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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
LUIZ GUSTAVO TEIXEIRA PINTO
A ESPIRITUALIDADE NO CUIDADO INTEGRAL À SAÚDE DA PESSOA COM
CÂNCER DE MAMA NA PERSPECTIVA DOS CUIDADORES
Itajaí (SC)
2014
LUIZ GUSTAVO TEIXEIRA PINTO
A ESPIRITUALIDADE NO CUIDADO INTEGRAL À SAÚDE DA PESSOA COM
CÂNCER DE MAMA NA PERSPECTIVA DOS CUIDADORES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde e Gestão do Trabalho – Mestrado Profissional (MPSGT), da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Saúde. Área de concentração: Saúde da Família. Linha de pesquisa: A Família em seu ciclo vital na perspectiva interdisciplinar. Orientadora: Profª. Dra. Maria Glória
Dittrich.
Itajaí (SC)
2014
LUIZ GUSTAVO TEIXEIRA PINTO
A ESPIRITUALIDADE NO CUIDADO INTEGRAL À SAÚDE DA PESSOA COM
CÂNCER DE MAMA NA PERSPECTIVA DOS CUIDADORES
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho – Mestrado Profissional (MPSGT), e aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí. Área de concentração: Saúde da Família.
Linha de pesquisa: A Família em seu ciclo vital na perspectiva interdisciplinar.
Itajaí, 29 de julho de 2014.
Profª. Dra. Maria Glória Dittrich Orientadora
Prof. Dra. Maria do Rosário Knechtel Avaliadora
UFPR
Prof. Dra. Stella Maris Brum Lopes Avaliadora UNIVALI
AGRADECIMENTOS
À Paula, ao Arthur e ao Vitor precisaria de muito mais espaço e palavras para
expressar o quanto importantes vocês são na minha vida. Reconheço que vocês são
meu maior sentido.
À minha mãe, Lucia (Luz), querida e generosa em sua amorosidade, foi por
meio de caminhos difíceis e por suas mãos que pude iniciar a compreensão da
espiritualidade.
Ao meu pai, Carlos (in memoriam). Apesar de sua aparente pouca
compreensão da complexidade do ser humano, foi sempre meu incentivador nas
conquistas da vida por meio de trabalho e dedicação.
À minha afilhada e irmã, Renata, nossa história de superação fala por nossa
amizade.
Aos meus “Pais auxiliares”, Marcio Godoy (in memoriam) e Eliana, saudades
e lembranças de muita alegria.
Agradeço sincera e amorosamente a todos do grupo Paz, Amor e Alegria e
em especial a “tia Marcia”, por “dar possibilidades” aos incontáveis momentos de paz
e firmamento que vivenciei por mais de uma década e, por meio de muito estudo
teórico e prático, pude compreender o fenômeno da espiritualidade e perceber a
potencialidade que todos nós seres humanos temos de evoluir.
Agradeço aos amigos especiais, “Velho Joaquim”, Paulo, Carmem, C.
Cachoeira, Betinho, Sebastião, Shidaha e outros tantos irmãos de uma linda e longa
história de ensinamentos, acolhimentos e infinita amorosidade.
À fascinante Dra. Maria Glória Dittrich, pela amizade e generosidade com que
me acolheu e me guiou nesta jornada científica sobre a espiritualidade.
RESUMO
O câncer de mama se apresenta no Brasil e no mundo como um dos tumores malignos mais prevalentes, apesar de toda a evolução da tecnologia dura, por meio de exames mais sofisticados, medicamentos mais potentes e melhor acesso aos serviços especializados de saúde. O impacto de seu diagnóstico frente à pessoa atinge dimensões ampliadas do ser humano, tais como sociais, ecológicas, psicológicas, físicas e espirituais. O pensar-sentir-agir entre os profissionais da área de saúde ainda é muito fragmentado, prevalecendo a visão biologicista da doença. Essa herança da educação em saúde é historicamente atribuída ao modelo flexneriano em entender o processo saúde-doença, reduzindo-o apenas ao aspecto biológico. Todavia, nessa nova era de transformações pela qual perpassa toda a humanidade, valores até então pouco explorados, ou mesmo pouco reconhecidos, vêm ganhando maior dimensão no cuidado integral à saúde da pessoa. É neste aspecto que esta pesquisa teórico-prática tem, como objetivo principal, compreender a espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama na perspectiva dos profissionais da área de saúde (cuidadores). A partir de uma metodologia de orientação fenomenológica, procurou-se interpretar, por meio de uma abordagem hermenêutica, a percepção dos diferentes profissionais da área de saúde que cuidam de pessoas com câncer de mama no Projeto de Extensão Mãos de Vida, da Universidade do Vale do Itajaí, em Itajaí, Santa Catarina, conhecendo seus significados, valores e atitudes no cuidado integral à pessoa com câncer de mama e se conferem ou não importância a aspectos subjetivos, como a espiritualidade no processo de saúde-doença. Os profissionais pesquisados acusaram que ser cuidador de uma pessoa com câncer de mama é um desafio, por necessitar desenvolver um olhar ampliado em relação ao ser humano, assistindo-o de maneira integral e potencializando sua capacidade de autocura. Significaram a espiritualidade no cuidado integral da pessoa, relacionando-a ao sentido de vida, seus significados e propósitos, além da percepção de uma energia motivadora transcendente. Além disso, em suas falas, acreditaram que a espiritualidade influencia o processo saúde-doença dessas pessoas do Projeto Mãos de Vida, especialmente quanto ao enfrentamento e à possibilidade de autocura.
Palavras-chave: Espiritualidade. Cuidado integral. Câncer de mama. Saúde.
ABSTRACT
Breast cancer is one of the most prevalent malignancies in Brazil and worldwide, despite all the evolution of hard technology, through more sophisticated tests, more potent drugs and better access to specialized health services. The impacts of his diagnosis on patients on the human being are extensive, covering many dimensions, such as the social, environmental, psychological, physical and spiritual dimensions. The thinking-feeling-acting among health professionals is still very fragmented, with a biological view of illness prevailing. This heritage of health education is historically assigned to the Flexnerian model of understanding the health-disease process, reducing it only to the biological aspect. However, this new era of transformations that is affecting all of humanity, values hitherto little explored, or even hardly recognized, are gaining greater dimensions in integral healthcare of the person. It is in this aspect that this theoretical and practical study has its main objective; to understand spirituality in comprehensive health care of the person with breast cancer, from the perspective of health professionals (caregivers). Based on a penomenological methodology, it seeks to interpret, through a hermeneutic approach, the perceptions of different health professionals who care for people with breast cancer within the Mãos de Vida (Hands of Life) Extension Project of the University of Vale do Itajaí, in the State of Santa Catarina, to find out the associated meanings, values and attitudes in comprehensive care of people with breast cancer, and whether or not they attach importance to the subjective aspects such as spirituality in the health-disease process. The professionals surveyed reported that being a caregiver of a person with breast cancer is challenging because it requires developing an expanded view of the human being, seeing the person from a holistic perspective, and enhancing his or her capacity for self-healing. Spirituality, in the holistic care of the person, relates to the sense of life, its meaning and purpose, as well as the perception of a transcendent motivating energy. Moreover, in their speech, they believe that spirituality influences the health-disease process of these individuals in the Mãos de Vida Project, particularly as regards coping ability and the self-healing process. Keywords: Spirituality. Holistic care. Breast cancer. Health.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ..................................................................... 7
2 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 14
2.1 Objetivos Específicos ................................................................................... 14
2.2 Problema ...................................................................................................... 14
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................................... 15
3.1 Espiritualidade: Conceitos Fundamentais .................................................... 15
3.2 Cuidado integral ........................................................................................... 18
3.3 Câncer de mama .......................................................................................... 21
4 METODOLOGIA ................................................................................................. 24
4.1 Tipo de estudo e população ......................................................................... 25
5 COMPREENSÃO DOS DADOS ......................................................................... 28
5.1 Compreensão sobre as falas dos cuidadores .............................................. 29
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 39
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 42
ANEXOS ................................................................................................................. 45
ARTIGO I ......................................................................................................................................... 45
ARTIGO II ................................................................................................................. 68
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista ...................................................................... 80
APÊNDICE B - Dados de Identificação .................................................................. 81
APÊNDICE C - Declaração de não existência de orçamento previsto para
execução da pesquisa ................................................................... 82
APÊNDICE D - Termo de consentimento livre e esclarecido ................................ 83
APÊNDICE E - Identificação e consentimento ....................................................... 85
APÊNDICE F - Termo de utilização de dados para coleta de dados de pesquisas
envolvendo seres humanos ........................................................... 86
APÊNDICE G - Termo de aceite de orientação ..................................................... 87
APÊNDICE H - Termo de anuência de instituição para coleta de dados de
pesquisas envolvendo seres humanos ......................................... 88
7
1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
Esta dissertação trata sobre a espiritualidade no cuidado integral à saúde da
pessoa com câncer de mama, na perspectiva dos profissionais de saúde
(cuidadores), tendo como objetivo principal perceber a compreensão dos mesmos
sobre a espiritualidade, seu conceito e significado no cuidado integral às pessoas
com câncer de mama atendidas no Projeto de Extensão Universitária Mãos de Vida,
na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em Santa Catarina, Brasil.
Para entender espiritualidade e a sua relação no processo saúde-doença,
torna-se necessário inicialmente entender de que forma se estruturou o estilo de
pensamento do profissional da área de saúde sobre conceito próprio de saúde,
assim como entender os movimentos históricos sobre a formação deste mesmo
profissional e de sua visão reducionista sobre ser humano, saúde e cuidado.
O atual modelo de cuidado em saúde orientado para a assistência à doença,
valorizando apenas aspectos biológicos e excluindo toda a complexidade da pessoa
e do que a envolve, centrado em hospitais e especialidades médicas, além da
utilização intensiva de tecnologia laboratorial e amparado pelo complexo industrial
farmacêutico, é reconhecido como modelo flexneriano.
Abraham Flexner, em 1910, organizou, sob forte influência capital do
complexo médico-industrial norte-americano, a reforma das faculdades de medicina
nos Estados Unidos da América por meio deste modelo reducionista e pouco
reflexivo (PAGLIOSA; DA RÓS, 2008). Demais determinantes, tais como os
aspectos psicossociais, a comunidade na sua história e organização, o ecoambiente
e a espiritualidade, não eram consideradas para o cuidado à saúde, assim como não
eram percebidas no processo de saúde-doença.
As posturas eram do ponto de vista teórico-metodológico, notoriamente
positivistas, apontando como único conhecimento seguro o científico, realizado por
meio da observação, da experimentação e da reprodução. A arte foi substituída pela
ciência, sepultando de vez aspectos intrínsecos complementares, fundamentais na
formação da boa prática médica integral, tais como a percepção e a valorização da
subjetividade do ser humano.
Esta concepção flexneriana, que influenciou todo o Ocidente, também
estruturou o modelo de assistência médica previdenciária brasileira na década de
8
1940, expandindo-se na década de 1950, orientando ainda a organização dos
hospitais universitários de nosso país (SILVA JUNIOR; ALVES, 2007).
A instauração do governo militar brasileiro no ano de 1964 manteve o foco na
assistência à saúde individual, expandindo o modelo biomédico de atendimento por
meio do financiamento e da compra de serviços aos hospitais privados e ampliando
o consumo de equipamentos e medicamentos. Em meados da década de 70, foram
observadas importantes evidências da limitação desse modelo de assistência,
principalmente a pouca efetividade da ação da biomedicina no enfrentamento dos
problemas de saúde gerados pelo processo acelerado de urbanização. Doenças
psicossomáticas, neoplasias, violência, doenças crônico-degenerativas e novas
doenças infecciosas desafiavam a abordagem centrada em características
epidemiológicas e puramente biológicas do adoecer (SILVA JUNIOR; ALVES, 2007).
Apesar das enormes conquistas impulsionadas pela reforma sanitária
brasileira e pela VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, culminando com a
criação do Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) e desenhando um novo modelo
de atenção à saúde mais equânime e integral, a formação curricular do profissional
de saúde brasileiro continuou limitada nesses aspectos ampliados de assistência,
permanecendo ainda muito influenciada pela disseminação do modelo (científico)
flexneriano, sendo, portanto, um entrave para a evolução da assistência integral à
saúde da pessoa.
Há mais de dez anos atuando como médico clínico, o pesquisador percorreu,
como estudante e profissionalmente, diversos cenários da assistência à saúde da
pessoa, como ambulatórios, enfermarias, emergências e também nas unidades de
terapia intensiva, deparando-se, inúmeras vezes, com a complexidade da pessoa no
papel de paciente, familiares e profissionais da área de saúde. No entanto, não
obteve, durante toda a formação no curso de medicina e também durante a
especialização médica, a oportunidade de aprender e reconhecer de forma ampliada
a valorização dos inúmeros determinantes do processo saúde-doença, além do
“puramente biológico”.
O método de ensino baseado em evidências científicas, relacionando
estatísticas e doenças (e não centrado na pessoa), amparado em “tecnologia dura”
biologicista ancorada no complexo médico-industrial e excludente da complexidade
da pessoa, ainda é o modelo atual de ensino médico e das demais áreas da saúde
no Brasil.
9
Durante sua formação médica, foi comum perceber a angústia com o
sofrimento das pessoas e também as incompreensões de colegas estudantes
durante a vivência acadêmica. Até mesmo professores, durante a prática
profissional, por vezes sucumbiram e acabaram inclusive por abandonar a carreira
da assistência médica devido a pouca compreensão da complexidade da pessoa.
Nosso método de aprendizado reducionista impossibilita e desvaloriza a percepção
de sentidos frente ao sofrimento humano, e o reduz apenas às bases
fisiopatológicas e estatísticas reprodutíveis e verificáveis.
Uma disciplina na formação médica que fomente a discussão sobre
espiritualidade e sua relação com o processo saúde-doença é inexistente nos
currículos obrigatórios dos profissionais da área de saúde no Brasil, estando
presente em raras universidades brasileiras, na forma de disciplina optativa, ou
mesmo como projetos de extensão universitária e cursos de pós-graduação. Isto
causa perplexidade, quando se pensa sobre a humanização do cuidado integral da
pessoa. Todavia a necessidade de uma percepção ampliada da pessoa urge na
atualidade. Vive-se numa era de distorção intensa de valores morais e éticos, pouca
solidariedade, individualidade, desamor, consumo irreflexivo e competitividade
animalesca. As relações sociais provocadas pelo consumo chegaram a tal ponto que
todas as relações passaram a ser reduzidas a relações de consumo, inclusive as
mais profundas relações afetivas – amizades, namoros, casamentos. O outro
passou, agora, a ser tomado também como objeto de consumo, útil enquanto
oferece satisfação, e dispensável ao fim da utilidade. As relações humanas das
pessoas que se constroem pelo consumo acabam sendo, como eles próprios,
imagem do consumo, e acabam por gerar uma fluidez, uma fragilidade cada vez
mais acentuada nos relacionamentos humanos (BAUMAN, 2006).
Na área da saúde, e especificamente durante a assistência profissional, há a
grande oportunidade de não somente diagnosticar e tratar patologias, mas também
prevenir e promover saúde. É um momento de interação especial entre pessoas que
precisam se inter-relacionar de maneira profunda – um encontro de quem precisa de
auxílio e de quem, a priori, possui conhecimentos específicos para acolher, auxiliar e
aconselhar. Para que essa relação aconteça, precisa-se ter um olhar profundo sobre
o cuidar; deve-se perceber não apenas a expressão física de suas queixas, mas
também valorizar o psíquico, suas crenças, valores, significados e propósitos, enfim,
sua espiritualidade.
10
Para isso, além de tempo adequado para um acolhimento solidário, tem-se
que ter as premissas básicas de uma boa relação profissional de saúde-paciente:
Atenção, intenção e amor ao próximo. Quando não se está aptos para perceber a
complexidade da pessoa em seus aspectos de significados e propósitos, sua
maneira de reconhecer seu processo de saúde-doença e sua capacidade de
recuperação, perdem-se oportunidades de realmente auxiliar na essência do
processo patológico, como no câncer de mama, por exemplo.
O grupo de profissionais de saúde (cuidadores) de pessoas com câncer de
mama foi escolhido como amostra deste estudo devido não somente pelo grande
impacto negativo da enfermidade tumoral na saúde da pessoa, mas também pela
alta prevalência e incidência de pessoas com câncer de mama em nosso país. Para
o ano de 2012, foram estimados 52.680 casos novos, que representou uma taxa de
incidência de 52,5 casos por 100.000 mulheres. A taxa de mortalidade por câncer de
mama ajustada pela população mundial apresentou uma curva ascendente e
representou a primeira causa de morte por câncer na população feminina brasileira,
com 11,3 óbitos/100.000 mulheres em 2009 (BVS/MS; INCA, 2011). O Estado de
Santa Catarina, acompanhado das demais regiões do Sul e Sudeste, são as que
apresentaram as maiores taxas, com 12,6 e 12,7 óbitos/100.000 mulheres em 2009,
respectivamente (BVS/MS; INCA, 2010).
As mulheres acometidas pelo câncer de mama têm um impacto
multidimensional profundo, vivenciando no decorrer da história natural de sua
doença a incerteza, o medo, a amputação, a finitude. Outras buscam a força, a
ressignificação da vida, a fé, a reabilitação e até mesmo um despertar para a
espiritualidade.
A percepção da espiritualidade como dimensão da pessoa fez parte do
ambiente familiar do pesquisador desde a adolescência e, sem qualquer sombra de
dúvidas, teve um papel determinante em sua formação pessoal e profissional. Tal
percepção e valorização foram decisivas também para a escolha de sua carreira
profissional.
A preocupação com a dimensão não material da pessoa encontrou pouca
reverberação no ambiente acadêmico durante sua formação médica, no entanto, já
era notório, ainda como estudante, perceber o hiato que necessitava ser preenchido
na formação profissional, relacionando saúde e espiritualidade.
11
Precisava ainda aprender que não somente de uma atenção ampliada à
saúde da pessoa e seus determinantes social, biológico, psicológico eram
fundamentais para a determinação do processo saúde-doença, mas também
compreender e valorizar uma dimensão espiritual, que envolve e que tem relação
direta com a qualidade do bem- estar da pessoa e do sentido em nossa existência.
A valorização desta dimensão espiritual para o sentido frente ao sofrimento,
às perdas, às dores, à terminalidade, ou mesmo a percepção de bem-estar, a
recuperação plena, a ressignificação da vida, todas são vivências de um fenômeno,
que emerge da espiritualidade da pessoa, e como uma força que mostra em uma
maneira de ser no cuidado em saúde e que necessitou ser desenvolvida frente ao
cuidado integral da pessoa.
Espiritualidade pode ser compreendida como aquilo que traz propósito à vida
das pessoas. Uma propensão humana a buscar significado à existência por meios
que transcendem o tangível, que pode ou não incluir uma participação religiosa
(KOENIG; MCCULLOUGH; LARSON, 2001). Já a religiosidade é o aspecto
institucional da espiritualidade, relacionada com crenças, rituais, escritas, dogmas e
símbolos (MOREIRA-ALMEIDA; KOENIG, 2006). Diversos trabalhos científicos vêm
demonstrando que a espiritualidade exerce forte influência no processo saúde-
doença da pessoa, desde a prevenção até a recuperação (KOENIG;
MCCULLOUGH; LARSON, 2001).
É necessário entender que os termos “espiritualidade” e “religiosidade” estão
relacionados, mas, apesar de muitas vezes serem utilizados como sinônimos, esses
conceitos não apresentam as mesmas características (SAAD; MASIERO;
BATTISTELLA, 2001).
Trabalhos relacionando espiritualidade à qualidade de vida, bem-estar
subjetivo, resposta imunológica, enfrentamento de doenças terminais, doenças
psiquiátricas, estão sendo publicados desde a década de 80 e com um rigor
científico cada vez maior (MOREIRA-ALMEIDA, 2007).
A importância do reconhecimento da espiritualidade como estratégia de
enfrentamento e a identificação das carências espirituais da pessoa faz com que o
profissional de saúde possa planejar e fornecer uma assistência da forma mais
integral possível (GUERRERO, 2011). Além disso, outros estudos relataram a
importância do cuidado integral, acessando a dimensão espiritual da pessoa, já que
algumas delas afirmaram maior confiança no cuidado em saúde por meio da própria
12
fé e referiram ainda melhor capacidade para adaptar-se a novas situações. Porém,
outros autores referiram alguns obstáculos para executar esse “cuidado espiritual”
adequado, como a falta de tempo para um diálogo prolongado entre a equipe de
saúde e a pessoa, além de dificuldades para identificar as reais necessidades da
própria pessoa (WESTMAN; BERGENMAR; ANDERSSON, 2006).
Não há intenção do pesquisador, nesta dissertação, de negar os tantos
avanços tecnológicos fundamentais de nossa ciência moderna baseada em
evidências e que norteiam condutas dos profissionais da área da saúde nos dias
atuais, mas, acima de tudo, agregar valores pouco compreendidos e estudados,
contudo percebidos por alguns desses mesmos profissionais relacionados à
complexidade da pessoa em sua dimensão espiritual. Independentemente de se
possuir crenças materialistas ou espirituais, atitudes religiosas ou antirreligiosas,
necessita-se explorar a relação da espiritualidade e da saúde para aprimorar o
conhecimento sobre o ser humano e suas abordagens terapêuticas (MOREIRA-
ALMEIDA, 2007). Sendo assim, deseja-se demonstrar, por meio desta dissertação,
Qual a compreensão dos cuidadores (profissionais da área da saúde) sobre a
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama.
