LUSTOZA. Uma Reflexão Sobre a Produção Do Espaço Urbano

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LUSTOZA. Uma Reflexão sobre a Produção do Espaço Urbano

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    Uma Reflexo sobre a Produo do Espao Urbano LUSTOZA, Regina Esteves

    Resumo: O artigo apresenta uma viso geogrfica e urbanstica atravs de uma reflexo a respeito das conseqncias da produo do/no espao sobre a natureza. O processo de reproduo da sociedade se realiza no processo de reproduo espacial em conseqncia da socializao da sociedade, que tem como foco principal a urbanizao, que se revela atravs de uma planificao racional do espao. Planificao essa que o planejamento urbanista progressista, que possibilita a resoluo de problemas colocados pela relao homem-natureza e homem-homem. O processo de reproduo pode ser refletido no espao da cidade atravs da propriedade privada do solo, que transforma o espao em raridade. Palavras chaves: espao urbano; produo do espao; valorao do espao Introduo O sculo XX testemunhou o maior e mais rpido avano tecnolgico da histria da

    humanidade e tambm as maiores agresses ao meio ambiente, decorrentes de um

    desenvolvimento que no levou em considerao os impactos relevantes da revoluo

    industrial e a finitude dos recursos naturais. As ltimas dcadas trouxeram ao conceito

    ecolgico uma ampliao, dentro de um modelo de desenvolvimento que procurou um

    equilbrio, resgatando uma nova tica da relao homem-natureza.

    A complexidade da questo ambiental colocou para o mundo contemporneo o debate que

    hoje presenciamos, ou seja; os investimentos das naes no sentido de valorizar o

    paradigma ambiental, que tira a natureza de uma posio passiva e inerte, concebendo o

    meio ambiente como expresso de criatividade, diversidade e depositrio da inter-relao de

    todos os seres, visando uma boa sobrevivncia e qualidade de vida, procurando a

    construo de uma tica ambiental, entendida como conscientizao ambiental, que exige a

    interveno da cincia com apelo para os valores de preservao, assim como o

    cruzamento de preocupaes que abrangem a sade, a educao, a qualidade de vida, o

    direito, a poltica e cultura nos desafios presentes de uma perspectiva sustentvel, que por

    sua vez requer uma articulao entre os valores de justia social, democracia, direitos

    humanos, satisfao das necessidades humanas bsicas.

    A Produo do/no espao O enfoque dado a teoria do espao de CASTELLS (1977), segundo GOTTDIENER (1993)

    a mesma abordagem de LEFEBVRE (1991). Para Castells o espao um produto material

    de uma dada formao social. Essa nfase estrutura a abordagem marxista do espao.

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    Castells comea com uma avaliao da Escola de Chicago, que considerava invalida, mas

    afirmava que sua abordagem era dotada de uma idia correta, pois considerava o espao

    determinado pelas foras produtivas e pelas relaes de produo que se originam delas.

    GOTTDIENER (1993: 120), seguindo o pensamento de Castells, menciona que no era

    preciso abandonar o enfoque materialista, mas desenvolv-lo atravs de uma viso marxista

    do materialismo da Escola de Chicago e pela conceituao de outros elementos de

    organizao social que se articulam com os aspectos econmicos da sociedade. CASTELLS

    afirma:

    No existe uma teoria espao, mas simplesmente um desdobramento e especificao da teoria da estrutura social, a fim de explicar as caractersticas da forma social particular, o espao, e de sua articulao com outras foras e processos, historicamente dados (1977: 124).

    Em oposio a Lefebvre, que desenvolveu uma teoria marxista do espao a fim de moldar o

    que ele denomina de prxis scio-espacial, Castells afirma que o primado da teoria

    althusseriana1 da estrutura social, que no pode ser usado para explicar as formas sociais

    (GOTTDIENER, 1993: 120).

    Nesse momento CASTELLS (1977: 126), citado por GOTTDIENER (1993: 121), prope no

    debate um paradigma estruturalista:

    Analisar o espao como uma expresso da estrutura social equivale a estudar sua formao por elementos do sistema econmico, do sistema poltico e do sistema ideolgico (EPI) e por suas combinaes e prticas sociais que derivam deles.

    A resposta de Castells a Lefebvre aplicar a estrutura EPI, no a todo sistema social como

    fez Althusser, mas a uma parte dele, o sistema urbano.

    Gottdiener comenta que Castells menciona o seguinte:

    Colocar a questo da especificidade de um espao, e particularmente do espao urbano, equivale a conceber relaes entre os elementos da estrutura social. Em termos mais concretos, a delimitao urbano conota uma unidade definida ou na instncia ideolgica, ou na instncia poltico-judicial, ou na instncia econmica (1977: 235).

    Essas trs estruturas, que buscavam uma unidade urbana, exigiram de Castells a

    conceituao de EPI, de modo a fornecer um nico enfoque urbano para anlise.

    1 Segundo Althusser um modo verdadeiramente cientifico de raciocnio marxista pode sobrepujar o idealismo e fornecer um forma legtima de prxis. O objetivo do estruturalismo de Althusser consistia em alcanar esse nvel de cincia, mediante a transformao do materialismo histrico numa teoria de organizao social.

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    Ao decidir especificar a unidade urbana como a definem os processos relativos a fora de

    trabalho, CASTELLS (1977: 237) afirma:

    Proponho a seguinte hiptese: em sociedades capitalistas adiantadas, o processo que estrutura o espao o que diz respeito produo simples e extensiva da fora de trabalho; o conjunto da chamada prtica urbana conota a articulao do processo de estrutura social como um todo... As unidades urbanas, assim, parecem ser para o processo de reproduo o que as companhias so para o processo de produo, ainda que, naturalmente, no devam ser consideradas apenas como locais, mas como sendo de origem de efeitos especficos sobre a estrutura social.

    Segundo GOTTDIENER (1993: 123) para CASTELLS (1977) o urbano uma unidade

    espacial da reproduo da fora de trabalho. A produo do ambiente construdo ocorre

    atravs dos processos pelos quais todo o conjunto de estruturas EPI se articula com essa

    unidade espacial. A descoberta do sistema urbano se d atravs de um argumento

    reducionista, tpico do discurso althusseriano.

    Desta forma a teoria do espao para Castells apresenta as seguintes caractersticas:

    primeiro, uma aplicao do pensamento de Althusser e uma explicao da produo do

    ambiente construdo. Segundo uma tentativa de resgatar o termo urbano, definindo-o

    teoricamente como uma unidade espacial dentro do sistema estrutural que produz o

    ambiente construdo. E foi atravs desse aspecto por onde se estenderam suas afirmaes.

    Com isso descobriu que sua especificao da unidade urbana traz tona os problemas

    associados ao processo de consumo coletivo na sociedade moderna e sua crise estrutural

    (GOTTDIENER, 1993: 123).

