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Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIZ FUX. RELATOR DA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 2.865/RJ. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por seu procurador, nos autos da ação cível originária em que contende com a União e com a Agência Nacional do Petróleo - ANP, em cumprimento à intimação proferida, vem à presença de Vossa Excelência apresentar IMPUGNAÇÃO ao agravo interno interposto pela Petróleo Brasileiro S/A PETROBRÁS, mediante as razões a seguir aduzidas. Eminente Ministro. A presente impugnação ao agravo interno discorre sobre as seguintes questões: I Inexistência de interesse jurídico. Impropriedade da qualificação da agravante como terceiro prejudicado. II Ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada; III Nulidade da Resolução n. 01/2016 do CNPE IV Violação da Autonomia Regulatória da ANP. AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO QUE PERMITA A QUALIFICAÇÃO DA AGRAVANTE COMO TERCEIRO PREJUDICADO. 3. Como já demonstrado na impugnação ao agravo da ABEP, a presente ação tem por objetivo tutelar o devido processo legal no procedimento administrativo tendente à revisão dos critérios Impresso por: 82713065100 - FELIPE RECONDO FREIRE Em: 05/08/2016 - 11:48:05

LUIZ FUX. AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 2.865/RJ. SUPREMO … · Procuradoria Geral do Estado do Rio de Ja neiro 8 29. A ANP, por sua vez, possui responsabilidades regulatórias e técnicas

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Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIZ FUX. RELATOR DA AÇÃO CÍVEL

ORIGINÁRIA Nº 2.865/RJ. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por seu procurador, nos autos

da ação cível originária em que contende com a União e com a Agência

Nacional do Petróleo - ANP, em cumprimento à intimação proferida, vem

à presença de Vossa Excelência apresentar IMPUGNAÇÃO ao agravo

interno interposto pela Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS, mediante

as razões a seguir aduzidas.

Eminente Ministro.

A presente impugnação ao agravo interno discorre sobre as

seguintes questões:

I – Inexistência de interesse jurídico. Impropriedade da

qualificação da agravante como terceiro prejudicado.

II – Ausência de impugnação específica aos fundamentos da

decisão agravada;

III – Nulidade da Resolução n. 01/2016 do CNPE

IV – Violação da Autonomia Regulatória da ANP.

AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO QUE PERMITA A QUALIFICAÇÃO DA AGRAVANTE COMO TERCEIRO

PREJUDICADO.

3. Como já demonstrado na impugnação ao agravo da ABEP, a

presente ação tem por objetivo tutelar o devido processo legal no

procedimento administrativo tendente à revisão dos critérios

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técnicos para a fixação do preço de referência do barril de

petróleo.

4. Como se pode ver, a questão jurídica discutida gira em

torno das atribuições da ANP e do CNPE e da indevida intromissão na

autonomia e independência funcional da agência reguladora, em

matéria de competência a ela previamente reservada por ato

normativo.

5. Não se discutem na presente demanda os novos parâmetros

de fixação do preço de referência do barril de petróleo, mas sim a

competência da ANP para proceder a revisão desses critérios

técnicos.

6. Essa circunstância foi expressamente destacada pela ANP

em sua contestação, litteris:

“Desta forma, é preciso deixar claro que no processo de construção de uma resolução todos os legítimos interesses da sociedade, do Estado e dos agentes econômicos que estejam tecnicamente fundamentados serão considerados, não havendo motivo para a priori para o sobrestamento de consulta e audiência públicas.”

7. Por sua vez, dispõe o parágrafo único do art. 996 do

CPC/15: “cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão

sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir

direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como

substituto processual”.