Para responder esta questão da dissertação, oriunda de uma pesquisa
fenomenológica junto a um grupo de profissionais da área de saúde e que atua no
Projeto de Extensão Mãos de Vida - UNIVALI, Itajaí, dentro de uma metodologia de
cuidado em saúde transdisciplinar - CItranSI, e que se define como uma tecnologia
de abordagem transdisciplinar, com foco na visão da pessoa e de saúde integral,
este trabalho foi estruturado em três capítulos.
O primeiro capítulo trata dos conceitos fundamentais sobre a espiritualidade e
a sua relação com o processo saúde-doença, sobre o cuidado integral da pessoa em
toda sua complexidade multidimensional e sobre o câncer de mama e o seu impacto
na saúde da pessoa.
O segundo capítulo aborda a metodologia desta pesquisa qualitativa,
ancorada na fenomenologia existencialista e que se apresentou como recurso
apropriado para perceber, por meio de interpretação hermenêutica, as experiências
vivenciadas pelos cuidadores pesquisados sobre espiritualidade no cuidado integral
à saúde da pessoa com câncer de mama.
O terceiro capítulo trata da compreensão dos dados, quando se faz a
escrituração das falas dos conceitos explicativos sobre os objetivos da pesquisa,
13
captando o significado do que é ser cuidador em saúde, do significado da
espiritualidade e da influência da espiritualidade no processo saúde-doença da
pessoa com câncer de mama.
Por último, foram feitas as considerações finais, que dizem respeito à
espiritualidade como dimensão subjetiva da pessoa e que necessita ser despertada,
percebida e valorizada por parte das pessoas e em especial por parte dos
profissionais de saúde (cuidadores) com a finalidade de prover integralidade no
cuidado em saúde e sentido de ser no mundo.
14
2 OBJETIVO GERAL
Compreender a espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com
câncer de mama na perspectiva dos cuidadores (profissionais da área da saúde).
2.1 Objetivos Específicos
Os objetivos específicos dessa dissertação são:
- Apresentar as características do modelo de cuidado em saúde e sua relação com
a espiritualidade.
- Compreender o significado da espiritualidade no cuidado integral da pessoa.
- Descrever a percepção de cuidadores sobre a influência da espiritualidade no
processo saúde-doença de pessoas com câncer de mama.
2.2 Problema
Qual a compreensão de cuidadores sobre a espiritualidade no cuidado
integral à saúde da pessoa com câncer de mama?
15
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1 Espiritualidade: Conceitos Fundamentais
Desde que o ser humano se entende como ser pensante, vem usando a
espiritualidade para entender o significado da vida e da morte, da sua presença no
mundo, para melhorar a saúde e como ferramenta para lidar com o enfrentamento
às adversidades e à dor, seja ela física, mental ou espiritual (KOENIG;
MCCULLOUGH; LARSON, 2001). Na Grécia antiga, com o advento da medicina
hipocrática, o homem tentou racionalizar essas crenças e práticas, retirando-as do
mundo mítico e criando um sistema que pudesse entender de forma racional o
impacto que atitudes, crenças, hábitos, ambientes e/ou ervas causavam no
organismo humano (REALE, 2002). Platão combinava ciência com elementos
espirituais, enfatizando a necessidade de tratar a “alma”, bem como o corpo físico.
Essa associação entre espiritualidade e cuidados em saúde perpassou toda a
Idade Média, a Idade Moderna e mesmo a Idade Contemporânea, nas quais a
religião controlou o exercício da medicina. A Igreja foi a responsável pela liberação
dos diplomas daqueles que queriam exercer a medicina, tendo muitos monges como
médicos e vice-versa. Ainda hoje, em pleno século XXI, instituições religiosas
dirigem vários hospitais, casas de saúde, programas de saúde e asilos.
Com o aparecimento da psicanálise de Freud, a ciência nascente,
especialmente as ciências biológicas, as quais embasam grande parte da medicina,
iniciou-se um processo de cisão entre duas áreas do conhecimento que sempre
andaram juntas: a medicina e a espiritualidade.
Somente no final da década de 1980, epidemiologistas americanos
relacionaram práticas espirituais/religiosas com indicadores de saúde. Eles
perceberam que entre os praticantes religiosos, por meio de orações e/ou cultos
religiosos, havia melhora na qualidade de vida, longevidade, menos doença física e
mental (COMSTOCK; PARTRIDGE, 1965).
É verdade que muitas dessas associações podem ser explicadas por outras
variáveis já reconhecidamente impactantes no modus operandi da saúde, como
menor consumo de álcool e drogas, maior apoio social, maior prática de exercícios
físicos, entre outros. Entretanto, tem-se verificado que mesmo esses fatores ou
16
estilos de vida têm sido influenciados por diretrizes religioso-espirituais (KING;
BUSHWICK, 1994).
Espiritualidade pode ser entendida como aquilo que traz propósito à vida das
pessoas. Uma propensão humana que busca significado à existência por meios que
transcendem o tangível, a qual pode ou não incluir uma participação religiosa
(KOENIG; MCCULLOUGH; LARSON, 2001). É um fenômeno que se explica no real
e evoca a ciência para poder compreendê-lo. Já a transcendência exigida pela
experiência espiritual é a relação entre liberdades, a qual ocorre em todo encontro
pessoal.
Tillich (2005, p.268) afirma que “Deus é imanente ao mundo como seu
fundamento criativo permanente e transcendente ao mundo pela liberdade. Tanto a
divindade infinita quanto a liberdade humana finita tornam o mundo transcendente
para Deus e Deus transcendente para o mundo”. A percepção espiritual da realidade
dá à pessoa uma dimensão mais ampla de significados para os eventos da vida
diária e pode reorganizar subjetivamente suas experiências. Esta percepção de
sentido transcendente no cotidiano é a força motriz da existência humana, podendo
ser atingida por meio da religião, ou mesmo da meditação, arte, contato com a
natureza, sofrimento e relacionamentos afetivos (FRANKL, 2000).
Espírito vem do latim spiritus, que significa sopro, e se refere a algo que dá ao
corpo sua força vital. Demonstra a relação do plano material com a dimensão
imaterial, oculta ou sobrenatural que anima a matéria, transcendendo o ser humano
à dimensão divina (KOENIG et al., 1997).
O espírito (com “e” minúsculo, adequado àquela função da vida que
caracteriza o ser humano como humano), como dimensão da vida, une o poder de
ser com o sentido de ser. Esta experiência imediata torna possível falar
simbolicamente sobre Deus como Espírito e do Espírito divino (com “E” maiúsculo)
(TILLICH, 2005).
Religiosidade é o aspecto institucional da espiritualidade, relacionada com
crenças, rituais, escritas e símbolos (MOREIRA-ALMEIDA; KOENIG, 2006). Uma
forma dogmática, podendo inclusive ser distorcida por forças socioeconômicas,
culturais e políticas (STEINHAUSER et al., 2006).
Muito embora alguns autores vejam a distinção entre religiosidade e
espiritualidade como desnecessária, a espiritualidade é considerada mais primordial,
pura e diretamente relacionada com a alma.
17
Assim, pode-se notar que alguns indivíduos demonstram um alto grau de
espiritualidade sem pertencer a uma religião instituída, outros têm sua
espiritualidade fundamentada na religião, e existem ainda aqueles que se vinculam
às relações sociais da religião, expressando, frequentemente, laços étnicos e
familiares.
O termo espiritualidade começou a receber maior atenção da medicina na
última década e não há mais dúvida da importância dos aspectos religiosos ou
espirituais no cuidado dos pacientes, embora ainda haja questionamentos a respeito
de como acessar a dimensão espiritual do ser humano e em que consiste o bom
“cuidado espiritual” (WILLIAMS, 2006).
Relacionando espiritualidade com cuidado em saúde na prática médica,
percebe-se que os pacientes querem ser tratados como pessoas, e não como
doenças, e serem observados como um todo, incluindo aspectos físico, emocional,
social e espiritual (OKON, 2005).
Em pesquisas na população geral e entre médicos dos Estados Unidos, as
crenças e o comportamento religioso foram estudados. Revelou-se que 95% das
pessoas acreditam em Deus, 77% acreditam que os médicos devem considerar as
suas crenças espirituais, 73% acreditam que devem compartilhar as suas crenças
religiosas com o profissional médico e 66% demonstram o interesse de que o
médico pergunte sobre a sua espiritualidade. No entanto, apenas 10% a 20%
relataram que os médicos discutiram a espiritualidade com elas (LARSON; KOENIG,
2000; ANAYA, 2002; COWAN et al., 2003; MARR; BILLING; WEISSMAN, 2007;
PHELPS et al., 2012).
Muitos médicos dizem que se sentem desconfortáveis ao falar sobre assuntos
religiosos ou que não têm tempo para lidar com isso. Outros não consideram os
assuntos espirituais como parte de seu trabalho, não entendem por que deveriam
ser abordados, não sabem como e nem quando introduzi-los e sequer imaginam
quais seriam os resultados, caso os incluíssem (MARR; BILLING; WEISSMAN,
2007).
Na literatura médica, e em especial na área da Oncologia e dos cuidados
paliativos, o tema religiosidade e espiritualidade ganha bastante importância. O
papel da espiritualidade em pacientes com câncer ou portadores da síndrome da
imunodeficiência adquirida e da dor é revisto, ressaltando os domínios do
significado, da esperança, do amor e dos relacionamentos. As avaliações e as
18
intervenções espirituais destacadas para a promoção do conforto e a diminuição da
dor foram: a vontade de escutar, a atenção e a aceitação.
Há atualmente uma tendência na formação de um modelo multidisciplinar
envolvendo aspectos espirituais no tratamento da dor no câncer, discutindo o papel
de vários profissionais das áreas da saúde, tais como psicólogos, enfermeiros,
oncologistas, psiquiatras, capelães e religiosos, em que cada um desempenha um
papel específico, relacionando-se com o paciente (NEWSHAN, 1998; KOENIG;
GEORGE; TITUS, 2004).
Esta nova etapa do conhecimento científico reconhece a espiritualidade como
dimensão fundamental da pessoa na abordagem integral no cuidado do ser humano
por meio de uma visão auto-organizativa, relacionando o sentido do viver no mundo
ao processo saúde-doença, desvelando-se a partir de um movimento da expressão
legítima da criatividade natural do ser humano em toda a sua complexidade
multidimensional.
3.2 Cuidado integral
O cuidado é uma relação intersubjetiva que se desenvolve em um tempo
contínuo, e que, além do saber profissional e das tecnologias necessárias, abre
espaço para negociação e para a inclusão do saber e das necessidades do outro
(PINHEIRO; MATTOS, 2005).
Cuidado integral em saúde não é apenas um nível de atenção do sistema de
saúde ou um procedimento técnico, mas uma ação integral que possui significados e
sentidos voltados para a compreensão de saúde, como o „direito de ser‟, e, pensar
este direito de ser na saúde é ter „cuidado‟ com as diferenças dos que são
portadores não somente de doenças, mas de necessidades específicas. É, além
disto, garantir o acesso a outras práticas terapêuticas, permitindo a participação
ativa da pessoa na decisão acerca da melhor tecnologia médica a ser por ela
utilizada (ANDRADE, 2002).
O modelo biomédico atual que orienta o conjunto das profissões em saúde,
ao se apoiar nos meios diagnósticos para evidenciar lesões e doenças, afastou-se
do ser humano sofredor como totalidade viva e permitiu que o diagnóstico
substituísse a atenção e o „cuidado‟ integral à saúde. Entretanto, mais do que o
19
diagnóstico, as pessoas desejam se sentir cuidadas e acolhidas em suas demandas
e necessidades (ANDRADE, 2002).
A integralidade pode ser entendida como uma das diretrizes básicas do
Sistema Único de Saúde do Brasil, por meio de uma forma de política organizacional
de práticas e serviços de saúde e também percebida como uma atitude profissional
(MATTOS, 2001). É neste último aspecto que se ressalta a importância da
integralidade no cuidado do sujeito.
A discussão da integralidade ou mesmo de um cuidado integral à saúde da
pessoa remonta às discussões do ensino médico nos Estados Unidos da América
em meados do século XX, quando Abraham Flexner, em 1910, fundamentou, sob
influência capital do complexo médico-industrial, a reforma das faculdades de
medicina nos EUA por meio de um modelo reducionista e pouco reflexivo
(PAGLIOSA; DA RÓS, 2008).
Em suas origens, de fato, a discussão sobre o cuidado integral em saúde
remonta aos anos 1960, época em que surgiram grandes questionamentos e críticas
sobre as atitudes fragmentadas no ensino médico, as quais eram adotadas pelas
escolas médicas nos Estados Unidos desde o início do século XX. Já a atitude
reducionista era apoiada pelo investimento do complexo médico-industrial desde
1910, quando, a partir do clássico relatório de Flexner, apontava os “caminhos
científicos do cuidado”. Os investimentos em tecnologia e na indústria farmacêutica,
assim como na estruturação de hospitais naquela época, foram sem precedentes na
história dos Estados Unidos da América. A crítica à visão reducionista da saúde
recaiu sobre o privilégio dado às especialidades na formação médica, cuja tendência
era a de recortar o corpo humano de acordo com o seu funcionamento, ou seja, em
sistemas ou aparelhos, desviando o olhar da totalidade das pessoas.
A partir do século XX, a integralidade da pessoa dava lugar à fragmentação
dos sistemas, a pessoa doente não era mais o foco da investigação, mas sim a
doença. Essa situação impedia que os estudantes e, posteriormente, os médicos,
tivessem a possibilidade de apreender as necessidades mais abrangentes de seus
pacientes. Tal fragmentação era vista também como reducionista, já que o
conhecimento médico nas diversas especialidades ressaltava as dimensões
exclusivamente biológicas em detrimento das considerações psicológicas e sociais
acerca da pessoa e do processo de adoecimento (MATTOS, 2001).
20
A crítica formulada pelos adeptos da medicina integral sobre a formação
acadêmica que conduzia à fragmentação levou à implementação de reformas
curriculares e à introdução de novos currículos nas escolas médicas. Estas tinham
como enfoque orientar mudanças de atitudes que promoveriam um ensino não
reducionista e menos fragmentado e, consequentemente, a formação de futuros
médicos que fossem capazes de apreender de seus pacientes suas necessidades
de modo mais integral. Desta forma, o discurso inaugural do cuidado integral à
pessoa abarca um conjunto de atitudes éticas, humanas, filosóficas, antropológicas
e técnicas desejáveis para os médicos, relacionadas à sua possibilidade de
compreensão e de apreensão ampliada das necessidades das pessoas.
No Brasil, a medicina integral não se consolidou como um movimento
institucionalmente organizado, mas se associou inicialmente à medicina preventiva,
um dos berços do movimento sanitário brasileiro (MATTOS, 2001).
A integralidade é uma característica de boa prática do cuidado em saúde, e
defendê-la aqui não implica deixar de lado todo caudal do conhecimento sobre as
doenças, o qual tem permitido significativos sucessos, mas, sobretudo, é necessário
ter uma visão ampliada das necessidades das pessoas das quais se trata.
O atual conhecimento sobre as doenças, em alguns casos, permitiu à
medicina antecipar-se à manifestação dos sintomas e, às vezes, até mesmo à
instalação da doença. Surgiram técnicas capazes de reconhecer doenças antes que
estas produzam sintomas, por meio da identificação de fatores de riscos
relacionados à probabilidade de doença (MATTOS, 2001).
A atitude de um médico ou de outro profissional de saúde diante de uma
pessoa que busca prudentemente reconhecer para além das necessidades de ações
de saúde, como as relacionadas ao diagnóstico precoce e à redução de fatores de
risco, mas também demandas relacionadas a uma valorização do sentido e
significado da experiência da pessoa, ilustra um sentido da integralidade
profundamente ligado aos ideais da medicina integral.
Este olhar ampliado se faz necessário especialmente quando se cuida de
pessoas acometidas por doenças graves, incapacitantes e mutilantes, e que interfere
em toda sua dimensão física, psíquica e espiritual, como o câncer de mama. Para
essas pessoas que vivenciam a possibilidade de uma finitude antecipada pela
doença, torna-se ainda mais necessário compreender a complexidade
multidimensional da pessoa por meio do cuidado integral, não apenas reduzindo ao
21
tratamento dos sintomas físicos do processo do adoecer, mas percebendo,
valorizando e também aconselhando a própria ressignificação da vida em si.
Desta forma, a complexidade do objeto saúde exige recriar a atuação dos
profissionais de vários campos do conhecimento que atuam na saúde, já que a
complexidade não é redutível à organização da atenção em determinado nível, mas
envolve a ação dos distintos profissionais nas diversas áreas complementares do
campo da saúde – a interdisciplinaridade, com uma percepção ampliada da pessoa.
3.3 Câncer de mama
O câncer da mama é o tipo de câncer que mais acomete as mulheres em todo
o mundo, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos.
Em 2012, para o Brasil, foram esperados 52.680 casos novos de câncer da mama,
com um risco estimado de 52 casos a cada 100 mil mulheres (BVS/MS; INCA,
2010).
Esse tipo de câncer também é o mais frequente nas mulheres das regiões
Sudeste (69/100 mil), Sul (65/100 mil), Centro-Oeste (48/100 mil) e Nordeste (32/100
mil). Na Região Norte é o segundo tumor mais incidente (19/100 mil). A idade
continua sendo o principal fator de risco para o câncer de mama. As taxas de
incidência aumentam rapidamente até os 50 anos e, posteriormente, esse aumento
ocorre de forma mais lenta. Outros fatores de risco já estão bem estabelecidos, tais
como a menarca precoce, a nuliparidade, a idade da primeira gestação a termo
acima dos 30 anos, o uso de anticoncepcionais orais, a menopausa tardia e a
terapia de reposição hormonal e a história familiar de câncer da mama. A exposição
à radiação ionizante, mesmo em baixas doses, também é considerada um fator de
risco, particularmente durante a puberdade, segundo mostram alguns estudos. A
ocorrência do câncer da mama também se encontra relacionada ao processo de
urbanização da sociedade, evidenciando maior risco de adoecimento entre mulheres
com elevado status socioeconômico.
A história familiar de câncer de mama está associada a um aumento de cerca
de duas a três vezes no risco de desenvolver essa neoplasia. Alterações em alguns
genes responsáveis pela regulação e pelo metabolismo hormonal aumentam o risco
de desenvolver câncer da mama. A prevenção primária dessa neoplasia ainda não é
22
totalmente possível em razão da variação dos fatores de risco e das características
genéticas que estão envolvidas na sua etiologia (BVS/MS; INCA, 2011).
O câncer de mama é um grupo heterogêneo de doenças, com variável
manifestação clínica, morfológica e genética, e consequentes diferenças nas
respostas terapêuticas. O sintoma mais comum do câncer de mama á o
aparecimento de nódulo, geralmente indolor, duro e irregular. Além disso, outros
sinais poderão estar presentes, tais como: edema e retração cutânea, dor, inversão
de mamilo, hiperemia, descamação ou ulceração do mamilo e secreção papilar.
Podem também surgir linfonodos palpáveis na axila.
Novas estratégias de rastreamento factíveis para países com dificuldades
orçamentárias têm sido estudadas e, até o momento, a mamografia, para mulheres
com idade entre 50 e 69 anos, é recomendada como método efetivo para detecção
precoce (BVS/MS; INCA, 2011). A amamentação, a prática de atividade física e a
alimentação saudável com a manutenção do peso corporal estão associadas a um
menor risco de desenvolver esse câncer.
No Brasil, o exame clínico anual das mamas e o rastreamento são as
estratégias recomendadas para controle do câncer da mama. As recomendações do
Ministério da Saúde para detecção precoce e diagnóstico desse câncer baseiam-se
no Controle do câncer de mama: documento de consenso, de 2004, que considera,
como principais estratégias de rastreamento, o exame clínico anual das mamas a
partir dos 40 anos e um exame mamográfico, a cada dois anos, para mulheres de 50
a 69 anos (BVS/MS; INCA, 2011).
Para as mulheres de grupos populacionais considerados de risco elevado
para câncer da mama (com história familiar de câncer da mama em parentes de
primeiro grau antes dos 50 anos de idade; história familiar de câncer da mama
bilateral ou de ovário em parentes de primeiro grau em qualquer idade; história
familiar de câncer da mama masculina; ou mulheres com diagnóstico histopatológico
de lesão mamária proliferativa com atipia ou neoplasia lobular in situ), recomenda-se
o exame clínico da mama e a mamografia, anualmente, a partir de 35 anos
(BVS/MS, INCA, 2011).
Apesar de ser considerado um câncer de relativamente bom prognóstico se
diagnosticado e tratado oportunamente, as taxas de mortalidade por câncer da
mama continuam elevadas no Brasil, muito provavelmente porque a doença ainda é
diagnosticada em estádios avançados.
23
A sobrevida média, após cinco anos na população de países desenvolvidos,
tem apresentado uma taxa de cerca de 85%. Já nos países em desenvolvimento, a
sobrevida fica em torno de 60% (BVS/MS; INCA, 2011).
Por isso, além de todo o importante conhecimento epidemiológico, avanços
significativos no diagnóstico precoce e tratamentos cada vez mais eficazes do
câncer de mama, necessita-se compreender melhor a espiritualidade e a sua
importância no cuidado integral à saúde da pessoa.
