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Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIZ FUX. RELATOR DA AÇÃO CÍVEL
ORIGINÁRIA Nº 2.865/RJ. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por seu procurador, nos autos
da ação cível originária em que contende com a União e com a Agência
Nacional do Petróleo - ANP, em cumprimento à intimação proferida, vem
à presença de Vossa Excelência apresentar IMPUGNAÇÃO ao agravo
interno interposto pela Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS, mediante
as razões a seguir aduzidas.
Eminente Ministro.
A presente impugnação ao agravo interno discorre sobre as
seguintes questões:
I – Inexistência de interesse jurídico. Impropriedade da
qualificação da agravante como terceiro prejudicado.
II – Ausência de impugnação específica aos fundamentos da
decisão agravada;
III – Nulidade da Resolução n. 01/2016 do CNPE
IV – Violação da Autonomia Regulatória da ANP.
AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO QUE PERMITA A QUALIFICAÇÃO DA AGRAVANTE COMO TERCEIRO
PREJUDICADO.
3. Como já demonstrado na impugnação ao agravo da ABEP, a
presente ação tem por objetivo tutelar o devido processo legal no
procedimento administrativo tendente à revisão dos critérios
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técnicos para a fixação do preço de referência do barril de
petróleo.
4. Como se pode ver, a questão jurídica discutida gira em
torno das atribuições da ANP e do CNPE e da indevida intromissão na
autonomia e independência funcional da agência reguladora, em
matéria de competência a ela previamente reservada por ato
normativo.
5. Não se discutem na presente demanda os novos parâmetros
de fixação do preço de referência do barril de petróleo, mas sim a
competência da ANP para proceder a revisão desses critérios
técnicos.
6. Essa circunstância foi expressamente destacada pela ANP
em sua contestação, litteris:
“Desta forma, é preciso deixar claro que no processo de construção de uma resolução todos os legítimos interesses da sociedade, do Estado e dos agentes econômicos que estejam tecnicamente fundamentados serão considerados, não havendo motivo para a priori para o sobrestamento de consulta e audiência públicas.”
7. Por sua vez, dispõe o parágrafo único do art. 996 do
CPC/15: “cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão
sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir
direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como
substituto processual”.
8. Nesse contexto, conclui-se que o ingresso no feito na
qualidade de terceiro prejudicado pressupõe a comprovação do
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interesse jurídico direto. A propósito, as lições do Professor
Fredie Didier Jr. 1:
“O Direito Processual Civil disciplina os casos em que se permite o ingresso de terceiro em juízo, em razão do vínculo que mantém com a causa. Como regra, somente se autoriza a intervenção de terceiro que mantenha com a causa uma vinculação jurídica - no direito brasileiro, há um caso em que se admite a intervenção de terceiro por interesse econômico, examinado mais à frente. (...) É fundamental perceber, no entanto, que a correta compreensão das intervenções de terceiro passa, necessariamente, pela constatação de que haverá, sempre, um vínculo entre o terceiro e o objeto litigioso do processo. Além disso, é preciso saber as razões que justificam as intervenções de terceiro.”
9. No caso, é inegável que a solução da controvérsia
submetida ao Supremo Tribunal Federal, seja com o reconhecimento da
nulidade da Resolução do CNPE e a afirmação da competência da ANP,
seja com o reconhecimento da competência do CNPE, não produzirá
qualquer efeito jurídico na posição jurídica da Petrobrás.
10. É verdade que uma eventual aprovação de novos critérios
técnicos poderá ensejar um aumento do preço de referência e, por
consequência, um aumento no valor das compensações financeiras a
serem pagas. Mas essa circunstância retrata apenas uma
possibilidade, caracterizando-se em verdade como um mero e reflexo
interesse econômico na solução da demanda, impróprio à qualificação
como terceiro prejudicado.
11. Sequer na qualidade de assistente simples se mostra
admissível o ingresso da Petrobrás na lide, pois na assistência
simples - arts. 121/123 do CPC/15 – também é imprescindível que a
decisão judicial possa influenciar diretamente a relação jurídica
1 In, Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2015. Vol. 01, 17ª Ed., p. 477.
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material da qual fazem parte assistente e assistido, o que não
ocorre na hipótese dos autos
12. Observe-se que o exame de todo o elenco de argumentos
deduzidos pela agravante conflui, direta ou indiretamente para
eventuais aspectos financeiros, que na presente demanda não passam
de conjecturas. São eles, e não o interesse jurídico, a pauta da
tentativa de interferência no resultado da lide.
