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Marcelo Pupe Braga DIREITO INTERNACIONAL Público e Privado 2.a edição revista e atualizada nr* editora Ppn METODO

Marcelo Pupe Braga - Direito Internacional Público e Privado - 2º Edição - Ano 2010

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Marcelo Pupe Braga

DIREITOINTERNACIONAL

Público e Privado

2.a ediçãorevista e atualizada

nr*e d i t o r a

P p n METODO

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Braga, Marcelo Pupe

Direito internacional: público e privado / Marcelo Pupe Braga. - 2.a ed. - Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2010.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-309-3288-6

1. Direito internacional público. 2. Direito internacional privado. 3. Serviço público - Brasü- Concursos. I. Título. II. Série.

09-0906 CDU: 341

A Editora Método se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição (impressão e apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-io e lê-lo). Os vícios relacionados à atualização da obra, aos conceitos doutrinários, às concepções ideológicas e referências indevidas são de responsabilidade do autor e/ou atualizador.Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, é proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inciusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor.

Impresso no Brasil Printed in Brazil

2010

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Aos meus pais, Antônio Carlos e Viviane; e A minha esposa, Manuela.

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AGRADECIMENTOS

Aproveito a oportuna ocasião para manifestar, publicamente, meus sinceros agradecimentos às pessoas diretamente relacionadas com o lan­çamento deste livro.

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Antônio Carlos e Vivia­ne, dentre vários outros motivos, por nunca terem medido esforços para edücar-me e para ensinar-me o que de mais fundamental existe nà vida: valores humanos e éticos. A eles, tudo devo. Esforço-me ao máximo para retribuir, de alguma forma, todo o amor, atenção e dedicação a mim dispensados. ■ >

Agradeço, igualmente, à minha esposa, Manuela, companheira ideal e pessoa fundamental em minha vida. Suas palavras e atos de constante incentivo, seus gestos de carinho e seu sorriso são essenciais para mim. Obrigado por tudo!

Também devo meus agradecimentos ao amigo Leonardo José Carneiro da Cunha, não apenas por ter sugerido que eu escrevesse este íivro, mas também por ter me motivado e auxiliado durante todo o tempo que dediquei à sua elabpração. Além de brilhante .processualista, tive o privilégio de conhecer uma pessoa sensacional, extraordinária. Conte sempre comigo.

Por fim, -agradeço ao voto de confiança que me foi dado por Vauledir Ribeiro Santos, da Editora Método, e por toda a equipe do seu corpo editorial.

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NOTA DO AUTOR À 2.a EDIÇÃO

Fiquei extremamente feliz com a aceitação que o livro recebeu de vocês, caros leitores e alunos. Ao longo do ano que passou desde a publicação da 1 .a edição, recebi várias mensagens e críticas, dos mais variados locais do país. Por todas elas e a todos vocês, meu muito obrigado!

Quando da apresentação do livro, ressaltei a importância do Direito Internacional que, pouco a pouco, permeia, cada vez mais, nossas vidas. O crescente tratamento conferido a temas de interesse público que, no passado, ficavam restritos aos ordenamentos jurídicos internos, toma indispensável o conhecimento dos princípios e regras gerais de Direito Internacional pelos juristas e demais profissionais de áreas correlatas.

Parte do resultado disto é refletida na frequência com que o Direito Internacional é cobrado nos programas dos concursos públicos, como também no crescente interesse que os alunos demonstram nas faculdades e cursos especializados.

Nesta 2.a edição, alguns pontos foram retificados e outros atualizados. Outrossim, novas questões foram adicionadas, tudo com a finalidade de auxiliá-los no aprendizado das respectivas matérias. '

Espero que o livro continue a ajudá-los a conquistar os seus objetivos, sejam eles a aprovação em concurso e na prova dà faculdade, a redação de um artigo ou trabalho científico ou o aprendizado, puro e simples, do fascinante Direito Internacional.

Peço-lhes, novamente, a gentileza de que continuem a me enviar mensa­gens com críticas, comentários e sugestões. Elas me são de grande valia.

Boa leitura, boa sorte e obrigado!

Marcelo Pupe [email protected]

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Xit DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

É bem provável que o livro contenha erros e deslizes. Portanto, peço-lhes que quaisquer correções, sugestões e críticas sejam encami­nhadas diretamente ao meu e-ma.il. Terei imensa satisfação em receber e responder as mensagens.

Boa leitura, boa sorte e obrigado!

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PREFÁCIO

Foi com grande satisfação e imensa alegria que recebi o convite do Professor Marcelo Pupe Braga para prefaciar seu interessante e oportuno Direito Internacional, destinado a estudantes que estão se preparando para submeter-se a exames de concursos públicos.

Registro, desde logo, meus parabéns à Editora Método. Não poderia ter sido escolhido alguém melhor para tratar desse assunto, num trabalho com essa finalidade.

Conheci Marcelo Pupe Braga em Lisboa, aonde fui para dar início ao meu pós-doutoramento. Marcelo, que já me conhecia, por ter assis­tido a uma palestra minha aqui no Recife, abordou-me na biblioteca da Universidade de Lisboa, apresentando-se e informando-me que estava ali a realizar o mestrado naquela clássica e respeitada Universidade. A partir daí, passamos a manter contato. Pude, então, perceber as qualidades aca­dêmicas de Marcelo e seu profundo conhecimento sobre várias áreas do Direito, sobretudo do Direito Internacional Público, matéria sobre a qual vem desenvolvendo suas pesquisas para o referido curso de mestrado, sem contar com sua experiência profissional, adquirida no estágio realizado no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal.

Não hesitei em sugerir a Marcelo que escrevesse um trabalho didático sobre o Direito Internacional, pois tenho percebido uma grande defici­ência dos alunos no trato da matéria. Não é que ele acolheu a sugestão e produziu um ótimo livro! A qualidade da obra despertou o imediato interesse da prestigiada Editora Método, que houve por bem inseri-lo na já consagrada Série Concursos Públicos.

Em linguagem clara, didática, precisa e objetiva, o livro - bastante completo — discorre sobre noções preliminares, iniciando com uma in­trodução sobre o Direito Internacional Público, destacando as fontes do Direito Internacional, além de dedicar um capítulo inteiro sobre o Direito dos Tratados. A partir daí, tece considerações importantes sobre os Sujeitos Internacionais, sobre o Estado e as Organizações Internacionais. Prossegue, com explicações concernentes à organização da ONU, merecendo destaque

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XIV DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

o capítulo que se dedica ao Indivíduo, oportunidade em que o autor lança lições sobre a nacionalidade, esclarecendo sobre os principais aspectos do Estatuto da Igualdade, sobre a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, quando, então, explica quais seus direitos, os tipos de visto e a função do passaporte, além de discorrer sobre a admissão, deportação, expulsão e extradição, bem como sobre o asilo político, asilo diplomático e refugio.

Em seguida, o livro inaugura uma terceira parte, relativa ao Domínio Público Internacional, momento em que o autor trata do regime jurídico dos espaços, do Direito Internacional do Mar, do Espaço Aéreo e Extra- -atmosférico para, então, dar início à quarta parte da obra, dedicada à Responsabilidade Internacional e Resolução Pacífica de Conflitos.

Na quinta parte, o livro é dedicado ao Direito Diplomático e Consular, merecendo destaque a análise feita a respeito dos privilégios e imunida- des, bem como aquela relativa às funções consulares, assuntos em que Marcelo tem grande experiência, em virtude de seu estágio profissional no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal.

Não é só isso. Há mais ainda!O livro avança para uma sexta parte, que versa sobre a Proteção

Internacional da Pessoa Humana, examinando, na sétima parte, o in­teressante, atual e indispensável Direito Internacional Ambiental, com destaque para seus princípios e regras próprias.

Finalmente, na oitava parte do livro, há capítulo dedicado ao Direito Internacional Privado, com noções fundamentais desse importante ramo do Direito.

Por aí já se percebe que o livro revela-se bastante completo. Manten­do a concisão sem ser superficial, o autor não deixa escapar os detalhes mais importantes dos assuntos, incursionando nos mais variados temas do Direito Internacional e mantendo o foco nos assuntos que geralmente são exigidos nas provas, seleções, exames e concursos públicos.

O livro oferece ao público material de ótima qualidade, com linguagem objetiva e acessível. Seu autor, embora ainda muito jovem, já acumula considerável experiência acadêmica e profissional, transmitindo toda essa sua experiência para seus leitores.

Ao autor e à Editora, meus parabéns. Ao leitor, minha sugestão de que não perca tempo: inicie logo a agradável leitura do livro do professor Marcelo Pupe Braga.

Leonardo José Carneiro da CunhaMestre em Direito pela UFPE. Doutor em Direito pela PUC/SP.

Professor do curso de Mestrado da Universidade Católica de Pernambuco.Procurador do Estado de Pernambuco e advogado. Professor Adjunto da UFPE.

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SUMÁRIO

PARTE IO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................... 31.1 Comunidade internacional ou sociedade internacional? ............ 31.2 Evolução histórica do Direito Internacional .............................. 51.3 A Paz de Vestefália .................................................................... 91.4 Características da ordem jurídica internacional contemporânea . 101.5 Conceito e fundamento do Direito Internacional Público ......... 141.6 Relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno ...... 171.7 Normas jus cogens e soft law ................................................... 19

2 FONXES DO DIREITO INTERNACIONAL ................................. 232.1 O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça ........... 232.2 Os tratados internacionais .......................................................... 242.3 O costume internacional ............................................................ 252.4 Os princípios gerais de Direito ................................................. 272.5 Doutrina, jurisprudência e equidade........................................... 272.6 Os atos jurídicos unilaterais ...................................................... 292.7 As decisões das organizações internacionais ............................. 302.8 A codificação do Direito Internacional ...................................... 31

3. O DIREITO DOS TRATADOS ....................................................... 333.1 Introdução e conceito ................................................................. 33

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XVI DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Púbiicos - Marcelo Pupe Braga

3.2 Terminologia ............................................................................... 353.3 Classificação ............................................................................... 363.4 Condições de validade ............................................................... 38

3.4.1 Capacidade das partes ........................................................ 393.4.2 Habilitação dos agentes signatários .................................... 393.4.3 Licitude e possibilidade do objeto ..................................... 403.4.4 Consentimento mútuo ......................................................... 41

3.5 Estrutura ..................................................................................... 413.6 Produção do texto convencional: a negociação ........................ 423.7 Assinatura e ratificação .............................................................. 443.8 Promulgação, publicação e registro ........................................... 463.9 Troca e depósito de instrumentos de ratificação ....................... 473.10 O processo de incorporação no Direito Interno brasileiro ...... 483.11 A adesão ................................................................................... 523.12 As reservas ............................................................................... 533.13 Entrada em vigor...................................................................... 543.14 Efeitos sobre as partes e terceiros ........................................... 553.15 Aplicação e observância dos tratados ............................ ......... 563.16 Interpretação .............................................................................. 563.17 Emendas e revisão dos tratados ............................................... 573.18 Cessação da vigência e extinção ............................................. 583.19 A denúncia ................................................................................ 59

Questões - O Direito Internacional Público ............................................ 61

PARTE II SUJEITOS INTERNACIONAIS

4. INTRODUÇÃO ................................................................................... 77

4.1 Subjetividade internacional ........................................................ 774.2 Os Estados ................................................................................. 784.3 As Organizações Internacionais ................................................. 79

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SUMÁRIO XVII

4.4 O indivíduo ................................................................................. 804.5 As organizações não governamentais ......................................... 814.6 As empresas transnacionais ....................................................... 814.7 A Santa Sé, a Cruz Vermelha e a Ordem de Malta ................. 824.8 Os insurgentes, os beligerantes e os movimentos de libertação

nacional ..................................................................................... 83

5. O ESTADO ......................................................................................... 87

5.1 Conceito ...................................................................................... 875.2 Elementos constitutivos .............................................................. 88

5.2.1 Povo..................................................................................... 885.2.2 Território .............................................................................. 895.2.3 Governo ............................................................................... 915.2.4 Soberania ............................................................................. 91

5.3 Classificação ................................................................................ 935.4 Surgimento do Estado ................................................................ 945.5 Reconhecimento do Estado ........................................................ 955.6 Reconhecimento do govemo ..................................................... 975.7 Órgãos do Estado nas relações internacionais .......................... 985.8 Extinção e sucessão ................................................................... 995.9 Direitos e deveres dos Estados ................................................. 1025.10 Intervenção ................................................................................ 1055.11 Imunidades ............................ ................................................ . 107

6. AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ................................... 113

6.1 Introdução ................................................................................... 1136.2 Conceito e características ........................................................... 1146.3 Tratado constitutivo .................................................................... 1156.4 Classificação ................................................................................ 1166.5 O princípio da especialidade e a teoria das competências implí­

citas ........................................................................................... 117

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XVIII DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

6.6 Composição ............................................................................... 1196.7 Órgãos das organizações internacionais .................................... 1196.8 Autonomia................................................................................. 1206.9 Processo decisório ..................................................................... 1216.10 Admissão e retirada de Estados-membros ............................. 1226.11 A União Européia ......................................................... .......... 1236.12 O Mercado Comum do Sul (Mercosul) ................................... 127

7. A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) .................. 131

7.1 A Sociedade das Nações (SDN) de Woodrow Wilson ............ 1317.2 A Carta de São Francisco: traços gerais .................................. 1327.3 A Assembleia Geral: traços marcantes .................................... 1347.4 O Conselho de Segurança: traços marcantes ........................... 1367.5 As forças das Nações Unidas .................................................. 1387.6 O Secretariado .......................................................................... 1397.7 O Conselho Econômico e Social ............................................. 1407.8 O Conselho de Tutela .......... .................................................... 1417.9 A Corte Internacional de Justiça .............................................. 1417.10 Organismos especializados da família ONU: OIT, Unesco,

OMS, FAO, OMC, FMI é Bird .............................................. 144

8. O INDIVÍDUO .................................................................................. 147

8.1 Traços gerais da nacionalidade ................................................ 1478.2 A nacionalidade brasileira: aquisição e perda .......................... 1508.3 O Estatuto da Igualdade ........................................................... 1548.4 A situação jurídica do estrangeiro no Brasil: direitos, passaportes

e tipos de vistos ........................................................................ 1558.5 Admissão, deportação, expulsão e extradição .......................... 1608.6 Asilo político, asilo diplomático e refugio ............................... 164

Questões - Sujeitos Internacionais ............................. ............................. 167

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SUMÁRIO XIX

PARTE IIIO DOMÍNIO PUBLICO INTERNACIONAL

9. INTRODUÇÃO .................................................................................. 1859.1 O regime jurídico dos espaços .................................................... 1859.2 O Ártico ...................................................... ............................... 1869.3 A Antártica .................................................................................. 1879.4 Rios e canais internacionais ........................................................ 188

10. O DIREITO INTERNACIONAL DO MAR ................................. 191Í0.1 Histórico ................................................................................... 19110.2 Os navios ................................................................................. 19210.3 Águas interiores ........................................................................ 19310.4 Mar territorial ........................................................................... 19410.5 Zona contígua ........................................................................... 19510.6 Os estreitos utilizados para a navegação internacional ........... 19510.7 Os estados arquipélagos ........................................................... 19610.8 A zona econômica exclusiva (ZEE) ......................................... 19710.9 A plataforma continental .......................................................... 19710.10 O alto-mar............................................................................... 19910.11 A Área ..................................................................................... 20210.12 O Tribunal Internacional do Direito do Mar ........................ 203

11. O ESPAÇO AÉREO E EXTRA-ATMOSFÉRICO ...................... 205l í .l Noções gerais ............................................................................ 20511.2 O espaço aéreo e suas normas ................................................. 20611.3 O regime de navegação: as cinco liberdades .......................... 20811.4 Estatuto das aeronaves ............................................................. 20911.5 Segurança da aviação internacional ......................................... 21011.6 A Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) .......... 210

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11.7 O espaço extra-atmosférico ..................................................... 211

Questões - Domínio Público Internacional ............................................. 213

PARTE IVRESPONSABILIDADE INTERNACIONAL

E RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS

12. REGIME GERAL DE RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS ... 21912.1 Noções gerais ........................................................................... 21912.2 Imputação e ilicitude ................................................................ 22012.3 Causas de exclusão da ilicitude ............................................... 221

12.3.1 Consentimento válido ....................................................... 22212.3.2 Legítima defesa ................................................................ 22212.3.3 Represálias ........................................................................ 22212.3.4 Força maior ....................................................................... 22312.3.5 Perigo extremo .................................................................. 22312.3.6 Estado de necessidade ...................................................... 223

12.4 Conseqüências jurídicas ..................................................... . 224

13. RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS ............................... 22713.1 Aspectos gerais ......................................................................... 22713.2 A negociação ................................... ........... ....... -..................... 22813.3 Bons ofícios .............................................................................. 22813.4 Mediação ................................................................................... 22913.5 Conciliação ................................................................................ 22913.6 Tribunais ou cortes internacionais ............................................ 23013.7 Arbitragem ................................................................................ 23013.8 Meios políticos ......................................................................... 231

Questões - Responsabilidade e Resolução de Conflitos ......................... 233

XX DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

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SUMÁRIO XXI

PARTE VDIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR

14. DIREITO DIPLOMÁTICO ............................................................ 23914.1 Diplomacia clássica, diplomacia ad hoc e diplomacia direta .. 23914.2 O direito de legação................................................................. 24114.3 Diplomacia nas organizações internacionais ............................ 24214.4 Corpo diplomático e missão diplomática ................................ 24314.5 Privilégios e imunidades diplomáticos ..................................... 24514.6 Privilégios e imunidades dos locais de missão ....................... 24814.7 Privilégios e imunidades dos agentes diplomáticos ................ 24914.8 Sanções diplomáticas ............................................................... 253

15. DIREITO CONSULAR ................................................................... 25515.1 Introdução ................................................................................. 25515.2 Estabelecimento das relações consulares ................................. 25615.3 Funções consulares ................................................................... 25715.4 Categorias de funcionários consulares ..................................... 25915.5 Facilidades, privilégios e imunidades ...................................... 260

Questões - Direito Diplomático e Consular ........................................... 265

PARTE VIPROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA

16. INTRODUÇÃO ................................................................................ 27116.1 Terminologia, objeto e estrutura.............................................. 27116.2 Classificação .............................................................................. 27316.3 Características principais .......................................................... 27316.4 O caráter erga omnes e de jus cogens das normas ................ 276

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XXII DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

16.5 Críticas à teoria das gerações do Direito ................................ 27716.6 Evolução histórica .................................................................... 279

17. ANÁLISE SETORIAL .................................................................. . 28117.1 A Carta da Organização das Nações Unidas.......................... 28117.2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ..................... 28317.3 O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ............... 28717.4 O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais ................................................................................... 29017.5 A Convenção Européia dos Direitos do Homem .................... 29117.6 A Convenção Americana de Direitos Humanos ..................... 29317.7 A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ............. 295

18. MECANISMOS DE PROTEÇÃO ................................................. 29718.1 O Sistema das Nações Unidas ................................................. 29718.2 O sistema europeu .................................................................... 30018.3 O sistema americano ................................................................ 30218.4 O sistema africano ................................................................... 30318.50 Tribunal Penal Internacional - TPI ..................................... 304

Questões - Proteção Internacional da Pessoa Humana .......................... 309

PARTE VIIO DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL

19. INTRODUÇÃO ................................................................................. 31519.1 O meio ambiente como preocupação da sociedade internacio­

nal ............................................................................................ 31519.2 A Conferência de Estocolmo de 1972 ....................................... 31819.3 A Conferência do Rio de 1992 ........................................... 32019.4 A Conferência de Johanesburgo de 2002 ............................... 321

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SUMÁRiO XXIII

19.5 Conceito do Direito Internacional Ambiental .......................... 32219.6 O quadro institucional .............................................................. 32319.7 O papel de terceiros atores: OIs e ONGs ............................... 32419.8 As normas do Direito Internacional Ambiental e o caráter soft

law ........................................................................................... 325

20. PRINCÍPIOS GERAIS .................................................................... 32920.1 Generalidades ............................................................................ 32920.2 Desenvolvimento sustentável ................................................... 33020.3 Equidade intergeracional .......................................................... 33120.4 Responsabilidades comuns, mas diferenciadas ........................ 33220.5 Obrigação de cooperar ............................................................. 33320.6 Prevenção e precaução ............................................................. 33420.7 Poluidor-pagador ....................................................................... 337

21. BREVE ANÁLISE SETORIAL ..................................................... 33921.1 Cursos d’água e territórios marinhos ....................................... 33921.2 Poluição atmosférica ................................................................ 34121.3 Proteção da diversidade biológica ............................................ 34621.4 Proteção das florestas contra a desertificação ......................... 350

Questões - Direito Internacional Ambienta! ............................................ 353

PARTE VIIITÓPICOS INTEGRADOS

DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

22. PARTE GERAL ............................................................................... 359

22.1 Introdução ................................................................................. 35922.2 Objeto do Direito Internacional Privado ................................. 35922.3 Fontes do Direito Internacional Privado .................................. 360

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XXIV DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

22.4 Regras e elementos de conexão .............................................. 36222.5 Lex fori .................................................................................... 36322.6 Ordem pública .......................................................................... 36422.7 Fraude à lei ............................................................................... 36522.8 Homologação e execução de sentenças estrangeiras .............. 36622.9 Cartas rogatórias ....................................................................... 368

Questões - Direito Internacional Privado ............................................... 369

BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 373

Nota da Editora: o Acordo Ortográfico foi aplicado nesta obra, exceto nas citações.

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PARTE I

O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

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INTRODUÇÃO

Sumário: 1.1 Comunidade internacional ou sociedade internacional? - 1.2 Evolução histórica do Direito Internacional - 1.3 A Paz de Vestefáiia - 1.4 Características da ordem jurídica internacionai contemporânea - 1.5 Conceito e fundamento do Direito Internacional Público - 1.6 Relações entre o Direito Internacionai e o Direito Interno — 1.7 Normas jus cogens e soft law.

1.1 COMUNIDADE INTERNACIONAL OU SOCIEDADEINTERNACIONAL?

Em apertada síntese, costuma-se definir o Direito Internacional Pú­blico como o conjunto de princípios e normas jurídicas que regula as relações mantidas pela sociedade internacional. Em que pese a utilização das expressões comunidade internacional e sociedade internacional como sinônimos, elas, na verdade, não se confundem. Mas, para sabermos se estamos perante uma sociedade internacional ou uma comunidade inter­nacional, é preciso distinguir os seus conceitos.

Max Weber afirmou que as relações mantidas entre grupos sociais os conduzem à formação de uma comunidade (Gemeinschaft) ou de uma sociedade (Gesellschaft). Em ambas é possível constatar elementos tanto de agregação como de separação e o que vai distingui-Ias é exatamente a prevalência de uns sobre os outros5.

A comunidade baseia-se em um vínculo subjetivo (amizade, religio­sidade, vizinhança), que propicia uma relação espontânea, harmoniosa e

1 Cf. Fausto de Quadros & André Gonçalves Pereira. Manual de direito internacional público. Coimbra: Almedina, 2006. p. 32.

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4 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

de confiança entre os que a integram, e possui mais fatores de agregação do que de separação. Em uma comunidade, a convergência de valores e de interesses entre os seus membros é superior à divergência.

Por seu turno, a sociedade não é baseada em laços subjetivos e es­pontâneos, mas antes na vontade dos que dela participam, independente­mente das questões de identidade eventualmente existentes. Na sociedade podem existir e normalmente existem elementos de agregação, mas os fatores de separação se sobrepõem aos primeiros. Verifica-se, portanto, uma divergência de valores e de interesses mais marcante que as possí­veis convergências.

Nesse sentido, a maior parte da doutrina defende que, à escala universal, apenas o conceito de sociedade internacional é concebível2, porquanto há mais elementos de separação entre os seus membros, que elementos de agregação. Com efeito, os Estados unem-se uns aos outros por força de interesses próprios, sem que se verifique qualquer laço subjetivo que os conduza a esse agrupamento. Embora por vezes haja um objetivo comum entre eles, como ocorre no âmbito da Organização das Nações Unidas, cuja finalidade principal é a manutenção da paz e da segurança interna­cionais, as divergências existentes entre os seus membros são superiores a esse valor que compartilham.

Em virtude da mutabilidade e dinâmica que são inerentes às relações sociais, não se descarta que, no futuro, a sociedade internacional possa vir a se tomar uma comunidade internacional. Mas o certo é que, atualmente, existe no plano internacional uma sociedade internacional composta, ao menos, pelos Estados, organizações internacionais e indivíduos.

Para Valerio Mazzuoli, as coletividades não estatais, como as or­ganizações não governamentais (ONGs), também integram a sociedade internacional ao lado dos Estados, das organizações internacionais e dos indivíduos3. Embora participem da sociedade internacional enquanto forças de pressão e, por vezes, auxiliando tecnicamente os Estados, veremos

2 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público. 2. ed. São Paulo: RT, 2007; Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 1 e '2; e Manuel Diez de Velasco. Instituiciones de derecho internacional público. 16. ed. Madrid: Tecnos, 2007. Em sentido contrário, Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva & Paulo Borba Casella. Manual de direito interna­cional público. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008; e Eduardo Correia Baptista. O Poder Público bélico em direito internacional: o uso da força pelas Nações Unidas em especial. Coimbra: Almedina, 2003, utilizam a expressão “comunidade internacional”.

3 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 32.

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Cap.1-INTRODUÇÃO 5

que as ONGs não têm personalidade jurídica de Direito Internacional Público.

Sidney Guerra aponta ainda como atores internacionais “os Estados, as Organizações Internacionais, a pessoa humana, as empresas transna- cionais, a Santa Sé, os Beligerantes e Insurgentes, as Organizações não governamentais e a Cruz Vermelha”4.

Julga-se possível concluir, portanto, que da sociedade internacional fazem parte todos os que sejam sujeitos ativos ou passivos das normas de Direito Internacional ou que, de alguma forma, participem da rotina da sociedade internacional, ainda que não necessariamente sejam sujeitos de Direito Internacional.

Vale ressaltar que a expressão comunidade internacional é frequen­temente utilizada em diversos tratados internacionais5, na jurisprudência, assim como por parte da doutrina6. Entretanto, somos da opinião de que, pelos motivos expostos, o termo mais correto é sociedade internacional, razão pela qual o adotaremos doravante, salvo nos casos em. que a trans­crição de um texto exigir o contrário.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO INTERNACIONAL

Não pretendemos oferecer uma detalhada e completa evolução his­tórica do Direito Internacional, mas também não podemos nos furtar da obrigação de expor, ainda que brevemente, os principais aspectos históricos relacionados à sua construção, sobretudo porque isto se faz indispensável para a compreensão da ordém jurídica internacional contemporânea.

O Direito Internacional Clássico surge com o sistema europeu de Estados dos séculos XVI e XVII, cujo marco histórico foi a célebre Paz de Vestefália, de 1648. Mas o ramo do Direito a que hoje chamamos de Direito Internacional não é uma criação moderna7. Com efeito, o Direito

4 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2007.

s A exemplo da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 e a Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar de 1982.

6 Ver nota de n 0 2 supra.7 Para um estudo mais aprofundado da história do Direito Internacional, sugerimos a leitura

das seguintes obras: Antonio Truyol y Serra. História do direito internacional público. Lisboa: Instituto Superior de Novas Profissões, 1996, e Antônio Pedro Barbas Homem. História das relações internacionais: o direito e as concepções políticas na idade moderna. Coimbra: Almedina, 2003.

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6 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Internacional é tão antigo quanto a civilização em geral e é uma conse­qüência necessária e inevitável de toda e qualquer civilização8.

Para Valerio Mazzuoli, o Direito Internacional não é tão ancestral como se pretende, pois, em sua opinião, na Antiguidade Clássica não existia um Direito Internacional propriamente dito. Para o autor, existia apenas um Direito aplicável às relações entre cidades vizinhas, que partilhavam da mesma língua, da mesma raça e da mesma religião, tal como ocorria na Grécia Antiga e nas Confederações Etruscas. Para além desses casos, prossegue, “não existia um Direito propriamente internacional entre nações estrangeiras, porque não existia lei comum entre tais nações, nem sequer igualdade jurídica entre elas”9.

Concordamos com a opinião do citado autor de que, na Antiguidade, não havia um Direito Internacional como hoje concebido. Mas nem por isso concordamos que não existia um Direito Internacional. Pelo contrário, existia um Direito Internacional embrionário, com seus princípios, regras e características próprias, o qual, evidentemente, evoluiu com o passar do tempo10.

Prova de que o Direito Internacional remonta ao surgimento das próprias civilizações é o conhecimento que se tem do inteiro teor de um tratado concluído no III milênio antes de Cristo, entre o Rei de Elba e o Rei da Assíria, no qual os dois soberanos estabeleceram relações de amizade e de comércio e fixaram as sanções a serem aplicadas pelos delitos cometidos por seus súditos1'.

Ora, se até os dias atuais o Direito Internacional é sucintamente definido como o direito da sociedade internacional, é forçoso concluir que havia um Direito Internacional na Antiguidade (elementar, repita- -se), justamente porque existiam, ainda que embrionariamente, regras que regulavam as relações mantidas entre os diferentes povos, comunidades, reinos e impérios, isto é, a sociedade internacional daquela época.

Não se pode negar, contudo, que o Direito Internacional na Antiguidade era bastante precário e fragmentado, sobretudo porque o mundo antigo

8 Cf. Serge Korff. lntroduction à 1’histoire du droit International. Recueil des cours de 1’Académie de droit international de la Haye, 1923, v. 1, p. 21.

9 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 36.10 “O direito internacional deve considerar-se, antes de mais, enquanto um direito intersocial

ou intergrupai Quando se aplica aos Estados, rege-os, não enquanto tais, mas enquanto sociedades políticas distintas e ’independentes.” Cf. Nguyen Quoc Dinh, Paírick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público. Tradução de Vítor Marques Coelho. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 44.

11 Cf. Antonio Truyol y Serra. História do direito internacional público, cit., p. 19.

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Cap. 1 - INTRODUÇÃO 7

foi marcado pelo caráter isolacionista e conflitante dos povos. O Direito Internacional que existia era, portanto, rudimentar.

Na Grécia Antiga os instrumentos do tratado e da diplomacia eram utilizados, conforme testemunho formal de Tucídides. No Império Romano também há indícios da existência de um Direito Internacional, nomea­damente pela constituição, por tratado, da Liga Latina e pela submissão das relações com os povos estrangeiros às regras jurídicas romanas. Mas vale lembrar que, em Roma, a aplicação e a interpretação desse Direito Internacional eram confiadas a religiosos12.

Após a queda do Império Romano do Ocidente, no ano de 476, a Europa foi assolada por uma série de invasões dos bárbaros, que fez com que a evolução do Direito Internacional fosse estagnada por um longo período da Idade Média. Posteriormente, o Direito Internacional voltou a ser desenvolvido e sofreu forte influência religiosa, sobretudo pela presença da Igreja e do Papado na conclusão dos mais variados tratados. Naquele tempo havia o primado da teologia sobre o direito e é por isso que os dois importantes autores da época eram teólogos.

Francisco de Vitória (1483-1546), dominicano espanhol, valorizou a componente internacional das sociedades políticas em suas obras De Indis e De Jure Belli; insistindo na interdependência das nações, e afirmou que existiam regras comuns a todos os povos que constituíam' o Direito das Gentes, que era o direito universal de toda a humanidade. Para Vitória, o direito das gentes tinha um duplo sentido: por um lado era o direito universal do gênero humano e, por outro, era o direito dos povos nas suas relações recíprocas53.

O jesuíta espanhol Francisco Suárez (1548-1617), em seu tratado De Legibus, ofereceu alicerces de uma teoria geral da sociedade e do Estado. Considerou que, apesar das divisões em povos e reinos, o gênero humano mantinha uma certa unidade e que, em função disso, as nações necessitávam de regras jurídicas que as dirigissem e as organizassem reciprocamente, ao que também chamou de direito das gentes14. Para além de explanar o direito das gentes fundado no direito natural, também tratou do direito das gentes positivo, que seria aquele- fundado no costume: Outrossim,

12 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Aliam Pellet. Direito internacional público, cit., p. 47.

53 Cf. Antonio Truyol y Serra. História do direito internacional público, cit., p. 62.!4 Cf. Antônio Pedro Barbas Homem. História das relações internacionais, c it, p. 24-25.

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8 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

defendeu a utilização da arbitragem como sistema pacífico de solução de conflitos em substituição à guerra15.

Releva notar que as ideias de Vitória e de Suárez sobre o direito das gentes eram indissociáveis da Teologia. Toda e qualquer conclusão que se extraía do direito natural era fundamentada na vontade divina.

Mas é a partir das ideias do holandês Hugo Grotius (1583-1645), considerado o fundador do moderno direito das gentes e pai do Direito Internacional, que tem início uma fase de separação entre Teologia e Di­reito e de tolerância religiosa como fundamento do convívio internacional. Isto porque Grotius substitui a concepção teológica do direito natural, pela acepção racionalista. Suas principais obras são Mare Libenim e De lure Belli Ac Pacis e graças a Grotius que o Direito Internacional Público aparece como ciência autônoma e sistematizada.

Para Grotius as regras de direito natural vinculavam a sociedade hu­mana independentemente da sua aceitação voluntária, porquanto o direito natural seria o que a reta razão impõe aos indivíduos. Grotius também aceitava o que chamou de direito das gentes voluntário, que seria o di­reito positivo oriundo de acordos livremente estabelecidos ou do costume, muito embora fundamentasse a obrigatoriedade desse direito convencional no próprio direito natural.

São atribuídos a Grotius o princípio da liberdade dos mares> a con­cepção da guerra justa, que seria aquela cujas causas e motivos, modo de condução e conclusão deveriam ser fundados em razões jurídicas e não morais, além dos princípios da extraterritorialidade das embaixadas e da inviolabilidade dos embaixadores. “O desenvolvimento do direito dos tratados e do direito das embaixadas como ramos do direito das gentes constitui um dos marcos mais relevantes que a obra de Grotius deixou nos juristas da época. Outro será a boa fé como princípio fundamental do direito das gentes”16.

Grotius reconheceu, ainda, o Estado soberano, mas defendeu que a soberania era limitada pelo direito natural. Por tal motivo é que se afirma que os ensinamentos de Grotius influenciaram sobremaneira a Paz de Vestefália, que arquitetou a nova era das relações internacionais e, por conseguinte, do Direito Internacional17.

15 Cf. Antonio Truyol y Serra. Idem, p. 65.16 Cf. Antônio Pedro Barbas Homem. História das relações internacionais, cit., p. 39.17 Não se devem esquecer os papéis desempenhados por Samuel Pufendorf (1632-1694), para

quem o direito das gentes é a lei natural dos Estados; por Emmerich de Vattel (1714-1767), que afirmou ser o direito das gentes não apenas o direito dos Estados soberanos, como

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1.3 A PAZ DE VESTEFÁLIA

Cap. 1 - INTRODUÇÃO

i

9

A Paz de Vestefália de 1648 corresponde à assinatura dos Tratados de Münster e Osnabrück, concluídos em 24.10.1648, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos e representa “o fim de uma era e início de outra, em matéria de política internacional”18. A Guerra dos Trinta Anos teve como causa a reforma protestante que dissolveu a unidade católica euro- peia e opôs católicos e protestantes em uma sériê de conflitos ocorridos entre 1618 e 1648.

Vestefália “trouxe a superação definitiva do tema da religião como obstáculo às relações diplomáticas” e “assinala o triunfo dos modernos Estados soberanos, tanto na ordem interna como na ordem internacional”19. Resta nítida, portanto, a influência exercida por Grotius sobre a nova era que teve início com a Paz de Vestefália.

É com a Paz de Vestefália que surge a concepção moderna do Esta­do, cujos elementos constitutivos são o povo, o território, o governo e a soberania (ver item 5.2 infra). Passou-se a falar mais frequentemente na soberania, definida por Jean Bodin (1530-1596) como o poder absoluto e perpétuo de uma república e restou consagrado o princípio da igualdade soberana, que retrata a absoluta igualdade formal dos Estados no Direito Internacional.

Em razão do reconhecimento de que não mais existia um poder superior aos Estados soberanos (o Império, e.g.), deu-se início a uma era em que as relações internacionais foram significativamente, intensificadas, tanto no que diz respeito às questões políticas como no que tange às relações comerciais. A Paz de Vestefália conduziu ao sistema de Estados europeu em que a autonomia e a capacidade para manter relações internacionais e para concluir tratados foram reconhecidas a diversos Estados.

Como surgiram Estados de força equiparável, o sonho medieval de construção de um Império universal se desmoronou. A Europa passou a conviver, portanto, com uma nova realidade em que vigorou ó sistema do equilíbrio de poder. O objetivo principal desse sistema consistia em impedir que um único Estado dominasse os demais, preservando, assim,

também o direito dos povos; e Jeremy Bentham (1748-1832), que foi o primeiro tratadista a utiÜ2ar a expressão International Law, em seu livro de 1780. Por força de Bentham, a expressão direito das gentes, utilizada desde o Império Romano, foi paulatinamente substituída por Direito Internacional.

!X Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 64.

19 Cf. Antônio Pedro Barbas Homem. Idem, p. 8-9.

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10 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

a ordem internacional. A sua lógica se baseava na união dos Estados ameaçados para reprimir as pretensões de outro Estado mais poderoso em tomar-se um Império. O sistema do equilíbrio de poder surge, pois, como resultado do reconhecimento da igualdade soberana dos Estados20.

No plano interno, consagrou-se o princípio da territorialidade do direito, na medida em que a soberania dos Estados, e consequentemente seus atributos, estavam limitados à sua extensão territorial21.

Destarte, pode-se dizer que a Paz de Vestefália foi determinante para o Direito Internacional, porquanto, ao construir os elementos do Estado moderno e consagrar a igualdade soberana, alterou profundamente a so­ciedade internacional, colocando o Estado na qualidade de seu principal ator. E é a partir dessa realidade que o Direito Internacional passou a ser desenvolvido, visto que, até os dias atuais, não obstante outros atores internacionais terem tido sua importância ampliada, o Estado permanece como elemento central da sociedade internacional

1.4 CARACTERÍSTICAS DA ORDEM JURÍDICAINTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA

Alguns acontecimentos posteriores à Paz de Vestefália oferecem ele­mentos que facilitam a compreensão do atual estágio em que se encontra a ordem jurídica internacional.

Como referido, após a Paz de Vestefália o sistema de Estados europeu se deparou com o equilíbrio de poder, que objetivava a manutenção dá ordem internacional, mediante a união de forças entre os Estados mais fracos para evitar a supremacia de um Estado mais forte. No entanto, o equilíbrio de poder não foi suficientemente eficaz para impedir a eclo­são de diversos conflitos interestatais. As guerras napoleônicas são um exemplo disto.

Napoleão Bonaparte (1769-1821), coroado Imperador da França em 1804, governou de forma autoritária, imperialista e expansionista, co­mandando diversos conflitos armados nos quais opôs a França à quase totalidade dos Estados europeus. As guerras% napoleônicas só viriam a terminar com o Congresso de Viena de 1815, em que as grandes potên­

20 Cf. Henry Kissinger. Diplomacia. 3. ed. Lisboa: Gradiva, 2007. p. 14.21 Cf. Guido Fernando Silva Soares. Curso de direito internacional público. São Paulo: Aílas,

2002. v. 1, p. 29.

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Cap. 1 - INTRODUÇÃO 11

cias europeias se reuniram para redesenhar a política do continente, após a derrota de Napoleão.

O Congresso de Viena de 1815 foi extremamente importante na me­dida em que substitui o poder, enquanto elemento principal das relações internacionais, pelo princípio da cooperação. Foi o Congresso de Viena quem enunciou que a conduta internacional deveria residir em acordos entre os Estados e não mais no citado mecanismo de equilíbrio de poder. O Congresso de Viena assegurou um período de paz relativamente lon­go, que durou quase um século, mas que foi interrompido pela Primeira Guerra Mundial.

Os catastróficos resultados da Primeira Guerra Mundial deixaram claro que os sistemas europeus não haviam sido eficazes para a manutenção da paz. O então presidente norte-americano Woodrow Wilson sugere, nos seus célebres “14 pontos”, uma alteração da ordem mundial, fundada na segurança coletiva, no desarmamento, no fim da diplomacia secreta e na utilização da arbitragem como método de solução dos conflitos internacio­nais. Wilson defendeu que essa alteração deveria ser realizada por meio da diplomacia multilateral, em um fórum universal que seria uma Sociedade das Nações (SDN), precursora da Organização das Nações Unidas (ONU). A criação da SDN foi incluída na primeira parte do Tratado de Versalhes de 1919, que oficialmente encerrou a I Guerra Mundial.

Por motivos diversos, entre os quais o fato de o próprio Congresso Norte-Americano não ter ratificado o seu Pacto, a SDN de Wilson não obteve sucesso e o mundo foi mais uma vez assolado por uma guerra de enormes proporções, na qual o regime nazista comandado por Hitler foi responsável por catastróficas violações de direitos humanos.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial foi criada a ONU e deu-se início a uma fase de humanização do Direito Internacional, cujas princi­pais preocupações passaram a ser a manutenção da paz e da segurança internacionais, assim como o respeito dos direitos inerentes a toda e qualquer pessoa humana.

Na verdade, o fim da Segunda Guerra Mundial marca uma profunda alteração no Direito Internacional. Primeiro, porque o Estado, até então o sujeito central da sociedade internacional, perde um pouco da sua re­levância, em função do fenômeno da criação de diversas organizações internacionais interestatais, a exemplo da própria ONU, e passa a dividir com elas funções que lhe competem na esfera universal. Essas organizações internacionais se revelam essenciais, justamente por cuidarem de assuntos que os Estados, isoladamente, não mais eram capazes. Um pouco mais

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12 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

tarde também surgem as organizações internacionais não governamentais, que hoje têm vida ativa e desempenham papel de extremo relevo na sociedade internacional.

Segundo, porque também emerge como sujeito de Direito Interna­cional o indivíduo. Com a Carta das Nações Unidas de 1945 e, depois, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a pessoa humana tem asseguradas sua personalidade jurídica internacional e uma série de direitos que objetivam garantir-lhe a igualdade e a dignidade inerentes a todo e qualquer indivíduo.

Em razão do exposto, julga-se possível defender que ordem jurídica internacional contemporânea é marcada pela presença das seguintes ca­racterísticas: descentralização, coordenação, proibição do uso da força, reciprocidade, humanização do Direito Internacional e pela diversidade de atores.

Diferentemente do que ocorre na ordem jurídica interna do Estado, onde as estruturas de poder são geralmente bem definidas pelas cons­tituições, de modo que o Estado possa, conforme sua própria organi­zação, garantir o respeito às suas normas e, consequentemente, manter a ordem, no âmbito internacional não há nenhuma entidade superior aos Estados que centralize o poder e tenha autoridade para impor suas decisões. Isto significa que, além de não haver um poder central inde­pendente com capacidade legislativa, também não existe um tribunal internacional com jurisdição geral para dirimir os eventuais conflitos de modo obrigatório. Pelo contrário, a regra é a de que os Estados devem previamente aceitar a jurisdição de um tribunal internacional, antes de a ele se submeterem.

Em função disso é que, por oposição ao clássico regime de subordi­nação que impera na ordem interna, que oferece instrumentos destinados à imposição das decisões do poder competente, na ordem jurídica inter­nacional vigora o regime da cooperação ou coordenação, uma vez que a vontade dos Estados ainda é o principal motor da sociedade internacional. Com efeito, os Estados se organizam horizontalmente e agem de acordo com as normas jurídicas na medida em que tenham constituído objeto do seu consentimento. E é exatamente a cooperação^ interestatal que permite a convivência organizada de tantos Estados22. É de observar, contudo, que o Direito Internacional arquiteta mecanismos de sanções que lhe

12 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público: curso elementar. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 1.

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Cap. 1 - INTRODUÇÃO 13

são próprios, os quais, admite-se, são precários quando comparados aos sistemas internos da maioria dos Estados.

A ordem jurídica internacional contemporânea é marcada pela proi­bição do m o da força. Com o advento Organização das Nações Unidas, o paradigma da nova ordem mundial passou a ser a manutenção da paz e da segurança internacionais, justamente em função dos flagelos que a. sociedade internacional experimentou com as duas grandes guerras mun­diais do século XX. Restou consagrado na Carta das Nações Unidas que as controvérsias internacionais devem ser resolvidas por meios pacíficos e que os Estados devem se abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força nas relações internacionais23.

Também é característica da ordem jurídica internacional o princípio da reciprocidade, segundo o qual um Estado está legitimamente autorizado a descumprir uma norma, como resposta ao não cumprimento dessa mesma norma por parte de outro Estado. Esta regra não se aplica, entretanto, às normas cogentes do Direito Internacional, como veremos mais à frente (ver itens 1.7 e 16.3 infra).

A humanização do Direito Internacional24 é extraída do duradouro e crescente enfoque que se tem dado à proteção internacional da pessoa humana. Desde que foi aprovada a Carta das Nações Unidas, em 1945, inúmeros tratados internacionais em matéria de direitos humanos têm sido concluídos. Ademais, com o advento do Estatuto de Roma de 1998, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), o Direito Internacional demonstra estar em constante busca e desenvolvimento de mecanismos internacionais institucionais dotados de eficácia para proteger os indivíduos das violações cometidas contra os seus mais elementares direitos humanos, quer por parte dos Estados, quer por parte de pessoas físicas.

Finalmente, a diversidade de atores na sociedade internacional tam­bém desponta como uma especificidade contemporânea. Se por um longo período apenas os Estados atuaram na sociedade internacional, hoje, ao seu lado, as diversas organizações internacionais, as organizações não governamentais, além de outras coletividades não estatais, igualmente desempenham papel de destaque na vida internacional. E o que Jorge Miranda denomina institucionalização da sociedade internacional25.

23 Vide o art. 2.° da Carta das Nações Unidas.24 Neste particular, cf. Antônio Augusto Cançado Trindade. A humanização do direito inter­

nacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.25 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público. 3. ed. Estoril: Principia, 2006.

p. 31.

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14 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

1.5 CONCEITO E FUNDAMENTO DO DIREITOINTERNACIONAL PÚBLICO

São vários os critérios que podem ser utilizados para conceituar o Direito Internacional Público. Pode-se defini-lo conforme os seus sujeitos, seu objeto ou suas fontes. No passado, o Direito Internacional Público já foi classificado como o direito aplicável às relações exteriores dos Estados soberanos. Entretanto, diante tudo o que foi visto, este conceito já não mais faz sentido e não se presta ao fim a que se propõe.

Se utilizarmos os sujeitos como critério, definiríamos o Direito In­ternacional Público como o ramo do Direito que organiza e regula as relações mantidas entre os Estados, as organizações internacionais e os indivíduos. Mas este conceito é falho, porquanto há atores que, embora não sejam tecnicamente sujeitos das normas de Direito Internacional, são significativamente atuantes na sociedade internacional e não devem ser esquecidos, como é o caso das organizações não governamentais.

Portanto, julgamos satisfatório definir o Direito Internacional Público como o conjunto de princípios e normas jurídicas que organiza e regula a sociedade internacional.

Não se deve confundir o Direito Internacional Público com o Di­reito Internacional Privado. Nas palavras de Jorge Miranda, “no Direito Internacional Público, está patente uma vida internacional que vale por si mesma, que se manifesta em determinados processos de formação de normas e que se liga a formas relacionais e institucionais específicas”. Por seu turno, o Direito Internacional Privado não afasta “o Direito interno de cada Estado: há situações ou relações jurídicas que estão em conexão com mais do que um ordenamento jurídico, mas é o ordenamento jurídico correspondente a este ou àquele Estado que vai decidir qual o Direito aplicável para resolver o conflito de leis, decretando ele mesmo normas para esse fim”26.

Assim, enquanto o Direito Internacional Público cuida das relações da sociedade internacional, cuja natureza é eminentemente pública, o Direito Internacional Privado se refere àquelas relações jurídicas privadas em que dois ou mais ordenamentos jurídicos estão, de alguma forma, conectados.

Definido o Direito Internacional Público, cabe indagar qual o fun­damento que alicerça a sua obrigatoriedade. Diversas teorias procuram

26 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 37.

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Cap. 1 - INTRODUÇÃO 15

justificar a existência e o caráter imperativo do Direito Internacional Público, mas há também os que negam o seu caráter jurídico.

Hobbes e Espinosa encabeçaram uma corrente negadora do Direito Internacional Público que aparece em todas as épocas. Para os negado- res, a natureza jurídica do Direito Internacional é posta em causa pela persistência das guerras e pelas freqüentes violações das suas normas. Entendem que o egoísmo dos Estados em satisfazerem os seus próprios interesses fulmina a coercitividade das normas, o que supostamente reti­raria o caráter jurídico do Direito Internacional.

Mas a corrente negadora aíigura-se frágil porque parte do princípio de que só existe Direito quando presentes os mesmos elementos e a mesma estrutura do Direito Interno, o que não se pode admitir. Com efeito, o Direito Interna­cional é um Direito diferente e evolui segundo sua própria lógica, porquanto encontra na soberania dos Estados um fator de grande diferenciação27.

Quanto às teorias que sustentam a existência e procuram fundamentar a obrigatoriedade do Direito Internacional, elas são várias e podem ser enquadradas em duas principais correntes, quais sejam a voluntarista ea objetivista.

Para os voluntaristas2*, a obrigatoriedade do Direito Internacional decorre da vontade do Estado em se submeterem, voluntariamente, ao seu conjunto de princípios e normas jurídicas. Trata-se, na verdade, de posi­tivismo. Ao exprimirem suas vontades, os Estados coletivamente aceitam o caráter obrigatório das normas de Direito Internacional, se empenham em respeitá-las e reconhecem, de fato, uma limitação da sua soberania. Isto porque as regras do Direito Internacional são “produto da vontade humana, existem para esta vontade e também por esta vontade”29.

Já os objetivistas, entre os quais se destacam Hans Kelsen, com sua teoria da norma-base, e Dionísio Anzilioti ,com o princípio pacta sunt servanda, entendem que a obrigatoriedade do Direito Internacional é baseada em razões objetivas que se encontram acima da vontade dos Estados. Quer isto dizer que os objetivistas afastam o elemento subjetivo que é a vontade dos Estados, para fundamentar o caráter imperativo do

27 Cf. Nguyen Quoc Dinh. Patrick Daillier e Allaín Pellet. Direito internacional público, cit., p. 87. .

28 A doutrina voluntarista desmembra-se nas teorias: da auíoiimitação, de Gerog JeUineck; da vontade coletiva, de Heinrich Triepel; do consentimento das nações, de Hall e Openheim; da delegação do Direito Interno, de Max Wenzel: e dos direitos fundamentais dos Estados, de Pillet e Rivier.

29 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allaín Pellet. Idem, p. 100.

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16 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Direito Internacional na existência de uma normatividade hipoteticamente superior aos Estados. Em última análise, fundamentam a obrigatoriedade do Direito Internacional no Direito Natural.

Ambas as correntes são passíveis de críticas. A voluntarista apre­senta a incoerência de fundar a obrigatoriedade do Direito Internacional no consentimento dos Estados. Ora, se assim fosse, bastaria então que um Estado modificasse a sua vontade para subtrair a obrigatoriedade do Direito Internacional. Aos objetivistas apresenta-se a crítica de que não é razoável fundamentar o caráter imperativo do Direito Internacional apenas em função de preocupações morais ou políticas.

Particularmente entendemos que nenhuma das mencionadas correntes, isoladamente, é capaz de explicar a obrigatoriedade do Direito Interna­cional. De todo modo, salvo melhor juízo, afiguram-nos mais plausíveis os argumentos objetivistas, pois entendemos que é o reconhecimento e aceitação de uma norma-base, situada acima da vontade e do consentimento dos Estados, da qual derivam, por exemplo, a necessidade de manutenção da paz, de proteção da pessoa humana e a proibição do uso da força, que conferem obrigatoriedade às normas de Direito Internacional.

Não é demais lembrar que pouco menos que 200 Estados compõe a sociedade internacional, o que lhe confere a característica de uma aldeia. As violações e descumprimentos das normas internacionais são sempre levados ao conhecimento dos demais Estados, os quais podem adotar medidas legítimas contrárias aos interesses do Estado violador da nor­ma, como resposta às violações por ele cometidas. Visto que os Estados convivem em uma relação de interdependência, o Estado inevitavelmen­te fará uma ponderação dos prejuízos que sofrerá caso descumpra uma norma internacional. Destarte, além de pautar sua conduta relativamente à determinada norma internacional nessa norma-base superior à vontade dos Estados, o Estado igualmente leva em consideração a sua relação com os demais membros da sociedade internacional, sendo certo que o respeito às normas internacionais lhe será mais proveitoso, ao menos a médio e longo prazo, que sua violação30.

Nas palavras de Eduardo Correia Baptista, “os Estados, por força do seu escasso número e longevidade, vivem numa aldeia, em que todos se conhecem e têm longa memória. Uma violação do Direito Internacional provoca desprestigio para o responsável e desconfiança nos outros Estados. Um Estado dependente a qualquer título dos restantes, e não raramente não o estão, pode sofrer conseqüências bastante negativas por perder a sua confiança. Tal coloca em risco os seus próprios direitos internacionais e a sua credibilidade na celebra­ção de tratados e cumprimento dos que se encontrem em vigor. Cf. Direito internacional público: sujeitos e responsabilidade. Coimbra: Aimedina, 2004. v. 2, p. 449.

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Cap. 1 - INTRODUÇÃO 17

É preciso deixar claro que, como dito, o Direito Internacional Público é um direito diferente, na medida em que a soberania dos Estados repre­senta uma enorme variante entre a ordem jurídica interna e a internacional. Tentar condicionar a obrigatoriedade do Direito Internacional à existência de entidade supraestatal universal com autoridade e poder para sujeitar os Estados às suas normas é inadequado. Não se pode pretender que a ordem jurídica internacional funcione nos mesmos moldes que a ordem interna.

O ordenamento jurídico internacional é dotado de princípios e ca­racterísticas próprios que, a sua maneira, procura manter a ordem na sociedade internacional. Eventuais descumprimentos das normas do Direito Internacional não se prestam a retirar-lhes o caráter obrigatório, uma vez que o seu violador receberá as sanções admitidas em Direito Internacional. Desse modo, não vemos como negar a obrigatoriedade das normas de Direito Internacional, muito menos a sua existência.

1.6 RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E ODIREITO INTERNO

Não raras vezes o Direito Internacional e o Direito Interno regulam a mesma matéria. Quando ambos os ordenamentos jurídicos estão em consonância, não há maiores problemas. Ocorre, porém, que há casos em que a norma internacional contraria disposições de uma norma interna. O impasse se mostra similar ao conflito entre as próprias normas de Direito Interno, mas dele difere na medida em que haveria dois ordenamentos jurídicos distintos, porém em intercâmbio.

Logo, surgem os seguintes questionamentos: “o Direito internacional e o Direito interno de cada Estado são duas ordens jurídicas distintas ou são aspectos do mesmo Direito? Se são duas ordens distintas, emanando de fontes diversas, com estruturas diferentes, haveria relação entre elas? Poderia haver conflito entre suas normas? Por outro lado, se o Direito é um só, mas com dois aspectos, qual deles teria prevalência: o interno ou o internacional?”35.

Duas principais teorias oferecem distintos argumentos e propostas de soluções para o relacionamento entre o Direito Internacional e o Direito Interno, quais sejam a teoria monista e a teoria dualista.

5í Cf. Mirtô Fraga. O conflito entre tratado internacional e a norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

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18 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

A teoria dualista tem em Heinrich Triepel seu principal expoente. Para o dualismo, o sistema jurídico é dividido em duas ordens diferentes, sendo essa divisão sustentada pela diversidade de conteúdo e das fontes presentes nesses sistemas. A diferenciação entre o Direito Internacional e o Direito Interno se verifica por ambos apresentarem seus próprios conteúdos e suas próprias fontes32.

Resumidamente, para os dualistas o Direito Internacional e o Direito Interno são sistemas distintos e completamente independentes e autô­nomos, de modo que não podem se chocar. Defendem que a validade de uma norma interna não está condicionada à sua harmonia com a ordem internacional, assim como que para uma norma internacional ter eficácia no plano interno é necessário convertê-la em norma de Direito Interno.

Sob outra perspectiva, tem-se o monismo, cuja paternidade é atribuída a Hans Kelsen. Para os monistas, o sistema jurídico não ■ se divide em interno e internacional, sendo, na verdade, um só. Assim, a dualidade de sistemas dá lugar à unidade ou unicidade. O monismo se divide no monismo com primazia do Direito Internacional (também chamado de monismo internacionalista) e no monismo com primazia do Direito In­terno (conhecido por monismo nacionalista). O primeiro preceitua que, havendo conflito entre uma norma interna e uma norma internacional, esta prevalecerá, em função da supremacia do Direito Internacional so­bre o Direito Interno. Por sua vez, o monismo nacionalista entende que, no caso de conflito, a norma internacional sucumbe à norma interna por força da soberania do Estado. O monismo nacionalista apregoa o que se costumou chamar de culto à Constituição.

Como de costume, tanto o monismo quanto o dualismo são alvos de críticas por parte da doutrina. Com efeito, a teoria dualista perdeu forças e, se ainda tem alguma aceitação, ela é inexpressiva. A teoria monista é a que foi recepcionada pela sociedade internacional, havendo divergência, contudo, quanto a que Direito deve prevalecer em caso de conflitos: o interno ou o internacional.

A jurisprudência internacional consagra invariavelmente o monismo com primazia do Direito Internacional. Em parecer de 1930, a Corte In­ternacional de Justiça asseverou que “é princípio geralmente reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes

32 Cf. Maríàngela Ariost. Conflitos entre tratados internacionais e leis internas: o Judiciário brasileiro e a nova ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 65.

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Cap. 1 - INTRODUÇÃO 19

de tratado, as disposições de lei interna não podem prevalecer sobre as do tratado”. O Brasil, todavia, é adepto do monismo com primazia do Direito Interno33, muito embora em voto no RE 466.343-1 o Ministro Gilmar Mendes tenha concluído que “é preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, essa jurisprudência não teria se tomado completamente defasada”, pois tudo indica que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvida, tem de ser revista criticamente”34.

1.7 NORMAS JUS COGENS E SOFT LAW

Entre as normas de Direito Internacional, é possível distinguir aque­las cogentes e imperativas, ditas do jus cogens e aquelas mais brandas e programáticas, a que se chama de soft law.

A existência e o conteúdo da norma cogente de Direito Internacional são de difícil caracterização35. Segundo o art. 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, a norma do jus cogens é aquela norma imperativa de Direito Internacional geral, aceita e reconhecida pela sociedade internacional em sua totalidade, como uma norma cuja derrogação é proibida e só pode sofrer modificação por meio de outra norma da mesma natureza.

Embora até os dias atuais não se possam definir as normas do jus cogens com a precisão desejada, porquanto multifacetadas e complexas, o que se sabe é que as normas assim conceituadas são consideradas hierarquicamente superiores àquelas normas de Direito Internacional, que podem ser modificadas pela vontade dos sujeitos de Direito In­ternacional36.

33 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional, cit., p. 5.34 Cf. Hitdebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Pauio Borba Caseila. Manual de

direito internacional público, cit., p. 214.35 Cf. Ian Browniie, Princípios de direito internacional público, Tradução de Maria Manuela

Farrajota (et a l), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 538, que afirma ser “mais abundante a doutrina que existe em apoio da categoria do jus cogens do que a que existe em apoio do seu conteúdo concreto”.

36 Cf. Godefridus j. H. Hoof. Rethinking the sources o f International law. Briil Archive, 1983, p. 151.

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20 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

As normas do jus cogens estão além da vontade ou do acordo de vontades dos sujeitos de Direito Internacional, razão pela qual não se pode delas dispor mediante o consentimento criativo. Desempenham uma fun­ção eminente no confronto com os demais princípios e regras de Direito Internacional e têm uma força jurídica própria37. Jorge Miranda aponta os seguintes traços característicos do jus cogens:

(i) o jus cogens faz parte do Direito Internacional geral;(ii) o jus cogens pressupõe aceitação e reconhecimento;(iii) o jus cogens deve ser aceito e reconhecido pela sociedade internacional

no seu conjunto, não se admitindo um jus cogens regional;(iv) o jus cogens possui força jurídica superior aos demais princípios e

preceitos de Direito Internacional;(v) o jus cogens tem eficácia erga omnes;(vi) a violação do jus cogens implica a invalidade da norma contrária, e

não apenas a responsabilidade internacional; e(vii) o jus cogens é evolutivo e passível de aditamentos de novas nor­

mas35.

Nesse esteio, julga-se possível defender que fazem parte do jus co­gens, não exaustivamente, os princípios da proibição do uso da força, do pada sunt servanda, da boa-fé, da igualdade soberana, da não ingerência nos assuntos internos, da igualdade e da dignidade da pessoa humana, da proibição do racismo e da escravatura, entre outros. Há quem defenda que todas as normas internacionais relativas a direitos humanos são normas de jus cogens*9.

Diferentemente, as normas com caráter de soft law em nada se as­semelham às normas do jus cogens. Etimologicamente, são aquelas as normas “moles”, “brandas”, “flexíveis”. Isto porque a substância das soft laws representa mais diretivas de comportamento, que obrigações de resultado propriamente ditas.

37 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 123.3S Cf. Jorge Miranda. Idem, p. 127-128.39 Cf. Eduardo Correia Baptisía. Jus cogens em direito internacional. Lisboa: Lex, 1997. p.

396 e ss.

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Cap, 1 - INTRODUÇÃO 21

O soft law abunda no Direito Internacional Ambiental (ver item 19.8 infra) e geralmente, mas não necessariamente, está relacionado com verbos de caráter programático, tais como esforçar, favorecer, promover, etc. A princípio, o seu descumprimento não acarreta maiores prejuízos ao seu destinatário, por se tratar mais de incitações comportamentais, que ver­dadeiras obrigações jurídicas.

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FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

Sumário: 2.1 O art- 38 da Corte do Tribunal Internacional de Justiça - 2.2 Os tratados internacionais - 2.3 O costume internacional - 2.4 Os princípios gerais de Direito - 2.5 Doutrina, jurisprudência e equidade - 2.6 Os atos jurídicos unilaterais - 2.7 As decisões das organizações internacionais - 2.8 A codificação do Direito Internacional.

2.1 O ART. 38 DO ESTATUTO DA CORTEINTERNACIONAL DE JUSTIÇA

As fontes do Direito podem ser compreendidas como os atos dos quais emanam a norma jurídica. Com efeito, a norma jurídica sempre tem uma fonte e no Direito Internacional não é diferente: as normas internacionais têm sua origem nas fontes do Direito Internacional. Mas quais são elas?

O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça preceitua que o Tribunal, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional os litígios que lhe sejam submetidos, aplicará:

(i) As convenções internacionais gerais ou específicas, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

(ii) O costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como Direito;

(iii) Os princípios gerais de Direito, reconhecido pelas nações civilizadas; e

(iv) As decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais qualificados, como meio auxiliar.

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24 DIREITO iNTERNACíONAL para Concursos Púbíicos - Marcelo Pupe Braga

O referido art 38 confere ao Tribunal, ainda, a faculdade de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem, isto é, possibilita o julgamento com base na equidade, caso as circunstâncias específicas tornem necessário.

Segundo o rol apresentado, o tratado internacional, o costume inter­nacional e os princípios gerais de Direito são fontes do Direito Inter­nacional. Entre eles não há hierarquia formal, pelo que é perfeitamente possível, por exemplo, que uma norma de tratado internacional revogue determinada norma costumeira. Outrossim, a jurisprudência, a doutrina e a equidade aparecem como meios auxiliares do Direito Internacional e, para além destas, é possível sustentar que também são fontes do Direito Internacional as decisões das organizações internacionais e os atos jurídi­cos unilaterais. Quer isto dizer que o elenco trazido no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça não é taxativo, mas sim exemplificativo, ou seja, nada impede que novas fontes não contempladas pelo citado art. 38 passem a ser consideradas fontes de Direito Internacional

A doutrina assevera que o tratado internacional, o costume interna­cional e os princípios gerais são as fontes primárias do Direito Interna­cional, enquanto a doutrina, a jurisprudência, a equidade, as decisões das organizações internacionais e os atos jurídicos unilaterais são as fontes acessórias ou auxiliares.

2.2 OS TRATADOS INTERNACIONAIS

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 define o tratado como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular” (art. 2.°). Desde já, chamamos a atenção do leitor para o fato de que, como veremos no Capítulo reser­vado ao Direito dos Tratados, atualmente não são apenas os Estados que possuem a capacidade para celebrar tratados internacionais. Portanto, a definição do acima transcrito art. 2.° está defasada e não mais pode ser entendida literalmente.

Atualmente, os tratados são considerados a fonte mais importante do Direito Internacional, não apenas por força da sua multiplicidade, mas também porque, em regra, os assuntos mais importantes da ordem jurí­dica internacional são por eles regulados. Ademais, diz-se que o tratado é a mais democrática das fontes de Direito Internacional, uma vez que os Estados participam diretamente da sua elaboração1.

1 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit-, v. 1, p. 212.

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Cap. 2 - FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL 25

Como dito, revela-se oportuno destacar desde logo que, desde de 1986, permite-se igualmente às organizações internacionais a celebração de tra­tados com outras organizações internacionais e também com Estados2.

Em virtude da importância e complexidade dos tratados, trataremos do fenômeno convencional mais detalhadamente adiante (ver capítulo 3 infra).

2.3 O COSTUME INTERNACIONAL

Julga-se plausível definir o costume como o conjunto de atos e nor­mas não escritas que, admitidas por considerável período de tempo e observadas pelos Estados em suas relações mútuas, denotam integrar o Direito3. Se hoje o tratado internacional é considerado a principal fonte do Direito Internacional, até o início do século XX foi o costume que predominou na ordem jurídica internacional4.

Mas o costume ainda é fonte extremamente importante, sobretudo porque muitos dos tratados internacionais existentes têm sua origem no Direito consuetudinário, além de não existir hierarquia entre normas con- suetudinárias e normas convencionais5. Ademais, como ainda não houve uma completa codificação do Direito Internacional, ainda existem matérias reguladas por normas costumeiras e assim será até que se consiga codificar por completo as normas internacionais.

Embora o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça aponte o costume como a prática geral aceita como Direito, no julgamento do caso da Plataforma Continental do Màr do Norte (1969), a própria Corte asseverou que, para além da prática reiterada, o costume resta configura­do quando também se constatar uma convicção quanto à obrigatoriedade desta prática6. E é exatamente esta a diferença entre o uso e o costume. O uso também consiste em uma prática geral, mas que não reflete qualquer obrigação jurídica. Deste modo, com base no exposto, verifica-se que são dois os elementos do costume internacional:

•2 Vide a Convenção sobre Tratados entre Estados e Organizações Internacionais e sobre Tratados entre Organizações Internacionais de Í986.

3 Cf. Luís Ivani de Amorim Araújo. Curso de direito internacional público. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

4 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 50.5 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 43.6 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de

direito internacional público, cit., p. 129.

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26 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(i) o material ou objetivo: consubstancia-se na repetição reiterada, uni­forme e geralmente aceita de determinados atos, em face de situações semelhantes;

(ii) o psicológico ou subjetivo {opinio juris et necessitatis): consiste na convicção da validade e da obrigatoriedade daquela prática geral.

Nas palavras de Valerio Mazzuoli, para a caracterização do costume internacional deve haver “elementos de conscientização capazes de trans­formar a prática generalizada de um ato internacional em regra jurídica vinculante, sem os quais o hábito estatal ou organizacional relativo à determinada questão de fato não passará de mera cortesia ou simples uso, sem qualquer obrigatoriedade dentro do universo do Direito”7.

Relativamente ao elemento material do costume, nada obsta que ele seja constituído de uma omissão, isto é, de um dever de não agir diante de determinada situação. É perfeitamente possível que as práticas omissivas, ao lado das comissivas (dever de agir), denotem a existência de uma regra costumeira. Outrossim, não existe um lapso temporal determinado para o reconhecimento de uma norma costumeira. Não há rigor para calcular por quanto tempo deve haver uma repetição reiterada de certa prática, para que se aceite o caráter costumeiro da regra. Quer isto dizer que o costume pode surgir mais rapidamente em uns casos e mais lentamente em outros.

Em determinada situação concreta, pode haver dificuldades em provar a existência de uma norma costumeira. No entanto, são variadas as formas de efetuar a provar do costume. Para tanto, a correspondência diplomá­tica, as declarações de política externa, os comunicados de imprensa, as decisões judiciais internacionais e nacionais, os “considerandos” em tratados e outros instrumentos internacionais, não exaustivamente, podem demonstrar a existência do costume8.

Duas comissões subordinadas à Assembleia Geral das Nações Unidas prestam relevantes serviços no sentido da codificação do Direito Internacio­nal com base no costume. São elas a Comissão de Direito Internacional, que tem sede em Nova Iorque e foi instituída em 1947, e a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (Uncitral), instituída em 1966, cuja sede fica em Viena9.

A Comissão de Direito Internacional é responsável pela elaboração de vários projetos que resultaram em importantíssimos tratados internacionais,

7 Cf. Valerio de Oiiveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 91.s Cf. ían Browniie. Princípios de direito internacional público, cit., p. 17.0 Cf. Bruno Yepes Pereira. Curso de direito internacional público. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 41.

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Cap. 2 - FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL 27

a exemplo da Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar (1982), das Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), sobre Re­lações Consulares (1963) e sobre o Direito dos Tratados (1969).

2.4 OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Os princípios gerais de Direito se encontram elencados no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça como fontes primárias do Di­reito Internacional. São, portanto, fontes autônomas que têm fundamental importância para o Direito Internacional.

São considerados princípios gerais de Direito Internacional aqueles que se encontram positivados em grande parte dos ordenamentos jurí­dicos internos dos Estados, não sendo necessária a sua positivação na totalidade dos ordenamentos estatais. Logo, ainda que alguns sistemas jurídicos internos não consagrem determinados princípios, eles poderão ser considerados princípios gerais de Direito Internacional, contanto que uma parcela considerável dos Estados os consagre internamente.

Nessa ótica, são princípios gerais de Direito Internacional o pacta sunt servanda, o princípio da boa-fé, o princípio da resolução pacífica das controvérsias, o princípio da responsabilidade por atos ilícitos, a proteção internacional da pessoa humana, as normas do jus cogens, entre outros.

Entende-se que a razão de ser da inclusão dos princípios gerais de Direito no rol do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça consiste na necessidade de preenchimento das eventuais lacunas do Direito Internacional, de modo a evitar a não apreciação das demandas subme­tidas ao Tribunal em que não houvesse normas costumeiras ou escritas sobre a matéria10.

De todo modo, a tendência natural é que o Direito Internacional moderno passe a depender cada vez menos desses princípios gerais, na medida em que grande parte deles já se encontra codificada em tratados internacionais ou já faz parte do Direito Internacional consuetudinário11.

2.5 DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E EQUIDADE

Não obstante se encontrarem no rol do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, a doutrina e a jurisprudência não são considera­

10 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 53.11 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 97-98.

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28 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

das fontes do Direito Internacional propriamente ditas, mas antes instru­mentos auxiliares à interpretação e aplicação das normas internacionais. Por tal motivo é que geralmente são referidas como fontes acessórias ou auxiliares.

Consoante o citado art. 38, é meio auxiliar para a determinação das regras de Direito “a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações”. Para Norberto Bobbio, em Direito o termo doutrina consiste no estudo e na elaboração das normas jurídicas e na interpretação teórica do Direito12.

No passado, principalmente na fase de formação do Direito Interna­cional, a opinião dos mais nobres juristas foi de suprema importância. Lembre-se que muitas das normas internacionais até hoje vigentes têm origem nas ideias de Grotius (exemplos clássicos são os princípios da liberdade do alto-mar e da inviolabilidade dos embaixadores).

Mais recentemente, o Instituto de Direito Internacional e a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas igualmente desempenharam papel fundamental para a evolução e construção do Direito Internacional13.

Embora possa parecer que a Corte Internacional de Justiça recorra pouco à doutrina em suas decisões, porque seus acórdãos contêm escas­sas referências doutrinárias, isto não procede. Na verdade, a escassez de referências a doutrinadores se deve ao processo de redação coletiva dos acórdãos e à necessidade de evitar uma seleção de citações de algum modo injusta14.

Quanto à jurisprudência como meio auxiliar para a determinação das regras de Direito, ela corresponde às decisões judiciais a que se refere o art. 38 do Estatuto da Corte de Justiça Internacional. A jurisprudência consiste nas repetidas manifestações uniformes do Judiciário, relativamente a uma mesma matéria.

As decisões judiciais mencionadas pelo citado art. 38 não são ape­nas as decisões da própria Corte Internacional de Justiça. Em verdade, a jurisprudência enquanto instrumento auxiliar de interpretação e aplicação das normas internacionais compreende também o conjunto das decisões dos tribunais internacionais, dos tribunais arbitrais e, ainda, dos tribunais

12 Cf. Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Dicionário de política. Tradução de Carmen C. Varriale (et ai.). 11. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1998. p. 382.

13 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 164-165.

14 Cf. Ian Brownlie. Princípios de direito internacional público, cit., p. 36.

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Cap. 2 - FONTÉS DO DIREITO INTERNACIONAL 29

internos dos Estados, desde que decidam sobre matérias de interesse internacional.

E importante consignar que a Corte Internacional de Justiça não recorrerá a decisões isoladas dos tribunais nacionais. Com efeito, tais decisões apenas serão utilizadas como meios auxiliares quando fizerem parte da jurisprudência internacional como um todo.

Claro está, porém, que, tratando-se dos meios auxiliares na determi­nação das regras de Direito, as decisões da própria Corte Internacional de Justiça são as de “mais alta autoridade no plano internacional”15.

Por derradeiro, compete tecer breves considerações acerca da equidade. A equidade possibilita ao julgador decidir a demanda sem se submeter aos mandamentos do Direito positivo em vigor. Não se trata de instru­mento útil à aplicação da norma internacional existente, mas de método de raciocínio jurídico que permite ao julgador decidir com base em outras normas ou princípios que supram a lacuna existente16.

A possibilidade de uma hipotética demanda internacional ser decidida com base na equidade está assegurada pelo mesmo art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Este dispositivo estabelece, contudo, uma condição, a saber, a anuência das partes sobre sua utilização enquanto método auxiliar.

Hildebrando Accioly lembra que, embora a Corte Internacional de Justiça nunca tenha sído formalmente convidada a proferir uma decisão ex aequo et bono, fez referência à equidade nos casos da Plataforma Continental no Mar do Norte de 1969 e no caso do Estreito de Corfu, de 194917.

2.6 OS ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS

Existem atos unilaterais que, embora destituídos de qualquer caráter normativo, produzem conseqüências jurídicas. O que nos interessa é o ato unilateral que consiste em uma manifestação de vontade inequívoca do Estado capaz de produzir efeitos jurídicos na esfera internacional.

Os atos unilaterais podem se revestir das mais variadas formas. Ao Direito Internacional o que importa é que as manifestações neles contidas

15 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 104.16 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 55.17 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de

direito internacional público, cit., p. 167.

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30 DíREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

sejam claras, com o objeto preciso e determinado, além de serem feitas publicamente. Eles podem ser tácitos (consistem geralmente no silêncio por parte daquele que deveria se manifestar) ou expressos (manifestações formais, como a notificação e o protesto). E, quanto aos efeitos jurídicos, podem ser autonormativos (quando criam obrigações para o Estado que se manifesta) ou heteronormativos (quando atribuem direitos e prerrogativas a outros sujeitos de Direito Internacional)18.

Em que pese não se encontrar elencado no art. 38 do Estatuto do Tribunal de Justiça Internacional, o ato jurídico unilateral pode receber a qualidade de fonte de Direito Internacional quando, voltado para o exterior, possa ser invocado por outros Estados “em abono de uma vin- dicação qualquer, ou como esteio da licitude de certo procedimento”. E o caso, por exemplo, de legislação interna em que cada Estado determina, no limite da sua jurisdição, a extensão do seu mar territorial ou da zona econômica exclusiva, ou ainda à liberação das suas águas interiores para navegação de navios estrangeiros19. São atos unilaterais internos, mas que interessam ao Direito Internacional, porque repercutem na esfera jurídica dos demais membros da sociedade internacional

Como outros exemplos de atos jurídicos unilaterais podemos citar: o protesto (ato pelo qual o Estado considera ilegítima determinada pretensão), o reconhecimento (ato pelo qual o Estado considera legítima determinada situação), a promessa (ato pelo qual o Estado se compromete a adotar certa atitude no futuro) e a notificação (ato pelo qual o Estado leva ao conhecimento de outro sujeito de Direito Internacional um ato com o objetivo de que este produza efeitos jurídicos).

2.7 AS DECISÕES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Em matéria de fontes do Direito Internacional contemporâneo, as decisões das organizações internacionais não podem ser relegadas, em que pese não figurarem na relação do art. 38 do Estatuto da Corte Inter­nacional de Justiça.

A esse respeito, é preciso levar em consideração que o citado Estatuto foi concluído em 1920 e o fenômeno de criação das organizações inter­nacionais somente foi intensificado em 1945, sobretudo com a instituição das Nações Unidas.

IS Cf. Valerio de Oiiveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, p. 110.19 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 136.

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Cap. 2 - FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL 31

Tecnicamente, a decisão é um ato unilateral com força obrigatória. Mas, quando se fala em decisões das organizações internacionais enquanto fontes do Direito Internacional, elas devem ser entendidas no sentido lato, pois, em verdade, abrangem diversas nomenclaturas, tais como resoluções, declarações, diretrizes e recomendações.

Os atos e decisões das organizações internacionais apenas serão con­siderados fontes do Direito Internacional quando manifestarem efeitos na esfera exterior do seio da organização, isto é, quando forem propriamente internacionais. Tais decisões também são, observe, atos unilaterais, haja vista emanarem de um órgão com poder de emitir decisões com poderes vinculantes aos Estados-membros da organização. Portanto, as decisões em apreço não exprimem a vontade individual dos Estados diretamente, mas sim a vontade da própria organização e constituem normas obriga­tórias para os Estados-membros, independentemente de ratificação por sua parte20.

Como exemplos, mencionamos as decisões do Conselho de Segu­rança das Nações Unidas sobre a manutenção da paz e da segurança internacionais; as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas; os padrões internacionais da aviação civil estabelecidos pela Organização de Aviação Civil Internacional; e os regulamentos adotados pela Organização Mundial de Saúde21.

De toda sorte, significativo referir que os atos emanados das organiza­ções internacionais, enquanto fontes do Direito internacional, representam a dimensão de mutação de paradigma de atuação do Direito Internacional contemporâneo. A exata configuração de sua extensão e sua aplicação como fonte de Direito Internacional ainda precisam ser consolidadas22.

2.8 A CODIFICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL

O movimento de codificação consiste em substituir, gradualmente, as normas de Direito Internacional consuetudinário pela sua incorporação em grandes textos escritos sob a forma de convenções internacionais.

Foi no século XIX que ocorreram as primeiras tentativas de codificação do Direito Internacional, o que se intensificou no âmbito da Sociedade das

20 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Manual de direito internacional público, cit., p. H2-113.21 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 50.22 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de

direito internacional público, cit., p. 180.

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32 DIREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Nações. Mas é, sem dúvida, a criação da Organização das Nações Unidas que consiste no marco histórico da evolução do processo de codificação do Direito Internacional.

Isto decorre, em certa medida, do art. 13 da Carta das Nações Unidas que, ao enumerar as atribuições da Assembleia Geral, incluiu a de “pro­mover a cooperação internacional no terreno político e incentivar o de­senvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação”.

