Manual Legiomariae

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MANUAL OFICIAL DA LEGIO DE MARIA 1 edio no Brasil conforme nova edio revista e aumentada publicada pelo Concilium em 1993 CONCILIUM LEGIONIS MARIAE De Montfort House North Brunswick Street Dublin Ireland NOVA EDIO REVISADA NO BRASIL 1996 Concilium Legionis Dublin / Irlanda Nada obsta: Joseph Moran, O.P. Censor Theologicus Deputatus Imprima-se: + Desmond Connell Arcebispo de Dublin Hiberniae Primas Dublin, 8 de dezembro de 1993.

SENATUS DO BRASIL Nada obsta: Pe. Antonio Carlos Rossi Keller Censor ad hoc Imprima-se: Paulo Evaristo Card. Arns Arcebispo Metrop. de So Paulo So Paulo, 14. 6. 1996. _____________________________________________________________ DISTRIBUIO DE MATERIAIS: Vide relao anexa no final deste Manual.

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ndice Geral dos Assuntos Pgina Abreviaturas dos livros da Bblia........................................................... 3 Abreviaturas dos Documentos do Magistrio........................................ 4 Joo Paulo II Legio de Maria............................................................. 5 Nota Preliminar....................................................................................... 7 Perfil de FRANK DUFF......................................................................... 8 Fotografias: Frank Duff........................................................ face pg. 8 [Altar] Legionrio............................................. face pg. 106 Vexilla........................................................... face s pgs.146-7 Captulos: 1. Nome e origem.................................................................................... 9 2. Finalidade da Legio........................................................................... 11 3. O esprito da Legio............................................................................ 12 4. Servio legionrio............................................................................... 13 5. Espiritualidade da Legio.................................................................... 17 6. Os deveres dos legionrios para com Maria........................................ 25 7. O legionrio e a Santssima Trindade.................................................. 41 8. O legionrio e a Eucaristia................................................................... 44 9. O legionrio e o Corpo Mstico de Cristo............................................ 50 10. Apostolado da Legio......................................................................... 57 11. O plano da Legio............................................................................... 67 12. Fins externos da Legio....................................................................... 71 13. Condies de admisso na Legio....................................................... 80 14. O Praesidium....................................................................................... 83 15. Compromisso legionrio...................................................................... 89 16. Graus suplementares da Legio........................................................... 91 17. As almas dos legionrios falecidos...................................................... 102 18. Ordem a observar na reunio do Praesidium....................................... 104 19. A reunio e o membro......................................................................... 115 20. O sistema legionrio no deve ser alterado......................................... 124 21. O mstico lar de Nazar....................................................................... 126 22. Oraes da Legio............................................................................... 129 23. As oraes so invariveis................................................................... 133 24. Padroeiros da Legio............................................................................ 134 25. O Quadro da Legio............................................................................. 143 26. A Tessera.............................................................................................. 146 27. Vexillum Legionis................................................................................ 147 28. Administrao da Legio...................................................................... 150 29. Lealdade legionria............................................................................... 168 30. Solenidades legionrias......................................................................... 170 31. Expanso e recrutamento....................................................................... 177

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Pgina 32. Antecipando objees provveis............................................................ 180 33. Principais deveres dos legionrios.......................................................... 188 34. Deveres dos oficiais do Praesidium........................................................ 207 35. Receitas e Despesas................................................................................ 217 36. Praesidia que exigem tratamento especial............................................... 219 37. Sugestes de trabalhos............................................................................. 227 38. Os Patrcios.............................................................................................. 257 39. Principais diretrizes do apostolado legionrio......................................... 269 40. Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura.............. 304 41. A maior das trs a caridade ............................................................... 324 APNDICES: Apndice 1: Cartas e mensagens papais.......................................................... 327 Apndice 2: Alguns extratos da Constituio Lumen Gentium do Vaticano II ................................................. 332 Apndice 3: Trechos do Direito Cannico sobre as obrigaes e direitos dos fiis leigos na Igreja............................. 334 Apndice 4: A Legio Romana......................................................................... 336 Apndice 5: A Arquiconfraria de Maria, Rainha dos Coraes....................... 338 Apndice 6: A Medalha da Imaculada Conceio chamada Medalha Milagrosa .................................................... 340 Apndice 7: A Confraria do Santssimo Rosrio............................................... 342 Apndice 8: O ensino da Doutrina Crist........................................................... 344 Apndice 9: Associao de Pioneiros da Temperana Total em honra do Corao de Jesus............................................... 345 Apndice 10: O estudo da F.............................................................................. 346 Apndice 11: Sntese marial............................................................................... 349 Orao de S. Bernardo........................................................................................ 352 ndice das referncias bblicas............................................................................. 353 ndice dos Documentos do Magistrio................................................................. 355 ndice das referncias papais................................................................................ 356 ndice dos Autores e outras pessoas de interesse.................................................. 357 ndice geral dos assuntos (pormenorizado) .......................................................... 360 ndice alfabtico dos assuntos............................................................................... 366 Nota sobre as referncias a Jesus Cristo................................................................ 373 Poema de Jos Maria Plunket................................................................................ 374 Abreviaturas dos Livros da Sagrada EscrituraAntigo Testamento GN EX JS 1 SM 1 Cr Sl Ecl Ct Eclo Is Dn Gnesis xodo Josu 1 Samuel 1 Crnicas Salmo Eclesiastes Cntico dos Cnticos Eclesistico Isaas] Daniel Novo Testamento Mt Mateus, Mc Marcos, Lc Jo Joo , At Atos dos Apstolos, Rm 1 Cor 1 Corntios, 2 Cor 2 Corntios, Gl Ef Efsios Fl Filipenses Cl Colossenses 1 Ts 1 Tessalonicenses 1 Tm 1 Timteo 2 Tm 2 Timteo Hb Hebreus 1 Pd 1 Pedro 1 Jo 1 Joo Jd Judas Lucas Romanos Glatas

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Abreviaturas dos Documentos do Magistrio DOCUMENTOS DO VATICANO II (1962-1965) AA DV GS LG PO SC UR Apostolicam Actuositatem (Decreto sobre o Apostolado dos Leigos) Dei Verbum (Constituio Dogmtica sobre a Divina Revelao) Gaudium et Spes (Constituio Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporneo) Lumen Gentium (Constituio Dogmtica sobre a Igreja) Presbyterorum Ordinis (Decreto sobre o Ministrio e Vida dos Sacerdotes) Sacrosanctum Concilium (Constituio sobre a Sagrada Liturgia) Unitatis Redintegratio (Reintegrao da Unidade)

OUTROS DOCUMENTOS DO MAGISTRIO AAS Acta Apostolicae Sedis (Atos da S Apostlica) AD Ad diem illum (Jubileu da definio da Imaculada Conceio, S. Pio X, 1904) AN Acerbo Nimis (Ensino da Doutrina Crist, S. Pio X, 1905) CIC Catecismo da Igreja Catlica, 1992. ChL Christifideles Laici (A vocao e a misso dos fiis leigos na Igreja e no Mundo, Joo Paulo II, 1988) CT Catechesi Tradendae (A catequese no nosso tempo, Joo Paulo II, 1979) EI Enchiridion Indulgentiarum (Lista oficial das indulgncias e das leis que as regem. Sagrada Penitenciaria, 1968) EN Evangelii Nuntiandi (Evangelizao do mundo moderno, Paulo VI, 1975) FC Familiaris Consortio (A famlia crist no mundo moderno, Joo Paulo II, 1981) JSE Jucunda Semper (O Rosrio, Leo XIII, 1894) MC Mystici Corporis (O Corpo Mstico de Cristo, Pio XII, 1943) Mcul Marialis Cultus (A reta ordenao e desenvolvimento da devoo Bem-aventurada Virgem Maria, Paulo VI, 1974) MD Mediator Dei (A Sagrada Liturgia, Pio XII, 1947) MF Mysterium Fidei ( O Mistrio da F sobre o mistrio da Eucaristia, Paulo VI, 1965) MN Mens Nostra (Retiros, Pio XI, 1929) PDV Pastores Dabo Vobis (A formao dos sacerdotes nos tempos atuais, Joo Paulo II, 1992) RM Redemptoris Missio ( A validade permanente do mandato missionrio, Joo Paulo II, 1990) RMat Redmptoris Mater (Maria, Me do Redentor, Joo Paulo II, 1987). SM Signum Magnum (Consagrao a Nossa Senhora, Paulo VI, 1967) UAD Ubi Arcano Dei (A paz de Cristo no Reino de Cristo, Pio XI, 1922).

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Joo Paulo II Legio de Maria Palavras do Santo Padre Joo Paulo II A um grupo de legionrios italianos em 30 de outubro de 1982. 1. As minhas boas-vindas so dirigidas a cada um de vs. um motivo de alegria para mim ver-vos nesta sala em to grande nmero, vindos das vrias regies da Itlia, tanto mais que sois apenas uma pequena parte do movimento apostlico, que, no espao de sessenta anos, se espalhou rapidamente pelo mundo e hoje, a dois anos da morte do seu Fundador, Frank Duff, est presente em muitssimas dioceses da Igreja universal. Os meus predecessores, a comear por Pio XI, dirigiram palavras de reconhecimento Legio de Maria, e eu prprio, no dia 10 de maio de 1979, quando recebi uma das vossas primeiras delegaes, recordei com grande prazer as ocasies em que tinha estado com a Legio, em Paris, Blgica, Polnia e agora, como bispo de Roma, no decurso das minhas visitas pastorais s parquias da cidade. Hoje, portanto, ao receber em audincia a peregrinao italiana do vosso movimento, gostaria de realar aqueles aspectos que constituem a substncia da vossa espiritualidade e o vosso modo de ser e de trabalhar dentro da Igreja. Chamados a ser fermento 2. Sois um movimento de leigos que vos propondes fazer da f a aspirao da vossa vida, para conseguirdes a santidade pessoal. Sem dvida que um ideal sublime e difcil. Mas hoje a Igreja, atravs do Conclio, chama todos os cristos leigos a este ideal, convidandoos a participar do sacerdcio real de Cristo, que eles exercem pelo testemunho da santidade de vida, pela abnegao e caridade concreta; a ser no mundo, com o esplendor da f, esperana e caridade, aquilo que a alma para o corpo (Lumen Gentium, 10 e 38). A vossa vocao prpria, como leigos, isto , a vocao a serdes um fermento no Povo de Deus, uma fora inspiradora no mundo moderno, a conduzir o sacerdote ao meio do povo, eminentemente eclesial. O mesmo Conclio Vaticano Segundo exorta todos os leigos a aceitarem com pronta generosidade, o chamamento a uma mais ntima unio com o Senhor; considerando como de todos, aquilo que lhes prprio, participam na mesma misso salvfica da Igreja, tornam-se seus instrumentos vivos, sobretudo onde, por causa das particulares condies da sociedade moderna o aumento constante da populao, a reduo do nmero de sacerdotes, o surgimento de novos problemas, a autono-

