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2020 Manual de Direitos Humanos Bruno Del Preti Paulo Lépore

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2020

Manual deDireitos

Humanos

Bruno Del PretiPaulo Lépore

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CAPÍTULO I

ASPECTOS GERAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS

Sumário • 1. Por que direito humanos? – 2. Conceito e conteúdo dos direitos humanos: 2.1. Conceito tradicional e concepções contemporâneas; 2.2. Conteúdo dos direitos humanos e o “direito a ter direitos” de Hannah Arendt; 2.3. Terminologia – 3. Dignidade da pessoa humana: 3.1. Previsão Normativa; 3.2. Da dignidade da espécie até a dignidade da pessoa humana; 3.3. Funções da dignidade da pessoa humana; 3.4. Conteúdo da dignidade da pessoa humana – 4. Especificidades dos direitos humanos: 4.1. Centralidade dos direitos humanos; 4.2. Função contramajoritária; 4.3. Superioridade normativa: 4.3.1. Obrigações erga omnes, normas de jus cogens e casos de soft law; 4.3.2. Proibição do uso ilegítimo da força, agressão e da guerra de conquista; 4.3.3. Princípio da autodeterminação dos povos; 4.3.4. Normas cogentes de direitos humanos; 4.4. Abertura dos direitos humanos; 4.5. Proibição de retrocesso – 5. Estrutura dos direitos humanos: entre os princípios e regras – 6. Resumo do capítulo – 7. Questões: 7.1. Gabarito Comentado.

1. POR QUE DIREITO HUMANOS?

Pretendemos iniciar os trabalhos desenvolvidos em nosso Manual dos Direitos Humanos com a seguinte indagação: por que direitos humanos?

E note, caro(a) leitor(a), que a indagação formulada abrange diversas outras, tais como: por que estudar direitos humanos? Qual é a utilidade prática de estudá-los? A Constituição da República e as leis nacionais já não preveem direitos suficientes? Direitos humanos servem para proteger aqueles que praticam crimes? Por que a disciplina é cobrada em tantos concursos públicos?

Para responder às indagações propostas, e outras que possam percorrer o imaginário dos(as) leitores(as), é que destinamos o tópico prefacial de nossa obra. Mas esclarecemos que essa abordagem introdutória não será dogmática ou teórica, pois com ela desejamos, de forma simples e prática, demonstrar a importância de se conhecer os direitos humanos, especialmente para os enxergar em incontáveis situações ocorridas no cotidiano e perceber como as violações desses direitos já afetaram (e continuam a afetar) a vida de milhares pessoas.

Basta uma rápida reflexão na história para nos recordarmos dos momentos já vivenciados em que algumas pessoas sequer eram reconhecidas como seres humanos, como nas situações de compra e venda de pessoas dos regimes escravocratas ou mesmo no extermínio de judeus e outras minorias nos campos de concentração do nazismo.

Ao longo da história da humanidade, o tratamento e reconhecimento do ser humano nem sempre foi o mesmo, sendo que episódios de violações massivas de direitos e absolutas afrontas à dignidade de pessoas exigiram que a própria humanidade reconhecesse direitos inerentes a todas as pessoas, bem como que todas as pessoas têm o direito a ter direitos.

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Mas comportamentos transgressores desses direitos não ficaram somente na história. Ainda hoje, no Brasil e no mundo, vemos diversas violações aos direitos humanos nos mais diversos aspectos.

No cenário internacional, vivemos a maior crise migratória da história da humanidade (maior, inclusive, que o êxodo ocasionado com a Segunda Guerra Mundial), em virtude dos conflitos armados no Oriente Médio, especialmente a Guerra Civil da Síria, que se iniciou em meados de 2011. E as implicações desses conflitos armados são diversas, desde a abertura de países europeus ao refúgio, até a discriminação que a população migrante sofre em determinados países.

A crise humanitária vivenciada pela Venezuela é sem precedentes no contexto da América Latina. A escassez de alimentos, de energia elétrica e de insumos básicos, aliada à dura repressão militar aos opositores civis, são campo fértil para violações generalizadas de direitos humanos.

Também relevante mencionar as chamadas intervenções humanitárias e sua (in)compa-tibilidade com os direitos humanos, especialmente nos casos em que interesses outros tenham motivado a ação para “proteção dos direitos humanos”, como muito claro ficou com a Guerra no Iraque (2003), na qual as supostas armas de destruição em massa jamais foram recuperadas.

Ademais, no Brasil as violações de direitos humanos também podem ser constatadas sistematicamente.

O início do ano de 2017 foi marcado por tornar (ainda mais) marcante a crise no sistema carcerário, sendo que as rebeliões ocorridas em Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Natal (RN) deixaram mais de 128 mortes que chocaram e sensibilizaram a população. Pouco tempo após os eventos, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o sistema carcerário vive em estado de coisas inconstitucional (ADPF 347).

A (in)segurança pública e o caos orçamentário que se assolam o Estado do Rio de Janeiro – talvez esse o verdadeiro legado Olímpico – demonstram sistemáticas violações aos direitos humanos, à educação, saúde, moradia, segurança, dentre diversos outros.

