Barreto em Escada e mais um em sua

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longa lista de periódicos, nos quais deixou a marca de

sua genialidade, sempre disposto a provocar a polêmica

e o debate em torno das diversas questões que abordou.

A imprensa, para Tobias Barreto, era uma arma de

combate, com a qual afirmava sua disposição para a luta

evolucionária da cultura.

* * *

No artigo IV da Nova Missão Tobiática no

Recife, publicado nesta mesma Gazeta de Sergipe de

22/23 de novembro de 1987, fiz referência a duas

passagens de Tobias Barreto por Maceió. A primeira,

quando viajava de Sergipe para Pernambuco, em 1862 e

a segunda, doente, em março de 1889. Retomo o

assunto, complementando a informação a respeito da

segunda presença do gênio sergipano na capital

alagoana, cercado do carinho de amigos e admiradores e

assistido por médicos que tentavam minorar o

sofrimento de Tobias Barreto. A presença em Maceió é

explicada pela tentativa de viagem feita por Tobias

Barreto, para tratamento no Rio de Janeiro.

No dia 18 de março de 1889, Tobias Barreto

acompanhado de um dos seus filhos, embarca no

paquete Alagoas, com destino ao Rio de Janeiro. Estava

muito doente e, quando piorava o seu estado de saúde

nem podia ler e nem escrever. Aos seus amigos, que o

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levaram ao embarque, apresentou as despedidas

dizendo:

“É preciso não deixar no silêncio, até que me seja

permitido agradecer pessoalmente, a generosidade da

Província das Alagoas, da Cidade do Recife, do povo de

Escada, da colônia alemã, o desvelo dos médicos, a

dedicação dos amigos, sobretudo daqueles amigos que

passaram as noites em claro, curando-me não tanto pelas

frias prescrições da ciência como pela poderosa força do

desejo de verem-me são.”

A bordo do paquete, Tobias Barreto piora e muda

seus planos de viagem para o Rio de Janeiro,

desembarcando em Maceió no dia seguinte. Na capital

alagoana Tobias permanece até o dia 26 de4 março,

sendo tratado por uma junta médica, na qual se destaca

o doutor Costa Leite, que o acompanha no regresso ao

Recife, onde chegam no dia 27. Frustrado o sonho da

viagem ao Rio de Janeiro, a primeira que faria o mestre,

a doença domina inteiramente, sem perspectiva de cura.

Em fevereiro já alguns amigos e o próprio Tobias

Barreto desmentem, pelos jornais recifenses, a onda de

boatos sobre a morte do autor de Dias e Noites. A sua

esperança de viver e de continuar dominando o mundo

intelectual de Pernambuco perde para a morte que colhe

o gênio às 10 horas e 15 minutos do dia 26 de junho de

1889, na casa número 3 da rua do Hospício. O Jornal do

Recife, no qual eram redatores Artur Orlando e Prado

Sampaio, dois diletos discípulos e amigos, noticia a

morte de Tobias Barreto na sua edição do dia 27 de

junho, anunciando o enterro, no Cemitério Público, para

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às 4 horas da tarde do dia 27. O Diário de Pernambuco

só noticia a morte de Tobias Barreto no dia 28, quando

dá notícia também do sepultamento. Vários amigos,

admiradores, colegas da Faculdade e mais de 300

estudantes acompanham o corpo do sergipano até o

cemitério, onde vários discursos, recitativos serviram

para manifestar o respeito e reconhecimento ao mérito

de Tobias Barreto de Menezes.

Doente e pobre, Tobias não deixou qualquer

recurso que pudesse ao menos custear seu enterro e

garantisse a sobrevivência de sua mulher, D. Grata

Barreto e seus 9 filhos menores. Uma subscrição foi

aberta para levantar dinheiro para as despesas com o

sepultamento. Outra, mais tarde, foi liderada por J. J.

Seabra, na Faculdade de Direito, para a família de

Tobias. Em vários Estados, nas ruas do Recife, correram

listas com a finalidade de angariar fundos para a

manutenção da viúva e dos filhos de Tobias Barreto. A

Faculdade de Direito, autorizada pelo Ministro do

Império, adquiriu a biblioteca particular de Tobias,

incorporando-a. Foi assim, em meio a muitas difi-

culdades, que a família de Tobias Barreto viveu os

primeiros tempos depois de sua morte.

O Jornal do Recife manteve por muito tempo,

uma campanha aberta em favor da família de Tobias

Barreto, chegando, na sua edição de 23 de julho, a

comparar a situação da viúva de Tobias com a situação

da viúva de Braz Florentino – D. Custódia Carolina

Augusta de Souza – que recebia, mensalmente, 83$333

réis, terminando por estabelecer, também, um paralelo

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entre os dois mortos, comparando a contribuição de

ambos à cultura do País. Na verdade, estava ali, nas

páginas do jornal, uma demonstração apaixonada de

admiração pelo mestre. Uma admiração que era coletiva

entre os estudantes da Faculdade de Direito, reunidos

pelo Centro 11 de Agosto para louvar a memória de To-

bias, e, mais tarde angariando recursos para a aquisição

de um retrato a óleo, exposto no estabelecimento de

Joseph Krause & Cia, feito pelo afamado artista Piereck.

O retrato, um pouco estragado(*), está no acervo da

Faculdade de Direito do Recife. Dele, diz emocionado

Manoel dos Passos de Oliveira Teles, no dia 4 de maio

de 1924, em conferência no Instituto Histórico e

Geográfico de Sergipe: “Há sim um retrato que é a

verdadeira expressão, que é ele mesmo, e não dá lugar

para a dúvida. É o retrato a óleo que lá está na

respectiva sala da Academia. Observando-o, vendo-o, a

saudade revolveu-me a fonte das emoções, afluíram

lágrimas aos olhos do discípulo e ocorreu-me o pro-

pósito de mandar reproduzi-lo.”

* * *

Ao casar-se com Dona Grata Mafalda dos Santos,

filha natural de João Félix dos Santos e de Ignácia

* A Fundação Joaquim Nabuco restaurou o retrato, entregando-o de

volta ao acervo da Faculdade durante o Seminário comemorativo do Centenário da Morte de Tobias Barreto.

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Laurinda do Nascimento, no dia 11 de fevereiro de

1869, no Oratório do Engenho Riqueza, Tobias Barreto

dera um outro destino à sua vida de poeta. Era, ainda,

estudante de direito, mas tinha nome feito nas rodas

intelectuais e com o povo recifense, mercê de sua poesia

engajada, guerreira, levantando os brios pernambucanos

e alimentando o heroísmo pátrio dos nordestinos

mandados à guerra contra o Paraguai. Os aplausos nos

teatros e nas ruas era o prêmio conquistado pelo poeta

condoreiro, fixando a estética nova do Romantismo

nacional. O ano de 1869 marcou o compromisso com

Escada, o pequeno mas próspero município do interior

pernambucano, para o qual Tobias se mudaria em 1871.

Casado e com filhos, Tobias Barreto chega a

Escada para fixar residência e advogar. Escada era,

ainda, Termo da Comarca de Vitória, e Tobias o

Curador Geral dos Órfãos, cumulativamente com as

atividades de advogado, sendo, algumas vezes,

designado Curador de Escravos. Nos pr imeiros anos em

Escada o mulato sergipano, munido de uma gramática e

de alguns livros, dedica-se ao estudo da língua e dos

autores alemães. Somente a partir de 1874 é que edita,

em tipografia própria, seu primeiro jornal escadense –

Um Signal dos Tempos – no qual tratava, ao mesmo

tempo, dos negócios políticos de Escada e dos

problemas de alta indagação que a língua da ciência –

como ele chamava o alemão, lhe impunha.

Um Signal dos Tempos nº 8, de 31 de outubro de

1874, que é o único existente que se saiba, repete na

sessão para o Grande Público o artigo de Tobias O

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Capítulo do Amor da Filosofia do Inconsciente, apre-

ciação do livro Philosophie des Unbewussten, de Eduard

Von Hartmann, cuja edição francesa – Philosofie de

L’Inconscient, em 2 volumes, traduzida do alemão por

D. Nolen, chegaria ao Recife somente em 1877,

anunciada pelo aviso de livros novos da Livraria

Francesa, que havia saído no nº 7, de 24 de outubro. No

mesmo nº 8, Tobias dedica extenso espaço no seu jornal

para as pequenas questões escadenses, para reclamar

contra maltratos aos escravos e, enfim, para convidar o

povo para uma reunião na sua residência, a rua da Boa

Vista, 23, com o objetivo de organizar uma Sociedade,

cujo ideário seria exposto às 4 horas da tarde do

domingo, 8 de novembro de 1874. A Sociedade pre-

tendida por Tobias Barreto em 1874 antecipa o Clube

Popular Escadense, de 1877, no qual foi pronunciado o

Um Discurso em Mangas de Camisa.

Em 1875 Tobias Barreto está dedicado aos

jornais da sua Tipografia Comercial. A Comarca de

Escada, Devaneio Literário e O Desabuso circulam para

um público fiel de leitores e para o povo, através de

distribuição direta, na feira. A ordem de circulação foi A

Comarca de Escada, no começo do ano, em substituição

a Um Signal dos Tempos, Devaneio Literário, cujo

primeiro número é de 15 de junho, circulando duas

vezes por semana, deixando de circular em agosto, para

voltar em 1º de dezembro, com seu número 13, trazendo

no editorial uma reafirmação de compromisso com a

mocidade escadense, dizendo que “o seu único e a nosso

ver louvável fim é fazer tentativas no intuito de arrancar

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a mocidade escadense ao marasmo e gelada indiferença

em que permanece à cerca dessa instrução, que se pode

adquirir pelo generoso esforço de uma vontade robusta.”

Mais adiante conclui: “se acaso o Devaneio Literário

sair-se bem terá a glória de com o seu, ainda que muito

diminuto cabedal, concorrer para a grandiosa obra de

progresso intelectual; se ao contrário baquiar, restar -

lhe-á a doce convicção de seu nobre esforço.” O terceiro

jornal a circular foi O Desabuso, em 1º de setembro. O

nº 4, de 2 de outubro, parece ser o último e publica pelo

menos dois artigos admiráveis do seu redator: Fidal-

guias Pernambucanas e Os Bispos Anistiados. O pri-

meiro, que permanecia inédito e foi recentemente

incluído entre os Esparsos e Inéditos coligidos e ano-

tados por Jackson da Silva Lima, publicado pelo

Governo de Sergipe, repele com fina ironia o pre-

conceito racial que setores da política pernambucana

demonstravam para com Tobias Barreto. O segundo

trata do desvio da questão da libertação dos escravos,

em favor do retorno à Questão Religiosa.

* * *

O ano de 1875 foi de fundamental importância

para a projeção intelectual de Tobias Barreto. Naquele

ano ele adere a germanismo, no sentido amp lo da

palavra, passando a escrever e a publicar em língua

alemã. É de 1875 o jornal Deutscher Kaempfer (O

Campeão Alemão), “periódico literário e acidentalmente

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político, destinado à expansão do germanismo no Norte

do Brasil.” O jornal, segundo o seu prospecto, datado de

1º de julho, tinha como objetivo mais amplo “ajudar à

nossa pátria entrar na grande e livre corrente do

movimento intelectual alemão. Der Deutsche Kaempfer

surge, sem proclamar qualquer ato de fé.”

Os 5 números do jornal alemão, que saíram de

agosto a setembro de 1875, são inteiramente des -

conhecidos. No entanto, a reação que despertou entre os

críticos e inimigos de Tobias Barreto são ainda

guardadas entre a documentação intelectual e política

pernambucana. Em 14 de dezembro, o sr. José Vicente

Meira de Vasconcelos, faz editar no Recife a folha

Dthynk, ridicularizando Tobias. O pequeno jornal era

uma grande mistura de letras tipográficas, dando a

impressão de língua estrangeira empastelada. A crítica,

contudo, correspondia ao grande destaque alcançado por

Tobias Barreto ao publicar, no mesmo ano, o seu

primeiro livro: Estudos e Ensaios de Filosofia e Crítica.

O sr. Albino Meira de Vasconcelos (veja -se a coin-

cidência do sobrenome com o redator do Dthynk)

atacou, com violência, a Tobias, através de um longo

artigo, sob o pseudônomi de “Um Carvoeiro”, na revista

Culto às Letras. Na raiz da crítica, o fato de que Albino

Meira era, aquela altura, presidente da União da

Mocidade Católica e redator do jornal O Estudante

Católico.

Explica-se: ao seguir para Escada a impressão

que Tobias Barreto deixa no Recife é do racionalista,

intérprete das novas idéias filosóficas que por causa de

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seus artigos no jornal O Americano, do qual era redator

e proprietário, merece os disparates condenatórios do

jornal O Católico, dirigido e redigido pelo dr. Pedro

Autran da Mata Albuquerque. Tobias estava afastado da

Igreja, inconciliado com os tradicionalistas católicos,

ultramontanos que acompanham seus passos, sempre

dispostos a criticá-lo.

O germanismo, que lhe dera fama e amizade com

eminentes figuras da Alemanha, que honrara com a

elogiosa citação de Ernest Haeckel, aquela que dizia que

Tobias parecia pertencer a raça dos grandes pensadores,

e que levara o Príncipe Henrique, em viagem pela

América do Sul, a visitá-lo e a recepcioná-lo como

convidado no banquete do Clube alemão Concórdia,

também lhe valeria alguns apelidos, como “Um alemão

de Escada”, “von Tombienser”, “Alemão”, mais tarde

transferidos para o movimento denominado de Escola do

Recife, apelidado pelos críticos de Escola Teuto-

sergipana.

Dominando a língua alemã e nela publicando um

jornal, e sendo autor de um livro de filosofia e de

crítica, Tobias Barreto se apresentava ornado de todas

as condições para merecer respeito intelectual. A

religião, a filosofia, o direito, a literatura, eram matérias

da crítica, tomando preferência da poesia. Tivesse

Tobias permanecido no Recife e talvez sua obra tivesse

outros desdobramentos. Escada, portanto, é fundamental

na formação intelectual e na formulação da obra

tobiática. Sob os mesmos impulsos nasce, naquele

tempo, o crítico musical, que freqüentava os teatros

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recifenses, vibrando com os programas das companhias

líricas, com as performances dos atores e atrizes e com

os textos teatrais levados à cena. Nenhuma de suas

atividades profissionais impediu o interesse, a

freqüência e o acompanhamento do movimento artístico

em Pernambuco, muito menos os diversos artigos que

publicou nos jornais recifenses, muitos dos quais estão

ainda inéditos em livro, dependendo de organização.

* * *

Entre 1876 e 1877 Tobias Barreto editou mais

três jornais em Escada: O Povo de Escada, Aqui para

Nós e O Escadense. Tinham quase as mesmas feições e

aspectos, apesar de serem raridades bibliográficas,

registrados por alguns poucos estudiosos da vida e da

obra de Tobias e pelos historiadores da imprensa

pernambucana Alfredo de Carvalho e Luiz do

Nascimento. Além dos jornais, Tobias Barreto escreve

uma monografia em alemão – Brasilien Wie est ist

Literarischer hinsicht betrachtet – O Brasil, como ele é,

sob o ponto de vista literário, uma espécie de painel

crítico da vida cultural brasileira, como resultado da

própria organização econômica e social do País. A

monografia mereceu pesadas críticas da imprensa alemã,

que tinha, quase toda ela, em grande conta o Imperador

Pedro II, cuja imagem de homem culto, aberto, e

progressista contrastava cm o estado de coisas descrito

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por Tobias em sua monografia. A resposta sairia em

1878, através de nova monografia – Ein offener brief an

die deutsche presse – Carta Aberta à Imprensa Alemã –

cujo teor não apenas dava ênfase a situação do Brasil,

como cobrava maior e melhor informação por parte dos

jornalistas alemães, chegando Tobias a apontar biblio -

grafia atualizada, na Alemanha, que deveria ser con-

sultada quando a imprensa tivesse de tratar do Brasil.

Em 1877, no mês de setembro, funda o Clube

Popular Escadense e nele pronuncia o célebre Um

Discurso em Mangas de Camisa. Naquele momento,

Tobias sintetiza seu pensamento liberal e demonstra, na

prática, seu engajamento no Partido Liberal, como um

dos seus próceres em Escada. Mais do que um programa

partidário, Um Discurso em Mangas de Camisa é um

documento de sociologia política, um manifesto de

teorização da sociedade, do qual se tira o mais claro

diagnóstico da realidade escadense que, por extensão,

bem poderia representar a vida interiorana pernam-

bucana e nordestina da época. Ninguém fizera antes

abordagem tão objetiva, verdadeira, isenta. Ali, naquela

pela oratória, estava lançada a idéia de uma militância

política independente, que marcou a vida pública de

Tobias Barreto.

O Clube ou o Discurso, ou ambos, contribuíra

para que Tobias Barreto fosse eleito deputado à

Assembléia Provincial, para um mandato bienal que, na

verdade, não durava um ano inteiro entre as sessões

preparatórias e o final da legislatura. Incluído numa

chapa que também contava com o nome de um seu

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amigo e companheiro dileto, Sílvio Romero, Tobias

conquistou votos no Recife, em Olinda, em várias

comarcas e principalmente em Escada, onde era uma

espécie de candidato oficial do Partido Liberal. A

mudança do Poder, de cima para baixo, fizera trocar, na

Província, a administração conservadora, pelo governo

liberal do dr. Adolfo de Barros. Os liberais exultavam e

ocupam espaços em toda a Província , para a tristeza dos

conservadores, que tinham o jornal O Tempo o mais

insatisfeito porta-voz. Tobias Barreto é, muitas vezes,

vítima das críticas de O Tempo, respondendo-as em

artigos de fundo e artigos assinados, em A Província.

A vida política e as atr ibulações do mando liberal

em Escada e mesmo o mandato de deputado provincial

não afastam Tobias Barreto dos estudos reformadores a

que se propôs. E tanto é assim que ele publica, em 13 de

julho de 1878, no mesmo A Província, o longo artigo

intitulado A Jurisprudência da Vida Diária, sobre

brochura, de igual título, do romancista alemão dr.

Rudolf von Jhering. O mesmo artigo, ampliado e

reformado, foi publicado em O Repórter, do Rio de

Janeiro, em 1879, e mais tarde incluído em Questões

Vigentes, despido dos comentários com os quais Tobias

encerrava o artigo em A Província. Dizia Tobias, em

defesa de Jhering, que o “autor não ideou e executou o

seu trabalho se não para uso acadêmico.” Mais adiante o

próprio Tobias pondera: “Nem eu também tive outro

intuito que não fosse o de despertar, por meio desta

recensão, a curiosidade dos moços. Quanto ao mais o

leitor julgue e desculpe-me.”

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* * *

Quem dá uma boa idéia sobre o deputado Tobias

Barreto é o jornal conservador O Tempo, na seção Fala-

se, quando diz que “Tobias declara não ter gosto pelos

negócios da Assembléia, por não encontrar ali quem

com ele discutir.” Parece mesmo ter havido uma certa

convivência apenas formal, entre Tobias e a Assembléia

Provincial de Pernambuco, para a qual fora eleito em

1878. É curioso que O Tempo tenha, a respeito de

Tobias Barreto como deputado, duas óticas: a primeira,

de elogios, destacando-lhe a “franqueza desbragada que

o caracteriza”, qualificando-o de “o menos galhofeiro

dentre os deputados.” Mas, enquanto destacava as

qualidades, fazendo de Tobias uma exceção entre os

liberais, o jornal dirigia severas críticas ao deputado

escadense, tratando-o pelos apelidos de Alemão, Alemão

de Escada, Alemão von Tobienser, Cachimbeiro Ideoso.

O mesmo jornal publica quadras de sátiras cont ra

Tobias e outros deputados liberais, chamados de

calafanges, que segundo os dicionários queria significar

homem vil, desprezível. São quadras assim:

“Vem Tobias – um bruxo amarelo –

Resmungando, com ar carrancudo,

Faz trejeitos, querendo engolir

Os Licurgos com tripas e tudo.

Que o Tobias alemão,

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Plagiando Ernest Boer,

Fará uma preleção

Sobre o crâneo da mulher.”

A presença de Tobias Barreto na Assembléia não

era constante. Mas, em todas as vezes que comparecia

ao plenário, usava da palavra e tratava das questões que

considerava de maior importância, como a discussão do

orçamento da Província, o privilégio da Santa Casa de

Misericórdia para o sepultamento no Recife, ou a

educação da mulher. Este tema mereceu especial

tratamento por Tobias, que ao ter conhecimento do

trâmite de um projeto, originário da Presidência da

Província, em favor de um auxílio para que a srta.

Josefa Agueda de Oliveira pudesse estudar Medicina nos

Estados Unidos ou na Suíça. O projeto, que tomou o

número 61, foi duramente combatido pelo médico

Malaquias Gonçalves, que arguía “que a mulher é

destinada tão somente aos misteres do lar, e que, ainda

quando ela seja levada por um esforço de vontade ao

estudo e à ilustração do espírito, não pode atirar -se às

grandes ciências pela natureza fraca de sua massa

encefálica, incontestavelmente inferior ao do homem.”