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mia de muitos setores da vida humana a Igreja dificilmente pode estar presente e ativa (ibidem, 33). A rea do apostolado dos leigos est nos dias de hoje extraordinariamente dilatada. Por isso, o compromisso da vossa tpica vocao torna-se mais urgente, estimulante, vivo e relevante. A vitalidade do laicato cristo sinal da vitalidade da Igreja. O vosso compromisso legionrio torna-se por isso mais urgente, considerando, por um lado, as necessidades da sociedade italiana e das naes de antiga tradio crist, e, por outro, os brilhantes exemplos que vos precederam no vosso prprio movimento. Quero lembrar-vos apenas alguns nomes: Edel Quinn, com a sua atividade na frica negra; Afonso Lambe, nas reas marginalizadas da Amrica Latina e, finalmente, os milhares de legionrios assassinados na sia ou que terminaram a vida nos campos de trabalho. Com o esprito e a solicitude de Maria 3. A vossa espiritualidade eminentemente mariana, no s porque a Legio se gloria do nome de Maria como sua bandeira desfraldada, mas, acima de tudo, porque baseia a sua espiritualidade e apostolado no princpio dinmico da unio com Maria, na verdade da ntima participao da Virgem Maria no plano da salvao. Por outras palavras, vs pretendeis servir cada pessoa, imagem de Cristo, com o esprito e solicitude de Maria. Se o nosso nico Mediador o homem Jesus Cristo, como declara o Conclio, a funo maternal de Maria em relao aos homens de modo algum enfraquece o brilho ou diminui esta nica mediao de Cristo; manifesta antes a sua eficcia (LG 60). Por isso, a Virgem invocada na Igreja com os ttulos de Advogada, Auxiliadora, Perptuo Socorro, Medianeira, Me da Igreja. Daqui vem, que no seu nascimento e crescimento e no seu trabalho apostlico, olha para Aquela que deu Cristo luz, concebido pela ao do Esprito Santo. Onde est a Me, a est tambm o Filho. Aquele que se afasta da Me acaba, mais cedo ou mais tarde, por se distanciar do Filho. No de admirar que hoje, em vrios setores da sociedade, notamos uma difundida crise da f em Deus, precedida de uma queda na devoo Virgem Me. A vossa Legio faz parte dos movimentos que se sentem pessoalmente comprometidos a propagar ou fazer nascer a f, mediante a expanso ou o renascimento da devoo a Maria. Deste modo, ser sempre capaz de fazer quanto puder para que, pelo amor Me, seja mais conhecido e amado o Filho caminho, verdade e vida de cada pessoa. nesta perspectiva de f e de amor que vos concedo, de todo o corao a Bno Apostlica.

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NOTA DE ESCLARECIMENTO A presente edio deste Manual recebeu reviso de linguagem a partir da edio de Portugal, traduzida diretamente do original ingls (Dublin Irlanda). A equipe responsvel no fez qualquer alterao no contedo (no se contemplaram outros aspectos como: normas, orientaes pastorais etc., bem como os nomes em latim, que foram mantidos), visto ser isso competncia exclusiva do Concilium Legionis. Buscou-se, sempre sendo fiel ao original, to somente simplificar a linguagem, de modo a torn-la mais acessvel e mais clara. Procurou-se adequar o vocabulrio, o mximo possvel, realidade de comunicao e expresso do Brasil. Que o mesmo Divino Esprito, que iluminou e animou este trabalho, venha a suprir, no corao e no entendimento da famlia legionria, as falhas que nossas limitaes no conseguiram sanar. Com carinho, pelas mos de Maria, EQUIPE DE REVISO 1921 1996 LEGIO DE MARIA: 75 anos no Mundo e 45 Anos de Caminhada no Brasil Nota Preliminar A Legio um sistema que pode ser desequilibrado pela supresso ou alterao de qualquer das suas partes. Dela poderiam ter sido escritos os seguintes versos de Whittier: Arrancai um s fio, e danificareis a teia. Quebrai uma que seja dos milhares de teclas, e o estrago h de repercutir-se em todas elas. Por isso, se no estais dispostos a pr em prtica o sistema como vem escrito nestas pginas, por favor, no fundeis a Legio. Lede cuidadosamente a este respeito o captulo 20: O sistema legionrio no deve ser alterado. Alm disso, ningum pertence Legio, sem nela se haver filiado, atravs de um Conselho devidamente aprovado. Se a experincia passada pode servir de exemplo, nenhum ramo da Legio falhar, no caso de se conformar fielmente com as normas aqui traadas.

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FRANK DUFF Fundador da Legio de Maria Frank Duff nasceu em Dublin, na Irlanda, a 7 de junho de 1889. entrou para o Funcionalismo Civil aos 18 anos. Aos 24, alistou-se na Sociedade de S. Vicente de Paulo, onde foi levado a um mais profundo compromisso com a sua F Catlica e adquiriu, ao mesmo tempo, uma grande sensibilidade s necessidades dos pobres e desfavorecidos. Juntamente com um grupo de senhoras catlicas e o Padre Michael Toher, da Arquidiocese de Dublin, fundou o primeiro Praesidium da Legio de Maria, a 7 de setembro de 1921. A partir desta data at a morte, a 7 de novembro de 1980, orientou a extenso mundial da Legio, com herica dedicao. Assistiu ao Conclio Vaticano II, como observador leigo. Os seus mpetos de profunda compreenso do papel da Santssima Virgem no plano da Redeno, bem como do papel dos fiis leigos na misso da Igreja, refletem-se no Manual, quase inteiramente, obras das suas mos.

Frank Duff

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LEGIO DE MARIA Quem esta que avana como a aurora, formosa como a lua, brilhante como o sol, terrvel como um exrcito em ordem de batalha? (Ct 6, 9). O nome da Virgem era Maria (Lc 1, 27). Legio de Maria! Que nome bem escolhido! (Pio XI). 1 NOME E ORIGEM A Legio de Maria uma Associao de catlicos que, com a aprovao da Igreja e sob o poderoso comando de Maria Imaculada, Medianeira de todas as graas, (formosa como a lua, brilhante como o sol e, para Satans e seus adeptos, terrvel como um exrcito em ordem de batalha), se constituram em Legio para servir na guerra, perpetuamente travada pela Igreja contra o mal que existe no mundo. Toda a vida humana, quer individual quer coletiva, se apresenta como uma luta dramtica entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas (GS 13). Este exrcito, hoje to numeroso, teve a mais humilde das origens. No proveio de longas meditaes: surgiu espontaneamente, sem premeditaes de regras e prticas. Surgiu a idia. Marcou-se uma tarde para a reunio de um pequeno grupo cujos componentes dificilmente supunham que estavam a ser instrumentos da Divina e amorosa Providncia. O aspecto daquela reunio foi idntico ao das reunies legionrias que depois viriam a se efetuar em toda a terra. No meio do grupo, sobre uma mesa,

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[Captulo 1

Nome e Origem

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com uma toalha branca, erguia-se uma imagem da Imaculada Conceio (igual da Medalha Milagrosa) ladeada por dois vasos de flores e duas velas acesas. Esta disposio, to expressiva no seu conjunto, fruto da inspirao de um dos primeiros a chegar, refletia perfeitamente o ideal da Legio de Maria. A Legio um exrcito. E, antes mesmo de os legionrios se reunirem, ela, a Rainha, j aguardava, de p, aqueles que certamente atenderiam ao seu chamado. No foram eles que a adotaram: foi ela que os adotou. E desde ento, com ela marcharam e combateram, certos de que haviam de vencer e perseverar, precisamente na medida em que estivessem unidos a ela. O primeiro ato coletivo destes legionrios foi ajoelhar. Aquelas cabeas jovens e ardentes inclinaram-se. Rezou-se a Invocao e a Orao ao Esprito Santo; e depois, aqueles dedos que, durante o dia, haviam trabalhado arduamente, desfiaram as contas do tero, a mais simples das devoes. Terminadas as oraes, sentaram-se e, sob a proteo de Maria (representada por sua imagem), aplicaram-se a procurar os meios de mais agradar a Deus e de O tornar mais amado neste mundo, que lhe pertence. Desta troca de impresses nasceu a Legio de Maria, com a fisionomia que hoje apresenta. Que maravilha! Quem, considerando a humildade de tais pessoas e a simplicidade do seu procedimento, poderia prever, mesmo num momento de entusiasmo, o destino que em breve as esperava? Quem, dentre elas, poderia imaginar que estava sendo inaugurado um sistema que, sendo dirigido com fidelidade e vigor, possuiria o poder de comunicar, atravs de Maria, a doura e a esperana s naes? Entretanto, assim havia de ser. O primeiro alistamento dos legionrios de Maria realizou-se em Myra House, Francis Street, Dublin, Irlanda, s vinte horas do dia 7 de setembro de 1921, vspera da festa da Natividade de Nossa Senhora. A organizao nascente ficou conhecida no incio como Associao de Nossa Senhora da Misericrdia, em virtude de o primeiro grupo ter tomado o ttulo de Senhora da Misericrdia. Circunstncias, aparentemente casuais, determinaram o dia 7 de setembro, que parecia menos indicado que o seguinte. S alguns anos depois quando provas sem nmero de um verdadeiro amor maternal, levaram reflexo que se compreendeu que, no ato do nascimento da Legio, esta recebera das mos de sua Rainha uma enternecedora carcia. Da tarde e da manh

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[Captulo 2

Finalidade da Legio

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se fez o primeiro dia (Gn 1, 5); e com certeza os primeiros e no os ltimos perfumes da festa da sua Natividade eram os mais apropriados aos momentos iniciais de uma organizao, cujo principal e constante objetivo consiste em reproduzir em si prpria, a imagem de Maria, de maneira a glorificar melhor o Senhor e a comunic-lO aos homens. Maria a Me de todos os membros do Salvador, porque ela, pela sua caridade, cooperou no nascimento dos fiis, na Igreja. Maria o molde vivo de Deus, porque foi s nela que um Deus-Homem se formou, de verdade, sem perder qualquer trao da sua divindade; e porque s nela que o homem pode verdadeiramente e de uma maneira viva, formar-se em Deus, na medida em que a natureza humana disto capaz, pela graa de Jesus Cristo (Santo Agostinho). A Legio de Maria apresenta a verdadeira face da Igreja Catlica (Joo XXIII). 2 FINALIDADE DA LEGIO A Legio de Maria tem como fim a glria de Deus, por meio da santificao dos seus membros, pela orao e cooperao ativa, sob a direo da autoridade eclesistica, na obra de Maria e da Igreja: o esmagamento da cabea da serpente e a extenso do reino de Cristo. A menos que o Concilium aprove e as reservas apontadas no Manual Oficial da Legio, a Legio de Maria est disposio do Bispo da Diocese e do Proco para toda e qualquer forma de servio social e de Ao Catlica que estas autoridades julguem convenientes aos legionrios e til Igreja. Os legionrios nunca tomaro sobre si qualquer destas atividades numa Parquia sem a aprovao do Proco ou do Ordinrio. Por Ordinrio, nestas pginas, entende-se o Ordinrio local, isto , o Bispo diocesano ou outra autoridade eclesistica competente.

