14
BtctsZI Pinheiro Machado Povmmento dos Campos Gerais A primeira ocupação das terras dos Campos Gerais foi feita pelos homens ricos de São Paulo, Santos e Paranaguá, nos princípios do século XVIIi. Não no sentido de colonização e povoamento, como-aconteceu nos campos de Lages e La- guna, em que o povoador transportava-se para o novo lugar com toda a sua família, escravos, bens, animais, parentes e clientes, visando's instalação de uma nova sociedade. Oliveira Viana, analisando a expansão paulista para o sul, generalizou o tipo que êle próprio denominou de "ban- deira de povoamento",' que teria fundado as fazendas e as estâncias do Brasil meridional. Afirma êle: o que se vê, por exemplo, nas bandeiras do sul. Erri todas elas o fazendei- ro se desloca com a sua família, seus escravos negros e ver- melhos, os seus gados grossos e miudos, as suas ferraznentas e armas. Para povoar S. Catarina, o vicentista Francisco Dias Velho parte de Santos levando a mulher, dois filhos, duas filhas, quinhentos índios domesticados, um homem branco com a mulher e três filhos, e dois padres jesuitas. O mesmo acontece com o povoador de Laguna, Francisco Brito Peixoto. Brito Peixoto funda ali, com auxílio de seu pai, uma povoaçáo, com grande dispêndio de sua fazenda, levando também mui- tos escravos, mantimentos e materiais. Esse caracter de leva imigratória do latifúndio encontra-se também na bandeira de Correia Pinto, o fundador de Lages. Taznbém êste muda-se "com toda a sua família para aquele sertão inculto - diz o Morgado do Mateus - deixando seu domicílio nesta cidade, cometendo uma jornada de trezentas léguas com O precioso

MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba UFPR, 1968

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

BtctsZI Pinheiro Machado

Povmmento dos Campos Gerais

A primeira ocupação das terras dos Campos Gerais foi feita pelos homens ricos de São Paulo, Santos e Paranaguá, nos princípios do século XVIIi. Não no sentido de colonização e povoamento, como-aconteceu nos campos de Lages e La- guna, em que o povoador transportava-se para o novo lugar com toda a sua família, escravos, bens, animais, parentes e clientes, visando's instalação de uma nova sociedade.

Oliveira Viana, analisando a expansão paulista para o sul, generalizou o tipo que êle próprio denominou de "ban- deira de povoamento",' que teria fundado as fazendas e as estâncias do Brasil meridional. Afirma êle: "É o que se vê, por exemplo, nas bandeiras do sul. Erri todas elas o fazendei- ro se desloca com a sua família, seus escravos negros e ver- melhos, os seus gados grossos e miudos, as suas ferraznentas e armas. Para povoar S. Catarina, o vicentista Francisco Dias Velho parte de Santos levando a mulher, dois filhos, duas filhas, quinhentos índios domesticados, um homem branco com a mulher e três filhos, e dois padres jesuitas. O mesmo acontece com o povoador de Laguna, Francisco Brito Peixoto. Brito Peixoto funda ali, com auxílio de seu pai, uma povoaçáo, com grande dispêndio de sua fazenda, levando também mui- tos escravos, mantimentos e materiais. Esse caracter de leva imigratória do latifúndio encontra-se também na bandeira de Correia Pinto, o fundador de Lages. Taznbém êste muda-se "com toda a sua família para aquele sertão inculto - diz o Morgado do Mateus - deixando seu domicílio nesta cidade, cometendo uma jornada de trezentas léguas com O precioso

Page 2: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

dispêndio de muitos mil cruzados da sua própria fazenda para o emprêgo de armas, munições, cavalgaduras, escravos, ferra- mentas e outros muitos aprestos indispensáveisv. O domínio rural se translada, deskwte, sob a forma de bandeira, inte grahente, para as novas terras descobertas" (1).

&se rnodêlo não é válido para'os Campos Gerais do Pa- ranii. As posses iniciais, nessa área, são feitas pelos ricos e po- derosos habitantes de São Paulo, Santos, Paranaguá, não co- mo um meio para transladar-se uma sociedade inteira, mas simplesmente como um negócio a ser explorado comercial- mente, tendo em vista o abastecimento de São Paulo e, prin- cipalmente, das regiões mineradoras do século XVIIi. Esses proprietários sempre foram absenteistas, e as primeiras fa- zendas são fundadas A margem do caminho que de Curitiba ia para Sorocaba e São Paulo. O abastecimento de Curitiba vinha de seus próprios arredores. Pela estrada de São Paulo, os fazendeiros mandavm conduzir suas boiadas para São Paulo, Minas e Rio.

Para fundar uma fazenda ao longo dessa estrada, o em- preendedor mandava um seu preposto, com alguns escravos, tomar posse das terras, para onde conduziam algumas cabe- ças de gado. Depois, alegando essa posse, pedia a sesmaria.

Entre 1725 e 1744, mais de noventa sesmarias foram re- queridas, alegando ocupação anterior, por pessoas de Sáo Paulo, Santos e Paranaguá. O número de requerentes dessas noventa e poucas sesmMas, que variavam de tamanho entre 4.000 a 8.000 alqueires paulistas, era muito menor do que o próprio número das sesrnarias, o que quer dizer que a mesma pessoa requeria mais de uma. Os nomes dos requerentes esta- vam ligados aos velhos troncos paulistas do bandeirismo do século anterior: Bartolomeu Pais de Abreu, José Gois de MO- rais, Pinto Guedes, Toledo Lara, Morato, Taques, Teixeira de Azevedo, Castanho, Pedroso de Barros, Manuel .Gonçalves de Aguiar e outros. e

Num levantamento, procedido em 1772, das fazendas do Paraná, foram recenseadas vinte nove grandes fazendas, des- de o r io Pitangui, hoje município de Ponta Grossa, até o rio

( I ) F. J. Oliveira Viana - mPopulações Meridionais do Brasil" - 1.O vol. - 3 6 ed. - S. Paulo, 1933 - p. 101.

Itararé (2). Ressalta nêsse documento que alguns possuidores o eram de muitas fazendas, ao mesmo tempo. Assirn, o Coro- nel Francisco Pinto do Rego, residente em São Paulo, pos- suis seis, São Bento, São João, Carambei, Socavão, Boa Vista e Pinheiros. Ana Siqueira, viúva do Coronel Domingos Tei- xeira de Azevedo, residente ' em Santos, possuia duas, Cam- bijú e Itaiacoca. Os herdeiros da "defunta Dona AntÔniaw eram detentores de seis fazendas, cujas terras iam desde Palmeira até Ponta Grossa, Papagaios, Cancela, Butuquara, Porcos de Cima, Lago e Santa C r u . O Sargento-Mor Cristo- vão Pinheiro de França, residente em Paranaguá, tinha qua- tro, Santo Amaro, Tabor, em Castro, e Canguiri e Porcos de Baixo, perto de Palmeira. O Convento do Camo, de Itú, pos- suia cinco fazendas, cujas terras iam desde Campo Largo até Palmeira, os Carlos, São Luiz, Capáo Redondo, Conceição do Tarnanauá e SantPAna. Nestas sesmarias, os frades de ItÚ, possuiam 4.000 cabeças de gado vacum, 200 éguas, 200 ove- lhas, 40 escravos, e tudo tinha um valor superior a 80.000 cruzados (3). Em 1775, os jesuitas possuiam, também, uma grande área de terras nos Campos Gerais, "quase dez léguas de terras próprias, cujo solo ainda que atualrnente inculto, na sua maior parte, é fértil e apto para produzir todo o gê- nero de frutos. Já têm diversos currais na fazenda de Curitiba e na fazenda de Pitangui e, em ambos, 1 ,020 cavalos e 2.030 cabeças de gado vacum, fonte principal de receita para o sus- tento do Colégio (de Parsuiaguá) . Trabalham nelas 40 es- cravosw (4).