Violações de direitos em torno de questões de saúde mental, especialmente por uso compulsivo de drogas (drogadição e toxicodependência), foram constatadas na tentativa de enfrentamento do Poder Público, no ano de 2017, aos moradores de um espaço público em São Paulo, notoriamente conhecido como cracolândia. Tentativas de internações compulsórias desprovida dos requisitos legais, deslocamentos forçados e outras violações de direitos que, em muitos casos, somente cessaram após ação conjunta da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Ministério Público do Estado de São Paulo junto ao Poder Judiciário.

Questões relacionadas à diversidade sexual e direitos LGBT ainda são muito estigma-tizadas em nosso país. A falta de lei penal punindo a homofobia é, per se, transgressão de direitos humanos, notadamente por ser o Brasil conhecido como um dos países que mais mata transexuais e travestis no mundo. E a questão se torna ainda mais complexa com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que equiparou a prática de homofobia e transfobia ao racismo, estendendo a aplicação da Lei nº 7.716/89 para tais práticas discri-minatórias até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria (ADO 26 e MI 4733).

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Direitos das crianças e adolescentes que, muito embora gozem de vasta proteção legisla-tiva (nacional e internacional) são muitas vezes violados, por exemplo, diante da ausência de recursos materiais para garantir vagas suficientes em creches e pré-escolas (direito à educação), ou até mesmo fornecer medicamentos ou insumos que necessitem (direito à saúde).

A violência policial também não pode deixar de ser apontada como causa de sistemáticas violações de direitos humanos no Brasil, sendo que episódios como a chacina de Osasco e Barueri (que deixou 17 mortes em 2015) ou a chacina de trabalhadores rurais no Pará (que deixou dez mortes em abril de 2017, quando do cumprimento de mandados judiciais relacionados a disputas fundiárias no Município de Pau d Arco, no Pará) são impensáveis e absolutamente incompatíveis com Estado que pretenda ser Democrático e de Direito.

Embora a exemplificativa enumeração de situações casuísticas em torno dos direitos humanos pudesse por muito prosseguir, temos convicção que algumas inquietações sobre “por que direitos humanos?” resolveram-se por si próprias.

Perceba, caro(a) leitor(a), que os direitos humanos não se inserem em um plano ideal e imaginário, mas são (devem ser) perquiridos nos mais variados e corriqueiros casos. Eles existem para proteger os direitos mais importantes que todos nós possuímos.

Estão presentes, e.g., em uma ação cível, em que negado o direito à convivência familiar por motivo de discriminação, em uma demanda destinada a assegurar direitos sociais e econômicos básicos ou em uma demanda de reintegração de posse de população vulnerável. Também se mostram presentes, v.g., em um processo criminal que determina a prisão provi-sória de um indivíduo (com a permitida mitigação da presunção da inocência), quando se garante o direito do indivíduo ser apresentado perante o Poder Judiciário caso seja detido, quando se impõe que a persecução penal siga as regras do devido processo legal, dentre diversas e incontáveis outras situações concretas.

Além disso, também se mostram presentes quando analisamos se o Estado puniu, ou agiu para investigar e punir, uma grave violação a direitos humanos. E nesse ponto desmis-tificamos uma relevantíssima função dos direitos humanos: eles não se limitam em obrigar que os Estados protejam e promovam os direitos, mas também exigem uma atuação estatal para investigar, condenar e reparar as violações já ocorridas, assim como evitar que novas violações tornem a ocorrer.

Há, inegavelmente, a necessidade de que todo o ordenamento jurídico seja interpretado e aplicado conforme os direitos humanos. E não cremos que essa realidade esteja tão longínqua. Assim como vimos, nas últimas décadas, o influxo do direito constitucional para todos os ramos do direito, cremos – esperançosamente – que a mesma sorte ocorra com os direitos humanos.

Daí a importância de todos(as) os(as) operadores(as) do direito com eles estarem fami-liarizados, de conhecerem os sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos, o conteúdo dos tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil, além de buscarem a concretude da jurisprudência de órgãos e tribunais internacionais de proteção aos direitos humanos. A construção de uma sociedade mais justa e inclusiva depende disso.

Em tempos de polarizações e extremismos – tanto no Brasil, como no mundo – preci-samos que a dignidade de cada indivíduo seja respeitada e promovida, para que se concre-

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tize uma verdadeira cultura de respeito aos direitos humanos. No campo jurídico, é preciso que cada acadêmico(a), concurseiro(a) e operador(a) do direito venha a nutrir um olhar de dignidade e humanismo na aplicação do direito, especialmente quando os comportamentos puderem atingir os grupos mais vulneráveis da população.

2. CONCEITO E CONTEÚDO DOS DIREITOS HUMANOS

2.1. Conceito tradicional e concepções contemporâneas

Direitos humanos são aqueles inerentes à condição humana da pessoa, enquanto um ser dotado de razão, liberdade, igualdade e dignidade, e englobam os aspectos indispensáveis e essenciais para uma vida digna. Sua titularidade decorre do só fato de a pessoa existir, não comportando qualquer tipo de distinção ou discriminação, encontrando-se previstos especialmente em documentos internacionais.

A sugestão conceitual por nós apresentada segue a concepção tradicional dos direitos humanos, especialmente da forma como desenvolvidos a partir das Revoluções Americana e Francesa, influenciadas pelos ideais iluministas. A apresentação conceitual, contudo, deve ser acompanhada da advertência de que um conceito único e hermético de direitos humanos não é compatível com sua natureza e com a construção histórica (que terá seu próprio, e importante, espaço para abordagem na presente obra) desenvolvida em seu entorno. Logo, a exposição conceitual ora consignada convive com diversas outras perspectivas sobre os direitos humanos.

