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MÉTODO PARA DETECÇÃO E LOCALIZAÇÃO DE PERDAS NÃO-TÉCNICAS EM SISTEMAS DE DISTRIBUIÇÃO EXPLORANDO MEDIDORES INTELIGENTES THIAGO S. D. FERREIRA * FERNANDA C. L. TRINDADE * SÉRGIO A. MORAIS ** JOSÉ C. M. VIEIRA ** WALMIR FREITAS * * Departamento de Sistemas de Energia Elétrica, Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, Universidade Estadual de Campinas Caixa Postal 6101, 13083-970, Campinas, SP, Brasil ** Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo Caixa Postal 359, 13566-590, São Carlos, SP, Brasil E-mails: {sonne, fernanda}@dsee.fee.unicamp.br, [email protected], [email protected], [email protected] Abstract In Brazil and in several other countries, there is a growing awareness of nontechnical losses. The numbers associated to this problem are impressive. One can estimate that all around the world about US$ 200 billion are lost annually because of en- ergy theft and equipment failures. Several methods have been proposed to identify such losses; however there is no established technique. Additionally, nowadays new functions have been integrated to the electronic energy meters, allowing access to addi- tional information. With the increase in such functions and data communication, these smart meters can be used for the develop- ment of integrated techniques associated to the management of distribution systems. In this context, this project proposes a new method to reduce nontechnical losses, which is potentially more sensible than the existing ones, allowing the improvement of de- tection and location of nontechnical losses in distribution systems. The proposed method is based on measurements from smart meters and on a modified load flow algorithm that allows using the relationships between measured and calculated greatness to identify irregular situations. Keywords Distribution systems, non technical losses, smart meters. Resumo No Brasil e em muitos outros países há uma elevada preocupação com perdas não técnicas. Os números associados a este problema impressionam. Prevê-se que cerca de US$ 200 bilhões sejam perdidos anualmente devido a roubo de energia ou fa- lha nos equipamentos em todo o mundo. Alguns métodos foram desenvolvidos com o objetivo de identificar tais perdas, contudo não há um procedimento consolidado. Além disso, atualmente novas funções têm sido integradas aos medidores de energia tradi- cionais, permitindo o acesso a informações adicionais. Com o aumento destas funcionalidades e a comunicação de dados, estes medidores inteligentes podem ser utilizados para o desenvolvimento de técnicas integradas para o gerenciamento de redes de dis- tribuição. Neste contexto, este trabalho visa propor um novo método de análise de perdas não técnicas, potencialmente mais sen- sível do que os métodos existentes, permitindo assim melhorar o nível de detecção e localização de perdas não técnicas nos sis- temas de distribuição. Tal método baseia-se em medidas feitas pelos medidores inteligentes e em um fluxo de carga modificado, que permite utilizar as relações entre as grandezas medidas e calculadas para identificar casos fora dos padrões, como será des- crito no corpo do artigo. Palavras-chave Medidores inteligentes, Perdas não técnicas, sistemas de distribuição. 1 Introdução Muitos estudos têm sido dedicados à mitigação do problema de perdas não técnicas (PNT) ou comerci- ais, que são relacionadas a roubo de energia, inadim- plência e erros na tarifação. Os números associados a este problema impressionam. Prevê-se que cerca de US$ 200 bilhões sejam perdidos anualmente devido a roubo de energia ou falha nos equipamentos em todo o mundo (Smart Grid Companies, 2013). No Brasil, há uma elevada preocupação com as perdas não téc- nicas e esta preocupação tem levado à promoção de incentivos por parte da ANEEL para que as empresas de distribuição tomem providências para diminuir estas perdas e, com isso, aumentar seus faturamentos (ANEEL, 2013a). Observa-se uma discrepância sig- nificativa entre os índices de perdas não técnicas nas regiões brasileiras, por exemplo, a CELPA (Centrais Elétricas do Pará) registrou cerca de 40% em 2011 (ANEEL, 2013b), enquanto a CPFL Energia regis- trou uma perda de 2% por furtos de energia (CPFL, 2013), (ANEEL, 2013c). Para tratar deste problema, diversos métodos fo- ram propostos visando a identificar perdas comerci- ais de energia (NIZAR, 2006), (NAGI, 2008), (RAMOS, 2009) porém ainda não há métodos conso- lidados. Adicionalmente, a grande maioria dos méto- dos propostos não explora informações importantes que estarão disponíveis com a instalação dos medido- res inteligentes. A disponibilidade de tais medições permite melhorar a eficiência dos métodos existentes ou propor novos métodos. A utilização destes novos métodos pode significar um aumento no faturamento das distribuidoras de energia, que perdem anualmen- te uma quantidade expressiva devido às perdas co- merciais, levando a uma redução no custo de energia para o consumidor. Anais do XX Congresso Brasileiro de Automática Belo Horizonte, MG, 20 a 24 de Setembro de 2014 2867