    Esses processos de consumo coletivo se referem ao suporte dado pelo Estado a certos

    bens pblicos que Castells considerava essenciais para a reproduo da fora de trabalho.

    Com isso ele se envolve com a organizao dos meios de consumo coletivo, que constituem

    a base da vida cotidiana dos grupos sociais, ou seja, habitao, educao, sade, cultura,

    comrcio, transporte e outros.

    Isso mostra que Castells no est mais interessado numa teoria do espao, mas sim,

    desenvolve uma teoria dos problemas urbanos. Ele se concentra no fato de que as maiorias das questes classificadas de urbanas esto ligadas ao consumo coletivo, com essa anlise

    ele retoma as preocupaes urbana para uma abordagem terica. Com isso, em lugar de uma teoria da produo do espao, que ainda continua nos pensamentos de Lefebvre, por

    exemplo, Castells vai no sentido da Escola de Chicago, que centra no stio os interesses

    analticos da sociologia urbana.

    Podemos observar que Castells procura substituir sua preocupao em explicar como o

    espao produzido por uma preocupao sobre a forma pela qual se produzem os

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    problemas urbanos, que eventualmente se tornar para ele uma teoria da crise2 da

    sociedade capitalista.

    Para GOTTDIENER (1993: 124) o aspecto mais importante da mudana do pensamento de

    Castells que deixando de aplicar Althusser a uma teoria do espao, ele desenvolveu um

    aspecto especfico dessa teoria a relao entre o Estado e o espao de assentamento.

    Gottdiener menciona que a dificuldade em avaliar esse fato est ligada a insistncia de

    Castells em manter o termo urbano em sua anlise e em definir a cidade como uma

    unidade espacial de reproduo da fora de trabalho.

    Para Lefebvre (1974), citado por GOTTDIENER (1993: 126), a transformao da sociedade

    moderna em sociedade humanista deve ocorrer na forma de revoluo urbana, ou seja, na

    forma de uma revoluo do design espacial organizado em torno da vida cotidiana

    desalienada, alm da transformao econmica exigida pela maioria dos marxistas. No

    pensamento de Lefebvre a prxis espacial elevada a uma atividade radical paralela a

    esforos para reorganizar as relaes sociais, e para tal ele sustenta essa perspectiva com

    uma teoria marxista do espao.

    O espao no pode ser reduzido simplesmente a uma localizao ou s relaes sociais de

    posse de propriedade, pois ele representa uma diversidade de preocupaes

    sociomateriais. O espao uma localizao fsica, uma pea de bem imvel, e ao mesmo

    tempo o local geogrfico da ao e a possibilidade social de engajar-se na ao. Num plano

    individual, por exemplo, ele no s representa o local onde ocorrem os eventos (recebe),

    mas tambm significa a permisso social de engajar-se nesses eventos (funo da ordem

    social). Essa idia fundamental para comearmos a entender o trabalho de Lefebvre. Alm

    disso, o espao possui mltiplas propriedades num plano estrutural. ao mesmo tempo um

    meio de produo como terra e parte das foras sociais de produo como espao. Como

    propriedade, as relaes sociais podem ser consideradas parte das relaes sociais de

    produo, isto , a base da econmica. Observamos ainda, que o espao um objeto de consumo, um instrumento poltico, e um elemento na luta de classes. LEFEBVRE (1974: 1) menciona que na filosofia, o espao era desprezado e tratado como

    uma categoria entre outras. Nas cincias que tratavam do espao, elas o dividiam, fragmentando segundo postulados metodolgicos: o gegrafo, o socilogo, o historiador e

    outros. No melhor dos casos, o espao passava por um meio vazio, mas definido segundo

    critrios inexprimveis: absoluto, tico-geomtrico, euclidiano-cartesiano-newtoniano.

    No se pode ignorar hoje, que a tentativa original de planificao foi destruda. Planificao

    esta, que no coincidia nem com os planos por oramentos nem com o controle estatal do

    emprego de capital, ou seja, com a planificao pela via financeira. 2 O conceito de crise para Castells representa o mesmo enfoque analtico que contradio no pensamento de Lefebvre

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    No primeiro captulo de A Produo do Espao (The prodution of space), uma edio de

    1991, o esforo de Lefebvre em considerar o espao (social) e o tempo (social) no mais

    como fatos da natureza mais ou menos modificada, e no mais como simples fatos da

    cultura mas como produtos. O que leva a uma modificao no emprego e no sentido deste termo.

    Nesta obra Lefebvre menciona a necessidade de no se considerar o espao como objeto

    e coisa qualquer, saindo das mos e das mquinas, mas como aspectos principais da

    natureza segunda (conseqncia da prtica social)- efeito da ao das sociedades sobre a

    natureza primeira (base material) sobre os dados sensveis, a matria e as energias.

    LEFEBVRE (1974) concebe o espao como produto social, que no se colocava sem

    dificuldades, sem uma problemtica.

    O espao para Lefebvre no poderia ser concebido como algo passivo, vazio, como tendo

    apenas o sentido, como os outros produtos, da troca, do ser consumido, do desaparecer.

    Enquanto produto, o espao intervm na prpria produo: organizao do trabalho

    produtivo, transportes, fluxos das matrias-primas e das energias, rede de repartio dos

    produtos.

    Lefebvre aponta que na estrita tradio marxista, o espao social poderia ser considerado

    uma superestrutura. Como resultado das foras produtivas, como as estruturas das relaes

    de propriedade entre outras. O espao se vende, se compra, tem valor de troca e valor de

    uso. Portanto, no se situa neste ou naquele nvel o conceito de espao (social) e o prprio

    espao escapam a classificao de superestrutura.

    Ao longo do texto sobre A Produo do espao, pode-se perceber que o espao aparece,

    se forma, intervm em nveis diferentes. Ora no trabalho e nas relaes de dominao

    (propriedade), ora no funcionamento das superestruturas (instituies). A produo do espao no seria dominante no modo de produo, mas relegaria os aspectos da prtica.

    Lefebvre menciona ainda que o espao (social) intervm no modo de produo, ao mesmo

    tempo efeito, causa e razo, ele se transforma com as sociedades.

    Quando comenta sobre o espao da modernidade, Lefebvre fala sobre a Bauhaus e Le

    Corbusier. Ao se referir a Bauhaus est se dirigindo a Walter Gropius e seus amigos, que foram tomados como revolucionrios, na Alemanha entre os anos de 1920 e 1930. Se tornaram prticos e tericos do espao dito moderno, aquele do capitalismo avanado.

    Segundo Lefebvre, o espao da modernidade tinha caractersticas precisas:

    homogeneidade-fragmentao-hierarquizao. Ao se referir as caractersticas homogneas,

    era por razes como: fabricao dos elementos materiais, mtodos de gesto e de controle,

    de fiscalizao e comunicao. Homogeneidade, mas ausncia de planos e de projetos. O

    espao homogneo se fragmenta: lotes, parcelas, produzindo muitas vezes guetos isolados,

    grupos de casas suburbanas e pseudo-conjuntos mal integrados ao entorno e aos centros.