8. Nesse contexto, conclui-se que o ingresso no feito na

qualidade de terceiro prejudicado pressupõe a comprovação do

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interesse jurídico direto. A propósito, as lições do Professor

Fredie Didier Jr. 1:

“O Direito Processual Civil disciplina os casos em que se permite o ingresso de terceiro em juízo, em razão do vínculo que mantém com a causa. Como regra, somente se autoriza a intervenção de terceiro que mantenha com a causa uma vinculação jurídica - no direito brasileiro, há um caso em que se admite a intervenção de terceiro por interesse econômico, examinado mais à frente. (...) É fundamental perceber, no entanto, que a correta compreensão das intervenções de terceiro passa, necessariamente, pela constatação de que haverá, sempre, um vínculo entre o terceiro e o objeto litigioso do processo. Além disso, é preciso saber as razões que justificam as intervenções de terceiro.”

9. No caso, é inegável que a solução da controvérsia

submetida ao Supremo Tribunal Federal, seja com o reconhecimento da

nulidade da Resolução do CNPE e a afirmação da competência da ANP,

seja com o reconhecimento da competência do CNPE, não produzirá

qualquer efeito jurídico na posição jurídica da Petrobrás.

10. É verdade que uma eventual aprovação de novos critérios

técnicos poderá ensejar um aumento do preço de referência e, por

consequência, um aumento no valor das compensações financeiras a

serem pagas. Mas essa circunstância retrata apenas uma

possibilidade, caracterizando-se em verdade como um mero e reflexo

interesse econômico na solução da demanda, impróprio à qualificação

como terceiro prejudicado.

11. Sequer na qualidade de assistente simples se mostra

admissível o ingresso da Petrobrás na lide, pois na assistência

simples - arts. 121/123 do CPC/15 – também é imprescindível que a

decisão judicial possa influenciar diretamente a relação jurídica

1 In, Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2015. Vol. 01, 17ª Ed., p. 477.

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material da qual fazem parte assistente e assistido, o que não

ocorre na hipótese dos autos

12. Observe-se que o exame de todo o elenco de argumentos

deduzidos pela agravante conflui, direta ou indiretamente para

eventuais aspectos financeiros, que na presente demanda não passam

de conjecturas. São eles, e não o interesse jurídico, a pauta da

tentativa de interferência no resultado da lide.

13. Desse modo, o pedido de ingresso no feito deve ser

indeferido, ante a impossibilidade de se extrair interesse jurídico

direto da Petrobrás no deslinde da controvérsia.

AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA.

14. Também o agravo da Petrobrás furtou-se à impugnação do

principal fundamento da decisão agravada, ou seja, da conclusão de

que a fixação do preço mínimo do petróleo não integra formulação da

política pública energética, bem como a afirmação de “que nem no

âmbito do Decreto nº 3.520/2000, que dispõe sobre a estrutura e o

funcionamento do CNPE, tampouco nas disposições da Lei nº 9.478/97,

se vislumbra qualquer atribuição de competências a tal órgão em

exercício da qual se poderia justificar a intervenção ora

noticiada”.

15. Incide, portanto, a Súmula 284 do Supremo Tribunal

Federal. Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS SUFICIENTES DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 284/STF. 1. Não comporta conhecimento o agravo interno que não impugna direta e especificamente todos os motivos indicados na decisão monocrática de Relator. 2. Agravo regimental não conhecido.”

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(ARE 859363 AgR, Relator(a): Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe-053, de 22-03-2016) “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 284. 1. É inviável o processamento do recurso quando o agravante não se desincumbe do ônus de de impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada, não restando preenchido o requisito de admissibilidade recursal previsto no art. 317, § 1º, do RISTF. Incidência da Súmula 284 do STF. 2 .Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 923584 AgR, Relator(a): Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe-046, de 11-03-2016)

NULIDADE DA RESOLUÇÃO N. 01/2016 DO CNPE – VÍCIOS DE FORMA E COMPETÊNCIA.

16. A agravante sustenta a ausência de ofensa à colegialidade

do Conselho, em face da possibilidade de atuação monocrática do

Presidente do CNPE em casos de relevância e urgência, bem como a

competência do órgão para deliberar sobre a matéria.

17. Com efeito, segundo o Regimento Interno do Conselho –

Decreto n. 3.520/00, as Resoluções do CNPE devem, necessariamente,

ser aprovadas em reunião deliberativa do órgão, a partir da

manifestação da maioria dos membros presentes, o que não ocorreu na

edição da referida Resolução.