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O Esprito da Legio

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a) O fim imediato de tais organizaes o fim apostlico da Igreja, isto , destinam-se evangelizao e santificao dos homens e formao crist da sua conscincia, de modo que possam fazer penetrar o esprito do Evangelho, nas vrias comunidades e nos diversos ambientes. b) Os leigos, cooperando a seu modo com a Hierarquia, contribuem com a sua experincia e assumem a sua responsabilidade no governo destas organizaes, no estudo das condies em que a ao pastoral da Igreja se deve exercer e na elaborao e execuo dos planos a realizar. c) Os leigos agem unidos, como um corpo orgnico, para que se manifeste com maior evidncia a comunidade da Igreja e para que o apostolado seja mais eficaz. d) Os leigos, quer se ofeream espontaneamente quer sejam convidados ao e direta colaborao com o apostolado hierrquico, trabalham sob a superior orientao da mesma hierarquia, a qual pode aprovar essa cooperao com um mandato explcito (AA 20). 3 O ESPRITO DA LEGIO O esprito da Legio o prprio esprito de Maria, de quem os legionrios se esforaro, de modo particular, por adquirir a profunda humildade, a obedincia perfeita, a doura anglica, a aplicao contnua orao, a mortificao universal, a pureza perfeita, a pacincia herica, a sabedoria celeste, o amor corajoso e sacrificado a Deus e, acima de tudo, a sua f, virtude que s ela praticou no mais alto grau, jamais igualado. Inspirado nesta f e neste amor de Maria, a Legio lana-se a toda a tarefa, seja ela qual for, sem alegar impossibilidades, porque julga que tudo lhe possvel e permitido (Imitao de Cristo, L. III: 5). O modelo perfeito desta vida espiritual e apostlica a bem-aventurada Virgem Maria, Rainha dos Apstolos: levando na terra uma vida semelhante do comum dos homens, cheia de cuidados

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[Captulo 4

Servio Legionrio

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domsticos e de trabalhos, a todo o momento se mantinha unida a seu Filho e de modo singular cooperou na obra do Salvador... Prestem-lhe todos um culto cheio de devoo e confiem sua solicitude materna a prpria vida e apostolado (AA 4). 4 SERVIO LEGIONRIO 1. O legionrio deve revestir-se da armadura de Deus (Ef 6, 11). A Legio Romana, cujo nome foi adotado pela organizao, atravessou os sculos com uma gloriosa tradio de lealdade, de coragem, de disciplina, de resistncia e de triunfos, embora a servio de causas por vezes indignas, ou, pelo menos, puramente terrenas (Conferir Apndice 4: A Legio Romana). Evidentemente que a Legio de Maria no pode apresentar-se sua Rainha com menos virtudes que a Legio Romana, como se fosse uma jia, mas sem as pedras preciosas que a enfeitam. As velhas virtudes daquele exrcito so, por conseguinte, o mnimo exigido para o servio legionrio. S. Clemente, que foi convertido por S. Pedro e trabalhou com S. Paulo, prope a Legio Romana como modelo a ser imitado pela Igreja. Quem so os inimigos? So os perversos que resistem vontade de Deus. Lancemo-nos pois, resolutamente na batalha de Cristo e sujeitemo-nos s suas gloriosas ordens. Atentemos bem para os que servem na Legio Romana, debaixo das autoridades militares e notemos a sua disciplina, a sua prontido, a sua obedincia na execuo das ordens. Nem todos so prefeitos ou tribunos ou centuries ou chefes de cinqenta homens ou de outro grau inferior de autoridade. Mas cada homem, na sua escala, executa as ordens do Imperador e dos seus Oficiais superiores. O grande no pode existir sem o pequeno, nem o pequeno, sem o grande. Uma certa unidade orgnica liga todas as partes, de modo que cada uma ajuda as demais e ajudada por todas. Tomemos o exemplo do nosso corpo. A cabea no nada sem os ps e os ps no so nada sem a cabea. Mesmo os mais pequenos rgos do nosso corpo so necessrios e de grande

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[Captulo 4

Servio Legionrio

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valor para o corpo inteiro. Com efeito, todas as partes trabalham unidas, em mtua dependncia, e aceitam uma obedincia comum para bem de todo o corpo (S. Clemente, Papa e Mrtir: Epstola aos Corntios (AD. 96), cap. 36 e 37). 2. O legionrio deve ser uma hstia viva, santa, agradvel a Deus... no conformado com este sculo (Rm 12, 1-2). Deste alicerce, brotaro, no legionrio fiel, virtudes tanto mais elevadas, quanto mais sublime a sua causa, e, acima de tudo, uma nobre generosidade que ser o eco das palavras de Santa Teresa dvila: Receber tanto e dar to pouco em troca! Oh! um martrio que me leva morte. Contemplando o Senhor Jesus crucificado que ofereceu por ele o ltimo suspiro e a ltima gota de sangue, o legionrio dever esforar-se por reproduzir no seu apostolado uma doao completa semelhante. Diz-me, meu povo: que mais devia eu ter feito pela minha vinha, alm do que fiz? (Is 5, 4). 3. O legionrio no deve furtar-se ao trabalho e fadiga (2Cor 11, 27). Como recentes acontecimentos comprovam, haver sempre lugares na terra, em que o zelo catlico deve estar preparado para enfrentar a tortura ou a prpria morte. Assim muitos legionrios passaram o limiar da glria de maneira triunfal. Mas, em geral, a dedicao do legionrio encontrar um campo de ao mais modesto, embora lhe oferea ampla oportunidade para um herosmo pacfico, que no ser por isso, menos verdadeiro. O apostolado da Legio obrigar o contato com muitos que, preferindo ficar longe de qualquer influncia salutar, manifestaro o seu desagrado ao receber a visita daqueles cuja nica misso espalhar o bem. claro que todos podero ser conquistados, mas somente o sero, custa de um trabalho corajoso e paciente. Olhares malvolos, injrias e repulsas, caoadas e crticas agressivas, o cansao do corpo e do esprito, nsias torturantes provenientes de insucessos e de dolorosas ingratides, frio cortante, chuva que cega, lama e vermes, mau cheiro, ruas escuras, ambientes asquerosos, renncia voluntria a prazeres legtimos, aceitao do sofrimento, prprio a todo o trabalho de apostolado, a angstia

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provocada em toda a alma delicada, perante a falta de religio e a libertinagem, a dor de quem partilha sinceramente o sofrimento do prximo tudo isto no encerra encanto algum para a natureza; mas, suportado com doura e at com alegria, levado com perseverana at o fim, aproximar-se-, na balana divina, daquele amor, o maior de todos, que consiste em dar a vida pelo amigo. Que darei eu ao Senhor por todos os benefcios com que Ele me cumulou? (Sl 116, 12). 4. O legionrio deve andar no amor, como tambm Cristo nos amou e se entregou a Si mesmo por ns (Ef 5, 2). O segredo do bom xito junto do prximo est em estabelecer com ele um contato pessoal, contato de amor e de simpatia. Este amor deve ser mais do que aparncia. Tem se de ser capaz de resistir s provas da verdadeira amizade, o que obrigar freqentemente, a certo nmero de sacrifcios. Cumprimentar, em meios de certa distino, algum que pouco antes visitamos na cadeia; acompanhar publicamente pessoas andrajosas, apertar efusivamente mos pouco limpas; compartilhar de uma refeio oferecida numa casa pobre ou suja: eis o que pode ser custoso para muitos. Mas, se assim no procedermos, a nossa amizade passar por simulao: perde-se o contato e a alma que estava a ser elevada afunda-se de novo na desiluso. Na raiz de todo o trabalho verdadeiramente fecundo deve estar o firme propsito de uma doao total de ns prprios. Sem esta disposio, o apostolado no tem base. O legionrio que delimita o seu zelo declarando: Sacrificar-me-ei at aqui, mas no mais, embora gaste grandes energias, realizar apenas um trabalho insignificante. Pelo contrrio, se esta boa vontade existe, ainda que nunca ou s em pequena escala, seja chamada a atuar, no deixar de ser poderosamente produtiva em grandes obras. Jesus respondeu-lhe: dars a tua vida por Mim? (Jo 13, 38). 5. O legionrio deve acabar a sua carreira (2Tm 4, 7). Assim, o servio a que a Legio chama os seus soldados, no tem limites nem restries. No se trata de um simples conselho de perfeio, mas de uma necessidade, porque, se no visamos a um tal objetivo, a perseverana no organismo impossvel. Man-

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ter-se durante uma vida inteira, no trabalho de apostolado, constitui por si mesmo, herosmo que s ser atingido por uma srie contnua de atos hericos que encontram a sua recompensa, na prpria perseverana. Mas a perseverana no uma caracterstica prpria s do indivduo. Todo e cada um dos mltiplos deveres da Legio deve levar o cunho de um esforo constante. Mudanas acontecero necessariamente: pessoas e lugares diferente que se visitam, trabalhos que terminaram, substitudos por novos empreendimentos. Tudo isto, porm, o resultado da variao constante da vida e no o fruto de inconstncia caprichosa e de uma curiosidade sedenta de novidade, que acaba por arruinar a melhor disciplina. Receosa deste esprito de instabilidade, a Legio apela incessantemente para um esprito cada vez mais firme dos seus membros, mandando-os depois de cada reunio para as suas tarefas, levando consigo uma senha imutvel: Firme! A execuo perfeita depende de um esforo contnuo que, por sua vez, o resultado de uma vontade indomvel de vencer. Para obter esta firmeza da vontade essencial nunca ceder, nem pouco, nem muito. Por isso a Legio impe a todos os seus ramos e a todos os seus membros, uma atitude firme que no combine com a aceitao de qualquer derrota ou com a tendncia que leve a qualificar este ou aquele pormenor do trabalho legionrio com os termos de prometedor, pouco prometedor, desesperador, etc. A facilidade de classificar de desesperador, este ou aquele caso, acaba permitindo que uma alma de preo infinito continue livre e desenfreadamente a sua corrida descuidada para o inferno. Alm disso, esse comportamento mostra que existe um desejo irresponsvel de mudanas e de progresso visvel, que tende a substituir o motivo mais sublime do apostolado, por outro menos elevado. E ento a no ser que a semente brote debaixo dos ps do semeador, surge o desnimo e cedo ou tarde o trabalho abandonado. Mais ainda: a Legio declara com insistncia que o ato de classificar qualquer caso de desesperado enfraquece automaticamente a atitude a assumir perante outros casos. Consciente ou inconscientemente, iniciar-se- qualquer trabalho com esprito de dvida, perguntando-nos se vale ou no o esforo a ser empregado. A menor sombra de dvida paralisa a ao. E o pior que a f deixar de atuar com a intensidade que se espera dela nos empreendimentos da Legio, pois apenas se lhe permite modesta interferncia, quando alguma coisa parece razovel. Ento a f, bloqueada dessa maneira e barrada as suas resolues, apare-