13. Desse modo, o pedido de ingresso no feito deve ser
indeferido, ante a impossibilidade de se extrair interesse jurídico
direto da Petrobrás no deslinde da controvérsia.
AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA.
14. Também o agravo da Petrobrás furtou-se à impugnação do
principal fundamento da decisão agravada, ou seja, da conclusão de
que a fixação do preço mínimo do petróleo não integra formulação da
política pública energética, bem como a afirmação de “que nem no
âmbito do Decreto nº 3.520/2000, que dispõe sobre a estrutura e o
funcionamento do CNPE, tampouco nas disposições da Lei nº 9.478/97,
se vislumbra qualquer atribuição de competências a tal órgão em
exercício da qual se poderia justificar a intervenção ora
noticiada”.
15. Incide, portanto, a Súmula 284 do Supremo Tribunal
Federal. Nesse sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS SUFICIENTES DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 284/STF. 1. Não comporta conhecimento o agravo interno que não impugna direta e especificamente todos os motivos indicados na decisão monocrática de Relator. 2. Agravo regimental não conhecido.”
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(ARE 859363 AgR, Relator(a): Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe-053, de 22-03-2016) “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 284. 1. É inviável o processamento do recurso quando o agravante não se desincumbe do ônus de de impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada, não restando preenchido o requisito de admissibilidade recursal previsto no art. 317, § 1º, do RISTF. Incidência da Súmula 284 do STF. 2 .Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 923584 AgR, Relator(a): Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe-046, de 11-03-2016)
NULIDADE DA RESOLUÇÃO N. 01/2016 DO CNPE – VÍCIOS DE FORMA E COMPETÊNCIA.
16. A agravante sustenta a ausência de ofensa à colegialidade
do Conselho, em face da possibilidade de atuação monocrática do
Presidente do CNPE em casos de relevância e urgência, bem como a
competência do órgão para deliberar sobre a matéria.
17. Com efeito, segundo o Regimento Interno do Conselho –
Decreto n. 3.520/00, as Resoluções do CNPE devem, necessariamente,
ser aprovadas em reunião deliberativa do órgão, a partir da
manifestação da maioria dos membros presentes, o que não ocorreu na
edição da referida Resolução.
18. Portanto, resta evidente o descumprimento do requisito de
forma, tornando nulo o ato praticado monocraticamente pelo
Presidente do Conselho.
19. Ademais, ainda que o art. 14, parágrafo único, do
Regimento Interno do CNPE autorize o Presidente do Conselho a
deliberar em casos de relevância e urgência ad referendum do
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colegiado, tal medida deve ser efetivamente motivada, com a expressa
comprovação dos referidos requisitos, sob pena de nulidade.
20. Tais requisitos não foram abordados no processo
administrativo que ensejou a edição da mencionada Resolução, o que
demonstra, mais uma vez, a nulidade do ato praticado, porquanto
manifestamente imotivado.
21. Assim, não tendo sido sequer abordada a suposta urgência
nas razões de decidir, ou mesmo cogitada quando da análise jurídica
do ato que se pretendia editar, constata-se que o ato é eivado não
somente de vício de forma, mas também de competência, visto que a
edição de Resoluções em nome do CNPE está condicionada à deliberação
colegiada.
22. Comprovada a nulidade do ato administrativo praticado,
mostra-se evidente que a aprovação deste pela Presidência da
República através de mero despacho não possui o condão de convalidar
os flagrantes vícios de forma e de competência.
23. Ressalte-se que, constatada e declarada a nulidade do
ato, este não produz qualquer efeito válido entre as partes, pois
essa declaração opera de forma ex tunc, não sendo, portanto,
passível de convalidação. Nesse sentido são as lições do jurista
Hely Lopes Meirelles2:
“Ato nulo: é o que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo. (...) A nulidade, todavia, deve ser reconhecida e proclamada pela Administração ou pelo Judiciário (cap. XI, itens II e IV), não sendo permitido ao particular negar exeqüibilidade ao ato administrativo, ainda que nulo, enquanto não for regularmente declarada sua invalidade, mas essa declaração opera ex tunc,
2 In, Direito Administrativo brasileiro. 22. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1997, págs. 156/157.
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isto é, retroage às suas origens e alcança todos os seus efeitos passados, presentes e futuros em relação às partes, só se admitindo exceção para com os terceiros de boa-fé, sujeitos às suas conseqüências reflexas.”