Eqses sesmeiros não se deslocavam com a farnilia, seus escravos e bens. A fazenda ficava sob a administração de um capataz que tinha a denominação de "fazendeiro".

A população e a produção dessas sesmarias ligavam-se apenas a São Paulo e, por intermédio dêste, aos centros con- sumidores. Viviam completamente alheiados de Curitiba, em- bora alguns dos seus donos fossem residentes em Paranaguá.

(2) Arquivo Histórico Ultramarino Português - Copia fotostática do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense - doc. nOs. 1056 e 1057.

(3) Arquivo Histórico Ultramarino Português - Copia fotostá- tica do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense - doc. n.O 368.

(4) Citado pelo P. Serafim Leite, "Hfstória da Companhia de Jesus no Brasil" - vol. VI - p. 455.

Page 3: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

Contra essa situação de isolamento econômico, protes- tava continuamente a Câmara de Curitiba. Numa queixa ,dirigida à Rainha,.. em 1777, dizia a Câmara: 'f. . . sendo ta- das as fazendas principais, de homens que moram na cida- de de São Paulo, vilas de Santos e Paranaguá, os quais as desfrutam por fazendem que + nelas têm, sem resultar uti- lidade à terrap9 (5). que a riqueza dos 1atifundiWos con- trastava com a pobreza geral. Manuel Cardoso de Abreu que, em 1777, percorreu a "estrada do Viamão", preparando recur- sos para a marcha dos seis xnil homens da Legião de São Paulo que ia para as guerras do sul, descreve a pobreza das popula- ções do Par=&, no seu "Divertimento Admiravel", copiando, aliás, neste Ponto, o "têrmo de vereança" da Câmara de C& tiba, de 14 de maio de 1777: "os moradores da freguesia desta Vila (Curitiba) . . . além de não serem as terras muito fruti- feras, e porque não tem para que nem para onde dêm con- sumo ao fruto de suas lavouras, estão já no costume de plan- tarem tão sòmente quanto baste para o sustento de suas fa- mílias, porque sempre o que lhes sobra o perdem do bicho, e se o aproveitam é só emprestando aos vizinhos que- o pre- cisam, para o tornarem quando pedem, por este motivo já estão no hábito de não fazerem esforços em grandes planta- ções, porque nunca disso resulta utilidade. Isto é falando daqueles moradores que têm modo e comunidade de o fazerem, porque uma grande parte deles, e talvez a maior, porque mo- ram ài beira campo e terras menos aptas para lavouras, nem para o preciso se empenham nela, porque fazem vida a condu- zir congonhas para Paranaguá, onde as permutam pelo sal, algodão e farinha, e tem o sal, e vestem o algodão, e se lar- gassem dela pelo empenho da lavoura, s h , teriam milho e feijão para comer, mas sem o sal, e nús até do pobre algodão, pois não haveria quem Ihes desse pelo milho e feijão, e che- gariam a ser mais miseráveis do que são" (6).

A oposição entre a pobre população curitibana e as ricas fazendas dos Campos Gerais fica mais patente nos episódios da abertura da "estrada do Viamão". Os propriethrios das ses- marias dos Campos Gerais opuseram-se à abertura dêsse ca- minho. Ao pedir a cooperação dos curitibanos para os traba- lhos da estrada, o Capitão General de São Paulo procurava

(5) "Boletim do Arquivo Municipal de Curitibaw - vol. 31. (6) Arquivo Histórico Colonial Português - Fotocópia do Instituto

Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense - doc. n.0 254.

convencê-los de que para êles só haveria vantagens em tra- zer gado das Vacarias da Serra para os campos paranaenses, onde os paulistas, donos das sesmarias, detinham o tnonopó- lio da criação do gado que abastecia as I\iiinas Gerais, onde um boi alcançava aitissimos preços, a troco de ouro em pó.

E que o Ouvidor de ~aranaguá tinha pedido ao Rei a paraiizaçáo dos trabalhos da estrada, informando que ela pas- sava pelas terras dos Tapes dos jesuitas, e que êsses índios po- deriam invadir as próprias minas de ouro. Replicando à peti- ção do magistrado, o Capitão General pôs a nú uma situaçáo de interêsses dos latifundiários dos Cmpos Gerais: "Esse mi- nistro - diz o Capitão General Caldeira Pimentel, referindo- se ao Ouvidor de Paranaguá, é casado com mulher natural da Vila (de Paranaguá) , que nela tem irmãos, cunhados e grande roda de parentes.. . pelo dote de sua mulher, assim como os mais de seus parentes e vários outros moradores de Paranaguá, tem currais de gado vacum e cavalar (nos Cam- pos Gerais) dos quais tira provimento. . . para a cidade de São Paulo e vilas de sua comarca, por não haver em aquele governo outros alguns currais, e como com a introdução de gados e cavaIgaduras pelo novo caminho entrarão dos cam- pos do Rio Grande de São Pedro do Sul e Nova Colônia (do Sacramento), hão de diminuir nos preços os gados e os ca- valos (dos Campos Gerais), e este prejuízo proprio vem re- buçado com o zelo de se evitarem os choques com os tapes" (7)

Toda essa história é referente h parte centro e norte dos Campos Gerais. Os campos que ficavam ao sul de Curitiba, e tiveram como centro a cidade da Lapa, só foram apropriados muito mais tarde e em consequência, mesmo, do trânsito da estrada do Viamão. Até pelo menos 1750, nenhuma sesrnaria tinha sido requerida nessa parte sul dos Campos Gerais (8).

Um tropeiro que passara em 1797, porém, já encontrou aquêles campos povoados: "(A Freguesia da Lapa) tem mui- ta gente, porém pobre; devendo-se atribuir que é pelo mau método do seu governo e pela preguiça a que se abandonam;

(7) Arquivo Histórico Ultramarino Português - Copia Fotostática do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense - doc. nP 624.

(8) "Sesmarias" - localização no mapa do Paraná das cartas de sesmarias, feita pelo Engenheiro O. M. Dergint para o Depar- tamento de Terras e Colonização do Estado do Paraná - (datilografado) Curitiba - 1941.

Page 4: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

porquanto sendo uma passagem geral e frequente das tropas de animais que se exportam do Rio Grande para Sáo Paulo, podiam fazer, por uma parte, um pingue negocio, e por ou- tro, utilizando-se da fertilidade de seus carnpos que são homo- geneos aos do Continente do Rio Grande, e proprios para criar toda especie de animais. . . teriam ou possuiriam muitas estâncias" (9). No entanto, da "Relação das Fazendas de Curi- tiba", documento acima citado, foram recenseados nos cam- pos da Lapa, em 1772, nove grandes fazendas e doze "sítios". P que as fazendas ai só se desenvolveram no século XIX, como

C4 informa Paula Gomes, em 1847, . . . o comércio (de muares e cavalares) é consideravel na vila do Pnncipe (Lapa) por ser a primeira feira aquem da mata do Registro" (10).