M D LOCALIZAÇÃO DE PERDAS NÃO-TÉCNICAS EM SISTEMAS …

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MÉTODO PARA DETECÇÃO E LOCALIZAÇÃO DE PERDAS NÃO-TÉCNICAS EM SISTEMAS DE DISTRIBUIÇÃO

EXPLORANDO MEDIDORES INTELIGENTES

THIAGO S. D. FERREIRA* FERNANDA C. L. TRINDADE

* SÉRGIO A. MORAIS

**

JOSÉ C. M. VIEIRA**

WALMIR FREITAS*

*Departamento de Sistemas de Energia Elétrica, Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação,

Universidade Estadual de Campinas

Caixa Postal 6101, 13083-970, Campinas, SP, Brasil

**Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade

de São Paulo

Caixa Postal 359, 13566-590, São Carlos, SP, Brasil

E-mails: {sonne, fernanda}@dsee.fee.unicamp.br, [email protected],

[email protected], [email protected]

Abstract In Brazil and in several other countries, there is a growing awareness of nontechnical losses. The numbers associated to this problem are impressive. One can estimate that all around the world about US$ 200 billion are lost annually because of en-

ergy theft and equipment failures. Several methods have been proposed to identify such losses; however there is no established

technique. Additionally, nowadays new functions have been integrated to the electronic energy meters, allowing access to addi-tional information. With the increase in such functions and data communication, these smart meters can be used for the develop-

ment of integrated techniques associated to the management of distribution systems. In this context, this project proposes a new

method to reduce nontechnical losses, which is potentially more sensible than the existing ones, allowing the improvement of de-tection and location of nontechnical losses in distribution systems. The proposed method is based on measurements from smart

meters and on a modified load flow algorithm that allows using the relationships between measured and calculated greatness to

identify irregular situations.

Keywords Distribution systems, non technical losses, smart meters.

Resumo No Brasil e em muitos outros países há uma elevada preocupação com perdas não técnicas. Os números associados a

este problema impressionam. Prevê-se que cerca de US$ 200 bilhões sejam perdidos anualmente devido a roubo de energia ou fa-lha nos equipamentos em todo o mundo. Alguns métodos foram desenvolvidos com o objetivo de identificar tais perdas, contudo

não há um procedimento consolidado. Além disso, atualmente novas funções têm sido integradas aos medidores de energia tradi-

cionais, permitindo o acesso a informações adicionais. Com o aumento destas funcionalidades e a comunicação de dados, estes medidores inteligentes podem ser utilizados para o desenvolvimento de técnicas integradas para o gerenciamento de redes de dis-

tribuição. Neste contexto, este trabalho visa propor um novo método de análise de perdas não técnicas, potencialmente mais sen-

sível do que os métodos existentes, permitindo assim melhorar o nível de detecção e localização de perdas não técnicas nos sis-temas de distribuição. Tal método baseia-se em medidas feitas pelos medidores inteligentes e em um fluxo de carga modificado,

que permite utilizar as relações entre as grandezas medidas e calculadas para identificar casos fora dos padrões, como será des-

crito no corpo do artigo.

Palavras-chave Medidores inteligentes, Perdas não técnicas, sistemas de distribuição.