Ainda assim, entendemos relevantes algumas explicações quanto aos fundamentos desse tradicional conceito apresentado, até mesmo para possibilitar a compreensão das concepções contemporâneas posteriormente consignadas.

Quando se faz menção à inerência dos direitos humanos, percebe-se inegável aproxi-mação à corrente jusnaturalista, que sustenta a existência de ordem natural e pré-concebida de direitos ostentados por todas as pessoas (pelo só fato de existirem), de sorte que caberia ao direito tão somente declará-los.

O reconhecimento das características inatas da razão, liberdade, igualdade e digni-dade, muito embora também possuam certa base jusnaturalista, mais se escoram em pensa-mentos atribuídos às teorias contratualistas ou do jusnaturalismo racional. Esses atributos vinculam, de forma racional, os direitos humanos a traços da natureza do ser humano, mas sem qualquer fundamentação de cunho metafísico.

Outrossim, a previsão em documentos internacionais denota característica juspo-sitivista, segundo a qual os direitos humanos encontrariam fundamento e gozariam de proteção na medida em que positivados em determinado tempo e espaço. Sob premissas positivistas, portanto, o reconhecimento do direito humano pelo Estado é indispensável para sua promoção e proteção.

Possível constatar, dessa forma, que o conceito tradicional de direitos humanos se encontra alicerçado em bases jusnaturalistas, contratualistas ( jusnaturalismo racional) e

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positivistas. A abrangência do conceito, aliás, advém propriamente de reconhecimento da incompletude de cada sistema ou corrente teórica, de sorte que eles se preenchem mutuamente na medida em que necessário para proteger e promover a dignidade humana.

Feitas essas explicações, analisemos algumas concepções contemporâneas de direitos humanos, muitas delas, inclusive, com ênfase em aspectos filosóficos ou sociológicos, que certamente contribuem para percepção da complexidade dos direitos humanos. Vale esclarecer, ainda, que as parcelares concepções doravante consignadas não têm o condão de conceituar os direitos humanos, mas com elas desejamos apresentar novos elementos ou reflexões sobre seu conteúdo.

Iniciemos com a ponderação de Norberto Bobbio, para quem os direitos humanos são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Nascem quando devem ou podem nascer1.

Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social2.

Conforme Carlos Soares Nino, os direitos humanos são uma construção consciente vocacionada a assegurar a dignidade humana e a evitar sofrimentos, em face da persistente brutalidade humana3.

Antônio Peres Luño, por sua vez, considera os direitos humanos como o conjunto de faculdades e instituição que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional4.

Pondera Joaquín Herrera Flores que os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Invocam, nesse sentido, uma plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana5.

Segundo David Sánchez Rubio, os direitos humanos devem recuperar outras dimen-sões e elementos, como: a) o âmbito que dá origem aos direitos humanos se relaciona com os processos de luta pela abertura e consolidação de espaços de liberdade e dignidades humanas, notadamente de movimentos sociais; b) para fazer efetivos os direitos humanos,

1. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 9.2. Apud PIOVESAN, Flávia. Direito humanos e Justiça Internacional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 44.3. Idem. 4. PERES LUÑO, Antônio. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. 5ª ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 48.5. Aprofundando o pensamento de Herrera Flores, vejamos a seguinte excerto: “Estamos asistiendo a un cambio

en la concepción de los derechos humanos. En otros términos, estamos siendo testigos de la construcción de un nuevo proceso de luchas por las particulares concepciones de la dignidad humana. Los procesos que ‘convencio-nalmente’ denominamos como derechos humanos, están pasando de ser meros mecanismos de adaptación a las diferentes fases por las que atraviesan las relaciones sociales, económicas, políticas y culturales del modo de producción capitalista, a constituir el marco más general y efectivo de resistencia planetaria frente a las formas de poder y las consecuencias sociales que se están expandiendo bajo el término de neoliberalismo globalizado” (FLORES, Joaquín Ferreira (Marcelo Oliveira de Moura – org. Irrompendo no real: escritos de teoria crítica dos direitos humanos. Pelotas: Editora da Universidade Católica de Pelotas, 2005, p. 17).

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as atuações devem direcionar-se a uma perspectiva pré-violatória; c) é decisivo proporcionar uma análise cotidiana dos direitos humanos (vê-los e aplicá-los no “dia a dia”), refletindo-os permanentemente em sua dimensão política, sócio-histórica, processual, dinâmica, confli-tiva, reversível e complexa6.

Por derradeiro, conforme escólios de Luigi Ferrajoli, os direitos humanos simbolizam a lei do mais fraco contra a lei do mais forte, na expressão de um contrapoder em face dos absolutismos, advindos do Estado, do setor privado ou mesmo da esfera doméstica7.

2.2. Conteúdo dos direitos humanos e o “direito a ter direitos” de Hannah Arendt

Com a análise das diversas concepções sobre os direitos humanos, podemos estabelecer como ponto comum o fato de representarem valores essenciais na proteção e promoção da dignidade humana, isso é, os valores essenciais para uma vida digna.