Nem toda a extensão dos Campos Gerais estava coberta pelos latifúndios. Na "Relação das Fazendas", de 1772, ao lado dos 29 latifiindios da parte norte dos Campos Gerais, existiam 10 sítios, pequenas propriedades realmente exploradas, ao lon- go da estrada Curitiba-São Paulo. Na parte central, a mesma "Relação" assinala 12 grandes fazendas e 13 sitios. Em resu- mo, no ano de 1772, em toda a extensão dos Campos Gerais, desde Itararé aos campos da Lapa, tendo por eixo a estrada das tropas, existiam 50 grandes fazendas e 125 sítios.

Os ''sitios" eram pequenas propriedades perto dos povoa- dos ou à beira da estrada. Não se consegue identificar com clareza a posição social e econômica dos seus ocupantes, em- bora alguns dêles fossem agregados das grandes fazendas, e os sítios estivessem, às vêzes, localizados dentro das próprias fazendas. Alguns possuiam escravos que nunca ultrapassavam de um casal, todos tinham, no máximo, uma dezena de vacas, poucos cavalos, mulas e porcos, e todos plantavam feijão e milho.

Da linha da estrada das tropas, as fazendas foram aden- trando para a linha dos confins ocidentais dos Campos Ge- rais. Nessa expansão reviveram os aspectos de pioneirismo, que retardou a estabilizaçãto da sociedade.

Em 1769, em carta ao governador, dizia o capitão de cavalos dos Campos Gerais, Francisco Carneiro Lobo, que des-

(9) Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - vol. 21 - p. 309.

(10) "Anuário Político, Histórico e Estatístico do Brasil", 1847 - Rio p. 524.

de a fundação de Curitiba, "ha cem anos atrk", os povoado- res dos campos iam estendendo-se até margens do Tibagi e em direção da Serra dos Agudos, sem serem acometidm por indios, até o ano de 1760, em que êles fazem a sua primeira aparição perante os criadores de gado. Parecia ao capitão que -

o que atraia a cobiça dos índios eram as ferramentas, do "que fazem maior apreço". Assaltaram em 1768 os carnpos da Fa- zenda Monte Negro, na altura de Castro, mataram dois ho- mens e roubarm a ferramenta, roupa e outros trastes (11) .

Ante a continuidade dêsses assaltos às fazendas dos "po- vos moradores da fronteira que confina com os invios ser- tões", a Câmara de Castro pediu providências ao govêrno, a fixn de que com o auxilio das forças, o capitão mor da Vila fi- zesse estrada por Imbituva, "até chegar aos seus alojamentos, fazendo-os retirar para mais longe", e, para isso, os moradores contribuiriam "com polvora, chumbo e mantimentos precisos" (12) *

As providências vieram. O Príncipe Regente, em 1808, por Carta Régia, mandou reencetar as expedições a Guarapuava e Tibagi, "que estão infestados de índiospp. A Carta Régia con- tinha uma geral declaração de guerra "aos indios dos Campos Gerais de Curitiba e de Guarapuava, assim como de todos os terrenos que desaguam no Parmá e formam de outro lado as cabeceiras do Uruguai7' (13).

Além da expedição oficial para a conquista de Guara- puava, constitui-se, em 1812, outra, chefiada por u m dos maio- res fazendeiros dos Campos Gerais, José Felix da Silva, que, na informação do governador, "no serviço de Sua Alteza Real tinha dispendido grosso cabedalw. José Félix levantou % sua custa uma companhia de aventureiros e entrou nos campos do Tibagi (14).

Nêsses campos, José Felix fundou a Fazenda Fortaleza que, na época da viagem de Saint-Hilaire, era a mais próxllna a terra onde dominavam os índios. José Felix, diz SaintiHi- laire, "veio estabelecer-se em Fortaleza no princípio do século;

(11) wDocumentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo" - vol. 34 - p. 2-7.

(12) Tvlanuscritu da Câmara Municipal de Castro. (13) Carta Régia de 5 de novembro de 1808. (14) Relatório do Governador de São Paulo, Souza Chichorro, ao

Conde de Palma.

Page 5: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

era então esse. lugar frequentado apenas pelos selvagens e não se lhes pronunciava o nome sem temor. Mas desde esse tempo, varios agricultores fixaram-se nos arredores, encoraja- dos pelo msrsculo exemplo do primeiro explorador, e seguros de serem protegidos contra os indios por um homem poderoso e rodeado de escravos (15).

Bigg-Wither, que conheceu a sede da fazenda, assim a descreve: "As construções estavam dispostas num "grande qua dradon, .do qual dois dos lados eram, em parte, ocupados por uma fileira de casas baixas e caiadas, os alojamentos dos es- cravos, e, noutra parte, por muros solidos, cobertos de telhas e caiados. O terceiro lado, em toda a sua extensão de umas 80 ou 90 jardas, era ocupado por um muro de t,aipa, de uma altura mais ou menos de 8 pés. Do lado oposto das casas baim xas, havia uma série de postes, com as arestas redondas e desgastadas. Eram os troncos de açoitaxnento, que nos anti- gos tempos tinham testemunhado cênas de gelar o sangue. A ''casa9' era um edifício grande e maciço, de madeira e taipa, com uma enorme guarita no telhado, um telhado de pouca in- clinaçiio e coberto de pesadas telhas goivas. A platibanda do pesado telhado, do lado que dava para o quadrado, prolonga- - -

va-se por uns 11 pés para além da parede, sendo sustentado por uma fileira de solidos pilares de madeira, em cujos inter- valos constmiram um espesso muro de taipa, da altura de um homem, pelo peito" (16) .

Em 1820, quando Saint-Hilaire viajava entre Itararé e Jaguariaiva, constatou que os índios tinham, "por muitas vê- zes, destruido as fazendas situadas próximo das matas".

Desde alguns anos antes, os fazendeiros empreendiam caçadas aos bugres. "Os habitantes de Itapeva, Castro e Apiai, informava o Presidente da Província de São Paulo, em 1814, ucostumam fazer todos os anos uma caçada sobre êles, e ma- tando e ferindo e afugentando-os, apanham os que podem, os quais são logo reduzidos à escravidão mais abjeta; e, o que ainda 6 pior, vendidos, com ultraje da humanidade. em praça pública ou leilão, sempre, debaixo do pretexto de que o ob- jeto da venda é o serviço e não a pessoa" (17) - (15) "Viagem á Província de São Paulo" - cap. XIII. (16) "Pioneering in South Brazil", Londres 1887. (17) Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - vol. 36

p. 197.

- Mais avançado o século, em 1840, a situação de ameaça era. a mesma. O. historiador Francisco Adolfo Varnhagen, que viajava pelos Campos Gerais naquele ano, deu o seu teste- munho: "Achando-me em São Paulo, em fins de 1840, em- preendi uma viagem pelo sul da Província. . . Já pela altura de Paranapitanga, onde me demorei alguns dias, comecei a ouvir contar muitos casos de crueis assaltos e invasões de indios que, quando Ihes aprazia, chegaxam até ali com as suas correrias e traziam a todos cheios de terror e espanto. Passando, porém, mais ao sul, a Fazenda Morungava. . . não só ouvi contar novas hist6rias de assaltos de bugres, como fui informado que andavam eles muito perto, e que eu e os meus companheiros poderiamos no dia seguinte ser atacados na estrada, ao atravessar um bosque, felizmente de curta exten- são. Apesar dessa. noticia, era essencial partir nesse dia, por- que tinhamos a vantagem de ir em maior niunero, associan- do-nos a outros tropeiros, já mais habituados a semelhantes cênas. Ao chegar à beira do mato, vi que os meus companhei- ros, seus camaradas e vaqueanos, sem dizer palavra, tiraram as espingardas dos arções, e com elas engatilhadas, e como prestes a dispararem, prosseguiram, e me disseram de fazer outro tanto com as minhas duas pistolas. Note-se que se pas- sava isso nada menos do que na estrada real, bastante fre- quentada por todas essas tropas e pontas de gado que con- corriam a feira de Sorocaba9' (18).