18. Portanto, resta evidente o descumprimento do requisito de

forma, tornando nulo o ato praticado monocraticamente pelo

Presidente do Conselho.

19. Ademais, ainda que o art. 14, parágrafo único, do

Regimento Interno do CNPE autorize o Presidente do Conselho a

deliberar em casos de relevância e urgência ad referendum do

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colegiado, tal medida deve ser efetivamente motivada, com a expressa

comprovação dos referidos requisitos, sob pena de nulidade.

20. Tais requisitos não foram abordados no processo

administrativo que ensejou a edição da mencionada Resolução, o que

demonstra, mais uma vez, a nulidade do ato praticado, porquanto

manifestamente imotivado.

21. Assim, não tendo sido sequer abordada a suposta urgência

nas razões de decidir, ou mesmo cogitada quando da análise jurídica

do ato que se pretendia editar, constata-se que o ato é eivado não

somente de vício de forma, mas também de competência, visto que a

edição de Resoluções em nome do CNPE está condicionada à deliberação

colegiada.

22. Comprovada a nulidade do ato administrativo praticado,

mostra-se evidente que a aprovação deste pela Presidência da

República através de mero despacho não possui o condão de convalidar

os flagrantes vícios de forma e de competência.

23. Ressalte-se que, constatada e declarada a nulidade do

ato, este não produz qualquer efeito válido entre as partes, pois

essa declaração opera de forma ex tunc, não sendo, portanto,

passível de convalidação. Nesse sentido são as lições do jurista

Hely Lopes Meirelles2:

“Ato nulo: é o que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo. (...) A nulidade, todavia, deve ser reconhecida e proclamada pela Administração ou pelo Judiciário (cap. XI, itens II e IV), não sendo permitido ao particular negar exeqüibilidade ao ato administrativo, ainda que nulo, enquanto não for regularmente declarada sua invalidade, mas essa declaração opera ex tunc,

2 In, Direito Administrativo brasileiro. 22. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1997, págs. 156/157.

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isto é, retroage às suas origens e alcança todos os seus efeitos passados, presentes e futuros em relação às partes, só se admitindo exceção para com os terceiros de boa-fé, sujeitos às suas conseqüências reflexas.”

24. Desse modo, é improcedente o argumento de que o despacho

da Presidência da República conferiu eficácia jurídica aos comandos

descritos na Resolução n. 01/2016 do CNPE, assim como é descabida a

alegação que essa traduziu legítima definição de uma política

pública especifica para o setor de petróleo e gás, tomada pela

autoridade administrativa competente.

25. Note-se que, de fato, o CNPE possui o papel de

assessoramento da Presidência da República no que tange às políticas

nacionais e medidas específicas relacionadas ao setor energético em

geral, de modo a promover o aproveitamento racional de tais

recursos.

26. Ocorre que os atos normativos instituidores do referido

órgão não revelam qualquer atribuição específica quanto à fixação do

preço de referência para o cálculo da compensação financeira através

de participações governamentais.

27. O art.2º da Lei 9.478/97 confere ao CNPE a definição de

estratégias e políticas de desenvolvimento econômico e tecnológico

dirigidas ao setor de exploração e produção de petróleo, gás natural

e biocombustíveis, resguardando o necessário apoio técnico dos

órgãos reguladores.

28. Já o Decreto n. 3.520/00 não estabelece qualquer

atribuição de competências ao CNPE passível de justificar a

intervenção na disciplina de participações governamentais.

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29. A ANP, por sua vez, possui responsabilidades regulatórias

e técnicas específicas, sendo sua a atribuição de fixar critérios

técnicos de cálculo e definição para a precificação do barril de

petróleo, possuindo, nos termos do Decreto 2.705/98, competência

explícita e exclusiva para estabelecer o preço mínimo que

corresponderá ao preço de referência, usado como base de cálculo das

compensações financeiras.