24
4 METODOLOGIA
A metodologia, de orientação fenomenológica, apresentou-se como recurso
apropriado para pesquisar as vivências dos cuidadores (profissionais da área da
saúde) de pessoas com câncer de mama (percepção, memória, reflexão, decisão),
possibilitando-se ampliar a compreensão em relação ao fenômeno vivido,
focalizando a experiência vivida e captando o significado atribuído pela pessoa a
essa vivência.
O desenvolvimento teórico e metodológico, então, ficou ancorado na
fenomenologia existencialista, entendendo que todo o processo vivido foi de síntese
entre o pesquisador e o seu objeto.
A fenomenologia é também uma filosofia que, na pesquisa, considera a
compreensão do fenômeno humano nas vivências de saúde desde sua existência no
mundo, a partir de sua condição de vida, valores e crenças. Kant (1992) já dizia, na
sua estética transcendental, que na busca do conhecimento a consciência do sujeito
não pode separar-se de seu objeto, pois o entendimento sobre um objeto
(fenômeno) será sempre com referência à intuição perceptiva do sujeito no seu rigor
reflexivo indutivo-dedutivo.
Fenômeno é aquilo que se apresenta à consciência do pesquisador e se
mostra numa confluência de relações, de padrões de ações que se constituem
dentro de uma rede complexa de componentes biofisiológicos e psicoespirituais
contextualizados no tempo e no espaço no corpo-criante (DITTRICH, 2004). O
fenômeno é um tecido de relações que ocorre através de múltiplas vivências e que
acontecem dentro de uma complexidade de acréscimos, tensões, confrontos,
quebras, rupturas e contradições de um determinado fato, coisa ou acontecimento
(DESAULNIERS, 2000). “Todavia, é o entendimento que „pensa‟ esses objetos e é
do entendimento que provém os conceitos” (KANT, 1992, p. 65). Esta visão do
filósofo abre à criação do pensamento fenomenológico, importante para a
metodologia de pesquisa qualitativa, quando se pode afirmar que o percurso de uma
metodologia na pesquisa teórico-prática pode dar-se desde numa hermenêutica
fenomenológica, na qual se entende que é o ser humano, na sua consciência
intuitivo-perceptiva, o nascedouro do processo do conhecimento sobre o objeto
pesquisado. O ser humano (no caso da ciência, o pesquisador) é o locus onde a
vida acontece e se expressa em pensamento sistematizado – o conhecimento.
25
Como diz Maturana e Varela (1995, p. 76): “tudo que é dito, é dito por alguém”, pois
o conhecer e o fazer estão articulados numa maneira de ser do ser humano. E
continua: “O fato de o conhecer ser a ação daquele que conhece está enraizado no
modo mesmo de seu ser vivo, em sua organização” e que reflete na construção de
seus pensamentos e ações (MATURANA; VARELA, 1995, p. 76).
O ato da compreensão humana está profundamente associado às raízes mais profundas da vida, que biologicamente falando, se dinamizam em toda a estrutura molecular e celular do ser humano que tem em si, o fenômeno da cognição como possibilidade para criar, aprender e conhecer na inter-relação com o meio circundante. (DITTRICH, 2004, p. 71).
Diante disso, o processo metodológico desta pesquisa foi composto por um
movimento articulado do pesquisador na sua intencionalidade (a largada inicial, a
escolha diretiva, do olhar da consciência sobre o objeto – dados teóricos), na sua
percepção (impulso de uma intencionalidade subjetiva, forjada na consciência do
pesquisador para captar e significar, a partir de si, o que os dados da realidade
expressam) e na sua compreensão (expressão dos registros da percepção de
forma sistemática, ocorridos desde o levantamento de dados e reflexões para a
emissão de significados e problematizações possíveis, ampliando o conhecimento
sobre o tema de estudo, para descrevê-lo) (DITTRICH, 2010).
O pesquisador fenomenológico busca colocar entre parênteses todas as suas
pressuposições, ou seja, a apreensão do fenômeno não deve ocorrer a partir de
ideias preconcebidas sobre o fenômeno em estudo, mas sim a partir da
compreensão do nosso viver. Esse tipo de abordagem indica uma pesquisa
qualitativa por permitir compreender um problema na perspectiva dos sujeitos e do
pesquisador que o vivenciaram, referenciando o contexto social no qual o evento
ocorre.
4.1 Tipo de estudo e população
O tipo de estudo realizado foi de natureza teórico-prática, exploratória, com
abordagem fenomenológica. A coleta de dados se deu por meio de entrevista não
diretiva, pois foi a busca do pesquisador para compreender o seu objeto - a relação
entre saúde e espiritualidade nas falas dos profissionais da área da saúde
(cuidadores) das pessoas portadoras de câncer de mama atendidas no ambulatório
26
de especialidades médicas da Universidade do Vale do Itajaí em Santa Catarina, por
meio de algumas perguntas abertas.
O objetivo geral dessa dissertação foi conhecer a importância da
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama na
perspectiva dos cuidadores. Para isso, levantou-se o seguinte problema: Qual a
compreensão de cuidadores sobre a importância da espiritualidade no cuidado
integral à saúde da pessoa com câncer de mama?
A população pesquisada foi composta por oito (08) profissionais da área da
saúde, os quais foram nomeados por letra e por números. Convencionou-se como
E1 a letra e o número correspondente do primeiro entrevistado, E2 a do segundo
entrevistado, e assim por diante até o oitavo profissional entrevistado (E8), sendo 01
fisioterapeuta (E1), 02 estagiários-bolsistas (E2 e E4), 02 enfermeiras (E3 e E6), 01
médica (E5), 01 psicóloga (E7), 01 nutricionista (E8), todos participantes do Projeto
de Extensão Mãos de Vida, que atende semanalmente pessoas com diagnóstico de
câncer de mama no ambulatório de especialidades médicas da Unidade de Saúde
Familiar e Comunitária da UNIVALI, em Itajaí, Santa Catarina.
A escolha desta população de cuidadores se deveu pelo fato de se
reconhecer nesse projeto de extensão universitária uma proposta inovadora de
cuidado integral, quando, junto aos processos de atendimentos clínicos (Medicina,
Fisioterapia, Psicologia, Filosofia, Nutrição, Farmácia, Enfermagem e Educação
Física), trabalham-se, também, atividades ecoespirituais e arteterapêuticas, as quais
consideram a importância da dimensão espiritual da mulher para o cuidado em
saúde.
Inicialmente, o pesquisador procurou agendar com os sujeitos de pesquisa
um horário viável para que pudessem participar do estudo. Nesse caso, foram
realizadas duas visitas ao Projeto.
A maioria das entrevistas foi realizada na sala de reunião docente-assistencial
do ambulatório de atendimento clínico da UNIVALI.
A pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade do
Vale do Itajaí - SC, e só depois de sua aprovação foi iniciada a coleta de dados.
Realizou-se a partir de uma aproximação do pesquisador aos profissionais de saúde,
em seu local de trabalho, ocasião em que foi solicitada a assinatura pelos
participantes do termo de consentimento livre e esclarecido, que explicitava os
objetivos da pesquisa e seus procedimentos, além de garantir sigilo. A partir daí, o
27
pesquisador iniciou a entrevista com as perguntas abertas, consideradas como
roteiro para a coleta de dados: “Qual o sentido para o Sr.(Sra.) em ser cuidador de
uma pessoa com câncer de mama?” “O que significa espiritualidade para o Sr.(Sra.)
no cuidado integral à pessoa com câncer de mama?” “Na sua percepção, a
espiritualidade pode influenciar no processo saúde-doença entre as pessoas com
câncer de mama? Por quê?”
Os participantes puderam falar livremente e foram feitas poucas intervenções
no decorrer da fala dos profissionais, para ampliar e aprofundar as suas respostas
com outras questões, quando eram necessárias e relevantes para o estudo. Para
obter o material discursivo, foco do estudo de percepção das vivências dos
profissionais de saúde, foram realizadas gravações das entrevistas com o uso do
MP3 (gravador digital). Logo após cada entrevista, foi feita a transcrição na íntegra
de suas falas. Todos os participantes convidados aceitaram livremente participar do
estudo.
28
5 COMPREENSÃO DOS DADOS
Esta pesquisa, sendo teórico-prática, qualitativa e fenomenológica, encontra
metodologicamente subsídios para a compreensão dos dados teóricos a serem
apreendidos para a explicitação do seu objeto na hermenêutica fenomenológica.
Aqui, hermenêutica quer dizer: uma postura, uma maneira de entender e expressar a
percepção sobre os dados da investigação teórico-prática de forma qualitativa. As
raízes hermenêuticas da compreensão humana nascem do corpo-criante, do
pesquisador em busca de respostas para os seus questionamentos, quando não se
separa de seu objeto de pesquisa.
Corpo-criante se quer entender um todo vivo, dinâmico, inter-relacionado nas suas partes com capacidade de se autocriar, que implica a sua autonomia de se fazer constantemente, causando mudanças contínuas em si e fora de si, para a preservação da própria vida. Explicitando: o homem, um corpo que cria, é um todo vivo. Ele é orgânico, pois tem em si uma auto-organização vital inteligente, sustentada por um princípio fundante – a energia criadora, que detém a vida que se impregna desde as suas micropartículas elementares, atravessando os seus átomos, suas moléculas, suas células, seus ossos seus músculos, até a sua macroconstituição corporal total. (DITTRICH, 2001, p. 81).
O percurso realizado pelo pesquisador para chegar às categorias chave da
pesquisa e para perceber a compreensão do fenômeno foi apoiado no sentido das
experiências vividas pelas profissionais de saúde entrevistadas para chegar à
essência dessas vivências, captando o significado do que é ser cuidador em saúde
(categoria 1), o significado da espiritualidade (categoria 2) e a influência da
espiritualidade no processo saúde-doença (categoria 3) das pessoas portadoras
de câncer de mama atendidas no Projeto Mãos de Vida. Logo, dessas percepções
do pesquisador nasceu a sua compreensão, que foi se explicando pelo cruzamento
dos dados da prática com os referenciais teóricos de fundamentação do seu objeto.
Todas as percepções que explicaram a pesquisa ocorreram diante de três
movimentos segundo Dittrich (2004).
O primeiro movimento é para apreender a compreensão do objeto é o da
intencionalidade. Este é o momento da abertura da consciência do pesquisador
para encontrar referências sobre o seu objeto, bem como direcionar-se para coletar
os dados da prática e selecioná-los. O segundo é o movimento da percepção do
pesquisador, para selecionar os dados teóricos e práticos e organizá-los, para assim
29
refletir sobre eles, buscando uma prévia compreensão. O terceiro é a descrição da
compreensão da consciência do pesquisador sobre o objeto com os dados
coletados, quando se fará a escrituração dos conceitos explicativos sobre os
objetivos da pesquisa (DITTRICH, 2004).
5.1 Compreensão sobre as falas dos cuidadores
Segundo a percepção do pesquisador, que implica estrutura essencial à luz
da hermenêutica fenomenológica na articulação com a fundamentação teórica para
o desvelamento do conhecimento da espiritualidade no cuidado integral à saúde da
pessoa com câncer de mama, na perspectiva dos cuidadores, apresenta-se a seguir
os resultados da entrevista com os participantes da pesquisa.
Os profissionais de saúde pesquisados, quando interrogados sobre o que é
ser um cuidador de saúde, relataram que ser cuidador de uma pessoa com câncer
de mama é um desafio, por necessitar desenvolver um olhar ampliado em relação ao
ser humano, assistindo-o de maneira integral e potencializando sua capacidade de
autocura.
Nos discursos a seguir, de três profissionais de saúde (E2, E3 e E8), tornou-
se claro que significaram o ato de ser cuidador a uma ação (potencializar,
empoderar, desenvolver) que realizaram, a fim de desvelar a capacidade que a
própria pessoa possui em participar ativamente do processo de cura de sua
enfermidade. E2 diz que “É justamente potencializar o que às vezes o paciente tem,
às vezes a própria autocura que ele desconhece.” E3 confirma que “É ajudando da
forma que for possível no cuidado interdisciplinar, multidisciplinar que a gente
desenvolve. Então, é uma forma de trabalhar com a questão da humanização, e
fortalecer até mesmo o poder de cura que ela mesmo possa ter e que às vezes não
sabe que tem.” E8 também compreende que “É uma oportunidade de a gente ajudar
a pessoa para que ela entenda o que é o empoderamento e o quanto ela consegue
participar nesse processo de cura”.
Por meio de suas falas, as profissionais de saúde, aqui, entenderam que
eram capazes de despertar a potencialidade de cada enfermo, a fim de capacitá-los
para a autocura. Todavia, questões conceituais inerentes ao ser cuidador foram
pouco exploradas, e mesmo a forma de como potencializaram tal capacidade entre
os pacientes não foi elucidada.
30
A concepção de cuidado integral em saúde não se caracteriza apenas por um
nível de atenção do sistema de saúde, ou por um procedimento técnico simplificado,
mas sim por uma ação integral que possui significados e sentidos voltados para
compreensão de saúde, como o „direito de ser‟.
Pensar o direito de ser na saúde é ter „cuidado‟ com as diferenças dos
sujeitos, respeitando as relações de etnia, gênero e raça, os quais são portadores
não somente de deficiências ou patologias, mas de necessidades específicas.
Pensar o direito de ser também é ainda garantir acesso a outras práticas
terapêuticas, permitindo a pessoa participar ativamente da decisão acerca da melhor
assistência a ser por ela utilizada (ANDRADE, 2002).
Já o conceito de ser humano pertence ao caráter da existência. Todo o ser
participa na estrutura do ser, mas só o ser humano está imediatamente consciente
desta estrutura dimensional biopsicoespiritual. O ser humano experimenta a si
mesmo como possuindo um mundo ao qual pertence. A estrutura ontológica, ou
seja, a do ser, é básica e emana da percepção desta relação dialética complexa
(TILLICH, 2005). E essa estrutura é complexa e dinâmica, em sua auto-organização
de sistemas - autopoiese – e é intrínseca do ser humano, fundamentada no amor
vital, fonte propulsora de energia que impulsiona os processos vital-cognitivos e que
constituem e definem o ser humano como corpo-criante no mundo (DITTRICH,
2001).
Percebeu-se ainda que um estilo de pensamento entre as profissionais de
saúde era de que uma vez explicitada a questão de um possível potencial do corpo-
criante, individual e intransferível, conseguiriam redimensionar a própria doença e a
sua história natural evolutiva. Aqui, corpo-criante significa - “um todo vivo, dinâmico,
inter-relacionado nas suas partes com capacidade de se autocriar, que implica a sua
autonomia de se fazer constantemente, causando mudanças contínuas em si e fora
de si, para a preservação da própria vida” (DITTRICH, 2001, p. 81).
A profissional E4, já traz outra ideia do sentido do que é ser uma cuidadora:
“Meu processo como cuidadora me fez crescer muito, enxergando o paciente como
um todo, né!? Não só como, ah, tem o diagnóstico de câncer positivo, mas tá! Quem
é essa pessoa? Como é que ela enxerga a vida? Como é que ela está lidando como
processo saúde-doença?” Nesta fala, entende-se que há importância de um olhar
ampliado para o sujeito enfermo, desfocando o aspecto apenas patológico e abrindo
espaço para seus sentidos perceberem as potencialidades e as necessidades da
31
pessoa além da doença. De fato, torna-se fundamental essa percepção, pois o
modelo biomédico atual que orienta o conjunto das profissões em saúde, ao se
apoiar nos meios diagnósticos para evidenciar lesões e doenças, afastou-se do
sujeito humano sofredor como totalidade viva e permitiu que o diagnóstico
substituísse a atenção e o „cuidado‟ integral à saúde. Entretanto, mais do que o
diagnóstico e a terapêutica direcionada à patologia, as pessoas desejam se sentir
cuidadas e principalmente acolhidos em suas demandas e necessidades
(ANDRADE, 2002).
Na percepção da profissional E5, ser cuidadora significa ter intencionalidade
de realizar uma “comunhão de ideias e ações, a partir de sua percepção, com a
necessidade do outro. Ter o sentido de realmente fazermos uma parceria com
nossos pacientes e não o contrário. Se nós não buscarmos dar-nos as mãos e
realmente olharmos nos olhos dos nossos pacientes e ouvirmos... Termos ouvidos
para realmente escutarmos aquilo que aparece... muitas vezes a gente pouco toca
aquilo que realmente faz uma diferença no processo de saúde dos pacientes.” Tal
conceito vem ao encontro de que o cuidado é uma relação intersubjetiva que se
desenvolve em um tempo contínuo, e que, além do saber profissional e das
habilidades necessárias, abre espaço para negociação e para inclusão do saber,
dos desejos e das necessidades do outro (PINHEIRO; MATTOS, 2005). Ser
cuidador, portanto, é desenvolver este olhar ampliado, que se faz necessário
especialmente quando se cuida de pessoas acometidas por doenças, não apenas
reduzindo ao tratamento dos sintomas físicos do processo do adoecer, mas
percebendo, valorizando e também aconselhando a própria ressignificação da vida
em si.
Os profissionais de saúde significaram a espiritualidade no cuidado integral
das pessoas com câncer de mama relacionando-a ao sentido de vida de cada
pessoa, seus significados e propósitos, além da percepção de uma energia
motivadora transcendente. Aqui, E1 percebe da seguinte maneira: “Eu tenho visto
que essa fé me fez modificar como pessoa. Essa conexão..., como ela é importante
para que a reabilitação aconteça, para que a cura aconteça, ou para que a aceitação
do tratamento aconteça. A gente consegue perceber que, quando esse sentido da
vida não está presente, como elas têm um semblante mais fechado, mais escuro,
um olhar mais perdido e um discurso mais vago”. Nesta outra fala, E7 entende que
“A espiritualidade, no caso, eu acho que é a pessoa estar ligada não só com relação
32
a uma religião, né? É ela acreditar em alguma coisa, ela crê que a vida dela tem um
por que maior, né?” Ambas as entrevistadas aqui, referiram ainda aspectos de
significados e sentido da vida como algo fundamental para o êxito ou o fracasso da
recuperação da saúde. Cada pessoa tem uma vocação própria ou missão específica
na vida; cada um tem uma tarefa concreta, exigindo realização. Mas tal tarefa – o
sentido – não é algo estático: o sentido muda de acordo com a pessoa e a situação,
uma vez que a existência e cada homem apresenta um caráter de algo único
(FRANKL, 1986). As profissionais E1 e E7, portanto, relacionaram o conceito de
espiritualidade ao sentido da vida de cada pessoa e a uma conexão com algo, ou
uma transcendência, para que aspectos curativos ou de resignação acontecessem.
Houve aqui nos discursos de E1 e E7 uma dificuldade da expressão do
fenômeno que se explica no real e evoca a ciência para poder compreendê-lo.
Transcender está relacionado a ligar-se à espiritualidade como postura de
conexão com o sagrado, e que traz força para o processo de cura e libertação.
A união transcendente aparece no espírito humano como movimento extático, que quer dizer movimento para fora, em êxtase, que desde um ponto de vista, é chamado de “fé” e, desde outro é chamado de “amor”. Estes dois estados manifestam a união transcendente que é criada pela Presença Espiritual no espírito humano. Deus é imanente ao mundo como seu fundamento criativo permanente e é transcendente ao mundo pela liberdade” (TILLICH, 2005, p. 584).
Pode-se definir espírito como uma dimensão da vida, que une o poder de ser
com o sentido de ser, ocorrendo apenas no ser humano. O espírito humano como
dimensão da vida é ambíguo, como o é toda forma de vida, ao passo que o Espírito
divino cria vida sem ambiguidade (TILLICH, 2005).
Espiritualidade pode ser entendida como aquilo que traz propósito à vida das
pessoas. Uma propensão humana a buscar significado à existência por meios que
transcendem o tangível, que pode ou não incluir uma participação religiosa
(KOENIG; MCCULLOUGH; LARSON, 2001). De fato, os termos “espiritualidade” e
“religiosidade” muitas vezes se confundem e estão relacionados, mas, seus
conceitos não apresentam as mesmas características (SAAD; MASIERO;
BATTISTELLA, 2001). A espiritualidade é mais ampla e pessoal, está relacionada a
um conjunto de valores íntimos, completude, interior, harmonia, conexão com os
outros; estimula um interesse pelos outros e por si; uma unidade com a vida, a
natureza e o universo. Para alcançar o espiritual, uma pessoa não necessita
pertencer a uma religião, ou seja, a um sistema de crenças organizado e
33
compartilhado por um grupo e que inclui a existência de uma força divina ou um ser
superior com propostas de normas, dogmas e rituais (SAAD; MASIERO;
BATTISTELLA, 2001).
Na fala da profissional E6, houve a busca por um elo de seu significado entre
a espiritualidade e o sentido de sua existência, acreditando que, por conseguir
perceber o outro, é um ser espiritual. “Uma concepção do sentido de vida delas, por
que elas existem? Qual o sentido da existência delas, né? Acho que isso é
espiritualidade. Acho que assim: Eu me considero uma pessoa espiritualizada,
porque consigo perceber o outro, consigo ver o outro”. Aqui, cabe perceber que a
profissional não conseguiu desenvolver de que forma percebe o outro.
A percepção espiritual da realidade dá à pessoa uma dimensão mais ampla
de significados para da vida e pode reorientar suas experiências. Esta percepção de
sentido transcendente na experiência cotidiana é a força motriz da existência
humana. Religião, arte, meditação, sofrimento, amorosidade ou contato com a
natureza, são todas possibilidades de atingí-la (FRANKL, 2000).