Importante consignar o cuidado para não se elastecer em demasia o conteúdo dos direitos humanos, já que eles somente devem abarcar os valores essenciais para a vida digna. Isso porque a adjetivação de direitos como humanos traz diversas consequências, desde as sociais até as jurídicas, de modo a exigir cautela nessa delimitação. Portanto, nem todos os direitos ostentados pelos seres humanos são direitos humanos, mas somente aqueles essenciais para a proteção e promoção da dignidade humana, isso é, para uma vida digna.

E tais direitos essenciais têm como premissa, conforme ensinamentos de Hanna Arendt, o reconhecimento prévio do direito a ter direitos, porque este é verdadeiramente o primeiro direito humano, assegurador do direito de pertencer a uma comunidade e de ter acesso a uma ordem jurídica justa, que julgue cada indivíduo por suas próprias ações e opiniões.

Sobre o assunto, preciosa é a lição de Celso Lafer8:De um juízo reflexivo sobre essas especificidades, conclui Hannah Arendt que a igualdade

em dignidade e direitos, base dos direitos humanos, não é um dado, como pressuposto pelo direito natural ou pela crença no progresso histórico. “Nós não nascemos iguais. Nós nos tornamos iguais como o resultado da organização humana na medida em que é norteada pelo princípio da justiça (Arendt, 1949, p. 33). A igualdade é, assim, um construído político da convivência coletiva, baseado na pluralidade dos seres humanos que compartilham a Terra com outros seres humanos. Por isso, o primeiro direito é o direito a ter direitos, o que, antes de mais nada, quer dizer dar a uma pessoa um lugar no mundo por meio do acesso a uma ordem jurídica e política que assegure o “viver numa estrutura onde se é julgado pelas próprias ações e opiniões” (Arendt, 1989, p. 330). É essa estrutura – framework, no original em língua inglesa – que nos oferece a garantia do espaço para afirmar quem somos na teia das relações e das histórias humanas.

6. RUBIO, David Sanches. Encantos e Desencantos dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 126.

7. Apud PIOVESAN, Flávia. Direito humanos e Justiça Internacional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 44.8. LAFER, Celso. Direitos Humanos: um percurso no direito no século XXI. São Paulo: Atlas, 2015, p. 58.

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Desse modo, o conteúdo dos direitos humanos se relaciona com os valores essenciais para que qualquer ser humano tenha uma vida na qual sua dignidade seja respeitada e promovida, sendo o primeiro desses direitos – e pressupostos para os demais – o direito a ter direitos.

Conteúdo dos Direitos Humanos

Direitos essenciais para uma vida digna

Premissa: direito a ter direitos

Conteúdo do direito a ter direitos

(Hanna Arendt)

Pertencer a uma comunidade

Ter acesso a uma ordem jurídica justa

2.3. Terminologia

Os direitos e valores essenciais à proteção e promoção da dignidade humana são designados, no direito positivo interno e internacional, por diversos termos e expressões distintas, tais como: a) direitos do homem – expressão utilizada, por exemplo, no preâm-bulo da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948; b) direitos e liberdades fundamentais do homem – utilizada, v.g., no preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e no artigo 17 da Constituição da República de 1988; c) direito humanos – empregada, e.g., na Carta da Organização das Nações Unidas de 1945 (preâmbulo e artigo 56) e no artigo 4º, II, da Constituição da República de 1988; d) liberdades fundamentais – também utilizada na Carta da ONU (artigo 55, alínea c); e) direitos fundamentais – mencionada na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 e no artigo 5º, XLI e LXXI, da Constituição da República de 1988.

Essa ampla densidade de termos e designações, em certa medida, atabalhoa a definição e aplicação dos direitos essenciais à proteção da dignidade humana. Obtempera Antônio Peres Luño que a inflação de termos apresenta um “paradigma de equivocidade” moderno, gerando dificuldade na definição do que vem a ser os direitos humanos, nas suas diferentes acepções e expressões9.

E vale frisar que a crítica não é somente teórica, mas também de consectários práticos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em seu Parecer Consultivo nº 16, foi obrigada a esclarecer que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1961 é um artigo definidor de direito fundamental da pessoa humana, para, então, considerar que a

9. PERES LUÑO, Antônio. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. 5ª ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 25.

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A maioria das normas que veiculam comandos de proteção aos direitos humanos retratam princípios, eis que possuem maior grau de abstração e permitem aplicação mais ampla no mundo fenomênico, veiculando verdadeiros mandados de otimização, como ocorre, e.g., com o artigo 3º da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), ao dispor que todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Em tais casos, a técnica pura e simples da subsunção não se mostraria suficiente para aplicação e extração do conteúdo do direito, cabendo ao intérprete, ao mesmo tempo em que busca dar ampla eficácia ao texto normativo, conciliar e harmonizar o conteúdo do direito com outros interesses ou direitos eventualmente envolvidos56.

Outrossim, também possível que norma de direito humano possua descrição minuciosa de seu conteúdo, veiculando comportamento determinado e atuando em comando definitivo, caso em que a norma veiculará uma regra. É o caso, exempli gratia, da proibição escravidão e tráfico de pessoas (DUDH, art. IV) e da exigência de ordem judicial ou flagrante delito para que qualquer indivíduo seja preso (CR/88, art. 5º, LXI).