24. Desse modo, é improcedente o argumento de que o despacho
da Presidência da República conferiu eficácia jurídica aos comandos
descritos na Resolução n. 01/2016 do CNPE, assim como é descabida a
alegação que essa traduziu legítima definição de uma política
pública especifica para o setor de petróleo e gás, tomada pela
autoridade administrativa competente.
25. Note-se que, de fato, o CNPE possui o papel de
assessoramento da Presidência da República no que tange às políticas
nacionais e medidas específicas relacionadas ao setor energético em
geral, de modo a promover o aproveitamento racional de tais
recursos.
26. Ocorre que os atos normativos instituidores do referido
órgão não revelam qualquer atribuição específica quanto à fixação do
preço de referência para o cálculo da compensação financeira através
de participações governamentais.
27. O art.2º da Lei 9.478/97 confere ao CNPE a definição de
estratégias e políticas de desenvolvimento econômico e tecnológico
dirigidas ao setor de exploração e produção de petróleo, gás natural
e biocombustíveis, resguardando o necessário apoio técnico dos
órgãos reguladores.
28. Já o Decreto n. 3.520/00 não estabelece qualquer
atribuição de competências ao CNPE passível de justificar a
intervenção na disciplina de participações governamentais.
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29. A ANP, por sua vez, possui responsabilidades regulatórias
e técnicas específicas, sendo sua a atribuição de fixar critérios
técnicos de cálculo e definição para a precificação do barril de
petróleo, possuindo, nos termos do Decreto 2.705/98, competência
explícita e exclusiva para estabelecer o preço mínimo que
corresponderá ao preço de referência, usado como base de cálculo das
compensações financeiras.
30. Assim, conforme observado pela r. decisão agravada,
mostra-se evidente que a fixação do preço mínimo do petróleo,
utilizado como base para cobrança de participações governamentais,
não integra a formulação da política pública energética atribuída
ao CNPE.
31. Portanto, conclui-se que a edição da Resolução n. 01/2016
do CNPE objetivou, única e exclusivamente, a suspensão da realização
de audiência pública destinada à avaliação da revisão da Portaria
ANP n. 206/00, em sede do processo administrativo n.
48610.000618/2015/11, em trâmite perante a ANP, consubstanciando
indevida e ilegal intervenção política em matéria de ordem técnica.
32. Desse modo, percebe-se que a Resolução n. 01/2016 do CNPE
não só é deficiente sob o prisma formal, mas extravasa, de modo
inaceitável, as estritas competências que lhe são legalmente
atribuídas, invadindo, a passos largos, a esfera de atribuições
cometidas expressamente à ANP.
AUTONOMIA REGULATÓRIA DA ANP – IMPOSSIBILIDADE DE INGERÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA NAS ATRIBUIÇÕES DE NATUREZA NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS.
33. Conforme evidenciado, a Lei n. 9.478/97 instituiu a ANP
como entidade integrante da Administração indireta, em regime
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autárquico especial, sendo o órgão regulador da indústria do
petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculado
ao Ministério de Minas e Energia, além de dispor acerca de suas
competências e atribuições.
34. A ANP atua na regulação, na contratação e na fiscalização
das atividades da indústria do petróleo, bem como presta apoio
técnico ao CNPE, órgão também criado pela Lei n. 9.478/97, com a
atribuição genérica de propor ao Presidente da República políticas
nacionais e medidas específicas destinadas à política energética.
35. Ao dispor acerca das participações governamentais na
exploração e produção dos recursos minerais, a Lei n. 9.478/97
remeteu a Decreto regulamentar do Presidente da República a
disposição sobre os critérios orientadores do cálculo dessas
participações.
36. O referido Decreto regulamentar – Decreto n. 2.705/98,
por sua vez, definiu tais critérios e especificou as competências da
ANP nesse processo, dentre elas, a de fixação do preço mínimo do
petróleo extraído de cada campo, tido como referência para o cálculo
das participações governamentais.
37. Assim, o fato de a definição dos critérios gerais para o
cálculo das participações governamentais ser de competência do
Presidente da República, mediante Decreto, não afasta o desrespeito
à autonomia regulatória da ANP na hipótese, pois o referido Decreto
expressamente atribuiu à ANP a competência normativa do tema, a
partir de parâmetros legalmente estabelecidos.
38. Com efeito, a decisão objeto da presente demanda foi
exarada pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, na qualidade de
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Presidente do CNPE, órgão de natureza consultiva. Portanto, a
alegação de que houve exercício de competência originária do
Presidente da República não pode ser utilizada como fundamento na
espécie.