Quando o projeto entrou na 3ª discussão, na sessão de

22 de março de 1879, Tobias foi, como ele mesmo disse

– e registra O Tempo – “protestar contra uma tese falsa

e insustentável, que lhe constava ter sido enunciada

naquele recinto.” Com argumentos novos e irrefutáveis,

Tobias defendeu a educação da mulher em pro -

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nunciamentos que foram vivamente acompanhados pelas

galerias.

Na Assembléia Tobias Barreto voltou a contar

com os aplausos das multidões. O Tempo trata, algumas

vezes, das manifestações de simpatia das galerias da

Assembléia Provincial, quando Tobias usava da palavra

para defender as suas idéias e pontos de vista a respeito

das matérias tratadas pelos deputados pernambucano s.

Numa das vezes Tobias Barreto mereceu uma chuva de

pétalas de flores, sendo preciso, em alguns casos, que o

próprio orador pedisse a colaboração da assistência que

o aplaudia. Para o mesmo jornal conservador, a

Assembléia lembrava um teatro e Tobias o artista, a tirar

efeito de sua presença e de sua participação na vida

legislativa. O deputado completa a sua defesa em favor

da mulher com a apresentação de um projeto de lei, o de

nº 129, criando o Partenogógio do Recife, escola

superior, profissionalizante, para o sexo feminino, ao

modo da educação alemã das escolas integradas – média

e superior. Bastaria as suas posições a respeito da

educação da mulher para que fosse justificado como

muito útil o cumprimento do mandato de deputado por

Tobias Barreto de Menezes.(*)

* Josefa Agueda Felisbela Mercedes de Oliveira e Maria Augusta

Generoso Estreli estudaram medicina nos Estados Unidos, tendo a

segunda colado grau em 29 de março de 1881, pelo New York Medical

College and Hospital for Women. Na revista A Mulher, que editava em

Nova Iorque, Josefa Agueda de Oliveira agradeceu a Tobias Barreto

pela defesa que fez, na Assembléia Pernambucana, da sua causa,

lamentando em 1881, que o Governo da Província de Pernambuco não tenha ainda liberado a bolsa.

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TOBIAS BARRETO E

SEUS SEGUIDORES

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Duas coisas distinguem Tobias Barreto dos seus

contemporâneos, poetas e escritores românticos, pro -

fessores e jornalistas: viveu muito mais que a média do

seu tempo – 50 – e fez escola, deixando grande número

de seguidores em várias partes do País, alguns dos quais

com obras referenciais das mais importantes para a

cultura brasileira, O comum era a morte prematura, no

verdor dos anos, silenciando os mais talentosos poetas e

escritores da segunda metade do século passado. Em São

Paulo entre alunos da Faculdade de Direito, morreram

muitos jovens, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu,

Junqueira Freire, Macedo Júnior, Franco de Sá, todos

desapareceram com pouco mais de 20 anos. Do Recife,

Castro Alves morreu com 24 anos, de volta à sua terra

baiana. José Jorge de Siqueira Filho, sergipano morreu

em Alagoas – em Porto Calvo – com 21 anos. Vitoriano

Palhares, sofreu muito jovem, até que morreu, doença

que aos poucos lhe tirou os movimentos musculares e

cerebrais. Tito Lívio de Castro viveu apenas 26 anos. Os

que viveram mais de 40 anos, como Fausto Cardoso, 42,

Martins Júnior, 44, foram minoria, exceção de uma

realidade marcante da vida intelectual brasileira.

Ao viver mais que os outros do seu tempo, Tobias

Barreto teve condições de organizar uma obra densa, de

pensador e de crítico, como pôde, com suas idéias

novas, transformar a Faculdade de Direito do Recife

num centro irradiador de novidades, revolucionando o

pensamento dos estudantes e criando com a Escola do

Recife, uma irreversível corrente seguida por muitos,

quando regressavam de Pernambuco para os seus

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Estados, levando mais que diploma de Bacharel em

Direito, as idéias novas do Direito como produto da

sociedade. Os que escaparam da tísica, da angina, do

tifo e da escarlatina – doenças comuns entre os

estudantes da Faculdade de Direito do Recife nos anos

60 e seguintes do século passado – tinham que arcar

com a responsabilidade da opção de militar nos diversos

grêmios e sociedades atreladas ao conservadorismo dos

tradicionalistas católicos, ou de enfileirar entre os que

seguiam os passos geniais do mestre sergipano.

Cearenses como Clóvis Bevilácqua, Rocha Lima,

maranhenses como Graça Aranha, Urbano Santos,

Benedito Leite, piauienses como Higino Cunha , João

Alfredo de Freitas, Anísio de Abreu, César do Rego

Monteiro, pernambucanos como Artur Orlando, Faelante

da Câmara, Martins Júnior, Souza Bandeira, Aprígio

Guimarães, Virgílio de Sá Pereira, baianos como

Leovegildo Filgueiras e Almáquio Diniz, sergipanos

como Fausto Cardoso, Prado Sampaio, Manoel dos

Passos de Oliveira Teles, Gumercindo Bessa, e mineiros

como Augusto Franco, podem ser apontados como

outros, como devotados seguidores de Tobias Barreto,

como descendentes da sua Escola do Recife, ou, no

mínimo com testemunhas da revolução intelectual

liderada pelo grande mestre, Augusto Franco, mineiro

nascido em 1876 – tinha portanto 13 anos quando

morreu Tobias Barreto – e que morreu na Alemanha aos

33 anos, foi, como é fácil verificar em seus escritos, um

seguidor intransigente, um defensor apaixonado do

fundador da Escola do Recife. No jornal O Estado de

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Minas Gerais, e em muitos dos seus trabalhos, como os

Ensaios Literários, Augusto Franco não apenas evoca a

figura veneranda do mestre como evoca, de forma

virulenta, seus críticos como José Veríssimo.

Nas Cartas que escreveu a Artur Orlando o

escritor mineiro, jovem e irriquieto, abraça a Escola do

Recife e se proclama seguidor de Tobias Barreto. Em

1904, diz a Artur Orlando: “Dos amigos do grande

Tobias acho que somos hoje os mais unidos e

intransigentes: Sílvio, o dr., o Clóvis e eu.” Ainda em

1904, em carta de 28 de agosto exalta o “extraordinário

valor do grande e inolvidável mestre.” Mais adiante, em

1905, ao se referir a trabalhos de João Barreto, diz:

“Quero travar relação com esse forte espírito, filho do

grande mestre.” No dia 2 de agosto de 1906, escrevendo

a propósito do livro sobre o Pan-americanismo, de Artur

Orlando, Augusto Franco trata dos merecimentos do

autor, “cuja orientação filosófica se prende ao tronco

comum – a Escola do pranteado e adorado chefe

espiritual, o extraordinário Tobias.” No post-scriptum,

volta a exaltar o mestre: “Sempre triunfante a geração

sacudida por Tobias.” A respeito da crítica de José

Veríssimo diz Augusto Franco em carta de 22 de

outubro de 1906: “Esse medalhão é um grande pulha,

que vive a atacar ao nosso bem amado, e, num

concurseto a que se submete, faz essa inaudita

fiasqueira, esquecendo ou obscurecendo que o grande

pensador dos Estudos Alemães e se submeteu a vários

concursos sérios, difíceis, brilhando em todos eles.”

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Todas as manifestações em torno de Tobias

Barreto e da Escola do Recife tomam agora no amo do

duplo evento do Sesquicentenário do Nascimento e

Centenário da Morte do sergipano, uma importância

maior, a de permitir o levantamento geográfico do efeito

irradiador do movimento intelectual do Recife, bem

como dos seus desdobramentos no tempo. Tudo, com

certeza, aumentará e fará ainda maior a glória de Tobias

Barreto.

* * *

Ao morrer na Alemanha, em 1906 ou 1909,

Augusto Franco cumpria missão do Governo de Minas

Gerais no campo do ensino. Era um germanista dos mais

convictos, como deixa claro nos seus Estudos e Es-

critos, editados em Belo Horizonte, em 1906, pela

Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Nas provas

de Filosofia do Direito, tratando do Método, como na

prova sobre a Origem, Elementos, Estrutura e Evolução

da Sociedade, Concepção Mecânica e Orgânica, ambas

na Faculdade de Direito de Belo Horizonte, Augusto

Franco faz declaração pública de germanista, abraçando

os autores alemães e citando Tobias Barreto, com a

admiração e o respeito que o mestre lhe inspirava.

Depois de citar, na prova sobre a sociedade que Tobias

Barreto havia negado a sociologia como ciência, o

jovem escritor mineiro ressalva, adiante, que “se Tobias

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não tivesse morrido tão cedo, seria hoje, sem dúvida,

um dos mais fervorosos defensores da nova ciência

social.”

Estudos e Escritos tem a feição de um livro de

estudos alemães, porque todo ele dedicado a exaltar o

germanismo, como o faz ao comentar o livro de Liberato

Bittencourt, tratando da Classificação das Ciências. A

mesma medida intelectual está nas Questões Brasileiras,

ou ainda no discu4rso, parte do qual dedica ao cearense

Rocha Lima, em 1903, e mais tarde Prefácio do livro

Passe Recibo do seu amigo e também mestre Sílvio

Romero. Tão apegado estava ao germanismo, como a

Tobias Barreto, como testemunha o texto da Prova

Escrita de Direito Penal ou Criminal, realizada em 6 de

dezembro de 1905. Diz: “O direito, lo nge de ser um

presente do céu, ou uma dádiva divina é ao invés, um

produto essencialmente cultural, como o conceitua

Tobias Barreto.”

O germanismo tem sido uma forte característica

da obra intelectual de Tobias Barreto. Mais do que um

diletante, e do que dominar a língua alemã, Tobias

Barreto fez do germanismo uma forte alavanca para

sacudir o mundo cultural do seu tempo, todo ele

entorpecido por uma mistura vinda da França, cujos

ingredientes principais eram o Contrato Social de

Rosseau, e o lema da Liberdade, Igualdade e Fra-

ternidade que a revolução francesa espalhara como

símbolo do novo regime, e pela enorme reação de-

sencadeada pela Igreja e pelos seus fiéis defensores.

Uma simples passada de olhos nos jornais estudantis

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publicados no Recife nos anos 60, e nas memórias da

Faculdade de Direito do Recife, é suficiente para que se

compreenda o ânimo cruzado dos religiosos, estudantes

e professores, contra os que eles consideravam “sec -

tários do sistema da razão livre ou do puro racio -

nalismo”, entre os qua is estaria filiado, certamente,

Tobias Barreto de Menezes.

O germanismo foi o meio mais ágil e mais eficaz

que Tobias Barreto encontrou para revolucionar o seu

tempo. Quer parecer que o germanismo do sergipano

tenha origens nos contatos que, de Sergipe, fez com que

seus parentes na Bahia, especialmente com Francisco

Moniz Barreto de Aragão, formado em Direito e em

Filosofia pela Universidade de Heidelberg, o pai do

poeta Egas Moniz Barreto de Aragão, o Pethion de

Vilar, este também um germanófilo, de quem Arno

Phillipp, redator-chefe do Deutsche Zeitung, disse ser “o

único escritor brasileiro que hoje (1903) estuda com

perseverança e entusiasmo o germanismo e continua a

obra de Tobias Barreto.”

O vínculo do germanismo não serviu apenas a

Augusto Franco. Rocha Lima, o prodígio cearense, teve

como uma de suas bandeiras a transformação literária

pela erudição germânica. Nada mais tobiático que isso.

No Ceará, para onde voltou em 1872, doente, rocha

Lima levou da Faculdade de direito e da Escola do

Recife as “idé ias novas, tocado do espírito de renovação

que empolgava a capital pernambucana – idéias re-

ligiosas, idéias revolucionárias, idéias filosóficas em

barulhento entrechoque, como registram Raimundo

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Girão e Maria da Conceição Souza, no Dicionário da

Literatura Cearense, editado em 1987 pela Imprensa

Oficial do Ceará.

Virgílio Brígido, bacharel do Recife na turma de

1880 e José Carlos Júnior, da turma de 1882, além da

participação que tiveram como integrantes do Clube

Literário, associação intelectual renovadora cearense,

instalada em Fortaleza, foram professores de alemão do

Liceu do Ceará, por onde passaram algumas gerações de

cujos quadros saíram figuras notáveis de brasileiros.

O germanismo de Tobias Barreto foi, também, um

elemento de aglutinação dos seus seguidores, ex-

pandindo até o Rio Grande do Sul, por exemplo, a

influência da Escola do Recife, como lembrou, em

palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico do

Rio Grande do Norte, em Natal, o jurista e escritor José

Francisco de Araújo, de quem se ocupou Nilo Pereira,

nas suas Notas Avulsas, do Jornal do Comércio, de 15

de julho de 1988.

* * *

Vivendo mais que os do seu tempo e fazendo

escola, Tobias Barreto pode ser apontado, sem favor

algum, como dos poucos intelectuais brasilerios que

exerceu sobre a juventude do Norte e do Nordeste, que

estudava no Recife, a mais forte influência, a ponto de

expandir, pelas duas regiões, principalmente, vez que

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também chegou ao centro, como em Minas Gerais

Augusto Franco é um bom exemplo, e ao Sul, através de

Carlos von Kozeritz, e de outros, suas idéias revo -

lucionárias no campo do direito, da filosofia, da crítica

e da organização política e social do Brasil. Os que

ficaram fascinados com o poeta social dos anos 60, com

o jornalista político e o orador dos anos 70, com o

germanista, o fundador do Clube Popular Escadense,

também dos anos 70, em Escada, o professor Lente da

Faculdade de Direito do Recife, doutor e catedrático,

dos anos 80, eram jovens de 14, 15, 16 e 17 anos, como

Graça Aranha do Maranhão, Rocha Lima do Ceará, José

Jorge de Siqueira Filho de Sergipe, Sílvio Romero,

Fausto Cardoso, também de Sergipe, e muitos outros

que conheceram e conviveram com o mestre.

Lúcia de Azevedo, em carta a Capistrano de

Abreu, datada de Lisboa, e mencionada nos Estudos, 4ª

série, recordando a sua mocidade no Pará lembrava da

impressão profunda que produziram então, em Belém, os

rapazes que voltavam, nas férias, dos estudos no Recife,

todos ecoando ainda as idéias demolidoras de Tobias

Barreto; Este não é o único depoimento sobre o efeito

das novas idéias produzidas no Recife por Tobias

Barreto, seus companheiros e seguidores. No Ceará, por

exemplo, sabe-se que a vinda de Raimundo Antônio da

Rocha Lima ao Recife, quando tinha apenas 14 anos, em

1871, foi suficiente para que no ano seguinte, em

Fortaleza, fundasse, com outros, a Academia Francesa

do Ceará, movimento que obteve grande repercussão,

como informa Dolor Barreira, em sua História da

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Literatura Cearense. Sob o mesmo influxo, começou a

circular em São Luiz, no Maranhão, a partir de 1881, o

jornal O Futuro, órgão de propaganda progressista, que

tinha como epígrafe o seguinte texto de Haeckel,

extraído da História da Criação dos Seres Organizados:

“Colher os frutos da árvore do saber eis a pretensão da

ciência; pouco lhe importa que as suas conquistas

prejudiquem ou não as fantasias da fé.”

As idéias de Tobias Barreto, na verdade, estavam

enfeixadas numa vertente inovadora, revolucionária, que

contrariava o pensamento dominante, manipulado pela

vertente conservadora dos tradicionalistas católicos,

ultramontanos, e seus adeptos, protegidos pela Igreja.

Daí, por exemplo, a explicação para o fato de que, no

geral, tanto Tobias Barreto, como seus seguidores,

enfrentaram, aqui acolá, reações, algumas transformadas

em polêmicas, outras em afronta que, com igual vigor

mereceram respostas. Pode estar aí, na gênese das

colocações, a razão pela qual os padres do Maranhão,

principalmente o cônego Raimundo Alves da Fonseca,

fizessem do jornal Civilização dirigido pelo Monsenhor

João Tolentino Guedelha Mourão, órgão de ataque a

Tobias Barreto.

A fundação da Academia Francesa do Ceará

aglutinou um grupo de jovens em torno de estudo e de

divulgação das idéias novas. Para difundi-las, o grupo

liderado por Rocha Lima criou a Escola Popular, de

funcionamento noturno, destinada aos operários e as

outras categorias de trabalhadores. Na Escola Popular

os jovens da Academia se revezavam como con-

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ferencistas, abordando os temas mais novos, mais

empolgantes, que dominavam as cabeças renovadas pela

Faculdade de Direito do Recife. Um dos jovens, Rocha

Lima, morreu com pouco mais de 20 anos, deixando no

entanto um grupo que deu continuidade ao seu trabalho

de desbravador intelectual. Quando da publicação, no

Recife, de Menores e Loucos, em sua segunda edição, já

estava funcionando em Fortaleza o Clube Literário,

fundado por Júlio César e outros herdeiros intelectuais

de Rocha Lima.

O Clube Literário realizava também, conferências

para o povo e uma delas, proferida pelo próprio Júlio

César, no dia 28 de abril de 1887, teve como tema o

livro de Tobias Barreto. Júlio César da Fonseca, antes

de chegar a Fortaleza e de fundar o Clube Literário,

tinha realizado um grande trabalho de propaganda em

Aracati, editando em 1869, o Barrete Frigio, impresso

em papel vermelho e que dizia-se “monitor da revolução

e da república.” O jornalzinho foi apreendido e o seu

redator procurado pela polícia, para ser mandado, como

recruta, para o Sul. Em 1870, ainda em Aracati, faz

circular a Tribuna do Povo, dedicado à propaganda

republicana. Em 1872 publica a Voz da América,

republicano, e em 1873, o Jornal do Aracati. Em 1879,

já em Fortaleza, integra a redação de O Município e em

1880 é redator da Gazeta do Norte, órgão liberal.

Mais adiante, como destaca Antônio Paim em A

Filosofia da Escola do Recife, com a fundação da Fa-

culdade de Direito do Ceará, maior ainda se fez a in-

fluência de Tobias Barreto, através de ex-alunos, segui-

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dores fiéis da Escola do Recife, como Antônio Adolfo

Coelho de Arruda e Manoel Soriano de Albuquerque.

* * *

Embora não tenha sido maçom e nem tenha

participado da Questão Religiosa, sabe-se que Tobias

Barreto inspirou a muitos jovens que abraçaram a

Maçonaria em Pernambuco, em Sergipe, na Bahia, no

Maranhão e nbo Ceará. A Maçonaria foi, de algum

modo, o refúgio, das novidades, sustentando contra o

Clero uma luta de ressonância nacional. Vale evocar,

como ilustração, a série de artigos de Tobias Barreto

publicada no jornal O Americano, em 1870, sobre

religião, gerando estridente polêmica com os católicos

como Pedro Autran da Mata Albuquerque, velho

professor e autor de compêndios da Faculdade de

Direito, e José Soriano de Souza, que em 1867 havia

sido batido por Tobias num concurso para a cadeira de

Filosofia do Ginásio Pernambucano, mas que log rara ser

nomeado, segundo o que circulou, pelo fato de ser

casado e o sergipano solteiro. O Americano foi, depois,

porta-voz dos maçons.

Os jovens que passavam pela Faculdade de

Direito do Recife e que tinham acesso aos debates em

torno de novas idéias, ao regressarem aos seus Estados

de origem, abraçavam causas comuns: a Maçonaria, ou o

anticlericalismo, a abolição da escravatura e a Repú-

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blica. Os jovens do Ceará são um bom exemplo, porque

tentam reproduzir em Fortaleza o clima de agitação que

marcava a vida acadêmica e intelectual do Recife.

Rocha Lima, que morreu em 28 de julho de 1878, aos 23

anos, em Maranguape, não apenas fundou a irônica

Academia Francesa do Ceará, como integrou, com

outros parceiros de pregação, a redação do jornal

Fraternidade com o qual os maçons fustigavam o Clero

cearense.

A religião era, para os estudantes de direito, um

divisor de águas. A direção e os professores da

Faculdade fomentavam a redução religiosa, convictos de

que, como afirma o professor José Antônio de Fi-

gueiredo, na sua Memória Histórica de 1857, “só a

religião oferece uma verdadeira e real garantia a ordem

e a tranqüilidade pública, de que só ela pode sancionar

de uma maneira positiva e dogmática a moral social e

prevenir e acautelar crimes cuja alçada e investigação

escapam às leis humanas.” Em 1862, nas Memórias do

ano de 1861, João Capistrano Bandeira de Melo Filho

destaca que a mocidade, “dotada geralmente de fervor

religioso sustenta, por meio de algumas associações e de

escritos pela imprensa, as eternas verdades do Cris-

tianismo e pugna pela difusão das boas doutrinas.” O

professor cita e louva a Irmandade do Bom Conselho,

fundada em 1855, no Convento dos Franciscanos o

Instituto Pio Literário e o Atheneu Pernambucano, e,

ainda, Lidador Acadêmico, redigido pelo professor

Tarquínio Bráulio – irmão de Braz Florentino e de José

Soriano de Souza – e por acadêmicos da Faculdade.