Varnhagem observava, ainda, em 1851, que os criadores de gado dos Campos Gerais, possuiam "o espírito de explora- ção dos antigos paulistas, e com a idéia de descobrir um pe- daço de campo para a criação de gado, expõem-se a tudoM (19)

Socieàade campeira

Entregues h vida campeira, continuidade dos grupos . paulistas de que descendiam històricmente, vivendo numa região que se constituiu em "zona de pa~sagern'~, entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, no período das tropas, de que

(18) Manuscrito d a Biblioteca Nacional, citado por Clado Lesa in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - vol. 223.

(19) Varnhagen - "0s Indios Bravos e o Sr. Lisboa" - cito por Clado Lesa in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasi- leiro - vol. 223 - p. 121.

Page 6: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

participaram intensamente, estabelecendo um continuo con- tato com os paulistas e riograndenses, os habitantes dos Cam- pos Gerais tinhazn sobretudo costumes de gaúchos.

Um viajante de 1844 fez estas observações sôbre o homem dos Canipos Gerais: a . . . viajam armados como os povos da Província de São Pedro, cujos costumes em muitíssimos pon- tos são semelhantes, pois não falando no traje que é o mesmo, no modo de exprimir o seu pensamento são como os daquela Província, adotando palavras espanholas em suas conversa- ções.. . O seu falar é cheio de interjeições; usa de hiperboles atrevidas e arriscadas e de bravatas espanholas; no discurso pronuncia palavras em voz baixa e sem haver transição pro- nuncia outras alteando-as, como que por arranco; sempre ex- prime os diminutivos com a desinência em i to. . . traz na ca- beça um chapéuzinho de copa rasa e abas um tanto largas, que prende-se ao rosto por uma barbela de tranceli, de seda ou algodão tintos; põe-no B banda e não usa de gravata; por cima da camisa traz o poncho listrado e firnbrado a que dá o n0me de "pala", feito de lã; à cintura a "guaiaca", sorte de ornato que tem o duplo fim de servir-lhe de bolsa e de cinta; esta peça de couro garroteado é ornada de bordados floreos de retroz de cores, na face ostensiva é presa por dois broches, ordinàriamente duas moedas de ouro, prata ou metal branco, confonne os teres do indivíduo; calças muito largas com fei- ção de ceroulas; botas de couro crii; de ordinário umas per- neiras; esporas de enormes rosetas com largas presilhas ou correntes, que quase impedem o andar do proprietário, cha- madas chilenas e são tão grandes que não permitem na mar- cha conservar os pés na posição natural, fôrça é pois mover- se nas pontas deles tardamente como a preguiça ou a tarta- ruga em terra. Na parte anterior do corpo sôbre o abdomem permanece a faca de ponta, aparelhada de prata; o chicote pende por uma presilha do braço esquerdo do cavaleiro, que estriba na ponta dos pés, e segura a brida com a destra; traz a cinta uma ou duas garruchas e às vêzes espada, e alguns de seus chicotes tem um punha1 oculto no cabo. Quase nunca vai assentado em perfeita posição vertical sobre a sua caval- gadura; a miude seu corpo tem uma declinação para um dos lados, sendo o centro de gravidade, não nas nadegas, mas numa das cochas alternadamente" (20).

(20) Salvador José Corrêa Coelho - "Passeio à Minha Terra" - S. Paulo, 1860.

O Presidente da Província, Zacarias de Goes, já estranha- ra êsses costumes, o que consignou no seu .Relatório de 1854: "0 vasto rn ~ m c h o de que serve-se a maioria dos habitantes, e as largas e estrepitosas chilenas não eram artigos mais essen- ciais ao trajar dum homem do povo, do que a inseparável cartucheira, a faca e as pistolas, já não digo em viajem pe- las estradas ou em seus trabalhos de campo, mas em passeio à cidade e (parece incrível) até nos templos do Senhor!" (21).

Em 1791, o Comandante dos Campos Gerais observava que as gerações mais novas encontraram estímulos (hoje, dir- se-ia a sua forma de expressão) "atraidos daquele modo de ganhar, conduzindo tropas, serviços de cavalosn, isto é, par- ticipando, como uma atividade nomal e digna da sua cate- goria, nos negócios de empreender longas viagens, para com- prar tropas de mulas no Rio Grande, inverná-las nos Campos Gerais e vendê-las em Sorocaba. "Passados alguns anos, con- tinua o Comandante, a mesma multidão de tropas diminuiu as vitalidades delas; mas a mocidade já acostumada daquela espécie de vadiação, a continuaram com muito pouco lucro" (22).

No correr das primeiras décadas do século XIX, a socie- dade fundada nos latifúndios dos Canipos Gerais, apresenta- va-se estabilizada, com a grande família residindo nas fa- zendas, à base do trabalho escravo, e com a mocidade encon- trando, nas atividades do tropeirismo, a sua forma de parti- cipaçgo na oi'dem social.

Nêsse período típico do sécuIo XJX, a população dos Cam- pos Gerais assim se distnbuia, em toda a sua extensão: Exis- tiam as cidades (ou vilas), Castro, Ponta Grossa, Palmeira e Lapa. Dos dados documentais ressalta que essas cidades, ou vilas, existiam em função das fazendas de criação de gado e do movimento das tropas de muares que vinham do sul para São Paulo. Estavam todas localizadas na estrada das tropas. Tinham, por todas essas razões, duas espécies de população - uma permanente e outra ocasional, dependendo a primeira da segunda.

Descrevendo Castro, em 1820, Saint-Hilaire diz: "três ou

(21 Relatório do Presidente da Província, 1854. (22) Carta do Coronel Lourenço Ribeiro de Andrade ao Comandan-

t e da Praça de Santos - citada por Romario Martins, in "Curi- tiba de Outrora e de Hoje".

Page 7: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

quatro negociantes, mulheres de vida irregular e alguns ar- tifices constituiam tada a população de Castrow (23). A po- pulação ocasional é indicada pelo viajante de 1844 : "Castro é uma pequena cidade. . . os cidadãos moram pelas estâncias de criar, pelo que as suas ciisas da cidade só se abrem aos do- mingos, dias santos ou de festas, tempo em que concorrem e fazem-na regorgitar" (24).

Dos componentes da população permanente dessas cida- des, a que mais se desenvolve, dando-lhes mesmo a caracteri- zação, é a classe dos comercimtes, fornecedores das mercado- rias para a população ocasional e permanente, comercializa- ção dos produtos da pequena lavoura das redondezas e, mais tarde, credores dos fazendeiros em decadência.

Viajando de Antonina para Mato Grosso, o Tenente de Engenheiros, Epifânio Cândido de Souza Pitanga, descreve as cidades dos Campos Gerais em 1857: "O comércio de Ponta Grossa é distribuido por trinta casas, doze das quais são de fazendas e dezoito armazens de secos e mo~ados" (25).

No tempo de Saht-Hilaire, todas as casas de Castro eram de pau a pique. Na Lapa as primeiras casas de "pedra e cal" foram construídas por volta de 1824. Em 1844 as casas de Palmeira, Ponta Grossa e Castro já eram de "pedra e cal", emboram fossem "edif icios vulgares?' (26).

