42
Marcos Rochedo Ferraz Comportamento Animal Manual de

Manual de Comportamento Animal

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro voltado para a área de Etologia e publicado pela Editora Rubio.

Citation preview

Page 1: Manual de Comportamento Animal

Manual de Com

portamento Anim

al

Marcos Rochedo Fer raz

Marcos Ferraz

Compor tamento AnimalManual de

Outros títulos de interesse

Angústia e Existência na ContemporaneidadeJurema Barros Dantas

Autismo e Morte – Série Distúrbios do DesenvolvimentoLetícia Amorin / Francisco B. Assumpção Jr. (Org.)

Bizu de Biologia – 2.700 Questões para ConcursosLeonardo da Silva Vidal /Marco Pinheiro Gonçalves /Mildred Ferreira Medeiros /Tatiana Amorim Muniz de Alencar

Dependência, Compulsão e ImpulsividadeAnalice Gigliotti / Angela Guimarães

Drogas – Guia para Pais e ProfessoresGustavo Henrique Teixeira

Diretrizes Gerais para o Tratamento da Dependência QuímicaABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas)

Interlúdios em Veneza –Os Diálogos Quase Impossíveisentre Freud e Thomas MannAbram Eksterman

Investigando Psicanaliticamenteas PsicosesDécio Tenembaum

Transtornos Comportamentaisna Infância e AdolescênciaGustavo Henrique Teixeira

O Reizinho da Casa – Entendendo o Mundo das Crianças Opositivas, Desafi adoras e DesobedientesGustavo Henrique Teixeira

Saiba mais sobre estes e outros títulos em nosso site: www.rubio.com.br

Sobre o autor

Marcos Rochedo FerrazProfessor Adjunto do Departamento de Farmacologia e Psicobiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Coordenador da disciplina de Etolo-gia do Curso de Ciências Biológicas da UERJ.

Professor do Núcleo de Disciplina em Ciências Biológicas da Univer-sidade Gama Filho (UGF), RJ.

Doutor em Ciências pela UERJ.

Mestre em Biologia pela UERJ.

Bacharel em Ciências Biológicas pela UERJ.

O Manual de Comportamento Animal tem como objetivo explici-tar o conceito de etologia aos leitores, a par tir da análise dos

“hábitos” dos animais em uma perspectiva biológica, evolucionista, usando os métodos científico e comparativo como ferramentas de estudo. Abordando conceitos elementares, este livro inclui um breve histórico, as primeiras questões e a teoria do gene egoísta; descre-ve alguns dos diferentes padrões individuais e de comportamento; e apresenta um ensaio sobre o comportamento humano, com base na etologia.

A presente obra não pretende esgotar o tema, mas se propõe a ser um manual completo e simplificado sobre o assunto. O objetivo é preencher a necessidade de um texto em língua por tuguesa para as aulas dessa disciplina ministrada nos cursos de Ciências Biológicas em universidades de todo o País.

Esperamos que esta abordagem simples e dinâmica torne acessí-vel o estudo científico do compor tamento animal e incentive o aprofundamento deste assunto, simplesmente fascinante.

Manual deCompor tamento

Animal

Marcos Fer raz

Manual de Comportamento Animal.indd 1Manual de Comportamento Animal.indd 1 26/10/2010 17:59:0126/10/2010 17:59:01

Page 2: Manual de Comportamento Animal

Manual comport animal_cad zero.indd 6Manual comport animal_cad zero.indd 6 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 3: Manual de Comportamento Animal

MANUAL DE COMPORTAMENTO ANIMAL

Manual comport animal_cad zero.indd 1Manual comport animal_cad zero.indd 1 20/10/2010 17:17:4120/10/2010 17:17:41

Page 4: Manual de Comportamento Animal

Manual comport animal_cad zero.indd 2Manual comport animal_cad zero.indd 2 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 5: Manual de Comportamento Animal

MARCOS ROCHEDO FERRAZProfessor Adjunto do Departamento de Farmacologia e Psicobiologia

da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).Coordenador da disciplina de Etologia do Curso de Ciências Biológicas da UERJ.

Professor do Núcleo de Disciplina em Ciências Biológicas da Universidade Gama Filho (UGF), RJ.

Doutor em Ciências pela UERJ.Mestre em Biologia pela UERJ.

Bacharel em Ciências Biológicas pela UERJ.

MANUAL DE COMPORTAMENTO ANIMAL

Manual comport animal_cad zero.indd 3Manual comport animal_cad zero.indd 3 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 6: Manual de Comportamento Animal

Manual de Comportamento AnimalCopyright © 2011 Editora Rubio Ltda.

ISBN 978-85-7771-060-7

Todos os direitos reservados.É expressamente proibida a reproduçãodesta obra, no todo ou em partes,sem a autorização por escrito da Editora.

Produção e CapaEquipe Rubio

Editoração EletrônicaCristiana Ribas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Ferraz, Marcos RochedoManual do comportamento animal / Marcos Rochedo

Ferraz. -- Rio de Janeiro : Editora Rubio, 2011.

BibliografiaISBN 978-85-7771-060-7

1. Animais - Comportamento I. Título.

10-11484 CDD-599.74428Índices para catálogo sistemático:

1. Animais : Comportamento : Zoologia599.74428

Editora Rubio Ltda.Av. Franklin Roosevelt, 194 s/l 204 – Castelo20021-120 – Rio de Janeiro – RJTelefax: 55 (21) 2262-3779 • 2262-1783E-mail: [email protected]

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Manual comport animal_cad zero.indd 4Manual comport animal_cad zero.indd 4 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 7: Manual de Comportamento Animal

Colaboradora

MARCIA MARTINS DIAS FERRAZ

Doutora em Ciências pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).Mestre em Biologia pela UERJ.Bacharel em Ciências Biológicas pela UERJ.

Manual comport animal_cad zero.indd 5Manual comport animal_cad zero.indd 5 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 8: Manual de Comportamento Animal

Manual comport animal_cad zero.indd 6Manual comport animal_cad zero.indd 6 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 9: Manual de Comportamento Animal

Dedico esta obra à minha fi lha Isabela e à minha esposa Marcia, que formam comigo o que denominamos lar.

Manual comport animal_cad zero.indd 7Manual comport animal_cad zero.indd 7 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 10: Manual de Comportamento Animal

Manual comport animal_cad zero.indd 8Manual comport animal_cad zero.indd 8 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 11: Manual de Comportamento Animal

Agradeço sinceramente a todos os estudantes do curso de Ciências Bioló-gicas da UERJ que passaram pela disciplina de etologia, pelas discussões extremamente produtivas que realizamos, pelas dúvidas colocadas, pe-los questionamentos, pelas críticas muitas vezes ácidas e, sobretudo, pelo clima extremamente cordial e afetivo que sempre existiu em nosso meio. Cada turma deixou sua marca na história da etologia da UERJ e no meu co-ração. Em algumas delas, a discussão quase emperrava na eterna polêmica criacionismo versus evolucionismo. Em outras, a discussão acerca da teoria do gene egoísta e da seleção natural consumiu boa parte do tempo. Foi por conta desses momentos fecundos, criativos e prazerosos que me propus a escrever este livro.

Sou grato também à minha família. À minha esposa Marcia, pelo apoio, pela valorosa colaboração em dois capítulos e pela revisão crítica deste li-vro; e à minha fi lha Isabela, que me permitiu escrever o livro ao mesmo tempo em que brincávamos juntos de desenhar e pintar. Sem o apoio fami-liar, eu não teria conseguido.

Agradecimentos

Manual comport animal_cad zero.indd 9Manual comport animal_cad zero.indd 9 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 12: Manual de Comportamento Animal

Manual comport animal_cad zero.indd 10Manual comport animal_cad zero.indd 10 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 13: Manual de Comportamento Animal

Introdução

A palavra etologia, de origem grega, signifi ca “estudo da conduta”. Estudar o comportamento dos animais é sempre intrigante e prazeroso. Primeiro, porque desperta nossa curiosidade. Segundo, porque conhecer o compor-tamento animal pode agregar ganho econômico à agricultura e à pecuária. Por último, não podemos esquecer que, apesar de sermos animais racio-nais, vemos muito do nosso comportamento em outros animais.