Sendo assim, a diferenciação das normas de direitos humanos em princípios e regras jurídicas é essencial para a compreensão do papel dos direitos humanos no ordenamento, bem como fundamental para perquirir eventuais limitações e solucionar colisões entre direitos tutelados57. Independentemente da maior ou menor densidade ou abertura das normas, é curial consignar o caráter vinculante e obrigatório de todas os princípios e regras que veiculem direitos humanos, pois somente assim poderemos buscar a tão almejada efetividade dos direitos e verdadeira construção de sociedade mais justa, inclusiva e igualitária.

6. RESUMO DO CAPÍTULO

O resumo do capítulo tem a função de possibilitar ao(à) leitor(a) uma visão geral dos pontos tratados no presente capítulo, bem como permitir uma rápida revisão de algumas das principais informações nele tratadas. O tópico, portanto, busca compilar e sistematizar algumas relevantes informações, mas sua leitura não dispensa ou substituiu o estudo de toda a matéria analisada ao longo do capítulo.

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS, TERMINOLÓGICOS E CLASSIFICATÓRIOS

1. Porque direitos humanos?

• Ao longo da evolução histórica da humanidade, o tratamento e reconhecimento do ser humano nem sempre foi o mesmo. Episódios de violações massivas de direitos e absolutas afrontas à dignidade de pessoas exigiram que a própria humanidade reconhecesse direitos inerentes a todas as pessoas. Percebeu-se necessário, também, delimitar e consignar que todas as pessoas têm direito a ter direitos, bem como que as violações aos direitos devem ser devidamente punidas.

56. SILVA, Anderson Santos da; CAMARGO, Eduardo Aidê Bueno de; e RODRIGUES, João Mendes. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Salvador: Editora Juspodivm, 2018, p. 39.

57. RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 44.

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• Direitos humanos não se inserem em um plano ideal e imaginário, mas são (devem ser) perquiridos nos mais variados e corriqueiros casos. Estão presentes, por exemplo, em uma ação cível em que se analisa o direito à convivência familiar ou se busca a reintegração de posse; em um processo criminal que determina a prisão provisória de um indivíduo (mitigação da presunção de inocência) ou garante o direito do indivíduo em ser apresentado perante o Poder Judiciário caso seja detido.

2. Conceito e conteúdo dos direitos humanos

• Conceito e concepções contemporâneas: direitos humanos são aqueles inerentes à condição humana da pessoa, enquanto ser dotado de liberdade, igualdade, razão e dignidade. Sua titu-laridade decorre do só fato de a pessoa existir, englobando todos os aspectos indispensáveis e essenciais à vida digna, especialmente aqueles positivados em normas nacionais ou interna-cionais. Outrossim, sob uma perspectiva contemporânea, vale apontar o conceito apresentado por Joaquín Herrera Flores, para que os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Invocam, nesse sentido, uma plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana.

• Conteúdo e “direito a ter direitos”: podemos identificar como conteúdo dos direitos humanos a representação dos valores essenciais na proteção e promoção da dignidade humana. E o direito a ter direitos pode ser reconhecido como o primeiro direito humano, porque asse-gura o direito de cada indivíduo de pertencer a uma comunidade e ter acesso a uma ordem jurídica justa.

• Terminologia: conforme concepção tradicional, a expressão “direitos humanos” denota relação com o direito internacional público, contando com previsão em documentos internacionais; ao passo que os direitos fundamentais delimitam os direitos reconhecidos e positivados pelo direito constitucional de um Estado específico.

3. Dignidade da pessoa humana

• A dignidade da pessoa humana é reconhecida nos principais documentos internacionais, muitas vezes inclusive como fundamento de proteção dos direitos, como na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981, além de contar com positivação expressa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – em que reconhecida como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III).

• Trajetórias da dignidade humana: o caminhar histórico de proteção e promoção da dignidade humana iniciou-se, desde a antiguidade, com o reconhecimento e afirmação do valor do ser humano no mundo natural. Com o início da Modernidade, especialmente por meio do Ilumi-nismo (e da indelével contribuição de Immanuel Kant) é que a faceta igualitária e universal da dignidade se afirmou institucional. Possível notar, assim, um primeiro reconhecimento da dignidade da espécie humana – concepção antiga retratando que o ser humano ocupava posição superior e privilegiada entre os seres que habitam o mundo, mas permitindo a exis-tência de diferenças “naturais” entre alguns seres humanos (ex: permissão da escravatura e de submissão da mulher ao homem). Somente no limiar da Modernidade, especialmente por meio das lições kantianas, foi reconhecida a dignidade da pessoa humana – concepção moderna segunda a qual todas as pessoas, pelo só fato de pertencerem ao gênero humano, têm a mesma dignidade intrínseca, devendo ser tratadas com o mesmo respeito e conside-ração.

• Funções da dignidade da pessoa humana: dada a abrangência e abertura inerentes à dignidade da pessoa humana, possível vislumbrar múltiplas funções de sua aplicação no ordenamento, tais como: i) papel na hermenêutica jurídica – dignidade funciona como vetor axiológico dos

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ordenamentos jurídicos sociais e democráticos; ii) diretriz para ponderação – confere maior peso aos bens jurídicos e direitos que promovam a dignidade humana; iii) controle de vali-dade de atos (eficácia negativa) – considera como inválidos os atos estatais e privados que ofendam a dignidade; iv) fonte de novos direitos (eficácia positiva) – visa preencher lacunas e incompletudes dos ordenamentos para proteger a dignidade a dignidade das pessoas.