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    J quando se referia a hierarquizao era no sentido de produzir: espaos residenciais,

    espaos comerciais, espaos de lazer, espaos para marginais.

    No trabalho de Lefebvre pode-se perceber que o autor busca no somente caracterizar o

    espao onde se vive e sua gnese, mas reencontrar a gnese, atravs do espao produzido

    da atual sociedade.

    Para LEFEBVRE (1974) no se pode dizer que o modo de produo capitalista desde o seu

    princpio ordenou a extenso espacial existente, como por exemplo, as rotas martimas

    (canais, rios, mares) depois as estradas, depois a construo das estradas de ferro para

    continuar pelas auto-estradas e aeroportos. Nenhum meio de transporte desapareceu no

    espao, nem andar a p, nem a cavalo, nem de bicicleta. Foi um novo espao que se

    constituiu, no sculo XX, em escala mundial e sua produo no termina, continua. O novo

    modo de produo (a sociedade) se apropria, ou seja, planeja, arruma, segundo suas

    finalidades o espao j existente. Modificaes lentas penetrando em uma espacialidade

    consolidada, mas subvertendo-a com brutalidade, o caso do campo e das paisagens rurais

    no sculo XX.

    Voltando ao inicio das reflexes sobre A Produo do Espao e se pode fazer uma reviso

    enumerando algumas das implicaes e conseqncias iniciais da proposio de Lefebvre,

    de que O espao (social) um produto (social).

    PRIMEIRA IMPLICAO: o espao natural (fsico) que est desaparecendo. Foi e permanece

    sendo ponto de partida: a origem, o original do processo social, talvez a base de todo.

    Certamente no desaparece pura e simplesmente de cena, continua sendo o fundo do

    quadro, persiste e cada objeto da natureza se valoriza e aparecem os smbolos (o animal, a

    rvore, a vegetao etc.) Fonte e recurso natureza permanece como a infncia e a

    espontaneidade, atravs da memria. O que a natureza? Como recuperar diante da interveno, da presena do homem e suas ferramentas? A natureza esse mito poderoso se

    muda e no mais uma matria sobre a qual so operadas as foras produtivas das

    sociedades para produzirem seus espaos. Resistente, infinita em profundidade, mas

    vencida (LEFEBVRE, 1974).

    SEGUNDA IMPLICAO: cada sociedade produz um espao, o seu. Pode-se compreender a

    cidade antiga como uma coleo de pessoas e coisas no espao. A cidade como prtica

    social moldou e se apropriou do seu prprio espao.

    O espao social contm lugares apropriados as relaes sociais de reproduo, as relaes

    entre sexos, as idades com a organizao especfica da famlia e as relaes de produo

    a diviso de trabalho e sua organizao, sendo assim as funes sociais hierarquizadas.

    Essas duas situaes produo e reproduo no podem se separar: a diviso de trabalho

    repercute na famlia, na sociedade e de forma inversa a organizao da sociedade interfere

    na diviso do trabalho (LEFEBVRE, 1974).

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    O espao contm certas representaes de interferncia entre as relaes sociais

    produo e reproduo, que tornam a situao mais complexa. Atravs da representao

    simblica matem-se um estado de coexistncia e de coeso com a ajuda e sobre o fundo da

    Natureza. J as representaes das relaes de reproduo consistem em smbolos

    sexuais, o feminino e o masculino. Simbolizao que dissimula, mas que no mostra, tanto

    que essas relaes se dividem em relaes pblicas, declaradas e codificadas e relaes

    escondidas, clandestinas, reprimidas e definindo as transgresses, no que concerne no

    tanto ao sexo como tal com a alegria sexual, com suas condies e suas conseqncias

    (LEFEBVRE, 1974).

    Encontramos um cruzamento diverso no que se refere ao espao as representaes e

    produes. Teremos assim uma trade como menciona Lefebvre:

    A PRTICA ESPACIAL: engloba produo e reproduo, lugares especficos e conjuntos

    espaciais prprios a cada formao social que assegure a continuidade com uma coeso.

    Esta coeso implica o espao social e a relao ao espao de cada membro de uma

    sociedade.

    AS REPRESENTAES DO ESPAO: ligado s relaes de produo, a ordem que se impe o

    conhecimento, o signo, os cdigos, as relaes frontais.

    OS ESPAOS DE REPRESENTAO: presente, dos simbolismos complexos, ligado ao lado

    clandestino ou subterrneo da via social, mas tambm na ARTE, que poderia se definir no

    como cdigo no espao, mas como o cdigo do espao de representao.

    Na realidade o espao social incorpora os atos sociais, aqueles do sujeito, s vezes

    coletivos e individuais, que nascem e morrem, trabalham e agem.

    necessrio que o espao s vezes natural e social, prtico e simblico, aparea povoado

    de uma realidade superior, por exemplo, a luz do sol, da lua oposta noite, as trevas, a

    morte.

    TERCEIRA IMPLICAO: demanda mais esforos. Se o espao um produto, o conhecimento

    reproduzir essa produo, ele expor o processo de produo. O interesse e objeto se

    deslocam das coisas no espao para a produo do espao (Devemos pensar o problema

    e no sobre o problema). Os produtos parciais localizados no espao de um lado e do outro

    o discurso sobre o espao servem como indicao e testemunho desse processo produtivo. No mais o espao daqui ou de l que importa, mas sim, o espao como totalidade ou globalidade (LEFEBVRE, 1974). O processo de produo e reproduo do espao uma

    coisa nica.

    Retornemos aos conceitos j mencionados por Lefebvre, no primeiro captulo de A

    Produo do Espao:

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    PRTICA ESPACIAL: de uma sociedade destila seu espao, ela coloca e o supe, em uma

    interao dialtica: ela o produz lentamente e seguramente dominando e se apropriando. Na

    anlise a prtica social de uma sociedade se descobre decifrando seu espao.

    AS REPRESENTAES DO ESPAO: o espao concebido, aquele dos sbios, dos

    planificadores, dos urbanistas, dos tecnocratas, de certos artistas prximos da cientificidade,

    identificando o vivido e o percebido.

    OS ESPAOS DE REPRESENTAO: espao vivido atravs das imagens e smbolos, que

    acompanham o indivduo, espao dos habitantes, dos usurios, mas tambm de alguns

    artistas e escritores, os filsofos. o espao dominado, que tenta modificar e apropriar a

    imaginao.

    Como aborda Lefebvre, teremos ainda a compreenso do espao social vista pelo corpo,

    visto que a relao com o espao de um sujeito membro de um grupo ou de uma sociedade,

    implica sua relao com seu prprio corpo. A prtica social supe o uso do corpo: emprego

    das mos, dos membros, dos rgos sensoriais, dos gestos no trabalho.