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No seu segundo ano de Faculdade, Tobias Barreto

ouvia do professor Antônio de Vasconcelos Menezes de

Drummond, a respeito do funcionamento da escola em

1863, que “o indiferentismo de poucos estudantes –

sectários do sistema da razão livre ou do puro

Racionalismo (sinônimo de Protestantismo), felizmente

não pôde ainda influir nos louváveis atos da quase

totalidade, que por aqueles é qualificada de ascética.”

Em outra parte da sua Memória, Drummond afirmava

que “sem a fecunda aliança da ciência com a religião e

da liberdade com a ordem, dissolvidos estão os vínculos

sociais.” O professor fazia, perante Tobias Barreto e os

demais alunos, uma confissão de medo, como a antever

profeticamente, que o espírito religioso dos alunos da

Faculdade de Direito do Recife perigava. Em outras

oportunidades, como quando abriu o curso de Direito

Natural, em 16 de março de 1864, Drummond bate o

mesmo martelo contra os que ele classifica de

“febricitantes”, que de outro modo pensam e opinam.

Rocha Lima, antes de criar a sua Academia

Francesa do Ceará, ou seja, antes de vir estudar no

Recife e de travar contato com Tobias Barreto,

organizara, em 1870, a Fênix Estudantil, sob a proteção

de São Luiz de Gonzaga. Em 1872, já com a Academia,

ancorava ali o agnosticismo que se irradiou pela Escola

Popular, pelo Fraternidade, de algum modo pelo Clube

Literário e até mesmo pela Padaria Espiritual, espécie

de troça contra francesismo. Integrando a Academia,

Xilderico Araripe de Faria, bacharel no Recife em 1873,

publicou u pequeno livro sobre a Liberdade Religiosa,

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em 1874, Tristão de Alencar Araripe Júnior formado na

turma de Tobias, em 1869, esteve entre os acadêmicos e

também participou da redação do jornal maçônico

Fraternidade. Outro, com os mesmos méritos, foi

Tomás Pompeu de Souza Brasil, o filho, que mais tarde

foi um dos fundadores da Faculdade de Direito do

Ceará, sendo Lente e Diretor.

A questão da religião e da ciência vigorou por

muito tempo, separando em campos definidos os que

condenavam as novas idéias e os que a partir delas

realizaram o movimento conhecido como Escola do

Recife. Na Bahia, Almáquio Diniz, um dos seguidores

de Tobias Barreto, chegou a ser excomungado pelo

Bispo, por ter publicado um romance considerado

inconveniente pela Igreja. Em Sergipe, Fausto Cardoso,

outro tobiático, monista, enfrentou a reação do grupo

político do padre Olímpio Campos, até que tombou sem

vida, varado por uma bala de fuzil, depois de derrubar o

Governo de Guilherme Campos e Pelino Nobre.

Através de estudantes pernambucanos da Fa-

culdade de Direito que editaram a revista Agitação a

questão da ciência e da religião voltou à tona, em março

de 1933, por iniciativa de Methodio Maranhão, que

refaz a trajetória da Escola do Recife em sua vertente

mais polêmica.

* * *

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Dos seguidores sergipanos de Tobias Barreto um

experimentou a glória de ter a multidão atenta às suas

pregações: Fausto Cardoso, um dos jovens embriagados

com as teorias revolucionárias da Escola do Recife. Aos

19 anos, já experiente na luta acadêmica, mantém um

jornal – O Sahara – impresso na tipogafia Apolo, a

mesma que publicava mensalmente, no mesmo ano de

1883, O Industrial, revista de artes redigida por Tobias

Barreto. Nas páginas do Sahara estão alguns tes-

temunhos de Fausto Cardoso e de Benildes Romero

sobre o impacto das idéias do gênio sergipano. Pelo

menos três fatos mereceram do jornal publicação e

comentários, centrados na figura de Tobias Barreto. O

primeiro informando que o professor João Vieira, a

partir de 1822, passara a incluir em seu programa de

Direito Civil o estudo do Direito Autoral, uma das

novidades do mestre. O segundo, o texto da carta de 22

de outubro de 1882, redigida por Tobias e assinada por

vários professores da Faculdade de Direito, dirigida ao

dr. F. von Holtzendorff, de Munique, sobre a fundação

Bluntschli, com sua resposta, datada de 22 de novembro

do mesmo ano de 1882. O terceiro fato refere -se às

impressões causadas pelo discurso de Tobias Barreto, no

dia 10 de abril de 1883, quando da colação de Grau em

doutor aos srs. Afonso Octaviano e Hermenegildo

Militão.

A formação intelectual e política de Fausto Car-

doso deveu-se, inquestionavelmente, ao movimento de

idéias do Recife, sob a liderança de Tobias Barreto. Até

mesmo quando discordava do mestre, como no caso do

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Monismo, Fausto Cardoso guardava o respeito que

nutria pelo seu conterrâneo, de quem seguia os ensi-

namentos em muitos outros campos do conhecimento,

como manifestara em seus escritos, e também em seus

discursos na Câmara Federal, notadamente ao responder

ao sr. Asísio(Anísio?) de Abreu, relator do parecer nº

27, de 1902, sobre a denúncia apresentada pelo próprio

Fausto contra o Presidente da República, que havia

atribuído a Tobias Barreto uma citação sobre omissão,

considerada equivocada. Além de responder ao seu

colega, Fausto Cardoso entrega a esse relator obras de

Tobias, citando-a longamente para demonstrar o erro do

Parecer.

Mais que qualquer outro discípulo de Tobias

Barreto, Fausto Cardoso deu vazão ao pendor político,

assumindo em Sergipe, quando da propaganda repu-

blicana em Laranjeiras, depois de proclamada a

República e na Câmara Federal, como deputado, uma

postura progressista, de renovação dos métodos admi-

nistrativos, chamando o povo à organização e a par-

ticipação. Havia uma oligarquia no Poder, em nome da

liderança do Monsenhor Olímpio Campos, monarquista

fervoroso que aderiu à República, três dias depois de

proclamada. Assim como é fácil buscar as raízes

ideológicas da política faustista, é fácil, também,

recompor o perfil conservador do grupo olimpista,

formado pelo próprio Olímpio Campos, Coelho e Cam-

pos e Pelino Nobre, dentre outros.

Coelho e Campos e Pelino Nobre estudaram na

Faculdade de Direito do Recife, e no começo dos anos

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60 estavam participando dos movimentos tradicio -

nalistas, sob a liderança do dr. Braz Florentino. Pelino

Francisco de Carvalho Nobre era sócio efetivo da

Sociedade Acadêmica Atheneu Pernambucano, que tinha

como Presidente Honorário o dr. Braz Florentino

Henrique de Souza, que mais tarde viria a ser um dos

grandes desafetos de Tobias Barreto. José Luiz Coelho e

Campos integrava, Segundo Secretário, a Sociedade

Ensaio Filosófico Pernambucano. Pelino Nobre parti-

cipava da redação do Atheneu Pernambucano, enquanto

Coelho e Campos colaborava com O Ensaio Filosófico

Pernambucano, que também contava com a participação

redacional do dr. Braz Florentino. Em Aracaju, em

1873, Coelho e Campos e Pelino Nobre redigiram A

Crença, órgão conservador. Ao lado de Olímpio

Campos, Pelino Nobre participava da redação da Gazeta

de Aracaju, que circulou de 1879 a 1889. De 1889 a

1890, Coelho e Campos e Olímpio Campos eram os

redatores do jornal Estado de Sergipe. Não é sem razão,

portanto, que Fausto Cardoso, dentre outras coisas, diz

que Coelho e Campos era “uma inteligência com 50

anos de atraso.”

O ideário republicano de Fausto Cardoso,

conforme se pode observar no trabalho de Francisco

Rollemberg – Perfis Parlamentares, Fausto Cardoso –

havia sofrido o revés do oportunismo dos monarquistas,

reciclados de última hora, como Olímpio Campos, que

passavam a ganhar espaço na administração do

Presidente Felisbelo Freire. Pe. Olímpio é nomeado

Prefeito de Aracaju, enquanto Fausto Cardoso, por sair

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em defesa de negros e mestiços do baixo São Francisco,

reprimidos pelo Governo, perde a Promotoria que

exercia. Construindo novas alianças, Fausto Cardoso

aprofunda sua pregação social, reúne o povo da região

produtora de açúcar e conquista com apoio do seu antigo

adversário Coelho e Campos, novo mandato de

Deputado Federal, assumindo o comando da oposição

sergipana. Em 1906, em agosto, funda em Sergipe o

Partido Progressista e depõe o Governo do Presidente

Guilherme Campos, irmão de Olímpio Campos, e do

Vice-presidente Pelino Nobre. Ao fazer a revolução é

morto, não sem antes afirmar que “a liberdade só se

prepara na história com o cimento do tempo e o sangue

dos homens.” Tombava na luta um intelectual que levou

até às últimas conseqüências o ideário libertador da

Escola do Recife e do mestre Tobias Barreto.

* * *

Antes de sair do Maranhão para o Recife, Graça

Aranha tomava contato com o jornal O Futuro,

encimando uma epígrafe de Ernest Haeckel, fundado em

junho de 1881 como órgão da propaganda progressista.

No Recife, depois de encontrar Tobias Barreto, o

menino de treze anos e meio dizia-se preparado para

receber a sua força educativa de negação e crítica. “Eu

estava apto para receber todas as demolições do Direito

Natural e da Teologia e propagar todas as revoltas

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contra a metafísica, contra a ordem política e social”,

confessou o autor de Canaã, logo na primeira página do

O Meu Próprio Romance, pedaço de memória escrito em

1931, ao da morte de Graça Aranha. O jovem ma-

ranhense é mais um seguidor do mestre amado, desde

que, como disse, operou-se o “milagre de Tobias Bar-

reto, o milagre da libertação”, “certos de que, condu -

zidos por Tobias Barreto estávamos emancipando a

mentalidade brasileira, afundada na Teologia, no Direito

Natural, em todos os abismos do conservador ismo.”

Antes de Tobias, não custa lembrar, além do

direito a sociedade civil tinha a sua origem e

fundamento na vontade divina, como escrevia no Ensaio

Filosófico Pernambucano o professor da Faculdade de

Direito Antônio Lopes da Silva Barros. Ora, a

sacralização da sociedade mascarava a resistência a

mudar de atitude, diante do reconhecimento do direito.

Os conservadores, quando adiantados, queriam diminuir

o ônus que a pobreza representava, sem contudo alterar

o padrão de desigualdade do qual resultava a própria

pobreza, como Tobias Barreto revela no seu magistral

Um Discurso em Mangas de Camisa, pronunciado em

Escada, em agosto de 1877, no Clube Popular

Escadense que ele fundou para reunir o povo em torno

de suas idéias, anunciando que o direito não era anterior

à sociedade, mas um produto cultural desta. No seu

Clube o mestre, depois de afirmar que 90% dos

escadenses eram necessitados, quase indigentes, que 8%

viviam sofrivelmente, que um e meio por cento viviam

bem e apenas meio por cento eram ricos em re lação aos

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demais, queria “incutir no povo desta localidade um

mais vivo sentimento do seu valor, de despertar -lhe a

indignação contra os opressores e o entusiasmo pelos

oprimidos.”

Tobias Barreto havia escrito em 18709, em

Política Brasileira, série de art igos publicados em O

Americano, que “nenhum povo é realmente grande,

senão pela liberdade, que tem ou que conquista.” Com

Tobias e a partir de Tobias instaurou-se no Brasil uma

consciência de que era possível abolir os modelos

arcaicos da vida política e suas decorrentes econômica e

social. A pregação entre os moços, a cultura, eram vias

amplas de mudanças, para as quais muito concorreu o

seu germanismo. Graça Aranha, como Rocha Lima,

Augusto França, Xelderico de Faria Fausto Cardoso,

compunha o grupo imenso dos jovens que ouviam e

seguiam o mestre. A mocidade era sua faixa preferencial

de sintonia, como deixa claro, em 1883, em Maroim, no

interior sergipano, ao visitar o Gabinete de Leitura e ser

homenageado pelo Coronel José de Faro com o

alforriamento de uma escrava. Dirigindo-se ao coronel,

pediu-lhe que amasse a mocidade sergipana e “assim

como Umboldt descobriu nas florestas do Amazonas um

papagaio, única testemunha de uma nação extinta,

também ele encontrou seu papagaio, mas esse não lhe

repetia vozes de uma língua morta, porque sempre lhe

dava alviçaras do porvir: a mocidade sergipana.”

Era o espírito moderno que impulsionava a vida

intelectual de seu tempo e de sua geração, chamada pelo

professor Antônio de Vasconcelos Menezes de

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Drummond de “febricitantes, que de outro modo pensam

e opinam, são verdadeiros sectários do racionalismo,

que deu origem ao Protestantismo; essa fatal doutrina,

que tão copiosas lágrimas e tanto sangue fez correr na

Europa, e foi estrada para o ateísmo revolucionário da

França, onde tudo se profanou, e até se rendeu culto a

uma prostituta sob a denominação de Deusa Razão, onde

tudo se urdiu para igualizar, republicanizar, democra-

tizar o mundo inteiro.” Graça Aranha, ele próprio,

simbolizou o espírito moderno adquirido no seu contato

com o mestre da Escola do Recife, ao renovar a estética,

promovendo a revolução modernista da Semana de Arte

Moderna de fevereiro de 1922, quando já cresciam

novamente as reações conservadoras aos princípios do

movimento liderado por Tobias Barreto, e quando o

Marxismo parecia canalizar as correntes insatisfeitas,

que nutriam perspectivas de avanço na vida brasileira,

acolhendo sentimentos e idéias que atravessaram as

décadas, tangidas pelo entusiasmo dos seus defensores.

O Brasil moderno deve a Tobias Barreto se não o

modelo de sua organização política, pelo menos a

ousadia de ter tentado organizar a sociedade, fundada no

direito, de cujo exemplo, em muitos campos da vida

nacional, são seus seguidores, muito justamente,

credores do reconhecimento público.

* * *

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Muitos dos seguidores de Tobias Barreto e das

idéias da Escola do Recife abraçaram a vida pública. O

próprio Tobias, ao definir-se politicamente em 1870,

com as séries de artigos Os Homens e os Princípios e

Política Brasileira, entra para o Partido Liberal e por

ele conquista dois mandatos, o de Deputado Provincial,

no biênio 78-79, e o de Vereador à Câmara de Escada, a

partir de 1881, renunciando para ser nomeado Juiz

Municipal Substituto. Sílvio Romero foi Deputado

Federal, como Fausto Cardoso, Felisbelo Freire,

representando Sergipe. Artur Orlando foi Deputado por

Pernambuco, Clóvis Bevilácqua pelo Ceará. Do

Maranhão, do Piauí, do Ceará muitos chegaram ao

Senado e à Câmara e alguns ao Governo dos seus

Estados, como Felisbelo Freire, em Sergipe, logo depois

de proclamada a República.

Eram descendentes da Escola do Recife, dentre

outros, Dantas Barreto, intelectual e militar, que gover -

nou Pernambuco e que teve destacada vida pública e

Graccho Cardoso, que começou sua vida cultural no

Ceará, e lá mesmo ocupou função pública relevante na

administração do Estado, vindo a Sergipe foi Presidente

do Estado, de 1922 a 1926, continuando na vida pública

como parlamentar. A marca singular das administrações

de Dantas Barreto e de Graccho Cardoso, que chamou a

atenção, à época, era o sentido de modernidade, acom-

panhado dos compromissos de promover, acelerada-

mente, o progresso econômico, cultural, e o bem-estar

social.

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Graccho Cardoso havia sido um dos cadetes da

Escola Militar do Ceará, inaugurada em 1º de maio de

1891. A Escola ajudo a consolidar o movimento de cul-

tura dos moços cearenses, editando uma Revista, a

Primeira de Maio, que circulou a partir de junho de

1891, o jornal Silva Jardim e ainda a revista Evolução,

os dois últimos de natureza crítica, científica e literária.

Além de participar do movimento dos cadetes da Escola

Militar, Graccho Cardoso ajudou na redação da revista A

Pena, que surgiu em Fortaleza a 10 de outubro de 1895,

publicando o estudo crítico Pescadores da Taíba. Na

mesma época, o Ceará ainda fazia vibrar com seus

movimentos de jovens, como o Centro Literário,

fundado em 27 de setembro de 1894 e que tinha entre os

sócios correspondentes eleitos, dentre outros tobiáticos,

Sílvio Romero, Artur Orlando, Araripe Junior, Samuel

de Oliveira, Liberato Bitencourt, Martins Júnior.

Depois de viver a atividade cultural do Ceará e de

integrar o Governo cearense, Graccho Cardoso retornou

a Sergipe e em 1922 lançou uma plataforma moder-

nizadora para o Estado, candidatando-se a Presidente.

No Governo, Graccho Cardoso montou uma equipe de

intelectuais, a partir de Cláudio Gans, escritor maçom, e

de cientistas, como Parreiras Horta, que havia estudado

na França, no centro de Pasteur. Empreendendo uma

obra verdadeiramente revolucionária, criou o De-

partamento Estadual do Algodão e através da presença

do técnico norte-americano Thomás Day fez aparecer

um surto de produção algodoeira, que motivou o Estado.

Fundou o Banco do Estado, modernizou Aracaju com

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bondes elétricos, criou as Faculdades de Farmácia e de

Direito, montou um projeto de colonização, com

famílias alemãs, no Quissamã, saneou e abasteceu

Aracaju, construiu dezenas de prédios públicos,

transformou cadeias em escolas, como ensinava Victor

Hugo, comentado pela sua revista Primeiro de Maio. As

cadeias de Lagarto e São Cristóvão foram transformadas

em grupos escolares: Sílvio Romero e Vigário barroso,

respectivamente em Lagarto, em homenagem ao filho

ilustre, e em São Cristóvão, onde o vigário tinha

exercido brilhante sacerdócio, reconhecido pelo vigor de

suas orações.

Completando a sua obra cultura, Graccho Cardoso

patrocinou a Missão Tobiática no Recife, de Manoel dos

Passos de Oliveira Teles, atribuindo ao discípulo do

mestre, levantar os textos, dispersos em revistas e

jornais, reunindo-os às Obras Completas que o Governo

de Sergipe editou, em 1926, na mais expressiva

homenagem já prestada ao fundador da Escola do

Recife. Criando o Instituto Parreiras Horta, para a

produção de vacinas, o Instituto Coelho e Campos, para

a preparação profissional dos jovens sergipanos e

editando, ainda, o Dicionário Biobibliográfico Sergi-

pano, de Armindo Guaraná, Graccho Cardoso procurou

cumprir com um id4eáriod e modernidade, lúcido e

progressista, que vem daquele que ao ter a sensibilidade

de abraçar o que de mais novo havia no mundo – Tobias

Barreto – revolucionava o seu tempo, propagando entre

os moços tudo aquilo que na medida em que fazia vibrar

o povo, gerava grande incômodo e temores entre os

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poderosos. De certo modo, Graccho Cardoso cumpriu a

missão, interrompida, de Fausto Cardoso.

* * *

A Faculdade de Direito do Recife continuou a ser,

por toda a década de 20, um grande centro polêmico.

Muitos dos seus professores e alunos mantinham a

tradição da Casa, do mesmo modo como encontravam

fortes reações, Em 1927, o cearense Joaquim Pimenta,

discípulo de Manoel Soriano de Albuquerque fundou, na

Faculdade de Direito do Recife, o Centro de Cultura

Sociológica, “para estudo e discussão dos grandes

problemas sociais contemporâneos.” Pimenta, que em

1928 publica Sociologia e Direito, trouxe para o Recife

aquilo que adotara no Ceará,a preocupação com a

sociologia, adquirida na Faculdade de Direito daquele

Estado, a primeira a adotar a cadeira de Sociologia em

seu curso. Trouxera, também, o anti-clericalismo que

tanto o prendia a Soriano de Albuquerque – que sofreu

em 1907, uma forte reação da ortodoxia católica ao

assumir a cátedra de Filosofia do Direito – como a

Escola do Recife.

A Faculdade de Direito do Recife abrigava, aquele

tempo, o curioso Centro de Estudos Russos, fundado e

dirigido por José Cordeiro, tido como o mais avançado

estudante do seu tempo, pelo raciocínio dialético, como

testemunha Benjamim Coutinho, em pequeno artigo da

revista O Tacape. O professor Joaquim Pimenta funda,

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ainda, em 11 de agosto de 1928, a Federação Univer-

sitária do Recife, sendo seu Presidente, com o fim de

“instituir Centros de Estudos Científicos, tendo mais em

vista os de ordem sociológica, promover Congressos e

Conferências públicas, fundar uma Revista, uma Biblio -

teca de ciências sociais, organizar Centros Artísticos e

Recreativos, apoiar os movimentos em prol do bem-estar

das classes populares.” A direção da FUR caberia a um

Conselho Executivo, composto do Presidente do Centro

Acadêmico das Faculdades de Direito e de Medicina, e

das Escolas de Engenharia, Farmácia, Odontologia e

Comércio, e de um representante de cada ano do Curso,

eleitos pelos colegas de classe.