1 Introdução

Muitos estudos têm sido dedicados à mitigação do

problema de perdas não técnicas (PNT) ou comerci-

ais, que são relacionadas a roubo de energia, inadim-

plência e erros na tarifação. Os números associados a

este problema impressionam. Prevê-se que cerca de

US$ 200 bilhões sejam perdidos anualmente devido a

roubo de energia ou falha nos equipamentos em todo

o mundo (Smart Grid Companies, 2013). No Brasil,

há uma elevada preocupação com as perdas não téc-

nicas e esta preocupação tem levado à promoção de

incentivos por parte da ANEEL para que as empresas

de distribuição tomem providências para diminuir

estas perdas e, com isso, aumentar seus faturamentos

(ANEEL, 2013a). Observa-se uma discrepância sig-

nificativa entre os índices de perdas não técnicas nas

regiões brasileiras, por exemplo, a CELPA (Centrais

Elétricas do Pará) registrou cerca de 40% em 2011

(ANEEL, 2013b), enquanto a CPFL Energia regis-

trou uma perda de 2% por furtos de energia (CPFL,

2013), (ANEEL, 2013c).

Para tratar deste problema, diversos métodos fo-

ram propostos visando a identificar perdas comerci-

ais de energia (NIZAR, 2006), (NAGI, 2008),

(RAMOS, 2009) porém ainda não há métodos conso-

lidados. Adicionalmente, a grande maioria dos méto-

dos propostos não explora informações importantes

que estarão disponíveis com a instalação dos medido-

res inteligentes. A disponibilidade de tais medições

permite melhorar a eficiência dos métodos existentes

ou propor novos métodos. A utilização destes novos

métodos pode significar um aumento no faturamento

das distribuidoras de energia, que perdem anualmen-

te uma quantidade expressiva devido às perdas co-

merciais, levando a uma redução no custo de energia

para o consumidor.

Anais do XX Congresso Brasileiro de Automática Belo Horizonte, MG, 20 a 24 de Setembro de 2014

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Até o ano de 2021, o governo brasileiro pretende

instalar cerca de 63 milhões de medidores inteligen-

tes, o que pode ajudar a melhorar este cenário. Estes

medidores farão parte do Sistema de Gerenciamento

da Distribuição (em inglês, Distribution Management

System, DMS) e poderão ser explorados para o de-

senvolvimento de técnicas de detecção e localização

de perdas não técnicas. Os sistemas SCADA/EMS/

GMS (em inglês, Supervisory Control and Data Ac-

quisition/Energy Management System/Generation

Management System) integrados desempenham as

funções de supervisão, controle, otimização e geren-

ciamento de sistemas de geração e transmissão. Em

sistemas de distribuição, estas mesmas funções são

desempenhadas pelo SCADA/DMS, ou simplesmen-

te DMS (ABB, 2013). Embora os sistemas SCADA/

EMS/GMS tenham avançado consideravelmente nos

últimos anos, a tecnologia SCADA/DMS encontra-se

ainda no estágio de implantação. Para as concessio-

nárias de distribuição brasileiras, o investimento re-

lacionado à implantação de um DMS eficiente passa

a ser justificável principalmente ao se considerar o

quanto estas empresas podem economizar com o

combate às perdas não técnicas. Adicionalmente, a

diminuição das perdas permite aproveitar melhor o

sistema de distribuição e consequentemente adiar a

necessidade de melhorias na rede como por exemplo

a troca de condutores e de transformadores. Tendo

em vista estas vantagens e o incentivo que o governo

planeja dar à instalação destes medidores, é possível

explorar informações importantes potencialmente

reportadas pelos mesmos no desenvolvimento de

novas metodologias para a detecção e localização de

perdas não técnicas.

Neste contexto, o objetivo deste trabalho é apre-

sentar uma metodologia para a detecção e localização

de perdas não técnicas explorando a capacidade de

medição dos medidores inteligentes. Este trabalho

está dividido conforme descrito a seguir. A Seção 2

apresenta detalhes da metodologia proposta. A Seção

3 mostra os resultados obtidos com testes realizados

na metodologia. Na Seção 4, as conclusões obtidas

são apresentadas.