    O vivido, o concebido, o percebido se rene de maneira que o sujeito, o membro de tal

    grupo social, possa transitar de um lado para outro sem perder a coerncia. Possuem uma

    linguagem comum, um consenso.

    A sociedade produz o espao e passa a ter dele uma determinada conscincia. Refere-se

    ao fato de que os homens, ao produzirem seus bens materiais e se reproduzindo como

    espcie, produz o espao geogrfico. Entretanto, dependendo do momento histrico o

    fazem de modo especfico, diferenciado, de acordo com o estgio de desenvolvimento das

    foras produtivas. O espao passa a ser produzido em funo do processo produtivo geral

    da sociedade (LEFEBVRE, 1974).

    Todavia o espao geogrfico produto, condio e meio para a reproduo das relaes

    sociais no sentido amplo de reproduo da sociedade, num determinado momento histrico

    um processo que se define como social e histrico; o que significa que h uma relao

    necessria entre espao e sociedade que cenrio que encaminha a anlise. O processo

    de produo do espao fundado nas relaes de trabalho entre os homens e a natureza coloca-se como uma relao que deve ser entendida em suas vrias determinaes. A

    produo da vida no envolve apenas produo de bens para satisfao das necessidades

    materiais, tambm a produo da humanidade do homem o que significa que o espao

    social na medida em que a realizao do ser social ao longo do processo histrico. Assim o plano da produo articula a produo voltada para dois planos: o desenvolvimento das relaes de produo de mercadoria e da produo da vida num sentido mais amplo e

    profundo envolve a relao apropriao-dominao numa sociedade fundada na troca

    (CARLOS, 2001).

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    Como afirma o prprio Lefebvre, a prtica social se observa empiricamente, mas a

    problemtica do espao formulada no plano terico, compe-se de uma interrogao, isto

    porque a produo do conhecimento diz respeito produo de conceitos.

    Diferentemente de Castells (1977), como afirma GOTTDIENER (1993) no se pode reduzir

    o espao aos trs domnios: produo, consumo e troca, usados comumente na economia

    poltica marxista. Como vimos para Lefebvre essas atividades e localizaes, ao serem

    consideradas em conjunto no espao social, podem constituir um quarto domnio de

    relaes sociais, ou seja, a produo de mais-valia. O espao deve ser considerado um

    elemento das foras produtivas da sociedade, especialmente atravs da forma ou do design.

    A economia poltica tradicional reconhece a importncia da terra como meio de produo

    paralelamente a importncia do capital e do trabalho. Segundo Lefebvre, o design espacial,

    um aspecto de foras produtivas da sociedade, que juntamente com a tecnologia, o

    conhecimento humano e a fora de trabalho, contribuem para o nosso potencial de

    produo.

    LEFEBVRE afirma:

    A cidade, o espao urbano e a realidade urbana no podem ser concebidos apenas como a soma dos locais de produo e consumo... O arranjo espacial de uma cidade, uma regio, um pas ou um continente aumenta as foras produtivas, do mesmo modo que o equipamento e as mquinas de uma fbrica ou de um negcio, mas em outro nvel. Usa-se o espao exatamente como se usa uma mquina (1979: 287).

    Vemos nessa afirmao a viso marxista, os meios de produo se compem de duas

    classes de objetos materiais. So os objetos de trabalho, processados pelo trabalho, como

    matrias-primas, e os meios de trabalho, as ferramentas usadas na produo. O ambiente

    construdo, como definem os economistas polticos, parte dos meios de produo,

    especificamente dos meios de trabalho. A reduo do espao a esse aspecto mais simples,

    como na obra de HARVEY (2005), resulta em algumas limitaes importantes na

    capacidade dos neomarxista em nos explicar aspectos da produo espacial. Lefebvre por

    outro lado considera-o uma das foras de produo.

    A cidade tem sido analisada como concentrao de populao, instrumentos de produo,

    necessidades, atividades, servios, infra-estrutura, reserva de mo-de-obra e, sobretudo,

    mercadorias.

    Por entender como fora de produo, o espao possui o mesmo relacionamento

    contraditrio com a propriedade privada (relaes de produo) que tem com a posse de mquinas; ou seja, as relaes sociais que regem as atividades associadas ao espao

    necessitam adequar-se forma pela qual o espao usado para adquirir riqueza

    (GOTTDIENER, 1993: 129). Para Lefebvre, o espao possui no modo de produo, a

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    mesma compreenso ontolgica que o capital ou o trabalho. E as relaes espaciais

    representam uma fonte rica e constante de contradies sociais que requerem anlise em

    seus prprios termos e que no podem ser descartadas.

    Lefebvre observa que, mesmo havendo um espao de consumo coletivo, h tambm o

    consumo de espao, ou o prprio espao como objeto de consumo. Isso pode ser

    exemplificado pelo turismo, onde o prprio meio ambiente consumido pela recreao, ou

    pela relocalizao dos negcios devido a atratividades dos recursos naturais. Desta maneira

    a prpria forma espacial pode ser convertida em mercadoria, juntamente com a terra, algo

    que arquitetos, planejadores urbanos e turistas conheceram algum tempo. Assim, as

    relaes scio-espaciais impregnam o modo de produo ao mesmo tempo como produtor e

    produto, relao e objeto, de forma dialtica que se ope reduo a preocupaes de

    classe ou de territrio.

    Nas abordagens de Lefebvre (1974), citado por GOTTDIENER (1993: 130), veremos que o

    espao torna-se para o Estado um instrumento poltico de grande importncia. O Estado usa

    o espao de maneira a assegurar seu controle dos lugares, sua hierarquia, a

    homogeneidade do todo e a segregao das partes. Desta forma a organizao espacial

    representa a hierarquia do poder.

    Para finalizarmos a anlise sobre a discusso que Lefebvre traz ao capitalismo, veremos

    que ele se baseia em sua suposio de que o espao produzido destri a vida cotidiana e o

    nvel de civilizao associado anteriormente cidade. E mais ainda, a destruio da

    natureza que tal sistema causa atravs da industrializao, ameaa romper os processos

    ecologicamente regeneradores, responsveis pela sustentao da vida na terra. Em lugar

    de um mundo onde os recursos naturais relativamente abundantes sejam utilizados para

    produzir mercadorias sob condies de escassez, temos agora, uma abundncia potencial

    de todo gnero de mercadorias, mas uma crescente escassez de recursos naturais a

    prpria natureza ameaada de exausto. Gottdiener menciona que no lugar de uma cincia

    econmica, baseada como est na noo lgica de escassez, Lefebvre sente a necessidade

    de uma cincia revolucionria do design que possa preservar tanto a vida urbana quanto a

    natureza. Essa uma perspectiva marxista e exige uma interveno poltica radical. Sua

    prtica significa transformar as relaes de propriedade existentes e acabar com a

    dominao do espao social pelo espao abstrato.

