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LUIZ FERNANDES DA COSTA CURSO NORMAL MÉDIO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FORMAÇÃO POR PROFESSORES E ALUNOS Rio de Janeiro Setembro 2009

LUIZ FERNANDES DA COSTA CURSO NORMAL MÉDIO: … · Costa, Luiz Fernandes da alunos. / Luiz Fernandes da Costa. – Rio de Janeiro, 2010. 102 f. Dissertação (Mestrado em Educação)

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  • LUIZ FERNANDES DA COSTA

    CURSO NORMAL MDIO: REPRESENTAES SOCIAIS DE

    FORMAO POR PROFESSORES E ALUNOS

    Rio de Janeiro

    Setembro 2009

  • LUIZ FERNANDES DA COSTA

    CURSO NORMAL MDIO: REPRESENTAES SOCIAIS DE

    FORMAO POR PROFESSORES E ALUNOS

    Dissertao apresentada Universidade Estcio

    de S como requisito parcial para obteno do

    grau de Mestre em Educao.

    Orientadora: Prof. Dr. Helenice Maia

    Rio de Janeiro

    2009

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    C837

    Costa, Luiz Fernandes da Curso normal mdio: representaes sociais de formao por professores e

    alunos. / Luiz Fernandes da Costa. Rio de Janeiro, 2010.

    102 f.

    Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estcio de S, 2009.

    1. Representaes sociais. 2. Ensino mdio. 3. Formao

    docente. I. Ttulo.

    CDD 370

  • A minha querida neta Kethelen Pacheco da Silva.

    O prenncio da sua chegada parecia oficializar

    o incio de minha velhice. No entanto,

    trouxe-me muito mais virilidade.

    Pude voltar no tempo para conversar e brincar com voc

    e assim resgatar uma grande lacuna que deixei na

    criao dos filhos, por falta de colaborao do

    prprio tempo. Agora perto de seus dois

    anos de idade, reafirmo que voc

    o maior presente que j recebi.

    Espero que a lembrana de seu nome nessa produo

    seja motivo de orgulho e fora para ousar vos

    mais altos, onde minhas mos jamais

    tocaro. No resumo desse verso

    revelo o meu afeto por voc:

    No amor de uma criana tem

    tanta cano pra nascer,

    carinho e confiana,

    vontade e razo

    de viver.

    Cludio Nucci

  • AGRADECIMENTOS

    O valor das coisas no est no tempo em que elas duram mais na

    intensidade como acontecem. Por isso existem momentos

    inesquecveis e pessoas incomparveis.

    Fernando Pessoa, 2004.

    Ao terminar essa escalada acadmica fao uma reflexo de minha trajetria. Pude perceber a

    presena de antteses como solido e comunho, mas em todos os momentos, do outro lado

    uma grande torcida alimentava minha confiana, de tal forma que pude alcanar o podium. A

    todos os meus agradecimentos.

    A Deus por ter me capacitado para crer que em qualquer circunstncia possvel vencer.

    A minha esposa e meus filhos Elcenir, Lia, Daniel e Benjamim, a pacincia j estava por um

    fio.

    A minha me e irmos, Ana Maria, Vnia, Paulo e Cristina, que se realizam sempre com as

    minhas conquistas.

    Aos colegas do Mestrado, temo esquecer o nome de alguns, por isso registro o meu pedido de

    desculpas: Adir, Amadeu, Antonio Eugnio, Ana Maria Verssimo, Ana Celeste, Ana Claudia,

    Andrea, Cristina, Danilo, Dostoiewski, Edith, Filomena, Fabiana, Glaura, Gutenberg,

    Jakeline, Jorge Reis, Kelly, Luiza, Maurizete, Marlucia Nri, Maria da Penha, Mrcia Gentile,

    Maria Estela, Nelson, Norma, Perclia, Paulo, Patrcia, Rosangela, Regina, Ricardo, Renata,

    Simone, Soraia, Silvia, Tatiana, Telma, Valria, Zelinda. Guardarei em memria,

    principalmente os momentos de confraternizao, onde sobressaam nossas virtudes

    solidariedade, amor e participao.

    Edith pelo apoio irrestrito ao meu trabalho, cuidando do EVOC, sempre paciente e

    solidria, uma amizade sincera.

    Maria Nyrce, voc viajou para a Eternidade, porm seu carinho e sua juventude mesmo na

    qualidade de anci, ainda exalam em minhas narinas o sabor da vida.

  • A todos os doutores da Universidade Estcio de S pela seriedade e competncia, fao

    meno especialmente do nome daqueles, dos quais me aproximei na condio de aluno ou

    por participao em atividades extras:

    Prof. Helenice Maia, minha orientadora, pela ateno e zelo na apreciao de toda minha

    produo. Aprendi muitas coisas, mas sinto a necessidade de manter-me por perto para

    prosseguimento da aprendizagem. Fique certa de que sentirei saudades de voc.

    Prof. Neise Deluiz, voc me ensinou a prtica do equilbrio, cobranas, dilogos e

    experincias, numa doce explanao. A sonoridade da sua voz continua ecoando O tempo

    urge!

    Prof. Estrella Bohadana, simpatia e dinamismo. No curso Questes Filosficas

    Contemporneas o impossvel aconteceu. Demos conta com aproveitamento de seis livros.

    Registro minha admirao por sua competncia.

    Prof. Rita Lima, ainda estou impressionado com o seu conhecimento e sua humildade. A

    sua presena trar sempre energia e esperana.

    Prof. Alda Mazzotti, uma lder extraordinria que tem o esprito jovem e sonhador. Um

    exemplo a ser seguido.

    Ao Prof. Tarso Mazzotti, um homem inquestionvel. A sua capacidade de anlise, ao

    responder nossas perguntas, permitiu-me antever que jamais o alcanarei. Porm congratulo-

    me com o senhor, por apontar uma trilha segura do conhecimento.

    Prof. Lucelena Ferreira, sua presena no corpo docente, traz a minha memria a evocao

    do binmio juventude-competncia.

    Prof. Lcia Vilarinho, pelas saudaes nos corredores, sempre recheadas de bom humor.

    Aos professores Marco Silva e Wnia Gonzalez, a presena de vocs transmitia cordialidade,

    cumplicidade.

  • Prof. Alzira Ramalho de Assumpo (UERJ - Resende), desde a Ps Graduao Lato

    Sensu voc me acompanha. Nas pginas da histria da minha vida o seu nome no se apagar.

    Foi um prazer conhec-la.

    equipe administrativa pelos cuidados, ateno e atendimento respeitoso. Sou grato a todas,

    sentia-me amparado por ombros amigos.

    Ana Paula, sua presena inspira harmonia e centralidade.

    urea, voc incorpora bem a palavra determinao, o suficiente para derribar qualquer

    muralha.

    Margarida, voc transmite alegria enquanto atende ao pblico e seu dinamismo permite

    perceber o bom aproveitamento do tempo.

    Ivone, sua presena inspira a seriedade/responsabilidade. Quando nos achegamos, um vu

    tirado e o seu rosto transmite simpatia.

    Prof. Dayse Duque Estrada Leito, Diretora Geral do Instituto de Educao Sarah

    Kubitschek (IESK) e equipe administrativa pelo apoio e permisso de pesquisa no espao do

    instituto.

    equipe de professores do IESK, pela colaborao na pesquisa e pela credibilidade na minha

    atuao profissional ao longo desses anos.

    Aos formandos do IESK (2009), pela participao na pesquisa e interesse em conhecer os

    resultados.

    Aos alunos iniciantes do IESK (2009), turmas: 1002/1006, vocs abriram os coraes e foram

    transparentes em suas falas. A colaborao que deram no tem preo.

    Aos professores do CIEP-BRIZOLO 311, pela convivncia harmoniosa e pela credibilidade

    quanto ao meu trabalho. A todos, diretores e professores, o meu reconhecimento.

  • RESUMO

    Este estudo procurou conhecer indcios das representaes sociais de formao para o

    magistrio elaboradas por professores e alunos de Curso Normal Mdio. A coleta de dados foi

    realizada em instituio localizada na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, inaugurada em

    1959 e ainda hoje considerada referncia no ensino. A instituio desenvolve projeto poltico

    pedaggico centrado na incluso e conta com colgio de aplicao onde os alunos realizam

    seus estgios. A coleta de dados compreendeu atividades de observao nas salas de aula e

    demais dependncias da escola, registradas em dirio de campo reflexivo, e a aplicao de um

    teste de associao livre a 66 professores, 188 formandos e 67 alunos iniciantes de Curso

    Normal no ano de 2009. A partir da expresso indutora formao para o magistrio os

    participantes associaram trs palavras, expresses ou frases que lhes ocorriam quando aquela

    foi mencionada. Solicitou-se tambm que justificassem as palavras escolhidas. As palavras

    evocadas foram submetidas ao software EVOC que identifica os possveis elementos do

    ncleo central considerando a freqncia (F) e a ordem mdia (OME). O Ncleo Central da

    representao social de formao para o magistrio para os professores composto pelos

    elementos compromisso, vocao e educao; para os formandos, os elementos so

    educao, responsabilidade e vocao; para os alunos iniciantes, ensinar e professor.

    Identificadas essas centralidades, buscou-se entender o contedo das representaes

    recorrendo-se s justificativas elaboradas pelos participantes. Verificou-se que os professores

    se sentem responsveis pelo desenvolvimento pessoal e profissional de seus alunos e

    consideram que a vocao se refere possibilidade de transformar pessoas, a sociedade e o

    mundo. A educao apontada como soluo para todos os problemas, inclusive os

    internacionais. Para os formandos a responsabilidade se refere ao cuidado na formao do

    outro, o que sugere a necessidade de vocao para exercer o magistrio. Para os alunos

    iniciantes, a formao parece estar vinculada aprendizagem e ao desejo de se tornar

    professor. A anlise comparativa das representaes sociais de formao para o magistrio

    para professores e formandos mostra que essas so muito prximas e diferem daquelas

    elaboradas pelos alunos iniciantes, o que revela a apropriao do discurso dos professores

    sobre formao pelos alunos ao final de seu curso.

    Palavras-chave: Representaes sociais. Curso Normal Mdio. Formao docente.

  • RESUM

    Cette tude visait les lments de preuve des reprsentations sociales de la formation formelle

    dans l'ducation, prepares pour les enseignants et les lves de Cours de Formation pour les

    Enseignants. La collecte de donnes a t ralise dans un tablissement situ dans l'ouest de

    Rio de Janeiro, inaugure en 1959 et est encore considr comme une rfrence pour

    l'enseignement. Linstitution dveloppe un projet politique pdagogique ax sur l'inclusion.

    Dans son espace phisyque,il y a un collge d'application o les lves realisent leurs stages.