O presente livro não pretende esgotar o tema da etologia, mas se propõe a ser um manual simplifi cado do assunto. Foi escrito pela necessidade de um texto em português para as aulas de etologia ministradas na Universi-dade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), para o curso de Ciências Bioló-gicas. Meu primeiro contato com a etologia foi no Congresso da Socieda-de Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Belo Horizonte, em 1985, quando conheci o professor César Ades. Desde então, enquanto alu-no de Ciências Biológicas, acompanhei a criação da Sociedade Brasileira de Psicobiologia (SBP), posteriormente Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNC), e paralelamente a criação da Sociedade Brasi-leira de Etologia.

Quando retornei do Congresso, procurei por algum pesquisador que trabalhasse na área de etologia e, curiosamente, encontrei no então Depar-tamento de Ciências Fisiológicas o professor Ricardo Santos, que estudava os efeitos da privação de sono REM sobre o comportamento. Ao terminar a graduação e me inserir no programa de pós-graduação em biologia, na UERJ, fui contratado como professor visitante na UERJ. Na ocasião, jun-

Manual comport animal_cad zero.indd 11Manual comport animal_cad zero.indd 11 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 14: Manual de Comportamento Animal

to com o professor Ricardo e meu grande amigo Waisenhowerk Vieira de Melo, hoje professor-assistente do Departamento de Ensino de Ciências da UERJ, criamos a disciplina de psicobiologia.

O tempo passou e a disciplina de psicobiologia se converteu em etolo-gia. Da psicobiologia para etologia, modifi camos o enfoque da disciplina e esta passou a fl ertar menos com a psicologia experimental e mais com a ecologia comportamental, com excelente aceitação pelo corpo discente. Durante esse processo de criação e afi rmação da disciplina, amadurecemos a ideia de escrever este livro. Temos utilizado diferentes textos durante as aulas, e a discussão é sempre muito rica. Este livro, portanto, é o resultado da organização destes textos, que abordam conceitos elementares de etolo-gia, incluindo um breve histórico, as primeiras questões e a teoria do gene egoísta; descrevem alguns dos diferentes padrões individuais de compor-tamento; e apresentam um ensaio sobre o comportamento humano, com base na etologia.

Espero que esta abordagem simples e dinâmica propicie um acesso rá-pido ao estudo científi co do comportamento animal e incentive o estudo mais aprofundado deste assunto, que é simplesmente fascinante.

Marcos Rochedo Ferraz

Manual comport animal_cad zero.indd 12Manual comport animal_cad zero.indd 12 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42

Page 15: Manual de Comportamento Animal

Abreviaturas

ACTH hormônio adrenocorticotrófico – adenocorticotropic hormone

ADH hormônio antidiurético – antidiuretic hormone

BH hormônio cerebral – brain hormone

BNC células neurossecretoras cerebrais – brain neurosecretory cells

CH hormônio da chamada

CR reflexo condicionado – conditioned reflex

CRH hormônio liberador da corticotrofina – corticotropin releasing hormone

CS estímulo condicionado – conditioned stimulus

CVS ciclo vigília/sono

DNA ácido desoxirribonucleico – deoxyribonucleic acid

ECA enzima conversora da angiotensina

EEF estratégias evolutivamente fixas

EEG eletroencefalograma

EH hormônio da eclosão – eclosion hormone

EMG eletromiograma

EOG eletro-oculograma

FSH hormônio estimulante do folículo – follicle stimulating hormone

GABA ácido gama-aminobutírico – gama-aminobutyric acid

GH hormônio do crescimento – growth hormone

GnRH hormônio liberador de gonadotrofinas – gonadotropin releasing hormone

IRM mecanismo liberador da inibição

JH hormônio da juventude – juvenile hormone

Manual comport animal_cad zero.indd 13Manual comport animal_cad zero.indd 13 20/10/2010 17:17:4320/10/2010 17:17:43

Page 16: Manual de Comportamento Animal

LH hormônio luteinizante – luteinizing hormone

MBC machos bons cantadores (teleogryllus)

MH hormônio da muda – molting hormone

mRNA ácido ribonucleico mensageiro – messenger ribonucleic acid

MS machos satélites (teleogryllus)

OCP otimização de curto prazo

OH hormônio da oviposição – oviposition hormone

OLP otimização de longo prazo

PAS pressão arterial sistêmica

PIC padrão individual de comportamento

PMA padrão modal de ação

PTH paratormônio

REM movimento rápido dos olhos – rapid eye movement

RER retículo endoplasmático rugoso

SNAS sistema nervoso autônomo simpático

SNAP sistema nervoso autônomo parassimpático

SNC sistema nervoso central

SNR sono não REM

SWS sono de ondas lentas – slow waves sleep

T3 tri-iodotironina

T4 tiroxina

TFO teoria do forrageamento ótimo

TRH hormônio liberador de tireotrofina – tireotropin releasing hormone

TSH hormônio estimulante da tireoide – tireoid stimulant hormone

UR reflexo não condicionado – unconditioned reflex

US estímulo não condicionado – unconditioned stimulus

Manual comport animal_cad zero.indd 14Manual comport animal_cad zero.indd 14 20/10/2010 17:17:4320/10/2010 17:17:43

Page 17: Manual de Comportamento Animal

Capítulo 1Etologia como Ciência do Comportamento ............................................................ 1

Capítulo 2 Conceitos Fundamentais em Etologia .................................................................. 11

Capítulo 3O Papel do Aprendizado no Comportamento ........................................................ 31

Capítulo 4Padrões Modais de Comportamento .................................................................... 49

Capítulo 5Genes e Comportamento...................................................................................... 61

Capítulo 6 Comportamento e Adaptação ............................................................................... 77

Capítulo 7Hormônios e Comportamento .............................................................................. 93

Capítulo 8Defesa do Território ........................................................................................... 113

Capítulo 9Comportamento Ingestivo e de Forrageamento ................................................. 121

Sumário

Manual comport animal_cad zero.indd 15Manual comport animal_cad zero.indd 15 20/10/2010 17:17:4320/10/2010 17:17:43

Page 18: Manual de Comportamento Animal

Capítulo 10Comportamento Antipredatório .......................................................................... 131

Capítulo 11Comportamento Social ...................................................................................... 139

Capítulo 12Comportamento Reprodutivo ............................................................................. 149

Capítulo 13Ciclo Vigília/Sono – os Estados da Consciência ................................................ 159

Capítulo 14Etologia Humana – Análise do Comportamento Humano em Perspectiva Etológica ................................................................................... 185

Índice Remissivo ............................................................................................... 209

Manual comport animal_cad zero.indd 16Manual comport animal_cad zero.indd 16 20/10/2010 17:17:4320/10/2010 17:17:43

Page 19: Manual de Comportamento Animal

Etologia como Ciência do ComportamentoCapítulo 1

INTRODUÇÃO

Afi nal, o que signifi ca etologia? Esse termo surgiu em meados do século XVIII em artigos publicados na Academia Francesa de Ciências. Contudo, na ocasião, o termo descrevia o que hoje chamamos de ecologia. O seu sig-nifi cado atual foi introduzido em 1950 pelo holandês Nikolaas Tinbergen (Niko Tinbergen, 1907-1988): etologia é a ciência que estuda o comporta-mento animal. Em outras palavras, é o estudo científi co do comportamento animal. A origem dessa palavra vem do grego ethos (costume, hábito) e logos (estudo). Portanto, a etologia estuda “os hábitos” dos animais em uma perspectiva biológica, evolucionária, usando o método científi co em geral e o comparativo em particular como ferramentas de estudo.