Jorge Miranda ensina que a codificação do Direito Internacional, além de obedecer a uma finalidade de certeza e segurança jurídicas, possui duas outras finalidades: (i) uma de aperfeiçoamento, tanto no plano de soluções normativas como no do rigor técnico e científico; e (ii) e outra política, no sentido de propiciar a intervenção dos Estados que não participaram da formação de diversas normas costumeiras. O autor ressalta, ainda, que a transformação das normas a escrito não afeta o seu caráter costumeiro, de modo que mesmo os Estados que não sejam partes em convenções resultantes da codificação de normas consuetudinárias continuam vincu­lados às normas preexistentes23.

Inquestionavelmente, a Comissão de Direito Internacional das Na­ções Unidas desempenhou e desempenha papel de máxima importância em matéria de codificação do Direito Internacional. Em reconhecimento, citamos as seguintes convenções que derivam dos seus estudos, trabalhos e projetos: a Convenção sobre a Representação dos Estados em Organi­zações Internacionais Universais (1975), a Convenção sobre a Sucessão de Estados quanto a Tratados (1978), a Convenção sobre a Sucessão de Estados quanto a Bens, Arquivos e Dívidas (1983) e a Convenção sobre Tratados entre Estados e Organizações Internacionais e sobre Tratados entre Organizações Internacionais (1986).

23 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público> cit., p. 56.

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O DIREITO DOS TRATADOS

Sumário: 3.1 Introdução e conceito - 3.2 Terminologia - 3.3 Classificação- 3.4 Condições de validade: 3.4.1 Capacidade das partes; 3.4.2 Habilitação dos agentes signatários: 3-4.3 Licitude e possibilidade do objeto; 3.4.4 Consentimento mútuo - 3.5 Estrutura - 3.6 Produção do texto convencional: a negociação - 3.7 Assinatura e ratificação - 3.8 Promulgação, publicação e registro - 3.9 Troca e depósito de instrumentos de ratificação - 3.10 O processo de incorporação no Direito Interno brasileiro - 3.11 A adesão - 3.12 As reservas - 3.13 Entrada em vigor - 3.14 Efeitos sobre as partes e terceiros - 3.15 Aplicação e observância dos tratados - 3.16 Interpretação - 3 . 1 7 Emendas e revisão dos tratados - 3.18 Cessação da vigência e extinção - 3.19 A denúncia.

3.1 INTRODUÇÃO E CONCEITO

Já foi dito que os tratados são a principal fonte de Direito Interna­cional em função da sua multiplicidade, do fato de as mais importantes matérias de Direito Internacional se encontrarem por eles reguladas, além de serem a mais democrática das fontes de Direito Internacional, porque os Estados e as organizações internacionais participam diretamente da sua formação1.

Tal como enunciado no preâmbulo da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os tratados desempenharam papel funda­mental na história das relações internacionais. Com efeito, a sua origem é bastante remota. Lembre-se que se tem conhecimento do inteiro teor de um tratado concluído no III milênio antes de Cristo, entre o Rei de

1 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 1, p. 212 .

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34 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Elba e o Rei da Assíria, no qual os dois soberanos estabeleceram rela­ções de amizade e de comércio e fixaram as sanções a serem aplicadas pelos delitos cometidos por seus súditos (ver item 1.2 supra). Na Idade Média três direitos dos Estados revelavam a existência de soberania: o direito de celebrar tratados (jus íractum), o direito de enviar e receber representantes diplomáticos (jus legationis) e o direito de fazer guerra (jus bellif. Portanto, vê-se que os tratados sempre estiveram presentes no cotidiano da sociedade internacional, constituindo importantes instrumentos na sua regulação.

Desde os tempos mais remotos, três princípios nortearam os tratados internacionais: o princípio do livre consentimento, o princípio da boa-fé e o princípio do pacta sunt servanda. Tais princípios, inclusive, constam do preâmbulo da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

A mencionada Convenção define o tratado como “um acordo inter­nacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Inter­nacional, que esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular5’.

Este conceito não mais corresponde à realidade, tendo em vista que em 1986 foi concluída a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tra­tados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, que também permite às organizações internacionais con­cluir tratados. Como será visto na parte reservada aos sujeitos de Direito Internacional, as organizações internacionais têm personalidade jurídica internacional independente dos seus Estados-membros e, por tal motivo, podem concluir tratados de forma autônoma (ver item 6.8 infra).

Ante todo o exposto, julga-se possível definir o tratado internacional como o acordo formal de vontades de dois ou mais sujeitos de Direito Internacional com capacidade específica para tratar, regulado pelo Direito Internacional e concluído por escrito entre as partes com a finalidade de produzir efeitos jurídicos no plano internacional.

Seus elementos são, portanto, um acordo internacional formal, cele­brado por sujeitos de Direito Internacional com capacidade para tratar, concluído na forma escrita e regido pelo Direito Internacional para produzir efeitos na esfera internacional.

Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público> cit., p. 195.

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Cap, 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 35

3.2 TERMINOLOGIA

Embora a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 não faça referência a esse respeito, a prática internacional confere aos tratados diferentes terminologias, as quais não são, todavia, precisas. De todo modo, são as seguintes as diferentes nomenclaturas que podem assumir os tratados:

(i) Tratado: utilizada para acordos solenes, por exemplo, um tratado de paz;

(ii) Convenção: utilizada’ para o tratado (em regra multilateral) que cria normas gerais, a exemplo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982;

(iii) Declaração: comum para os acordos que criam princípios jurídicos ou afirmam uma atitude política comum, tal como a Declaração de Princí­pios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, concluída na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, no Rio de Janeiro;

(iv) Ato oit Ata: utilizada quando estabelece regras de Direito, como o Ato de Chapuítepec. Mas há atos que não são tratados, porque não produ­zem efeitos jurídicos obrigatórios, mas sim políticos ou morais (Ata de Helsinki de 1975). Nestes casos, o termo ata é mais oportuno;

(v) Pacto: também designa um tratado solene e foi utilizado pela primeira vez no Pacto da Sociedade das Nações. São importantes exemplos os Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966;

(vi) Estatuto: geralmente empregado para tratados multilaterais que es­tabelecem regras para os tribunais internacionais (Estatuto da Corte Internacional de Justiça e Estatuto do Tribunal Penal Internacional);

(vü) Protocolo: comumente utilizado para tratados adotados como suple­mento de um acordo já existente, como é o caso do Protocolo de Outro Preto de 1994, relativamente ao Tratado de Assunção de 1991.

(viii) Acordo: mais empregado para tratados de natureza econômica, finan­ceira, comercial e cultural.

(ix) Concordata: designa os tratados assinados pela Santa Sé sobre assuntos de ordem religiosa;

(x) Compromisso: adotado para acordos sobre litígios que serão submetidos à arbitragem;

(xi) Troca de notas: trata-se dos acordos sobre matérias administrativas que têm mais de um instrumento;

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36 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(xii) Carta: utilizada para tratados solenes em que se estabelecem direi­tos e deveres (Carta Social Européia) ou que instituem organizações internacionais (Carta das Nações Unidas e Carta da Organização dos Estados Americanos);

(xiii) Convênio: empregada para tratados que cuidam de assuntos culturais ou de transporte;

(xiv) Gentlemens agreement: é o acordo de cavalheiros, regulamentado por normais morais, comuns nos Estados anglo-saxões3.

3.3 CLASSIFICAÇÃO4

Os tratados podem ser classificados de acordo com: o seu número de partes, o procedimento adotado, a natureza das normas, a execução no tempo e a execução no espaço. Diz-se que os dois primeiros critérios são de natureza formal, enquanto os três últimos têm índole material.

Quanto ao número, de partes, o tratado pode ser bilateral, quando somente duas partes o concluem, ou multilateral ou coletivo, caso dele participem três ou mais partes. Os tratados multilaterais, em regra, contêm a cláusula de adesão, que permite a vinculação de sujeitos que não parti­ciparam da sua conclusão. Vale lembrar que as organizações internacionais possuem personalidade jurídica internacional própria, independentemente da quantidade de membros que possui. Logo, é evidente que os tratados firmados entre um Estado e uma organização internacional ou entre duas organizações internacionais serão sempre bilaterais.

Segundo critério formal utilizado para a classificação dos tratados interna- cionais é o procedimento adotado para sua conclusão. O que interessa é saber se o processo de conclusão do tratado comporta duas fases de expressão do consentimento, a saber, a assinatura e a ratificação, ou se contempla apenas uma fase, em que a assinatura exprime o consentimento definitivo da parte, sendo suficiente para a entrada em vigor do tratado. No primeiro caso, tem-se o tratado bifásico e no segundo, obviamente, o tratado imifásico. No caso do tratado bifásico, diz-se que a assinatura corresponde à fase prenunciativa, enquanto a ratificação consiste na fase confirmativa5.

3 Cf- Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 1, p. 212-214.

4 Cf., por tudo, José Francisco Rezek, Direito internacional público, cit., p. 25-33.5 Cf. João Paulo Aílain Teixeira. O Supremo Tribunal Federal e a incoiporação dos tratados

ao direito brasileiro. Revista do Instituto de Pesquisa e Estudos, Bauru, v. 40, p. 109-130, maio-ago. 2004.

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 37

Atualmente, os tratados bifásicos são classificados como tratados stricto sensu, ao passo que os unifásicos são tidos por tratados em form a simplificada. Os tratados em sentido estrito são os mais comuns desde a origem da experiência convencionai e, como dito, resultam de um complexo processo que envolve a assinatura e a aprovação parlamentar. Por seu tumo, os tratados em forma simplificada, também chamados de acordos executivos, são os que prescindem da ratificação, sendo a assi­natura suficiente para a sua entrada em vigor. São normalmente bilaterais e sua conclusão fica a cargo dos Chefes de Governo ou dos Ministros das Relações Exteriores6.

No que diz respeito à natureza jurídica das normas, distinguem-se os tratados contratuais dos tratados normativos. Estes, também chamados de tratados-leis ou de tratados-normativos, são aqueles celebrados entre várias partes com o objetivo de fixar normas de Direito Internacional, por exemplo, a própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Aqueles, a que se chama tratados-contratos, são os que procuram regu­lar interesses recíprocos das partes. Entretanto, como nada impede que o mesmo tratado reúna as duas características, esta classificação parece ser ultrapassada7.

Relativamente à sua execução no tempo, o tratado pode ser transi­tório ou de efeitos limitados, ou permanente ou de efeitos sucessivos. O tratado transitório é aquele que deve ser executado de pronto e que, uma vez executado, dispõe sobre determinada matéria de forma defini­tiva, como é o caso dos tratados de cessão de territórios. Outrossim, os tratados permanentes são aqueles cuja execução é de natureza sucessiva, prolongando-se no tempo, na medida necessária, a exemplo dos tratados de extradição8.

No tocante à execução no espaço, o tratado pode ter aplicação ampla ou restrita. Este critério de classificação decorre do art. 29 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, segundo o qual, “salvo se o contrário resultar do tratado ou tenha sido de outro modo estabelecido, a aplicação de um tratado estende-se à totalidade do território de cada Estado”. O tratado de aplicação ampla é aquele que se estende a todo

6 Cf. Valério de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 153.7 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de

direito internacional público, cit., p. 134.s Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casetla. Manual de

direito internacional público, cit., p. 263.

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38 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

o território do Estado, enquanto o tratado de aplicação restrita aplica-se apenas a determinada parcela do território.

A limitação do alcance territorial pode resultar de razões óbvias, como é o caso do Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978, celebrado entre Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Suriname e Venezuela que apenas se aplica “nos territórios das partes contratantes na Bacia Amazôni­ca, assim como, também, em qualquer território de uma parte contratante que, pelas suas características geográficas, ecológicas ou econômicas, se considere estreitamente vinculado à mesma” (art. 2.°)9.

A mais variada doutrina apresenta outros critérios de classificação. A título complementar registramos que o tratado pode ainda ser classi­ficado conforme: a abertura a terceiros sujeitos, a matéria abrangida e a duração10.

Relativamente à abertura a terceiros sujeitos, pode o tratado ser aber­to, semifechado ou fechado. O tratado aberto é o que permite a adesão indiscriminada de sujeitos que não participaram das negociações para sua conclusão. O semifechado é aquele que permite a adesão de tercei­ros, desde que preenchidos determinados requisitos e o tratado fechado simplesmente proíbe a adesão de terceiros.

Quanto à matéria abrangida, o tratado pode ser geral, quando regular uma generalidade de matérias ou especial, quando tratar especificamente de um determinado assunto.

Finalmente, em relação à duração, o tratado pode ser perpétuo ou temporário. A Carta das Nações Unidas é um exemplo de tratado perpétuo e é temporário o tratado que estabelece, por exemplo, isenção fiscal mútua dos tributos incidentes sobre a importação e exportação de determinados bens por dois Estados, durante um prazo estabelecido.

3.4 CONDIÇÕES DE VALIDADE

Porque o tratado é, em apertada síntese, um acordo de vontades entre dois ou mais sujeitos de Direito Internacional, stxa validade é condicionada ao preenchimento de alguns requisitos, quais sejam: a capacidade das partes contratantes, a habilitação dos agentes signatários, a liciiude e a possibilidade do seu objeto e a existência do consentimento mútuo.

9 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 33.í0 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 42-43.

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 39

3.4.1 Capacidade das partes

Sobre a capacidade das partes contratantes, o art. 6.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados dispõe que “todo o Estado tem capacidade para concluir tratados”. As Constituições de alguns Estados soberanos reconhecem a capacidade de seus Estados federados para con­cluir tratados. Todavia, no Brasil o governo federal não se responsabiliza por Estado-membro da federação que venha a firmar acordo internacional sem a prévia ouvida do Poder Executivo Federal e aprovação do Sena­do Federal. Portanto, quando se reconhece a capacidade do Estado para concluir tratados, claro está, falamos do Estado soberano.

Mas não são apenas os Estados os sujeitos de Direito Internacional que têm capacidade para concluir tratados. Esta capacidade também é re­conhecida às organizações internacionais, à Santa Sé e aos beligerantes.

A capacidade das organizações internacionais já era aceita antes mesmo da conclusão da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tra­tados entre Estados e Organizações Internacionais e entre Organizações Internacionais de 1986. Contudo, sua capacidade é muito mais restrita que a dos Estados, que podem concluir tratados sobre qualquer matéria. As organizações internacionais somente podem celebrar tratados sobre assuntos relacionados com as suas finalidades[i.

Relativamente à Santa Sé, ela sempre teve o jus tractum.Os beligerantes também podem concluir tratados, mas o alcance dessa

capacidade é controvertido. Alguns entendem que eles só podem concluir tratados referentes às operações de guerra, enquanto outros entendem que podem concluir tratados sobre qualquer matéria, porque adquirem perso­nalidade jurídica internacional após o reconhecimento’2.

3.4.2 Habilitação dos agentes signatários

Quanto à habilitação dos agentes signatários, exige-se deles a apre­sentação da carta de plenos poderes, firmada pelo Chefe de Estado ou pelo Ministro das Relações Exteriores, com a finalidade de conferir-lhes o poder de negociar e de concluir o tratado. De acordo Com a Convenção de Viena de 1969, “plenos poderes designa um documento emanado da autoridade competente de um Estado que indica uma ou mais pessoas

11 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 136.12 Cf. Celso de Albuquerque Melio. Curso de direito internacional público , cit., v. 1, p.

216.

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40 DÍREITO INTERNACIONAL para Concursos Púbiicos - Marcelo Pape Braga

para representar o Estado na negociação, na adoção ou na autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em ficar vinculado por um tratado ou para praticar qualquer outro ato respei- tante ao tratado'” (art. 2°, alínea c). Os indivíduos que recebem os plenos poderes são chamados de plenipotenciários.

Pretendendo simplificar as formalidades, a Convenção de Viena de 1969 dispensa a apresentação da carta de plenos poderes por parte: (i) dos Chefes de Estado, de Governo e dos Ministros das Relações Exte­riores, para a prática de qualquer ato relativo à conclusão do tratado; (ii) dos chefes de missão diplomática, para a adoção de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado acreditado; e (iii) dos representantes dos Estados em uma conferência internacional ou junto de uma organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado nessa conferência, organização ou órgão (art. 7.°, n.° 2).

Releva observar que os plenos poderes perderam considerável impor­tância com o desenvolvimento do instituto da ratificação, uma vez que a Convenção de Viena de 1969 permite a confirmação posterior de um ato relativo à conclusão de um tratado praticado por pessoa que não esteja autorizada a representar um Estado para esse fim (art. 8.°). De todo modo, a regra é a de que a ato praticado por pessoa não autorizada não produz efeitos jurídicos na esfera internacional

No caso específico das organizações internacionais, na ausência de previsão explícita, se reconhece o poder de negociar e de concluir o tratado aos seus órgãos plenários.

3.4.3 Licitude e possibilidade do objeto

O terceiro pressuposto da validade do tratado requer que o seu objeto seja lícito e possível. Nas palavras de Hildebrando Accioly, “a formação do vínculo legal pressupõe a licitude e a possibilidade do objeto do con­senso de vontades. Em direito internacional, como ademais em direito interno, só se deve visar coisa materialmente possível e permitida pelo direito e pela moral”13.

Logo, não pode o tratado ter objeto contrário à moral, tampouco im­possível de ser executado. Outrossim, nos termos do art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, é nulo o tratado que viole

15 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 138.

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Gap. 3 - 0 DSRE1TO DOS TRATADOS 41

uma norma imperativa do Direito Internacional geral, isto é, normas do jus cogens. Portanto, o objeto dos tratados deve estar em conformidade com as normas do jus cogens.

3.4.4 Consentimento mútuo

Como último requisito de validade dos tratados temos o consentimento mútuo. De acordo com a citada Convenção de Viena, o consentimento pode se manifestar pela assinatura, pela troca de instrumentos constitutivos de um tratado, pela ratificação, pela aceitação, pela aprovação ou adesão, ou ainda por qualquer outra forma estipulada (art. 11). O consentimento das partes não pode sofrer quaisquer vícios. O erro, o dolo, a corrupção do representante de um Estado e a coação são causas de nulidade dos tratados.

O erro só pode ser invocado para anulação do tratado se incidir sobre a base essencial do consentimento da parte e desde que a parte que o reclame hão tenha contribuído para o erro. O dolo é raramente alegado, mas pode implicar a responsabilidade internacional da parte que o praticou. Nos casos em que a manifestação do consentimento se deu por coação, ela é desprovida de quaisquer efeitos jurídicos. Relativamente à corrupção efetuada' direta ou indiretamente por outra parte na negociação, a vítima (Estado ou organização) pode invocar o vício do seu consentimento em ficar vinculado pelo tratado.

É ainda considerado “nulo todo o tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou pelo emprego da força, em violação aos princípios de Direito Internacional consignados na Carta das Nações Unidas” (art. 52).

3.5 ESTRUTURA

Embora seja possível constatar algumas pequenas diferenças, os trata­dos concluídos costumam ter uma estrutura padrão, exigida pela formali­dade que lhe é peculiar. Em regra, um tratado internacional possui:

(i) um título, que indica o assunto tratado;(ii) um preâmbulo, que indica as partes contratantes e as credenciais dos

seus representantes;(iii) os considerandos, que informam as intenções, motivos, circunstâncias

e finalidades das partes;

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42 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos ~ Marcelo Pupe Braga

(iv) um dispositivo, que é a parte mais importante do tratado, eis que dis­põe sobre as regras propriamente ditas, assim como sobre as questões relativas à ratificação, à adesão, à entrada em vigor, à possibilidade de denúncia, etc. É lavrado em termos jurídicos, contendo normas ordenadas e numeradas com artigos;

(v) o fecho, que menciona o local e a data da celebração do tratado, além do idioma adotado;

(vi) as assinaturas dos representantes das partes contratantes; e(vii) o selo de lacre, “onde se apõem as armas das altas partes contratantes,

selando então o compromisso entre elas”14.

Vale lembrar que diversos tratados internacionais comportam, ainda, anexos, como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, que possui diversos, entre os quais o Estatuto do Tribunal In­ternacional do Direito do Mar (Anexo VI).

3.6 PRODUÇÃO DO TEXTO CONVENCIONAL: ANEGOCIAÇÃO

Até a sua conclusão, o tratado atravessa diversas etapas procedimen­tais, a saber: a das negociações preliminares e assinatura, a da aprovação parlamentar por parte de cada Estado, a da ratificação ou adesão do texto convencional, concluída com a troca ou depósito dos instrumentos e a da promulgação e publicação do texto convencional na imprensa oficial55. As etapas a percorrer durante a produção do texto de um tratado internacional devem sempre respeitar as condições de validade mencionadas, em razão da formalidade de que se revestem os tratados. Logo, é indispensável que as negociações para a conclusão de um tratado sejam conduzidas por in­divíduo devidamente habilitado para assumir compromissos internacionais em nome do Estado ou da organização internacional que representa.

Consoante exposto, é a carta de plenos poderes que confere à deter­minada pessoa a habilitação para a conclusão de um tratado internacional. A regra é, portanto, que a capacidade de negociação é conferida aos plenipotenciários. Os Chefes de Estado e de Governo e os Ministros das Relações Exteriores são autorizados pela Convenção de Viena sobre o Di­reito dos Tratados de 1969 a praticar quaisquer atos relativos à conclusão

14 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. !49.15 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Idem, p. 160.

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 43

de um tratado, sem que para tanto precisem apresentar a carta de plenos poderes. Com as ressalvas apresentadas (ver item 3.4 supra), também podem conduzir as negociações para a produção do texto convencional, sem apresentação de carta de plenos poderes, os chefes de missões diplo­máticas e os representantes dos Estados em uma conferência internacional ou junto de uma organização internacional ou um de seus órgãos.

De acordo com o art. 84, inciso VIII, da Constituição da República, no Brasil compete privativamente ao Presidente da República “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congres­so Nacional”. É de observar, contudo, que este poder, embora privativo, pode ser delegado, já que no contexto atual é praticamente impossível que o Presidente da República se faça presente e conduza todas as ne­gociações de um tratado internacional. A delegação dá-se pela carta de plenos poderes.

A depender do número de partes do tratado, a negociação será bila­teral ou multilateral ou coletiva. Em todos os casos, a negociação deve ser sempre feita de boa-fé.

A negociação bilateral costuma ter lugar no território de uma das partes contratantes, não obstante ser possível que ela ocorra no território de terceiro Estado, caso o clima predominante entre as partes seja de desconfiança ou o cenário neutro se apresente mais vantajoso econômica e operacionalmente16.

Caso os contratantes façam uso do mesmo idioma, natural que o texto seja produzido nesta língua em comum. No entanto, se os idiomas dos Estados pactuantes não são o mesmo, o diálogo terá curso em terceiro idioma que maior comodidade ofereça. Nessas situações, o texto do tratado poderá ser lavrado: (i) em uma única versão autêntica; (ii) em duas ver­sões autênticas e de igual valor; (iii) em mais que duas versões autênticas e de igual valor; ou (iv) em duas ou mais versões autênticas, mas com preferência conferida a uma versão, para fins de interpretação.

Por sua vez, a negociação multilateral ou coletiva reclama a convo­cação de uma conferência diplomática internacional, de iniciativa de um Estado isolado, de um grupo de Estados ou mesmo de uma organização internacional que tenha interesse na matéria. Em razão disso, o organizador da conferência cederá o seu território (no caso dos Estados) ou sua sede (tratando-se de organização internacional) para sua realização.

16 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 38.

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44 DiREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Por força da pluralidade de idiomas que se verifica nas conferências internacionais, cabe às partes escolher qual idioma será utilizado no cur­so da negociação, bem como qual será empregado na redação do texto convencional.

A adoção do texto de um tratado em uma conferência internacional depende da aprovação pela maioria qualificada de dois terços das partes presentes e votantes, a menos que se tenha acordado outra regra.

Uma vez concluída a negociação e finalizado o texto do tratado, é preciso que o instrumento seja autenticado. A autenticação dá-se pela assinatura dos negociadores, pela assinatura ad referendam, isto é, uma simples rubrica no instrumento do tratado ou segundo procedimento es­tabelecido pelas partes no próprio tratado17.

Justamente porque inúmeras partes participam da negociação coletiva, não raras vezes haverá Estados descontentes com o texto final produzido na conferência, dele discordando. Nesses casos, a ausência de assinatura por parte de Estado que integrou os trabalhos negociais é ato sem significado jurídico, uma vez que pretende, no plano político, efeito publicitário da sua insatisfação relativamente ao texto acabado e, portanto, de sua dúvida quanto à utilidade de assinar o que provavelmente não será ratificado18.

3.7 ASSINATURA E RATIFICAÇÃO

Em que pese a assinatura ter perdido parte da sua importância com o desenvolvimento da ratificação, ela: (i) autentica o texto do tratado;(ii) atesta que os negociadores concordam com o texto produzido; (iii) dá início ao prazo para a troca ou o depósito dos instrumentos de ratifi­cação; (iv) pode ter valor político; e (v) pode significar que o signatário reconhece as normas costumeiras tomadas convencionais19.

É possível que a assinatura seja suficiente para vincular as partes quando assim se tenha convencionado, quando a carta de plenos poderes contenha disposição nesse sentido ou quando, durante a negociação, as partes tenham se manifestado expressamente a esse respeito20.

17 Art. 10.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.18 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público , cit., p. 44.14 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público , cit., v. 1, p.

226-227.20 Art. 12 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 45

Tratando da assinatura, Hildebrando Accioly destaca que “a prática internacional admitia que alguns tratados de somenos importância não exigissem a ratificação; a nova orientação, contudo, estende a regra a todos os tipos de tratados, tendo em vista a praxe adotada entre os países da União Européia”21. De todo modo, veremos que, ainda assim, a ratificação revela-se útil no processo de conclusão dos tratados internacionais.

A assinatura ad referendum mencionada pela Convenção de Viena de 1969 é a assinatura que depende de confirmação posterior pelo Estado cujo representante a firmou. Quando confirmada pelo Estado, a assinatura ad referendum vale como assinatura definitiva do tratado.

Existe, ainda, a figura da assinatura diferida. Sabe-se que há uma distinção entre as partes que participaram das negociações para a con­clusão de um tratado (membros originários) e as que aderiram ao teor do tratado após a sua conclusão (membros admitidos). Pois bem, há casos em que o tratado, após concluído, fica aberto à assinatura de partes que não participaram das negociações por um período mais dilatado, de modo que, ainda assim, elas figurem como membros originários do tratado. É exatamente nisto que consiste a assinatura diferida.

Quanto à ordem das assinaturas no instrumento do tratado, ela obe­dece, em regra, ao princípio do alternado. Nos tratados bilaterais, cada parte assinará em primeiro lugar na sua respectiva via.

Em relação aos tratados multilaterais, há duas possíveis regras. Se apenas um exemplar é assinado e os Estados dele recebem cópias, as assi­naturas serão ordenadas por ordem alfabética. Mas, caso as partes tenham que assinar a quantidade de instrumentos igual ao número das partes, cada pactuante assinará em primeiro lugar, na sua respectiva via.

Uma vez assinado, o tratado pode depender de ratificação para que vincule as partes contratantes. A ratificação, uma das formas pela qual um Estado pode manifestar o seu consentimento definitivo em ficar vin­culado por um tratado, é o ato internacional pelo qual o Chefe de Estado confirma tratado firmado em seu nome ou em nome do Estado e declara a aceitação do que foi convencionado pelo agente signatário. Geralmente a ratificação só ocorre depois que o tratado foi aprovado pelo Parlamento, como se dá no Brasil, onde essa competência é do Congresso Nacional22. A ratificação não é, portanto, ato do Poder Legislativo. E um ato de Estado,

Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseüa. Manual de direito internacional público, cit., p. 141.

22 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público , cit., p. 141.

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46 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Púbitcos — Marcelo Pupe Braga

que pode ou não ser precedido de aprovação do Legislativo, conforme a regulamentação constitucional conferida por cada Estado.

De acordo com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, um Estado se compromete a ficar vinculado por um tratado mediante ratificação quando: (i) o tratado assim determinar; (ii) as partes tenham acordado durante a negociação sobre a necessidade de ratificação; (iii) a assinatura tenha sido firmada sob reserva de ratificação; ou (iv) a intenção do Estado de assinar o tratado sob reserva de ratificação resulte dos plenos poderes do seu representante (art. 14). Logo, caso não haja previsão sobre a necessidade de ratificação no corpo do tratado, presume- -se que a assinatura é suficiente para vincular internacionalmente a parte signatária.

Não obstante a possibilidade de dispensa da ratificação, somos da opinião de que o instituto é extremamente importante para a segurança jurídica das relações internacionais porque, com a ratificação, (i) as matérias que são objeto do tratado devem ser apreciadas pelo Chefe de Estado; (ii) evitam-se problemas posteriores sobre a questão do excesso de poderes ou violação das instruções dadas aos negociadores, quando da assinatura do tratado; (iii) promove-se o desenvolvimento dos Estados democráticos, ao permitir a participação do Parlamento na formação da vontade do Estado no plano internacional; (iv) possibilita-se adaptar o Direito Interno aos termos do tratado; e (v) permite-se que os órgãos internos decidam com calma e ponderação sobre o texto já redigido23.

A ratificação é um ato jurídico extemo de Estado, de cunho político e discricionário, que deve ser manifestado de forma expressa, geralmente irretroativo, irretratável e não submetido a prazos gerais. Quer isto dizer não mais que o Estado não está obrigado a ratificar tratado anteriormente assinado, uma vez que a assinatura significa apenas o aceite precário e formal do texto tratado, não acarretando efeitos jurídicos vinculantes, salvo disposição em contrário24.

3.8 PROMULGAÇÃO, PUBLICAÇÃO E REGISTRO

A promulgação é ato jurídico interno mediante o qual o Governo de um Estado afirma a existência de um tratado e o preenchimento dos

25 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 1, p. 229-230.

24 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 179- 184.

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 47

requisitos formais necessários à sua conclusão, além de ordenar a sua execução. A promulgação, portanto, não surte efeitos na esfera interna­cional, mas tão somente no ordenamento jurídico interno. Esses efeitos são, basicamente, o de conferir executoriedade ao tratado no plano interno e o de declarar a regularidade do processo legislativo. No Brasil, a pro­mulgação é feita mediante Decreto do Presidente da República, em que é determinada a execução do tratado, cujo texto é transcrito e publicado no Diário Oficial.

A publicação é adotada por todos os Estados, haja vista ser condição indispensável à aplicação do tratado no âmbito interno. Em nosso país são publicados o Decreto Legislativo, no qual o Congresso Nacional aprova o tratado, e o Decreto do Poder Executivo, em que ele é promulgado. Insta frisar que o texto do tratado acompanha o Decreto de promulgação.

No que diz respeito ao registro, ele tem origem nos “ 14 pontos” de Wilson e tem por objetivo tomar a diplomacia e as relações internacionais o mais transparentes possível. O art. 102 da Carta das Nações Unidas es­tipula que “todos os tratados e todos os acordos internacionais concluídos por qualquer membro das Nações Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado”. Essa norma é o reflexo da proibição da diplomacia secreta e também possibilita ao Estado invocar em seu favor os benefícios de um tratado perante as Nações Unidas. Em que pese a redação do supratranscríto art. 102, a prática das Nações Unidas permite igualmente que os não membros registrem os tratados que concluírem.

3.9 TROCA E DEPÓSITO DE INSTRUMENTOS DERATIFICAÇÃO

Diversamente do que se pode pensar, a ratificação de per si não é bastante para a entrada em vigor do tratado25. Com efeito, no plano internacional, a manifestação definitiva da vontade em se vincular aos tratados ocorre com a troca ou o depósito dos instrumentos de ratificação, materializados pela expedição de uma carta de ratificação, geralmente assinada pelo Chefe de Estado.

A troca dos instrumentos de ratificação dá-se com os tratados bilaterais, em que as partes manifestam expressamente, umas às outras, sua vontade de cumprir o pactuado, mediante a troca dos instrumentos competentes.

I

25 Sobre a entrada em vigor dos tratados, ver item 3.13 infra.

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48 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

O depósito, por sua vez, ocorre com os tratados multilaterais, em que um Estado signatário ou uma organização internacional figuram como depositários, cabendo às partes, após a ratificação, depositar, nos termos acordados, o respectivo instrumento de ratificação perante o depositário, com a finalidade de noticiar aos demais contratantes a sua vontade de se vincular ao tratado em questão.

Após a troca ou o depósito do instrumento de ratificação, a parte fica internacionalmente vinculada aos termos do respectivo tratado, dele só podendo se desvincular por meio da denúncia.

3.10 O PROCESSO DE INCORPORAÇÃO NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO

Para que um tratado internacional celebrado por representante habilita- do pelo Estado brasileiro seja incorporado ao ordenamento jurídico interno, é preciso que o Congresso Nacional aprove o seu texto, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição da República26. O procedimento se dá da seguinte forma:

(i) o Presidente da República envia ao Congresso Nacional a mensagem com o inteiro teor do tratado, acompanhada da exposição de motivos do Ministro das Relações Exteriores;

(ii) o debate começa na Câmara dos Deputados. O seu regimento intemo determina que o tratado seja inicialmente apreciado pela Comissão de Relações Exteriores. Feito isto, é enviado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que deve se manifestar a respeito da constitucio- nalidade do tratado;

(iii) aprovado em plenário na Câmara dos Deputados, o Projeto de Decreto Legislativo é encaminhado ao Senado Federal, onde será discutido, pri­meiramente, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. A decisão, qualquer que seja ela, será comunicada ao Presidente da Casa, que adotará o seguinte procedimento: aprovado o tratado na Comissão, o Presidente deve dar ciência ao Plenário do Senado, publicando o De­creto Legislativo no Diário do Congresso. Caso o presidente do Senado não aprove a decisão da Comissão, o projeto segue ao Plenário, onde poderá ser aprovado por maioria relativa dos votos27.

26 “Art. 49. É da competência exciusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.’’

27 Cf. João Paulo Ailain Teixeira. O Supremo Tríbunai Federal e a incorporação dos tratados ao direito brasileiro, cit., p. 121.

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 49

Uma vez aprovado o Decreto Legislativo pelo Congresso Nacional, caberá ao Presidente do Senado Federal providenciar a sua publicação no Diário Oficial da União. Tendo sido satisfeita a exigência do inciso I do art. 49 da Constituição Federal, o Presidente da República poderá, então, ratificar o tratado, mediante a troca ou depósito do instrumento de ratificação.

Após a ratificação, ato internacional, deverá o Presidente da República, internamente, promover a promulgação do tratado internacional, indispensável para sua executoriedade no ordenamento jurídico brasileiro. Como visto, a promulgação se materializa com a expedição de Decreto Presidencial, o qual deve ser publicado no Diário Oficial, acompanhado do texto do tratado.

Para melhor compreensão do procedimento de incorporação dos tra­tados ao direito interno brasileiro, apresentamos o esquema a seguir:

TRATADO INTERNACIONAL

Presidente da República

Mensagem Exposição de Motivos — MRE

(APROVAÇÃO -C F, art. 49, I)Congresso Nacional

Decreto Legislativo

JJPresidente da República

RATIFICAÇÃO(INTERNACIONAL)

Troca/Depósito do Instrum ento

PROMULGAÇÃO(INTERNO)

Decreto Presidencial

É inevitável destacar que os tratados internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro assumem, em regra, status de lei ordinária. Importantíssimo observar que, não obstante o tratado, após sua devida conclusão, ostentar força de lei, ele vale enquanto tratado internacional, mesmo na aplicação interna de suas normas.

Entretanto, o § 3.° do art. 5.° da Constituição Federal estabelece que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que fo­rem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

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50 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Quer isto dizer que, por força de expressa determinação constitu­cional, os tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional na forma prescrita assumirão status hierárquico de emenda constitucional.

E preciso, contudo, delimitar o que são tratados sobre direitos humanos para efeitos do § 3.° do artigo 5o da Constituição. Por meio de interpretação sistemática e teleológica da norma, entendemos que se traía, em verdade, dos instrumentos internacionais que declaram, asseguram ou ampliam direitos fundamentais aos indivíduos ou que ofereçam mecanismos de proteção e garantias de direitos humanos já consagrados, impondo ao Estado a obri­gação de respeitar e assegurar aos indivíduos submetidos à sua jurisdição esses direitos. Assim, defendemos, um tratado internacional que limite ou restrinja o direito à liberdade ou à propriedade, por exemplo, não pode ser tido, para os fins do § 3.° do artigo 5.° da Constituição da República, como tratado sobre direitos humanos. Literalmente, pode ele até ser considerado um tratado que versa sobre direitos humanos, mas, julgamos, a referida norma constitucional se aplica a tratados efetivamente de proteção de direitos humanos, ou seja, que consagrem e ampliem esses direitos.

Na forma prescrita pelo § 3.° do artigo 5.° da Constituição foi apro­vada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo 186, de09.07.2008, é posteriormente promulgada pelo Presidente da República, por meio do Decreto 6.949, de 25.08.2009, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Logo, referida convenção assumiu status de emenda constitucional em nosso ordenamento jurídico interno.

Resta saber, entretanto, qual a postura hierárquica dos tratados sobre direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional antes da entrada em vigor do § 3.° do artigo 5.° da Constituição. Muitos defenderam que com o advento do referido § 3.° todos os tratados sobre direitos humanos aos quais o Brasil se vincula teriam status constitucional.

No fim de 2008, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a consti- tucionalidade da prisão civil do depositário infiel, tomou posição sobre o tema, que envolveu discussão acerca da hierarquia do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica em nosso ordenamento jurídico, tratados sobre direitos humanos ratificados em 1992.

Na ocasião, o STF rechaçou a tese defensora do status constitucional dos tratados sobre direitos humanos aprovados antes da inclusão do § 3.° ao artigo 5.° da Constituição, por entender que ele próprio é que estabelece os

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 51

requisitos para tanto. Admitir que tratados aprovados antes do advento do § 3.° do artigo 5.° da Constituição (ou mesmo após sua entrada em vigor, mas cuja aprovação não ocorra nos moldes nele estabelecidos) assumam status equivalente ao das emendas constitucionais, significaria dar ensejo a vício formal de inconstitucionalidade, com o que concordamos.

Entretanto, em que pese o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, terem sido incorporados ao nosso ordena­mento jurídico em 1992, isto é, antes do advento do § 3.° do artigo 5.° da Constituição Federal, a Corte entendeu que, em virtude do caráter especial que ostentam (natureza de normas de proteção internacional dos direitos humanos), os referidos diplomas têm lugar privilegiado na ordem jurídica brasileira, encontrando-se eles abaixo da Constituição, mas acima da legislação ordinária. E a consagração da tese da supralegalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos (aprovados distintamente do procedimento previsto no § 3.° do artigo 5.° da Constituição), que lhes confere posição hierárquica superior à legislação com eles conflitante, conforme acórdão abaixo transcrito:

DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DE­POSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERA­ÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no or­denamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. O julgamento impugnado via o presente habeas corpus encampou orientação jurisprudencial pacificada, inclusive no STF, no sentido da existência de depósito irregular de bens fun­gíveis, seja por origem voluntária (contratual) ou por fonte judicial (decisão que nomeia depositário de bens penhorados). Esta Corte já considerou que “o depositário de bens penhorados, ainda que fungíveis, responde pela guarda e se sujeita a ação de depósito” (HC 73.058/SP, rei. Min. Maurício Corrêa, 2 a Turma, DJ de 10.05.1996). Neste mesmo sentido: HC 71.097/PR, rei. Min. Sydney Sanches, l.a Turma, D J 29.03.1996). 3. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art.7.°, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses di­plomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, toma inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato

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52 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

de ratificação. 4. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5.°, § 2.°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel 5. Habeas corpus concedido.

(STF. HC 88240, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, £>/e-202, divulg. 23.10.2008, pub. 24.10.2008, Ement. vol. 02338-01, p. 199, RSJADV, dez., 2008, p. 20-22).

Em decorrência dessa inovação jurísprudencial do Supremo, convém observar que, atualmente, a única hipótese de prisão civil admitida no Brasil é a do devedor de prestação alimentícia, consoante reiteradas de­cisões da nossa Suprema Corte:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁ­RIO INFIEL OU DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO D A JURISPRUDÊNCIA DO STF (INFORMATIVO/STF 531). CONCESSÃO DA ORDEM. I - O Plenário desta Corte, na sessão de julgamento de 3 de dezembro do corrente ano, ao julgar os REs 349.703 e 466.343, firmou orientação no sentido de que a prisão civil por dívida no Brasil está restrita à hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de pensão alimentícia. II - Ordem concedida.

(STF. HC 92817, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primei­ra Turma, julgado em 16.12.2008, DJe-030, divulg. 12.02.2009, public13.02.2009, Ement. vol. 02348-03, p. 433).

Recentemente, para firmar o seu entendimento final, o STF editou a Súmula Vinculante 25, segundo a qual “é ilícita a prisão civil de depo­sitário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. No mesmo sentido, a Súmula 419 do Superior Tribunal de Justiça prescreve: “Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel”.

3.11 A ADESÃO

A adesão é o instituto que permite a um sujeito de Direito Internacio­nal com capacidade para celebrar tratados tomar-se parte de um tratado

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 53

!de cuja negociação não tenha participado. É bastante comum nos tratados multilaterais a inclusão da cláusula de adesão.

A adesão pode estar aberta a todos os Estados, independentemente de quaisquer pressupostos especiais, ou apenas a um determinado grupo de Estados sujeito a algum requisito particular como a localização geográfica. Logo, à Carta da Organização dos Estados Americanos só podem aderir Estados localizados no continente americano.

Normalmente a adesão não depende de ratificação, pois, como o texto do tratado já se encontra finalizado, pressupõe-se que o Estado teve tempo suficiente para analisá-lo como cautela e, por conseguinte, concordar com os seus termos, manifestando, por meio da adesão, o seu consentimento em caráter definitivo.

O sujeito que pretende se tomar parte de tratado que contenha cláusula de adesão deve apresentar o instrumento de adesão perante a organização internacional ou o Estado depositário do tratado em questão.

3.12 AS RESERVAS

Segundo a Convenção de Viena de 1969, a reserva consiste em uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua denominação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação (art. 2.°, alínea d).

Julga-se possível defender que as reservas só podem ser admitidas nos tratados multilaterais, afinal, “como observou Rivier, uma pretensa reserva a tratado bilateral não é reserva, mas recusa de confirmar o texto avençado e convite à renegociação”28.

Geralmente os tratados multilaterais contêm previsão a respeito do regime de reservas, quer as admita, quer as proíba. Em caso de omissão, entende-se que a reserva é possível, desde que compatível com o objeto e a finalidade do tratado. Esta é a regra adotada pela citada Convenção de Viena que, em seu art. 19, preceitua que “um Estado pode, no momento da assinatura, da ratificação, da aceitação, da aprovação ou da adesão a um tratado, formular uma reserva, a menos que: a) a reserva seja proibida pelo tratado; b) o tratado apenas autorize determinadas reservas, entre as quais não figure a reserva em causa; ou c) nos casos não previstos nas alíneas a) e b), a reserva seja incompatível com o objeto e o fim do tratado”.

28 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 67.

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54 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Cumpre ressaltar, porém, que há tratados que, em razão da sua natu­reza, não comportam reservas, independentemente de conterem cláusula proibitiva, como é o caso dos tratados constitutivos de organizações internacionais (a exemplo da Carta das Nações Unidas e da Carta da Organização dos Estados Americanos, que devem ser aceitas integral­mente) e das convenções internacionais do trabalho. Há quem entenda que o instituto das reservas é igualmente incompatível com o objeto e a finalidade dos tratados que versem sobre direitos humanos, ainda que eles não contenham cláusula de proibição de reservas29.

De qualquer maneira, a possibilidade de formulação de reservas é encarada por toda a doutrina como um mal necessário, por permitir a participação mais ampla dos Estados nos tratados multilaterais. São pou­quíssimas as negociações multilaterais para a conclusão de um tratado que resultam no consenso absoluto quanto ao texto produzido. Logo, permitir restrições mínimas ou inexpressivas ao teor do tratado, sem que elas choquem com o seu objeto e finalidade, parece ser a melhor forma de congregar o maior número possível de partes.

No que diz respeito ao papel do Poder Legislativo em relação à formulação de reservas, Rezek leciona que “tem o Congresso Nacional o poder de aprová-lo (o tratado) com restrições - que o governo, à hora de ratificar, traduzirá em reservas como ainda o de aprová-lo com a declaração de desabono às reservas feitas na assinatura - e que não po­derão ser confirmadas, desse modo, na ratificação”30.

Finalmente, de sublinhar que uma reserva pode ser retirada a qualquer tempo, sem que o consentimento do Estado que a aceitou seja necessário para tanto31.

3.13 ENTRADA EM VÍGOR

Afirma a Convenção de Viena de 1969 que “um tratado entra em vigor nos termos e na data nele previstos ou acordados pelos Estados que tenham participado na negociação” ou, “na falta de tais disposições ou acordo, um tratado entra em vigor logo que o consentimento em ficar vinculado pelo tratado seja manifestado por todos os Estados que tenham participado na negociação” (art. 24, n.° 1, n.° 2). Via de regra, os tratados surtem efeitos para o futuro, ou seja, ex niinc.

29 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos. Coimbra: Almedina, 2006. p. 145.

30 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 68.31 Art. 22, n. 1, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 55|

Os tratados bilaterais costumam entrar em vigor com a troca dos instrumentos de ratificação, o que efetivamente representa a manifestação definitiva do consentimento definitivo das partes quanto à vinculação ao tratado. Caso a assinatura de uma das partes seja suficiente para mani­festar o seu consentimento definitivo, deve ela aguardar a confirmação da outra parte para a entrada em vigor do tratado. Este sistema baseado no consentimento raramente se aplica aos tratados multilaterais.

No tocante aos tratados coletivos, eles geralmente contêm previsão a respeito da entrada em vigor, abrangendo tanto o quorum necessário como um prazo a decorrer para o início dos seus efeitos (vacatio). A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, no seu art. 51, por exemplo, preceitua que a “Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data do depósito, perante o Secretário-Geral das Nações Unidas, do vigésimo segundo instrumento de ratificação ou adesão”.

Constata-se que a entrada em vigor de um tratado no plano interno não necessariamente coincidirá com a sua entrada em vigor na esfera internacional. No plano interno, é a promulgação que confere vigência e executoriedade ao tratado, mas, internacionalmente, a entrada em vigor se dá com a troca dos instrumentos de ratificação (nos casos de tratados bilaterais) e de acordo com os procedimentos estabelecidos nos tratados multilaterais, nomeadamente no que diz respeito ao quorum e a vacatio.

3.14 EFEITOS SOBRE AS PARTES E TERCEIROS

Como visto, o tratado entra em vigor no plano interno após a pro­mulgação, mas no plano internacional depende das regras estipuladas no próprio texto do tratado. O certo é que, uma vez em vigor, o tratado surte os seus efeitos jurídicos para as partes contratantes.

No que diz respeito aos efeitos dos tratados em relação a terceiros, a regra geral prevista no art. 34 da Convenção de Viena de 1969 é a de que “um tratado não cria obrigações nem direitos para um Estado sem o consentimento deste”. Como destaca Hildebrando Accioly, a Convenção de Viena incorporou a regra costumeira do res inter alios acta aliis neque nocere neque prodesse potest32.

Mas há casos que representam exceções à regra da ausência de efeitos em relação a terceiros. Nas palavras de Rezek, “tratados há que, por cria­rem ou modificarem situações jurídicas objetivas, produzem sobre toda a

3- Coisa pactuada não pode causar danos nem vantagens a terceiros. Cf. Hildebrando Accio­ly, G.E. do Nascimento e Silva e Pauio Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 139.

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56 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

comunidade internacional o mero efeito da exortação ao reconhecimento. Outros, expressivamente, repercutem sobre terceiros não como normas jurídicas, mas como fatos. Menos comuns são as hipóteses em que o tratado realmente opera como norma sobre terceiros determinados, quer no sentido de conferir-lhe direitos, quer no sentido de obrigá-los”33.

Assim, um tratado que modifica o traçado da linha de fronteira entre dois Estados pode produzir um efeito difuso em relação a terceiros, uma vez que estes, tendo tomado conhecimento da nova situação jurídica, devem observá-la.

Aqui também se enquadra a questão atinente à cláusula da nação mais favorecida, geralmente presente em tratados bilaterais em matéria tributá­ria. Nessas situações, dois Estados que tenham pactuado uma redução da alíquota de importação incidente sobre bens ou serviços da contraparte, comprometem-se a, caso uma das partes conceda no futuro benefício superior a um terceiro Estado, aplicar este mesmo proveito ao tratado anterior.

Relativamente aos tratados que de alguma forma impliquem direitos ou obrigações a terceiros Estados, claro está, tais efeitos dependerão do consen­timento do Estado destinatário do direito ou da obrigação. Convém destacar, no entanto, que o consentimento é presumido, salvo indicação em contrário.

3.15 APLICAÇÃO E OBSERVÂNCIA DOS TRATADOS

Uma vez em vigor, o tratado vincula as partes e deve ser cumprido de boa-fé, conforme o princípio pacta sunt servanda. Uma parte não pode in­vocar as disposições do seu Direito interno para justificar o descumprimento do tratado internacional, a menos que a manifestação do seu consentimento em ficar vinculado pelo tratado tenha ocorrido mediante violação manifesta de uma norma de importância fundamental do seu Direito interno.

Salvo disposição em contrário, o tratado não será aplicado retroati­vamente e sua aplicação estende-se à totalidade do território de cada um dos Estados-partes.

3.16 INTERPRETAÇÃO

A regra geral é a de que os tratados devem ser interpretados de boa- -fé, consoante o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz dos seus respectivos objetos e finalidades34.

33 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, c it, p. 81.M Art. 31 da Convenção de Viena de 1969.

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Cap. 3 - 0 DÍREÍTO DOS TRATADOS 57

O tratado deve ser interpretado no seu todo, de modo que não apenas a sua parte dispositiva pode ser objeto de interpretação, como também podem seu preâmbulo e anexos. Também devem ser levados em conside­ração quaisquer acordos relativos ao tratado que tenham sido celebrados entre as partes quando da sua conclusão, assim como qualquer instrumento estabelecido por uma das partes que tenha sido acolhido pelas demais como instrumento relativo ao tratado.

Os trabalhos preparatórios da elaboração dos tratados (travaux prépa- ratoires) são considerados meios suplementares de interpretação, podendo a eles recorrer caso o texto do tratado seja ambíguo, obscuro ou conduza a resultado manifestamente absurdo ou incoerente (art. 32). Quer isto dizer que todo o contexto em que foi celebrado o tratado deve ser levado em conta para efeito de interpretação.

No que diz respeito às eventuais divergências resultantes da utilização de diversos idiomas, a Convenção de Viena de 1969 advoga pela pre­sunção de que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos (art. 33, n.° 3), muito embora, na prática, esta presunção pareça de difícil concretização.

Os tribunais internacionais desempenham proeminente papel na tarefa de interpretação dos tratados internacionais. Com efeito, a Corte Internacional de Justiça, por exemplo, em muitas de suas manifestações ofereceu impor­tantes e interessantes interpretações de normas internacionais, quer ao atuar em processo contencioso ou mesmo ao oferecer um parecer consultivo.

3.17 EMENDAS E REVISÃO DOS TRATADOS

A questão das emendas e da revisão dos tratados encontra-se regula­mentada pela Parte IV da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 196935. A regra geral é a de que um tratado pode sofrer emendas ou ser revisado mediante acordo entre as partes pactuantes.

A iniciativa de uma emenda pode partir de qualquer Estado-parte no tratado e, quando não for necessária a aprovação à unanimidade dos votos, o qnontm mínimo exigido para a adoção de uma emenda ao tra­tado será de maioria qualificada de dois terços. A referida Convenção de Viena adotou a regra de que, se a emenda não for aprovada por decisão unânime, as partes vencidas não se vinculam às novas disposições, isto é, permanecem obrigadas apenas pelo texto primitivo.

35 Axts. 39 a 41.

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58 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Por seu turno, a revisão consiste no “empreendimento modificativo. de proporções mais amplas que aquelas da emenda singular, ou do conjunto limitado de emendas tópicas”. Embora previsão contida na Carta das Nações Unidas, esta nunca foi revista, diferentemente do que ocorreu com a Carta da Organização dos Estados americanos, revista em 1967 e em 198536.

3.18 CESSAÇÃO DA VIGÊNCIA E EXTINÇÃO

São várias as formas e situações que podem levar à cessação da vigência ou a extinção de um tratado internacional. A primeira delas é a ab-rogação.

A ab-rogação consiste na revogação total de um tratado por manifes­tação comum da vontade das partes obrigadas. Tendo em vista que um dos princípios norteadores do tratado é o do livre consentimento, resta nítida a possibilidade de extinção de um tratado por vontade dos pactuantes, ainda que o seu texto nada disponha a esse respeito.

O tratado também pode ser extinto por força da expiração do termo acor­dado, isto é, o tratado com termo cronológico de vigência será extinto e não mais surtirá efeitos tão logo o prazo estipulado em seu texto se expire.

Outra forma de extinção do tratado é a execução integral do seu pbjeto. Nos casos em que as partes tenham acordado em alcançar deter­minado objetivo e este tenha sido plenamente realizado, o tratado perde seu objeto e, por conseguinte, é naturalmente extinto37.

A extinção de um tratado pode ainda ocorrer pela superveniência de tratado posterior. Nessas situações é indispensável que as partes do tratado posterior sejam as mesmas do tratado anterior e que a matéria de ambos seja igual. Em regra, o novo tratado contém cláusula própria sobre a extinção do tratado anterior.

A impossibilidade superveniente de cumprimento e a alteração fu n ­damental das circunstâncias também são apontadas pela Convenção de Viena como causas de cessação da vigência de um tratado.

Outrossim, a superveniência de uma norma imperativa de Di­reito Internacional geral {jus cogens) toma nulo e cessa a vigência de qualquer tratado existente que seja incompatível com essa norma (art. 64).

35 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 88.57 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 241.

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Cap. 3 - 0 DIREITO DOS TRATADOS 59

Sobre o tema em apreço, cumpre ressaltar que a ruptura de relações diplomáticas ou consulares entre as partes em um tratado não produz efeitos nas relações jurídicas entre elas estabelecidas pelo tratado, a menos que a existência de relações consulares ou diplomáticas seja indispensável à aplicação do tratado (art. 63).

3.19 A DENÚNCIA

A denúncia é ato unilateral de efeito jurídico inverso ao que produzem a ratificação e a adesão. Pela denúncia, o Estado manifesta a sua vontade de deixar de ser parte no tratado internacional38.

Há tratados que admitem e disciplinam a denúncia, estabelecendo o procedimento a ser adotado e o prazo a ser cumprido para que a denúncia de uma parte seja reputada válida. Ocorre, porém, que diversos tratados são omissos nesse aspecto e persiste a dúvida sobre a possibilidade da denúncia.

O art. 56 da Convenção de Viena de 1969 é que apresenta a solução, ao estabelecer que: “um tratado que não contenha disposições relativas à cessação da sua vigência e não preveja que as Partes possam denunciá-lo ou dele retirar-se não pode ser objeto de denúncia ou de retirada, salvo: a) se estiver estabelecido que as Partes admitiram a possibilidade de de­núncia ou de retirada; ou b) se o direito de denúncia ou de retirada puder ser deduzido da natureza do tratado”. O mesmo dispositivo proclama que a parte deve notificar, com pelo menos 12 meses de antecedência, a sua intenção de proceder à denúncia ou à retirada de um tratado.

Embora a Convenção de Viena de 1969 fale da notificação da inten­ção de proceder à denúncia, entende-se que, pela notificação, carta ou instrumento, o Estado retirante não previne os demais de que vai denun­ciar, mas antes efetivamente denuncia o tratado, não obstante permanecer obrigado durante o prazo de dilação dos efeitos da denúncia. Com efeito, o ato da denúncia consiste em ato internacional “significativo da vontade de terminar o compromisso”39.

:s Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 107.39 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 108-109.

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QUESTÕES - O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

1. INTRODUÇÃO

1. (OAB-DF/2006.1) Na relação entre o direito nacional e internacional, a teoria queentende que são sistemas independentes e distintos é a:{A) dualista.(B) independentista.(C) unidade normativa.(D) monista.

2. (CESPE/TRT5/Juiz/2006) O STF, ao Julgar a aplicabilidade de tratados celebradospelo Brasii no âmbito do Mercosul, decidiu pela inconstítucionaiidade da recepção plena e automática das normas de direito internacional, mesmo daquelas que, elaboradas no contexto da integração regional, representam a expressão de um direito comunitário. Segundo o entendimento exposto na decisão, é necessário que a norma internacional seja transposta para a ordem jurídica nacional de acordo com os instrumentos constitucionais que consagram a sua recepção. A decisão do STF acima mencionada consagra o:(A) princípio da coordenação.(B) monismo internacíonalísta.(C) dualismo.(D) monismo nacionalista.(E) preceito da jurisdição una.

3. (OAB-DF/2006.1) Sobre fundamento do Direito Internacional Público e as re­lações entre o Direito Internacional e o Direito Interno, assinale a alternativa CORRETA:(A) pela teoria da autoiimitação, de Georg Jeilinek, o fundamento do Direito internacional

seria a vontade internacional, adotada pelo Estado, por decisão própria, no exercício de sua soberania.

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62 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

(B) peía teoria da vontade coletiva, de Heinrich Triepel, o Direito internacional se fundamen­taria na vontade coletiva dos Estados, que se manifestaria expressamente no tratado-fei e, tacitamente, no costume, fazendo surgir uma vontade majoritária dependente das vontades individuais.

(C) para a teoria monista com primazia do direito interno, o Estado por ter soberania absoiuta, não está sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade; nesse caso, o Direito Internacional seria um direito interno que os Estados aplicam na sua vida internacional.

(D) para a teoria dualista, no entendimento de Triepel, o tratado seria um meio em si de criação de direito intemo, sendo sua incorporação ao direito interno mera formalidade para dar-íhe natureza jurídica de norma nacional.

4. (OAB-MT/2006.1) A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios, EXCETO:(A) igualdade entre os Estados.(B) solução pacífica dos conflitos.(C) concessão de asilo político.(D) pluralismo político.

5. (OAB-RJ/320 Exame) A partir da criação da Organização das Nações Unidas (ONU),pode-se afirmar que o uso da força está proibido na ordem internacional. A Carta da ONU admite, entretanto, duas exceções a essa vedação, com base na:(A) existência de armas de destruição em massa e na violação sistemática dos direitos

humanos.(B) discriminação empreendida por motivos raciais e no apoio a atos terroristas.(C) legítima defesa e nas ações do Conselho de Segurança para a manutenção da paz.(D) posse de armas nucleares e no não pagamento da dívida externa.

6. (CESPE/Advogado da União/2006) O conflito que até agora pesou sobre a culturajurídica internacionalista entre o “dever ser” e o “ser" do direito transferiu-se, por meio das cartas internacionais de direitos, para o próprio corpo de direito internacional positivo. Transformou-se em uma antinomia jurídica entre normas positivas, refazendo o mesmo processo formativo do qual se originaram, com a constitucionalização dos direitos naturais, o estado constitucional de direito e nossas democracias.Luigi Ferrajoli. A soberania no mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 53-60 (com adaptações).

A partir do tema do texto acima, juigue os itens subsequentes, relativos ao ordena­mento jurídico internacionai e à jurisdição internacionai.1. Somente a aquiescência de um Estado soberano convalida a autoridade de um foro

judiciário ou arbitrai, jé que' o mesmo não é originalmente jurisdicionável perante ne­nhuma corte.

2. No que tange às relações entre o direito internacional e o direito intemo, percebem-se duas orientações divergentes quanto aos doutrinadores que defendem o dualismo: uma que sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional e outra que prega o primado do direito nacional de cada Estado soberano que detém a faculdade discricionária de adotar ou não os preceitos do direito internacional.

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QUESTÕES - O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 63

3. São características do monismo o culto à constituição e a crença de que em seu texto encontra-se a diversidade das fontes de produção das normas jurídicas internacionais condicionadas pelos limites de validade imposto peio direito das gentes.

4. O princípio pacta sunt servanda, segundo o quai o que foi pactuado deve ser cumprido, externaliza um modelo de norma fundada no consentimento criativo, ou seja, um conjunto de regras das quais a comunidade internacionai não pode prescindir.

7. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Julgue os itens seguintes.1. Em relação à sua denominação, pode-se afirmar que a expressão direito transnacional,

embora mais ampfa que a denominação direito internacional púbiico, já consagrada, tem como mérito a superação da dicotomia entre direito púbiico e direito privado.

2. O direito civii influenciou em grande medida a formação de institutos do direito intema- cionai púbiico.

3. Segundo a opinião de Celso D. de Aibuquerque Mello, o direito constitucional internacionalé apenas um ramo do direito constitucional, sem objeto e método próprios, que disciplina normas constitucionais de alcance internacional, devendo, portanto, ser apiicado também em consonância com as regras do direito internacionai público.

4. Duas doutrinas principais fundamentam o direito internacionai público: a voluntarista e a objetívista. A primeira sustenta que é na vontade dos Estados que está o fundamento do direito das gentes; neía se inseriria a teoria dos direitos fundamentais. A segunda, por sua vez, sustenta o fundamento do direito internacional na pressuposta existência de uma norma ou princípio acima dos Estados, como, por exempio, a teoria do con­sentimento.

5. As reiações jurídicas entre os Estados, no contexto de uma sociedade jurídica internacionaldescentralizada, desenvolvem-se de forma horizontal e coordenada.

8. (CESPE/Procurador Federal/2007) É o direito internacional público uma espéciede direito? Essa natureza do direito internacional público tem sido desafiada por dois argumentos. O primeiro afirma que não há um poder central mundial com atividades típicas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O se­gundo destaca a inexistência de uma sociedade internacional que compartilhe efetivamente valores de forma ampla e consensual. Apesar desses argumentos, verifica-se que os Estados nacionais não vivem de forma isolada, eles interagem com a comunidade internacionai por meio de tratados, da globalização das ati­vidades laborais e econômicas, bem como criam entes de direito supranacional, que buscam, como no MERCOSUL, a integração e a proteção de determinados valores compartilhados mundialmente.Considerando o texto acima como referência iniciai, cada um dos itens subsequentes apresenta uma situação hipotética, seguida de uma assertiva a ser julgada de acordo com a doutrina e a legislação pertinente.1. As forças da Polícia Miíitar de Minas Gerais, com o objetivo de ampliar o território mineiro,

invadiram parte do estado do Rio de Janeiro, entrando em choque com a polícia militar fluminense. Nessa situação, como o conflito se dá entre dois estados brasileiros, deve-se aplicar o direito internacionai, mais especificamente as normas previstas na Convenção de Genebra de 1949, por ser o Brasií dela signatário.

2. Manoel, marroquino, residente há um ano no Brasil, deseja fazer concurso púbiico para diplomata. Nessa situação, de acordo com o regime jurídico do estrangeiro ora vigente, Manoel poderá fazer o concurso referido desde que se naturalize brasileiro.

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64 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

3. Flávio, muçulmano nacional do Iraque, bígamo, que trabalha em construtora brasi­leira na Arábia Saudita, trouxe toda a sua família para o Brasil e, aqui chegando, desejou cadastrar, no INSS, suas esposas como suas dependentes na qualidade de cônjuges. Nessa situação, segundo o direito brasileiro, a pretensão de Ftávio poderia ser satisfeita com a homologação judicial dos dois casamentos realizados no Iraque, pelo STF.

4. O estado do Rio Grande do Sul, almejando ser reconhecido internacionalmente como um Estado soberano, pleiteou uma cadeira na Organização das Nações Unidas (ONU), alegando que possuí um território, uma população e um governo permanente. Nessa situação, os requisitos apresentados não são suficientes para que o Rio Grande do Suí seja aceito na Assembleia-Gerai da ONU.

2. FONTES

9. (CESPE/AGU/2009) Ao longo da história, empregaram-se diversas denominações para designar o Direito Internacional. Os romanos utilizavam a expressão ius gentium (direito das gentes ou direito dos povos). Entretanto, pode-se afirmar que foi na Europa Ocidental do século XVI que o Direito Internacional surgiu nas suas bases modernas. A Paz de Vestfália (1648) é considerada o marco do início do Direito Internacional, ao viabilizar a independência de diversos estados euro­peus. O Direito Internacional Público surgiu com o Estado Moderno. Quando da formação da Corte Internacional de Justiça, após a ü Guerra Mundial, indagou-se quais seriam as normas que poderiam instrumentalizar o exercício da jurisdição internacional (fontes do Direito Internacional Público). Assim, o Estatuto da Corte Internacional de Haia, no art. 38, arrolou as fontes das normas internacionais. Com relação ao Direito Internacional, julgue os itens a seguir.1. O elemento objetivo que caracteriza o costume internacional é a prática reiterada, não

havendo necessidade de que o respeito a ela seja uma prática necessária {opinio jurís necessitatis).

2. Os tratados internacionais constituem importante fonte escrita do Direito internacional, a qual vale para toda a comunidade internacional, tenha havido ou não a participação de todos os países nesses tratados.

3. Não existe hierarquia entre os princípios gerais do direito e os costumes internacio­nais.

10. (OAB-RJ/32° Exame) De acordo com o art. 38 do Estatuto da Corte Internacionalde Justiça, são fontes do direito internacional as convenções internacionais,

(A) o costume, os atos unilaterais e a doutrina e a jurisprudência, de forma auxiliar.(B) o costume internacionai, os princípios gerais de direito, os atos unilaterais e as reso­

luções das organizações internacionais.(C) o costume, princípios gerais de direito, atos unilaterais, resoluções das organizações

internacionais, decisões judiciárias e a doutrina.(D) o costume internacional, os princípios gerais de direito, as decisões judiciárias e a

doutrina, de forma auxiliar, admitindo, ainda a possibilidade de a Corte decidir ex aequo et bono, se as partes concordarem.

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QUESTÕES - O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 65

11. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) A respeito do costume internacional, norma não escrita de expressão do direito internacional previsto no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, julgue os seguintes itens.

1. Nada obsta a que o elemento material do costume seja constituído de uma omissão frente a determinado contexto.

2. O elemento subjetivo - a opinio jurís - é absolutamente necessário para dar ensejo à norma costumeira.

3. Devido à inferioridade hierárquica das normas costumeiras em refação às normas convencionais, não pode o costume revogar norma expressa em tratado internacio­nal.

4. Em litígio internacional, a parte que invoca regra costumeira tem o ônus de provar a sua existência.

5. Assim como ocorre em relação aos tratados internacionais, há métodos precisos de interpretação das normas costumeiras.

12. (CESPE/Procurador Federal/2006) Acerca do costume internacional, julgue os itens subsequentes.

1. O elemento material do costume internacional revela-se exclusivamente por meio do modo de proceder, necessariamente positivo, ante determinado contexto, ao longo do tempo.

2. Os Estados soberanos e as organizações internacionais são sujeitos de direito internacionalpúblico reconhecidamente aptos a produzir regras de costume internacional.

3. Segundo precedente da Corte Internacional de Justiça, o transcurso de um período de tempo reduzido não é necessariamente, ou não constitui em si mesmo, um impedimento à formação de uma nova norma de direito internacional consuetudinário.

4. Uma regra costumeira internacional pode ser criada por vontade unilateral de um Es­tado.

13. {CESPE/Advogado da União/2006) O direito internacional público, até pouco mais de cem anos atrás, foi essencialmente um direito costumeiro. Regras de alcance geral norteando a então restrita comunidade das nações, havia-as, e supostamente numerosas, mas quase nunca expressas em textos convencionais. Na doutrina, e nas manifestações intermitentes do direito arbitrai, essas regras se viam reconhecer com maior explicitude. Eram elas apontadas como obriga­tórias, já que resultantes de uma prática a que os Estados se entregavam não por acaso, mas porque convencidos de sua justiça e necessidade.

José Francisco Rezek. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 120 (com adaptações).

A partir do tema do texto acima, julgue os seguintes itens, relativos ao costume internacional.1. Para se constatar a existência de um costume, é necessário verificar a presença de um

elemento subjetivo, qual seja: a certeza de que tais comportamentos são obrigatórios por expressarem valores exigíveis e essenciais.

2. Embora possua relevantes qualidades de flexibilidade e uma grande proximidade com osfenômenos e fatos que regula, o costume internacional apresenta grandes dificuldades quanto à sua prova, o que lhe diminui o valor na hierarquia das fontes do direito inter­nacional, mantendo, com isso, a supremacia dos tratados e convenções.

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66 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

3. Para que um comportamento comissivo ou omissivo seja considerado como um costume internacional, é necessária a presença de um elemento material, quaí seja: uma prática reiterada de comportamentos que, de início, pode ser um simples uso.

14. (CESPE/AGU/2002) Acerca das fontes do direito internacional público (DIP), julgue os seguintes itens.1. A parte que invoca um costume tem de demonstrar que ele está de acordo com a prática

constante e uniforme seguida pelos Estados em questão.2. Os precedentes judiciais são vínculativos tão somente para as partes em um litígio e em

relação ao caso concreto, não tendo, assim, obrigatoriedade em DIP.3. Constituem funções da doutrina o fornecimento da prova do conteúdo do direito e a

influência no seu desenvolvimento.4. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça, ao indicar as fontes do DIP que um tribunal

irá aplicar para resolver um caso concreto, concede posição mais elevada para as normas convencionais, que devem prevalecer sempre sobre todas as outras.

5. Ainda hoje, o rol das fontes indicado no Estatuto da Corte Internacional de Justiça étaxativo.

15. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Dispõe o artigo 38 da Corte Internacional de Haia:

Art. 38 - 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacionai as controvérsias que Jhe forem submetidas, aplicará:

(A) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

(B) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;

(C) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;(D) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

2 - A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem.

Com base no dispositivo transcrito acima, julgue os itens subsequentes.1. O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Haia enumera o roi taxativo e hierarqui­

camente organizado das fontes do direito internacional público.2. De acordo com a jurisprudência da Corte Internacionai de Justiça de Haia, o costume

internacional de âmbito regional e locaf não pode ser considerado como fonte de direito das gentes.

3. De acordo com a maioria dos internacionaíístas, a expressão “princípios gerais de direi­to”, constante da alínea “c” do dispositivo em epígrafe, refere-se apenas aos princípios gerais do direito internacional.

4. As decisões judiciais proferidas por tribunais nacionais podem ser consideradas como fonte do direito internacionai público.

5. No contexto do item 2 do art. 38 do Estatuto da Corte de Justiça de Haia acima transcrito,é correto considerar o termo equidade como sinônimo de direito natural.

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QUESTÕES - O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 67

3. DIREITO DOS TRATADOS

16. (CESPE/PGE-AL/2009) O Pacto de San José da Costa Rica estabelece de início, em seu preâmbulo, uma proteção aos direitos humanos fundamentais. Explicita que os direitos essenciais da pessoa humana devem ser observados unicamente com fundamento na própria atribuição de ser humano. Repudia qualquer discrimi­nação em que pese a nacionalidade da pessoa, para que se confiram os direitos essenciais a ela inerentes. O Pacto promove a todos o mesmo tratamento de proteção internacional que é estabelecido por parte dos Estados americanos. Reitera que o escopo pela busca da liberdade pessoal e da justiça social está esculpido na Carta da Organização dos Estados americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.Em sua primeira parte, em que são tratados os deveres dos Estados e direitos dos protegidos, os vinte e cinco artigos retratam o panorama equivalente aos quatorze primeiros artigos da nossa Carta Maior.A discussão maior, após a recepção desse tratado, está no conflito entre o art. 5o da CF, cujo inciso LXVIl prevê que não haverá prisão civil por dívida, salvo o devedor de pensão alimentícia e o depositário infiel, e o art. 7o, § 7o, do pacto,o qual estabelece que “ninguém deve ser detido por dívidas”.A partir do texto acima e com relação aos direitos e garantias fundamentais e à disciplina constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, assinale a opção correta.1. Caso o Brasi! ceíebre um tratado internacional limitando substancialmente o direito á

propriedade, após serem cumpridas todas as formalidades para sua ratificação e inte­gração ao ordenamento pátrio, o Congresso Nacional poderá adotar o procedimento espeeiaí para fazer com que esse tratado seja recebido com status de emenda cons­titucional.

2. Sabendo que o § 2o do art. 5o da CF dispõe que os direitos e garantias nela expres­sos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, então, é correto afirmar que, na análise desse dispositivo constitucional, tanto a dou­trina quanto o STF sempre foram unânimes ao afirmar que os tratados internacionais ratificados pelo Brasil referentes aos direitos fundamentais possuem status de norma

■ constitucional.3. A EC n. 45/2004 inseriu na CF um dispositivo definindo que os tratados e convenções

Internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados no Congresso Nacional com quorum e procedimento idênticos aos de aprovação de lei complementar serão equivalentes às emendas constitucionais.

4. Ao analisar a constitucionalidade da legislação brasileira acerca da prisão do depositárioque não adimpliu obrigação contratual, o STF, recentemente, concluiu no sentido da derrogação das normas estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel, prevalecendo, dessa forma, a tese do status de supralegaiidade do Pacto de San José da Costa Rica.

5. O STF ainda entende como possível a prisão do depositário judicial quando descumprida a obrigação civil.

17. (OAB-DF/2006.1) Indique a assertiva CORRETA:(A) os tratados internacionais, segundo o entendimento jurisprudencial brasileiro, possuem

status de Emenda Constitucional;

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68 DIREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(8) a Constituição admite a submissão de nacionais à jurisdição de Tribunal Penal Inter­nacional a cuja criação o país tenha manifestado adesão;

(C) em hipótese alguma será concedida a extradição de brasileiro;(D) a competência para celebrar tratados, convenções e atos internacionais é exclusiva do

Presidente da República e estão sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

18. (OAB-DF/2006.1) A declaração unilateral do Estado visando excluir ou modificaro efeito jurídico de certas disposições de um tratado internacional é denomi­nada:(A) denúncia;(B) exceção de executividade;(C) reserva;(D) renúncia.

19. (OAB-DF/2006.2) Sobre tratados, considerando o disposto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinale a alternativa CORRETA:(A) o instituto da reserva, por ser um instituto gerai de direito internaciona!, é aplicável,

sem impedimentos, a todos os tratados;(8) a adoção do texto de um tratado em uma conferência ínternacionaf efetua-se por maioria

de dois terços dos Estados presentes e votantes, a menos que estes Estados decidam, por igual maioria, aplicar uma regra diferente;

(C) um ato relativo à conclusão de um tratado praticado por uma pessoa que não possui, juridicamente, condições de ser considerada representante de um Estado para a ado­ção ou a autenticação do texto de um tratado ou para exprimir o consentimento do Estado em ficar vinculado por um tratado, é absolutamente nulo, não sendo passível de convafidação posterior;

(D) o preâmbulo de um tratado não se inclui no contexto a ser considerado para efeitos de interpretação desse tratado.

20. (OAB-RJ/32° Exame) Acerca da temática dos tratados internacionais, assinale a opção correta.(A) O único ato que pode consistir na vincuiação do Estado ao tratado, no pfano interna­

cional, é a ratificação.(B) A adesão é o processo de apreciação do texto do tratado peios Poderes Legislativos

dos Estados.(C) A assinatura tem o efeito de autenticar o texto do tratado, após a sua aprovação ainda

no plano internacional.(D) A ratificação é o ato intemo do Poder Executivo na troca ou no depósito dos instru­

mentos respectivos.

21. (CESPE/AGU/2002) Tendo, em vista o entendimento do direito internacionai, bem como a prática brasileira acerca de tratados internacionais, julgue os itens subsequentes:1. Tratado internacional é um acordo celebrado por escrito entre sujeitos de direito internacio­

nal, que produz efeito jurídíco, qualquer que seja sua denominação particular.2. No Brasil, as convenções internacionais do trabalho, uma vez incorporadas ao ordena­

mento jurídico nacional, têm força de lei ordinária.

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QUESTÕES - O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 69

3. Na ausência de preceito constitucional claro, o STF firmou entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos estão acima da Constituição da Repú­blica.

4. O Congresso Nacional brasileiro resolve definitivamente sobre tratados internacionais aoratificá-los no plano externo.

5. Salvo afronta a regra de direito interno de importância fundamental sobre competência para conciuir tratado, uma parte não pode invocar disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado.

22. (CESPE/TRF5/Juiz/2006) Julgue os itens seguintes quanto aos tratados interna­cionais e ao respectivo processo de elaboração, vigência e efeitos em relação a terceiros.1. Os efeitos do tratado ceiebrado entre dois Estados fronteiriços, que modifica o cur­

so da linha limítrofe que os separa, não repercutem sobre os demais Estados, por tratar-se de uma nova situação jurídica de interesse apenas desses dois Estados fronteiriços.

2. Antes do início da negociação de qualquer tratado bilateral, o Ministro das Relações exteriores do Brasil deve apresentar carta de plenos poderes perante o governo co~ pactuante, para habilitá-lo a participar dessa fase e, posteriormente, a assinar o tratado em caráter definitivo.

3. Para que uma convenção sobre direitos humanos seja equivalente às emendas consti­tucionais, é necessário que seja aprovada, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.

4. No Brasil, a vigência interna de um tratado não coincide, necessariamente, com a sua entrada em vigor no plano do direito internacional.

5. Durante uma negociação multiiateral, se determinado Estado aceitar, expressamente e por escrito, o encargo de depositário, mas acabar por não ratificar o tratado em questão, mesmo assim, esse Estado permanecerá vinculado à obrigação contraída, na condição de terceiro.

23. (ESAF/Procurador da Fazenda NacionaI/2005-2006) A Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, entre outros, inseriu parágrafo no art. 5.° do texto constitucional de 1988, explicitando que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a:(A) emendas à Constituição.(B) ieís compiementares.(C) leis ordinárias.(D) leis delegadas.(E) decretos legislativos.

24. (ESAF/Procurador da Fazenda Nacional/2005-2006) Nos termos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados, e no que se refere à obser­vância, aplicação e interpretação dos acordos, consolidou-se a regra:(A) que reflete a cláusula rebus sic stantíbus, isto é, alteradas as condições originárias do

pacto, deve-se alterar seu alcance e sua aplicabilidade.(B) que elimina preâmbulo e anexos, limitando-se o contexto interpretativo ao horizonte de

sentido inserido no corpo do tratado.

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70 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(C) que prestigia a boa-fé, mas que nao a elege a categoria interpretativa, dado o regime competitivo que impera na ordem internacionai.

(D) que consolida como regra a retroatividade benigna dos tratados, mesmo que intenção diferente tenha informado a concepção do pacto internacionai.

(E) que reflete a cláusula pacta sunt servanda, isto é, todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por eias de boa-fé.

25. (CESPE/Câmara Federai/Área 18/2002) Juigue os itens abaixo, relativos aos tratados internacionais.1. Considerando que o consentimento mútuo constitui condição de validade dos tratados

internacionais, terá plena validade o tratado que, no momento de sua conclusão, con- flite com norma imperativa de direito internacional geral, de conformidade com o que estabelece a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

2. Tendo em vista que o poder competente para realizar a ratificação é definido livrementepeio direito interno de cada Estado, no Brasi! a ratificação é de competência do Con­gresso Nacional, que a realiza por meio de decreto legislativo.

3. Em regra, os tratados internacionais começam a vigorar no ordenamento jurídico internobrasileiro com o início da vigência dos decretos que os promulgarem.

4. Não é juridicamente possível a exclusão, do âmbito de aplicação territorial de tratado inter­nacional, de parte do território de um ou de ambos os Estados pactuantes.

5. No Brasil, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os tratados internacionaise as leis internas infraconstitucionais estão no mesmo nível hierárquico.

26. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Considerando o ato jurídico internacional, julgue os itens abaixo.1. Segundo Celso D. de Albuquerque Mello, “o ato jurídico pode ser definido como a ma­

nifestação de vontade de um ou mais sujeitos do direito internacional destinada a criar direitos e obrigações no direito internacional público." Diante dessa definição, é correto afirmar, segundo a concepção do citado autor, que todo ato jurídico internacionai é uma fonte primária de direito internacional público.