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cero imediatamente a timidez natural, a mesquinhez, a prudncia do mundo, at ali abafadas, e a Legio vai se encontrar diante de um servio feito por acaso ou indiferente, que constitui oferta vergonhosa, indigna do Cu. Eis porque a Legio no se interessa seno secundariamente pelo programa de trabalho; ela se preocupa em primeiro lugar, com a intensidade do ardor colocado na sua realizao. No exige dos seus membros, riqueza ou influncia, mas uma f firme, no exige grandes feitos, mas, unicamente um esforo que no esmorea; no exige talento, mas um amor que nunca se satisfaa; no exige uma fora gigantesca, mas uma disciplina contnua. O trabalho do legionrio deve ser inflexvel e firme, recusando-se sempre a admitir qualquer desnimo. No momento da crise, deve ser uma rocha e em todos os momentos, constante. Deve esperar o bom xito de maneira humilde, mas nunca ser seu escravo. Na luta contra os insucessos, deve ser um corajoso combatente, jamais desanimando, colocando-se sempre acima das dificuldades e monotonias, porque elas lhe oferecem ocasio de provar a sua energia e a sua f. Pronto e resoluto, se o chamam; sempre alerta, quando na reserva; e mesmo sem combate, sem inimigo vista, sempre de sentinela, pela causa de Deus. Com o corao cheio de ambies insaciveis, mas contente com a funo humilde de tapar uma brecha; nenhum trabalho excessivo; nenhuma tarefa desprezvel demais; em tudo, a mesma cuidadosa ateno, a mesma pacincia inesgotvel, a mesma coragem frrea; em cada tarefa a marca profunda da mesma firmeza inaltervel. Sempre a servio do prximo, sempre disposio dos fracos para os ajudar a atravessar as horas difceis de desnimo, sempre de guarda, espera do momento em que surpreenda naquele que at ento teimava no erro, um sinal de sensibilidade; e sempre incansvel procura dos transviados. Esquecido de si mesmo: permanecendo junto da cruz de seus irmos e no abandonando o seu posto, seno quando tudo estiver consumado. Nunca o desnimo deve penetrar nas fileiras de uma associao consagrada Virgem Fiel e que para honra ou desonra usa o seu nome. 5 ESPIRITUALIDADE DA LEGIO As oraes da Legio refletem os princpios bsicos da sua espiritualidade. A Legio alicera-se, em primeiro lugar, numa

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inabalvel F em Deus e no amor que Ele dedica a Seus filhos, de cujos esforos quer tirar motivo de glria. Por isso, deseja Deus purific-los e torn-los fecundos e duradouros. Quando nos deixamos dominar pela indiferena ou por uma ansiedade febril, porque pensamos que Ele no passa de mero espectador do nosso trabalho. Deveramos antes tomar conscincia de que, se as boas intenes brotam em ns, porque Ele a as semeou e s frutificaro, se a sua virtude nos amparar a todo o momento. Deus se preocupa mais com o bom xito do nosso trabalho do que ns prprios: esta ou aquela converso, em que nos empenhamos, deseja-a Ele infinitamente mais do que ns. Queremos ser santos? Por isso, suspira Ele mil vezes mais do que ns mesmos. A convico da colaborao onipotente de Deus, bondoso Pai, no trabalho da santificao pessoal e no servio a favor do prximo, deve constituir o apoio fundamental para os legionrios. No caminho do bom xito, s pode haver um obstculo: a falta de confiana. Tenhamos f bastante e Deus se servir de ns para conquistar o mundo. Porque todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo; e esta a vitria que vence o mundo, a nossa f (1Jo 5, 4). Acreditar quer dizer abandonar-se prpria verdade da palavra de Deus vivo, sabendo e reconhecendo humildemente quanto so impenetrveis os seus desgnios e desconhecidos os seus caminhos (Rm 11, 33). Pela eterna vontade do Altssimo, veio Maria a encontrar-se, por assim dizer, no prprio centro dos desconhecidos caminhos e dos impenetrveis desgnios de Deus e conforma-se a eles na obscuridade da f, aceitando plenamente e com o corao aberto, tudo quanto disposio dos desgnios divinos (RMat. 14). 1. Deus e Maria Abaixo de Deus, sobre a devoo a Maria, maravilha inefvel do Altssimo (Pio IX), que a Legio se fundamenta. Mas qual a posio de Maria em relao a Deus? Como todos os mortais foi tirada do nada; e embora Deus a sublimasse a um estado de graa imenso e inconcebvel, diante do Criador Ela no passa do nada. Na verdade ela , por excelncia, a Sua criatura porque Ele a trabalhou mais que nenhuma outra. Quanto mais Deus opera maravilhas em Maria, tanto mais Ela se torna obra das Suas mos. Que grandes prodgios no realizou em seu favor!

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Com a idia do Redentor, ela esteve presente no pensamento de Deus desde toda a eternidade. Associou-a aos secretos desgnios dos Seus planos de graa, tornando-a a verdadeira Me do Seu filho e daqueles que a Seu Filho esto unidos. Fez todas estas coisas porque, em primeiro lugar, Ele receberia de Maria, um ganho superior ao de todas as criaturas reunidas; e ainda porque estava, no Seu plano, de maneira inatingvel s nossas pobres inteligncias, aumentar por este meio, a glria que de ns prprios havia de receber. Assim, a orao e o servio amoroso com que testemunhamos a nossa gratido a Maria, nossa Me e auxiliadora da nossa salvao, no podem representar prejuzo para Aquele que assim a criou. O que damos a Maria no vai menos direta e inteiramente para Ele; no apenas transmitido na sua integridade, mas acrescentado com os mritos da intermediria. Maria mais do que uma fiel mensageira. Constituda por Deus, elemento vital do Seu plano de misericrdia, a sua presena acrescenta ao mesmo tempo, a glria de Deus e a nossa graa. Assim como foi do agrado do eterno Pai receber por intermdio de Maria, as homenagens que Lhe so dirigidas, assim se dignou, por Sua grande misericrdia, escolher Maria para ser o canal pelo qual sero derramadas sobre a humanidade as diversas demonstraes da Sua onipotncia e generosa bondade, comeando pela causa de todas elas a segunda Pessoa divina, encarnada, nossa verdadeira vida, nossa nica salvao. Se quero tornar-me dependente da Me para me tornar o escravo do Filho. Se desejo tornar-me sua propriedade para prestar a Deus com mais segurana, a homenagem da minha sujeio (Sto. Ildefonso). 2. Maria, Medianeira de todas as graas A confiana da Legio em Maria ilimitada, porque sabe que, por decreto divino, o seu poder no tem limite. Deus deu a Maria tudo quanto lhe podia dar. Tudo o que ela podia receber, recebeu-o plenamente. Deus constituiu-a para ns um meio extraordinrio de graa. Atuando em unio com ela, aproximamo-nos mais de Deus; e por isso adquirimos mais abundantes graas, visto nos colocarmos na prpria corrente da graa, pois Maria a esposa do Esprito Santo, o canal de todas as graas merecidas por Jesus Cristo. Nada recebemos que no devamos a uma positiva intercesso da sua parte. No se contenta com transmitir-

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nos tudo: tudo nos obtm. Penetrada de uma f viva nesta funo medianeira de Maria, a Legio impe-na aos seus membros como uma devoo especial. Julgai com que amor ardente querer Deus que honremos Maria, pois derramou nela a plenitude dos Seus dons, de tal sorte que tudo que possumos, esperana, graa, salvao, tudo, no duvidemos disso tudo vem dela para ns (S. Bernardo: Sermo de Aquaeductu). 3. Maria Imaculada O segundo aspecto da devoo da Legio a Maria o culto da Imaculada Conceio. Logo na primeira reunio os membros rezaram e deliberaram em volta de um altarzinho da Imaculada Conceio, idntico quele que hoje forma o centro de todas as reunies legionrias. Alm disso o primeiro sopro de vida da Legio foi uma jaculatria em honra desse privilgio de Nossa Senhora, que constitui a preparao para todas as dignidades e privilgios que depois lhe foram concedidos. Deus j tinha se referido Imaculada Conceio, quando, no Gnesis, nos prometeu Maria. Este privilgio faz parte integrante de Maria: Maria a Imaculada Conceio. Com este privilgio, a Sagrada Escritura anuncia as suas celestes conseqncias: a Maternidade Divina de Maria, o esmagamento da cabea da Serpente, pela Redeno e, em relao aos homens, a Sua Maternidade espiritual. Eu porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua descendncia e a dela: ela te esmagar a cabea ao tentares mord-la no calcanhar (Gn 3, 15). nestas palavras dirigidas pelo Onipotente a Satans, que a Legio procura e encontra a confiana e a fora na guerra contra o pecado. Ela aspira, por isso, de todo o corao, a tornar-se plenamente a descendncia eleita de Maria, porque s assim ter o penhor da vitria: quanto mais os seus membros se tornarem verdadeiros filhos da Imaculada, tanto mais aumentar a sua hostilidade contra as potncias do inferno e tanto mais completa ser a sua vitria. A Sagrada Escritura, no Velho e no Novo Testamento e a venervel Tradio, mostram, de modo progressivamente mais claro, e de certa forma nos apresentam o papel da Me do Salvador na economia da salvao. Os livros do Antigo Testamento descrevem

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a histria da salvao, na qual se vai preparando lentamente a vinda de Cristo, ao mundo. Esses antigos documentos, tais como so lidos na Igreja e interpretados luz da plena revelao posterior, vo pondo cada vez mais em evidncia a figura de uma mulher, a Me do Redentor. Vista sob esta luz, Maria encontra-se j profeticamente delineada na promessa da vitria sobre a serpente (cfr. Gn 3, 15), feita aos primeiros pais cados no pecado (LG 55). 4. Maria, nossa Me Se pretendemos a herana de filhos, devemos estimar a maternidade que nos d direito a ela. O terceiro aspecto da devoo a Maria consiste em honr-la como nossa verdadeira Me, que de fato o . Maria tornou-se a Me de Jesus Cristo e nossa Me no momento em que, respondendo saudao do Anjo, exprimiu o seu humilde consentimento: Eis aqui a escrava do Senhor, faa-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 38). A sua maternidade foi proclamada, no momento em que atingiu a sua completa expanso, isto , quando a Redeno se consumava. No meio das dores do Calvrio disse-lhe Jesus do alto da Cruz: Mulher, eis a o teu filho e a S. Joo: Eis a a tua Me (Jo 19, 26-27). Na pessoa de S. Joo, estas palavras foram dirigidas a todos os eleitos. Cooperando plenamente pelo seu consentimento e pelas suas dores neste nascimento espiritual da humanidade, Maria tornava-se no mais pleno e perfeito sentido, nossa Me. Visto que somos seus verdadeiros filhos, devemos nos comportar como tais e, como autnticas criancinhas, depender inteiramente dela. Devemos pedir-lhe que nos alimente, nos guie, nos instrua, cure os nossos males, console as nossas mgoas, nos aconselhe nas dvidas e nos chame quando nos extraviarmos; de maneira que, inteiramente entregues aos seus cuidados, cresamos na semelhana do nosso irmo mais velho, Jesus, e participemos da sua misso de combate e vitria sobre o pecado. Maria Me da Igreja no s por ser Me de Jesus Cristo e a sua mais ntima colaboradora na nova Economia, quando o Filho de Deus assume dela a natureza humana, para, mediante os mistrios da sua carne, libertar o homem do pecado, mas tambm porque brilha para toda a comunidade dos eleitos, como modelo de virtude. Como, na verdade, cada me humana no pode limitar a sua