30. Assim, conforme observado pela r. decisão agravada,

mostra-se evidente que a fixação do preço mínimo do petróleo,

utilizado como base para cobrança de participações governamentais,

não integra a formulação da política pública energética atribuída

ao CNPE.

31. Portanto, conclui-se que a edição da Resolução n. 01/2016

do CNPE objetivou, única e exclusivamente, a suspensão da realização

de audiência pública destinada à avaliação da revisão da Portaria

ANP n. 206/00, em sede do processo administrativo n.

48610.000618/2015/11, em trâmite perante a ANP, consubstanciando

indevida e ilegal intervenção política em matéria de ordem técnica.

32. Desse modo, percebe-se que a Resolução n. 01/2016 do CNPE

não só é deficiente sob o prisma formal, mas extravasa, de modo

inaceitável, as estritas competências que lhe são legalmente

atribuídas, invadindo, a passos largos, a esfera de atribuições

cometidas expressamente à ANP.

AUTONOMIA REGULATÓRIA DA ANP – IMPOSSIBILIDADE DE INGERÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA NAS ATRIBUIÇÕES DE NATUREZA NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS.

33. Conforme evidenciado, a Lei n. 9.478/97 instituiu a ANP

como entidade integrante da Administração indireta, em regime

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autárquico especial, sendo o órgão regulador da indústria do

petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculado

ao Ministério de Minas e Energia, além de dispor acerca de suas

competências e atribuições.

34. A ANP atua na regulação, na contratação e na fiscalização

das atividades da indústria do petróleo, bem como presta apoio

técnico ao CNPE, órgão também criado pela Lei n. 9.478/97, com a

atribuição genérica de propor ao Presidente da República políticas

nacionais e medidas específicas destinadas à política energética.

35. Ao dispor acerca das participações governamentais na

exploração e produção dos recursos minerais, a Lei n. 9.478/97

remeteu a Decreto regulamentar do Presidente da República a

disposição sobre os critérios orientadores do cálculo dessas

participações.

36. O referido Decreto regulamentar – Decreto n. 2.705/98,

por sua vez, definiu tais critérios e especificou as competências da

ANP nesse processo, dentre elas, a de fixação do preço mínimo do

petróleo extraído de cada campo, tido como referência para o cálculo

das participações governamentais.

37. Assim, o fato de a definição dos critérios gerais para o

cálculo das participações governamentais ser de competência do

Presidente da República, mediante Decreto, não afasta o desrespeito

à autonomia regulatória da ANP na hipótese, pois o referido Decreto

expressamente atribuiu à ANP a competência normativa do tema, a

partir de parâmetros legalmente estabelecidos.

38. Com efeito, a decisão objeto da presente demanda foi

exarada pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, na qualidade de

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Presidente do CNPE, órgão de natureza consultiva. Portanto, a

alegação de que houve exercício de competência originária do

Presidente da República não pode ser utilizada como fundamento na

espécie.

39. Note-se que, ao delegar competência originária que lhe

foi conferida por Lei, o delegante continua detentor da competência,

mas não pode exercê-la de forma concorrente com o delegado. Isso

porque deve haver a avocação da competência anteriormente delegada,

de modo a evitar-se a ocorrência de decisões distintas acerca do

mesmo tema. A propósito, o posicionamento de Marcello Caetano3:

“O fato do delegante ter permitido ao delegado o exercício de poderes não o priva destes: o delegante continua a ser competente, simultaneamente com o delegado. Mas quando queira exercer a sua competência deve o delegante avocar o caso, de modo a evitar a existência de duas decisões concorrentes. Isto é: delegante e delegado são competentes nas matérias em que houve delegação mas, em cada caso, só um deles pode exercer a competência.”

40. Portanto, mostra-se imprópria a alegação de que a

competência para a definição do preço mínimo do petróleo, conferida

por Decreto à ANP, poderá ser exercida de forma concorrente pelo

Presidente da República e pela própria ANP, de acordo com o que

melhor atendesse ao interesse público.