    La collecte de donnes a t initi par l'observation sur le terrain de l'cole et des classes et

    ont t dment consignes dans le journal de champ de rflexion. Simultanment, un test

    d'association libre a t appliqu 66 enseignants, 188 lves et 67 tudiants qui commencent

    dans le cours de formations denseignants,en 2009. partir de l'induisant expression

    formation formelle en matire d'ducation , les participants ont associ trois mots, des

    expressions ou des phrases qu'elles ont eu lieu alors que ce n'tait pas mentionne. galement

    demand de justifier les mots choisis. Les mots mentionns ont t soumis au logiciel EVOC

    qui identifie les elements possibles centrales de base, em considrant la frquence (F) et

    l'ordre en moyenne (OME). Le Cur des reprsentations sociales de la formation formelle

    dans l'ducation est compos de l'engagement, la vocation et l'ducation; pour les tudiants,

    les lments sont l'ducation, la vocation et la responsabilit; pour les tudiants dbutants,

    l'enseigner et des enseignants. Identifi le rle central de chaque reprsentation, on a

    cherch comprendre le contenu de ces reprsentations, l'aide aux motifs labors par les

    participants. On a t constat que les enseignants se sentent responsables du dveloppement

    personnel et professionnel de leurs tudiants et de croire que l'appel se rfre transformer de

    manire crative les gens, la socit et le monde. L'ducation est identifie comme une

    solution tous les problmes, de et mme les internationaux. Pour les stagiaires responsabilit

    dans les soins la formation d'un autre, ce qui suggre la ncessit de poursuivre une vocation

    l'enseignement.Pour les tudiants dbutants, le formation semble encore tre lie

    l'apprentissage et le dsir de devenir un enseignant. L'analyse des justifications suggre que

    les reprsentations sociales de la formation formelle en matire d'ducation pour les

    enseignants et les tudiants sont trs proches, ce que l'tude de la gense de ces

    reprsentations devraient rvler.

    Mots-cls : Reprsentations sociales. Lenseignant normale mouenne. Formation du

    professeur.

  • SUMRIO

    APRESENTAO.......................................................................................................

    11

    INTRODUO.......................................................................................................... 12

    1. FORMAO DE PROFESSORES EM NVEL

    MDIO........................................................................................................................

    18

    2. O CURSO NORMAL MDIO E O INSTITUTO DE EDUCAO SARAH

    KUBITSCHEK............................................................................................................. 34

    2.1 UMA HISTRIA CONTADA............................................................................................ 48

    3. TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS..................................................... 58

    4. REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO PARA O MAGISTRIO... 67

    4.1 TESTE DE LIVRE EVOCAO....................................................................................... 68

    4.2 PROFESSORES.................................................................................................................... 69

    4.3 ALUNOS CONCLUINTES................................................................................................. 74

    4.4 ALUNOS INICIANTES....................................................................................................... 77

    4.5 OBSERVAO........................................................................................................... 82

    CONCLUSO............................................................................................................ 85 REFERNCIAS......................................................................................................... 89 APNDICES............................................................................................................... 99

    APNDICE A INSTRUMENTO PARA PROFESSORES........................................ 100 APNDICE B INSTRUMENTO PARA ALUNOS..................................................... 102 ANEXOS.................................................................................................................................... 103 ANEXO A CONTRATO DE PROFESSORA - 1923................................................... 104

  • APRESENTAO

    O ano de 1998 foi um divisor de guas em minha vida profissional. Atendendo a um

    convite, solicitei remoo para o Instituto de Educao Sarah Kubitschek (IESK), comeando

    minhas atividades educacionais naquele espao no incio de 1999. Passei a ser destaque, por

    trabalhar no nico espao que forma professores em nvel mdio da Zona Oeste da cidade do

    Rio de Janeiro.

    No princpio fiquei um pouco perdido com o tamanho do espao escolar e o mundo ali

    configurado. Professores, alunos, inspetores, vendedores de livros, reunies da Metropolitana

    IV (Secretaria do Estado da Educao) com os representantes de todas as escolas da regio,

    alm dos alunos mirins e seus responsveis. Aquela agitao renovava minhas energias.

    Porm a movimentao maior era reservada para o ms de outubro, o ms do normalista.

    Nele sobressaiam principalmente os trabalhos de Programa de Sade, Educao

    Artstica, Literatura Brasileira, Literatura Infantil. A produo parecia compensar a distncia

    que o IESK se encontra do Corredor Cultural da cidade, cerca de 60 km de distncia.

    Interessado em participar das atividades, integrei o grupo. Com o envolvimento ganhei

    espao, voz e prestgio, de tal maneira que recebi algumas condecoraes.

    Da parte dos alunos, fui escolhido muitas vezes como paraninfo. Da parte dos

    professores cheguei a receber medalhas por eleies realizadas dentro do instituto. Em curto

    espao de tempo, toda a movimentao cessou. O grupo de trabalho foi desfeito. Uns por

    aposentadoria, outros porque foram convidados transferncia. Dentre os convidados,

    estavam educadores de grande dedicao aos projetos escolares. Os que ficaram perderam o

    nimo de produzir para alm das aulas.

    Em 2007, ocorre uma mudana favorvel continuidade do Curso Normal. Voltamos

    a crescer em nmero, professores e alunos, e estamos retornando aos projetos. desse lugar

    que falo, com esperanas renovadas, retendo na memria as emoes e vivncias impregnadas

    de valores, que me fizeram uma pessoa com as mesmas representaes deste grupo a qual

    perteno, de forma que ir ao encontro dos anseios do grupo ir de encontro dos meus prprios

    anseios.

    desse lugar que eu falo.

  • 12

    INTRODUO

    A dcada de 90 do Sculo XX inaugura um novo marco de organizao mundial. O

    estreitamento das relaes entre pases que buscam mais competitividade impe novos

    desafios. Os mais abastados ampliam sua influncia nas determinaes dos mais fracos,

    ditando procedimentos de competncia interna. Beck (1997, apud SANTOS; ANDRIOLI,

    2005) classifica a nova ordem que se instaura como globalizao e aponta como conseqncia

    a subjugao e a ligao transversal dos estados nacionais e sua soberania atravs de atores

    transnacionais, suas oportunidades de mercado, orientaes, identidades e redes.

    O Brasil, pas emergente, em busca de espao no cenrio mundial, intensifica sua

    participao nas discusses internacionais, aceitando orientaes advindas dos mais diferentes

    organismos, sobretudo daqueles que financiam e definem diretrizes para novas polticas

    educacionais (SANTOS, 2004). Dentre essas, segundo Torres (1996), ganham destaque a

    elaborao de currculos ajustados s necessidades do mercado; a prioridade para a educao

    bsica; a reduo de verbas para o ensino superior; e maior credibilidade para formao

    docente em servio.

    Assim, no ano de 1995, em ateno s determinaes internacionais, diversos rgos1

    participaram no Estado de So Paulo do Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade.

    Nesse encontro, por meio da divulgao da Carta Compromisso de Jomtien2, foi oficializada a

    orientao para a revalidao da prtica de ensino, dentre outras metas a serem atingidas em

    uma dcada.

    Mas de que prtica de ensino se est falando?

    Para Martins (1996), revalidar a prtica promover o ensino para alm da

    superficialidade, contribuindo para que o aluno busque e selecione informaes com as quais

    se atualizar. A autora entende que a Pedagogia verstil e se consolida pela troca de

    informaes entre professores e alunos e por essa razo pode dar conta do atendimento a

    diferentes alunos com resultados igualitrios. Pimenta e Anastasiou (2002, p. 28) parecem

    partilhar do mesmo entendimento ao conceberem a ao docente como mediadora entre o

    1 Ver em http://:www.dominiopublico.gov.br/pesquisa.

    2 Conferncia Mundial de Jomtien (Tailndia), realizada em 1990 que teve como tema a Educao para Todos.

    Ali foi apresentado um projeto internacional, onde 155 pases participantes assumiram o compromisso de prover

    as Necessidades Bsicas de Aprendizagem (NEBA) de crianas, jovens e adultos tendo como principal meta a

    universalizao do Ensino Fundamental.

    http://:www.dominiopublico.gov.br/pesquisa

  • 13

    aluno e o conhecimento a ser sistematizado.

    Depreende-se, portanto, que a prtica de ensino est diretamente relacionada ao

    desempenho dos alunos, uma vez que sempre se traz para a discusso sobre a formao

    docente os resultados das diversas avaliaes realizadas no pas. Um exemplo so os ndices

    nada animadores do Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (SAEB)3 e do

    Programa Internacional de Avaliao de Estudantes (PISA)4. Neste ltimo, o Brasil ocupa os

    ltimos lugares entre os pases participantes.

    Outra relao reducionista a que se estabelece entre formao e avaliao de

    desempenho profissional. Segundo Nascimento (2008), a legislao educacional em vigor

    contribuiu para o aligeiramento da formao docente, esvaziando-a da constituinte crtica, fato

    tambm apontado por Scheibe (2003). Esta autora considera um paradoxo a exigncia

    estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases n. 9394 (BRASIL, 1996) que impe o

    aprimoramento e a qualificao do professor e sua aplicao flexvel que permite uma

    profissionalizao acelerada e acrtica.

    Na apreciao de Schmidt (1989 apud FREITAS, 1992), a formao do educador

    brasileiro insatisfatria, pois no h articulao entre as agncias formadoras, que so as

    escolas do Curso Normal, as licenciaturas em nvel superior e as licenciaturas em Pedagogia.

    A autora aponta que do modo como esses cursos esto organizados por si s provocam

    dicotomia entre teoria e prtica, uma vez que o aluno recebe primeiramente base terica e

    muito depois desenvolve a prtica no estgio supervisionado. Para ele,

    [...] enquanto o Estado no mediar uma ao conjunta entre escolas normais,

    universidades (principais agncias formadoras) e secretarias de educao

    (principal agncia contratante) no reverteremos esse quadro. Isto passa por

    uma transformao global de toda legislao que regulamenta a formao e

    atuao deste profissional, com objetivo de garantir formao de qualidade e

    valorizao profissional (FREITAS, 1992, p. 10).

    3 As avaliaes do SAEB produzem informaes a respeito da realidade educacional brasileira e,

    especificamente, por regies, redes de ensino pblica e privada nos estados e no Distrito Federal, por meio de

    exame bienal de proficincia em Matemtica e em Lngua Portuguesa (leitura), aplicado em amostra de alunos

    de 4 e 8 sries do Ensino Fundamental e da 3 srie do Ensino Mdio (Disponvel em

    http://www.inep.gov.br/basica/saeb. Acesso em 25/10/09). 4 O PISA um programa internacional de avaliao comparada, cuja principal finalidade produzir indicadores

    sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em

    que se pressupe o trmino da escolaridade bsica obrigatria na maioria dos pases (Disponvel em

    http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/. Acesso em 25/10/09).

    http://www.inep.gov.br/basica/saebhttp://www.inep.gov.br/internacional/pisa/

  • 14

    Essa discusso ganha flego, quando analisada por diferentes atores e de formas

    multifacetadas. A formao docente pode ser um dos vetores do progresso social e

    econmico, como afirma Demo (1992, p. 23), ao discutir a formao de formadores bsicos.