2. De acordo com o art. 2.0 da Convenção de Viena acerca do direito dos tratados, entende-sepor tratado um acordo internacional conciuído por escrito entre Estados e outros sujeitos de direito internacional ou entre os próprios sujeitos de direito internacionai e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua denominação específica.

3. Considere a seguinte situação hipotética. O Estado brasileiro firmou um tratado bilateral de cooperação técnica. Aiguns meses após a entrada em vigor desse instrumento, sur­giram dúvidas interpretativas no momento de sua aplicação. Nesse contexto, o chanceler brasileiro elaborou, em conjunto com o Estado-parte contratante, um novo acordo em que se esclareceu o ponto controvertido. Nessa situação, concluída a elaboração do acordo de índole interpretativa, este não precisa ser necessariamente submetido à aprovação do Congresso Nacional, posto que se traía de um acordo executivo.

4. Considere a seguinte situação hipotética. O Estado A pactuou com o Estado B, em 1990,um tratado bilateral de comércio, estabelecendo favores mútuos, no sentido de gravar os produtos originários dos Estados-partes com alíquotas privilegiadas de imposto de importação. Estabeleceu-se, ainda, uma cláusula de nação mais favorecida. Em 1998,o Estado B celebrou acordo semelhante com o Estado C, sendo que o tratamento tari­fário dispensado aos produtos originários do Estado C foi mais privilegiado que aquele conferido ao Estado A, no acordo firmado em 1990. Assim, nessa situação, mesmo que

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QUESTÕES - O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 71

o Estado A não seja parte do tratado entre os Estados B e C, é correto afirmar que, na condição de nação mais favorecida, o Estado A sofre os efeitos jurídicos do acordo entre os Estados B e C.

5. Se, durante a vigência de um determinado tratado, verificar-se a transformação de cir­cunstâncias fundamentais que justifiquem o consentimento de um dos Estados-partes em sua adesão, este, considerando-se prejudicado pelo advento imprevisto de ditas circunstâncias, poderá invocar, unilateralmente, a cláusuia rebus sic stantlbus como causa para suspender temporariamente a execução do avençado.

27. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Considere as seguintes situações hipo­téticas.

I - Vigorava no ordenamento jurídico brasileiro a iei A, até que o tratado internacional B, devidamente aprovado peío Poder Legislativo e ratificado pelo Poder Executivo, veio a disciplinar, de modo diverso, a mesma matéria prevista na iei A.

[j - Vigorava no ordenamento jurídico brasileiro o tratado internacional C, devidamente aprovado pelo Poder Legislativo e ratificado pelo Poder Executivo, até que a lei D veio a disciplinar, de modo diverso, a mesma matéria prevista no tratado internacional C.

Ml - Vigorava no ordenamento jurídico brasileiro a lei E, até que o tratado internacionaí F, devidamente aprovado pelo Poder Legislativo e ratificado pelo Poder Executivo, veio a disciplinar, em cláusula específica, a matéria disciplinada pela lei E.

Admitindo a argumentação no sentido de que, na ordem constitucional de 1988, foi estabelecido um sistema misto, diferenciando-se os tratados internacionais tradicionais dos tratados internacionais de direitos humanos e com base nos diversos posicio­namentos doutrinários e jurísprudenciais acerca da incorporação, da hierarquia e do impacto dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, julgue os itens que se seguem.1. Na situação í, considerando que o tratado internacional 8 fosse um tratado internacio­

nal de direitos humanos, poder-se-ia dispensar o decreto do presidente da República para a sua execução e o seu cumprimento no âmbito interno, bem como a legislação ordinária interna respectiva, por força de sua aplicabilidade direta e imediata, prevista na Constituição vigente.

2. Na situação I, considerando que o tratado internacional B fosse um tratado internacional de direitos humanos, este prevaleceria sobre o disposto na lei A, posto que os trata­dos internacionais dessa espécie possuem status de norma constitucional por força do disposto no texto constitucional.

3. Na situação ü, considerando que o tratado C fosse um tratado internacional tradicional, é correto afirmar, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que ele prevaleceria sobre a lei D, sob o fundamento de que a lei posterior revoga a lei anterior que a contrarie.

4. Na situação lll, considerando que o tratado internacional F fosse um tratado internacionalde direitos humanos, é correto afirmar, com base na jurisprudência do STF, que a lei E prevaleceria sobre o tratado internacionai F, sob o argumento de que a iei geral não pode derrogar a iei especial.

5. Na situação Ifí, considerando que o tratado internacional F fosse um tratado internacionaide direitos humanos e que contivesse uma cláusula contrária ao disposto na Constitui­ção, é correto afirmar que, diante de um caso concreto, seria aplicável a norma que mais favorecesse a vítima.

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72 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

28. (TRT-23/Juiz do trabalho subst/2008) Analise os itens abaixo e marque a alter­nativa CORRETA:

Sobre a vigência e aplicação dos tratados internacionais no Brasil:I - dependem da edição de !eí para incorporação ao direito interno.II - basta a mera ratificação para que integrem o direito positivo nacional.Ili - dependem de aprovação por ato de competência privativa do Congresso Nacional.IV - a executoriedade de suas normas são imediatas à publicação da promulgação pelo

Presidente da República, após aprovação por ato exclusivo do Senado Federal.

(A) Apenas os itens I e III são verdadeiros.(B) Apenas os itens 1 e IV são verdadeiros.(C) Apenas os itens I, II e IV são falsos.(D) Todos os itens são verdadeiros.(E) Todos os itens são falsos

29. (CESPE/TRF-2/Juiz federai subst/2009} Quanto ao registro e à publicidade de tra­tados internacionais, segundo a Carta das Nações Unidas, é correto afirmar que(A) os tratados não registrados não podem ser invocados perante órgãos das Nações

Unidas.(B) a obrigação de registro e publicidade de tratados está contida em uma norma jus co­

gens.(C)é competência da Assembleia-Geral das Nações Unidas publicar os tratados concluídos

por qualquer membro da organização.{D) os tratados devem ser registrados perante as Nações Unidas desde antes da ratificação.(E) os tratados devem ser registrados e publicados em todas as línguas oficiais das Nações

Unidas.

30. (CESPE/TRF-1/Juiz federal subst/2009) Um Estado pretende ratificar um tratado, mas, para fazê-lo, almeja adaptar alguns de seus dispositivos à interpretação que seus tribunais internos dão a determinado direito contido no tratado. Nessa situação, o instrumento mais adequado a ser utilizado por esse Estado é(A) a denúncia.(B) a cláusula rebus sic stantibus.(C)a suspensão.(D) o jus cogens.(E) a reserva.

31. (CESPE/BACEN/Procurador/2009) O chefe de missão diplomática do país A no país B, por cerca de dois anos, negociou um tratado bilateral entre os dois Estados. Pouco antes de um novo governo assumir o poder no país B, o texto desse tratado foi adotado. Agora, o país B alega que o chefe da missão diplo­mática de A não possuía competência para tal ato. Com relação a essa situação hipotética, assinale a opção correta.(A) O argumento de B é correto, pois o chefe da missão diplomática de A necessitava de

plenos poderes.(B) O argumento de B é correto, pois a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados pres­

creve que qualquer novo governo pode contestar a competência para concluir tratados.

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QUESTÕES - O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 73

1(C) O argumento de B é incorreto, pois a competência para concluir tratados somente pode

ser contestada em tratados multilaterais.(D) O argumento de B é incorreto, pois chefes de missões diplomáticas podem adotar textos,

assinar e ratificar quaisquer tratados entre o Estado acreditante e o Estado acreditado sem a necessidade de apresentação de plenos poderes.

(E) O argumento de B é incorreto, pois chefes de missões diplomáticas podem adotar o texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado acreditado sem a necessidade de apresentação de plenos poderes.

GABARITO

1 - A

DICM 3 - C 4 - D

5 - C 6 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Errada;

4. Errada.

7 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Certa; 4. Errada; 5. Certa.

8 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Errada;

4. Certa.

9 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Certa.

10 - D 1 1 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Errada; 4.

Certa; 5. Errada.

1 2 - 1 . Errada; 2. Certa; 3. Certa; 4.

Errada.

13 - 1. Certa; 2. Errada; 3. Certa.

1 4 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Certa; 4. Errada; 5. Errada.

1 5 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Errada; 4. Certa; 5. Certa.

1 6 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Errada;

4. Certa; 5. Errada.

17 - B 18 - C 19 - B 20 - C

21 - 1. Certa; 2. Certa; 3. Errada; 4.

Errada; 5. Certa.

2 2 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Certa; 4.

Certa; 5. Certa.

23 - A 24 - E

2 5 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Certa; 4.

Errada; 5. Certa.

2 6 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Certa; 4. Errada; 5. Errada.

2 7 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Errada; 4.

Certa; 5. Certa.

28 - E

29 - A 30 - E 31 - E

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PARTE II

SUJEITOS INTERNACIONAIS

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INTRODUÇÃO

Sumário: 4.1 Subjetividade internacional - 4.2 Os Estados - 4.3 As Organizações Internacionais - 4.4 O indivíduo - 4.5 As organizações não governamentais - 4.6 As empresas transnacionais - 4.7 A Santa Sé, a Cruz Vermelha e a Ordem de Malta - 4.8 Os insurgentes, os beiigerantes e os movimentos de libertação nacional.

4.1 SUBJETIVIDADE INTERNACIONAL

Conforme definido, o Direito Internacional Público é o Direito apli­cável à sociedade internacional. Vimos que dela fazem parte os Estados, as organizações internacionais interestatais e os indivíduos e observamos que outros entes dela participam, em que pese não necessariamente serem considerados sujeitos de Direito Internacional, como é o caso das orga­nizações não governamentais, das empresas transnacionais, da Santa Sé, da Cruz Vermelha, dos insurgentes, dos beligerantes e dos movimentos de libertação nacional.

O sujeito de Direito Internacional é a entidade jurídica que goza de direitos e de deveres previstos pelo Direito Internacional e que tem ca­pacidade de atuar na esfera internacional para exercê-los. Do conceito apresentado, constata-se que o sujeito de Direito Internacional é o ente destinatário de normas internacionais atributxvas de direitos ou impositivas de obrigações (o que lhe confere personalidade jurídica internacional) e que também possui capacidade para atuar na vida internacional.

Por muito tempo, nomeadamente desde a Paz de Vestefália (1648) até o Tratado de Versalhes (1919), os Estados foram os únicos e exclusivos

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78 DiREITO INTERNACIONAL para Concursos Púbiicos - Marcelo Pupe Braga

sujeitos de Direito Internacional. Todavia, essa realidade foi profundamente alterada na primeira metade do século XX com o fenômeno da criação das organizações internacionais e em virtude do reconhecimento de direi­tos fundamentais aos indivíduos que extrapolam os limites territoriais do Estado, isto é, com a internacionalização dos direitos humanos.

Deste modo, o Estado teve sua esfera de atuação um pouco reduzida e hoje compõe a sociedade internacional juntamente com as entidades acima referidas. Veremos que as organizações internacionais, em especial, desempenham um papel de fundamental importância em diversas matérias na sociedade internacional (ver capítulo 6 infra).

Os sujeitos de Direito Internacional podem ser classificados em quatro grupos, a saber: (i) os Estados; (ii) as coletividades interestatais; (iii) as coletividades não estatais; e (iv) os indivíduos’.

4.2 OS ESTADOS

Os Estados são os sujeitos originários ou primários da sociedade internacional e, apesar da expansão de atores por esta experimentada, ainda são considerados os mais importantes deles, permanecendo em um patamar de relevância superior aos demais. Afinal, os Estados são os criadores das normas internacionais e destinatários delas. Outrossim, como as normas internacionais não apenas outorgam direitos aos Estados, mas também impõem obrigações, caso as descumpram, incorrem os Estados em responsabilidade internacional.

Desde já, não se deve confundir o Estado com a Nação. A Nação pode ser compreendida por meio das concepções subjetivista e objetivista. Para que haja uma Nação é necessário que a massa humana apresente elementos que unam os seus membros (objetivista), tal como identidade de origem, de tradições e costumes, de raça, de idioma, de cultura, de história e de religião, além de manifestar a vontade de viver em conjunto (subjetivista),

No Estado, por seu turno, não é necessário que a massa humana apresente qualquer unidade de origem, cultura, tradição, raça ou língua. Basta haver uma população estabelecida em um território definido, orga­nizada por um govemo soberano capaz de manter relações internacionais.

1 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 332.

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Cap. 4 -INTRODUÇÃO 79

Cumpre registrar que um mesmo Estado pode comportar uma, duas ou mais nações.

Por força do princípio da igualdade soberana, ao Direito Internacional não importam a extensão territorial, a localização, o tamanho da população e o PIB do Estado. Esses fatores podem ter relevância política, mas não têm importância jurídica no plano internacional. Na verdade, o que interessa ao Direito Internacional é a forma de governo do Estado, pois ele reflete o posicionamento que o Estado assume nas relações internacionais, sobretudo no que diz respeito ao cumprimento dos compromissos contraídos2.

Porque extremamente importantes, trataremos mais detalhadamente dos Estados em seção própria (ver capítulo 5 infra).

4.3 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

As Organizações Internacionais Interestatais são entidades jurídicas constituídas por acordo firmado entre Estados e têm personalidade jurídica própria, isto é, distinta dos seus Estados-membros. Logo, têm capacidade para celebrar tratados com Estados, assim como com outras organizações internacionais3.

São criadas por tratado internacional e, por esta razão, são considera­das sujeitos mediatos ou secundários da sociedade internacional4. Podem ser de âmbito universal ou regional e sua finalidade pode ser específica ou geral.

São exemplos de organizações internacionais a Organização das Na­ções Unidas, a Organização Internacional do Trabalho, a Organização dos Estados Americanos, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, entre outras.

No início do século XX surgiram as primeiras organizações inter­nacionais, porém foi após a Segunda Guerra Mundial que começou um fenômeno de proliferação dessas coletividades estatais. Na sociedade internacional contemporânea elas desempenham papel de expressivo des­

1

2 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 15.3 Conforme a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações

Internacionais e entre Organizações Internacionais de 1986.4 Cf. Ricardo Seitenfus. Manual das organizações internacionais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2005. p. 62.

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80 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

taque nas mais diversas áreas, quais sejam social, política, econômica, científica, humanitária, etc.

Também por serem relevantes, cuidaremos das organizações interna­cionais mais a fundo separadamente (ver capítulo 6 infra).

4.4 O INDIVÍDUO

As irremediáveis violações dos direitos humanos cometidas durante a Segunda Guerra Mundial foram determinantes para que tivesse início um fenômeno de internacionalização dos direitos humanos. É bem verdade que os ordenamentos jurídicos internos dos Estados já consagravam, na altura, direitos fundamentais ao indivíduo, mas como as transgressões foram cometidas pelos próprios Estados durante a guerra, a sociedade internacional percebeu que seria necessário arquitetar mecanismos inter­nacionais de proteção da pessoa humana.

A Carta das Nações Unidas, de 1945, representa o passo inicial de um sólido processo de construção do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Após a Carta das Nações Unidas, foram proclamados a Decla­ração Internacional dos Direitos Humanos (1948), os Pactos Internacio­nais dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e uma série de outros tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, nas esferas universal e regional.

O indivíduo passou, portanto, a ser destinatário de várias normas cujo objetivo é proteger os mais elementares direitos da pessoa humana, que lhe permitam gozar de uma vida fundada nos princípios da igualdade e da dignidade. Além disso, o indivíduo passou a ter o direito de queixa relativamente a violações dos direitos humanos perante os sistemas in­ternacionais, a exemplo do sistema previsto na Convenção Européia dos Direitos do Homem e da Convenção Americana dos Direitos Humanos.

De igual forma, releva notar que o Estatuto de Roma de 1998 que instituiu o Tribunal Penal Internacional consagrou a responsabilidade criminal internacional dos indivíduos que pratiquem os crimes de sua competência5. Quer isto dizer que o indivíduo não só tem direitos no plano internacional, como também obrigações, podendo atuar tanto no polo ativo como no polo passivo nas relações internacionais.

5 Cf. tópico relativo ao Tribunal Penal Internacional (TPI), na parte reservada à proteção internacional da pessoa humana (item 18.5 infra).

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Cap. 4 - INTRODUÇÃO 81

Por conseguinte, não obstante haver posições em contrário6, resta evidente que, nos tempos atuais, o indivíduo é sujeito de Direito Inter­nacional, dotado de personalidade jurídica internacional

Reservamos uma parte do livro destinada à proteção internacional da pessoa humana, em que apresentamos os principais aspectos do Direito Inter­nacional dos Direitos Humanos (ver Parte VI, capítulos 16, 17 e 18 infra).

4.5 AS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS

As organizações não governamentais são entidades jurídicas privadas com finalidades geralmente políticas, sociais e técnicas que, apesar de de­terem personalidade jurídica de direito interno, participam e se manifestam ativamente na sociedade internacional. Podem ser consideradas atores da sociedade internacional, mas não sujeitos do Direito Internacional.

Em regra, as organizações não governamentais atuam na sociedade internacional como forças de pressão em defesa de um determinado objeto, sobretudo em questões de proteção do meio ambiente e dos direitos hu­manos, mas também oferecem auxílio técnico aos Estados e organizações internacionais nas mais diversas áreas de conhecimento. As organizações não governamentais também atuam como observadores em algumas or­ganizações internacionais e é comum fazerem parte das negociações em conferências internacionais para elaboração de tratados7.

São exemplos de conhecidas organizações não governamentais: o Greenpeace, o World Wild Fund fo r Nature - WWF, o Human Rights Watch e a Anistia Internacional.

4.6 AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS

São transnacionais aquelas empresas que possuem filiais em diversos Estados, mesmo que um único Estado ou uma única pessoa detenha ex­clusivamente o seu capital. “Esta terminologia surge nos EUA na tentativa de minimizar as manifestações nacionalistas por ocasião da proliferação de

i

6 Cf. José Francisco Rezek, Direito internacional público, cit., p. 152-154, para quem os indivíduos não têm personalidade jurídica de direito internacionai, porque “não se envolvem, a título próprio, na produção do acervo normativo internacional, nem guardam qualquer relação direta e imediata com essa ordem”.

7 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público , cit., p. 20.

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82 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

empresas norte-americanas no início da década de 50 criando uma falsa impressão de que estas empresas teriam várias nacionalidades.”8

As empresas transnacionais não têm personalidade jurídica de Direito Internacional e, portanto, não são consideradas sujeitos de Direito Interna­cional. Mas não se nega a influência que elas têm sobre o comportamento dos Estados, nomeadamente em função do considerável poder econômico que detêm. Os Estados frequentemente concluem acordos e contratos com essas empresas transnacionais, de modo que elas participam das relações da sociedade internacional na qualidade de atores.

Contudo, vale enfatizar que elas não têm capacidade jurídica para praticar atos internacionais como a conclusão de tratados, tampouco para postular perante tribunais internacionais.

4.7 A SANTA SÉ, A CRUZ VERMELHA E A ORDEM DEMALTA

Julga-se possível definir a Santa Sé como “a expressão jurídico- intemacional da Igreja Católica”9. A Santa Sé possui personalidade jurídica internacional, uma vez que, por meio do Tratado de Latrao celebrado em 1929, a Itália reconheceu “a soberania da Santa Sé, no domínio interna­cional, com os atributos inerentes à sua natureza” (art. 2.°), como também reconheceu “à Santa Sé o direito de representação diplomática, ativo e passivo, segundo as regras gerais do direito internacional” (art. 12). Quer isto dizer que a Santa Sé detém tanto a capacidade de celebrar tratados como de enviar e receber representações diplomáticas.

Restando incontroversa a soberania da Santa Sé, a Cidade do Vaticano passou a ser considerada um Estado. O Papa é, concomitantemente, Chefe do Estado do Vaticano e Chefe da Igreja Católica (Santa Sé). O Estado do Vaticano não é membro de nenhuma organização internacional, mas mantém uma missão permanente de observação na Organização das Na­ções Unidas. Ainda assim, a figura do Papa é exemplo de diplomacia na resolução pacífica das mais graves controvérsias internacionais, sobretudo pelo diálogo que entabula com os Estados envolvidos no sentido de que seja evitado o uso da força10.

1 Cf. Sidney Guerra. Idem, p. 16.9 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público , cit., p. 212.10 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 341.

Page 96: Marcelo Pupe Braga - Direito Internacional Público e Privado - 2º Edição - Ano 2010

Cap. 4 - INTRODUÇÃO 83

A Cruz Vermelha foi oficialmente criada em 1863 por Henri Durant, em função das crueldades praticadas na Batalha de Solfermo, em 1859. O seu objetivo é prestar assistência imparcial às vítimas de guerras e de conflitos armados. Costuma-se afirmar que o Direito Humanitário tem origem na criação da Cruz Vermelha.

Segundo Jorge Miranda, apesar de a Cruz Vermelha não ter sido instituída por tratado e de também atuar por meio de sociedades nacio­nais com personalidade jurídica de Direito Intemo, a sua relevância na ordem jurídica internacional aponta para a sua qualificação como sujeito de Direito Internacional, porém com capacidade limitada11. É de observar, entretanto, que, apesar de admitir sua condição limitada de sujeito de Di­reito Internacional, as características da Cruz Vermelha indicam tratar-se, em última análise, de uma organização não governamental.

A Convenção de Genebra de 1949 sobre a Proteção das Vítimas de Guerra confia à Cruz Vermelha tarefas protetoras que, a princípio, caberiam aos Estados, o que revela o seu caráter sui generis. De referir, por fim, que as pessoas e os locais protegidos com o símbolo da Cruz Vermelha12 gozam de proteção contra qualquer tipo de violência.

A Soberana Ordem de Malta sucede a Ordem de São João de Jerusa­lém, surgida em 1070, cuja finalidade era realizar atividades filantrópicas e assistenciais. Apenas cerca de vinte Estados e a Santa Sé consideram a Ordem de Malta sujeito de Direito Internacional, razão pela qual se diz que ela mais representa um verdadeiro “resquício histórico”13.

4.8 OS INSURGENTES, OS BELIGERANTES E OSMOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL

Estes três grupos fazem parte das chamadas coletividades não esta­tais.

É considerado insurgente o grupo que confronta o Estado com a finalidade de alterar o sistema político mediante a tomada do poder, mas cujo conflito armado não assume grandes proporções, não podendo ser considerado uma guerra civil. Os insurgentes geralmente não controlam

11 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, c it , p. 213.12 São suas insígnias a cruz vermelha sobre o fimdo branco, o crescente vermelho, utilizado

pela Turquia, e o sol vermelho, utilizado pelos países islâmicos.13 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 213.

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84 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

territórios e não demonstram capacidade de eventualmente governar o Estado. Não é líquida a aceitação dos insurgentes enquanto sujeitos de Direito Internacional, mas nem por isso a doutrina despreza a figura, tampouco os considera meros vândalos ou terroristas.

A beligerância, por sua vez, decorre de um conflito interno no Estado, desencadeado por um movimento armado suficientemente organizado por parte da população, com o objetivo de destituir o governo ou de criar um novo Estado. A beligerância se assimila à insurgência, mas dela difere na medida em que os beligerantes devem apresentar capacidade suficiente para exercer poder semelhante ao do Estado que confrontam. Essa capacidade decorre de o grupo sublevado demonstrar ser suficientemente forte para possuir e exercer poderes similares ao do governo, manter autoridade sobre parte do território do Estado e possuir força armada organizada submetida à disciplina militar14. Ademais, o conflito armado assume proporções que lhe permitem ser classificado com uma guerra civil

Reconhecida a beligerância do grupo armado, os membros da socie­dade internacional podem lhe atribuir status de igualdade com o Estado, passando os beligerantes a gozar de direitos relativos ao bloqueio, à captura e à conclusão de tratados, além de terem reconhecidos, ainda que transitoriamente, direitos e prerrogativas, no tocante à guerra, inerentes à condição de Estado. Os beligerantes ficam sujeitos às normas internacio­nais em matéria de conflitos bélicos15, isto é, aplicam-se as leis de guerra ao conflito, os prisioneiros têm tratamento idêntico ao dos prisioneiros de guerra, o governo confrontado não é responsabilizado pelos atos dos beligerantes e os demais Estados devem adotar postura de neutralidade no conflito. Quer isto dizer que, quando os demais Estados reconhecem a beligerância, ao conflito aplicam-se as regras de Direito Internacional.

Por fim, porém não menos importante, faz-se necessário tratar dos movimentos de libertação nacional, cuja notoriedade se deve à consagração do direito à autodeterminação dos povos pela Carta das Nações Unidas, que desencadeou o processo de descolonização na segunda metade do século XX.

O reconhecimento de um grupo enquanto movimento de libertação nacional depende de o movimento exercer algum controle sobre um con­junto de indivíduos que, em sua plenitude, gozem do direito à autodeter-

14 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público , cit., p. 263.

15 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 335.

Page 98: Marcelo Pupe Braga - Direito Internacional Público e Privado - 2º Edição - Ano 2010

Cap. 4 - INTRODUÇÃO 85

rminação. Caso reconhecido o status de movimento de libertação nacional, ao grupo são atribuídos direitos de representação do povo em causa, o que lhe permite celebrar atos em seu nome. Outrossim, o movimento passa a ter legitimidade para o uso da força contra o governo ou Estado do qual pretende se libertar e pode receber apoio de Estados terceiros, ressalvado o princípio da não intervenção. O Direito Humanitário dos Conflitos Armados Internacionais aplica-se ao conflito16. A Organização para a Libertação da Palestina é um exemplo de movimento de libertação nacional, cujo objetivo é o estabelecimento de um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

16 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 346-348.

Page 99: Marcelo Pupe Braga - Direito Internacional Público e Privado - 2º Edição - Ano 2010

O ESTADO

Sumário: 5.1 Conceito - 5.2 Elementos constitutivos: 5.2.1 Povo; 5.2.2 Território; 5.2.3 Governo; 5.2.4 Soberania - 5.3 Classificação - 5.4 Surgimento do Estado - 5.5 Reconhecimento do Estado - 5.6 Reconhecimento do governo - 5.7 Órgãos do Estado nas relações internacionais - 5.8 Extinção e sucessão - 5.9 Direitos e deveres dos Estados - 5 .1 0 Intervenção - 5.11 imunidades.

5.1 CONCEITO

Por ser um fenômeno histórico, sociológico, político e jurídico, o conceito de Estado tem evoluído desde as Polis da Grécia Antiga e das Civitas e Res Publicas de Roma. O termo Estado é oriundo do latim status e foi utilizado pela primeira vez no sentido jurídico e político por Maquiavel em O príncipex.

Para a Ciência Política o Estado pode ser compreendido como “a or­ganização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado”2. Os juristas intemaciona- listas oferecem outras definições.

Segundo Nguyen Quoc Dinh, “o Estado é normalmente definido como uma colectividade que se compõe de um território e de uma po­pulação submetidos a um poder político organizado e caracteriza-se pela soberania”3. Hildebrando Accioly define o Estado como “o agrupamento

1 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 61.2 Cf. Darcy Azambuja. Teoria geral do Estado. 41. ed. São Pauio: Globo, 2001. p. 6.3 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit.,

p. 418.

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humano, estabelecido permanentemente num território determinado e sob governo independente”4.

Sidney Guerra entende que o Estado é uma “organização política des­tinada a manter a ordem social, política e jurídica, zelando pelo equilíbrio, paz, harmonia, num sentido maior, pelo bem-estar social dos administrados, devendo ser levada em conta a existência dos elementos constitutivos, quais sejam: povo, território, governo, soberania e finalidades”5. Para Valerio Mazzuoli, o Estado é “um ente jurídico, dotado de personalidade internacional, formado de uma reunião (comunidade) de indivíduos es­tabelecidos de maneira permanente em um território determinado, sob a autoridade de um govemo independente e com a finalidade precípua de zelar pelo bem comum daqueles que o habitam”6.

A Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres do Estado de 1933 estabelece em seu art. 1.° que “o Estado como pessoa de Direito internacional deve preencher os seguintes requisitos: a) ter uma população permanente; b) possuir um território definido; c) possuir um govemo; d) ter capacidade para estabelecer relações com outros Estados” .

Vê-se, portanto, que para o Direito Internacional a definição do Estado depende dos elementos que o constituem, quais sejam um povo determi­nado, um território definido, um governo e a soberania, sendo certo que, na falta de um deles, não há Estado para o Direito Internacional. A nosso ver, são juridicamente irrelevantes outros aspectos para além destes, tais como sua destinação e suas finalidades7.

5.2 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

5.2.1 Povo

Não existe Estado sem que haja um grupo permanente de indivíduos em sua base territorial, sobretudo porque o Estado é produto da vontade desse agrupamento estável.

4 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual dedireito internacional público, cit., p. 231-232.

5 Cf. Sidney Guerra. Idem, p. 63-64.6 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 353.7 Em sentido contrário, cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 69, e Valerio

de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 359-360.

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Cap. 5 - 0 ESTADO 89

O povo não deve ser confundido com a população. A população é o conjunto de indivíduos estabelecidos em caráter permanente no território do Estado, incluindo estrangeiros e apátridas. O povo é formado pelo conjunto dos nacionais, natos ou naturalizados, do Estado, ainda que residentes no exterior, que representam o elemento pessoal do Estado8.

Logo, a população de um Estado é composta por seu povo e pelas demais pessoas que em seu território tenham se estabelecido permanente­mente, mesmo que estrangeiros ou apátridas. Quer isto dizer que o povo se constitui da comunidade nacional do Estado, isto é, daquelas pessoas que possuem o vínculo jurídico da nacionalidade com o Estado9.

5.2.2 Território

Segundo elemento constitutivo do Estado é o território. Da mesma forma em que não existe um Estado seu um povo, não há Estado sem território. De referir que também não há território estatal sem um povo, razão por que se diz que a relação entre o povo e o território é direta e necessária10. Enquanto aquele é o elemento pessoal do Estado, este é o material

O território é a base física definida do Estado sobre a qual o seu povo encontra-se estabelecido e é nessa porção espacial delimitada (território) que o Estado exerce sua soberania. Por território determinado não se deve entender que são necessárias fronteiras totalmente definidas. Na verdade, o que se exige é o estabelecimento efetivo de uma comunidade política no território, ainda que as suas fronteiras não tenham sido perfeitamente demarcadas. Tome-se como exemplo o caso da Albânia que, em 1913, foi reconhecida por diversos Estados apesar da ausência de fronteiras estabelecidas e de Israel que foi admitido nas Nações Unidas quando suas fronteiras ainda eram disputadas11.

s Cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional, 11. ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 213, para quem “povo: é o conjunto de pessoas que fazem parte de um Estado - é seu elemento humano. O povo está unido ao Estado pelo vínculo jurídico da nacionalidade. População: é conjunto de habitantes de um território, de um país, de uma região, de uma cidade. Esse conceito é mais extenso que o anterior — povo pois engloba os nacionais e os estrangeiros, desde que habitantes de um mesmo território”.

9 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 179.10 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit.,

p. 422.H Cf. Ian Brownlie. Princípios de direito internacional público, cit., p. 85.

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O tenitório de um Estado compreende não apenas o território terrestre propriamente dito, como também as águas que nele se encontram (rios, lagos e lagoas), o subsolo respectivo, certos espaços marítimos adjacentes às suas costas (águas interiores e mar territorial), além do espaço aéreo sobrejacente ao território terrestre e espaços marítimos estatais. Ao Direito Internacional não importam a dimensão territorial do Estado e o tamanho do seu povo. São internacionalmente reconhecidos Estados com microterritórios, cujo povo é pequeno, a exemplo de Luxemburgo e de Liechtenstein.

Os modos de aquisição do território podem ser originários ou deriva­dos. São considerados originários os modos de aquisição de um território quando ele não tem dono, isto é, quando o território é uma terra nullius. Derivados são aqueles modos de aquisição do território que está subme­tido à competência de um Estado. A ocupação e a acessão são modos originários, enquanto a cessão e a conquista são modos derivados.

A ocupação consiste no ato pelo qual um Estado toma posse de um território que não pertence a outro Estado, com o objetivo de submetê-lo à sua soberania. Teve importância no período das grandes navegações e descobrimentos e, para que tivesse conseqüências em âmbito internacio­nal, era necessário verificar a presença do elemento psicológico (animus occupandí) e do elemento material (efetividade da ocupação).

A acessão refere-se ao acréscimo ou à incorporação de uma massa terrestre ao território original do Estado, seja por causas naturais ou por ação humana. Geralmente ocorre por aluvião e formação de ilhas. A soberania estatal passa a ser exercida também na parcela acrescida ao território do Estado.

A cessão repousa no ato ou tratado pelo qual um Estado adquire o território em virtude de transmissão voluntária e definitiva por parte de outro Estado. A cessão pode ser realizada a título gratuito ou oneroso, mas só é considerada perfeita com a efetiva ocupação do território cedido e conse­qüente exercício de competências pelo Estado receptor do território.

A conquista consiste na transferência de parte do território de um Estado derrotado no término da guerra ao Estado vencedor. Ao longo da história, este modo de aquisição derivado do território ocojnreu com fre­quência. Em virtude da proibição do uso da força que vigora na sociedade internacional, a conquista é hoje vedada pelo Direito Internacional.

Definido o território, segundo elemento constitutivo do Estado, afigura- -se necessário analisar as fronteiras e seus modos de traçado.

A fronteira pode ser definida como o limite do território do Estado. O traçado das fronteiras é extremamente importante no jogo das relações

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Cap. 5 - 0 ESTADO 91

internacionais e já desencadeou uma série de conflitos ao longo da his­tória. Consiste em duas etapas diversas: a delimitação e a demarcação. A delimitação, de natureza política e jurídica, é geralmente efetuada por meio de tratado internacional, e é a fase em que os Estados envolvidos fixam a extensão do território. A demarcação tem natureza técnica e nada mais é que a execução material no terreno, do que foi acordado na etapa anterior da delimitação.

Em regra, as fronteiras são estabelecidas conforme os limites natu­rais ou com base em elementos técnicos. No período de descolonização foi bastante utilizado o critério do uti possidetis jaris, segundo o qual a determinação das fronteiras dos Estados oriundos da descolonização deve ocorrer mediante a aceitação e a conservação dos limites territoriais pree­xistentes. O traçado das fronteiras do território é importante por restringir a prática de atos de soberania pelo Estado nos limites estabelecidos.

5.23 Governo

O terceiro elemento constitutivo do Estado é de natureza política: trata-se do governo. O govemo é compreendido como “o conjunto de pes­soas que exercem o poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade” ou, mais precisamente, “o complexo de órgãos que institucionalmente têm o exercício do poder”12.

Um govemo que regule e constitua a ordem política com órgãos encarregados de editar normas e fiscalizar e impor o seu cumprimento no âmbito interno é requisito da existência do Estado. Mas não basta que ele institua os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. É crucial que o govemo tenha efetividade e legitimidade, no sentido de ser dotado de capacidade concreta para o exercício das suas funções. A forma e o regime de govemo não interessam ao Direito Internacional, cabendo ao povo escolher o modo que melhor entender.

5.2.4 Soberania

Por fim, o quarto elemento constitutivo do Estado é a soberania. Imaginar que o fato de um povo se estabelecer permanentemente em um determinado território sujeito à autoridade de um govemo poderia implicar

12 Cf. Norberto Bobbio. Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Dicionário de política, cit., p. 555.

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a identificação de um Estado enquanto pessoa jurídica de Direito Interna­cional Público seria um gravíssimo equívoco. Afinal, esses três elementos estão reunidos, por exemplo, nos Estados federados do Brasil, que não são Estados propriamente ditos para o Direito Internacional13.

Classicamente, três direitos dos Estados revelavam a existência de soberania: o direito de celebrar tratados (jus tractum), o direito de enviar e receber representantes diplomáticos (jus legationis) e o direito de fazer guerra {jus belli)14. Atualmente, a soberania consiste no poder que o Estado tem de impor a ordem no plano intemo, no limite do seu território, assim como na capacidade que ele tem de manter relações internacionais, em pé de igualdade, com os demais membros da sociedade internacional.

O Estado é, portanto, identificado quando o seu governo não se sujeita a qualquer outra entidade que lhe seja superior e não reconhece poder maior que si próprio. Quer isto dizer que este governo é autônomo e in­dependente em relação aos demais da sociedade internacional, não porque suas competências são ilimitadas, mas antes porque nenhuma outra entidade da ordem jurídica internacional possui competências superiores às suas. Em hipótese alguma isto pode significar que o Estado possa se libertar das normas de Direito Internacional. Em verdade, o Estado só é soberano caso se submeta, direta e imediatamente, ao Direito Internacional15.

Se no plano intemo a soberania significa o poder de mando em úl­tima instância numa sociedade16, na esfera internacional, como referido, ela representa a capacidade para manter relações com os demais atores da sociedade internacional.

O princípio da igualdade soberana resulta na formulação de outros princípios que limitam a liberdade de ação dos Estados no plano inter­nacional e caracterizam a ordem jurídica internacional, quais sejam o princípio da não ingerência nos assuntos internos, a proibição da ameaça e do uso da força, a preferência pela resolução pacífica dos conflitos, o dever de cooperação interestatal e a exigência do respeito das normas de Direito Internacional.

Isto posto, a identificação do Estado enquanto pessoa jurídica de Direito Internacional depende, necessariamente, da presença dos quatro

13 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 224.14 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 195.13 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patríck DailSier e Allaín Pellet. Direito internacional público, cit.,

p. 434-435.16 Cf. Norberto Bobbio, NicoSa Matteucci e Gianfranco Pasquino. Dicionário de política, cit.,

p. 1179.

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elementos citados: um povo; um território; um governo; e soberania. Na ausência de um deles, será impossível reconhecer um Estado na esfera internacional.

5.3 CLASSIFICAÇÃO

Para o Direito Internacional, os Estados podem ser classificados em simples, compostos por coordenação e compostos por subordinação.

O Estado simples ou unitário é aquele plenamente soberano no que diz respeito às relações exteriores e que, internamente, não tem divisão de autonomias, muito embora o seu aparelho administrativo possa ser descentralizado. Portugal, Espanha, França, Uruguai, Chile e Japão são exemplos de Estados simples.

O Estado composto por coordenação é aquele constituído pela associa­ção de Estados ou unidades estatais que conservam apenas uma autonomia do plano interno, outorgando o poder soberano externo a um órgão central. Consideram-se Estados compostos por coordenação a União Pessoal, a União Real, a Confederação de Estados e a Federação de Estados.

A União Pessoal é uma reunião acidental e temporária de dois ou mais Estados independentes, sob a autoridade de um soberano comum, mas que só se pode conceber sob a forma monárquica, não mais existindo nenhum exemplo dela17.

A União Real resulta da reunião de dois ou mais Estados que con­servam a sua autonomia, mas que delegam ao mesmo monarca ou chefe de Estado os poderes de representação internacional e, via de regra, comungam dos mesmos interesses em matéria de negócios estrangeiros. Como exemplo, citamos a União Real entre a Dinamarca e a Islândia, que durou de 1918 a 1944.

A Confederação de Estados consiste na associação de Estados sobe­ranos que mantêm sua autonomia e personalidade internacional, com a finalidade de manter a paz entre os Estados confederados e de proteger e defender os interesses comuns. A autoridade central normalmente é denominada de Dieta e não constitui propriamente um governo supremo, mas uma assembleia de plenipotenciários dos Estados federados18.

!7 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Manual de direito internacional público, cit., p. 242.

18 C£ Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Idem, p. 243.

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94 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

A Federação de Estados é o agrupamento permanente de Estados que, mantendo sua autonomia interna, renunciam à capacidade internacio­nal em favor de um órgão central (govemo federal), a quem compete a representação dos Estados federados. São exemplos de Estados Federais os Estados Unidos da América e a República Federativa do Brasil, que o é desde a Constituição da República de 1891.

Existe ainda a figura dos Estados compostos por subordinação, em que se observa uma relação de dependência entre as partes. É o caso dos Estados vassalos, dos Estados protegidos e dos Estados clientes.

O Estado vassalo é aquele que se encontrava no intermédio entre a subordinação e a independência. Sua autonomia interna era reconhe­cida pelo suserano, que lhe cobrava tributos, fornecia auxílio militar e representava-o na esfera internacional.

O protetorado internacional caracterizava-se pela cessão, por tratado, de um Estado a outro ou a outros Estados, da sua administração e deter­minados direitos em troca de uma proteção. O Estado protegido mantinha sua personalidade internacional, do mesmo modo que seu povo mantinha a nacionalidade. Exemplos clássicos são os do Marrocos e da Tunísia que estiveram sob a proteção da França.

Por seu turno, o Estado cliente, considerado quase protegido, outor­gava a outro Estado a defesa de certos interesses próprios, mantendo, entretanto, sua personalidade internacional. São exemplos a atuação norte- -americana em Cuba e no Panamá e a soviética na Polônia, Romênia e Bulgária.

Finalmente, é válido registrar uma associação de Estados sui generis que é a Commonwealth britânica, a qual não se enquadra em nenhuma das modalidades apresentadas. A Comunidade Britânica de Nações é composta por Estados plenamente soberanos que se encontram associa­dos em pé de igualdade, mantendo sua personalidade internacional. Sua finalidade é estabelecer um sistema de cooperação técnica, científica e, sobretudo, política. Seus membros são o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, a Austrália, a África do Sul, o Canadá, a índia, o Paquistão, entre outros.

5.4 SURGIMENTO DO ESTADO

O nascimento do Estado interessa mais à história e à sociologia que ao Direito. Entende-se que, atualmente, a formação de um Estado pode ocorrer de três modos:

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Ca p. 5 - 0 ESTADO 95

(i) por força da separação de parte da população e do território de um Estado existente, subsistindo a personalidade jurídica internacional da pátria-mãe;

(ii) pela dissolução total do Estado, não subsistindo a personalidade inter­nacional do antigo Estado; e

(iii) pela fusão de dois ou mais Estados em um novo Estado19.

5.5 RECONHECIMENTO DO ESTADO

Para identificarmos um Estado enquanto pessoa jurídica de Direito Internacional precisam estar presentes os seus quatro elementos consti­tutivos (povo, território, govemo e soberania). Mas, para que o Estado seja considerado sujeito da sociedade internacional, com capacidade para exercer direitos e prerrogativas e contrair obrigações inerentes a essa con­dição, é necessário o seu reconhecimento por parte dos demais membros da sociedade internacional.

O reconhecimento do Estado é o ato jurídico pelo qual o govemo de um Estado preexistente aceita outro ente como tal. Conforme resolução de 1936 do Instituto de Direito Internacional, o reconhecimento “é o ato livre pelo qual um ou mais Estados reconhecem a existência, em território determinado, de sociedade humana politicamente organizada, independente de qualquer outro Estado existente, e capaz de observar as prescrições do Direito Internacional”20.

Entende-se que o reconhecimento do Estado é um direito seu, uma vez presentes os seus elementos constitutivos21. Logo, o não reconheci­mento apenas acontecerá caso o novo Estado tenha sido criado de forma irregular, em desconformidade com as normas de Direito Internacional, nomeadamente quando violada uma norma do jus cogens22.

O reconhecimento do Estado tem uma dupla função. Em primeiro lugar, demonstra a existência do Estado enquanto sujeito de Direito Internacional. Em segundo lugar, comprova que o Estado detém as condições necessá­

í

19 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 252-253.

20 Vide art. 1 da Resolução sobre o reconhecimento de novos Estados e de novos governos, adotada na reunião de Bruxelas de 1936, do Instituto de Direito Internacional.

21 Em que pese a afirmação de que o Estado tem direito ao reconhecimento, não há nada que indique que os demais Estados tenham o dever de reconhecê-lo, estando o ato de reconhecimento submetido à sua conveniência e oportunidade.

22 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 32-33.

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rias para participar das relações internacionais, sem que a sua existência contraste com os interesses dos Estados que o reconhecem23.

A natureza jurídica do reconhecimento do Estado não é clara. En­quanto uns defendem que o ato tem efeito declarativo, outros argumentam que ele tem efeito constitutivo. Para a teoria constitutiva, defendida por Jellinek, Triepel e Kelsen, a personalidade jurídica do Estado é atri­buída pelo ato do reconhecimento. Para a teoria declaratória, apoiada por Rivier, Cassese, Accioly e, ao que parece, pelo Instituto de Direito Internacional, o reconhecimento implica a mera admissão do Estado na sociedade internacional, isto é, não atribui ao Estado personalidade jurí­dica internacional, mas apenas declara que estão reunidos os elementos necessários para tanto.

Somos da opinião de que o reconhecimento somente representa a acei­tação do novo Estado pelos demais membros da sociedade internacional. A sua personalidade jurídica nasce, na verdade, da reunião dos elementos que são seus pressupostos. No mesmo sentido, a Carta da Organização dos Estados Americanos preceitua que “a existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos outros Estados. Mesmo antes de ser reconhecido, o Estado tem o direito de defender a sua integridade e independência, de promover a sua conservação e prosperidade, e, por conseguinte, de se organizar como melhor entender, de legislar sobre os seus interesses, de administrar os seus serviços e de determinar a juris­dição e a competência dos seus tribunais. O exercício desses direitos não tem outros limites senão o do exercício dos direitos de outros Estados, conforme o direito internacional” (art. 13).

Eduardo Correia Baptista tem uma postura inovadora ao admitir que “o reconhecimento de Estado pode ser meramente declarativo, se estivem reunidos os quatros requisitos factuais tradicionais5’, “mas pode igualmente ser constitutivo quando incide sobre uma entidade que não reúne de forma rigorosa os requisitos factuais estabelecidos pelo Direito Internacional para a formação automática de um Estado, mas cuja população e território não é objecto de um direito por parte de um outro Estado5’24.

O reconhecimento pode ser expresso, por meio de uma declaração unilateral (nota) ou de um tratado, ou tácito, deduzido, por exemplo, do estabelecimento de relações diplomáticas ou consulares ou da celebração de um tratado internacional. O reconhecimento pode ser feito sem condições, hipótese em que será irrevogável, ou condicionado, situação que, caso

23 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 364.24 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 42.

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rnão sejam preenchidos os requisitos estabelecidos, pode caducar. Pode, ainda, ser individual ou coletivo (quando feito pelas Nações Unidas, por exemplo).

No que diz respeito ao reconhecimento coletivo, entende-se que, quando um Estado é admitido enquanto membro das Nações Unidas, to­dos os seus membros, incluindo os que tenham votado contra a adesão, reconheceram aquele Estado25.

5.6 RECONHECIMENTO DO GOVERNO

O governo de um Estado pode ser de Direito (quando constituído nos termos da ordem constitucional) ou de fato (quando investido por força de revolução ou golpe de Estado).

O reconhecimento de govemo não se faz necessário quando a mu­dança do govemo ocorre dentro dos moldes constitucionais, a exemplo das eleições regulares. Contudo, quando a modificação do govemo se deve a situações anormais, como uma guerra civil ou uma revolução, em que ocorre uma violação da ordem constitucional do Estado, é pre­ciso que o novo govemo seja reconhecido pelos membros da sociedade internacional.

O reconhecimento do govemo revela-se importante na medida em que permite à sociedade internacional identificar quem representará o Estado nas suas relações internacionais26. E um ato discricionário, uma vez que os membros da sociedade internacional não se encontram obrigados a reconhecer o novo govemo. Com efeito, tanto podem tardar a fazê-lo, como instrumento de pressão política, como não reconhecê-lo.

Na primeira metade do século XX, duas doutrinas acerca do reconhe­cimento do govemo receberam destaque. A Doutrina Tobar, atribuída ao Ministro das Relações Exteriores do Equador, Carlos Tobar, ensinava que não se deviam reconhecer os governos que tivessem assumido o poder por força de golpes de Estado ou de revoluções mediante violações da ordem constitucional vigente. O novo govemo só poderia ser reconhecido no momento em que demonstrasse ter alcançado a aprovação do povo.

A Doutrina Estrada, de autoria do Secretário de Estado das Relações Exteriores do México, Genaro Estrada, proclamava que o reconhecimento

25 Cf. Ian Brownlíe. Princípios de direito internacional público , cit., p. 103.26 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 81.

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do govemo constituía uma ingerência indevida nos assuntos internos do Estado, em ofensa à sua soberania.

Tendo em vista que o Estado pode escolher livremente o seu sistema político, para efeitos de reconhecimento não interessa qüal a forma do govemo que assumiu o poder. As teorias apresentadas devem ser conju­gadas e julga-se possível concluir que, no presente, para que um novo govemo seja reconhecido pela sociedade internacional, é preciso constatar a presença dos seguintes elementos:

(i) a existência real de govemo aceito e obedecido pelo povo;(ii) a estabilidade do govemo; e(iii) a aceitação, por parte do novo govemo, da responsabilidade pelas

obrigações internacionais do Estado que representa27.

Em síntese, o novo govemo deve demonstrar a sua efetividade e esta­bilidade no plano intemo e, na esfera internacional, mostrar ser cumpridor das suas obrigações e responsabilidades internacionais28.

Vale lembrar, por fim, que desde os anos 80 do século passado verifica- -se um desaparecimento do reconhecimento expresso de govemo, razão pela qual se considera que o reconhecimento expresso é desnecessário na sociedade internacional contemporânea29.

5.7 ÓRGÃOS DO ESTADO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

São quatro os órgãos que representam o Estado internacionalmente: o Chefe de Estado, o Chefe de Governo, o Ministro das Relações Exteriores e as Missões Diplomáticas.

O Chefe de Estado é o órgão por excelência encarregado das relações internacionais, a menos que exista uma declaração formal em sentido di­verso. Cabe à Constituição de cada Estado regular a matéria. No Brasil, o art. 84, VII, da Constituição da República determina ser de competência

21 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 266.

25 Cf. José Francisco Rezek, Direito internacional público, cit., p. 231, para quem a efetividade do govemo depende de resposta positiva às seguintes indagações: “Tem ele controle sobreo território? Mantém a ordem nas ruas? Honra os tratados e demais normas de direito in­ternacional? Recolhe regularmente tributos e consegue razoável índice de obediência?” .

20 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público , cit., p. 55.

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f !privativa do Presidente da República “manter relações com Estados es­trangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos”. No estrangeiro, o Chefe de Estado goza de certas prerrogativas e imunidades, tal como de inviolabilidade pessoal e de imunidade jurisdicional.

Também é possível que o Chefe de Governo seja responsável pela condução das relações exteriores do Estado, sobretudo quanto este seja uma república parlamentarista. Nesses casos, o Chefe de Governo também gozará de algumas prerrogativas e privilégios.

São igualmente órgãos o Ministro das Relações Exteriores (também denominado em alguns Estados de Ministro dos Negócios Estrangeiros) e as missões diplomáticas. O Ministro das Relações Exteriores é quem auxilia o Chefe de Estado (ou de Governo, conforme o caso) na for­mulação e execução da política exterior. Ele é o chefe hierárquico dos funcionários diplomáticos e consulares do Estado. Aqueles representam formal e solenemente o Estado no estrangeiro (ver Parte V infra).

5.8 EXTINÇÃO E SUCESSÃO

Vimos que o Estado nasce quando presentes os seus elementos cons­titutivos (povo, território, governo e soberania). Portanto, parece lógico que no caso de desaparecimento de algum destes elementos o Estado será extinto. Imagine-se, por exemplo, o desaparecimento total do povo ou do território de um Estado arquipélago causado por um violento tsunami. Ou ainda o desaparecimento gradual de um território costeiro por força do aumento do nível dos oceanos, causado pelo aquecimento global

Nas palavras de Eduardo Correia Baptista, “só é possível falar-se em extinção de um Estado quando determinadas alterações que o afectem impliquem, à luz do Direito Internacional, o fim da sua personalidade e a conseqüente extinção de pelo menos parte dos seús direitos e obrigações acompanhada de um fenômeno de devolução sucessória em relação às restantes; isto é, a passagem da restante parte dos seus direitos e obriga­ções para a titularidade de um outro Estado que o Direito Internacional considera com distinto”30.

A extinção pode ser parcial ou total. E total quando um dos ele­mentos constitutivos do Estado desaparece, ocasionando a perda da sua personalidade jurídica internacional Como exemplos de extinção total, têm-se a migração total da população e o desaparecimento do

.J0 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 74.

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100 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

território do Estado. A extinção é dita parcial quando o Estado sofre alguma transformação, mas que não é suficiente para lhe retirar sua personalidade jurídica.

Não é líquida, contudo, a questão da extinção parcial do Estado. Com efeito, alguns autores entendem que a extinção deve ser sempre total, não havendo que falar em extinção parcial, que mais seria uma transformação31.

Nos casos de extinção parcial (ou transformação), fala-se num prin­cípio da continuidade do Estado, segundo o qual o Estado, pelo simples fato de existir, tende a continuar existindo, ainda que sob uma roupagem política diversa ou mesmo quando ocorram significativas modificações na determinação da titularidade da soberania. Na verdade, o princípio da continuidade não diz respeito ao Estado “nominalmente considerado”, mas à extensão territorial ocupada permanentemente por uma comunidade de indivíduos32.

Os modos de extinção ou transformação do Estado são: a anexação, que pode ser total ou parcial, o desmembramento e a fusão.

A anexação total ocorre quando um Estado é inteiramente absorvido por outro, perdendo sua personalidade jurídica internacional É parcial a anexação quando um Estado perde parte do seu território e de sua po­pulação para outro Estado. Ocasiona uma redução da soberania, mas não implica a perda da personalidade jurídica internacional33.

O desmembramento se dá quando o território de um Estado é repartido entre dois ou mais Estados ou quando um Estado se desmembra em duas ou mais partes, dando origem a dois ou mais novos Estados. O Estado originário é extinto e perde sua personalidade internacional.

A fusão resulta da união de dois ou mais Estados, ocasionando a perda da personalidade internacional dos Estados originários em favor do novo Estado. Exemplo clássico de fusão é o surgimento do Reino da Itália, muito embora tenha passado por uma fase inicial de anexação.

A extinção ou a transformação do Estado implica uma série de pro­blemas para o Direito Internacional Público, que o instituto da sucessão procura solucionar. A sucessão de Estados significa a substituição do Es­tado predecessor pelo Estado sucessor, na responsabilidade pelas relações

31 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 390.32 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 289.33 Atualmente, a anexação forçada é proibida pela Carta das Nações Unidas.

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internacionais de determinado território34. A sucessão é verificada quando se dá uma substituição definitiva de um Estado (predecessor ou sucedido) por outro (Estado sucessor) relativamente à soberania de um determinado território, em conformidade com o Direito Internacional35.

Com efeito, o objetivo da sucessão é proteger as relações jurídicas dos Estados, impedindo o seu desaparecimento nos casos em que houver alguma alteração na personalidade internacional36. A sucessão opera-se quanto aos tratados, à nacionalidade, aos bens, arquivos e dívidas e à legislação interna.

No tocante à sucessão em matéria de tratados, duas teorias oferecem diferentes alternativas. A teoria da sucessão automática defende que os tratados concluídos pelo Estado predecessor passam a valer de forma automática no território do Estado sucedido. A teoria da tábula rasa en­tende que o Estado sucessor não está obrigado a aplicar os tratados que se encontravam em vigor no território do Estado predecessor.

Em que pese a Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Matéria de Tratados de 1978 não ser explícita a esse respeito, parece ter consagrado a teoria da tábula rasa. Entende-se, pois, que os tratados internacionais devem ser extintos por força da sucessão de Estados, a menos que determinadas circunstâncias, fortes o suficiente, estabeleçam o contrário37.

Relativamente à nacionalidade, a regra é a de que o novo Estado instala sua nacionalidade sobre o povo do território ocupado38. Logo, tratando- -se de anexação total, a nacionalidade do Estado anexador estende-se à população do Estado anexado e, quando ocorre uma anexação parcial, a nacionalidade do Estado anexador é estendida aos habitantes da parcela territorial anexada.

Todavia, porque não se pode, tampouco se deve impor a um indivíduo nacionalidade que ele não queira, por contrariar o direito que tem toda

í

34 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caselia. Manual de direito internacional público, cit., p. 271.

35 Cf. Ian Brownlie. Princípios de direito internacional público, cit., p. 679. Nos termos doart. 2°, § 1.°, alínea ò, da Convenção de Viena sobre a sucessão de Estados em matériade tratados de 1978, a sucessão é definida como “a substituição de um Estado a outronas responsabilidades internacionais de um território”.

36 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 83.37 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional públicof cit., p. 392.

Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Idem, p. 393.

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102 DIREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

pessoa humana de optar pela nacionalidade, geralmente é concedido aos habitantes do território transferido o direito de opção39.

No que diz respeito à sucessão em matéria de bens, arquivos e dívi­das, há uma Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Matéria de Bens, Arquivos e Dívidas, assinada em 1983, mas que é tida como inaceitável pela doutrina e sequer entrou em vigor, porquanto as quinze ratificações exigidas não foram alcançadas.

Tradicionalmente, os bens públicos são transferidos automaticamente e sem pagamento ao Estado sucessor, enquanto os bens de natureza privada devem ser transferidos mediante pagamento. Os arquivos estatais do Estado predecessor devem ser transferidos sem o pagamento de compensação40.

A questão das dívidas é pouco nítida. A regra geral aponta no sentido de atribuir ao Estado sucessor a obrigação de responder no plano inter­nacional pelas dívidas contraídas pelo Estado predecessor, por meio dos seus representantes legítimos à altura. Entretanto, a prática costuma ser no sentido contrário, haja vista que os Estados sucessores, via de regra, invocam em benefício próprio o direito de repudiar as dívidas contraídas pelo Estado predecessor.

Por último, no que tange à legislação interna, é a noção de soberania que regula a questão. Portanto, entende-se que o Estado predecessor passa a ser regido pelas leis do Estado sucessor, pois ele exerce a soberania plena e exclusiva sobre o seu território.

5.9 DIREITOS E DEVERES DOS ESTADOS

Por serem sujeitos de Direito Internacional Público, os Estados não somente gozam de direitos, como também sobre eles pesam deveres e obrigações no plano internacional. Classicamente, costumava-se atribuir aos Estados soberanos os direitos de celebrar tratados, declarar guerra e enviar e receber representantes diplomáticos. Hoje, o leque de direitos outorgados aos Estados é bem mais amplo.

A doutrina costuma fazer uma divisão segundo a qual os direitos dos Estados podem ser classificados em fundamentais ou essenciais, que são os decorrentes da própria existência do Estado enquanto sujeito de Direito

39 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 278.

40 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Idem, p. 275-276.

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Cap. 5 - 0 ESTADO 103

Internacional, e em direitos acidentais ou secundários, que são aqueles resultantes de um tratado ou do costume internacional, relativos a questões particulares41. No entanto, Hildebrando Accioly alerta para a dificuldade de identificar quais seriam esses direitos fundamentais ou essenciais, ao passo em que defende que só existe um direito fundamental para o Estado e que dele decorrem os demais: o direito à existência42.

Portanto, julgamos possível identificar como direitos fundamentais do Estado o direito à igualdade, o direito à liberdade, o direito ao respeito mútuo, o direito de defesa e conservação e o direito ao comércio inter­nacional, sem embargo do reconhecimento da existência de outros.

O direito à igualdade é incontroverso no Direito Internacional. Juri­dicamente, todos os Estados se encontram em pé de igualdade, indepen­dentemente do tamanho do seu território, população, da sua riqueza ou poderio militar. Nesse sentido, o preâmbulo da Carta das Nações Unidas dispõe que a ONU “é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”. O art. 4.° da Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados de 1933 proclama que os Estados “são juridicamente iguais, gozam dos mesmos direitos e têm a mesma capacidade no seu exercício. Os direitos de cada um não dependem do poder que tenha para assegurar o seu exercício, mas do simples fato de sua existência como pessoa do direito internacional”.

Os resultados jurídicos do reconhecimento da igualdade soberana dos Estados são: nas questões a serem decididas pela sociedade internacional, cada Estado tem direito a um voto de igual valor aos demais; nenhum Estado pode reclamar jurisdição sobre o território de outro Estado sobera­no; e regem a ordem jurídica internacional o princípio da não ingerência nos assuntos internos e o princípio da cooperação43.

O direito à liberdade guarda relação com os fundamentos da sobe­rania. Ele se reflete, no plano intemo do Estado, na liberdade que ele tem de escolher a sua forma de govemo, legislar e aplicar as suas leis para manutenção da ordem e, no plano internacional, de manter relações internacionais com os demais membros da sociedade internacional.

O direito ao respeito mútuo consiste no direito que cada Estado possui de ser tratado com consideração e dignidade pelos demais Estados, quer

í

41 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 84.42 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de

direito internacional público, cit., p. 279.43 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. ídem, p.

281-283.

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104 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

no que diz respeito à sua personalidade internacional, quer em relação ao seu povo e território. O direito ao respeito mútuo decorre do fato de que para que haja um bom relacionamento na esfera internacional os Estados devem tratar-se uns aos outros com o devido respeito e com observância das normas de Direito Internacional44.

Quanto ao direito de defesa e conservação, é importante frisar que ele compreende todas as medidas necessárias à conservação e defesa do Estado, nomeadamente contra as ameaças que comprometam a integridade de qualquer um dos seus elementos constitutivos (povo, território, gover­no e soberania). O direito de defesa e conservação inclui as seguintes prerrogativas: levantamento de fortificações; treinamento das Forças Ar­madas; proibição do trânsito, pelo território nacional, de material bélico; expulsão de estrangeiros nocivos à segurança do Estado; regulamentação da imigração; conclusão de tratados de aliança e acordos de assistência recíproca, entre outras4S.

O direito de defesa e conservação parece ser uma evolução da Teoria da Razão de Estado, elaborada por Giovanni Botero em livro publicado em 1589, para quem a razão de Estado é “o conhecimento dos meios próprios a fundar, conservar e engrandecer um Estado”. Para Botero a necessidade de conservação do Estado justificava qualquer ato praticado com esta finalidade. A atuação do Estado seria justificada desde que útil e conveniente, não importando se implicava violações de normas interna­cionais, porquanto para o tratadista “a necessidade não precisa de lei”46.

Entretanto, o entendimento atual é diverso. O direito de defesa e conservação não justifica todo e qualquer ato praticado pelo Estado, tendo em vista que este direito não o autoriza a praticar atos em violação a normas de Direito Internacional. Com efeito, no exercício desse direito cabe ao Estado agir com proporcionalidade e razoabilidade, lembrando que, em resposta à agressão injusta, atual ou iminente, o Direito Internacional Público admite a legítima defesa individual e a legítima defesa coletiva, nos termos do art. 51 da Carta das Nações Unidas e do art. 29 da Carta da Organização dos Estados Americanos47.

Finalmente, destacamos o direito ao comércio internacional, que decorre do fato de não serem os Estados autossuficientes e conviverem em uma relação de interdependência. Um Estado pode limitar seu comércio inter­

44 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público , cit., p. 85.45 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público , cit., p. 415.46 Cf. Antônio Pedro Barbas Homem. História das relações internacionais, cit., p. 134-

139.47 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Idem, p. 415.

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Cap. 5 - 0 ESTADO 105

nacional de acordo com os seus próprios interesses, mas não pode praticar isolamento e discriminação, tampouco se valer da sua situação para impor a sua vontade nos atos de comércio aos demais Estados mais vulneráveis.

Se por um lado os Estados gozam dos direitos elencados, por outro também possuem deveres no plano internacional, cujo fundamento é a necessidade de coexistência dos Estados. A doutrina costuma dividir os deveres dos Estados entre morais e jurídicos.

Os deveres morais consistem na obrigação de assistência mútua que cabe aos Estados. Guardam relação com o princípio da solidariedade e normalmente dizem respeito a casos de catástrofes naturais, naufrágios, questões humanitárias, etc.

Já os deveres jurídicos são aqueles decorrentes de tratados inter­nacionais, além do respeito às normas e princípios gerais de Direito Internacional, tal como a boa-fé nas relações internacionais, a igualdade soberana, a não ingerência nos assuntos internos, etc. Nas palavras de Hildebrando Accioly, “considerando o direito à existência como o direito por excelência dos estados, deduz-se que o dever por excelência é o de não intervenção”48.

5.10 INTERVENÇÃO

Para o Direito Internacional, intervenção é a ingerência de um Estado nos assuntos peculiares internos ou externos de outro Estado soberano com o objetivo de impor a este sua vontade49. A intervenção é uma violação do Direito Internacional.

O ato de intervenção somente resta caracterizado quando reunidos os seguintes pressupostos:

(i) estado de paz;(ii) ingerência nos assuntos internos e/ou externos;(iii) que o ato seja praticado de modo compulsório;(iv) que a finalidade do Estado que pratique o ato seja impor a sua von­

tade exclusiva;(v) ausência de consentimento do Estado que sofre a intervenção50.

48 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público , cit., p. 314.

49 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. ídem, p. 314.50 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 1, p.

491-492.

i !

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106 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

A intervenção pode assumir diversas formas, das mais explícitas às mais discretas. Pode ser: diplomática (quando praticada por meio de representa­ções verbais ou escritas); armada (quando apoiada pelas Forças Armadas); individual ou coletiva (quando praticada por um ou mais de um Estado); direta ou indireta (a primeira quando se tratar de atos de ingerência efetiva e a segunda quando se prestar a repelir a intervenção de outro ou outros Estados); clara ou oculta (quando o ato é praticado abertamente ou dissi­muladamente); e política ou não política. Releva notar que a intervenção pode se revestir de duas ou mais das formas mencionadas51.

De sublinhar, outrossim, que o dever de não intervenção não parece ser absoluto, haja vista o que demonstra a prática internacional. A bem da verdade, julga-se possível admitir a intervenção em nome do direito de defesa e conservação do Estado, para a proteção dos direitos humanos e para a proteção dos interesses de nacionais no exterior. Nunca é demais lembrar, outrossim, que as intervenções sempre devem ser adotadas com proporcionalidade e razoabilidade.

Em matéria de intervenção, não podemos nos furtar do dever de mencionar duas importantes doutrinas, a saber, a doutrina Monroe e a doutrina Drago.

A doutrina Monroe deve autoria ao ex-presidente dos Estados Unidos da América James Monroe. Resulta de uma mensagem que enviou ao Con­gresso em 1823 e consiste em uma série de princípios relativos à política externa dos Estados Unidos. Os seus princípios fundamentais são:

(i) o continente americano não pode ser sujeito à ocupação por parte de nenhum Estado europeu;

(ii) é inadmissível a intervenção por parte de uma potência européia nos negócios internos ou externos de qualquer Estado americano; e

(iii) os Estados Unidos não intervirão nos negócios de qualquer Estado europeu52.

A doutrina Monroe teve uma dupla face. Por um lado, era não interven- cionista, quando os interesses americanos assim determinavam ou quando a intervenção era contrária às suas aspirações. De outro modo, a doutrina Monroe foi intervencionista, porque por diversas ocasiões os Estados Uni­

51 Cf Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 315-316.

52 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. ídem, p. 327.

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Cap. 5 - 0 ESTADO 107

dos intervieram nos Estados latino-americanos, alegadamente para evitar ingerências indevidas dos europeus, além de os próprios Estados Unidos terem praticado intervenções em Cuba, no México, no Panamá e em outros Estados caribenhos. O certo é que a doutrina Monroe, afastadas as suas imperfeições, consiste, na prática, no princípio da não intervenção.

A doutrina Drago, por sua vez, foi formulada em 1902 pelo então Ministro das Relações Exteriores da Argentina, Luís Maria Drago. É igualmente uma doutrina contrária à intervenção, que pregava que a dí­vida pública de um Estado não poderia motivar uma intervenção armada, sobretudo uma ocupação dos Estados americanos por um Estado europeu. O mérito da doutrina Drago reflete-se na regra ainda em vigor segundo a qual é proibida a cobrança coercitiva de dívidas mediante a intervenção individual de um Estado.

I

5.11 IMUNIDADES

Tema de significativa importância para o Direito Internacional Público é aquele relativo às imunidades dos Estados. Em tópico específico, veremos posteriormente as imunidades dos agentes diplomáticos e dos locais de missão, assim como dos funcionários consulares e dos postos consulares (ver itens 14.6, 14.7 e 15.5 infra). Para já, importam-nos a imunidade de jurisdição e a imunidade de execução do Estado.

A imunidade de jurisdição foi por muito tempo compreendida como um princípio de Direito Internacional que exclui, em certas ocasiões, a possibilidade de um Estado ser submetido à jurisdição interna de outro Estado. Segundo essa concepção, tratar-se-ia de princípio de natureza processual que se opera excepcionalmente, impossibilitando os tribunais estatais de julgarem outros sujeitos de Direito Internacional . Todavia, diante de recentes desdobramentos do tema, tem-se entendido que a imunidade de jurisdição mais parece ser um direito do Estado que uma regra processual propriamente dita. Vejamos.33

O principal fundamento da imunidade de jurisdição do Estado é a existência de uma antiquíssima regra costumeira segundo a qual um Estado soberano não pode ser submetido à jurisdição interna de outro Estado, a menos que expresse o seu consentimento para tanto. Esta é

53 Cf. Júlio González Campos, Luis Sánchez Rodríguez e Paz Andrés Sáeuz de Santa Maria. Curso de derecho internacional público. 3. ed. Madrid: Thomson Civitas, 2003. p. 441.

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108 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

a regra do par in parem non habet jndicium. Quer isto dizer que, com base na igualdade soberana dos Estados, um Estado soberano não pode submeter-se à jurisdição de outro contra a sua vontade.

Por muito tempo prevaleceu a concepção absolutista da imunidade de jurisdição. De acordo com ela, o Estado jamais poderia ser demandado no foro intemo de outro Estado. Ocorre, entretanto, que a concepção absolutista da imunidade de jurisdição foi paulatinamente sofrendo uma flexibilizaçãoS4 e passou-se à adoção de posturas diferentes, a depender da natureza do ato do Estado que desse causa à ação. Explica-se: se o ato era de jure imperii, ou seja, de natureza eminentemente pública, resultante da soberania estatal - ato de império mantinha-se a concepção abso- lutisía da imunidade de jurisdição; mas se o ato era de jure gestionis, de caráter nitidamente privado - atos de gestão entendia-se que o Estado não fazia jus à imunidade de jurisdição, podendo ser demandado no foro local do Estado estrangeiro.

Com efeito, a imunidade de jurisdição relativa firma-se progressi­vamente, sobretudo porquanto a “imunidade absoluta jamais constituiu princípio consuetudinário do direito internacional”. Na verdade, é a imunidade relativa princípio costumeiro do Direito Internacional, porque a prática dos Estados (tanto desenvolvidos com em desenvolvimento) é “suficientemente constante e uniforme nesse sentido”55.

Logo, nos casos em que o Estado estrangeiro atua não na condição de entidade soberana, mas na qualidade de mero particular, praticando atos de natureza privada {jure gestionis), tem-se admitido a possibilidade de ser demandado perante foro estrangeiro. Maiores exemplos no Brasil são as reclamações trabalhistas movidas por ex-funcionários das representações diplomáticas ou postos consulares.

54 Cf. José Francisco Rezek, Direito internacional público, cit., p. 177-178, que nos lembra que “uma Convenção européia sobre a imunidade do Estado, concluída em Basiléia em 1972, exclui do âmbito da imunidade as ações decorrentes de contratos celebrados e exe- qüendos in loco. Dispositivo semelhante apareceria no State Immunity Act, que se editou na Grã-Bretanha em 1978. Lei norte-americana anterior — o Foreign Sovereign Immimities Act, de 1976 - não chegara a esse ponto, mas abolira a imunidade nos feitos relacionados com danos (ferimentos ou morte) produzidos pelo Estado estrangeiro no território local”. Ainda, “no Brasil uma decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada à unanimidade em maio de 1989, assentou que o Estado estrangeiro não tem imunidade em causa de natureza trabalhista (Apelação Cível 9.696, RTJ 133/259). A corte considerou insubsistente a norma costumeira que outrora garantira a imunidade absoluta, e portanto desaparecido o único fundamento que vinha justificando a extinção liminar do processo”.

55 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Manual de direito internacional público, cit., p. 339.

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Cap. 5 - 0 ESTADO 109

lA ementa abaixo confirma ser esse o entendimento do Tribunal Su­

perior do Trabalho:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EMBAIXA­DA DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. ESTADO ESTRAN­GEIRO. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO RELATTVIZADA. É entendimento jurisprudencial desta Corte Especializada que a imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros é relativa, em relação às demandas que envolvam atos de gestão, e em que se debate o direito a parcelas decorrentes da relação de trabalho. Na hipótese, sendo a Reclamada pessoa jurídica de Direito Público Externo, Estado estrangeiro, não se há falar em imunidade de jurisdição. Agravo de instrumento desprovido” (TST, ó.a Turma, AIRR 83140-02.2003.5.10.0008, Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, j. 26.05.2010, DJ 04.06.2010).

De referir que há um projeto de Convenção sobre Imunidades dos Es­tados elaborado pela Comissão de Direito Internacional que, conjugado com a Convenção Européia sobre as Imunidades dos Estados de 1972, permitem- -nos concluir que os Estados estrangeiros não fazem jus às imunidades:

(Í) quando atuam como particular em atividades industriais, comerciais, financeiras ou de prestação de serviços;

(ii) em litígios relativos a contratos de trabalho ou de prestação de serviços celebrados com indivíduos nacionais ou residentes no Estado do foro, em que o trabalho ou serviço seja nele executado;

(iü) em ações de indenização por danos causados a pessoas ou bens no território do Estado do foro, caso seja apurada a responsabilidade do Estado estrangeiro;

(iv) em processos que envolvam direitos reais;(v) ao participar de uma sociedade comercial ou outro ente com persona­

lidade jurídica que tenha sede, filial ou agência no Estado do foro, em conflitos relativos ao relacionamento do Estado com a própria sociedade; entre outras hipóteses56.

Além dessas situações, uma pequena parcela de Estados tem excep­cionado atos de jure imperii da abrangência da imunidade de jurisdição, quando eles violem regras do Direito Internacional dos Direitos Humanos, isto é, decorrentes das normas cogeníes do Direito Internacional Público (jus cogens). Contudo, tais hipóteses ainda não configuram uma prática

36 Cf. Laerte Meyer de Castro Aives. Imunidades de jurisdição dos Estados estrangeiros em matéria trabalhista no Brasil. Lisboa, 2005. Reiatório de Mestrado depositado na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 16-17.

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110 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

geral dos Estados que permita sua configuração enquanto regra costumeira do Direito Internacional Público57.

No passado, as ações movidas contra Estados estrangeiros no Brasil eram liminarmente extintas, sem que a parte demandada sequer fosse citada. Atualmente, prevalece o entendimento de que o Estado deve ser citado, ainda nos casos em que o Estado atuou como ente soberano (pra­ticando ato de jure imperii), cabendo a ele manifestar se aceita ou não a jurisdição brasileira, conforme recente decisão abaixo:

“DIREITO PROCESSUAL E DIREITO INTERNACIONAL. PROPO- SITURA, POR FRANCÊS NATURALIZADO BRASILEIRO, DE AÇÃO EM FACE DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA VISANDO A RECEBER INDENIZAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS POR ELE E POR SUA FAMÍLIA, DE ETNIA JUDAICA, DURANTE A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO FRANCÊS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. SENTENÇA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU QUE EXTINGUIRA O PROCESSO POR SER, A AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA, INTERNACIONALMENTE INCOMPETENTE PARA O JULGAMENTO DA CAUSA. REFORMA DA SENTENÇA RECORRIDA. A imunidade de jurisdição não representa uma regra que automaticamente deva ser aplicada aos processos judiciais movidos contra um Estado estrangeiro. Trata-se de um direito que pode, ou não, ser exercido por esse Estado. Assim, não há motivos para que, de plano, seja extinta a presente ação. Justifica-se a citação do Estado estrangeiro para que, querendo, alegue seu interesse d e não se submeter à jurisdição brasileira, demonstrando se tratar, a hipótese, de prática de atos de império que autorizariam a invocação desse princípio. Recurso ordinário conhecido e provido” (STJ, 3.a Turma, RO 64/SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. 13.05.2008, DJ 23.06.2008).

Em outras palavras, quer isto significar que no entendimento atual da jurisprudência, a imunidade de jurisdição não é uma regra processual, mas um direito do Estado que, querendo, poderá invocá-lo nos tribunais estrangeiros.

Além da imunidade de jurisdição, o Estado também se beneficia da imunidade de execução$%. Em virtude da imunidade de execução que de­tém o Estado, os seus bens destinados aos fins da soberania (tais como os afetados às missões diplomáticas e postos consulares) não podem ser

57 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público , cit., p. 148.58 Note-se que as imunidades de jurisdição e de execução são autônomas e independentes.

Por serem diferentes, não podem ser confundidas.

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Cap. 5 - 0 ESTADO 111

objeto de medidas de execução. Esta imunidade é, inclusive, prevista nas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e sobre Relações Consulares de 1963.

Há muitos debates acerca da imunidade de execução, nomeadamente no que diz respeito ao impacto político que a relutância de um Estado em cumprir uma decisão proferida em processo regular por autoridade competente do Estado estrangeiro causa no cenário internacional. Ainda assim, existem casos em que o Estado é regularmente condenado na ju­risdição estrangeira, mas se recusa a cumprir a decisão.

Diversamente do que se verificou com a imunidade de jurisdição, a imunidade de execução ainda é, por muitos, considerada absoluta. A própria Convenção Européia de 1972 proíbe as medidas de execu­ção contra os bens de propriedade de um Estado-parte na Convenção sem o seu consentimento. Por esta razão é que se costuma afirmar que a imunidade de execução é a última “fortaleza” das imunidades estatais59.

No Brasil, ainda há divergências a respeito. Em decisão mono- crática proferida em agosto de 2000, o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, asseverou que “o Supremo Tribunal Federal, tratando-se da questão pertinente à imunidade de execução (matéria que não se confunde com o tema concernente à imunidade de jurisdi­ção ora em exame), continua, quanto a ela (imunidade de execução), a entendê-la como sendo de caráter absoluto, ressalvando as hipóte­ses excepcionais (a) de renúncia, por parte do Estado estrangeiro, à prerrogativa da intangibilidade dos seus próprios bens [...] ou (b) de existência, em território brasileiro, de bens, que, embora pertencentes ao Estado estrangeiro, sejam estranhos, quanto à sua destinação ou utilização, às legaçoes diplomáticas ou representações consulares por ele mantidas em nosso País”60.

De acordo com a transcrita decisão, observa-se que, a princípio, o Estado estrangeiro não gozaria da imunidade de execução relativa­mente aos seus bens não afetados às missões diplomáticas e postos consulares. Por este motivo é que se pode defender que a imunidade de execução não seria absoluta, mas sim relativa, uma vez que não surtiria efeitos em relação aos bens de Estado não destinados aos fins

59 Cf. Hazei Fox. The Law o f State Immunity. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 368.

60 STF. Ação Cível Originária 575, Decisão monocrática proferida em l.°8.2000 e publicada no Diário da Justiça em 18.9.2000.

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<112 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

da soberania61. Mas em sentido oposto o Supremo Tribunal Federal também decidiu:

“IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL MOVIDA PELA UNIÃO CONTRA. A REPÚBLICA DA CORÉIA. É da jurispru­dência do Supremo Tribunal que, salvo renúncia, é absoluta a imunidade do Estado estrangeiro à jurisdição executória: orientação mantida por maioria de votos” (STF, ACO-AgR 543/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30.08.2006, DJ 24.11.2006).

Ao que parece, o consenso está apenas em admitir como exceção à imunidade de execução a renúncia manifestada pelo próprio Estado estran­geiro demandado, o que sustenta a tese do seu caráter absoluto. Apenas quando se constatar uma prática geral e uniforme dos Estados ou mesmo se for concluído um tratado internacional universal no sentido de afastar a imunidade de execução relativamente aos bens dos Estados estrangeiros não destinados às legações diplomáticas e funções consulares, é que será possível defender o seu caráter relativo. Do contrário, a imunidade de execução continuará sendo considerada absoluta.

Por fim, vale registrar que os Estados podem renunciar às imunidades expressamente ou pela sua conduta. A renúncia por ocorrer por tratado ou por comunicação diplomática (espécies de renúncia expressa), ou ainda pela submissão ao processo instaurado em um tribunal estrangeiro (renúncia tácita). Todavia, entende-se que o consentimento do Estado em sujeitar-se à jurisdição estrangeira não implica renúncia à imunidade de execução. Com efeito, ainda que o Estado tenha renunciado à imunidade de jurisdição, é preciso uma nova renúncia relativamente à imunidade de execução62.

61 Cf. Antenor Pereira Madruga Filho. A renúncia à imunidade de jurisdição pelo Estado brasileiro e o novo direito da imunidade de jurisdição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 309.

62 Cf. Michael Akehurst. Introdução ao direito internacional. Tradução de Fernando Ruivo. Coimbra: Almedina, 1985. p. 150.

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AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Sumário: 6.1 Introdução - 6.2 Conceito e características - 6.3 Tratado constitutivo - 6.4 Classificação - 6.5 O princípio da especialidade e a teoria das competências implícitas - 6.6 Composição - 6.7 Órgãos das organizações internacionais - 6.8 Autonomia - 6.9 Processo decisório - 6.10 Admissão e retirada de Estados-membros - 8.11 A União Européia - 6.12 O Mercado Comum do Su! (Mercosul).

6.1 INTRODUÇÃO

Se é verdade que o fenômeno da multiplicação universal das organi­zações internacionais teve início após a Segunda Guerra Mundial, não se pode afirmar que, antes disso, não havia organizações internacionais. Há quem defenda que as Anfictionias ou as Ligas da Grécia Antiga são an­tepassadas das organizações internacionais contemporâneas. Obviamente, apenas depois de o Estado adquirir sua concepção atual e se consagrar como forma fundamental da organização das sociedades humanas é que as organizações internacionais modernas começam a se desenvolver1.

Vale lembrar que no período entre o Congresso de Viena (1815) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foram criadas as seguintes organi­zações internacionais: a Comissão Fluvial do Reno (1831), a Comissão Européia do Danúbio (1856), a União Telegráfica Universal (1865), o Bureau Internacional de Pesos e Medidas (1875), a União Postal Uni­versal (1878) e a União para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas (1883)2.

! Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Peílet. Direito internacional público, cit., p. 588.

2 Cf. Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro. A Organização das Nações Unidas. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 23.

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114 DfREITO (NTERNACiONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

A criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Socie­dade das Nações (SDN) pelo Tratado de Versalhes de 1919 representa um indício da percepção que tiverem os Estados da necessidade de criação de entidades interestatais que pudessem auxiliá-los nas mais diversas questões relevantes à sociedade internacional Com efeito, os Estados perceberam que não mais eram capazes de resolver determinados problemas sem a colaboração desses organismos internacionais.

Mas é de fato o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, que representa o boom da chamada institucionalização da sociedade internacional, sobretudo pela criação de diversos organismos especializados que integram o sistema da ONU, a exemplo da Organiza­ção para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

Atualmente, as organizações internacionais são essenciais para a sociedade internacional e representam a quebra do paradigma do Estado enquanto único sujeito da sociedade internacional, que predominou por séculos na história das relações internacionais.

6.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

As organizações internacionais são “uma associação voluntária de sujeitos de Direito Internacional, constituída por ato internacional e disci­plinada nas relações entre as partes por normas de Direito Internacional, que se realiza em um ente de aspecto estável, que possui ordenamento jurídico interno e é dotado de órgãos e institutos próprios, por meio dos quais realiza as finalidades comuns de seus membros mediante funções particulares e o exercício de poderes que lhe foram conferidos”3.

Mais sinteticamente, julga-se possível definir a organização interna­cional como uma associação de sujeitos de Direito Internacional, consti­tuída por tratado, dotada de uma constituição e de órgãos comuns, que possui personalidade jurídica internacional própria, isto é, distinta dos seus membros.

Logo, são as seguintes as características de uma organização interna­cional: (i) associação de sujeitos de Direito Internacional; (ii) criada, ordi­nariamente, por tratado multilateral; (iii) tem finalidades internacionalmente relevantes; (iv) duração indeterminada ou, ao menos, longa; (v) possui

Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 103.

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Cap. 6 -A S ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 115

órgãos próprios; (vi) é dotada de personalidade jurídica internacional; (vii) tem capacidade correspondente aos seus objetivos4.

6.3 TRATADO CONSTITUTIVO

As organizações internacionais são sujeitos secundários do Direito Internacional, na medida em que sua criação, em regra, depende da von­tade dos sujeitos originários - os Estados. Quer isto dizer que o nasci­mento de uma organização internacional dá-se por meio de um tratado internacional multilateral5.

Muito embora não emane de qualquer poder constituinte, mas antes da vontade conjunta dos seus membros instituidores, o tratado constitu­tivo de uma organização internacional se assemelha, em certa medida, às Constituições dos Estados, porquanto define os objetivos da organização e estabelece o ordenamento próprio para a consecução desses objetivos.

Em que pese serem tratados multilaterais, os atos constitutivos das organizações internacionais possuem características peculiares, compa­rativamente a outros tratados internacionais gerais, a saber: (i) têm, em regra, primazia sobre outros tratados concluídos pelos Estados-membros ou pela própria organização; (ii) devem ser aceitos integralmente pelas partes signatárias, porque o instituto das reservas é inaceitável; (iii) im­põem problemas específicos de interpretação, tendo em vista que, além de terem caráter convencional, também possuem natureza institucional;(iv) a sua revisão nem sempre depende da unanimidade dos membros, podendo ser levada a cabo por maioria qualificada das partes6; (v) não têm prazo determinado, tendo em vista pressuporem o desejo dos membros de permanência da organização; e (vi) devem dispor, no mínimo, os fins, a estrutura e as competências da organização7.

I

4 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público , cit., p. 235.5 O tratado constitutivo de uma organização internacional pode assumir várias denominações,

e.g., Pacto, Estatuto, Constituição, Carta, etc.6 Assim dispõe o art. 108 da Carta das Nações Unidas: “As emendas à presente Carta en­

trarão em vigor, para todos os membros das Nações Unidas, quando forem adotadas pelos votos de dois terços dos membros da Assembléia Geral e ratificadas, de acordo com os seus respectivos métodos constitucionais, por dois terços dos membros das Nações Unidas, inclusive todos os membros permanentes do Conselho de Segurança”.

7 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 596-598; Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro. A Organização das Nações Unidas, cit., p. 39-40, e Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 237.

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116 DIRESTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

É o tratado constitutivo que, explícita ou implicitamente, direta ou indiretamente, confere à organização personalidade jurídica própria, opo- nível não só aos Estados-membros, como também a terceiros Estados e a outros sujeitos de Direito Internacional8. Sua personalidade jurídica é que lhe confere competências (poderes funcionais para alcançar suas finalidades), as quais, no entanto, são limitadas pelos fins da organização, de acordo com o princípio da especialidade9.

Entre as competências, ou poderes funcionais, da organização a que mais se destaca é, sem sombra de dúvida, a competência para celebrar tratados internacionais. Esta competência é que possibilita concretizar o princípio da cooperação na sociedade internacional. O assunto foi codifica­do pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986, que deixa claro que a capacidade para celebrar tratados internacionais não é exclusiva dos Estados.

Para além desta competência de celebrar tratados, entende-se que as orga­nizações internacionais têm os poderes de debater, de decidir e de agir10.

6.4 CLASSIFICAÇÃO11

São diversos os critérios passíveis de utilização para efeitos de clas­sificação das organizações internacionais.

No que diz respeito às suas finalidades, as organizações podem ter fins gerais ou específicos. A Organização das Nações Unidas, a Orga­nização dos Estados Americanos e a União Africana são exemplos de organizações internacionais de fins gerais, porque desempenham suas atividades nos mais diversos assuntos internacionalmente relevantes, no limite, evidentemente, das suas finalidades. Assim, as Nações Unidas desempenham funções relacionadas com a manutenção da paz e da se­gurança internacionais e a União Africana desenvolve projetos e missões para a promoção da democracia, do desenvolvimento e do respeito dos direitos humanos na África.

Por sua vez, as organizações internacionais de fins específicos são aquelas constituídas para cooperar em matérias razoavelmente delimitadas,

8 Cf. Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro, Idem, p. 41, para os quais “hoje reconhece- se que mesmos as organizações regionais detêm uma personalidade jurídica internacional erga ornnes",

9 Cf. Jorge Miranda. Idem, p. 240-241.10 Cf. Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro. Idem, p. 159-202.11 Cf. Ricardo Seitenfus. Manual das organizações internacionais, cit., 2005, p. 44-51.

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Cap. 6 -A S ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 117

como é o caso da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciên­cia e Cultura, da Organização Internacional do Trabalho e da Organização da Aviação Civil Internacional, cujas capacidades de atuação limitam-se às suas finalidades específicas.

Quanto ao âmbito de atuação, as organizações internacionais podem ter alcance universal ou regional. As organizações internacionais de alcance uni­versal são aquelas que admitem o ingresso de qualquer Estado, independente­mente da sua localização geográfica, de critérios políticos ou culturais, porque visam compreender a totalidade dos Estados. Por outro lado, as organizações de alcance regional são as que permitem o ingresso apenas de determinados Estados, conforme critérios geográficos, políticos ou culturais. É o caso da União Africana, da qual só podem participar Estados africanos.

Releva notar que tanto uma organização internacional de fins gerais pode ter alcance regional, a exemplo da Organização dos Estados Americanos, como uma organização internacional de fins específicos pode ter alcance universal, como ocorre com a Organização Mundial do Comércio. Outrossim, uma organização internacional de fins gerais pode ter alcance universal (ONU) e uma organização de fins específicos pode ter alcance regional (Nafta).

Também se julga possível classificar as organizações como indepen­dentes, caso não possuam vínculo com qualquer ordem jurídica interna, ou como dependentes, hipótese em que, além de deverem respeitar o Di­reito Internacional, devem obedecer a determinadas regras de uma ordem jurídica interna. A União Postal Internacional, por exemplo, sujeita-se à fiscalização por parte do Govemo da Suíça12.

Finalmente, quanto à participação de Estados, as organizações inter­nacionais podem ser abertas ilimitadamente, se permitirem a admissão de qualquer Estado, abertas limitadas, caso estabeleçam algum critério para a admissão de novos membros (como o idioma oficial - caso da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP), ou fechadas, se não permitirem o ingresso de qualquer outro membro, senão os que participaram originariamente da sua instituição.

6.5 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE E A TEORIA DASCOMPETÊNCIAS IMPLÍCITAS

De acordo com a Corte Internacional de Justiça, as organizações internacionais são sujeitos de Direito Internacional que, diferentemente

I

12 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 503.

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118 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

dos Estados, não possuem competência genérica. Entende a Corte que as organizações internacionais se regem pelo princípio da especialidade, segundo o qual as competências que lhes foram outorgadas pelos Estados que a criaram são limitadas conforme as atribuições que lhes competem, isto é, pelos seus objetivos33.

Quer isto dizer que, consoante o princípio da especialidade, as or­ganizações internacionais dispõem apenas de competências necessárias à consecução dos seus objetivos. Logo, a prática de ato com intuito de prosseguir fins que se encontram fora do âmbito das atribuições da orga­nização deve ser considerada uma violação do tratado constitutivo14.

Em primeiro lugar, cumpre questionar até que ponto o princípio da especialidade se coaduna com a atribuição de fins gerais à organização internacional. A doutrina entende não existir incompatibilidade entre o princípio da especialidade e o fato de atribuir objetivos muito gerais ou ambiciosos a uma organização internacional (tome-se como exemplo a Organização das Nações Unidas ou a Organização dos Estados America­nos). Relativamente a tais entidades, o princípio da especialidade impõe que elas devem abster-se de extrapolar as atividades que correspondem às suas finalidades para se imiscuir nos assuntos internos dos Estados. Com efeito, o seu eco encontra-se no princípio da competência nacional exclusiva, previsto no art. 2.°, n.° 7, da Carta das Nações Unidas15.

O segundo ponto de interesse consiste no fato de que a adoção in­flexível do princípio da especialidade das competências das organizações internacionais pode resultar na sua relativa ineficácia, na medida em que, por mais preciso e cuidadoso que pudesse ser o tratado constitutivo da organização internacional, é simplesmente impossível definir todas as suas competências de forma minuciosamente completa.

Na verdade, as evoluções impostas pela prática demonstraram que condicionar a atuação das organizações internacionais à estrita obediên­cia do seu ato constitutivo pode tomá-las relativamente ineficazes. Disto resultou a criação da teoria das competências implícitas.

A teoria das competências implícitas traduz-se na ideia de que, se o tratado constitutivo da organização internacional estabeleceu uma atri­buição sem simultaneamente lhe conferir a competência necessária para

13 Cf. o parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça sobre a legalidade do uso deamnas nucleares em conflitos armados pelos Estados. Legality o f the use by a State o fnuclear weapons in armed conflicts. ICJ Reports, 1996, par. 25.

14 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público , cit., p. 272.15 Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público , cit., p.

637.

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Cap. 6 - AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 119

a sua execução, deve-se entender que por força do objetivo confiado à organização deve-se reconhecer como implícita a competência (ou o poder) para a consecução do dito objetivo16.

A teoria em apreço foi consagrada em parecer da Corte Internacional de Justiça de 1949, para quem “segundo o Direito Internacional, a Organização deve ser considerada como possuindo estes poderes que, se não estão expres­samente enunciados na Carta, são, por uma conseqüência necessária, conferidos à Organização enquanto essenciais ao exercício das funções desta”17.

Com efeito, a teoria dos poderes implícitos não é mais que um prin­cípio que permite uma interpretação um pouco mais alargada dos tratados constitutivos das organizações internacionais. Claro está, porém, que se deve evitar sua utilização abusiva ou para violações do Direito Internacional.

6.6 COMPOSIÇÃO

As organizações internacionais são compostas por membros originários e por membros admitidos. Os primeiros são partes no respectivo tratado constitutivo, enquanto estes são os que ingressaram na organização após a sua criação.

Em regra, apenas os Estados são membros das organizações internacio­nais. Entretanto, a prática demonstra que entidades de natureza semelhante também podem ser membros, a exemplo da União Européia, que é parte no Protocolo de Marraquexe de 1994 que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Jorge Miranda lembra que os membros de uma organização interna­cional têm para com ela direitos e deveres. Os principais direitos são o de participação na formação da vontade e na vida interna da organização e os principais deveres são o de acatar as suas decisões e o de contribuir financeiramente para o seu orçamento18.

6.7 ÓRGÃOS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Assim como qualquer entidade coletiva, as organizações interna­cionais atuam por meio de órgãos, conforme instituído em seus tra­

I

16 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., v. 2, p. 276-277.17 Cf. Reparation fo r injuries suffered in the service o f the United Nations. ICJ Reports,

1949, p- 182.18 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 237.

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120 DíREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

tados constitutivos. Ao menos dois órgãos parecem ser indispensáveis a qualquer organização internacional: uma assembleia geral e uma secretaria19.

A assembleia geral, de caráter não permanente, consiste em um fórum no qual os Estados-membros da organização têm direito a debater e à votar em pé de igualdade. Em regra, assume a competência normativa ou legislativa da organização e é responsável pelos mais variados assuntos de atribuição da organização. Na assembleia geral, que se reúne ordi­nariamente uma vez por ano, podendo haver reuniões extraordinárias a depender das circunstâncias, os Estados se fazem presentes por meio de representantes que lá exprimem a sua vontade parcial.

A secretaria, por sua vez, é o órgão de administração por excelência da organização e funciona em caráter permanente. Nela os servidores, embora geralmente nacionais dos Estados-membros, devem adotar uma postura de imparcialidade e neutralidade no exercício das suas fun­ções.

Nada obsta que a organização possua mais órgãos, sobretudo quando a sua complexidade e dimensão assim exigirem. Veja-se, por exemplo, o caso das Nações Unidas, composta por seis principais órgãos (a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Secretariado, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e a Corte Internacional de Justiça) e diversas comissões especializadas (ver capítulo 7 infra).

6.8 AUTONOMIA

Não obstante compostas por um número variável de Estados soberanos, é indispensável que, para o exercício das atribuições que lhes competem, as organizações tenham autonomia em relação aos respectivos Estados- -membros. Esta autonomia decorre do reconhecimento da personalidade jurídica internacional da organização, que em hipótese alguma pode ser confundida com a personalidade dos seus membros.

O reconhecimento da autonomia das organizações é perceptível em várias situações. Uma delas é a de que a ordem jurídica da organização internacional é própria, distinta dos sistemas dos Estados-membros. As organizações internacionais têm o direito de legação independente dos Estados-membros, na medida em que pode enviar e receber representantes

19 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público , c it , p. 250.

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Cap. 6 - AS ORGANIZAÇÕES INTERNACiONAfS 121

diplomáticos, conforme sua vontade própria. Além disso, em que pese os Estados-membros participarem da formação da vontade da organização, esta vontade, uma vez manifestada, é da própria organização, de natureza autônoma às vontades dos seus membros.

Ademais, a autonomia das organizações internacionais é verificável nas questões financeiras, uma vez que, embora o seu orçamento dependa das contribuições dos Estados-membros, à organização compete decidir, mediante procedimentos próprios e com independência, como utilizará os seus recursos financeiros, sendo para tanto irrelevante o peso da contri­buição de um determinando membro, ao menos em tese.

Também como reflexo da autonomia das organizações internacionais estão os privilégios e as imunidades assegurados à organização e aos seus representantes20. Com a finalidade de assegurar o eficaz desempenho de funções, as organizações internacionais gozam de imunidades e privilégios em relação aos seus bens, pessoal, estabelecimentos e representantes dos Estados acreditados junto à entidade em causa.

6*9 PROCESSO DECISÓRIO

As organizações internacionais atuam por meio dos seus órgãos. Logo, as suas deliberações e decisões são geralmente adotadas mediante votações nas assembleias gerais ou em algum outro órgão, conforme o tratado constitutivo. Claro está, porém, que, embora os Estados-membros participem em conjunto da formação da vontade da organização, uma vez manifestada a decisão da organização, esta é autônoma em relação às vontades dos Estados-membros.

Entende-se que o processo decisório das organizações internacionais pode ocorrer de quatro formas:

(i) sistema da unanimidade: por ele, todos os Estados concordam em cumprir as decisões da organização;

(ii) sistema da dissidência: de acordo com o qual determinada resolução não se aplica aos Estados que não a tenham aprovado, mas apenas aos demais Estados não dissidentes;

2C Cf. Convenção de Viena sobre a Representação dos Estados nas suas Relações com as Organizações Internacionais de Caráter Universal de 1975.

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122 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(iii) sistema do voto ponderado: consiste na situação em que o voto de um Estado vale mais que o de outros, separando-se do princípio da igualda­de. É o que ocorre no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em que os membros permanentes podem vetar as decisões adotadas pela maioria, ou mesmo pela unanimidade dos demais membros; e

(iv) sistema da maioria simples e da maioria qualificada: no primeiro prevalece a vontade da metade mais um dos votantes e, no segundo, exige-se a vontade de dois terços dos votantes21.

6.10 ADMISSÃO E RETIRADA DE ESTADOS-MEMBROS

Como visto, os membros das organizações internacionais são ori­ginários ou admitidos. Os primeiros integram o tratado constitutivo da organização, ao passo que o segundo ingressa na organização depois do seu nascimento.

A admissão de novos Estados-membros em uma organização é disci­plinada pelo seu tratado constitutivo, mas sempre aborda três questões: (i) o preenchimento das condições prévias do ingresso, como a localização geográfica do Estado (a Carta da OEA está aberta à adesão apenas de Estados americanos); (ii) a adesão ao tratado constitutivo da organização (lembrando que não se permite a adesão com reservas); e (iii) a aceitação da adesão de novo Estado por parte dos Estados-membros (a admissão de novos membros às Nações Unidas, por exemplo, depende de aprovação da Assembleia Geral, após recomendação do Conselho de Segurança)22.

No que diz respeito à retirada voluntária de Estados-membros de uma organização internacional cujo tratado constitutivo permita a denúncia, é necessário que o Estado faça um pré-aviso à organização da sua denúncia (cujo prazo, no caso da OEA, é de dois anos contados da data do recebi­mento da denúncia pela Secretaria Geral) e que regularize as suas contas com a organização, ou seja, esteja quite em relação às suas obrigações financeiras. Claro está, todavia, que a denúncia do tratado constitutivo não prejudica, em hipótese alguma, a validade dos compromissos inerentes às convenções internacionais que tenham sido ratificadas pelo Estado enquanto membro da organização23.

21 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público , cit., p. 506- 507.

22 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 258-259.23 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 262.

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Cap. 6 - AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 123

6.11 A UNIÃO EUROPEIA24

A ideia de criação de uma organização regional europeia é bastante antiga, mas sua materialização somente ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, nomeadamente com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca), por meio do Tratado de Paris de 18.04.1951. Em 25.03.1957 foram assinados em Roma os Tratados que instituíram a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atômica (Euratom). Posteriormente, em fevereiro de 1986 foi firmado o Ato Único Europeu (AUE), que modificou as três estruturas comunitárias até então existentes (Ceca, CEE e Euratom) de modo a reorientar suas instituições para novas competências, assim como para políticas comuns.

Hildebrando Accioly assevera que “aquilo que se convencionou de­nominar União Européia é produto das bases estabelecidas pelo AUE e, principalmente, pelos Tratados de Maastricht, vigente desde 1.° de no­vembro de 1993, de Amsterdã, vigente desde 1.° de maio de 1999, e de Nice, vigente desde 1.® de fevereiro de 2003. Estes tecem claramente os contornos de progressiva união econômica e monetária, com elementos federativos e de alcance político, ao agregar às estruturas preexistentes programas de uniformização das políticas externa e de defesa, além da criação de diretrizes econômicas comuns e da moeda única, o Euro, além das mais espetaculares realizações da integração regional européia”25.

E de se observar que em dezembro de 2007 foi assinado o Tratado de Lisboa, cujas alterações previstas são, entre outras: a criação de um Presidente estável da União Europeia, eleito para um mandato de seis anos, permitida a reeleição; o estabelecimento de personalidade jurídica única para a União; e o reconhecimento da iniciativa popular, pela qual um milhão de cidadãos pode encaminhar ou solicitar à Comissão Europeia uma medida legislativa.

Para sua entrada em vigor, exige-se a ratificação por todos os Estados- -membros. Ocorre que o processo de ratificação na Irlanda depende de referendo e o seu resultado foi negativo à ratificação, o que representa

24 Os Estados-membros da União Europeia são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênía, Espanha, Estônia, Finlândia, França* Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Romênia e Suécia. São países candidatos a Antiga Re­pública Iugoslava da Macedônia, a Croácia e a Turquia. Cf. www.europa.eu.

25 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público , cit., p. 429.

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124 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

um grande obstáculo para a consolidação da Europa. Cerca de dezoito membros já ratificaram o Tratado de Lisboa e espera-se que a situação possa ser revertida, de modo a possibilitar a sua entrada em vigor26.

A atual União Européia é uma organização internacional sui generis, eis que difere de todas as outras organizações internacionais conhecidas, quer no tocante às suas características, aos seus objetivos ou aos seus fundamentos institucionais e jurídicos27.

No plano externo, sua personalidade jurídica se projeta no direito de celebrar acordos internacionais, no direito de legação ativo e passivo e no direito de participar de outras organizações internacionais. Internamente, a União Européia é pessoa jurídica de Direito Público, capaz de realizar negócios jurídicos28.

A principal característica da União Européia é a sua natureza de organização supranacional, na medida em que é composta por estruturas institucionais supraestatais, a saber: o Parlamento Europeu, o Conselho da União Européia, a Comissão Européia e o Tribunal de Justiça Eu­ropeu.

O Parlamento Europeu é eleito pelos cidadãos da União Européia para representar os seus interesses. Desde 1979 os deputados são eleitos diretamente pelos cidadãos que representam. As eleições realizam-se a cada cinco anos e todos os cidadãos da União Européia têm direito de votar, assim como de ser votado. É composto por 785 deputados, dos 27 Estados-membros.

O Parlamento Europeu tem três lugares de trabalho, quais sejam Bruxelas, Luxemburgo e Estrasburgo. Neste último é que normalmente acontecem as sessões plenárias. As principais funções do Parlamento são:(i) adotar os atos legislativos europeus; (ii) exercer um controle democrático das demais instituições, sobretudo da Comissão Européia; e (iii) decidir, conjuntamente com o Conselho, as questões orçamentárias.

O Conselho da União Européia é o principal órgão de tomada de decisões29. Ele representa os Estados-membros, que se fazem representar

26 Não é demais lembrar que o governo irlandês é favorável à ratificação do tratado de Lisboa, mas a sua população-é que foi contra.

27 Cf. Ricardo Seitenfiis. Manual das Organizações Internacionais, c it , p. 301-302.2S Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Manual de

direito internacional público, cit., p. 433.29 A quantidade de votos de cada Estado-membro depende do tamanho da população e adota

a seguinte regra: Alemanha, França, Itália e Reino Unido têm 29 votos cada; Espanha e Polônia, 27; Romênia tem 14; os Países Baixos, 13; Bélgica, República Tcheca, Hungria,

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Cap. 6 - AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 125

por um ministro do seu respectivo govemo nacional, a depender do tema a ser discutido. Explica-se: caso a matéria seja o meio ambiente, devem participar os Ministros do Meio Ambiente de cada Estado-membro; caso se trate de transportes, participarão os Ministros dos Transportes. As de­cisões dos ministros vinculam o seu govemo.

As principais responsabilidades do Conselho são: (i) adotar atos legis­lativos europeus, em conjunto com o Parlamento; (ii) coordenar as políticas econômicas dos Estados-membros; (iii) celebrar acordos internacionais entre a União Européia e outros Estados ou organizações internacionais;(iv) aprovar o orçamento da União, em conjunto com o Parlamento; (v) desenvolver a Política Externa e de Segurança Comum da União Euro­péia; e (vi) coordenar os mecanismos de cooperação entre os tribunais e as polícias nacionais dos Estados-membros em matéria penal.

A Comissão Européia é representada por 27 homens e mulheres, um de cada Estado-membro30. É independente dos governos nacionais e tem por missão representar e defender os interesses da própria União Euro­péia, no seu todo. É considerada o braço executivo da União Européia, na medida em que lhe compete velar pela execução das decisões do Parlamento e do Conselho.

Sua sede fica em Bruxelas e suas funções principais são: (i) apresentar propostas de legislação para o Parlamento e para o Conselho; (ii) gerir e executar as políticas e o orçamento da União Européia; (iii) em conjunto com o Tribunal de Justiça, velar pela aplicação do direito comunitário; e(iv) representar a União Européia internacionalmente.

O Tribunal de Justiça Europeu foi criado pelo Tratado da Ceca e tem sua sede em Luxemburgo. É composto por 27 juizes, um de cada Estado-membro, de maneira que todos os sistemas jurídicos da União Européia estão representados no Tribunal. Sua principal função e garan­tir a interpretação e aplicação uniformes da legislação em toda a União Européia.

Assim, pode “anular, a pedido de instituição comunitária, estado- membro ou particular diretamente visado, atos da Comissão, do Conselho,

Grécia e Portugal têm 12 votos; Áustria Bulgária e Suécia, 10; Dinamarca, Irlanda, Lituâ­nia, Eslováquia e Finlândia têm 7; Chipre, Estônia, Letônia, Luxemburgo e Eslovênia têm 4; e Malta tem 3 votos. Em algumas questões consideradas extremamente importantes (a política externa e de segurança comum, questões fiscais, etc.), as decisões só podem ser adotadas pela unanimidade dos votos. Entretanto, a maioria das decisões é aprovada pela regra da maioria qualificada.

30 O atual presidente da Comissão Européia é o português José Manuel Durão Barroso, cujo mandato termina em 31.10.2009.

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126 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

ou emanados dos governos nacionais, que sejam incompatíveis com os Tratados”, além de “pronunciar-se, a pedido de tribunal ou juiz nacio­nal, a respeito da interpretação ou validade das disposições do direito comunitário”3'.

Os tipos de processos submetidos ao Tribunal de Justiça Europeu mais comuns são: (i) o pedido de decisão prejudicial, para evitar decisões divergentes acerca do direito comunitário por parte de tribunal de um Estado-membro; (ii) a ação por descumprimento; movida pela Comissão contra um Estado-membro que deixou de cumprir suas obrigações; (iii) o recurso de anulação, cabível quando um Estado membro, o Conselho, a Comissão ou o Parlamento entenderem que determinado dispositivo da legislação da União Europeia é ilegal; e (iv) a ação de indenização, que pode ser movida por qualquer indivíduo ou empresa que se ache lesado por dano sofrido em virtude de ação ou omissão da Comunidade32.

Finalmente, importa referir a natureza e os princípios que regem o ordenamento jurídico comunitário. Com efeito, tal ordenamento foge dos moldes tradicionais, porquanto vincula tanto as suas instituições quanto os Estados-membros, além dos indivíduos e empresas, devendo ser dire­tamente aplicado pelos tribunais nacionais, podendo ser invocado pelos cidadãos, o que lhe confere certa autonomia, como reflexo da “limitação voluntária da soberania jurídica estatal”. Portanto, sua natureza é sui ge- neris e sua característica dominante é a supranacionalidade33.

Ademais, tem-se a supremacia do direito comunitário sobre os or­denamentos internos, tanto na esfera normativa (as normas jurídicas e políticas comunitárias prevalecem sobre as normas internas dos Estados- -membros) quanto no plano das decisões, uma vez que as decisões surtem efeitos “de cima para baixo”, isto é, primeiro são adotadas nos órgãos institucionais da União Europeia (supraestatais), para depois penetrar nos ordenamentos internos.

A ordem jurídica comunitária rege-se, portanto, pelos princípios da democracia, da liberdade econômica, da primazia do direito comunitário e da subsidiariedade34.

31 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público> cit., p. 431.

32 Cf. website da União Europeia (www.europa.eu).33 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Idem, p.

432.34 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Idem, p.

434.

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Cap. 6 -A S ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 127

Oportuno registrar, outrossim, que outras instituições ainda integram o sistema da União Européia, como o Tribunal de Contas, o Banco Central, o Comitê Econômico e Social e o Banco de Investimentos.

6.12 O MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL)

E inegável que o Mercosul se inspirou na atual União Européia. As bases do processo de integração entre os Estados da América do Sul estão no Tratado de Assunção, concluído em março de 1991 e no seu Protocolo Adicional sobre a Estrutura Institucional do Mercosul, celebrado em Outro Preto, Minas Gerais, em dezembro de 1994. Do Tratado de Assunção participaram a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. Em 2006, a Venezuela aderiu ao Mercosul35.

O objetivo principal do Tratado de Assunção é, pela. leitura do seu próprio art. 1,°, constituir um mercado comum que implica: a livre circu­lação de bens, serviços e fatores de produção, o estabelecimento de uma tarifa externa comum, a coordenação de políticas macroeconômicas entre os Estados-membros e o compromisso de harmonização das legislações.

O preâmbulo do Tratado considera que “ampliação das atuais dimen­sões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social” e que é necessário “promover o desenvolvimento cien­tífico e tecnológico dos Estados Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviço disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes”.

A estrutura do Mercosul é atualmente definida de acordo com o art. 1,° do Protocolo de Ouro Preto e contempla: o Conselho do Mercado Comum (CMC), o Grupo Mercado Comum (GMC), a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), o Parlamento do Mercosul, que substituiu a Comissão Parlamentar Conjunta, o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) e a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).

O Conselho do Mercado Comum (CMC) é o órgão superior do Mercosul, responsável pela condução política do processo de integração e pela tomada de decisões, com intuito de assegurar o cumprimento do Tratado de Assunção e, por conseguinte, alcançar a constituição final do

35 Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru são Estados associados e o México é Estado observador.

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128 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga . j

mercado comum. É composto pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia (ou equivalente) de cada membro.

O Conselho do Mercado comum é o órgão que exerce a titularida­de da personalidade jurídica do Mercosul e, portanto, negocia e assina acordos com outros Estados e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum, por meio de mandato expresso. O CMC manifesta-se por decisões, as quais são obrigatórias para os Estados-membros.

O Grupo Mercado Comum (GMC) é o órgão executivo do Mercosul, integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos de cada Estado. Sua composição deve contemplar, necessariamente, representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, da Economia (ou equivalente) e dos Bancos Centrais dos Estados-partes.

Entre suas atribuições, mencionamos: propor projetos de decisão ao CMC, adotar as medidas necessárias para o cumprimento das decisões do CMC, aprovar o orçamento e a prestação de contas apresentada pela Secretaria Administrativa, adotar resoluções em matéria financeira e or­çamentária e supervisionar as atividades da Secretaria administrativa. O GMC manifesta-se por resoluções, de caráter obrigatório para as partes.

A Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) é o órgão encarregado de auxiliar o GMC, ao qual compete velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira, além de supervisionar os trabalhos relacionados com as políticas comer­ciais comuns. É composta por quatro membros titulares e quatro alternos, coordenados pelos Ministérios das Relações Exteriores.

À CCM cabe: pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum; informar ao GMC sobre a evolução e a aplicação dos instrumentos de política comercial comum; propor ao GMC novas normas ou modificações das existentes, relativamente à matéria comercial e aduaneira do Mercosul; e propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum. A CCM exprime-se por diretrizes, obrigatórias para os membros.

Observe-se que o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul são os únicos órgãos dotados de capacidade decisória, de natureza intergovemamental.

O Parlamento do Mercosul é o órgão representativo dos interesses dos cidadãos dos Estados-membros.

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Cap. 6 - AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 129

O Parlamento atua para tentar acelerar os procedimentos internos para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do Merco- sul, além de buscar a harmonização das legislações, como corolário do processo de integração.

O Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) é o órgão onde se fa­zem representar os setores econômicos e sociais. É composto por igual número de representantes de cada Estado-membro. O FCES tem função consultiva e manifesta-se por meio de recomendações ao Grupo Mercado Comum (GMC).

O Mercosul conta ainda com uma Secretaria Administrativa (SAM), que é o seu órgão de apoio operacional. A SAM é a responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do Mercosul e tem sede perma­nente em Montevidéu.

A SAM serve como arquivo oficial da documentação do Mercosul, realiza a publicação das suas decisões, assim como as necessárias tradu­ções autenticadas, organiza os aspectos logísticos das reuniões dos demais órgãos e apresenta anualmente ao GMC a sua prestação de contas e o relatório das atividades desempenhadas. O Diretor da SAM é eleito pelo GMC;, após consulta aos Estados-membros, para mandato de dois anos, sendo vedada a reeleição.

O Protocolo de Ouro Preto permite a criação de órgãos auxiliares, que se revelem necessários e úteis à consecução dos objetivos do processo de integração. De todo modo, é possível observar que o Tratado de Assunção descarta a possibilidade de criação de algum órgão supranacional, uma vez que somente criou órgãos de natureza intergovernamentais. Definitiva­mente, é esta a característica principal da concepção política do processo de integração do Mercosul36.

Finalmente, observe-se que foi promulgado o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e a Proteção dos Direitos Huma­nos do Mercosul, assinado em Assunção, em 20 de junho de 2005, pelo Decreto 7.225/2010.

36 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 541.

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A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU)1

Sumário: 7.1 A Sociedade das Nações (SON) de Woodrow Wiison - 7.2 A Carta de São Francisco: traços gerais - 7.3 A Assembleia Geral: traços marcantes - 7.4 O Conselho de Segurança: traços marcantes - 7.5 As forças das Nações Unidas - 7.6 O Secretariado - 7.7 O Conselho Econômico e Social - 7.8 O Conselho de Tuteta - 7.9 A Corte Internacional de Justiça - 7.10 Organismos especializados da família ONU: OIT, Unesco, OMS, FAO, OMC, FM! e Bird.

7.1 A SOCIEDADE DAS NAÇÕES (SDN) DE WOODROWWILSON

A Organização das Nações Unidas, com suas diretrizes principais, não foi criação inédita no cenário de institucionalização da sociedade interna­cional. Na verdade, as Nações Unidas sucederam a Sociedade das Nações, organização internacional criada no fim da Primeira Guerra Mundial.

Como tivemos a oportunidade de observar, a eclosão da Primeira Guerra Mundial demonstrou que o princípio do equilíbrio do poder não era suficiente para preservação da paz na Europa. O ex-presidente norte- -americano Woodrow Wilson foi quem defendeu, nos seus célebres “ 14 pontos”, que o sistema europeu de equilíbrio de poder deveria ser substitu­ído por um mecanismo de segurança coletiva, de desarmamento e fundado

1 A sede atual da ONU fica na cidade de Nova Iorque. Os seus idiomas oficiais são o árabe,o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo. A ONU possui 192 Estados-membros e a Santa Sé mantém uma missão de observação permanente na ONU. Para maiores in­formações, cf. <www.un.org>.

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132 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

na arbitragem como método de solução das controvérsias. Wilson sugeriu a criação de uma sociedade geral das nações, que oferecesse garantias mútuas de independência política e de integridade territorial não somente aos Estados grandes, como também aos pequenos. A finalidade principal dessa Sociedade das Nações seria a manutenção da paz.

O Pacto da Sociedade das Nações foi incluído no próprio Tratado de Versalhes de 1919, mas a Sociedade não teve sucesso. Um dos principais motivos da sua falta de êxito foi a não adesão dos Estados Unidos ao Pacto, porque o Senado norte-americano não o ratificou. Como os Esta­dos Unidos foram o principal impulsionador da Sociedade das Nações, o fato de o seu Senado não ter ratificado o seu Pacto constitui um forte desequilíbrio no funcionamento da organização.

Entretanto, não podemos concordar que a Sociedade das Nações foi inútil. Ao menos dois efeitos positivos resultaram da primeira tentativa de institucionalização da sociedade internacional: (i) ter desencadeado, no período que seguiu a sua constituição, de outras organizações interna­cionais, com fins mais específicos; e (ii) ter permitido a experiência e a análise dos motivos do seu fracasso, cuja repetição buscou-se evitar que ocorresse na Organização das Nações Unidas2.

Deste modo, não devemos esquecer o papel que desempenhou Woo- drow Wilson na questão da institucionalização da sociedade internacional. Com efeito, a Sociedade das Nações e os seus “ 14 pontos” em muito con­tribuíram para a criação e sucesso da Organização das Nações Unidas.

12 A CARTA DE SÃO FRANCISCO: TRAÇOS GERAIS

A Carta que instituiu a Organização das Nações Unidas foi concluída na cidade califoraiana de São Francisco, em 26.06.1945, e é composta por um preâmbulo e 111 artigos, além de ter como anexo o Estatuto da Corte Internacional de Justiça (que integra a Carta).

Do preâmbulo depreende-se que a preocupação essencial das Nações Unidas é “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”. Para tanto, os Estados reafirmam a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e decidem estabelecer as con­dições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do Direito Internacional.

2 Cf. Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro. A Organização das Naçoes Unidas, cit., p. 30.

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Cap. 7 - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 133

Os objetivos das Nações Unidas são “manter a paz e a segurança in­ternacionais ”, “desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos”, “realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário” e “ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns”.

Para tanto, os membros das Nações Unidas comprometem-se a res­peitar o princípio da igualdade soberana de todos os Estados-membros, a cumprir de boa-fé as obrigações assumidas em conformidade com a Carta, a resolver as controvérsias internacionais por meios pacíficos, a abster-se de recorrer à ameaça ou ao uso da força nas relações internacionais, a dar assistência em qualquer ação que as Nações Unidas empreendam em conformidade com a Carta e a abster-se de dar assistência a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas ajam de modo preventivo ou coercitivo.

Os membros originários são os 51 Estados que participaram na Con­ferência de São Francisco e assinaram a Carta, assim como os Estados que previamente tenham assinado a Declaração das Nações Unidas de l.°.01.1942.

Para ser admitido como membro das Nações Unidas, o Estado pre­tendente precisa ser “amante da paz”, aceitar as obrigações contidas na Carta e ter aptidão e disposição para cumprir essas obrigações. A ad­missão de qualquer Estado como membro das Nações Unidas depende, necessariamente, de recomendação favorável do Conselho de Segurança. Nesse caso, caberá à Assembleia Geral decidir sobre a admissão do Es­tado pretendente.

Os membros das Nações Unidas podem ser suspensos do exercício dos direitos e privilégios pela Assembleia Geral, quando contra eles for levada a efeito ação preventiva ou coercitiva por parte do Conselho de Seguran­ça, assim como expulsos, nos casos em que houver persistentes violações dos princípios contidos na Carta. Em ambos os casos (de suspensão e de expulsão), é necessária recomendação do Conselho de Segurança.

Importa referir que a Carta das Nações Unidas pode ser revista, pois o seu art. 108 prevê um mecanismo de revisão de natureza constitucio­nal, segundo o qual as emendas à Carta entram em vigor se, adotadas pelo voto de dois terços da Assembleia Gerai, forem ratificadas por dois terços dos membros da Organização, incluindo os membros permanentes do Conselho de Segurança.

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134 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

A Organização das Nações Unidas é composta por seis órgãos, a saber, a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Secretariado, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e a Corte Interna­cional de Justiça.

7.3 A ASSEMBLEIA GERAL: TRAÇOS MARCANTES

A Assembleia Geral é considerada o principal órgão deliberativo das Nações Unidas porque é constituída por todos os seus membros. A cada um deles cabe o igual direito a um voto3 e nenhum membro deverá ter mais de cinco representantes na Assembleia Geral. Uma das suas principais características é a sua aparência parlamentar. Com efeito, a Assembleia Geral tem em comum com os parlamentos não apenas a vivacidade dos debates, assim como muitas das regras de funcionamento e a utilização de certas figuras regimentais e regras processuais4.

A Assembleia Geral reúne-se em sessões anuais ordinárias, que têm início na terceira terça-feira de setembro e término na véspera do N atal Também pode reunir-se em sessões extraordinárias, sempre que as cir­cunstâncias o exigirem. As sessões extraordinárias são convocadas pelo Secretário-Geral, a pedido do Conselho de Segurança ou da maioria dos membros das Nações Unidas.

A competência da Assembleia Geral é completamente genérica, pois ela pode discutir, deliberar e fazer recomendações sobre todo e qualquer assunto relacionado com os fins previstos na Carta das Nações Unidas5.

As decisões da Assembleia Geral serão tomadas pela maioria simples dos membros presentes e votantes. Entretanto, as decisões sobre questões importantes serão tomadas por maioria qualificada de dois terços. As questões importantes que a Carta enumera não taxativamente são: (i) as

3 O peso dos votos dos membros é igual, independentemente da contribuição financeira para o orçamento da OKU. Assim, na Assembleia Geral, o voto dos Estados Unidos, que contribui com 22% do orçamento, tem o mesmo valor do voto do Brasil, cuja contribuição representa 1,523%.

4 Cf. Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro. A Organização das Nações Unidas, cit., p. 83.

5 Cf. o art. 10 da Carta: “A Assembléia Geral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com os poderes e funções de qualquer dos órgãos nela previstos, e, com exceção do estipulado no art. 12, poderá fazer recomendações aos membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles, conjuntamente, com referência a quaisquer daquelas questões ou assuntos”.

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Cap. 7 - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 135

Irecomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacio­nais; (ii) a eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segu­rança; (iii) a eleição dos membros do Conselho Econômico e Social; (iv) a eleição dos membros do Conselho de Tutela; (v) a admissão de novos membros; (vi) a suspensão dos direitos e privilégios de membros; (vii) a expulsão de membros; (viii) as questões referentes ao funcionamento do regime de tutela; e (ix) as questões orçamentárias.

E extremamente importante ressaltar que, nos termos do art. 12 da Carta, enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo as funções que lhe são atribuídas sobre qualquer controvérsia ou situação, a Assembleia Geral não poderá fazer nenhuma recomendação a respeito, a menos que o Conselho de Segurança solicite.

O membro das Nações Unidas que estiver em atraso no pagamento da sua contribuição não poderá votar na Assembleia Geral caso o montante devido seja igual ou superior à soma das contribuições dos dois anos anteriores. Todavia, a Assembleia Geral poderá permitir que o membro em atraso vote quando provar que a falta de pagamento se deve a cir­cunstâncias alheias à sua vontade.

Entre algumas das atribuições da Assembleia Geral destacam-se: dis­cutir formas e meios para melhorar as condições de vida das crianças, dos jovens e das mulheres; assuntos ligados ao desenvolvimento sustentável, meio ambiente e direitos humanos; deliberar sobre as contribuições dos Estados-membros e como estas contribuições devem ser gastas; eleger os novos Secretáríos-Gerais; examinar os relatórios anuais do Conselho de Segurança e dos outros órgãos das Nações Unidas; e chamar a atenção do Conselho de Segurança para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.

Grande parte dos trabalhos da Assembleia Geral é desenvolvida por suas Comissões, de modo que se toma possível discutir as matérias mais aprofundadamente e de forma mais especializada. As Comissões da Assembleia Geral são: Comissão de Desarmamento e Segurança In­ternacional; Comissão Econômica e Financeira; Comissão de Questões Sociais, Humanitárias e Culturais; Comissão Política Especial e de Des­colonização; Comissão de Questões Administrativas e Orçamentárias; e Comissão Jurídica.

De sublinhar, finalmente, que a Assembleia Geral exterioriza ou ma­terializa suas declarações de vontade por meio de resoluções destituídas de efeitos obrigatórios. Logo, em regra as resoluções da Assembleia Geral assumem caráter de meras recomendações.

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136 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

7.4 O CONSELHO DE SEGURANÇA: TRAÇOS MARCANTES

O Conselho de Segurança é o principal órgão das Nações Unidas, na medida em que é o responsável pela consecução do fim maior da Carta: a manutenção da paz e da segurança internacionais. Em que pese a Assembleia Geral também cuidar desta matéria, por força da sua competência genérica, a Carta é clara ao anunciar que os membros das Nações Unidas “conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais”. Ademais, o Conselho de Segurança é o único órgão da Organização com poderes decisórios6.

O Conselho de Segurança é constituído por 15 membros, dos quais cinco são permanentes e dez são não permanentes. Os membros per­manentes são a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a Rússia7. Os dez membros não permanentes são eleitos-por um período de dois anos, sendo vedada a reeleição para o período imediatamente seguinte. Os membros não permanentes devem ser distribuídos de maneira geograficamente equitativa. Assim, o Conselho de Segurança é composto por cinco membros do grupo africano e asiático, dois membros da Amé­rica Latina, dois membros da Europa Ocidental e outros e um membro do Leste europeu, além dos membros permanentes acima referidos.

O Conselho de Segurança reúne-se periodicamente, podendo reunir-se em lugares fora da sede das Nações Unidas, caso julgue mais apropriado. Cada membro terá um representante no Conselho de Segurança e direito a um voto.

O quórum deliberativo do Conselho de Segurança rege-se pelas disposições do art. 27 da Carta das Nações Unidas e revela situações interessantes. De acordo com este dispositivo, todas as decisões do Con­selho de Segurança serão sempre tomadas por voto afirmativo de nove dos seus quinze membros.

Ocorre, porém, que as decisões das questões consideradas não pro­cedimentais, que são as matérias efetivamente importantes, necessitam do voto favorável de nove membros, incluindo o voto de todos os membros

5 Cf. art. 25 da Carta das Nações Unidas: “Os membros das Nações Unidas concordamem aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta".

7 Em 2008, os dez membros não permanentes do Conselho de Segurança são: África do Sul, Bélgica, Burkina Faso, Costa Rica, Croácia, Indonésia, Itália, Líbia, Panamá e Vietnã.

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Cap. 7 - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 137

permanentes. É nisto que consiste o direito de veto3 que têm os mem­bros permanentes do Conselho de Segurança. Todas as decisões sobre os assuntos verdadeiramente relevantes (questões não procedimentais) dependem da unanimidade favorável dos membros permanentes. Em vir­tude do reconhecimento desse direito de veto, um membro permanente do Conselho de Segurança pode obstar a vontade da maioria, ou até mesmo da unanimidade do Conselho.

Exemplos de questões procedimentais, cujas decisões são aprovadas pelo voto afirmativo de nove membros e não estão sujeitas ao poder de veto dos membros permanentes, são: a aprovação e alteração do regimen­to interno, a criação de órgãos subsidiários, o convite a um Estado para participar de um debate, a inscrição de uma questão na ordem do dia9.

Entretanto, embora a Carta determine o que se deve entender por questões importantes para efeitos de exigir a maioria qualificada de dois terços na Assembleia Geral (art. 18, n.° 2), não define o que são questõesprocedimentais e não procedimentais.

Entende a doutrina que, a menos que se decida que uma questão é procedimental, esta deve ser considerada não procedimental e, portanto, sujeita ao veto de um dos membros permanentes. Ocorre que, nos casos em que a situação não é clara, cabe ao Conselho de Segurança qualifi­car a questão, decidindo se ela é procedimental ou não procedimental. A dúvida resulta em saber se um membro permanente pode vetar uma proposta de qualificação de determinada matéria como questão procedi­mental, de forma que esta possa vir a ser considerada uma questão não procedimental e, destarte, ele gozar do direito de veto numa decisão final. E o chamado duplo veto que, embora em desuso desde 1959, encontra respaldo na Carta, das Nações Unidas10.

Além da figura do duplo veto, a título complementar vale registrar o chamado veto positivo, que consiste na possibilidade que tem um mem­bro permanente de vetar uma decisão do Conselho de Segurança que pretenda a revogação de um ato anterior. Quer isto dizer que, nos casos

8 “O veto surgiu como uma imposição dos 5 membros permanentes que condicionaram a sua participação na criação das Nações Unidas ao escrupuloso respeito do direito de veto. Colocados perante a alternativa de participarem numa organização desigualitária ou de não participarem em nenhuma, os restantes Estados, não obstante alguns protestos e resistências... preferiram a primeira”- Cf. Eduardo Correia Baptista. O poder público bélico em direito internacional..., cit., p. 652.

9 Cf. Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro. A Organização das Nações Unidasf cit., p. 108-109.

10 Cf. Eduardo Correia Baptista. Idem, p. 658-670.

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138 DIREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

em que o Conselho pretenda revogar uma decisão anterior, retirando-lhe os efeitos, pode um membro permanente vetar a decisão de revogação, conferindo efeito positivo ao veto que, via de regra, tem efeitos pura­mente negativos.

Cumpre ressaltar que o membro que for parte numa controvérsia prevista no Capítulo VI da Carta das Nações Unidas deve abster-se de votar.

A utilização abusiva e arbitrária do direito de veto paralisou por diversas vezes o Conselho de Segurança e acabou por enfraquecê-lo, resultando no fortalecimento da Assembleia Geral, que, passo a passo, começou a opinar sobre assuntos sobre os quais o Conselho de Segurança não conseguiu alcançar uma solução51.

Entre as atribuições do Conselho de Segurança destacam-se: adotar medidas destinadas à manutenção da paz e da segurança internacionais (como criar Missões de Paz e investigar as situações que possam se transformar em conflitos internacionais); recomendar à Assembleia Geral a suspensão de direitos ou a expulsão de membros das Nações Unidas; recomendar à Assembleia a admissão de novos membros; e recomendar a eleição de um novo Secretário-Geral.

7.5 AS FORÇAS DAS NAÇÕES UNIDAS

Já sabemos que o bem maior tutelado pelas Nações Unidas é a paz e que o Conselho de Segurança da Organização é o principal órgão respon­sável pela manutenção da paz e da segurança internacionais. Deste modo, diante de situações que representem ameaça à paz, as Nações Unidas podem criar Forças de Manutenção da Paz ou Forças de Imposição da Paz. Desde já, releva notar que só serão consideradas forças das Nações Unidas aquelas sujeitas ao comando efetivo da Organização.

Em síntese, as Forças de Manutenção da Paz são aquelas forças que, sujeitas ao comando efetivo da Organização, dependem do consentimento das principais partes envolvidas no conflito para que possam instalar-se no terreno e apenas podem fazer uso da força com base em causas de exclusão da ilicitude, sobretudo a legítima defesa pública. Entende-se que podem utilizar a legítima defesa para a proteção de terceiros e para garantir a sua liberdade de movimentos. Geralmente, as Forças de Manutenção

" Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit.. p. 400.

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Cap. 7 - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 139

Ida Paz são enviadas ao local do conflito para vigiar um acordo existente entre as partes, devendo tratá-las de forma imparcial’2.

Por outro lado, as Forças de Imposição de Paz são as forças sujeitas ao comando efetivo das Nações Unidas, criadas especificamente para cumprir os objetivos do acordo de paz formulado entre as partes. Estas Forças podem fazer uso da força para desempenhar seu mister, tomando o partido de uma das partes beligerantes e, se necessário, mantendo-se no terreno ainda que contra a vontade de uma das partes que violou os termos do acordo de paz. Como sua própria nomenclatura denota, as Forças de Imposição de Paz pretendem a execução da paz13.

As Forças de Paz das Nações Unidas têm desempenhado importante papel em matéria de manutenção da paz, tendo sido decisivas em diversos conflitos internacionais.

7.6 O SECRETARIADO

O Secretariado é o órgão administrativo por excelência das Nações Unidas, composto por um Secretário-Geral e pelo pessoal exigido pela Organização, nomeado por aquele, de acordo com as regras estabelecidas pela Assembleia Geral. O Secretário-Geral é nomeado pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança, sendo consi­derado, de fato, o principal funcionário administrativo das Nações Unidas e seu mandato é de cinco anos, renovável por igual período14.

O Secretário-Geral atua nesta qualidade em todas as reuniões da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança, do Conselho Econômico e Social e do Conselho de Tutela. Detém, ainda, poderes delegáveis, na medida em que a Carta prevê que o Secretário-Geral desempenhará outras funções que lhe forem atribuídas por estes órgãos. Outrossim, pode chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que entenda poder ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais.

Por participar das reuniões dos diversos órgãos das Nações Unidas, compete ao Secretário-Geral elaborar um relatório anual à Assembleia Geral sobre os trabalhos da Organização.

12 Cf. Eduardo Correia Baptista. O poder público bélico em direito internacional..., cit., p. 741-742.

13 Cf. Eduardo Correia Baptista. ídem, p. 742-743.14 O atual Secretário-Geral das Nações Unidas é o sul-coreano Ban Ki-moon, que assumiu

suas funções no dia 1.“.01.2007.

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140 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Nos termos do art. 102 da Carta, “todos os tratados e todos os acor­dos internacionais concluídos por qualquer membro das Nações Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado”.

Costuma-se dizer que o Secretário-Geral tem assumido uma importân­cia muito maior que a prevista na Carta das Nações Unidas. “As razões dessa importância acrescida do Secretário-Geral decorrem em grande parte da própria praxis da Organização, isto é, da necessidade desta ter, em certa medida, perante os Estados e a comunidade internacional, que ser identificável com uma figura concreta.” Embora a princípio suas funções pareçam ser meramente administrativas, é “difícil afirmar qual das suas duas qualidades, a de homem político ou de agente administrativo, é a mais relevante”15.

Logo, além de desempenhar as funções administrativas inerentes ao cargo, o Secretário-Geral também exerce relevante papel político, atuando muitas vezes como gestor de crises internacionais, por meio do que se chama diplomacia preventiva.

7.7 O CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL

O Conselho Econômico e Social é composto por 54 membros da Organização, eleitos pela Assembleia Geral para um período de três anos, permitida a reeleição. A cada ano, procede-se à renovação de um terço dos seus membros. Cada membro do Conselho Econômico e Social terá um representante com direito a um voto. As decisões do Conselho Econômico e Social serão tomadas por maioria dos membros presentes e votantes (art. 67).

O Conselho reúne-se quando necessário, conforme as disposições do seu regimento, que define as questões referentes à convocação de reuniões a pedido da maioria dos seus membros.

Entre suas atribuições, destaca-se a de realizar estudos e apresentar relatórios sobre assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, de saúde e conexos, sendo-lhe permitido fazer re­comendações a respeito désses assuntos à Assembleia Geral, aos membros das Nações Unidas e às organizações especializadas interessadas.

15 Cf. Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro. A Organização das Nações Unidas, cit., p. 126.

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Cap. 7 - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 141

O Conselho Econômico e Social formula recomendações e, ainda, executa atividades relativas ao desenvolvimento e industrialização, ao comércio internacional, à ciência e tecnologia, ao bem-estar social uma enorme variedade de assuntos econômicos e sociais. Ao Conselho Eco­nômico e Social compete, igualmente, promover o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

7.8 O CONSELHO DE TUTELA

As atividades do Conselho de Tutela estão suspensas desde 19.11.1994. Isto porque, de acordo com a Carta, ao Conselho de Tutela cabia super­visionar a administração dos territórios que se encontravam sob regime de tutela internacional. A decisão de suspensão das atividades foi adotada após o reconhecimento da soberania do Estado de Palau, que fica no Pa­cífico e hoje é membro das Nações Unidas. Palau foi o último território do mundo tutelado pela Organização.

De todo modo, importa referir que o Conselho de Tutela, durante quase meio século, batalhou em favor do direito à autodeterminação dos povos. Com efeito, o Conselho de Tutela foi responsável por promover o progresso dos habitantes de territórios sob tutela, assim como por de­senvolver as condições necessárias para a progressiva independência e estabelecimento de govemo próprio.

Portanto, diante do atual cenário da sociedade internacional, vê-se que o Conselho de Tutela desempenhou sua missão satisfatoriamente.

7.9 A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

A Corte Internacional de Justiça (Corte de Haia), instituída pela Carta das Nações Unidas, é o principal órgão judicial da Organização e começou a funcionar em abril de 1946 em Haia, nos Países Baixos16. Entre os seis principais órgãos das Nações Unidas, a Corte Internacional de Justiça é o único que não é localizado em Nova Iorque. De acordo com o art. 22 do seu Estatuto, embora sediado em Haia, nada impede que a Corte se reúna e exerça as suas funções em qualquer outro lugar que considere conveniente. A Corte Internacional de Justiça é permanente.

16 Já foram Juizes da Corte Internacionai de Justiça os brasileiros José Philadelpho de Bar- ros e Azevedo (1946-1951), Levi Fernandes Carneiro (1951-1955), José Sette Camara (1979-1988) e José Francisco Rezek (1996-2006). Desd'e 2009, Antônio Augusto Cançado Trindade exerce o cargo de juiz daquela Corte.

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142 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga |

A Corte Internacional de Justiça é composta por 15 Juizes (o seu Estatuto fala em “membros”) eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança para um mandato de nove anos, permitida a reeleição. A cada três anos, procede-se à renovação de um terço dos membros, isto é, de cinco juizes. Os juizes devem ser eleitos sem ter em conta a sua nacionalidade, dentre pessoas que gozem de reputação ilibada e possuam as condições exigidas nos seus respectivos países para o desempenho das mais altas funções judiciais ou que sejam consultores de reconhecida competência em Direito Internacional. Não pode haver mais de um nacional do mesmo Estado investido no Tribunal e a sua composição deve contemplar a representação dos diversos sistemas ju ­rídicos contemporâneos17.

Nenhum juiz do Tribunal poderá exercer qualquer função política ou administrativa ou, ainda, dedicar-se a outra ocupação de natureza profissional. Quer isto dizer que os juizes estão impedidos de servir como agente, consultor ou advogado em qualquer causa, durante o seu mandato. Ademais, o Estatuto do Tribunal estabelece que nenhum juiz poderá ser demitido, a menos que, na opinião unânime dos demais membros, tenha ele deixado de preencher os requisitos necessários ao exercício da função.

A Corte Internacional de Justiça tem competência contenciosa e consultiva. Sua competência abrange todas as questões que as partes lhe submetem, assim como todos os assuntos previstos na Carta das Nações Unidas ou em tratados e convenções internacionais em vigor, em especial: a interpretação de tratados, a existência de fatos que constituam violações de compromissos internacionais e a natureza e a extensão da reparação devida pela ruptura de uma obrigação internacional18.

No que diz respeito à competência contenciosa, importa referir que apenas os Estados soberanos poderão ser partes em causas perante a Corte. Deste modo, as organizações internacionais e os particulares não podem ter acesso à Corte em questões contenciosas.

A competência contenciosa da Corte não é, contudo, obrigatória. E preciso que os Estados litigantes aceitem a sua jurisdição. A aceitação

17 José Francisco Rezek informa que “a realidade mostra que determinados países - mem­bros permanentes, observe-se, do Conselho de Segurança da ONU - sempre tiveram na composição da Corte um nacional seu. Tal o caso da França, do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Rússia. É também, desde os anos 80, o caso da China. Cf. Direito internacional público, cit., p. 357.

IS Cf. Roberto Luís Silva. Direito internacional público. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 315.

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Cap. 7 - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 143

da jurisdição pode ser tácita (quando um Estado ajuíza a petição inicial e quando o Estado demandado contesta o mérito, sem rejeitar o foro), expressa (quando a parte expressa e inequivocamente manifeste a aceita­ção), advir de tratado bilateral (quando dos Estados acordam submeter determinado litígio ao Tribunal) ou de cláusula facultativa de jurisdição obrigatória.

Neste último caso (previsto no art. 36 do Estatuto), o Estado signatário da cláusula facultativa obriga-se, antecipadamente, a aceitar a jurisdição do Tribunal sempre que for demandado por outro Estado também com­prometido com a mesma cláusula, ou seja, com base na reciprocidade. O Brasil não é signatário da cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, pois prefere os meios diplomáticos para solução dos seus conflitos inter­nacionais ou, quando inevitável, a arbitragem59.

As línguas oficiais do Tribunal são o francês e o inglês, sem embar­go de o Tribunal poder autorizar uma parte a usar língua diversa, me­diante pedido prévio. Rezek ensina que “a trilha do processo não difere substancialmente do curso dos feitos cíveis num foro intemo do gênero do nosso. Admitem-se as provas usuais e as razões escritas, bem como sustentações orais em sessão de julgamento. As decisões são tomadas por voto majoritário, e tanto podem os vencidos juntar ao acórdão seus votos dissidentes quanto pode qualquer integrante da maioria juntar tam­bém sua argumentação individual, se isso lhe parecer bom. As diversas comunicações, da citação inicial à publicidade do acórdão, ficam a cargo do cartório da Corte”20.

Quanto à natureza jurídica do acórdão da Corte Internacional de Jus­tiça, ele é definitivo e obrigatório, mas somente pode ser executado em circunstâncias extraordinárias. Nos termos do art. 94 da Carta das Nações Unidas, se uma das partes em determinado caso no Tribunal deixar de cumprir as obrigações que lhe competem em função do acórdão, a outra parte poderá recorrer ao Conselho de Segurança que, julgando necessário, fará recomendações ou decidirá sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da decisão.

Para além da competência contenciosa, a Corte Internacional de Justiça também tem uma competência consultiva. A Corte também elabora pare- ceres consultivos sobre qualquer questão jurídica, a pedido da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de outros órgãos por ela autorizados a fazer tal pedido.

19 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 360.20 Cf. José Francisco Rezek. Idem, p. 361-362.

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144 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

É válido registrar que os pareceres consultivos emitidos pela Corte Internacional de Justiça são extremamente importantes enquanto fontes do Direito Internacional. Com efeito, em muitos dos seus pareceres, a Corte apresenta interpretações de normas ou tratados internacionais de enorme relevo para a sociedade internacional.

Não podemos deixar de referir que, em virtude das suas limitações, entende-se que a Corte encontra-se relativamente obsoleta e já não mais traduz os anseios da sociedade internacional. A modificação da estrutura da Corte Internacional de Justiça, com a finalidade de conferir-lhe mais efetividade, possibilitando o julgamento de outras demandas e em con­dições de receber e resolver conflitos oriundos de um modemo Direito Internacional, é um dos maiores desafios da sociedade internacional contemporânea.

7.10 ORGANISMOS ESPECIALIZADOS DA FAMÍLIA ONU:OIT, UNESCO, OMS, FAO, OMC, FMI E BIRD

A Carta das Nações Unidas consagra o princípio da cooperação internacional para resolver as questões de ordem econômica, social, cultural, sanitária ou humana (arts. 55 e 56). Assim, para a execução das atividades nessas áreas, a Carta permite a criação de organismos es­pecializados. Com efeito, “as várias organizações especializadas, criadas por acordos intergovemamentais e com amplas responsabilidades inter­nacionais, definidas nos seus estatutos, nos campos econômico, social, cultural, educacional, de saúde e conexos, serão vinculadas às Nações Unidas” (art. 57, n.° 1).

Estes organismos especializados são criados, como se vê, por acordos entre os Estados e, embora vinculados às Nações Unidas, não fazem parte da sua estrutura. Na verdade, eles não são entidades subsidiárias da Orga­nização. A vinculação é meramente formal e cada um destes organismos especializados mantém sua autonomia e independência relativamente às Nações Unidas21.

Entre as diversas organizações especializadas das Nações Unidas, merecem breve registro: a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organi­

21 Cf. Vaiério de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 525.

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Cap. 7 - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 145

zação Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento Econômico (Bird).

A OIT, com sede em Genebra, foi criada pelo Tratado de Versalhes, de 1919, após a Primeira Guerra Mundial, e hoje se encontra ligada às Nações Unidas. Tem escritórios em todos os continentes e cuida das questões do trabalho. Funda-se no princípio de que a paz universal e permanente depende da justiça social.

A Unesco, com sede em Paris, foi fundada em 1945 com o objetivo de contribuir para a paz e a segurança internacionais mediante a edu­cação, a ciência e a cultura. Seu principal objetivo é a erradicação do analfabetismo em todo o mundo.

A OMS, com sede em Genebra, foi criada em 1948. Tem por objetivo desenvolver ao máximo o nível de saúde de todos os povos, compreendida como o estado de total bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença. A OMS auxilia os Estados em matéria de saúde, coordena projetos para combate a epidemias e trabalha para a melhoria das questões relacionadas com o saneamento básico, nutrição e higiene da população.

A FAO, instituída em 1945, teve sua sede transferida da cidade ca­nadense de Quebec para Roma, na Itália, em 1951. Seu objetivo é elevar os níveis de nutrição de todos os povos, assim como de desenvolvimento rural. Realiza programas para a melhoria da eficiência na produção e dis­tribuição de alimentos, além de atuar em situações emergenciais, prestando auxílio às populações famintas.

A OMC, cuja sede fica em Genebra, iniciou as atividades em 1995 e é o principal fórum para o comércio internacional. A OMC também regula o comércio, incentivando os Estados a firmar acordos específicos, e fiscaliza e supervisiona o cumprimento desses acordos. Consagra um sistema de solução de controvérsias em matéria de comércio internacio­nal, o que lhe é peculiar. Baseia-se nos princípios do livre comércio e da igualdade dos Estados.

O FMI, que tem sua sede em Washington, originou-se, juntamente com o Bird, das Conferências de Bretton Woods, realizadas em 1944. Objetiva assegurar o bom funcionamento do sistema financeiro mundial, garantindo a estabilidade cambial e o equilíbrio das balanças internacionais de pagamento, por meio de assistência técnica e financeira aos Estados.

Finalmente, o Bird, também sediado em Washington, foi criado nas Conferências de Bretton Woods, em 1944. Sua missão inicial foi finan­

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146 DIREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

ciar a reconstrução dos países devastados pela Segunda Guerra Mundial. Atualmente, luta contra a pobreza, concedendo empréstimos aos países emergentes, para que possam tocar projetos de desenvolvimento.

O Bird e o FMI compõem o que se chama de Sistema de Bretton Woods. Para ser membro de um é necessário ser membro do outro, de modo que não é possível ser membro do FMI sem ser igualmente membro do Bird. Em ambos, o peso dos votos dos membros não é igual, variando conforme o tamanho da economia de cada Estado.

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O INDIVÍDUO

Sumário: 8.1 Traços gerais da nacionalidade - 3.2 A nacionalidade brasileira: aquisição e perda - 8.3 O Estatuto da Igualdade - 8.4 A situação jurídica do estrangeiro no Brasil: direitos, passaportes e tipos de vistos - 8.5 Admissão, deportação, expulsão e extradição - 8.6. Asilo poíítico, asilo dipiomáíico e refúgio.

A personalidade internacional do indivíduo foi brevemente relatada na introdução desta Parte reservada aos sujeitos internacionais. A Parte VI do presente livro trata da proteção internacional da pessoa humana, demonstrando a evolução da personalidade internacional do indivíduo enquanto detentor de direitos e deveres no cenário internacional. Agora, contemplaremos os aspectos relativos à nacionalidade e à situação jurídica do estrangeiro.

8.1 TRAÇOS GERAIS DA NACIONALIDADE

Inicialmente, cumpre observar que a nacionalidade é um tema que interessa não apenas ao Direito Internacional Público, como também ao Direito Constitucional' e ao Direito Internacional Privado2. Outrossim. é

1 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público , cit., p. 180: “a cada Estado incumbe legislar sobre sua própria nacionalidade, desde que respeitadas, no direito internacionai, as regras gerais, assim como as regras particulares com que acaso se tenha comprometido”. Para Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Manual de direito internacional público , cit., p. 487: “no exercício do direito de legislação, cabe ao estado determinar quais os seus nacionais, as condições de sua aquisição e perda. Em outras palavras, trata-se de direito que o Estado exerce soberanamente, em geral de conformidade com a sua Constituição”.

2 Cf. Beat Walter Rechsteiner. Direito internacional privado: teoria e prática. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 26: “a razão principal de o regime jurídico da nacionalidade

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148 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

forçoso registrar que a nacionalidade é matéria regulada pelo Direito Intemo de cada Estado, limitando-se o Direito Internacional a estabelecer princípios gerais que devem ser respeitados por cada Estado ao tratar do tema.

A nacionalidade é definida como o vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a um Estado, tomando este indivíduo um componente do seu povo (dimensão pessoal do Estado), capacitando-o a exigir sua pro­teção e sujeitando-o ao cumprimento dos deveres impostos3. Em poucas palavras, a nacionalidade é “o elo entre a pessoa física e um determinado Estado”4.

Não se deve confundir os conceitos de nacionalidade e cidadania. Com efeito, a cidadania pressupõe a nacionalidade, na medida em que o cidadão é aquele nacional que faz jus a um conteúdo adicional, repre­sentado pelos direitos políticos de votar, de ser eleito e de participar da vida do Estado.

Também é necessário lembrar que a naturalidade difere da naciona­lidade. A naturalidade traduz-se no vínculo que une o indivíduo ao seu local de nascimento. Portanto, em que pese a possibilidade que tem o indivíduo de mudar de nacionalidade, sua naturalidade não será alterada. Assim, uma pessoa nascida em Recife que mude sua nacionalidade para a espanhola jamais mudará sua naturalidade, que continuará eternamente como Recife.

Julga-se possível defender a existência de três princípios gerais de Direito Internacional Público em matéria de nacionalidade. O primeiro é o de que o Estado soberano está obrigado a estabelecer a distinção entre os seus nacionais e os estrangeiros, tendo em vista a obrigatoriedade da sua dimensão pessoal. O segundo encontra-se no art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e corresponde à afirmação de que todo indivíduo tem direito a uma nacionalidade, não podendo dela ser arbitrariamente privado. Por último, tem-se o princípio da efetividade da nacionalidade, na medida em que o vínculo não deve ser meramente formal ou artificial, mas antes refletir a existência de laços consistentes entre o indivíduo e o Estado5.

ser tratado na disciplina do direito internacional privado está no fato de a nacionalidade refletir sobre dois temas básicos de direito internacional privado, a saber, os elementos de conexão e a questão prévia”.

3 Cf. Alexandre de Moraes. Direito constitucional, cit., p. 213.4 Cf. Jacob Dolinger. Direito internacional privado: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Re­

novar, 2005. p. 155.5 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, c it, p. 181-183. O autor cita, ainda,

a prática generalizada de excluírem-se da atribuição de nacionalidade ju s soli os filhos

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Cap. 8 - 0 INDIVÍDUO 149

A nacionalidade pode ser originária ou derivada. A nacionalidade originária resulta do nascimento do indivíduo e a derivada provém da mudança de nacionalidade anterior (naturalização).

A nacionalidade originária pode ser atribuída conforme três crité­rios, a saber: o jus sanguinis, o jus soli e o critério misto, que conjuga ambos.

De acordo com o critério do jus sanguinis (origem sanguínea), a nacionalidade do indivíduo é determinada pela ascendência, ou seja, ao nascer, o indivíduo adquire a nacionalidade dos seus pais, independente­mente do local de nascimento. Neste caso, supondo que Portugal adote o critério do jus sanguinis, terá a nacionalidade portuguesa o filho de portugueses nascido no Brasil.

Pelo critério do jus soli, o indivíduo adquire a nacionalidade do Estado em que nasceu, independentemente da nacionalidade dos seus pais. Logo, supondo que os Estados Unidos adotem este critério, terá a nacionalidade americana o filho de mexicanos nascido nos Estados Unidos.

Existe, ainda, o sistema misto, que consiste exatamente na combinação dos critérios anteriores.

Cumpre destacar que, em caso de conflito positivo entre os critérios do jus sanguinis e do jus soli, um indivíduo pode nascer com dupla nacionali­dade. Imagine o exemplo hipotético de uma criança filha de um cubano e de uma portuguesa que nasce em Madri, na Espanha. Supondo que Cuba adote o sistema misto e Portugal e Espanha o do jus sanguinis, a criança será natural de Madri, mas terá as nacionalidades cubana e portuguesa.

Também existe a possibilidade de ocorrência de um conflito nega­tivo, em que a criança não adquire a nacionalidade segundo o jus soli, tampouco de acordo com o jus sanguinis. Nesse caso, a criança será considerada apátrida. A questão da apatridia é um grave desafio para o Direito Internacional, mas cuja solução pode ser a de conferir a toda pes­soa o direito à nacionalidade do Estado em cujo território tenha nascido, na ausência de outra6.

Hildebrando Accioly lembra que, “no passado, a nacionalidade era sempre a dos pais (jus sanguinis), mas, com o surgimento dos Estados Unidos e dos países da América Latina, os dirigentes dos novos países

de agentes de Estados estrangeiros (diplomatas, cônsules), assim como da proibição do banimento (nenhum Estado por expulsar nacional seu com destino a território estrangeiro ou espaço de uso comum).

6 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 185.

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150 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

compreenderam que o novo critério deveria ser adotado, daí surgindo o critério do jus soli”7.

Consoante exposto, cabe a cada Estado definir o sistema de atribuição de nacionalidade que pretende adotar, conforme sua conveniência, sempre respeitados os princípios gerais de Direito Internacional Releva notar que os Estados que experimentam a emigração dos seus nacionais costumam adotar o sistema do jus sanguinis, para manter sua nacionalidade sobre os filhos dos seus nacionais emigrados. Por seu turno, os Estados que incentivam a imigração, tendem a adotar o critério do jus soli> de modo a integrar mais rapidamente os imigrantes bem-vindos8.

8.2 A NACIONALIDADE BRASILEIRA: AQUISIÇÃO E PERDA

A nacionalidade brasileira é matéria constitucional e rege-se pelas disposições do art. 12 da Constituição da República de 1988. Este artigo distingue os brasileiros natos dos brasileiros naturalizados. Como veremos, o Brasil não adotou nenhum dos sistemas atributivos de nacionalidade de forma rígida, pois ora aceita o do jus soli, ora o do jus sanguinis.

Os brasileiros natos são aqueles que, ao nascerem (geralmente no Brasil, mas eventualmente no exterior), têm atribuída a nacionalidade brasileira ou, quando isto não ocorre automaticamente, têm a perspectiva de, no futuro, consolidarem a nacionalidade brasileira mediante opção com efeitos retroativos9.

Nos termos do art. 12, inciso I, da Constituição Federal de 1988, são brasileiros natos:

(i) os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

(ii) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço do Brasil; e

(iii) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir no Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

7 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Manual de direito internacional público, cit., p. 488.

s Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público . cit., p. 157.9 Cf. José Francisco Rezek. Idem, p. 186.

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Cap, 8 - 0 INDIVÍDUO 151

Primeiramente, fundada no critério territorial, a Constituição considera brasileiros natos os nascidos em território brasileiro, ainda que de pais estrangeiros, contanto que eles não estejam a serviço de seu pais. Embora a Constituição não apresente solução para os nascimentos ocorridos em espaços não submetidos à jurisdição de qualquer Estado (o aíto-mar e o espaço aéreo respectivo, por exemplo), Pontes de Miranda defendeu que se deve entender nascidos no Brasil os nascidos a bordo de navios ou aeronaves de bandeira brasileira em tráfego por espaços neutros10.

Outrossim, a primeira hipótese demonstra claramente o afastamento do sistema do jus soli, na medida em que o filho de pais estrangeiros que se encontrem no Brasil a serviço do seu Estado, ainda que aqui nascido, não terá a nacionalidade brasileira.

De acordo com a segunda situação, são brasileiros natos os indiví­duos nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, desde que um deles lá se encontre a serviço do Brasil. Ainda que um dos cogenitores seja estrangeiro, a criança terá nacionalidade brasileira, caso o cogenitor brasileiro esteja no estrangeiro a serviço do Brasil. De referir que o ter­mo “a serviço do Brasil” deve ser interpretado extensivamente, não se restringindo aos serviços diplomáticos e consulares. Compreende, pois, as atribuições derivadas tanto da Administração Pública Direta (União, Estados e Municípios), quanto das pessoas jurídicas integrantes da Ad­ministração Pública Indireta.

Por fim, a Constituição permite aos nascidos no estrangeiro, mesmo que seus pais não lá estivessem a serviço do Brasil, a consolidação da na­cionalidade brasileira nata mediante o registro na repartição brasileira com­petente ou mediante a opção, após atingida a maioridade, dos que venham a residir no Brasil. A opção deve ser feita em juízo, por meio de processo de jurisdição voluntária, cuja competência é da Justiça Federal, conforme preceitua o art. 109, X, da Constituição da República de 1988n.

Com efeito, “todos os países reconhecem o direito de estrangeiros adquirirem por naturalização sua nacionalidade, preenchidas determinadas condições, que podem ser mais ou menos severas de conformidade com a política demográfica do país”12.

10 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 187.H Cf. Acórdão da Ação Cautelar AC 70/RS, Supremo Tribunal Federal, rei. Min. Sepúlveda

Pertence, publicado no D J de 12.03.2004: “A opção pela nacionalidade, embora potesta- tiva, não é de forma livre: há de fazer-se em juízo, em processo de jurisdição voluntária, que finda com a sentença que homologa a opção e lhe determina a transcrição, uma vez acertados os requisitos objetivos e subjetivos dela” .

12 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 490.

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152 DÍRHITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

No Brasil, o inciso II do art. 12 da Constituição da República de 1988 prevê a figura dos brasileiros naturalizados e os define como:

(i) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral {naturalização ordinária);

(ii) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes no Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira {naturalização extraordinária).

A lei de que fala a Constituição é o Estatuto do Estrangeiro - Lei 6.815/1980. O seu art. 122 estabelece as seguintes condições para a concessão da naturalização: a) capacidade civil, segundo a lei brasileira; b) ser registrado como permanente no Brasil; c) residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização; d) ler e escrever a língua portugue­sa; e) exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família; f) bom procedimento; g) inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada superior a um ano; e g) boa saúde.

Vigora o entendimento de que, no caso da naturalização com base no Estatuto do Estrangeiro (referida no art. 12, inciso II, alínea a , da Constituição - a naturalização ordinária), o govemo pode recusá-la, ainda que preenchidos os requisitos exigidos13. Isto porque o pretendente não goza de um direito subjetivo à concessão da naturalização, afinal este é um ato unilateral e discricionário de soberania do Estado.

Outrossim, entende-se que, no caso da alínea b, do inciso II, do art. 12 da Constituição Federal (naturalização extraordinária), “a naturalização não é ato discricionário, não depende do critério governamental e deverá ser concedida”14.

Os pedidos de naturalização ordinária ou extraordinária são ende­reçados ao Ministro da Justiça e podem ser apresentados perante o De­partamento de Estrangeiros da Polícia Federal. O Ministério da Justiça conta com uma Divisão de Nacionalidade e Naturalização para apreciação dos pedidos.

13 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 579.14 Cf. Jacob Dolinger. Direito internacional privado, cit., p. 180.

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Cap. 8 - 0 INDIVÍDUO 153

Os efeitos da naturalização são: i) transformar o estrangeiro em um nacional brasileiro, possibilitando sua integração à comunidade a que per­tence; e ii) desvincular o estrangeiro da sua nacionalidade anterior, com efeito ex nunc. A natureza jurídica da naturalização é constitutiva15.

Impõe-se explorar, outrossim, a questão da perda da nacionalidade. No Brasil, tanto o brasileiro nato como o naturalizado podem ter esse vínculo extinto. É de observar que a perda da nacionalidade jamais pode ser arbitrária, justamente porque vigora no Direito Internacional a regra segundo a qual todo indivíduo tem direito a uma nacionalidade, não po­dendo dela ser injustamente privado.

Conforme o § 4.° do art. 12 da Constituição Federal, será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

(i) tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

(ii) adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira e de imposição de natu­ralização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

Logo, o brasileiro naturalizado perderá sua nacionalidade por exercer atividade contrária ao interesse nacional. O processo de cancelamento de naturalização, cuja competência é da Justiça Federal (art. 109, inciso X, da Constituição da República), deve respeitar os princípios do contradi­tório e da ampla defesa.

Já o brasileiro nato apenas perderá sua nacionalidade nos casos de aquisição voluntária de outra nacionalidade. Este caso também se aplica aos brasileiros naturalizados. A razão de ser da norma se deve ao fato de o Brasil ter se tomado um país de emigração, o que tomou necessário manter vinculados ao Brasil aqueles seus nacionais que se veem obrigados a aceitar a naturalização no estrangeiro. Não se cogita, portanto, a perda da nacionalidade brasileira nos casos em que a aquisição de outra nacio­nalidade é compulsória, isto é, nos casos em que o Estado estrangeiro impõe a naturalização ao brasileiro como requisito para sua permanência em seu território ou para o exercício dos seus direitos civis.

15 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional, c it, p. 581.

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154 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

A perda decorrente de aquisição voluntária de outra nacionalidade resultará de processo administrativo que tramitará perante o Ministério da Justiça, em que devem ser assegurados os princípios do contraditório e da ampla defesa. A declaração da perda da nacionalidade cabe ao Presidente da República, mediante decreto.

Por fim, releva notar que o indivíduo que teve a sua naturalização cancelada jamais poderá reaver a nacionalidade brasileira, a menos que o processo de cancelamento da naturalização seja desfeito por ação rescisó­ria. Já o indivíduo que perdeu a nacionalidade brasileira por naturalização voluntária poderá reavê-la por decreto do Presidente da República, desde que esteja domiciliado no Brasil16.

8.3 O ESTATUTO DA IGUALDADE

Em 1971, a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa firmaram um tratado bilateral - a Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, por meio do qual estabeleceram um estatuto de igualdade entre seus nacionais. Referido estatuto altera a clássica noção de nacionalidade como pressuposto da cidadania, uma vez que o seu regime, mantendo intacto o vínculo de nacionalidade com um dos dois Estados, toma possível que o indivíduo passe a exercer, no outro Estado, direitos inerentes à condição de cidadão17.

Presentemente, o Estatuto da Igualdade é definido pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, concluído em 22.04.2000, em Porto Seguro, que ab-rogou a Convenção de 1971.

Conforme o Tratado de 2000, os “brasileiros em Portugal e os por­tugueses no Brasil, beneficiários do estatuto da igualdade, gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados” (art. 12), salientando que o exercício destes direitos e deveres “não implicará a perda das respectivas nacionalidades” (art. 13, § 1.°). Conforme o art. 14 do Tratado, o regime de equiparação não engloba os direitos que as Constituições brasileira e portuguesa reservam aos seus indivíduos cuja nacionalidade é originária.

16 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 585.17 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 190.

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Cap. 8 - 0 ÍND1VÍDUO 155

Com efeito, “o estatuto prevê dois procedimentos: o relativo à sim­ples igualdade de direitos e obrigações civis, e um segundo, mais amplo, tendente à obtenção também dos direitos políticos”58.

O benefício do estatuto da igualdade (chamado de equiparação) é concedido individualmente e deve ser pleiteado perante o Ministério da Justiça, no Brasil, e junto ao Ministério da Administração Interna, em Portugal, impondo-se como condição a capacidade civil do requerente e a residência permanente no outro Estado (caso objetive apenas a igual­dade de direitos e obrigações civis), além de prova do gozo dos direitos políticos (caso pretenda a cobertura plena do estatuto).

8.4 A SITUAÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO NO BRASIL:DIREITOS, PASSAPORTES E TIPOS DE VISTOS

É o vínculo da nacionalidade que difere os nacionais de um Estado dos demais indivíduos que, a título provisório ou definitivo, se encontrem em seu território. Os indivíduos que estejam no território de um Estado do qual não sejam nacionais são os estrangeiros.

Os Estados não são obrigados a admitir estrangeiros em seu território, quer provisoriamente, quer em caráter definitivo, por força da sua soberania e independência. Por tal motivo, a admissão de estrangeiros configura- -se ato discricionário do Estado, que pode estabelecer as condições que entender convenientes para a admissão de estrangeiros em seu território. Contudo, o Estado não pode negar o ingresso de estrangeiros em seu território com base em motivos discriminatórios, tais com em função da raça ou da nacionalidade.

O passaporte é o principal documento que possibilita aos Estados o controle da entrada e saída dos estrangeiros em seu território. O passaporte é, via de regra, expedido pela polícia de cada Estado (Polícia Federai, no Brasil) e, além de permitir o ingresso de um estrangeiro em outro Estado, serve como documento de identificação pessoal. Sua natureza jurídica é de documento policial19.

No Brasil, o passaporte pode ser classificado em cinco categorias, a saber: comum, oficial, diplomático, para estrangeiro e de emergência2®. Os passaportes diplomático e oficial são emitidos pelo Ministério das Relações

18 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 19 L19 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 593.20 Cf. Decreto n° 5.978/2006, que “dá nova redação ao Regulamento de Documentos de Via­

gem a que se refere o Anexo ao Decreto n. 1.983, de 14 de agosto de 1996, que instituiu

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156 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Exteriores. Os passaportes comum, para estrangeiro e de emergência são expedidos, no território nacional, pelo Departamento de Polícia Federal e, no exterior, pelas missões diplomáticas ou repartições consulares.

O passaporte comum é o concedido a todo brasileiro que pretenda sair do território nacional ou a ele retomar.

O passaporte para estrangeiro é concedido: (i) ao apátrida e ao de nacionalidade indefinida; (ii) ao asilado e ao refugiado, devidamente reconhecidos nessa condição; (iii) ao nacional de País que não tenha representação no território nacional, nem seja representado por outro país, ouvido, neste caso, o Ministério das Relações Exteriores; (iv) ao estrangeiro comprovadamente desprovido de qualquer documento de identidade ou de viagem, e que não tenha como comprovar sua nacionalidade; e (v) ao estrangeiro legalmente registrado no Brasil e que necessite deixar o território nacional e a ele retomar, nos casos em que não disponha de documento de viagem (art. 12, I, do Anexo do Decreto 5.978/2006).

O passaporte de emergência é concedido àquele que, tendo preenchido os requisitos gerais para concessão de passaporte, necessite de documento de viagem com urgência e comprovadamente não possa aguardar o prazo regular para sua entrega, nas hipóteses de catástrofes naturais, conflitos armados ou outras situações de emergência, quer individuais, quer coletivas, definidas em ato do Ministério da Justiça ou do Ministério das Relações Exteriores, conforme o caso. Não obstante, tais exigências poderão ser dispensadas em situações excepcionais devidamente justificadas pela au­toridade concedente (art. 13 do Anexo do Decreto 5.978/2006).

O passaporte oficial é concedido: (i) aos servidores da administração direta que viajem em missão oficial ou a serviço dos Governos Federal, Estadual e do Distrito Federal; (ii) aos servidores das autarquias dos go­vernos Federal, Estadual e do Distrito Federal, das empresas públicas, das fundações federais e das sociedades de economia mista em que a União for acionista majoritária; (iii) às pessoas que viajem em missão relevante para o País, a critério do Ministério das Relações Exteriores; e (iv) aos auxiliares de adidos credenciados pelo Ministério das Relações Exterio­res (art. 8.° do Anexo do Decreto 5.978/2006). No território nacional, o passaporte oficial será autorizado pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, ao passo em que, no exterior, será autorizado pelo chefe da missão diplomática ou da repartição consular.

o Programa de Modernização, Agilização, Aprimoramento e Segurança da Fiscalização do Tráfego Internacional e do Passaporte Brasileiro - PROMASP”.

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Cap. 8 - 0 INDIVÍDUO 157

Por seu turno, o passaporte diplomático é concedido:(i) ao Presidente da República, ao Vice-Presidente e aos ex-Presidentes da República; (ii) aos Ministros de Estado, aos ocupantes de cargos de natureza especial e aos titulares de Secretarias vinculadas à Presidência da República;(iii) aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal; (iv) aos funcionários da Carreira de Diplomata, em atividade e aposentados, de Oficial de Chancelaria e aos Vice-Cônsules em exercício; (v) aos correios diplomáticos; (vi) aos adidos credenciados pelo Ministério das Relações Exteriores; (vii) aos militares a serviço em missões da Organização das Nações Unidas e de outros organismos internacionais, a critério do Ministério das Relações Exteriores; (viii) aos chefes de missões diplomáticas especiais e aos chefes de delegações em reuni­ões de caráter diplomático, desde que designados por decreto; (ix) aos membros do Congresso Nacional; (x) aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União; (xi) ao Procurador-Geral da República e aos Subprocuradores-Gerais do Ministério Público Federal; e (xii) aos juizes brasileiros em Tribunais Internacionais Judiciais ou Tribunais Internacionais Arbitrais (art. 6.° do Anexo do Decreto 5.978/2006).

E válido registrar a existência de outros documentos de viagem, assim considerados pelo art. l.° do Anexo do Decreto 5.978/2006, quais sejam, o laissez-passer, a autorização de retomo ao Brasil, o salvo-conduto, o certificado de membro de tripulação de transporte aéreo, a carteira de marítimo e a carteira de matrícula consular.

“O laissez-passer é o documento de viagem, de propriedade da União, concedido, no território nacional, pelo Departamento de Polícia Federal e, no exterior, pelo Ministério das Relações Exteriores, ao estrangeiro portador de documento de viagem não reconhecido pelo govemo brasi­leiro ou que não seja válido para o Brasil” (art. 14 do Anexo do Decreto 5.978/2006).

Finalmente, cumpre destacar que a cédula de identidade civil ou documento estrangeiro equivalente poderá ser considerado documento de viagem, quando admitidos em tratados, acordos e outros atos internacionais (art. 1.°, V, do Anexo do Decreto 5.978/2006).

Em que pese a não obrigatoriedade em admitir estrangeiros, não se tem notícia de Estado que se utilize dessa prerrogativa para fechar suas portas, sobretudo nos tempos atuais. Contudo, a partir do momento em que o Estado admite o estrangeiro em seu território, passa a ter, em relação a

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158 DÍREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

ele, deveres oriundos do Direito Internacional costumeiro e escrito, cuja dimensão varia conforme a natureza do ingresso21.

Os direitos reconhecidos aos estrangeiros são os direitos humanos e os direitos civis e de família. Logo, o estrangeiro goza da liberdade individual, da inviolabilidade pessoal, da liberdade de consciência, e ou­tros correlatos22. O estrangeiro não tem, entretanto, direitos políticos, não podendo votar nem ser votado, tampouco habilitar-se a carreira estatutária no serviço público23.

No Brasil, a situação jurídica do estrangeiro é regulada pela Lei 6.815/1980 (com as alterações da Lei 6.964/1981), conhecida como o Estatuto do Estrangeiro24.

A entrada do estrangeiro no Brasil pode ocorrer sob diversos títulos. Em linhas gerais, distingue-se o imigrante do forasteiro temporário. O imigrante é aquele estrangeiro que se instala era Estado que não o da sua nacionalidade com ânimo de permanência definitiva, enquanto o forasteiro é o indivíduo que ingressa no Estado estrangeiro a título temporário, como os turistas, estudantes e missionários25.

O Estatuto do Estrangeiro prevê, em seu art. 4.°, a possibilidade de concessão ao estrangeiro que pretenda ingressar no território nacional dos seguintes tipos de vistos: trânsito, turista, temporário, permanente, cortesia, oficial e diplomático. Pode ser dispensada a exigência de visto de turista ao nacional de país que dispense a exigência deste mesmo visto aos brasileiros, contanto que esta reciprocidade seja estabelecida por meio de tratado internacional (art. 10).

O visto não será concedido ao estrangeiro: menor de 18 anos, desa­companhado do responsável legai ou sem autorização expressa; considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais; anteriormente expulso do Brasil, a menos que a expulsão tenha sido revogada; condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição pela lei brasileira; e que não satisfaça as condições de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde (art. 7.°).

21 C-f. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 193.22 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de

direito internacional público, cit.5 p. 492.23 Cf. José Francisco Rezek. Idem, p. 194.24 Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella afirmam que “a

legislação relativa à condição jurídica do estrangeiro tem sua justificativa no direito de conservação e no de segurança do estado, mas deve, sempre, ter como base o respeito aos seus direitos humanos”. Cf. Idem, p. 491.

25 Cf. José Francisco Rezek. Idem, p. 193.

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Cap. 8 - 0 INDIVÍDUO 159

Nunca é demais lembrar que a concessão do visto não representa um direito do indivíduo de entrar no território estrangeiro. Na verdade, o visto corresponde a uma mera expectativa de admissão26.

O visto de trânsito é concedido ao estrangeiro que, para atingir o país de destino, precise entrar em território nacionál. Não será exigido ao estran­geiro em viagem contínua, que só se interrompa para escalas obrigatórias do meio de transporte utilizado. O visto de trânsito é válido para uma estada de até dez dias improrrogáveis e uma só entrada (art. 8.°, §§ 1.° e 2.°).

O visto de turista é concedido ao estrangeiro que venha ao Brasil em caráter recreativo ou de visita, ou seja, aquele que não tenha finalidade imigratória, tampouco intuito de exercício de atividade remunerada. O seu prazo de validade será de até cinco anos, fixado pelo Ministério das Rela­ções Exteriores, dentro de critérios de reciprocidade, e possibilitará múltiplas entradas no Brasil, com estadas não excedentes a 90 dias, prorrogáveis por igual período, totalizando o máximo de 180 dias por ano (arts. 9.° e 12).

O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil: (i) em viagem cultural ou em missão de estudo; (ii) em viagem de negócios; (iii) na condição de artista ou desportista; (iv) na condição de estudante; (v) na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do govemo brasileiro; (vi) na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira; e (vii) na condição de ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa (art. 13).

Nas hipóteses (ii) e (iii), o prazo de estada será de até 90 dias. Na situação (vii), de até um ano. No caso (iv) o prazo será de um ano, prorrogável mediante prova do aproveitamento escolar e da matrícula. Nos demais casos, o prazo da estada será correspondente à duração da missão, do contrato, ou da prestação de serviços, comprovada perante a autoridade consular (art. 14).

O visto permanente poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda se fixar, em caráter definitivo, no Brasil. Além dos requisitos fixados pela lei, o estrangeiro precisa satisfazer as exigências especiais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigração27.

26 Reza o art. 26 do Estatuto do Estrangeiro que “o visto concedido pela autoridade consu­lar configura mera expectativa de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstado ocorrendo qualquer dos casos do art, 7.°, ou a inconveniência de sua presença no território nacional, a critério do Ministério da Justiça”.

27 Conforme o parágrafo único do art. 16 do Estatuto do Estrangeiro, “a imigração objetiva­rá, primordialmente, propiciar mão-de-obra especializada aos vários setores da economia

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160 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

O visto de cortesia é concedido a personalidades e autoridades de um Estado no qual o Brasil mantém missão diplomática ou repartição consular, que pretendam ir ao Brasil em viagem não oficial. O prazo de estada do visto de cortesia não pode ser superior a 90 dias.

O visto oficial poderá ser concedido a autoridades e funcionários es­trangeiros e de organizações internacionais que pretendam viajar ao Brasil em missão oficial, tenha ela caráter transitório ou permanente.

Outrossim, o visto diplomático é concedido a autoridades e funcio­nários estrangeiros de nível diplomático e de organizações internacionais que viajem ao Brasil para o exercício de suas missões oficiais.

Observe-se que a Lei 12.134/2009 alterou o art. 20, parágrafo único, do Estatuto do Estrangeiro para determinar que “a validade para a utilização de qualquer dos vistos é de 90 (noventa) dias, contados da date de sua conces­são, podendo ser prorrogada pela autoridade consular uma só vez, por igual prazo, cobrando-se os emolumentos devidos, aplicando-se esta exigência somente a cidadãos de países onde seja verificada a limitação recíproca.”

Finalmente, releva notar que o visto é individual, embora sua con­cessão possa ser estendida a dependentes legais do estrangeiro (art. 4.°, parágrafo único).

8.5 ADMISSÃO, DEPORTAÇÃO, EXPULSÃO E EXTRADIÇÃO

A admissão do estrangeiro no Brasil depende do preenchimento dos requisitos estabelecidos por lei e da discricionariedade da Polícia Federal. Como exposto, há casos em que o estrangeiro pode ingressar no terri­tório nacional sem visto (quando houver reciprocidade estabelecida por tratado internacional). Nas demais situações, o estrangeiro necessita do competente visto, muito embora ele corresponda à mera expectativa de direito de entrada. O princípio norteador da admissão é, portanto, o da discricionariedade do Estado soberano.

Logo, existe a figura do impedimento à entrada de estrangeiro, que não deve ser confundida com a deportação, tampouco com a expulsão e muito menos com a extradição. No impedimento à entrada de estran­geiro, ele não chega a ultrapassar a barreira policial da fronteira, porto ou aeroporto, razão pela qual não ingressa no território nacional. Caso

nacional, visando à Política Nacional de Desenvolvimento em todos os aspectos e, em especial, ao aumento da produtividade, à assimilação de tecnologia e à captação de recursos para setores específicos”.

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Cap. 8 - 0 INDIVÍDUO 161

impedido pela autoridade policial de fronteira, o estrangeiro é mandado de volta à origem28.

A deportação consiste na determinação de saída compulsória, do ter­ritório nacional, do estrangeiro que ingressou de modo irregular ou cuja estada tenha se tomado irregular. Exemplos clássicos de estada irregular são o excesso de prazo e o exercício de trabalho remunerado por turista. Cumpre destacar que a deportação nada tem a ver com a prática de crime. O que ocorre é um desrespeito ou inobservância das regras relativas ao ingresso e permanência de estrangeiros no território nacional.

No Brasil, a competência para efetuar a deportação de estrangeiro é da Polícia Federal, não havendo envolvimento da cúpula do govemo, tampouco do Judiciário. Segundo Rezek, “a medida não é exatamente punitiva, nem deixa seqüelas. O deportado pode retomar ao país desde o momento em que se tenha provido de documentação regular para o ingresso”29. É necessário observar que a deportação não terá lugar se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira (art. 63). Finalmente, é válido registrar que de acordo com as disposições do Estatuto do Estrangeiro, o indivíduo deportado poderá retomar ao Brasil, desde que regularize a sua situação.

Vigora pacificamente no Direito Internacional uma regra segundo a qual o Estado tem o direito de expulsar do seu território os estrangeiros que atentarem contra a segurança nacional ou contra a tranqüilidade pública30.

É possível definir a expidsão como a medida repressiva por meio da qual um Estado exclui do seu território o estrangeiro que, de alguma maneira, ofendeu e violou as normas de conduta ou as leis locais, por meio da prática de atos contrários à segurança e à tranqüilidade, ainda que tenha ingressado no país regularmente3'.

O Estatuto do Estrangeiro prevê a possibilidade de expulsão do es­trangeiro que: venha a praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil; tendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo aconselhável a deportação; entregar-se à vadiagem ou à men­dicância; ou desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro (art. 65, parágrafo único).

2S Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 195.29 Cf. José Francisco Rezek. Idem, p. 195.30 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Pauio Borba Casella. Manual de

direito internacional público , cit., p. 502.31 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 599.

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Embora seja ato discricionário, sujeito à conveniência e oportunidade, o direito de expulsão não pode ser exercido arbitrariamente. O ato de expulsão deve ser precedido de um inquérito perante o Ministério da Justiça, em que se conceda ao estrangeiro o direito à ampla defesa. A conveniência e opor­tunidade do ato de expulsão serão analisadas pelo Presidente da República que, decidindo pela expulsão, materializá-la-á por meio de decreto32.

Os efeitos da expulsão são mais graves que o da deportação, na medida em que o estrangeiro expulso fica impossibilitado de retomar ao país. A única hipótese de retomo do expulso será a revogação do decreto de expulsão anterior, por novo decreto (art. 66). Deste modo, vê-se que a deportação e a expulsão diferem quanto à causa, quanto ao processo e quanto aos efeitos33.

E imperioso registrar que não será expulso o estrangeiro quando a expulsão implicar extradição inadmitida pela lei brasileira ou quando o estrangeiro tiver: (i) cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de cinco anos; ou (ii) filho brasileiro que, comprova­damente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.

A extradição resume-se na entrega, de um Estado a outro que o te­nha requerido, de um indivíduo que deva responder a processo penal ou cumprir pena no território do Estado requerente. Jamais terá lugar por razões de natureza civil; apenas por questões de ordem penal.

Segundo Hildebrando Accioly, a extradição é o ato por meio do qual um Estado entrega a outro Estado indivíduo acusado de ter cometido crime de certa gravidade ou que já se ache condenado por aquele, após haver se certificado de que os direitos humanos do extraditando serão garantidos34.

Resulta, em regra, de um tratado internacional concluído entre os Estados envolvidos, no qual são geralmente estabelecidos os pressupostos exigidos para que se conceda a extradição35 e tem por finalidade evitar, mediante a cooperação internacional, que um indivíduo deixe de pagar pelas conseqüências do crime que cometeu36.

3- Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 196.35 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Manual de

direito internacional público, cit., p. 504.34 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Idem, p. 499.35 José Francisco Rezek ressalta que “na falta de tratado, o pedido de extradição só fará

sentido se o Estado de refúgio do indivíduo for receptivo - à luz de sua própria legisla­ção - a uma promessa de rec ip ro c id a d e Cf. Idem, p. 197-198.

36 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Idem, p. 502.

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O Brasil não extradita brasileiros natos, mas tão somente os naturaliza­dos em caso de crime comum, praticado anteriormente à naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de drogas e entorpecentes (art. 5.°, LI, da Constituição da República).

De acordo com o Estatuto do Estrangeiro, não se concederá a ex­tradição quando: (i) se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido; (ii) o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente; (iii) o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando; (iv) a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a um ano; (v) o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fiindar o pedido; (vi) estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente; (vii) o fato constituir crime político; e (viii) o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção (art, 77).

Caso concedida, a entrega do extraditando somente ocorrerá caso o Estado requerente assuma o compromisso: (i) de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido; (ii) de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição; (iii) de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação; (iv) de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e (v) de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena (art. 91).

É de extrema importância destacar a influência que exercem os prin­cípios da identidade e da especialidade no que atine à extradição. De acordo com estes princípios, a extradição somente será concedida quando houver identidade do crime e da pena aplicada, além da garantia de que o extraditando não será julgado por crime diferente do que fundamentou o pedido de extradição (especialidade).

A extradição corresponde a uma relação executiva em que os Poderes Judiciários de ambos os Estados estão envolvidos. O Estado interessado somente solicitará a extradição caso haja um processo penal, em curso ou findo, perante seu Judiciário. O pedido deve ser solenemente formulado pela via diplomática e respondido de igual maneira. O pedido de extradição será encaminhado pelo Ministério das Relações Exteriores ao Supremo Tribunal Federal, a quem compete se pronunciar sobre sua legalidade e

í

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164 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

procedência (art. 102, I, g, da Constituição Federal e arts. 80, 81 e 83 do Estatuto do Estrangeiro)37.

8.6 ASILO POLÍTICO, ASILO DIPLOMÁTICO E REFÚGIO38

O asilo político é o acolhimento, pelo Estado, de indivíduo estran­geiro perseguido em outro Estado, ainda que não necessariamente o da sua nacionalidade, em função de dissidência política, delitos de opinião ou, ainda, por crimes relacionados com a segurança do Estado, que não configuram violação do Direito Penal comum. Os pressupostos para sua concessão são a natureza política dos delitos atribuídos ao fugitivo e a atualidade da perseguição39. O objetivo do asilo político é preservar a liberdade e a vida do indivíduo perseguido.

No Brasil, a possibilidade de concessão do asilo político encontra-se no art. 4.°, inciso X, da Constituição da República de 1988. A concessão de asilo político consiste em um dos princípios que regem as relações internacionais do Estado brasileiro.

Os arts. 28 e 29 do Estatuto do Estrangeiro estabelecem que “o es­trangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político ficará sujeito, além dos deveres que lhe forem impostos pelo Direito Internacional, a cumprir as disposições da legislação vigente e as que o Govemo brasileiro lhe fixar”, bem como que “o asilado não poderá sair do País sem prévia autorização do Govemo brasileiro”.

Na esfera internacional, o asilo político está previsto no art. 14, §§1.° e 2.°, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no art. 22, § 7.°, da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Os Estados não são obrigados pelo Direito Internacional a conceder o asilo político. A Convenção de Caracas de 1954 proclama em seu art. 2.° que todo Estado tem o direito de conceder o asilo, mas não é obrigado a

37 Valerio Mazzuoli ensina que “o procedimento do pedido de extradição comporta três fases no sistema brasileiro: a) uma administrativa (sob a responsabilidade do Poder Executivo), até seu envio ao Supremo Tribunal Federal; b) uma judiciária (exame no STF da legalidade e procedência do pedido), prevista no art. 102, inc. í, alínea g, da Constituição; e c) outra novamente administrativa, na qual o govemo procede à entrega do extraditando ao país requerente ou comunica a esse Estado sua negativa, caso o pleito tenha sido indeferido pelo STF. Cf. Curso de direito internacional público, cit., p. 607.

38 Para maior aprofundamento, sugerimos a leitura das seguintes obras: Gina Clayton. Textbook on immigration and asylum law. Oxford: Oxford University Press, 2004, e Carlos A. Fernandes. Do asilo diplomático. Coimbra: Coimbra Ed., 1961.

39 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 214-215.

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fazê-lo, nem a declarar por que o nega. Entretanto, uma vez concedido, entende-se que devem os Estados fornecer ao asilado a documentação necessária à sua permanência em seu território nacional40.

Outra modalidade de asilo político é o asilo diplomático. O asilo di­plomático é um instituto latino-americano que surgiu no início do século XIX, como resultado da combatividade política decorrente do fenômeno da independência. Os perseguidos políticos buscavam os locais invioláveis mais próximos ao seu alcance, que eram justamente as embaixadas. En­quanto na Europa era relativamente pequena a distância entre um Estado e outro, o mesmo não ocorria na América. Portanto, era nos locais de missão diplomática que se buscava o asilo41.

A diferença aqui consiste no fato de que, em vez de buscar asilo no território de outro Estado, em virtude da dificuldade física de transposição das fronteiras, o perseguido busca asilo na embaixada do Estado estran­geiro, ainda que situada no território do Estado em que é perseguido. O fundamento para tanto, por óbvio, é a regra costumeira e escrita de Direito Internacional da inviolabilidade dos locais de missão.

Há três tratados regionais sobre o asilo diplomático: a Convenção de Havana de 1928, a Convenção de Montevidéu de 1933 e a Convenção de Caracas de 1954. Os pressupostos para sua concessão são os mesmos do asilo político propriamente dito.

O asilo diplomático é também um direito do Estado asilante, que pode ou não concedê-lo. Mas o fato é que, embora não se reconheça aos indivíduos perseguidos em geral um direito ao asilo, na prática os Estados o encaram como um ato humanitário42.

Por último, algumas palavras sobre o refúgio, que não se confunde com o asilo. Enquanto no asilo o indivíduo é normalmente perseguido por questões políticas e ideológicas, no refugio as perseguições geralmente ocorrem por motivos de raça, religião, nacionalidade ou outros motivos que se aplicam a um grupo, isto é, a perseguição, em regra, é coletiva, e não individual.

Em âmbito universal, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) cuida da matéria. Existe uma Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1966 que regulam a condição de refugiado.

40 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, p. 615.41 Em 1949 o peruano Haya de La Torre buscou asilo na Embaixada da Colômbia em Lima,

oo Peru e o seu caso é considerado o leading case em matéria de asilo diplomático.42 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Manual de

direito internacional público, cit., p. 377.

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166 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

No Brasil, a Lei 9.474/1997 é que define os mecanismos para im­plementação do Estatuto dos Refugiados. Seu art. l.° enuncia que será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: (i) em razão de funda­dos temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu pais de na­cionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;(ii) não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; e (iii) em virtude da grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refugio em outro país.

A referida lei instituiu o Comitê Nacional para os Refugiados (Co- nare), órgão de deliberação coletiva vinculado ao Ministério da Justiça, com competência para: (i) analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado; (ii) decidir a cessação, em primeira instância, ex ojficio ou mediante requerimento das autorida­des competentes, da condição de refugiado; (iii) determinar a perda da condição de refugiado em primeira instância; (iv) orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados; e (v) aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução da lei (art. 12). O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) é membro convidado permanente nas reuniões do Conare com direito a voz, mas sem direito a voto.

Convém enfatizar que o caráter humanitário é bastante mais nítido no instituto do refugio, quando comparado ao asilo. De toda sorte, o fato é que a finalidade de ambos é, em último caso, a preservação da vida humana.

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QUESTÕES - SUJEITOS INTERNACIONAIS

SU JEITO S

(CESPE/AGU/2009) No Direito Internacional, há necessidade de previsões normativas para os períodos pacíficos e para os períodos turbulentos de conflitos e litígios. A Carta das Nações Unidas e outras convenções internacionais procuram tratar dos mecanismos de resolução de conflitos, bem como disciplinam a ética dos conflitos bélicos e a efetiva proteção dos direitos humanos em ocasiões de conflitos externos ou internos. Acerca desse assunto, julgue os itens a seguir, relativos à jurisdição internacional, aos conflitos internacionais e ao direito penai internacional.1. A ONU deve exercer papel relevante na resolução de conflitos, podendo, inclusive,

praticar açâo coercitiva para a busca da paz.2. Na Carta das Nações Unidas (Carta de São Francisco), admite-se que qualquer litigio

seja resolvido por meio de conflitos armados, desde que autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU.

3. No Direito internacional, há muito tempo, existem as cortes que atuam para a solução de conflitos entre os Estados, como é o caso da Corte Internacional de Justiça. En­tretanto, há fato inédito, no Direito Internacional, quanto à criminalização supranacional de determinadas condutas, com a criação do TPi, tribunal ad hoc destinado à punição de pessoas que pratiquem, em período de paz ou de guerra, qualquer crime contra indivíduos.

(CESPE/AGU/2009) Pode-se fazer um paralelo entre a União Europeia e o MERCOSUL. Ambas as comunidades originam-se de processos de integração e buscam normatizar as suas relações por meio de um direito de integração. Entretanto, há enormes diferenças entre o direito regional do MERCOSUL e o direito comunitário europeu. Acerca desse tema, julgue os itens subsequentes, relativos ao direito de integração e ao MERCOSUL.1. A adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados é um dos

objetivos da criação do MERCOSUL.2. O MERCOSUL garante, de forma semelhante à União Europeia, uma união econômica,

monetária e política entre países.

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168 DIREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga---------- ------------------------------------------------------------------------------------------ 1

3. (OAB-DF/2006.2) Sobre pessoas internacionais, assinale a alternativa CORRE­TA:(A) no caso de sucessão de Estados, a convenção da ONU que trata da sucessão em

matéria de tratados tem por princípio básico que os tratados são transmissíveis obri­gatoriamente;

(B) as servidões - que são restrições por meio das quais um Estado estrangeiro exerce uma competência no território de outro Estado ou um Estado se compromete em favor de outro a não exercer sua competência piena em seu território - têm base convencionai e se extinguem com a sucessão de Estados;

(C) segundo o Tratado de Latrão, é reconhecida ao Vaticano personalidade jurídica inter- nacionaf, o que ihe assegura os direitos de legação e convenção;

(D) a expressão “coletividades não estatais" abrange as mais diferentes pessoas interna­cionais, como os revoltosos em uma guerra interna.

4. (OAB-RJ/290 Exame) Marque a opção que elenca todos os países que integram o MERCOSUL:(A) Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile;(B) Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívía;(C) Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela;(D) Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Colômbia.

5. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Relativamente à personalidade internacio­nai, julgue os itens a seguir.1. A Santa Sé é equiparada aos Estados soberanos, sendo, assim, sujeito do direito

internacionai público.2. A personalidade jurídica dos Estados ê derivada, e a das organizações internacionais,

originária.3. As empresas transnacionais e, em determinadas circunstâncias, as pessoas humanas

poderão figurar como partes perante a Corte Internacional de justiça, motivo pelo qual são consideradas pessoas do direito internacionai púbiico.

4. Tendo em vista as atividades que realizam, concernentes a ações de solidariedade internacionai, as organizações não governamentais (ONGs) passaram a ser admitidas como sujeitos do direito internacional público.

5. A entidade itaipu Binacional é pessoa jurídica de direito privado binacional.

6. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Os sujeitos de direito internacional in­cluem1. Estado abalado pela insurfeição de parte da população contra o seu governo.2. as organizações não governamentais.3. as empresas públicas binacionais.4. os estados-membros de uma federação.5. os indivíduos, perante tribunais internacionais de direitos humanos.

7. (CESPE/TRT5/Juiz/2006) Acerca dos sujeitos de direito internacionai, assinale a opção correta.(A) As organizações internacionais são associações voluntárias de sujeitos de direito inter-

nacionaí, constituídas por atos internos de cada sujeito.

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QUESTÕES - SUJEiTOS ÍNTERNACIONAiS 169

(8) O agente dipiomático é um dos órgãos do Estado para as relações internacionais.(C)A seieção e a nomeação dos agentes diplomáticos são reguladas pelo direito interna­

cional.(D) Os cônsules não podem ser escolhidos entre os nacionais do Estado no quaí vão

servir.(£)A Convenção de Viena de 1963 dispõe sobre as relações diplomáticas.

8. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002} Acerca das organizações internacionais, julgue os seguintes itens.1. As organizações internacionais são instituídas por meio de um tratado multilateraí, de­

nominado tratado constitutivo, que em gerai estabelece os objetivos e as regras para a instituição dos principais órgãos e dispõe sobre os direitos e deveres dos Estados- membros.

2. As organizações internacionais dispõem, necessariamente, de uma única sede, estabe­lecida por meio de tratado bilateral com um dos Estados-membros, denominado acordo da sede.

3. Às organizações internacionais são concedidos privilégios e imunidades similares aos dos Estados.

4. A receita das organizações internacionais resulta basicamente das contribuições (coti- zações) dos Estados-membros, estabelecidas de acordo com o princípio da capacidade contributiva.

5. Em razão de sua própria natureza, as organizações internacionais não estão sujeitas a ação de responsabilidade internacional.

9. {CESPE/Senado Federai/Área 18/2002) A respeito das organizações internacionais, julgue os itens subsequentes.1. Desprovidas de base territorial, as organizações internacionais pactuam acordos de

sede com os Estados-membros, passando, automaticamente, a gozar de imunidades e privilégios semeihantes àqueles dispensados ao corpo diplomático e às instalações de um Estado soberano.

2. Toda organização internacional tem seu próprio conjunto de regras jurídicas internas, do mesmo modo que todo Estado soberano tem seu próprio direito nacional. Todavia,o fundamento jurídico desse conjunto de regras está nos tratados constitutivos das referidas organizações.

3. As agências especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU) são desprovidas de personalidade jurídica própria em direito das gentes.

4. Em face do desenvolvimento historicamente constatado da atuação das organizações internacionais na sociedade internacionai, tende-se a considerar seus atos decisórios como fontes do direito das gentes, na medida em que criem direitos e obrigações no âmbito de sua atuação.

10. (CESPE/AGU/2002) Quando soarem as doze badaladas da meia-noite do dia 19 de maio de 2002, o mundo acolherá com satisfação o Timor Leste na família das nações. Será um momento histórico para o Timor Leste e para as Nações Unidas. Um povo orgulhoso e tenaz realizará o sonho comum a todos os povos de viver como homens e mulheres livres sob um governo que eles mesmos escolheram.Kofi Annan. O mundo não pode abandonar o Timor Leste. In: Folha de S. Paulo, 19/5/2002, A-29 (com adaptações).A partir do texto acima, julgue os itens que se seguem.

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1. Para satisfazer a condição de Estado, taí como prescreve o direito internacionai público,o Timor Leste deve possuir: território, popuiação, governo, independência na condução das suas relações externas e reconhecimento dos demais atores que compõem a so­ciedade internacionai.

2. Para o direito das gentes, o ingresso nas Nações Unidas é condição necessária para que um Estado possa ser considerado sujeito de direito internacional.

3. A popuiação de um país é o conjunto de pessoas (nacionais e estrangeiros) fisicamente instaladas em seu território.

4. O govemo timorense deve ser reconhecido pelos demais membros da comunidade inter­nacional como condição necessária para o reconhecimento do novo Estado.

5. A nacionalidade, vínculo jurídíco-político que une um indivíduo a um Estado, só pode ser concedida peios Estados, que devem observar os princípios do direito internacional que regulam a matéria.

11. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Com referência aos Estados, participantesmais ativos das relações internacionais, julgue os itens que se seguem.1. A personalidade jurídica internacional de um Estado é constituída a partir do seu reco­

nhecimento pelos demais Estados da sociedade internacionai.2. Os Estados têm direito à legítima defesa, quando vítimas de ataque injusto e atua).3. A não ser em situações especiais, como o desrespeito às normas de comércio inter­

nacional, os Estados têm o dever de não intervir nos assuntos internos de outros Estados.

4. Somente os Estados acreditantes podem renunciar às imunidades de natureza penal e civil de que gozem os seus representantes diplomáticos.

5. Os Estados são representados junto a soberanias estrangeiras, para o trato de “assuntosde Estado”, pelos seus funcionários consuiares.

12. (OAB-RS/2004) A adesão de um Estado a um bloco regional:(A) significa a perda de parte da sua soberania.(B) significa o exercício da sua soberania com a transferência de poder.(C) significa o aumento do seu poder pela perda da soberania.(D) não tem qualquer relação com a soberania.

13. (CESPE/TRF5/Juiz/2006) Em cada um dos próximos itens, é apresentada umasituação hipotética acerca do reconhecimento e da sucessão de Estados, seguidade uma assertiva a ser julgada.1. O Estado X, situado no continente americano, tomou-se independente em 2000. Em

2003, o Estado Y, também situado no continente americano, declarou o reconhecimento do Estado X. Nessa situação, somente a partir do referido reconhecimento os atos ema­nados pelo Estado X serão aceitos como válidos pelos tribunais do Estado Y.

2. Um Estado tornou-se independente recentemente. Nessa situação, para que esse Es­tado seja digno de reconhecimento peios demais Estados da sociedade internacional, é necessário que eie posáua população, território, governo e soberania, aíém de ter seu pedido de reconhecimento aceito pelos demais Estados até cinco anos a contar da data de sua independência.

3. Em 1970, o Estado A tornou-se independente, recebendo, em 1972, o reconhecimento do Estado B. Em 1980, esses dois Estados romperam relações diplomáticas por de­fenderem interesses comerciais divergentes. Nessa situação, o Estado B, segundo o direito internacional, pode revogar o reconhecimento anteriormente declarado.

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QUESTÕES - SUJEITOS INTERNACIONAIS 171

4. Um Estado é recém-independente. Nessa situação, dois outros Estados podem, segundoo direito internacional, celebrar um tratado internacional para exprimir o reconhecimento conjunto do Estado recém-independente.

5. O Estado J perdeu, por secessão, parte de seu território, surgindo um novo Estado, K. Nessa situação, o Estado K não sucede o Estado J nos acordos bilaterais firmados por este e deve enviar uma notificação de sucessão para aderir aos tratados coletivos, observados, neste último caso, os limites impostos para o ingresso de novos Estados-partes.

14. (CESPE/TRF5/Juiz/2007) Com relação aos entes do direito internacional, à respon­sabilidade internacional e à imunidade de jurisdição, julgue os itens a seguir.1. Tanto o diplomata quanto o cônsul representam o Estado de origem para o trato bilateral

dos assuntos de Estado.2. É pacífico, no campo doutrinário, o entendimento quanto à inexistência de personalidade

jurídica de direito internacional dos indivíduos.3. No direito internacionai público, os Estados possuem personalidade jurídica originária e

as organizações internacionais, personalidade jurídica derivada.4. Segundo a Constituição de 1988, a República Federativa do Brasií deve buscar a

integração dos povos da América Latina, com vistas à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

5. No âmbito de uma missão diplomática, apenas o chefe da missão goza de imunidade de jurisdição penai e civií.

15. {CESPE/Senado Federai/Área 18/2002) Julgue os itens subsequentes, relativosao princípio da não intervenção.1. Uma organização internacionai, do mesmo modo que um Estado soberano, não pode

intervir nos assuntos internos ou nos negócios externos de um outro Estado sobe­rano.

2. Considere, por hipótese, que o Estado G, prevendo o avanço da indústria bélica do Estado fronteiriço V, passou a considerá-lo uma futura ameaça à sua segurança. Nessa hipótese, o Estado G poderá intervir legitimamente no Estado V.

3. À luz do direito internacional contemporâneo, as intervenções humanitárias devem ser efetivadas por organizações internacionais nas quais todos os Estados envoividos sejam membros, como, por exemplo, a ONU ou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

4. A intervenção diplomática pode ser efetivada, legitimamente, peia adoção de restrições econômicas e comerciais.

5. A imposição da vontade exclusiva do Estado que a pratica, a existência de dois ou maisEstados soberanos e a atuação abusiva são elementos característicos da intervenção, tal como foi desenvolvida pela política norte-americana, fundamentada no Roosevelt corollary to the Monroe doctríne.

16. (ESAF/Procurador da Fazenda Nacional/2005-2006) De acordo com a Carta dasNações Unidas, de 1945, a Assembleia Gerai:(A) será composta de quinze membros, observando-se que a República da China, a França, o

Reino Unido, a Rússia, a inglaterra e os Estados Unidos são membros permanentes.(B) será constituída por todos os membros das Nações Unidas.(C)é composta por cinqüenta e quatro membros das Nações Unidas, eleitos peio Conselho

Econômico e Social, respeitando-se a presença dos membros permanentes.

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172 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(D) será constituída por todos os países signatários da Carta, com exceção da Suíça e depaíses que estejam sob fiscalização internacional, no que toca ao desrespeito a pautade direitos humanos.

(E) será composta pelos signatários originários da Carta, como membros permanentes, e por signatários supervenientes, como membros aderentes, outorgando-se direito de voto àqueles primeiros.

17. {OAB-RJ/32° Exame) O Tribunal Penai internacional tem jurisdição sobre pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance interna­cional (art. 1o do Estatuto de Roma, 1998), São crimes de competência desse tribunal:(A) genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.(B) tráfico de drogas, crime organizado transnacíonai e crimes contra a humanidade.(C) crime de agressão, tráfico de crianças e mulheres e atos de terrorismo.(D) crimes de guerra, violação dos direitos humanos e tráfico de drogas.

18. (ESAF/Procurador da Fazenda Nacional/2005-2006) Nos termos do Estatuto do Tribunal Penal internacional, assinado em Roma, em 1998, ao qual o Brasil aderiu em fevereiro de 2000, é competência deste tribunal julgar, exceto(A) crimes de genocídio, a exemplo de ofensas graves à integridade física ou mental de

membros de grupo.(B) crimes contra a humanidade, a exemplo de agressão sexual, escravatura sexual, pros­

tituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável.

(C) crimes de guerra, a exemplo da destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária.

(D) crimes políticos, a exemplo de manipulação de eleições, do forjamento de dados e de agressões à liberdade de expressão.

(E) a transferência, direta ou indireta, por uma potência ocupante de parte da sua população civil para o território que ocupa ou a deportação ou transferência da totalidade ou de parte da população do território ocupado, dentro ou fora desse território.

19. (OAB-RS/2004) Sobre os aspectos estatutários relacionados à Corte Internacional de Justiça, considere as assertivas abaixo:I - A jurisdição da Corte vincula-se aos litígios entre Estados que se submeteram volun­

tariamente à sua apreciação.II - A Corte só atua em litígios nos quais as Partes sejam Estados ou Organizações

Internacionais.III - A jurisdição da Corte será obrigatória na hipótese de previsão convencional.IV - A decisão da Corte é irrecorrível, descabendo, inclusive, recurso de revisão.

Quais são corretas:

(A) Apenas II.(B) Apenas III.(C) Apenas I e III.(D) Apenas II e IV.

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QUESTÕES - SUJEITOS INTERNACIONAIS 173

20. (CESPE/BACEN/Procurador/2009) O aforismo par in parem non habet judícium dá fundamento à norma de direito internacional que dispõe acerca de(A) imunidade de jurisdição estatal.(B) desenvolvimento sustentável.(C) liberdade dos mares.(D) efetividade.(E) cláusula da nação mais favorecida.

21. (TRT-8/Juiz do trabalho subst/2007) Em se tratando da posição do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal sobre as demandas que envolvam Estados ou Organizações Internacionais, é incorreto afirmar:(A) Imunidade de jurisdição. Execução fiscal movida peía União contra Estado Estran­

geiro. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que, salvo renúncia tácita ou ex­pressa, é absoluta a imunidade do Estado estrangeiro à jurisdição de conhecimento e executória.

(B) A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, quando se tratar de iitígios trabalhistas, revestir-se-á de caráter meramente relativo e, em conseqüência, não impedirá que os juizes e Tribunais brasileiros conheçam de tais controvérsias e sobre eias exerçam o poder jurisdicional que lhes é inerente.

(C) Os estados estrangeiros não dispõem de imunidade de jurisdição, perante o Poder judiciário brasileiro, nas causas de natureza trabalhista, pois essa prerrogativa de direito internacionai público tem caráter meramente relativo. Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurávei desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional.

(D) O processo trabalhista contra Estado estrangeiro é cabivei, devendo ser notificado o Estado demandado para que exerça o direito à imunidade jurisdicional ou submeta-se voluntariamente à jurisdição pátria, mesmo lhe reconhecendo as imunidades de juris­dição e execução.

(E) É inadmissível a execução contra Estado estrangeiro, não podendo ser realizado ato de constrição. A execução apenas poderá ser desenvolvida, quando cabível, peía via da Carta Rogatória, pois os bens do Estado Estrangeiro são impenhoráveis, em conformidade com o disposto na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

22. (CESPE/TRF-1/Juiz federal subst/2009) Pedro, cidadão brasileiro, presta serviços como cozinheiro na embaixada do Estado X no Brasil. Após constatar que vá­rios dos direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho estavam sendo desrespeitados, Pedro decidiu ajuizar ação na justiça do trabalho brasileira. Com base nessa situação hipotética, assinale a opção correta.

(A) Deve ser seguido o procedimento descrito na Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades de Jurisdição e Execução do Estado.

(B) Em matéria trabalhista, não há imunidade de jurisdição do Esíado estrangeiro no Brasií.(C)A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro é absoiuta por força de uma norma

jus cogens.(D) A competência para conhecer da ação é da justiça federal.(E) Em matéria trabalhista, não há imunidade de execução do Estado estrangeiro no Brasil.

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174 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

2. NACIONALIDADE

23. (OAB-RJ/290 Exame) Camiíle, francesa, casou-se com Paul, inglês. O casal fi­xou residência na Bélgica onde nasceu a filha Amanda. Supondo que a França e a Inglaterra adotem o ius sanguinis e a Bélgica o misto, diga qual(is) a{s) nacionaiidade(s) que a criança possui:

(A) Francesa e Belga;(8) Belga e inglesa;(C) inglesa e Francesa;(D) Inglesa, Francesa e Belga.

24. Gabriel, mexicano, é casado com Maria, portuguesa. O casal reside em Paris, Fran­ça, onde nasce seu filho Gustavo. Supondo que o México adote o critério misto e Portugal e França o critério do ius saguinis, marque a alternativa correta:

(A) Gustavo é natural de Paris e tem as nacionalidades originárias da França e de Portu­gal;

(B) Gustavo é natural de Paris e tem as nacionalidades originárias do México e Portugal;(C) Gustavo é natural de Paris e possui apenas a nacionalidade mexicana;(D) Gustavo é natural de Paris e possui apenas a nacionalidade portuguesa.

25. {OAB-RJ/290 Exame) O pedido de opção de nacionalidade será protocoladojunto:

(A) À Polícia Federal;(B) À Justiça Federai;(C)Ao Supremo Tribuna! Federal;(D)À Justiça Estadual.

26. (OAB-RJ/310 Exame) A nacionalidade é matéria sumamente importante ao Direito Internacional, sendo preceituada no artigo 12 da nossa Constituição Federal. Sobre este instituto podemos afirmar que será declarada a perda da nacionali­dade do brasileiro que:(A) Tiver cancelada sua naturalização, por ato administrativo, em virtude de atividade nociva

ao interesse nacional.(B) Adquirir outra nacionalidade originária concedida pela lei estrangeira.(C) Adquirir outra nacionalidade em razão de imposição de naturalização, pela norma estran­

geira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

(D) Tiver cancelada sua naturalização, por decisão judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional.

27. (OAB-RJ/32° Exame) Com relação à nacionalidade, assinale a opção incorreta.

(A) A Emenda Constitucional n.° 3/1994 admite a possibilidade de aquisição de naciona­lidade por fiihos de brasileiro(a), nascidos no exterior, sem que um dos pais esteja a serviço do Brasil, desde que venham a residir no Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.

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QUESTÕES - SUJEITOS INTERNACIONAIS 175

(B) A opção de nacionalidade é um ato de jurisdição voluntária de competência da justiça estadual.

(C) A naturalização é a única forma de aquisição de nacionalidade por via derivada, segundo a Constituição brasileira.

(D) A nacionalidade é um direito fundamentai, assim reconhecido pelo direito internacional, que exorta aos Estados que facilitem a sua aquisição pelos indivíduos e que não a retirem arbitrariamente.

28. (ESAF/Procurador da Fazenda Nacional/2005-2006) Na redação da Emenda Cons­titucional de Revisão n. 3, de 7 de junho de 1994, são brasileiros natos:(A) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham

a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacio­nalidade brasileira.

(B)os que, na forma da iei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de iíngua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade morai.

(C)os nascidos na República Federativa do Brasii, ainda que de pais estrangeiros, mesmo que estes estejam a serviço de seu país.

(D) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que pelo menos um deíes esteja a serviço da República Federativa do Brasil, e desde que os interessados optem, com a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

(E) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, originária ou derivada, residentes na Re­pública Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram nacionalidade brasileira.

29. (CESPE/Procurador Federal/2006) Em cada um dos itens a seguir, é apresenta­da uma situação hipotética, seguida de uma assertiva a ser juigada acerca de nacionalidade e naturalização.1. Antônio nasceu na França e é fiího de pai sueco e mãe brasileira, que está a serviço

da embaixada do Brasii naquele país. Nessa situação, Antônio é considerado brasileiro nato.

2. Carlos nasceu no Brasil, sendo filho de país argentinos que estão a serviço da embai­xada uruguaia no Brasil. Nessa situação, Caríos é considerado argentino.

3. Daniel, filho de país estrangeiros, nasceu em navio mercante estrangeiro enquanto este exercia o direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro. Nessa situação, Daniel é considerado brasileiro nato.

4. Nádia, de nacionalidade originária argentina, naturalizou-se brasileira em 1995. Em 2000,o governo argentino pediu ao Brasil a extradição de Nádia para que eia cumprisse pena pelo crime de homicídio cometido em 1998. Nessa situação, Nádia pode ser extraditada peio Brasil.

30. (CESPE/TRF5/JuÍz/2007) Acerca de nacionalidade e da condição jurídica do es­trangeiro no Brasil, julgue os próximos itens.1. Tem validade imediata no Brasii o divórcio realizado na Itália entre um italiano e uma

brasileira, desde que o casamento também tenha ocorrido na Itália, tão logo ocorra o respectivo registro do evento no Consulado Brasileiro em Milão.

2. Podem naturalizar-se os estrangeiros, de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penai, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

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176 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

3. De acordo com o que dispõe o direito internacional, a deportação é uma forma de ex­clusão de estrangeiro que tenha ingressado de forma irregular no país ou cuja estada tenha se tornado irregular, ficando este estrangeiro impedido de retomar mesmo após sanada a irregularidade que provocou a deportação.

31. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Acerca da nacionalidade e da naturalização,julgue os itens que se seguem.1. As regras básicas a respeito da concessão de nacionalidade são estabelecidas pelo

direito internacional público.2. A nacionalidade primária - ou originária - resuita de fato natural, o nascimento, e a

secundária - ou adquirida - de fato voluntário.3. A naturalização, em sentido amplo, consiste em qualquer mudança de nacionalidade,

posterior ao nascimento.4. São brasileiros natos os nascidos em navios mercantes brasileiros, onde quer que se

encontrem.5. Têm direito à naturalização, no Brasil, os indivíduos originários de países de língua

portuguesa que residam no país por um ano ininterrupto e sejam moralmente idôneos.

32. {CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Um casal de brasileiros, residentes no país estrangeiro X, sem que nenhum dos dois estivesse a serviço da República Federativa do Brasil, teve um filho que nasceu em território daquele país. Con­siderando que o país X adota exclusivamente o ju s sanguinis como critério de aquisição de nacionalidade originária, julgue os itens seguintes, à luz do direito constitucional brasileiro vigente.1. Para que o filho seja brasileiro nato, ele deve ser registrado em repartição brasileira

competente no exterior ou, não sendo registrado, residir no território nacional antes de atingir a maioridade e, alcançada esta, optar, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.

2. Até que venha residir na República Federativa do Brasil e opte pela nacionalidade brasileira, a criança é considerada apátrida, a menos que adquira nacionalidade de algum país pela via da naturalização.

3. A atual Constituição da República não admite que nenhum brasileiro nato possa perder a nacionalidade brasileira.

4. Supondo que X seja um país de língua portuguesa, aos originários daqueie país, com residência permanente no Brasil, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros.

5. Os brasileiros que trabalham como empregados domésticos na embaixada do país X, localizada em Brasília, têm seus contratos de trabalho regidos pela legislação trabalhista brasileira, sendo a solução de eventuais litígios, ajuizados depois do advento da Cons­tituição da República de 1988, competência da Justiça do Trabalho brasileira.

33. {CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Considerando o elemento pessoal do Estado brasileiro, julgue os itens a seguir.1. Nacionalidade ê um conceito mais amplo que o de cidadania. Por conseguinte, pressupõe-

se que todo cidadão brasileiro é titular da nacionalidade brasileira, seja ela primária ou secundária.

2. Considere a seguinte situação hipotética. Um cidadão português, domiciliado e residen­te no Estado brasileiro, em viagem de férias ém Portugal, cometeu um crime comum

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QUESTÕES - SUJEITOS INTERNACIONAIS 177

neste país, após o que, retornou ao Brasil. Em seguida, as autoridades portuguesas requereram sua extradição. Nessa situação, com base apenas nos dados mencionados, as autoridades brasileiras não poderão conceder a extradição.

3. Considere a seguinte situação hipotética. Lucca vive com os seus pais que são brasileiros naturalizados e residem na Itália. Nesse caso, a menos que seus pais providenciem seu registro de nascimento perante uma repartição consular competente, Lucca será um heimatlos.

4. Na Constituição de 1988 não há vedação para a expulsão ou para a deportação de brasileiros.

5. Considere a seguinte situação hipotética. Em 1985, Pierre cometeu um crime no Estado A, fugindo em seguida para o Estado brasileiro. Em 1998, casou-se com uma brasileira. Dois anos depois, em 2000, o Estado A solicitou ao Estado brasileiro a extradição de Pierre. Nessa situação, com base apenas nos dados mencionados, as autoridade bra­sileiras não podem recusar o pedido de extradição de Pierre, já que eie está casado com muiher brasileira há apenas dois anos.

3. SITUAÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO

34. (OAB-DF/2005.3) Assinale a alternativa CORRETA:(A) Salvo-conduto é o documento de viagem concedido pelas missões diplomáticas ou

repartições consulares brasileiras, ao nacional brasileiro que, estando no exterior e ne­cessitando regressar ao território nacional, não preencha os requisitos para a obtenção de passaporte;

(B) Laissez-Passer é o documento de viagem concedido pelo Departamento de Polícia Federal, no território nacional, e pelas missões diplomáticas ou repartições consulares brasileiras, no Exterior, ao estrangeiro portador de documento de viagem não reconhecido pelo Governo brasileiro, ou que não seja válido para o Brasil;

{C) Autorização de retomo ao Brasil é o documento de viagem expedido pelo Departamento de Polícia Federai, destinado a permitir a saída do território nacional daquele que, no Brasil, obtiver asilo diplomático concedido por Governo estrangeiro;

{D} Os Juizes Federais têm direito a passaporte diplomático.

35. (OAB-DF/2005.3) Assinale a alternativa CORRETA:(A) O estrangeiro, portador do visto de trânsito não pode exercer atividade profissional remu­

nerada no Brasil, sendo ele punido com a deportação caso descumpra esta norma;(B) O Comitê Nacional para Refugiados, por delegação da Polícia Federal, pode expedir

passaporte para o estrangeiro refugiado;(C) O estrangeiro que praticou crime hediondo, ao ingressar em território brasileiro, pode

ter reconhecida a situação de refugiado pelo Ministro da Justiça;(D) A solicitação do refúgio não suspende, até que haja decisão definitiva, eventual proces­

so de extradição pendente, em face administrativa ou judiciai, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

36. (OAB-DF/2005.1) Assinale a alternativa CORRETA.(A) O asilado político no território brasileiro sujeita-se apenas às normas de direito interna­

cional que lhe impõem direitos e obrigações;

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178 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(B) O estrangeiro com visto de turista poderá trabalhar em território brasileiro pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias;

(C) A expulsão de estrangeiros será promovida por Portaria do Ministro da Justiça;(D) Não será concedida extradição quando o fato que motivar o pedido não for crime no

Brasil.

37. (OAB-MT/2006.1) A forma processual de colaboração internacional no combate ao crime admitida para fazer com que um infrator da lei penai, refugiado em um país, apresente-se ao juízo competente de outro país onde o crime foi cometido é:(A) expulsão.(B) deportação.(C) extradição.(D) asilo.

38. (OAB-MT/2006.1) Ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil na condição de es­tudante poderá ser concedido o visto de:(A) turista.(B) trânsito.(C) cortesia.(D) temporário.

39. (OAB-RJ/290 Exame) O Papa, líder da Igreja Católica, necessitará de qual visto consular para ingressar em nosso país:(A) Diplomático;(B) Trânsito;(C) Temporário;(D) Oficial.

40. (OAB-RJ/290 Exame) O Deputado Federal que viaje ao exterior representando o governo brasileiro poderá receber um passaporte:(A) Comum;(B) Oficial;(C) Diplomático;(D) Para estrangeiro.

41. (OAB-RJ/290 Exame) Jean, francês, residente em nosso país com o visto perma­nente desde 2000 quando se casou com uma brasileira, foi preso pela Polícia Federal por ordem judicial em face de estar sendo acusado de ter assassinado seu irmão em Paris em 1998.Pergunta-se: Com base no Estatuto do Estrangeiro, o que poderá acontecer com Jean?

(A) Ser extraditado para a França;(B) Ser deportado para a França;(C) Ser expulso para a França;(D) Ser banido para a França.

42. (OAB-RJ/310 Exame) Determinado país nomeia um novo Embaixador para o Brasil. Seu nome e de sua esposa, também estrangeira, são acreditados perante

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QUESTÕES - SUJEITOS INTERNACIONAIS 179

Ministério das Relações Exteriores que determina a concessão dos seguintes vistos ao casaf:(A) Permanente para o Embaixador e temporário para sua mulher.(B) Oficial para o Embaixador e de turista para sua mulher.(C) Ambos receberão o visto Diplomático.(D) Oftciaf para o Embaixador e o de cortesia para sua esposa.

43. (OAB-RJ/31° Exame) A saída coercitiva do estrangeiro do Brasil está prevista no Estatuto do Estrangeiro. Assim, podemos afirmar:(A) O estrangeiro que tiver filho brasileiro seu dependente, não poderá ser extraditado do

Brasii.(B) A deportação do estrangeiro somente poderá ocorrer se eíe não tiver cônjuge brasileiro.(C)A expulsão do estrangeiro é competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal.(D) Todas as alternativas estão erradas.

44. {OAB-RJ/31° Exame) O visto de Turista é:(A) Exigido para qualquer estrangeiro que pretenda vir morar no Brasil.(B) Dispensado, apenas, nacionais integrantes da Comunidade Comum Europeia.(C) Obrigatório para quaisquer estrangeiros que pretendam vir temporariamente ao Brasil.(D) Todas as afirmativas são faisas.

45 {OAB-RJ/31° Exame) O Estrangeiro deportado do Brasil poderá retornar ao País?(A) Não, por ser considerado perigoso à comunidade brasileira.(B) Sim, desde que legaiize sua entrada no Brasii.(C)Ssm, depois de cinco anos transcorridos da deportação.(D) Sim, desde que haja prescrição do fato que o motivou.

46. (OAB-RJ/31° Exame) Assinale a resposta correta. O laissez-passer poderá ser concedido ao estrangeiro no Brasil:{A) Pelo Ministério do Trabalho.(B) Pela Justiça Federai no lugar onde o estrangeiro se encontrar.(C) Pela Secretaria Estadual de Segurança.(D) Pelo Departamento de Polícia Federal.

47. (OAB-RJ/31° Exame) O estrangeiro poderá exercer os direitos políticos no Bra­sil?(A) Sim, desde que tenha domicílio definitivo no País.(B)Sim, desde que tenha cônjuge brasileiro e residência fixa no Brasil.(C)Sim, desde que participe do Mercosul.(D) Sim, desde que cidadão português amparado peia Convenção sobre Igualdade de

Direitos.

48. (OAB-RJ/320 Exame) Com relação a um pedido de extradição efetuado pelogoverno de um Estado ao Brasil, assinale a opção incorreta.

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180 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(A) Um dos requisitos da extradição é a existência de um tratado ou a promessa de reci­procidade.

(B) A competência para avaliar a admissibilidade do pedido de extradição é do STF.(C)A extradição é vetada aos brasileiros, salvo os naturalizados, em caso de crime comum

ocorrido antes da naturalização ou por tráfico de drogas, a qualquer tempo.(D) Há impedimento de extradição se o fato constituir crime político, mas não em se tratando

da possibilidade de o extraditando responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção.

49. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Relativamente ao regime jurídico do es­trangeiro, julgue os itens abaixo.1. No Brasil, os estrangeiros dispõem de direitos políticos.2. Em se tratando de direitos individuais e coletivos, vigora no Brasi!, em relação aos

estrangeiros residentes ou não no país, o princípio da não discriminação, com as res­trições estabelecidas pela própria Constituição da República.

3. A vigente Constituição brasileira garante aos portugueses com residência permanente no país, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, os direitos inerentes ao brasileiro naturalizado.

4. Será passível de expulsão, no Brasii, o estrangeiro que houver entrado irregularmente no país ou cuja estada tenha-se tomado irregular.

5. O governo dispõe de acentuado poder discricionário tanto na deportação quanto na expulsão de estrangeiros.

50. (OAB-DF/2005.3) Dentre as alternativas abaixo, assinaie a CORRETA:(A) É vedada a extradição de estrangeiro que tenha filho sob sua dependência econômica

ou que seja cassado com brasileira;(B) A extradição do brasileiro nato somente é permitida na hipótese de prática de crime

hediondo;(C)É permitida a extradição de estrangeiro que praticou crime político, desde que não

tenha ocorrido a prescrição na forma definida na lei brasileira;(D) Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum,

praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.

51. (CESPE/DPU/2001) Com relação ao direito internacional, julgue os itens abaixo.1. No Brasil, admite-se a extradição de estrangeiro que tenha filho brasileiro menor, mesmo

que esse fiiho dependa economicamente do pai.2. Nos procedimentos de deportação e de expulsão de estrangeiro, a iniciativa é local, ao

contrário do processo de extradição.3. De acordo com a Lei de introdução ao Código Civii Brasileiro em vigor, a lei do país de

nacionalidade de uma pessoa determina as regras acerca do começo e do fim da sua personalidade, do seu nome, da sua capacidade e dos seus direitos de família.

4. O Código de Bustamante, de 1928, tratado internacional incorporado ao direito brasileiro em 1929, prevalece em caso de conflito com a Lei de Introdução ao Código Civil de 1942.

5. O processo de homologação de sentença estrangeira perante o STF não admite exame de matéria de fundo ou apreciação de questões pertinentes ao mérito da causa.

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QUESTÕES - SUJEITOS INTERNACIONAIS 181

52. (OAB-RJ/29° Exame) O estrangeiro que necessitar do refúgio em nosso país deverá requerê-lo junto:(A) A Secretaria Nacional de Direitos Humanos;(B) Ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados;(C)À Coordenação Nacional de imigração;(D) Ao Comitê Nacional para Refugiados.

53. {OAB-RJ/32° Exame) São princípios fundamentais para a concessão da qualifi­cação de refugiado:(A) fundado temor e não devolução.(B) reserva lega! e fundado temor.(C}não devolução e impessoalidade.(D) impessoalidade e reserva iegai.

54. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Relativamente ao asilo e à extradição, juigue os itens abaixo.1. O asilo político foi previsto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e peia

Constituição brasiieira atualmente em vigor.2. O asüo diplomático, ta! como praticado nos dias de hoje na América Latina, pode ser

concedido em repartições consulares.3. A extradição fundamenta-se tanto em tratado de extradição quanto na promessa de

reciprocidade.4. Não há proibição, no Brasil, de extradição de estrangeiro por crime político ou de opi­

nião.5. Em nenhuma hipótese, o Brasil concede a extradição de brasileiros natos.

55. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Julgue os itens seguintes, relativos aos institutos do asüo e do refúgio.

1. Considere a seguinte situação hipotética. Os indivíduos pertencentes ao grupo social A, incrustado no Estado B, onde sofriam violenta perseguição devido â sua origem e religião, cruzaram a fronteira do vizinho Estado C. De imediato, as autoridades do Estado C rechaçaram a entrada dos indivíduos do grupo social A, compelindo-os para a fronteira do Estado B, onde certamente seriam imediatamente privados da liberdade. Nessa situação, ainda que fosse parte do Estatuto das Nações Unidas para os Refugiados, o Estado C teria legitimidade para deter grupos de imigrantes irregulares na fronteira de seu território, à semelhança do que fez com o grupo social A.

2. De acordo com a Convenção Americana sobre Asüo Diplomático, os Estados-partes não são obrigados a conceder o asilo, porém, se o negarem, devem declarar o motivo.

3. De acordo com a legislação brasiieira sobre o refugio, a solicitação de refugiado suspende, até decisão definitiva, apenas os processos de extradição em fase judicial embasados nos fatos que fundamentam a concessão de refúgio.

4. A natureza política do delito, a temporariedade e o estado de urgência são características básicas do asilo territorial.

5. Um indivíduo do Estado X requereu, perante o Estado V, signatário da Convenção Americana sobre Asüo Diplomático, a concessão de asilo. Todavia, o Estado X não era

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182 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

signatário da Convenção Americana sobre Asilo Diplomático nem reconhecia, consuetu- dinariamente, o instituto do asilo dipiomático. Portanto, o Estado Y, sob esse argumento, pode deixar de conceder a proteção diplomática.

GABARITO

1 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Errada. 2 - 1 . Certa; 2. Errada. 3 - D

4 - C 5 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Errada; 4. Errada; 5. Certa.

6 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Errada; 4. Errada; 5. Certa.

7 - B 8 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Certa; 4. Certa; 5. Errada.

9 - 1 . Errada; 2. Certa; 3. Errada; 4. Certa.

1 0 - 1 . Errada; 2. Erra* da; 3. Certa; 4. Errada; 5.

Certa.

1 1 - 1 . Errada; 2. Certa; 3. Errada; 4. Certa; 5. Errada. 12 - B

1 3 - 1 . Errada; 2. Erra­da; 3. Errada; 4. Certa; 5.

Certa.

1 4 - 1 . Errada; 2. Erra­da; 3. Certa; 4. Certa; 5.

Errada.

1 5 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Errada; 4. Errada; 5.

Certa.

16 - B 17 - A 18 - D

19 - C 20 ~ A 21 - A

22 - B 23 - D 24 - B25 - B 26 - D 27 - B

28 - A 2 9 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Certa; 4. Errada.

3 0 - 1 . Errada; 2. Certa; 3. Errada.

3 1 - 1 . Errada; 2. Certa; 3. Certa; 4. Errada; 5. Certa

3 2 - 1 . Errada; 2. Certa;3. Errada; 4. Errada; 5. Certa

33 -1. Certa; 2. Errada; 3. Errada; 4. Errada; 5. Errada

34 - B 35 - A 36 - D

37 - C 38 - D 39 - A

40 - C 41 - A 42 - C

43 - D 44 - D 45 - B

46 - D 47 - D 48 - D

4 9 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Certa; 4. Errada; 5. Certa 50 - D

5 1 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Errada; 4. Errada; 5. Certa

52 - D 53. ~ A 54. 1. Certa; 2. Errada; 3. Certa; 4. Errada; 5. Certa

55. 1. Errada; 2. Errada; 3. Errada; 4. Errada; 5. Errada

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PARTE III

O DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL

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INTRODUÇÃO

Sumário: 9.1 O regime jurídico dos espaços - 9.2 O Ártico - 9.3 A Antártica- 9.4 Rios e canais internacionais.

9.1 O REGIME JURÍDICO DOS ESPAÇOS

Em capítulo anterior reservado aos Estados, tratamos das noções de território e dos modos de aquisição, bem como dos critérios utilizados para delimitação das fronteiras. Importa-nos, agora, traçar uma análise do regime jurídico dos espaços que interessam ao Direito Internacional.

Sempre foi importante para o Direito Internacional o regime jurídico dos espaços, que compreendem não apenas a projeção vertical dos Esta­dos, mas também os demais âmbitos: superfície terrestre, subsolo, ar e mar. As normas que regulam os espaços internacionais variam conforme o momento histórico, as prioridades contemporâneas dos Estados e as concepções jurídicas que determinam o que são os interesses públicos na respectiva época (a exploração dos recursos naturais, a proteção do meio ambiente, etc.).

Os espaços submetidos à soberania dos Estados são chamados de es­paços estaduais e sobre ele os Estados exercem competências, em regra, exclusivas1. Os espaços internacionais não sujeitos à soberania estadual tanto podem ser considerados enquanto res communis, aproximando-se da

1 A exclusividade pode ser temperada por algumas liberdades garantidas a Estados terceiros, a exemplo do direito de passagem inofensiva no mar territorial, consagrado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982.

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186 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Pubitcos - Marcelo Pupe Braga

noção de domínio público, como res nullius, afastando-se dessa noção. Mas nem sempre os regimes são claros e, de acordo com a combinação de variados elementos, podem ser assim esquematizados2:

- não apropriação e liberdade de acesso e exploração por cada Estado, desde que se respeite a igual liberdade dos demais Estados: traços do­minantes do regime do alto-mar e do espaço extra-atmosférico;

- não apropriação e gestão coletiva: exige a criação de uma organização internacional com competências alargadas, a exemplo da Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 em relação aos grandes fundos mari­nhos - a Área;

- não apropriação e gestão coletiva por um número reduzido de Estados no seu interesse exclusivo: caso da tentativa das Comunidades Européias para gestão dos recursos haliêuticos (relativos à pesca);

- não apropriação, porém com direitos exclusivos reservados para certos fins por parte de determinado Estado', traços do regime da zona eco­nômica exclusiva, da plataforma continental e da zona contígua;

- apropriação nacional, mas com poder de gestão subordinado à ob­servância de algumas liberdades de Estados terceiros: regime do mar territorial;

- soberania nacional exclusiva, temperada pela concessão de direitos de acesso ou de exploração a Estados terceiros, por via convencional ou consuetudinária: espaço aéreo e águas interiores.

Mencionado o que importa em relação à parte geral do regime jurí­dico dos espaços internacionais, cabe estudá-los em espécie. Inicialmente, trataremos da Região Ártica e da Antártica, para adiante analisarmos os canais, rios e cursos d5água internacionais. Estudaremos também o Direito Internacional do Mar e, por fim, questões relativas ao espaço aéreo.

9.2 O ÁRTICO

Ainda persistem algumas delicadas questões jurídicas e políticas rela­tivamente à Região Ártica e ao continente Antártico. Mas em virtude da especificidade que lhes é peculiar, os respectivos regimes jurídicos não têm sido objeto de maiores discussões na esfera acadêmica.

2 Cf. Nguyen Quoc Dihn, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1160.

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Cap. 9 - INTRODUÇÃO 187

Diferentemente da Antártica, não'há massa terrestre na Região Árti­ca. Com efeito, o Ártico situa-se no Oceano Glacial Norte, onde o mar encontra-se permanentemente congelado. Trata-se, portanto, de uma região marítima congelada que têm sido útil enquanto corredor aéreo alternativo, reduzindo distâncias entre a Europa e a Ásia, principalmente.

Para o Ártico é utilizada a teoria dos setores, formulada pelo canadense Pascal Poirier em 1907. A teoria dos setores consiste em conferir a cada um dos Estados com costa no Oceano Glacial Ártico a soberania sobre as terras compreendidas num triângulo que tem por base os litorais dos Estados, como vértice o Polo Norte e cujos lados são os meridianos que passam pelos extremos do litoral de cada Estado. Segundo esta teoria, os Estados têm soberania sobre as terras e ilhas situadas no seu “triângulo”, mas não sobre as águas e gelos que igualmente nele se encontram. Trata- -se, em verdade, da utilização do princípio da contiguidade para justificar a ocupação por parte de alguns Estados de ilhas existentes na região3. A relação entre os Estados que se beneficiam da teoria dos setores tem sido pacífica, não se observando maiores conflitos.

Em setembro de 1996, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Rússia, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia firmaram a Declaração de Ottawa, por meio da qual criaram o Conselho Ártico, cujo principal propósito é tratar de questões sociais, econômicas e ambientais,, relacionadas com o desenvolvimento sustentável da região.

Recentemente, estudos demonstraram que a Região Ártica possui vastas reservas de petróleo e gás natural que são, contudo, de difícil ex­tração, tendo em vista suas condições climáticas e geográficas. Portanto, é provável que, dentro de alguns anos, conflitos relativos às parcelas de soberania surjam por força do interesse econômico dos Estados relativa­mente ao potencial energético do Polo Norte.

9.3 A ANTÁRTICA

A Antártica é parcela continental que rodeia o Polo Sul, ocupan­do cerca de quinze milhões de quilômetros quadrados, que está quase completamente coberto por gelo. Justamente por conter massa terrestre e, sobretudo, riquezas minerais, aqui o interesse econômico dos Estados sempre pareceu mais acentuado que em relação ao Ártico.

3 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 624.

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188 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

O seu regime jurídico é ditado pelo Tratado da Antártica, firmado em 1959 em Washington, o qual entrou em vigor no Brasil em 1975, por meio do Decreto 75.963 do mesmo ano. O Tratado da Antártica possui quatorze artigos e pode ser considerado inovador e pacifista. Define que a região apenas pode ser utilizada para fins pacíficos e proíbe a realização de qualquer atividade militar, utilização de armas nucleares e o lançamento de quaisquer resíduos radioativos. Também promove a cooperação entre os Estados para a preservação do ecossistema, conferindo liberdade para pesquisas científicas no continente.

Todavia, o traço de maior relevo do Tratado da Antártica é ter congelado as reivindicações territoriais, isto é, não resolveu os conflitos que à época existiam. Por outro lado, estabelece que a adesão dos Estados não implica renúncia às reivindicações de soberania, tampouco o reconhecimento das pretensões dos demais Estados. Portanto, costuma-se dizer que o Tratado da Antártica solucionou a questão, sem, contudo, resolvê-la.

Outrossim, é válido registrar que se encontra em vigor desde 1991 o Protocolo de Madri que, para preservação do continente, proíbe a explo­ração mineral na Antártica durante o prazo de cinqüenta anos.

9.4 RIOS E CANAIS INTERNACIONAIS

Os rios e canais internacionais prestam-se à dupla função de servir à navegação internacional e fazer fronteira entre dois ou mais Estados. A necessidade de regulamentação dos seus regimes justifica-se pela colisão de dois princípios fundamentais: o da soberania territorial do Estado ri­beirinho e o da liberdade de comunicação, sobretudo pelo imperativo do comércio internacional'1.

Costuma-se definir o rio internacional como aquele que separa o ter­ritório de dois ou mais Estados, servindo como fronteira natural, ou que atravessa o território de dois ou mais Estados. Nas palavras de Francisco Rezek, o primeiro seria o rio limítrofe, enquanto este seria o rio de curso sucessivo5. Importantes rios como o Amazonas e o Reno são, ao mesmo tempo, rios de fronteira (limítrofes) e de curso sucessivo.

Inicialmente, o interesse que pesava sobre os rios internacionais, dizia respeito à navegação, propriamente. Todavia, nos tempos atuais, outros

4 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daiilier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1246.

5 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 322.

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Cap. 9 - INTRODUÇÃO 189

aspectos, nomeadamente os tocantes à produção de energia, irrigação e uso industrial, são os que merecem maior atenção.

Ainda constata-se uma carência normativa em relação aos rios interna­cionais, visto que o regime jurídico geral ainda é ditado pela Convenção de Barcelona de 1921. Interessante notar que o conceito de rio interna­cional conferido por esta Convenção é por demais amplo, uma vez que o define como uma via d ’água de interesse internacional. Ora, na atual conjuntura, este conceito poderia nos levar a interpretações distorcidas. Basta imaginar que numa época de crise energética determinados Esta­dos invoquem seus “interesses internacionais” sobre um dado rio não internacional, por força do seu potencial hidroelétrico e passem então a pleitear determinados direitos ou concessões sobre o rio. Tal assertiva é, de fato, equivocada.

Embora ainda não haja elementos suficientes para que se possa defender com afinco a tese, verifica-se uma evolução quanto à definição dos rios internacionais, no sentido de considerar, para este fim, não apenas o rio em si, como também a bacia hidrográfica em que ele encontra-se inserido6. De todo modo, parece-nos mais seguro ater-nos à definição apresentada no início do tópico: o rio internacional deve ser compreendido como aquele que cruza ou faz fronteira entre dois ou mais Estados.

A Convenção de Barcelona de 1921 proclama dois importantes princípios relativamente aos rios internacionais. São eles: o princípio da liberdade de navegação e o da igualdade de tratamento a terceiros, que são autoexplicativos. Estes princípios estão presentes em diversos instru­mentos convencionais que regulam situações particulares7.

O regime jurídico do rio Amazonas, um dos maiores e mais importantes rios do mundo, regula-se pelo Tratado de Cooperação Amazônica, firma­do em Brasília, em 1978. O Tratado conta com participação da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela e entrou em vigor no plano internacional em 1980, tendo sido ratificado por todos os Estados signatários. Tem cunho desenvolvimentista, postulando pelo progresso harmônico da bacia, pela conservação do meio ambiente e pelo estímulo aos estudos e pesquisas científicos. Também preceitua a ampla liberdade de navegação, não apenas no rio Amazonas, como também nos demais rios que compõem a bacia hidrográfica.

I :

6 Cf. Vaíério de Oliveira Mazzuoü. Curso de direito internacional público, cit., p. 652.7 É o caso do regime do rio Danúbio, que consagra a liberdade de navegação.

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190 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

De sublinhar, outrossim, o Tratado da bacia do Prata, firmado igual­mente em Brasília, em 1969, entre a Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Seu objetivo é o desenvolvimento harmônico e a integração física da área e o aproveitamento dos seus recursos, a utilização racional da água e a assistência à navegação fluvial8.

No que diz respeito aos canais internacionais, é consenso defini-los como as vias artificiais de comunicação marítima e internacional que li­gam mares livres. Porque estão no território de um só Estado, em regra submetem-se à soberania territorial exclusiva. Aos canais internacionais não se aplica automaticamente o princípio consuetudinário da liberdade de navegação/comunicação. A passagem depende do consentimento do Estado territorial, normalmente conferido por tratado bilateral firmado com a outra parte interessada.

Todavia, canais de grande importância para a navegação internacio­nal, a exemplo dos canais do Suez e do Panamá, contam com um antigo regime convencional9, que prevê liberdade de passagem. Por isso é que se defende que há bases suficientes para afirmar que existe um costume internacional em favor da liberdade de passagem nos canais10.

A título complementar, vale registrar que o Canal do Panamá, inicial­mente posto sob administração e gestão dos Estados Unidos da América, encontra-se, desde 2000, sob jurisdição panamenha. Espera-se que a explo­ração do canal possa contribuir para um maior e melhor desenvolvimento econômico e social do Panamá, não obstante as modificações circunstan­ciais advindas das reservas feitas pelos Estados Unidos da América aos acordos firmados em setembro de 1977u.

8 Cf. José Francisco Rezek:. Direito internacional público, cit., p. 324.9 O regime do canal do Suez é ditado pelo Tratado de Washington de 1979, complementa-

riamente à Convenção de Constantinopla de 188B. Já o do canal do Panamá rege-se por acordos concluídos entre os EUA e o Panamá em 1977.

10 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1246.

11 Ainda há leis americanas em vigor no Panamá.

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O DIREITO INTERNACIONAL DO MAR

Sumário: 10.1 Histórico - 10.2 Os navios - 10.3 Águas interiores - 10.4 Mar territoriaf - 10.5 Zona contígua - 10.6 Os estreitos utilizados para a navegação internacional - 10.7 Os estados arquipéiagos - 10.8 A zona econômica exclusiva (ZEE) - 10.9 A plataforma continental - 10.10 O alto-mar - 10.11 A Área ~ 10.12 O Tribunal Internacional do Direito do Mar.

10.1 HISTÓRICO

O Direito do Mar é um dos mais importantes ramos do Direito das Gentes e surge no século XVI por força dos usos e práticas das frotas mercantes e de guerra dos Estados da Europa, época em que o mar era utilizado como via de comunicação não apenas para o comércio, mas também para as colonizações.

No século XVII travou-se uma batalha acadêmica, na qual, de um lado, o holandês Hugo Grotius, em sua obra Mare liberum, de 1609, defendia que o mar era uma coisa comum, insusceptível de ocupação, cujo uso era livre para todos os fins, sobretudo para navegação e para pesca e, de outro, o inglês John Selden, em Mare clausum, de 1635, impugnava a tese da liberdade do mar, advogando no sentido da possibilidade jurídica de apropriação parcial e exercício de atos de proteção sobre o alto-mar.

Durante longo período prevaleceu o princípio da liberdade dos mares, mas no século XIX a necessidade de fiscalização e apresamento dos navios negreiros impôs que se iniciasse um longo processo para codificação das regras consuetudinárias do Direito Internacional do Mar.

Foi somente em 1958 que, em virtude da Conferência de Genebra, foram adotadas as Convenções sobre o alto-mar, a plataforma continental,

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o mar territorial e a zona contígua e a conservação dos recursos vivos do alto-mar. No entanto, circunstâncias políticas, técnicas econômicas justificaram a convocação de uma nova Conferência, que teve lugar em Nova Iorque, em 1973. Dos seus trabalhos resultou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em 1982 em Montego Bay, na Jamaica. A Convenção sobre o Direito do Mar foi ratificada pelo Brasil em 1988 e entrou em vigor no plano internacional em 16.11.1994. Conta com a adesão de pouco mais de 150 Estados, o que lhe confere amplo alcance.

Cumpre registrar que, além de estabelecer um regime jurídico rela­tivamente aos mares e oceanos, a Convenção de Montego Bay de 1982 também constitui um importante instrumento para a conservação dos recursos vivos e para a preservação do meio marinho, sendo igualmente relevante para o Direito internacional Ambiental

10.2 OS NAVIOS

Não fossem os navios, talvez não houvesse um Direito do Mar, afinal, são as possibilidades de navegação, utilização e exploração dos recursos trazidas pela mobilidade e eficiência navios que reclamam uma regulamentação pertinente. Os navios são os engenhos flutuantes dotados de capacidade de navegação, capazes de transportar pessoas e coisas. O navio precisa estar devidamente matriculado e sua nacionalidade deriva da bandeira que arvora no pavilhão, segundo prévia autorização. Conforme o art. 91 da Convenção de Montego Bay, cabe ao Estado estabelecer os requisitos necessários para a atribuição da sua nacionalidade a navios, para o registro de navios no seu território e para o direito de arvorar a sua bandeira.

Os navios podem ser distinguidos entre privados ou de Estado. Aqueles são os navios mercantes e estes podem ou não ser utilizados para fins comerciais. Entre os navios de Estado não afetados à utilização comer­cial, destacam-se os navios de guerra. São definidos pela Convenção de Montego Bay como os pertencentes às Forças Armadas de um Estado, que ostente sinais exteriores próprios de navios de guerra da sua nacionalidade, sob o comando de um oficial devidamente designado pelo Estado e cuja tripulação esteja submetida às regras da disciplina militar (art. 29).

A nacionalidade do navio é importante na medida em que no alto- -mar é a bandeira arvorada que confere ao respectivo Estado jurisdição exclusiva sobre o navio (art. 92). Esta regra não é aplicável aos navios de guerra, porquanto eles gozam de total imunidade de jurisdição quer

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em alto-mar, ou mesmo no mar territorial do Estado estrangeiro. Por esse motivo, os navios de guerra podem conceder asilo diplomático.

Por outro lado, os navios privados submetem-se à lei do Estado costeiro quando estiverem em águas sujeitas à sua jurisdição ([e.g., águas interiores e mar territorial).

10.3 ÁGUAS INTERIORES

Seu regime é de soberania nacional exclusiva, temperada pela conces­são de direitos de acesso ou de eventual exploração a Estados terceiros.

A Convenção de Genebra de 1958 sobre o mar territorial e a Convenção de Montego Bay de 1982 definem as águas interiores por exclusão como aquelas cujo limite exterior é o mar territorial e o limite interior é a terra firme. São águas interiores as que banham as costas do Estado e que se situam aquém da linha de base do mar territorial. Compreendem os portos, as baías e os recortes existentes nas costas do Estado. Os lagos e rios não internacionais e os mares interiores também aqui se enquadram.

O Estado costeiro exerce quase que ilimitadamente suas competências sobre as águas interiores, como ocorre em qualquer outra parte do seu território terrestre. Pode reservá-las exclusivamente para a pesca por parte dos seus nacionais e à navegação de navios da sua bandeira - chamada de navegação de cabotagem. Todavia, nada impede que igualmente conceda direitos a Estados terceiros ou a particulares estrangeiros, uma vez que atua no âmbito discricionário da sua soberania e competência.

Salvo situações excepcionais (razões sanitárias ou de ordem pública), aos navios privados é permitido o acesso aos portos marítimos do Esta­do costeiro. Enquanto estiverem nas águas interiores, os navios privados submetem-se à soberania do Estado costeiro, cuja competência sobrepõe- -se à do pavilhão e devem, portanto, respeitar as leis e regulamentos do Estado ribeirinho.

Já os navios de guerra submetem-se a requisitos mais rigorosos para terem acesso às águas interiores. Em tempos de paz, a sua entrada está sujeita a certas condições. Em tempos de guerra, exige-se sempre uma autorização prévia para a entrada nas águas interiores dos Estados neu­tros. Nunca é demais ressaltar que mesmo nas águas interiores os navios de guerra continuam sujeitos à competência do Estado do pavilhão, em virtude da imunidade de jurisdição que detêm. Devem, de todo modo, respeitar a soberania do Estado em cujas águas se encontrem.

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10.4 MAR TERRITORIAL

Seu regime é de apropriação nacional, mas poder de gestão subordinado ao respeito de determinados direitos que possam ter os Estados terceiros, sobretudo os fundados na liberdade de comércio e de navegação.

Consoante a Convenção de Montego Bay de 1982, a soberania do Estado ribeirinho estende-se para além do seu território e águas interiores a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial (art.2.°). A soberania é exercida não apenas a essa zona de mar adjacente, mas também ao espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste. Julga-se possível afirmar, portanto, que o mar territorial integra-se ao território do Estado costeiro.

Antigamente, a largura do mar territorial já foi fixada conforme o alcance máximo de um tiro de canhão. Isto porque, como o Estado costeiro exerce a soberania no mar territorial, entendia-se que somente o espaço sobre o qual o Estado efetivamente pudesse exercê-la poderia ser considerado parte integrante do seu território. Atualmente, a largu­ra do mar territorial pode ser fixada num limite máximo de 12 milhas marítimas (art. 3.° da Convenção sobre o Direito do Mar de 1982). A linha de base pela qual se mede a extensão do mar territorial é a linha de baixa-mar ao longo da costa, ou seja, a linha que segue o traçado da costa na maré baixa.

Nos casos de Estados com costas adjacentes ou que fazem face, pre­valece a regra da equidistância, segundo a qual, salvo acordo em contrário entre as partes, não se pode alargar a extensão do mar territorial para além da linha média entre as linhas de baixa-mar de cada uma das costas.

Não obstante o Estado costeiro exercer sobre o mar territorial compe­tências exclusivas relativamente à pesca, exploração de recursos, proteção do ambiente e segurança, entre outras, o Direito Internacional conven­cional, à semelhança do consuetudinário, assegura aos navios (mercantes ou de guerra) de qualquer Estado (costeiro ou sem litoral) o direito de passagem inofensiva pelo mar territorial.

A passagem inofensiva está regulamentada pelos arts. 17 e seguintes da Convenção de Montego Bay de 1982 e abrange tanto a navegação pelo mar territorial sem penetrar nas águas interiores ou fazer escala como dirigir-se a elas para atracar num porto ou delas sair. A passagem inofensiva deve ser contínua e rápida e não deve ser prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Estado costeiro. Quaisquer atos que não estejam integralmente ligados ao mero trânsito pelo mar territorial, a exem­

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plo da ameaça ou uso da força, manobras militares, atividade pesqueira, ato intencional e grave de poluição, não exaustivamente, são proibidos e desqualificam o caráter inofensivo da passagem.

Vaie ressaltar, por fim, que durante a passagem inofensiva os subma­rinos e veículos submersíveis devem navegar na superfície e arvorar sua bandeira e que todos os que exerçam o direito de passagem inofensiva devem observar as leis e regulamentos do Estado costeiro, bem como as normas internacionais relativas à prevenção de abalroamentos no mar.

10.5 ZONA CONTÍGUA

Seu regime é de não apropriação, mas direitos exclusivos reservados. Apenas o art. 33 da Convenção de Montego Bay de 1982 é dedicado à chamada zona contígua. Ela pode ser conceituada como a zona adjacente ao mar territorial em que o Estado ribeirinho pode adotar medidas de fis­calização para evitar infrações a leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial e para reprimir as eventuais infrações a essas mesmas leis e regulamentos.

A zona contígua não pode estender-se além de 24 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a extensão do mar territorial, ou seja, a linha que segue o traçado atual da costa na maré baixa. Logo, se a extensão do mar territorial houver sido fixada em 12 milhas marítimas, a largura da zona contígua igualmente terá a amplitude máxima de 12 milhas.

10.6 OS ESTREITOS UTILIZADOS PARA A NAVEGAÇÃO INTERNACIONAL

Enquanto geograficamente o estreito é conceituado como uma faixa de mar ladeada por terra que possibilita a comunicação entre outros dois mares, sob a ótica jurídica o que importa é a vocação do estreito para a navegação internacional. Mas, além de servir à navegação internacional, é necessário que o estreito possibilite a comunicação entre uma zona marítima de navegação livre (alto-mar ou zona econômica exclusiva) e outra zona do mesmo caráter1.

1 Servem de exemplo os estreitos de Gibraltar, que comunica o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo, e de Magalhães, que liga no su! da América o Oceano Atlântico ao Pací­fico.

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Na Conferência de Nova Iorque de 1973 assistiu-se a um debate rela­tivo ao regime jurídico dos estreitos. De um lado, os Estados ribeirinhos, preocupados com sua soberania territorial, preconizaram a unidade do regime jurídico para o mar territorial e para os estreitos internacionais. Em contrapartida, as potências marítimas defenderam a dualidade de regi­mes, segundo a qual para o mar territorial deveria permanecer a regra da passagem inofensiva, mas para os estreitos internacionais deveria vigorar o princípio da livre passagem em trânsito.

A Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 consagrou a dualidade de regimes defendida pelas potências marítimas (art. 34) e assegurou o direito de passagem em trânsito aos navios e aeronaves de todos os Es­tados nos estreitos que ponham em comunicação duas zonas marítimas onde a navegação é livre (alto-mar e zona econômica exclusiva).

A passagem em trânsito consiste no exercício da liberdade de nave­gação e sobrevoo exclusivamente para fins de trânsito rápido e contínuo pelo estreito. São proibidos quaisquer atos que não estejam diretamen­te ligados à mera passagem pelo estreito e os navios e aeronaves que exerçam a liberdade da passagem em trânsito devem respeitar as leis e regulamentos do Estado ribeirinho.

Os Estados costeiros podem designar rotas marítimas e estabelecer sistemas de separação de tráfego para a navegação pelos estreitos, desde que em conformidade com as normas internacionais geralmente aceitas. Por fim, cumpre sublinhar que a passagem em trânsito abrange não ape­nas a navegação hídrica, mas também a aérea, no espaço sobrejacente ao estreito.

10.7 OS ESTADOS ARQUIPÉLAGOS

Define-se o Estado arquipélago como o Estado constituído totalmente por um ou vários arquipélagos, podendo incluir outras ilhas. As respectivas regras não se aplicam, no entanto, aos arquipélagos de Estados, tal como os Açores e a Madeira, relativamente a Portugal.

A largura do mar territorial, da zona contígua, da zona econômica exclusiva e da plataforma continental deve ser medida a partir das linhas de base arquipelágicas traçadas consoante o disposto no complexo regime do art. 47 da Convenção de Montego Bay de 1982.

E assegurado aos navios de todos os Estados o direito de passagem inofensiva pelas águas arquipelágicas (art. 53). Outrossim, o Estado arqui­pélago pode designar rotas marítimas e rotas aéreas a elas sobrejacentes

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para permitir o direito de passagem rápida e contínua a todos os navios e aeronaves sobre suas águas arquipelágicas e mar territorial adjacente.

10.8 A ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA (ZEE)

Seu regime jurídico é de não apropriação,. mas direitos exclusivos reservados.

Cuida-se de zona marítima adjacente ao mar territorial, sobreposta à zona contígua, cuja extensão máxima é'de 200 milhas marítimas contadas a partir das mesmas linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Apesar de o seu regime de liberdades ser semelhante ao do alto-mar, com este não se confunde porquanto o Estado ribeirinho tem na zona econômica exclusiva direitos de diferentes tipos. Além da competência para colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas, investigação científica marinha e proteção e preservação do meio mari­nho, o Estado costeiro é titular de direitos de soberania para a exploração e aproveitamento da zona para fins econômicos, a exemplo da pesca e da produção de energia a partir da água, das correntes marítimas e dos ventos. Logo, o Estado costeiro tem o direito de regular a pesca na zona econômica exclusiva e, por conseguinte, de perseguir as infrações even­tualmente cometidas neste particular.

Aos Estados terceiros a Convenção de Montego Bay confere as liberda­des de navegação, de sobrevoo, de colocação de cabos e dutos submarinos, além de enunciar que gozam de outros usos do mar internacionalmente lícitos, desde que relacionados com as referidas liberdades. Mas é certo que os direitos reconhecidos aos Estados terceiros ficam limitados pelos assegurados aos Estados costeiros, bem como pelo cumprimento das leis e regulamentos por estes estabelecidos para a zona econômica exclusiva respectiva.

10.9 A PLATAFORMA CONTINENTAL

Seu regime jurídico é de não apropriação, porém com direitos exclu­sivos reservados para certos fins por parte de determinado Estado.

A plataforma continental havia sido conceituada pela respectiva Con­venção de Genebra de 1958 como “o leito do mar e o subsolo das regiões submarinas adjacentes às costas, mas situadas fora do mar territorial, até

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uma profundidade de 200 metros, ou, além deste limite, até o ponto em que a profundidade das águas sobrejacentes permita o aproveitamento dos recursos naturais das referidas regiões”, Mas o critério da explorabilidade, por ser vago e impreciso, foi alvo de críticas diversas e terminou sendo excluído na Convenção de 19822.

Segundo o art. 76 da Convenção de Montego Bay, a plataforma continental compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolonga­mento natural do seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

Nas palavras de Valeiro Mazzuoli, “a plataforma continental é uma extensão suave que se inicia no litoral, onde termina a terra firme, e vai até uma certa distância da costa, para além das águas territoriais, onde se inclina radicalmente até cair nas extremas profundezas do alto mar”5.

Nos casos em que o bordo exterior da plataforma continental esteja além da largura da zona econômica exclusiva (200 milhas marítimas), este bordo será o limite da plataforma continental, contanto que não ultrapasse as “350 milhas marítimas da linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial ou a uma distância que não exceda 100 milhas marítimas da isóbata de 2.500 metros, que é uma linha que une profundidades de 2.500 metros”4.

O interesse que desperta a plataforma continental justifica-se pela abundância dos seus recursos naturais. Pesquisas apontam a existência de diversos tipos de minerais, gás, petróleo, assim como diversas es­pécies vegetais e animais que fazem da plataforma continental um rico ecossistema.

Nos termos do art. 77 da Convenção de Montego Bay, o Estado ribei­rinho exerce, sobre a plataforma continental e respectivo subsolo, direitos de soberania para efeitos de exploração e aproveitamento dos recursos naturais. Estes direitos são exclusivos, na medida em que independem de qualquer ocupação, real ou fictícia, ou de qualquer declaração expressa. O fato de o Estado costeiro não explorar a plataforma continental ou não aproveitar os seus recursos naturais não autoriza Estados terceiros a

2 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 2, p. 1221 .

3 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 647.4 Cf. art. 76, n. 5, da Convenção de Montego Bay.

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desempenhar quaisquer dessas atividades, sem que haja expresso consen­timento do Estado ribeirinho.

Como conseqüência natural da referida exclusividade conferida ao Estado costeiro, a ele cumpre adotar as medidas em conformidade com o Direito Internacional para preservação e conservação dos recursos na­turais presentes na plataforma continental, cabendo-lhe, portanto, adotar as providências que entender necessárias à fiscalização da área.

Por fim, porém não menos importante, compete observar que todos os Estados têm o direito de utilizar a plataforma continental do Estado costeiro para a instalação de cabos e duetos submarinos. Contudo, o direito de colocação destes cabos e duetos é condicionado às regras estabelecidas pelo Estado ribeirinho, no exercício da sua jurisdição.

10.10 O ALTO-MAR

Seu regime jurídico é de não apropriação e liberdade de acesso e exploração por cada Estado, desde que se respeite a igual liberdade dos demais Estados.

Importantíssima via de comunicação, o alto-mar sempre despertou significativo interesse ao longo dos tempos, nomeadamente no que diz respeito à navegação. Não obstante a existência de correntes contrárias à liberdade do alto-mar, cujo expoente principal foi o inglês John Selden, julga-se possível concluir que o princípio da liberdade dos mares predo­minou na história das navegações. Ademais, hodiemamente o alto-mar é tido como um bem comum — res communis5.

As restrições advindas da necessidade de fiscalização dos navios não significam uma tentativa de limitar essa liberdade, mas antes coibir que o alto-mar seja utilizado para a prática de crimes e outros atos contrários à manutenção da ordem internacional, já que não submetido à jurisdição estatal6.

Segundo a Convenção sobre o Alto-Mar de Genebra de 1958 e a Convenção de Montego Bay de 1982 (art. 86), o conceito de alto-mar é obtido por exclusão. Explica-se: o alto-mar corresponde às parcelas de

!

3 Muito embora as teorias da “res nullius”, da “juridicidade” e da “utilização razoável” te­nham recebido respaldo. Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacionalpúblico , cit., v. 2, p. 1243.

6 Conforme exposto, em alto-mar os navios submetem-se à jurisdição do Estado da bandeira (art. 92 da Convenção de Montego Bay).

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mar não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem nas águas arquipelágicas de um Estado arquipélago. Quer isto dizer que o alto-mar compreende as porções contíguas e as águas que se encontram sobre a plataforma continental e fora do mar territorial7.

Com efeito, o princípio norteador da sua regulamentação é o da liber­dade do alto-mar ou liberdade dos mares. Entretanto, o regime jurídico do alto-mar é igualmente esteado em outros princípios, e.g., o princípio da igualdade de uso, pelo qual o alto-mar deve estar aberto a todos os Estados, tenham ou não litoral e o princípio da não interferência, segundo o qual o alto-mar não pode ser objeto de apropriação exclusiva ou so­berania por parte de qualquer Estado. Merece igual destaque o princípio da utilização pacífica do alto-mar, consagrado no art. 88 da Convenção sobre o Direito do Mar de 1982.

A liberdade do alto-mar, enunciada no art. 87 da Convenção de Mon~ tego Bay, subdivide-se em seis vetores, quais sejam:

(i) liberdade de navegação;(ii) liberdade de sobrevôo;(iii) liberdade de colocar cabos e duetos submarinos;(iv) liberdade de construir ilhas artificiais e outras instalações;(v) liberdade de pesca;(vi) liberdade de investigação científica.

Relativamente à liberdade de navegação, releva notar que esta é uma antiquíssima regra costumeira, que sofreu uma pequena contenção por força do estabelecimento da zona econômica exclusiva, cuja extensão pode chegar às 200 milhas marítimas contadas a partir da linha costeira. O es­paço aéreo sobrejacente ao alto-mar é igualmente regido pela liberdade de navegação (aqui sobrevoo). Nas palavras de Valerio Mazzuoli, “o espaço aéreo sobre o alto-mar é tão livre quanto as águas que o banham”8.

A liberdade de pesca é assegurada não apenas aos Estados costeiros, mas também aos Estados sem litoral. Entretanto, embora o alto-mar não esteja sujeito à jurisdição estatal, a atividade pesqueira deve obedecer

Cf. Ian Brownlie. Princípios de direito internacional público, cit., p. 249.Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, c it, p. 657.

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a padrões normais de conduta, sobretudo em respeito a Convenções e princípios gerais do Direito Internacional Ambiental.

Nas últimas décadas a atividade humana afetou consideravelmente o ecossistema mundial e, de modo a assegurar a sobrevivência das gerações presentes e vindouras, é indispensável que as atividades que, de algum modo, causem impacto ambiental, sejam desempenhadas com a maior prudência possível. A própria Convenção de Montego Bay de 1982 es­tabelece os princípios da conservação e da cooperação como necessários à preservação dos recursos vivos do alto-mar. Logo, embora tenham os Estados a liberdade de pesca, é crucial que desempenhem a atividade pesqueira com razoabilidade (princípio da conservação), como também firmem parcerias científicas, tecnológicas e de pesquisa, em prol da pre­servação do ecossistema marinho (princípio da cooperação).

Cabe salientar que o princípio da liberdade do alto-mar não é, entretan­to, absoluto. Isto porque a liberdade irrestrita eventualmente colidiria com a imprescindível manutenção da ordem pública internacional no alto-mar. Destarte, a liberdade do alto-mar fica submetida a determinadas regras de origem consuetudinária, cujo objetivo primordial é, repita-se, a repressão de infrações internacionais e conseqüente manutenção da ordem, jamais a restrição arbitrária da liberdade.

Como instrumento para a repressão da prática de delitos temos o direito de visita. O direito de visita encontra-se previsto no art. 110 da Conven­ção de Montego Bay e permite a visita de inspeção a navio em alto-mar quando houver motivos razoáveis para suspeitar que este navio se dedica à pirataria, ao tráfico de pessoas e às transmissões clandestinas.

A pirataria é definida como qualquer ato violento, de detenção ou depredação cometido pela tripulação ou passageiros de navio (ou aerona­ve) particular, a título privado. Como o ato é praticado a título privado, subentende-se que não há autorização do Estado para a prática dos atos qualificados como piratas e, por conseguinte, o criminoso pirata é consi­derado apátrida e destituído de proteção da sua Iei nacional. Portanto, os navios de guerra podem perseguir, abordar e apresar o navio pirata, nos termos da lei do Estado aprisionador9.

Também é permitido aos navios de Estado que adotem as medidas necessárias para coibir o tráfico de pessoas e as transmissões clandestinas, assim como o tráfico de drogas.

9 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público> cit., p. 658.

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1Convém apontar que a Convenção de Montego Bay prevê o direito

de perseguição aos navios de guerra ou aeronaves militares nos casos em que as autoridades competentes do Estado costeiro tiverem razões justas para crer que um navio ou aeronave desrespeitou suas leis e regulamen­tos10. A perseguição deve ser iniciada quando o navio estrangeiro ainda se encontre em zona sob jurisdição do Estado costeiro11 e apenas pode continuar fora do mar territorial ou da zona contígua caso não tenha sido interrompida.

Por fim, é válido lembrar que os navios de guerra e os navios utili­zados unicamente em serviço oficial não comercial gozam de completa imunidade de jurisdição relativamente a qualquer outro Estado que não o da bandeira do seu pavilhão.

10.11 A ÁREA

Seu regime é de não apropriação e gestão coletiva. Tal como o alto- -mar, deve ser utilizada par fins exclusivamente pacíficos.

A Zona Internacional dos Fundos Marinhos e Oceânicos, também chamada por Área, corresponde ao “leito do mar, os fundos marinhos e o seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional”53. Evidentemente, a delimitação da Área depende do limite exterior das plataformas conti­nentais dos Estados costeiros.

Característica marcante da Área é a sua riqueza em minerais sólidos, líquidos e gasosos, incluindo os nódulos polimetálicos. Os recursos extraídos da Área são denominados genericamente de “minerais”, conforme o disposto no art. 133, b> da Convenção de Montego Bay.

Conforme mencionado, o regime jurídico da Área é de não apropriação e gestão coletiva. Sendo assim, a Convenção rechaça a possibilidade de qualquer Estado reivindicar ou exercer soberania ou direitos soberanos sobre a Área ou seus recursos. A Área e os seus recursos são explici­tamente definidos como patrimônio comum da humanidade e, como tal, devem ser utilizados em benefício da humanidade em geral (art. 136). Daí que se fala em gestão coletiva.

10 Cf. art. 111 da Convenção sobre o Direito do Mar de 1982.11 Conforme a convenção, apenas nas águas interiores, arquipelágicas, no mar territorial e na

zona contígua. Contudo, o próprio n. 2 do art. 111 dispõe que o direito de perseguiçãoaplica-se, mutatis mutandis, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental.

12 Cf. art. 1°, n. 1, da Convenção sobre o Direito do Mar de 1982.

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Para tanto, a Convenção criou a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, à qual compete organizar e controlar as atividades desenvol­vidas na Área, em especial no que tange à gestão dos seus recursos, por meio do estabelecimento de políticas gerais13. Incumbe, destarte, à Autoridade, coordenar as atividades referentes à investigação científica marinha, à transferência de tecnologia, à proteção do meio marinho e da vida humana e à participação dos Estados em desenvolvimento nas atividades da Área. Este aspecto parece-nos interessante, porquanto em harmonia com o princípio segundo o qual a Área deve ser utilizada em benefício de toda a humanidade.

Os principais órgãos da Autoridade são a Assembleia, o Conselho e o Secretariado. Em funcionamento coordenado, nos ditames da Convenção de Montego Bay, estes órgãos é que oferecem o respaldo institucional para a administração da Área e seus recursos.

Por último, de sublinhar que a Autoridade tem personalidade jurídica internacional e goza de privilégios e imunidades enunciados na Conven­ção, entre os quais importa mencionar as imunidades de jurisdição e de execução (art. 178).

10.12 O TRIBUNAL INTERNACIONAL DO DIREITO DO MAR

Em que pese a relevância que sempre teve o Direito Internacional do Mar ao longo dos tempos, não havia um órgão jurisdicional universal especializado para dirimir com maior acuidade os conflitos especificamente relacionados com o direito marítimo.

A Convenção de Montego Bay desempenhou importante papel nesse aspecto ao constituir o Tribunal Internacional do Direito do Mar14. O Tribunal é composto por 21 juizes, eleitos de modo a representar equi- tativamente os diversos sistemas jurídicos mundiais e todas as regiões geográficas. Não pode haver mais de um nacional do mesmo Estado, tampouco menos de três membros de cada um dos grupos geográficos estabelecidos pelas Nações Unidas.

Ao Tribunal Internacional do Direito do Mar compete solucionar as demandas e controvérsias que lhe sejam submetidas, relativamente à

I

13 Cf. Adherbal Meira Mattos. O novo direito do mar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 62.14 O Estatuto do Tribunal Intemacionai para o Direito do Mar encontra-se no Anexo VI da

Convenção de Montego Bay de 1982.

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interpretação e/ou aplicação da Convenção sobre o Direito do Mar de 1982. O Tribunal foi solenemente constituído em outubro de 199615 e executa fundamental papel para o desenvolvimento do sistema jurídico internacional.

O brasileiro Vicente Marotta Rangel exerceu o cargo de Juiz do Tribunal desde a sua constituição, em 1996, até o fim de setembro de 2008.

15 Quinze casos foram submetidos ao Tribunal, cujos documentos podem ser acessados em seu site oficial: <www.itlos.org>.

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I IO ESPAÇO AÉREO

E EXTRA-ATMOSFÉRICO

Sumário: 11.1 Noções gerais - 11.2 O espaço aéreo e suas normas - 11.3O regime de navegação: as cinco liberdades - 11.4 Estatuto das aeronaves- 11.5 Segurança da aviação internacional - 11.6 A Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) - 11.7 O espaço extra-atmosférico.

11.1 NOÇÕES GERAIS

Como bem lembra Celso de Albuquerque Mello, “o estudo do D. Aéreo é bastante recente, uma vez que ele somente começou a ser reali­zado quando surgiu a navegação aérea”1. Cuida o Direito Internacional Aéreo do conjunto de normas de caráter internacional que versa sobre o espaço aéreo, sua exploração e uso. Julga-se possível afirmar que o Di­reito Internacional Aéreo é mais convencional que consuetudinário, tendo em vista que as principais normas em vigor têm sua origem nos tratados celebrados entre os Estados.

Um traço de distinção do Direito Aéreo reside no fato de que, en­quanto vários Estados não têm território marítimo e acesso direto ao mar, por terem seus territórios completamente rodeados por terra, todos os Estados têm o seu respectivo espaço aéreo. Logo, muito embora em Direito Marítimo vigore o princípio da igualdade de uso, os direitos que

1 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 2, p.1307.

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206 OIREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

são reconhecidos aos Estados relativamente aos respectivos espaços aéreos conferem-lhe uma maior autonomia.

O espaço aéreo tem a mesma dimensão longitudinal que a soma dos espaços terrestres e marítimos postos sob a soberania do Estado. Abrange, pois, a terra, as águas interiores e o mar territorial. Todavia, se por um lado não se verificam maiores controvérsias relativamente à dimensão horizontal do espaço aéreo, o mesmo não pode ser dito em relação à extensão vertical. Ainda subsistem problemas quanto à delimitação vertical dos espaços aéreo e extra-atmosféríco.

O certo é que, no entanto, o espaço aéreo não se confunde com o espaço extra-atmosférico. Embora não exista uma definição e mesmo uma delimitação precisa e amplamente aceita de qual é o limite exterior do espaço aéreo e onde tem início o espaço atmosférico, costuma-se adotar a ideia de que o espaço aéreo é aquele em que uma aeronave consegue so­brevoar mediante propulsão própria. Portanto, o espaço extra-atmosférico, cujo regime jurídico internacional será tratado adiante, é compreendido enquanto a parcela espacial que fica fora dessa área em que uma aeronave pode navegar com propulsão própria.

José Francisco Rezek salienta que “a relativa imprecisão dessa fron­teira não tem importância prática”, pois “a órbita dos satélites e demais engenhos extra-atmosféricos tem, no mínimo, o dobro da altitude máxima em que podem voar aviões convencionais”2.

Desde logo faz-se necessário destacar que os regimes jurídicos do espaço aéreo e do espaço extra-atmosférico são distintos. Isto porque, en­quanto o do espaço aéreo é determinado em consonância com a superfície terrestre e marítima subjacente, o do espaço extra-atmosférico é uniforme e apresenta traços semelhantes ao regime próprio do alto-mar3.

Posto isto, primeiro estudaremos os aspectos pertinentes ao espaço aéreo, para, posteriormente, expormos o que importa em relação ao espaço extra-atmosférico.

11.2 O ESPAÇO AÉREO E SUAS NORMAS

Tem-se notícia de que a natureza jurídica do espaço aéreo começou a ser discutida em 1906, sob a égide do Instituto de Direito Internacio­nal. O embate de ideias confrontou um grupo favorável à liberdade do

2 Cf. José Francisco Rezek. Curso de direito internacional público, cit., p. 326.3 Cf. José Francisco Rezek. Idem, p. 326.

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Cap. 1 1 - 0 ESPAÇO AÉREO E EXTRA-ATMOSFÉRÍCO 207

íespaço aéreo e, de outro lado, um grupo que defendia a soberania do Estado. O Instituto de Direito Internacional proclamou em duas ocasiões a liberdade do espaço aéreo4, embora na prática tenha sido consagrada a total soberania do Estado.

No espaço aéreo sobrejacente ao seu território e seu mar territorial, o Estado exerce soberania em regime de plenitude. Isto nos conduz à conclusão de que, a priori, o regime jurídico do espaço aéreo é igual ao das áreas terrestres e marítimas subjacentes. Entretanto, diferentemente do que ocorre em relação ao mar territorial, não há no espaço aéreo o direito de passagem inofensiva por parte de aeronaves estrangeiras. A passagem inofensiva pelo espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial só é assegurada aos que tenham obtido prévia autorização do Estado subjacente, quer por meio de tratados internacionais, ou mesmo mediante autorizações individuais.

Já no que diz respeito aos espaços aéreos sobre os quais nenhum Estado exerce poderes de soberania (os sobrejacentes ao alto-mar e às regiões Árticas e Antárticas), a situação é exatamente a oposta; o sobrevoo é permitido, sem que para tanto seja necessária qualquer autorização.

Ho plano normativo, a regulamentação jurídica tem início com a Convenção de Paris de 1919, que representa a primeira tentativa de regulamentação internacional de caráter geral5. Foi o primeiro tratado internacional a estabelecer a soberania completa e exclusiva que o Estado tem sobre o espaço aéreo acima de seu território, princípio este que veio a ser confirmado na Convenção de Chicago de 1944.

Embora tenham sido firmadas duas outras convenções sobre a matéria, uma em Havana em 1928 e outra em Varsóvia em 1929, é a Convenção de Chicago de 1944 que estabelece os ditames que regulam a navegação aérea de modo mais apurado. Ademais, institui a Organização da Aviação Civil Internacional, cuja importância foi alargada desde então. A Conven­ção de Chicago manteve a regra da soberania absoluta e exclusiva do Estado sobre o espaço aéreo sobrejacente ao seu território, como consa­grado anteriormente na Convenção de Paris de 1919 e proclamou, ainda, o sistema das cinco liberdades6.

4 Cf. Ceiso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 2, p.1308.

s Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1273.

6 É forçoso destacar que o sistema das “cinco liberdades” não está presente no texto origi­nal da Convenção de Chicago de 1944, mas sim em Acordos sobre o Transporte Aéreo

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208 DIREíTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

11.3 O REGIME DE NAVEGAÇÃO: AS CINCO LIBERDADES

A navegação aérea internacional baseia-se em um regime de liberdades, conhecido como o sistema das cinco liberdades, defendido com veemência pelos Estados Unidos da América durante as negociações que resultaram na adoção da Convenção de Chicago de 1944 e respectivos Acordos.

As cinco liberdades podem ser subdivididas em duas de ordem técnica e três de ordem comercial. As duas liberdades de natureza técnica são a liberdade de sobrevoo e a liberdade de efetuar escalas.

A liberdade de sobrevoo permite às aeronaves de um Estado sobre­voar o território de outro Estado, sem fazer escalas. Esta liberdade não é absoluta, haja vista que o Estado subjacente poderá, nos termos da Con­venção, restringir ou proibir voos de aeronaves de outros Estados sobre determinadas zonas do seu território, por razões de necessidade militar ou de segurança pública. Tais zonas são chamadas de zonas proibidas. Não se podem, contudo, estabelecer tratamentos diferenciados entre diferentes Estados, ou seja, agir de modo discriminatório.

Por seu turno, a liberdade de efetuar escalas é assegurada quando o pouso seja indispensável, e.g., nos casos em que seja necessário o conserto da aeronave, ou mesmo o reabastecimento para viabilizar o prosseguimento do voo.

Enquanto José Francisco Rezek e Celso de Albuquerque Mello de­fendem que as liberdades técnicas não dependem de compromissos espe­ciais entre os Estados, sendo concedidas automaticamente aos signatários dos textos de Chicago, Valerio Mazzuoli afirma que as cinco liberdades (incluídas, obviamente, as técnicas) são outorgadas por meio de acordos bilaterais, não havendo concessão ipso facto7.

São três as liberdades de ordem comercial, que podem ser assim esquematizadas:

(i) liberdade de desembarcar passageiros, mercadorias e malas postais, incorporados à aeronave no mesmo Estado de sua nacionalidade;

(ii) liberdade de embarcar passageiros, mercadorias e malas postais cujo destino é o Estado da nacionalidade da aeronave;

Internacional e relativos ao Trânsito dos Serviços Aéreos Internacionais.7 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público , cit., p. 329; Celso de Albuquerque

Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 2, p. 1310; e Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público , cit., p. 664.

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Cap. 1 1 - 0 ESPAÇO AÉREO E EXTRA-ATMOSFÉRICO 209

(iii) liberdade de embarcar e desembarcar passageiros, mercadorias e ma­las postais com destino a outros Estados signatários da Convenção, ou provenientes de Estados partes na Convenção.

Resta lembrar que, inquestionavelmente, essas três últimas liberdades de ordem comercial dependem de acordo firmado entre as partes inte­ressadas.

11.4 ESTATUTO DAS AERONAVES

A aeronave é definida como “todo o aparelho manobrável em vôo, apto a se sustentar, a circular no espaço aéreo mediante reações aerodi­nâmicas, e capaz de transportar pessoas ou coisas”8.

O estatuto jurídico internacional das aeronaves em muito se assemelha ao estatuto dos navios. A aeronave deve possuir uma e tão somente uma nacionalidade. A nacionalidade é estipulada conforme o registro ou matrí­cula da aeronave. A nacionalidade da aeronave é importante na medida em que determina a sua situação relativamente ao regime das cinco liberdades e vincula o Estado para efeitos de responsabilidade e proteção.

Tal como os navios, as aeronaves podem ser públicas ou privadas. Para tanto, deve ser observada a natureza do serviço desempenhado pela aeronave. A aeronave privada, a exemplo do navio privado, submete-se à jurisdição do Estado de que é nacional quando em seu território esti­ver ou quando se encontrar em espaço não sujeito à jurisdição de outro Estado. No espaço aéreo de um Estado estrangeiro, sobre a aeronave privada pesa sua jurisdição.

As aeronaves públicas podem ser civis ou militares. As militares são as pertencentes às Forças Armadas do Estado e as civis são as que se encontram, e.g., à disposição do Chefe de Estado, Chefe de Governo, Ministro das Relações Exteriores ou Agentes Diplomáticos. As aeronaves públicas têm ampla imunidade. Quer isto dizer que mesmo no espaço aéreo de um Estado estrangeiro a aeronave pública permanece sob jurisdição do Estado de sua nacionalidade.

Portanto, às aeronaves públicas brasileiras é aplicável a lei do Brasil, onde quer que se encontrem, enquanto às aeronaves privadas brasileiras será aplicada a lei do Brasil quando estiverem em território nacional e a lei do Estado estrangeiro, quando neste território estejam. No Brasil as aeronaves públicas estrangeiras gozam de imunidade, pelo que lhes aplica

8 Cf. o Código Brasileiro do Ar (Decreto-lei 32/1966).

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210 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

a lei do Estado de Origem. Mas as aeronaves privadas estrangeiras devem obedecer a lei brasileira quando em nosso território se encontrarem9.

11.5 SEGURANÇA DA AVIAÇÃO INTERNACIONAL

Infelizmente a aviação civil tem sido afetada, nos últimos anos, por atos cruéis de violência cometidos contra pessoas a bordo de aeronaves e contra as próprias aeronaves. Entre as várias tragédias vivenciadas, talvez a que tenha causado maior espanto tenha sido a dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, em que seqüestradores tomaram o controle de dois aviões da American Airlines e pilotaram o avião de encontro às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque.

Na tentativa de prevenir e reprimir esses atos praticados contra a segurança da aviação civil, os Estados têm, em regime de cooperação internacional, adotado algumas convenções, entre as quais é possível registrar: a Convenção de Tóquio de 1963, que trata de infrações e outros atos cometidos a borde de aeronaves; a Convenção de Haia de 1970, sobre a repressão à tomada ilícita de aeronaves; e a Convenção de Montreal de 1971, sobre a repressão de atos ilícitos contra a segurança da aviação civil.

De todo modo, é pacífico o entendimento de que a empresa aérea transportadora não tem responsabilidade pela prática do crime de pirataria ou terrorismo aéreo, porque as medidas de segurança da aviação são de responsabilidade das autoridades públicas50.

11.6 A ORGANIZAÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL (O A Cl)

A Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) foi instituída pela Convenção de Chicago de 1944, com o objetivo de velar pela sua correta interpretação e aplicação, assim como para desenvolver uma uni­formização das regras e procedimentos relativos à segurança da aviação civil. Foi definitivamente constituída em abril de 1947, tem sua sede em Montreal e são seus membros todos os Estados-partes na Convençãou.

9 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 666.10 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Direito internacional público, cit., v. 2, p. 1317." Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Àllain Pellet. Direito internacional público, cit.,

p. 1279.

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Cap. 11 - O ESPAÇO AÉREO E EXTRA-ATMOSFÉRICO 211

A Assembleia é o seu órgão intergovemamental plenário, cuja reunião em sessão ordinária ocorre a cada três anos. Compete-lhe apreciar quaisquer questões referentes à Organização. Mas é o Conselho permanente que exerce as principais funções da OACI, entre as quais cumpre salientar as de caráter regulatório e de resolução de conflitos12.

11.7 O ESPAÇO EXTRA-ATMOSFÉRICO

Por força das evidentes limitações físicas e tecnológicas, o espaço extra-atmosférico ainda não é tão explorado e, assim, recebe menor atenção do ordenamento jurídico internacional. Como visto, ainda sequer chegou-se a uma definição precisa de onde termina o espaço aéreo e onde começa o espaço extra-atmosférico.

O regime jurídico do espaço extra-atmosférico é de res communis, na medida em que se permite a exploração por quaisquer Estados, desde que para fins lícitos, pacificamente, sem violação de normas do Direito Internacional, e sem que haja qualquer pretensão relativa à apropriação ou exercício de poderes de soberania, quer do espaço em si, como tam­bém dos corpos celestes existentes. Deste modo, seu regime é de não apropriação e de liberdade de utilização.

De referir o Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes, negociado sob a égide da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1967. Em síntese, estabelece que o espaço extra- -atmosférico e os corpos celestes são de livre acesso, insusceptíveis de apropriação e cuja investigação e exploração devem ser feitas em benefício comum. Prescreve, ainda, um dever de assistência mútua a astronautas em dificuldades13.

A situação atual do espaço extra-atmosférico é marcada pela coope­ração e relativo pacifismo entre os Estados. Não obstante o Tratado da Lua de 1979 determinar que a sua utilização deve apenas e tão somente objetivar fins pacíficos, na órbita da Terra só está proibido o lançamento de engenhos de armas nucleares ou de destruição em massa. Não há nenhuma proibição de outros meios de utilização militar na órbíta terrestre14.

12 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Dailüer e Aliam Pellet. Idem, p. 1280.13 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 331.14 Cf. José Francisco Rezek. Idem, p. 332.

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QUESTÕES - DOMÍNIO PUBLICO INTERNACIONAL

DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL

1. (CESPE/AGU/2G09) No Brasil, a exploração de petróleo na chamada camada pré-sai vincuta-se a importantes noções do direito do mar. O domínio marítimo de um pais abrange as águas internas, o mar territoriai, a zona contígua entre o mar territorial e o aito-mar, a zona econômica exclusiva, entre outros. A respeito do direito do mar, do direito internacional da navegação marítima e do direito internacional ambiental, julgue os próximos itens.1. Segundo a Convenção de Montego Bay, Estados sem iitoral podem usufruir do direito

de acesso ao mar pelo território dos Estados vizinhos que tenham litoral.2. Na zona econômica exclusiva (ZEE), os Estados estrangeiros não podem usufruir da

liberdade de navegação nem nela instalar cabos e oleodutos submarinos.

2. (OAB-RJ/320 Exame) Em recente episódio na região do Golfo Pérsico, soldadosbritânicos foram presos por tropas iranianas sob o argumento de que, nas atividades de patruihamento que realizavam, invadiram o mar territorial do Irã. Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982), o mar territorial tem a largura até o limite de:(A) três milhas marítimas.(B) nove miihas marítimas.(C) doze miihas marítimas.(D) duzentas miihas marítimas.

3. (OAB-DF/20O5.1) Assinale o item CORRETO.(A) O crime de homicídio cometido a bordo de aeronave civii brasileira estacionada no

Aeroporto Internacional de Brasília será juigado pelo tribunal do júri da Justiça comum do Distrito Federal;

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214 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(B) O Estado brasileiro admite em seu espaço aéreo, assim como em seu mar territorial,o direito de passagem inocente;

(C) De acordo com o Tratado de Chicago, instituidor da Organização da Aviação Civil Internacionai (OACI), toda a aeronave utilizada em tráfego internacional deve possuir apenas uma nacionalidade, determinada por seu registro ou matrícula;

(D) O tráfego aéreo sobre região de alto mar depende de prévia autorização da OACI.

4. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Julgue os itens abaixo, relativos ao direitodo mar.1. O Brasii é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de

1982.2. O Brasil ajustou o seu direito interno aos preceitos da Convenção das Nações Unidas

sobre o Direito do Mar por meio da Lei n.° 8.617, de 1993, que reduziu a doze milhas a largura do mar territorial brasileiro e adotou o conceito de zona econômica exclusiva para as 188 milhas adjacentes.

3. Quando em trânsito por mares territoriais alheios, ou ancorados em portos estrangeiros, os navios de guerra não gozam de imunidade de jurisdição focal.

4. O Estado não exerce soberania plena sobre as suas águas interiores, tendo em vista que, neias, é reconhecido o direito de ‘‘passagem inocente” em favor dos navios de qualquer Estado.

5. Os Estados sem litoral beneficiam-se do direito de participar, em base equitativa, do aproveitamento do excedente dos recursos vivos das zonas econômicas exclusivas dos seus vizinhos.

5. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Acerca da disciplina internacionai do do­mínio marítimo do Estado, julgue os itens a seguir.1. O mar territorial é a faixa de mar que se estende desde a iinha de base até uma dis­

tância que não deve exceder doze miihas marítimas da costa e sobre a qual o Estado exerce sua soberania. A soberania do Estado marginal estende-se ao soio e ao respec­tivo subsolo recoberto pelas águas do mar territorial, bem como sobre o espaço aéreo acima dele situado. Porém, a soberania estatal sobre seu mar territorial é limitada em toda sua extensão pela regra consuetudinária de passagem inocente.

2. A zona contígua é uma faixa adjacente ao mar territorial e, em principio, de igual largu­ra, não podendo, contudo, exceder vinte e quatro milhas marítimas, contadas do limite exterior do mar territorial.

3. Águas interiores são extensas áreas de água salgada, cercadas de terra, com ou sem comunicação navegável com o mar.

4. As instalações portuárias permanentes são consideradas como parte da costa, e suas águas estão sob a jurisdição do Estado marginal. Permitida, contudo, a entrada de um navio mercante em seus portos, o Estado costeiro não interferirá nos incidentes de bordo que não venham a afetar a ordem pública.

5. O limite exterior da plataforma continental coincide com o da zona econômica exclusi­va, podendo, em determinados casos, atingir o limite de trezentas e cinqüenta milhas marítimas.

6. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Quanto ao regime jurídico e à disciplinado domínio público internacional, julgue os seguintes itens.1. O espaço aéreo situado sobre o Poio Norte é de livre trânsito, independentemente de

qualquer tratado, posto que sua superfície hídrica subjacente é alto-mar.

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QUESTÕES - DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL 215

2. Os Estados-partes no Tratado da Antártica renunciaram a eventuais pretensões de domíniosobre o todo ou sobre parte do continente, estabelecendo um regime jurídico de não militarização da área, que deve ser destinada a fins pacíficos.

3. O regime jurídico dos fundos marinhos, determinado pela Convenção sobre Direito do Mar, é de res nullius, isto é, sua exploração econômica depende apenas da iniciativa de qualquer Estado interessado em apropriar-se de seus recursos naturais.

4. O princípio da liberdade do alto-mar é restringido apenas pela proibição da prática de atos ilícitos internacionais.

5. O Tratado da Lua proíbe qualquer modo de utilização militar da órbita da Terra ou de seu satélite.

GABARITO

1 - 1 . Certa; 2. Errada. l O 3 - C

4 - 1. Certa; 2. Certa; 3. Errada; 4. Errada; 5.

Certa.

5 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Errada; 4. Certa; 5.

Certa.

6 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Errada; 4. Certa; 5.

Errada.

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PARTE IV

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL E RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS

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REGIME GERAL DE RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS1

Sumário: 12.1 Noções gerais - 12.2 Imputação e ilicitude - 12.3 Causas de exclusão da ilicitude: 12.3.1 Consentimento válido; 12.3.2 Legitima defesa; 12.3.3 Represálias; 12.3.4 Força maior; 12.3.5 Perigo extremo; 12.3.6 Estado de necessidade - 12.4 Conseqüências jurídicas.

12.1 NOÇÕES GERAIS

“Constitui um axioma de qualquer Ordem Jurídica de que a violação da maioria das suas normas deve ter alguma conseqüência negativa para o responsável por esta. Se tais violações sistematicamente não desencadearem qualquer reação dos restantes membros da Comunidade, especialmente por parte das pessoas prejudicadas, com exigências de cessação da actividade em causa e de uma indemnização pelos danos provocados, será necessário concluir que não se estará perante violações de uma Ordem Jurídica, mas porventura de uma mera ordem social ou moral/’2 Com essas palavras é que Eduardo Correia Baptista nos lembra que sempre que um sujeito de Direito viole uma norma ou dever que lhe compete ou, ainda, cause algum prejuízo, incorre em responsabilidade.

1 Cf. Projeto sobre Responsabilidade dos Estados de 2001, de autoria da Comissão de Direito Internacional e as lições de Eduardo Correia Baptista, Direito internacional público, cit., p. 447-547.

2 Cf. Eduardo Correia Baptista. Idem, cit., p. 447.

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220 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

No Direito Internacionai não é diferente. Parece ser incontestável a regra de que o Estado é internacionalmente responsável por qualquer ato ou omissão que lhe seja ímputável, do qual resulte a violação de uma norma jurídica internacional ou de suas obrigações internacionais3. E exatamente o que diz o art. 1.° do Projeto sobre Responsabilidade dos Estados de 2001, elaborado pela Comissão de Direito Internacional.

No entanto, como a ordem jurídica internacional contemporânea é marcada pela cooperação internacional e a execução das suas normas é confiada aos Estados, a responsabilidade internacional é geralmente sujeita a contingências políticas4.

Enquanto Hildebrando Accioly defende que a responsabilidade pode ser delituosa (se resultar de atos delituosos) ou contratual (caso resulte da inexecução de compromissos assumidos), Eduardo Correia Baptista aduz que, em Direito Internacional, “não existe qualquer diferença de regime entre responsabilidade contratual e extracontratual”5.

De todo modo, são pressupostos da responsabilidade internacional:(i) um ato ilícito (que pode derivar de ação ou omissão); (ii) que o ato seja imputável a um sujeito de direito internacional; e (iii) que este ato tenha causado dano alheio.

12.2 IMPUTAÇÃO E ILICITUDE

A imputação de um ato a um sujeito de Direito Internacional pode ser bastante complexa, nomeadamente porque os Estados e as organizações internacionais são compostos por diversos órgãos e indivíduos. A dúvida resulta em saber até que ponto o ato de um indivíduo ou de um órgão que venha a causar dano a outrem pode ser imputado ao Estado ou à organização internacional, para fins de responsabilização.

A principal regra a ser observada é a de que os atos praticados pelos indivíduos que integram a pessoa jurídica (o Estado ou a organização in­ternacional) no exercício das suas funções e com auxílio de instrumentos postos à sua disposição em virtude do cargo exercido são imputáveis a

3 Cf. Hildebrando Accioly;. G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 345.

4 Cf. Eduardo Correia Baptista. Idem, p. 449.5 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de

direito internacional público , cit., p. 345, e Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 450.

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Cap. 1 2 - REGIME GERAL DE RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS 221

ela. Por outro lado, caso o ato seja praticado fora do exercício das funções ou a título pessoal, não se pode imputá-lo ao Estado ou à organização internacional.

Defende-se que os atos delituosos praticados por indivíduos que atuem como órgãos do Estado, ainda que não desempenhem formalmente nenhum cargo, são capazes de vincular o Estado. Os critérios aplicáveis para a imputação do ato são o do controle efetivo ou da existência de instruções específicas, lembrando que a Corte Internacional de Justiça entendeu que, para efeitos de imputação, basta o exercício de um comando efetivo sobre a generalidade das situações, com ordens específicas na maioria dos casos, não necessariamente em todos6.

No que diz respeito à ilicitude, esta deve ser analisada à luz do Direito Internacional. Quer isto dizer que o fato de o ordenamento jurídico da entidade em causa (Estado ou organização internacional) considerar que o ato em questão é lícito ou obrigatório é totalmente irrelevante para a responsabilidade internacional. A ilicitude do ato depende da apreciação e aplicação das normas internacionais.

De acordo com o art. 2.° do Projeto sobre Responsabilidade dos Estados de 2001, da Comissão de Direito Internacional, o ato ilícito internacional é aquele imputável ao Estado de acordo com as normas internacionais e que constitui uma violação de uma obrigação internacional.

Ademais, cumpre observar que a responsabilidade internacional pa­rece ser objetiva, na medida em que não depende de qualquer elemento subjetivo, a saber, dolo ou culpa. Ainda assim, observe-se, a inexistência de dolo ou culpa por parte do agente poder ser relevante para efeitos de determinação do montante devido a título de reparação7.

12.3 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

A exemplo do que consagra o regime geral da responsabilidade, há casos em que a ilicitude do ato é excluída, afastando, assim, a responsa­bilidade e, portanto, o dever de reparar o dano. Segundo o Projeto sobre a Responsabilidade dos Estados de 2001, elaborado pela Comissão de Direito Internacional, são causas de exclusão da ilicitude: o consentimento, a legítima defesa, as represálias, a força maior, o perigo extremo e o estado de necessidade.

0 Cf. Eduardo Correia Baptisía. Direito Internacional Público, cit., p. 461-465.7 Cf. Eduardo Correia Baptista. Idera, p. 481-482.

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2 2 2 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga-------------------------------- _ - j

12.3.1 Consentimento válido

O consentimento válido manifestado por um Estado relativamente à prática de um determinado ato por parte de outro Estado retira a ilicitude deste ato e, por conseguinte, afasta a responsabilidade. Para sua validade, o consentimento precisa ser exteriorizado por uma entidade de poder, como o Chefe de Estado, o Chefe de Governo, o Ministro das Relações Exteriores ou algum outro ente competente, munido de carta de plenos poderes. Releva notar que a exclusão da ilicitude fica condicionada à permanência do ato nos limites do consentimento manifestado pelo primeiro Estado. Eventual extrapolação sujeitar-se-á às regras da responsabilidade internacional.

O consentimento só será causa de exclusão da ilicitude se manifestado antes da violação da norma jurídica. Caso seja declarado após a violação, não pode ser considerado causa de justificação, pois o ato praticado é incontroversamente ilícito. Nessas situações (consentimento a posteriori), estaremos diante de um perdão da responsabilidade.

12.3.2 Legítima defesa

A legítima defesa, segunda causa de exclusão da ilicitude prevista no Projeto sobre Responsabilidade dos Estados de 2001, encontra-se prevista no art. 51 da Carta das Nações Unidas. A legítima defesa pressupõe a existência de um ataque armado atual e somente será legítima nos casos em que a parte que a invoque observe os princípios da adequação, da indispensabilidade e da proporcionalidade. De acordo com este último princípio, os danos a serem provocados não podem e não devem ser desproporcionais aos danos que se pretende evitar.

12.3.3 Represálias

Não constituirão atos ilícitos aqueles praticados enquanto represálias, também chamados de contramedidas. Quer isto dizer que é permitido, salvo em relação às normas do jus cogens, o descumprimento de uma obrigação internacional, como resposta à prévia violação da mesma ou outra obrigação por parte.da entidade lesada pelo descumprimento. As represálias são importantes mecanismos de reação a violações do Direito Internacional, uma vez que o receio de uma futura represália faz com que os Estados respeitem as suas obrigações internacionais8.

Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 512-513.

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Cap. 12 - REGIME GERAL DE RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS 223

Enquanto a legítima defesa tem caráter defensivo e objetiva causar efeitos físicos à contraparte, a represália busca provocar danos no adver­sário para reprimi-lo psicologicamente a voltar a atacar.

12.3.4 Força maior

A força maior também exclui a responsabilidade internacional. Para o Direito Internacional, esta causa de exclusão consiste em uma força irresistível ou um acontecimento imprevisível que, alheios ao controle do Estado, tomem materialmente impossível a ele cumprir as suas obrigações. Todavia, se a situação é devida ao comportamento do Estado ou tenha ele assumido o risco de produzir o resultado, não estará configurada a força maior, cabendo-lhe a responsabilidade pelos danos causados.

12.3.5 Perigo extremo

O perigo extremo se caracteriza pela legitimação de um ato contrário às obrigações internacionais de um sujeito, quando praticado com intuito de salvar a vida ou outros bens jurídicos pessoais essenciais de indivíduos que se vejam numa situação de grave perigo. O perigo extremo pode visar reagir contra atos que não são ilícitos, assim contra atos ilícitos, mas cujo responsável não é a entidade contra quem esta causa de justificação será invocada. Quer isto dizer que o perigo extremo é invocado para excluir a responsabilidade por atos que prejudicam uma entidade que não é a responsável pela situação que causou o perigo9.

12.3.6 Estado de necessidade

O estado de necessidade é semelhante à figura do perigo extremo. Ocorre que o estado de necessidade é invocado quando se pretende resguardar interesses de extrema importância do Estado ou de uma or­ganização internacional, enquanto o perigo extremo, como vimos, busca proteger interesses individuais. O estado de necessidade é igualmente invocado como causa de justificação perante a entidade que não deu causa à situação que pôs perigo aos interesses essenciais do Estado ou da organização internacional.

9 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 493-495.

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224 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Releva notar que tanto os atos praticados em perigo extremo ou em estado de necessidade devem sempre respeitar o princípio da proporcio­nalidade.

Por derradeiro, é conveniente destacar que o Projeto da Comissão de Direito Internacional sobre Responsabilidade dos Estados de 2001 é preciso ao afirmar que nenhuma das causas elencadas poderá ser invocada como justificativa para o descumprimento de normas imperativas do Di­reito Internacional geral, isto é, as normas do ju s cogens. Logo, havendo uma violação de uma norma do jus cogens, o sujeito que descumpriu tal norma será sempre responsabilizado, ainda que pretenda invocar alguma das mencionadas causas de exclusão.

12.4 CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS

As conseqüências jurídicas da responsabilidade internacional são: (i) o dever de cumprir a obrigação violada; (ii) o dever de pôr fim ao ato que viole uma obrigação internacional; e (iii) o dever de reparar integralmente o dano causado. A reparação do dano pode dar-se pela reconstituição natural, pela satisfação ou pela obrigação de indenizar.

A reconstituição natural consiste não apenas em reconstituir a si­tuação existente antes da prática do ato, como também a situação que provavelmente existiria se o ato não tivesse sido praticado. Não terá lugar a reconstituição nos casos em que seja materialmente impossível, situações nas quais a reconstituição dará lugar a uma compensação pecuniária10.

A satisfação é normalmente aplicada em relação aos danos morais causados a Estados ou organizações internacionais. Pode assumir a forma de reconhecimento da violação, de uma manifestação de pesar, de um pedido formal de desculpas ou qualquer outra modalidade adequada, a exemplo da punição dos indivíduos responsáveis pela prática do ato causador do dano. O Projeto sobre Responsabilidade dos Estados de 2001 proclama que a satisfação deve ser proporcional ao prejuízo causado, de modo a não adotar uma forma humilhante para o Estado responsabilizado.

Nos casos em que a reconstituição material não seja possível, cabe­rá ao Estado responsabilizado a obrigação de indenizar a entidade ou

10 Idem, ibidem, p. 531-532.

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Cap. 12 - REGIME GERAL DE RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS 225

indivíduos lesados. A obrigação pecuniária abrange também os lucros cessantes devidamente comprovados. Entretanto, a determinação do valor da indenização, “tendo em conta o seu passivo, os lucros cessantes, etc., converte-se numa tarefa de extraordinária complexidade”11.

11 Cf. Eduardo Coireia Baptista. Idem, p. 538.

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RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS

Sumário: 13,1 Aspectos gerais - 13.2 A negociação - 13.3 Bons ofícios - 13.4 Mediação - 13.5 Conciliação - 13.6 Tribunais ou Cortes internacionais- 13.7 Arbitragem — 13.8 Meios políticos.

13.1 ASPECTOS GERAIS

Se por muito tempo os conflitos internacionais desencadearam guerras, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, nomeadamente por força dos “14 pontos de Wilson”, a regra é a de que os conflitos internacionais devem ser solucionados pacificamente.

Na verdade, “a guerra, que acompanhou a história da Humanidade, transformou-se em objeto de repúdio para a sociedade internacional”’. Isto fica evidenciado na Carta das Nações Unidas, segundo a qual “os membros da Organização deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos”, lembrando que vigora no Direito Internacional a regra costumeira da proibição da ameaça e do uso da força nas relações internacionais (codificada na Carta das Nações Unidas).

Portanto, nos termos do art. 2.°, n.° 3, e do art. 33, n.° 1, da Carta das Nações Unidas, sobre os membros da sociedade internacional pesa um dever de resolução pacífica das suas controvérsias internacionais.

Claro está, entretanto, que, em virtude de a ordem jurídica internacional basear-se na cooperação dos Estados, as soluções, em regra, dependem de esforços diplomáticos e políticos das partes envolvidas, não apenas

1 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 121.

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228 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

para pôr fim à controvérsia, como também para fazer valer os termos eventualmente acordados.

Veremos os seguintes meios pacíficos de solução de controvérsias internacionais: negociação, bons ofícios, mediação, conciliação, tribunais internacionais e arbitragem, além dos meios políticos.

Os quatro primeiros (negociação, bons ofícios, mediação e concilia­ção) são também chamados de meios diplomáticos e não levam a uma decisão vinculativa para as partes. Dos tribunais internacionais e arbitrais, denominados meios jurisdicionais, resultam atos vinculativos, que obrigam as partes envolvidas na controvérsia.

13.2 A NEGOCIAÇÃO

A negociação é considerada o método usual para a solução de contro­vérsias, além de ser o mais antigo e mais comum entre todos. Segundo Hildebrando Accioly, a negociação direta é geralmente o meio de melhores resultados para a solução de divergências entre Estados2.

Consiste em contatos e diálogos mantidos entre as partes envolvi­das, por via governamental ou diplomática, sem que haja a intervenção de terceiros. Claro está, cumpre às partes agir de boa-fé durante toda a negociação.

Da negociação podem resultar a desistência (uma das partes renun­cia ao direito pretendido), a aquiescência (consiste no reconhecimento por uma parte das pretensões da outra) ou a transação (quando ocorrem concessões mútuas e recíprocas)3.

13.3 BONS OFÍCIOS

Os bons ofícios não podem ser considerados um meio direto de resolução pacífica propriamente. Na verdade, procura-se conseguir fazer com que as partes envolvidas recorram à negociação, para solucionar a controvérsia4. Assim, uma terceira parte tenta, amistosamente, conduzir

- Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Manual de direito internacional público, cit., p. 768.

3 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseila. Idem, p. 768.

4 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público , cit., p. 564.

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Cap. 13 - RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS 229

os litigantes a um contato direto, na esperança de que elas entrem em acordo.

Cumpre frisar que a parte que oferece seus bons ofícios não toma parte nas negociações, muito menos em eventual acordo ao qual as partes litigantes chegaram. Outrossim, a prática internacional indica que o ofere­cimento de bons ofícios e a sua recusa não são considerados ingerência ou ato inamistoso.

13.4 MEDIAÇÃO

A mediação consiste em uma intervenção amigável, em que um tercei­ro Estado envia um emissário para propor às partes uma solução5. Aqui, o terceiro mediador tem participação ativa e direta nas negociações, na medida em que procura apaziguar as partes, além de apresentar propostas com intuito de um acordo.

Distingue-se, portanto, dos bons ofícios porque na mediação o terceiro interveniente não se limita a aproximar as partes, como também participa diretamente no desenrolar das tratativas de negociação.

Tal como se dá com os bons ofícios, a mediação pode ser oferecida e recusada sem que tais atitudes possam ser consideradas ingerência ou atos inamistosos.

13.5 CONCILIAÇÃO

Embora tenha perdido parte da sua importância, a conciliação é utilizada no seio de organizações internacionais ou por força de tratados diversos. A conciliação é regulada pelo Modelo das Nações Unidas do Regime de Conciliação entre Estados, adotado pela Resolução 50 (L) da Assembleia Geral, de 11.12.1995 e caracteriza-se pelo fato de ser nomeada pelas partes uma comissão com competência em matéria de determinação dos fatos relevantes, bem como quanto à formulação de uma recomendação de solução final às partes6.

A comissão de conciliação assume características jurisdicionais, mas suas deliberações não têm eficácia vinculativa, de modo que consistem em meras recomendações, que podem ou não ser seguidas pelas partes.

5 Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 123.6 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 567.

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230 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

13.6 TRIBUNAIS OU CORTES INTERNACIONAIS

Os tribunais ou cortes internacionais são entidades judiciárias cuja atribuição é julgar os conflitos internacionais, tendo como base o Direito Internacional, em conformidade com as regras processuais estabelecidas e cujas decisões são obrigatórias para as partes envolvidas7. São exemplos de tribunais ou cortes internacionais a Corte Internacional de Justiça e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Aquela é considerada a mais importante entre os tribunais internacionais.

Em regra, a competência das cortes internacionais permanentes não é obrigatória, razão pela qual a parte precisa aceitar a sua jurisdição. Uma vez aceita a sua jurisdição, a decisão da corte terá efeitos vinculativos e obrigatórios para as partes da demanda (o que não quer dizer que tem força executória). De referir, ainda, que, a princípio, apenas os Estados têm acesso às cortes internacionais, mas, a depender do estatuto, poderá ser facultado o acesso a organizações internacionais e a indivíduos.

13.7 ARBITRAGEM

José Francisco Rezek sintetiza o instituto ensinando que “a arbitragem é uma via jurisdicional, porém não judiciária, de solução pacífica de litígios internacionais. As partes incumbe a escolha do árbitro, a descrição da matéria conflituosa, a delimitação do direito aplicável. O foro arbitrai não tem permanência: proferida a sentença, termina para o árbitro o trabalho judicante que lhe haviam confiado os Estados em conflito. Da boa fé, da honradez das partes dependerá o fiel cumprimento da sentença, cujo desprezo, entretanto, configura ato internacionalmente ilícito”8.

A arbitragem é o método mais utilizado ao longo da história para solução pacífica de conflitos internacionais. Com efeito, enquanto a criação dos tribunais internacionais é fenômeno recente, a arbitragem é milenar.

A arbitragem em muito se assemelha às comissões de conciliação, mas delas diferem na medida em que têm o poder de proferir uma sentença dotada de efeitos vinculativos para as partes. Destarte, o elemento central que distingue a arbitragem da conciliação “é a natureza obrigatória da deliberação do tribunal arbitrai”9.

7 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Pauío Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 773.

8 Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 349-354.9 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 569.

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Cap. 13 - RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS 231

A obrigatoriedade da sentença arbitrai emana do princípio da autonomia da vontade, característico da arbitragem. Afinai, tendo as partes manifesta­do consentimento claro e preciso em levar o caso a um tribunal arbitrai, deduz-se que elas igualmente concordam em acatar a decisão futura.

A sentença arbitrai é definitiva, dela não cabendo recurso, muito em­bora não seja executória, de modo que o seu fiel cumprimento se sujeita à boa-fé e à honradez das partes10.

Importante mencionar a existência de um Tribunal Permanente de Arbitragem, criado em 1899. Na verdade, consiste em uma secretaria sediada em Haia e numa lista composta por vários árbitros, podendo cada Estado-parte na Convenção indicar quatro nomes.

13.8 MEIOS POLÍTICOS

Finalmente, uma breve menção aos meios políticos. A solução de conflitos internacionais por meios políticos normalmente ocorre no âmbito das Nações Unidas ou de outras organizações internacionais regionais, a exemplo da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A Assembleia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Uni­das podem ser utilizados como órgãos políticos de solução de litígios internacionais. Com efeito, os mencionados órgãos têm, nos termos da Carta da Organização, competência para investigar e decidir situações e controvérsias envolvendo seus membros, podendo elaborar recomenda­ções para solução dos conflitos. Lembre-se que a solução de conflitos no seio das Nações Unidas dependerá da utilização de meios diplomáticos e, neste particular, o Secretário-Geral da organização desempenha papel de relevo.

10 Cf. José Francisco Rezek. Idem, p. 353.

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QUESTÕES - RESPONSABILIDADE E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

1. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) Considerando a responsabilidade interna­cional, julgue os itens abaixo.1. O Esíado que praticar um ilícito a um membro de organização internacional deverá a

esta uma reparação adequada.2. A noção de responsabilidade internacional dos Estados fundamenta-se no princípio se­

gundo o qua! os compromissos assumidos devem ser mantidos e o maf injustamente causado deve ser reparado.

3. Em matéria de responsabilidade internacional, a regra é a da culpa objetiva.4. Um sujeito de direito internacional vitimado por dano moral pode pleitear reparação.

5. Nos casos em que o dano causado por omissão do Estado em diligenciar medidas após a execução do ato lesivo, sua responsabilidade engloba a reparação do dano causado pelo ato ilícito, bem como pela omissão total ou parcial dessas medidas.

2. (CESPE/TRF5/Juiz/2Q07) Com relação a responsabilidade internacional e a conflitosinternacionais, julgue os itens subsequentes.1. A mediação é meio diplomático de resolução de conflitos internacionais e a arbitragem,

meio jurídico de soiução de tais conflitos.2. A responsabilidade de um sujeito de direito internacional decorre, necessariamente, de

atos ilícitos.3. A responsabilidade internacional enseja a reparação de danos tanto da parte do agente

causador quanto da parte do Estado do qual esse agente se origine.4. A responsabilidade internacional se resolve, como regra gerai, em reparação de natureza

civil e, em casos excepcionais, em sanções penais.5. Tanto a Assembleia Geral quanto o Conselho de Segurança da Organização das Nações

Unidas (ONU) são instâncias políticas de solução de conflitos internacionais.

3. (OAB-DF/2006.2) Sobre os modos de solução de conflitos ou controvérsias inter­nacionais, assinale a alternativa CORRETA:(A) a mediação tem em comum com a arbitragem o fato de que, tanto a manifestação do

mediador, quanto a decisão arbitrai, são obrigatórias;

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234 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Púbücos - Marcelo Pupe Braga

(B) segundo a doutrina, as negociações diplomáticas - que podem ser bilaterais ou multi- laterais - têm como vantagem a pouca interferência da equivalência de força entre os Estados em negociação;

(C) na mediação, cuja utilização só é prevista quando há solicitação, não sendo admitidoo seu oferecimento, o mediador está sujeito a normas, como ocorre com o árbitro, na arbitragem, sendo que a manifestação do mediador não é obrigatória;

(D) o compromisso arbitrai é o acordo de vontades entre as partes litigantes, destinado a submeter o litígio à solução arbitra! e, por ser um tratado internacional, está submetido a todas as condições de validade deste.

4. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Relativamente aos conflitos internacionais,julgue os itens que se seguem.1. Toda contradição ou oposição de teses jurídicas ou de interesses entre dois Estados

constitui conflito ou litígio internacional.2. Apesar das criticas advindas de vários Estados da sociedade internacional, a Carta da

ONU não proíbe o uso da força por Estado como medida extrema destinada a solucionar litígio internacional.

3. Não existem tratados bilaterais, mas apenas multiiaterais, dispondo sobre a solução pacífica dos conflitos internacionais.

4. A liberdade de escoiha dos meios de solução pacífica dos conflitos internacionais é admitida pela Carta da ONU.

5. Grupos de Estados podem, eventualmente, ser protagonistas de um conflito internacio­nal.

5. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) A respeito dos meios diplomáticos de so­lução pacífica dos conflitos internacionais, julgue os itens abaixo.1. A negociação direta - ou entendimento direto em sua forma simpies ~ responde pela

solução da grande maioria dos conflitos entre Estados e caracteriza-se pela negociação entre os contendores, sem a interferência de terceiros.

2. O entendimento direto entre os contendores, facilitado peia ação amistosa de um terceirosujeito de direito internacional, consiste no que se denomina bons ofícios.

3. Na mediação, as partes em conflito se comprometem a acatar a solução arbitrada pelo mediador, sem o que essa via de solução pacífica não será exitosa.

4. A conciliação caracteriza-se peto fato de o conflito ser submetido à apreciação de uma comissão de conciliação, integrada por representantes dos Estados em conflito e por elementos neutros, cujos relatório e conclusões ou recomendações obrigam as partes.

5. O inquérito destina-se tão somente a estabelecer a materialidade dos fatos, nada pro­pondo ou recomendando.

6. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Julgue os itens a seguir, relativos aos meiosjurisdicionais de solução pacífica dos conflitos internacionais.1. Tanto os acórdãos da Corte Internacionai de Justiça quanto as sentenças arbitrais são

definitivos e obrigatórios.2. A jurisdição internacional, quer judiciária, quer não judiciária, só é exercida para equa­

cionar conflitos entre Estados quando estes se comprometem previamente em acatar a decisão a ser proferida.

3. Diferentemente dos acórdãos dos tribunais internacionais, as sentenças arbitrais po­derão ser impugnadas sob a aiegação de serem errôneas ou contrárias ã equidade.

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QUESTÕES - RESPONSABILIDADE E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 235

4. Tanto as sentenças arbitrais quanto os acórdãos dos tribunais internacionais têm força executória.

5. O primeiro órgão de jurisdição internacional permanente a ser instituído foi a Corte Permanente de Justiça internacionai, substituída posteriormente peia Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia.

7. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Com base nas modalidades possíveis desolução de controvérsias internacionais, julgue os itens que se seguem.1. Considere a seguinte situação. Em 1991, os presidentes do México, da Colômbia e da

Venezuela resolveram oferecer seus bons ofícios conjuntos aos governos de Cuba e dos Estados Unidos da América, para viabilizar-lhes o diálogo. Entretanto, a oferta foi recusada. Nessa situação, o oferecimento caracterizou uma intromissão indevida nas relações bilaterais daqueles Estados e a recusa representou um ato inamistoso para com os Estados que ofertaram seus bons ofícios.

2. Peia via do inquérito, instaura-se uma instância prévia para a posterior solução do con­flito. Trata-se da investigação preliminar, por uma comissão conjunta, da materialidade dos fatos controvertidos. Posteriormente, parte-se para uma das esferas - diplomática, política ou judiciária - de soiução de controvérsias.

3. A jurisdição da Corte Internacional de Justiça está vinculada à assinatura da cláusula facultativa de jurisdição obrigatória. Nesse sentido, considere, por hipótese, que o Estado X, membro da ONU e signatário de cláusula de aceitação antecipada da jurisdição da Corte, tenha sido demandado pelo Estado Y, não signatário da referida cláusula. Nessa situação, o Estado Y não poderá recusar a jurisdição da Corte.

4. As sentenças arbitrais são definitivas e imodificáveis.5. Para o direito internacional contemporâneo, o uso de meios coercitivos para a soiução

de controvérsias apenas se legitima com a aprovação e determinação das organizações internacionais.

GABARITO

1 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Errada; 4. Certa; 5.

Errada.

2 - 1 . Certa; 2. Errada; 3- Errada; 4. Certa; 5.

Certa.3 - D

4 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Errada; 4. Certa; 5.

Certa.

5 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Errada; 4. Errada; 5.

Certa.

6 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Errada; 4. Errada; 5.

Errada7 - 1 . Errada; 2. Certa; 3. Errada; 4. Errada; 5.

Certa.

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PARTE V

DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR

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DIREITO DIPLOMÁTICO

Sumário: 14.1 Diplomacia clássica, diplomacia ad hoc e dipíomacia direta -14.2 O direito de íegação - 14.3 Diplomacia nas organizações internacionais— 14.4 Corpo diplomático e missão diplomática - 14.5 Privilégios e imunidades diplomáticos ~ 14.6 Privilégios e imunidades dos locais de missão - 14.7 Privilégios e imunidades dos agentes diplomáticos - 14.8 Sanções diplomáticas.

14.1 DIPLOMACIA CLÁSSICA, DIPLOMACIA AD HOC EDIPLOMACIA DIRETA

A história mostra que jamais qualquer Império ou Estado pôde viver em total isolamento. As sociedades humanas sempre foram ligadas por relações, pacíficas ou armadas, e à dialética da soberania e da igualdade se sobrepõe a da interdependência. Logo, o direito internacional não for­nece instrumentos normativos apenas para assegurar a coabitação entre os Estados e conseqüente coexistência, mas antes para regulamentar as relações entre eles mantidas, assim como para solucionar os conflitos eventualmente decorrentes dessas relações1.

As relações entre diferentes povos e coletividades são, em muito, anteriores ao surgimento do Estado2, tal como concebido após a Paz de Vestefália e cujas características principais não sofreram maiores trans-

1 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e AUain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 745.

2 Tanto que o primeiro Considerando da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 refere que, “desde os tempos mais remotos, os povos de todas as nações têm reconhecido o estatuto dos agentes diplomáticos”.

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240 DfREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

1formações. Portanto, seria de todo equivocado afirmar que as relações diplomáticas têm início na Idade Média. Em verdade, é possível defender que a institucionalização da atividade diplomática se deu nesse período da história, o que jamais pode significar que a atividade, per si, surgiu naquele tempo.

O envio de pessoas por parte do líder de uma comunidade, do Rei ou do Imperador para tratar de assuntos que lhe interessavam no estran­geiro remonta à Antiguidade. O agente diplomático é, portanto, a pessoa enviada para representar o seu povo, comunidade, reino, império e, mais tarde, o seu Estado, no estrangeiro.

Nos mais remotos tempos, os representantes eram enviados para missões específicas e retomavam à origem depois de concluída a missão que lhe fora confiada. Apenas em 1446, com o envio de Duque de Mi­lão à Florença é que surge a primeira missão diplomática permanente3. Desde então, a diplomacia desenvolveu-se de modo significativo, Com o surgimento da entidade Estatal, a diplomacia passou a representar as relações, esporádicas ou permanentes, mantidas entre os Estados. Mais recentemente, com o fenômeno de criação das organizações internacionais, teve o seu âmbito de atuação alargado também para as relações Estado- -Estado e Estado-organizações internacionais e, por que não, organizações interaacionais-organizações internacionais.

Cumpre observar que o Direito Diplomático é eminentemente consue- tudinário. Em 1961 foi celebrada a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas4, cuja maioria dos preceitos tem origem costumeira.

A diplomacia clássica é definida como a atividade desenvolvida no âmbito das relações bilaterais, cujo desempenho é conferido às missões diplomáticas permanentes. O estabelecimento das missões diplomáticas permanentes dá-se por meio de acordos bilaterais, que têm por finalidade não apenas estreitar as relações, como também eventualmente estabelecer regras relativas às imunidades e privilégios dos agentes diplomáticos.

Outra forma de diplomacia mais recente é a chamada diplomacia ad hoc. A diplomacia ad hoc surge por força do crescente domínio das ma­térias de ordem técnica nas relações internacionais. Compreende, assim, os delegados em conferências internacionais, os enviados itinerantes e, ainda, as missões especiais. Missão especial é aquela temporária que tem

3 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 2, p. 1378.

4 Promulgada no Brasil em 08.06.1965, por meio do Decreto 56.435.

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Cap. 14 - DIREITO DIPLOMÁTICO 241

por objetivo a conclusão de uma tarefa específica, geralmente de natureza técnica, e, nesse aspecto (transitoriedade), guarda traços de semelhança com as missões da Antiguidade.

Por sua vez, a diplomacia direta é aquela desempenhada pelo próprio Chefe de Estado, Chefe de Govemo e Ministro das Relações Exteriores. Admite-se a ficção de que estes três atores não são representantes do Estado, mas antes personificam a figura Estatal.

14.2 O DIREITO DE LEGAÇÃO

O direito de legação tem origem consuetudinária e compreende o direito de enviar e receber agentes diplomáticos. Inicialmente reconhecido pelo Direito Internacional apenas aos Estados soberanos5, hoje é também reconhecido às Organizações Internacionais6.

O direito de legação possui duas perspectivas ou aspectos. De um lado, temos o direito de legação ativo, que nada mais é que o direito de enviar representantes diplomáticos ao Estado estrangeiro. E, de outro, temos o direito de legação passivo, que se refere à recepção de agentes diplomáticos de potências estrangeiras.

Uma vez que os Estados participam de atividades nas organizações internacionais por meio das suas missões diplomáticas especiais ou per­manentes, as organizações internacionais, que também têm reconhecido o seu direito de legação, podem ser representadas junto aos Estados. Con­vém lembrar, entretanto, que as regras aplicáveis às relações diplomáticas devem estar em conformidade com o que dispõe o estatuto jurídico das organizações7.

Nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, o estabelecimento de relações diplomáticas e o envio de missões diplomáticas permanentes dependem do consentimento mútuo entre os Estados8. Merece destaque o fato de que a Convenção não menciona o direito de legação, falando apenas no mútuo consentimento. Ian Brownlie

I

5 O direito de legação já foi considerado um dos atributos da soberania.6 Ressalvando que o direito de legação parece ter dado lugar ao consentimento mútuo, como

se verá adiante.7 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Dailiier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit.,

p. 754.& “Art. 2 ° O estabelecimento de relações diplomáticas entre Estados e o envio de missões

diplomáticas permanentes efetuam-se por consentimento mútuo”.

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242 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

— 1informa não existir um direito de legação no Direito Internacional geral, ainda que reconheça a capacidade que têm os Estados soberanos para estabelecerem relações diplomáticas9. Aduz que o estabelecimento de relações se dá por força do consentimento.

Embora admitamos que nenhum Estado está obrigado pelo Direito Internacional a receber ou enviar missões diplomáticas, somos da opinião de que existe o direito de legação, o qual não é, contudo, autoexecutável. O estabelecimento das relações diplomáticas, ao que parece, depende da conjugação do direito de legação com o consentimento mútuo. Esta teoria afigura-nos a mais prudente.

14.3 DIPLOMACIA NAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Conforme exposto anteriormente, a criação de organizações interna­cionais interestatais, tal como hoje entendidas, é um fenômeno relativa­mente recente. Seu surgimento implica a eclosão de uma nova espécie de diplomacia, conhecida como diplomacia multilateral, pois, ao contrário da diplomacia bilateral, uma grande parcela de Estados mantém relações no âmbito de uma única organização internacional, a exemplo das Nações Unidas.

A diplomacia multilateral é representada não apenas pelas missões que os Estados enviam a organizações internacionais, mas também pelas missões diplomáticas, ou quase diplomáticas, que algumas organizações internacionais enviam a um Estado membro ou mesmo um Estado ter­ceiro10.

As organizações internacionais dispõem do direito de legação, nos seus aspectos ativo e passivo11. Podem, logo, receber pessoal diplomático, como também enviar funcionários para intervir em negociações e mediações, desde que presente o consentimento mútuo. Os Estados mantêm, em regra, missões permanentes acreditadas junto à organização internacional.

A diplomacia multilateral traz uma questão interessante, que por ra­zões óbvias não ocorre nas relações bilaterais. Trata-se de uma delicada triangulação que envolve:

9 Cf. Ian Brownlie. Princípios de direito internacional público, cit., p. 369.10 Cf. Jean Salmon. Manuel de droit diplomatique. Bruxeiles: Bruylant, 1994. p. 2.11 Em que pese o estabelecimento das relações depender do consentimento mútuo, não ha­

vendo o que falar em qualquer obrigatoriedade por parte de um Estado ou Organização Internacional em receber missão diplomática estrangeira.

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Cap. 14 - DIREITO DIPLOMÁTICO 243j

(i) a relação entre a organização e o Estado que envia a missão diplo­mática;

(ii) a relação entre a organização e o Estado anfitrião ou de sede;(iii) a relação entre o Estado que envia a missão e o Estado de sede.

O problema surge quando, embora a organização tenha aceitado receber a missão diplomática do Estado A, o Estado B, anfitrião da organização, não concorda que lhe seja imposta a recepção, em seu território, de pessoas que eventualmente julgue indesejáveis. Entretanto, prevalece a regra segundo a qual, ao aceitar a instalação da sede da organização em seu território, o Estado, ainda que implicitamente, compromete-se a não obstar o seu funcionamento.

A conciliação do conflito de interesses nem sempre é fácil e, embo­ra ainda não se constatem princípios muito firmes no assunto, a prática habitual considera que o Estado hospedeiro não pode opor-se, salvo em casos excepcionais, ao acesso às instalações da organização, quando esta tenha, para tanto, outorgado autorização12.

Em conclusão, vale lembrar que se permite o estabelecimento de missões diplomáticas entre organizações internacionais, sobretudo numa era em que o princípio da cooperação adquiriu importância expressiva no cenário das relações internacionais.

14.4 CORPO DIPLOMÁTICO E MISSÃO DIPLOMÁTICA

Por corpo diplomático entende-se o conjunto formado pelos agentes diplomáticos acreditados perante o mesmo Chefe de Estado. O corpo di­plomático não dispõe de uma personalidade jurídica própria, representando apenas a reunião desses agentes diplomáticos. Dele fazem parte o chefe de missão13 e os membros do pessoal diplomático.

Já a missão diplomática tem uma definição bem mais ampla, abran­gendo não apenas o corpo diplomático (chefe de missão e agentes diplo­máticos), mas também os membros do pessoal administrativo e técnico, os membros do pessoal de serviço e os criados particulares. A Convenção

i2 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daíllier e Allain Peliet. Direito internacional público, cit., p. 768.

B Os chefes de missão dividem-se em três classes, a saber: embaixadores ou núncios, ou outros de categoria equivalente; enviados, ministros ou intemúncios; e encarregados de negócios acreditados perante Ministro de Relações Exteriores.

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de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 define os locais de missão como “os edifícios, ou parte dos edifícios e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão, inclusive a residência do chefe da missão” (art. 1.°, í).

Entre as diversas funções da missão diplomática, podemos citar14:

(i) a representação do Estado acreditante (que envia a missão) perante o Estado acreditado15 (que recebe a missão);

(ii) a proteção dos interesses do Estado acreditante e seus nacionais perante o Estado acreditado;

(iii) promoção das relações amistosas e desenvolvimento das relações eco­nômicas, culturais e científicas entre o Estado acreditante e o Estado acreditado.

O chefe de missão é a pessoa encarregada pelo Estado acreditante a agir como tal. O Estado acreditante pode, desde que não haja oposição expressa por parte dos Estados acreditados, nomear um chefe de missão perante dois ou mais Estados. É a chamada acrediiação múltipla, comum nos Estados menos favorecidos, que têm dificuldades em manter missões diplomáticas em todos os Estados com os quais mantêm relações diplo­máticas. Trata-se, sobretudo, de uma questão de contenção de despesas para o Estado acreditante.

Outrossim, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 permite que dois ou mais Estados acreditem a mesma pessoa como chefe de missão perante outro Estado, desde que o Estado acreditado não se oponha. E o que se chama de acrediiação conjunta.

Porque as relações diplomáticas são norteadas pelo consentimento mútuo e pelo princípio da reciprocidade, cabe ao Estado acreditante certificar-se de que a pessoa que pretende nomear para o exercício da função de chefe de missão obtenha o “de acordo” do Estado acreditado. Esta aceitação é conhecida por agrément, que é ato discricionário do Esta­do acreditado. Quer isto dizer que o Estado acreditado não está obrigado a conceder o agrément à pessoa nomeada como chefe de missão pelo

14 Cf. art. 3.° da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, cujo rol não é exaustivo.

12 Em Portugal, a nomenclatura é outra. O Estado que envia a missão é igualmente o acreditan­te. Mas o Estado que recebe a missão é chamado de acreditador, e não de acreditado.

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Cap. 14 - DIREITO DIPLOMÁTICO 245

Estado acreditante, tampouco, em caso de negativa do agrément, a expor os fundamentos e motivos para sua recusa.

Para evitar incidentes diplomáticos, afigura-se que os Estados acre- ditantes costumam fazer uma informal consulta ao Estado acreditado, a respeito de eventual posicionamento em caso de nomeação de determinada pessoa para o cargo de chefe de missão. Com isto, evitam-se maiores surpresas e constrangimentos.

O início das atividades do chefe de missão ocorre quando ele entre­ga suas credenciais ou comunica a sua chegada e apresenta cópias das credenciais ao Ministério das Relações Exteriores, ou outro que se tenha convencionado, do Estado acreditado. As credenciais demonstram a habi­litação do chefe de missão para o desempenho da função e, em que pese não terem forma rígida, são assinadas pelo chefe do Estado acreditante e endereçadas ao chefe do Estado acreditado16.

Os membros do pessoal diplomático devem, em regra, ter a na­cionalidade do Estado acreditante. Nos demais caso, é indispensável o consentimento por parte do Estado acreditado. A nomeação, chegada e partida dos membros da missão devem, necessariamente, ser notificadas ao Ministério das Relações Exteriores do Estado acreditado.

O modo como é conduzido o processo seletivo e a nomeação dos agentes diplomáticos é regulamentado de diferentes formas pelas normas internas de cada Estado. Portanto, não cabe ao Direito Internacional analisá-lo. De toda sorte, no Brasil a seleção fica a cargo do Instituto Rio Branco.

No que respeita à instalação da missão diplomática, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 estabelece que o Estado acreditado deve conceder todas as facilidades possíveis ao desempenho das funções da missão, em especial quanto à aquisição, pelo Estado acreditante, dos locais necessários à instalação da missão e seus membros.

14.5 PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DIPLOMÁTICOS

As imunidades e privilégios diplomáticos são, sem sombra de dúvida, a matéria de maior relevo no campo do Direito Diplomático e têm sua origem no costume. Nos tempos mais remotos, a figura que hoje chama­mos de agente diplomático muitas vezes era enviada ao estrangeiro para

16 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 2, p. 1381.

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negociar acordos de paz. Caso lhe acontecesse algo, o acordo certamente não teria sucesso. Daí surgiu a regra costumeira segundo a qual as pessoas enviadas para negociar tratados de paz estariam imunes a qualquer tipo de violência, sendo, portanto, invioláveis.

Além disso, não se deve esquecer que, no período medieval, o Estado era considerado propriedade do monarca. Como o enviado representava o Estado, representava também a figura pessoal do rei. Eventual ofensa ao agente diplomático significava o mesmo que ofender o próprio soberano estrangeiro17.

Algumas teorias apresentaram fundamentos para justificar a existência desses privilégios e imunidades. O holandês Hugo Grotius foi o principal expoente da teoria da extraterritorialidade. A extraterritorialidade é uma ficção jurídica segundo a qual se considera “que o agente diplomático se encontra ausente do território onde está acreditado, como se nunca tivesse abandonado o seu território nacional”18. Pela extraterritorialidade, admite-se que o local da missão diplomática faz parte do território não do Estado acreditado, mas do Estado acreditante. Deste modo, os agentes diplomáticos e os locais da missão estariam imunes à jurisdição local, respondendo apenas perante o Estado acreditante.

A teoria da extraterritorialidade não logrou êxito e terminou por ser rejeitada. Entre suas imperfeições, destaca-se a situação de que, caso um crime comum fosse consumado no local da missão diplomática, o crimi­noso apenas poderia ser encaminhado às autoridades do Estado acreditado pelo processo de extradição, o que não ocorria na prática.

Com o advento da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, ficou claro que a teoria da extraterritorialidade não foi consagrada, uma vez que no n.° 1 do seu art. 41 estabelece com exatidão que, sem prejuízo dos privilégios e imunidades, todas as pessoas que deles gozem devem respeitar as leis e regulamentos do Estado acreditado. Logo, não resta qualquer dúvida de que as leis do Estado acreditado são aplicáveis em todo o seu território, incluindo os locais das missões diplomáticas.

Uma segunda teoria que procurou embasar os privilégios e imuni­dades foi a teoria do caráter representativo. Formulada claramente por Montesquieu, sustentava que o agente diplomático e a missão diplomática representavam o Estado acreditante e, nesta qualidade, faziam jus aos privilégios e imunidades, na medida em que caberia ao Estado acredita­

17 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, v. 2, cit., p.1383.

,s Cf. Antônio Pedro Barbas Homem. História das relações internacionais, cit., p. 260.

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Cap. 14 - DIREiTO DIPLOMÁTICO 247

do o respeito e observância da dignidade, independência e soberania do Estado acreditante. Todavia, assim como a teoria da extraterritorialidade. a teoria do caráter representativo é um vestígio da era monárquica e não recebeu apoio expressivo19.

A terceira teoria é a que felizmente prevaleceu. E a teoria do interesse da função. Segundo ela, os privilégios e imunidades são concedidos a fim de que os agentes diplomáticos possam exercer as funções que lhes foram confiadas com independência. Entende-se que o estatuto diplomá­tico possibilita o exercício das funções do agente diplomático com maior eficácia e autonomia.

A teoria do interesse da função encontra-se expressamente consa­grada na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, que reconhece que “a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas sim garantir o eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas”20.

As imunidades e privilégios podem ser assim esquematizados:

(i) inviolabilidade pessoal do agente diplomático;(ii) inviolabilidade dos locais de missão e outros bens;(iii) imunidade de jurisdição civil e administrativa;(iv) imunidade de jurisdição penal;(v) isenção fiscal.

A citada Convenção de Viena de 1961 não oferece, ao menos cate­goricamente, resposta quanto à titularidade das imunidades e privilégios. Entretanto, faculta ao Estado acreditante, e tão somente a ele, a possi­bilidade de renunciar à imunidade de jurisdição que detêm os agentes diplomáticos21, desde que a renúncia seja expressa.

!9 Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daiüier e Allaín Pellet. Direito internacional público, cit., p. 763.

-° Quarto considerando da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961.21 Além dos agentes diplomáticos, o Estado acreditante pode renunciar à imunidade de

jurisdição que detêm: os familiares dos agentes diplomáticos que com ele vivam, desde que não sejam nacionais do Estado acreditado; os membros do pessoal administrativo é técnico da missão e seus familiares, desde que com eles vivam e não sejam nacionais nem tenham residência permanente no Estado acreditado; os membros do pessoal de serviço da missão que não sejam nacionais do Estado acreditado, nem nele residam em caráter permanente; e os criados particulares dos membros da missão que não sejam nacionais do Estado acreditado, nem nele tenham residência permanente.

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Além da renúncia, os privilégios e imunidades podem cessar pelo término das funções do agente diplomático, pela declaração de persona non grata e pela ruptura das relações diplomáticas22.

A pessoa que tenha direito às imunidades e privilégios passa a gozá-los a partir do momento em que penetre no território do Estado acreditado para assumir sua função ou, caso já se encontre no território, a partir da notificação da sua nomeação ao Ministério das Relações Exteriores, ou outro que se tenha convencionado, do Estado acreditado.

Há privilégios e imunidades que são conferidos em benefício dos locais da missão, enquanto outros são relativos ao pessoal da missão diplomática.

14.6 PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DOS LOCAIS DE MISSÃO

Quanto aos locais de missão, cumpre referir a liberdade de comuni­cações, a inviolabilidade dos locais de missão, a imunidade de execução e a isenção fiscal.

Nos termos do art. 27 da Convenção de Viena sobre Relações Diplo­máticas de 1961, o Estado acreditado tem o dever de assegurar e proteger a livre comunicação da missão diplomática, para todos os fins oficiais. A liberdade de comunicações reflete-se, inicialmente, na imunidade da mala diplomática, justificada pelo princípio do segredo e da inviolabilidade da correspondência oficial da missão. É indispensável que, para que se bene­ficie da imunidade, a mala diplomática contenha sinais exteriores visíveis que representem a sua qualidade, lembrando que não pode conter algo além de documentos diplomáticos e objetos de uso oficial23.

Num segundo plano, a liberdade de comunicações traduz~se no imperativo de que cabe ao Estado acreditado adotar as medidas que lhe competem quanto à segurança das comunicações, especialmente em relação à telefonia, transmissão de sinais de rádio e dados em geral, de modo a assegurar o eficaz e independente desempenho das funções da missão diplomática.

Quanto à inviolabilidade dos locais de missão, trata-se de uma regra costumeira elementar, inequivocamente presente no art. 22 da Convenção

22 Esses dois últimos institutos serão estudados no tópico reservado às sanções diplomáti­cas.

23 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit.7 p. 764.

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de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961. Segundo este artigo, os agentes do Estado acreditado não poderão penetrar nos locais de missão sem o consentimento do seu chefe. A inviolabilidade tem dupla face. Além de ser proibida aos agentes do Estado territorial a penetração nos locais de missão sem consentimento, compete ao Estado acreditado adotar as medidas apropriadas para proteger os locais da missão contra qualquer intrusão ou dano24. A inviolabilidade abrange, ainda, os arquivos e docu­mentos da missão, em qualquer momento e onde quer que estejam.

Outrossim, “os locais de missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”25, isto é, gozam de imunidade de execução, como decorrência lógica da inviolabi­lidade dos locais de missão.

Por derradeiro, impende registrar que a missão diplomática goza, ainda, de isenção fiscal sobre os direitos e emolumentos que receba em função da prática de atos oficiais, bem como sobre eventuais taxas aduaneiras relativas à entrada dos objetos destinados ao uso oficial da missão diplomática.

14.7 PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DOS AGENTES DIPLOMÁTICOS

Os privilégios e imunidades dos agentes diplomáticos são: inviola­bilidade pessoal, inviolabilidade residencial, inviolabilidade de bens e documentos, imunidade de jurisdição penal, civil e administrativa, imu­nidade de execução e isenção fiscal.

Iniciaremos pela análise da inviolabilidade pessoal do agente diplo­mático, estampada no art. 29 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961. E uma regra amplamente reconhecida, que faz parte do Direito Internacional consuetudinário, existente desde a mais remota Antiguidade26.

O agente diplomático não pode ser objeto de qualquer forma de detenção ou prisão, cabendo ao Estado acreditado tratá-lo com o devido

24 Implica uma obrigação de repressão e outra de prevenção.25 Redação do art. 22, n.° 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de

1961.26 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público, cit., v. 2, p.

1385.

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250 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

respeito e adotar as medidas que lhe competem, no sentido de evitar e coibir quaisquer ofensas à sua pessoa, liberdade e dignidade. Traduz-se, portanto, em um duplo dever que pesa sobre o Estado acreditado de re­pressão e prevenção. Eventual desrespeito dessa inviolabilidade acarretará a responsabilização do Estado acreditado, cujas sanções podem variar desde um pedido oficial de desculpas, penalização dos responsáveis pela violação, até a obrigação de reparar os danos causados.

Em virtude da inviolabilidade que detém, o agente diplomático não está obrigado a prestar depoimento como testemunha, nada impedindo que o faça voluntariamente.

A inviolabilidade pessoal do agente diplomático é absoluta, o que jamais pode imprimir a falsa ideia de impunidade, sobretudo porque o agente diplomático responderá pelos seus atos perante a jurisdição do Esta­do acreditante, ao menos em tese. O que ocorre, na verdade, é a negação da competência dos tribunais locais, e não da existência da infração.

Lamentavelmente, são vários os casos em que o agente diplomático se aproveita arbitrariamente das imunidades que possui para praticar atos ilegais. Esse tipo de conduta não pode passar despercebido pelo direito, e, de modo a prevenir que agentes diplomáticos abusem dessas imunidades, utilizando-as como se um escudo intocável fosse, somos da opinião de que a inviolabilidade há de ser relativizada, ao menos nos casos em que o agente diplomático seja flagrado por autoridade competente do Estado acreditado praticando um crime.

Não nos parece plausível, tampouco aceitável, que um policial do Estado acreditado presencie a prática de crime por parte de um agente diplomático, sem que possa detê-lo, impedindo, pois, a continuação do delito. Sabemos, porém, que, por ser uma antiquíssima regra costumeira, ainda não existem elementos suficientes para fundamentar possíveis alte­rações no regime absolutista da inviolabilidade pessoal.

A inviolabilidade estende-se à residência particular do agente diplo­mático, que goza da mesma proteção que os locais da missão, e aos seus documentos, sua correspondência e seus bens.

A imunidade de jurisdição comporta dois regimes distintos. A imu­nidade de jurisdição penal é absoluta, mas a civil e administrativa é relativa. Comecemos pela: penal.

Não interessa se o crime foi praticado pelo agente diplomático no exercício das suas funções ou não. A imunidade de jurisdição penal é absoluta e impede que o agente diplomático seja preso e responda a processo criminal perante o Estado em que se encontre acreditado. Mas

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Cap. 14 - DIREiTO DIPLOMÁTICO 251

isto não obsta que a autoridade policial do Estado acreditado elabore o inquérito para investigação e apuração dos fatos relacionados ao crime27 para posterior encaminhamento às autoridades competentes do Estado acreditante, tendo em vista que “a imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditado não o isenta da jurisdição do Estado acreditante”28.

O agente diplomático também goza de imunidade de jurisdição civil e administrativa, a qual não é, contudo, absoluta. Não estão abrangidas por esta imunidade29 as ações:

(i) reais sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão;

(ii) sucessórias em que o agente figure, a título privado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário;

(iii) referentes a qualquer atividade profissional ou comerciai desenvolvida pelo agente do Estado acreditado, fora do exercício das suas funções oficiais.

Nos demais casos não previstos na Convenção de Viena sobre Re­lações Diplomáticas de 1961, o agente diplomático gozará da imunidade de jurisdição civil e administrativa, não podendo ter contra si processo em curso perante os tribunais do Estado acreditado.

Como resultado das precitadas imunidades de jurisdição, tem-se a imunidade de execução, declarada no n.° 3 do art. 31 da Convenção de Viena de 1961, segundo o qual o agente diplomático não será sujeito a quaisquer medidas de execução.

Mas a imunidade de execução não é absoluta e seu regime está de acordo com as exceções previstas para a imunidade de jurisdição civil e administrativa, acima transcritas. Logo, nos casos em que se aplica a jurisdição do Estado acreditado (ações relativas a imóvel privado, à su­cessão e atividades profissional ou comercial privadas do agente), não há que falar em imunidade de execução. De todo modo, eventuais medidas

27 Contanto que, evidentemente, respeite as inviolabilidades do agente diplomático.28 Vide art. 31, n.° 4, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961.39 Vide art. 31, n.° 1, a, b, c, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de

1961.

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executivas jamais podem ser levadas a cabo se afetarem as inviolabüidades da pessoa e da residência do agente diplomático.

O art. 34 da Convenção de Viena de 1961 confere aos agentes diplo­máticos isenção fiscal que se aplica a todos “os impostos e taxas, pessoas ou reais, nacionais, regionais ou municipais”, com exceção:

(i) dos impostos indiretos incluídos nos preços das mercadorias e servi­ços;

(ii) dos impostos e taxas sobre imóveis privados situados no território do Estado acreditado, desde que o agente não os possua em nome do Estado acreditante para os fins da missão;

(iii) dos direitos de sucessão percebidos pelo Estado acreditado, salvo o disposto no n.° 4 do art. 39;

(iv) dos impostos e taxas sobre rendimentos privados originados do Estado acreditado;

(v) dos impostos sobre o capital referentes a investimentos em empresas comerciais situadas no Estado acreditado;

(vi) dos impostos e taxas que incidam sobre a remuneração de serviços específicos;

(vii) dos direitos de registro, hipoteca, custas judiciais e imposto do selo relativos a bens imóveis, salvo o disposto no art. 23.

O Estado acreditado ainda permitirá a livre entrada de pagamento de direitos aduaneiros, taxas e outros encargos que não sejam de armazenagem e transporte, dos objetos destinados ao uso pessoal do agente diplomático e membros da sua família, ainda os destinados à sua instalação (art. 36 da Convenção de Viena de 1961).

De referir, ademais, que o agente diplomático não está obrigado a efetuar contribuições para o sistema de seguridade social do Estado acreditado.

O art. 37 da citada Convenção prevê a extensão dos privilégios e imunidades garantidos ao agente diplomático ao seu agregado familiar, contanto que não sejam nacionais do Estado acreditado.

Quanto aos demais membros da missão, eles podem, por extensão prevista na Convenção, gozar das imunidades, a menos que sejam na­cionais do Estado acreditado ou nele tenham residência permanente. Os membros do pessoal administrativo e técnico, bem como sua família, gozam das mesmas imunidades que os agentes diplomáticos, em regime

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Cap. 14 - DIREITO DIPLOMÁTICO 253

pouco diferente. Os membros do pessoal de serviço só aproveitam das imunidades relativamente aos atos praticados no exercício das funções, razão por que seus familiares restam completamente excluídos. Já os criados particulares de um membro da missão apenas estão isentos do pagamento dos impostos e taxas sobre os salários que percebem, a menos que o Estado acreditado conceda-lhes outros privilégios30.

E inescusável a referência de que todas as pessoas que gozem dos mencionados privilégios e imunidades devem respeitar as leis e regula­mentos do Estado acreditado, além de sobre eles pesar um dever de não ingerência nos assuntos internos do Estado territorial.

A menos que se tenha acordado em outro sentido, todos os assuntos oficiais que respeitam ao Estado acreditante e ao Estado acreditado, de­vem ser tratados entre a missão diplomática daquele e o Ministério das Relações Exteriores deste.

14.8 SANÇÕES DIPLOMÁTICAS

Em vários aspectos o Direito Diplomático basta-se a si próprio, não havendo necessidade de emprestar-se de regras e princípios do Direito Internacional Geral. E o caso das sanções diplomáticas, atualmente pre­vistas na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961. São apenas duas: a declaração de persona non grata e a ruptura das relações diplomáticas.

A declaração de persona non grata, autorizada pelo art. 9.° da men­cionada Convenção, nada mais é que o ato pelo qual o Estado acreditado declara que o chefe da missão, qualquer membro do pessoal diplomático ou do pessoal da missão não é desejável. A declaração de persona non grata é ato discricionário, obedecendo apenas à oportunidade e conve­niência do Estado acreditado, sem que se exija para tanto qualquer tipo de justificação quando da notificação ao Estado acreditante.

Sabe-se, contudo, que os motivos que geralmente ensejam a declaração de persona non grata devem-se ao comportamento do agente diplomático e respeitam a violação de deveres perante o Estado acreditado, tal como a prática de crimes e delitos e atos de ingerência nos assuntos internos.

É bem verdade, outrossim, que a declaração de persona non grata dá-se também em virtude de comportamento do agente que não seja ilícitos ou

I

30 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 767.

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254 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

proibido, mas que, de alguma forma, desagrada o Estado acreditado. Sem mencionar os casos em que o agente diplomático não praticou nenhum crime ou ato que desagradou o Estado acreditado, mas tão somente foi usado para atingir o Estado acreditante, e.g , o Estado acreditado declara o agente persona non grata apenas para manifestar o descontentamento com uma decisão ou nova política anunciada pelo Estado acreditante.

A conseqüência natural da declaração de persona non grata é a de que o Estado acreditado providencia a chamada do agente, que deverá ser observada pelo Estado acreditante, ainda que haja protestos contra aquele ato. O reenvio forçado ou expulsão do agente devem ser evitados, sob pena de gerar uma instabilidade das relações diplomáticas ainda mais grave.

O outro tipo de sanção diplomática previsto na Convenção de Vie­na de 1961 é a ruptura das relações diplomáticas. E a mais grave das sanções diplomáticas e só deve ser utilizada em último caso3i. Se por ventura ocorrer a ruptura das relações diplomáticas:

(i) o Estado acreditado deve respeitar e proteger, mesmo se estiver em curso um conflito armado, os locais da missão, seus bens e arquivos;

(ii) o Estado acreditante poderá pôr os locais da missão, seus bens e ar­quivos, sob proteção de um terceiro Estado, desde que com a anuência do acreditado;

(iii) o Estado acreditante poderá confiar a proteção dos seus interesses e de seus nacionais a um terceiro Estado, também com o aceite do Estado acreditado32.

Quaisquer atos diversos dos acima referidos, tais como atos de uso da força por parte do Estado acreditado, escapam do domínio do Direito Diplomático e são totalmente proibidos, conforme o art. 2.°, n.° 4, da Carta das Nações Unidas.

31 A exemplo da tomada da embaixada dos Estados Unidos da América em Teerã em no­vembro de 1979, onde 52 membros da missão foram feitos reféns por incríveis 444 dias.Os Estados Unidos romperam as relações diplomáticas com o Irã em 07.04.19S0.

32 Vide art. 45 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961.

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DIREITO CONSULAR

Sumário: 15.1 Introdução - 15.2 Estabeíecimento das relações consulares -15.3 Funções consulares - 15.4 Categorias de funcionários consulares - 15.5 Facilidades, privilégios e imunidades.

15.1 INTRODUÇÃO

A título prefaciai vale registrar que as relações diplomáticas e as relações consulares não se confundem, distinguindo-se tanto quanto aos seus objetos quanto aos seus estatutos jurídicos. Quer isto dizer que a natureza jurídica destes institutos é dessemelhante, cabendo-nos, agora, a apresentação dos principais aspectos de relevo da instituição consular.

Em linhas gerais, enquanto o diplomata representa o Estado acreditante perante o Estado territorial para tratar de assuntos bilaterais de Estado, o cônsul representa o Estado de origem no estrangeiro para cuidar de assuntos de interesse privado1. Ocupa-se dos mais diversos interesses do Estado de envio e dos seus nacionais e desempenha funções das mais variadas, que teremos oportunidade de apreciar mais adiante.

Afirma-se que a existência dos cônsules é muito antiga, sendo inclusive anterior ao aparecimento das missões diplomáticas permanentes. Segundo Celso de Albuquerque Mello, surge na Grécia antiga, na figura dos “pro- xenos”, os quais eram escolhidos entre os que residiam no estrangeiro para servirem de intermediários “nas relações entre os estrangeiros e o

! Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público, cit., p. 169.

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256 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

governo da cidade”2. Em que pese sua antiguidade, a instituição consular teve seu desenvolvimento durante a Idade Média.

As fontes predominantes do Direito Consular são o costume e as con­venções bilaterais que firmam os Estados interessados. Em 1928 chegou a ser concluída uma Convenção Interamericana sobre Agentes Consulares em Havana, mas a sedimentação do Direito Consular se deu com a adoção da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, em 1963, que entrou em vigor no Brasil por meio do Decreto 61.078, de 26.07.1967.

A Convenção de Viena sobre Relações Consulares é o resultado de um projeto de artigos de autoria da Comissão de Direito Internacional, elaborado com base nas regras consuetudinárias verificadas ao longo dos tempos. Além de positivar normas costumeiras, a Convenção é dotada de um marcante elemento de desenvolvimento e reconstrução do Direito Consular, aproximando o estatuto dos cônsules de carreira do estatuto dos agentes diplomáticos3.

15.2 ESTABELECIMENTO DAS RELAÇÕES CONSULARES

Será observado que, embora não se confundam, há muitos pontos de correspondência entre o Direito Diplomático e o Direito Consular. Tal como as relações diplomáticas, as relações consulares entre os Estados estabelecem-se por consentimento mútuo. A Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 apresenta uma regra interessante, pela qual “o consentimento dado para o estabelecimento de relações diplomáticas entre dois Estados implica, salvo indicação em contrário, o consentimento para o estabelecimento das relações consulares”4. Esta regra não se opera no sentido oposto, pois não há na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 nenhuma norma que preceitue que o consentimento para o estabelecimento de relações consulares entre dois Estados implica o consentimento para que se estabeleçam, também, relações diplomáticas.

As relações consulares independem das relações diplomáticas, no­meadamente em razão da divergência material que lhes caracteriza. Isto porque, enquanto estas tratam de assuntos políticos de Estado, aquelas cuidam de matérias de natureza privada, recaindo normalmente sobre

2 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional público , cit., v. 2, p. 1405.

3 Cf. lan Brownlíe. Princípios de direito internacional público, cit., p. 383.4 Cf. art. 2.°, n.° 2, da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963.

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Cap. 15 - DIREITO CONSULAR 257

assuntos de interesses comerciais e administrativos do Estado que envia e seus nacionais.

Em regra, só há uma missão diplomática em cada Estado acreditado. Por outro lado, o Estado de envio pode estabelecer vários postos consulares no Estado receptor ou de residência, com a única condição de que este seja favorável. Por posto consular deve-se entender todo o consulado- -geral, consulado, vice-consulado ou agência consular, de acordo com o que dispõe o art. l.°, n.° 1, a, da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963.

A independência entre as relações consulares e as relações diplomáticas pode ser exemplificada pelo fato de que a ruptura de relações diplomá­ticas não acarreta, de imediato e necessariamente, a ruptura das relações consulares, perdurando estas no caso de ruptura daquelas.

Em apertada síntese, as relações consulares regem-se pelos princípios do consentimento mútuo, da não discriminação e da reciprocidade.

15.3 FUN ÇÕ ES CO N SU LA RES

Se por um lado pode ser dito que as missões diplomáticas estão en­carregadas de funções de representação política, julga-se possível defender que as funções dos cônsules e dos postos consulares revestem-se de um caráter meramente administrativo5, cujo fundamento reside no interesse privado do Estado que envia e dos seus cidadãos.

As principais funções consulares estão elencadas não exaustivamente no art. 5.° da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 e são as seguintes:

(i) proteger no Estado territorial os interesses do Estado de envio e dos seus nacionais, pessoas físicas ou jurídicas;

(ii) fomentar o desenvolvimento das relações comerciais, econômicas, cul­turais e científicas entre o Estado de envio e o Estado receptor;

(iii) obter informações sobre as condições e a evolução da vida comercial, economia, cultural e científica do Estado receptor;

(iv) emitir passaportes, vistos e outros documentos;(v) prestar socorro e assistência aos nacionais do Estado de envio;

5 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Paírick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 773.

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258 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

|(vi) agir na condição de notário;(vii) resguardar os interesses dos nacionais do Estado de envio nos feitos

sucessórios em curso no território do Estado receptor;(viii) salvaguardar os interesses dos menores e dos incapazes nacionais do

Estado de envio, no Estado receptor;(ix) representar os nacionais do Estado de envio e adotar as medidas ca­

bíveis para a sua representação apropriada perante os tribunais e outras autoridades do Estado receptor;

(x) transmitir atos judiciais e dar cumprimento às cartas rogatórias;(xi) inspecionar, controlar e dar assistência aos navios e aeronaves do

Estado de envio.

Consoante Celso de Albuquerque Mello, “estas funções podem ser resumidas nas seguintes: a) observação; b) proteção; c) execução (notarial); d) fiscal (arrecadar emolumentos pagos pela função de notário)”6.

Nunca é demais lembrar, entretanto, que o rol apresentado pela Convenção de Viena de 1963 não é taxativo, razão por que caberá ao posto consular o desempenho de quaisquer outras funções que lhe sejam atribuídas.

A própria Convenção permite que um funcionário consular, desde que o Estado receptor tenha expressado seu consentimento, pratique atos de natureza diplomática, num Estado em que o Estado de envio não tenha missão diplomática e não esteja representado por missão diplomática de um Estado terceiro. Igualmente permite-se ao funcionário consular representar o Estado que envia perante qualquer organização intergovemamental, com a condição de notificação do Estado receptor.

Porque envolve o interesse dos cidadãos do Estado de envio, entende- -se que as funções dos postos consulares têm uma dupla configuração: representam a faculdade que tem o posto consular de exercer a função, mas também o direito individual do cidadão de receber a assistência consular. Logo, nos casos em que o nacional necessita da assistência consular, afigura-nos mais acertado concluir que o posto consular não tem a faculdade de exercer aquela função de assistência, mas sim o dever de prestá-la.

6 Cf. Celso de Albuquerque Meílo. Curso de direito internacional público, cit., v. 2, p. J409.

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15.4 CATEGORIAS DE FUNCIONÁRIOS CONSULARES

São duas as categorias de cônsules. Os cônsules missi são os envia­dos ou de carreira, “designados pelo Estado entre os seus nacionais para defender no estrangeiro os seus nacionais, bem como seus interesses”7. São remunerados pelo Estado de envio e normalmente não exercem outras funções profissionais.

Os cônsules electi ou honorários são aqueles nomeados dentre os nacionais do Estado receptor ou de residência. Podem, em regra, praticar o comércio ou exercer outras profissões e, embora possam receber uma gratificação pelo exercício das funções, não são remunerados.

Algumas categorias de integrantes do posto consular não devem ser confundidas. O chefe de posto consular é a pessoa encarregada de agir como tal. O funcionário consular é toda pessoa, inclusive o chefe do posto, encarregada do exercício das funções consulares. Empregado con­sular é todo aquele empregado nos serviços administrativos e técnicos do posto consular. Membro do pessoal de serviço é a pessoa encarregada do serviço doméstico do posto consular. Membros do posto consular são os funcionários consulares, os empregados consulares e os membros do pessoal de serviço. Membros do pessoal consular são todos os anteriores, com exceção do chefe do posto consular. Membro do pessoal privativo é a pessoa empregada com exclusividade no serviço privativo de um membro do posto consular8.

Os chefes dos postos consulares são divididos em quatro categorias, quais sejam cônsules-gerais, cônsules, vxce-cônsules e agentes consulares. Eles são nomeados pelo Estado de envio, que o concede a carta-patente ou instrumento similar, contendo todas as informações relativas à pessoa do chefe de posto, assim como à área de jurisdição consular e a sede do posto.

Quando tratamos da nomeação do chefe da missão diplomática, vimos que para o início das funções era preciso o agrément do Estado acredita­do. De modo semelhante, após a nomeação do chefe do posto consular, é preciso aguardar que o Estado receptor conceda uma autorização para o exercício das funções, a que se denomina exequatur. Sem o exequatur o chefe do posto consular não pode exercer as funções oficiais que lhe competem.

Cap. 15 - DIREITO CONSULAR 259

I

7 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Idem, p. 1408.8 Vide art. 1.° da Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963.

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260 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

~ 1O Estado de residência não se encontra obrigado a conceder o exe-

quatur, sendo-lhe permitido negá-lo, sem que, para tanto, pesem sobre ele quaisquer obrigações de exposição de motivos e justificação. O exequatur fica a cargo da oportunidade e conveniência do Estado receptor.

Diferentemente, os membros do pessoal consular (funcionários consu­lares, com exceção do chefe de posto, empregados consulares e membros do pessoal de serviço) podem ser livremente nomeados pelo Estado que envia. O exequatur apenas será exigido aos membros do pessoal consular caso as leis e regulamentos do Estado receptor contenham previsão nesse sentido (art. 19).

Também se permite, desde que com o consentimento do Estado re­ceptor, que dois ou mais Estados nomeiem a mesma pessoa na qualidade de funcionário consular perante aquele Estado.

Tal como ocorre em relação aos agentes diplomáticos, todos os mem­bros do posto consular devem obedecer e respeitar as leis e regulamentos do Estado receptor, sendo-lhes defeso praticar qualquer ato que configure tentativa de ingerência nos assuntos internos do Estado de residência.

15.5 FACILIDADES, PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES

A Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 também consagrou a teoria do interesse da função ao enunciar que “a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas assegurar o eficaz desempenho das funções dos postos consulares” .

Há facilidades, privilégios e imunidades que se aplicam ao posto consular e há os que se aplicam aos funcionários consulares e outros membros do posto consular. Para já, cumpre consignar que o âmbito de aplicação dos privilégios e imunidades consulares é bastante mais restrito quando comparado ao dos diplomáticos.

À semelhança do regime aplicável às imunidades e privilégios diplo­máticos, apenas o Estado que envia poderá renunciar, sempre expressa­mente, aos privilégios e imunidades relativamente a um membro do posto consular. Daí que, a princípio, o titular desses privilégios é o Estado, e não o funcionário consular.

Ao ratificar a Convenção de Viena de 1963, o Estado receptor com­promete-se, nos termos do seu art. 28, a conceder todas as facilidades para o exercício das funções do posto consular. Como exemplo de atos em consonância com o espírito da norma, podemos citar: a ajuda para

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Cap. 15 - DIREITO CONSULAR 261

aquisição das instalações necessárias ao posto consular; a facilitação da comunicação e visitas dos funcionários consulares aos cidadãos do Estado que envia; a informação tempestiva do posto consular sobre os casos de prisão ou detenção de qualquer outra maneira dos cidadãos do Estado que envia, entre outros.

Quanto às facilidades, privilégios e imunidades que se referem ao posto consular, destacam-se a inviolabilidade dos locais consulares, seus arquivos e documentos, a liberdade de comunicação e a isenção fiscal.

A inviolabilidade dos locais consulares9 aplica-se, tão somente, às instalações consulares utilizadas exclusivamente para as necessidades do seu trabalho. Não é extensível, pois, à residência do chefe do posto consular. Aqui também constatamos uma dupla dimensão, na medida em que é defeso ao Estado receptor penetrar nas mencionadas insta­lações consulares, mas, por outro lado, compete-lhe também adotar as medidas apropriadas para evitar a invasão, danificação e perturbação das instalações consulares. Assim, tem o Estado receptor uma obrigação de natureza negativa (não penetrar) e outra de ordem positiva (vigilância e manutenção da ordem).

Na linha do bom senso, é assegurada aos arquivos e documentos consulares inviolabilidade, independentemente do local onde se encontrem. Quer isto dizer que, ainda que a residência do chefe do posto consular não esteja protegida pela inviolabilidade, arquivos e documentos consulares que eventualmente lá estejam são absolutamente invioláveis.

A Convenção dispõe que as instalações consulares, seus móveis e outros bens, tais como automóveis, não poderão ser requisitados, para atender a quaisquer que sejam os fins.

O regime da liberdade de comunicação do posto consular é equiparável ao da missão diplomática. A principal diferença é a de que a mala consular beneficia de uma proteção menos rígida do que a mala diplomática, haja vista que, “se as autoridades competentes do Estado receptor tiverem sérios motivos para crer que a mala contém outros objetos (...) poderão pedir que a mala seja aberta na sua presença, por um representante autorizado do Estado que envia”10.

Finalmente, de referir que as instalações consulares, assim como a residência do chefe de posto consular de carreira, desde que proprie­dade do Estado que envia, são isentas de quaisquer impostos ou taxas

9 Vide art. 31 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares.10 Art. 35, n.° 3, da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963.

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262 DÍREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

nacionais, regionais ou municipais, com exceção das taxas incidentes no pagamento de serviços específicos que sejam prestados. A isenção fiscal abrange também as quantias recebidas pelo posto consular a título de taxas e emolumentos.

Os privilégios e imunidades pessoais mais importantes são, em síntese: a inviolabilidade pessoal} a imunidade de jurisdição e a isenção fiscal e alfandegária.

A inviolabilidade pessoal dos funcionários consulares é mais limitada. Com efeito, lhes é assegurada a inviolabilidade pessoal, na medida em que não podem ser presos ou detidos, exceto em casos de prática de crimes graves ou em razão de decisão de autoridade judicial competente. Destarte, vislumbra-se uma sensível diferença no tocante ao regime jurídico dos privilégios e imunidades do agente diplomático, porquanto absolutas.

Os funcionários consulares e empregados consulares gozam de imu­nidade de jurisdição. No entanto, é crucial atentar para o fato de que esta imunidade jurisdicional não é absoluta. Escapam da jurisdição do Estado receptor apenas os atos praticados pelos funcionários consulares e empregados consulares no exercício das suas funções oficiais11. Portanto, apenas gozam de imunidade de jurisdição relativamente aos atos praticados no desempenho das funções consulares.

Os funcionários e empregados consulares e suas famílias gozam de isenção fiscal, com exceção de: (i) impostos indiretos incluídos no preço das mercadorias e serviços; (ii) impostos e taxas sobre imóveis privados situados no Estado receptor; (iii) impostos de sucessão; (iv) impostos e taxas sobre rendimentos privados e de capital; (v) impostos e taxas sobre remunerações por serviços prestados a título particular; e (vi) direitos de registro, hipoteca, custas judiciais e imposto do selo.

Também lhes é concedida isenção de direitos aduaneiros e de ins­peção alfandegária, nos termos do art. 50 da Convenção de Viena sobre relações Consulares.

Em nível de conclusão, importa observar que a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 contém autorização para que o Estado receptor declare um funcionário consular persona non grata. A declara­

!l Em caso de ação civil resultante da conclusão de contrato feito por funcionário ou em­pregado consular que não o tenha cumprido expressa ou implicitamente na qualidade de mandatário do Estado de envio ou movida por terceiro como conseqüência de danos causados por acidente de veículo, navio ou aeronave ocorrido no Estado de residência, não será aplicada a imunidade jurisdicional, consoante o n.° 2 do art. 43 da referida Convenção de Viena.

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Cap. 15 - DIREITO CONSULAR 263

ção de persona non grata independe de qualquer exposição de motivos ou justificação para que tenha efeitos jurídicos, isto é, configura-se ato discricionário do Estado de residência.

Informado da declaração de que seu funcionário consular é persona non grata, cabe ao Estado que envia proceder à retirada da pessoa em causa ou pôr termo às suas funções em um prazo razoável. Caso contrá­rio, poderá o Estado receptor retirar o exequatur da pessoa em questão ou deixar de considerá-la membro do pessoal consular'2, o que acarreta a perda dos privilégios e imunidades que configuram o estatuto consular.

í

12 Cf. art. 23 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963.

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QUESTÕES - DIREITO DIPLOMÁTICO E CONSULAR

1. (OAB-RJ/320 Exame) Os locais das missões diplomáticas gozam dos privilégiosda imunidade de jurisdição, inviolabilidade e isenção tributária. Tais privilégiostêm como fundamento o(a):(A) eficaz desempenho das funções.(B) extraterriíorialidade.(C) discricionanedade.(D) agrément

2. (OAB-DF/2005.1) Assinale a alternativa CORRETA.(A) A imunidade tributária dos estrangeiros integrantes de missão diplomática situada no

Brasil estende-se aos membros da respectiva família, desde que eles vivam sob de­pendência do diplomata e tenham sido incluídos em iista diplomática;

(B) As Embaixadas situadas no território brasileiro gozam de imunidade em relação àjurisdição cívei e trabalhista.

(C) As imunidades de índoie penal e cível são irrenuncíáveis pelo Estado acreditante.(D) Os cônsules não gozam de imunidade diplomática.

3. (OAB-DF/2006.2) Sobre imunidades e privilégios diplomáticas e consulares, assi­nale a alternativa CORRETA:(A) no âmbito da missão diplomática, os membros do quadro dipiomático de carreira e os

membros do quadro administrativo e técnico, que sejam oriundos do Estado acreditante, gozam de ampla imunidade de jurisdição penai;

(B) a imunidade, no âmbito da jurisdição civil, inclui a imunidade nos feitos sucessórios, mesmo que o agente diplomático esteja envolvido na questão a título estritamente privado;

(C) as imunidades processuais de que gozam os cônsules e funcionários consulares se estendem aos membros da sua família;

(D) no caso dos cônsules, a imunidade quanto à jurisdição penai alcança os crimes rela­cionados aos atos de ofício e os crimes comuns.

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266 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

4. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Julgue os iíens abaixo, concernentes àssanções no direito internacional público.1. O rompimento das relações diplomáticas consiste na retirada dos agentes diplomáticos

dos Estados envolvidos no iitígio internacional.2. O rompimento das relações diplomáticas consiste em ato unilateral discricionário, ainda

que derivado de resolução de organização internacional à qual o Estado se encontre vinculado.

3. Dadas as suas próprias características, o rompimento das relações diplomáticas acarreta,necessária e consequentemente, o rompimento das reiações consulares.

4. A retirada apenas do chefe da missão diplomática caracteriza a suspensão das relaçõesdiplomáticas.

5. Denomina-se represália à aplicação, pelo ofendido ao ofensor, das mesmas medidas que contra ele tenham sido aplicadas.

5, (CESPE/DPU/2001) Embaixadas estão fora da economia de energia - apesar doprivilégio, alguns diplomatas garantem colaborar reduzindo o consumo. As 92 embaixadas e 24 representações de organismos internacionais situadas em Brasília não terão de cumprir o racionamento de energia elétrica. Considerados territórios internacionais, esses estabelecimentos e seus funcionários possuem privilégios e imunidades que lhes protegem de multas e de certas punições, como o corte do fornecimento de energia. O Itamaraty teve de despertar a Câ­mara de Gestão da Crise de Energia para o fato de que a Convenção de Viena, aprovada pelo Congresso brasileiro em 1965, sobrepõe-se às ieis nacionais. Por não serem considerados territórios nacionais, as embaixadas e seus diplomatas possuem vários privilégios, como, por exemplo, a isenção do pagamento de impostos diretos, como o IPTU e o IPVA, e de impostos de importação.Os diplomatas também possuem imunidade com relação à jurisdição adminis­trativa, civil e penal do país em que trabalham. Se cometerem um crime, essas pessoas têm garantia de serem processadas em seus países. É com relação à justiça do trabalho que a imunidade diplomática tem mais problemas. Apoiadas por essas regras, muitas embaixadas contratam funcionários brasileiros, mas não seguem as leis trabalhistas. Em 1990, o STF permitiu que essas reclama­ções trabalhistas fossem aceitas. No entanto, ainda persiste um problema que dificulta a vida dos empregados brasileiros. O Brasii não tem como executar a ordem judicial de seqüestrar os bens do empregador, no caso as embaixadas, se uma dívida trabalhista não for liquidada. Isso porque, em face da regra da inviolabilidade, o oficial de justiça não tem como entrar no imóvel para seqües­trar os bens.

Cláudia Dianni. Embaixadas estão fora da economia de energia. In: O Estado de S. Paulo, 10/6/2001, p. B-6 (com adaptações).

Considerando o texto acima, julgue os seguintes itens, acerca do funcionamento das representações de organismos estrangeiros localizados no Brasil.

1. Apesar de não ter caráter técnico, o texto acima está juridicamente correto ao consideraras embaixadas como “territórios internacionais”.

2. Referida no texto, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas sobrepõe-se às leis ordinárias brasileiras.

3. No quarto parágrafo do texto acima, está juridicamente correta a afirmação acerca da imunidade dipfomática.

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QUESTÕES - DiREiTO DIPLOMÁTICO E CONSULAR 267

4 As autoridades brasiieiras competentes não têm como executar eventuai ordem judicialpara seqüestrar bens de Esíado estrangeiro situados no Brasil.

5 As representações dos Estados estrangeiros situadas no Brasii estão obrigadas a seguiras normas do racionamento de energia elétrica.

6. (CESPE/TRT5/Juiz/2006) Acerca das convenções internacionais e da imunidade de jurisdição, assinale a opção correta.(A) A ratificação de convenção da Organização internacionai do Trabalho (OIT) não importa

revogação ou alteração de quaiquer lei, sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis.

(B) Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos são equivalentes a lei complementar, quando aprovados em cada Casa do Congresso Nacionai, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.

(C) A imunidade dos membros de quadro diplomático alcança as reconvenções apresentadas em ações por eies próprios ajuizadas.

(D) Segundo jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, a imunidade à execução de crédito na justiça do trabalho alcança os bens de missão diplomática, inclusive os bens que não estejam afetos às atividades da missão.

(E) O diplomata pode renunciar â imunidade de jurisdição.

GABARITO

1 - A 2 - A 3 - A4 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Errada; 4. Certa; 5.

Errada.

5 - 1. Errada; 2. Errada; 3. Certa; 4. Certa; 5.

Errada.6 - A

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PARTE VI

PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA1

! Para um estudo mais aprofundado deste ramo do Direito Internacional, recomendamos a leitura do livro Direito internacional dos direitos humanos, cit., de autoria da Dra. Ana Maria Guerra Martins, Juíza do Tribunal Constitucional da República Portuguesa e Pro­fessora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, cujos ensinamentos serviram de norte para a redação desta Parte.

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INTRODUÇÃO

Sumário: 16.1 Terminologia, objeto e estrutura - 16.2 Classificação - 16.3 Características principais - 16.4 O caráter erga omnes e de jus cogens das normas - 16.5 Críticas à teoria das gerações do Direito - 16.6 Evolução histórica.

16.1 TERMINOLOGIA, OBJETO E ESTRUTURA

Ramo do Direito Internacional recente que ganhou destaque de peso nos últimos tempos e merece ser tratado no presente trabalho por ser de vital relevância é o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Originalmente denominada Direito Internacional dos Direitos do Ho­mem, a disciplina acabou por ter sua nomenclatura substituída, pois se chegou à conclusão de que a expressão “Direitos do Homem” era restri­tiva e discriminatória. A paulatina consagração de direitos das mulheres nos níveis internacionais e interno em muito contribui para a mudança terminológica. Ademais, sabe-se que os direitos de que trata são direitos da pessoa humana, independentemente de raça, sexo, profissão, língua, classe social, religião ou nacionalidade. Deste modo, não fazia sentido manter uma terminologia que, interpretada literalmente, pudesse transmitir a falsa ideia de discriminação, que em nada se coaduna com o espírito desse tipo de normas.

A própria Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas determinou que a nomenclatura “Direitos do Homem” fosse substituída por “Direitos Humanos”, em toda e qualquer publicação sua relativa à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19482.

2 Por meio da Resolução 548 (VI).

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272 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

O objeto do Direito Internacional dos Direitos Humanos é “o conjun­to de regras jurídicas internacionais, qualquer que seja a fonte de onde emanam, que reconhecem, sem discriminação, aos indivíduos direitos e faculdades que asseguram a liberdade e a dignidade da pessoa humana e que beneficiam garantias institucionais”3.

No mesmo sentido, Celso de Albuquerque Mello entende que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é “o conjunto de normas que estabelece os direitos que os seres humanos possuem para o desenvolvimento da sua personalidade e estabelece mecanismos de proteção a tais direitos”4.

Observe-se que não basta que a norma reconheça ao sujeito (pessoa humana) os direitos e faculdades inerentes à liberdade e à dignidade da pessoa humana. É também necessário que ela possibilite o gozo destes direitos e faculdades, mediante o estabelecimento de mecanismos institu­cionais aptos a cumprirem com eficácia esta finalidade.

Cabe distinguir a proteção internacional da pessoa humana da prote­ção humanitária e da proteção dos refugiados. A proteção internacional da pessoa humana tem por objetivo reconhecer e assegurar os direitos dos indivíduos perante seus próprios Estados. Por seu turno, a proteção humanitária presta-se a proteger, em casos de guerra e conflitos armados, a população civil e os militares fora de combate. Opera-se em situações extremas, em que o objetivo maior é garantir a própria sobrevivência das pessoas vítimas de conflitos armados internacionais.

A proteção dos refugiados aproxima-se da anterior, mas aqui a relação mantida entre os Estados é muito mais intensa (nomeadamente no que diz respeito à cooperação relativamente ao deslocamento dos refugiados, ao acolhimento e às garantias que lhes são concedidas)5.

Vale lembrar que, diferentemente do Direito Internacional Público, as normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos não têm como objeto apenas as relações entre os Estados (relações interestatais), mas também as relações entre os Estados e os seus cidadãos ou pessoas subor­dinadas ao seu império6. Este já é, portanto, um exemplo das diferenças existentes entre o Direito Internacional clássico e o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

3 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 82.4 Cf. Celso de Albuquerque Mello. Curso de direito internacional públicoi cit., v. 1, p.

817.5 Cf. Jorge Miranda. Curso de direito internacional público, cit., p. 286-287.6 Cf. Jorge Miranda. Idem, p. 294.

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Cap. 16 -INTRODUÇÃO 273

A estrutura padrão de um direito humano é composta por três elemen­tos, a saber: um sujeito ativo, que é o beneficiário do direito; um sujeito passivo, que é aquele sobre quem pesa a obrigação; e um objeto, que é o conteúdo do direito, normalmente representado pelos mais importantes valores e necessidades da pessoa humana. São normas que reconhecem o direito e impõem uma obrigação aos Estados, as quais, como veremos, podem ser obrigações positivas (de fazer) ou negativas (de não fazer)7.

16.2 CLASSIFICAÇÃO

Não obstante a existência de outros métodos de classificação dos direitos humanos em nível internacional8, julga-se possível distingui-los entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais.

Os direitos civis e políticos são os direitos subjetivos da pessoa huma­na que podem ser internamente invocados perante os tribunais nacionais. Inspirados na Revolução Francesa, guardam estreita relação com o ideal de liberdade e exigem que o Estado se abstenha de interferir na vida da pessoa humana, isto é, representam uma obrigação de cunho negativo (obrigação de não fazer) do Estado. São exemplos de direitos civis e políticos o direito à vida, a não ser torturado ou submetido a tratamentos degradantes e à liberdade de pensamento e expressão.

Por sua vez, os direitos econômicos, sociais e culturais têm inspiração não ocidental e reclamam por uma ação positiva do Estado, ou seja, uma obrigação de fazer. São direitos que devem ser implementados progres­sivamente, também conhecidos por direitos programáticos, tal como o direito de gozar de condições de trabalho satisfatórias, o direito de criar sindicatos e o direito à seguridade social.

16.3 CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

Se é verdade que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um ramo do Direito Internacional Público, não se pode afirmar que os princípios que regem este são simetricamente aplicáveis àquele. Com efeito, constata-se uma considerável autonomia do Direito Internacional

7 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 84.s Pode-se classificá-los em direitos individuais, coletivos, das coletividades, de solidariedade,

dos povos, etc.

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274 DfREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

dos Direitos Humanos em relação ao Direito Internacional Público,, jus­tamente por força das suas particularidades.

Nas palavras de Ana Maria Martins, “ao contrário do que sucede no Direito Internacional clássico, o DIDH não se fundamenta nos princípios da reciprocidade, da exclusividade da competência nacional, da não in­gerência nos assuntos internos e da reversibilidade dos compromissos”9. Passemos, então, a tecer comentários sobre os principais traços do Direito Internacional dos Direitos Humanos e dos próprios direitos humanos.

O princípio da reciprocidade reza que um Estado pode, em resposta ao não cumprimento de uma norma por parte de outro Estado, legalmente descumprir aquela mesma norma. Ocorre, porém, que este princípio não pode ser aplicado em matéria de direitos humanos, pois o seu gozo não pode depender da atitude de outros Estados relativamente às convenções que os consagram. A própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 dispõe que a exceção do tratado não cumprido não se aplica aos tratados relativos à proteção da pessoa humana (art. 60, n.° 5), corroborando a tese da inaplicabilidade do princípio da reciprocidade em relação aos direitos humanos.

De referir também que a eficácia do Direito Internacional dos Direitos Humanos depende da libertação da competência nacional exclusiva, na medida em que há casos nos quais a proteção da pessoa humana somente pode ser efetivamente alcançada fora da esfera das relações entre os Es­tados. Deixar a proteção do indivíduo a cargo apenas e tão somente das legislações internas pode dar origem a verdadeiras violações de direitos humanos, sobretudo por força de questões de ordem cultural e religiosa. Claro está, adotamos a concepção ocidental dos direitos humanos que, possivelmente, não se coaduna com os ideais de ordenamentos jurídicos com forte influência religiosa.

A proteção internacional da pessoa humana acarreta uma concreta ameaça à soberania do Estado que, em sua concepção mais absolutista, é posta de lado!0. Se por um lado vigora no Direito Internacional clássico a regra da não ingerência nos assuntos internos, esta não se aplica em matéria de direitos humanos.

Com efeito, em função da universalidade que caracteriza o Direito Internacional dos Direitos Humanos, somente mediante uma ação cole­

9 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 88.10 Cf. Nguyen Quoc Dinh. Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público , cit.,

p. 673.

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Cap. 16 - INTRODUÇÃO 275

tiva dos Estados, que têm uma responsabilidade coletiva na matéria, é possível assegurar a proteção da pessoa humana. Portanto, o princípio da não ingerência nos assuntos internos deve ser afastado quando se estiver diante de violações de direitos humanos, admitindo-se, neste particular, uma acepção mais liberal do conceito de soberania. Daí falar que, en­quanto o Direito Internacional clássico tem, até o presente, como grande fundamento a cooperação entre os Estados soberanos, o Direito Inter­nacional dos Direitos Humanos vem pôr em xeque essa concepção, ao relativizar o conceito de soberania e impor sanções para além do quadro do consentimento dos Estados.

A universalidade que marca os direitos humanos significa que basta a condição de pessoa humana para fazer jus à proteção internacional, sendo totalmente irrelevantes, neste particular, a raça, sexo, profissão, língua, classe social, religião, nacionalidade ou qualquer outra qualidade do indivíduo11. O que o Direito Internacional dos Direitos Humanos pro­cura é “exprimir valores — a dignidade da pessoa humana e a igualdade dos seres humanos - que devem constituir uma base comum de todas as civilizações e de todas as religiões”12.

Valério Mazzuoli destaca, ainda, serem os direitos humanos: irre- nunciáveis, na medida em que o titular de um direito humano não pode consentir para a sua violação; inalienáveis, uma vez indisponíveis e ine­gociáveis; e imprescritíveis, pois não se esgotam com o passar do tempo. Ademais, é proibido o retrocesso, de modo que aos Estados é defeso proteger aquém do que já protegem, cabendo-lhes sempre agregar mais à pessoa humana13, o que, na ótica de Celso de Albuquerque Mello, é o caráter progressivo dos direitos humanos14.

Por fim, é válido mencionar que não se aceita, em relação aos trata­dos que versam sobre direitos humanos, a cláusula de denúncia, prevista no art. 56 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969. Quer isto dizer que vigora no campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos o princípio de irreversibilidade dos compromissos assumidos.

" Em confronto aos defensores da universalidade dos direitos humanos, há os que enten­dem que as normas sobre os direitos humanos dependem do contexto cultural, político e religioso em que são adotadas, não admitindo, pois, qualquer perspectiva universalista dos direitos humanos.

12 C£ Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 94.13 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 675.14 Cf. Celso de Albuquerque Mello. -Curso de direito internacional público, cit., v. 1, p.

817.

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276 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

16.4 O CARÁTER ERGA OMNES E DE JUS COGENS DAS NORMAS

Conforme menção anterior, a norma de jus cogens é aquela norma imperativa de Direito Internacional geral, aceita e reconhecida pela socie­dade internacional em sua totalidade, como uma norma cuja derrogação é proibida e só pode sofrer modificação por meio de outra norma da mesma natureza15.

É das mais difíceis a tarefa de definir a noção de jus cogens com precisão, tal como o seu alcance, mas o que se sabe é que as normas assim conceituadas são supostamente consideradas hierarquicamente superiores àquelas normas de Direito Internacional que podem ser modificadas por tratado internacional e representam a ordem pública internacional.

Em função da universalidade dos direitos humanos, da proibição de derrogação por meio de tratados e atos unilaterais e da fragilidade do princípio da não ingerência nos assuntos internos em matéria de direitos humanos, julga-se possível defender a natureza de jus cogens das normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos (ao menos de algumas delas). Vale lembrar que alguns direitos humanos podem ser derrogados, mas apenas e tão somente em situações de emergência, o que configura o estado de necessidade ou perigo extremo, causas de justificação da responsabilidade internacional dos Estados. Eventual supressão de um direito humano pelo Estado em situações de extrema necessidade jamais pode ser interpretada como uma derrogação, tecnicamente, mas antes como meros descumprimentos justificados56.

Mas não se pode omitir que não há consenso de que todas as normas internacionais de direitos humanos são de jus cogens. A doutrina converge apenas para concordar quanto à atribuição da natureza de jus cogens às normas que representam os mais essenciais direitos da pessoa humana57.

De registrar, ainda, que as normas internacionais de direitos huma­nos são dotadas de um caráter erga omnes, isto é, produzem efeitos em toda e para toda a sociedade internacional. A obrigação erga omnes é “a obrigação decorrente do direito internacional geral, em relação à qual o estado, em qualquer circunstância, tem a obrigação de observar, quanto à comunidade internacional, com base em valores comuns e no próprio interesse do estado, que tal obrigação seja respeitada, de maneira que

15 Art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.16 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 394.17 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 92.

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Cap. 1 6 - INTRODUÇÃO 277

a sua violação autoriza todos os estados a reagirem contra a referida violação”iS.

Como bem explica Eduardo Correia Baptista, “o caráter erga omnes de uma obrigação traduz a natureza pública internacional do interesse que esta protege. As normas sobre direitos humanos tutelam um interesse público, cuja violação legitima reacções de todos os Estados vinculados pela norma, independentemente de serem minimamente lesados material­mente por esta”19.

Não fosse o caráter erga omnes de suas normas, o Direito Interna­cional dos Direitos Humanos seria ineficaz, porque, se os outros Estados não pudessem protestar contra violações de direitos humanos praticados por um determinado Estado, não haveria quem o fizesse, já que o acesso de indivíduos às instâncias internacionais ainda é precário.

16.5 CRÍTICAS À TEORIA DAS GERAÇÕES DO DIREITO

Muito se fala na tese das gerações dos direitos humanos, segundo a qual os direitos humanos estariam divididos em três gerações. A primeira geração seria aquela dos direitos de liberdade, que corresponderiam aos direitos civis e políticos. Implicam limites à atuação dos Estados e teriam surgido com fundamento nas ideias da Revolução Francesa.

A segunda geração consagraria os direitos de igualdade, correspon­dendo aos direitos econômicos, sociais e culturais, que têm um caráter programático. Consoante exposto, implicam uma obrigação de fazer do Estado e sofreram forte influência das classes operárias.

Já os direitos de terceira geração seriam os direitos da solidariedade ou fraternidade. Não objetivam a proteção individual da pessoa humana, mas antes da coletividade. São exemplos o direito à paz, ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável.

Embora à primeira vista a tese das gerações ou dimensões dos di­reitos humanos pareça fazer algum sentido, muitas são as críticas que lhe são feitas, sobretudo por Cançado Trindade, com base nos razoáveis contra-argumentos20.

18 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual dedireito internacional público, cit., p. 31-32.

19 Cf. Eduardo Correia Baptista. Idem, p. 393.20 Os argumentos correspondem às críticas feiras por Antônio Augusto Cançado Trindade

durante o Seminário “Direitos Humanos das Mulheres: a Proteção Internacional”, ocorri-

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278 DiREITO INTERNACIONAL para Concursos Púbiicos - Marcelo Pupe Braga

Cançado Trindade informa que, não obstante atribuída a Norberto Bo- bbio, a tese das gerações ou dimensões do direito foi formulada por Karel Vasak, por ocasião de uma conferência realizada no Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo, em 1979. Foi Karel Vasak quem fez uma correlação entre os direitos humanos e a bandeira francesa, que resultou na tese das três gerações de direito acima mencionadas: liberdade, igualdade e fraternidade.

Em segundo lugar, as gerações enunciadas não correspondem à rea­lidade histórica do Direito Internacional. Se por um lado é verdade que nos planos internos os direitos individuais foram os primeiros consagrados nas constituições dos Estados, isto não ocorreu na esfera internacional. Com efeito, no plano internacional a evolução foi oposta, porquanto os primeiros direitos consagrados foram os econômicos, sociais e culturais, com as convenções no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, anteriormente à criação das Nações Unidas. Logo, os direitos econômicos, sociais e culturais seriam os de primeira geração, enquanto os civis e políticos seriam os de segunda geração.

Outrossim, Cançado Trindade argumenta que a teoria em questão fere os princípios da indivisibilidade e da inter-relação dos direitos humanos, consagrados na Conferência Internacional dos Direitos do Homem, que teve lugar em Teerã, entre os meses de abril e maio de 1968. Segundo tais princípios, não se podem distinguir ou segmentar os direitos humanos em hipótese alguma, na medida em que eles só fazem sentido se analisados e aplicados em conjunto. A validade de um direito da pessoa humana depende de outro direito correlato e assim sucessivamente.

Comungamos da mesma opinião de Cançado Trindade, mas não po­demos fechar os olhos ao fato de que a prática nem sempre caminha ao lado da teoria. Daí não serem de todo desprezíveis os pensamentos dos críticos à universalidade dos direitos humanos, pois a história, o costume, a cultura, a religião e as peculiaridades de cada região implicam uma compreensível sobrevalorização de determinados direitos humanos em detrimento de outros.

Ainda assim, entendemos que nos cabe defender a universalidade, a indivisibilidade e a inter-relação dos direitos humanos, pois somente mediante uma visão global e integrada desses direitos é que, de fato, conseguimos vislumbrar uma concreta e justa proteção internacional da pessoa humana.

do em 25.05.2000. Disponível em: <www.dhnet.org.br/direitos/militantes/cancadotrindade/ cancado_bob.htm>. Acesso em: ago. 2008.

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16.6 EVOLUÇÃO HISTÓRICA21

Cap. 16 - INTRODUÇÃO

I279

Foram as chocantes atrocidades e sucessivas violações de direitos humanos cometidas durante a Segunda Guerra Mundial que despertaram nos Estados a urgente necessidade de estabelecer uma proteção da pessoa humana em âmbito internacional. E, portanto, após a Segunda Guerra Mundial que a proteção internacional dos direitos humanos realiza-se plenamente. Mas isto não significa que antes da Segunda Grande Guerra não tenha havido sinais dessa proteção22.

Como lembra Ana Maria Martins, antes da Segunda Guerra Mundial as manifestações relativas à proteção internacional da pessoa humana são a proteção humanitária, a proteção das minorias e a proteção dos trabalhadores.

A proteção humanitária, já referida, objetiva garantir a vida, a in­tegridade e a dignidade das vítimas de conflitos armados internacionais. Tem base nas convenções de Genebra de 1864, 1906, 1929, 1949 e 1977, portanto anteriormente à Segunda Guerra Mundial.

A proteção das minorias tem por alicerce diversos tratados (concluídos ainda sob os mantos da Sociedade das Nações), cuja finalidade é a pre­servação da existência e identidade das minorias, assim como a proteção da vida, da liberdade religiosa e utilização livre da língua.

Já a proteção dos trabalhadores desenvolve-se sobremaneira com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), oriunda do Tratado de Versalhes de 1919. O reconhecimento dos direitos dos trabalhadores dá-se quando o Pacto da Sociedade das Nações destaca a inter-relação entre a paz mundial e a paz social. A OIT é, desde então, responsável por inú­meras convenções e recomendações em matéria de direito internacional do trabalho23.

Estas são as três principais manifestações de proteção internacional da pessoa humana no período anterior à Segunda Guerra Mundial. Depois dela, pode-se dividir em quatro as etapas de evolução universal do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O expoente da primeira fase (1945-1948) é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada em dezembro de 1948, no âmbito

■' Conforme ensinamentos de Ana Maria Guerra Martins, Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 97-103.

22 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Idem, p. 97-98.23 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 97-103.

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280 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

das Nações Unidas. A DUDH é o primeiro instrumento internacional de caráter universal a consagrar direitos humanos, tendo, até os dias atuais, grande importância na proteção internacional do indivíduo.

Na segunda fase (1948-1966) destaca-se a adoção, em 1966, também na esfera das Nações Unidas, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Também merecem referência a Convenção 105 da OIT para a abolição do trabalho forçado, de 1957, e outras Declarações das Nações Unidas, como a Declaração sobre os direitos da criança (1959) e a De­claração sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, de 1963.

Durante a terceira fase (1966-1989) ocorreu a citada Conferência Internacional dos Direitos do Homem, em Teerã, entre abril e maio de 1968, em que restaram consagrados os princípios da indivisibilidade e da inter-relação dos direitos humanos. Foram ainda adotadas a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, em 1979, e a Convenção contra a tortura e outros tratamentos cruéis ou degradantes, em 1984.

A quarta fase encontra-se em curso desde 1989 e, por força da ex­tinção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e irreversível crise do comunismo, encontra-se caracterizada pela substituição do enfoque Leste-Oeste para a ótica Norte-Sul das diversas problemáticas na pauta mundial. Como assevera Ana Maria Martins, constata-se um “reforço da protecção dos direitos humanos nos Estados da Europa Central e do Leste, na África do Sul, ao mesmo tempo que se verifica uma deterioração na Europa (Ex-Jugoslávia, Rússia) e em alguns países da África (Nigéria, Ruanda, Angola, etc.)”24.

24 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 103.

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ANÁLISE SETORIAL

Sumário: 17.1 A Carta da Organização das Nações Unidas - 17.2 A Declaração Universa! dos Direitos Humanos - 17.3 O Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos - 17.4 O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - 17.5 A Convenção Européia dos Direitos do Homem - 17.6 A Convenção Americana de Direitos Humanos - 17.7 A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

17.1 A CARTA BA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

Em que pese a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 representar um grande marco na proteção internacional da pessoa humana, se não o maior, não se deve esquecer o importante avanço trazido neste particular pela Carta da Organização das Nações Unidas de 1945.

Elaborada na Conferência de São Francisco em 1945, a Carta das Nações Unidas é, em certa medida, resultado de um sentimento de repúdio e aversão à violência por parte dos Estados que sofreram conseqüências irremediáveis em função das duas grandes guerras do século XX.

As flagrantes violações de direitos humanos ocorridas durante a Se­gunda Guerra Mundial, sobretudo as praticadas pelo regime nazista, foram muito além do limite do tolerável. A Carta, portanto, representa o despertar dos Estados em relação à necessidade de proteção da pessoa humana em nível internacional, ao passo que estabelece uma nova ordem mundial fundada na paz e na segurança internacionais, entre outros princípios que até hoje fundamentam o direito e as relações internacionais1.

1 Além da paz e da segurança internacionais, a Carta das Nações Unidas consagra os princípios da autodeterminação dos povos, da cooperação nas relações internacionais, da igualdade de direitos, etc.

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O objetivo principal da Carta das Nações Unidas, enunciado no primeiro parágrafo do seu preâmbulo, parece ser “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que, por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à Humanidade”, refletindo exatamente o que foi acima referido.

Para tanto, a Carta procura oferecer instrumentos capazes de al­cançar esse seu objetivo. Os signatários expressam sua fé nos “direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres” e comprometem-se “a praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos” .

Nesse sentido, julga-se possível concluir que a Carta das Nações Unidas não apenas contribuiu para a internacionalização dos direitos humanos, como também evidenciou que a proteção da pessoa humana é um importante meio para garantir a paz e a segurança internacionais, as relações de amizade entre as Nações e o bem-estar dos povos2.

Mas, se por um lado a Carta conferiu ênfase à proteção internacional da pessoa humana, não foi suficientemente precisa em conceituar os direitos humanos internacionais, tampouco em elencá-los ou mesmo estabelecer obrigações aos Estados e mecanismos institucionais satisfatoriamente efi­cazes para garantir essa proteção. Em função disso é que, neste aspecto, a Carta das Nações Unidas releva-se incompleta e as seguintes críticas são feitas ao seu sistema de proteção dos direitos humanos:

(i) a Carta não oferece um conceito de direitos humanos;(ii) a Carta não apresenta um catálogo de direitos humanos; e(iii) não menciona quais os mecanismos de implementação da proteção

dos direitos humanos3.

Ademais, os dispositivos da Carta que tratam dos direitos humanos, entre os quais vale citar os arts. 1.°, n.° 3, 13, n.° 1, b, 55, 56, e 68, consistem em regras claramente programáticas, na medida em que não ofe­recem elementos suficientes para conferirem-lhe caráter se lf executing4.

2 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 123.3 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Idem, p. 124.4 Os dispositivos utilizam verbos como promover, estimular e favorecer, o que lhes confere

o caráter programático.

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Cap. 17 - ANÁLISE SETORIAL 283

Embora pertinentes, entendemos que as críticas acima elencadas não são suficientes para diminuir, muito menos para retirar o brilho que merece a Carta das Nações Unidas enquanto admirável passo da humanidade em matéria de proteção da pessoa humana em nível internacional. Sobretudo porque ao internacionalizar os direitos humanos a Carta fez com que os Estados reconhecessem que as obrigações relativas à proteção da pessoa humana têm caráter erga omnes, não fazendo nenhum sentido defender que a matéria diz respeito apenas às jurisdições internas de cada Estado.

Ademais, como o Direito está sempre em evolução, tentativas de so­lucionar as lacunas apontadas na Carta das Nações Unidas vieram, como veremos, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dos Pactos Internacionais das Nações Unidas e de outros importantes ins­trumentos internacionais. Com propriedade, Ian Brownlie lembra que “as cláusulas da Carta respeitantes aos Direitos Humanos são um suporte e um impulso para posteriores aperfeiçoamentos dos Direitos Humanos”5.

17.2 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Na mesma linha de raciocínio de Ian Brownlie, entendemos que, se a Carta das Nações Unidas é o suporte e o impulso para demais instru­mentos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é o grande marco da proteção internacional da pessoa humana após a Carta. Com efeito, parece ter sido preciso que a Carta das Nações Unidas consagrasse a internacionalização dos direitos humanos e a sua correlação com a ma­nutenção da paz e da segurança internacionais para que, posteriormente, outros instrumentos definissem com maior clareza os direitos humanos e criassem os mecanismos internacionais institucionais necessários à sua proteção.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem como origem me- diata a Carta das Nações Unidas e como origem imediata o projeto resul­tante dos trabalhos da Comissão dos Direitos Humanos, iniciados em 1947. Foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948, por 48 votos a favor, nenhum contra e 8 abstenções (Bielorrússia, Tche- coslováquia, Polônia, Arábia Saudita, África do Sul, Iugoslávia, Ucrânia e União Soviética), tendo sido adotada pela Resolução 217 (III).

De sublinhar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos “é o primeiro instrumento internacional, de caráter geral e universal, que

5 Cf. Ian Brownlie. Princípios de direito internacional público, cit., p. 593.

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284 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Púbíicos - Marcelo Pupe Braga

contém um catálogo de direitos reconhecidos a toda a pessoa”6. Baseada nos princípios da dignidade e da igualdade da pessoa humana e da uni­versalidade dos direitos humanos, a Declaração oferece um catálogo de direitos que devem ser compreendidos como um standard mínimo sem o qual o indivíduo não pode viver.