Já a profissional E2 atribuiu o significado da espiritualidade à fé ou a uma
energia motivadora que a impulsiona para um sentido de vida. “A espiritualidade, eu
acho que é, diferente da religião, a espiritualidade, ela está ali, justamente para..., é
a fé! É aquela energia motivadora, que às vezes a gente tem que buscar, que tem
que encontrar, que está perdida. Acho que a espiritualidade está justamente nesse
ponto-chave de transcender, né!?, e não viver por viver às vezes!”.
A profissional E2 revelou que acredita na diferença conceitual entre
espiritualidade e religiosidade, mas aqui foi importante trazer conceitos mais
explicativos das distinções, assim como aspectos teológicos sobre a fé.
Fé, quando definida de maneira formal (válida para qualquer tipo de fé em
todas as religiões e culturas), é o estado de ser possuído por aquilo a que aspira a
autotranscendência, o incondicional em ser e sentido. É o estado de ser tomado por
uma preocupação última, de ser possuído pela presença espiritual e de ser aberto à
unidade transcendente da vida-sem-ambiguidades (TILLICH, 2005).
Já a religiosidade é o aspecto institucional da espiritualidade, relacionada com
escritas, símbolos e dogmas, podendo ser influenciada por forças socioeconômicas,
culturais e políticas (MOREIRA-ALMEIDA; KOENIG, 2006). Muito embora alguns
autores vejam a distinção entre religiosidade e espiritualidade desnecessária, pode-
se notar que algumas pessoas demonstram um alto grau de espiritualidade sem
34
pertencer a uma religião instituída, outras têm sua espiritualidade fundamentada na
religião.
Nas falas das profissionais E3 e E4, transcritas a seguir, houve um
desencontro conceitual quanto ao entendimento e ao significado da espiritualidade
no cuidado integral ao ser humano. Aqui, E3 traz o conceito de que “Espiritualidade
é um termo muito amplo, e aqui a gente trabalha bem, procura trabalhar nessa
perspectiva. É quando o sujeito mostra a fé dele. Também a fé na questão física...,
mas também não só que ele acredita efetivamente enquanto religião enfim..., mas
como isso se processa dentro dele.” O discurso anterior trouxe um conceito de
crença de questões físicas e religiosas, entendendo muito mais aspectos
psicológicos de autoconhecimento e autopercepção do que propriamente o aspecto
de conexão com uma forma de energia motivadora e transcendente. Já a
entrevistada E4 tem outro entendimento: “Pra mim é uma coisa só: a espiritualidade
e a física quântica. Só quem acha que a espiritualidade é física quântica e quem
acha que física quântica é espiritualidade. Pra mim são coisas uníssonas.”
Aqui, nesta conceituação, a entrevistada E4 relacionou ou mesmo equiparou
a espiritualidade ao conceito de física quântica, que, em verdade, é uma ciência que
envolve estudo dos sistemas físicos cujas dimensões são próximas ou abaixo da
escala atômica, tais como moléculas, átomos, elétrons, prótons e de outras
partículas subatômicas, muito embora também possa descrever fenômenos
macroscópicos em diversos casos. A Mecânica Quântica é um ramo fundamental
da Física com vasta aplicação. A teoria quântica fornece descrições precisas para
muitos fenômenos previamente inexplicados, tais como conceitos de partícula –
objeto com uma mínima dimensão de massa, que compõe corpos maiores –; e
conceito de onda – a radiação eletromagnética, invisível para nós, que não necessita
de um ambiente material para se propagar, e sim do espaço vazio (MEHRA;
RECHENBERG, 1982).
Nas falas das profissionais E5 e E8, houve uma percepção de que a
espiritualidade teve exclusivamente uma relação de autoconhecimento e o
enfrentamento espiritual - coping espiritual. E5 entende que “Acessar os sentimentos
que as pessoas têm sobre aquilo que acontece, então, a simbologia daquilo que
acontece, quer dizer. Elas falarem sobre esse processo do não estar saudável, elas
têm possibilidade de encontrarem dentro delas as respostas e, a partir disso, acabar
fazendo uma ponte também para a questão da espiritualidade, que tem haver com o
35
quê? Com aquilo que a pessoa acredita! Como ela entende o seu processo do não
estar saudável e qual é o enfrentamento que ela tem sobre isso, a intencionalidade
também dela se melhorar.” E6 percebe que “A espiritualidade é a elevação do ser
mesmo. É o contato consigo, eu acho que é o processo de autoconhecimento.”
O conceito de coping religioso/espiritual está inserido nas áreas da psicologia
cognitivo-comportamental, psicologia da religião, psicologia positiva, psicologia da
saúde e do escopo de estudos sobre religião e saúde, medicina e espiritualidade,
tendo sido delineado a partir do estudo cognitivista do estresse e do coping.
Os resultados mostram que o coping religioso/espiritual é o uso da religião, da
espiritualidade ou da fé para lidar com o estresse. Estratégias de coping, conforme
consequências que trazem para quem as utiliza, podem ser classificadas como
positivas ou negativas, estando geralmente associadas, respectivamente, a
melhores ou piores resultados de saúde física/mental e qualidade de vida
(GOBATTO; ARAUJO, 2010).
Já quando as entrevistadas foram questionadas se, na percepção delas, a
espiritualidade poderia influenciar no processo saúde-doença entre as pessoas com
câncer de mama e por que, as falas foram mais concordantes, apesar de
conceituarem diferentemente os princípios fundamentais de cuidado e
espiritualidade. As entrevistadas acreditam com muita firmeza que a espiritualidade
influencia o processo saúde-doença nessas pessoas do Projeto Mãos de Vida,
especialmente quanto ao enfrentamento e à possibilidade de autocura.
As profissionais E1 e E3 acreditam com muita certeza que a espiritualidade
influenciou o processo saúde-doença das pessoas do Projeto Mãos de Vida,
especialmente quanto à possibilidade de autocura e de enfrentamento da doença.
E1 acredita que “Bom..., sim. Nós percebemos tranquilamente, e vou falar
aqui por mim, mas as minhas amigas de trabalho a mesma coisa. A diferença entre
a mulher que desenvolve essa qualidade, que trabalha sua espiritualidade, sua
crença, a sua fé e a que não trabalha com isso. A resposta ao tratamento, o seu
comportamento, a questão de como ela enfrenta, muitas, muitas desenvolvem a
resiliência, senão todas”. O processo de autocura pode ser referido como uma
capacidade própria do ser humano de se auto-organizar no seu sistema complexo
de ser vivo – autopoiese, segundo Maturana e Varela (1995). Esse ser humano, em
sua estrutura complexa e organização dinâmica, constrói-se e se reconhece por
meio da criatividade, fundamentada no amor-criante e alicerçado no amor vital, fonte
36
propulsora que impulsiona os processos vital-cognitivos e que constituem e definem
o ser humano como corpo-criante (DITTRICH, 2010).
Contudo, E3, apesar de acreditar na influência da espiritualidade no processo
de saúde-doença, tem o seguinte entendimento “Eu acho que assim, ela tem tudo a
ver, né? A espiritualidade, assim... é uma coisa que eu vejo bem na prática. A
pessoa que a gente atende, já quando ela tem o diagnóstico, e ela tem uma
perspectiva de vida positiva, ela vai passar isso com tranquilidade nesse processo.
Ela vai fazer o diagnóstico, o processo de aceitação dela vai ser melhor, todo esse
processo de cirurgia, pós-operatório, quimioterapia, radioterapia ela vai levar com
muito mais tranquilidade, ela vê aquilo como uma coisa positiva pra vida dela, né?
Às vezes ela faz mudanças de estilo de vida, mudança de ela ver o outro, né? Eu
acho que isso é crescimento dentro da espiritualidade. Então ela já traz uma
positividade perante a vida, perante ela como um ser. E ai ela vai traspassar com
essa positividade dela também nesse processo de doença que ela está passando,
né?” “Eu acho que está..., estritamente ligado. Eu tenho percebido que, sem dúvida
alguma, que aquelas que desacreditam do tratamento, elas desacreditam da vida.
As que acreditam no tratamento, elas acreditam na vida.”.
Aqui, a profissional atribui que a espiritualidade influencia no processo saúde-
doença, mas especialmente relacionado ao enfrentamento e à crença individual do
que propriamente à energia sutil que envolve a pessoa e influencia amplamente a
saúde em sua totalidade.
A vida é um mistério infinito, cada sujeito é muito mais que o seu próprio
limite, tem um “núcleo pessoal” ou “centro da pessoa” que pode sempre se
desenvolver e crescer. Sob essa visão, a pessoa percebe sua exigência de ser e de
se posicionar no mundo, porque possui uma força vital. É por meio dessa força que
cada um se posiciona e se situa nas circunstâncias no mundo da vida (ALLES
BELLO, 2007).
Esta força vital, energia da vida e oriunda do amor vital, proveniente das
relações pessoais e sociais, é que impulsiona os processos vital-cognitivos (rede)
por meio de um sistema complexo que constitui o ser humano em um corpo-criante
(DITTRICH, 2001).
Nas falas das profissionais E2 e E7, apesar de concordarem com a influência
da espiritualidade no processo saúde-doença das pessoas atendidas no Projeto
Mãos de Vida, percebeu-se que elas foram além da valorização do enfrentamento e
37
da crença pessoal. E2 diz “Com certeza. Eu acho que, primeiramente não sei se tem
alguma relação, mas o próprio desencontro desse lado espiritual talvez predisponha
ao próprio câncer, ao adoecimento, às doenças, facilita..., e quando a pessoa, ela se
sente com mais vitalidade talvez, talvez quando ela encontre essa própria energia
que tem dentro dela, eu acho que além de estar ajudando o processo de doença, ela
pode estar também prevenindo, né!?” Já E7 entende que “Com certeza, com
certeza. A gente percebe a diferença do atendimento das pessoas que entram e que
têm uma espiritualidade mais desenvolvida daqueles que são mais céticos,
entendeu? E as que acreditam e estão envolvidas de certa forma nessa atmosfera,
elas têm uma evolução melhor. Elas, muitas vezes, entram de um jeito, entram
carregadas, que a gente percebe que têm uma energia pesada, eu não sei te
explicar como. É só sentindo e só você estando ali para você ver o negócio, para
você sentir. E quando elas saem, você percebe que até a respiração delas está mais
calma, baixou aquela energia ruim, sabe?” Elas narraram, pois, de forma ainda que
sem estrutura conceitual ampliada, a presença de uma energia vibracional,
perceptível e variável individualmente, que influencia todo o processo de
recuperação de saúde.
Segundo o modelo quântico, todos os fenômenos (inclusive o que se chama
de energia mental e sutil, e mesmo o que chamamos de espírito) existem devido a
partículas elementares subatômicas e às suas interações, sendo que partículas
elementares formam átomos, átomos formam moléculas, moléculas formam células
e células formam toda a energia sutil (GOSWAMI, 2006). Portanto, o fazer vivo da
matéria é energia, e, nessa perspectiva, a energia é o sustentáculo de toda estrutura
e organização do corpo-criante, o ser humano (DITTRICH, 2001).
Esta nova etapa do conhecimento científico reconhece a espiritualidade na
abordagem integral no cuidado da pessoa por meio de uma visão auto-organizativa,
relacionando-a ao sentido do viver no mundo e ao processo saúde-doença,
desvelando-se a partir de um movimento da expressão legítima da criatividade
natural do ser humano em toda a sua complexidade multidimensional.
Tal criatividade estrutura e dinamiza este corpo-criante em questão que,
existencialmente falando, apresenta uma tendência inconsciente de buscar conhecer
sua fonte de origem criadora – Deus, o fundamento último – espírito de amor criante
(DITTRICH, 2010).
38
A dimensão profunda, espiritual, como lócus fundamental de onde emerge a
percepção do ser humano em si e para além de si se apresenta como força criadora
inconsciente, que, na sua dinâmica vital, impulsiona o ser humano a reconhecer que
existe em si uma presença ignorada, a qual ele chamou de Deus e que o remete à
descoberta do sentido da vida, que por sua vez acontece pela criatividade do ser
humano (DITTRICH, 2010). Relacionando espiritualidade e cuidado em saúde na
prática médica, percebe-se que as pessoas desejam ser cuidadas como pessoas e
não tratados como doenças. (OKON, 2005).
Apesar de encontrar uma variação da conceituação de cuidado integral e de
espiritualidade, bem como sua influência no processo saúde-doença entre as
profissionais de saúde pesquisadas e que se apresentou desde uma propriedade de
autocura até mesmo de um enfrentamento (coping) espiritual, compreendeu-se que
a intencionalidade, a responsabilidade e, principalmente, a amorosidade com que o
grupo desenvolve o projeto são, sem dúvida, os aspectos mais relevantes desse
entendimento do cuidar ampliado, valorizando aspectos da espiritualidade no
cuidado integral à saúde da pessoa.
A importância da espiritualidade neste cuidado integral se dá pela
necessidade de compreender que a pessoa que está sendo cuidada tem, em si,
aspectos subjetivos de sentidos e propósitos de ser no mundo. Além disto, a
transcendência com o sagrado pode promover, por meio do amor vital, a
potencialidade de autocura ou mesmo da resiliência de uma inesperada finitude.
Profissionais da área de saúde que agregam ao cuidado integral a valorização dessa
subjetividade oportunizam que muitas pessoas ressignifiquem sua existência nesse
momento de incerteza quanto ao desfecho e quanto às vivências do seu processo
saúde-doença.
39
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A necessidade da realização desta pesquisa acadêmica relacionando a
espiritualidade com o cuidado em saúde era um desejo antigo e ao mesmo tempo
um sentido de entendimento de cuidado integral, que constituiu a percepção do
pesquisador como profissional da área da saúde, desde os seus primeiros passos na
formação profissional como médico.
Nenhum pesquisador é isento de intencionalidade, e certamente essa
intenção de compreender mais profundamente a espiritualidade e a sua relação com
o processo saúde-doença encontrou campo fértil nas vivências pessoais do
pesquisador por meio do amor e do sofrimento, da arte musical e do fenômeno da
espiritualidade vivido desde sua juventude.
Por se tratar de um tema complexo, desafiador e com certa resistência da
ciência contemporânea biologicista, apoiada em tecnologia dura, foi necessário
buscar conceitos estruturais em outros campos da ciência, como a Filosofia, a Física
Quântica, a Psicologia e a Teologia. Nesta jornada, encontrou-se outro ser humano,
raro em sua generosidade, artista e filósofa, que aceitou conduzir essa pesquisa em
seu objetivo desafiador. Lembra-se ainda, com emoção, quando se recebeu seu
abraço fraterno no dia que foi definida a pesquisa e seu aceite em ser orientado por
ela. Compreenderam-se, durante esta orientação, conceitos que reforçaram ainda
mais as impressões empíricas do pesquisador como ser humano e profissional
médico assistente, especialmente sobre a amorosidade e a vontade de sentido. A
metodologia de orientação fenomenológica se apresenta como recurso apropriado
para pesquisar as vivências (percepção, memória, reflexão, decisão), possibilitando
ampliar a compreensão em relação ao fenômeno vivido, focalizando a experiência
vivida e captando o significado atribuído pela pessoa a essa vivência.
O principal objetivo desta pesquisa, qualitativa, teórico-prática e exploratória,
foi alcançado a partir das entrevistas transcritas das profissionais de saúde
(cuidadoras) e interpretadas pelo pesquisador sobre a compreensão da
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama,
atendida no Projeto de Extensão Mãos de Vida nas suas percepções. Os objetivos
específicos, tais como: “Qual foi o sentido de cuidador de uma pessoa com câncer
de mama?”; “O que significou espiritualidade no cuidado integral à pessoa com
câncer de mama?”; “E se em suas percepções, a espiritualidade influenciou no
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processo saúde-doença entre as pessoas com câncer de mama? Por quê?”,
também foram alcançados.
As entrevistadas acusaram que ser cuidador de uma pessoa com câncer de
mama foi um desafio, por necessitar desenvolver um olhar ampliado em relação ao
ser humano, assistindo-o de maneira integral e potencializando sua capacidade de
autocura. Sobre o significado da espiritualidade no cuidado integral das pessoas
com câncer de mama, relacionaram-na ao sentido de vida de cada pessoa, seus
significados e propósitos, além da percepção de uma energia motivadora
transcendente. Quanto à influência da espiritualidade no processo saúde-
doença, as falas foram mais concordantes, apesar de conceituarem diferentemente
os princípios fundamentais de cuidado e espiritualidade. As entrevistadas
acreditaram com muita firmeza que a espiritualidade influencia o processo saúde-
doença das pessoas do Projeto Mãos de Vida, especialmente quanto ao
enfrentamento e à possibilidade de autocura. Portanto, por mais que existam
dificuldades conceituais sobre o fenômeno da espiritualidade no processo de saúde-
doença, não se pode negar que essa dimensão do ser humano precisa ser
acessada e melhor compreendida para saber cuidar com maior humanidade.
A espiritualidade refere-se certamente a um amplo domínio da subjetividade
humana, podendo ser compreendida como aquilo que traz sentido à vida das
pessoas. Pode ser compreendida ainda como uma maneira de ser, e isto implica a
espiritualidade como um encontro com o Eu profundo da pessoa que faz contato
com o ser sagrado. Esta percepção de sentido transcendente, é a força motriz da
existência humana, podendo ser atingida por meio de inúmeros caminhos. A arte, a
meditação, o contato com a natureza, a prece, os relacionamentos amorosos ou
mesmo o sofrimento humano, ou mesmo as religiões são maneiras possíveis e
legítimas de acessá-la.
Negligenciar essa dimensão espiritual é como ignorar o aspecto social ou
psicológico da pessoa e resulta em falha ao cuidado integral.
No Brasil, a formação profissional na área da saúde ainda é
predominantemente biologicista, ou seja, direcionada para os aspectos biológicos da
doença, e pouco ampliada para o cuidado da pessoa. Em verdade, muito se tem
avançado com a valorização de outros determinantes do processo saúde-doença,
especialmente o aspecto social. Contudo, agregar ao ensino em saúde temas como
espiritualidade e sua relação com o processo saúde-doença ainda é um desafio. Das
41
quase duzentas instituições de ensino superior do Brasil que formam o médico,
menos de 10% têm em sua grade curricular o tema da espiritualidade e sua interface
com a saúde, e quando o tema é oferecido, é apresentado com uma disciplina
optativa ou por meio de cursos de pós-graduação. Outros cursos da área da saúde
também não apresentam conteúdos obrigatórios que discutam aspectos do cuidado
integral da pessoa, agregando a dimensão da espiritualidade. Isto causa
perplexidade, quando se pensa sobre a humanização do cuidado integral à pessoa.
Uma questão estimulante é: “De que forma criativa se pode fomentar essa
discussão científica durante a formação profissional nos cursos da área da saúde,
objetivando uma visão integral da pessoa em suas dimensões físicas, psíquicas e
também espirituais?” Acredita-se que a inclusão do estudo das artes e da filosofia
aplicada ao cuidado nos currículos da área da saúde possa contribuir para
“sensibilizar” o estudante a um sentido de conexão, assim como discussões ético-
humanísticas aplicadas ao mundo contemporâneo e situando o jovem aprendiz, para
que o profissional de saúde, cuidador de amanhã, perceba a necessidade de um
novo olhar ampliado para a saúde da pessoa.
42
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45
ANEXOS
ARTIGO I
A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE NO CUIDADO INTEGRAL
À SAÚDE DA PESSOA COM CÂNCER DE MAMA, NA VISÃO DO
CUIDADOR
Luiz Gustavo Teixeira Pinto1
Maria Glória Dittrich2
RESUMO
O câncer de mama se apresenta no Brasil e no mundo como um dos tumores malignos mais
prevalentes, apesar de toda a evolução tecnológica e maior acesso aos serviços de saúde. O
impacto de seu diagnóstico atinge dimensões ampliadas da pessoa, tais como sociais,
ecológicas, psicológicas, físicas e espirituais. O pensar-sentir-agir entre os profissionais da
área de saúde ainda é muito fragmentado, prevalecendo a visão biologicista da doença.
Todavia, nos tempos contemporâneos as transformações pelas quais perpassa o ser humano,
valores subjetivos como a espiritualidade vem ganhando maior dimensão no cuidado integral
à saúde da pessoa. É nesse aspecto que o artigo tem como objetivo descrever a importância da
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama na perspectiva dos
1 Luiz Gustavo Teixeira Pinto é Médico (UGF-RJ), Especialista em Medicina Interna (Residência Médica no
Hospital Geral de Ipanema-RJ e Sociedade Brasileira de Clínica Médica - SBCM), Especialista em Medicina de
Urgência (SBCM), Pós-Graduado em Terapia Intensiva (UGF-RJ/UNIMED), Professor de Clínica Médica e
Emergências Clínicas do Curso de graduação em Medicina da Univali - SC, Mestrando em Saúde e Gestão do
Trabalho (UNIVALI). [email protected] 2 Maria Glória Dittrich é Filósofa (FEBE), Especialista em Fundamentos da Educação (FURB), Mestre em
Educação (FURB), Doutora em Teologia (EST), Professora Pesquisadora nos Programas de Mestrado
Profissional em Gestão de Políticas Públicas e no Mestrado Profissional de Saude e Gestão do Trabalho -
UNIVALI – Brasil. É artista plástica, Arteterapêuta; Membro integrante da Red de Formación Universitaria
Transdisciplinar - REDFUT e da Comunidad Internacional Científica Virtual para el Cambio – CCVC e do
Grupo ADESTE – Universidade de Barcelona - Brasil e outras. [email protected]
Endereço: Rua Uruguai, 458 Bloco F6 sala 307 Centro, Itajaí – SC, CEP 88302-901.