41. Ressalte-se que um simples despacho de “Aprovo” de um ato

administrativo praticado por outra autoridade não pode ser

considerado como uma forma de avocação de atribuição originária, no

caso, legalmente direcionada à ANP por Decreto definidor dos

critérios para o cálculo e cobrança das participações governamentais

de que trata a Lei n. 9.478/97.

3 In, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, Almedina, reimpressão da 10ª edição, 1991, pág. 228.

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42. Ademais, cumpre destacar que as agências reguladoras,

ainda que integrem a administração pública indireta, são dotadas de

autonomia decisória, executiva e financeira, no intuito de

proporcionar e preservar a gestão técnica de suas atribuições.

43. Assim, desde que respeitadas as políticas públicas

traçadas pelo Governo, as agências reguladoras possuem autonomia

regulatória, o que impede a ingerência da Administração Pública em

suas atribuições de natureza normativa. Nesse sentido, discorre José

Carlos Francisco4:

“Embora com a descentralização o Executivo fique privado de exercer as competências transferidas às agências reguladoras, essas não recebem plena independência da administração central, pois obviamente devem seguir as linhas gerais das políticas públicas traçadas pelo Governo. Além do que o Legislativo exerce papel proeminente tanto na edição da lei que cria essas agências, como também pela competência e estrutura de ação que define esse mesmo ato legislativo. Ainda que mediante princípios gerais e conceitos jurídicos indeterminados Por todos esses aspectos, o reconhecimento de função normativa para as agências reguladoras e decorrência lógico e jurídica das competências que lhes são confiadas pela lei, em face do quadro socioeconômico contemporâneo marcado pela realidade dinâmica (também pertinente às áreas de serviços públicos), exigindo eficientes e flexíveis instrumentos de gestão. Ademais, vimos que a tarefa de regular abrange a de normatizar e, considerando a amplitude das atividades regulatórias atribuídas pelas leis que as têm criado, essas autarquias de regime especial claramente exercem atividades normativas de caráter regulamentar.”

44. Observe-se que a edição de regulamentos de execução e

organização pelas agências reguladoras, além de demonstrar a

independência normativa destas nas áreas de sua competência,

evidencia que “as decisões tomadas no âmbito dessas agências são

definitivas, pois não estão sujeitas ao controle político da

4 In, Função regulamentar e regulamentos. – Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 247.

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administração direta” 5. Nesse contexto são as lições de Alexandre

Santos de Aragão6:

“Fixada a legitimidade da atribuição de competência normativa às agências reguladoras, dotadas de autonomia reforçada – descentralização material, independência –, a ingerência da Administração Pública central neste campo normativo consistirá em violação da respectiva norma legal atributiva de competência. Naturalmente que já o vimos (Item 11.7.4), as leis instituidoras das agências reguladoras conferiram à administração Central – através do Chefe do Poder Executivo, dos Ministros de Estado ou de Conselhos setoriais – a competência para, observada a lei, fixar as políticas gerais dos setores regulados. Neste âmbito, não há de se falar, naturalmente, em proteção da autonomia normativa das agências reguladoras. Por outro lado, no que a lei conferir especifica e expressamente às agências e no que consistir em detalhamento e implementação normativa das referidas políticas públicas gerais, não será admissível a ingerência da Administração central. A divisão de competências normativas setoriais feita pelo Legislador deve, desta forma, ser respeitada tanto pelas agências reguladoras como pela Administração central.”

45. Como se pode ver, o cotejo entre a alentada atuação da

ANP na condução do processo de revisão dos critérios objeto desta

ação e a apressada edição de deliberação monocrática da União,

através do Presidente do CNPE, revela que somente a primeira atende

aos ideais regulatórios não só inscritos na Lei 9.478/97, mas no

próprio art.177, §2º, III, da CF, que previu explicitamente a

existência de um órgão regulador.

46. Configura-se, portanto, gravíssimo atentado à eficiência

transformar o trabalho de oitiva e diálogo interdisciplinar

desenvolvido entre a ANP e o setor regulado, em mera peça retórica,

pronta para ser esvaziada por uma deliberação política.