39. Note-se que, ao delegar competência originária que lhe
foi conferida por Lei, o delegante continua detentor da competência,
mas não pode exercê-la de forma concorrente com o delegado. Isso
porque deve haver a avocação da competência anteriormente delegada,
de modo a evitar-se a ocorrência de decisões distintas acerca do
mesmo tema. A propósito, o posicionamento de Marcello Caetano3:
“O fato do delegante ter permitido ao delegado o exercício de poderes não o priva destes: o delegante continua a ser competente, simultaneamente com o delegado. Mas quando queira exercer a sua competência deve o delegante avocar o caso, de modo a evitar a existência de duas decisões concorrentes. Isto é: delegante e delegado são competentes nas matérias em que houve delegação mas, em cada caso, só um deles pode exercer a competência.”
40. Portanto, mostra-se imprópria a alegação de que a
competência para a definição do preço mínimo do petróleo, conferida
por Decreto à ANP, poderá ser exercida de forma concorrente pelo
Presidente da República e pela própria ANP, de acordo com o que
melhor atendesse ao interesse público.
41. Ressalte-se que um simples despacho de “Aprovo” de um ato
administrativo praticado por outra autoridade não pode ser
considerado como uma forma de avocação de atribuição originária, no
caso, legalmente direcionada à ANP por Decreto definidor dos
critérios para o cálculo e cobrança das participações governamentais
de que trata a Lei n. 9.478/97.
3 In, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, Almedina, reimpressão da 10ª edição, 1991, pág. 228.
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42. Ademais, cumpre destacar que as agências reguladoras,
ainda que integrem a administração pública indireta, são dotadas de
autonomia decisória, executiva e financeira, no intuito de
proporcionar e preservar a gestão técnica de suas atribuições.
43. Assim, desde que respeitadas as políticas públicas
traçadas pelo Governo, as agências reguladoras possuem autonomia
regulatória, o que impede a ingerência da Administração Pública em
suas atribuições de natureza normativa. Nesse sentido, discorre José
Carlos Francisco4:
“Embora com a descentralização o Executivo fique privado de exercer as competências transferidas às agências reguladoras, essas não recebem plena independência da administração central, pois obviamente devem seguir as linhas gerais das políticas públicas traçadas pelo Governo. Além do que o Legislativo exerce papel proeminente tanto na edição da lei que cria essas agências, como também pela competência e estrutura de ação que define esse mesmo ato legislativo. Ainda que mediante princípios gerais e conceitos jurídicos indeterminados Por todos esses aspectos, o reconhecimento de função normativa para as agências reguladoras e decorrência lógico e jurídica das competências que lhes são confiadas pela lei, em face do quadro socioeconômico contemporâneo marcado pela realidade dinâmica (também pertinente às áreas de serviços públicos), exigindo eficientes e flexíveis instrumentos de gestão. Ademais, vimos que a tarefa de regular abrange a de normatizar e, considerando a amplitude das atividades regulatórias atribuídas pelas leis que as têm criado, essas autarquias de regime especial claramente exercem atividades normativas de caráter regulamentar.”
44. Observe-se que a edição de regulamentos de execução e
organização pelas agências reguladoras, além de demonstrar a
independência normativa destas nas áreas de sua competência,
evidencia que “as decisões tomadas no âmbito dessas agências são
definitivas, pois não estão sujeitas ao controle político da
4 In, Função regulamentar e regulamentos. – Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 247.
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administração direta” 5. Nesse contexto são as lições de Alexandre
Santos de Aragão6:
“Fixada a legitimidade da atribuição de competência normativa às agências reguladoras, dotadas de autonomia reforçada – descentralização material, independência –, a ingerência da Administração Pública central neste campo normativo consistirá em violação da respectiva norma legal atributiva de competência. Naturalmente que já o vimos (Item 11.7.4), as leis instituidoras das agências reguladoras conferiram à administração Central – através do Chefe do Poder Executivo, dos Ministros de Estado ou de Conselhos setoriais – a competência para, observada a lei, fixar as políticas gerais dos setores regulados. Neste âmbito, não há de se falar, naturalmente, em proteção da autonomia normativa das agências reguladoras. Por outro lado, no que a lei conferir especifica e expressamente às agências e no que consistir em detalhamento e implementação normativa das referidas políticas públicas gerais, não será admissível a ingerência da Administração central. A divisão de competências normativas setoriais feita pelo Legislador deve, desta forma, ser respeitada tanto pelas agências reguladoras como pela Administração central.”