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profissionais da área de saúde (cuidadores) do Projeto de Extensão Mãos de Vida, da
Universidade do Vale do Itajaí, Santa Catarina. A partir de uma metodologia de orientação
fenomenológica, procuramos interpretar por meio de uma abordagem hermenêutica a
percepção dos diferentes cuidadores. Os cuidadores pesquisados relataram que, ser cuidador
de uma pessoa com câncer de mama é um desafio, por necessitar desenvolver um olhar
ampliado assistindo-a de maneira integral e potencializando sua capacidade de auto-cura.
Significaram a espiritualidade relacionando-a ao sentido de vida e a uma energia motivadora
transcendente. Além disso, acreditaram que a espiritualidade influencia o processo saúde-
doença especialmente quanto ao enfrentamento e a possibilidade de auto-cura.
Palavras-chave: espiritualidade, cuidado integral, câncer de mama, saúde.
ABSTRACT
Breast cancer is present in Brazil and in the world as one of the most prevalent malignancies,
despite all the technological developments and greater access to health services. The impact
of his diagnosis reaches enlarged dimensions of the person, such as social, environmental,
psychological, physical and spiritual. The thinking-feeling-acting among health professionals
is still very fragmented, prevailing a biological view of illness. However, in contemporary
times the transformations which permeates the human being, subjective values such as
spirituality is gaining larger the comprehensive health care of the person. It is in this aspect
that the article aims to describe the importance of spirituality in the comprehensive health care
of the person with breast cancer from the perspective of health professionals (caregivers)
Project Hands of Life Extension, the University of Vale do Itajaí , Santa Catarina. From a
phenomenological methodology guidance, seek interpreted through a hermeneutic approach
to the perception of different caregivers. Caregivers surveyed reported that caregiver of a
person with breast cancer is challenging because it requires developing a broader view
watching it holistically and enhancing their capacity for self-healing. Meant spirituality
relating to the meaning of life and the transcendent motivating energy. Moreover, they
believed that spirituality influences health and disease especially regarding the coping process
and the possibility of self-healing.
Keywords: spirituality, holistic care, breast cancer, health.
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INTRODUÇÃO
Este artigo trata sobre a importância da espiritualidade no cuidado integral à saúde da
pessoa na perspectiva dos profissionais de saúde (cuidadores), tendo como objetivo apresentar
a percepção dos mesmos sobre a espiritualidade, seu conceito e significado no cuidado
integral às pessoas com câncer de mama atendidas no Projeto de Extensão Universitária Mãos
de Vida, na Universidade do vale do Itajaí em Santa Catarina, Brasil. Para compreender
espiritualidade e sua relação no processo saúde-doença torna-se necessário entender
historicamente de que forma se estruturou o estilo de pensamento do profissional da área de
saúde sobre os conceitos de cuidado e de saúde.
Desde os tempos mais remotos da humanidade, o ser humano vem vivenciando a
espiritualidade para compreender o significado de sua presença no mundo e para enfrentar as
mais diversas adversidades de sua existência. Com a evolução da nossa espécie e com a
contribuição das inúmeras áreas do conhecimento, e em especial a Filosofia, inicia-se um
processo de distanciamento gradativo da relação entre espiritualidade e os cuidados em saúde.
Tal dicotomia atinge seu ápice a partir do século XVIII, com a sedimentação de um estilo de
pensamento racionalista para entender os fenômenos que circundam a existência humana, em
especial, a saúde da pessoa.
O atual modelo de cuidado em saúde, orientado para a assistência à doença e não à
pessoa, valorizando predominantemente apenas aspectos biológicos e excluindo a
complexidade da pessoa multidimensional e do que a envolve, centrado e amparado pela
tecnologia e pelo complexo industrial-farmacêutico é reconhecido como modelo Flexneriano.
Abraham Flexner, em 1910, estruturou, sob influência capital do complexo médico-
industrial norte-americano, a reforma das faculdades de medicina nos Estados Unidos da
América por meio de um modelo reducionista e pouco reflexivo (Pagliosa, 2008). Demais
determinantes, tais como os aspectos psicosociais, a comunidade na sua história e
organização, o ecoambiente e a espiritualidade, não eram considerados para o cuidado à
saúde, assim como não eram valorizados nem percebidos no processo de saúde-doença.
Tais posturas eram do ponto de vista teórico-metodológico notoriamente positivistas,
apontando como único conhecimento seguro o científico, mediante a observação, a
experimentação, verificação e a reprodução. Esta concepção flexneriana que influenciou todo
o Ocidente também estruturou o modelo de ensino e de assistência médica previdenciária
brasileira na década de 1940, expandiu-se na década de 1950, orientando ainda a organização
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dos hospitais universitários de nosso país (Silva Junior, 2007).
Apesar das enormes conquistas impulsionadas pela reforma sanitária brasileira e pela
VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, culminando com a criação do Sistema Único
de Saúde do Brasil e desenhando um novo modelo de atenção à saúde mais equânime e
integral, a formação curricular do profissional de saúde brasileiro continuou limitada nesses
aspectos ampliados do cuidado, permanecendo ainda muito influenciada pela disseminação do
modelo (científico) flexneriano, sendo portanto, um entrave para a evolução da assistência
integral à saúde da pessoa.
O método de ensino baseado em evidências científicas, relacionando estatísticas e
doenças (e não centrado na pessoa), ainda é o modelo atual e hegemômico de ensino médico e
das demais áreas da saúde no Brasil. Nosso método de aprendizado reducionista impossibilita
e desvaloriza a percepção de sentidos frente a complexidade da pessoa, reduzindo-a apenas às
bases fisiopatológicas e estatísticas reprodutíveis e verificáveis.
Uma disciplina na formação médica que fomente a discussão sobre espiritualidade e
sua relação com o processo saúde-doença é inexistente nos currículos obrigatórios dos
profissionais da área de saúde no Brasil, estando presente em raras universidades brasileiras
na forma de disciplina optativa ou mesmo como projetos de extensão universitária e cursos de
pós-graduação. Isto nos causa perplexidade quando pensamos sobre a humanização do
cuidado integral da pessoa.
Todavia, a necessidade de uma percepção ampliada da pessoa urge na atualidade pois,
estamos vivendo numa era de distorção intensa de valores morais e éticos, pouca
solidariedade, individualidade, desamor, consumo irreflexivo e competitividade animalesca.
As relações sociais provocadas pelo consumo chegaram a tal ponto que todas as
relações passaram a ser reduzidas a relações de consumo, inclusive as mais profundas
relações afetivas. As relações humanas das pessoas que se constroem pelo consumo, acabam
sendo, como eles próprios, imagem do consumo, e acabam por gerar uma fluidez, uma
fragilidade cada vez mais acentuada nos relacionamentos humanos (Bauman, 2006).
Na área da saúde e especificamente durante a assistência profissional temos a grande
oportunidade de não somente diagnosticar e tratar patologias, mas também prevenir e
promover a saúde da pessoa. É um momento de interação especial entre pessoas que precisam
se interrelacionar de maneira profunda – um encontro de quem precisa de auxílio e de quem a
priori tem conhecimentos específicos para acolher, auxiliar e aconselhar.
Para que essa relação aconteça, precisamos ter um olhar profundo sobre o cuidar,
perceber não apenas a expressão física de queixas da pessoa, mas também valorizar o
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psíquico, suas crenças, valores, significados e propósitos, enfim, sua espiritualidade. Para
isso, além de tempo adequado para um acolhimento solidário, temos que ter as premissas
básicas de uma boa relação profissional de saúde-pessoa: Atenção, intenção e amor ao
próximo.
Quando não estamos aptos à perceber a complexidade da pessoa em seus aspectos de
significados e propósitos, a maneira de reconhecer o seu processo de saúde-doença e sua
capacidade de recuperação, perdemos oportunidades de realmente auxiliar na essência do
processo patológico como no câncer de mama, por exemplo.
O grupo de cuidadores (profissionais de saúde) de pessoas com câncer de mama foi
escolhido como amostra do estudo que originou este artigo, devido estarem trabalhando num
Projeto de Extensão universitária numa perspectiva transdisciplinar, atendendo pessoas com
câncer. Com efeito, não somente pelo grande impacto negativo da enfermidade tumoral na
saúde da pessoa, mas também pela alta prevalência e incidência de pessoas com câncer de
mama em nosso país e a necessidade de compreender o fenômeno da espiritualidade neste
processo.
Para o ano de 2012 foram estimados 52.680 casos novos, que representou uma taxa de
incidência de 52,5 casos por 100.000 mulheres. A taxa de mortalidade por câncer de mama
ajustada pela população mundial apresentou uma curva ascendente e representou a primeira
causa de morte por câncer na população feminina brasileira, com 11,3 óbitos/100.000
mulheres em 2009 (Inca, 2011). O Estado de Santa Catarina acompanhado das demais regiões
do Sul e Sudeste são as que apresentaram as maiores taxas, com 12,6 e 12,7 óbitos/100.000
mulheres em 2009, respectivamente (Inca, 2010).
As mulheres acometidas pelo câncer de mama têm um impacto multidimensional
profundo, vivenciando no decorrer da história natural de sua doença, a incerteza, o medo, a
amputação, a finitude. Algumas buscam a força, a re-significação da vida, a fé, a reabilitação
e até mesmo um despertar para a espiritualidade.
A preocupação com a dimensão não-material da pessoa encontra pouca reverberação
no ambiente acadêmico, principalmente na área de formação médica. No entanto
compreender e valorizar a dimensão espiritual que nos envolve e que tem relação
direta com a qualidade do bem estar da pessoa e de sentido em nossa existência torna-se
necessário na atualidade.
A valorização desta dimensão espiritual para o sentido frente ao sofrimento, as perdas,
as dores, a finitude, ou mesmo a percepção de bem estar, a recuperação plena, a re-
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significação da vida, todas são vivências de um fenômeno, que emerge da espiritualidade da
pessoa.
CONCEITUANDO CUIDADO INTEGRAL E ESPIRITUALIDADE
O cuidado é uma relação intersubjetiva que se desenvolve em um tempo contínuo, e
que, além do saber profissional e das tecnologias necessárias, abre espaço para negociação e a
inclusão do saber, dos desejos e das necessidades do outro (Pinheiro, 2005).
Cuidado integral em saúde não é apenas um nível de atenção do sistema de saúde, ou
um procedimento técnico simplificado, mas uma ação integral que tem significados e sentidos
voltados para compreensão de saúde como o „direito de ser‟. Pensar o direito de ser na saúde é
ter „cuidado‟ com as diferenças das pessoas – respeitando as relações de etnia, gênero e raça –
que são portadores não somente de deficiências ou patologias, mas de necessidades
específicas (Andrade, 2002).
O modelo biomédico atual que orienta o conjunto dos profissionais de saúde, ao se
apoiar predominantemente nos meios diagnósticos para evidenciar lesões e doenças, afastou-
se da pessoa sofredora como totalidade viva e permitiu que o diagnóstico substituísse a
atenção e o „cuidado‟ integral à saúde. Entretanto, mais do que o diagnóstico, as pessoas
desejam se sentir cuidadas e acolhidas em suas demandas e necessidades (Andrade, 2002).
A integralidade pode ser entendida como uma das diretrizes básicas do Sistema Único
de Saúde do Brasil, através de uma forma de política organizacional de práticas e serviços de
saúde e também percebida como uma atitude profissional (Mattos, 2001). É neste último
aspecto que ressaltamos a importância da integralidade no cuidado da pessoa.
A integralidade é uma característica de boa prática do cuidado em saúde, e
defendendo-a aqui não implica em deixar de lado todo caudal do conhecimento sobre as
doenças que tem permitido significativos sucessos, mas sobretudo, é necessário ter uma visão
ampliada das necessidades das pessoas as quais tratamos. A atitude de um profissional de
saúde diante de uma pessoa, que busca prudentemente reconhecer para além das necessidades
de ações de saúde, não somente as relacionadas ao diagnóstico precoce e à redução de fatores
de risco, mas também demandas relacionadas a uma valorização do sentido e significado da
experiência da pessoa, implica um sentido da integralidade.
Este olhar ampliado se faz necessário especialmente quando cuidamos de pessoas
acometidas por doenças graves, incapacitantes e mutilantes e que interfere em toda sua
estrutura multidimensional: física, psíquica, social, ecológica e espiritual, como o câncer de
mama. Para essas pessoas que vivenciam a possibilidade de uma finitude antecipada pela
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doença, se torna ainda mais necessário compreender a complexidade multidimensional da
pessoa por meio do cuidado integral, não apenas reduzindo ao tratamento dos sintomas físicos
do processo do adoecer, mas percebendo, valorizando e também aconselhando a própria re-
significação da vida em si. Espiritualidade pode ser entendida como aquilo que traz propósito
à vida das pessoas. Uma propensão humana a buscar significado à existência por meios que
transcendem o tangível, que pode ou não incluir uma participação religiosa (Koenig, 2001).
Já transcendência exigida pela experiência espiritual é a relação entre liberdades que
ocorre em todo encontro pessoal. Deus é imanente ao mundo como seu fundamento criativo
permanente e transcendente ao mundo pela liberdade. Tanto a divindade infinita quanto a
liberdade humana finita tornam o mundo transcendente para Deus e Deus transcendente para
o mundo (Tillich, 2005).
A percepção espiritual da realidade dá à pessoa uma dimensão mais ampla de
significados para os eventos da vida diária e pode reorganizar subjetivamente suas
experiências. Esta percepção de sentido transcendente na experiência cotidiana é a força
motriz da existência humana, podendo ser atingida por meio de rituais religiosos, prece,
meditação, arte, contato com a natureza, sofrimento e até mesmo relacionamentos amorosos
(Frankl, 2000).
Espírito, vem do latim, spiritus, significa sopro, e se refere a algo que dá ao corpo sua
força vital e demonstra a relação do plano material com a dimensão imaterial, oculta, divina
ou sobrenatural que anima a matéria. O espírito conecta o ser humano à sua dimensão divina
ou transcendente (Koenig, 1997). Religiosidade é o aspecto institucional da espiritualidade,
relacionada com crenças, rituais, escritas e símbolos (Moreira-Almeida e col., 2006). Uma
forma dogmática podendo inclusive ser distorcida por forças socioeconômicas, culturais e
políticas (Steinhauser, 2006).
Muito embora alguns autores vejam a distinção entre religiosidade e espiritualidade
como desnecessária, a espiritualidade é considerada mais primordial, pura e diretamente
relacionada com a alma. Por isso podemos notar que alguns indivíduos demonstram um alto
grau de espiritualidade sem pertencer a uma religião instituída, outros têm sua espiritualidade
fundamentada na religião, e existem ainda os que se vinculam às relações sociais da religião,
expressando frequentemente, laços étnicos e familiares.
O termo espiritualidade começou a receber maior atenção das ciências da saúde , e em
especial da medicina, na última década e não há mais dúvida da importância dos aspectos
religiosos ou espirituais no cuidado dos pacientes, embora ainda haja questionamentos a
respeito de como acessar a dimensão espiritual da pessoa e em que consiste o bom “cuidado
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espiritual” (Williams, 2006).
Relacionando espiritualidade e cuidado em saúde na prática médica percebe-se que os
pacientes querem ser tratados como pessoas, e não como doenças, e serem observados como
um todo, incluindo aspectos físico, emocional, social e espiritual (Okon, 2005).
Trabalhos relacionando espiritualidade à qualidade de vida, bem-estar subjetivo,
resposta imunológica, enfrentamento de doenças terminais, doenças psiquiátricas estão sendo
publicados desde a década de 80, e com um rigor científico cada vez maior (Moreira-
Almeida, 2007).
A importância do reconhecimento da espiritualidade como estratégia de enfrentamento
e a identificação das carências espirituais da pessoa faz com que o profissional de saúde possa
planejar e fornecer uma assistência da forma mais integral possível (Guerreiro, 2011). Além
disso, outros estudos relataram a importância do cuidado integral, acessando a dimensão
espiritual da pessoa, já que algumas delas afirmaram maior confiança no cuidado em saúde
por meio da própria fé e referiram ainda melhor capacidade para adaptar-se a novas situações.
Porém, os autores relataram alguns obstáculos para executar esse “cuidado espiritual”
adequado, como a falta de tempo para um diálogo prolongado entre a equipe de saúde e a
pessoa, além de dificuldades para identificar as reais necessidades da própria pessoa
(Westman, 2006).
Não temos a intenção de negar neste artigo os tantos avanços tecnológicos
fundamentais de nossa ciência moderna baseada em evidências e que norteiam condutas dos
profissionais da área da saúde nos dias atuais, mas acima de tudo, agregar valores pouco
compreendidos e estudados, contudo percebidos por alguns desses mesmos profissionais,
relacionados à complexidade da pessoa em sua dimensão espiritual. Além disso,
independentemente de possuírmos crenças materialistas ou espirituais, necessitamos
compreender melhor a relação entre saúde e espiritualidade para ampliarmos os
conhecimentos sobre o cuidado integral à saúde pessoa.
METODOLOGIA
A metodologia de orientação fenomenológica se apresentou como recurso apropriado
para pesquisar as vivências dos cuidadores (profissionais da área da saúde) de pessoas com
câncer de mama (intencionalidade, percepção, compreensão sobre espiritualidade no processo
saúde-doença). Possibilitou ampliar a compreensão em relação ao fenômeno vivido e
focalizou a experiência vivida captando o significado atribuído pela pessoa a essa vivência. O
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desenvolvimento teórico e metodológico então, ficou ancorado na fenomenologia
existencialista, entendendo que todo o processo vivido foi de síntese entre o pesquisador e o
seu objeto.
TIPO DE ESTUDO
O tipo de estudo realizado foi de natureza teórico-prática, exploratória, com
abordagem fenomenológica. A coleta de dados se deu através de entrevista não-diretiva, por
meio de algumas perguntas abertas, pois foi a busca do pesquisador para compreender o seu
objeto - a relação entre saúde e espiritualidade, nas falas dos profissionais da área da saúde
(cuidadores) das pessoas portadoras de câncer de mama atendidas no ambulatório de
especialidades médicas da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina.
O objetivo geral da pesquisa foi conhecer a importância da espiritualidade no cuidado
integral à saúde da pessoa com câncer de mama, na perspectiva dos cuidadores. Para isso se
levantou o seguinte problema: Qual a compreensão de cuidadores sobre a importância da
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama?
SUJEITOS DA PESQUISA
A população pesquisada foi composta por oito (08) profissionais da área da saúde que
foram nomeados por letra e números. Convencionou-se como E1 a letra e o número
correspondente do primeiro entrevistado, E2 a do segundo entrevistado, e assim por diante até
o oitavo profissional entrevistado (E8), sendo 01 fisioterapêuta (E1), 02 estagiários-bolsistas
(E2 e E4), 02 enfermeiras (E3 e E6), 01 médica (E5), 01 psicóloga (E7), 01 nutricionista (E8),
todos participantes do Projeto de Extensão Mãos de Vida, que atende semanalmente pessoas
com diagnóstico de câncer de mama, no ambulatório de especialidades médicas da Unidade
de Saúde Familiar e Comunitária da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), em Itajaí, Santa
Catarina. A escolha desta população de cuidadores se deveu pelo fato de se reconhecer nesse
Projeto de Extensão universitária, uma proposta inovadora de cuidado integral, quando, junto
aos processos de atendimentos clínicos (Medicina, Fisioterapia, Psicologia, Filosofia,
Nutrição, Farmácia, Enfermagem e Educação Física) se trabalham também, atividades eco-
espirituais e arteterapêuticas que consideram a importância da dimensão espiritual da pessoa
para o cuidado em saúde.
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ASPECTOS ÉTICOS
A pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do
Itajaí - SC, e só depois de sua aprovação foi iniciada a coleta de dados.
Realizou-se a partir de uma aproximação do pesquisador aos profissionais de saúde,
em seu local de trabalho, ocasião em que foi solicitada a assinatura pelos participantes do
termo de consentimento livre e esclarecido, que explicitava os objetivos da pesquisa e seus
procedimentos, além de garantir sigilo.
A partir daí, o pesquisador iniciou a entrevista com as perguntas abertas, consideradas
como roteiro para a coleta de dados: “Qual o sentido para o Sr. (Sra.) em ser cuidador de
uma pessoa com câncer de mama?” “O que significa espiritualidade para o Sr. (Sra.) no
cuidado integral à pessoa com câncer de mama?” “Na sua percepção, a espiritualidade
pode influenciar no processo saúde-doença entre as pessoas com câncer de mama? Por
que?” Os participantes puderam falar livremente e foram feitas poucas intervenções no
decorrer da fala dos profissionais, para ampliar e aprofundar as suas respostas com outras
questões, quando eram necessárias e relevantes para o estudo. Para obter o material
discursivo, foco do estudo de percepção das vivências dos profissionais de saúde, foram
realizadas gravações das entrevistas com o uso do MP3 (gravador digital).
Logo após cada entrevista foi feita a transcrição na íntegra de suas falas. Todos os
participantes convidados aceitaram livremente participar do estudo.