    Ele considera que esta uma questo estratgica, no sentido de condicionar decisivamente as

    oportunidades de desenvolvimento da sociedade e da economia e enfatiza que a qualidade

    da educao profundamente vinculada valorizao profissional de modo geral ocupa a

    posio de estratgia primordial de desenvolvimento.

    Frigotto (1996) entende que no produtivo pensar em formao docente omitindo o

    processo de ajuste estrutural do Estado. Segundo ele, o pas foi submetido aos organismos

    internacionais e lgica do mercado, o que trouxe consequencias desastrosas como o

    enxugamento dos recursos destinados ao financiamento da educao para todos em

    detrimento das privatizaes. O autor alerta que:

    [...] a formao e qualificao do educador no pode ser tratada

    adequadamente sem se referir trama das relaes sociais e aos embates que

    se travam no plano estrutural e conjuntural da sociedade. Por isso para

    entender a poltica de formao docente, atualmente, no Brasil, faz-se

    necessrio compreender a poltica neoliberal enquanto filosofia que orienta,

    que parte de uma viso economicista da educao, definindo a

    profissionalizao do magistrio como estratgica para melhoria da

    qualidade de ensino (FRIGOTTO, 1996, p. 75).

    A partir de 1990 as orientaes internacionais foram utilizadas tambm como base

    para os discursos ideolgicos de governantes e como apoio para realizao da reforma da

    educao profissional e da formao de professores da educao bsica. Seus pilares foram

    qualidade, produtividade, competitividade e empregabilidade, conforme registra Gomide

    (2008). Para a autora, esses termos serviram para disseminar ideologias e justificar a

    implantao de projetos neoliberais e promover a promulgao da LDB 9394 (BRASIL,

    1996) em sintonia com o projeto de Governo.

    Nesse panorama se insere a Escola Normal, detentora de menor prestgio entre as

    agncias formadoras, uma vez que forma o professor em nvel mdio para atuar nas sries

    iniciais da educao bsica e que tem merecido pouca, ou quase nenhuma considerao pelo

    campo legislativo da educao nacional. Isso se transformou na principal causa das sucessivas

    mudanas ocorridas nessa modalidade de ensino a partir de 1997. No entanto, essa

    modalidade de formao deveria se constituir como uma das mais importantes dentre aquelas

    agraciadas pelas polticas pblicas no meio educacional, j que o ensino que vem oferecendo

  • 15

    est aqum do que exigido ao professor das sries iniciais.

    Valente (2005) reconhece o Curso Normal como uma agncia formadora fragilizada,

    que no est formando professores que atendam ao novo modelo profissional, como est

    posto. Tomando o ensino de Matemtica como ponto de partida, o autor considera que o fraco

    desempenho nessas instituies passa pela matriz curricular e outros procedimentos, pois

    entende que no h propostas consistentes para desenvolver os contedos desta disciplina nas

    sries iniciais do Ensino Fundamental. Para ele, como o curso deve atender a formao geral e

    formao especfica, isso contribui para a uma formao falha e que dificulta a formao para

    o exerccio da docncia.

    A Escola Normal desde que foi criada sobrevive a um sistema de descontinuidade, que

    se agravou a partir das orientaes da LDB 9394 (BRASIL, 1996). Em 2002, a proposta de

    reformulao do Ensino Normal endossou a provisoriedade que caracteriza este tipo de

    formao posta pela LDB no artigo 62, reproduzido a seguir:

    A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel

    superior, em cursos de licenciatura, de graduao plena, em universidade e

    institutos superiores de educao, admitida como formao mnima para o

    exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do

    Ensino Fundamental, a oferecida em nvel mdio na modalidade normal.

    (grifo nosso)

    A Reorientao Curricular para as Escolas de Curso Normal (SEE/RJ, 2005) uma

    referncia para a prtica dos professores. Nela, alm de serem apresentadas propostas e

    sugestes ligadas atividade docente, que evidenciam preocupao com o conhecimento

    didtico-pedaggico, delineado o perfil do professor formador em nvel mdio. Cabe a este

    profissional, entre outras funes:

    Criar e gerir situaes de aprendizagem para todos os alunos, considerando

    abordagens condizentes com as identidades dos mesmos; e conceber,

    realizar, analisar e avaliar as situaes didticas, mediando o processo de

    aprendizagem dos alunos nas diferentes reas de conhecimento (R. C.,

    SEE/RJ, 2005, p. 29).

    Entretanto, segundo Bello (1993, p. 1) o professor no se sente compromissado em

    fazer com que o aluno, objeto de seu trabalho, aprenda, pois ao depositar nas mos dos alunos

    a responsabilidade pela aprendizagem, o professor no se apercebe de seu papel social. Em

  • 16

    se tratando de um curso de formao de professores, de se estranhar a falta de

    comprometimento com a formao docente nessa modalidade.

    Uma possvel explicao para isso pode estar no perfil do corpo discente das escolas

    de Curso Normal, composto por alunos que no so selecionados por meio de concurso: basta

    um simples telefonema para garantir a matrcula. H alunos que no desejam ser professores e

    ocupam uma vaga para cumprir o desejo de seus responsveis. Outros chegam muito jovens

    ao Ensino Mdio, o que sugere escolhas precipitadas. Outros ainda buscam uma formao

    aligeirada para rpida insero no mercado de trabalho. Partindo dessa realidade, o professor

    de Curso Normal procura administrar as diferenas percebidas no corpo discente e tambm

    atender as exigncias da Secretaria de Estado de Educao, o que contribuiu para dificultar o

    atingimento das metas estabelecidas para a aprendizagem.

    O desinteresse dos alunos e a resistncia ao modelo de trabalho desenvolvido nessas

    instituies, entre outros fatores, tm colaborado para a desvalorizao do Curso Normal. A

    falta de reconhecimento da importncia desse espao de formao por parte das autoridades

    educacionais tem ocasionado contratempos no seu enquadramento como nvel mdio, a

    comear pela falta de material didtico adequado formao.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1999) trazem propostas de

    contemporizao e procedimentos didticos, mas no conseguem contagiar boa parte dos

    professores desse nvel de ensino, principalmente a partir da reduo da carga horria de

    muitas disciplinas.

    Como professor de Escola Normal, percebo que as muitas reorientaes curriculares

    ocorridas na dcada de 90 originaram mudanas de contedos, reduziram a carga horria de

    disciplinas nucleares e acrescentaram mais um ano ao curso para implementar 800 horas-aulas

    de Prticas Pedaggicas, o que provocou novos posicionamentos dos professores frente ao

    ensino das disciplinas. Some-se a estes fatores o prenncio do fim dessa modalidade de

    ensino, o que j praticado por alguns estados brasileiros, como por exemplo, Cear, So

    Paulo, Minas Gerais e Gois (MONTEIRO; NUNES, 2005).

    O Curso Normal vem perdendo a sua identidade como agncia formadora de

    professores. o que se constata no recebimento de futuros professores, que no se do conta

    que apesar da escola ser um estabelecimento de nvel mdio, sua proposta de trabalho

    especfica: formar professores. Nesse aspecto, se percebem diferentes vises sobre a formao

    docente em nvel mdio, o que revela a necessidade de investigar as representaes sociais de

    formao para o magistrio elaboradas por professores e alunos, iniciantes e concluintes, de

    uma instituio formadora e compar-las.

  • 17

    Para dar conta desse objetivo, este trabalho foi assim elaborado: no Captulo 1,

    intitulado FORMAO DE PROFESSORES EM NVEL MDIO, apresentada a trajetria

    dessa formao, que viveu os anos dourados, transitou por perodos de glria e de desgaste,

    estando por isso no cerne da desprofissionalizao e da precarizao do trabalho docente.

    No Captulo 2, O CURSO NORMAL NO INSTITUTO SARAH KUBITSCHEK, o

    foco se dirige a essa instituio de ensino, referncia na zona oeste na cidade do Rio de

    Janeiro.

    No Captulo 3, TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS, encontra-se o

    referencial terico-metodolgico que orientou esta pesquisa.

    No Captulo 4, REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO PARA O

    MAGISTRIO, descrita a pesquisa empreendida e so apresentados os resultados.

    A CONCLUSO aponta a necessidade de dar continuidade ao estudo, buscando-se,

    atravs da abordagem processual, conhecer a gnese dessas representaes.

  • 18

    CAPTULO 1

    FORMAO DE PROFESSORES EM NVEL MDIO

    Atualmente, a formao de professores assume papel de destaque no cenrio

    educacional nacional. intrigante o fato de tantas vozes fomentarem discusses sobre essa

    formao, at em nvel internacional, ao passo que seus principais atores, os professores,

    parecem se quedar ao silncio. Esse procedimento coletivo incita a busca da trajetria da

    formao docente desde o Brasil Colnia e sua gnese de formao a partir do ensino pblico

    oferecido.

    Em 1549, padres jesutas da Companhia de Jesus, desembarcaram em solo brasileiro

    com a misso de catequizar os ndios. Esses sacerdotes, posteriormente embasados pelo Ratio

    Studiorum5 introduziam valores culturais da metrpole. Nesse perodo, segundo Pinheiro e

    Monteiro (2005), tem-se uma concepo de educao onde se objetiva a imposio do

    catolicismo, complementada com o ensino das primeiras letras. Alm dos ndios, a populao

    que aqui aportava tambm recebia instrues da Companhia de Jesus.

    Ranghetti (2008) observa que a partir da educao jesutica, bispos e padres-mestres

    nomearam os primeiros professores para atenderem a populao. A nomeao procurava

    atender aos quesitos idade e atuao docente. Por isso, os selecionados deveriam ter idade

    mnima de 30 anos e permitir que o controle de ensino fosse feito pelos jesutas, reproduzindo

    principalmente conhecimentos de Filosofia e de Teologia, conforme registra Castro (2006).

    Prevalecia a oralidade como instrumento de comunicao do professor e o aprendizado do

    aluno era efetivado atravs da memorizao de conhecimentos.

    Com a criao do Ratio Studiorum, em 1599, os professores incorporaram as novas

    regras em seu fazer pedaggico, sob pena de retaliaes no descumprimento de qualquer

    orientao, como se l na Regra 16 do Provencial: Os professores que tenham tendncia para

    a novidade ou para uma inteligncia demasiado livre, devem sem dvida ser excludos do

    5 O Ratio Studiorum foi promulgado em todas as escolas da Companhia de Jesus a partir da circular emitida em

    08 de janeiro de 1599. Consiste em um plano de estudos que oferece orientaes de trabalho ao professor,

    atravs de um currculo fixo e um conjunto de objetivos e mtodos, que deve ser seguido em todas as classes de

    Gramtica at Teologia. Sua metodologia se baseia na repetio e na disciplina.