    Duas ressalvas devem ser feitas, no que diz respeito idia de urbano, que est muito alm

    de mera concentrao do processo de produo. Como menciona CARLOS (1994: 84), o

    urbano um produto do processo de produo num determinado momento histrico, no

    apenas no que se refere determinao econmica do processo (produo, distribuio,

    circulao e troca), mas tambm as sociais, polticas, ideolgicas, jurdicas que se articulam

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    na totalidade da formao econmica e social. Desta forma, o urbano mais que um modo

    de produzir, um modo de consumir, pensar, sentir; enfim, um modo de vida.

    A cidade aparece como um bem material, consumida conforme as leis de reproduo do

    capital. Este processo tem por caracterstica fundamental produzir um produto fruto do

    processo de trabalho considerado como processo de valorizao, que seja mercadoria e

    que se realize atravs do mercado. No caso do espao urbano ele um produto que possui

    um valor de uso e de troca especficos: como produto do processo, ele mercadoria, como

    condio para produo, capital fixo.

    Carlos em seus estudos menciona que o uso do solo ligado a momentos particulares do

    processo de produo das relaes capitalistas o modo de ocupao de determinado

    lugar da cidade, a partir da necessidade de realizao de determinada ao, seja a de

    produzir, consumir, habitar ou viver. Segundo afirma CORREA (2004: 8) ao se constatar que

    o espao urbano simultaneamente fragmentado e articulado, e que esta diviso articulada

    expresso espacial de processos sociais, surge um outro momento de apreenso do

    espao urbano, quando este um reflexo da sociedade.

    O espao produzido pelo processo de trabalho da sociedade, sendo assim, foi necessrio

    entender o modo pelo qual este espao se desenvolveu, para que fosse possvel entender a

    natureza deste espao. Por outro lado, entender o modo como se realiza a produo

    entender como os homens se relacionam dentro e fora do espao produtivo.

    Por um lado o processo de reproduo espacial influenciado pelo desenvolvimento de

    uma nova atividade produtiva, por outro lado, o processo de raridade impe a necessidade

    de transformao de usos e funes de reas consolidadas, impondo sua renovao

    atravs de intervenes do poder pblico e seus mecanismos estratgicos. Desta forma a

    pesquisa se realizou sob a perspectiva do entendimento do espao geogrfico como

    categoria de anlise, que buscou descobrir o processo de reproduo da sociedade. Amplas transformaes espaciais foram constatadas nesse processo, contudo, ao invs da

    anulao do espao, o que se revelou foi a reafirmao e notou-se cada vez mais sua

    importncia dentro da estratgia de reproduo do espao.

    Esse o desafio que o entendimento das cidades nos coloca nos dias atuais. Entender a

    complexidade e o movimento significa entender os caminhos pelos quais se realiza a

    reproduo do espao.

    A reproduo social do espao uma abordagem sobre a raridade do espao O processo de reproduo da sociedade se realiza no processo de reproduo espacial em

    conseqncia da socializao da sociedade, que tem como foco principal a urbanizao,

    que se revela atravs de uma planificao racional do espao. Esse processo pode ser

  • 12

    refletido no espao da cidade atravs da propriedade privada do solo, que transforma o

    espao em raridade.

    Essa raridade do espao o que se reproduz no capitalismo como mercadoria, ou seja, o

    espao fragmentado e comercializado em parcelas no mercado, um processo que se

    apia na relao de troca baseada no uso, mas que tem como condio a existncia da

    propriedade privada do solo urbano. Desta forma, o espao vai se subdividindo at se

    transformar em pequenas propriedades o que, se em um primeiro instante aparece como

    condio necessria reproduo, em outro momento surge como uma barreira

    acumulao. ai que a condio da propriedade privada de parcelas significativas do

    espao entra em conflito com as necessidades de reproduo do capital em funo da

    raridade do espao em reas centrais das cidades, nesse caso o Estado intervm no

    processo liberando as reas necessrias ao crescimento, e o faz lanando mo de

    mecanismos legais que transformam a propriedade privada em propriedade de interesse

    pblico.

    As relaes para a produo do espao, o ambiente construdo e natural adquirem uma

    importncia cada vez maior, destacando a natureza como recurso e como valor de uso,

    reforando os ambientes naturais como valor para a produo de um novo espao

    transformando-os em reas urbanizveis.

    O uso e a apropriao privada da beleza do verde da paisagem, do ar, da gua, entre outros

    valores, que se espacializam se localizam e se constituem em lugares de maior valorizao,

    estes espaos so produzidos tornando-se raros. Esses espaos adquirem um novo

    significado com um potencial residencial, que apresentam uma apropriao do meio

    ambiente pelo urbano, causando sua degradao. Elementos da natureza como a gua, que

    fazem parte das necessidades urbanas pelo ponto de vista do consumo e distribuio, ou

    mesmo; da apropriao individual.

    Com a Revoluo Industrial nasce uma nova organizao da produo, as emergentes

    relaes sociais e culturais e consequentemente os novos padres de sociabilidade.

    O paradigma da cidade moderna, o funcionalismo da organizao espacial e a

    interdependncia da populao coletiva so a mais complexa planta industrial conhecida.

    O espao objeto de segmentao residencial e padronizao habitacional, por nvel de

    renda.

    Na modernizao organizou-se a oferta de servios urbanos em grande escala. Prevaleceu

    a tendncia a desvalorizar a estrutura urbana preexistente, e houve esforo para apagar, no passado urbano, o estigma do atraso. A cidade moderna inovou no urbano e a princpio

    conservadora no arquitetnico.

    A cidade moderna foi o espao de uma intensa experimentao urbanstica. Nas sociedades

    em democratizao prevaleceu o funcionalismo urbanstico; nas sociedades autoritrias

  • 13

    alm do funcionalismo, se valorizou o monumentalismo. Na cidade moderna, foi necessria

    a progressiva limitao e regulao da livre disposio da propriedade privada e do

    exerccio da atividade produtiva. Na cidade moderna, se desenvolve a aliana entre o capital

    imobilirio e o poder pblico local. necessrio entender essa aliana, para compreender

    as transformaes especficas vividas pela cidade, como um palco de transformao

    fundiria. Na cidade moderna, se rompe com a solidariedade consensual e interpessoal que

    substituda pela explicitao da cidadania como um conjunto de direitos e obrigaes.

    Esse conjunto codificado num sistema de normas e regulado ou construdo pelo costume,

    respeitado pelos membros. Na cidade moderna, surge a onipotncia do urbanista. Desde os

    tratados renascentistas sobre a arquitetura, das Leis das ndias de 1573, o planejamento

    urbano tem tido preeminncia entre as tcnicas de constituio e preservao da ordem

    social. O urbanismo atinge seu pice com a Carta de Atenas, onde o modernismo

    concebido como poder tcnico do desenho urbano de negar o passado, mediante referencia

    a um novo futuro.