• Conteúdo da dignidade da pessoa humana: o conteúdo da dignidade humana, para que seja verdadeiro instrumento de transformação social e emancipação do ser humano, deve ser dotado de especial elasticidade. Nesse esteio, Daniel Sarmento estabelece os seguintes componentes do conteúdo essencial da dignidade: valor intrínseco da pessoa, que veda a sua instrumentalização em proveito de interesses de terceiros ou de metas coletivas; a igual-dade, que implica a rejeição das hierarquias sociais e culturais e impõe que se busque a sua superação concreta; a autonomia, tanto na sua dimensão privada, ligada à autodeterminação individual, como na pública, relacionada à democracia; o mínimo existencial, que envolve a garantia das condições materiais indispensáveis para a vida digna; e o reconhecimento, que se conecta com o respeito à identidade individual e coletivas das pessoas nas instituições, práticas sociais e relações intersubjetivas.

4. Especificidades dos direitos humanos

• Centralidade dos direitos humanos: os direitos humanos se encontram em posição central dos ordenamentos jurídicos, funcionando não só como paradigma de validade dos atos estatais e particulares, mas também como instrumento de pulverização da cultura de respeito aos valores essenciais à dignidade humana. Mas a mencionada centralidade não surgiu de pronto, tampouco já está acabada. Foi fruto de importantes amadurecimentos teóricos e de reações a graves violações de direitos humanos, especialmente aquelas levadas a cabo pelo positivismo puro e pelos regimes fascista e nazista.

• Função contramajoritária: a vontade da maioria, para que não corra o risco de tornar-se instrumento de opressão, de abusos e violações de direitos, deve inexoravelmente respeitar a singularidade e dignidade de cada indivíduo, considerando-o sempre como um fim em si mesmo. A essência democrática, por conseguinte, não pode ser confundida com a simples manifestação da vontade de uma maioria, pois deve sempre respeitar e promover os direitos das minorias, grupos vulneráveis e não hegemônicos. É nesse ponto que os direitos humanos surgem como relevante instrumento de promoção da dignidade minoritária, visando influenciar nas arenas políticas e judiciais no sentido de proteger direitos de grupos vulneráveis.

• Superioridade normativa: as normas de direitos humanos, na maioria dos casos, gozam de estatura constitucional, sendo hierarquicamente superiores às demais normas do ordenamento. E a abertura do ordenamento às normas de direitos humanos é bem constatada com os §§ 2º e 3º do artigo 5º da Constituição da República. No mais, também existem normas interna-cionais que por conterem valores essenciais à comunidade são consideradas como cogentes (normas de jus cogens), de forma a também gozar de superioridade.

• Normas de “jus cogens” – são aquelas que contém valores considerados essenciais para a comunidade nacional como um todo, e que, por isso, possuem superioridade normativa no choque com outras normas. Tais normas, inclusive, se sobrepõem à vontade dos Estados e não podem ser derrogadas por tratados ou costumes internacionais. São hipóteses de normas de jus cogens:

• Proibição do uso ilegítimo da força – retrata o dever dos Estados de evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado.

• Princípio da autodeterminação dos povos – consiste na garantia da liberdade do povo na tomada das decisões políticas, promovendo verdadeira emancipação política da comunidade de dominações estrangeiras.

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Cap. I • ASPECTOS GERAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS 53

• Normas cogentes de direitos humanos – a partir da Segunda Guerra Mundial as normas de direito internacional assimilaram a proteção de direitos do homem como princípio geral da ordem internacional e verdadeiro costume internacional. A atuação internacional para evitar e responsabilizar as graves violações aos direitos humanos confirmou a presença de uma questão de ordem pública internacional (jus cogens). Sendo assim, os direitos humanos constituem o núcleo essencial de normas que compõe o ordenamento jurídico internacional contemporâneo e, então, a norma de direito humanos é norma hierarquicamente superior no ordenamento, seja pelo critério material (conteúdo) ou pelo critério formal (jus cogens).

• Abertura dos direitos humanos: consiste na possibilidade de expansão do rol dos direitos e valores essenciais à promoção e proteção da dignidade humana. Por isso se diz que os direi-tos humanos gozam dos atributos da não exaustividade inexauribilidade, justamente porque acompanham os avanços e retrocessos da humanidade, sempre buscando formas de proteger a pessoa humana e sua dignidade.

• Proibição de retrocesso (efeito cliquet): a positivação ou previsão de um direito humano, seja no direito interno ou em documentos internacionais, incorpora-se ao patrimônio jurídico dos indivíduos e não pode ser suprimido de forma absoluta ou arbitrária. Isso porque a concre-tização de direitos essenciais dos indivíduos se compreende e incorpora à dignidade de cada qual, de forma que retrocessos injustificados acabam propriamente por macular a dignidade outrora protegida.

5. Estrutura dos direitos humanos: entre princípios e regras

• A maioria das normas que veiculam comandos de proteção aos direitos humanos retratam princípios, eis que possuem maior grau de abstração e permitem aplicação mais ampla no mundo fenomênico, veiculando verdadeiros mandados de otimização. Em tais casos, a técnica pura e simples da subsunção não se mostraria suficiente para aplicação e extração do conteúdo do direito, cabendo ao intérprete, ao mesmo tempo em que busca dar ampla eficácia ao texto normativo, conciliar e harmonizar o conteúdo do direito com outros inte-resses ou direitos eventualmente envolvidos. Não obstante, também é possível que a norma de direito humano possua discrição minuciosa de seu conteúdo, veiculando comportamento determinado e atuando em comando definitivo, caso em que veiculará uma regra jurídica.