2 Metodologia Proposta

A metodologia proposta para a localização de perdas

não técnicas em alimentadores de distribuição é ba-

seada em uma ferramenta modificada de cálculo de

fluxo de potência. Esta metodologia consiste em ex-

plorar medidas de potência ativa e do módulo da ten-

são em um nó do alimentador (nó raiz). Este nó pode

ser a subestação ou outra barra que possua a medição

necessária. Quanto ao tratamento das cargas, basean-

do-se nas medidas disponibilizadas pelos medidores

inteligentes: (a) potência ativa; (b) potência reativa e

(c) módulo de tensão (P, Q e V, respectivamente),

propõe-se representa-las como barras em que a po-

tência reativa e o módulo da tensão são especificados

pelos valores medidos (barras QV). Quando a meto-

dologia é aplicada ao primário, as cargas são repre-

sentadas na barra em que o transformador de serviço

está conectado. Neste caso, a potência reativa no

transformador é calculada a partir da soma da potên-

cia reativa medida em cada consumidor e a tensão é

calculada no primário do transformador (a partir de

valores medidos nos consumidores). A condição a

ser resolvida pelo método está ilustrada na Figura 1.

Subestação

espQ1

,espV

1

P1?

espQ2

,espV

2

P2?

espQ3

,espV

3

P3?

espQ4

,espV

4

P4?

Vesp

, Ɵesp

Pmed

Figura 1. Ilustração do método proposto.

A partir dos parâmetros apresentados na Figura 1

pretende-se realizar um cálculo de fluxo de potência.

O método de solução de fluxo de potência a ser utili-

zado é o método Newton-Raphson. Esta solução

permite calcular os valores de potência ativa nas car-

gas (P1 a P4). Os valores de potência ativa calculados

podem ser comparados com os valores medidos. O(s)

local(is) em que a potência ativa medida e calculada

apresentar diferença acentuada é(são) identificado(s)

como candidato(s) a apresentar perdas não técnicas.

Tal diferença pode ser observada, por exemplo,

no sistema ilustrado na Figura 2 em que há conexão

de uma carga ilegal (responsável pela perda não téc-

nica) no mesmo ramo em que a carga 2 está conecta-

da. Neste caso, há um fluxo de corrente desconheci-

do desde a subestação até o ponto de conexão da

carga ilegal. Este fluxo de corrente provoca uma

queda de tensão adicional em todo o sistema, porém

esta queda resulta em uma maior influência na tensão

da barra em que a carga 2 está conectada. Conse-

quentemente, na realidade a tensão medida é menor

que a esperada para o valor de potência ativa medido

na carga 2 (ressalta-se que o valor de potência ativa

medido é menor que o valor real devido ao furto ou

falha na medição).

Perda não técnica Subestação

espQ1

,espV

1

P1?

espQ2

,espV

2

P2?

espQ3

,espV

3

P3?

espQ4

,espV

4

P4?

Vesp

, Ɵesp

Pmed

Figura 2. Ilustração da existência de perda não técnica no sistema

sob estudo.

A conexão ilegal de uma determinada carga (re-

sultando em perda não técnica) pode ocorrer tanto no

primário quanto no secundário do alimentador de

distribuição. No primário, a impedância dos conduto-

res é consideravelmente menor que no secundário e

valores pequenos de impedâncias implicam em me-

nores quedas de tensão, por conseguinte, somente

furtos relacionados com cargas maiores serão detec-

táveis. Além disso, o sucesso do método dependerá

também da classe de exatidão dos medidores inteli-

Anais do XX Congresso Brasileiro de Automática Belo Horizonte, MG, 20 a 24 de Setembro de 2014

2868

Page 3: M D LOCALIZAÇÃO DE PERDAS NÃO-TÉCNICAS EM SISTEMAS …

gentes, que devem ser suficientemente sensíveis para

alterações no módulo da tensão.

Portanto, uma investigação detalhada das condi-

ções mínimas necessárias para a aplicação do método

com sucesso será apresentada na Seção 3. A seguir,

apresentam-se as modificações que devem ser reali-

zadas no método clássico de cálculo de fluxo de po-

tência para que a localização de perdas não técnicas

seja realizada.