5 In, FRANCISCO, JOSÉ CARLOS, Função regulamentar e regulamentos. – Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 246. 6 In, Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 429.

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47. Assim, a manutenção do ato praticado dará primazia a uma

decisão autocrática e atécnica, em detrimento de uma deliberação

tomada com base em dados científicos e por meio de um processo

aberto, suportado pelo diálogo com os diversos agentes do mercado

petrolífero, em flagrante violação ao Princípio democrático.

48. A ofensa ao Princípio democrático, inscrito no art. 1° da

CF, consubstancia-se justamente pela supressão do processo

deliberativo em curso perante instituição técnica e especializada na

matéria, por um ato de vontade isolada de agente, em manifesto

excesso de poder.

49. A submissão da ANP a uma determinação gritantemente

ilegal configura inequívoca vulneração ao devido processo legal,

assegurado justamente como garantia de que os diversos interesses

sobre a atividade regulada sejam objeto de decisão técnica pelo

órgão legalmente investido de competência para essa aferição

técnica.

50. Por fim, evidencia-se que a atuação da ANP na hipótese

não constitui violação ao Princípio da separação dos poderes, mas

sim efetivação do Estado de Direto, a partir da concretização da

segurança jurídica em matérias de caráter técnico-jurídico, como bem

destaca Alexandre Santos de Aragão7:

“Acreditamos ter demonstrado que, se retirado o caráter mítico e absoluto da ideia “clássica” da separação dos poderes, a complexidade e a autonomia das competências conferidas às agências reguladoras em nada contraria a divisão de funções estabelecida pelas constituições contemporâneas e os valores do Estado de Direito, que, afinal, constituem o principal parâmetro da admissibilidade ou não do exercício de distintas funções pelo mesmo órgão ou entidade pública.

7 In, Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002, págs. 375/376.

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Podemos afirmar que as competências complexas das quais as agências reguladoras independentes são dotadas fortalecem o Estado de Direito, vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de importantes atividades sociais e econômicas, atenuando a concentração de poderes na Administração Pública central, alcançam, com melhor proveito, o escopo maior – não meramente formal – da separação de poderes, qual seja, o de garantir eficazmente a segurança jurídica, a proteção da coletividade e dos indivíduos empreendedores de tais atividades ou por elas atingidos, mantendo-se sempre a possibilidade de interferência do Legislador, seja para alterar o regime jurídico da agência reguladora, ou mesmo para extingui-la.”

51. E referindo-se ao pensamento de Paola Bilancia8, conclui:

“com a atribuição de funções normativas a instituições de caráter técnico, não diretamente derivadas dos poderes representativos e em relação a eles neutros e independentes, dá-se uma transferência das funções decisórias da tutela dos interesses públicos, do circuito político, para autoridades capazes de, sempre com base em uma lei de conteúdo genérico, tomar decisões de caráter técnico-jurídico.”

52. Assim, a substituição da deliberação técnica da ANP por

um juízo manifestamente político revela, mais uma vez, a vulneração

ao Princípio Democrático, na medida em que o amplo e transparente

debate ocorrido no processo em trâmite perante a ANP, que será

complementado pela realização de consulta e audiências públicas,

confere maior legitimidade à decisão que vier a ser tomada.

* * *

Com essas razões, o Estado do Rio de Janeiro requer o não

conhecimento ou o desprovimento do agravo interno, mantendo-se a r.

decisão agravada.

8 In "Attività Normativa delle Autorità Indipendenti e Sistema delle Fonti", constante da obra coletiva "Le Autorità Indipendenti: Da fattori evolutivi ad elementi della transizione nel Diritto Pubblico italiano", Giuffrè, Milano, 1999, p. 149-150

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Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro

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Brasília, 28 de julho de 2016.

Alde da Costa Santos Júnior Procurador do Estado do Rio de Janeiro Matrícula 820.636-9 – OAB/DF 7.447

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