  • 19

    ensino (SOUSA, 2003, p. 17).

    Fruto da prpria organizao, as exigncias so levadas a cabo, cerceando as liberdade

    e interao dos professores, como determinava a Regra 5 do professor de Matemtica:

    Esforai-vos com determinao para que os novos professores mantenham os mesmos

    mtodos de ensino de seus antecessores para que os estudantes externos no se queixem da

    mudana freqente de professores (idem, p. 18).

    Esse modelo de ensino prevaleceu por 210 anos, no acompanhando o

    desenvolvimento de Portugal e de suas demais colnias.

    Com a ascenso de Sebastio Jos de Carvalho Melo, o Marqus de Pombal, em 1759,

    ao cargo de Primeiro Ministro de Portugal, instaurada a primeira Reforma Pombalina. Essa

    reforma procurou alinhar a poltica educacional portuguesa e suas colnias s relaes

    econmicas anglo-portuguesas. O Estado assume o controle e a secularizao da educao e

    impe um currculo padronizado. O modelo de educao da Companhia de Jesus foi ento

    desfeito e os jesutas expulsos. O sistema de aulas rgias ocupou os novos espaos,

    interferindo na organizao dos colgios catlicos e nas instituies militares.

    Nesse sistema o professor era gestor e reparador financeiro, diretamente responsvel

    por ministrar aulas. Todo esse empenho no era considerado suficiente para que ele pudesse

    responder pelos seus prprios atos, ficando na dependncia de avaliadores externos, de

    pessoas de influncia pblica e da comunidade escolar.

    Em 1820, com o Brasil na posio de Vice Reino de Portugal e sob controle estatal,

    surgiu a primeira forma de preparao de professores. Foi adotado o mtodo de ensino mtuo:

    ao mesmo tempo em que ensinavam os alunos, tambm se formavam professores.

    Segundo Castro (2006), embora a formao de professores nessas classes tenha sido

    realizada por meio do ensino mtuo, foi determinado para atuao docente o mtodo

    Lancaster. Esse mtodo, segundo Villela (2000, p. 31) procurava entre outras coisas,

    desenvolver principalmente os hbitos disciplinares de hierarquia e ordem, exercendo um

    controle pela suavidade, uma vigilncia sem punio fsica. Tais caractersticas se encaixavam

    perfeitamente nos propsitos polticos do grupo conservador. Bastos (2003) considera que o

    mtodo lancasteriano apequenava a funo do professor, que funcionava como um inspetor ou

    impositor de ordem, cabendo aos monitores a administrao das aulas. O atendimento

    continuou precrio e beneficiou apenas uma pequena parcela da populao.

    A educao assumiu dimenso pblica no Brasil-Imprio. O Decreto-Lei Imperial de

  • 20

    15 de outubro de 18276, feito por D. Pedro I, enquanto Prncipe Regente oficializou o

    atendimento escolar. Segundo este documento, em todos os lugares, quer nas vilas, quer nas

    cidades, seriam construdas escolas de ensino de primeiras letras para o povo. Quanto aos

    mestres, esses passariam por um exame de seleo, priorizando o mtodo Lancaster.

    Segundo Frana (2006), os primeiros professores para atuarem no mtodo, foram

    formados em curto prazo nas escolas da capital, sem que houvesse apoio do Governo, o que

    implicou, posteriormente, no mau funcionamento das escolas de primeiras letras e no fracasso

    do trabalho docente.

    Ranghetti (2008) considera que a exigncia do domnio conteudstico e a ausncia da

    formao pedaggica constituram um n do mtodo. O autor comenta que da forma como foi

    organizado o exame, qualquer pessoa podia desempenhar o papel de professor.

    Por pouco tempo a educao esteve atrelada ao Governo Central. Em 1834, por fora

    do Ato Adicional7, a responsabilidade educacional foi transferida para as provncias. O Ato se

    constituiu um entrave para as provncias menos favorecidas financeiramente e que no tinham

    proviso suficiente para construir escolas e pagar salrios aos seus professores.

    Com a necessidade crescente de formar professores para atender a demanda, foi criada

    em 1835, a primeira Escola Normal pblica das Amricas, em Niteri, provncia do Rio de

    Janeiro. Conforme observa Paiva (2006), o modelo francs implementado por meio do

    mtodo Lancaster, influenciou o programa brasileiro de formao de professores. Outras

    provncias tambm foram beneficiadas com a criao de escolas normais, mas nenhum desses

    estabelecimentos foi poupado pela poltica ento vigente, vivendo um clima de instabilidade

    atravs de um processo repetitivo de criao e extino. De acordo com Paiva (op. cit.), fazia

    parte da preparao de professores, doutrin-los a transmitirem verdades incontestveis,

    alimentando o pensamento ideolgico da poca.

    Ribeiro (1998) considera que o funcionamento da Escola Normal era insatisfatrio e

    aponta como uma de suas falhas o programa de ensino que priorizava alguns aspectos em

    detrimento de outros. Destaca ainda que a organizao desse curso no horrio noturno

    impossibilitava a participao dos alunos s aulas prticas, no garantindo a

    profissionalizao e proporcionando formao deficitria.

    Tambm deveriam lecionar em classes distintas quanto ao gnero. Os homens

    atenderiam aos meninos para os quais o ensino da Matemtica assumia relevncia, pois

    6 Ver em http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/decreto-lei_imperial.htm.

    7 A constituio de 1824 teve apenas uma nica emenda, conhecida como o Ato Adicional de 1834, aprovado

    pela Lei n. 16 de 12 de agosto. a ela atribuda e a responsabilidade pelo fracasso e desorganizao da

    educao nas provncias (COUTINHO, 2007).

  • 21

    segundo o pensamento ideolgico vigente, esse era um assunto para os homens. J as

    professoras lecionariam para as meninas, preenchendo a ausncia dessa disciplina com o

    ensino de prendas domsticas. Tambara (2008) observa na produo de autores como

    Azevedo (1883) e Taunay (1921), que o ensino primrio ministrado por professores revelava

    brutalidades, maus exemplos posturais e de higiene. As professoras, ao contrrio, possuam

    qualidades que se harmonizavam com a ao educativa.

    O atendimento escolar acabou com a diviso entre gneros a partir do momento em

    que o pblico feminino superou o masculino em nmero, o mesmo ocorrendo na formao de

    professores.

    As mudanas sociais da poca deram credibilidade educao enquanto geradora de

    progresso. Para isso foi institudo um novo modelo de formao de professores, onde os

    valores morais assumiram mais importncia do que os valores intelectuais.

    Tambara (op. cit.) aponta as caractersticas de um bom professor, segundo o

    pensamento dos pedagogos ao final do sculo XIX. As caractersticas consensuais eram amor,

    bondade e pacincia. Quanto postura, mediada pelas qualidades da profisso, o professor

    precisava se afastar do convvio social e dedicar-se ao enlevo espiritual:

    O modo de viver do professor deve estar em harmonia com as exigncias das

    funes que exerce; e estas funes graves e santas impem-lhes

    privaes, com as quais deve conformar-se, sob pena de incorrer em censura,

    ou em menosprezo talvez. O que certo que bem pouca confiana nele

    depositaro, se, apenas, findas as horas de aula, virem-no andar, vagando

    ociosamente ora aqui, ora ali, se nos dias feriados dedicar-se a caadas,

    freqentar os jogos pblicos, concorrer s reunies da aldeia, ou mesmo

    tomar parte nas danas, que o uso locar parece s vezes autorizar, etc.

    Algumas dessas distraes no so dignas de um homem srio, outros s

    quadram a ociosos,e todas elas tem inconvenientes e podem ser ocasio de

    funestos males (DALIGAULT, 1874 apud TAMBARA, 2008, p. 32).

    A entrada e o aumento rpido das mulheres no Curso Normal fizeram aumentar o

    nmero de professoras e gerar profcua discusso sobre a atuao profissional por gnero.

    Cavalcante (1884 apud TAMBARA, 2008) considera necessria a educao da mulher para

    melhor atendimento famlia, porm injusta se for para competir com o homem. Mas as

    mulheres se sobressaram nas virtudes morais, evidenciando a posse natural desses atributos,

    o que se tornou assunto de discusso no I Congresso da Instruo realizado no Rio de Janeiro,

    em 1905. No cerne da discusso sobre a formao de professores por gnero, percebendo a

    perda do espao masculino, o congressista Teodoro Augusto Ribeiro Magalhes defende que

  • 22

    ambos os sexos, por natureza, so dotados desses valores, quer no exemplo, quer no ensino.

    Com destaque s qualidades e quantidades das aes educativas, peculiares s

    mulheres, consolida-se a feminizao da educao, ao mesmo tempo em que vai sendo

    construda a desprofissionalizao desse educador, que passou a buscar nas prprias

    qualidades sua recompensa, tal qual um ministro religioso.

    No Brasil-Repblica, sob a influncia do Positivismo, a Pedagogia do ensino pblico

    foi renovada. O Estado Republicano passa a debater a questo da instruo pblica com o

    objetivo de organizar um sistema nacional de ensino, colocando as escolas primrias nas mos

    do Governo central. Pela primeira vez se consolida a idia de resgate da histria da educao

    brasileira dentro do contexto econmico e da poltica de formao de professores. Tais

    reflexes permitem considerar a educao como fundamental para a formao, produo e

    integrao do homem na sociedade nacional. A formao de professores continua seguindo a

    inspirao do modelo europeu, dual, ao fim dos estudos primrios, como evidencia Tanuri

    (2000, p. 70):

    O curso complementar, espcie de primrio superior, propedutico Escola

    Normal, de durao, contedo e regime de ensino anterior ao secundrio, e

    este ltimo, de carter elitizante, objeto de procura dos que se destinavam ao

    ensino superior.

    Pretendia-se com isso o que Sadalla (2002, p. 48) classificou como modelo tecnicista

    com bases positivistas. Nesse modelo de ensino, o professor era visto como um tcnico que

    aplica na prtica os seus conhecimentos cientficos pedaggicos. Saviani (1993) compartilha

    dessa viso, ao concluir que o positivismo defende um ensino leigo e um currculo

    multidisciplinar que prioriza as cincias exatas, o que o reduziu a aplicao de tcnicas.

    Segundo Castro (2006), nos anos 20 do sculo passado, a atividade do magistrio

    entrou em processo de profissionalizao, sendo publicada sua regulamentao em 1931. A

    autora considera que a ascenso social dos professores como categoria nas dcadas de 30, 40

    e 50, deveu-se aos avanos ocorridos na dcada anterior e complexificao da sociedade,

    que saiu em busca de escolarizao. A ideologia da poca foi a de comparar a educao a uma

    mola-mestra que impulsionava em direo ao progresso e promovia oportunidade para

    todos.