2.1 Modificações no Método Clássico

Conforme previamente mencionado, são necessárias

modificações no método tradicional de fluxo de car-

ga para que ele considere barras do tipo QV. Como se

sabe, a solução do fluxo de carga pelo método de

Newton-Raphson depende da solução da equação (1)

(MONTICELLI, 1983).

VLM

NH

Q

P (1)

em que:

PH ,

V

PN

,

QM e

V

QL

A partir dos vetores de correção (Δθ e ΔV), é

possível, após algumas iterações, obter o estado da

rede. Os mismatches de potência ativa e reativa (ΔP e

ΔQ) são conhecidos e utilizados no processo de solu-

ção de acordo com o tipo de barra:

No caso de uma barra Vθ, nenhum dos dois

mismatches são utilizados;

No caso de uma barra PQ, ambos os

mismatches são utilizados;

No caso de uma barra PV, somente o

mismatch ΔP é considerado;

No caso de uma barra QV, somente o

mismatch ΔQ é considerado.

No processo de solução do cálculo de fluxo de

potência pelo método de Newton, desconsiderar um

determinado mismatch equivale numericamente a

colocar um número muito grande nos elementos da

diagonal em que se deseja cancelar determinado va-

lor. Assim, quando a matriz é invertida, a linha e a

coluna associadas a esta barra tornam-se nulas. Os

elementos da diagonal em que se deve adicionar este

valor elevado são indicados a seguir, de acordo com

o tipo de barra:

Barras Vθ – Elementos da diagonal das sub-

matrizes L e H (cancelam-se ΔP e ΔQ);

Barras PQ – Não ocorrem mudanças (utili-

zam-se os dois mismatches);

Barras PV – Elemento da diagonal da subma-

triz L (cancela-se ΔQ);

Barras QV – Elemento da diagonal da subma-

triz N (cancela-se ΔP).

Com estas pequenas adaptações, este método

pode ser empregado na localização de perdas não

técnicas da seguinte maneira:

1. Leitura de P e V medidos na subestação ou

nó raiz. O valor da potência ativa P é um in-

dicativo da existência de roubo no sistema;

2. Leitura dos valores de P, Q e V medidos pe-

los medidores inteligentes;

3. Leitura dos dados da rede;

4. Atribuição dos tipos de barra a cada barra do

sistema, sendo que às barras suspeitas ou a

todas as barras de carga atribui-se o tipo de

barra QV, em que Q e V especificados são os

próprios valores medidos pelos medidores in-

teligentes;

5. Cálculo de fluxo de potência modificado;

6. Comparação dos valores de P medido e cal-

culado em cada barra. A barra que resultar na

maior diferença é selecionada como local de

existência de perdas não técnicas.

3 Resultados

Nesta seção, os resultados da aplicação do método

proposto para detecção e localização de perdas não

técnicas são apresentados. Os testes foram realizados

considerando-se que os valores medidos são dados

pelo resultado do cálculo de fluxo de potência con-

vencional e estão divididos em dois grupos: testes em

rede primária e testes em redes secundárias. O algo-

ritmo do método proposto foi implementado em Ma-

tlab (MathWorks, 2013).

3.1 Testes em Rede Primária

O sistema teste utilizado, apresentado na Figura

3, baseou-se no sistema IEEE 13 barras (IEEE Power

& Energy Society, 2013), com as seguintes modifi-

cações:

As impedâncias trifásicas foram transforma-

das em componentes simétricas e somente a

fase positiva foi utilizada para obter um

equivalente monofásico;

O regulador de tensão e a chave foram des-

prezados;

A barra do primário do transformador foi in-

corporada à barra onde estava ligada por não

conter carga;

As cargas foram consideradas como a média

da carga nas fases de cada barra.

Os dados do sistema utilizado são apresentados

na Tabela 1.

5 2 2 3 4

10 9 6 6 7

11 8

1

Figura 3. Sistema teste baseado no IEEE 13 barras.