I As familias fazendeiras que constituiam a parte social- mente mais importante dessas cidades, embora as habitassem sòmente durante uma pequena parte do ano, residindo mais em suas fazendas, eram a classe dominante, que exercia o poder político.

No espaço geográfico entre as cidades, assentava-se uma 1

{outra parte da população, reunida em pequenos arraiais, com- postos de algumas casas de morada e poucas de comércio. Esses arraiais se alongavsun em pequenas propriedades, em que seus habitantes plantavam milho e feijão e criavam al- gumas cabeças de gado vacum e mantinham alguns cavalos.

123) ''Viagem a Comàrca de Curitiba" (trad. de Carlos Costa Pe- reira).

(24) Salvador José Correa Coelho - obra citada. (25) Relatório in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasi-

leiro - tomo 26 - 1864 - p. 537 - 588. (26) Salvador J . C. Coelho - obra citada.

S ilustrativa a descrição feita pelo Tenente Pitanga, em 1857, nos Campos Gerais, ao longo da estrada que vai de Curitiba a Castro: Entra pelo "pequeno arraial de São Luis", composto de nove casas de palha e telha, com uxn pequeno arinazem de secos e molhados; tendo quarenta pessoas de todos os se- xos e idades; pequenos núcleos de criação de gado vacum e cavalar que não excedem a setecentas cabeças; plantação de milho e feijão". Mais distantes dêsses arraiais, pequenas propriedades com casas de palha ou telha, "de morada habi- tual". Entre São Luis e Palmeira, Palmeira e Ponta Grossa, e Castro, em vizinhança com os arraiais e com os moradores isolados, o viajante vai descrevendo grandes fazendas com

C & grandes recursos : . . . há urna fazenda de criação, com p '' mais mar e grandes roças, chamada Papagaios Velhos. . .

44 adiante, . . . a irnportante Fazenda do Alegrete, que grandes recursos pode ministrar de bois, cavalos e munição de bo-

'' Pouco mais adiante, 4 4 ca. .. rn rn m a Fazenda Cancela, com '' e depois d g . . mais numerário de gado cavalar. . . , a Fazen-

da de criação chamada Capão das Antas, que pode fazer grm- des fornecimentos de carne, farinha, feijão e transportes até trezentas arrobas em carretas" (27). E muitas outras. Nas suas "Ligeiras Noticias sobre a Provincia do Paraná", redi- gidas em 1875, dizia o Doutor. José Cândido Muricy que as maiores fortunas da Província estavam nos Campos Gerais (28). E eram detentores dessas fortunas, as famílias fazen- deiras dos Campos Gerais, que constituiarn a classe domi- nante da Província. Toda a sua estrutura social e econômica, naturalmente, se compunha tendo como centro essa classe 'senhorial.

Durante o século XVffI, ela sofrera violentas restrições ao seu poder por parte do Estado Colonial português, repre- sentado pelo Capitão General. Quando veio a revolução da In- dependência, adotaria os seus princípios liberais que a viriam libertar do poder da Capitania.

Os ideais da época da Independência representavam para as classes dominantes do Brasil, uma expectativa de reto- mada do poder, e não apenas uma separação do govêmo por-

(27) Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - tumo 26 - p. 537 - 588.

(23) J. C. Murics - "Ligeiras Noticias sôbre a Província do Para- ná" - Curitiba, 1875.

Page 8: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

tuguês. Como notou Ssrint-Hilaire, os ideais de liberalismo no Brasil despertaram a vontade de derrubar todos os poderes que se sobrepunham ao pequeno poder local. As Comarcas queriam separar-se das Províncias a que pertenciam e tor- narem-se Províncias. As Câmaras Municipais procuravam re- tomar um poder que tinham tido antes do século XVIII, li- vrando-se do poder das Comarcas e das Províncias (29). Mas, principalmente, a velha classe dos senhores da terra adotou os princípios da revolução liberal para retomar o poder que lhe tinha sido arrebatado pela organização do Estado Colo- nial português do século XVIII.

Assim, é u m dos aspectos mais profundos do revolucio- narisrno brasileiro do século liberal, o fato de que um dos sentidos da revolução está intimamente ligado à luta pelo poder local, luta entre o Capitão General e as famílias das camadas superiores locais, donas das terras e dos escravos.

Alcançada a Independência, o localisrno do poder con- tinua a luta em todo o Brasil. No Parmá, cristaliza-se no mo- vimento pela emancipação da Província. "Embora seja no seu inicio uma reivindicação da Câmara de Paranaguá em seu beneficio e o movimento tenha explicação original na revi- vência das liberdades locais espesinhadas pelos prepostos do centralismo português, a expansão da idéia se fortifica com outros acontecimentos, até que a revolução liberal de 1842 dá-lhe o grande momento de efetivaçãow (30).

Obtida a emancipação da Provincia do Paraná, em 1853, o poder local é inteiramente restituido às classes superiores locais e, especialmente, ii classe dos fazendeiros dos Campos Gerais, que passam a exercer o poder político da Província, principalmente através da liderança das famílias fazendeiras

I dos Marcondes e dos Araujos. De fato, a liderança política i exercida pelos fazendeiros se processa sob a forma de oligar- quias.

Porém, agora, nas Úitirnas décadas do século XIX, a si- tuação era diferente daquela que presidira ao desenvolvhen- to da criação de gado nas fazendas do Paraná e caracterizava- se uma crise que se manifestava pela deterioração dos ne-

(29 ) Saint - Hilaire - ob. cit. (30) B. P. Machado - "Sinopse da Hist. Regional do Paraná" -

Curitiba - 1951.

gócios de invernagem. No rlltimo quartel do século XIX, com a desintegração do sistema, acentiía-se a decadência daquela clsisse. A constante queda da produção das fazendas- e a perda dos mercados de São Paulo e Rio, constituiam talvez o seu primeiro fator, vindo depois o fim dos negócios de tropei- rismo e de invernagem pelo ' aparecimento das estradas de ferro na zona do café paulista. Concomitantemente a êsses fatores, concorriam outros: tinha-se efetivado a completa ocupação das áreas de campo, hnpedindo a colocação, no sis- tema, das novas gerações, fato êsse que se correlaciona com a emigração dos grupos familiares fazendeiros para as cidades, h procura de novos meios de vida. Mesmo a capacidade de produção das terras comprometia-se, cada vez mais, pelas sucessívas partilhas heredithrias, e dificultava a exploração econômica pelos métodos então usados. Todo um complexo de acontecimentos tinha já abatido, pela entrada no século XX, a preeminência da classe dos fazendeiros, e as terras vem didas ou arrendadas, começam a procurar outras destinaçóes, dentro de novas conjunturas que os fazendeiros não podiam enfrentar porque, entre outras razões, não contavam com ca- pitais rnobilizáveis para trabalhar suas terras de acordo com as novas situações de mercado.

Esses capitais vão aparecer em mãos de outros segmentos da sociedade, com outras motivações econômicas. Além dos uervateiros" que, desde data mais antiga, pela exportação, criaram o principal negócio sobre que se apoiavam os alicer- ces da economia da Provhcia, mas cuja base geográfica não se encontrava nas comunidades dos Campos Gerais, surgiu a indústria da madeira. Com a extensão das estradas de ferro, possibilitando o transporte pesado para os portos de Parana- guá e Antonina e para São Paulo, as serrarias de pinhttiro alastraram-se por todos os pontos onde existiam florestas de araucárias.