    Em 1932, conforme registra Castro (op. cit.), surge o Manifesto dos Pioneiros da

    Educao, coordenado por Fernando de Azevedo e assinado por educadores que

  • 23

    reivindicavam autonomia para o exerccio da docncia. Esse manifesto tambm denunciou o

    baixo padro da formao inicial dos professores no magistrio primrio.

    Segundo Vieira e Gomide (2008), o Manifesto dos Pioneiros um projeto pedaggico

    de natureza humanista que procurou organizar a educao e a formao de professores nos

    moldes da Psicologia e das Cincias em curso no mundo. O grupo entendia que a educao

    devia ser compreendida como um problema social e propunha mtodos cientficos para mudar

    o paradigma em vigor, de maneira que a formao de futuros professores se realizasse

    conjugando o binmio ensino-pesquisa. Esse novo modelo propunha uma formao mais

    ampla, que atenderia o educando em seus objetivos e que passava a ser o foco do processo

    educativo.

    Em 1934, Ansio Teixeira, um dos pioneiros, expressa sua indignao quanto

    formao advinda da Escola Normal. Apesar de seu esforo e de outros educadores, a

    Constituio de 19378 no reconheceu o projeto dos Pioneiros e considerou que a

    profissionalizao dos professores deveria continuar nos moldes do Curso Normal, conforme

    exarado na Lei Orgnica do Ensino Normal e de acordo com o Decreto-Lei n. 8530, de 2 de

    janeiro de 19469.

    Romanelli (2003 apud CASTRO, 2006, p. 7) destaca que com a promulgao da Lei

    Orgnica, o Curso Normal assume, oficialmente, sua funo que era de prover a formao de

    pessoal docente necessrio s escolas primrias; habilitar administradores escolares

    destinados s mesmas escolas; desenvolver e propagar os conhecimentos e tcnicas relativas

    educao da infncia.

    Para Durham (2001) o antigo Curso Normal tinha um currculo em sintonia com sua

    poca. Mesmo assim a formao de professores no era considerada satisfatria, fato que

    impedia sua aceitao no rol dos cursos secundrios. A partir do Decreto-Lei n 1821, de 12 de

    maro de 195310

    , segundo Saffioti (1979), houve a equiparao do Curso Normal com o nvel

    secundrio, o que permitia ascenso aos estudos de nvel superior. Em meio a tantos embates

    e atendimentos, a formao de professores parecia ter encontrado o seu espao, o que no se

    configurou.

    8 Ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm.

    9 Lei Orgnica do Ensino Normal - Decreto-lei 8530, de 2 de janeiro de 1946 - estabeleceu as diretrizes gerais

    para o funcionamento das escolas normais em todo o pas. Pretendia dar uniformidade formao de professores

    em todo o territrio nacional, estabelecendo princpios e normas relativos a regime de estudos, contedos

    programticos, mtodos e processos didticos. Essa lei criou os Institutos de Educao que, alm dos cursos

    normais, ofereciam cursos de especializao para professores primrios e cursos de habilitao em

    Administrao Escolar. De acordo com a Lei Orgnica, o Ensino Normal era considerado como um curso de

    formao profissional, de nvel secundrio (CASTRO, 2006, p. 7). 10

    Ver www.jusbrasil.com.br/legislacao/128789/lei-1821-53.

  • 24

    Ranghetti (2008) considera que o maior desgaste da imagem do professor aconteceu

    durante a Ditadura Militar no perodo compreendido entre os anos 1964 e 1985. O crescente

    processo de tecnologizao e de globalizao de conhecimentos colocou em xeque a

    formao e as contribuies oriundas do saber constitudo desse profissional, frente

    sociedade.

    Nesse perodo, foi promulgada a Lei n. 5692 (BRASIL, 1971), que muda a natureza do

    Curso Normal, passando para Habilitao Especfica para o Magistrio. Para se tornar

    habilitao, foi necessrio desconsiderar a regulamentao da profisso concedida em 1931.

    Ranghetti (op. cit.) observa que apesar do novo modelo habilitar professores para

    atuarem no 1 Grau, o curso foi equiparado aos demais cursos tcnicos oferecidos. Nunes

    (2002) considera que essa mudana contribuiu para descaracterizar o Curso Normal, cujo

    objetivo era o de formar professores. Assim, com a aplicao da Lei, a formao de

    professores em nvel mdio era como qualquer curso tcnico oferecido (CASTRO, 2006).

    Alves (1988) ressalta que o curso de formao de professores foi pouco discutido

    nacionalmente, sem qualquer pronunciamento do Conselho Federal de Educao (CFE) ou de

    outras organizaes do Ministrio de Educao e Cultura (MEC). Entende que o Parecer n.

    45/72 do MEC, que organizou um anexo com 130 habilitaes de Ensino Mdio e priorizou

    as profisses das reas produtivas, desconsiderando a formao de professores, que no figura

    nesse documento. Essa evidncia, segundo o autor, nos permite entender que a formao de

    professores foi depreciada em relao aos demais cursos oferecidos.

    A Lei 5692 (BRASIL, 1971) em seu artigo 30 conjugou dois modelos de formao de

    professores. Um deles resultante da formao regular e o outro por meio da incorporao de

    estudos adicionais. Essa medida, segundo Oliveira (2001, p. 160) gerou grande confuso no

    seio educacional, impedindo uma definio clara entre o que e o que deve ser o profissional

    da educao.

    Esse artigo dividiu a formao em cinco nveis: (1) formao no nvel de 2 Grau, que

    habilitava para as sries iniciais do 1 Grau; (2) formao no nvel de 2 Grau acrescido de um

    ano de estudos adicionais, que habilitava os professores para lecionarem at a 6 srie do 1

    Grau; (3) formao superior em licenciatura curta, que habilitava o professor para atuar em

    uma das reas de estudo nas quatro sries finais do 1 Grau; (4) formao em licenciatura

    curta mais estudos adicionais, que dava ao professor com especializao em uma rea de

    estudo a possibilidade de lecionar at a 2 srie do 2 Grau; e (5) formao em nvel superior

    em licenciatura plena, que habilitava o professor a lecionar uma disciplina em todas as sries

    do 2 Grau.

  • 25

    A dcada de 80 do sculo XX traz baila a busca da qualidade escolar e

    implementao de gesto democrtica. O engajamento de instituies educacionais e civis deu

    novo flego luta pela reformulao dos cursos de formao de professores. Freitas (2002)

    considera que nessa dcada o pensamento tecnicista foi depreciado. Tal considerao se deve

    ao surgimento de uma nova viso sobre a formao de professores, que oficialmente se

    consubstanciava como recursos humanos para a educao.

    Essa crena se modifica a partir da atuao da Comisso Nacional pela Reformulao

    dos Cursos de Formao do Educador (CONARCFE) junto com os educadores, da qual

    emergem novas concepes sobre a formao de professores em direo ao carter scio-

    histrico. O novo modelo exige um profissional com formao mais ampla, aproximando-o

    das atividades dos especialistas e pedagogos.

    Com essa medida, buscou-se colaborar com o avano escolar rumo democratizao

    em suas relaes de poder e a construo de projetos inovadores. Ainda segundo Freitas (op.

    cit.), os educadores defendiam a educao como dever do Estado e estabelecimentos

    contratantes e direito dos professores. Tal viso no se manteve por muito tempo, pois novas

    polticas inverteram essa lgica para direito do Estado e dever do professor. Isso no

    emudeceu a CONARCFE que se estruturou melhor para o enfrentamento, se organizando

    inicialmente como um comit.

    Em 1980, segundo Oliveira (2001), foi criado o Comit pr-formao do educador,

    que em 1983 passou a ser designada Comisso Nacional e, finalmente em 1990, sagrou-se

    Associao Nacional para a Formao de Professores (ANFOPE). O autor observa que a

    promulgao da Constituio Brasileira em 1988 propiciou a abertura para a criao da

    ANFOPE. Entretanto, essa abertura teve incio com a Nova Repblica (1985 em diante), onde

    a luta pelo ensino pblico e gratuito ganha fora ao lado da discusso e cooperao

    internacional em favor da educao mundial, em busca de adequao globalizao,

    procurando evitar o aumento de pobreza e excluso que pode gerar conflitos e levar guerra

    (MIRANDA, 2005).

    Ainda segundo Oliveira (op. cit.), a sociedade se organizou por meio de discusses em

    favor da educao. Em decorrncia disso, surge o Frum Nacional em Defesa da Educao

    que passa a dialogar com a Cmara dos Deputados sobre a elaborao de um documento que

    traga mais equidade educao, contribuindo para a construo da prxima Lei de Diretrizes

    e Bases. O movimento foi fortalecido pela IV Conferncia Brasileira de Educao (CBE)

    realizada em Goinia em 1986.

    Segundo Silva (2004), as discusses ali realizadas cuidaram mais da garantia dos

  • 26

    direitos dos professores, defendendo inclusive um plano nacional de carreira diante da

    inexistncia do estatuto para o magistrio nas esferas estaduais e municipais, em muitas das

    unidades federativas. Tais reivindicaes compuseram a Carta de Goinia. Nela, a

    necessidade de significao da profisso professor era to urgente que no possibilitou a

    discusso sobre qualificao docente.

    Com um quadro ainda deficitrio de atendimento escolar populao, o Brasil

    participou na dcada de 90 da Conferncia Mundial de Educao, em Jomtien, na Tailndia,

    onde estavam presentes 155 pases. Cada um deles assumiu o compromisso de prover as

    Necessidades Bsicas de Aprendizagem (NEBA) de crianas, jovens e adultos, tornando

    prioridade a universalizao de acesso educao, prioridade aprendizagem, promoo da

    equidade alm de criar meios de alcance Educao Bsica.

    Os financiadores do encontro, Organizao das Naes Unidas para a Educao, a

    Cincia e a Cultura (UNESCO), Fundo Nacional das Naes Unidas para a Infncia

    (UNICEF), Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco

    Mundial, subscreveram uma declarao com recomendaes para que os objetivos da

    conferncia fossem alcanados pelos pases participantes.

    Na interlocuo nacional da carta-compromisso de Jomtien, a partir de um evento

    realizado em So Paulo em 1995, o Ministrio do Trabalho patrocinou o Programa Brasileiro

    de Produtividade e Qualidade. Nesse encontro com representantes de vrios ministrios

    (Ministrio da Educao e Cultura; Ministrio do Trabalho e Emprego; Ministrio da Cincia

    e Tecnologia; Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) e segmentos

    da sociedade civil (organizao de empresrios, Centrais Sindicais, Conselho de Reitores da

    Universidade Brasileira; Conselho Nacional de Secretrios de Educao; Unio Nacional dos

    Dirigentes Municipais de Educao; Federao Interestadual das Escolas Particulares), foi

    aprovada uma carta-educao recomendando a revalorizao da prtica de ensino.