Juntamente com os colegas Methódio Maranhão.

Raul Azedo e com o jornalista João Barreto de Menezes,

filho de Tobias Barreto, Joaquim Pimenta integra a

redação da revista O Tacape, que começa a circular,

quinzenalmente, a partir de janeiro de 1928. Entre os

colaboradores da revista estão Fernando de Sá, Leo -

nardo Mota e Luiz da Câmara Cascudo, entre outros. A

feição da revista é a de um órgão de luta, fustigando a

Igreja, abordando assuntos científicos, políticos e

filosóficos. Methódio Maranhão, que no mesmo ano de

1928 publica o livro O Direito e a Religião é o mais

veemente crítico, sobre quem o próprio periódico iro-

niza. Nos versos intitulados Impossibilidades publicados

na segunda quinzena de abril de 1928:

“Tudo no mundo é possível

E mesmo ao perigo escapa

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Evita a água ao açúcar

Quem não quer fazer garapa.

O que entanto ninguém pode

Por maior esforço humano

É carregar o Methódio

Nos braços do Vaticano.”

Comentando uma notícia de que a Faculdade de

Direito da Bahia havia colocado numa de suas paredes a

imagem de Cristo, a redação de O Tacape escreve que

“edifício contendo imagem religiosa de qualquer

espécie, pode ser tudo, menos Faculdade de Direito.”

Era a velha luta de novo travada.

Joaquim Pimenta escrevia os editoriais, alguns

artigos, e abria espaço para comentários de autores

espanhóis e mexicanos, a respeito da luta travada entre

os partidos Liberal e Católico, do México, apontando de

forma documentada a participação da Igreja na tentativa

de abolir as Leis de Reforma e Juarez(?), enquanto os

liberais as defendiam.

João Barreto de Menezes, redator de política e de

problemas da população recifense, aqui e ali dava sinais

da sua origem e até mesmo chegava a citar posições de

seu pai, como quando escreve sobre Luiz Carlos Prestes.

Sobre Tobias Barreto, diz Fernando de Sá, em artigo

sobre a Intelectualidade Nordestina, que “não apareceu

com um simples evangelizador de uma nova ciência mas

sim como um demolidor da existente.”

Artur Azedo, o cientista de quem se ocupa

Aluízio Bezerra Coutinho, escreve uma série de artigos

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sobre questões da atualidade científica, sendo res-

ponsável, na revista, pela pregação ma is metodológica,

seguindo a tradição da Escola do Recife.

O Tacape publica, em seus números de 1928 e

1929, série de artigos denunciando o entreguismo do

Governo brasileiro, citando a consecussão de terras, no

Amazonas, a Henri Ford, bem como outras facilidades

criadas para a ocupação amazônica por pessoas e

entidades estrangeiras. Com tal preocupação, além de

cumprir itinerário ligado ao pensamento da Escola do

Recife, O Tacape antecipava ao Brasil uma questão

seriíssima, que, por coincidência ou ironia, e stá na

ordem do dia neste ano de celebrações em torno da

figura singular de Tobias Barreto de Menezes.

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TOBIAS BARRETO,

UM AGITADOR SOCIAL

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Dialético, Tobias Barreto era liberal contra os

conservadores, sem abdicar do direito de crítica aos

liberais, como fizera da tribuna da Assembléia, quando

deputado, eleito em 1878, contra o Presidente da

Província. Na Assembléia, Tobias Barreto tratou do

direito de crítica propondo alterar o Regimento da Casa

para justificar os apupos ao seu correligionário Adolfo

de Barros, mas também para elogiar a José Mariano. E

mais: combateu os privilégios e defendeu, em sessões

memoráveis, a educação da mulher, em favor de moças

pernambucanas que pretendiam estudar fora do Brasil.

Depois de cumprir mandato de deputado à

Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco,

Tobias Barreto elegeu-se vereador à Câmara Municipal

de Escada, para o período de 1881 a 1884. Ao tomar

posse, em 1881, prefere optar pelo cargo de Juiz

Municipal Substituto, conforme ofício do Barão de

Frexeiras – Antônio dos Santos Pontual – de 13 de

janeiro, endereçado ao Presidente da Província Franklin

Américo de Menezes Dória. Os dois fatos a eleição de

vereador e a opção deliberada para ser Juiz Municipal

Substituto acrescentam informações novas e preciosas à

biografia de Tobias Barreto de Menezes, ajudando a

compreender a sua luta como teórico da organização da

sociedade, e como agitador, na imprensa e no Fórum no

pequeno município de Escada predominantemente con-

trolado pelos muitos senhores dos 120 engenhos que

circundavam e sitiavam a cidade.

Dos 9 vereadores eleitos, Tobias Barreto al-

cançara a 6ª votação, o que indica prestígio entre os

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eleitores escadenses. Preferia, no entanto, trocar o

mandato de vereador pela 1ª Suplência do Juiz

Municipal, cargo que, de algum modo, escutava sua

pessoa nos constantes embates com a própria justiça

escadense, manipulada, segundo sua opinião, pelos

interesses de algum integrante da classe dominante,

muito especialmente a família Pontual. Na verdade, a

suplência não tinha início ali, na opção que o tirou da

Câmara, mas sim em 18 de março de 1880, quando

prestou juramento perante o Presidente da Província. No

cargo, ficou até que, em 26 de março de 1881, alegando

“um conjunto de circunstâncias” e por achar -se “gra-

vemente enfermo”, pediu demissão.

Ele enfrentara forte campanha da parte do Juiz

Municipal titular, Jerônimo Materno Pereira de Carvalho,

e tivera, pelo mesmo Juiz, contestado o seu juramento

como Suplente, enquanto fora denunciado, pelo

Promotor, por “uso indevido da imprensa.” Em Escada,

Tobias Barreto de Menezes foi Curador dos Órfãos,

Advogado e Juiz Municipal do Comércio Substituto,

servindo ainda de Avaliador e, em alguns casos, de

Redator Testamenteiro. Sua condição de suplente de Juiz

Municipal era, para o Juiz titular, um impedimento à sua

função de advogado. Evidentemente ele não comungava

das idéias de Jerônimo Materno, pedindo esclarecimento

superior ao Presidente da Província e ao Tribunal de

Relação, argumentado que “a cooperação nos feitos

crimes pertencentes aos Suplentes é uma cooperação

possível e não real nos processos que possam aparecer e

uma vez prevenida a jurisdição do doutor Juiz Municipal

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efetivo, por queixa de denúncia dada perante ele, nenhum

motivo parece existir para que o seu Suplente fique

prevenido igualmente e como que a espera de qualquer

emergência possível, Isto é tanto mais absurdo quanto se

vê que por semelhança lógica chegar-se-ia até de excluir-

se o advogado de ser vereador da Comarca, ou vice-

versa, porque como vereador corre a possibilidade de

funcionar no crime, como suplente do Juiz Municipal, em

circunstâncias que não são raras.”

A discussão apenas encobria divergência mais

forte e mais profunda entre Tobias Barreto e a Justiça da

Comarca de Escada. Tobias exercia, pela imprensa,

liderança social e sua presença no Fórum, quase sempre,

era uma festa. Em ofício de 24 de novembro de 1880 o

Juiz titular reclama ao Presidente da Província que

“aquele bacharel, confiado no grupo de adeptos que o

cerca, leva o tumulto e a desordem às audiências,

procurando convertê-las em praças públicas.” O

escrivão Antônio Joaquim Machado, em informação

prestada ao Juiz diz, em 12 de abril de 1880, que na

ocasião da defesa de um seu constituinte Manoel

Francisco de Barros – Tobias Barreto “foi caloro-

samente aplaudido por muita gente que se achava

presente.” O escrivão disse ainda que “seguiram-se mais

duas audiências, com grande número de pessoas, na

ocasião em que o doutor Tobias censurava o pro -

cedimento do Juiz e da parte, apareceram alguns

murmúrio aprobatórios.” Quem dá mais outro de-

poimento sobre as audiências nas quais Tobias Barreto

participava como advogado é o oficial e porteiro do

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Juiz, Manuel Thomaz de Albuquerque. Diz ele, em

Certidão de 12 de abril de 1880, que “as audiências do

Juiz Municipal têm sido mais ou menos tumultuadas,

isto porque o senhor doutor Tobias Barreto de Menezes,

tendo de estabelecer sua defesa em processo que por uso

indevido da imprensa está sendo instaurado por

denúncia do doutor Promotor Público, t em sido acom-

panhado à Casa das audiências por crescido número de

pessoas que por gestos, palavras e aplausos, tem

interrompido as audiências.”

É longa a lista dos registros que apontam a

popularidade de Tobias Barreto como advogado em

Escada, principalmente quando em sua própria defesa ou

na daqueles cujo direito patrocinava. Uma popularidade

incômoda para o Juiz Municipal que chega ao extremo

de requerer força policial para garantir o funcionamento

da Justiça, no que foi atendido com 24 praças do 14º

Batalhão de Linha, comandados por um oficial.

A vida forense de Tobias Barreto foi marcada,

toda ela, pelo tom polêmico de suas participações e pelo

sentido social dado ao direito e à administração da

Justiça. Toda a ação de Tobias Barreto nos Fóruns

pernambucanos está sendo objeto de levantamentos pelo

Instituto de Documentação da Fundação Joaquim

Nabuco, com o concurso colaborador do tobiático

Jackson da Silva Lima, autor da História da Literatura

Sergipana, e das pesquisadoras Tânia Amorim e Betty

Malta, já com vistas ao duplo evento de 1989, o

Sesquicentenário de Nascimento e o Centenário da

Morte do mestre da Escola do Recife.

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TOBIAS E A IDEOLOGIA

DO PROGRESSO

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Atualizar as forças de trabalho com os últimos

progressos da ciência e da técnica, nos domínios

superiores da atividade industrial; esclarecer que a

riqueza privada de quem quer que seja não fica exposta

a perigo algum pelo fato de procurar-se aperfeiçoar a

indústria existente, criar novas e contribuir para a

consecução de todos os melhoramentos necessários à

felicidade e bem-estar social; garantir o direito de

informação sobre qualquer processo industrial e

artístico; prestar assessoria jurídica em negócios

industriais e artísticos; fundar e manter Asilos

Agrícolas; Bancos Populares para os operários; bancos

Provinciais com juros moderados e pagamentos a longo

prazo; habilitar os industriais e artistas aos grandes

recursos que a adoção de máquinas pode proporcionar -

lhes; renovar o pensamento de tudo depender-se dos

Governos, como erro que os bons princípios econômicos

fulminam e condenam; e transformar e modificar o País

de acordo com as tendências e leis do progresso, eis, em

síntese, o enunciado de um compromisso, de caráter

ideológico, proclamado de janeiro a dezembro de 1883,

no Recife, através de O Industrial, revista de indústrias

e artes, de propriedade da Fábrica Apolo, de Antônio

Pereira da Cunha. Na redação, José Higino Duarte

Pereira, Tobias Barreto de Menezes, Barros Guimarães e

Graciliano Baptista, professores da Faculdade de

Direito, intelectuais, homens públicos.

O que é mutável caminha em direção do

progresso, ensinara Darwin, enquanto Spencer afirmava

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que a evolução era um progresso, um progresso que só

terminará com a maior perfeição e a mais completa

felicidade. Tais conceitos vigoravam e empolgavam o

tempo de Tobias Barreto, um dos redatores e a quem se

atribui grande parte do que está publicado nos 12

números de O Industrial. O Positivismo de Comte, o

Evolucionismo de Spencer, pareciam abrir caminho à

dialética materialista que afirmava a política, o direito,

a religião, a cultura científica e artística como

fenômenos de super-estrutura, variáveis segundo as

modificações da infra-estrutura econômica, pelos seus

teóricos Marx e Engels.

Sintônico com uma nova ordem de idéias, Tobias

Barreto e seus companheiros de redação faziam de O

Industrial porta-voz de novos tempos, reabilitando a

dignidade do trabalho, libertando o homem do papel de

motor, apresentando-o como condutor de forças. É de

Tobias Barreto a afirmação, bem a propósito, de que

“Não somos nós que temos tudo a esperar do futuro; é o

futuro que tem tudo a esperar de nós.” Mais do que

defender um ideário progressista, O Industrial assumir a

propaganda de maquinários, tanto aqueles oriundos de

várias partes, estampados nas páginas da revista, como

aparelhos fabricados nas oficinas da Fábrica Apolo ,

pensados e planejados para ajudar na agricultura e na

indústria.

O Industrial era o único no seu gênero e nasceu,

como disse Tobias Barreto no editorial de nº 1, de 15 de

janeiro de 1883, aceitando a missão que foi confiada, a

de buscar uma linguagem nova, atualizada pela ciência e

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pela técnica, para encarar e enfrentar velhos problemas,

como o da mão-de-obra escrava, responsável pela

exploração do campo, tanto em Portugal co mo no Brasil,

que limitava a indústria dos antigos. Enquanto o Brasil

seguia atrasado, aceleravam-se as descobertas e com

elas aceleravam-se, também, o progresso industrial. A

sensibilidade de Tobias Barreto diante da realidade do

seu tempo, que o fez inovador no campo da filosofia, do

direito, da crítica e da literatura, o levou também a

professar o progresso como base de uma evolução de

alterar, profundamente, a face de Pernambuco e do

Brasil.

A crença inspirou a muitas idéias, todas elas

enfeixadas numa única diretriz, a de organizar a

economia para a produção industrial. Amparado pela

ciência Tobias trouxe a idéia, o método, o modelo, na

tentativa de realizá-lo. No entanto, depois de um ano de

pregação progressista, O Industrial deixa de circular,

perguntando e concluindo: “Quem se importa com os

processos industriais e seus progressos O Industrial,

como se vê não pode viver no meio social existente, é

forçado a desaparecer: a atmosfera que o rodeia, não é

favorável à sua existência.” Assim, vencido pela

realidade, o jornal progressista de Tobias Barreto e de

outros circulava pela última vez no dia 15 de dezembro

de 1883, deixando para a posteridade o exemplo e o

testemunho de luta em favor do trabalho livre, em favor

do progresso, da industrialização do Brasil e da

organização social e cultural decorrente dessa faceta

ideológica.

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O Industrial era um instrumento revolucionário,

manejado por um pensador que dizia ser o “cidadão a

forma social do homem, como o Estado é a forma social

do povo.” A biografia de Tobias Barreto de Menezes

fica, pois, enriquecida pela sua participação como o

redator de O Industrial, ângulo diferenciado do seu

talento e da sua responsabilidade de intelectual

múltiplo.

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TOBIAS BARRETO E O

PRECONCEITO RACIAL

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Há quem acuse Tobias Barreto de “omisso” e de

“ausente” e até mesmo de “desafeto” da campanha

abolicionista, como o fez Evaristo de Morais Filho em

seu livro Medo à Utopia, de 1985. É mais que uma

injustiça, é uma inverdade. Tobias Barreto teve uma

participação insofismável na defesa da liberdade dos

negros, tanto pela poesia engajada na luta, como na

condição de advogado e de curador de escravos, em

Escada, como integrante da Sociedade Nova Eman-

cipadora, do Recife, como orador popular nos clubes

abolicionistas e nas festas em favor da libertação de

escravos, ou ainda com redator da revista de artes O

Industrial, que circulou no Recife de 15 de janeiro a 15

de dezembro de 883.

O que faltou dizer, a respeito de Tobias Barreto,

foi sobre o mais cruel preconceito racia l que marcou

suas relações em Pernambuco, tanto no Recife como em

Escada, com seus contendores. Mulato, que tantas vezes

exaltou a sua morenidade, Tobias Barreto recebeu, pela

imprensa, pelas cartas anônimas, insultos e apelidos que

diziam bem do clima inamistoso provocado pela sua

inteligência inovadora. Turco do Inferno, Tobias dos

Diabos, assim gritaram contra ele os que participaram

do cerco à sua casa, em Escada, em agosto de 1881.

Dois termos, mais que outros, visavam Tobias

Barreto, para marcá-lo racialmente: Cabra e Bode.

Termos que segundo o Vocabulário Pernambucano de

Pereira da Costa eram pejorativos de mulato e mestiço.

Soavam como as mais duras ofensas, numa sociedade

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escravocrata, formada por senhores de engenhos de

escravos, de cujo prestígio político ainda hoje se tem

notícia. Tobias Barreto conviveu, desde as primeiras

polêmicas que sustentou com os redatores de O Católico

e com alguns padres e seus defensores, com tais ofensas,

assumindo sua origem mestiça, sua mulatice sergipana.

Em Escada, no jornal O Desabuso, publica um

artigo intitulado “Fidalguias Pernambucanas”, no nº 4,

de 2 de outubro de 1875, ironizando com os seus

detratores. Diz ele: “O escritor destas linhas que não

tem outros títulos de nobreza, senão a honra dos seus

pais, está disposto a não apelar da sentença, com que

aqui se condenou a ser um cabra, no sentido

pernambucano da palavra. Assim fique assentado que eu

aceito o apelido.”

Em 1883, já no Recife, é chamado de “... animal,

ignorante, paquiderme, bode”, por Antônio de S iqueira

Carneiro da Cunha, encoberto pelo pseudônimo de

Hunger, que saiu em socorro dos padres maranhenses e

pernambucanos com os quais Tobias polemizava. Ao

responder Tobias Barreto dizia: “Deixe -se de tolices,

moço. S.S., não pode falar em bode, nem isto me

incomoda. Acho muito mais suave passar por cabra, do

que entrar em pesquisas genealógicas para saber quem

foram os meus vigésimos avós, que como o de qualquer

homem somam a bagatela de 2.097.155; e mostrar que

em todo este imenso batalhão de ascendentes não havia

macacos, nem bodes, nem perus, é um trabalho difícil.”

Na mesma polêmica com os padres do Maranhão

e de Pernambuco, Tobias desabafa: “Geralmente entre

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nós, as pequeninas mediocridades, quando são forçadas

a uma discussão pela imprensa se não apuram

branquidades, vem logo apurar gramática. Uma tolice é

igual a outra; pois ambas só denunciam a pobreza

intelectual de quem as praticam.”

O preconceito racial contra Tobias Barreto pode

ser avaliado pelas inúmeras provocações contidas nos

jornais recifenses, que ainda hoje podem ser

consultadas, Suas respostas, estão dispersas pelos

jornais que editou em Escada e pelos vários artigos,

reunidos em livros. Uma testemunha acima das paixões

das contendas literárias, religiosas ou políticas, e que

viveu os memoráveis tempos da Academia de Direito –

José Joaquim Seabra – atestou a dificuldade de Tobias

Barreto diante da sociedade pernambucana do seu

tempo. Em entrevista ao jornal A Tarde, de Salvador, de

3 de maio de 1939, J. J. Seabra diz que Tobias Barreto

teria sido “Combatido mais porque era mulato”. Seabra,

que foi colega de cátedra de Tobias, e que falou, em

nome da Congregação, no enterro do mestre sergipano

disse também, na mesma entrevista, que “Tobias era

vítima de uma ditadura – a dos preconceitos raciais,

como se fosse possível admitir no Brasil semelhante

disparate.”

O preconceito alimentava o insulto e este não

tinha limites. Doente, várias vezes seus desafetos

espalharam boatos da sua morte, enquanto outros

exploravam a sua doença sem qualquer piedade humana.

Tobias superou a tudo e a todos, pois sobreviveu ao

século e sua memória está vivíssima, provocando

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estudos e celebrações para o duplo evento do próximo

ano: o Sesquicentenário do seu Nascimento e o

Centenário de sua Morte, 100 anos depois da Abolição,

embora não de todo livre dos preconceitos, Tobias

Barreto pode ser lembrado como a grande vítima do

preconceito racial.

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TOBIAS BARRETO

E A REPÚBLICA

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Tobias Barreto não foi, certamente, um

republicano engajado, do tipo Martins Júnior. A idéia

republicana não vicejava na cabeça revolucionária do

fundador da Escola do Recife que, como a República,

também inspira celebração centenária. Abolicionista ele

foi, conforme está na memória da imprensa

pernambucana na bibliografia mais especia lizada e na

farta documentação reunida em Tobias Barreto a

Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade

plaqueta publicada no ano do Centenário da Abolição,

como forma de repor mais um justo pedaço de dignidade

a biografia do gênio mulato de Sergipe. Alguns críticos

foram responsáveis pela errônea informação sobre a

“ausência e omissão” de Tobias diante da questão

abolicionista. No caso da República não há, felizmente,

a mesma pecha infame. E no entanto, sem querer tornar

maior aquele que já é, reconhecidamente, grande, vale

reler, por oportuno, alguns escritos de Tobias Barreto,

muito especialmente seu ideário político – Os Homens e

os Princípios e Política Brasileira – de 1870 e as

Preleções de Direito Constitucional, de 1882, que

permaneceram inéditas por muito tempo, conservadas

por Gumercindo Bessa e Manoel dos Passos de Oliveira

Teles, discípulos que ouviram o mestre e anotaram em

aulas particulares.

Definindo-se contra a Monarquia, Tobias Barreto

não era, necessariamente, um republicano. Mas ninguém

n Brasil, entre 1868 e 1889, foi mais duro crítico da

Monarquia brasileira do que o autor de Dias e Noites.