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misso gerao de um novo homem, mas deve alarg-la nutrio e educao dos filhos, tambm assim se comporta a bem-aventurada Virgem Maria. Depois de ter participado do sacrifcio redentor do Filho, e de maneira to ntima que lhe fez merecer ser por ele proclamada Me no s do discpulo Joo, mas seja consentido afirm-lo do gnero humano, por este de algum modo representado, Ela continua agora no cu a cumprir a sua funo materna de cooperadora no nascimento e no desenvolvimento da vida divina em cada alma dos homens remidos. Esta uma consoladora verdade que, por livre consentimento do sapientssimo Deus, faz parte integrante do mistrio da salvao humana: por isso ele deve ser considerada como de f por todos os cristos (SM). 5. A devoo legionria, raiz do seu apostolado Um dos mais queridos deveres da Legio consistir em manifestar uma sincera devoo Me de Deus. Isso s poder ser realizado por intermdio dos seus membros, estando pois cada um deles obrigado a trabalhar nesse sentido, atravs de srias meditaes e zelosas prticas. Ora, para que esta devoo seja, em verdade, um tributo da Legio, deve constituir uma obrigao essencial para a qual devem concorrer todos em perfeita unidade obrigao to importante como a da reunio semanal ou a do apostolado: eis aqui um ponto em que nunca ser demais insistir. Mas esta unidade extremamente delicada, pois depende, dentro de certa medida, da colaborao de cada membro, que pode infelizmente compromet-la. Compete a cada um o dever de velar cuidadosamente por ela. Se esta unidade falhar, se os legionrios no forem como que pedras vivas de uma construo, um edifcio espiritual (1Pd 2, 5), uma parte vital da estrutura da Legio ser mutilada. Se as pedras vivas no se assentarem de maneira conveniente, o sistema legionrio caminhar para a runa e no abrigar nem conseguir reter os seus filhos, seno com dificuldade. E no ser mais aquilo para o que foi criado: um lar de nobres e santas virtudes, um ponto de partida para decises hericas. Ao contrrio, se todos formarem um bloco no cumprimento perfeito deste dever do servio legionrio, no s a Legio se distinguir entre todas as organizaes pela sua elevada devoo a Maria, mas se distinguir tambm por uma maravi-

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lhosa unidade de esprito, de fim e de ao. Esta unidade to preciosa aos olhos de Deus que a revestiu de um irresistvel poder. Se, para o indivduo, a verdadeira devoo a Maria um canal extraordinrio de graa, que no ser ela para uma organizao que persevera, num mesmo esprito, em orao, com aquela (At 1, 14) que tudo recebeu de Deus; que participa do seu esprito e entra plenamente nos desgnios divinos no que respeita distribuio da graa?! Por acaso tal organizao no ser cheia do Esprito Santo? (At 2, 4). E de quantos prodgios e milagres no ser capaz? (At 2, 43). A Virgem no Cenculo, orando no meio dos Apstolos e por eles, com uma intensidade indizvel, atrai sobre a Igreja este tesouro, que nela abundar por todo o sempre: a plenitude do Esprito Consolador; dom supremo de Cristo (JSE). 6. Oh! Se Maria fosse conhecida! Ao sacerdote que luta quase desesperado num mar de indiferena religiosa, recomendamos as palavras do Padre Faber, encontradas no prefcio de A Verdadeira Devoo a Maria (fonte abundante de inspirao para a Legio), da autoria de S. Lus de Montfort. Esta pgina poder servir de preparao para o exame das vantagens e benefcios que lhe podem advir da Legio. O Padre Faber afirma, em sntese, que Maria no suficientemente conhecida e amada, com grave prejuzo para as almas: A devoo que se lhe consagra pequena, magra e pobre. No confia em si prpria. Por isso Jesus no amado, os hereges no so convertidos, a Igreja no exaltada; por isso, as almas que poderiam ser santas enfraquecem e degeneram; os sacramentos no so devidamente freqentados; as almas no so evangelizadas com ardente zelo apostlico. Jesus pouco conhecido, porque Maria posta em segundo plano. Milhares de almas se perdem, porque Maria lhes recusada. E esta sombra miservel e indigna, a que ousamos chamar a devoo Virgem Santssima, a causa de todas estas misrias e prejuzos, males e omisses e fraquezas. Todavia, se tomarmos em devida considerao as revelaes dos Santos, Deus insiste por uma devoo Sua Me Santssima, maior, mais larga, mais vigorosa, totalmente outra. Que algum experimente esta devoo em si prprio, e a surpresa perante as graas que ela traz consigo e

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as transformaes que produz na alma, vo convenc-lo da sua quase incrvel eficcia como meio de obter a salvao dos homens e a chegada do Reinado de Jesus Cristo. Virgem poderosa dado o poder de esmagar a cabea da Serpente; s almas unidas a ela, dado vencer o pecado. Devemos crer nisto com inabalvel f, com uma firme esperana. Deus que nos dar tudo; tudo depende agora de ns e de ti, por quem tudo recebido e economizado, por quem tudo transmitido, Me de Deus! Tudo depende da unio dos homens com aquela, a quem Deus tudo confia (Gratry). 7. Levar Maria ao mundo Visto que a devoo a Maria realiza tais prodgios, a nossa preocupao deve consistir em tornar fecundo, semelhante instrumento; numa palavra, deve consistir em levar Maria ao mundo. Como conseguir isto com mais eficincia, seno por uma organizao de apostolado? Uma organizao leiga e, portanto ilimitada, quanto ao nmero dos seus membros; uma organizao ativa, podendo por isso penetrar em toda parte, uma organizao que ama Maria, com todas as foras e que se compromete a infundir esse amor em todos os coraes, utilizando para isso todos os meios de ao. Assim, usando o nome de Maria, com valor indizvel, baseada numa confiana ilimitada e filial na sua Rainha, tornada mais slida e firme pelo enraizamento profundo no corao de cada um, constituda por membros que trabalham em perfeita harmonia de lealdade e disciplina a Legio de Maria no considera presuno, antes confiana legtima, o pensar que o seu sistema forma um poderoso mecanismo que, para envolver o mundo, exige apenas ser acionado pela mo da Autoridade. Maria se dignar ento empreg-la como instrumento, para realizar nas almas, a sua obra maternal e levar avante a sua perptua misso de esmagar a cabea da serpente. Todo aquele que faz a vontade de Deus, esse meu irmo e minha irm e minha me (Mc 3, 35). Que prodgio e que honra! A que sublimidade de glria Jesus nos eleva! As mulheres proclamam bem-aventurada aquela que O deu luz; e, todavia, nada as impede de participarem da mesma maternidade. que o Evangelho nos fala aqui de uma nova forma de gerao, de um novo parentesco (S. Joo Crisstomo).

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6 OS DEVERES DOS LEGIONRIOS PARA COM MARIA 1. Cada legionrio ter, para com Maria, uma profunda devoo, incessantemente renovada por srias meditaes e zelosas prticas. Deve considerar esta devoo como um dos deveres legionrios essenciais e, de todos, o mais importante. (Cf. Cap. 5: Espiritualidade da Legio, e Apndice 5: Confraria de Maria, Rainha dos Coraes). A Legio tem o propsito de levar Maria ao mundo, porque considera este objetivo a forma infalvel de ganhar o mundo para Jesus Cristo. evidente que o legionrio que no tem Maria no corao, no pode participar da Sua obra. Est divorciado da finalidade da Legio. um soldado desarmado, um elo partido, ou antes um brao paralisado unido embora ao resto do corpo mas sem ao, intil para o trabalho. A grande preocupao de todos os exrcitos (e portanto da Legio) a unio dos soldados com o chefe, de maneira que o plano deste seja executado por todos prontamente. O exrcito age como um s homem. A isto, tende o mecanismo complicado dos exerccios de combate e a sua disciplina. Encontra-se, alm disso, nos soldados de todos os grandes exrcitos da histria, uma dedicao apaixonada pelo seu chefe, paixo que tornava mais ntima a unio entre eles e facilitava a aceitao dos sacrifcios exigidos pela execuo do plano de combate. De tal chefe se poderia dizer que ele era a inspirao e a alma dos soldados, que vivia em seus coraes, formando um s com todos os seus homens. Assim se explica a influncia que exercia sobre os soldados; e isto, em certa medida, corresponde verdade. Esta unio, porm, por mais perfeita que seja, no passa de sentimental ou mecnica. A relao entre o cristo e Maria, sua Me, no assim. Dizer que Maria est na alma do legionrio fiel seria exprimir uma unio infinitamente menos real do que a existente de fato. A Igreja resume a natureza desta unio nos louvores que tece a Maria, chamando-a Me da Divina Graa, Medianeira de Todas as Graas. Estes louvores exprimem um to perfeito imprio sobre a vida da alma, que a mais estreita das unies terrenas a da me com o filho por nascer seria ainda imperfeita para exprimir esta intimidade. H, porm, fenmenos naturais

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que nos podem ajudar a compreender o lugar de Maria na distribuio da graa. O sangue, s pelo pulsar do corao, leva a vida a todo o corpo; os olhos so o meio necessrio para nos comunicarmos com o mundo visvel; a ave, mesmo batendo as asas, no pode elevar-se para o cu sem que o ar a sustenha. Da mesma maneira, de acordo com o plano divino, a alma, sem Maria, no pode voar at Deus ou realizar qualquer obra divina. Esta dependncia de Maria no uma criao do sentimento ou da razo, uma realidade cuja existncia depende do plano divino e no da nossa inteligncia. Existe, mesmo que no a conheamos; mas pode e deve ser fortemente fortalecida pela nossa aceitao consciente. Da nossa unio ntima com Maria, a quem S. Boaventura chama dispenseira do sangue do Senhor, ho de resultar maravilhas de santificao e uma fonte incrvel de influncia sobre as almas. Aquelas, a quem o ouro simples do apostolado no conseguir libertar do pecado, sero salvas, logo que Maria enfeite o ouro, com as jias do Preciosssimo Sangue, do qual dispe livremente. Comecemos, para isso, por nos consagrar fervorosamente a Maria; renovemos freqentemente esta consagrao por meio de uma frmula breve que a resuma, tal como: Eu sou todo vosso, minha Rainha e minha Me, e tudo quanto tenho vos pertence. Que a alma ponha em prtica, de maneira to viva como contnua, o pensamento da influncia constante de Maria na sua vida, que dela se possa dizer: Assim como o corpo respira o ar, assim a alma respira Maria (S. Lus Maria de Montfort). Na Santa Missa, na sagrada comunho, na adorao do Santssimo, na reza do tero, na prtica da via-sacra e de outras devoes, a alma legionria deve procurar identificar-se com Maria e meditar com Ela nos augustos mistrios da Redeno. que esta Me, acima de tudo fiel, viveu estes mistrios com o Divino Salvador e neles desempenhou papel indispensvel. Imite-a e agradea-lhe com ternura; alegre-se e entristea-se com ela; consagre-lhe o que Dante chama de longo estudo e o grande amor do seu corao; esquecendo-se de si mesmo e dos seus recursos, fixe nela o seu pensamento durante a orao, no trabalho e em todos os atos da sua vida espiritual. Se assim proceder, o legionrio encher-se- de tal modo da imagem e do pensamento de Maria, que formar com ela uma s alma. Perdido assim na profundidade da alma da Me de Deus, o legionrio partilhar da sua f, da sua humildade e da pureza do seu Corao Imaculado e, conseqentemente, do seu poder de orao; e