    Embora a prtica de ensino tenha sido colocada em foco, o pronto atendimento s

    orientaes internacionais em troca de financiamentos, desestruturou o modelo escolar

    brasileiro, contribuindo para que os alunos avanassem nas sries do Ensino Fundamental sem

    avanos significativos no conhecimento (SHIROMA et al., 2004).

    O Governo cumpriu as exigncias do acordo internacional firmado de forma perversa:

    cortou verbas, no investiu na construo/manuteno de infra-estrutura das instituies de

    ensino e congelou os salrios dos professores. Shiroma (idem, p. 112) comenta que o

    discurso prt--porter fornecido pelas agncias internacionais e seus noveaux economistes

    parece no se ajustar realidade brasileira, pois a reformulao do sistema no proporcionou

  • 27

    melhoria no quadro educacional.

    Isso pode ser exemplificado por meio dos resultados do Sistema Nacional de

    Avaliao da Educao Bsica (SAEB), que avalia a educao bsica a cada dois anos e que

    tem constatado o declnio do desempenho dos alunos em Matemtica e Portugus, ano aps

    ano. Essa avaliao busca disponibilizar subsdios para a realimentao de polticas pblicas,

    tornando possvel a universalizao e a ampliao com justia e qualidade da educao

    brasileira. O declnio evidencia, tambm, a dificuldade de utilizao de conhecimentos da

    Lngua Portuguesa e de Matemtica no cotidiano, o que preocupante. Informaes do MEC

    divulgadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira,

    INEP, (BRASIL, 2007) permitem antever o estado da educao brasileira, o que acaba por

    remeter a formao de professores.

    Outra medida de atendimento aos organismos internacionais se d em 1993 com a

    criao do Plano Decenal de Educao para Todos (PDE). O plano reformulado a cada 10

    anos, mobilizando toda a sociedade brasileira em torno do objetivo que o de um padro

    mnimo de formao educacional. Alm disso, o PDE propicia a organizao de projetos

    pedaggicos mais afinados com a realidade e consequente modificao da atuao do

    professor, sendo indicado como condio necessria para melhoria do Ensino Fundamental.

    De posse de orientaes internacionais, o ento senador Darcy Ribeiro organizou um

    Projeto-lei para a educao brasileira, que passou a concorrer com o documento organizado

    pelo Frum Nacional em Defesa da Educao. Venceu o projeto organizado pelo senador em

    detrimento daquele que foi construdo durante oito anos e que representava a realidade

    brasileira. Dessa forma surgiu a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei n. 9394

    (BRASIL, 1996).

    Campos (2004) destaca que a promulgao dessa lei provocou uma avalanche de

    legislaes e formulao de documentos que procuraram dar uma nova roupagem

    formao. Mello (2000) afirma que as universidades primavam pela forma conteudstica, j

    que a prxis pedaggica dessas instituies se limitavam a associao de teorias e prticas

    sem necessariamente uma reflexo sobre elas.

    Em nvel mdio, segundo Saviani (1991), medidas como a departamentalizao do 2

    Grau e detalhamento curricular, permitiram antever a preocupao com o aprimoramento

    tcnico, em busca de eficincia e competitividade.

    A nova legislao, buscando atender principalmente o artigo 87, pargrafo 4, ampliou

    as agncias de formao do professor, fazendo nascer um novo lcus de formao de

    professores para atuar na educao infantil e sries iniciais do Ensino Fundamental: o Curso

  • 28

    Normal Superior, que a partir do Decreto n 3276/99, passa a concorrer com a Escola Normal

    em nvel mdio e com o curso de Pedagogia. Esse ltimo, dada as diferentes habilitaes que

    proporciona, contribuiu para a mudana da intitulao educador para profissional de

    educao.

    Nesse momento, alguns questionamentos sociais sobre a formao ganharam

    relevncia, tais como: o que se deseja, formar ou especializar? A quem caber, de fato, essa

    responsabilidade?

    Segundo Paiva (2006), a formalizao dessas modalidades foi assunto do Conselho

    Nacional de Educao (CNE) em 1999, que se deu por instrumentalidade dos Pareceres n.

    53/99 e n. 115/99 e da Resoluo n. 1/99.

    A Escola Normal e o curso de Pedagogia foram ento golpeados pelo Decreto n

    3276/99, que tornou exclusivo o Curso Normal Superior na formao de professores da

    Educao Infantil e Sries Iniciais do Ensino Fundamental, como se l no pargrafo 2 do

    artigo 3: A formao em nvel superior de professores para atuao multidisciplinar,

    destinada ao magistrio na educao infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, far-

    se- exclusivamente em cursos normais superiores.

    Uma crise se instaura a partir do termo exclusivamente. A Escola Normal em nvel

    mdio com estrutura secular na rea de formao de docentes e o curso de Pedagogia, que

    alm de formar pedagogos tambm preparava professores para atuar nas sries iniciais do

    Ensino Fundamental, perderam seus espaos privilegiados de atuao na educao.

    Em busca do espao perdido, a Escola Normal em nvel mdio se fortalece a partir da

    Resoluo CNE/CEB n. 02/99 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

    Formao de Docentes da Educao Infantil e Sries Iniciais do Ensino Fundamental, em

    nvel mdio, modalidade normal. importante destacarmos dois artigos, dos quais se

    resgatam aspectos fundamentais dessa resoluo:

    Artigo 1 - O Curso Normal em nvel Mdio, previsto no artigo 62 da Lei

    9394/96 aberto aos concluintes do Ensino Fundamental, deve prover, em

    atendimento ao disposto na Carta Magna e na Lei de diretrizes e Bases da

    Educao Nacional, LDBN, a formao de professores para atuar como

    docentes na Educao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,

    acrescendo-se s especificidades de cada um desses grupos as exigncias que

    so prprias das comunidades indgenas e dos portadores de necessidades

    educativas especiais. 1 O Curso, em funo de sua natureza profissional,

    requer ambiente institucional prprio com organizao adequada

    identidade da sua proposta pedaggica. 2 A proposta pedaggica de cada

    escola deve assegurar a constituio de valores, conhecimentos e

    competncias gerais e especficas necessrias ao exerccio da atividade

  • 29

    docente que, sob a tica do direito, possibilite o compromisso dos sistemas

    de ensino com a educao escolar de qualidade para as crianas, os jovens e

    adultos (Resoluo n 2, 1999).

    Artigo 5 - A formao bsica, geral e comum, direito inalienvel e condio

    necessria ao exerccio da cidadania plena, dever assegurar no Curso

    Normal, as competncias gerais e os conhecimentos que so previstos para a

    terceira etapa da educao bsica, nos termos do que estabelecem a Lei

    9394/96 LDBN, nos artigos 35 e 36, e o Parecer CEB/CNE 15/98. 1

    Enquanto dimenso do processo integrado de formao de professores, os

    contedos curriculares dessa rea sero remetidos a ambientes de

    aprendizagem planejados e desenvolvidos na escola campo de estudo. 2

    Os contedos curriculares destinados educao infantil e aos anos iniciais

    do Ensino Fundamental sero tratados em nvel de abrangncia e

    complexidade necessrias (re) significao de conhecimentos e valores,

    nas situaes em que so (ds) construdos/ (re) construdos por crianas,

    jovens e adultos. (RESOLUO CNE/CEB n.02/99).

    Outros documentos emitidos pelo Governo Federal do garantia continuidade do

    curso e direitos aos formados pelo Curso Normal, entre eles a Resoluo da educao com

    formao na modalidade mdio normal do CNE/CEB n. 01/03, de 20 de agosto de 2003, que

    assegura o direito constitucional de permanncia no quadro de professores em nvel mdio

    como rege o artigo 62 da LDB.

    Quanto ao curso de Pedagogia, de incio, este perdeu o seu espao na formao de

    professores para as sries iniciais do 1 segmento do Ensino Fundamental.

    Paiva (2006) registra que houve um esforo para privilegiar o Instituto Superior de

    Educao (ISE) e o Curso Normal Superior (CNS) como espao formador e que inclusive o

    CNE em 2001, atravs da Cmara de Ensino Superior (CES), baixou o Parecer n. 133/01,

    facultando s universidades e centro universitrios a oferta do Curso Normal Superior.

    Em 2000, atravs do Parecer CP n. 10/2000 foi proposta a reviso daquele decreto

    com vistas a substituir o termo exclusivamente para preferencialmente. Tal medida

    provocou reao incondicional de organismos educacionais e educadores, a comear por

    conselheiros membros do CNE que contriburam com argumentos e justificativas pela no

    aceitao da mudana. Em linhas gerais consideraram que o decreto foi estudado

    superficialmente, sob presso, e, portanto, em clima emocional desfavorvel. Yugo Okida

    considerou insatisfatrio o estudo das Diretrizes Curriculares para a formao de professores

    em busca de um perfil para o Curso Normal Superior, no que concordou Lauro Ribas Zimmer,

    ao se posicionar que no era possvel efetuar a mudana, uma vez que as Diretrizes

    Curriculares no haviam sido concludas. Eunice Ribeiro Durham responsabilizou os Cursos

  • 30

    de Pedagogia pela celeuma criada, pois segundo ela, esses cursos desejavam manter a

    habilitao para o magistrio, mesmo ferindo a especificidade da formao j aceita para

    preparao em nvel superior dos docentes, para o Ensino Mdio e demais nveis.

    Do outro lado, membros do Conselho Pleno do CNE cooperaram para que fosse

    solicitado ao ento Ministro da Educao, Paulo Renato Souza, a substituio da palavra

    exclusivamente por preferencialmente, o que prontamente se deu. A nova conotao

    transformou o Curso Normal Superior em opcional. Dessa forma, o curso de Pedagogia que

    teria um prazo para se transformar em Curso Normal Superior permaneceu com o seu leque

    de formao, ao mesmo tempo em que o outro curso perdia sua especificidade, prenunciando

    o seu fim.

    Assim, em agosto de 2006, o MEC decreta o fim do curso e orienta que para lecionar

    em classes de pr-escola e de sries iniciais, os futuros professores precisaro cursar

    Pedagogia. Para atender as novas exigncias do MEC, o curso de Pedagogia ampliou a carga

    horria para 3200h/trabalho acadmico, distribudos da seguinte forma: 2800h em atividades

    formativas tais como seminrios, pesquisas, visitas a instituies de ensino e consultas a

    bibliotecas; 300h de estgio supervisionado; e 100h de atividades complementares como

    iniciao cientfica ou monitoria. (CNE/CP n. 2/2002).