COMPREENSÃO DOS DADOS
Esta pesquisa sendo teórico-prática, qualitativa e fenomenológica encontra
metodologicamente subsídios para a compreensão dos dados teóricos a serem apreendidos
para a explicitação do seu objeto, na hermenêutica fenomenológica. Aqui, hermenêutica
quer dizer: uma postura, uma maneira de entender e expressar a percepção sobre os dados da
investigação teórico-prática de forma qualitativa. As raízes hermenêuticas da compreensão
humana nascem do corpo-criante, do pesquisador em busca de respostas para os seus
questionamentos, quando não se separa de seu objeto de pesquisa.
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Corpo-criante se quer entender “um todo vivo, dinâmico, inter-relacionado
nas suas partes com capacidade de se autocriar, que implica a sua autonomia
de se fazer constantemente, causando mudanças contínuas em si e fora de si,
para a preservação da própria vida. Explicitando: o homem, um corpo que
cria, é um todo vivo. Ele é orgânico, pois tem em si uma auto-organização
vital inteligente, sustentada por um princípio fundante – a energia criadora,
que detém a vida que se impregna desde as suas micropartículas
elementares, atravessando os seus átomos, suas moléculas, suas células, seus
ossos seus músculos, até a sua macroconstituição corporal total” (Dittrich,
2001. p. 81).
O percurso realizado pelo pesquisador para chegar às categorias chave da pesquisa e
para perceber a compreensão do fenômeno, foi apoiado no sentido das experiências vividas
pelas profissionais de saúde entrevistadas para chegar à essência dessas vivências, captando o
significado do que é ser cuidador em saúde (categoria 1), o significado da espiritualidade
(categoria 2) e a influência da espiritualidade no processo saúde-doença (categoria 3) das
pessoas portadoras de câncer de mama atendidos no Projeto Mãos de Vida. Logo, dessas
categorias o pesquisador construiu a sua compreensão que foi se explicando no cruzamento
dos dados da prática com os referenciais teóricos de fundamentação do seu objeto.
Segundo Dittrich, todas as percepções que vierem explicar a pesquisa ocorreram
diante de três movimentos. (Dittrich, 2004).
O primeiro movimento para apreender a compreensão do objeto é o da
intencionalidade, este é o momento da abertura da consciência do pesquisador para encontrar
referências sobre o seu objeto, bem como direcionar-se para coletar os dados da prática e
selecioná-los. O segundo é o movimento da percepção do pesquisador para selecionar os
dados teóricos e práticos e organizá-los para assim refletir sobre eles, buscando uma prévia
compreensão. O terceiro é a descrição da compreensão da consciência do pesquisador sobre
o objeto com os dados coletados, quando se fará a escrituração dos conceitos explicativos
sobre os objetivos da pesquisa (Dittrich, 2004).
RESULTADOS
Segundo a percepção do pesquisador, os profissionais de saúde pesquisados, quando
interrogados sobre o que é ser um cuidador de saúde, acusaram que, ser cuidador de uma
pessoa com câncer de mama é um desafio, por necessitar desenvolver um olhar ampliado em
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relação ao ser humano, assistindo-o de maneira integral e potencializando sua capacidade de
auto-cura. Nos discursos abaixo de três profissionais de saúde E2, E3 e E8, tornou-se claro
que significaram o ato de ser cuidador, a uma ação (potencializar, empoderar, desenvolver)
que realizaram, a fim de desvelar a capacidade que a própria pessoa possui em participar
ativamente do processo de cura de sua enfermidade. E2 diz que “É justamente potencializar
o que às vezes o paciente tem, às vezes a própria auto-cura que ele desconhece.” E3
confirma que “É ajudando da forma que for possível no cuidado interdisciplinar,
multidisciplinar que a gente desenvolve. Então, é uma forma de trabalhar com a questão da
humanização, e fortalecer até mesmo o poder de cura que ela mesmo possa ter e que às
vezes não sabe que tem.” E8 também compreende que “É uma oportunidade de a gente
ajudar a pessoa para que ela entenda o que é o empoderamento e o quanto ela consegue
participar nesse processo de cura”.
Através de suas falas as profissionais de saúde entenderam que eram capazes de
despertar a potencialidade de cada enfermo a fim de capacitá-los para a auto-cura. Todavia,
questões conceituais inerentes ao ser cuidador foram pouco exploradas, e mesmo a forma de
como potencializaram tal capacidade entre os pacientes, não foram elucidadas.
A concepção de cuidado integral em saúde não se caracteriza apenas por um nível de
atenção do sistema de saúde, ou por um procedimento técnico simplificado, mas sim, por uma
ação integral que tem significados e sentidos voltados para compreensão de saúde como o
„direito de ser‟, existencialmente falando. Pensar o direito de ser também é ainda garantir
acesso às outras práticas terapêuticas, permitindo ao usuário participar ativamente da decisão
acerca da melhor assistência médica a ser por ele utilizada no seu percurso de saúde-doença
(Andrade, 2002).
Com efeito, o ser humano pertence ao caráter da existência. Todo o ser participa na
estrutura do ser como organização multidimensional, o ser humano tem a capacidade de estar
imediatamente consciente desta estrutura dimensional biopsicoespiritual. O ser humano
experimenta a si mesmo como possuindo um mundo ao qual pertence. A estrutura ontológica
básica emana da percepção desta relação dialética complexa (Tillich, 2005). E essa estrutura
complexa e dinâmica, em sua auto-organização de sistemas – autopoiese - é intrínseca do ser
humano, fundamentada no amor vital, fonte propulsora que impulsiona os processos vital-
cognitivos e que constituem e definem o ser humano como corpo-criante (Dittrich, 2001).
Percebeu-se ainda que um estilo de pensamento entre as profissionais de saúde era de
que uma vez explicitada a questão de um possível potencial do corpo-criante da pessoa,
individual e intransferível, conseguiriam redimensionar a própria doença e sua história natural
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evolutiva. Aqui, corpo-criante significa - “um todo vivo, dinâmico, inter-relacionado nas suas
partes com capacidade de se autocriar, que implica a sua autonomia de se fazer
constantemente, causando mudanças contínuas em si e fora de si, para a preservação da
própria vida” (Dittrich, 2001). Nesse sentido, a profissional E4, já traz uma idéia do que é ser
uma cuidadora: “Meu processo como cuidadora me fez crescer muito enxergando o
paciente como um todo, né!? Não só como, ah, tem o diagnóstico de câncer positivo, mas
tá!: Quem é essa pessoa? Como é que ela enxerga a vida? Como é que ela está lidando
como processo saúde-doença?” Nesta fala, entendemos que a cuidadora aprendeu nas
vivências de cuidado, pois confirma que há importância de um olhar ampliado para a pessoa
enferma, desfocando apenas do aspecto patológico, e abrindo espaço para seus sentidos
perceberem as potencialidades e as necessidade da pessoa além da doença.
De fato, torna-se fundamental essa percepção, pois o modelo biomédico atual que
orienta o conjunto das profissões em saúde, ao se apoiar nos meios diagnósticos para
evidenciar lesões e doenças, afastou-se da pessoa sofredora como totalidade viva e permitiu
que o diagnóstico substituísse a atenção e o „cuidado‟ integral à saúde. Entretanto, mais do
que o diagnóstico, os sujeitos desejam se sentir cuidados e acolhidos em suas demandas e
necessidades (Andrade, 2002).
Na percepção da profissional E5, ser cuidadora significa ter intencionalidade de
realizar uma comunhão de idéias e ações, a partir de sua percepção, com a necessidade do
outro. Diz ela: “Ter o sentido de realmente fazermos uma parceria com nossos pacientes e
não o contrário. Se nós não buscarmos dar-nos as mãos e realmente olharmos nos olhos
dos nossos pacientes e ouvirmos... Termos ouvidos para realmente escutarmos aquilo que
aparece... muitas vezes a gente pouco toca aquilo que realmente faz uma diferença no
processo de saúde dos pacientes.” Tal fala vem ao encontro de que o cuidado é uma relação
intersubjetiva que se desenvolve em um tempo contínuo, e que, além do saber profissional e
das habilidades necessárias, abre espaço para negociação e a inclusão do saber, dos desejos e
das necessidades do outro (Pinheiro, 2005).
Portanto, ser cuidador é desenvolver este olhar ampliado, que se faz necessário,
especialmente, quando cuidamos de pessoas acometidas por doenças graves e que vivenciam
a possibilidade de uma finitude antecipada pela doença, não apenas reduzindo ao tratamento
dos sintomas físicos do processo do adoecer, mas percebendo, valorizando e também
aconselhando a própria re-significação da vida em si.
Os profissionais de saúde significaram a espiritualidade no cuidado integral das
pessoas com câncer de mama relacionando-a ao sentido de vida de cada pessoa, seus
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significados e propósitos, além da percepção de uma energia motivadora transcendente. Aqui,
E1 percebe a espiritualidade da seguinte maneira: “Eu tenho visto que essa fé, me fez
modificar como pessoa. Essa conexão..., como ela é importante para que a reabilitação
aconteça, para que a cura aconteça, ou para que a aceitação do tratamento aconteça. A
gente consegue perceber que, quando esse sentido da vida não está presente, como elas têm
um semblante mais fechado, mais escuro, um olhar mais perdido e um discurso mais
vago”.
Nesta outra fala de, E7 entende que “A espiritualidade, no caso, eu acho que é a
pessoa estar ligada não só com relação a uma religião, né? É ela acreditar em alguma
coisa, ela crê que a vida dela tem um porque maior, né?” Ambas entrevistadas aqui,
referiram ainda aspectos de significados e sentido da vida como algo fundamental para o êxito
ou fracasso da recuperação da saúde. Cada pessoa tem uma vocação própria ou missão
específica na vida; cada um tem uma tarefa concreta exigindo realização. Mas tal tarefa – o
sentido – não é algo estático: o sentido muda de acordo com a pessoa e a situação, uma vez
que a existência e cada homem apresenta um caráter de algo único (Frankl, 1986).
As profissionais E1 e E7 portanto relacionaram o conceito de espiritualidade ao
sentido da vida de cada pessoa e a uma conexão com algo, ou uma transcendência, para que
aspectos curativos ou de resignação acontecessem. Houve aqui nos discursos acima uma
dificuldade da expressão do fenômeno, que se explica no real e evoca a ciência para poder
compreendê-lo.
Transcender está relacionado a ligar-se à espiritualidade como postura de conexão
com o sagrado, e que traz força para o processo de cura e libertação.
A união transcendente aparece no espírito humano como movimento
extático, que desde um ponto de vista, é chamado de “fé” e, desde outro é
chamado de “amor”. Estes dois estados manifestam a união transcendente
que é criada pela Presença Espiritual no espírito humano. Deus é imanente
ao mundo como seu fundamento criativo permanente e é transcendente ao
mundo pela liberdade” (TILLICH, 2005, p. 584).
Pode-se definir espírito como uma dimensão da vida, que une o poder de ser com o
sentido de ser, somente ocorrendo no ser humano. O espírito humano como dimensão da vida
é ambíguo, como o é toda forma de vida, ao passo que o Espírito divino cria vida sem
ambiguidade (Tillich, 2005). Já espiritualidade pode ser entendida como aquilo que traz
propósito à vida das pessoas. Uma propensão humana a buscar significado à existência por
meios que transcendem o tangível, que pode ou não incluir uma participação religiosa
59
(Koenig, 2001). É necessário entender que os termos “espiritualidade” e “religiosidade” estão
relacionados, mas, apesar de muitas vezes serem utilizados como sinônimos, seus conceitos
não apresentam as mesmas características (Saad, 2001). A espiritualidade é mais ampla e
pessoal, está relacionada a um conjunto de valores íntimos, completude, interior, harmonia,
conexão com os outros; estimula um interesse pelos outros e por si; uma unidade com a vida,
a natureza e o universo. Para alcançar o espiritual, uma pessoa não necessita pertencer a uma
religião, ou seja, a um sistema de crenças organizado e compartilhado por um grupo e que
inclui a existência de uma força divina ou um ser superior, com propostas de normas, dogmas
e rituais (Saad, 2001).
Na fala da profissional E6 houve a busca por um elo de seu significado entre a
espiritualidade e o sentido de sua existência, acreditando que, por conseguir perceber o outro,
é um ser espiritual. Diz ela que espiritualidade é “Uma concepção do sentido de vida delas,
por que elas existem? Qual o sentido da existência delas, né? Acho que isso é
espiritualidade. Acho que assim: Eu me considero uma pessoa espiritualizada, porque
consigo perceber o outro, consigo ver o outro”. Aqui, cabe perceber que a profissional não
conseguiu desenvolver de que forma percebe o outro. A percepção espiritual da realidade dá à
pessoa uma dimensão mais ampla de significados para os eventos da vida diária e pode
reorganizar subjetivamente suas experiências. Esta percepção de sentido transcendente na
experiência cotidiana é a força motriz da existência humana, podendo ser atingida por meio de
rituais religiosos, prece, meditação, arte, contato com a natureza, sofrimento e até mesmo
relacionamentos amorosos (Frankl, 2000). Por outro lado, deixa claro que a espiritualidade no
processo da saúde está interligado com um sentido de vida, e isto está ligado a um olhar
ampliado da realidade.
Já a profissional E2 atribuiu o significado da espiritualidade à fé ou à uma energia
motivadora que a impulsiona para um sentido de vida. “A espiritualidade, eu acho que é,
diferente da religião, a espiritualidade, ela está ali, justamente para..., é a fé! É aquela
energia motivadora, que às vezes a gente tem que buscar, que tem que encontrar, que está
perdida. Acho que a espiritualidade está justamente nesse ponto-chave de transcender né!?,
e não viver por viver às vezes!” A profissional acima revelou que acredita na diferença
conceitual entre espiritualidade e religiosidade, mas aqui foi importante trazer conceitos mais
explicativos das distinções, assim como aspectos teológicos sobre a fé.
Fé, quando definida de maneira formal (válida para qualquer tipo de fé em todas as
religiões e culturas), é o estado de ser possuído por aquilo a que aspira a auto-transcendência,
o incondicional em ser e sentido. É o estado de ser tomado por uma preocupação última, de
60
ser possuído pela Presença Espiritual e de ser aberto à unidade transcendente da vida-sem-
ambiguidades (Tillich, 2005). Muito embora alguns autores vejam a distinção entre
religiosidade e espiritualidade desnecessária, podemos notar que algumas pessoas
demonstram um alto grau de espiritualidade sem pertencer a uma religião instituída, outras
têm sua espiritualidade fundamentada na religião.
Nas falas das profissionais E3 e E4 transcritas abaixo houve um desencontro
conceitual quanto ao entendimento e significado da espiritualidade no cuidado integral ao ser
humano. Aqui, E3 traz o conceito de que “Espiritualidade é um termo muito amplo, e aqui a
gente trabalha bem, procura trabalhar nessa perspectiva. É quando o sujeito mostra a fé
dele. Também a fé na questão física.., mas também não só que ele acredita efetivamente
enquanto religião enfim..., mas como isso se processa dentro dele.” O discurso acima trouxe
um conceito de crença de questões físicas e religiosas, entendendo muito mais aspectos
psicológicos de auto-conhecimento e auto-percepção do que propriamente o aspecto de
conexão com uma forma de energia motivadora e transcendente.
Já a entrevistada E4 tem outro entendimento: “Pra mim é uma coisa só: a
espiritualidade e a física quântica. Só quem acha que a espiritualidade é física quântica e
quem acha que física quântica é espiritualidade. Pra mim são coisas uníssonos.” Aqui,
nesta conceituação, a entrevistada E4 relacionou ou mesmo equiparou a espiritualidade ao
conceito de física quântica, que, em verdade, é uma ciência que envolve estudo dos sistemas
físicos cujas dimensões são próximas ou abaixo da escala atômica, tais como moléculas,
átomos, elétrons, prótons e de outras partículas subatômica, muito embora também possa
descrever fenômenos macroscópicos em diversos casos. A Mecânica Quântica é um ramo
fundamental da Física com vasta aplicação. A teoria quântica fornece descrições precisas para
muitos fenômenos previamente inexplicados, tais como conceitos de partícula – objeto com
uma mínima dimensão de massa, que compõe corpos maiores e conceito de onda – a radiação
eletromagnética, invisível para nós, que não necessita de um ambiente material para se
propagar, e sim do espaço vazio (Mehra,1982).
Nas falas das profissionais E5 e E8 houve uma percepção de que a espiritualidade teve
exclusivamente uma relação de auto-conhecimento e o enfrentamento espiritual - coping
espiritual. E5 entende que “Acessar, os sentimentos que as pessoas têm sobre aquilo que
acontece, então, a simbologia daquilo que acontece, quer dizer. Elas falarem sobre esse
processo do não estar saudável, elas tem possibilidade de encontrarem dentro delas as
respostas e a partir disso, acabar fazendo uma ponte também para a questão da
espiritualidade, que tem haver com o que? Com aquilo que a pessoa acredita! Como ela
61
entende o seu processo do não estar saudável e qual é o enfrentamento que ela tem sobre
isso, a intencionalidade também dela se melhorar.” E6 percebe que “A espiritualidade é a
elevação do ser mesmo. É o contato consigo, eu acho que é o processo de auto-
conhecimento.”
O conceito de coping religioso/espiritual está inserido nas áreas da psicologia
cognitivo-comportamental, psicologia da religião, psicologia positiva, psicologia da saúde e
do escopo de estudos sobre religião e saúde, medicina e espiritualidade, tendo sido delineado
a partir do estudo cognitivista do estresse e do coping. Os resultados mostram que o coping
religioso/espiritual é o uso da religião, espiritualidade ou fé para lidar com o estresse.
Estratégias de coping, conforme consequências que trazem para quem as utiliza, podem ser
classificadas como positivas ou negativas, estando geralmente associadas, respectivamente, a
melhores ou piores resultados de saúde física/mental e qualidade de vida (Gobatto, 2010).
Já quando as entrevistadas foram questionadas sobre, se na sua percepção, a
espiritualidade poderia influenciar no processo saúde-doença entre as pessoas com câncer
de mama e por que?, as falas foram mais concordantes, apesar de conceituarem
diferentemente os princípios fundamentais de cuidado e espiritualidade. As entrevistadas
acreditaram com muita firmeza que a espiritualidade influencia o processo saúde-doença
nessas pessoas do Projeto Mãos de Vida, especialmente quanto ao enfrentamento e a
possibilidade de auto-cura.
As profissionais E1 e E3 acreditaram com muita certeza que a espiritualidade
influenciou o processo saúde-doença das pessoas do Projeto Mãos de Vida, especialmente
quanto a possibilidade de auto-cura e de enfrentamento da doença. Na fala E1 acredita que
“Bom...,sim. Nós percebemos tranquilamente, e vou falar aqui por mim, mas as minhas
amigas de trabalho a mesma coisa. A diferença entre a mulher que desenvolve essa
qualidade, que trabalha sua espiritualidade, sua crença, a sua fé e a que não trabalha com
isso. A resposta ao tratamento, o seu comportamento, a questão de como ela enfrenta,
muitas, muitas desenvolvem a resiliência, senão todas”. O processo de auto-cura pode ser
referido como uma capacidade própria do ser humano de se auto-organizar no seu sistema
complexo de ser vivo o fenômeno da autopoiese, segundo Maturana. Esse ser humano em sua
estrutura e organização, complexa e dinâmica se constrói e se reconhece através da
criatividade, fundamentada no amor-criante, que é energia criativa, vital, e alicerçado no amor
vital, fonte propulsora que impulsiona os processos vital-cognitivos e que constituem e
definem o ser humano como corpo-criante (Dittrich, 2010).
Contudo, E3, apesar de acreditar na influência da espiritualidade no processo de
62
saúde-doença tem o seguinte entendimento “Eu acho que assim, ela tem tudo haver, né? A
espiritualidade, assim...é uma coisa que eu vejo bem na prática. A pessoa que a gente
atende, já quando ela tem o diagnóstico, e ela tem uma perspectiva de vida positiva, ela vai
passar isso com tranquilidade nesse processo. Ela vai fazer o diagnóstico, o processo de
aceitação dela vai ser melhor, todo esse processo de cirurgia, pós-operatório,
quimioterapia, radioterapia ela vai levar com muito mais tranquilidade, ela vê aquilo como
uma coisa positiva pra vida dela, né? Às vezes ela faz mudanças de estilo de vida, mudança
de ela ver o outro, né? Eu acho que isso é crescimento dentro da espiritualidade. Então ela
já traz uma positividade perante a vida, perante ela como um ser. E ai ela vai traspassar
com essa positividade dela também nesse processo de doença que ela está passando, né?”
“Eu acho que está..., estritamente ligado. Eu tenho percebido que sem dúvida alguma, que
aquelas que desacreditam do tratamento, elas desacreditam da vida. As que acreditam no
tratamento, elas acreditam na vida.” Aqui, a profissional atribui que a espiritualidade
influencia o processo saúde-doença, mas especialmente relacionada ao enfrentamento e a
crença individual do que propriamente a energia sutil envolve a pessoa e influencia
amplamente a saúde em sua totalidade. Esta força vital, energia da vida e oriunda do amor
vital, dinamizado nas relações pessoais e sociais é que impulsiona os processos vital-
cognitivos (rede) através de um sistema complexo que constitui o ser humano em um corpo-
criante (Dittrich, 2001).