John Dennis Carthy (1969) defi niu comportamento como sendo tudo aquilo que percebemos das reações de um animal ao ambiente que o cerca, e que geralmente envolve movimento. É claro que esta defi nição limita com-portamento animal à nossa capacidade de percebê-lo. Del-Claro (2004) vai um pouco além e defi ne “estudar o comportamento” como sendo avaliar e mensurar todo o ato executado por um animal, perceptível ou não, ao uni-verso sensorial humano. Sendo assim, para se estudar o comportamento de um animal é necessário dispor de tecnologias que auxiliem a visualização de atos imperceptíveis a “olho nu”. Esse estudo inicia-se com a observação de posturas, movimentos e outros aspectos de um animal, de uma deter-minada espécie, ou de uma população de animais. A humanidade observa o comportamento dos animais desde épocas remotas. Caçadores e pesca-

Manual comport animal.indd 1Manual comport animal.indd 1 20/10/2010 17:16:1120/10/2010 17:16:11

Page 20: Manual de Comportamento Animal

2

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

dores do passado utilizaram o conhecimento acerca dos hábitos de suas possíveis presas para otimizar as tarefas. Para o pescador era importante saber que o salmão não morde a isca durante a desova, ao passo que o caçador devia aprender que roedores tendem a fugir para o escuro duran-te a captura e os pássaros fogem em direção à luz. Evidentemente, aquele que aprendeu primeiro esses aspectos do comportamento animal obteve vantagens na caça e na pesca. Além disso, nossos antepassados precisaram conhecer os hábitos dos seus prováveis predadores para se defenderem da melhor maneira.

Além da importância do aspecto econômico ou de subsistência, o estu-do do comportamento dos animais nos desperta sentimentos de curiosi-dade, admiração e encantamento. Pinturas rupestres com cerca de 10.000 anos revelam que nossos antepassados se interessavam por lagartos, pei-xes, aves, entre outros animais, talvez por simples curiosidade. Até porque, muito do nosso comportamento dito humano é comparável à conduta dos outros animais. Del-Claro (2004) sugere que a etologia pode ser defi nida como “um exercício da curiosidade humana na tentativa de compreensão da sua própria natureza animal”. Todavia, entre a época primitiva, em que a necessidade de sobrevivência gerava os primeiros “observadores do com-portamento animal”, e o período histórico em que a etologia surgiu e se consolidou como ciência do comportamento, muitas contribuições foram realizadas por estudiosos de diferentes campos do conhecimento. Nesse processo histórico, alguns eventos merecem atenção especial, pois contri-buíram em muito para o desenvolvimento da etologia.

HISTÓRIA DA ETOLOGIA

Na Grécia pré-aristotélica, fi lósofos e observadores do comportamento animal admitiam dois tipos de criação: os humanos e os deuses que repre-sentavam a criação racional, e as criaturas do mundo animal que represen-tavam a criação irracional.

Na Antiguidade, Aristóteles (384-322 a.C.) merece destaque, pois foi o primeiro homem, de quem se tem notícia, a escrever um tratado sistemá-tico de psicologia, intitulado De Ânima, ou seja, “A respeito da alma”. Aris-tóteles pregava a existência de diversos níveis de matéria e forma, sendo o nível mais alto a forma e o mais baixo, a matéria. Na concepção aristotéli-ca, o homem fazia parte do mundo natural, em oposição à religião. Foi de

Manual comport animal.indd 2Manual comport animal.indd 2 20/10/2010 17:16:1420/10/2010 17:16:14

Page 21: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

1 |

Eto

logi

a co

mo

Ciên

cia

do C

ompo

rtam

ento

5A psicologia comparada minimiza a perspectiva evolucionária, ao uti-lizar, por exemplo, estudos experimentais de laboratório, com enfoque no aprendizado associativo e atenção especial para a estatística. É a escola nor-te-americana clássica. De início, a etologia clássica foi muito criticada por desprezar a estatística e focalizar os padrões estereotipados de comporta-mento. Atualmente, a etologia sintetizou as duas tendências, de modo que os limites descritos anteriormente já não fazem mais sentido e a etologia pode ser defi nida como “o estudo científi co do comportamento animal” (Niko Tinbergen, 1969); ou ainda, conforme descrito no Dicionário Etoló-gico de Heymer (1982): “Etologia – biologia da conduta. Estudo objetivo do comportamento animal e do homem sob um ponto de vista biológico, com ênfase na conduta específi ca, sua adaptação e evolução.”

Tabela 1.1 Características da etologia clássica e da psicologia animal

Característica Etologia clássica Psicologia animal

Localização geográfica Europa América do Norte

Treinamento Zoologia Psicologia

Objetos de estudo Pássaros, peixes e insetos Mamíferos e ratos de labora-tório

Ênfase Instinto e evolução do compor-tamento

Aprendizado e desenvolvimento de teorias

Fonte: adaptada de Dewsbury, 1978.

No fi nal da década de 1980, com o surgimento da disciplina psicobiologia, houve uma tentativa de unifi cação entre a psicologia experimental e a eto-logia. No Brasil, ocorreu a fundação da Sociedade Brasileira de Psicobiolo-gia e muitas universidades introduziram a nova disciplina nos currículos dos cursos de biologia, veterinária e psicologia.

O desenvolvimento das neurociências, sobretudo a partir da década de 1990 (que o então presidente dos EUA George Bush designou como a dé-cada do cérebro), possibilitou um conhecimento maior acerca das bases neurobiológicas do comportamento. Surge a ciência neurobiologia, com enfoque nos mecanismos neurofi siológicos e neuroquímicos do compor-tamento, em detrimento do enfoque evolucionário. Para agregar a nova disciplina, o termo psicobiologia foi substituído por neurociências (a So-ciedade Brasileira de Psicobiologia passou a ser denominada Sociedade

Manual comport animal.indd 5Manual comport animal.indd 5 20/10/2010 17:16:1420/10/2010 17:16:14

Page 22: Manual de Comportamento Animal

16

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

Figura 2.1 Modelo psico-hidráulico de Lorenz

Fonte: adaptada de Lorenz, 1950.

Estímulo supernormalEstímulo supernormal é um key stimulus exagerado, que evoca uma res-posta também exacerbada no animal. Tinbergen (1951) demonstrou que gaivotas ao nidifi car no solo, normalmente em grupo, costumam recolher seus ovos, quando estes saem do ninho, rebocando-os entre as patas com o bico “de marcha a ré”. Quando um ovo de avestruz é oferecido junto ao ovo original da gaivota, esta prefere recolhê-lo em vez de seu próprio ovo. É um exemplo natural de “olho grande”. Os humanos preferem ovos de cho-colate a ovos de aves, porque têm mais glicídios e lipídios, portanto mais saborosos. Sendo assim, todos os animais – o que obviamente nos inclui – respondem melhor quando o estímulo ambiental é exagerado. Por exem-plo, quando conversamos com uma pessoa, nossa atenção costuma fi xar-se nos olhos e, sobretudo, nos lábios de nosso interlocutor. Portanto, vamos considerar os lábios (e também os olhos) como key stimulus que despertam em nós a atenção para com o outro. Conscientes ou não, algumas mulheres (e homens também) costumam reforçar o estímulo visual, tornando-o um poderoso estímulo supernormal, simplesmente passando batom nos lábios. Atualmente, o uso de silicone para modelar e, frequentemente, aumentar seios e glúteos também funciona como poderoso estímulo supernormal para despertar nos homens a atração sexual. Com isso, supõe-se que, na

Manual comport animal.indd 16Manual comport animal.indd 16 20/10/2010 17:16:1520/10/2010 17:16:15

Page 23: Manual de Comportamento Animal

46

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

a latência de acertos em vários testes comportamentais (labirintos, experi-mentos de contornos, testes de esquiva, entre outros) pode servir para fi ns comparativos. Observa-se que quanto maior o grau de desenvolvimento do sistema nervoso central, maior a capacidade de aprendizagem e menor a latência de acertos em uma tarefa específi ca. Por exemplo, em testes em que os animais deveriam aprender a pressionar um botão A e não um botão B para ganhar uma recompensa ou evitar uma punição, observou-se que primatas aprendem mais rapidamente do que cães; cães mais rapidamente do que gatos e ratos; e ratos mais rapidamente do que esquilos.

Podemos avaliar também a predisposição para aprender. Hebb (1958) avaliou o conceito de triangularidade em crianças de dois anos, chimpan-zés e ratos. Alguns animais reconhecem objetos geométricos, tais como triân gulos. Outros distinguem apenas cores. O conceito de triangularidade na fi logênese pode ser estudado através de diferentes tipos de triângulos (Figura 3.2). Ratos e camundongos reconheceram apenas o triângulo A. Chimpanzés reconheceram o A e o B. Apenas as crianças de dois anos de idade foram capazes de perceber o triângulo C.