• Sendo assim, a diferenciação das normas de direitos humanos em princípios e regras é essencial para a compreensão do papel dos direitos humanos no ordenamento, bem como fundamental para perquirir eventuais limitações e solucionar colisões entre direitos tutelados

7. QUESTÕES

1. (CESPE – 2019 – PRF – Policial Rodoviário Federal) Acerca de aspectos da teoria geral dos direitos humanos, da sua afirmação histórica e da sua relação com a responsabilidade do Estado, julgue o próximo item.– Todos os direitos humanos foram afirmados em um único momento histórico.

2. (MPE-PR – 2019 – MPE-PR – Promotor de Justiça). Assinale a alternativa incorreta:a) A edição da Declaração Universal de Direitos Humanos foi o marco da universalidade e inerência

dos direitos humanos.b) A teoria crítica dos direitos humanos objetiva a formulação de uma teoria geral dos direitos

humanos apta a ser aplicada, a priori, a todos os contextos existentes no planeta.c) Segundo o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010), ações afirmativas são programas

e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desi-gualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.

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Cap. I • ASPECTOS GERAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS 55

dignidade humana a puro conceito. Arendt concluiu que a essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos.

Estão corretas APENAS as afirmações:a) I, II e III.b) I, II e IV.c) II e IV.d) I, IV e V.e) I, III e V.

7.1. Gabarito Comentado

Gabarito Fundamentação Tópico

1 ErradoAssertiva é falsa, pois os direitos humanos são fruto de um processo de evolução histórica que, de forma paulatina, possibilitou seu reconhecimento e proteção

2.1 e 3.2

2 B

a) Correta, pois a DUDH foi o documento precursor no reconhecimento da universalidade da proteção internacional dos direitos humanos

3.1

b) Incorreta, já que as teorias críticas dos direitos humanos trazem diversas reflexões críticas sobre a visão hegemônica e ocidental dos direitos humanos, inclusive ponderando a necessidade de se resguardar formas de reconheci-mento locais (crítica descolonial)

4.4(Cap. III)

c) Correta, conforme artigo 1º, parágrafo único, inciso VI, do Estatuto da Igualdade Racial

---

d) Correta, pois reproduz a redação do artigo 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos

5.2.3(Cap. V)

e) Correta, pois a proibição de retrocesso (efeito cliquet) impõe que, uma vez positivado o direito humano, ele incorpora-se ao patrimônio jurídico do indivíduo, não mais podendo ser suprimido de forma absoluta ou arbitrária

4.5

3 A

a) Correta, pois a inerência dos direitos humanos (“todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”) expressa influência da concepção jusnatu-ralista, sendo que a menção de que “são dotadas de razão e consciência” se aproxima da visão racionalista da escola do direito natural

2.1

b) Incorreta (vide comentário da letra a) 2.1

c) Incorreta (vide comentário da letra a) 2.1

d) Incorreta (vide comentário da letra a) 2.1

e) Incorreta. Embora o pensamento de Aristóteles fosse permeado por ideias de justiça distributiva, ele não é compatível com a visão moderna (fruto do ilu-minismo), adotada pela Declaração Universal de 1948, de dignidade humana

3.2

4 Certo

A assertiva é verdadeira, pois uma distinção tradicional apresentada pela doutrina entre os direitos humanos e os fundamentais é relacionada ao local de previsão de cada qual: os direitos humanos contam com previsão interna-cional, ao passo que os fundamentais com previsão interna

2.1

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MANUAL DE DIREITOS HUMANOS – Bruno Del Preti • Paulo Lépore 94

ANO DOCUMENTO SÍNTESE DO DOCUMENTO

1628 Petition of Rights

Limitava substancialmente o poder régio, especialmente em relação a: instituição de impostos, os quais deveriam ser aprovados pelo Parlamento; restrições ao uso da lei marcial em tempos de paz; vedações a prisões arbitrárias; restrições à ocupação de casas particulares por soldados. De modo geral, também buscava reafirmar a aplicação dos direitos previstos na Magna Carta

1679 Habeas Corpus Act

Documento que buscava definir e estabelecer normas pro-cedimentais a já conhecida garantia do habeas corpus (pois contava com previsão consuetudinária desde antes da Carta Magna), com a finalidade de tutelar, de forma mais efetiva, a liberdade individual em face de detenção ilegal, abusiva ou arbitrária

1689 Bill of Rights

Encerrando o regime da monarquia absolutista inglesa, o documento previa a convocação regular do Parlamento, de cujo consentimento dependiam medidas como a criação de leis, a instituição de tributos e a manutenção de exército per-manente em tempos de paz. Também assegurava imunidade aos parlamentares por suas manifestações no Parlamento e impedir a aplicação de penas sem prévio julgamento

1776 Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia

No contexto da independência dos Estados Unidos da Amé-rica, registrou o nascimento dos direitos humanos na história, ao reconhecer que todos os homens são, por sua natureza, igualmente livres e independentes, e tem certos direitos ina-tos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar sua posteri-dade