Nas falas das profissionais E2 e E7, apesar de concordarem com a influência da
espiritualidade no processo saúde-doença das pessoas atendidas no Projeto Mãos de Vida,
foram além da valorização do enfrentamento e da crença pessoal. E2 diz “Com certeza. Eu
acho que, primeiramente não sei se tem alguma relação, mas o próprio desencontro desse
lado espiritual talvez predisponha ao próprio câncer, ao adoecimento, as doenças, facilita...,
e quando a pessoa, ela se sente com mais vitalidade talvez, talvez quando ela encontre essa
própria energia que tem dentro dela, eu acho que além de estar ajudando o processo de
doença ela pode estar também prevenindo, né!?”
Já E7 entende que “Com certeza, com certeza. A gente percebe a diferença do
atendimento das pessoas que entram e que tem uma espiritualidade mais desenvolvida
daqueles que são mais céticos, entendeu? E as que acreditam e estão envolvidas de certa
forma nessa atmosfera, elas tem uma evolução melhor. Elas muitas vezes entram de um
jeito, entram carregadas, que a gente percebe que tem uma energia pesada, eu não sei te
explicar como. É só sentindo e só você estando ali para você ver o negócio, para você sentir.
E quando elas saem você percebe que até a respiração delas esta mais calma, baixou
63
aquela energia ruim, sabe?” Narraram pois, de forma ainda que sem estrutura conceitual
ampliada, a presença de uma energia vibracional, perceptível e variável individualmente que
influencia todo o processo de recuperação de saúde.
Segundo o modelo quântico, todos os fenômenos (inclusive o que chamamos energia mental e
sutil, e mesmo o que chamamos de espírito) são devido a partículas elementares subatômicas
e às suas interações, sendo que partículas elementares formam átomos, átomos formam
moléculas, moléculas formam células e células formam toda a energia sutil (Goswami, 2006).
Portanto, o fazer vivo da matéria é energia, e nessa perspectiva, a energia é o sustentáculo de
toda estrutura e organização do corpo-criante, o ser humano (Dittrich, 2001).
Esta nova etapa do conhecimento científico reconhece a espiritualidade na abordagem
integral no cuidado da pessoa através de uma visão auto-organizativa, relacionando-a ao
sentido do viver no mundo, no processo saúde-doença, desvelando-se a partir de um
movimento da expressão legítima da criatividade natural do ser humano em toda a sua
complexidade multidimensional. Tal criatividade estrutura e dinamiza este corpo-criante em
questão que, existencialmente falando, apresenta uma tendência inconsciente de buscar
conhecer sua fonte de origem criadora – Deus, o fundamento último – espírito de amor criante
(Dittrich, 2010).
A dimensão profunda, espiritual, como lócus fundamental de onde emerge a percepção
do ser humano em si e para além de si, se apresenta como força criadora inconsciente, que na
sua dinâmica vital, o impulsiona a reconhecer que existe em si uma presença ignorada, a qual
ele chamou de Deus e que o remete à descoberta do sentido da vida, que por sua vez acontece
pela sua criatividade (Dittrich, 2010). Relacionando espiritualidade e cuidado em saúde na
prática médica percebe-se que os pacientes querem ser tratados como pessoas, e não como
doenças, e serem observados como um todo, incluindo aspectos físico, psíquico, social e
espiritual (Okon, 2005).
Apesar de encontrar uma variação da conceituação de cuidado integral e de
espiritualidade, bem como sua influência no processo saúde-doença entre as profissionais de
saúde pesquisadas, e que se apresentou desde uma propriedade de auto-cura até mesmo de um
enfrentamento (coping) espiritual, compreendemos que a intencionalidade, a responsabilidade
e principalmente a amorosidade com que o grupo desenvolve o projeto são, sem dúvida, os
aspectos mais relevantes desse entendimento do cuidar ampliado, valorizando aspectos da
espiritualidade no cuidado integral a saúde da pessoa. A importância da espiritualidade neste
cuidado integral se dá pela necessidade de compreender que a pessoa que está sendo cuidada
tem, em si, aspectos subjetivos de sentidos e propósitos de ser no mundo. Além disto, a
64
transcendência com o sagrado, pode promover através do amor vital, a potencialidade de auto-
cura ou mesmo da resiliência de uma inesperada finitude. Profissionais da área de saúde que
agregam ao cuidado integral a valorização dessa subjetividade, oportunizam que muitas
pessoas resignifiquem sua existência nesse momento de incerteza quanto ao desfecho e nas
vivências do seu processo saúde-doença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A necessidade da realização desta pesquisa acadêmica relacionando a espiritualidade
e o cuidado em saúde era um desejo antigo e ao mesmo tempo um sentido de entendimento de
cuidado integral, que constituiu nossa percepção enquanto profissional da área da saúde.
Nenhum pesquisador é isento de intencionalidade, e certamente essa intenção de
compreender mais profundamente a espiritualidade e sua relação com o processo saúde-
doença encontrou campo fértil em nossas vivências pessoais e profissionais.
Por se tratar de um tema complexo, desafiador e com certa resistência da ciência
contemporânea biologicista apoiada em tecnologia dura, necessitamos buscar conceitos
estruturais em outros campos da ciência como a Filosofia, a Física quântica, a Psicologia e a
Teologia. Compreendemos conceitos que reforçaram ainda mais nossas impressões empíricas
enquanto pessoa e profissional, especialmente sobre a amorosidade e a vontade de sentido.
O principal objetivo deste artigo que se estruturou partir de uma pesquisa, qualitativa,
teórico-prática e exploratória foi alcançado a partir das entrevistas transcritas das profissionais
de saúde (cuidadoras) e interpretadas pelos pesquisadores sobre a compreensão da
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama, atendidas no
Projeto de Extensão Mãos de Vida nas suas percepções. Os objetivos específicos tais como:
“Qual foi o sentido de cuidador de uma pessoa com câncer de mama?”; “O que significou
espiritualidade no cuidado integral à pessoa com câncer de mama?”; “E se em suas
percepções, a espiritualidade influenciou no processo saúde-doença entre as pessoas com
câncer de mama? Por que?”, também foram alcançados.
As entrevistadas acusaram que, ser cuidador de uma pessoa com câncer de mama foi
um desafio, por necessitar desenvolver um olhar ampliado em relação ao ser humano,
assistindo-o de maneira integral e potencializando sua capacidade de auto-cura. Sobre o
significado da espiritualidade no cuidado integral das pessoas com câncer de mama
65
relacionaram-na ao sentido de vida de cada pessoa, seus significados e propósitos, além da
percepção de uma energia motivadora transcendente. Quanto a influência da espiritualidade
no processo saúde-doença, as falas foram mais concordantes, apesar de conceituarem
diferentemente os princípios fundamentais de cuidado e espiritualidade. As entrevistadas
acreditaram com muita firmeza que a espiritualidade influencia o processo saúde-doença das
pessoas do Projeto Mãos de Vida, especialmente quanto ao enfrentamento e a possibilidade de
auto-cura. Portanto, por mais que haja dificuldades conceituais sobre o fenômeno da
espiritualidade no processo de saúde-doença, não podemos negar que tal dimensão da pessoa
precisa ser acessada e melhor compreendida para saber cuidar com maior humanidade.
A espiritualidade refere-se certamente a um amplo domínio da subjetividade humana,
podendo ser compreendida como aquilo que traz propósito ou sentido à vida das pessoas.
Pode ser compreendida ainda como uma maneira de ser, e isto implica a espiritualidade como
um encontro com o Eu profundo da pessoa que faz contato com o Ser sagrado em si e fora de
si. Esta percepção de sentido que, transcende na experiência cotidiana, é a força motriz da
existência humana, podendo ser atingida por meio de rituais religiosos, prece, meditação, arte,
contato com a natureza, sofrimento e até mesmo relacionamentos amorosos. Negligenciar essa
dimensão espiritual é como ignorar o aspecto social ou psicológico da pessoa e resulta em
falha ao cuidado integral. No Brasil, a formação profissional na área da saúde ainda é
predominantemente biologicista, ou seja direcionada para os aspectos predominantemente
biológicos da doença, e pouco ampliada para o cuidado da pessoa.
Em verdade, muito se tem avançado com a valorização de outros determinantes do
processo saúde-doença, especialmente o aspecto social. Contudo, agregar ao ensino em saúde
temas como espiritualidade e sua relação com o processo saúde-doença ainda é um desafio.
Das cento e oitenta instituições de ensino superior do Brasil que formam o médico,
menos de 10% têm em sua grade curricular o tema da espiritualidade e sua interface com a
saúde, e quando o oferece, é apresentado com uma disciplina optativa ou por meio de cursos
de pós-graduação. Outros cursos da área da saúde também não apresentam conteúdos
obrigatórios que discutam aspectos do cuidado integral da pessoa agregando a dimensão da
espiritualidade. Isto nos causa perplexidade quando pensamos sobre a humanização do
cuidado integral à pessoa.
Uma questão estimulante é, de que forma criativa poderemos fomentar essa discussão
científica durante a formação profissional nos cursos da área da saúde, objetivando uma visão
integral da pessoa em suas dimensões físicas, psíquicas e também espirituais? Acredito que a
inclusão do estudo das artes e da filosofia nos currículos da área da saúde possa contribuir
66
para “sensibilizar” o estudante a um sentido de conexão, assim como discussões ético-
humanísticas aplicada ao mundo contemporâneo e situando este jovem aprendiz, e que se
tornará o profissional de saúde cuidador de amanhã, a necessidade de um novo olhar ampliado
para a saúde da pessoa.
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68
ARTIGO II
Espiritualidade no ensino médico no Brasil: Uma
necessidade para o cuidado integral.
Spirituality in medical education in Brazil: A need for
comprehensive care.
Luiz Gustavo Teixeira Pinto3
Maria Glória Dittrich4
Resumo
Desde os tempos mais remotos da humanidade, o ser humano vem vivenciando a
espiritualidade para compreender o significado de sua presença no mundo e para enfrentar
as mais diversas adversidades de sua existência. Com a evolução da nossa espécie e com
a contribuição das inúmeras áreas do conhecimento, e em especial a Filosofia, inicia-se um
processo de distanciamento da relação entre espiritualidade e cuidados em saúde,
especialmente após o avanço do positivismo como metodologia de compreensão sobre o
processo saúde-doença. Nos últimos 20 anos, pesquisas consistentes vem evidenciando a
importância de agregar ao ensino, predominantemente biologicista, aspectos subjetivos da
natureza do ser humano referentes principalmente à espiritualidade. Este artigo resultante
3 Luiz Gustavo Teixeira Pinto é Médico (UGF-RJ), Especialista em Medicina Interna (Residência Médica no
Hospital Geral de Ipanema-RJ e Sociedade Brasileira de Clínica Médica - SBCM), Especialista em Medicina de
Urgência (SBCM), Pós-Graduado em Terapia Intensiva (UGF-RJ/UNIMED), Professor de Clínica Médica e
Emergências Clínicas do Curso de graduação em Medicina da Univali - SC, Mestrando em Saúde e Gestão do
Trabalho (UNIVALI). [email protected] 4 Maria Glória Dittrich é Filósofa (FEBE), Especialista em Fundamentos da Educação (FURB), Mestre em
Educação (FURB), Doutora em Teologia (EST), Professora Pesquisadora nos Programas de Mestrado
Profissional em Gestão de Políticas Públicas e no Mestrado Profissional de Saúde e Gestão do Trabalho -
UNIVALI – Brasil. É artista plástica, Arteterapêuta; Membro integrante da Red de Formación Universitaria
Transdisciplinar - REDFUT e da Comunidad Internacional Científica Virtual para el Cambio – CCVC e do
Grupo ADESTE – Universidade de Barcelona - Brasil e outras. [email protected]
Endereço: Rua Uruguai, 458 Bloco F6 sala 307 Centro, Itajaí – SC, CEP 88302-901.
69
de uma pesquisa teórica de cunho fenomenológico traz uma reflexão sobre o ensino
médico, através de um modelo de pensamento e aponta para novas possibilidades de
estruturação curricular sobre a inclusão na espiritualidade no cuidado em saúde. Para isso,
se utilizou pesquisas contemporâneas bem estruturadas que mostraram a importância da
espiritualidade no cuidado à saúde da pessoa, e logo a necessidade da inclusão desta como
componente curricular na formação em saúde.
Palavras chave: Ensino Médico, Espiritualidade, Saúde.
Abstract
Since the earliest times of humanity, the human being has experienced spirituality to
understand the meaning of their presence in the world and to face the adversities of their
existence. With the evolution of our species and with input from numerous areas of
knowledge, particularly Philosophy, begins a process of distancing the relationship between
spirituality and health care, especially after the advance of positivism as a methodology for
understanding the health and illness. Over the past 20 years, research has been consistent
evidence of the importance of adding the predominantly biologicist education, subjective
aspects of human nature mainly related to spirituality. This article results from a theoretical
study of nature brings a phenomenological reflection on medical education, through a model
of thought and points to new possibilities for structuring curriculum on the inclusion of
spirituality in health care. For this, we used well-structured contemporary research that
showed the importance of spirituality in health care of the person, and then the need to
include this as a curriculum component in health education.
Keywords: Medical Education, Spirituality, Health
Introdução
A espiritualidade é o fenômeno natural, que expressa uma maneira de ser da pessoa
na sua forma de existir e dar sentido aos questionamentos profundos no seu processo
saúde-doença.
Desde que o ser humano se entende como ser pensante, vem vivenciando a
espiritualidade para compreender o significado da vida e da morte, da sua presença no
mundo, para melhorar a saúde e como ferramenta para lidar com o enfrentamento das
70
adversidades e a dor, seja ela física, psíquica ou espiritual1. Sua capacidade de auto-
organização de seu sistema molecular, complexo, definido por Maturana como autopoiese,
traduz a imensa criatividade deste ser humano como um corpo-criante, todo vivo sensível e
inteligível, que interage com o outro, com o mundo e consigo mesmo2.
Na Grécia antiga, com o advento da medicina hipocrática, o ser humano tentou
racionalizar essas crenças e práticas, retirando-as do mundo mítico e criando um sistema
que pudesse entender de forma racional o impacto que atitudes, crenças, hábitos,
ambientes e ou ervas causavam no organismo humano3. Platão combinava ciência com
elementos espirituais, enfatizando a necessidade de tratar a “alma” bem como o corpo
físico.
A associação entre espiritualidade e cuidados em saúde perpassou toda Idade
Média, Moderna e mesmo a Idade Contemporânea, nas quais a religião, de certa forma,
controlou o exercício da medicina. Com o aparecimento da psicanálise de Freud, a ciência
nascente, especialmente as ciências biológicas, as quais embasam grande parte da
medicina, ratificou-se um processo de cisão entre duas áreas do conhecimento que sempre
caminharam juntas: a medicina e a espiritualidade. Apesar da dificuldade consensual do
conceito, espiritualidade se refere a um amplo domínio da subjetividade humana, podendo
ser compreendida como aquilo que traz propósito à vida das pessoas, uma propensão
humana a buscar significado à existência por meios que transcendem o tangível4. É um
fenômeno que se explica no real e evoca a ciência para poder compreendê-lo, podendo ou
não, incluir uma participação religiosa.
Frankl entende o fenômeno natural da espiritualidade interconectado à dimensão
profunda, espiritual, da pessoa. Ele afirma que a dimensão espiritual é o lócus fundamental
de onde emerge a percepção do ser humano em si e para além de si5. Apresenta-se como
força criadora inconsciente, que na sua dinâmica vital, impulsiona o ser humano a
reconhecer que existe em si uma dimensão profunda que transcende os limites da
observação metodológica. Porém, o ser humano a percebe quando vive grandes desafios
no processo saúde-doença, por exemplo. Essa dimensão Frankl afirmou que se revela à
consciência do ser humano como uma presença ignorada de algo sagrado, o qual ele
chamou de Deus.
Na visão de Dittrich, a espiritualidade é a emergência de uma criatividade natural do
ser humano, que irrompe em forma de energia vital, espiritual, a qual dinamiza os processos
do pensar, do sentir e do agir pessoal e social, formando uma maneira de ser para enfrentar
as adversidades da vida e descobrir o sentido do porquê viver2,6.
O ser humano na sua criatividade é sustentado, teologicamente, pelo amor criante
como dádiva de Deus presente no ser humano como um corpo-criante, complexo e
multidimensional. Esse amor, força vital edificadora, é que faz a vida acontecer em plenitude
71
na relação do eu com o mundo. Esse estado biopsicoespiritual dinâmico, restaurador, auto-
organizativo, é que impulsiona o ser humano (corpo-criante) a se religar com sua fonte
criadora de origem – Deus, o fundamento último, que dá o espírito ao ser humano para a
descoberta de poder ser-no-mundo2.
Espírito, vem do latim, spiritus, significa sopro e se refere a algo que dá ao corpo sua
força vital e demonstra a relação do plano material com a dimensão imaterial, oculta, divina
ou sobrenatural que anima a matéria. O espírito conecta o ser humano à sua dimensão
divina ou transcendente4.
Podemos definir fé como um estado de ser possuído pela Presença Espiritual, o
amor é o estado de ser integrado pela Presença Espiritual na unidade transcendente da
vida-sem-ambiguidade7. Já religiosidade é o aspecto institucional da espiritualidade,
relacionada com crenças, rituais, escritas e símbolos, sendo uma forma dogmática, podendo
ser distorcida por intenções socioeconômicas, culturais e políticas, ou mesmo gerar
intolerância entre diferentes religiões4.
Muito embora alguns autores vejam a distinção entre religiosidade e espiritualidade
como desnecessária, a espiritualidade é considerada mais primordial, pura e diretamente
relacionada com a alma. Assim podemos notar que alguns indivíduos demonstram um alto
grau de espiritualidade sem pertencer a uma religião instituída, outros têm sua
espiritualidade fundamentada na religião, e existem ainda aqueles que se vinculam às
relações sociais da religião, expressando frequentemente, laços étnicos e familiares.
Cabe ressaltar que a idéia deste artigo não é subtrair de forma irresponsável as
inúmeras contribuições no campo da Matemática, da Filosofia e especialmente da Saúde,
que pensadores racionalistas e positivistas ofereceram para o nosso desenvolvimento
biopsicosocial, tampouco, desvalorizar os avanços tecnológicos mesmo financiados por
pesquisas patrocinadas pelo complexo médico-industrial, que oportunizaram uma melhor
compreensão do ser humano biológico.
Em verdade, a intenção é despertar para a importância que a espiritualidade possui
como dimensão subjetiva ligada às outras dimensões constitutivas do ser humano,
principalmente sua interface no processo saúde-doença, e, além disto, trazer implicações e
aplicações de como esta dimensão imaterial pode ser inserida de forma científica e não
mística, na formação curricular do profissional médico no Brasil.
72
Um breve histórico
A herança do estilo de pensamento biologicista em saúde remonta o início do século
XX, quando Abraham Flexner em 1910, estruturou sob influência capital do complexo
médico-industrial, a reforma das faculdades de medicina nos Estados Unidos da América
por meio de um modelo de ensino reducionista e pouco reflexivo. Neste modelo
hospitalocêntrico e biologicista centrado na doença, os demais determinantes, tais como os
aspectos psicosociais, a comunidade na sua história e organização, o ecoambiente e a
espiritualidade, não eram considerados para o cuidado à saúde, assim como não eram
percebidos no processo de saúde-doença8.
As posturas eram do ponto de vista teórico-metodológico notoriamente positivistas,
apontando como único conhecimento seguro o científico, mediante a observação, a
experimentação, a verificação e a reprodução. A arte foi substituída pela ciência, sepultando
de vez aspectos intrínsecos complementares fundamentais na formação da boa prática
médica integral, tais como a percepção e a valorização da subjetividade do ser humano.
Deste modo, nosso método de aprendizado reducionista e até a atualidade reverberado nas
escolas médicas, impossibilita e desvaloriza a percepção de sentidos frente ao sofrimento
humano, e o reduz apenas às bases fisiopatológicas e estatísticas reprodutíveis e
verificáveis.
Se por um lado, nossa ciência médica se desenvolveu através dessa “tecnologia
dura” e, sem dúvidas, trouxe inúmeros benefícios para a humanidade, tais como novas
drogas para tratamento de enfermidades, que até então eram fatais, ou conhecimento
tecnológico para procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos, imagens radiográficas
cada vez mais precisas, contribuindo inclusive para a longevidade da nossa espécie
humana; por outro lado, desvalorizou o ser humano na sua complexidade de ser
multidimensional, reduzindo-o ao patológico.
Uma Resolução publicada na emenda da Constituição de 07 de abril de 1999, da
Organização Mundial de Saúde, propôs incluir o âmbito espiritual no conceito multidisciplinar
de saúde, que agrega ainda aspectos físicos, psíquicos e sociais. Todavia os limites
conceituais da questão da espiritualidade ainda não são bem definidos e compreendidos em
muitas práticas médicas, especialmente em relação à religiosidade9.
Nos últimos vinte anos a discussão do tema espiritualidade e sua relação com a
saúde vem ganhando reconhecimento científico, sendo inclusive introduzido no currículo
médico obrigatório de inúmeras universidades pelo mundo a fora, especialmente nas
universidades norte-americanas, a partir de pesquisas baseadas em evidências científicas,
validando a percepção desta importante dimensão no cuidado integral da pessoa. No Brasil,
o cenário do ensino médico ainda não é o mesmo. Poucas universidades discutem o tema
73
na formação médica profissional, e, as que oferecem em seus componentes curriculares,
são de modo optativo ou mesmo em áreas de pós-graduação10.