APRENDIZADO VERSUS INSTINTO VERSUS SOCIOBIOLOGIA

Os etologistas clássicos tiveram muita difi culdade em aceitar que o apren-dizado modula o instinto, assim como os psicólogos comportamentais (behavio ristas) demoraram a compreender que os fatores genéticos in-fl uenciam no aprendizado. Os etologistas investigam a função, a evolução do comportamento e o contexto ecológico em que o comportamento é rea-lizado. Para isto, realizam pesquisas em campo, utilizam approach compa-rativo e investigam os componentes “inatos” do comportamento, denomi-

Figura 3.2 Conceito de triangularidade. Ratos reconhecem apenas o triângulo A; chimpanzés reconhecem A e B. Crianças reconhecem os três tipos de triângulos

Manual comport animal.indd 46Manual comport animal.indd 46 20/10/2010 17:16:1820/10/2010 17:16:18

Page 24: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

5 |

Gen

es e

Com

port

amen

to

69

pode-se inferir que esta atua “escolhendo” aqueles genes que permanecerão na população; no caso, os que produzem o comportamento que melhor atrai as fêmeas. Por outro lado, atrair as fêmeas com um bom padrão de canto pode resultar em maior índice de predação. Logo, animais maus can-tores devem prevalecer em um ambiente com elevado índice de predadores (Figura 5.2).

Já no gênero Gryllus, os genes afetam a quantidade do comportamen-to de “cantar”. Há linhagens de bons cantores (que cantam com elevada frequên cia) e de maus cantores (que cantam com uma frequência menor). Existe também uma terceira linhagem dos machos satélites, que não can-tam, mas que se posicionam entre a fonte de estímulo sonoro (ou seja, o macho cantor) e a fêmea. Estes machos satélites não se esforçam para atrair as fêmeas, mas obtêm um elevado índice reprodutivo. Portanto, genes para machos satélites têm maiores chances de replicação. No entanto, aqui mais uma vez a dança evolucionária ocorre. Se na nova geração houver um nú-mero maior de machos satélites, pode-se assumir que o número de machos cantando será menor e a probabilidade de um macho satélite encontrar uma fêmea será menor do que a do macho cantor. Sendo assim, na próxima geração deverá ocorrer um aumento na frequência de machos cantores, o que irá privilegiar os machos satélites (Figura 5.3).

Para o estudo do papel de genes no comportamento é necessário, em primeiro lugar, controlar a infl uência do ambiente sobre o comportamen-to, o que inclui o ambiente materno interno durante o desenvolvimento ontogenético do animal. Por este motivo, pode-se empregar algumas téc-

Figura 5.1 Movimento de Paramecium sp. Tipo selvagem à esquerda e mutante Pawn à direita

Fonte: Kung et al., 1975.

Manual comport animal.indd 69Manual comport animal.indd 69 20/10/2010 17:16:2020/10/2010 17:16:20

Page 25: Manual de Comportamento Animal

70

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

nicas alternativas para isolar os fatores ambientais, como a troca de crias e o transplante de ovários. Na troca de crias, camundongos neonatos de li-nhagens distintas são trocados no nascimento. Como controle experimen-tal, alguns camundongos de ambas as linhagens são criados pelas próprias mães após um curto período de separação. O objetivo deste procedimento é controlar a infl uência parental sobre o comportamento dos fi lhotes. Os resultados obtidos nesses experimentos revelaram que alguns padrões fe-notípicos são claramente infl uenciados pelo contato parental. Animais de linhagens de camundongos muito agressivos, criados por padrastos man-sos, apresentaram redução na sua agressividade, sem, no entanto, se torna-rem mansos. Por outro lado, animais mansos, criados por pais muito agres-sivos, também exibiram agressividade intermediária. Temos um exemplo de papel conjunto entre os genes e o ambiente na produção de um padrão comportamental (Tabela 5.1).

Figura 5.2 Relação entre gene, expressão do gene e padrão de canto em Teleogryllus sp. A seleção natural na forma de seleção sexual atua diretamente sobre os genes

Figura 5.3 Relação entre seleção natural, na forma de predação, e seleção sexual sobre machos bons cantores (MBC) e machos satélites (MS) em Gryllus sp.

Manual comport animal.indd 70Manual comport animal.indd 70 20/10/2010 17:16:2020/10/2010 17:16:20

Page 26: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

5 |

Gen

es e

Com

port

amen

to

71Tabela 5.1 Troca de crias em linhagens de Mus musculus

Linhagem Padrastos Comportamento

Agressivos Agressivos Muito Agressivo

Mansos Pouco Agressivo

Mansos Agressivos Pouco Agressivo

Mansos Mansos

A troca de cria isola a infl uência do comportamento paterno no do fi -lhote, mas não elimina a do ambiente materno no desenvolvimento da cria. Alguns circuitos neurais são ativados ou desativados em um período críti-co e o ambiente interno da mãe pode ter infl uência defi nitiva no compor-tamento futuro do fi lhote. Para eliminar este fator, ou seja, o conjunto de infl uências pré-natais, o pesquisador pode realizar o transplante de ovários. Normalmente, quando se implanta o ovário de uma linhagem em outra ocorre rejeição. No entanto, a probabilidade de isso ocorrer é menor quan-do se utiliza um híbrido como receptor dos ovários, entre as duas linhagens em questão. Os resultados obtidos com essa metodologia em camundongos revelam que os fatores genéticos preponderam na determinação da ativi-dade motora espontânea, em testes no open fi eld, mas o ambiente materno predomina na determinação da massa corporal.

Outra metodologia que pode ser empregada para avaliar o papel dos ge-nes no comportamento é a produção de híbridos interespecífi cos, ou seja, obtidos a partir do cruzamento entre animais de espécies diferentes, mas aparentadas. O etologista suíço Erik Zimen (1941-2003) e seu orientador alemão Wolf Herre desenvolveram um importante estudo sobre a origem das raças caninas, cruzando uma loba com um cachorro da raça poodle. O produto deste cruzamento foi denominado puwos (mistura de Königspu-del e wolve) e publicado no artigo intitulado “Wolves and Königspudel – a behavior comparison”. A análise da morfologia e do comportamento dos puwos I (primeira geração) e dos puwos II (segunda geração, ou seja, obti-dos pelo cruzamento entre dois puwos I) revelou que os cães são descen-dentes diretos dos lobos, podendo mesmo constituir uma única espécie, e que os animais obtidos apresentaram grande diversidade comportamental e morfológica, que por si só explica a enorme variedade de raças caninas. Os puwos I apresentaram comportamentos lupinos, caninos ou interme-

Manual comport animal.indd 71Manual comport animal.indd 71 20/10/2010 17:16:2020/10/2010 17:16:20

Page 27: Manual de Comportamento Animal

Comportamento e AdaptaçãoCapítulo 6

INTRODUÇÃO

A adaptação de um indivíduo a determinado ambiente pode ser defi nida pela sua capacidade de sobreviver o sufi ciente para deixar descendentes. Para sobreviver é preciso ser capaz de ingerir alimentos e evitar eventuais predadores e parasitas. Pode-se assumir que adaptação é o resultado da ação da seleção natural sobre um indivíduo. Portanto, na luta pela sobrevi-vência, quem se adaptada melhor a determinado ecossistema é o vencedor de um longo processo de seleção. Mas que fatores determinam o sucesso adaptativo de uma espécie, de uma população ou de um indivíduo?

Os organismos vivos exibem “adaptações” morfológicas e fi siológicas que os tornam aptos a cumprir suas tarefas biológicas (sobreviver e pro-criar). No entanto, o comportamento é um fator crucial neste processo. As estratégias comportamentais que produzem adaptação e, portanto, contri-buem na sobrevivência do maior número de indivíduos da prole devem seguir principalmente os seguintes preceitos: resistência às variações do ambiente, estratégias de alimentação (herbivorismo, predação ou sapro-fi tismo), defesa contra predadores (fuga, enfrentamento ou camufl agem), competição intra- e interespecífi ca, associação intra- e interespecífi ca, e es-tratégias reprodutivas.