Num dos seus escritos de condenação a escravidão,

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como instituição caduca, condenava pela mesma de -

crepitude a Monarquia. O combate ferrenho ao Império

foi permanente em seus poemas, discursos, artigos de

jornais, escritos vários, numa luta consequentemente

que ajudou, sem dúvida, a formar entre a mocidade uma

opinião nova, que fluiu para a pregação objetiva da

República. Seus grandes amigos e d iscípulos eram

republicanos, integravam clubes, dirigiam jornais e nas

ruas chamavam pela República, como Martins Júnior,

Graça Aranha, Sílvio Romero e muitos outros.

Compondo uma alegoria, para situar a forma de

governo, a partir da análise do artigo 3º da Constituição

de 1824, Tobias Barreto diz: “A questão velha e muito

debatida sobre a melhor forma de Governo não é uma

questão de verdade, é uma questão de beleza. Não é um

assunto de Ciência Social, é um assunto de Estética.

Formas não são verdadeiras nem falsas, são o que

são. A República deveras e uma forma de governo mais

bonita do que a Monarquia, mas nenhuma é mais

verdadeira ou mais falsa do que outra. É mais bonita e

vou dar razão. Os organismos vivos: as plantas, os

animais, são estudados em sua morfologia, isto é nas

formas de seus órgãos, e em sua fisiologia, isto é, nas

funções desses órgãos. É uma lei fisiológica que a

morfologia do organismo influi em suas funções, de sorte

que organismos mais ou menos desenvolvidos produzem

funções mais ou menos completas. Uma morfologia

produz uma fisiologia. A função depende da capacidade

do órgão. Ora, já vimos que o Estado é um organismo,

sua morfologia vem a ser a sua forma de governo. Sua

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fisiologia dependerá da capacidade da forma de seus

órgãos. Aplicando a Monarquia e a República, como

formas de governo, aqueles princípios, veremos que a

Monarquia, forma anacrônica, com seus apêndices

indispensáveis, dá como conseqüência funções morosas,

incompletas no organismo do Estado. A República, com

sua morfologia mais simples, mais desenvolvida, produz

incontestavelmente funções completas e rápidas. A

morfologia republicana é mais bela, esta razão. Acresce a

isto que a Monarquia, com seu estado perpétuo e

hereditário, é uma tutela política, desagrada ao povo,

porque ninguém quer ser dirigido pelos outros, e o

caráter da perpétua minoridade é ultrajante a nação. Por

isso a forma republicana é mais aplaudida, mas é sempre

uma forma, e não uma verdade.”

É de 1872, no entanto, sua frase mais incisiva,

tratado da República, retirada do seu caderno de apon-

tamentos – Notas a Lápis – inseridas em Vários

Escritos, edição do Governo de Sergipe, de 1926: “Um

dia virá que a escola dar-nos-á mães e esposas

republicanas e reanimara o vigor dos costumes, sem os

quais não pode existir um povo verdadeiramente

grande.” Tobias Barreto morreu no Recife, aos 50 anos,

no dia 26 de junho de 1889, cinco meses antes da

Proclamação da República, pelo Marechal Deodoro da

Fonseca de quem em 1887, ele disse:

“Vós sois do número desses

Que em prol da Pátria adorada

Abrem caminho as estrelas

Com a ponta da sua espada.”

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A ESCOLA DO RECIFE E A

PROPAGANDA REPUBLICANA

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A República deita raízes nos movimentos liber -

tários do Nordeste, sufocados pela repressão da Coroa

portuguesa e seus prepostos. Os primeiros líderes

republicanos são, também, os grandes mártires da pátria

nordestina. A partir de 1853 desponta, pela imprensa

alternativa, aquela das folhas distribuídas diretamente

ao povo, a figura de Romualdo Alves de Oliveira, com

seu O Artista Pernambucano, a informar O QUE É A

REPÚBLICA, artigo de fundo, dedicado à propaganda

de uma assembléia constituinte, chamado de Congresso

Republicano, para “Fazer as leis gerais para manter a

República; marcar os limites dos territórios dos Estados;

fixar os gastos gerais de toda República; estabelecer as

contribuições; regular sua arrematação e tomar conta do

governo de sua inversão; contrair dívidas para o bem

público, e cuidar também de liquidá-las; determinar as

forças de mar e terra e a cota de homens que deve dar

cada Estado; criar e suprimir empregos; aumentar a

ciência, as artes, a agricultura; regular os pesos e

medidas sem prejuízo dos nacionais; promover a

ilustração geral; proteger a liberdade de imprensa;

dirigir a pública prosperidade; ditar as leis conducentes;

afirmar a independência da nação e sua segurança;

procurar conservar a paz, a boa ordem nas Províncias;

sustentar a igualdade proporcional dos direitos e

obrigações que todos têm perante a lei.”

Antes de tornar-se pensador, Tobias Barreto foi,

no Recife, orador do povo, poeta das massas, de-

volvendo aos pernambucanos a capacidade de orga-

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nização e de luta. O mote do poeta era a guerra contra o

Paraguai, recrutando voluntários, levantando a

mocidade, engajando a Faculdade de Direito, da qual

Tobias era, aquele tempo, aluno. Na mesma medida que

exalta a “cabocla civilizada”, evoca as personagens da

história, que ficaram no tempo como exemplo da

bravura pernambucana que o Recife sempre expressou.

Tobias Barreto deixa na alma do povo nas ruas do

Recife a chama revolucionária da democracia, e faz,

pela imprensa, a sua profissão de fé liberal, como

partidário e como teórico da organização política.

No jornal O Liberal, Tobias Barreto escreve uma

série de artigos sob o título de Os Homens e os

Princípios, no início de 1870. No mesmo ano, no jornal

O Americano, publica diversos editoriais, mais tarde

reunidos sob o título geral de Política Brasileira. Faz,

em notas soltas e em outros artigos de fundo, a

propaganda republicana e divulga, com exclusividade no

Recife, o Manifesto do Clube Republicano da Corte. Ao

mesmo tempo, abre espaço para a reprodução de

discursos e artigos do político espanhol Emílio Castelar.

Deixando o Recife para fixar residência em Escada,

Tobias Barreto inicia, daquele local do interior

pernambucano, a publicação de suas apreciações críticas

sobre o Poder Moderador, a partir da leitura de textos do

Conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcelos e do doutor

Braz Florentino, falecido Presidente da Província do

Maranhão.

Em Escada, a partir de 1874, publica pequenos

jornais e funda o Clube Popular Escadense, no qual

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pronuncia o célebre Um Discurso em Mangas de

Camisa, radiografando a realidade escadense e propondo

a organização do povo como forma possível de vencer a

adversidade econômica. Ao retornar ao Recife, em 1881,

encontra a cidade aberta às suas idéias filosóficas,

germânicas, científicas e jurídicas, consagradas no

Concurso para Lente Substituto da Faculdade de Direito,

onde firma com a mocidade a mais duradoura al iança

intelectual. Aqueles jovens enfeitiçados pela sabedoria

do mestre integram a geração dos abolicionistas e dos

republicanos, assumindo as duas campanhas nos velhos

corredores da Escola. Crescia, sob a liderança inte-

lectual de Tobias Barreto, dentro e fora da Faculdade de

Direito, a Escola do Recife, com seu caráter

emancipador.

Sílvio Romero, Fausto Cardoso, alunos e amigos

de Tobias Barreto, ao lado de outro sergipano, Felisbelo

Freire, ao lado de outros, fundaram em Laranjeiras,

pequena cidade sergipana, produtora de açúcar e onde

havia sido fundada a primeira Igrega protestante, em

1884, o Clube Republicano e um jornal dedicado à

propaganda. Os três tiveram, com a República, lugar

destacado no cenário nacional. Felisbelo Freire foi

Ministro da Fazenda e das Relações Exteriores do

Governo de Floriano Peixoto. E foi Governador de

Sergipe. Fausto Cardoso participou do Governo de

Felisbelo Freire, em Sergipe, e foi deputado federal.

Sílvio Romero também foi deputado federal por Sergipe.

No Recife, Martins Junior, Artur Orlando e outros

integrantes da Escola do Recife assumiram papéis

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definidos na fase da propaganda e depois de proclamada

a República. Outros discípulos de Tobias Barreto, ao

voltarem para seus Estados, levaram a idéia republicana

e todo o múltiplo ideário da Escola do Recife.

A República resultara, assim, de longo processo

de luta, fermentado no tempo, e finalmente decidido

pela participação armada de figuras que ganharam a

honra nacional de combatentes na Guerra do Paraguai e

em outros episódios que mereceram cantos e louvores de

alguns dos poetas da Escola do Recife. Mais do que

combater a Monarquia, para Tobias Barreto uma

instituição caduca, a Escola do Recife alicerçou a

República, finalmente proclamada em 15 de novembro

de 1889, poucos meses depois da morte do fundador e

mestre Tobias Barreto de Menezes.

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TOBIAS BARRETO E AS

CAUSAS DA LIBERDADE

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Há, ainda, muito o que se aprender com Tobias

Barreto. Sua poética engajada, servindo de panfleto nas

ruas do Recife, nos anos 60 do século passado, tendo

como mote a ida dos batalhões de nordestinos para a

luta contra o Paraguai, reflete um momento peculiar da

vida pernambucana, devolvendo ao povo derrotado dos

movimentos de 1817, 1824, 1842 e 1848, a capacidade

de empreender uma nova luta. A guerra com o Paraguai

foi o canal, o dreno, o suspiro às aspirações de

liberdade, mais tarde novamente empunhadas em defesa

da libertação dos escravos, pela voz de Castro Alves,

Tobias Barreto, em crítica aberta ao clero e em favor da

Maçonaria envolvida com o Bispo Dom Vital na

Questão Religiosa, novamente com Tobias Barreto, e

com Vitoriano Palhares, ou na pregação contra a

Monarquia e em favor da República, mais uma vez com

Tobias Barreto, e com Martins Junior.

O jornalismo de Tobias Barreto tem, também,

forte apelo participativo e social. Em 1870, por exem-

plo, ao participar da redação dos jornais O Liberal, A

Crença e O Americano, não apenas faz sua profissão de

fé liberal, defendendo a liberdade como fundamento da

ordem, como abriga todo o ideário abolicionista e

republicano. Em defesa da libertação dos escravos. O

Americano publica, precedendo de elogiosos comentá-

rios, a brochura de 1825, de José Bonifácio de Andrada

e Silva, com projeto sobre a libertação da escravatura no

Brasil. Depois publica, em diversos números, a partir de

11 de setembro, o longo discurso pronunciado por

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Emílio Castelar, em defesa da abolição imediata da

escravidão. Sempre noticiando o andamento da pregação

abolicionista, o jornal de Tobias Barreto publica,

comentando, projeto de A. Cochin – A Abolição da

Escravidão. Muitos outros informes, defesas e pro -

pagandas estão nos números de O Americano, entre

junho e dezembro de 1870, quando de propriedade e

redigido por Tobias e por Minervino A. de S. Leão.

A partir de 20 de novembro de 1870 abre espaço

para a propaganda republicana, tratando do Manifesto

do Clube Republicano da Corte, para o qual chama a

atenção dos leitores. A citação de Hegel e a linguagem

indicam, sem erro, que as notas editoriais, como outras

tantas que publicou e mais tarde organizou sob o título

de Política Brasileira, são da lavra de Tobias Barreto.

Até que seja encerrado o ano de 1870 os comentários

estão centrados na idéia da República. A partir do

afastamento de Tobias Barreto, que logo no início de

1871 transfere sua residência do Recife para Escada, no

interior pernambucano, o jornal perde sua clareza

combativa, seu engajamento objetivo em favor da

abolição e da República, duas causas abraçadas pelo

sergipano.

Em Escada, ainda como jornalista, To bias edita e

distribui com o povo, diretamente nas feiras, seus

pequenos jornais, defendendo o povo escadense, vítima

da açucarocracia, classificação dada aos 120 senhores

de engenho que dominavam o município, divididos em

conservadores e liberais. A ousadia de alguns artigos,

como os publicados no jornal Contra a Hipocrisia, que

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denunciam o conluio entre a justiça e os senhores de

terra e de escravos, leva Tobias Barreto a responder

processo por crime de imprensa. O alforriamento de

escravos do espólio do seu sogro contraria o poder local

e Tobias tem a sua casa cercada, sua integridade física

ameaçada, resistindo de arma na mão, até não mais

poder. De volta ao Recife, mais do que o jornalista

engajado, o político do Clube Popular Escadense, com

seu célebre Um Discurso em mangas de Camisa, de

1877, que tanto é um preciso diagnóstico da realidade

social escadense, como um libelo em favor da reação

popular à dominação, convive em Tobias o germanista,

disposto a abrir, com todo o vigor de sua competência

intelectual, novos caminhos ao entendimento do direito,

da filosofia, da religião, da cultura e da crítica.

Afinado com as mais revolucionárias e novas

idéias que dominam o mundo sábio de então, Tobias

Barreto empolga, em 1882, a mocidade nordestina que

cursava Direito na Faculdade do Recife, Derrubando

velhas teorias, fechando surrados compêndios, e

oferecendo o poder das novas idéias, Tobias Barreto

iniciou a mais profunda das transformações, a da

cultura, criando a Escola do Recife, desdobrando-a com

as gerações de abolicionistas, republicanos, federalistas,

socialistas, que tanto aplaudiram e deram quorum as

idéias de Tobias Barreto na Faculdade, como levaram

para as suas Províncias e Estados o que de mais novo e

revolucionário havia no Brasil. No Amazonas e no Pará,

no Maranhão, no Piauí, no Ceará, no Rio Grande do

Norte, na Paraíba, em Pernambuco, em Alagoas, em

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Sergipe, na Bahia, e em outros lugares do País os

seguidores e descendentes de Tobias Barreto e da Escola

do Recife levantaram bem alto o estandarte das causas

libertárias e progressistas, com as quais a sociedade

brasileira tem procurado reagir a todas as formas, velhas

e novas, de dominação. Ninguém serviu mais que Tobias

Barreto às causas da liberdade no Brasil. O duplo evento

do Sesquicentenário de seu Nascimento e Centenário de

sua Morte – 7 de junho e 26 de junho – permite ao

Brasil de hoje conviver com o pensamento de Tobias

Barreto, conferindo a sua atualidade.

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O POETA EM SALVADOR

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São muitas as ligações de Tobias Barreto com a

Bahia. O genial mulato sergipano, nascido na então Vila

de Campos, nos sertões do Rio Real, em 7 de junho de

1839, teve parentes, mestres, amigos e seguidores

baianos. O condoreirismo poético, o germanismo, e a

pregação abolicionista são três vertentes da ação

tobiática, que aproximam o pensador sergipano com a

Bahia. É quase ignorada a presença de Tobias, em 1861,

de março a dezembro, em Salvador, onde deveria tornar -

se aluno da Faculdade de Medicina da Bahia, como

querem alguns críticos de suas obras, entr e eles Aluízio

Bezerra Coutinho, no seu recente e notável A Filosofia

das Ciências Naturais na Escola do Recife. São poucas,

até agora, as informações sobre os quase dez meses

vividos por Tobias Barreto na capital baiana e nem ele

próprio, nas cartas auto-biográficas que dirigiu, em

1880, ao seu conterrâneo Carvalho Lima Júnior, ou

“Aos moços sergipanos, estudantes da Faculdade de

Medicina da Bahia”, em dezembro de 1882, a quem iria

dedicar seu livro Estudos Alemães, esclareceu sobre o

fazer cultural baiano.

Devem estar nos jornais baianos da época a

colaboração de Tobias Barreto em Salvador.

Dificilmente ele passaria por uma cidade como a capital

baiana sem deixar o fulgor de sua presença. Em Maceió,

quando em 1862 seguia de Sergipe para Pernambuco,

deixou pelo menos dois poemas: um, recitado em

improviso após uma apresentação teatral de homenagem

a Camões, outro – Veni de Libano, Sponsa Mea –

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deixado no Diário do Comércio, de 28 de novembro de

1862. Na Bahia Elziário da Lapa Pinto (1839-1897),

poeta segipano, companheiro de José Maria Gomes de

Souza, outro vate patrício, (1839-1892), a quem Jackson

da Silva Lima, em sua História da Literatura Sergipana,

atribui a sua condição de líder sergipano de uma escola

poética condoreira. Escola à qual estaria filiado o

Elziário da Lapa Pinto e o próprio Tobias Barreto, como

se verificará mais tarde, já no Recife, quando encanta as

ruas da “cabocla civilizada” com seus versos sociais e

engajados, tendo como parceiro o baiano Castro Alves.

Ao chegar ao Recife, portanto, Tobias levara uma poesia

nova, forte, capaz de estabelecer uma comunicação

direta, imediata, com o povo nas ruas, nos teatros,

clamando por liberdade, tendo como rotunda a guerra

contra o Paraguai. Em Sergipe como na Bahia, em

contato com José Maria Gomes de Souza e com Elziário

da Lapa Pinto, Tobias Barreto assume a influência que

Victor Hugo espalha pelo mundo.

Castro Alves seria seu parceiro, seu amigo, e

mais tarde seu rival. É de Castro Alves, em carta a

Augusto Álvares Guimar~\es, de 24 de fevereiro de

1868, a expressão “tubiático”. Diz Castro ao amigo

distante: “Escrevo-te para dizer que não te escrevo. Isto

está tubiático.” A aparente gozação remete a uma

constante do pensamento de Tobias Barreto, o raciocínio

dialético, com o qual cumpriu uma das ma is amplas e

ricas contribuições ao País, como líder da Escola do

Recife, berço do culturalismo e de outras tantas

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novidades que serviram ao desenvolvimento da cultura e

da ciência no Brasil.

Outro traço característico da obra de Tobias

Barreto, o germanismo, parece ter raízes no seu

convívio baiano com o parente Francisco Moniz Barreto

de Aragão, que era diplomado em direito e em filosofia

pela Universidade de Heidelberg, e que propagou,

através de jornais como O Monitor, Diário da Baia,

Gazeta da Bahia, Diário de Notícias e Jornal de

Notícias, a cultura alemã, em artigos sobre filosofia,

crítica, política, finanças, economia política e literatura,

além de publicar Das Verfassungs – Wesen in Brasilien.

Francisco Moniz Barreto de Aragão era o pai de Egas

Moniz, o Phetion de Vilar, o grande poeta baiano,

professor de alemão do Ginásio da Bahia, redator da

Revista do Grêmio Literário e considerado o “único

escritor brasileiro que hoje (1903) estuda com

perseverança e entusiasmo o germanismo e continua a

obra de Tobias Barreto”,no dizer de Arno Philipp,

redator-chefe da Deutsche Zeitung. O germanismo de

Tobias chegou a Minas Gerais com Augusto Franco, ao

Ceará, com Virgílio Brígido e José Carlos Júnior, ou

ainda no Rio Grande do Sul, através do jornal Koseritz

Deutsche Zeitung, dirigindo por Carlos von Kosetitz.

Como Castro Alves, Tobias Barreto também

abraçou a causa abolicionista, tanto como poeta, quanto

como jornalista, redigindo o seu próprio jornal – O

Americano – em 1870, dedicado à propaganda da

libertação de escravos, ou como advogado e Curador de

Órfãos e também de escravos, em Escada, ou alforriando

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escravos do espólio do seu sogro, ou, por fim, como

integrante da Sociedade Nova Emancipadora, en-

carregada da libertação dos negros no Recife, da qual

assina Manifesto, em 1883, não sem antes ser seu

orador, na recepção ao compositor Carlos Gomes, em

1882, ocasião em que foram libertados alguns escravos,

adquiridos pelos fundos levantados nas récitas dos

intelectuais pernambucanos e nordestinos. Os docu-

mentos que comprovam a participação de Tobias

Barreto, na campanha abolicionista estão em Tobias

Barreto, A Abolição da Escravatura e a Organização da

Sociedade, que publiquei no Recife, em outubro de

1988.

Em defesa de Tobias Barreto, de quem fez o

elogio à beira do túmulo, em nome próprio e em nome,

por sua conta e risco, da Congregação da Faculdade de

Direito, sai, em entrevista ao jornal A Tarde, em 3 de

maio de 1939, o velho colega da Faculdade, J.J. Seabra,

lembrando que o sergipano “era vítima de uma ditadura

– a dos preconceitos raciais, como se fosse possível

admitir no Brasil semelhante disparate.” Ao teste -

munhar, 50 anos depois do desaparecimento do colega,

que Tobias foi “combatido mais porque era mulato”

Seabra repara a injusta pecha que pesava na biografia do

fundador da Escola do Recife. Outros baianos, como

Almáchio Diniz, Virgílio de Lemos, mantiveram vivo,

na Bahia, o nome de Tobias Barreto. Sua morte no

Recife, no dia 26 de junho de 1889, despertou a

sensibilidade baiana, como lembra Cid Teixeir a em

Bahia em Tempo de Província, ao tratar de espetáculo

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do Circo Chileno, na Festa de Caridade em benefício da

viúva e dos filhos de Tobias Barreto, no dia 9 de julho

de 1889, no Polyteama Bahiano.