    Na atualidade o homem vive o momento do processo de reproduo em que a propriedade

    privada do solo urbano condio da reproduo da cidade no capitalismo, passa a ser um

    limite de expanso econmica capitalista. Diante das necessidades da reproduo do

    capital, isto o espao produzido socialmente e tomado como mercadoria. J no processo

    histrico, o espao apropriado primitivamente, criando limites a sua prpria reproduo.

    nesse momento, segundo Carlos (2001), que o espao produto de reproduo da sociedade

    entra em contradio com as necessidades do desenvolvimento do prprio capital. Isto

    significa dizer que a raridade produto do prprio processo de produo do espao ao

    mesmo que sua limitao, o que se configura como uma contradio do espao.

    Segundo Carlos (2001: 174) o processo de reproduo do espao se realiza produzindo

    novas contradies, como a da raridade o espao (barreira e limite a ser superado pelo

    capitalismo) de reas na metrpole para a expanso das atividades econmicas como

    decorrncia do prprio desenvolvimento da economia, acaba exigindo/construindo um modo

    de super-la. Nesse processo cria-se um conflito direto com os habitantes, que muitas vezes

    se sentem expulsos de seus bairros e de suas casas em funo do processo causado pela

    renovao urbana.

    Para Carlos o fenmeno da raridade se concretiza pela articulao de trs elementos

    indissociveis: a existncia da propriedade privada do solo urbano; a centralidade da rea e o grau de ocupao (ndice de construo) da rea no conjunto do espao na metrpole.

    Carlos (2001) ainda afirma que a contradio entre o processo de produo social do

    espao e sua apropriao privada esta na base do entendimento da reproduo espacial;

    uma vez que em uma sociedade fundada sobre a troca a apropriao do espao, ele prprio

    produzido como mercadoria, liga-se cada vez mais a forma de mercadoria servindo as

  • 14

    necessidades da acumulao atravs das mudanas e readaptaes de uso e funes dos

    lugares, que se reproduzem sob a lei do reprodutvel, a partir de estratgias de reproduo.

    O espao produzido enquanto mercadoria entra no circuito da troca atraindo capitais que

    migram de um setor da economia para outro de modo a viabilizar a reproduo. As

    possibilidades de ocupar o espao so sempre crescentes, o que explica a emergncia de

    uma nova lgica associada forma de dominao do espao, que se reproduz ordenando e

    direcionando a ocupao, fragmentando e tomando espaos trocveis a partir de operaes

    que se realizam no mercado. Deste modo o espao produzido e reproduzido enquanto

    mercadoria reprodutvel.

    A necessidade de superar as contradies que surgem no processo de reproduo do

    espao onde a raridade no ocorre em qualquer lugar da Cidade, mas sim; em

    determinados pontos, no contexto determinado pelo processo de urbanizao.

    No sistema capitalista, a natureza valorizada pelo produto mercantil que se pode extrair,

    Foladori denomina de produo futura. O preo de um terreno est dado por sua renda

    capitalizada. importante destacar que se um solo cultivado, isso no significa que no

    tenha preo. O preo ser dado pelos solos vizinhos de semelhantes caractersticas de

    fertilidade/localizao e destino econmico, e considerando-se as melhorias incorporadas.

    Desta forma uma regio onde os preos dos solos aumentam, os proprietrios, que no

    produzem vero aumentarem os preos de suas parcelas. essa a causa da especulao

    da terra (FOLADORI, s/d).

    A especulao imobiliria, segundo Foladori (s/d), constitui a causa de insustentabilidade.

    Subutiliza as vias e os meios de comunicao, pode aumentar os tempos de transporte,

    impede a produo de bens etc. Nas cidades, isso se torna ainda mais visvel. Zonas novas,

    que antes eram agrcolas so loteadas para a construo de moradias. Os especuladores

    imobilirios compram terras ao preo de suas rendas agrcolas e as vende ao preo de suas

    rendas urbanas, uma especulao derivada da mudana na orientao econmica do solo. O resultado o crescimento desordenado das cidades, com os conseqentes aumentos nos

    tempos de percurso das pessoas, congestionamento do trfego, maiores custos na rede de

    servios, em contrapartida, o abandono do centro das cidades, prevalecem muitas vezes

    cortios, apesar de contar com infra-estrutura j instalada.

    O setor imobilirio necessita de novas estratgias, para continuar se reproduzindo.

    Estratgias essas capazes de permitir a reproduo de outro setor produtivo, que apresentam novas necessidades quanto ao espao construdo, e necessitam de infra-estrutura moderna. A tendncia de escassez do solo urbano no entorno dos centros

    econmico-financeiros das cidades, geram estratgias capazes de permitir a reproduo do

    capital, assegurada para se contornar o problema do espao urbano, enquanto mercadoria

    tornada rara, em decorrncia da intensificao do processo de urbanizao e de mudanas

  • 15

    no processo produtivo. A interferncia do Estado, mudando a legislao, permitindo

    transformaes nas leis de zoneamento, dirigindo o processo de desapropriao do solo

    urbano, criando mecanismos que permitam o remembramento de terrenos urbano,

    aumentando o coeficiente edificvel, que permite a verticalizao, cria mudanas

    significativas nas cidades. Os discursos relacionados as carncias de espaos urbanizados e alta de polticas

    habitacionais abrangentes, possuem um significado e um carter social e econmico

    definidos: o espao urbano e a natureza incorporam as leis do valor e da mercadoria.

    Nas relaes para a produo do espao, os ambientes construdos e naturais adquirem

    uma importncia cada vez maior, destacando a natureza como recurso e como valor de uso,

    reforando os ambientes naturais como valor para a produo de um novo espao

    transformando-os em reas urbanizveis.

    O uso e a apropriao privada da beleza do verde da paisagem, do ar, da gua, entre outros

    valores, que se espacializam se localizam e se constituem em lugares de maior valorizao,

    estes espaos so produzidos tornando-se raros. Esses espaos adquirem um novo

    significado com um potencial residencial, que apresentam uma apropriao do meio

    ambiente pelo urbano, causando sua degradao. Elementos da natureza como a gua, que

    fazem parte das necessidades urbanas pelo ponto de vista do consumo e distribuio, ou

    mesmo; da apropriao individual.

    Valor do/no espao A natureza ofereceu cidade um quadro (GARNIER, 1995: 71), quer dizer, uma superfcie

    mais ou menos trabalhada (plancie ou vale...), desfrutando de um clima geral mais ou

    menos propcio e de microclimas, frequentemente variados, moldados em um substrato,

    onde a natureza tem a sua importncia (rochas, pntanos, manguezais, rios...), apta a

    produzir determinado tipo de vegetao. o meio natural.