    A Escola Normal em nvel mdio a partir de 2001, tambm atravessou o seu vale de

    dificuldades quanto a sua vitalidade no incio do terceiro milnio, principalmente por conta

    do artigo 87 pargrafo 4 da LDB 9394 (BRASIL, 1996) onde se l que At o fim da dcada

    da Educao somente sero admitidos professores habilitados com nvel superior ou formados

    por treinamento em servio. Entendia-se que os alunos formados pela Escola Normal em

    nvel mdio no poderiam prestar concurso, o que invalidaria o curso.

    Seguindo orientaes da Secretaria Estadual de Educao

    (SEE/SUPERINTENDNCIA DO CURSO NORMAL, 2001), buscou-se ressignificar o

    Curso Normal em nvel mdio atravs de um currculo mais atualizado, sem desconhecer a

    provisoriedade dessa instncia educacional, enquanto se aguardava outros esclarecimentos

    daquele artigo e seus desdobramentos.

    Foram eleitos dois professores por escola com a misso de represent-las na SEE, ao

    mesmo tempo em que se ampliavam as discusses iniciadas naquela secretaria com os

    docentes nas instituies. Posteriormente, foram criados plos para dinamizar a discusso do

    currculo da Escola Normal em todo o estado do Rio de Janeiro. Todo o empenho dos

    professores desta modalidade de ensino resultou em uma matriz curricular que se esperava ser

    oficializada a partir de 2001. Ao receber a nova distribuio de horas/aula por disciplina em

  • 31

    2002, ficou transparente que a matriz inaugurada no foi aquela construda pelos educadores

    ao longo de 2001 (Ver Dirio Oficial./RJ, 2001).

    As mudanas ganharam visibilidade a partir da durao do curso que passou de trs

    para quatro anos. Esse acrscimo buscou priorizar a formao profissionalizante dessa

    modalidade de ensino, dando-lhe um carter eminentemente prtico. Essa ampliao

    prejudicou as disciplinas do ncleo comum, pois algumas sofreram reduo e carga horria,

    como Matemtica, Portugus, Biologia e a Literatura, que foi banida do currculo. Buscando

    adequao matriz, os planejamentos nem atendem formao profissionalizante nem

    tampouco preparam para o ensino superior.

    Percebe-se que a falta de entendimento do artigo em discusso, que permitiu outras

    leituras, atingiu em cheio as escolas do Curso Normal, o que apressou a gnese de sua

    extino em vrios estados brasileiros como So Paulo, Minas Gerais, Cear e Gois

    conforme assinalam Monteiro e Nunes (2005). Dessa forma, os anos dourados dessa

    modalidade de ensino cederam espao a uma queda vertiginosa de estabelecimentos de ensino

    e nmero de matriculas no Brasil.

    Para estas autoras, interpretaes equivocadas geraram outros problemas,

    principalmente para as regies mais desprovidas de educao como Norte e Nordeste. Sem a

    presena da Escola Normal perde-se a formao mnima, o que pior. O Censo Escolar de

    2001 do MEC d conta de que h 89.070 professores leigos lecionando em escolas pblicas e

    mais da metade deles se concentram nessas regies, onde o atendimento em nvel superior

    ainda deficitrio.

    Segundo Monteiro e Nunes (2005), em 1996 o nmero de matriculados em Curso

    Normal em todo o Brasil era de 839.487 alunos e a partir de 1997, o quantitativo segue em

    queda at a extino do curso em parte do Pas. Os autores registram ainda que em 1997 o

    curso fosse oferecido em 5370 escolas ao passo que em 2002, em 2641.

    O atendimento exigncia em nvel superior foi classificado por Monteiro e Nunes

    (op. cit.), como universitarizao porque se estabeleceu uma nova instituio formadora de

    professores atravs do Instituto Superior de Educao (ISE), de credibilidade duvidosa,

    desconsiderando os cursos de formao de professores em nvel superior de qualidade

    reconhecida. Tais cursos foram celebrados por convnios, com sobrecarga de disciplinas,

    aulas nas frias, enfim, realizados em tempo mnimo, aligeirados, onde se priorizou a

    certificao.

    Em 2007, um novo golpe contra o Curso Normal no Estado do Rio de Janeiro foi

    desferido por meio da ausncia dessa modalidade de ensino entre as temticas discutidas em

  • 32

    Niteri, no Instituto de Educao Professor Ismael Coutinho (IEPIC), objetivando

    contribuio para o PDE 2008-2017. Nesse evento os professores delegados presentes, no

    conseguiram aprovao para ementa de incluso do Curso Normal no projeto (SEE/RJ, 2007).

    Segundo Oliveira (2004), para atender o compromisso internacional, os pases menos

    desenvolvidos tiveram que criar estratgias de atendimento Educao Bsica, sem que o

    oramento as acompanhasse na mesma proporo. Nessa nova estrutura, sob interveno dos

    organismos internacionais, o professor passou a responder a exigncias para as quais no

    recebeu formao, fugindo ao controle do seu trabalho, colaborando para o sentimento de

    desprofissionalizao.

    Para Enguita (1991), desde as ltimas dcadas do sculo XX o professor vem sofrendo

    o processo de desprofissionalizao. Este autor aponta algumas de suas caractersticas:

    modificao do papel do professor, falta de prestgio diante da sociedade, presena de outras

    fontes de conhecimentos, falta de recursos materiais e condies para desenvolver o seu

    trabalho.

    A sala de aula deixou de ser o nico lcus de atividade do professor, sendo necessria

    a sua atuao na gesto escolar, elaborao de projetos e discusso sobre currculo e

    avaliao. Oliveira (2004) reitera que tais mudanas no trabalho docente podem afetar a

    natureza e a definio do que seja a docncia.

    Para Bottega (2007), o processo atual de formao de professor est ligado questo

    poltica, na qual a validao quantitativa tem prioridade sobre os resultados obtidos. Para ela,

    a formao em servio no se constitui de fato em formao, uma vez que os professores

    participantes destes cursos buscam respostas prontas, como se a educao fosse feita de

    receitas. E ainda acreditam que priorizar o saber-fazer suficiente para o sucesso, como se

    formao de professor fosse sinnima de treinamento, constituindo-se em iluso de

    formao.

    Dias e Lopes (2003) reconhecem a singularidade do trabalho do professor, mas

    afirmam que os documentos organizados a partir da LDB n. 9394 (BRASIL, 1996) voltam a

    direcionar a formao como processo de treinamento. Na percepo de Oliveira (2001), essa

    Lei, no que tange formao de professores da Educao Bsica, procurou recuperar a funo

    tecnicista da legislao anterior, a LDB 5692 (BRASIL, 1971). A legislao em vigor um

    campo que enseja novos estudos e deveria ser prioridade do Governo quando se trata da

    formao de educadores.

    Para Cuplillo (2004), refletir sobre a formao de professores tambm refletir sobre

    os sistemas e processos pedaggicos que se consolidam dentro da escola. O autor considera

  • 33

    que os processos pedaggicos escolares foram construdos sobre teorias que priorizaram, em

    boa parte, os sentidos auditivos e visuais, na organizao estrutural do conhecimento dos

    educandos. Entende ser necessria uma discusso sobre a construo do conhecimento, como

    observava Bachelard (1985, p. 39) ao defender que o pensamento cientfico um

    pensamento comprometido. Nessa direo, Nvoa (2007) considera que a formao do

    professor deva incluir novas reas cientficas para dar mais estmulos do que as que

    fundamentaram a Pedagogia moderna. A ampla produo, no entanto, no tem sido

    considerada de forma a orientar novos rumos educacionais.

    Enquanto isso a poltica de educao permanece atrelada a orientaes advindas de

    organismos internacionais e os resultados de formao docente no tm sido satisfatrios, o

    que revela a necessidade de lanar um olhar aguado sobre a formao de professores em

    nvel mdio, instncia que ainda forma professores para atuar na Educao Infantil e nas

    sries iniciais do Ensino Fundamental.

  • 34

    CAPTULO 2

    O CURSO NORMAL MDIO E O INSTITUTO DE EDUCAO SARAH

    KUBITSCHEK

    Um Instituto com tamanho de universidade, com cinco prdios e sendo dois deles

    escolas-laboratrio que cuidam da formao em Educao Infantil e sries iniciais do 1

    segmento do Ensino Fundamental. A vida pulsa com mais intensidade nesse espao onde

    crianas e jovens desfilam de azul e branco, com destaque para gravatas, estrelinhas e o

    uniforme de gala. Esse gigante alcana o pice de matrculas no ano de 2000, quando atende a

    7841 alunos distribudos em trs turnos com 42 turmas em cada um. Mas esse vulto nasceu

    pequeno e tmido.

    Seu nascimento se d em 3 de maio de 1959 com o nome de Escola Normal Sarah

    Kubitschek (ENSK) e oferece a modalidade de formao de professores, tendo apenas cinco

    turmas. Os primeiros alunos guardam na memria a disputa por uma vaga, quando eram

    peneirados 90% dos concorrentes.

    A falta de espao prprio no impediu que a Escola brotasse: foi como um rebento que

    devido a sua vitalidade ningum segurou. Assim, com o apoio da Escola Municipal

    Venezuela, que lhe serviu de bero por um ano, pde principiar alguns passos.

    Duas reformas influenciaram sua organizao, sendo que a segunda lhe serviu de

    parmetro por dois anos.

    A Reforma Francisco Campos a primeira legislao nacional de educao que

    contempla todos os nveis de ensino, tendo sido promulgada em 1931. Interferiu na forma de

    trabalho, na articulao de saberes, na organizao de livros-texto, incidiu na abordagem

    pedaggica que deveria ir alm de uma lista de contedos. Seu objetivo geral era preparar os

    estudantes brasileiros para a vida social, adequando-os ao desenvolvimento econmico

    brasileiro.

    Em 1942, outra reforma promulgada, a Reforma Gustavo Capanema, que buscou

    alinhar a educao com a Carta Constitucional de 1937. Uma nova organizao foi

    estabelecida no ensino, dividindo-o em formao geral e formao profissionalizante. O

  • 35

    secundrio passou a ser ministrado por Ciclos e o primeiro recebeu o nome de Curso Ginasial

    com durao de quatro anos e o segundo foi designado Curso Cientfico com durao de trs

    anos. As duas reformas, que foram organizadas para atender as ideologias polticas vigentes,

    modificaram o currculo do Curso Normal11

    .