Anais do XX Congresso Brasileiro de Automática Belo Horizonte, MG, 20 a 24 de Setembro de 2014

2869

Page 4: M D LOCALIZAÇÃO DE PERDAS NÃO-TÉCNICAS EM SISTEMAS …

Tabela 1 – Dados do sistema teste.

De Para

Com-

primento

(milhas)

R (Ω/

milha)

X (Ω/

milha)

Pfinal

x100

kW

Qfinal

x100

kVAr

1 2 0,3788 0,1860 0,5968 0,333 0,193

2 3 0,0947 1,1228 0,8880 0,567 0,417

2 5 0* 0,0110 0,0200 1,330 0,967

3 4 0,0568 1,1228 0,8880 0,767 0,440

2 6 0,3788 0,1860 0,5968 4,180 2,393

6 7 0,0947 0,4874 0,4056 2,810 -0,460

6 8 0,1894 0,1860 0,5968 0,000 0,000

6 9 0,0568 1,1228 0,8880 0,000 0,000

9 10 0,0568 0,4431 0,4492 0,567 0,267

9 11 0,1515 0,4475 0,1708 0,427 -0,046 * - transformador; R – resistência; X – reatância indutiva; Pfinal e

Qfinal – potência ativa e reativa injetadas na barra final do ramo.

3.1.1 Sensibilidade a diferentes distâncias da subestação

O primeiro teste consistiu em avaliar o desem-

penho do método para a existência de perda não téc-

nica (PNT) perto e longe da subestação, ou seja, va-

riando o nível de curto-circuito no ponto em que há

PNT. Com tal finalidade:

O caso 1 consistiu em simular um consumo

de 100,0 kW na barra 10 (para um total tari-

fado de 56,7 kW, conforme Tabela 1) e em

multiplicar a impedância do ramo 9-10 por 3;

O caso 2 consistiu em simular um consumo

de 100,0 kW na barra 3 (para um total tarifa-

do de 56,7 kW, conforme Tabela 1) e em di-

vidir a impedância do ramo 2-3 por 2;

Os resultados obtidos com este teste são mostra-

dos na Tabela 2. As colunas referentes aos casos 1 e

2 mostram o erro no valor de potência ativa, ou seja,

a diferença entre o valor medido pelos medidores

inteligentes e o valor calculado pelo método QV.

Observa-se que, como esperado, o maior valor de

erro (ΔP) sempre ocorre na barra em que há o roubo.

Quanto à distância da subestação, quanto mais perto

o roubo encontra-se da subestação, menos a tensão

nas outras barras do sistema é afetada por ele.

Tabela 2 – Resultados da aplicação do método proposto conside-rando PNT em duas barras diferentes do sistema teste.

Barra Tipo

ΔP = Pmedido – Pcalculado (kW)

Caso 1

PNT na barra 10

Caso 2

PNT na barra 3

1 Vθ 50,04 36,00

2 PQ -0,03 -0,03

3 QV -0,74 -60,81

4 QV 4,36 4,31

5 QV -15,58 25,82

6 PQ 0,00 0,00

7 QV 3,33 -1,53

8 PQ 0,00 0,00

9 PQ 0,00 0,00

10 QV -41,97 8,52

11 QV 1,34 -11,98

3.1.2 Potência mínima detectável

O segundo teste consistiu na obtenção da potên-

cia mínima detectável em um sistema de média ten-

são (primário). A potência mínima detectável refere-

se ao valor mínimo de PNT que leva a um desvio de

tensão maior que a precisão dos medidores de tensão.

Para descobrir a potência mínima detectável na rede

teste, a barra 7 será utilizada como base de variação.

O teste foi realizado aumentando-se a potência ativa

associada à PNT e avaliando-se o desvio provocado

na tensão até que o desvio provocado fosse maior ou

igual à precisão dos medidores de tensão. Considera-

ram-se valores de precisão de 0,5% e 1,0%, apresen-

tados na Tabela 3 e na Tabela 4, respectivamente.

Nas tabelas, a linha referente à barra de carga que

apresenta o maior desvio de potência ativa encontra-

do (diferença entre os valores medido e calculado)

está destacada. Nestes resultados, todas as barras

(exceto a da subestação) foram consideradas barras

QV com o objetivo de avaliar a robustez do método.