    O espao urbano um pouco diferente: foi, e um espao tomado pelo homem, que se

    fixou ai, umas vezes adaptando-se a ele outras vezes transformando-o completamente. A

    instalao se sucedeu a uma evoluo complexa e contnua, sendo assim; muitas condies

    mudaram. O homem transformou certos elementos do meio segundo suas possibilidades,

    suas necessidades ou mesmo sua ideologia. Por outro lado tambm foi obrigado a se adaptar a certas situaes do meio. Mas, segundo Garnier (1995: 71), o homem, pode ser

    transformado inconscientemente, pelo espao onde evolui; e a ao que exerce sobre o seu quadro de vida, ser tambm modificada e assim sucessivamente. O resultado dessa cadeia

    o espao urbano tal qual o percebemos atualmente, ou seja; no mais o meio natural,

    no se trata de um quadro espacial e sim, um espao que depende tanto e freqentemente

    da ao humana. um espao produzido.

  • 16

    Desta forma, espao , simplesmente, extenso e volume, distncia, relao e realidade

    concreta. Para estudar a interpretao no se pode reduzir a sua componente econmica.

    Torna-se necessrio associar a prtica social, quer dizer: o papel desempenhado pelos

    elementos que compem o espao, e os comportamentos, as necessidades, os desejos, os

    valores, que os indivduos lhes atribuem.

    O solo a superfcie na qual se inscreve a ocupao humana sob as diversas formas. Sua

    utilizao rgida sob certos aspectos e evolutiva em funo de alguns critrios, pode ser

    traduzida e interpretada numa srie de mapas (natureza do povoamento, localizao...),

    um bem que pode ser vendido e comprado, dividido, utilizado de diferentes maneiras, mas

    que no se pode transportar nem reproduzir.

    O nascimento das cidades se deu por trs motivos diferentes: econmico, poltico e

    defensivo. Assim, cada cidade est marcada desde sua origem pela escolha inicial.

    Para o gegrafo Garnier (1995), a cidade percebida de diversas formas: corresponde a um

    modo particular de ocupao do solo, por reunir em um espao denso grupos de indivduos

    que ali vivem e produzem. Pode ser dinmica e prspera ou degradada. A cidade o

    elemento fundamental para a organizao do espao.

    Os novos elementos de transformao e alterao das regras de produo do espao

    mostram as novas articulaes em torno dos interesses fundirios, para as articulaes

    polticas e sociais sobre o territrio. Essas articulaes mostram contradies com relao

    ao uso e apropriao da terra, entendida como valor de troca (mercadoria) e valor de uso

    (CARLOS, 2001).

    Vale aqui fazer uma distino entre valor no espao e valor do espao. A idia de espao

    geogrfico de concepo emprica e naturalista revela uma perspectiva centrada

    exclusivamente naquilo que chamamos de valor do espao. J a idia de espao

    econmico, revela uma abordagem exclusiva daquilo que a chamamos de valor no espao (grifo da autora).

    Sendo o espao (e tudo que ele contm) uma condio universal e preexistente do trabalho,

    ele , desde logo, um valor de uso um bem de utilidade geral. A produo desta forma sempre se realizar sobre formas preexistentes, sejam naturais ou sociais.

    Por ter o espao um valor de troca, define-se a possibilidade de um valor no espao, sua

    funo aqui no ultrapassa a de um palco, onde ocorre a vida e se desenvolvem as relaes

    sociais de produo.

    Podemos observar que a definio do valor do espao (grifo da autora) facilmente construda, j a de valor no espao, envolve questes mais complexas. Se o que nos

    orientasse fosse uma teoria do espao, provavelmente no discutiramos o valor no espao.

  • 17

    O valor no espao est ligado s condies espaciais universais de reproduo dos modos

    de produo, que no se atm s singularidades dos espaos (MORAES e COSTA, 1999:

    130).

    A cidade se apresenta como capital social com condies de reproduo da produo

    capitalista apresenta manifestaes eloqentes da concentrao, particularmente, da fora

    de trabalho, aparecendo assim, como uma clara ilustrao da espacialidade especfica do

    capitalismo. O valor no espao a prpria espacialidade contida nos modos de produo,

    que revela mais a espacialidade das formas de valorizao em geral, do que a produo do

    espao.

    No que se refere terra como bem natural e no como produto do trabalho, ela vem sendo

    descartada como mercadoria. Contudo, afirma Carlos (1994: 167), o direito a propriedade

    sobre determinadas parcelas do planeta confere ao seu proprietrio o direito de dispor da

    terra apropriando-se de um lucro excedente, sob a forma de renda.

    Nesse processo a terra passa a ter importante papel, incorporando-se a ele direta ou

    indiretamente; seja por meio de produo, reserva de valor ou mesmo como mercadoria.

    Carlos (1994: 168) nos traz a seguinte questo:

    se no capitalismo uma mercadoria se define como produto do trabalho considerado como unidade entre valor de uso e de troca que se realiza no mercado, como a terra pode ser uma mercadoria?

    Ao consideramos a terra urbana, sob o ponto de vista do processo de produo da cidade,

    estamos diante de um dilema, ou melhor, de uma contradio, que no parece ser aparente.

    Como vimos em Carlos (1994: 168) constatam-se dois pontos distintos:

    a. por um lado, a terra no produto do trabalho, logo, no tem valor.

    Segundo Jos Souza Martins:

    nem a terra tem valor, no sentido de que no materializao do trabalho humano, nem pode ter sua apropriao legitimada por um processo igual ao da produo capitalista(...) Quando algum trabalha na terra no para produzir a terra, mas o fruto da terra. O fruto da terra pode ser produto do trabalho, mas a prpria terra no.

    Como vimos anteriormente Marx desenvolve a idia de que o valor determinado pelo

    trabalho, mas no exclui o fato de a terra ser mercadoria, como conseqncia do

    desenvolvimento do regime de produo capitalista.

    b. por outro lado o espao geogrfico, como produto do trabalho geral da

    sociedade, aparece, atravs da cidade como trabalho materializado.

    Carlos menciona ainda que as parcelas do espao, apropriadas individualmente pela

    propriedade privada da terra, atravs da compra-venda, mediada pelo mercado, quer em

    funo de sua utilidade como meio de vida, quer sob a perspectiva da valorizao do capital

  • 18

    como condio da produo material, ou ainda pela comercializao da terra, ocorrem pelo

    fato de a terra como parcela do espao, ter valor (de uso e de troca).

    No urbano, a terra deixa de ser instrumento de produo imediata, um bem da natureza,

    como no campo. E mesmo a questo da terra ser um bem finito, que no pode ser criado

    pelo trabalho, no contexto urbano, ganha um novo sentido, na medida em que a reproduo

    do espao urbano no ocorre apenas atravs da incorporao de novas reas, mas tambm

    a partir de espaos construdos. O processo de verticalizao um exemplo (CARLOS,

    1994: 169).

    Carlos ainda relata que a relao homem-natureza mediada pelo processo de trabalho

    produz um espao que adquire, ao longo da histria, uma dimenso social, do produzido

    socialmente, de um determinado modo, para suprir necessidades especficas, visando

    objetivos concretos. o processo histrico que torna a natureza do meio de produo um

    produto do trabalho, do mesmo modo que a histria produz o homem.