Muitos são, portanto, os laços de Tobias Barreto

com a Bahia, revividos agora quando o Brasil celebra o

duplo evento do Sesquicentenário do Nascimento e

Centenário de Morte do pensador sergipano, respon-

sável, segundo o insuspeito depoimento de Graça

Aranha, pela emancipação intelectual do País.

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TOBIAS BARRETO E O BRASIL

QUE ELE QUERIA NOVO

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A história do pensamento brasileiro remete, com

freqüência, Tobias Barreto, o sábio mulato sergipano,

nascido em 7 de junho de 1839 e que morreu no Recife,

na mais absoluta miséria, em 26 de junho de 1889. É

que Tobias teve a sensibilidade de distinguir na fonte do

pensamento mundial as águas mais novas, capazes de

causar maior impacto no contato com os brasileiros. A

Europa pensante alimentava o Novo Mundo através da

França, da Espanha e de Portugal. Coube a Tobias

Barreto, mais que a outros, e de forma sistemática,

trazer ao Brasil a Europa alemã, justamente aquela que

Emile Brehier, em sua Histoire de la Philosophie(1)

(Tomo II, página 573), interpreta os novos rumos do

pensamento, na marca da segunda metade do século

XIX.

Ao filiar-se ao germanismo Tobias Barreto

deslocou o Brasil do foco da influência ibérica e

francesa. E trouxe ao convívio acadêmico, dos jornais, o

pensamento renovado pelo tempo: o espírito crítico e de

análise, que se manifesta em honra de Kant e de

Condilac; a filosofia pura; a crítica em substituição a

metafísica; a física e a química substituindo a filosofia

da natureza; a política prática; econômica e social em

lugar do Profetismo e do Messianismo. É a época de

Renan e de Marx Müller, de Taine, de Renouvier, de

Cournet e dos Neokantianos, do Socialismo marxista, e

das favoritas doutrinas que dominaram a época: o

Darwinismo, e o Evolucionismo de Spencer.

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As forças que controlavam a informação, a

educação e a cultura em Pernambuco, na segunda

metade do século XIX, que tinham como cruzados os

professores Autran da Mata Albuquerque, Braz

Florentino, José Soriano de Souza, estavam filiadas ao

velho Tomismo, e, graças a presença de padres jesuítas,

ao Neotomismo de procedência francesa, que vivia

ancorado na Revista Contemporânea de Paris. Todos

esses religiosos, no dizer do próprio Tobias, tinham uma

“grave missão. É de fabricar no Recife o melhor

contraveneno das idéias perigosas.”(2)

O livro síntese do

pensamento dominante em Pernambuco está no livro do

professor José Soriano de Souza, Lições de Filosofia

Elementar, Racional e Moral, editado em Paris, em

1871, que mereceu de Tobias Barreto uma série de

artigos sob o título de O Atraso da Filosofia entre nós.

Depois de agitar, sob a emoção da guerra contra o

Paraguai, o povo nas ruas do Recife, alimentando-o de

novas idéias libertárias, com versos como estes:

“A Pátria somos nós”,

“... Para que tudo estremeça

Basta erguer-se uma cabeça

Cheia de revolução.

Ergueu-se: foi decepada

Ergueu-se outra: caiu

Mais outra: ainda calcada

Ao longe um brado se ouviu

Era o espírito das matas

Os turbilhões democratas

Que a liberdade produz

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Fazendo os tronos vergarem

E os reis se descoroarem

Cortejando a nova luz.”(3)

Tobias Barreto faz sua profissão de fé liberal,

ingressa no Partido dos liberais, transfere sua residência

para Escada, no interior pernambucano – um município

cercado por 120 engenhos de açúcar – e lá, como

advogado e como redator de pequenos jornais que

distribui com o povo nas feiras, dá in ício ao seu

trabalho de demolição do pensamento dominante e das

práticas políticas, jurídicas e sociais vigorantes. Domi-

nando, como autodidata, a língua alemã, Tobias Barreto

edita o jornal Deutscher Kaempfer, em 1875, e as

monografias Brasilien Wie es ist Literarischer hinsicht

betrachtet, em 1876, e Ein offner brief an die deutsce

presse, em 1878, nas quais faz uma vigorosa análise da

realidade brasileira, da economia escravocrata, res -

ponsabilizando a Monarquia pelo descalabro do Brasil.

A crítica contida nas duas monografias – O Brasil como

ele é sob o ponto de vista literário e Carta aberta à

imprensa alemã – tem o sentido de contradizer a im-

prensa alemã, que tratava com bom governante e como

homem ilustrado e aberto o Imperador Pedro II, então

em viagem pela Europa.

Também em Escada, em 1877, Tobias Barreto

funda o Clube Popular Escadense e nele pronuncia Um

discurso em Mangas de Camisa, no qual faz uma síntese

da situação do povo escadense, animando-o a se levantar

em busca da liberdade, da riqueza e da justiça. Na

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esteira do seu Clube e da sua pregação, é eleito

deputado à Assembléia Provincial, biênio 1878/79, e lá,

dentre outras coisas, faz a defesa da educação da

mulher, revelando-se atualizado com o pensamento mais

novo do direito, da filosofia e da ciência. Por fim, em

1881, quando alforriou escravos deixados pelo seu

sogro, teve sua casa cercada e sua vida ameaçada pelos

dirigentes e pela justiça escadense, por quem já havia

sido processado, enquadrado em delito de imprensa,

abandonando a cidade e voltando ao Recife, não sem

antes narrar os fatos e apontar os responsáveis.

Em 1882 faz concurso para Lente Substituto da

Faculdade de Direito do Recife e assombra, com suas

idéias, o mundo acadêmico. Os estudantes tomam o seu

lado e ocupam as salas e os corredores da Faculdade

como se estivessem conhecendo, pela primeira vez, os

caminhos da liberdade intelectual, da emancipação

mental, com todas as possibilidades de desdobramentos

na vida prática. A partir do concurso de Tobias Barreto,

momento singular da formulação da Escola do Recife, o

Brasil mudou. Os conceitos antigos, como os

compêndios em uso nas escolas pernambucanas e

nordestinas, foram trocados. A ciência de Darwin,

aperfeiçoada por Ernest Haeckel, era a arma de luta

contra os postulados da fé dominante. A religião, o

direito, a psicologia, a educação, a sociologia, a

economia política, a filosofia, o trabalho livre, nada

escapava ao exame crítico de Tobias Barreto. Dezenas

de autores, principalmente alemães, entravam em

circulação no Recife, pelos jornais e nas cátedras, na

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mesma medida em que novos conceitos e novas áreas de

estudo e de preocupação entravam em cena, mudando o

Brasil. Ao morrer, em 1889, Tobias Barreto deixou em

sua casa mais de 200 obras de autores alemães, das

quais 170 já estão catalogadas na Biblioteca da

Faculdade de Direito do Recife, entre elas o Das

Kapital, de 1883, em 2 volumes, citados algumas vezes

pelo mestre sergipano, a partir de 1884. E deixou uma

geração de seguidores: abolicionistas, republicanos,

democratas, federalistas, socialistas, que continuaram a

revolução intelectual que Tobias Barreto empreendeu

em Pernambuco, espalhando-a por todo o Nordeste, pelo

Norte e por outras partes do País, como um imenso

legado de idéias, muitas delas de maior atualidade.

NOTAS

(1) Presses Universitaires, Paris, 1932, citado por Antônio

Sánchez de Bustamante y Montoro em La Filosofia Clasica

Alemana en Cuba – 1841-1898. Editorial de Ciencias Sociales,

Havana, 1984.

(2) Tobias Barreto concorreu, em 1867, com José Soriano de

Souza à cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano, sendo

aprovado em primeiro lugar, embora o nomeado fosse o professor

José Soriano, pelo fato de ser casado e Tobias solteiro.

(3) A obra poética de Tobias Barreto está reunida no livro Dias

e Noites, um dos 10 volumes das Obras Completas editadas pelo

Governo de Sergipe, em 1926.

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TOBIAS BARRETO E

O MARANHÃO

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São muitos os laços de Tobias Barreto, o genial

mulato sergipano que renovou o pensamento nacional

com sua Escola do Recife, síntese de uma vasta obra de

cultura e de crítica, nos campos da literatura, da reli-

gião, da filosofia, do direito, da arte, com o Maranhão.

Certamente aquela Província constava da poética en-

gajada, quando diante de jovens que formavam os

batalhões de guerra, Tobias exortava o amor à Pátria, na

peleja contra o Paraguai. Foi em 1868, no entanto, a sua

primeira relação com o Maranhão, através das anotações

que fez, quando ainda estudante, às Teses dissertadas,

naquele ano, pelo bacharel Luiz de Souza da Silveira,

tendo como tema o artigo 5º da Constituição do Império,

combinando o fato de uma religião de Estado com o

princípio de liberdade de consciência. Mais do que as

anotações, que não são poucas, Jackson da Silva Lima

sugere, no seu Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto,

que também o texto da dissertação tem claramente, o

dedo de Tobias.

O ano de 1882 divide a história mental do Brasil.

Tobias Barreto, afamado como poeta, tendo já publicado

Dias e Noites, Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica,

um jornal em alemão, expandindo o germanismo que

abraçou e com o qual percorreu uma evolução constante

do pensamento universal, também se fazia mestre do

direito. Não apenas por ganhar o Concurso de Lente

Substituto da Faculdade do Recife, mas por levar para

aquela velha Casa as novas idéias do direito, no bojo

das novas idéias sobre a cultura e sobre as sociedades.

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Ali, naquele cenário vestuto, entre lestes e catedráticos,

Tobias eletrizou o auditório de jovens nordestinos. Um

deles, meninote ainda, atira-se nos braços do mestre:

Graça Aranha, natural do Maranhão, a quem o Brasil

iria dever, mais tarde, a renovação de sua estética

literária. De Tobias, Graça Aranha diria, em 1931, no

seu O Meu Próprio Romance, que “emancipara

intelectualmente o Brasil.”

Um ano mais tarde, em 1883, o discurso de

paraninfia, numa Colação de Grau, pronunciado por

Tobias Barreto mereceu ser transcrito no jornal

maranhense O País, sob a direção do pai de Graça

Aranha. A concepção monística do direito fascinara a

muitos, mas provocara uma forte e desmedida reação

por parte do jornal Civilização, de São Luiz, do qual

eram redatores o padre Raimundo Fonseca, o Monsenhor

Guedelha Mourão, e o poeta Euclides Farias. O jornal

maranhense, encarnando o sentimento religioso mais

tradicional, irrompe contra Tobias, em série de artigos

que provocam a célebre polêmica, por todo o segundo

semestre de 1883, da qual tratou o também maranhense

Josué Montelo (A Polêmica de Tobias Barreto e os

Padres do Maranhão).

O Diário de Pernambuco, do Recife, republicou

os artigos da polêmica, transcrevendo A Civilização,

bem assim as críticas assinadas por Lourenço Gomes

Furtado, em versos, sob o título de Carta a Pai Tobias.

Soube-se, mais tarde, que aquele nome fictício encobria

a ação do poeta Euclides de Farias. Tobias usou do

mesmo Diário para sustentar a disputa, respondendo aos

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ataques, muitos dos quais grosseiros e preconceituosos.

Ao mesmo tempo, Tobias Barreto fazia publicar

diversos artigos, de fundo germânico, que enalteciam a

contribuição do e Lutero e da fé reformada para o

desenvolvimento da ciência e da cultura. Era sua forma,

muito pessoal, de polemizar, em duas frentes.

No final do século, já Tobias morto, Graça

Aranha presta-lhe uma grande homenagem, fundando na

Academia Brasileira de Letras a Cadeira de Tobias

Barreto. Aquele bravo maranhense guardava a memória

do pensador sergipano, dando-lhe a imortalidade do

sodalício nacional, ao lado das mais eminentes figuras

do País. De lá para cá a Cadeira de Tobias tem sido

ocupada por diversos brasileiros ilustres: Santos

Dumont, Celso Vieira, Maurício de Medeiros, José

Américo de Almeida e José Sarney. Coube justamente a

este último, maranhense como Graça Aranha, ouvir do

Governador Antônio Carlos Valadares e dos senadores

Albano Franco, Francisco Rollemberg e Marco Mac iel,

o clamor de justiça, em nome das novas gerações de

brasileiros, em favor da edição das Obras Completas de

Tobias Barreto, comemorativas do Sesquicentenário de

Nascimento e Centenário de Morte, eventos de 1989.

O Presidente da República ouviu e atendeu,

determinando ao Ministério da Cultura, através do

Instituto Nacional do Livro, a edição das obras de

Tobias, cuja organização, para o INL, fora feita, na

década de 60, pelos críticos Antônio Paim e Paulo

Mercadante. Hoje, quando o sr. José Sarney vem a

Sergipe apresentar as suas despedidas, trás consigo os

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primeiros exemplares dos volumes editados pelo

convênio INL/Editora Record. E os entrega, com a

emoção de um maranhense, com a alegria de ser ele o

ocupante da Cadeira de Tobias na ABL, e com a

responsabilidade de ser Presidente da República, dando

ao momento um caráter simbólico forte, que reata as

antigas relações de Tobias Barreto com o Maranhão.

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TOBIAS BARRETO

NAS ALAGOAS

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Em dois momentos especiais de sua vida –

quando viajava de sua terra natal, a Província de

Sergipe, para estudar no Recife, e quando viajava em

busca de cura para a sua doença, no ano de sua morte –

Tobias Barreto fez parada e demorou-se em Maceió, na

então Província das Alagoas. A primeira vez, em

novembro de 1862, era um jovem professor de Latim,

licenciado, que ia para o Recife matricular -se na

Faculdade de Direito. Na escala do Porto de Maceió

Tobias Barreto aproveita para freqüentar as rodas

intelectuais, colaborar na imprensa e publicar poesias. O

Diário do Comércio, de 28 de novembro, publica o

longo poema Veni de Libano, Sponsa Mea, de 15

estrofes, que não figura em Dias e Noites, livro que

reúne sua produção poética. No dia 29 de novembro, do

mesmo ano de 1862, assiste à exibição da Sociedade

Dramática Particular Maceioense, e ao fim do drama de

Burgian – Luiz de Camões – Tobias Barreto gritou:

“Camões à cena”, pedindo a presença no palco do ator

que representou o grande gênio poético português,

diante de quem recitou versos dedicados ao autor de Os

Lusíadas. O fato está registrado, na edição de 2 de

dezembro, pelo Diário das Alagoas.

Mesmo residindo no Recife e em Escada, em

Pernambuco, Tobias Barreto tem muitos dos seus

trabalhos, em verso e em prosa, publicados por jornais

alagoanos, de Maceió e de outros pontos da Província.

Sua fama de poeta social, condoreiro, de jornalista

político, de profissão de fé liberal, de crítico da religião

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e de germanista, chega às Alagoas e repercute nos meios

intelectuais e entre os jovens alagoanos, que mais tarde,

na Faculdade de Direito do Recife, travam contato

pessoal com o pensador sergipano, como foi o caso de

Ana Sampaio, que em 1889 era uma das poucas

mulheres cursando Direito na Faculdade do Recife, à

Casa de Tobias, de onde ele lançou as bases definitivas

para o movimento de renovação intelectual que ficou

conhecido como Escola do Recife.

No dia 18 de março de 1889, bem doente, Tobias

Barreto, acompanhado de um de seus filhos, embarca no

Porto do Recife, no paquete Alagoas, com destino ao

Rio de Janeiro, em busca de melhorar sua saúde. Já não

lia e nem escrevia, mas dirigiu, aos seus amigos que

compareceram ao embarque, estas palavras de des-

pedidas: “É preciso não deixar em silêncio até que me

seja permitido agradecer pessoalmente, a generosidade

da Província das Alagoas, da cidade do Recife, do povo

de Escada, da colônia alemã, o desvelo dos médicos, a

dedicação dos amigos, sobretudo aqueles amigos que

passaram as noites em claro, curando-me não tanto pelas

frias prescrições da ciência como pela poderosa força do

desejo de verem-me são.”

Em viagem, Tobias piora e desce na escala de

Maceió, no dia 19 de março. Forma-se uma junta

médica, formada pelos doutores Costa Leite, Antônio

Francisco Gouveia e Jambeiro. O jornal Orbe, de 22 de

março e de 24 de março, noticia a presença do ilustre

doente, registrando o zelo dos médicos e os carinhos de

amigos e admiradores que fazem visita ao mestre da

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Escola do Recife, como a acadêmica Ana Sampaio e sua

irmã D. Maria Lúcia Duarte. Frustrada a viagem para o

Rio de Janeiro, a mais longa que empreenderia, Tobias

Barreto retorna ao Recife, no dia 26 de março,

acompanhado do advogado José Ferrão, redator da

Revista do Norte, da qual o sergipano era um dos

colaboradores. O vapor costeiro Sergipe zarpou de

Maceió levando de volta ao Recife o doente que teria

apenas mais três meses de vida. Em 26 de junho de

1889, às 10:30 horas, morreu Tobias Barreto, deixando

viúva e 9 filhos. As subscrições, que já existiam em

muitas Províncias em auxílio quando de sua prolongada

doença, eram novamente um mote que levava jovens e

intelectuais às ruas, levantando recursos para as

despesas com o funeral e com a sobrevivência da

família.

No dia 3 de julho de 1889, no jornal O

Movimento, da Matriz de Camaragibe, Fernandes Lima

desabafa emocionado: “Quem poderá crer que o astro

mais fulgurante, centro do sistema planetário do

desenvolvimento científico e literário do nosso País,

fosse buscar o seu ocaso na penumbra de uma cova

estreita. É sem dúvida uma aberração pensar-se que um

Himalaia de saber de desfizesse num momento para

circunscrever-se a sete palmos de terra. A imortalidade

de Tobias vai começar agora, porque os grandes

homens, di-lo Madame de Stael, são contemporâneos

dos séculos futuros, por seus pensamentos.” Finalizando

o seu artigo, que foi escrito no dia 29 de junho,

Fernandes Lima conclama: “Vingar -lhe a memória,

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continuando a sua obra de reação poderosa dentro do

círculo de ferro das pequenas e doentias aspirações dos

nossos compatriotas, é o nosso dever. Moços, seja o

nome do Mestre Imortal a nossa bandeira de guerra.”

Alagoas continuo destacando a memória do poeta,

pensador do direito, da filosofia, da cultura e da

organização da sociedade, e numa pequena rua do bairro

Bebedouro, em Maceió, ainda está afixado o nome de

Tobias Barreto, invocado ho je em honra do

Sesquicentenário de seu Nascimento – 7 de junho – e do

Centenário de sua Morte – 26 de junho – como glória

intelectual do Brasil.

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TOBIAS BARRETO E A

EDUCAÇÃO DA MULHER

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Parte da vida cinqüentenária de Tobias Barreto

foi dedicada à educação. Ainda em Sergipe, em Lagarto

e Itabaiana, foi professor de Latim, com uma titulação

passada para toda a Província. No Recife dedicou-se ao

magistério particular e tentou, por três vezes, o ingresso

no ensino secundário: duas vezes concorreu à cadeira de

Latim, do Curso Preparatório da Faculdade de Direito,

perdendo para o seu conterrâneo e parente, o padre Félix

Vasconcelos Barreto, e uma vez à cadeira de Filosofia

do Ginásio Pernambucano, passando em primeiro lugar,

mas sendo preterido pelo Governo, que deu preferência

ao professor José Soriano de Souza, que obteve o

segundo lugar, pelo fato de ser casado e Tobias solteiro.

Nos seus jornais, dedicou atenção especial ao problema

da educação da mulher e, em geral, à condição feminina,

como um pioneiro ainda hoje atual com sua visão

inovadora e algumas vezes revolucionária. Seu trbalho

sobre A Alma da Mulher, de comentário a Die Psyche

des Weibes, de Adolpho Jellinek, judeu alemão,

pregador da sinagoga de Berlim, editado em 1873, é um

libelo em favor da educação feminina, tema familiar ao

autor do projeto nº 129, na Assembléia Provincial de

Pernambuco, criando o Partenogógio do Recife.

Quando deputado, representando o Partido

Liberal e o eleitorado de Escada, no biênio 1878/79,

Tobias Barreto se envolveu na discussão parlamentar,

principalmente com o médico Malaquias Antônio

Gonçalves, em defesa de um auxílio, a ser dado pelo

Governo da Província, no valor de cem mil réis, para

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que Josefa Felisbela de Oliveira pudesse estudar

medicina nos Estados Unidos ou na Suíça. Além de

defender a concessão do auxílio, Tobias Barreto

apresentou uma emenda em favor de outra moça, Maria

Amélia Florentina, para o mesmo estudo no exterior. No

calor da discussão, Tobias Barreto refutou, um a um, os

argumentos utilizados pelo dr. Malaquias para vetar o

auxílio, todos eles inferiorizando a mulher.

Para realçar sua defesa, Tobias Barreto chama a

atenção do Plenário e especialmente do dr. Malaquias,

dizendo: “Nós sabemos da grande importância, do

grande desenvolvimento, que tem tido a doutrina da

Seleção Natural de Darwin, sobretudo reformada e

engrandecida em mais de um ponto por Ernest Haeckel.