Tabela 3 – Resultados da IEEE 13 barras para 0,5% de ΔV (Sbase=10 MVA).

ΔV

(%) Barra Tipo

Pmedido

(pu)

Pcalculado

(pu)

ΔP

(kW)

0,00 1 Vθ 0,1107 0,1516 -408,8

0,19 2 QV 0,0033 0,0004 -29,5

0,20 3 QV 0,0057 0,0063 6,7

0,19 4 QV 0,0077 0,0072 -5,0

0,19 5 QV 0,0133 0,0135 1,8

0,39 6 QV 0,0418 0,0437 19,3

0,51 7 QV 0,0281 0,0698 416,7

0,39 8 QV 0,0000 0,0000 0,0

0,39 9 QV 0,0000 0,0003 -3,2

0,39 10 QV 0,0057 0,0040 16,4

0,39 11 QV 0,0043 0,0052 9,0

Tabela 4 - Resultados da IEEE 13 barras para 1,0% de ΔV (Sbase=10 MVA).

ΔV

(%) Barra Tipo

Pmedido

(pu)

Pcalculado

(pu)

ΔP

(kW)

0,00 1 Vθ 0,1107 0,1922 -814,7

0,39 2 QV 0,0033 0,0029 -4,2

0,41 3 QV 0,0057 0,0035 -21,6

0,41 4 QV 0,0077 0,0098 21,4

0,39 5 QV 0,0133 0,0134 1,2

0,76 6 QV 0,0418 0,0385 -33,3

1,00 7 QV 0,0281 0,1095 814,1

0,76 8 QV 0,0000 0,0000 0,0

0,77 9 QV 0,0000 0,0023 23,3

0,77 10 QV 0,0057 0,0040 -16,7

0,77 11 QV 0,0043 0,0051 8,8

Nota-se que em ambos os casos a potência de-

tectável na barra com fraude é alta (416,7 kW e 814,1

kW para 0,5% e 1,0% de erro na medição respecti-

vamente).

3.2 Testes em Redes Secundárias

As redes secundárias testadas foram de duas

configurações: em cascata e em paralelo. Primeira-

mente foi analisada a rede em cascata cuja topologia

está na Figura 4, e os dados dos condutores e cargas

estão apresentados na Tabela 5. Os valores das impe-

dâncias foram obtidos a partir de valores típicos reais

de uma concessionária norte-americana.

Anais do XX Congresso Brasileiro de Automática Belo Horizonte, MG, 20 a 24 de Setembro de 2014

2870

Page 5: M D LOCALIZAÇÃO DE PERDAS NÃO-TÉCNICAS EM SISTEMAS …

Condutor de

Serviço

Zsec

Condutor

Secundário

1 2 3 4 5 6

7 8 9 10 11

Zsec

Zsec

Zsec

Zsec

Zser Z

ser Z

ser Z

ser Z

ser

Figura 4. Topologia da rede secundária em cascata.

Tabela 5 – Dados da rede em cascata (Sbase = 1 kVA).

De Para R (Ω) X (Ω)

Injeção de potência

(barra final)

Pinj (pu) Qinj (pu)

1 2 0,0105 0,0047 0,000 0,000

2 3 0,0105 0,0047 0,000 0,000

3 4 0,0105 0,0047 0,000 0,000

4 5 0,0105 0,0047 0,000 0,000

5 6 0,0105 0,0047 0,000 0,000

2 7 0,0102 0,0041 1,704 0,023

3 8 0,0102 0,0041 1,482 0,000

4 9 0,0102 0,0041 1,812 0,078

5 10 0,0102 0,0041 2,233 0,011

6 11 0,0102 0,0041 2,673 0,017

Para testar as potências mínimas neste caso, as

alterações foram feitas na barra 7 do sistema da Figu-

ra 4. Com isso, os resultados obtidos estão apresen-

tados na Tabela 6 e na Tabela 7.

Tabela 6 - Resultados da rede em cascata para 0,5% de ΔV (Sbase=1 kVA).