    A realizao do espao como condio gera um produto, que ser condio de um novo

    processo, um novo momento: sua reproduo. Nesse caso, a terra matria no pode ser

    reproduzida , mas o espao o constantemente, mudando de significado medida que o

    processo histrico avana (CARLOS, 1994: 170).

    A terra-espao, passa a ser definida em funo das articulaes com a totalidade do espao

    e seu processo de apropriao marcar o fato de que o que realmente est sendo

    apropriado o trabalho geral da sociedade contido na totalidade do espao geogrfico

    (CARLOS, 1994: 170).

    Partindo dessa idia, Carlos afirma que a terra como mercadoria tem um valor que se

    expressa atravs da localizao, papel e grau de inter-relao com o espao global,

    produzido, mesmo que seja potencial, dentro de condies especficas.

    No conjunto da cidade a parcela especfica do espao tem seu valor determinado pelo fato

    de que o urbano se produz como condio geral do trabalho da sociedade, portanto trabalho

    social geral materializando um processo espacial que, por um lado, se realiza a partir do

    processo de produo de mais-valia e de sua viabilizao, e de outro como produto deste

    processo (CARLOS, 1994: 170).

    O processo de formao do preo da terra, como manifestao do valor das parcelas, leva

    em conta desde processos cclicos, que incluem a forma de manifestao de processos econmicos mundiais at aspectos polticos e sociais especficos de determinado lugar.

    Todos esses fatores vinculam-se ao processo de desenvolvimento urbano, que ao realizar-se, redefine a diviso espacial, e com isso o valor das parcelas. Esse valor ser determinado em funo do conjunto ao qual pertencem, e nesta inter-relao entre o todo

    e a parte que ocorre o processo de valorizao real ou potencial de cada parcela do espao

    (CARLOS, 1994: 171).

  • 19

    Como vimos todas as mercadorias tm valor econmico, pois tm fixado pelos mercados.

    Mas os recursos da biodiversidade, tais como um orangotango, uma floresta, o ar e tantos

    outros no tm preo fixado pelos mercados. Os recursos naturais no so mercadorias

    constituem-se em ativos essenciais preservao da vida de todos os seres (MOTA, 2001:

    37).

    O conceito de valor tem merecido considervel ateno de cientistas de diversas reas do

    saber humano. O termo oriundo das cincias econmicas, migrou nas ltimas dcadas para

    outros campos das cincias interessadas no meio ambiente. O papel do valor na anlise do

    meio ambiente assume fundamental importncia, pois os recursos naturais

    pblicos/privados de uso coletivo, como locais para recreao, parques e outros, no tm

    preo nos mercados convencionais (MOTA, 2001: 37).

    Penna (2002) afirma que a desordem na produo do espao oculta a ordem da oposio

    entre a produo pblica e a privada da cidade, pois uma se define em relao a outra e

    contra a outra. A imediata anlise dos processos desordenados so apresentados como

    caos. Torna-se claro que a realidade urbana desapareceu, mutilada pela lgica da

    mercadoria e da especulao imobiliria.

    Consideraes finais Um dos impactos ambientais mais preocupantes para os arquitetos sem dvida nenhuma,

    vem sendo os assentamentos irregulares e a falta de qualidade de vida para determinada

    camada da populao. Ser pobre no ser miservel e nem viver em condies inumanas.

    Desta forma buscamos assentamentos mais humanos, mas adequados ao homem e que

    traga uma perspectiva de vida um pouco melhor.

    Qualidade de um ambiente tanto melhor quanto maior o conforto, quer fsico ou

    psicolgico de seus usurios de forma criativa.

    Planejamento tem sido tema de grande importncia, principalmente no que se refere a

    organizao de comunidades com vistas a modificaes no ambiente.

    O conhecimento ambiental no apenas um fim, mas um instrumento, para que nossos

    objetivos ligados ao mundo fsico sejam atingidos e as necessidades satisfeitas.

    Proporcionar a base para a satisfao de nossas necessidades, promover o conseqente

    aprimoramento de nossa qualidade de vida uma das funes dos arquitetos urbanistas.

    O meio natural e o meio social so faces de uma mesma moeda. O ser humano parte

    integrante da natureza e ao mesmo tempo um ser social. Sua base de sustentao o

    meio fsico-natural. Ao longo do processo histrico, os conhecimentos e valores produzidos coletivamente na transformao do ambiente provocaram modificaes na dinmica social.

    Desta forma o entendimento da questo urbana passa pelo entendimento da histria

    evolutiva da cultura humana, que tambm a histria da relao homem-natureza.

  • 20

    Referncias bibliogrficas BERNARDES, Jlia Ado e FERREIRA, Francisco Pontes de Miranda. Sociedade e Natureza In: CUNHA, Sandra Baptista da e GUERRA, Jos Teixeira (Org.). A questo ambiental diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil Ltda, 2003. CALAI, Helena Copetti. A cidade e a (re) criao da relao homem-natureza In: Cincia e Ambiente Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, (Jul. 1990). CARLOS, Ana Fanni Alessandri. A cidade. 5 ed. So Paulo: Contexto, 2001 __________________________ A (re)produo do espao urbano. So Paulo: Edusp, 1994. __________________________ A (re)produo do espao urbano: o caso de Cotia, So Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Departamento de Geografia, tese de doutorado, 1986. _________________________ Espao-Tempo na metrpole: fragmentao da vida cotidiana. So Paulo: Contexto, 2001. CASTELLS, Manuel. A Questo Urbana, traduo: Arlene Caetano, 1a reimpresso, Coleo Pensamento Crtico, volume 48, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. __________________ The rise of the network society. Blackwell Publishers, 1996. CORREA, Roberto Lobato. O espao urbano. 5a edio. So Paulo: Editora tica, 2004. FOLADORI, Guillermo. Limites do desenvolvimento sustentvel, So Paulo: Unicamp, 2001. FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx materialismo e natureza, traduo: Maria Teresa Machado, Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2005. GARNIER, Jacqueline Beaujeu. Geografia Urbana. Traduo: Raquel Soeiro de Brito. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1997. GOTTDIENER, Mark. A produo social do espao urbano. Traduo de Geraldo Gerson dos Santos So Paulo: Edusp, 1993. HARVEY, David, Justice, Nature & the Geography of Difference. New York: Blackwell Publisher, 1996. _______________ A Produo Capitalista do Espao. Traduo: Carlos Szlak, So Paulo: Annablume, 1a edio, 2005. ________________ Espaos de Esperana. Traduo: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonalves, So Paulo: Edies Loyola, 2004. ________________Condio Ps-moderna. Traduo: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonalves, So Paulo: Edies Loyola, 12a edio, 2003. LEFEBVRE, Henri. The Prodution of space. Massachusetts: Blackwell, 1974.

  • 21

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