Os "madeireiros" não eram necessariamente donos das terras onde estavam os pinhais. Arrendavam-nas ou compra- vam apenas as árvores. E não eram, também, membros da velha classe dominante dos possuidores de terra. A indústria da madeira se inicia na década de 1880. "A indústria da ma- deira - esclarece Mário J. Affonso da Costa, exige grandes capitais e depende de muitas circunstâncias especiais para que os resultados correspondam a tantos esforços e cuidados. Desde a derrubada dos pinheiros até a entrega da madeira ao

Page 9: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

consumidor, o negócio é perigoso demandando sempre muita cautela e segurança em todas as operações, nem sempre os lucros são certos e, muitas vêzes, h& prejuiízos" (3 1) .

Os donos das terras dos Campos Gerais, t e m que se compunham de campos limpos juntamente com matas de arãucárias, vendiam, arrendavam ou negociavam os pinhei- ros. Assim, as fazendas de criaçáo tomavam outra destinaçâo, ou a elas se acrescentavaxn outras atividades.

A serraria, diz Arthur Barthelrness, "forna uma concen- tração populacional própria chegando muitas vêzes a cer- car-se de uma vila residencial com dezenas e mesmo centenas de casas de operários, em geral todas de um só tipo, que dão ao conjunto um aspecto de padronização acentuadamente monótona. Estes núcleos residenciais, com amazens, clu- bes, farmácia, etc., tudo pertencente à emprêsa, são abaste- cidos em geral diretamente pelos mercados atacadistas me- tropolitanos onde a emprêsa tem a sua sede, à inteira revelia do comércio das pequenas cidades regionais. A serraria não se integra na vida da região, permanece nela como um corpo estranho até o dia em que, pelo esgotamento dos recursos flo- restais locais, é transferida para novo sitio, levando consigo as realizações complementares" (32).

Colonização recente Foi num dêsses ambientes de mudanças econômicas e se

ciais da área, que se resolveu introduzir a colonização estran- geira, embora como continuação do programa de colonização que se estava aplicando na regi50 ccuriibana.

"As autoridades alimentavam esperança de que o sistema agrícola dissociado da criação, que caracterizava a estrutura agrária paranaense, fôsse rnodif icada pelos imigrantes euro- peus portadores de outra tradição rural'?, diz Altiva Pilatti Balhana (33).

- -- -

(31) Mário J. Affonso da Costa - ggParaná - contribuição para o estudo do comércio e das indústrias do Estado" - Rio de Ja- neiro - 1913.

(32) Contribuição para o estudo de alguns problemas de geografia econômica do Estado do Paraná, como área integrante da Bacia do Paraná - Uruguai (mimeografado) Curitiba, 1954.

(33) "Mudança na Estrutura Agrária dos Campos Gerais" - Bole- tim da Universidade do Paraná - Departamento de História, n." 3 - junho de 1963-p. 36.

Vieram os alemães do Volga que foram distribuidos em colônias, pelos campos de Ponta Grossa, Palmeira e Lapa, de

I

1877 em diante.

A instalação dêsses colonos nos Cmpos Gerais represen- tava, por um dos seus aspectos, um episódio da desagregação da velha estrutura, que se tomara tradicional: os donos das fazendas se esforçavam, aproveitando a oportunidade, por vender seus campos ao Govêrno, para a colonização. "As ter- ras compradas pelo Govêmo a fim de tnstalar os novos colo- nos foram, via de regra, antigas fazendas, e não constituiram um bloco fmico. Assim, cada uma das colônias estabelecidas nos três municípios, era composta por vários núcleos colo- niais dispersas e, por vêzes, bastante distantes urn do outro", esclarece Altiva Pilatti Balhana que estudou o fracasso dessa prbneira colonização européia nos campos Gerais (34).

Em 1913, ainda restavam niícleos das colônias dos "rus- sos" : Alegrete, Lago, Pugas, Papagaios Novos, Santa Quitéria, Taquary, Guaraiina, Marien thal, Quero-Quero e outras.

O ruidoso fracasso da colonização Mrussa" trouxe con- sigo o descrédito dos próprios Campos Gerais. A beleza pai- sagistica dêsses campos entremeados de matas de araucárias, havia arrancado de Saint-Hilaire a expressão de que se tives- se existido paraiso terrestre, deveria ter sido nos Campos Ge- rais. Essa frase, criada pelo botânico francês, era continua- mente repetida pelo povo e pelos documentos oficiais. Agora, porém, pelos princípios do século XX, o fracasso dos "russos" fazia inverter o estereotipo, como o explica Altiva Pilatti Ba- lhana: "O curioso 6 que a condenação (dos imigrantes por uma corrente de opinião) tornou-se extensiva aos Campos Gerais. O "paradis terrestre" de Saint-Hilaire, a partir dêsse cometimento mal sucedido, foi considerado impróprio para qualquer atividade agrícola e, portanto, para a colonização. Generalizada a opinião de que aquêles campos não compor- tavam outra atividade além da tradicional exploração pasto- ril, intensificou-se a procura de terras de matas para a agri- cultura".

Mas se fracassaram na agricultura, os urussos", que per- maneceram, entrosaram-se na estrutura econômica, por ou- tros meios. Criaram um sistema de transportes, que foi du-

(34) ob. cit. p. 41.

Page 10: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

rante muito tempo um elemento funcional na economia do mate. "Esse fato é-de grande significação, pois, sòmente par- ticipando do comércio do mate é que êles encontrariam uma atividade capaz de garantir a sua sobrevivência e prosperi- dade. Para isto foi, portanto, necessária a sua integração na conjuntura econômica do momento paranaense que es- tava fundamentada na exploração do mate" (35) .

Esse sistema de transporte consistia em carroções puxa- dos por muitos cavalos que, em -caravanas típicas na paisa- gem anterior ii paisagem do caminhão, percorriam todas as estradas do Paraná.

"As estradas passaram então a pertencer às carroças, diz Arthur Barthelmess, que em caravanas- de dez ou mais se deslocavam ruidosamente durante o dia, ao tilintar de guizos e estalar de chicotes, para se aglomerarem, ao anoitecer, em tomo de algum lugar de pouso, que os havia iniírneros ao longo das estradas. No pouso existia sempre uma casa de ne- gócio pronta a fornecer o milho, a palha picada e o feno e se encontrava invariàvelmente um potreiro bem cercado para guardar as alimarias durante as horas de descanso. O primei- ro carroceiro que chegava acendia a fôgueira à qual se asso- ciavam os demais trazendo cada qual a sua contribuição de lenha sêca, juntada alhures pelo caminho. Cada um possuia o seu trem de cozinha e preparava a própria comida numa bei- rada da fogueira comum, enquanto corriam na roda, sucessi- vas cuiadas de chimarrão, à moda da terra. Nunca se obser- vou, porém, nos pousos ou nas sesteadas dos carroceiros, nem a música, nem o canto. O binôrnio mate-carroça dominou a economia dos planaltos paranaenses até a década de 1930, quando ambos os seus elementos se eclipsaram quase ao mes- mo tempo, entrando a erva em colapso por causa da produ- ção argentina e cedendo lugar a carroça aos veículos moto- rizados que passaram a dominar" (36) .

A eficiência dêsse tipo de transporte está bem expressa na reclamação da Estrada de Ferro, manifestada, em -1913, por Mário J. Affonso da Costa, pelo fato de "os russos terem feito e ainda hoje fazerem concurrência As vias férreas" (37).

(35) ob. cit. p. 40. 9

(36) Barthelmess, Arthur - Contribuição para o estudo de alguns problemas da Geografia Econômica do Paraná, (mimeograf a- do), Curitiba, 1954, p. 38.

(37) Mario S. Affonso da Costa, ob. cit.

Mas não apenas nos transportes ficaram os ~russos'. De- senvolveram o comércio das "vendasw de beira de estrada, que compravam a erva e os produtos agricolas dos pequenos produtores, em geral caboclos, e os revendiam para o com& cio das cidades. Por meio dessas atividades incorporaram-se às classes dominantes das cidades, mais tarde, como grandes comerciantes.

Enquanto todos êsses elementos estavam sendo introdu- zidos na estrutura econômica e social dos Campos Gerais, a antiga classe dominante passava por profundas transforma- ções e tentativas de readaptaçáo.

Grandes fazendeiros, e latifunditirios do período provin- cial, membros da elite política do período monárquico e seus descendentes, abandonavam a terra e dirigiam-se para ou- tras atividades.

É interessante, neste ponto, como um documento signi- ficativo, o inventário do Conselheiro Jesuino Marcondes, pro- cessado em 1904. O Conselheiro era de uma família de fazen- deiros e de tropeiros dos áureos tempos dessas atividades. Na descrição dos bens inventariados, o que chama desde logo a atenção é a insignificância dos imóveis rurais. Rebento de uma notável família dos Campos Gerais, lider político pro- vincial, o Conselheiro, nos fins do século XIX, não possuia mais terras, abandonara a tradiçáo da família, não era mais fazendeiro. Sua renda provinha de investimentos em títulos da divida pública (38).

No correr das primeiras décadas do século XX, a pr* ducáo das fazendas diminuia constantemente, empobrecendo

3

os fazendeiros. O Govêrno do Estado procurava deter a deca- dbncia, promulgando leis que proibiam a matança indiscri- minada de vacas, criando postos experimentais de forrageiras, tudo, porém, inù tilmente. As fazendas se despovoavam. Em 1908, numa tentativa de repovoamento dos campos, O Go- vêrno cogitou da "abertura de uma estrada ordinária, que di- rigindo-se ao sul do Mato Grosso, permitisse a saida do gado ali abundante, para os campos do Paraná'' (39), de onde se

(38) Autos de inventário dos bens deixados por falecimento do Exmo. Sr. Conselheiro Jesuino Marcondes dPOliveira e Sa - 1904 - Palmeira.

(39) Mensagens do Presidente do Estado ao Congresso Estadual - 1908 e 1922.

Page 11: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

esperava a importação de vinte míl vacas. Mas, em 1917, o Govêrno ainda esperava resolver "o meio de comunicação no rio Parana para o trmporte do gado do vizinho Estado de Ma- to Grossop~ (40). Na Mensagem de 1918 dizia o Presidente do Estado: * r i não se tem verificado o aumento da produção de gado vacum devido a grande procura dos mercados con- sumidores e preço elevado dos produtos, o que muito vai sa- crificando essa indústria, pois os industriais atraidos pelos lucros, vão dispondo até de vacas, se esquecendo do dia de amam.hãw . . Pela estrada Guarapuava-Artmas-Sete Quedas já tem sido importado de Mato Grosso algumas centenas de cabeças de gado vacum" (41). Em 1923 foram importadas 3.150 vacas, em 1924 a importação atingiu a 7.190, e espera- va-se, para 1926, a importação de 9.660, provenientes de Mato Grosso (42).

De qualquer forma, não se reconstituiu uma situação co- mo aquela em que se havia apoiado a antiga sociedade rural.

Os Campos Gerais tinham sido área predominante na estrutura econômica e social do período provincial. Essa es- trutura é que se estava desagregando.

Outras regiões do Estado estavam iniciando a sua as- censão dentro de novas estruturas que começavam a se for- mar.

Já, em 1894, o Presidente do Estado alertava o Congresso Estadual, depois de informar que os paulistas e mineiros ti- nham iniciado plantações de café na área que hoje se denomi- na "Norte pioneiro", sôbre a necessidade de ocupar-se êsse território : "0 povoamento das f ertilíssimas regiões do imen- so sertão Oeste do Estado é assunto que deve ocupar a vossa atenção, pois que é 1á que há de desenvolver-se a agricultura, e especialmente a grande lavoura do café, já iniciada com ótlmos resultados nos vales dos rios Paranapanema, CJnzas

A medida que o Norte do Estado ia formando-se, os Cam- pos Gerais iam passando para um segundo plano, na admi- nistração estadual,

(40) Mensagens, idem, 1917. (41) Mensagem, idem, - 1918. (42) Mensagem, idem, - 1925. (43) Mensagem, idem, - 1894.

Na Mensagem de 1906, o Presidente inforxnava que a Fs- trada de Ferro São Paulo'- Rio Grande estava atingindo-.Ja- guariaiva e que dai partiria .um ramal demandando re- giões do Cinzas e do- Paranapanema, e manifestava a espe- rança de que, em breve tempo, o café paranaense pudesse ser exportado por Paranaguá. "Pelas distâncias e dificuldades de comunicação com o centro do Estado - dizia a Mensagem - estão a população e o comércio dessa riquissima zona subor- dinados quase que a São Paulo, pelas comodidades que ihes oferece a facilidade de transporte para ali. - Há positiva neces- sidade de conjurar isso, construindo estradas, e assim ter-se-á - incorporado à riqueza do Estado, toda a fertil produção da

Enquanto &se processo administrativo se desenvolvia, e desenvolvia-se também o processo de mudanças na estrutura social e econômica dos Campos Gerais, outro acontecimento de maior relevância histórica se iniciava na década de 1920. Na Mensagem de 1922, o Presidente do Estado informava: "Mais de quinhentas familias oriundas do Rio Grande do Sul e Estados lirnitrofes, têm se estabelecido neste ul thos tempos em terras do nosso Estado, principalmente nos Muni- cípios de Palmas, Fóz do Iguassú. . . ?' (45).

Começara outro processo de deslocamento de populações em direção iis terras do Paraná. Os riograndenses do sul, ex- pelidos pelo rninifúndio, de suas terras agrícolas, iniciavam a ocupação das terras do Sudoeste e do Oeste do Paraná, com as suas riquissimas lavouras de cereais, e criava-se, para o Estado do Paraná, mais um problema de integração daquelas tireas a economia paranaense. Problema que se coloca nos dias de hoje.

Como nos tempos do tropeirismo, os Campos Gerais trans- formaram-se novamente em "zona de passagem", agora pas- sagem em direções diferentes.

O último movimento de expansão das populações dos Campos Gerais foi feito na direção do Tibagi. A nordeste des- sa cidade passa-se da região dos campos para a zona mista de matas e campos, e logo mais sobe-se a escarpa do segundo pa- ra o terceiro planalto das matas tropicais. Tibagi foi "a par-

(44) Mensagem, idem, - 1908. (45) Mensagem, idem, - 1922.

Page 12: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

tir da segunda década dêste século, etapa principal de uma pequena região pioneira. Em 1926, a frente pioneira estava em Ortigueira, Lageado Bonito, Caetê e São Jerônixno. Fa- xina, antigamente chamado Faxina1 de São Sebastião, era um posto avançado dessa frente, fundada em 1920. Em Mon- te Alegre já existia, no ano de 1926, um latifUndio. Tibagi tinha, então, a s maiores vendas dos Campos Gerais parana- enses, depois de Ponta Grossa. Ela exercia função de centro de mineração e de lugar de balãeação nos transportes. De Ponta Grossa a Tibagi, podia-se viajar de automovel; de 16 para Ortigueira, ia-se de carroça, e, dai em diante, para o sertão, partiam de Tibagi tropas que chegavam até o Faxi- nal. .. Só em 1929 começaram a transitar caminhões até Or- tigueira, então denominada Queimadas. A frente pioneira era formada pelos "safristasm (criadores de porcos), que nos le- garam a atual ghost landscape. Por essa altura, a frente pio- neira paralizou-se . Houve duas razões principais que concor- reram para uma drenagem humana que a deteve: o avanço de uma nova frente pioneira muito mais importante no Nor- te do Paraná, a partir de Londrina, em 1932, e a constituição da indústria de papel e celulose Hlabin S. A., de Monte Ale- gre, em 1935. Tibagi permaneceu, assim, uma cidade estagna- daw (46).

Nos dias atuais encerrou-se a possibilidade de expansóes populacionais para ocupação de áreas novas no Parana. To- do o território do Estado já está ocupado. As zonas agrico- Ias fornadas nos terrenos das antigas florestas, isto é, o Nor- te, o Oeste e o Sudoeste do Paraná, com suas populaç6f% pio- neiras, seguem o seu desenvolvimento como que natural, pró- prio da evolução da agricultura brasileira.

Nas terras de campo, onde se desenvolveram estruturas históricas que se desagregaram ou estão desagregando-se, e onde se criaram motivações que se esgotaram ou estão esgo- tando-se, é que os problemas humanos, sociais e econômicos se apresentam com aspectos diferentes, que não podem mais se resumir na simples continuidade histórica.

O geógrafo Orlando Valverde, percorrendo o Paraná, em 1957, com a comissão de geógrafos do XVIII Congresso Inter- nacional de Geografia, percebeu com lucidez a situação: "0

- --

(46) Orlando Valverde "Planalto Meridional do Brasil" - Rio - 1957 - p. 194-7.

grande problema do Paraná é o aproveitamento dos campos. A área total do Estado regula em 200.000 krns. .quadrados, Desta área, 33.000 Inns. quadrados, ou sejam, 16 % são ocupa- dos por campos naturais" (47).

Entre as soluções que se encarninhararn, conta-se a da imigração estrangeira, que, de um modo geral, pode ser divi- dida em duas fases: a das 'colônias~ que poderia ser chamada de tipo camponês; e das "colônias" de tipo capitalista que se d e s e ~ v o l v e ~ em fornações cooperativistas . e que, ainda, es- tão vivendo a sua experiência, como as dos holandeses, dos menonitas, dos japoneses.

O sistema de colonização estrangeira no Paraná, desde o tempo da Província, pretendia estabelecer no Estado uma "civilizaç~" camponesa, à maneira da Europa. Formavam-se colônias com distribuição de terras para a agricultura, no regime das pequenas propriedades agrupadas ao redor de .uma aldeia, visando o abastecimento das cidades. Os colonos, que eram camponeses europeus, deveriam aqui desenvolver - a mes- ma atividade que exerciam em seus países de origem, com as mesmas técnicas.

Sabe-se, hoje, porém, que, inserindo-se num contexto dife- rente, &se tipo d e "civilização" camponesa que se almejava, não vingou. Embora tenham êsses colonos exercido uma in-

w

fluência marcante no meio social paranaense, de modo, mes- mo. a alterax profundamente a velha tradição brasileira, O

fató é que essás comunidades se adaptaram a um nivel so- cial e econômico existente, e por meio de processos acultura- tivos se integraram nas estruturas tradicionais.

Acresce que durante todo o período da implantação e desenvo1vimento daquelas comunidades, a seu respeito os es- tudiosos brasileiros criaram uma certa imagem, que pode ser representada pela expressão aplicada à cultura luso-bra- sileira de "uma cultura ameaçada"; é que a ideologia que ali- mentava a "intelligentsia" nacional a respeito da imigração era de que os imigrantes deveriam assimilar-se completa- mente, culturalmente falando, &s configurações tradicionais do Brasil. Em consonância com essas idéias, a maior parte dos estudos sobre imigração, no Brasil, são estudos de acuE turação,

(47) Orlando Valverde, ob. cit.

Page 13: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

. . +Aquelas imagens,. porém, desapareceram, .Com o cresci- mento . _ do rítmo do desenvolvimento . , econômico planejado dês- tes iutimos anos, não é problema essencial para a ideologia nacional a conservação de uma cultura monolítica, e o mo- saco cultural brasileiro não representa mais ameaça. A pró- pria política brasileira visa & transformação estrutural dos velhos núcleos da nacionalidade, no sentido da sua moderni- zação. Agora, em consonância com as diretrizes dominantes da ideologia do desenvolvimento, que visa a integração econô- mica da nação, os estudos sobre a população brasileira ten- dem a assentar-se sôbre êsses problemas de integração, no sentido de remover as instituições que se constituem obstá- culos ou resistências ao desenvolvimento econômico, entendi- do como um fenômeno global.

Assim, a problemática relevante não é mais a questão da aculturação de imigrantes, mas o processo pelo qual êles se inserem dentro do próprio processo da integração nacional.

Fazenda Cancela

Os menonitas que, nesta fase, se instalaram nos Campos Gerais, adquiriram a fazenda Cancela, a u m criador de gado.

Esta Fazenda, na história da sua forrnação, representa bem urna das etapas da evolução social rural dos Campos Ge- rais. Não foi uma propriedade que, desde suas origens no sé- culo XVIII, tivesse passado irateiriça de geração em geração. Era uma propriedade reconstituida. O fazendeiro Roberto Glasser comprou-a aos pedaços e em tempos diferentes, no de- correr de 22 anos, isto é, de 1921 a 1943.

Sua extensão final e total era de 3.850 alqueires, com- pondo-se de áreas desmembradas de grandes fazendas tra- dicionais, pelo sistema legal da sucessão hereditária acom- panhada da dispersão da família fazendeira tradicional. Os nomes das suas invernadas estão a indicar que eram partes desgarradas de outras fazendas de criação dos Campos Ge- rais, que eram formadas de unidades de campo, com denomi- nação própria: Cancela, Sumaca, Ruicão do Salto, Curral No- vo, Curral Novo de Baixo, Caxambú, Sono, Desbarrancado, Alegrete, Cupim. . . , algumas delas com centenas de alqueires de extensão.

'- .- i*. C

A sede encontrava-se na invernada da Cancela que dava

Page 14: MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação Histórica In BALHANA, A. P. et all. Campos Gerais, estruturas agrárias. Curitiba  UFPR, 1968

o nome geral da Fazenda. Ali havia, quando adquirida por Hoberto Glasser, uma casa de residência, feita de adobe, atestando que fara, desde há muito, sede de uma fazenda. O novo proprietário construiu junto, e continuando, uma nova ala da residência, feita de madeira de pinho, de dois pavimen- tos, a moda das casas de madeira construídas no Paraná, de- pois da fundação de serrarias que exploravam as florestas de araucária.

Segundo a maneira tradicional, as instalações aglomera- vam-se ao redor da casa senhorial: Uma construção de ma- deira como alojamento dos empregados, as mangueiras (cur- rais), as estrebarias, o galinheiro, o chiqueiro, os potreiros e, mais recentemente, uma garagem. -

Esse conjunto foi levantado nas proximidades de dois riachos, o Cancela e o Sono, que serviam de fonte para a água que se usava na Fazenda, e onde foi instalado um carneiro hidráulico.

O proprietário, porém, residia em Curitiba, mantendo na Fazenda um capataz que, sob as suas ordens, administrava todo o serviço.

Nêsses campos, os menonitas fundaram a colônia Nova Witmarsum.