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h de transformar-se, com rapidez, em Cristo, objetivo supremo da vida de todos. Por outro lado, no seu legionrio e por meio dele, Maria participa de todos os deveres legionrios e ainda dispensa s almas, os seus cuidados maternais, de tal modo que em cada uma das almas, a quem o legionrio se dedica e nos seus companheiros de trabalho, no s vista e servida a pessoa do Nosso Senhor, mas vista e servida atravs de Maria, com o mesmo amor primoroso e o mesmo maternal cuidado que outrora, ela consagrou ao corpo de seu Divino Filho. Quando os seus membros se tornarem assim, cpias vivas de Maria, a Legio pode considerar-se, de verdade, Legio de Maria, cooperadora da sua misso e certa de que com ela vai triunfar. A Legio h de dar Maria ao Mundo, e esta h de ilumin-lo e inflam-lo no mais ardente amor. Vivei alegremente com Maria, com ela suportai todas as aflies; trabalhai, recreai-vos e descansai com ela. Com ela procurai Jesus, levai-O em vossos braos; e, com Jesus e Maria, fixai a vossa residncia em Nazar. Ide com ela a Jerusalm, ficai junto da Cruz de Jesus, e sepultai-vos com Ele. Com Jesus e Maria ressuscitai e com Eles subi ao Cu. Com Jesus e Maria, vivei e morrei (Toms de Kempis: Sermo aos Novios). 2. A imitao da humildade de Maria: raiz e instrumento da ao legionria A Legio fala aos seus membros, uma linguagem que respira o ardor das batalhas. E com razo. Ela o instrumento e a ao visvel de Maria, que como um exrcito em ordem de batalha, e que trava uma luta intensa pela salvao de cada ser humano. Alm disso, a idia de exrcito impressiona poderosamente as pessoas. O fato de o legionrio se considerar soldado, o levar a cumprir, com uma seriedade militar, todos os seus deveres. Mas, como a luta, em que andam empenhados os legionrios, no deste mundo, devem trav-la conforme a ttica do Cu. O fogo que arde nos coraes dos verdadeiros legionrios, brota sempre das cinzas, de qualidades modestas e desapreciadas pelo mundo; e, entre estas, ocupa lugar de destaque a virtude da humildade, to incompreendida e desprezada e, todavia, fonte de nobreza e energia inconfundveis para todos os que a procuram e praticam. Na organizao legionria, a humildade desempenha um papel nico. Primeiramente, um instrumento essencial ao apostolado. A realizao e o progresso do contato pessoal, em

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que a Legio fundamenta o seu trabalho, em to larga escala, exige operrios de maneiras delicadas e modestas, qualidades que s podem brotar da verdadeira humildade de corao. Mas a humildade , para a Legio, mais do que instrumento da sua ao externa: a origem dessa ao. Sem humildade no pode haver ao legionria eficaz. Jesus Cristo, diz S. Toms de Aquino, recomendou-nos acima de tudo, a humildade, porque afasta o principal obstculo salvao dos homens. Todas as outras virtudes derivam dela o seu prprio valor. S humildade que Deus concede os Seus favores, retirando-os logo que ela murcha e desaparece. A Encarnao, fonte de todas as graas, dependeu da humildade. Maria declara no Magnificat que Deus manifestou nEla o poder do Seu brao, isto , exerceu nEla a Sua onipotncia. E expe o motivo. Foi a humildade que atraiu os Seus olhares e O fez descer terra, para acabar com o velho mundo e inaugurar uma nova era. Como poder Maria ser modelo de humildade, se considerarmos que o seu grau de perfeio no pode ser medido, quase infinito e ela bem o sabia? Era humilde porque sabia, tambm, que tinha sido remida mais perfeitamente que todos os filhos dos homens. Todas as maravilhas da sua extraordinria santidade devia-as aos mritos de seu Filho; e este pensamento vivia nela e nunca a largava. A sua inteligncia sem par compreendia de maneira perfeita que, assim como tinha recebido mais do que ningum, como ningum estava em dvida para com Deus. Da sua atitude de delicada e graciosa humildade, sem esforo nem interrupo. Na escola de Maria, o legionrio aprender que a essncia da verdadeira humildade consiste em reconhecer com simplicidade, sem afetao, aquilo que realmente somos aos olhos de Deus; e em compreender que, por ns, nada somos e nada temos. Tudo que existe de bom em ns puro dom de Deus: e este dom Ele pode aumentar, diminuir ou retir-lo completamente, com a mesma liberdade com que no-lo concedeu. O legionrio h de mostrar a sua sujeio, numa preferncia evidente pelas tarefas humildes e pouco desejadas; h de mostrar tambm preferncia na prontido em aceitar desprezos e repulsas e, em geral, na maneira habitual de proceder, perante as manifestaes da vontade de Deus, que h de ser o reflexo daquelas palavras de Maria: Eis aqui a escrava do Senhor! (Lc 1, 38). A necessria unio do legionrio com a sua Rainha exige dele, no s o desejo profundo dessa unio, mas a capacidade

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para a mesma. Uma pessoa pode querer ser um bom soldado e, no entanto, no ter jamais as qualidades necessrias que possam fazer dela um bom dente de engrenagem na mquina militar. Resultado: a unio deste homem com o General ineficaz, e impede a execuo dos planos militares. De maneira semelhante, o legionrio pode desejar ardentemente desempenhar uma parte importante nos planos de campanha da sua Rainha, mas ser, todavia, incapaz de receber o que Maria ardentemente deseja dar-lhe. No caso militar, a deficincia provm da falta de coragem, de inteligncia, de aptido fsica e de qualidades semelhantes. No legionrio, a incapacidade provm da falta de humildade. O objetivo da Legio a santificao dos seus membros e a irradiao dessa santidade sobre as almas. Ora, no pode haver santidade sem humildade. Alm disso, a Legio exerce o seu apostolado com Maria e por Maria. Se no nos assemelharmos a Maria, em certa medida, no poderemos unir-nos a ela, e fraca ser a semelhana, se lhe faltar a virtude caracterstica da humildade. Se a unio com Maria a condio bsica, indispensvel, a raiz, por assim dizer, da ao legionria, ento a humildade o solo onde esta unio deve mergulhar as suas razes. Se o solo pobre e rido, a vida legionria murcha e morre. Segue-se, pois, que a batalha da Legio comea no corao de cada legionrio. Este tem de travar combate consigo mesmo, esmagando decididamente o esprito de orgulho e de egosmo. Como cansativa esta terrvel batalha contra a raiz do mal que se encontra dentro de ns, e este constante esforo para atingir em tudo, a pureza de inteno! a batalha de toda a vida. A confiana nos prprios esforos inutiliza a vida inteira, porque o eu infiltra-se mesmo nos combates contra si mesmo. De que valero as prprias foras ao infeliz que se debate na areia movedia? necessrio um ponto de apoio firme. Legionrio, o seu slido apoio Maria. Firme-se nela com inteira confiana. Ela no lhe faltar, porque, est na humildade que lhe indispensvel. A prtica fiel do esprito de dependncia de Maria o caminho real, simples e amplo da humildade, denominado por S. Lus de Montfort, segredo da graa, por poucos conhecido, capaz de rapidamente e com um esforo mnimo nos esvaziar de ns mesmos, nos encher de Deus e nos tornar perfeitos. Medite esta verdade! O legionrio, voltando-se para Maria, deve necessariamente virar as costas a si mesmo. Maria apodera-se deste movimento, elevar-o e torna-o instrumento sobrenatural de morte para o eu, cumprindo-se assim a severa, mas produtiva

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lei da vida crist (Jo 12, 24-25). O calcanhar da humilde Virgem esmaga a serpente do amor prprio, com as suas mltiplas cabeas, que so: a) A exaltao de si mesmo: que, se Maria, to rica em perfeies, a ponto de ser chamada pela Igreja Espelho de Justia, e dotada de ilimitado poder no reino da graa, se ajoelha, no entanto, como a mais humilde serva do Senhor, qual no deve ser o lugar e a atitude do legionrio? b) O egosmo: porque tendo-se dado a Maria com todos os seus bens, espirituais e temporais, para que deles disponha como for do seu agrado, o legionrio continua, no entanto, a servi-la com o mesmo esprito de completa generosidade. c) A auto-suficincia: porque o hbito de se apoiar em Maria leva inevitavelmente desconfiana das prprias foras. d) A elevada idia que faz de si mesmo: porque o sentido da colaborao com Maria lhe traz a compreenso da sua prpria incapacidade. A contribuio do legionrio resume-se em lamentveis fraquezas! e) O amor prprio: com efeito, que achar em si mesmo digno de estima? O legionrio, absorvido no amor e na admirao da sua Rainha, sente-se pouco inclinado a afastar-se dela para se contemplar a si prprio. f) A admirao por si mesmo: porque, nesta aliana com Maria, devem prevalecer os mais altos ideais. O legionrio modela-se por Maria e anseia pela sua perfeita pureza de inteno. g) O prprio progresso: pensando como Maria, o legionrio se ocupar s de Deus. No h lugar para projetos fomentadores de orgulho ou desejo de recompensa. h) A vontade prpria: totalmente sujeito a Maria, o legionrio desconfia dos incentivos das prprias inclinaes e escuta atento as inspiraes da graa. No legionrio que se esquece verdadeiramente de si mesmo, Maria no encontra obstculo Sua maternal influncia. Despertar nele, energias e disposies para o sacrifcio, que vo alm das foras da natureza e far dele um bom soldado de Cristo (2Tm 2, 3), preparado para o rduo servio que a sua profisso exige. Deus alegra-se em trabalhar com o nada. Foi do nada que Ele criou todas as coisas, reveladoras do Seu poder infinito. Devemos ser imensamente zelosos da glria de Deus, mas convencidos, ao mesmo tempo, da nossa incapacidade em promov-la. Afundemo-nos no abismo da nossa indignidade, refugiemo-nos na sombra espessa da nossa baixeza; esperemos calmamente que Deus se digne

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servir-se dos nossos esforos, como instrumentos da Sua glria. Para isso, lanar mo de meios completamente opostos queles que somos levados a esperar. Depois de Jesus Cristo, ningum contribuiu mais para a glria de Deus, do que Maria; e, todavia, o nico objeto de seus pensamentos era o aniquilamento prprio. A sua humildade parece que deveria constituir um obstculo aos desgnios de Deus mas foi precisamente esta humildade que facilitou o seu cumprimento (Grou: O interior de Jesus e Maria). 3. A genuna devoo a Maria obriga ao apostolado Acentuamos em outra parte deste Manual que em Cristo, no podemos escolher o que nos agrada: no podemos aceitar o Cristo glorioso sem aceitar tambm, na nossa vida, o Cristo sofredor e perseguido. S h um Cristo e este indivisvel. Temos de tom-lO como Ele . Se procurarmos nEle a paz e a felicidade, talvez verifiquemos que nos pregamos Cruz. Os extremos tocam-se, sem separao possvel: no h triunfo sem dor, nem coroa sem espinhos, nem glria sem amargura, nem calvrio sem cruz. Estendendo a mo para colher um deles e vamos nos encontrar envolvidos ao mesmo tempo com o outro. A Nossa Senhora aplica-se a mesma lei. Tambm no podemos dividir a sua vida em partes, para que cada um escolha a que mais lhe agrada. impossvel acompanh-la nas suas alegrias, sem que o nosso corao se despedace com os seus sofrimentos. Se quisermos, como S. Joo, o discpulo amado, traz-la para nossa casa (Jo 19, 27), ter de ser tal qual ela , na sua integridade. Preferir somente uma fase da sua vida impossibilitar-se a receb-la. A devoo a Maria, claro, deve atender e procurar reproduzir cada uma das facetas da sua personalidade e da sua misso. O interesse principal no pode perder-se com o que menos importante: consider-la, por exemplo, como modelo perfeito, cujas virtudes devemos imitar, bom; mas, se a devoo se limita a uma tal atitude, no passa de parcial e mesquinha. No basta dirigir-lhe oraes, mesmo que sejam em grande quantidade. No basta to pouco conhecer e alegrar-se com as maravilhosas e inumerveis atenes com que as Trs Pessoas Divinas a rodearam e colocaram sobre ela, tornando-a assim, um reflexo das suas prprias qualidades. Tais homenagens pertencem-lhe de direito e lhe devem ser prestadas mas so, apenas, parte do todo. A devoo perfeita me de Deus s se alcana pela unio com ela. Unio significa necessariamente comunho de vida com ela, e a

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sua vida no se resume na preocupao com as homenagens de admirao, mas na comunicao da graa. A maternidade primeiro de Cristo, depois, dos homens foi a nica razo de ser da sua vida e do seu destino. Para tal fim foi criada e preparada pela Santssima Trindade, aps deliberao eterna, como nota S. Agostinho. Assumiu sua admirvel misso no dia da Anunciao, e desde ento tem sido Me atenciosssima no cumprimento dos seus deveres domsticos. Restringiram-se eles por algum tempo a Nazar, mas em breve, o pequeno lar tornou-se o mundo inteiro, e seu Filho, o gnero humano. O seu zelo no diminuiu: a todos os instantes o seu trabalho domstico prossegue e nada se pode fazer sem ela, nesta Nazar imensa. Qualquer cuidado que ns pudermos dispensar ao Corpo Mstico de Cristo apenas um complemento aos cuidados que ela mesma lhe dedica. O apstolo no faz mais do que associar-se s atividades maternais de Maria. E neste sentido Nossa Senhora poderia declarar: Eu sou o Apostolado, semelhana do que outrora disse em Lurdes: Eu sou a Imaculada Conceio. Sendo a maternidade das almas a sua funo essencial, a sua verdadeira vida, seguese que, sem participao nesta maternidade, no pode haver unio real com ela. Seja-nos permitido, por conseqncia, declarar mais uma vez: a autntica devoo a Maria conduz necessariamente ao apostolado. Maria sem maternidade e cristo sem apostolado so idias semelhantes: tanto uma como a outra seriam incompletas, irreais, inconsistentes e falsas, para as intenes divinas. A Legio no se baseia, portanto, como alguns pretendem, sobre dois princpios, Maria e o Apostolado, mas sobre um s princpio Maria o qual abrange, por si s, o apostolado e toda a vida crist. De boas intenes, diz o provrbio, o inferno est cheio. Elas de nada valem, se no nos moverem a uma atitude positiva, na vida. E isso pode acontecer com o oferecimento dos nossos trabalhos a Maria, se eles ficarem num compromisso s de palavras. No se pense que as obrigaes apostlicas ho de descer do cu, para pousarem de modo ostensivo sobre aqueles que se contentam em esperar, passivamente, os acontecimentos. de se recear que semelhantes preguiosos continuem indefinidamente no desemprego. O nico meio eficaz de nos oferecermos a Maria como apstolos fazer apostolado. Dado este passo, Maria empolga a nossa atividade e incorpora-a na sua maternidade espiritual. Acresce ainda que Maria no pode realizar a sua obra maternal sem este auxlio. No ir longe demais esta afirmao?

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Como pode a Virgem poderosa depender da ajuda de pessoas to fracas? No entanto, verdade. A colaborao humana um elemento necessrio no plano divino; Deus s salva o homem pelo homem. Os tesouros de graa de Maria so superabundantes, mas no os distribuir sem o nosso auxlio. Pudesse ela dispor do seu poder, conforme os desejos profundos do seu corao e o mundo se converteria rapidamente, num relance. Mas no! Tem de esperar que os homens se disponham a servi-la. Sem eles, no pode cumprir a sua maternidade espiritual, e as almas definham e morrem. Por isso, ela acolhe, com viva nsia, e utiliza quantos se coloquem realmente ao seu dispor: no s os santos e competentes, mas at os enfermos e os incapazes. tal a necessidade, que ningum ser rejeitado. Mesmo os mais pequenos podem ser transmissores do seu poder; e, com os melhores, que maravilhas no poder fazer? Lembrem-se sempre desta imagem singela: vejam como o sol atravessa deslumbrante a janela lmpida, e, como luta para atravess-la, quando a encontra suja, para deixar passar um pouquinho de luz. Assim com as almas. Jesus e Maria, eis o novo Ado e a nova Eva, a quem a rvore da cruz uniu na dor e no amor, para reparar a falta cometida no Paraso pelos nossos primeiros pais. Jesus a fonte e Maria o canal das graas, pelas quais renascemos e podemos reconquistar o nosso lar celeste. Bendigamos, juntamente com o Senhor, Aquela que Ele elevou dignidade de Me de misericrdia, nossa Rainha, nossa Me amantssima, Medianeira das Suas graas e Despenseira dos Seus tesouros. O Filho de Deus coroou-a de glria radiante e deu-lhe a majestade e o poder da Sua prpria realeza. Unida ao Rei dos Mrtires, como Me e colaboradora na obra tremenda da Redeno da humana raa, a Ele permanece unida para sempre, revestida de poder praticamente ilimitado, na distribuio das graas que brotam da Redeno. O seu imprio tem a vastido do imprio do Seu Filho; nada escapa ao seu domnio (Pio XII: Discursos de 21 de abril de 1940 e 13 de maio de 1945). 4. A intensidade do esforo no servio de Maria Em circunstncia alguma, o esprito de dependncia com relao a Maria deve constituir motivo para algum se desculpar da falta de esforo ou da falta de mtodo. Deve ser justamente o contrrio. Porque trabalhamos com Maria e por ela, a nossa oferta

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h de ser a mais excelente que se possa apresentar. Devemos trabalhar com energia, destreza e primor. De vez em quando, preciso censurar certos ncleos ou membros, que parece no desenvolverem esforo suficiente no cumprimento da sua tarefa semanal, ou nos trabalhos de extenso ou recrutamento. s vezes os interessados respondem: Eu no conto com as prprias foras! Confio inteiramente a Nossa Senhora o cuidado de levar avante a tarefa imposta e colher, a seu modo, resultados satisfatrios. Acontece muitas vezes que tal resposta procede de pessoas fervorosas, que so levadas a atribuir uma espcie de virtude prpria inatividade, como se mtodo e esforo significassem uma f mesquinha. H tambm o perigo de se pensar que, se ns somos instrumentos de um poder imenso, no interessa muito o grau do nosso esforo. Algum perguntar por que motivo dever o pobre scio de um milionrio, esgotar-se com a preocupao de ajuntar alguns magros reais, ao fundo comum que j est to enriquecido? Torna-se necessrio, por isso, insistir num princpio que deve dirigir a atitude do legionrio no seu trabalho. este: os legionrios no so nas mos de Maria simples instrumentos sem atividade prpria. So verdadeiros cooperadores dela no enriquecimento e resgate das almas. Nesta cooperao, cada um supre o que o outro no pode dar. O legionrio d-se todo, ao e talentos; Maria d-se a si mesma, com toda a sua pureza e poder. Cada um obrigado a contribuir, sem reserva, para a obra comum. Se o legionrio se entrega a esta colaborao com honra e generosidade, Maria nunca faltar. Podemos, por isso, afirmar que o bom xito do empreendimento depende inteiramente do legionrio, de maneira que este deve se dedicar a ele com toda a inteligncia e com todas as foras, aperfeioadas por um mtodo cuidadoso e uma perseverana incansvel. Mesmo que soubssemos que Maria obteria, independentemente do legionrio, o resultado suspirado, mesmo nesse caso, deveramos desenvolver plenamente os nossos esforos, como se tudo dependesse deles. Ao mesmo tempo que deposita uma ilimitada confiana no auxlio de Maria, o esforo do legionrio deve elevar-se sempre ao mximo. A generosidade tem de igualar a sua confiana. O princpio da necessria e mtua influncia, entre a f ilimitada e o esforo intenso e metdico, expresso pelos santos, quando declaram que devemos rezar como se tudo dependesse da orao e nada de ns prprios; e, ao mesmo tempo, agir como se tudo dependesse absolutamente do nosso esforo. No devemos, pois, medir a quantidade do esforo pela dificuldade da tarefa, nem nos perguntar qual o menor preo

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para se obter o fim desejado. Mesmo nos negcios materiais, o hbito de regatear leva a constantes reveses e iluses. Em matria sobrenatural, h de falhar sempre, porque afasta de ns a graa, da qual depende realmente, o xito dos nossos trabalhos. Alm disso, os juzos humanos no merecem inteira confiana: impossibilidades aparentes desaparecem logo que so enfrentadas, ao passo que o fruto que est quase altura da mo, mas teima em fugirlhe, ser talvez colhido por outra pessoa. Na ordem espiritual, a lei do menor esforo precipita a alma de mesquinhez em mesquinhez, at cair finalmente na esterilidade total. Para o legionrio evitar to desagradveis conseqncias, s lhe resta um meio: desenvolver em todas as tarefas, grandes ou pequenas, o mximo da sua energia. Talvez no seja necessria tal soma de esforos. Pode ser que o toque de um dedo baste para levar a obra ao fim; e, se fosse a realizao da obra, o nico objetivo, seria razovel e suficiente, um leve esforo; mas no mais do que isso. Como diz Byron, ningum levanta a clava de Hrcules para esmagar uma borboleta ou matar um mosquito. Os legionrios, porm, devem tomar conscincia de que no diretamente pelo bom xito que trabalham; mas, antes, por Maria, independentemente da facilidade ou dificuldade da sua tarefa. A esta devem eles dar do melhor que possuem, quer ela seja notvel ou insignificante. Ho de merecer, assim, a plena cooperao de Maria, que no se negar a realizar prodgios, se isso for preciso. O legionrio no pode fazer grande coisa? Pois bem, se nisso puser toda a sua alma, Maria vir em seu socorro, com todo o seu poder, dando a um pequeno movimento, o efeito da fora de gigante; e se, depois de haver feito quanto pde, o legionrio se encontrar a mil lguas do bom xito, ela encurtar a distncia e a far desaparecer, alcanando pela sua colaborao, um resultado maravilhoso. Mesmo que o legionrio ponha em ao dez vezes mais de esforo do que o preciso para realizar um trabalho, nada se perdeu. No trabalha ele por Maria? No ele um soldado ao servio dos seus vastos desgnios, dos seus misericordiosos intentos? Maria h de receber com jbilo, o excedente deste esforo, multiplic-lo- abundantemente, para com ele, suprir as graves necessidades da famlia do Senhor. Nada do que entregamos cuidadosa dona de casa de Nazar, perdido. Mas se, pelo contrrio, a contribuio do legionrio lamentavelmente inferior quela que a sua Rainha tem direito de exigir dele, as mos de Maria ficam como que amarradas e por

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isso, ficam impedidas de conceder generosamente os seus dons. O contrato de comunho de bens, to cheio de inmeras e excepcionais possibilidades, entre Maria e o legionrio, anulado pela negligncia, da qual este se torna culpado. E que triste perda, para as almas e para si mesmo, ser abandonado s prprias foras! Intil, pois, procurar desculpas para justificar esforos insuficientes ou maneiras desordenadas de agir, alegando inteira confiana em Maria. Muito fraca e desprezvel deve ser a confiana que leva o legionrio a recuar, perante o uso razovel das suas energias. Procura neste caso lanar aos ombros da sua Rainha o fardo que ele prprio pode levar. Que cavaleiro da antiguidade teria servido to estranhamente a sua dama? Por isso, como se nada tivssemos dito a este respeito, recordemos o princpio fundamental da aliana do legionrio com Maria: o legionrio deve dar tudo quanto estiver a seu alcance. A funo de Maria no consiste em completar aquilo que o legionrio se recusa a fornecer. Ela no pode a inconvenincia clara dispensar o legionrio do esforo e do mtodo no trabalho, da pacincia e da reflexo, de que capaz, e com a qual tem obrigao de contribuir para o tesouro de Deus. Maria deseja ardentemente dar, em grande quantidade, mas s pode agir assim, com as almas generosas. Desejosa de que os legionrios, seus filhos, possam extrair graas preciosas das imensas riquezas do Seu corao, ela, usando as palavras do seu prprio Filho, convida-os a servir com todo o corao, com toda a alma, com toda a mente e com todas as foras (Mc 12, 30). O legionrio deve pretender unicamente de Maria que ela acrescente, purifique, aperfeioe, sobrenaturalize a sua atividade natural, e faa com que os seus fracos esforos sejam capazes de realizar aquilo que, alis, lhe seria impossvel: obras grandiosas em cuja realizao, se preciso for, se ho de cumprir as palavras da Escritura: os montes sero arrancados e precipitados no mar, a terra ser aplainada e os caminhos sero endireitados, para se facilitar a entrada no reino de Deus. Todos ns somos servos inteis, mas servimos um Mestre sumamente econmico que tanto aproveita uma gota de suor da nossa fronte como uma gota de orvalho celeste. Nada desperdia. No sei a sorte deste livro, nem se chegarei ao fim dele ou se chegarei ao final desta pgina. Sei, porm, o suficiente para empregar nele o resto das minhas foras e dos meus dias (Frederico Ozanam).

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5. Os legionrios devem praticar a Verdadeira Devoo Santssima Virgem, segundo So Lus Maria de Montfort para desejar que a prtica da devoo mariana do legionrio se revista daquela caracterstica, que So Lus Maria de Montfort ensinou sob o nome de Verdadeira Devoo ou Escravatura de Jesus em Maria, e que resumiu nas suas obras: Tratado da Verdadeira Devoo Santssima Virgem e O segredo de Maria (Cf. Apndice 5). Esta devoo exige um contrato explcito com a Me de Deus, pelo qual nos entregamos inteiramente a ela, com todos os nossos pensamentos, aes e bens, espirituais e temporais, passados, presentes e futuros, no reservando para ns nem a mnima parcela. Numa palavra, o doador coloca-se numa situao idntica do escravo, que nada possui de seu, em total dependncia e inteira disposio de Maria. Mas o escravo antigo era muito mais livre do que o escravo de Maria. O primeiro era senhor dos seus pensamentos, da sua vida interior e, portanto, livre em tudo o que o tocava de mais perto. A doao de ns mesmos a Maria abrange todas as coisas: cada um dos pensamentos e movimentos da nossa alma, as nossas riquezas escondidas e o mais ntimo do nosso ser. Tudo at ao ltimo suspiro entregue a Maria, para que o empregue para a glria de Deus. O nosso sacrifcio a Deus uma espcie de martrio, com Maria, servindo de altar. Assemelha-se ao sacrifcio do prprio Cristo que, comeado tambm no seio de Maria, publicamente confirmado em seus braos no dia da Apresentao, abrange todos os momentos da Sua vida e se completa no Calvrio, na Cruz do Corao de Maria. A Verdadeira Devoo abre por um ato formal de Consagrao; consiste, porm, e principalmente em viver essa mesma consagrao. Deve ser no um ato passageiro, mas um estado habitual da nossa alma. Se Maria no tomar posse de toda a nossa vida e no s de alguns minutos ou de algumas horas, a valor do ato de Consagrao mesmo freqentemente repetido no passa de uma orao passageira. como rvore plantada que no lanou razes. No quer isto significar que sejamos obrigados a pensar constantemente nessa Consagrao. Assim como a vida fsica regulada pela respirao ou pelo pulsar do corao, sem que disso tenhamos conscincia, assim deve acontecer com a Verdadeira

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Devoo: atuar incessantemente na vida da alma, mesmo que no tenhamos conscincia disso. Basta que, de tempos em tempos, recordemos os direitos de propriedade de Maria sobre ns, por meio de pensamentos, atos e jaculatrias apropriadas; que de maneira habitual, reconheamos a nossa inteira dependncia dela, sempre vagamente presente em nosso esprito; e que, o nosso comportamento seja uma conseqncia dessa consagrao, em todas as circunstncias da nossa vida. O fervor, se acaso existe, pode ser proveitoso. Todavia, a sua ausncia no afeta o valor da Devoo. Muitas vezes, at, o fervor amolece a piedade, enfraquecendo-a. Notemos bem: a Verdadeira Devoo no depende de fervores ou de sentimentos de qualquer espcie. Como um grande edifcio, ela pode, s vezes, ser abrasada pelos ardores do sol, enquanto os seus fundos alicerces se mantm frios como a rocha, em que se assentam. Em geral, a razo fria; a melhor resoluo da nossa vida pode ser glacial: a prpria f pode ser gelada como um diamante. No entanto, estes so os alicerces da Verdadeira Devoo. Sobre eles assentar com firmeza, e os gelos e as tempestades que desabam sobre as montanhas ho de deix-la ainda mais forte. As graas que tm acompanhado a prtica da Verdadeira Devoo e o lugar que ocupa na vida espiritual da Igreja, parecem indic-la, com razo, como uma autntica mensagem celeste. Isto afirmava j So Lus Maria de Montfort. Ligava-lhe numerosssimas promessas, cuja realizao ficaria garantida a quantos cumprissem as condies estabelecidas. Consultem a experincia; interroguem aqueles para quem a prtica desta Devoo mais do que um ato passageiro e superficial e verificaro com que profunda convico falam dos seus benefcios. Perguntem a eles se no esto sendo vtimas dos sentimentos ou da imaginao. Ho de responder-lhes sempre, que os frutos so demasiado evidentes para admitir iluses. Se a soma das experincias daqueles que compreendem, ensinam e praticam a Verdadeira Devoo vale alguma coisa, parece indiscutvel que esta Devoo aumenta consideravelmente a vida interior, imprimindo-lhe um carter especial de generosidade e de pureza de inteno. Temos a sensao de sermos guiados e protegidos e a alegre certeza de tirarmos, desde ento, o melhor proveito possvel da nossa vida. Com ela enfrentamos sobrenaturalmente as mil e uma dificuldades da existncia: a coragem se fortalece, a f torna-se mais firme, fazendo-nos fiis instrumentos de qualquer obra de Deus. Com ela, desenvolve-se

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em ns, uma ternura e sabedoria, que obriga a fora a ocupar o lugar que lhe convm e desenvolve-se tambm uma suave humildade, guarda de todas as virtudes. Recebemos graas que temos de considerar extraordinrias. Sentimo-nos chamados, freqentemente, a obras que ultrapassam os nossos mritos e dotes naturais. Com tal chamamento surgem auxlios que nos habilitam a carregar, sem desfalecimento, gloriosos e pesados fardos. Numa palavra, em troca de um esplndido sacrifcio que fizemos pela Verdadeira Devoo, entregando-nos a Maria como escravos de amor, ganhamos o cntuplo prometido queles que se despojam de tudo, pela maior glria de Deus. Quando servimos, reinamos; quando damos, enriquecemo-nos; quando nos entregamos, vencemos. Algumas pessoas parecem reduzir toda a sua vida espiritual, muito simplesmente, a uma questo egosta de lucros e perdas. Ficam desconcertadas perante a idia de abandonar a Maria, Me das almas, as suas riquezas espirituais. Ouve-se dizer: Se eu der a Maria tudo o que me pertence, no poder acontecer encontrar-me, hora da morte, diante do Supremo Juiz, de mos vazias, e por conseguinte, com um Purgatrio necessariamente prolongado? A resposta simples e bela: No, de modo nenhum, uma vez que Maria assiste ao julgamento! O pensamento contido nesta reflexo, profundo. Mas a hesitao em fazer a Consagrao provm, na maioria das vezes, no tanto das nossas consideraes puramente egostas, como da nossa insegurana. Ns nos preocupamos com a sorte futura daqueles por quem temos obrigao de rezar a famlia, os amigos, o Papa, a Ptria, etc. se entregarmos a Maria todos os nossos tesouros espirituais. Ponhamos de lado tais receios e faamos ousadamente a nossa Consagrao. Com Maria tudo est seguro. Ela a guarda dos prprios tesouros de Deus e, por isso, tambm, capaz de guardar os tesouros daqueles que depositam nela a sua confiana. Lancemos, portanto, no seu corao excelso e generoso, a absoluta totalidade da nossa vida, com todas as responsabilidades, obrigaes e compromissos. Nas suas relaes conosco, Maria procede como se no tivesse outros filhos. A nossa salvao, a nossa santificao, as nossas mltiplas necessidades esto, indiscutivelmente, presentes no seu esprito. Quando rezamos pelas suas intenes, estejamos certos de que ns somos a sua primeira inteno. No neste momento, em que aconselhamos o sacrifcio, que convm provar que a Consagrao de fato lucrativa. Seria destruir os prprios alicerces da oferta e priv-la do carter do sacrifcio, de que depende o seu valor. Baste recordar que, em

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ocasio, uma multido de dez ou doze mil pessoas se encontrava esfomeada em lugar deserto (Jo 6, 1-14). Uma s pessoa havia que levara, para comer, cinco pes de cevada e dois peixes. Pediram-lhe que os cedesse para o bem de todos. E ele o fez, generosamente. Os cinco pes e os dois peixes foram ento abenoados pelo Senhor, partidos e distribudos multido imensa, que comeu at se saciar e, no meio dela, o prprio doador. Os restos encheram, a transbordar, doze cestos! Suponhamos agora que o tal indivduo tivesse dito: Que so cinco pes e dois peixes para tanta gente? Alm disso, eu preciso deles para os meus parentes que esto comigo, cheios de fome. No os posso dar. Mas no! Deu-os e recebeu ele e toda a famlia, da refeio milagrosa, muito mais do que havia entregue, com certo direito indiscutvel sobre o contedo dos doze cestos, se acaso desejasse reclam-lo. assim que Jesus e Maria tratam sempre a alma generosa que se entrega a eles com todos os seus bens, sem reservas nem condies. O dom da criatura, por eles divinamente multiplicado, basta para satisfazer as necessidades de u