É interessante observar que na maioria das culturas humanas o casa-mento de pais com seus próprios fi lhos, bem como de irmãos entre si, é rigorosamente condenado. Este artifício cultural está tão incorporado, que as pessoas fi cam chocadas quando se deparam com notícias de algum in-

Manual comport animal.indd 77Manual comport animal.indd 77 20/10/2010 17:16:2120/10/2010 17:16:21

Page 28: Manual de Comportamento Animal

78

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

cesto. Contudo, este comportamento foi e é fundamental para garantir a geração de descendentes saudáveis, uma vez que a maioria dos genes letais é recessiva. Esses genes são raros na população e como se expressam apenas em homozigose, a probabilidade do indivíduo ser homozigoto tendo sido fruto de casamento consanguíneo, ou seja, casamento entre pessoas com o genoma muito semelhante, é muito elevada. Pode-se citar outros compor-tamentos humanos que apresentam inconteste adaptação, como a vida em grupo, cuidados com a prole, entre outros. Porém, tudo indica que evitar voluntariamente o incesto é exclusivo dos seres humanos. Na maioria das espécies de mamíferos, os machos abandonam a família tão logo atinjam a idade reprodutiva. A dispersão dos machos funciona como mecanismo etológico para evitar a consaguinidade.

OTIMIZAÇÃO DE CURTO OU DE LONGO PRAZOS

O papel do comportamento em conferir adaptação (no inglês: adaptive-ness) está bem estabelecido. Contudo, para se conhecer o valor adaptativo de determinado comportamento, é necessário que se considere não apenas os benefícios, mas também os custos que esse comportamento acarreta. A teoria da otimização do comportamento considera que o produto fi nal da seleção natural é a otimização do repertório comportamental dos animais, a fi m de minimizar os custos e aumentar os benefícios; ou, pelo menos, obter o menor índice possível na relação custo/benefício.

O termo otimização pode ser analisado sob dois aspectos, denomina-dos otimização de curto prazo (OCP) e otimização de longo prazo (OLP). A OCP refere-se à otimização de determinado padrão individual de com-portamento (PIC), independente dos demais. Por exemplo, quando deter-minado pássaro insetívoro “escolhe” trocar de árvore durante a coleta de insetos arborícolas, antes de retirar todo o alimento da primeira árvore, pode-se inferir que a relação custo (gasto energético de viagem entre duas árvores)/benefício (obtenção de alimento) é favorável. A OLP refere-se à otimização da totalidade de comportamentos, que confere ao indivíduo a capacidade de sobreviver e reproduzir-se. Sendo assim, um ótimo animal forrageador pode não sê-lo para evitar predadores e/ou parasitas como é um animal forrageador semiótimo. Admitindo-se que o ambiente em que vivem está repleto de predadores, o segundo pode deixar bem mais des-cendentes. Em outras palavras, o sentido da otimização comportamental

Manual comport animal.indd 78Manual comport animal.indd 78 20/10/2010 17:16:2120/10/2010 17:16:21

Page 29: Manual de Comportamento Animal

108

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

que funciona como estímulo para inibir a função da glândula pineal. Nos meses frios, com um fotoperíodo menor, essa glândula fi ca desinibida e se-creta a melatonina, o hormônio que atua inibindo a função testicular. Des-sa maneira, ocorre diminuição da massa testicular (em determinadas aves) e redução da liberação de testosterona (em diversos animais) (Figura 7.1).

O mesmo fenômeno de atrofi a e hipertrofi a testicular em função do período sazonal ocorre em alguns mamíferos de reprodução obviamente sazonal, tais como o touro (Bos taurus). Sendo assim, a escolha em um res-taurante do prato “testículos de touro” deverá levar em conta o período do ano, ou o freguês poderá pagar caro por uma guloseima atrofi ada.

O papel da testosterona na organização cerebral do comportamento sexualmente dimórfi co em ratos fi cou bem estabelecido após um clássi-

Figura 7.1 Efeitos da época do ano (duração do fotoperíodo) sobre níveis plasmáticos hor-monais, massa testicular e comportamentos de aves machos. O aumento do fotoperíodo, que ocorre no verão, inibe a síntese de melatonina pela glândula pineal e remove o tônus inibitório que esse hormônio exerce sobre as gônadas. Como consequência, as gônadas hipertrofiam-se, o que aumenta a produção de andrógenos que irão ativar o comportamento reprodutivo

Fonte: adaptada de Gwynne & Dittami, 1990.

Manual comport animal.indd 108Manual comport animal.indd 108 20/10/2010 17:16:2320/10/2010 17:16:23

Page 30: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

7 |

Hor

môn

ios

e Co

mpo

rtam

ento

109co experimento, em que machos foram castrados no primeiro dia de vida. Um grupo-controle recebeu reposição de testosterona antes de completar cinco dias de vida, ao passo que outro permaneceu íntegro. Aos três me-ses de idade (idade adulta em ratos), avaliou-se o comportamento sexual dos animais. Os castrados receberam administração de testosterona (sem o hormônio sexual, os animais não apresentam motivação sexual, nem con-seguem ter ereções penianas). Ambos os controles (castrado e intacto) exi-biram padrão de acasalamento masculino: montaram em fêmeas sexual-mente receptivas, penetraram e ejacularam. Os animais castrados que não receberam testosterona até o quinto dia de vida não só não cobriram as fêmeas, como exibiram padrão de acasalamento feminino: exibiram lor-dose na presença de outro macho e permitiram ser cobertos. No mesmo experimento, algumas fêmeas receberam testosterona do primeiro dia de vida. Ao tornarem-se adultas exibiram padrão sexual masculino, cobrindo outras fêmeas e não permitindo serem cobertas por machos. Este estudo comprova o papel da testosterona sobre a organização cerebral do com-portamento sexual masculino, uma vez que a ausência deste hormônio no período crítico (que é um período de tempo específi co para cada espécie) leva a um padrão de comportamento sexual feminino.

Prolactina e comportamento parentalA prolactina é o hormônio da lactação. No entanto, existe como hormônio muito antes do primeiro mamífero ter surgido neste planeta. Observa-se, por exemplo, este hormônio em répteis crocodilianos e em peixes. Um ex-perimento clássico realizado em ratos revelou o papel da prolactina no com-portamento parental: duas fêmeas tiveram a circulação sanguínea acoplada artifi cialmente via cânulas e tubos, de modo que o sangue da primeira foi bombeado para a circulação da segunda e vice-versa. Uma delas havia aca-bado de parir e estava aleitando seus fi lhotes. A outra, nulípara, foi utilizada como controle. Após a dupla transfusão, a fêmea nulípara (ou seja, que nun-ca havia entrado em gestação) não só entrou em lactação, como apresentou comportamento epimelético com relação aos fi lhotes da outra. A experiên-cia evidenciou o papel da prolactina não apenas na lactação, mas, sobretudo, na indução dos padrões modais de comportamento parental.

A mesma prolactina foi hipoteticamente relacionada com o comporta-mento da cadela “Catita”. Em fevereiro de 1999, no município de Campos,

Manual comport animal.indd 109Manual comport animal.indd 109 20/10/2010 17:16:2320/10/2010 17:16:23

Page 31: Manual de Comportamento Animal

Comportamento AntipredatórioCapítulo 10

INTRODUÇÃO

Os predadores são morfofi siologicamente moldados para a caça, pois apre-sentam especializações de estrutura, forma (morfofi siológicas) e de com-portamento muito elaboradas e especializadas para a predação. Assim, escapar desses animais especialistas na caça e, portanto, otimizados para a predação, as presas, também apresentam adaptações, tanto estruturais quanto etológicas, que fazem do “jogo da vida” uma disputa muito interes-sante. Observa-se, portanto, uma dança evolucionária: presas otimizadas em evitar a predação versus predadores otimizados em garanti-la. O resul-tado fi nal consiste na coevolução presa versus predador. Apenas os melho-res de cada categoria deixam seus genes para as futuras gerações.