Pois bem: entre as leis da conformação ou adaptação

indireta, de que fala Haeckel, está em primeiro lugar

aquela que ele chama da adaptação individual, segundo

a qual os indivíduos de uma mesma espécie nunca são

totalmente iguais.” E arremata: “E sendo assim, como,

querer-se, comparando a mulher com o homem, deduzir

de pequenas diferenças no órgão do pensamento uma

enorme distância entre um e outro na capacidade

intelectual? É inadmissível.” Tobias Barreto ganhara a

questão e sua emenda, aprovada, garantia a Maria

Amélia Florentina o direito ao auxílio da sua Província

para estudar medicina no exterior.

Enquanto discutia, em várias sessões legislativas,

o Projeto 61/79 dos auxílios, Tobias Barreto apresentou,

debaixo de longa justificativa, o seu Projeto de Lei, nº

129, criando o Partenogógio do Recife, estabelecimento

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público, de cultura literária e profissional para as

moças, dividido em duas Escolas: Escola Média, ao

modelo alemão das Mittelschule, e a Escola Superior, a

Honore Schule. O Projeto foi lido na sessão de 28 de

março de 1879 e aprovado em primeira discussão no dia

2 de maio do mesmo ano. O que movia Tobias, segundo

ele próprio, era os ensinamentos de Frederico

Diesterweg, que com Pestalozzi e Froebel, integrava

uma tríade de pedagogos modernos, ao dizer que “A

liberdade do povo, e a felicidade do povo, pela cultura

do povo, não pode ser conseguida por meio de instrução

parcial, ministrada a um só sexo.”

A novidade não estava na criação de uma escola

feminina, pois já existia no Recife a Escola Normal,

atendendo, naquele ano de 1879, a 42 alunas. Mas, sim,

na criação de uma Escola Superior, ao lado de uma

Escola Média, pois equivaleria a libertar a mulher

daquela condição de portadora de uma certa cultura da

vaidade, formada por um pouco de música, um pouco de

desenho e pelo gaguejar de uma ou duas línguas

estrangeiras, como fixa, em sua justificativa, o próprio

Tobias, abonado por Eduardo von Hartmann.

Quando o Projeto voltou ao Plenário da Assem-

bléia para a segunda discussão, em 5 de março de 1880,

já Tobias Barreto não era deputado. A defesa coube ao

Barão de Nazaré, também signatário do Projeto, que

enfrentou a reação forte do deputado Ermírio Coutinho,

para quem o projeto não acautelava suficientemente a

moralidade do sexo feminino. O deputado baseava-se no

fato de que o Projeto autorizava, num dos seus artigos,

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que o Governo da Província, enquanto não dispusesse de

condições para construir o Partenogógio, matriculasse as

suas alunos no prédio do Ginásio Pernambucano. A

proximidade das moças do Partenogógio do Recife com

os poucos alunos, crianças e rapazes, do Ginásio

Pernambucano representava, na visão do deputado

Ermírio Coutinho, uma promiscuidade. Utilizando-se de

teoria sobre a influência do clima no desenvolvimento

físico e nas paixões, o crítico demove o Plenário e faz

aprovar requerimento do deputado Ayres Gama,

remetendo o Projeto de Partenogógio do Recife para a

Comissão de Instrução Pública, de onde nunca mais

voltou.

Em 1881, quando escrevia sobre o rabino

Jellinek, Tobias Barreto evoca o seu Projeto, mas não

comenta as razões da rejeição à sua idéia de uma Escola

Superior para o sexo feminino. A hegemonia do homem

sobre a mulher, os preconceitos, e as formas dominantes

de cultura abordaram a criação do Partenogógio do

Recife, muito embora não tenham arrefecido a

disposição do pensador sergipano em continuar

defendendo a mulher, sua cultura elevada, sua condição

social. No jornal-revista O Industrial, em 1883, Tobias

Barreto volta a dedicar-se à causa da educação da

mulher e a sua preparação para o trabalho,

emancipando-a economicamente. No conjunto de sua

obra, Tobias Barreto põe a mulher em lugar destacado,

tanto pela ótica da poética, como da filosofia, da

ciência, e do direito.

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TOBIAS BARRETO E O

COMPROMISSO DEMOCRÁTICO

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A biografia de Tobias Barreto de Menezes

(1839/1889)(1)

é uma lição coerente de compromisso

democrático. Desde que chegou ao Recife, na segunda

metade do século XIX, para estudar direito, que

assumiu, nas ruas da capital pernambucana, a

paternidade panfletária, restaurando a coragem de lutar

das gentes frustradas com as seguintes derrotas de 1817,

1824, 1842 e 1848. A guerra do Paraguai serviu de mote

para que Tobias Barreto revelasse o poeta social,

condoreiro, inflamando a massa com versos como estes:

“Patrícios, o drama é sério...

Junto ao trono armas erguei,

Nós mesmos somos o Império,

Nós mesmos somos o Rei.”(2)

Em 1870, combatendo em outra frente, a dos

jornais – O Liberal e O Americano – Tobias faz sua

profissão de fé política, engajando-se no Partido

Liberal. Os artigos Os Homens e os Princípios e

Política Brasileira, publicados nos dois jornais

recifenses servem de ideário para uma geração inteira de

jovens bacharéis que reforçam os quadros políticos da

Província.

O jornal O Americano, de sua propriedade e

redação, juntamente com Minervino Leão, é uma tribuna

aberta à propaganda abolicionista e republicana. Tobias

Barreto assume, como o fizera nas ruas como poeta, a

sua condição de abolicionista da primeira hora.

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Em 1871, fixa residência em Escada, termo da

Comarca de Vitória de Santo Antão, mais tarde

Comarca. Ali, com sua própria tipografia, edita alguns

jornais para distribuir com o povo, nas feiras, nas

ruas.(3)

Funda, em 1877, o Clube Popular Escadense e

nele profere a magistral Um Discurso em Mangas de

Camisa, convocando o povo escadense para reagir

àquilo que ele classificava de exploração da

açucarocracia. A antológica pela literária é, ainda hoje,

um roteiro de crítica social, um correto diagnóstico da

realidade nordestina, e um caminho válido de ração aos

donos do Poder.

O eleitorado de Escada o elege deputado |à

Assembléia Provincial. Lá, entre muitos momentos de

eloqüência, faz a defesa da liberdade da mulher e da

educação feminina, não apenas defendendo o direito de

uma moça pernambucana ir aos Estados Unidos ou à

Suíça estudar medicina, mas também tentando criar uma

escola superior, o Partenogógio do Recife, dedicada às

mulheres.

Depois de cumprir um biênio, que era o tempo

que durava um mandato de deputado à época,(4)

Tobias

Barreto conseguiu ser eleito vereador em Escada,

trocando o mandato, no entanto, pela nomeação para o

cargo de Juiz Municipal Substit uto. Sua atuação forense,

como advogado, como Curador de Órfãos e como Juiz, é

marcada pela mesma disposição de luta que caracterizou

o poeta e o jornalista.

Em conflito com a Justiça, com a Igreja e com o

Poder em Escada, Tobias Barreto enfrentava forte

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reação da parte do Barão de Frexeiras – Antônio dos

Santos Pontual – chefe político local. Ao alforriar

escravos do inventário do seu sogro, o coronel João

Félix dos Santos, Tobias atraiu para si a fúria dos

senhores de escravos, que cercaram a sua casa e

ameaçaram a sua integridade física e de sua família.

Sem ter como resistir, mais do que fizera, de arma em

punho ao libertar os escravos, Tobias Barreto retorna ao

Recife, em agosto de 1881.

Em 1882 faz concurso para Lente Substituto da

Faculdade de Direito do Recife e consegue, com suas

teses defendidas nas provas escrita e oral, os aplausos

arrebatados nos jovens estudantes. Funda-se, defi-

nitivamente, um movimento de renovação do pen-

samento do Brasil.(5)

A condição humana, a organização

social, o direito, a filosofia, tudo passa por trans-

formações profundas, através da síntese cultural

realizada por Tobias Barreto, em nome das novas idéias

sobre a sociedade, sobre o direito, sobre a filosofia.

Trava-se naquele cenário nordestino do Brasil, a mais

árdua e profícua luta entre a fé e a ciência, eman-

cipando, como diria mais tarde o escritor Graça Aranha,

um dos jovens embevecidos por Tobias Barreto,

intelectualmente o País.(6)

Os jovens seguidores do genial mulato sergipano

passaram a integrar, no Recife ou nas suas Províncias,

quando regressavam de férias, as gerações de abo -

licionistas, republicanos, federalistas, democratas, so -

cialistas, provocando uma ebulição social de grande

repercussão na parte norte do Brasil. Os compêndios

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com os velhos autores tomistas, escolásticos ou neo-

tomistas, foram substituídos pela leitura de Comte,

Rousseau, Darwin, Haeckel, Kant, Hartmann, Marx,

Bakunin, e muitos outros que balizaram a reação

cultural da Escola do Recife.

A morte de Tobias Barreto, em 26 de junho de

1889, não significou o fim do movimento intelectual que

patrocinou. Sob sua inspiração o País, já republicano,

redigiu seu próprio Código Civil, através de Clóvis

Bevilácqua e de outros seguidores da Escola do Recife.

Os jornais e revistas, as Faculdades livres de Direito, as

entidades culturais, proliferaram como legado propulsor

de Tobias Barreto, destinados a conquistar a liberdade e

a democracia, a justiça e a prosperidade.(7)

Não é sem razão, portanto, que Tobias Barreto

ainda representa um ideário de novidades, justo agora

quando o Brasil procura encontrar saídas para o futuro.

Voltar a Tobias é, no mínimo, retemperar a crença na

luta, tendo como arma do combate o compromisso

democrático, ou a construção, pela sociedade orga-

nizada, da Pátria brasileira.

NOTAS

(1) Tobias Barreto nasceu na então Vila de Campos, no sertão de

Rio Real, em Sergipe, no dia 7 de junho de 1839.

(2) A obra poética de Tobias Barreto está reunida no livro Dias e

Noites.

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(3) Em Escada, Tobias Barreto editou e redigiu os seguintes

jornais: Um Signal dos Tempos, A Comarca de Escada, Devaneio

Literário, O Desabuso, O Povo de Escada, O Escadense, Aqui pra

Nós,A Igualdade, Contra a Hipocrisia, O Martelo e a Revista

Estudos Alemães.

(4) Tobias Barreto foi deputado à Assembléia Provincial de

Pernambuco no biênio 1878/1879.

(5) O movimento liderado por Tobias Barreto passou a ser

conhecido como Escola do Recife.

(6) Graça Aranha – O Meu Próprio Romance, 1931.

(7) Sobre a repercussão das idéias da Escola do Recife em outras

partes do País ver Tobias Barreto e seus seguidores, série de artigos

de Luiz Antônio Barreto, publicados na Gazeta de Sergipe, de 4 a 22

de março de 1989.

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A EDIÇÃO DOS LIVROS

DE TOBIAS BARRETO

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Em vida, de 1875 a 1889, Tobias Barreto

publicou 13 obras, desde livros fundamentais, como os

“Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica”, “Menores e

Loucos”, “Dias e Noites”, “Questões Vigentes de

Filosofia e de Direito”, até suas Teses, Dissertações,

Monografias em alemão, Comentários mais tarde

incorporados a outros volumes. Em maior volume do

que fizera publicar, Tobias deixou esparsos e dispersos

pelos jornais e revistas, dezenas de ensaios, críticas,

poesias, reflexões, e muitos inéditos, manuscritos, parte

dos quais fora inteiramente perdida. Sílvio Romero,

amigo fraterno e discípulo, tentou ordenar as Obras de

Tobias Barreto, publicando alguns volumes, su-

bordinados a um Plano extenso, que tem servido, até

hoje, de base para a visão crítica da obra do pensador

sergipano.

Os volumes publicados por Sílvio Romero foram:

Estudos de Direito, em 1892, Dias e Noites, 1893,

Vários Escritos, 1900, Polêmicas, 1901. Enfrentando

muitas dificuldades, Sílvio desistiu de levar adiante seu

Plano, morrendo em 1914, antes de Graccho Cardoso,

simpatizante da Escola do Recife, desde os tempos de

aluno da Escola Militar do Ceará, de orientação

positivista, eleito Presidente de Sergipe, encarregar

Manoel dos Passos de Oliveira Teles de organizar a

Obra tobiática. Um trabalho penitente, minucioso,

seguindo o Plano de Sílvio Romero, foi executado no

Recife pelo antigo aluno, resultando na preparação de

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10 volumes, editados pelo Governo de Sergipe, com a

casa Editora Pongetti, em 1926.

As obras completas organizadas por Manoel dos

Passos de Oliveira Teles tem os seguintes volumes:

Estudos de Direito, I e II, Filosofia e Crítica, Estudos

Alemães, Vários Escritos, Polêmicas, Discursos,

Menores e Loucos, Questões Vigentes e Dias e Noites.

Foi a primeira tentativa de sistematização da obra do

fundador da Escola do Recife, que contou com a

colaboração de João Barreto de Menezes, filho de

Tobias, Arquivista da Faculdade de Direito e grande

intelectual em Pernambuco. As falhas e omissões,

compreensíveis e perdoáveis, não invalidam o esforço

de Oliveira Teles em reunir parte do farto trabalho

intelectual de Tobias Barreto.

A edição de 1926 foi a mais durável, a mais

conhecida e citada, sendo responsável, por isso mesmo,

pela permanência de Tobias Barreto. Desde aquela

época e até a década de 60, quase nada houve de edição

nova, salvo os honrosos encômios de Antônio Simões

dos Reis, o velho bibliógrafo sergipano, doublé de

editor no Rio de Janeiro. Ou ainda a investida da

Editora Progresso, da Bahia. Coube ao Instituto Na-

cional do Livro, desde os anos 60, retomar o assunto da

obra de Tobias Barreto. Possivelmente Hermes Lima,

que obteve projeção política e espaço no Poder, influiu

para que o INL editasse alguns volumes, soltos, em

formato de bolso, enquanto encarregava a Paulo Merca-

dante e Antônio Paim a elaboração de um novo Plano

editorial para as obras do mestre sergipano.

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Em 1968 os dois eminentes pesquisadores e

críticos do pensamento brasileiro fizeram entrega de um

Plano. Aliás, mais do que um Plano, eles conceberam e

planejaram minuciosamente, volume por volume, a nova

versão das Obras Completas de Tobias Barreto, em 12

volumes, a saber: Introdução Geral, por Hermes Lima,

Estudos de Filosofia, I e II, Estudos de Direito, I e II,

Estudos Alemães, Monografias em Alemão, Crítica de

Religião, Crítica de Literatura, Crítica Político-Social,

Depoimentos, Dias e Noites, Destes, apenas foram

editados a Introdução Geral e os Estudos de Filosofia.

Dez anos depois, graças a sensibilidade do Governador

José Rollemberg Leite, houve uma tentativa de edição,

pelo Governo de Sergipe, das Obras Completas, se-

gundo o Plano de Paim e Mercadante, cujos originais

estavam em poder do Instituto Nacional do Livro.

A edição de 1978, de 9 volumes, ficou abaixo da

expectativa, porque não teve qualidade gráfica, não

circulou, e não foi completa. Saíram os seguintes vo -

lumes: Depoimentos, Estudos Alemães, Monografias

(apenas uma apesar do título plural) em Alemão, Dias e

Noites, Estudos de Direito, I e II, (edição separada),

Crítica de Literatura e Crítica de Religião, 7 editados

em Brasília e 2 em Aracaju. Ficava faltando do volume

de Crítica Político-Social, os Estudos de Filosofia e a

Introdução, de Hermes Lima. Novamente o INL, ao

ensejo do Sesquicentenário de Nascimento e Centenário

de Morte de Tobias Barreto, tomou a frente na

organização de uma nova edição, esta comemorativa,

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das Obras Completas, partindo do Plano de Paulo

mercadante e Antônio Paim.

A Edição Comemorativa, que tem Direção-Geral de

Luiz Antônio Barreto, tem os seguintes volumes: Estudos

de Filosofia, Estudos de Direito, I, II e III, (Tobias no

Foro), Crítica Política e Social, Crítica de Religião, Crí-

tica de Literatura e Arte, Estudos Alemães, Monografias

em Alemão e Dias e Noites. 10 volumes, cada um deles

com apresentação do Ministro da Cultura, José

Aparecido de Oliveira, do Presidente da República , José

Sarney que ocupa a Cadeira 38 da Academia Brasileira

de Letras, cujo Patrono é Tobias Barreto, uma

Biobibliografia por Luiz Antônio Barreto, uma

Introdução e uma Fortuna Crítica, reunindo avaliações

criticas de várias épocas, sobre os diversos aspectos da

obra tobiática.

A Edição Comemorativa das Obras Completas de

Tobias Barreto inova em termos de acréscimos de textos

até então inéditos e esparsos, muitos dos quais foram

recentemente publicados por Jackson da Silva Lima, que

é colaborador da Educação. Eis, volume por volume o

que há de novo: Em Estudos de Filosofia, o

reordenamento cronológico dos textos e a atualização

das Notas, sobre a origem dos textos. Em Estudos de

Direito, I e II, o acréscimo de textos que estavam em

outros volumes, e o complemento de ensaios publicados

de forma incompleta. O volume III de Direito é

inteiramente inédito, e reúne os Escritos Forenses e os

artigos em defesa do direito, publicados nos jornais

recifenses. Dos Estudos Alemães foram retirados os

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artigos de crítica musical, acrescidos outros, niti-

damente germânicos, além da correspondência com

intelectuais da Alemanha. O volume de Crítica Político-

Social passou a ser de Crítica Política e Social, abrindo-

se para inéditos de Tobias sobre a vida brasileira, sobre

os movimentos sociais do seu tempo, como a libertação

dos escravos, e a organização da sociedade, a partir da

sua experiência e participação em Escada. No volume de

Crítica de Religião são restauradas as duas grandes

polêmicas, sobre religião, de Tobias. Uma, co m o dr.

Pedro Autran da Mata Albuquerque, do jornal O

Católico, a outra, com os padres e agregados do jornal

maranhense Civilização. A primeira, em 1870, a se-

gunda, em 1883, transcrita pelo diário de Pernambuco,

do Recife. O volume de Crítica de Literatura e Arte,

ampliado com a parte de crítica, musical. As mono-

grafias em Alemão, desta vez as duas – O Brasil, como

ele é, considerado do ponto de vista literário, e Carta

Aberta à Imprensa Alemã – traduzidas por Vamireh

Chacon. E finalmente Dias e Noites, em edição crítica,

cotejada verso a verso pela maestria de Jackson da Silva

Lima, além de consideravelmente aumentada.

A Edição Comemorativa, sob a Direção Geral de

Luiz Antônio Barreto, pretende ser a mais completa das

Obras Completas de Tobias Barreto. Os primeiros

volumes, editados pelo INL, pela Editora Record, do

Rio de Janeiro, já estão prontos para lançamento,

cumprindo-se, a mercê do atendimento que deu o

Presidente da República ao pleito do Governador An-

tônio Carlos Valadares e dos senadores Albano Franco e

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Francisco Rollemberg, a mais importante e definit iva

homenagem ao gênio mestiço que Sergipe deu ao Brasil

nos meados do século passado e que ainda é hoje, como

bem o disse Mário Cabral, “um farol de brasilidade.”

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AS OBRAS COMPLETAS

DE TOBIAS BARRETO

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A publicação de Obras Completas de Tobias

Barreto (10 volumes, Editora Record/INL/Governo de

Sergipe) dá ao mundo intelectual brasileiro uma

oportunidade de travar contato com a visão plural,

interdisciplinar e inovadora do poeta, jornalista, crítico

e pensador sergipano, que alvoroçou a segunda metade

do século passado com sua presença inquieta no Recife,

capital intelectual do Nordeste e do Norte do Brasil.

Mesmo tendo sido um autor festejado, que publicou

parte de sua obra em vida, e que teve edições póstumas

organizadas por eminentes figuras como Sílvio Romero,

Hermes Lima, Paulo Mercadante e Antônio Paim, e

ainda como o sergipano Manoel dos Passos de Oliveira

Teles, Tobias Barreto não penetrou na Universidade

brasileira.

A Universidade brasileira, a rigor, é posterior a

Tobias. E as Universidades Católicas foram criadas com

o sentido de combate às idéias novas, as quais os nomes

de Tobias Barreto esteve sempre associado. Sergipe tem

essa particularidade interessante, a de dar ao Brasil a

tese e a antítese, na figura de Tobias, o monista, forma

de materialismo haeckeliano, aperfeiçoado por Ludwig

Noiré, e de Jackson de Figueiredo, cujo projeto prin-

cipal de sua atuação cultural foi o de recristianizar a

literatura brasileira, ou, mais adequadamente, reca-

tolicizar os escritores do Brasil, que estavam afastados

do seio da Igreja, atraídos pelas novidades que a ciência

e a filosofia traziam continuamente, pondo o conhe -

cimento em permanente ebulição.