ΔV (%) Barra Tipo Pmedido

(pu)

Pcalculado

(pu) ΔP (kW)

0,00 1 Vθ -10,1033 -13,4706 3,37

0,25 2 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,25 3 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,24 4 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,26 5 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,26 6 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,49 7 QV 1,7040 5,0135 -3,31

0,24 8 QV 1,4820 1,4344 0,05

0,26 9 QV 1,8120 1,8295 -0,02

0,26 10 QV 2,2330 2,2597 -0,03

0,26 11 QV 2,6729 2,6592 0,01

Tabela 7 - Resultados da rede em cascata para 1,0% de ΔV

(Sbase=1 kVA).

ΔV (%) Barra Tipo Pmedido

(pu)

Pcalculado

(pu) ΔP (kW)

0,00 1 Vθ -10,1033 -16,8950 6,79

0,51 2 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,51 3 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,51 4 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,52 5 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,52 6 PQ 0,0000 0,0000 0,00

0,99 7 QV 1,7040 8,3031 6,60

0,51 8 QV 1,4820 1,5121 0,03

0,51 9 QV 1,8120 1,8032 0,01

0,51 10 QV 2,2330 2,2454 0,01

0,51 11 QV 2,6729 2,6482 0,02

Nota-se que em ambos os casos a potência de-

tectável na barra com fraude é consideravelmente

mais baixa que o valor encontrado para o primário

(3,3 kW e 6,6 kW para 0,5% e 1,0% de flutuação,

respectivamente). Além disso, as variações induzidas

nas outras cargas são muito menores devido ao fato

de o sistema estar em cascata e as cargas estarem

bem separadas. Com isso, conclui-se que o método

QV, de fato, funciona melhor em redes secundárias.

Para complementar os estudos feitos anterior-

mente, as potências mínimas detectáveis foram en-

contradas para a rede secundária de distribuição em

paralelo. Esta configuração corresponde à Figura 5 e

os parâmetros desta configuração estão mostrados na

Tabela 8. Considerou-se que a perda não técnica está

localizada na barra 3.

1

2

3

4

Figura 5. Topologia da rede secundária em paralelo.

Tabela 8 - Dados da rede em paralelo (Sbase = 1 kVA).

De Para R (Ω) X (Ω)

Injeção de potên-

cia (barra final)

Pinj (pu) Qinj(pu)

1 2 0,1088 0,0076 2,58 0,0

1 3 0,0228 0,0039 3,95 0,0

1 4 0,0337 0,0027 2,11 0,0

Como na rede em paralelo a fraude de energia

não afeta as tensões dos outros consumidores, não é

necessário montar uma tabela que mostre os efeitos

na rede, por isto os índices serão citados diretamente:

Para 0,5% de flutuação de tensão a PNT ne-

cessária é de 3,1 kW.

Para 1,0% de flutuação de tensão a PNT ne-

cessária é de 6,2 kW.

Conclui-se que para a configuração em paralelo,

o método QV tem o melhor resultado (em relação às

outras configurações de rede).

4 Conclusão

Neste trabalho, além dos testes apresentados, exaus-

tivos testes foram realizados para que certo padrão

fosse estabelecido. Basicamente, conclui-se que:

O método QV pode ser utilizado para encon-

trar perdas não técnicas tanto em redes pri-

márias quanto em redes secundárias;

A sensibilidade do método é maior em redes

de distribuição secundárias, pois a impedân-

cia dos condutores é maior. Nas redes primá-

rias qualquer alteração no valor da tensão

pode resultar em uma grande diferença entre

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Page 6: M D LOCALIZAÇÃO DE PERDAS NÃO-TÉCNICAS EM SISTEMAS …

os valores reais e calculados das potências

ativas;

Para a configuração em paralelo, somente a

barra afetada apresenta variações perceptíveis

na potência ativa, que permitem classificá-la

como barra suspeita. Por outro lado, no caso

da configuração em cascata ou similar, outras

barras também apresentam desvios de potên-

cia. No entanto, o desvio da barra que possui

PNT é maior que o calculado para as demais.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro da FAPESP

(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São

Paulo), CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-

gico).

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