As estratégias empregadas para evitar a predação dependem do reper-tório comportamental do indivíduo. Animais que vivem em grupos podem empregar a defesa social, quando possível, e também padrões de defesa individual se necessário (Tabela 10.1). Os mecanismos de antipredação po-dem ser classifi cados em primários, secundários e mecanismos de defesa em grupo. Os primários operam na presença ou não do predador e funcio-nam reduzindo a probabilidade de um encontro entre este e a presa. Em outras palavras, esses mecanismos evitam a localização da presa. O com-portamento antipredatório mais comum é a fuga. Uma vez que o predador é localizado, os animais tentam fugir voando, correndo, rastejando, nadan-do, pulando, entre outros. Os diferentes padrões antipredação podem ser classifi cados em quatro categorias:

Manual comport animal.indd 131Manual comport animal.indd 131 20/10/2010 17:16:2520/10/2010 17:16:25

Page 32: Manual de Comportamento Animal

132

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

1. Comportamentos que evitam a localização.2. Comportamentos que evitam o ataque.3. Comportamentos que evitam a captura.4. Comportamentos que evitam o abate.

Tabela 10.1 Padrões de comportamento antipredação

Padrões antipredação individuais Padrões antipredação em grupo

� Fuga

� Ocultação

� Mudanças de cor

� Cores de advertência (aposemáticas)

� Polimorfismo

� Autotomia

� Defesa química

� Dissimulação

� Enfrentamento

� Creche social

� Alarme

� Confusão

� Dissuasão (sttoting)

� Diluição

� Enfrentamento cooperativo

Mecanismos de defesa primáriosO primeiro desses mecanismos é a camufl agem, que depende de adaptações morfológicas e padrões comportamentais específi cos, pois de nada valeria o animal ser parecido com uma folha se ele fi casse pulando de galho em galho. As adaptações morfológicas incluem coloração críptica ou padrões multico-loridos, dependendo do ambiente em que a presa se situa. As zebras exibem um padrão bicolor que difi culta a visualização a longas ou médias distân-cias. Animais com essas adaptações exibem padrões de comportamento que otimizam a camufl agem. Animais marinhos, tais como cnidários e larvas de diversos grupos, apresentam transparência, ocultando-se em meio aquático. Diferentes animais aquáticos possuem um padrão de coloração countersha-ding, ou seja, mais escuro no dorso e mais claro no ventre. Dessa maneira, minimizam a sombra produzida pela incidência de luz de cima e, quando vistos por baixo, o padrão claro do ventre confunde com a luminosidade. Pode-se citar, ainda, a capacidade de mudança de cor de muitos animais, a fi m de otimizar a camufl agem. O camaleão é o exemplo mais conhecido, embora o “mestre na mudança de cor” seja, inegavelmente, a siba ou sépia (Sepia offi cinalis), cefalópode semelhante à lula. Segundo William Holmes (1940), a sépia muda de cor com uma velocidade incrível, de modo a fi car praticamente invisível com relação ao seu substrato. O pesquisador afi rma

Manual comport animal.indd 132Manual comport animal.indd 132 20/10/2010 17:16:2520/10/2010 17:16:25

Page 33: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

10

| C

ompo

rtam

ento

Ant

ipre

dató

rio

135fi nal do abdome uma secreção volátil que contém quinonas e peróxido de hidrogênio. Diversos cefalópodes liberam uma secreção de cor escura, que funciona para reduzir a visibilidade do predador e facilitar o escape.

Tabela 10.2 Padrões de defesa antipredação nos animais

� Ocultação ou dissimulação

� Uso de tocas ou abrigos

� Mimetismo por formato ou por alteração seletiva na cor

� Advertência de outras presas

� Observação periódica

� Orientação com relação ao vento

� Andar em manadas

� Alarmes intra e interespecíficos; por exemplo, em pássaros, os sons de alarme são puros, sem descontinuidade aguda (Marler, 1999)

� Advertência aos predadores

� Presas com sabor aversivo, com determinado padrão de coloração

� Mimetismo batesiano; por exemplo, falsa-coral

� Ruídos ou posturas agressivas intimidatórias

� Emissão de substâncias químicas repelentes

� Fuga

� Fuga propriamente dita, em alta velocidade

� Congelamento: distrai o predador, reduzindo a fúria do ataque

� Distração; por exemplo, lagartixa

� Resistência ativa

� Ataque de resistência com batidas, arranhões, chutes, coices ou mordidas

� Uso de chifres, espinhos ou pele tóxica

Os mecanismos que evitam a captura e o abate também podem envolver o desvio da atenção do predador. Para desestimulá-lo, muitos animais exi-bem displays de intimidação a fi m de parecerem maiores do que realmente são.

A cabeça, por ser a região anterior e referenciar a direção de fuga, além de acomodar o encéfalo, é, em geral, a região atacada pelos predadores. Alguns animais ao serem atacados, como certas serpentes, enrolam-se para escondê-la e protegê-la. Há outros com adaptações morfológicas que simu-lam falsas cabeças, como peixes e insetos. Normalmente, o predador tenta capturar a presa, ou abatê-la, pela cabeça e, neste caso, esta tem uma chance de fugir. Essas alterações morfológicas estão sempre associadas a compor-tamentos que aumentam a efi ciência do “engodo”. Por exemplo, os peixes

Manual comport animal.indd 135Manual comport animal.indd 135 20/10/2010 17:16:2520/10/2010 17:16:25

Page 34: Manual de Comportamento Animal

136

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

que apresentam um “falso olho” na parte posterior do corpo costumam nadar para a frente e para trás, o que difi culta a diferenciação entre a parte anterior e a posterior. Existe uma espécie de borboleta que apresenta apên-dices na parte posterior das asas que lembram antenas. Esta movimenta as asas de tal maneira que parece o movimento de antenas.

Outro padrão comportamental que opera a fi m de evitar a captura é a exibição dos displays deimáticos, com a súbita exposição de coloração cha-mativa, normalmente oculta, que pode assustar o predador. A autotomia é um padrão que envolve adaptações fi siológicas de modo a produzir a perda de parte do corpo, preservando o indivíduo. É o caso de muitos lagartos, que perdem parte da cauda ou, ainda, a holotúria, um Echinodermata que eviscera e preserva sua vida, enquanto o predador se distrai ao comer as vísceras do animal.

Mecanismos de defesa em grupoA vida em grupo facilita bastante tanto a defesa antipredação, em que pese o desgaste produzido pelo estresse social (ver Capítulo 11, Comportamento social), como a tarefa da vigilância. Muitos herbívoros vivem em manadas mistas, formadas por gnus, zebras, girafas, gazelas, entre outros. O grito de alarme muitas vezes é específi co para cada tipo de predador. Normalmente, membros de um grupo empregam os dois tipos de defesa primária e secun-dária, incluindo o enfrentamento. Além disso, observa-se o efeito diluição, que reduz a probabilidade de cada indivíduo ser o escolhido pelo predador. Isso pode explicar o fato de um cardume de peixes rapidamente se espalhar diante de um predador. O grande número de indivíduos se movimentando ao mesmo tempo impede que o predador escolha um para perseguir, no meio de tanta confusão que acaba o confundindo. Por exemplo, pinguins quando predados por leões-marinhos ou, sobretudo, por leopardos-ma-rinhos, mergulham no mar em grupo, e em consequência, a efi ciência de predação pode chegar até zero.

Por outro lado, a vida em grupo produz o selfi sh herd, que é a redução da probabilidade de um animal ser predado quando situado no centro da colônia. Quanto maior a posição na escala hierárquica do grupo, maior é a probabilidade de sobrevivência, visto que os animais dominantes esco-lhem os locais mais centrais para colocar seus ovos (aves) ou mesmo para descanso (insetos). Portanto, a posição social ocupada dentro do grupo é

Manual comport animal.indd 136Manual comport animal.indd 136 20/10/2010 17:16:2620/10/2010 17:16:26

Page 35: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

13

| C

iclo

Vig

ília/

Sono

– o

s Es

tado

s da

Con

sciê

ncia

163

rentes padrões, denominados ritmos ou ondas: Alfa – com frequência de 8 a 14 Hertz (Hz, ou seja ciclos/segundo), com uma média de 10Hz, registra-das nos dois terços posteriores do cérebro, quando o indivíduo encontra-se em repouso psicossensorial, acordado e com os olhos fechados. Quando o indivíduo abre os olhos ocorre a “reação de parada” e essas ondas são in-terrompidas; Beta – apresentam uma atividade mais rápida, de 15 a 18Hz, e menos ampla, registradas na região frontal do cérebro; Teta – com ativi-dade bem mais lenta que as demais, de 4 a 7Hz, relativamente mais ampla, observada nas regiões temporais; Delta – ritmos lentos ao extremo, infe-riores a 4Hz e de amplitude variável, mas geralmente ampla. Podem ser detectadas em alguns estados patológicos no período de vigília.