    Tanuri (1979) observa que por ocasio da Reforma Francisco Campos, o currculo do

    Curso Normal com durao de cinco anos, praticado em 1929 foi oficializado, apresentando a

    seguinte estrutura:

    QUADRO 1 - CURRCULO DA ESCOLA NORMAL EM 1929

    1 ano

    Portugus

    Francs

    Aritmtica

    Geografia

    Desenho

    2 ano

    Portugus

    Francs

    Aritmtica

    Noes de

    Geometria e de

    lgebra

    Geografia

    Desenho

    3 ano

    Portugus

    Noes de Qumica, Fsica

    e Cincias Naturais

    Histria da civilizao

    Trabalhos manuais

    Prendas domsticas

    Msica e canto coral

    4 ano

    Portugus

    Higiene

    Histria da

    civilizao

    Pedagogia e noes

    de Pedologia

    Trabalhos manuais

    Prendas domsticas

    Msica e canto

    coral

    5 ano

    Pedagogia e

    Pedologia

    Didtica do ensino

    primrio

    Fonte: Kulesza, 2006.

    Esse currculo foi organizado em um perodo de profcuos debates sobre o ensino de

    Matemtica. Nele, a disciplina apresentada na forma compartimentar, gerando as

    Matemticas, como aparece no Quadro 1: Geometria, lgebra e Aritmtica.

    Nota-se que os dois primeiros anos cuidam da formao geral e nos dois anos

    seguintes dado destaque aos dotes femininos caractersticos da maternidade por meio das

    disciplinas Prendas Domsticas e Trabalhos Manuais. Na srie final, apenas duas disciplinas

    compem a grade curricular do curso, sendo insuficientes para garantir a formao

    profissionalizante relativa ao magistrio e o prosseguimento aos estudos em nvel superior.

    11 Petraglia e Morin (2001) buscam os sentidos da palavra normal no campo poltico e concluem que ela pode se entendida como normalizao ou determinismo cultural que se apia no conhecimento, que se instaura na

    famlia em direo escola at a universidade.

  • 36

    Como observa Zotti (2004), durante a Reforma Capanema, a elite continuou com o

    privilgio de cursar o secundrio em direo ao ensino superior, ao passo que os cursos

    profissionalizantes no permitiam esse acesso, o que provocou dicotomia dentro do mesmo

    nvel de ensino, distribuindo-os em dois grupos, formao para pensar e formao para

    produzir.

    Com a promulgao da Lei Orgnica de n 8530, de 2 de janeiro de 1946, conforme

    registra Sally (2006 apud Martins 1996), os estados brasileiros deixam de ter liberdade para

    promoverem reformas, cabendo ao Governo Federal centralizar as diretrizes da formao de

    professores, como tambm habilitar administradores escolares e desenvolver conhecimentos e

    tcnicas da Educao Infantil. Essa Lei legaliza o curso. Arajo (2006) comenta que o Curso

    Normal apesar de ter natureza profissionalizante, no um curso tcnico j que possui

    legislao prpria.

    Surgem ento dois modelos de currculo para as Escolas de Curso Normal, sendo

    necessria adequao a um deles. O de 1 Ciclo oferecido em quatro anos e o de 2 Ciclo

    oferecido em trs anos.

    QUADRO 2 - CURRCULO DA ESCOLA NORMAL 1 CICLO/1946

    1 ano

    Portugus

    Matemtica

    Geografia Geral

    Geografia do Brasil

    Canto Orfenico

    Educao Fsica

    Desenho e Caligrafia

    Trabalhos Manuais

    2 ano

    Portugus

    Matemtica

    Geografia do Brasil

    Canto Orfenico

    Educao Fsica

    Desenho e Caligrafia

    Trabalhos Manuais

    3 ano

    Portugus

    Matemtica

    Histria Geral

    Cincias Naturais

    Canto Orfenico

    Anatomia e Fisiologia

    Humana

    Educao Fsica

    Desenho e Caligrafia

    Trabalhos Manuais

    4 ano

    Portugus

    Histria do Brasil

    Canto Orfenico

    Higiene

    Educao Fsica

    Desenho e Caligrafia

    Psicologia e Pedagogia

    Didtica e Prtica de

    Ensino

    Fonte: Romanelli, 1989

  • 37

    O curso de 1 Ciclo era destinado habilitao de professores leigos, j atuantes no

    magistrio. Note-se na grade curricular a predominncia de disciplinas especficas, como

    Desenho e Caligrafia, Canto Orfenico e Educao Fsica ministradas durante os quatro anos

    do curso, e Trabalho Manuais, nos trs anos iniciais, geravam certa lacuna na formao

    profissionalizante dos novos educadores quanto sua atuao no antigo primrio, pois apenas

    no final do curso que os alunos aprendem Didtica e Prtica de Ensino.

    Romanelli (1989) considera que o currculo de 2 Ciclo do Curso Normal organizado a

    partir da Lei 8530/46, trata de forma mais consistente os contedos da formao geral do que

    o currculo do 1 Ciclo, mas enfatiza que os contedos da formao profissionalizante ainda

    so desenvolvidos nos anos finais do curso, conforme exposto no Quadro 3. Nota-se que a

    disciplina Metodologia do Ensino Primrio desenvolvida nas duas sries finais e Prtica de

    Ensino apenas na ltima.

    QUADRO 3 - CURRCULO DA ESCOLA NORMAL 2 CICLO/1946

    1 ano

    Portugus

    Matemtica

    Fsica/Qumica

    Anatomia e fisiologia Humana

    Msica e Canto Orfenico

    Desenho e Artes Aplicadas

    Educao Fsica, Recreaes e

    Jogos

    2 ano

    Msica e Canto Orfenico

    Desenho e Artes Aplicadas

    Educao Fsica, recreaes e

    Jogos

    Biologia Ocupacional

    Psicologia Educacional

    Metodologia do Ensino Primrio

    Higiene, Educao Sanitria e

    Puericultura

    3 ano

    Prtica de Ensino

    Msica e Canto Orfenico

    Desenho e Artes Aplicadas

    Educao Fsica, Recreao e

    Jogos

    Psicologia Educacional

    Metodologia do Ensino Primrio

    Sociologia Educacional

    Histria e Filosofia da Educao

    Higiene, Educao Sanitria e

    Puericultura

    Fonte: Romanelli, 1989.

    O Curso Normal de 2 Ciclo se destinava a alunos concluintes do Curso Ginasial. Esse

    modelo foi adotado pela ENSK no ano de sua inaugurao. Nele, a relevncia a formao

    pedaggica, que se d por meio da atribuio de maior peso s disciplinas especficas, como

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    Psicologia Educacional e Higiene, Educao Sanitria e Puericultura, desenvolvidas nas duas

    ltimas sries do curso. Essa uma das razes pelas quais o curso no se compatibilizou com

    os currculos do secundrio, o que no contribua para o prosseguimento dos estudos em nvel

    superior. Salvo se a opo fosse a Faculdade de Filosofia.

    Por ocasio da organizao da ENSK, muitas escolas normais foram construdas em

    vrias partes do territrio nacional. Para os cariocas, alm do Instituto de Educao do Rio de

    Janeiro (IERJ) e da Escola Normal Carmela Dutra (ENCD) que j existiam, surgiram mais

    quatro escolas que ofereciam essa modalidade de ensino. Martins (1996) observa que no

    perodo de 1960-1969 o nmero de alunos matriculados no Curso Normal aumentou na taxa

    de 262%. Campos (1999) entende que esse crescimento se consolida no momento em que a

    tnica no Brasil era a propagao do desenvolvimento econmico.

    Apesar do crescimento em unidades, o desenvolvimento do Curso Normal foi tolhido.

    A poltica educacional vigente no era compatvel com a proposta do curso. Estava em voga

    um acordo de cooperao e apoio ao ensino elementar patrocinado pelos Estados Unidos da

    Amrica (EUA) atravs do Programa da Assistncia Brasileiro-Americana de Apoio ao

    Ensino Elementar (PABAEE).

    Esse programa foi administrado pelo MEC e pelo United States Agency of

    International Development (USAID) no perodo de 1957 a 1965 com o objetivo de rever a

    metodologia de ensino aplicado ao Curso Normal, pautando-a em direo Psicologia.

    No entanto, essa empreitada no trouxe benefcios para o Brasil uma vez que se

    apresentava como modelo tecnicista, excludente e descompromissado com a educao bsica

    pblica. Haidar e Tanuri (2001) explicam que as teorias importadas eram de dupla face: ao

    serem disseminadas em nosso territrio incorporavam o esboo de uma sociedade capitalista.

    Com a promulgao da LDB n. 4024 em 20 de dezembro de 1961, o currculo da

    Escola Normal ganha maior flexibilidade sem com isso aproximar o oferecido da real

    necessidade. A mudana na poltica no traz benefcios para a Escola Normal, mas d incio

    ao seu retrocesso.

    A partir do golpe militar de 1964, a educao comea a retroceder atravs do

    cerceamento da colaborao de educadores e intelectuais que buscavam qualidade para o

    ensino brasileiro. As questes educacionais foram centralizadas pela Presidncia da Repblica

    atravs da sua Secretaria de Planejamento. A educao bsica mais uma vez ignorada e em

    seu lugar priorizada a educao para o trabalho, o que se consolida com a Lei de n. 5540/68.

    Essa Lei promove uma reforma universitria (ROTHEN, 2008) e aponta a formao

    do professor para o nvel superior, por meio das licenciaturas plenas a se realizar nas

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    Faculdades de Educao. Com o seu advento so incorporadas as disciplinas Metodologia de

    Ensino do 1 Grau e Prtica de Ensino da Escola de 1 Grau ao currculo da Escola Normal,

    com estgio supervisionado. Tais medidas, no entanto, no promovem melhoria no ensino. O

    modelo burocratizado dessas mudanas esvaziou a autonomia do professor transformando-o

    em mero transmissor de conhecimentos.

    Quanto ao ensino superior, este passa a ser a menina dos olhos do Governo, foco de

    investimentos para aplicao da Teoria do Capital Humano (TCH), que cumpre os objetivos

    do princpio da racionalidade, eficincia e produtividade. O Curso Normal foi, ento, excludo

    das prioridades do Governo.

    Sob a gide do capital humano emerge a LDB n. 5692, de 11 de agosto de 1971, que

    impulsionou o ensino para o tecnicismo, impedindo o cumprimento do papel da educao

    como agente de transformao. Esse fato se deve ao controle rgido do Governo atravs de

    atos institucionais e currculos escolares previamente determinados.

    Nos anos 70, surgem os Cursos de Habilitao Profissional de 2 Grau e, na apreciao

    de Pimenta (1988), a referida Lei descaracterizou o Curso Normal, provocando uma ruptura

    entre a formao geral e a formao especfica enquanto habilitao para o magistrio,

    provocando retrocesso nos seguintes tpicos: (1) transformou-se em uma habilitao a mais;

    (2) esvaziou-se de contedo, apresentando um modelo que no d conta da formao geral

    nem da formao especfica com consistncia; (3) uma habilitao de 2 categoria para qual

    concorrem alunos com menor possibilidade de abraar cursos com maior status; (4) o

    ensino superficial da disciplina Fundament