1776 Independência Americana

Com forte teor retórico, a Declaração procura enunciar as causas que levaram à decisão de independência e, logo de início, já professa sua fé jusnaturalista, dizendo: Considera-mos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre esses direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade

1789 Declaração de Direitos do Ho-mem e Cidadão

No contexto dos valores e ideais da Revolução Francesa (liber-dade, igualdade e fraternidade), o documento marcou o fim do antigo regime absolutista francês e delineou o caminho para a evolução de todas as sociedades. Logo no artigo 1º dispõe que os homens nascem e são livres e iguais em direitos. No campo das liberdades individuais, assegurou que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena que não seja fixada em lei (art. 8º). Previu, também, a garantia da proprie-dade privada contra expropriações abusivas (art. 17) e estrita legalidade na criação e cobrança de tributos (arts. 13 e 14)

1864 Convenção de Genebra

Destinou-se a melhorar a sorte dos militares feridos nos exércitos e campanhas. Para tanto, regulamentou algumas situações humanitárias em conflitos armados, como a con-dição de neutralidade e proteção aos soldados feridos ou membros de assistência médica. Representou o nascimento do direito humanitário

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MANUAL DE DIREITOS HUMANOS – Bruno Del Preti • Paulo Lépore 132

Note, caro(a) leitor(a), que o conceito apresentado se divide em três aspectos:

DIREITOS HUMANOS

Definição (sen�do estrito)

Aqueles inerentes à condição humana da pessoa, enquanto ser

dotado de razão, liberdade, igualdade e dignidade

Abrangência (conteúdo)

Aspectos indispensáveis e essenciais para uma vida

digna

TitularidadeDecorre da mera existência

da pessoa, sem qualquer dis�nção ou discriminação

Dessa forma, os direitos humanos podem ser definidos como aqueles inerentes à própria condição humana da pessoa, condição essa que ostenta os atributos da racionalidade, da liberdade, da igualdade e da dignidade. Mas não são todos os direitos inerentes que podem gozar da adjetivação de humanos, mas somente aqueles que abrangem os aspectos indispen-sáveis e essenciais para uma vida digna. E são titulares desses direitos essenciais à vida digna todas as pessoas, pelo só fato de existirem, valendo a observação de que se considera como pessoa todos os seres humanos1, sem qualquer forma de discriminação ou de distinção.

2. CLASSIFICAÇÕES POSSÍVEIS AOS DIREITOS HUMANOS

Quando analisamos possíveis classificações aos direitos humanos, sempre bom esclarecer que cada qual parte de pressupostos e de análises distintas, razão pela qual não há se falar em uma classificação correta ou melhor do que as outras. Nesse sentido, veremos aquelas mais mencionadas em doutrina e desenvolveremos as informações mais relevantes para construção de uma teoria geral dos direitos humanos.

2.1. Teoria do status de Jellinek

A teoria do “status” de Georg Jellinek foi desenvolvida no final de século XIX e teve como contexto o repúdio do autor ao jusnaturalismo dos direitos humanos, que se via ancorado nas declarações liberais do século XVIII, especialmente na Declaração de Virgínia (1776)

1. Embora pareça tautológica, é uma afirmação necessária, já que em períodos da história – como na Segunda Guerra Mundial, alguns seres humanos não eram considerados como pessoas e, por isso, podiam ser objeto das mais diversas violações. Não sem razão, portanto, dispôs a Declaração Universal de Direitos Humanos, logo em seu Artigo II, que “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.

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MANUAL DE DIREITOS HUMANOS – Bruno Del Preti • Paulo Lépore 286

O artigo 8º traz o princípio da igualdade entre homens e mulheres, estabelecendo que não serão feitas distinções entre os gêneros para a elegibilidade perante os órgãos principais e subsidiários, devendo-se assegurar a participação de homens e mulheres em condições de igualdade.

Os demais dispositivos da Carta se destinam a regulamentar a organização e os assuntos tratados por cada um dos órgãos principais das Nações Unidas (artigo 9º ao artigo 101)6, bem como estabelecer as disposições finais (artigo 102 ao artigo 111), especialmente as relacionadas à assinatura e ratificação.

Em resumo, a Carta da ONU inova ao relativizar o clássico princípio da soberania em relação àqueles que estão no âmbito de sua competência territorial, ao estipular a cooperação entre os seus Estados membros, voltada para o respeito universal dos direitos humanos e liberdades fundamentais7.

2.2. Estrutura

O Capítulo II da Carta das Nações Unidas é destinado aos órgãos das Nações Unidas, que se estruturam em: principais, abrangendo a Assembleia Geral, o Conselho de Segu-rança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e a Corte Internacional de Justiça e um Secretariado; e subsidiários, que serão estabelecidos conforme as necessidades das Nações Unidas.

Órgãos Principais da

ONU

Assembleia Geral

Conselho de Segurança

Conselho de Tutela

Conselho Econômico e

Social

Corte Internacional

de Jus�ça

Secretariado

6. Os órgãos principais e a estrutura da Organização das Nações Unidas serão analisados no item 1 do Capítulo VII do nosso Manual, destinado ao estudo dos órgãos/mecanismos de proteção e monitoramento do sistema universal.

7. LAFER, Celso. Direitos Humanos: um percurso no direito do Século XXI. São Paulo: Atlas, 2015, p. 18.

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