No estado de vigília, em geral, observam-se dois tipos de ondas no EEG: alfa e beta. As ondas betas são de baixa amplitude e elevada frequência, o que caracteriza elevada atividade elétrica cortical; as ondas alfa, ao con-trário, apresentam amplitude maior e frequência menor, o que signifi ca menor atividade elétrica cortical. Um indivíduo, de qualquer espécie, que esteja extremamente em alerta e atento a determinado estímulo, apresen-tará ondas do tipo beta. Em humanos, por exemplo, estas ondas estarão presentes no EEG de uma pessoa que se encontra resolvendo um problema de matemática. Quando, ao contrário, o sujeito fi ca dispersivo, desatento, ele irá apresentar ondas do tipo alfa no EEG. A musculatura esquelética e o sistema nervoso autônomo apresentam tônus proporcional à demanda. O globo ocular movimenta-se na procura a estímulos ambientais e em res-posta a eles. Portanto, nesta fase, o indivíduo apresenta grande interação com o meio ambiente, sendo bastante receptivo aos estímulos ambientais. As características de cada fase do CVS estão apresentadas na Tabela 13.1.

Figura 13.1 Sinais fisiológicos característicos de cada uma das fases do ciclo vigília/sono de humanos

EMG: eletromiograma; EEG: eletroencefalograma; EOG: eletro-oculograma.

Fonte: adaptado de Hobson & Pace-Schott, 2002.

Manual comport animal.indd 163Manual comport animal.indd 163 20/10/2010 17:16:2820/10/2010 17:16:28

Page 36: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

13

| C

iclo

Vig

ília/

Sono

– o

s Es

tado

s da

Con

sciê

ncia

171indivíduo do sono, na fase REM é signifi cativamente maior que na fase não REM. No estágio 4 do sono não REM, esse limiar também está elevado, en-quanto no cochilo, estágio 1, é comparativamente bastante reduzido. Além disso, indivíduos despertados na fase REM mostram-se mais adaptados ao ambiente, porque respondem mais prontamente quando um estímulo ou uma tarefa lhe são apresentados. Na fase não REM, ao contrário, despertam não adaptados. No sono não REM observa-se uma progressiva redução na pressão arterial sanguínea, na frequência respiratória, enquanto o siste-ma digestório encontra-se em franca atividade. Na fase REM o indivíduo apresenta respiração, pressão arterial e frequência cardíaca extremamente irregulares. Alguns estudos sugerem que nesta fase o indivíduo portador de cardiopatia apresentaria maior risco de vida. Em resumo, no sono não REM os organismos apresentam um córtex motor inibido em um corpo móvel, ao passo que no sono REM o indivíduo apresenta um córtex cere-bral hiperativo em um corpo atônico. Por fi m, os sonhos são fenômenos característicos da fase REM do sono.

Tabela 13.2 Características das fases dow ciclo vigília/sono

Fase Nome Ondas no EEG

Efeitos da Privação Seletiva

Características

Vigília Vigília αβ Esta fase aumenta na insônia

Sono não REMEstágio 1

Cochilo α Sem privação seletiva Baixo limiar para despertar

Sono não REMEstágio 2

Sono inequí-voco

Comp κ Sem privação seletiva Baixo limiar para despertar

Sono não REMEstágio 3

Sono de transição

Comp κ δ

Inibe o sono Delta Duração muito curta

Sono não REMEstágio 4

Sono delta, Sono pro-fundo

δ � Ideias suicidas � Distúrbios comporta-mentais

� Ocorrência de parassonias � Sonhos nublados (25%) � Alto limiar para despertar

Sono REM Sono para-doxal

αβ � Eleva a excitabilidade do SNC

� Eleva o apetite por comida

� Eleva o apetite sexual

� Eleva a agressividade � Eleva a irritabilidade � Reduz o limiar para convulsões

� Reduz a consolida-ção da memória

� Alto limiar para despertar

� Sonhos vívidos, coloridos, bizarros, de cunho erótico

� Ereção do clitóris e do pênis

� Polução noturna � Despertar adaptado � Respiração irregular

� Pressão arterial e frequên-cia cardíaca irregulares

Manual comport animal.indd 171Manual comport animal.indd 171 20/10/2010 17:16:2920/10/2010 17:16:29

Page 37: Manual de Comportamento Animal

172

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

A FILOGÊNESE DO SONO

O sono REM já foi identifi cado e quantifi cado em muitas espécies de ma-míferos, além dos seres humanos. Felinos, macacos e ratos foram os pri-meiros mamíferos a serem estudados. Siegel e cols. (1995) viram a partir de registros da atividade neuronal na formação reticular a presença de certas características associadas ao estado de sono REM em mamíferos monotremados, como o ornitorrinco e a equidia. Este achado comprova a hipótese de que todos os mamíferos apresentam os dois estados de sono. Aserinsky demonstrou, em 1999, que o tempo total de sono REM tem uma correlação positiva com o tempo total de sono (sono REM + sono não REM), e que este último, por sua vez, tem uma correlação negativa com o tamanho corporal. Ou seja, a duração do sono REM varia de acordo com o tamanho do animal de modo inversamente proporcional. Animais maiores apresentam uma duração de sono REM menor quando compara-dos a animais menores.

As aves exibem um estado similar, apesar da duração média dos episó-dios (menos de dez segundos) e a porcentagem total de tempo gasto em sono paradoxal (5% do tempo de sono total comparado com 15% a 30% nos mamíferos) ser menor quando comparadas ao sono paradoxal de ma-míferos. Estudos realizados em pombos e em galinhas demonstraram a presença de sono REM, sem perda total de tônus em músculos posturais.

Não há registro da presença de sono REM ou um estado similar em peixes e em anfíbios, apesar de um estado similar ao sono não REM ter sido observado nesses animais. Em répteis existem dados controversos. Há relatos de sono REM em camaleões, mas não em quelônios.

A ONTOGÊNESE DO SONO

Na nossa espécie, observam-se alterações na organização temporal do sono durante o desenvolvimento ontogenético. Em neonatos, em geral, aproxi-madamente 50% do tempo é despendido em sono, sendo que o sono REM ocupa esse mesmo índice do sono total. Em adultos, o tempo total de sono é de oito horas, sendo que a porcentagem de sono REM cai para 19% do sono total (Figura 13.2). Em idosos, a porcentagem de sono REM cai um pouco mais, junto com a duração de sono total. Nestes, nota-se ainda uma modifi cação na arquitetura do sono. É comum o idoso apresentar “pacotes” de sono durante o dia, em geral à tarde, depois do almoço. Assim passa a ter

Manual comport animal.indd 172Manual comport animal.indd 172 20/10/2010 17:16:2920/10/2010 17:16:29

Page 38: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

13

| C

iclo

Vig

ília/

Sono

– o

s Es

tado

s da

Con

sciê

ncia

173menos sono durante a noite e, consequentemente, na madrugada. Muitas vezes há queixa de insônia, quando na verdade a falta de sono é consequên-cia do indivíduo já ter dormido à tarde.

PAPEL FISIOLÓGICO DO SONO REM

Várias hipóteses têm sido propostas para explicar a importância do sono, como: conservação da energia metabólica; capacitação intelectual, termor-regulação e armazenamento de memória; embora nenhuma consiga defi nir ou integrar todas as informações disponíveis sobre o sono. Sua importância fi siológica é, contudo, evidenciada pela persistência ao longo da evolução de mamíferos e aves e pelo enfraquecimento funcional, e até a morte, que ocorrem após períodos de privação de sono em algumas espécies.