45. Como se pode ver, o cotejo entre a alentada atuação da
ANP na condução do processo de revisão dos critérios objeto desta
ação e a apressada edição de deliberação monocrática da União,
através do Presidente do CNPE, revela que somente a primeira atende
aos ideais regulatórios não só inscritos na Lei 9.478/97, mas no
próprio art.177, §2º, III, da CF, que previu explicitamente a
existência de um órgão regulador.
46. Configura-se, portanto, gravíssimo atentado à eficiência
transformar o trabalho de oitiva e diálogo interdisciplinar
desenvolvido entre a ANP e o setor regulado, em mera peça retórica,
pronta para ser esvaziada por uma deliberação política.
5 In, FRANCISCO, JOSÉ CARLOS, Função regulamentar e regulamentos. – Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 246. 6 In, Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 429.
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47. Assim, a manutenção do ato praticado dará primazia a uma
decisão autocrática e atécnica, em detrimento de uma deliberação
tomada com base em dados científicos e por meio de um processo
aberto, suportado pelo diálogo com os diversos agentes do mercado
petrolífero, em flagrante violação ao Princípio democrático.
48. A ofensa ao Princípio democrático, inscrito no art. 1° da
CF, consubstancia-se justamente pela supressão do processo
deliberativo em curso perante instituição técnica e especializada na
matéria, por um ato de vontade isolada de agente, em manifesto
excesso de poder.
49. A submissão da ANP a uma determinação gritantemente
ilegal configura inequívoca vulneração ao devido processo legal,
assegurado justamente como garantia de que os diversos interesses
sobre a atividade regulada sejam objeto de decisão técnica pelo
órgão legalmente investido de competência para essa aferição
técnica.
50. Por fim, evidencia-se que a atuação da ANP na hipótese
não constitui violação ao Princípio da separação dos poderes, mas
sim efetivação do Estado de Direto, a partir da concretização da
segurança jurídica em matérias de caráter técnico-jurídico, como bem
destaca Alexandre Santos de Aragão7:
“Acreditamos ter demonstrado que, se retirado o caráter mítico e absoluto da ideia “clássica” da separação dos poderes, a complexidade e a autonomia das competências conferidas às agências reguladoras em nada contraria a divisão de funções estabelecida pelas constituições contemporâneas e os valores do Estado de Direito, que, afinal, constituem o principal parâmetro da admissibilidade ou não do exercício de distintas funções pelo mesmo órgão ou entidade pública.
7 In, Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002, págs. 375/376.
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Podemos afirmar que as competências complexas das quais as agências reguladoras independentes são dotadas fortalecem o Estado de Direito, vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de importantes atividades sociais e econômicas, atenuando a concentração de poderes na Administração Pública central, alcançam, com melhor proveito, o escopo maior – não meramente formal – da separação de poderes, qual seja, o de garantir eficazmente a segurança jurídica, a proteção da coletividade e dos indivíduos empreendedores de tais atividades ou por elas atingidos, mantendo-se sempre a possibilidade de interferência do Legislador, seja para alterar o regime jurídico da agência reguladora, ou mesmo para extingui-la.”
51. E referindo-se ao pensamento de Paola Bilancia8, conclui:
“com a atribuição de funções normativas a instituições de caráter técnico, não diretamente derivadas dos poderes representativos e em relação a eles neutros e independentes, dá-se uma transferência das funções decisórias da tutela dos interesses públicos, do circuito político, para autoridades capazes de, sempre com base em uma lei de conteúdo genérico, tomar decisões de caráter técnico-jurídico.”
52. Assim, a substituição da deliberação técnica da ANP por
um juízo manifestamente político revela, mais uma vez, a vulneração
ao Princípio Democrático, na medida em que o amplo e transparente
debate ocorrido no processo em trâmite perante a ANP, que será
complementado pela realização de consulta e audiências públicas,
confere maior legitimidade à decisão que vier a ser tomada.
* * *
Com essas razões, o Estado do Rio de Janeiro requer o não
conhecimento ou o desprovimento do agravo interno, mantendo-se a r.
decisão agravada.
8 In "Attività Normativa delle Autorità Indipendenti e Sistema delle Fonti", constante da obra coletiva "Le Autorità Indipendenti: Da fattori evolutivi ad elementi della transizione nel Diritto Pubblico italiano", Giuffrè, Milano, 1999, p. 149-150
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