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Tobias, foi, a princípio, professor de Latim em

algumas vilas de Sergipe. No Recife montou cursos

particulares de diversas matérias e fez nome de pro -

fessor. Em 1882 ingressou no magistério superior, ao

ser aprovado no concurso para a Faculdade de Direito

do Recife, de onde elevou ao mais alto grau de sua

competência a revolução mental empreendida com suas

observações críticas sobre a literatura, a religião, o

direito, a filosofia e a ciência política. Para tanto, To -

bias contou com dois aliados: o germanismo, ferramenta

de trabalho crítico, e a mocidade da Faculdade de Di-

reito do Recife, que representava a ânsia pela novidade

que o mestre, pela palavra, colocava ao alcance de

todos.

Longe de ser uma forma pedante de expressão, o

germanismo de Tobias Barreto tinha uma nítida intenção

de superar o tempo que empoeirava as estantes da

Faculdade e das bibliotecas. O germanismo não apenas

permitiu a Tobias trazer para o Brasil o século XIX, ou

a contemporaneidade da cultura, como deu os novos

parâmetros para a compreensão de todo o espectro

cultural. Subsidiariamente, escrever em alemão signi-

ficava pular a fogueira das nulidades, para travar um

contato direto com quem produzia a reflexão mais nova,

no mundo. Assim, norteando a sua própria reflexão,

Tobias elegeu seus guias intelectuais, estudando e

divulgando obras e tomando por empréstimos métodos e

atitudes, para ser, de viva voz, na cátedra do Recife,

portador das novidades que, no dizer de Graça Aranha,

emanciparam intelectualmente o Brasil.

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Georges Brandes, crítico dinamarquês, inspirou

Tobias no estudo da Literatura Comparada, como Rudolf

von Jhering foi mentor no campo do Direito, Ernest

Haeckel, Ludwig Noiré e Emanuel Kant foram, no

campo da Filosofia, as mais permanentes inspirações de

Tobias, Hermam Post, na Antropologia Jurídica, e

Ewald, no âmbito da Crítica Religiosa. Tobias teve

outros mestres, porque percorreu, como poucos no seu

tempo, um percurso enorme de contato com o que de

mais expressivo e novo existia no mundo, naquela

quadra especial da vida econômica e social dos povos,

quando Karl Marx, uma de suas leituras de economia

política, revolucionou a concepção do Estado, criando

outra vertente do materialismo, engrossando a fileira das

referências que mudaram o mundo.

Como poeta, Tobias ocupa lugar especial na

história literária, com seus poemas de guerra, ao tom

condoreiro, sob inspiração clara de Victor Hugo, onde

bebeu igualmente Castro Alves. Como jornalista, Tobias

foi um historiador das idéias. Como crítico, função

permanente, atendeu ao método e ao interesse da

história, da ciência e da evolução da sociedade,

construindo uma obra que é repositório de muitos

saberes, e referência especial na bibliografia da

organização da sociedade e da cultura. Para Tobias a

cultura era um compromisso, não no sentido beletrista,

mas naquele sentido transformador, que modifica a

natureza, para o bom e para o belo, o que não deixou de

ser maus uma das antecipações, que deram ao pensador

sergipano lugar destacado.

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Em vida, ele teve como ser, perante os moços da

Faculdade de Direito do Recife, um farol, cobrindo de

luz os caminhos que sua palavra nova desbravava.

Morto, ele teve os seus seguidores, nos mesmos moços

da velha escola. As gerações da Escola do Recife se

sucederam e realizaram, tanto em Pernambuco, como na

Paraíba, como no Ceará, no Maranhão, no Rio Grande

do Norte, em Alagoas, na Bahia, em Sergipe, no Piauí,

transformações que dão ao mestre a glória da imor-

talidade. Cada Estado tem, no registro da história,

guardado os nomes que honraram o mestre. Não é

preciso citá-los, por enquanto.

Com a edição especial das Obras Completas Tobias

renasce para o ingresso, ainda que tardio, no ambiente

universitário brasileiro, onde no mínimo causará espanto,

pela atualidade de seus escritos, pela potência de sua

palavra profética, pela condição de intelectual, em rebite a

um ambiente impróprio à semeadura das idéias, porque

dominado pela boçalidade dos senhores de terra, de

escravos e de poderes, como foram os senhores dos 120

engenhos de açúcar de Escada, que formavam, na sábia

denominação cunhada por Tobias, a açucarocracia.

Estudos de Direito, I, II e III, Estudos Alemães,

Crítica Política e Social, Crítica de Religião Crítica de

Literatura e Arte, Monografias em Alemã, Estudos de

Filosofia e Dias e Noites (poesia) formam os 10

volumes das Obras Completas, todos eles anotados,

acrescidos de inéditos e esparsos, com introduções e

estudos críticos que ampliam a avaliação de toda a

produção tobiática.

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TOBIAS BARRETO

E A IMPRENSA ALEMÃ

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Tobias Barreto teve a acuidade intelectual de

perceber que a Alemanha produzia uma cultura nova e

inovadora, diversa do repertório difundido ao Novo

Mundo, da Inglaterra. Desde1870 que Tobias deu-se de

amores ao pensamento alemão, reformando, ele próprio,

o conhecimento eclético e positivista próprio da

formação e do seu tempo. Na crítica de religião já se

vale do livro de Heinrich Ewald – História do Povo de

Israel – edição em 8 volumes, de 1864, refutando a

posição dogmática do jornal O Católico, redigido pelo

conselheiro Pedro Autran da Mata Albuquerque.

Durante o período de Escada, de 1871 a 1881, o

germanismo foi permanente na leitura e da divulgação

de obras de Eduard von Hartmann, e de outros autores

de filosofia, de Rudolf von Jhering, no âmbito do

direito, e ainda Kant, Noiré, Lange, Haeckel, e mais

muitos outros autores, no casto campo da preocupação

intelectual do pensador sergipano.

Em 1875 editou seu próprio jornal em língua

alemã – Dier Deutsche Kaempfer – como órgão de

propagação do germanismo no Norte do Brasil. No ano

seguinte escreve, em alemão, uma monografia sobre o

Brasil, sob o ponto de vista literário e em 1878 faz a

Carta Aberta à Imprensa Alemã, traçando um perfil

sócio-econômico e cultural do Brasil, desmistificando a

imagem que o Império, pela figura bonachona de Pedro

II, difundia na Europa. Também no ano de 875 publica o

seu livro de Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, de

tendência, nitidamente alemã, citando diversos autores,

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inclusive o então desconhecido Karl Marx. Em 1880

edita a Revista de Estudos Alemães, da qual retira o

prólogo e alguns artigos para o livro Estudos Alemães,

publicado em 1883, ano particularmente feliz para

Tobias Barreto, pelo seu encontro com o Príncipe

Henrique, em visita ao Brasil.

O germanismo rendeu glórias e tristezas a Tobias

Barreto. A glória de ser reconhecido por diversas

personalidades alemãs, que destacaram a personalidade

e o labor mental do sergipano, com citações altamente

elogiosas e lisonjeiras, como a do célebre Ernest

Haeckel ao dizer que Tobias parecia pertencer à raça

dos grandes pensadores. E também a glória de ser, no

Brasil, mentor de uma revolução cultural que abalou os

alicerces da vida nacional, dando um novo rumo ao

processo do conhecimento. As tristezas decorreram,

certamente, da inveja, e do sectarismo de muitos

professores, padres, jornalistas, políticos, inconfor-

mados com os desdobramentos culturais da ação da

Escola do Recife, mesmo porque a orientação germânica

carregava os vetores condenáveis àquele tempo, o do

conhecimento científico, que desbancava a hegemonia

da educação religiosa, e o do racionalismo atribuído aos

protestantes, especialmente os luteranos.

Nos momentos mais críticos das refregas cul-

turais, Tobias recorria ao manancial das citações, notas

e correspondências de autores alemães, refreando a

sanha dos seus adversários. Em 1883 fez publicar, no

Diário de Pernambuco, cartas de autores alemães, todas

muito favoráveis ao seu labor intelectual. Nos jornais

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saíram pequenas notas e comentários sobre a mani-

festação da imprensa alemã a respeito de Tobias Bar -

reto. Não apenas a imprensa alemã das províncias do

Sul do Brasil, com especial destaque para a Koseritz

Deutsche Zeitung, de Porto Alegre, dirigida, até 1881,

por Karl von Koseritz, e depois por Hermann von

Jhering, mas também jornais e revistas editados em

cidades alemãs, que sempre manifestaram curiosidade

sobre a vida e a obra de Tobias Barreto.

Tobias não guardou esses exemplares da imprensa

alemã a seu respeito. Não há, no Recife, qualquer sinal

das publicações citadas pelo próprio Tobias e pelos seus

biógrafos. Vamireh Chacon não localizou na Alemanha

qualquer evidência sobre o pensador sergipano, achando

que o País, passando por duas grandes guerras, viu

destruído parte do seu acervo cultural. Agora, no

entanto, graças aos esforços do professor e pesquisador

italiano Mário G. Losano, autor de um trabalho sobre o

germanismo de Tobias Barreto – La Scuola di Recife e

l’Influenza Tedesca Sul Diritto Brasileiro – foi

localizada a revista Gartenlaube e produzida a página

70, do ano de 1879, dedicada a Tobias Barreto . Trata-se,

na verdade, de um artigo de Alfred Waldler – este era o

pseudônimo de Albert Willhelm Sellin – sobre Tobias

Barreto e seu jornal Deutsche Kaempfer.

Na sua segunda visita a Sergipe (a primeira foi

em junho de 1990) Mário G. Losano trouxe, para o

acervo do Memorial Tobias Barreto, cópia, em papel

fotográfico, da matéria sobre Tobias Barreto publicada

na Gartenlaube. A ilustração central da matéria é uma

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xilogravura, por Adolf Neumann, a partir de fotografia

tirada pela casa alemã que atendia à família imperial

brasileira, cujo original está em álbum, no Museu

Imperial de Petrópolis, do qual foram tiradas cópias

para o instituto Histórico e Geográfico do Brasil, no Rio

de Janeiro, e o Memorial Tobias Barreto em Aracaju.

A parte referente à pessoa de Tobias Barreto,

escrita por Albert Sellin, está vazada nos seguintes

termos, de acordo com a tradução de Marcela Varejão, a

partir do texto italiano do próprio Mário Losano:

“Mas agora basta de citações dos escritos

de Tobias Barreto de Menezes.” Depois do que

foi dito até aqui, não deverá haver nenhuma

dúvida sobre o fato de que estamos diante de uma

personalidade fora do comum e significativa.

Surge, portanto, a questão: quem é efetivamente

esse Tobias Barreto de Menezes? A resposta vem

parcialmente no retrato aqui publicado. Um

primeiro correr de olhos constata que nos en-

contramos diante de um mulato, daqueles que se

acham freqüentemente em todos os países ame-

ricanos com a população mista de europeus e

africanos, e dos quais teve ocasião de admirar

constantemente a inteligência. A testa extraor-

dinariamente alta, os olhos inteligentes, os deci-

didos contornos da boca nos fazem compreender

logo que nesse corpo tomou forma uma

quantidade de inteligência à qual não devemos

faltar com nosso respeito.”

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A reprodução do texto, ilustrado, da Gartenlaube

tem o sentido de fixar, pela primeira vez, a repercussão

do trabalho intelectual desenvolvido por Tobias Barreto

de Menezes que continua a ser, para quem tem interesse

na organização e na evolução da cultua brasileira, uma

referência obrigatória, pela sua contribuição que per -

mit iu aos nordestinos e demais brasileiros o convívio

contemporâneo com as mais representativas e signi-

ficativas idéias do século XIX.

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O JORNAL ALEMÃO

DE TOBIAS BARRETO

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Foram poucos os contemporâneos de Tobias

Barreto que tiveram a honra da leitura do seu jornal

alemão Deutscher Kaempfer, editado no Recife pela

Tipografia Mercantil, de Carl Eduard Muhlert & Cia, a

partir de 2 de agosto de 1875. Sílvio Romero,

companheiro e amigo, genial divulgador do mestre, foi

um dos privilegiados, tendo citado dois dos cinco

exemplares que circularam. As notícias sobre o pequeno

jornal foram dadas pela imprensa alemã, pelos jornais

das colônias tedescas do Rio Grande do Sul, e pelo

próprio Tobias que vez por outra evoca, em alguns

trabalhos, os escritos do Lutador Alemão. Nos três anos

de pesquisa em Pernambuco e em outros estados não

consegui localizar qualquer exemplar do jornal alemão.

Localizei quase todos os jornais escadenses, a começar

elo raríssimo Um Signal dos Tempos, de 1874, e a

terminar com a revista Estudos Alemães, de 1880, e

aproveitei os artigos inéditos em livros nos volumes das

Obras Completas, que acabam de sair.

Por conduto de um pesquisador de São Paulo –

Israel Souza Lima – consegui uma cópia do nº 1 do

Deutscher Kaempfer, que imediatamente distribuí com

entidades e pessoas que em várias partes do País se

interessam pelos estudos tobiáticos. Pois ainda que não

tenha em seu conteúdo uma notável contribuição ao

conjunto da obra, o exemplar vale como curiosidade, na

afirmação intelectual de um homem que fez a opção pela

cultura germânica como forma de penetrar no que havia

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de mais novo no campo das idéias, fazendo com que o

Brasil penetrasse na vivência cultural do sécu lo.

O nº 1 do Deutscher Kaempfer tem o seguinte

conteúdo: Prefácio, repetindo, de algum modo, o ideário

do jornal, como havia sido feito com a edição, em julho

de 1875, do Prospecto anunciando o jornal; um artigo,

inédito em livro, intitulado Estado e Igreja; um artigo –

Deve a metafísica ser considerada morta? – em parte

divulgado por Sílvio Romero e por Jackson da Silva

Lima: uma adaptação, de autoria de Georges Brandes,

do conto do Chapeuzinho Vermelho, comparando a

menina ao pensamento livre, e o lobo mau aos críticos

do pensamento livre; um poema – Der Jesuit – de

autoria de Hermann Gilm; e uma Miscelania com

transcrições e pequenas notas, destacando-se o anúncio

do livro Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, que

seria editado no mesmo ano de 1875, e uma carta de

Dom Pedro II, dirigida ao professor Virchow, de Berlim.

A intenção de Tobias Barreto, ao lançar o seu

jornal em alemão, era a de contribuir para a propagação

do germanismo no Norte do Brasil. O jornal era uma

“Folha literária e acidentalmente política”, que

mantinha a linha editorial de outros periódicos de

Tobias, como O Americano, de 1870, e Um Signal dos

Tempos, de 1874. A crítica religiosa, a discussão

filosófica, a insatisfação com o atraso cultural e com o

estágio da literatura nacional, foram temas constantes do

trabalho jornalístico de Tobias Barreto. E o primeiro

número do Deutscher Kaempfer reflete isso em seus

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artigos e notas, mais tarde seqüenciados, na trilha

coerente do pensador.

A transcrição da carta de Pedro II, com pitada de

crítica, é também o início de uma posição que Tobias

defendeu nas duas monografias em alemão – O Brasil

como ele é considerado do ponto de vista literário, de

1876, e Carta aberta à imprensa alemã, de 1878 – nas

quais desmistifica o conceito que o monarca brasileiro

gozava nas rodas intelectuais da Europa, merecendo

encômios dos jornais alemães. Tobias aproveita o

gancho para revelar aos europeus, especialmente os

alemães, o Brasil real, com uma economia que

repousava no braço escravo, uma situação de penúr ia

social, e mais completa ausência de espírito de união

nacional.

O seu artigo sobre a metafísica, provocado pelo

concurso de Sílvio Romero na Faculdade de Direito do

Recife, em 1875, e pela afirmação do seu dileto amigo

de que a metafísica estava morta. O artigo de Tobias é

uma reação contundente ao Positivismo e o estabe-

lecimento de uma relação definit iva, permanente, com

Kant e com a filosofia kanteana. O jornal alemão de

Tobias Barreto, em seu primeiro número, é um espelho

de parte fundamental de sua obra, realizada a partir

exatamente do ano de 1875.

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TOBIAS, JHERING

E LOSANO

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O próximo dia 7 de junho, segunda-feira, marca a

data natalícia de Tobias Barreto de Menezes, o genial

sergipano nascido na Vila de Campos, no sertão do Rio

Real, em 1839. 104 anos depois de morto, Tobias

continua despertando vivo interesse nos centros de

pesquisa do Brasil e do exterior, surpreendendo aos

pesquisadores com a coerência e a atualidade de sua

vasta obra de pensador múltiplo. Nas Universidades do

Rio de Janeiro, de Minas Gerais, no Brasil, e de Milão,

na Itália alguns estudiosos procuram, nas páginas dos

dez volumes das Obras Completas de Tobias Barreto,

edição comemorativa (1990/1991), Editora Record/

INL/Governo de Sergipe, os temas referenciais, co m os

quais fazem a reflexão esclarecedora, sempre atribuindo

ao mestre o encanto de sua visão contemporânea e, em

alguns casos, inovadora.

Mário G. Losano é um pesquisador italiano,

especialista em estudos germânicos, que descobriu

Tobias Barreto ao participar, com outros, da elaboração

do “Materiali per uma storia della cultura giuridica”,

concorrendo com o capítulo La Scuola di Recife e

l’Influenza Tedesca sul Diritto Brasiliano, em 1974. De

lá para cá cresceu o interesse e o entusiasmo de Losano

sobre Tobias Barreto e sua obra jurídica, onde há, mais

explicitada, a contribuição alemã. A partir de 1989,

quando das celebrações do Sesquicentenário de

Nascimento e Centenário de Morte de Tobias Barreto,

Mário Losano empreendeu uma hercúlea tarefa de

refazer a biblioteca alemã existente na Faculdade de

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Direito do Recife, identificando livros e autores que

foram lidos pelo pensador e intelectual sergipano.

Semelhante encargo teve Vamireh Chacon, listando

quase uma centena de títulos alemães do acervo pessoal

de Tobias, adquiridos, quando de sua morte, pela

Faculdade.

Além dos livros, Losano cuidou dos corres-

pondentes alemães de Tobias, dos escritos germânicos,

do jornal DeutscherKaempfer, sempre com uma aguda

interpretação do valor da obra tobiática. Os estudos de

Mário Losano são publicados, inicialmente, em revistas

de direito e de sociologia da Itália e da Alemanha,

estando em preparo um livro reunindo os pequenos

ensaios – seis ao todo – para edição no Brasil. O

professor italiano é, atualmente, o mais dedicado e

profundo estudioso da obra de Tobias Barreto, como

demonstram os seus trabalhos, prometendo continuar no

esforço de cotejar e interpretar textos, com rigor

metodológico de um mestre na pesquisa bibliográfica.

Há uma outra face do trabalho de Mário Losano

que deve ser ainda mais realçada, porque original e

única, que é a da pesquisa tobiática na Alemanha. Já foi

possível encontrar, por exemplo, o exemplar da revista

Gartenlaube, de 1879, estampando uma biografia, com

excelente e, ... grande retrato, de Tobias Barreto, de

autoria de Richard Lesser, que mais tarde dirigiu e

redigiu o Welipost e no qual tratou, igualmente, do

fundador da Escola do Recife. A comunidade intelectual

brasileira pode, agora, entender melhor o germanismo

de Tobias Barreto, na dimensão dos contatos e da

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receptividade alemã, como atestam os registros en-

contrados e comentados por Mário Losano, princi-

palmente no seu I Corrispondenti tedeschi di Tobias

Barreto (revista Sociolgia del Diritto, 1992) e Tobias

Barreto e Richard Lesser: alle origini dell antropologia

giuridica (na mesma revista italiana).

Outra descoberta losaniana une, ainda mais,

Tobias Barreto a Rudolf von Jhering. Tobias traduziu e

comentou, em artigo publicado no jornal A Província,

do Recife, em 13 de julho de 1878, o pequeno livro de

Jhering, Jurisprudência da Vida Diária, valendo-se da

edição de 1877, a terceira, publicada em Jena. O artigo

de Tobias Barreto saiu no Rio de Janeiro, no jornal O

Repórter, no ano seguinte. Um ou outro, contudo,

chegou ao conhecimento do autor da Luta pelo Direito,

que em 1891, numa nova edição ampliada do seu

Jurisprudência da Vida Diária, a oitava, não apenas

comenta como incorpora as observações feitas, no

Brasil, por Tobias Barreto de Menezes. Diz Rudolf con

Jhering, citado por Mário Losano em Tobias Barreto e

la Recezione di Jhering en Brasile: referindo-se à

tradução de Tobias: ein Auszug in portugiesischer

Sprache in de Menezes.” Pena que Tobias Barreto,

morto dois anos antes, não tenha podido colher esta

glória de ser considerado pelo grande Jhering, numa

troca de referências, numa afinidade de visão do mundo

do direito e especialmente da luta pela sua afirmação no

corpo das sociedades.

A memória de Tobias Barreto passa a dever a

Mário Losano mais essa contribuição, trazida pessoal-

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mente a Sergipe no final da última semana, repetindo,

pela segunda vez, as viagens de trabalho em Aracaju,

junto ao acervo do Memorial Tobias Barreto, organizado

e mantido pelo PESQUISE.