Um novo olhar para o cuidado Integral
A necessidade de uma percepção ampliada de ser humano urge na atualidade, pois
estamos vivendo numa era de distorção intensa de valores morais e éticos, pouca
solidariedade, forte individualismo, desamor, consumo irreflexivo e competitividade
inconsequente.
As relações sociais provocadas pelo consumo, chegam a tal ponto que todas as
relações passam a ser reduzidas às relações de consumo. Inclusive as mais profundas
relações afetivas – amizades, namoros, casamentos. O outro diante do eu, passa agora, a
ser tomado também como objeto de consumo, útil enquanto oferece satisfação, e
dispensável ao fim da utilidade. As relações humanas dos indivíduos que se constroem pelo
consumo, acabam sendo, como eles próprios, imagem do consumo, e acabam por gerar
uma fluidez, uma fragilidade cada vez mais acentuada nos relacionamentos humanos11.
Na área da saúde e especificamente durante a assistência médica temos a grande
oportunidade de não somente diagnosticar e tratar patologias, mas também prevenir e
promover saúde. É um momento de interação especial entre pessoas que precisam se
interrelacionar de maneira profunda – um encontro de quem precisa de auxílio e de quem, a
priori, tem conhecimentos específicos para acolher, auxiliar e aconselhar. Para que essa
relação aconteça, precisamos ter um olhar profundo sobre o cuidar da pessoa, perceber não
apenas a expressão física de suas queixas, mas também valorizar o psíquico (sentimentos,
emoções, intuições, razões), suas crenças, valores, significados e propósitos de vida, enfim,
sua espiritualidade, como uma maneira de ser diante dos desafios da vida no processo
saúde-doença. Embora alguns autores vejam a distinção entre religiosidade e
espiritualidade como desnecessária, a espiritualidade é considerada mais primordial, pura e
diretamente relacionada com a alma. Assim podemos notar que algumas pessoas
demonstram um alto grau de espiritualidade sem pertencer a uma religião instituída, outras
têm sua espiritualidade fundamentada na religião. Para isso, além de tempo adequado para
um acolhimento solidário, temos que ter as premissas de uma boa relação médico-paciente:
atenção, intenção e amor ao próximo.
Quando não estamos aptos a perceber a complexidade do ser humano
multidimensional em seus aspectos de significados e propósitos, sua maneira de reconhecer
seu processo de saúde-doença e sua capacidade de recuperação, perdemos oportunidades
74
de realmente auxiliar na essência do processo patológico. Contudo, a contemporaneidade
tem renovado seu interesse no assunto e, cada vez mais, pesquisas na área da saúde são
conduzidas para validar a importância dessa interface medicina, saúde e espiritualidade.
No final da década de 1980, epidemiologistas norte-americanos relacionaram
práticas espirituais/religiosas com indicadores de saúde, percebendo de forma inédita que
entre os praticantes religiosos, através de orações e ou cultos religiosos havia melhora na
qualidade de vida, longevidade, menos doença física e mental4. É verdade que muitas
dessas associações podem ser explicadas por outras variáveis já reconhecidamente
impactantes no modus operandi da saúde, como menor consumo de álcool e drogas, maior
apoio social, maior prática de exercícios físicos, entre outros. Entretanto tem-se verificado
que mesmo esses fatores ou estilos de vida têm sido influenciados por diretrizes religioso-
espirituais9.
O termo espiritualidade começou a receber maior atenção da medicina na última
década e não há mais dúvida da importância dos aspectos religiosos ou espirituais no
cuidado das pessoas, embora ainda haja questionamentos a respeito de como acessar a
dimensão espiritual do ser humano10.
Na área da pesquisa médica, as principais publicações de relevância em periódicos
indexados com elevados níveis de evidência estão entre outras, nas áreas de cuidados
paliativos em oncologia, na síndrome da imunodeficiência adquirida e na saúde mental. E a
forma interessante que vem à tona à (re)descoberta da importância da dimensão espiritual
no cuidado integral da pessoa é que essa demanda vem exatamente da pessoa enferma,
nosso principal centro de cuidado e que tem clamado por uma percepção de olhar ampliado,
como um ser físico, psíquico e espiritual12. Além disso, pesquisas na área da neurociências
vem desvelando o eixo psiconeuro-endocrinoimunológico e sua relação com o altruísmo, a
solidariedade, a amorosidade, enfrentamento (coping) religioso/espiritual e bem-estar, ou
mesmo resposta imunológica reacional ao estresse. Tais publicações já não são mais
novidades entre produções científicas de relevância internacional. Será que estamos
entrando na era da “Medicina baseada em espiritualidade”?
A percepção espiritual da realidade dá à pessoa uma dimensão mais ampla de
significados para os eventos da vida diária e pode reorganizar subjetivamente suas
experiências. Esta percepção de sentido, transcendente na experiência cotidiana, é a força
motriz da existência humana, e pode ser atingida por meio de rituais religiosos, prece,
meditação, arte, contato com a natureza, sofrimento e até mesmo relacionamentos
amorosos5. Relacionando espiritualidade e cuidado em saúde na prática médica percebe-se
que os pacientes querem ser tratados como pessoas, e não como doenças, e serem
observados como um todo, incluindo aspectos físico, psíquico, social e espiritual13. A partir
desta visão ampliada de que o processo saúde-doença perpassa dimensões biofísicas,
75
psíquicas, espirituais e sócio-culturais, precisamos criar, de forma inovadora, métodos de
acessar e principalmente valorizar a espiritualidade, fazendo com que nosso cuidado à
pessoa seja realmente integral. Alguns destacados pesquisadores na área médica, entre
eles Harold Koenig e Christina Puchalski, recentemente validaram escalas de como e
quando acessar informações relevantes sobre a espiritualidade/religiosidade relacionando-
as com a saúde, não somente entre pessoas enfermas, mas também entre profissionais
assistenciais da área da saúde10.
As dificuldades não são poucas, pois existem conflitos de entendimento, crenças
distintas e muita resistência entre os próprios profissionais de saúde, professores, alunos,
médicos e mesmo de algumas pessoas enfermas sobre quando acessar, como acessar, por
que acessar, e se essa abordagem do cuidado em saúde ampliado realmente trará
benefícios ao paciente14,15. Tais dúvidas podem se relacionar ao desconhecimento, e, como
o navio Beagle para Darwin em sua importante viagem exploratória, nos ajudando a
entender o processo evolutivo, ou mesmo o telescópio para Copérnico iniciar a elaboração
teórica do heliocentrismo, a compreensão da espiritualidade, sua pesquisa e aplicação,
poderão ser instrumento para trazer enormes contribuições à saúde e ao bem-estar do ser
humano.
Em relação ao ensino médico, uma disciplina na formação médica que fomente a
discussão sobre espiritualidade e sua relação com o processo saúde-doença é inexistente
nos currículos obrigatórios dos médicos no Brasil, como já se abordou anteriormente10. Isso
nos causa perplexidade quando pensamos sobre a humanização do cuidado integral à
pessoa. Tão essencial quanto perceber a influência da espiritualidade no cuidado de
condições patológicas, é compreender a maneira como esse assunto poderá ser abordado
durante a formação do graduando em medicina.
Os Estados Unidos da América perfazem a maior fonte de literatura científica a
respeito de educação médica em espiritualidade, o que é um reflexo do grande número de
escolas que já vêem na espiritualidade um tema a ser discutido durante a graduação.
Segundo a Associação Médica Americana, em 1992 apenas 2% dos cursos de medicina
norte-americanos disponibilizava uma disciplina que oferecia aos médicos graduandos
temas relacionados com a espiritualidade. Em 2004 esse número cresceu para 67%. Os
métodos de ensino utilizados nesses programas incluem palestras sobre o tema, discussões
em pequenos grupos, leituras e aplicações de questionários15,16. No Reino Unido, 59% das
escolas médicas já oferecem algum tipo de curso relacionado à espiritualidade17.
Já no Brasil, apesar de ser um dos maiores países religiosos do mundo,
pouquíssimas escolas médicas oferecem cursos sobre a interface medicina/espiritualidade.
Menos de 10% das aproximadamente 180 Faculdades de Medicina no Brasil abordam o
tema nos currículos médicos10. Esta dicotomia de pensamentos e necessidades entre os
76
profissionais da área da saúde de formação biologicista estrita, e de pessoas que valorizam
sua religiosidade/espiritualidade, merece ser pesquisada na tentativa de entender o que
impede a ampliação do olhar do cuidador frente ao ser humano em sua
multidimensionalidade?
A Universidade Santa Cecília, localizada em Santos, São Paulo, foi a pioneira em
2002, incluindo em seu currículo médico optativo disciplinas que trata da saúde e
espiritualidade, seguida da Universidade Federal do Ceará, somente em 2006. Em anos
posteriores, Universidade de São Paulo, do Rio Grande do Norte e Triângulo Mineiro
completaram o cenário atual de instituições que oferecem a discussão do assunto em nível
acadêmico de graduação médica, sendo todas as disciplinas abordadas no currículo
optativo18. A resistência na introdução de cursos sobre espiritualidade no currículo médico é
não somente pela escassez de estudos nacionais sobre o assunto, mas também pelo estilo
de pensamento biologicista e fragmentado, predominante entre os docentes e profissionais
da área da saúde que atuam na formação profissional. A dicotomia aparentemente existente
entre a medicina, ciência objetiva, e a espiritualidade, a dimensão subjetiva do ser humano,
torna a maioria dos médicos formados, no tradicional modelo flexneriano, pouco receptivos à
aceitar e lidar com questões metafísicas de seus pacientes.
Pesquisas realizadas entre a população geral e médicos norte-americanos
estudando crenças e o comportamento religioso/espiritual relacionando-os com a
assistência médica foram desenvolvidas nesta última década, revelando que 95% das
pessoas acreditam em Deus, 77% acreditam que os médicos devem considerar as suas
crenças espirituais, 73% acreditam que devam compartilhar as suas crenças religiosas com
o profissional médico e 66% demonstram o interesse de que o médico pergunte sobre a sua
espiritualidade. No entanto apenas 10% a 20% relataram que os médicos discutiram a
espiritualidade com elas19,20. Muitos médicos dizem que se sentem desconfortáveis ao falar
sobre assuntos religiosos/espirituais, ou que não tem tempo para lidar com isso. Outros não
consideram os assuntos espirituais como parte de seus trabalhos, não entendem por que
deveriam ser, não sabem como e nem quando introduzí-los, e sequer imaginam quais
seriam os resultados caso os incluíssem21,22,23.
Na literatura médica em cuidados paliativos e saúde mental, o tema religiosidade e
espiritualidade ganha bastante importância e destaque. O papel da espiritualidade em
pacientes com câncer ou portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida é revisto,
ressaltando os domínios do significado, da esperança, do amor e dos relacionamentos.
Avaliações e intervenções espirituais destacadas para a promoção do conforto e a
diminuição da dor foram: a vontade de escutar, atenção e aceitação23,24.
Há atualmente uma tendência na formação de modelo multidisciplinar envolvendo
aspectos espirituais no tratamento da dor no câncer, discutindo o papel de vários
77
profissionais das áreas da saúde tais como, psicólogos, enfermeiros, oncologistas,
psiquiatras, capelães e religiosos, em que cada um desempenha um papel específico,
relacionando-se com a pessoa enferma23.
Esta nova etapa do conhecimento científico reconhece a espiritualidade na
abordagem integral no cuidado do ser humano, através de uma visão auto-organizativa,
relacionando-a ao sentido do viver no mundo e ao processo saúde-doença, desvelando-se a
partir de um movimento da expressão legítima da criatividade natural do ser humano, em
toda a sua complexidade multidimensional.
A atitude de um médico que, diante de uma pessoa, busca prudentemente
reconhecer para além das demandas explícitas relacionadas às necessidades de ações de
saúde, como as relacionadas ao diagnóstico precoce e à redução de fatores de risco; mas,
também, à uma valorização da experiência de significado e de sentido dessa pessoa frente
ao sofrimento, ilustra um sentido de integralidade no cuidado da pessoa profundamente
ligado aos ideais da medicina integral.
A complexidade do objeto da saúde exige recriar a atuação dos profissionais de
vários campos do conhecimento que atuam na área saúde, especialmente os médicos, já
que a complexidade do ser humano não é redutível à organização da atenção em
determinado nível, mas sim à uma necessidade de percepção ampliada da pessoa em todas
as suas dimensões físicas, psíquicas, espirituais e sócio-culturais, por meio de ações
interdisciplinares no cuidado integral.
Considerações finais
Necessitamos agregar ao já consagrado modelo científico flexneriano de ensino da
medicina e, que responde bem ao conhecimento “das partes”, o modelo holístico,
familiarizando aspectos da espiritualidade para sensibilizar a percepção por parte dos
estudantes de graduação e médicos para o (re)conhecimento do ser humano como um “
todo complexo na sua multidimensionalidade”. Áreas de atuação médicas como a saúde
mental, a medicina paliativa em pacientes oncológicos em finitude e as principais doenças
auto-imunes estão em destaque nesse início de mudança de paradigma do cuidado integral.
Ter essa abertura de consciência para a valorização da dimensão espiritual da
pessoa e a sua relação com o processo saúde-doença é fundamental; especialmente,
porque tais patologias têm em seu substrato etiopatogênico, aspectos intimamente
relacionados à experiências vividas, sentidas e significadas, e que desejam um melhor
conhecimento da subjetividade e sentido de enfrentamento humano, para se chegar a
efetividade de um cuidado integral à saúde da pessoa, bem como, a um ensino médico mais
abrangente e ciente de uma visão ampliada de ser humano.
78
Nestes aspectos o modelo cartesiano de explicação para os mecanismos de doença
estão pouco ou nada elucidativos, pois não percebe a singularidade da pessoa na sua
complexidade dimensional, apenas considera a dimensão biofísica da doença, observável,
verificável e reprodutível. O papel da pesquisa fenomenológica nestes novos tempos,
que valoriza a percepção e a subjetividade dos pacientes frente ao processo saúde-doença,
assim como da neurociência e da saúde mental já estão sendo e serão fundamentais para
“cientificar” o fenômeno da espiritualidade a partir de muita criatividade, rigor e humildade
acadêmica.
No âmbito do ensino médico, necessitamos, portanto, desenvolver, baseado em
pesquisas cada vez mais estruturadas, discussões interdisciplinares ampliadas frente ao
fenômeno da espiritualidade e sua relação com o cuidado em saúde, especialmente no
Brasil, país altamente religioso/espiritualizado, cuja população clama por um olhar mais
integral do ser humano.
A partir desta nova postura acadêmica, poderemos conseguir minimizar as mútuas
angústias, pois, se de um lado há um ser humano na condição de pessoa enferma e
necessitando ser melhor acolhido e percebido, de outro lado, há um ser humano médico,
que necessita de forma urgente ampliar o olhar sobre o cuidado, mas que já reconhece,
mesmo de forma tímida, que o modelo tradicional não lhe responde minimamente em
inúmeras situações vivenciadas em sua prática. Com efeito, esta ideia coloca um desafio
pró-ativo – o da inclusão do tema espiritualidade no cuidado em saúde, nos currículos do
ensino médico e de outros ensinos no campo da saúde.
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80
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista
1 Qual o sentido para o(a) Sr.(Sra.) em ser cuidador(a) de uma pessoa com câncer
de mama?
2 O que significa espiritualidade para o(a) Sr.(Sra.) no cuidado integral à pessoa
com câncer de mama?
3 Na sua percepção, a espiritualidade pode influenciar no processo saúde-doença
entre os pacientes com câncer de mama? Por quê?
81
APÊNDICE B – Dados de Identificação
Dados de Identificação
Nome:
Idade:
Formação profissional:
Tempo de formação profissional:
Atuação Profissional:
82
APÊNDICE C - Declaração de não existência de orçamento previsto para
execução da pesquisa
Na qualidade de pesquisador responsável pela pesquisa aqui intitulada A
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama na
perspectiva dos cuidadores, declaro para os devidos fins éticos, em conformidade
com o documento do SISNEP/registro da pesquisa, que a mesma não apresenta
financiamento de qualquer instituição com este fim, e que, portanto, não necessita
de orçamento detalhado incluído.
Profª. Dra. Maria Glória Dittrich Professora responsável
83
APÊNDICE D - Termo de consentimento livre e esclarecido
Você está sendo convidado (a) a participar, como voluntário, de uma
pesquisa. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar
fazer parte do estudo, deverá rubricar todas as folhas e assinar ao final deste
documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador
responsável. Em caso de recusa, você não será penalizado (a) de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA
Título do Projeto: A espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com
câncer de mama na perspectiva dos cuidadores.
Professora Responsável: Dra. Maria Gloria Dittrich contato: (47) 3366-3210
Pesquisador: Luiz Gustavo Teixeira Pinto contato: (47) 9101-9081
O presente projeto tem como objetivo investigar a percepção sobre a
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama na
perspectiva dos cuidadores, inseridos no Projeto de Extensão Universitária “Mãos
de Vida”. Esta pesquisa certamente colaborará para o avanço dos conhecimentos
para o cuidado às pessoas com câncer de mama, especialmente no que diz respeito
à espiritualidade na saúde.
O roteiro de entrevista apresenta 03 (três) questões predefinidas e abertas, de
forma que poderá haver acréscimo de outras perguntas, de acordo com a
necessidade. A entrevista será realizada individualmente em dia e hora previamente
acordados. Quanto aos aspectos éticos, os pesquisadores informam que:
Os dados pessoais do participante serão mantidos em sigilo, garantindo seu
anonimato, bem como o resultado dos dados sobre a importância da
espiritualidade na saúde da pessoa.
A aceitação não implica que seja obrigado(a) a participar da pesquisa até seu
final. A qualquer momento poderá interromper sua participação, bastando, para
isto, comunicar o pesquisador.
A participação é voluntária, não terá direito à remuneração.
84
Esta pesquisa é de cunho acadêmico e não visa a uma intervenção imediata,
tampouco causará constrangimento de ordem psíquica, política, social e religiosa.
Se o participante tiver alguma reclamação do ponto de vista ético, poderá contatar
com o responsável desta pesquisa.
Os resultados serão divulgados na apresentação da pesquisa perante defesa
para uma banca examinadora, de forma pública, até julho de 2014.
Posteriormente, a apresentação será publicada em revista científica.
Ao final da pesquisa, a devolutiva dos resultados ocorrerá por meio de uma cópia
impressa de um relatório que será entregue à coordenadora da pós-graduação do
Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho UNIVALI – Campus Itajaí.
Para participar dessa pesquisa, o(a) Senhor(a) deverá assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (a seguir), rubricando todas as páginas. Esse
termo determina que aceita participar da pesquisa como voluntário(a) e pode
desistir de fazê-lo, se não se sentir à vontade, sem que sofra qualquer coação.
Luiz Gustavo Teixeira Pinto Pesquisador
Nome do pesquisado/a:
Assinatura do pesquisado/a:
85
APÊNDICE E - Identificação e consentimento
Eu, ________________________________________________________________
RG:________________ CPF:____________, declaro estar ciente dos propósitos da
pesquisa e da maneira como será realizada e no que consiste minha participação
como sujeito. Ademais, poderei retirar-me da pesquisa quando quiser, sem sofrer
nenhum tipo de penalidade, como também não receberei remuneração para isso.
E-mail:
Itajaí,____/____/________.
Assinatura do pesquisado
86
APÊNDICE F - Termo de utilização de dados para coleta de dados de
pesquisas envolvendo seres humanos
Declaro que conheço e cumprirei os requisitos da Res. CNS 196/96 e suas
complementares no desenvolvimento do projeto de pesquisa “A espiritualidade no
cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama na perspectiva dos
cuidadores”, assim como afirmo que os dados descritos no protocolo serão obtidos
em absoluto sigilo e utilizados apenas para os fins especificados deste, aprovado
pelo Comitê de Ética.
Itajaí,____/____/________.
Maria Glória Dittrich Professora orientadora
Luiz Gustavo Teixeira Pinto Mestrando
87
APÊNDICE G - Termo de aceite de orientação
Eu, Maria Glória Dittrich, professora do Mestrado em Saúde e Gestão do
Trabalho da UNIVALI, concordo orientar o projeto de pesquisa para dissertação de
mestrado do acadêmico Luiz Gustavo Teixeira Pinto, tendo como título “A
espiritualidade no cuidado integral à saúde da pessoa com câncer de mama na
perspectiva dos cuidadores”.
Itajaí,____/____/________.
Maria Glória Dittrich Professora orientadora
88
APÊNDICE H - Termo de anuência de instituição para coleta de dados de
pesquisas envolvendo seres humanos
Declaro que conheço e cumprirei os requisitos da Res. CNS 196/96 e suas
complementares e como esta instituição tem condições para o desenvolvimento do
projeto de pesquisa A ESPIRITUALIDADE NO CUIDADO INTEGRAL À SAÚDE DA
PESSOA COM CÂNCER DE MAMA NA PERSPECTIVA DOS CUIDADORES e
autorizo sua execução pelos pesquisadores Luiz Gustavo Teixeira Pinto e Maria
Glória Dittrich.
Nome da Instituição: Universidade do Vale do Itajaí
Endereço: Rua Uruguai, 458 – Centro, Itajaí/SC. Telefone: 47 3341-7500
Nome completo do responsável legal: Enfª. Clarice Maria Specht
Cargo: Chefe do ambulatório de especialidades médicas da Unidade Saúde Familiar
e Comunitária (USFC)
Assinatura:
Data: