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LUZIA MARTA BELLI NI ADFUANO RODFUGUES RUI@ Bem vindos, amigos, 5 imaginação científica!! O que queremos ao ensinar ciências as crianças e aos jovens? Por que ensinamos ciências a eles? Seriam perguntas banais se não tivéssemos ouvindo o eco da saudação de Jorge Wagensberg a biólogos, fisicos e matemáticos no encontro do Museu de Ciências de Barcelona em 1987 para meditar e pensar sobre ciência e filosofia: "Bem vindos, amigos, a imaginação científica!" Ouvindo sua saudação perguntamo-nos: A escola tem permitido o exercício da imaginação científica entre as crianças e os jovens? Acreditamos que não. Embora esforços sejam feitos por muitos pesquisadores preocupados com a educação para a ciência, esta ainda está adormecida nos braços de uma instituição que não mudou sua organização espaço-temporal desde que apareceu em nossa cultura moderna. A organização escolar traz em seu interior um traçado moderno, o do funcionamento das primeiras fábricas, um legado medieval quando trata da aprendizagem científica e uma herança mais antiga ainda que é a da primazia da burocracia em detrimento do corpo de ensino. Estes laços, em nossa visão, amarram a imaginação e a criatividade dos alunos em aulas de ~ Professora Doutora da Universidade Eskdual de Maringá, PR. I ' Professor Doutor da Universidade Estadual de Maringá, PR. 167

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LUZIA MARTA BELLI NI ADFUANO RODFUGUES RUI@

Bem vindos, amigos, 5 imaginação científica!!

O que queremos ao ensinar ciências as crianças e aos jovens? Por que ensinamos ciências a eles? Seriam perguntas banais se não tivéssemos ouvindo o eco da saudação de Jorge Wagensberg a biólogos, fisicos e matemáticos no encontro do Museu de Ciências de Barcelona em 1987 para meditar e pensar sobre ciência e filosofia: "Bem vindos, amigos, a imaginação científica!"

Ouvindo sua saudação perguntamo-nos: A escola tem permitido o exercício da imaginação científica entre as crianças e os jovens? Acreditamos que não. Embora esforços sejam feitos por muitos pesquisadores preocupados com a educação para a ciência, esta ainda está adormecida nos braços de uma instituição que não mudou sua organização espaço-temporal desde que apareceu em nossa cultura moderna.

A organização escolar traz em seu interior um traçado moderno, o do funcionamento das primeiras fábricas, um legado medieval quando trata da aprendizagem científica e uma herança mais antiga ainda que é a da primazia da burocracia em detrimento do corpo de ensino. Estes laços, em nossa visão, amarram a imaginação e a criatividade dos alunos em aulas de

~

Professora Doutora da Universidade Eskdual de Maringá, PR. I

' Professor Doutor da Universidade Estadual de Maringá, PR. 167

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cinqüenta minutos em salas com carteiras emeiradas (como nas fábricas). No lugar do estimulo para a capacidade de imaginar, experimentar e criar, a escola cultiva uma passividade mental para o receituário dos livros didáticos e trata as ciências com um ensino de natureza medieval, tomando os alunos meros repetidores de lições dos livros.

É este um empenho para aprender/fazer ciência? O filósofo John Passamore disse que não. A aprendizagem em ciência nada tem a ver com a rotina, menos ainda com o lugar comum dos livros didáticos. Passamore (apud Sagan, 1996, p.336) chamou nossa atenção quando apontou essa rotina nas instituições de ensino:

N ã o se iêern as obras dos grandes cientistas, nem as contribuições diárias pura a iiteraíauu ciengfiia (..J Ao conirtaio do humanista iniciante, o cientista iniciante não tem contato com o gênio. Nu reaudade I...) os cursos escolares podem &air pura a ciência o üpo totalmemi? errado de pessoa - meninos e meninas que gostam de rotina

São poucos os estudantes que seguem carreira científica, alerta Sagan. Parece que a escola tem apostado na rotina, não motivando, assim, seus jovens a procurar a matemática, a fisica, a química, a biologia e outras áreas da vida científica. A imaginação nada tem a ver com esse fazer aprisionado no tempo e espaço escolar adornado por livros nada desafiadores ao exercício intelectual e afetivo. Quando esquecemos ou omitimos a beleza e a criação dos conhecimentos para realçar os chamados conteúdos obrigatórios e seqüenciais não estaremos, como escreveu Bruno Bethelhein, impedindo que a aima da criança ressoe em comunhão com os conhecimentos?

Muitos pensadores e cientistas falaram de suas experiências com o mundo natural: Goethe, Kepler, por exemplo. Eles nos deixaram pistas para pensar a iniciação

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as ciências exaltando a beleza do mundo e do pensamento humano.

Imaginação científica e experiência estética

Para Kepler que o homem quando cria está pensando objetos de beleza, pensar objetos da natureza é uma experiência estética: o contraste das cores, o canto dos pássaros, o campo gravitacional, o andar de uma centopéia, as flores que se abrem em pencas, os dezessete anos da cigarra Magicinata vividos debaixo da terra antes de sair, crescer, cantar e se reproduzir, as entonações da voz humana são realidades do nosso mundo e são "objetos" de nosso pensar.

O fazer ciência não está separado do exercício do prazer. O matemático Huntley avisou: "senão para contemplar a beleza da harmonia, não valeria a pena dedicar-se 5 ciência". Quem não se admira, ao saber que podemos "ver" uma seqüência matemática, a chamada seqüência Fibonacci, em pétalas de flores? Que podemos "observar" a regularidade do número primo no gênero Magicicata das cigarras que vivem 17 anos sugando pacientemente a raiz das árvores? Ou que a parte interna de um pequeno caracol descreve curvas matemáticas?

Goethe, há mais de um século, falou desse vínculo entre ciência e arte. Ressaltava o papel do OBJETO na ciência: ele faz o cientista pensar e criar, estabelecer relações. Observar os objetos, experimentar, criar relações entre as coisas do mundo são exercícios de nossa inteligência, pois as relações não estão no material, somos nós quem as estabelecemos, nós as criamos, as imaginamos. Objeto, observação, experimentação são necessidades para nosso pensar o mundo das coisas, são parte da aventura do pensar, como disse Kant.

Na iniciação a ciência vaie resgatar a sensibilidade para aguçar a imaginação dos aprendizes: "A natureza

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ama esconder" disse Heráclito e, talvez, nossos esforços mais fecundos seriam o de dar asas a nossa imaginação para compreender o que a natureza está nos dizendo. Dessa busca de entendimento do que são os fenômenos naturais de nosso mundo faz surgir nosso estilo de pensar. Os objetos ao redor das crianças, seus "olhares curiosos e pensantes" e a imaginação dão os movimentos para a criatividade científica. Se retomarmos a admiração de Goethe na "A Metamorfose das Plantas", de 1798, (Citati, 1996, p. 321, quando descreveu:

I...) cada plnnfa brota da semente e conjùl aos nddados da luz e deücdísima esúutiua das foihas nascentes: como a fouta se expande. se recorta se diuide em partes e pontas: .faiuda e denfeada sobre a supe@kie irmrnescida; como se contrai, erguendo suüi e rapidamente o caule e abrindo o &e pró.go em coroias coloridas e suntuosas, como a j b r onduia sobre a ágil armaçáo das f o h mutáveis ejkahwnte se contrai mais uma vez. formando as inúmeras sementes, emaranhadas no regaço matemo dos frutos.

Talvez o "objeto" natureza as crianças pudessem sair da cultura padrão de pensar ciência. Observar/pensar a cor e a forma das flores de "onze horas" que se abrem coloridas entre 10 horas e meio dia; do girassol girando e nos surpreendendo com a beleza, a harmonia e o desenvolvimento dessas plantas estaríamos fugindo da rotina dos bancos escolares e do mundo mecanicista dos livros didáticos. Mais: Não separaríamos o cientista do artista pois os aprendizes das ciências comporiam os objetos de nosso mundo, delicadamente traçando os detalhes de seu corpo, sua composição, suas cores. Nesse caminho, por que não pensar os hexágonos tão perfeitos de uma colméia? Seriam as abelhas geômetras? A curva exponencial descrita pelas bactérias em seu crescimento? Como andam as centopéias com tantas patas?

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A aventura do pensar objetosjfenómenos da natureza é um caminho para a ciência, para o conhecimento e para inteligência.

Goethe falava em "reunir uma seqüência de experiências superiores" para "o entendimento, a imaginação, a perspicácia". O cientista da natureza não pode se desvencilhar dos objetos naturais, nem prescindir das experimentações, pois há uma grande diferença entre uma demonstração matemática e uma demonstração científica na botânica ou com objetos da natureza.

Há duzentos anos atrás, Goethe apontou o espaço qualitativo das operações mentais (que chamou de senso comum), sem dicotomizar objeto e sujeito, sem separar imaginação e ciência e sem isolar um objeto de outro próximo, lançou as bases para se pensar (e praticar) com aprendizes da ciência (crianças e jovens) os caminhos das ciências da natureza ao mesmo tempo em que priviiegiou a natureza com seus incontáveis processos de vida e morte. Entendemos que, em Goethe, encontramos aqueles "elos" perdidos com nosso mundo natural: o espanto com a forma dos seres vivos, o deslumbramento com as cores, os sons, passos para uma estética do belo/ciência, educação ambiental/educação científica.

Nas instituições escolares e de pesquisa talvez tenham sido esquecidas a natureza, as cores e as formas e que os seres vivos são unidades que se relacionam entre si, pois a ciência da natureza, quando se separa da imaginação, passa a ser somente uma reunião de dados secos para nossa educação científica.

Crianças em comunidade de conhecimento: aprendendo ciências

Imaginemos uma escola onde as crianças, independente de suas idades, estejam em salas, laboratórios e/ou oficinas trocando conhecimentos

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matemáticos, conhecimentos sobre plantas, bichinhos, elaborando hipóteses acerca do movimento das bolinhas de gude, sombras etc. As cadeiras, evidentemente, não seriam como as de hoje: ordenadas uma atrás da outra, nem as crianças estariam “seriadas” por idade e, menos ainda, os conhecimentos seriam chamados de “conteúdos”, em uma seqüência de ciências fragmentadas.

Essa idéia - utopia para a educação - tem sido experienciada por Seymour Papert, lógico-matemático, que escreveu o livro A família conectada. Nessa utopia, a educação, seguramente, não está a serviço de nenhum utiiitarismo.

Qual a natureza dessas comunidades? Vivenciar os diferentes conhecimentos a partir de desafios e do pluralismo epistemológico como dísse Papert. Ou seja, pensar, falar, resolver, propor soluções como nas palavras do matemático Ian Stewart no íivro Os números da natureza (1996: 12/17), buscar belezas no meio em que estamos:

~

H á muita beleza nos indícios da nafureza e todos nós podemos reconhecé-ia sem quaiquer treino em matemática [...I Você pode brincar com muitas muito possiueimente com o modo pelo qual a matéria está disb-ibuída por todo o unluerso.

A exploração de jogos matemáticos com baralhos, jogos de damas, xadrez e de padrões de folhas, flores, frutas e pequenos animais leva-nos a (reldescobertas das ciências e dos cientistas: padrões numéricos, geométricos [formas), movimentos. As crianças são boas observadoras desses padrões e os redescobrem estabelecendo um vínculo entre a matemática e a natureza. Stewart (idem: 16) chamou nossa atenção para o que ele denominou padrões matemáticos na natureza:

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O amor da nnhueza peias üsfras e mnnchas se estende ao reino animal com os tigres e os leopardos. as zebras e as girafas. As formas e os padrões encontrados nos animais e plantaç constituem um solo féral para os que têm uma mente matemtctica por exempio, por que multas conchas formam espirais? Por que as estrelaç do mar são dotadas de um co@unto simétrico de braços?

Ao lado desses padrões, temos o movimento. A locomoção de uma centopéia foi uma fonte de atração e de hipóteses sobre seu harmonioso movimento entre as crianças do Lar Escola em Maringá3 nossas atividades de “exploração cienütlca” de plantas a animaidnhos em um exercício próximo ao que chamamos de jogos biológicos.

No penodo de maio a dezembro de 1998, recorremos a idéia de Papert para o trabalho com as crianças: grupos de diferentes idades participaram de jogos matemáticos e de atividades em ciências, no caso, biológicas. Os grupos foram formados por crianças que pertencem a Za e 3a série do 1’ grau do ciclo formal, com idades entre 7 e 12 anos de idade.

O trabalho de iniciação a matemática teve como fonte de inspiração os estudos piagetianos acerca da gênese de conceitos matemáticos, tais como: número, proporcionalidade, arranjos e probabilidades, que mostram a existência de uma “matemática das crianças”. F’iaget mostra que nos aproximamos dos conhecimentos por meio de um processo que envolve sucessivas reorganizações, com os raciocínios lógicos precedendo as relações numéricas e às leis métricas. A jornada de aproximação tem como sentido de trânsito

9 Lar Escola da Crianp de Marlngá - PR é uma Instituição religiosa de Irmãs Murialdinas que recebe 300 crianças por dia em dois períodos, manhã e tarde. no contra turno escolar. As crianças, de 6 até 13 anos, têm aulas de “reforço” escolar além de atividades como marcenaria, costura, bordado, pintura, música. Nosso laboratório era chamado de Oficina de Ciéncias com atividades uma vez por semana com dois grupos de i5 crianças durante os anos de 1998 e 1999.

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uma abordagem que se detém, inicialmente, nos aspectos qualitativos (iógicos) para, posteriormente, alcançar os caracteres quantitativos (numéricos ou mt5tricos) .

Em seu livro Para onde vai a educação?, Piaget (1980: 17) aponta o culto ao cálculo, a quanblficação, como obstáculos para a aprendizagem e imaginação:

sobretrcdo possíuel - e nbs o ver@amos em diversos casos - que o visucesso escolar em tal ou tal ponto decorra de uma passagem cierru&c& rhpida da esfmfma qualítattva dos problemas [por simples raciocínios iógicos. mas sem a iniroduçáo imediuta das reIact.es nwné7icas e das leis métricas) para a esquematizaçáo quanh%rtiua ou matemdaca ím sentido das equaçóesjri elaboradas) usada habitilalmente pelo fiico. [...I mesmo no campo da matemátiça miùtosfracaçsos escolares se deuem àquela passagem muüc rápida do quautativo &gim) Para 0 q- . o [numélico).

Com preocupações dessa natureza, exploramos jogos e situações que requerem avaliação qualitativa de probabilidades. A titulo de exemplo, vamos apresentar duas situações que apresentamos para as crianças em outubro/98:

Roleta A Roleta B Roleta C

- Quero apostar no número 1, em qual roleta

Algumas respostas que registramos: Jul (9 anos]

tenho mais chance de ganhar na i3 ou na C?

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Aponta o 1 da B e diz "Aqui tem mais chance porque é maior"

Ant (11 anos)

Alin (9 mos)

Aponta a B e diz "Roda menos, os espaços são maiores e tem mais chance".

Aponta a B e diz "Porque este tem menos números (61, este tem mais (8)"

- Quero apostar que a roleta vai parar na parte escura. Tenho mais chance de acertar apostando na roleta B ou na roleta C?

Ant (11 anos) "É a mesma coisa, tem 4 contra 4 (c) e 3 contra 3

Tia (10 anos) "Acho melhor apostar no C, tem mais espaços

IB)"

pretos"

No terreno das ciências biológicas e da fhica elementar buscamos um caminho para além das denominações biológicas sem significado, ou seja, pensamos em estabelecer relações entre os objetos da natureza e as crianças a partir da observação, da reunião, da classificação, dos desenhos [padrões) etc.

A idéia mais forte podemos dizer que vem da inspiração a partir das reflexões de Stewart lidem: 13):

O ano tem 365 dias - aproximadamente. As pessoas têm duas pemas. os gatos, quatro e os insetos seis. as aranhas. oito. As estrelas-do-mar têm cinco braços (ou dez, 11, e mesmo 17, dependendo da espécie. (. . J Um padrão muita cwioso ocorre nas pétalas dasflores. Em quase todas elas, o niunero das pétalas é um dos que ocorrem nesta esb-anha s e q ü ê w 3. 5, 8, 13, 2i, 34, 55, 89.

Pode ser espantoso, mas 3 + 5 = 8, 5 + 8 = 13 e, assim por diante. É o que chamamos de regularidade matemática. E essa série seqüenciai chama-se série de

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Fibonacci, em homenagem a Leonardo Fibonacci, matemático do século XViI. Essa mesma seqüência - que sempre estabelece uma razão de 1,6 - ocorre em outros lugares da natureza: nos cones das cicadáceas, nas fileiras das escamas do abacaxi (elas têm 8 fileiras de escamas que se inclinam para a esquerda e 13 para a direita).

Em um dia de novembro/98, quando chegamos para uma "exploração" científica com as crianças, elas lutavam entre si, jogando uma pobre centopéia um contra o outro. Esse "objeto" foi cenário de surpreendentes hipóteses. Para elas, a centopéia era um "piolho de cobra". Perguntamos: "Há cobras por aqui?" E daí, distinguiram-na das cobras porque a centopéia tinha anéis (Sílvio, i1 anos). Para Rafael ela tinha 50 patas de cada lado e para Tiago, a "casa" dela não podia ser igual ii da vespa, pois esse bichinho não tinha asas e, mesmo se as tivesse, não poderia morar em um lugar igual, o corpo era maior.

Esse espírito formulador de perguntas e hipóteses, as crianças já haviam demonstrado em outubro/98, quando mago R, Tiago F., Daniele, Israel, William, Alien, Leanderson, Mayara, Donizete e Sílvio "cataram" na harta e no jardim da escola mangas, mamão, sempre-vivas, limão, folhas de mamão, camarão (flor), folhas de figo, grama, paus, pedras, pedaçosdecasadevespasedeabeihas.

De volta para as mesas, as crianças separaram o material sem que tivéssemos solicitado. Sílvio separou seu material em comestiveis e não comestiveis; Israel separou em folhas com nervuras paralelas e em ramos; Mayara e Tiago separaram as sempre-vivas e formularam a hipótese de que essas flores eram parentas do girassol e do sol. Donizeti e William

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separaram em folhas grandes e pequenas. Alien separou em grupos de folhas, de frutos e de flores.

Lembremo-nos de Goethe: "quanto mais se habituar a pensar, isto é, a comparar o que é semelhante e separar o que não é semelhante" quanto mais nos aproximaremos da ciência. Mais ainda, recordemos Piaget: biologia classifica os objetos com os quais trabalha, elucida suas relações (...) por meio das observações dos seres vivos". E, com Ian Stewart, lembremo-nos da idéia de que a natureza "é sutil, simples (...)" e nos deixa pistas para quebrarmos a cabeça como um Sherlock Holmes cientifico.

Nessa experiência de 1998, tivemos algumas surpresas na primeira abordagem com a comunidade de crianças do Lar Escola: a classificação, a observação e a busca de padronização foram os caminhos das crianças como pequenos cientistas. Valeu gritar em coro com Wagensberg: "Bem vindos, amigos, a imaginação científica!"

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