Estudos recentes revelaram o papel do sono no processamento da me-mória. Esses estudos têm sido especifi camente direcionados ao papel do sono na codifi cação, consolidação e reconsolidação da memória e plastici-dade cerebral, confi rmando a hipótese de que o sono contribui de maneira importante para o processo de memória e plasticidade cerebral.

O aumento da atividade elétrica, do consumo de oxigênio e de glicose e do metabolismo cerebral durante a fase REM sugeria um papel ativo, ao contrário do papel de descanso antes atribuído ao sono. Diversos pesquisa-dores demonstraram que há um aumento da síntese de proteínas durante o sono REM, mas seu papel fi siológico permaneceu desconhecido até que uma pesquisa com estudantes de Medicina em uma universidade nos EUA

Figura 13.2 Ontogênese do sono na espécie humana

Manual comport animal.indd 173Manual comport animal.indd 173 20/10/2010 17:16:2920/10/2010 17:16:29

Page 39: Manual de Comportamento Animal

Etologia Humana – Análise do Comportamento Humano em Perspectiva EtológicaCapítulo 14Marcos Rochedo FerrazMarcia Martins Dias Ferraz

INTRODUÇÃO

Iniciamos este livro discutindo os motivos pelos quais estudamos cientifi -camente o comportamento animal. Uma das várias justifi cativas é que, ao conhecer outros animais, podemos entender um pouco mais sobre o nosso próprio comportamento. A psicologia, a sociologia, a antropologia e a fi lo-sofi a vêm investindo grandes esforços nessa área. Nesse sentido, a etologia também se destaca, e sua grande contribuição é poder analisar o compor-tamento do homem em uma perspectiva biológica e, portanto, evolutiva.

A grande difi culdade que se apresenta nesses estudos, com base na eto-logia, é o conceito “fomos feitos à imagem e semelhança de Deus”. Inde-pendentemente de se levar ou não em consideração esta ideia preconce-bida, entendemos que somos produto do mesmo processo evolutivo que originou os demais animais. Deste modo, por herança genética, dispomos de muitos programas neurais de comportamento de nossos ancestrais pri-matas, que por sua vez os adquiriram de nossos ancestrais mamíferos, os quais os herdaram de nossos ancestrais répteis mamaliformes, e estes, por sua vez, de nossos ancestrais tetrápodes. Portanto, apesar de todo o nosso desenvolvimento cerebral, que nos permite pensar, imaginar, criar, ainda exibimos muitos padrões individuais de comportamento, que são muitas vezes puro instinto.

O zoólogo Desmond Morris, no livro O Macaco Nu, fez uma análise bastante interessante do comportamento humano. Ao contrário de outros autores, Morris propõe que deve-se entender o comportamento humano

Manual comport animal.indd 185Manual comport animal.indd 185 20/10/2010 17:16:3020/10/2010 17:16:30

Page 40: Manual de Comportamento Animal

186

Man

ual d

e Co

mpo

rtam

ento

Ani

mal

com base nas populações vencedoras da competição intraespecífi ca, ou seja, em vez de analisar o comportamento dito primitivo de uma tribo dis-tante, ele propõe que se estude o comportamento do homem ocidental.

A ORIGEM DO PRIMATA ANCESTRAL

Richard Dawkins propõe que a evolução segue um caminho sem retorno: uma vez iniciada a evolução de determinada estrutura ou comportamento, não há como voltar atrás. Como exemplo, o autor cita que os olhos evoluí-ram a partir de estruturas rudimentares e que, de início, percebiam apenas a diferença entre claro e escuro. Por meio de mutações genéticas, que são aleatórias, alguns indivíduos apresentavam pequenas melhorias no sistema visual, que por ação da seleção natural, foram passadas e reproduzidas aos descendentes na população. E assim sucessivamente, até que após milhares de pequenas modifi cações, surge uma estrutura complexa, como o olho humano.

Fenômeno semelhante produziu o cérebro humano. Segundo Morris, durante o processo evolutivo um grupo de primatas desenvolveu por etapas um aumento progressivo no córtex cerebral e, mais do que isto, na complexi-dade de conexões neurais. O novo cérebro permitiu ao nosso ancestral uma intensa capacidade de processamento de informações e de organização, de modo que foi capaz de competir com outros animais muito mais dotados fi sicamente. Mas por que motivo este primata continuou desenvolvendo o seu cérebro? Desmond Morris sugere que nosso ancestral deixou de coletar frutas e comer folhas, como os demais primatas, quando descobriu o prazer de comer carne. Chimpanzés, com quem partilhamos 99,4% de nosso DNA, também apreciam carne. Eles caçam cooperativamente outros macacos me-nores. Mas nosso ancestral queria mais. Queria competir com tigres-dentes-de-sabre (Smilodon populator), com o grande lobo do pleistoceno (Canus dirus) e com demais carnívoros por presas grandes, como mastodontes, megatérios e bois almiscarados. Como nosso ancestral não possuía garras e dentaduras poderosas, musculatura desenvolvida para correr, acabou uti-lizando o seu cérebro como arma. Valendo-se uma inteligência até então não vista no planeta, construiu armas, dominou o fogo e desenvolveu novas estratégias de caça cooperativa. É claro que o bipedalismo – com todas as modifi cações advindas desta postura – foi importante, porque permitiu que nosso ancestral pegasse em armas para ataque e defesa.

Manual comport animal.indd 186Manual comport animal.indd 186 20/10/2010 17:16:3020/10/2010 17:16:30

Page 41: Manual de Comportamento Animal

Capí

tulo

14

| E

tolo

gia

Hum

ana

– An

ális

e do

Com

port

amen

to H

uman

o em

Per

spec

tiva

Etol

ógic

a

207Finalmente, parafraseando Richard Dawkins, o fato de sermos munidos com um repertório de programas comportamentais geneticamente deter-minados, que nos torna egoístas competidores atrás de parceiros sexuais, para que possamos replicar nossos genes, não signifi ca que não podemos nos rebelar contra estes programas instintivos inconscientes. Já nos rebela-mos contra nossos genes a partir do momento em que adotamos estratégias de contracepção e separamos defi nitivamente sexo e reprodução. É verdade que, muitas vezes, nos traímos por pequenos descuidos, que chamamos jocosamente de “lapso freudiano”, e os genes são replicados contra a nossa vontade racional. Portanto, se por um lado nosso ancestral primata preci-sou ser egoísta, competitivo, agressivo e impiedoso para evitar predadores e vencer a batalha da vida, contra seus concorrentes de outros clãs ou de outras espécies que ocupavam nichos semelhantes (e nós herdamos todos estes programas genéticos de comportamento), por outro podemos hoje em dia exibir comportamentos diametralmente opostos. Isso desde que, é claro, tenhamos o controle racional de nosso comportamento, que sejamos capazes da autocrítica, para avaliar, reavaliar e controlar nossos impulsos instintivos, incluindo a vaidade; e que tenhamos como meta sermos cada vez menos egoístas e mais justos. Eis o grande desafi o da humanidade. Para cumprir este enorme desafi o é fundamental que conheçamos nossos ins-tintos, ou seja, conheçamos os programas de comportamento que compar-tilhamos com outros primatas, outros mamíferos, outros Chordata, entre tantos animais. Neste sentido, o estudo da etologia deveria ser uma prio-ridade.

REFERÊNCIASAdes C. Etologia de animais e de homens. São Paulo: EDICON/EDUSP; 1989.Dawkins R. Deus, um delírio. São Paulo: Cia das Letras; 2006.Dawkins R. O gene egoísta. São Paulo: Itatiaia; 2001.Gikovate F. A liberdade possível. São Paulo: MG Editores; 2000.Goodenough J, McGuire B. Wallace R. Perspectives on animal behavior. New York: John Wiley

and Sons Inc; 1993.Kaplan HS. A nova terapia do sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1977.Máster WH, Johnson VE. A conduta sexual humana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 1981.Morris D. O macaco nu: um estudo do animal humano. São Paulo: Record; 2001.

Manual comport animal.indd 207Manual comport animal.indd 207 20/10/2010 17:16:3220/10/2010 17:16:32

Page 42: Manual de Comportamento Animal

Manual comport animal_cad zero.indd 6Manual comport animal_cad zero.indd 6 20/10/2010 17:17:4220/10/2010 17:17:42