A Declaração é composta por um preâmbulo com sete Considerandos e 30 artigos que contemplam não apenas direitos civis e políticos (arts.3.° ao 21), como também direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 22 ao 28). Nas palavras de Valerio Mazzuoli, “combinou a Declaração, de forma inédita, o discurso liberal com o discurso social da cidadania, ou seja, o valor da liberdade com o valor da igualdade”7.

Embora resumidamente, oportuno se faz mencionar alguns dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Os arts. l.° e 2.°, juntamente com o preâmbulo, estabelecem os prin­cipais traços e fundamentos filosóficos da Declaração. Em uma acepção liberal dos direitos humanos, são assegurados o direito à vida, à liberdade e à segurança (art. 3.°) a todo indivíduo, sendo vedada qualquer forma de discriminação (art. 7.°). Consagra-se o direito a não ser submetido à tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (art. 5.°), assim como o direito a não ser mantido em regime de escravidão ou servidão (art. 4.°).

“Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado” (art. 9.°) e garante-se o direito a “recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra atos que violem os direitos fundamentais” (art. 8.°) e o direito a que toda pessoa tenha sua causa julgada por um tribunal independente e imparcial equitativa e publicamente (art. 10).

A Declaração contempla a presunção de inocência, estabelece que “ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso” conforme o Direito Interno ou Internacional e proíbe a aplicação de pena mais grave do que “a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido” (art. 11).

É assegurado o direito à privacidade e à intimidade da vida privada, na medida em que “ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação” (art. 12).

6 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 125.7 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 712.

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Cap. 17 -ANÁLISE SETORIAL 285

Consagra o direito à liberdade de locomoção (art. 13), o direito de “procurar e de beneficiar de asilo em outros países” (art. 14), o direito a ter uma nacionalidade, sem que possa ser arbitrariamente dela privado (art. 15) e o direito a ter reconhecida, em todos os lugares, sua persona­lidade jurídica (art. 6.°).

Proclama que a “família é o elemento natural e fundamental da socie­dade” e que, a partir de idade núbil, “o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição de raça, nacionalidade ou religião”, conferindo iguais direitos ao homem e à mulher, tanto durante o casamento quanto na altura da sua dissolução (art. 16).

O direito à propriedade e a não ser arbitrariamente dela privado encontram-se previstos no art. 17. A Declaração conclama as liberdades de pensamento, de consciência, de religião, de opinião e de expressão (arts. 18 e 19), ao mesmo tempo em que assegura o direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas, garantindo, entretanto, que “ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação” (art. 20).

Restam acolhidos os direitos de “tomar parte na direção dos negócios públicos do país”, de ter acesso, em pé de igualdade, às funções públicas e a eleições honestas “a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto” (art. 21).

Já em uma perspectiva não ocidental e menos liberai, a partir do seu art. 22 a Declaração Universal dos Direitos Humanos passa a listar os direitos com cunho mais voltado para a igualdade que, em sentido estri­to, são compreendidos como os direitos econômicos, sociais e culturais. Consoante exposto, constata-se que os direitos a seguir são dotados de um caráter programático, não sendo, pois, autoexecutáveis.

São aclamados os direitos à seguridade social, ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições justas e satisfatórias de trabalho, à proteção contra o desemprego, à remuneração equitativa e satisfatória, assim como o de fundar sindicatos, de se filiar a eles (arts. 22 e 23), aorepouso, ao lazer e a férias periódicas pagas (art. 24).

A Declaração prevê também que toda pessoa tem direito a “um nívelde vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, a assistência média e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez” e na velhice (art. 25).

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286 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

1Consagra o direito à educação, que deve visar “à plena expansão da

personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberda­des fundamentais”, assegurando aos pais o direito de escolher o tipo de educação a dar aos seus filhos (art. 26). Garante, por fim, a toda pessoa o direito de “tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam” (art. 27).

Os artigos finais da Declaração Universal dos Direitos Humanos es­tabelecem que o indivíduo tem deveres para com a comunidade e que a interpretação dos seus dispositivos devem ser sempre feitas em benefício dos direitos, liberdades e garantias que dispõe.

Dito isto, resta-nos tratar da natureza jurídica da Declaração. Confor­me reportado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela Resolução 217 (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, o que significa que não é a Declaração um tratado internacional8. Portanto, formalmente, a Declaração, por ser uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, não tem força obrigatória. Mas há várias opiniões sobre a sua natureza jurídica.

Pedimos vênia para expor os ensinamentos de Ana Maria Guerra Martins a esse respeito:

“a) Há quem entenda que a DUDH tem o mesmo valor jurídico que as outras resoluções da Assembleia Geral, ou seja, não cria obrigações para os Estados membros das NU e não é fonte imediata de DL

b) Para outros, a DUDH deve ser vista como um elemento constitutivo de regras consuetudinárias preexistentes.

c) Uma terceira corrente considera que o caráter consuetudinário dos direitos e dos princípios consagrados na DUDH foi adquirido posteriormente. A DUDH tem, portanto, um caráter vinculativo.

d) Há ainda quem defenda que a DUDH deve ser analisada como um instrumento pré-jurídico, pois foi a fonte de inspiração de todas as outras regras, mas ela própria não tem força jurídica”9.

s Não obstante alguns Estados terem defendido que a Declaração deveria ter sido adotada por tratado, a exemplo da Austrália e do Reino Unido. De todo modo, caso a Declaração houvesse tomado a forma de tratado, dificilmente vincularia tantos Estados.

9 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 126- 127.

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Cap. 17 - ANÁLISE SETORIAL 287

A citada autora lembra que diversos Estados incluíram disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos em suas Constituições para concluir que, atualmente, não existe “qualquer dúvida quanto ao caráter vinculativo da DUDH”, cujo fundamento é o costume internacional.10

A título complementar, releva notar o entendimento de Valerio Mazzuo­li, para quem a Declaração integra a Carta das Nações Unidas, porquanto passa a ser sua “interpretação mais fiel” no que diz respeito à qualificação jurídica da expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais”11.

De todo modo, embora não haja elementos suficientes para afirmarmos que há unanimidade no assunto, parece haver uma ampla maioria, se não um relativo consenso, no sentido de que as disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos, por serem regras consuetudinárias univer­salmente aceitas e reconhecidas, fazem parte do jus cogens e têm caráter erga omnes, só sendo permitida sua derrogação por norma posterior da mesma natureza12.

17.3 O PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Como visto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama os direitos fundamentais sem os quais o indivíduo não pode viver, isto é} direitos correspondentes a um patamar mínimo para uma vida fundada nos princípios da liberdade, da igualdade e da dignidade. No entanto, a Declaração, embora enuncie tais direitos, não oferece mecanismos para garanti-los e assegurá-los, de modo que foi necessário às Nações Unidas elaborar instrumentos com esta finalidade. Desses instrumentos, merecem destaque especial o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Transcorreram 12 anos entre a apresentação dos projetos dos Pactos à Assembleia Geral e a aprovação do texto final, o que ocorreu em de­zembro de 199633. O longo prazo deveu-se às divergências apresentadas pelos blocos Leste e Oeste quanto à proteção internacional dos direitos humanos, pois, enquanto os Estados ocidentais aceitavam a personalida­de jurídica internacional do indivíduo e davam precedência aos direitos

10 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Idem, p. 127." Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 714.12 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 388-396.13 Os projetos de autoria da Comissão de Direitos Humanos foram entregues à Assembleia

Geral das Nações Unidas no ano de 1954.

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288 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

civis e políticos, os Estados do Leste negavam tal personalidade jurídica e davam primazia aos direitos econômicos, sociais e culturais14,

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi aprovado em 16.12.1996 e entrou em vigor no plano internacional em 23.03.1976, jun­tamente com o seu protocolo facultativo, nos termos do § 1.° do seu art. 49 's. No Brasil, o Pacto encontra-se em vigor desde 06.07.1992 (Decreto 592/1992), mas o protocolo facultativo ainda não foi ratificado.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é composto por um preâmbulo e encontra-se dividido em seis partes. Ao passo em que as partes I, II e III preveem os direitos substantivos, as partes IV, V e VI dispõem sobre os mecanismos de garantia, sobre a interpretação do Pacto e as disposições finais pertinentes.

É bastante “rigoroso na delineação dos direitos, mais forte na afir­mação da obrigação de respeito pelos direitos consagrados, e encontra-se mais bem apetrechado com meios de revisão e de fiscalização”16. Mas, apesar de o seu rol de direitos civis e políticos ser mais extenso que o da Declaração Universal dos Direitos Humanos*7, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos não contemplou o direito de asilo, o direito de propriedade e o direito à nacionalidade.

O n.° 1 do art. 2.° do Pacto reza que os Estados-partes comprometem- -se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se encontrem em seus territórios e estejam sujeitos às suas jurisdições os direitos nele reconhe­cidos, sem discriminação de qualquer natureza. Esta obrigação que pesa sobre os Estados possui uma dupla vertente. Uma negativa, porque os Estados não podem restringir o exercício dos direitos, e outra positiva, porque cabe aos Estados a implementação dos direitos consagrados no Pacto, quer mediante adoção de novas leis (ou modificação das existentes) ou quaisquer outros mecanismos necessários18.

14 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 128.15 Que o Pacto entraria em vigor três meses a após o depósito, junto ao Secretário Geral das

Nações Unidas, do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão.16 Cf. Ian Brownlie. Princípios de direito internacional público, cit., p. 596.17 Consagra o direito de não ser preso por descumprimento de obrigação contratual (art. 11) e

as proibições de propaganda em favor da guerra e o apelo ao ódio nacional, racial e religioso que constitua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência (art. 20).

13 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 130. A autora lembra, ainda, que “os chamados direitos negativos também incluem uma obrigação positiva, como, por exemplo, no caso da proibição da tortura, que abrange a obrigação de prevenção da tortura e de investigação de alegados actos de tortura”.

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Cap. 17 -ANÁLISE SETORIAL 289

Revelam-se de suma importância as questões relacionadas com as derrogações, restrições, limitações e reservas. Com efeito, poucos são os direitos consagrados no Pacto que podem ser considerados absolutos ou intangíveis. Alguns deles, como o direito à vida, o direito a não ser torturado ou submetido a penas e tratamentos cruéis, degradantes ou de­sumanos, o direito a não ser tomado como escravo ou servo e o direito a não ser preso por dívidas, podem ser assim considerados, pois o Pacto afirma de forma expressa que os Estados não podem derrogá-los!9. No entanto, a maioria dos direitos é susceptível de derrogação, restrição ou limitação por parte dos Estados.

As derrogações são permitidas pelo n.° 1 do art. 4.° do Pacto, o qual estabelece as regras gerais que devem ser respeitadas pelos Estados. Se­gundo o artigo em comento, “em tempo de uma emergência pública que ameace a existência da nação e cuja existência seja proclamada por um ato oficial, os Estados Partes no presente Pacto podem tomar, na estrita medida em que a situação o exigir, medidas que derroguem as obrigações previstas no presente Pacto, sob reserva de que essas medidas não sejam incompatíveis com outras obrigações que lhes impõe o Direito Internacional e que elas não envolvam uma discriminação”. Quer isto dizer, portanto, que as medidas derrogatórias dependem de um ato oficial que proclame um perigo público, devem ser necessárias e proporcionais, não podem ser discriminatórias, tampouco incompatíveis com outras obrigações impostas pelo Direito Internacional.

E igualmente requisito para a derrogação de um direito consagrado no Pacto que o Estado, por intermédio do Secretário-Geral das Nações Unidas, informe, de imediato, os demais Estados-partes no Pacto sobre as disposições derrogadas, apresentando, ainda, os motivos dessa derro­gação.

Releva-se oportuno lembrar que, segundo Eduardo Correia Baptis­ta, tais medidas derrogatórias são, na verdade, meros “incumprimentos justificados” das obrigações relativas à proteção internacional da pessoa humana, tendo em vista que apenas ocorrem em situações calamitosas e de extrema urgência, o que implica que o ato do Estado (a medida der- rogatória) foi praticado em estado de necessidade ou em perigo extremo, causas de justificação da responsabilidade internacional20.

O Pacto também prevê a possibilidade de restrições e limitações de alguns dos direitos que assegura. Mas o certo é que tanto as restrições

19 Cf. art. 4.°, n. 2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.20 Cf. Eduardo Correia Baptista. Direito internacional público, cit., p. 394.

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como as limitações devem estar previstas em lei, visar um fim legítimo e respeitar o princípio da proporcionalidade21.

No tocante às reservas, impende registrar que o Pacto as admite, já que não as proíbe. De fato, o Pacto foi objeto de reservas por vários Estados-partes. Entretanto, o Comitê de Direitos Humanos considera que as disposições do Pacto que consagram regras consuetudinárias não podem ser objeto de reservas. Comungamos dessa mesma opinião por entendermos que o instituto das reservas é incompatível com o objeto e a finalidade dos tratados que versem sobre direitos humanos, sem embar­go de aceitarmos que por permitirem aos Estados precisarem a extensão das suas obrigações, as reservas tomam possível uma maior participação nos tratados sobre direitos humanos, razão pela qual também podem ser entendidas como um “mal menor”22.

17.4 O PACTO INTERNACIONAL ©OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi igualmente aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966 e entrou em vigor no plano internacional em 03.01.1976, em função do que dispõe o n.° 1 do seu art. 2723. No Brasil encontra-se em vigor desde 06.07.1992, por força do Decreto 591/1992.

Conforme mencionado, a diferença substancial que existe entre os dois Pactos de 1996 está na natureza das obrigações que impõem aos Estados-partes. Enquanto o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Po­líticos proclama obrigações de caráter imediato, no sentido de respeitar e garantir os direitos que prevê, o Pacto Internacional dos Direitos Econô­micos, Sociais e Culturais consagra disposições de caráter programático, o que significa que os Estados devem implementar os direitos econômicos, sociais e culturais de forma progressiva. Logo, diz-se que os Estados reconhecem tais direitos, mas não necessariamente os garantem24.

Oportuno consignar, entretanto, que o caráter programático das obri­gações contidas no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não pode servir como subterfúgio para que os Estados não as implementem. Na verdade, cabe aos Estados-partes se empenharem

21 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit.. p. 132.22 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Idem, p. 145.23 Que o Pacto entraria em vigor três meses a após o depósito, junto ao Secretário-Geral das

Nações Unidas, do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão.74 Cf. lan Brownlie. Princípios de direito internacional pitblico, cit., p. 596.

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Cap. 17 - ANÁLISE SETORiAL 291

para que a implementação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais ocorra “tão rápida e eficazmente quanto possível”, competindo- -Ihes adotar as medidas necessárias para esse fim e “usar o máximo de recursos disponíveis”. Ademais, essas obrigações devem ser implementadas não somente por meio de medidas individuais, como também mediante assistência externa e cooperação internacional25.

O Pacto é composto por um preâmbulo e está dividido em cinco partes. A parte I, que consagra o direito à autodeterminação dos povos (art. 1,°), tem marcante cunho econômico. A parte II enuncia os princípios complementares ao preâmbulo, entre os quais se destaca o princípio da igualdade. A parte III corresponde aos direitos que são propriamente o objeto do Pacto, quais sejam o direito a trabalhar e a gozar de condições de trabalho equitativas e satisfatórias (arts. 6.° e 7.°), o direito a criar sindicatos e a neles filiar-se (art. 8.°), o direito à seguridade social (art. 9.°), o direito a um nível de vida adequado (art. 11), o direito à educação (art. 13) e o direito a participar da vida cultural e gozar dos benefícios do progresso científico (art. 15), entre outros.

A parte IV do Pacto prevê um sistema de controle do cumprimento das obrigações dos Estados baseado no mecanismo de relatórios. Como veremos adiante, não é mais esse o sistema que vigora, porquanto em 28.05.1985 foi criado o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Cul­turais, a quem compete a fiscalização dos Estados. A parte V, finalmente, diz respeito às disposições finais do Pacto.

Costuma-se afirmar que o Pacto Internacional dos Direitos Econômi­cos, Sociais e Culturais, quando comparado à Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, foi marginalizado, em virtude de os direitos de que trata terem o referido caráter programático, além de serem pouco perceptíveis e de difícil e assimétrica concretização.

É justamente nesse contexto que ganham força os princípios da uni­versalidade, indivisibilidade e inter-relação dos direitos humanos, pois apenas sob esta concepção é que a proteção da pessoa humana em âmbito internacional seria, de fato, eficaz.

17.5 A CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem tem como origem as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, que revelaram

25 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 136.

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a necessidade de uma maior proteção dos direitos humanos e o desejo de afirmação de uma ideologia comum relativamente aos países do Leste e de consolidação da unidade dos Estados do Ocidente, em relação à ameaça dos soviéticos26.

Foram fundamentais para o advento da Convenção Européia dos Direitos do Homem o Congresso Europeu, ocorrido em Haia, em maio de 1948, de onde surgiu a proposta para a elaboração de uma conven­ção sobre direitos humanos, e o fato de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos tinha sido recentemente aprovada, tendo servido como fonte de inspiração.

O texto final da Convenção Européia dos Direitos do Homem foi assinado em 04.11.1950 em Roma e entrou em vigor em 03.09.1953, por força do depósito do décimo instrumento de ratificação, nos termos do n.° 2 do seu art. 59. Há 14 protocolos adicionais à Convenção, que tanto introduzem novos direitos como acrescentam modificações de competência e estrutura dos órgãos responsáveis pelo controle.

À semelhança do que fez a Declaração Universal dos Direitos Hu­manos, a Convenção Européia dos Direitos do Homem interliga a manu­tenção da paz e da segurança internacionais à necessidade de respeito e proteção internacional da pessoa humana, ao passo que enaltece o regime democrático.

Porque há 14 protocolos adicionais à Convenção e se permite a for­mulação de reservas, a aplicação da Convenção na íntegra pelos Estados partes é relativamente heterogênea. Mediante conjugação do art. 19 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e o art. 57, n.° 1, da Convenção Européia dos Direitos do Homem, impõem-se as seguintes condições para a formulação de reservas:

(i) que a reserva seja formulada no momento da assinatura ou do depósito do instrumento de ratificação;

(ii) que seja relativa a uma disposição da Convenção que entre em conflito com uma lei que esteja em vigor no Estado;

(iii) que a reserva não tenha caráter geral; e(iv) que se apresente uma breve descrição da lei que esteja em discordância

com o dispositivo da Convenção27.

26 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 193.27 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 199.

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Cap. 17-ANÁLISE SETORIAL 293

Entre os direitos consagrados na Convenção, citamos o direito à vida (art. 2.°), a não ser torturado (art. 3.°), a não ser mantido em escravidão ou certidão (art. 4.°), o direito à liberdade e à segurança (art. 5.°), o direito a um processo equitativo (art. 6.°), o direito ao respeito à vida privada e familiar (art. 8.°), o direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião e de expressão (arts. 9.° e 10), o direito ao casamento (art. 12) e a proibição de qualquer tipo de discriminação (art. 14).

A Convenção permite a derrogação da maioria dos seus dispositivos, mas apenas em caso de estado de necessidade, o que reforça a tese de Eduardo Correia Baptista de que não se trata tecnicamente de derrogação, mas antes de um “incumprimento justificado” da norma (ver item 17.3 supra).

A Convenção criou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que estudaremos mais à frente, quando tratarmos dos mecanismos internacio­nais de proteção da pessoa humana (item 18.2 infra).

17.6 A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A Convenção Americana de Direitos Humanos é o resultado de apro­ximadamente 20 anos de trabalhos da Organização dos Estados America­nos (OEA), criada pela Carta de Bogotá, aprovada em 30.04.1948. Antes mesmo da Convenção, no âmbito da OEA foram adotadas a Declaração Americana de Direitos do Homem e a Carta Interamericana de Garantias Sociais, que desempenharam um importante papel na evolução da proteção da pessoa humana nas Américas.

A Convenção Americana de Direitos Humanos foi aprovada em 22.11.1969 e entrou em vigor no plano internacional em 18.07.1978, nos termos do n.° 2 do seu art. 7428. No Brasil encontra-se em vigor desde 06.11.1992, por força do Decreto 678/1992.

Convém destacar que nem todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos ratificaram a Convenção, a exemplo dos Estados Unidos da América, a maior potência do bloco, e do Canadá, outro Estado de peso no continente, que sequer a assinou. Por tal razão, afirma-se que o sistema de proteção dos direitos humanos no continente americano é um “sistema de geometria variável”, já que uns Estados estão vinculados à Convenção e ao seu sistema de controle e outros não29.

28 Segundo o qual a Convenção entrará em vigor logo que 11 Estados houverem depositadoos respectivos instrumentos de ratificação ou de adesão.

-9 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 295.

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No que diz respeito ao conteúdo da Convenção Americana de Direitos Humanos, algumas particularidades revelam-se interessantes. Em primeiro lugar, a Convenção distingue os direitos civis e políticos dos direitos econômicos, sociais e culturais, enumerando de forma esmiuçada aqueles, enquanto em relação a estes se limita a remeter “para a Carta da Organização dos Estados Americanos, reformulada pelo Protocolo de Buenos Aires, e a estabelecer que as obrigações impostas aos Estados em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais se restringem à adopção das providências necessárias para conseguir progressivamente a plena efectividade dos direitos, na medida dos recursos disponíveis”30.

Outrossim, quando comparada à Convenção Européia dos Direitos do Homem, a Convenção Americana de Direitos Humanos contempla alguns direitos não consagrados naquela (a exemplo do direito à nacionalidade e do direito à propriedade privada) e confere maior ênfase que a Convenção Européia a outros direitos (direito à proteção da honra e da dignidade, o direito ao nome e os direitos da criança).

Dentre os direitos que proclama, registramos o direito à vida (art.4.°), o direito à integridade física, moral e mental (art. 5.°), o direito de não ser mantido em escravidão (art. 6.°), o direito à liberdade (art. 7,°), o direito ao processo justo (art. 8.°), o direito à irretroatividade da lei penal (art. 9.°), o direito à indenização (art. 10), o direito à privacidade (art. 11), as liberdades de religião, de consciência, de pensamento e de expressão (arts. 12 e 13), o direito à proteção da família (art. 17), a liberdade de circulação (art. 22) e o direito de votar e de ser eleito (art. 23).

O art. 27, n.° 2, da Convenção estabelece um núcleo de direitos intangíveis, em relação aos quais não se admitem quaisquer medidas de suspensão. Dele fazem parte os direitos à vida, à integridade pessoal, a não ser mantido em escravidão, à irretroatividade da lei penal, à liberdade de consciência e religião, à proteção familiar, ao nome, aos direitos da criança, à nacionalidade e o de participação no governo.

Os demais direitos, entretanto, podem ser objeto de suspensão, nos casos de guerra, de perigo público ou qualquer outra situação emergen- cial que ponha em causa a independência e a segurança do Estado. As restrições também são permitidas, desde que não violem os princípios da proporcionalidade e da necessidade, da não discriminação e as normas gerais de Direito Internacional.

30 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Idem, p. 296.

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Cap. 17 -ANÁLISE SETORIAL 295

17.7 A CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOSPOVOS

O sistema africano de proteção internacional dos direitos humanos cabe à Organização da Unidade Africana, criada em 25.05.1963, mas que em 2002 transformou-se na União Africana.

Em virtude das peculiaridades do continente africano, as preocupa­ções principais dos seus Estados sempre foram “a descolonização, a não discriminação racial, o desenvolvimento econômico e social e a unidade africana”, motivo pelo qual a questão dos direitos humanos foi deixada um pouco de lado, sendo frequentemente relacionada com o direito à autodeterminação dos povos e a não discriminação racial31.

Os Estados africanos relutaram por muito tempo em adotar uma convenção regional sobre os direitos humanos. Apesar dos esforços an­teriores, somente no início dos anos 80 é que, numa sessão ministerial da Organização da Unidade Africana, se chegou a um acordo em relação ao que seria o preâmbulo e alguns outros artigos da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

Finalmente, em 27.06.1981, na Conferência de Chefes de Estado e de Govemo da Organização da Unidade Africana, realizada em Nairóbi, Quênia, foi adotada a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a qual entrou em vigor no plano internacional em 21.10.1986.

Algumas específicidades do continente africano refletem-se na Carta, em especial:

(i) a referência a valores africanos como as tradições históricas e a im­portância que é dada à família e à comunidade;

(ii) repercussões da ótica africana de que o direito é um conjunto de regras que buscam proteger a comunidade da qual o indivíduo faz parte;

(iii) a Carta contempla direitos, mas também impõe deveres; e(iv) são reconhecidos novos direitos como o direito à paz, o direito ao

desenvolvimento e o direito ao ambiente32.

A Carta Africana inspira-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos Pactos de 1966, na Convenção Europeia dos Direitos do

31 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 300.32 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 302-

303.

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296 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga---------]

Homem e na Convenção Americana de Direitos Humanos. Proclama di­reitos civis e políticos (direito à não discriminação, à igualdade, à vida, à integridade física, às liberdades de consciência, de profissão, de religião, de expressão, de informação, o direito à segurança, de propriedade, etc.), e com mais resguardo direitos econômicos e sociais (direito ao trabalho e a condições equitativas e satisfatórias de trabalho, o direito à saúde e o direito à educação).

Outrossim, em que pese não fazerem parte da categoria dos direitos humanos, a Carta Africana consagra ainda os direitos dos povos, entre os quais se encontram a autodeterminação e a disposição livre da riqueza e dos recursos naturais. Confere enfoque ao direito ao desenvolvimento e estabelece deveres do indivíduo em relação ao grupo (família, sociedade e Estado) e em relação aos outros indivíduos.

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MECANISMOS DE PROTEÇÃO

Sumário: 18.1 0 Sistema das Nações Unidas - 18.2 O sistema europeu- 13.3 O sistema americano - 18.4 O sistema africano - 18.5 O Tribunal Penal Internacional (TPí).

18.1 O SISTEMA DAS NAÇÕES UNIDAS

O sistema das Nações Unidas é profundamente marcado por quatro características principais, a saber: a cooperação intergovernamental, a mul­tiplicidade de fontes, a identidade de objetivo e a efetividade reduzida1.

Em que pese a universalização dos direitos humanos ter implicado uma considerável restrição à concepção absolutista da soberania dos Es­tados, o sistema das Nações Unidas ainda é marcado pela cooperação intergovernamental, na medida em que, inexistindo uma instituição supra­nacional ou entidade universal superior aos Estados, as relações entre eles mantidas em matéria de proteção da pessoa humana ainda desenrola-se por cooperação, e não por subordinação. Destarte, o sistema das Nações Unidas é um sistema não jurisdicxonal.

No que diz respeito à multiplicidade de fontes, cumpre mencionar que este fator é, na verdade, natural, haja vista que é a Assembleia Geral das Nações Unidas o principal fórum de debate entre os Estados e, atualmente, organizações internacionais. Portanto, além do direito costumeiro e das decisões adotadas pelas próprias Nações Unidas, grande parte do direito convencional em matéria de direitos humanos é produzido no seio das

1 Cf Ana Maria Gueixa Martins. Direito internacional dos direitos humanos> cit., p. 121 e ss.

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298 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Nações Unidas. Esta conjunção de múltiplas fontes do Direito Interna­cional dos Direitos Humanos é, portanto, traço marcante do sistema das Nações Unidas.

Quando se fala em identidade de objetivos, assume-se que, no âmbito das Nações Unidas, os Estados reconhecem a todo indivíduo, sem dis­criminação de qualquer natureza, direitos que são inerentes à igualdade e à dignidade humana, O objetivo em comum é a proteção da pessoa humana.

Finalmente, tendo em vista que os mecanismos de implementação e de garantia dos direitos humanos são descentralizados em vários órgãos, o sistema acaba por sofrer uma redução da efetividade.

Pretendemos focar o sistema de proteção dos direitos humanos das Nações Unidas nos mecanismos estabelecidos nos Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais e Cul­turais2.

O primeiro criou o Comitê dos Direitos Humanos, cuja atribuição primordial é garantir que os Estados-partes do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos respeitem as obrigações que lhes são impostas por ele. O Comitê dos Direitos Humanos opera de três formas, exami­nando os relatórios dos Estados, as comunicações dos indivíduos e as comunicações dos Estados.

O sistema dos relatórios periódicos funciona da seguinte forma: nos termos do art. 40 do Pacto, os Estados comprometem-se a apresentar re­latórios sobre as medidas que adotaram para cumprimento das obrigações que lhes competem. Os relatórios devem ser apresentados a cada cinco anos ao Secretário Geral das Nações Unidas, que os encaminhará ao Comitê dos Direitos Humanos. Os relatórios serão examinados em sessão pública e o Comitê dos Direitos Humanos formulará comentários e observações gerais, podendo ser genéricas ou específicas para um determinado Esta­do. Os comentários e as observações gerais do Comitê não têm caráter vinculativo, mas desempenham relevante papel na proteção internacional dos direitos humanos, tendo em vista que, além de analisarem as condutas dos Estados, interpretam muitas das disposições do Pacto.

Apesar de o sistema dos relatórios ser alvo de duras críticas, Ana Maria Martins entende que ele “tem alguma utilidade, pois obriga os Governos

2 Lembramos que outras convenções adotadas no âmbito das Nações Unidas, como a Con­venção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção contra a Tortura e outras Penas e Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra­dantes, também estabelecem sistemas de proteção dos direitos humanos.

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Cap. 18 - MECANISMOS DE PROTEÇÃO 299

a reflectirem sobre as suas obrigações, na medida em que são eles que terão de implementar no seu território as disposições do Pacto”3.

Dois protocolos adicionais ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos também preveem o sistema das comunicações individuais, considerado o mais evoluído dos sistemas de proteção dos direitos hu­manos. Ao Comitê dos Direitos Humanos é outorgada a competência para apreciar as comunicações individuais que denunciem violações dos direitos consagrados no Pacto, tanto nas questões relativas às condições de admissibilidade quanto no próprio mérito.

Conforme o art. 1.° do Protocolo, apenas o particular pode exercer o direito de comunicação. Permite-se, todavia, que a comunicação seja apresentada também por seu representante legal, seus familiares ou ter­ceira pessoa, desde que autorizada a agir em nome da vítima. A vítima é o indivíduo que efetivamente sofreu uma violação de um dos direitos enunciados no Pacto e que, portanto, tenha o interesse pessoal em agir. Releva notar que a comunicação somente será admitida caso a vítima guarde uma ligação com o Estado denunciado, ou seja, é preciso que a suposta vítima esteja sob a jurisdição do Estado denunciado4.

Para que a comunicação seja admitida pelo Comitê, é necessário o esgotamento dos meios internos (art. 2.° do Protocolo), que a matéria não esteja sob exame de outra instância e que a comunicação seja compatível com as disposições do Pacto (art. 3.°).

Os pareceres do Comitê dos Direitos Humanos não têm força obri­gatória, mas não apenas emitem um juízo de valor quanto à suposta violação, como também recomendam aos Estados quais as medidas que devem ser observadas para que sejam cumpridas as disposições do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

Quanto ao sistema das comunicações dos Estados, está previsto no art. 41 do referido Pacto. A competência para apreciar tais comunicações é do Comitê dos Direitos Humanos, com a ressalva de que é facultativa, isto é, ambos os Estados (o denunciante e o denunciado) devem previamente aceitá-la. O procedimento é bem detalhado pelo Pacto e divide-se em duas etapas: a primeira tem natureza diplomática e é meramente conciliatória. Caso frustrada, passa-se à segunda etapa, que é o processo propriamente dito. Contudo, o sistema das comunicações dos Estados não merece maior atenção, tendo em vista nunca ter sido utilizado.

3 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 133- 134.

4 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Idem, p. 184.

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300 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Já em relação ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais o controle é exclusivamente baseado no sistema dos relatórios5. A competência para apreciação dos relatórios é do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a quem cabe formular as sugestões e recomendações aos Estados, em procedimento idêntico ao do Comitê de Direitos Humanos, há pouco estudado.

18.2 O SISTEMA EUROPEU

O sistema baseado na Convenção Européia dos Direitos do Homem é o mais eficaz entre os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos. O atual estágio de eficácia se deve às profundas alterações que o sistema atravessou ao longo dos anos.

Originariamente, o sistema de controle previsto na Convenção Eu- ropeia dos Direitos do Homem era misto, uma vez composto por dois órgãos políticos, a Comissão Européia dos Direitos Humanos e o Comitê de Ministros (este um órgão preexistente à Convenção), e um órgão ju- risdicional, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

A Comissão Européia dos Direitos Humanos recebia as petições, pronunciava-se sobre a admissibilidade, fixava os prazos e comandava a tentativa de conciliação entre as partes. Caso fracassada, formulava um parecer sobre o caso, apontando se havia ou não verificado ofensa a algum direito consagrado na Convenção. O processo era encaminhado ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o qual proferia a decisão final e obrigatória. O Comitê de Ministros, por sua vez, prolatava decisões em processos que não eram submetidos ao Tribunal.

Este mecanismo complexo e híbrido foi modificado pelo Protocolo de n.° 11 à Convenção Européia dos Direitos do Homem, cujas princi­pais alterações que trouxe foram “a supressão das cláusulas facultativas de aceitação do direito de petição individual e da jurisdição do TEDH, conferindo ao indivíduo acesso directo àquele Tribunal” e “a unificação orgânica, ou seja, substituem-se os três órgãos envolvidos no controlo por um órgão permanente - o TEDH”6. Com efeito, o acesso direto do indivíduo ao Tribunal é, sem sombra de dúvida, o maior avanço que se constata em matéria de proteção internacional da pessoa humana.

s Cf. arts. 16 e seguintes do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Cultu­rais.

6 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 257.

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Cap. 18 - MECANISMOS DÊ PROTEÇÃO 301

Com o advento do citado Protocolo n.° 11, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos passou a ser o principal órgão no controle das dis­posições da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. É composto por um número de Juizes equivalente ao número de Estados partes, os quais têm um mandato de seis anos. Com exceção dos casos sujeitos ao plenário e ao Pleno, o Tribunal funciona em seções de três Juizes, que têm competência para rejeitar as petições claramente inadmissíveis e em seções de sete Juizes, às quais compete o julgamento ordinário.

O Tribunal tem competência tanto consultiva como contenciosa, pro- nunciando-se, em processo marcado pela publicidade e pelo contraditório, sobre as petições interestaduais e sobre as petições individuais. Entretanto, convém mencionar que o acórdão proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não tem autoridade de coisa julgada, porque o art. 43 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem prevê a possibilidade de reexame dos casos julgados pelas seções pelo Pleno. Nos termos do art. 46, n.° 1, da Convenção, o acórdão não tem efeitos erga omnes e não vale como título executivo.

O Tribunal tem desempenhado uma função de extrema importância e sua jurisprudência sedimentou diversas teorias em matéria de direitos humanos, quais sejam:

(i) a teoria das obrigações positivas dos Estados, que, para além das obri­gações negativas, impõe aos Estados obrigações positivas, contribuindo para a amenização da diferença que é feita entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais;

(ü) a teoria do efeito direto horizontal de alguns direitos, permitindo invocar determinados direitos assegurados pela Convenção não apenas contra os Estados, mas também contra particulares;

(iii) a teoria do caráter autônomo da interpretação, segundo a qual os conceitos e princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não devem ser interpretados em conformidade com o direito interno de cada Estado, mas sim na ótica do sistema europeu; e

(iv) a teoria da interpretação restritiva das limitações dos direitos consa­grados na Convenção1.

Por fim, de sublinhar que em 12.05.2004 os Estados-membros do Conselho da Europa aprovaram o Protocolo de n.° 14 à Convenção, que

7 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, c it, p. 197.

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302 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

entrará em vigor após a ratificação de todos os membros. O Protocolo. n.° 14 procura conferir ainda mais eficácia ao sistema de controle, mediante a instituição de um Juiz singular, que terá competência para rejeitar as peti­ções individuais manifestamente inadmissíveis, a introdução de um processo acelerado para os casos repetitivos e a exigência de comprovação de um prejuízo significativo para a admissibilidade das petições individuais.

Por todo o exposto é que se toma forçoso concluir que o sistema de controle baseado na Convenção Européia dos Direitos do Homem é, de fato, o mais evoluído e eficaz entre todos os sistemas internacionais de proteção da pessoa humana.

18.3 O SISTEMA AMERICANO

O sistema de controle previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos é um sistema misto e complexo, tal como o sistema baseado na Convenção Européia dos Direitos Humanos em outrora. Os órgãos de controle do sistema americano são a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos.

 Comissão Interamericana de Direitos Humanos compete analisar a admissibilidade de petições, estabelecer os fatos, instruir o processo, tentar conciliar as partes e redigir um relatório, conforme preceituam os arts. 48 e seguintes da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão pode apurar as supostas violações de direitos por parte de qualquer Estado que seja membro da Organização dos Estados Americanos. Todavia, o processo só pode ser encaminhado ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos caso o Estado-parte tenha aceitado a sua jurisdição.

O Tribunal Interamericano de Direitos Humanos tem competências consultiva e contenciosa, muito embora sua jurisdição seja, como dito, facultativa, isto é, os Estados podem aceitá-la ou não8. No entanto, uma vez aceite a jurisdição, o Estado não poderá, posteriormente, retirar a declaração de aceitação.

Os mecanismos de controle são os clássicos sistemas dos relatórios, das comunicações interestaduais e das comunicações individuais.

Pelo sistema dos relatórios, os Estados-partes devem apresentar re­latórios à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a respeito de como o seu direito interno garante a aplicação das disposições contidas na Convenção Americana dos Direitos Humanos (art. 43).

Art. 62, § 1.°, da Convenção Americana dos Direitos Humanos.

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Cap. 13-MECANISMOS DE PROTEÇÃO 303

Consoante o art. 45 da Convenção, também está previsto o sistema de comunicações interestaduais. A competência da Comissão, entretanto, é facultativa, na medida em que é necessária a sua aceitação por ambos os Estados-partes na Convenção.

No que tange às comunicações individuais, constatamos uma sensível diferença em relação ao sistema da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Segundo o art. 44 da Convenção Americana dos Direitos Huma­nos, “qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-goveraamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte”. Logo, diferentemente da Convenção Europeia que só permite aos particulares apresentarem pe­tições, a Convenção Americana também outorga esse direito a grupos de pessoas e organizações não governamentais, desde que reconhecidas em um ou mais Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.

O art. 46 da Convenção Americana estabelece os requisitos de admis­sibilidade das petições, quais sejam o esgotamento dos meios internos, o prazo de seis meses a contar da notificação da decisão interna definitiva, que a matéria não esteja pendente de outro processo de solução interna­cional e que a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição.

A eficácia do sistema americano é comprometida porque não é assegurado aos indivíduos o direito de queixa diretamente ao Tribunal ínteramericano dos Direitos Humanos. As petições individuais devem ser apresentadas perante a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.

Finalmente, registramos que os mecanismos elencados “se aplicam somente aos direitos civis e políticos, sendo o mecanismo de controlo dos direitos econômicos, sociais e culturais bastante mais modesto. Segundo o art. 42.° CADH, a Comissão limita-se a velar para que se promovam estes direitos”9.

18.4 O SISTEMA AFRICANO

A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos estabeleceu como órgão de controle e fiscalização dos direitos que consagra a Co­missão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Posteriormente, em

9 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos, cit., p. 299.

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304 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

1998, foi aprovado o Protocolo Adicional à Carta, relativo à criação do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos. O Protocolo entrou em vigor em 2004, mas o Tribunal Africano ainda se encontra em fase de instalação.

A competência da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos é alargada, competindo-lhe a promoção e a proteção dos direitos humanos e dos povos na África, a interpretação da Carta Africana, além da execução de outras tarefas que eventualmente lhe sejam atribuídas pela Conferência de Chefes de Estado e de Govemo da Unidade Africana.

Por sua vez, o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos tem competência “para conhecer de todos os processos e diferendos que lhe forem submetidos e que digam respeito à interpretação e aplicação da CADHP, do Protocolo que cria o TADHP e de qualquer outro ins­trumento internacional relativos a direitos humanos pertinente, que tenha sido ratificado pelos Estados em causa”50.

O Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos possui com­petência consultiva, para emitir pareceres sobre qualquer questão jurídica relacionada com a Carta, e contenciosa. Neste aspecto, há um importante avanço, pois a competência contenciosa é exercida tanto indiretamente, depois de o caso ter sido apreciado e decidido pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, como diretamente, caso o Estado supostamente infrator tenha aceitado a jurisdição do Tribunal para apreciar petições individuais.

18.5 O TRIBU N A L PEN AL IN TERN ACIO N A L - T P I

As crueldades cometidas pelo regime nazista durante a Segunda Guer­ra Mundial marcaram, de fato, a transição de uma concepção antiquada segundo a qual os direitos humanos eram matéria de competência intema de cada Estado, para uma certa relativização do conceito de soberania e crescente tendência de universalização dos direitos humanos. Desde que teve início esse fenômeno, foi recorrente o tema da necessidade de instituir uma Justiça Penal Internacional11.

A Comissão de Direito Internacional foi encarregada da missão de estudar a questão da criação de um tribunal de justiça penal internacional

10 Cf. Ana Maria Guerra Martins. Idem, p. 309." A Convenção para a Prevenção do Crime de Genocídio de 1948, por exemplo, refere um

tribunal dessa natureza por mais de uma vez.

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Cap. 18 - MECANISMOS DE PROTEÇÃO 305

ou de outro mecanismo jurisdicional com caráter internacional e elaborou o projeto que resultou no Estatuto de Roma de 1998.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi aprovado em Roma, Itá­lia, em 17.07.1998 e entrou em vigor no plano internacional em 1 .°.07.2002, após a ratificação de um terço dos Estados signatários. No Brasil foi promulgado em 25.09.2002, por meio do Decreto 4.388/200212.

Em virtude do que preceitua o § 2.° do art. 5.° da Constituição da República, “o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional integrou- se ao direito brasileiro com status de norma constitucional, não podendo quaisquer dos direitos e garantias nele constantes ser abolidos por qualquer meio no Brasil, inclusive por emenda constitucional”13.

O Tribunal Penal Internacional é um tribunal permanente e independen­te sediado em Haia, nos Países Baixos, que tem competência subsidiária em relação às jurisdições nacionais para processar e julgar indivíduos sobre os quais pesa acusação de prática de crimes gravíssimos, que afe­tem toda a sociedade internacional. Quer isto dizer que a sua jurisdição é fundada no princípio da complementaridade, uma vez que o Tribunal apenas julgará os casos que os tribunais nacionais não queiram ou não sejam capazes de julgar14.

Conforme o § 1.° do art. 5.° do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional tem competência para julgar os seguintes crimes:

(i) o crime de genocídio;(ii) os crimes contra a Humanidade;(üi) os crimes de guerra;(iv) o crime de agressão.

A exceção do crime de agressão, todos os demais são satisfatoriamente bem definidos pelos arts. 6.°, 7.° e 8.° do Estatuto de Roma.

Nos termos do art. 11, o Tribunal só tem competência para julgar os crimes praticados após a entrada em vigor do Estatuto de Roma, o que ocorreu em l.°.07.2002. De sublinhar, outrossim, que os crimes da competência do Tribunal são imprescritíveis.

12 De referir que o Brasil não apenas aderiu ao Estatuto do TPI, como também incluiu ex­pressamente a aceitação da sua jurisdição no § 4.° do art. 5 ° da Constituição Federal.

13 Cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli. Curso de direito internacional público, cit., p. 747.14 Cf. Manuel de Almeida Ribeiro e Mónica Ferro. A Organização das Nações Unidas, cit.,

p. 307.

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306 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

1O Tribunal é composto por 18 Juizes, eleitos entre indivíduos com

idoneidade moral comprovada, imparcialidade e integridade, que preen­cham os requisitos estabelecidos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus Estados. O mandato é de nove anos, não havendo pre­visão para reeleição. O art. 34 do Estatuto de Roma aponta como órgãos do Tribunal Penal Internacional a Presidência, uma Sessão de Recursos, uma Seção de Julgamento em l.a instância, uma Seção de Instrução, o Gabinete do Procurador e a Secretaria.

Conforme o art. 42, o Gabinete do Procurador atuará de forma in­dependente do Tribunal, competindo-lhe colher comunicações e informa­ções fundamentadas sobre crimes que sejam da competência do Tribunal (investigação), com a finalidade de apreciá-las e exercer a ação penal junto ao Tribunal.

O mais importante passo dado pelo Estatuto de Roma de 1998 foi ter consagrado a responsabilidade criminal internacional15* na medida em que a responsabilidade penal por atos que violem o Direito Internacional pode agora recair sobre os indivíduos que os cometeram, isto é, o Tri­bunal Penal Internacional tem competência para julgar as pessoas físicas responsáveis por tais atos. Nos termos do Estatuto, será considerado pe­nalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime de competência do Tribunal quem:

(i) cometer o crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem;

(ii) ordenar, provocar ou instigar a prática do crime, na forma consumada ou tentada;

(iii) for cúmplice, encobridor ou colaborar de algum modo na prática do crime;

(iv) contribuir de alguma forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenham um objetivo comum.

O art. 26 do Estatuto reza que o Tribunal não tem jurisdição sobre os indivíduos que, à data da suposta prática do crime, não tenham 18 anos completos de idade. Logo, ainda que um indivíduo com idade in­ferior a 18 anos seja penalmente imputável em determinado Estado por

!5 Art. 25, § 2.°, do Estatuto de Roma do Tribuna! Penal Internacionai: “Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto”.

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Cap. 18 - MECANISMOS DE PROTEÇÃO 307

força de legislação interna, não poderá ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional, caso o suposto crime tenha sido praticado antes que ele tenha completado essa idade.

A questão das imunidades internacionais resta irrelevante, haja vista que, nos termos do Estatuto de Roma, as imunidades ou normas de pro­cedimentos especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa não deverão impedir que o Tribunal exerça sua jurisdição sobre essa pessoa (art. 27). Ademais, o Estatuto prevê a possibilidade de responsabilização dos chefes militares e outros superiores hierárquicos (art. 28).

Os princípios gerais de Direito Penal nulhtm crimen sine lege, mtlla pena sine lege, da irretroatividade ratione pernsonae e da presunção de inocência estão consagrados no Estatuto e regem o processo perante o Tribunal Penal Internacional. Ao vincularem-se ao Estatuto, os Estados comprometem-se a cooperar plenamente com o Tribunal, tanto no inqué­rito como no processo.

O Estatuto de Roma contém as disposições relativas ao inquérito e ao procedimento criminal (arts. 53 e seguintes), ao julgamento (arts. 62 e seguintes), às penas (arts. 77 e seguintes), aos recursos (arts. 81 e seguintes) e à execução das penas (arts. 103 e seguintes). As penas pre­vistas no Estatuto são a pena de prisão (que pode ser perpétua), a pena de multa e a perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, da prática do crime.

Em que pese ser considerado um dos maiores avanços do Direito Internacional, dez anos após a sua criação e seis após sua entrada em funcionamento, o Tribunal Penal Internacional ainda não julgou nenhum indivíduo. Entre as dificuldades apontadas para o desenvolvimento pleno do Tribunal, merece destaque o fato de que várias potências mundiais não se encontram vinculadas ao Estatuto de Roma. Entre elas estão os Estados Unidos, Israel, China, índia e Rússia.

Os Estados Unidos chegaram a assinar o Estatuto de Roma em de­zembro de 2000, mas depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 e o início da “guerra contra o terrorismo”, julga-se pouco provável que o ratifiquem.

Outra dificuldade apontada é o baixo índice de cooperação por parte dos Estados. Prevê-se que o Estatuto de Roma deve sofrer uma revisão nos próximos anos, na tentativa de solucionar alguns dos problemas veri­ficados com a entrada em funcionamento do Tribunal Penal Internacional, cuja finalidade máxima é garantir-lhe a plena eficácia das suas funções.

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QUESTÕES - PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA

(OAB-RJ/32° Exame) O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) admite, em seu artigo 4.°, a possibilidade de um Estado-parte suspender sua aplicação, “quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente”. O parágrafo 2.° do mesmo artigo não autoriza a suspensão de determinados direitos, entre os quais se destaca(m):(A) a proibição da pena de morte e de tortura e penas ou tratamentos cruéis.(B) a proibição de escravidão e de prisão por não cumprimento de obrigação contratual.(C) a liberdade de pensamento, consciência e religião e proibição de propaganda em favor

da guerra.(D) a iiberdade de expressão e a garantia do princípio da reserva legai.

(CESPE/TRF5/Juiz/20Q6) A Emenda Constitucional n.° 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou às competências dos juízes federais o processo e o julgamento das causas relativas a grave violação dos direitos humanos, após o deferimen­to do pedido em incidente de deslocamento de competência suscitado pelo procurador-geral da República perante o STJ, para assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.

Acerca do alcance e do impacto das obrigações dos Estados-partes nesses tratados, julgue os itens subsequentes, à luz da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

1. A parte da sentença proferida pela Corte interamericana de Direitos Humanos que determinar indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo, pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado, sem excluir a obrigação de promover a responsabilização interna dos agentes causadores da vioiação dos direitos e liberdades protegidos pela Convenção.

2. Um Estado-parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos assume a obrigação geral de respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e de garantir seu livre e pleno exercício apenas aos seus nacionais sujeitos à sua jurisdição.

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310 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

3. Um Estado-parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos pode ser responsa­bilizado internacionalmente pelo descumprimento de obrigações específicas relacionadas com cada um dos direitos e liberdades neia previstos, ainda que esse Estado invoque dispositivo de lei interna ou norma constitucional para tentar justificar o inadimpíemento do tratado, pois, ao ratificar a Convenção, assumiu a obrigação de adotar as medidas legislativas ou de outra natureza que fossem necessárias para tornar efetivos tais di­reitos e liberdades.

4. Um Estado-parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos pode ser responsabi­lizado internacionalmente quando o Poder Judiciário nacional não assegura a aplicação de um recurso simples e efetivo ou incorre em um retardo injustificado em casos de violação de direitos fundamentais reconhecidos pela sua Constituição, por lei ou pela própria Convenção.

5. As obrigações decorrentes da ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanossão de jus cogens, razão pela quaí um Estado-parte somente estará obrigado a cumpri- las se houver reciprocidade em relação aos demais Estados pactuantes.

3. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Com reiação à proteção internacional dosdireitos humanos, julgue os itens que seguem.1. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Gerai da

Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, estabelece os direitos humanos a serem obrigatoriamente cumpridos pelos Estados.

2. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, versa sobre os denominadosdireitos humanos de primeira geração - direitos civis e políticos - , de segunda geração - direitos econômicos, sociais e culturais - e de terceira geração - direito à paz, ao meio ambiente etc.

3. A Convenção Européia de Direitos do Homem, de 1950, criou dois órgãos destinados àgarantia de sua execução, quais sejam, a Comissão Européia de Direitos do Homem e a Corte Européia dos Direitos do Homem, com sede em Estrasburgo.

4. A Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, instituiu, como órgãos compe­tentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados pactuantes, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, aquela sediada em Washington, e esta em San José, na Costa Rica.

5. A Corte interamericana de Direitos Humanos é acessível a pessoas e a instituições privadas.

4. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) No âmbito do Sistema Interamericano de Pro­teção dos Direitos Humanos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos:1. Tem por funções principais promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e

supervisionar sua observância no território de todos os Estados-membros da Orga­nização dos Estados Americanos (OEA), sejam eíes partes ou não na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, além de servir como órgão consultivo da OEA nessa matéria.

2. Atua, no que se refere ao procedimento de recebimento e trâmite de denúncias individuaisde violações de direitos humanos, como instância preliminar e facultativa de acesso à Corte interamericana de Direitos Humanos.

3. Admite petições que contenham denúncias ou queixas de violação da Convenção Intera-mericana de Direitos Humanos por um Estado, ainda que formuladas por um indivíduo, sem a necessidade de este constituir um advogado.

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QUESTÕES - PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA 311

4. Estabelece como requisito de admissibilidade de uma denúncia o prévio esgotamento dos recursos da jurisdição interna do Estado denunciado, ainda que haja demora na apreciação dos mencionados recursos.

5. Não permite a solução consensual, uma vez admitida a denúncia.

5. {CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) No âmbito do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos:1. Admite como partes, no procedimento perante ela realizado, a Comissão Interamericana

de Direitos Humanos, os Estados que declarem reconhecer como obrigatória a sua jurisdição e a vítima ou seu representante legai.

2. Tem competência para atribuir responsabilidade do Estado em relação à violação de outros tratados específicos de direitos humanos.

3. Pode determinar medidas provisórias, ou medidas urgentes, por meio de seu presidente, quando a Corte não estiver reunida, mesmo antes de o caso ter chegado ao seu co­nhecimento, mas somente se tal caso estiver sob exame da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e se esta tiver solicitado as mencionadas medidas.

4. Paralisa o procedimento, quanto ao mérito, uma vez apresentadas exceções preliminarespor parte do Estado demandado.

5. Conta, segundo sua jurisprudência sobre reparações de danos causados a vítimas de violações de direitos humanos, com a possibilidade de desenvolver mecanismos para restabelecer o status quo ante que venha a substituir a mera indenização pecuniária.

GABARITO

1 - 82 - 1 . Certa; 2. Errada;

3. Certa; 4. Certa; 5. Errada.

3 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Certa; 4. Errada; 5.

Errada.4 - 1 . Certa; 2. Errada; 3. Certa; 4. Errada; 5.

Errada.

5 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Certa; 4. Errada; 5.

Certa.

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O DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL

PARTE VII

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INTRODUÇÃO

Sumário: 19.1 O meio ambiente como preocupação da sociedade internacional- 19.2 A Conferência de Estocolmo de 1972 - 19.3 A Conferência do Rio de 1992 - 19,4 A Conferência de Johanesburgo de 2002 - 19.5 Conceito do Direito Internacional Ambiental - 19.6 O quadro institucionaí - 19.7 O pape! de terceiros atores: Ols e ONGs - 19.8 As normas do Direito Internacionai Ambiental e o caráter soft law.

19.1 O MEIO AMBIENTE COMO PREOCUPAÇÃO DA SOCIEDADE INTERNACIONAL

Costuma~se apontar como marco inicial do Direito Internacional Am­biental o ano de 1968 porque dele datam duas Declarações do Conselho da Europa sobre a luta contra a poluição do ar e sobre a proteção dos recursos hídricos, uma Convenção Africana sobre a conservação da natu­reza e a Resolução 2.398 (XXIII), de dezembro de 1968, da Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da qual foi convocada a realização da Conferência de Estocolmo para discussão das matérias relacionadas com a proteção do meio ambiente1.

Entretanto, alguns acontecimentos anteriores denotam que o início da conscientização ecológica da sociedade internacional é anterior ao referido marco. Com efeito, a construção do Direito Internacional Ambiental deu- -se paulatinamente e fundou-se, sobretudo, em princípios que emanaram de decisões arbitrais e de tribunais internacionais.

! Cf. Caria Amado Gomes. Textos dispersos de direito do ambiente. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2005. p. 75-76.

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316 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

O primeiro caso que merece menção é o Trail Smelter Case, que consiste em contencioso arbitrai que opôs os Estados Unidos e o Canadá. Na cidade canadense de Trail, distante apenas cerca de 20 quilômetros da fronteira com os Estados Unidos, funcionava uma fundição que causava forte poluição atmosférica, gerando incômodos e danos aos habitantes de Northport, cidade fronteiriça norte-americana situada no Estado de Washington. Em 1932 o Canadá reconheceu os transtornos causados à população afetada pela poluição transfronteiriça e concordou em subme­ter o caso à arbitragem para que fosse fixado o montante indenizatório devido.

Em 1938 o Tribunal Arbitrai instituído, em sua primeira decisão, determinou o quantum indenizatório relativo aos prejuízos causados pela poluição lançada pela fundição até 1937 e prescreveu medidas destinadas a obstar a continuação daquela situação. Posteriormente, em 1941 o Tribunal proferiu sua decisão final favoravelmente aos Estados Unidos. Na sentença, o tribunal não fixou a indenização referente aos danos posteriores a 1937, mas ordenou que a fundição adotasse medidas de controle da emissão de gases poluentes. A parte mais importante da sentença, contudo, corresponde à formulação de um princípio até hoje referido em declarações e tratados internacionais, segundo o qual “nenhum Estado tem o direito de usar ou permitir o uso do seu território de maneira tal que emanações de gases ocasionem danos dentro do território de outro Estado ou sobre as proprie­dades ou pessoas que aí se encontrem, quando se trata de conseqüências graves e o dano seja determinado mediante prova certa e conclusiva”2. Além de estabelecer a proibição da poluição e danos transfronteiriços, o Tribunal Arbitrai ainda enfatizou a necessidade de cooperação entre os Estados em matéria ambiental.

A decisão do caso Trail Smelter é extremamente importante para o Direito Internacional Ambiental, tendo suas prescrições sido posteriormente consolidadas nos princípios 21 e 22 da Declaração de Estocolmo de 1972, segundo os quais: “os Estados têm o direito soberano de explorar os seus próprios recursos de acordo com a política de ambiente, e a responsabilidade de assegurar que as atividades exercidas nos limites da sua jurisdição, ou sob seu controlo, não prejudiquem o ambiente dos outros Estados ou as regiões situadas fora dos limites de qualquer jurisdição nacional”, assim como “os Estados devem cooperar no desenvolvimento do direito inter­nacional no que concerne à responsabilidade e à indenização das vítimas

2 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público , cit., p. 638.

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Cap. 19 - INTRODUÇÃO 317

da poluição e de outros prejuízos ambientais que as atividades exercidas nos limites da jurisdição destes Estados, ou sob seu controlo, causem às regiões situadas fora dos limites da sua jurisdição”.

Outro caso que deve ser referido é o do Estreito de Cor/u, julgado pela Corte Internacional de Justiça, em 1949, em que se confrontaram o Reino Unido e a Albânia. O caso decorreu da omissão da Albânia em alertar navios britânicos que exerciam o direito de passagem pelo Estreito de Corfii sobre a existência de minas submarinas colocadas no Estreito durante a Segunda Guerra Mundial. Dois navios britânicos foram destruídos pela explosão de minas em 1946, causando a morte de 45 pessoas e ferindo outras 42.

Consoante a decisão da Corte Internacional de Justiça, a Albânia tinha o dever de notificar a todos que exercessem o direito de passagem pelo Estreito de Corfu a existência de minas submarinas em sua costa. Dessa decisão resulta o dever de notificação das fontes de riscos ambientais, consagrado no art. 198 da Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar de 1982 (quando um Estado tiver conhecimento de casos em que o meio marinho se encontre em perigo iminente de sofrer danos por poluição, ou já os tenha sofrido, deve notificá-lo imediatamente a outros Estados que julgue possam vir a ser afetados por esses danos, bem como às organizações internacionais competentes) e no princípio 19 da Declara­ção do Rio de 1992 (os Estados fornecerão, oportunamente, aos Estados potencialmente afetados, notificação prévia e informações relevantes acerca de atividades que possam vir a ter considerável impacto transfronteiriço negativo sobre o meio ambiente, e se consultarão com estes tão logo seja possível e de boa-fé).

Cabe relatar, também, a arbitragem do caso do Lago Lanoivc, que confrontou a França e a Espanha em 1957. A arbitragem versava sobre a utilização de recursos hídricos comuns e o Tribunal Arbitrai terminou por decidir que “o Estado a montante de um rio só pode fazer uso desse re­curso, desde que o Estado a jusante não seja seriamente prejudicado”3.

Não se pode deixar de referir, outrossim, o acontecimento de algumas catástrofes ecológicas que, indubitavelmente, alertaram a sociedade inter­nacional para a necessidade de adoção de medidas universais destinadas à preservação do meio ambiente. Entre elas, destacam-se a do petroleiro Torrey Canyon em 1967, a de Amoco Cádiz, em 1978, e a da usina nuclear de Chemobyl, em 1986.

3 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caselía. Manual de direito internacional público , cit., p. 639.

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318 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

|Foi precisamente o crescimento da poluição transfronteiriça em nível

internacional e da quantidade de tragédias ambientais que mobilizou a sociedade internacional e resultou na convocação, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, era 1968, da realização da Conferência de Estocol­mo para discussão e adoção de medidas destinadas à proteção do meio ambiente.

19.2 A CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO DE 1972

Convocada pela Resolução 2.398 (XXIII) da Assembleia Geral, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizou- -se em Estocolmo, na Suécia, entre 05 e 16.06.1972, tendo reunido 113 Estados, todas as organizações internacionais à época existentes e apro­ximadamente 700 (setecentos) observadores de diversas organizações não governamentais, o que refletiu o crescente interesse da sociedade civil pela matéria.

Para muitos, a Conferência de Estocolmo constitui, no plano jurídico, o verdadeiro ponto de partida para uma percepção global da preocupação com o meio ambiente, tanto na esfera de construção de normas interna­cionais como no desenvolvimento da doutrina específica4.

Além de representar esse despertar ecológico da sociedade interna­cional, a Conferência de Estocolmo inaugurou o “conflito diplomático entre os países desenvolvidos, responsáveis pela maior parte da poluição global e dispostos a atrair a participação dos demais países para a busca de solução conjunta, e os países em desenvolvimento, desinteressados em adotar medidas que poderiam limitar seu potencial de desenvolvimento econômico, despreocupados com problemas ambientais”5.

Dos seus trabalhos resultaram: a Declaração de Estocolmo, contendo 26, entre os quais os decorrentes da decisão do caso Trail Smelter6; o Plano de Ação para o Meio Ambiente, que consiste em 109 recomen­dações relativas à avaliação, gestão e apoio de políticas ambientais; e a resolução que criou o Programa das Nações Unidas para o Meio Am­biente, destinado a promover o desenvolvimento de programas nacionais e internacionais de proteção do meio ambiente.

4 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público , cit., p. 1328-1329.

5 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 640.

6 Cf. item 19.1 supra.

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Cap. 19 - iNTRODUÇÃO 319

A Declaração de Estocolmo de 1972, claramente ecocêntrica, é ex­tremamente importante para o Direito Internacional Ambiental na medida em que consiste no primeiro tratado internacional de alcance universal composto por princípios que objetivam a proteção do meio ambiente. Os princípios nela enunciados são considerados as bases sobre as quais tiveram origem as posteriores normas fundamentais do Direito Interna­cional Ambiental.

Ademais, é a Declaração de Estocolmo de 1972 que enfatiza a relação existente entre a necessidade de preservação do ambiente e a necessidade de desenvolvimento, ao proclamar no seu princípio 8.° que “o desenvol­vimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e criar, na Terra, as condições necessárias à melhoria da qualidade de vida”.

Por isso é que se diz que a Declaração de Estocolmo representa o início da “globalização” do Direito Internacional Ambiental, pois congrega a preocupação dos países desenvolvidos quanto à preservação do meio ambiente com a necessidade de desenvolvimento dos países emergentes. Surgem, portanto, o princípio do desenvolvimento sustentável e o conflito diplomático acima referido.

O grande mérito da Declaração de Estocolmo foi, entretanto, ter procla­mado princípios com valores simbólicos, mas que igualmente repercutem conseqüências jurídicas, uma vez que, em conformidade com as regras de interpretação dos tratados internacionais, devem eles ser interpretados de boa-fé, no seu contexto e de acordo com a sua finalidade7.

E é a partir da Declaração de Estocolmo que se multiplicam os ins­trumentos internacionais destinados à proteção do ambiente, a exemplo da Carta Mundial da Natureza e da Convenção de Montego Bay de 1982.

Mas no período compreendido entre 1972 e 1992 diversas novas ca­tástrofes ambientais aconteceram. Em 1984 ocorreu uma explosão em uma fábrica na cidade de Bhopal, na índia, que matou cerca de 20 mil pessoas e contaminou aproximadamente 200 mil habitantes da região próxima à fábrica. Em 1986 uma fábrica de pesticidas pegou fogo na Basiléia, Suíça, e a água utilizada pelos bombeiros para controlar o incêndio levou para o Rio Reno cerca de 30 toneladas de substâncias tóxicas que contaminaram os demais países banhados pelo rio. No mesmo ano de 1986 também ocorreu a explosão de ura reator de usina nuclear situada em Chemobyl,

7 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daülíer e Allain Pelleí. Direito internacional público, cit., p. 1328-1329.

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320 DiREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

na Ucrânia, acarretando o lançamento de gases radioativos na atmosfera. A gravidade do acidente gerou o aumento dos níveis de radiação em toda a Europa e até mesmo no Japão e na Austrália. Em 1989, um petroleiro da Exxon deixava o porto de Valdez, no Alasca, quando derramou mais de 40 milhões de litros de petróleo, matando quantidade indeterminável de seres marinhos e poluindo severamente o mar da região8.

Além disso, estudos científicos alertaram a sociedade internacional acerca da desertificação, do risco de extinção de várias espécies animais, bem como das mudanças climáticas. Diante de todo esse contexto, as Nações Unidas decidiram convocar uma nova Conferência sobre o meio ambiente, que teve lugar no Rio de Janeiro, em 1992.

19.3 A CONFERÊNCIA DO RIO DE 1992

A Conferência do Rio foi realizada entre 03 e 14.06.1992, contou com a presença de 178 delegações e ficou conhecida como a “Címeira da Terra” ou “Cúpula da Terra” (Earth Summif).

Dela resultaram: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas; a Convenção-Quadro sobre Diversidade Biológica; a Agenda 21; a Declaração de Princípios sobre as Florestas; e a Decla­ração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Além disso, na Conferência do Rio foi instituída a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável, com a função primordial de acompanhar a implementação da Agenda 21.

As convenções-quadro são mais inovadoras pelos mecanismos ins­titucionais que instituíram (a exemplo da Conferência das Partes, órgão supremo da Convenção sobre Mudanças Climáticas) que pelos princípios enunciados. A Agenda 21, comparada ao Plano de Ação para o Meio Ambiente de 1972, é mais detalhada e sistemática, além de mais opera­cional, pois prevê arranjos institucionais de acompanhamento de políticas públicas dos Estados relativamente a aspectos sociais e econômicos do meio ambiente, à conservação e exploração dos recursos naturais com intuito do desenvolvimento, do fortalecimento e participação de grupos importantes e de formas de implementação9.

% Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacionai público, cit., p. 641-642.

9 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Aliam Pellet. Direito internacional público , cit., p. 1331, e Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, c it, p. 642-643.

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Cap. 19 - INTRODUÇÃO 321

Já a Declaração do Rio é mais antropocêntrica que a de Estocolmo. Ela consuma a globalização do Direito Internacional Ambiental iniciada pela Declaração de Estocolmo, ao fundar-se, basicamente, nos princípios do desenvolvimento sustentável, da equidade intergeracional e das res­ponsabilidades comuns, mas diferenciadas. Com isso, agrega de uma vez por todas os Estados desenvolvidos e os em desenvolvimento em matéria de proteção do meio ambiente.

Em apertada, porém oportuna, síntese, os princípios da Declaração do Rio “a) consagram a filosofia da proteção dos interesses das presen­tes e futuras gerações; b) fixam os princípios básicos para uma política ambiental de abrangência global, em respeito aos postulados de um Di­reito ao Desenvolvimento, desde há muito reivindicados pelos países em vias de desenvolvimento; c) em decorrência dos mencionados princípios básicos, consagram a luta contra a pobreza, e recomendam uma política demográfica; e d) reconhecem o fato de a responsabilidade de os países industrializados serem os principais causadores dos danos já ocorridos ao meio ambiente mundial” '0.

19.4 A CONFERÊNCIA DE JOHANESBURGO DE 2002

Passados dez anos da Conferência do Rio, em setembro de 2002 foi realizado o Fórum Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo, na África do Sul. Também conhecida como Rio + 10, a Conferência de Johanesburgo não foi vista com tanto entusiasmo quanto às de Estocolmo e do Rio, tampouco apresentou muitos avanços quando comparada a elas.

Na oportunidade, foram avaliados os avanços até então obtidos e ampliadas as finalidades para as chamadas metas do milênio. Essas metas gerais visam, além de garantir a sustentabilidade ambiental, a erradicação da fome e da miséria, alcançar uma mínima educação primária com opor­tunidades iguais para homens e mulheres, reduzir a mortalidade infantil e “desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento que inclua sistemas internacionais de comércio e financiamento não-discriminatórios que atenda às necessidades especiais de países em desenvolvimento, aliviando suas dívidas externas”11. No entanto, a estipulação de metas concretas quantificáveís para a implementação da Agenda 21 foi obstada por vários países industrializados.

10 Cf. Guido Fernando Silva Soares. Direito internacional do meio ambiente. São Paulo:Atlas, 2001. p. 79.

M Cf. Sidney Guerra. Direito internacional público, cit., p. 259-260.

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322 DIREfTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Da Conferência resultaram o Plano de Implementação do Fórum Mun­dial sobre Desenvolvimento Sustentável e a Declaração de Johanesburgo sobre o Desenvolvimento Sustentável, pela qual as partes assumiram o compromisso da “responsabilidade coletiva de fazer avançar e fortalecer os pilares interdependentes e que se sustentam mutuamente do desenvol­vimento sustentável - desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental - nos âmbitos local, nacional, regional e global”. A partir de então, o desenvolvimento sustentável passou a ser compreendido na tríade desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental.

Infelizmente, após a Conferência de Johanesburgo não se constaram muitos avanços no Campo do Direito Internacional Ambiental que a ela possam ser atribuídos. No entanto, “representou ponto positivo a cons­tatação quanto ao fato de que, se por um lado os estados não estavam dispostos a criar novos instrumentos jurídicos, passou-se o foco para a implementação dos instrumentos existentes”32.

19.5 CONCEITO DO DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL

Os tópicos anteriores mostram, em linhas gerais, como se deu a cons­cientização da sociedade internacional relativamente ao meio ambiente e a evolução da construção do Direito Internacional Ambiental. Mas ainda não oferecemos o seu conceito. Para viabilizar a correta definição do Direito Internacional Ambiental, é preciso antes conceituar o seu objeto, qual seja o meio ambiente. Os diversos critérios passíveis de utilização para defini-lo variam conforme a ótica de quem o analisa. O que nos interessa, todavia, é a concepção jurídico-intemacional do meio ambiente.

Para a Corte Internacional de Justiça, o meio ambiente não é uma abstração, mas antes representa o espaço onde vivem os seres humanos e de que dependem a sua qualidade de vida e sua saúde, inclusive para as gerações vindouras13. Portanto, o meio ambiente não pode ser com­preendido senão pela união dos mais variados elementos necessários à vida, tal como os recursos naturais, a água, o sol, a fauna, a flora, etc.

n Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 651.

13 Cf. parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça de 08.07.1996 sobre a Licitude da ameaça do emprego de armas nucleares, ICJ Reports, 1996, par. 29: “The Court also recognizes that the environment is not an abstraction but represents the living space, the quality of life and the very health of human beings, inciuding generations unbom”.

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Cap. 1 9 - INTRODUÇÃO 323

Sinteticamente, o meio ambiente consiste no conjunto de recursos naturais, renováveis e não renováveis, e suas interdependências14.

Nesse esteio, o Direito Internacional Ambiental se apresenta como o conjunto de normas jurídicas internacionais destinado à proteção do meio ambiente, isto é, de todos os elementos necessários à vida humana.

Em bom rigor, não se deve confundir o Direito do ambiente com o Direito ao ambiente. Enquanto o primeiro versa sobre normas que pre­tendem gerir, conservar e preservar os recursos ambientais e suas inter­dependências, este é mais relacionado com o direito que se tem de viver em um ambiente são e é por alguns considerado, inclusive, um direito fundamental da pessoa humana15.

O conceito do Direito Internacional Ambiental revela o seu caráter funcional, na medida em que busca esse ramo do Direito enquadrar as atividades humanas nocivas ao meio ambiente ou que sejam capazes de atentar contra ele, oferecendo mecanismos destinados à sua proteção.

Em que pese a sua autonomia em relação ao Direito Internacional Público clássico ainda não ser nítida, o Direito Internacional Ambiental apresenta algumas características peculiares, quando comparado àquele. Como exemplo podemos citar: a soberania estatal é muito mais limitada em matéria ambiental, porque, embora os Estados possam explorar os seus recursos naturais, devem assegurar-se de que tais atividades não prejudiquem os demais; os atores não estatais (sobretudo as organizações não governamentais) desempenham no Direito Internacional Ambiental papel significativamente mais relevante que no Direito Internacional Pú­blico clássico; o princípio da igualdade soberana é mitigado pelo Direito Internacional Ambiental, uma vez que a igualdade soberana dos Estados não representa uma uniformidade das suas obrigações, nomeadamente pelo reconhecimento do princípio das responsabilidades comuns, mas diferen­ciadas; e, cientes de que a poluição efetivamente não conhece fronteiras, constata-se uma obrigação de cooperar mais permanente e acentuada dos Estados em questões ambientais.

19.6 O QUADRO INSTITUCIONAL

O corpo institucional internacional dedicado à proteção do meio ambiente é marcado pela pluralidade de instituições, o que não necessa­riamente parece ser benéfico para a proteção e a conservação dos recur­sos naturais. Diversas instituições criadas pelas Nações Unidas e pelos

14 Cf. Carla Amado Gomes. Textos dispersos de direito do ambiente, cit., p. 15.15 Cf. item 16.5 supra.

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324 DIREiTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

|tratados internacionais em matéria ambiental coexistem e falta-lhes maior integração para a realização de ações conjuntas mais eficazes.

De todo modo, merecem referência o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme — UNEP), a Comissão de Desenvolvimento Sustentável e o Fundo Internacional para o Ambiente Mundial.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente foi criado no seguimento da Conferência de Estocolmo de 1972 e é órgão subsidiário da Assembleia Geral, destituído de personalidade jurídica própria. Suas principais funções são: (i) promover a cooperação internacional no domínio do meio ambiente e recomendar as políticas para este fim; (ii) recomendar os programas relativos ao meio ambiente no quadro das Nações Unidas e de supervisionar sua aplicação; (iii) monitorar a situação do meio am­biente no mundo e encorajar a pesquisa e a difusão de informação nesse particular; (iv) avaliar as medidas nacionais e internacionais em matéria ambiental; e (v) gerir os programas do Fundo do Meio Ambiente16.

A Comissão de Desenvolvimento Sustentável foi criada pela Assembleia Geral em dezembro de 1992 com o objetivo de manter viva a Confe­rência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que teve lugar no Rio de Janeiro naquele mesmo ano. A Comissão é um órgão subsidiário do Conselho Econômico e Social e é responsável pelo monitoramento do progresso relativo à implementação da Agenda 21 e da Declaração do Rio. E considerado o mais alto fórum em matéria de desenvolvimento sustentável no âmbito do sistema das Nações Unidas.

O financiamento desses mecanismos institucionais e das suas ações é bastante dispendioso. Acolhendo uma iniciativa da França, foi criado, no seio do Bird, um Fundo afetado especialmente ao ambiente internacional: o Fundo Internacional para o Ambiente Mundial (FAM). Este Fundo é dotado de importantes recursos e, após a sua criação, passou-se da mera assistência técnica à concreta assistência financeira de instituições e ações voltadas para o meio ambiente17.

19.7 O PAPEL DE TERCEIROS ATORES: OIS E ONGS

Já se referiu que na ordem jurídica internacional contemporânea os Estados perderam parcela da sua importância para outros atores da sociedade

16 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Dailiier e Aliain Pellet. Direito internacional público , cit., p. 1304.

17 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Dailiier e Aliain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1305-1306.

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Cap. 19 - INTRODUÇÃO 325

internacional;, em especial para as organizações internacionais, sobretudo após a criação da Organização das Nações Unidas. No Direito Internacional Ambiental, a presença de terceiros atores é muito mais marcante quando comparada àquela que se verifica no Direito Internacional Público clássico. Com efeito, em matéria ambiental, as organizações internacionais e as organizações não governamentais dedicadas ao meio ambiente desempe­nham papel extremamente importante no cenário internacional, não sendo demais defender que tais organizações são essenciais para a construção, a manutenção e a evolução do Direito Internacional Ambiental.

Atualmente existem potentes organizações não governamentais dedi­cadas ao meio ambiente, cujos principais expoentes são o Greenpeace, os Amigos da Terra, o World Wide Fund for Nature (WWF) e a Fundação Cousteau. Essas ONGs assumem uma dupla função interessante: por um lado, atuam como organizações privadas de ajuda ao desenvolvimento sustentável de países em vias de desenvolvimento, enquanto, por outro lado, operam como grupos de pressão “desejosos de defender os valores ecológicos e de promover a sua tradução em normas jurídicas efetivamente aplicadas”18.

O ativismo das ONGs exprime-se claramente na formação das normas jurídicas internacionais, sobretudo pela presença ativa nas grandes con­ferências internacionais em que são negociados os instrumentos jurídico- -intemacionais voltados à proteção do meio ambiente, como foi o caso das Conferências de Estocolmo de 1972 e do Rio de 1992, nas quais inúmeras ONGs estiveram presentes.

19.8 AS NORMAS DO DIREITO IN TERN ACIO N A L AMBIENTAL E O CARÁTER SO FT LAW

O Direito Internacional Ambiental reconhece as fontes clássicas do Direito Internacional Público, mas não há como negar que os tratados internacionais são, de fato, as suas principais fontes. Isto não pode signi­ficar, todavia, que os tratados são a única fonte do Direito Internacional Ambiental. Na verdade, alguns princípios especiais como o do poluidor- -pagador e da responsabilidade por poluição transfronteíriça, presentemente codificados em tratados internacionais, parecem ser normas costumeiras do Direito Internacional Ambiental19.

18 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Idem, p. 1307.19 “Não há consenso na literatura sobre quais os princípios das Declarações de Estocolmo e

do Rio de Janeiro atingiram o status de normas consuetudinárias de direito internacional

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326 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Geralmente com o auxílio direto de organizações não governamentais especializadas em matéria ambiental, os Estados reúnem-se em conferências internacionais para elaborar convenções-quadro em que são enunciados os princípios que servem de fundamento para a cooperação entre as partes, cabendo a elas definir, em acordos separados, as modalidades dessa coo­peração e, se for o caso, criar as instituições adequadas para esse fim20. Quer isto dizer que as convenções-quadro são a origem da atividade convencional, que se consolida continuamente com o passar do tempo.

Em bom rigor, a convenção-quadro costuma estabelecer princípios não vinculativos, cabendo às partes, a título de complementação, adotar novos acordos e protocolos em que estipulem obrigações mais precisas. Veja-se, como exemplo, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que, em seu art. 17, prevê a conclusão de protoco­los abertos às partes, que fundamentou a adoção do Protocolo de Quioto em 1997, o qual define com maior clareza e exatidão os compromissos assumidos na Conferência de 199221.

O certo, porém, é que os próprios acordos e protocolos relativos às convenções-quadro nem sempre têm sucesso em impor obrigações de caráter vinculante às partes, quer por estipularem compromissos que dificilmente são alcançados, quer porque não contêm um mecanismo de sanção eficaz para a responsabilização internacional ambiental ou ainda porque os Estados, fundados na soberania, simplesmente entendem por não respeitar fielmente aqueles compromissos.

Deste modo, em que pese a significativa quantidade de instrumentos internacionais destinados à preservação do meio ambiente, isto não impli­ca, necessariamente, uma melhor proteção, até mesmo porque a eventual força imperativa e obrigatória das convenções-quadro existentes esbarra na recusa dos Estados em autolimitar-se no seu direito de exploração e utilização dos recursos naturais situados em seus territórios. Por isto é que se diz que o soft law22 impera no Direito Internacional Ambiental23.

geral.” Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Pauio Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 643.

20 Cf. Alexandre Kiss. Les traités-cadres: une techinique caraetéristíque du droit intemationai de renvironnement. Annuaire Français de Droit International, p. 792-797, 1993.

21 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1311.

-2 Cf. item 1.7 supra.23 Cf. Ulrich Fastenrath. Relative normativity in International Law. European Journal o f

International Law, v. 4, p. 305-340, 1993.

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Cap. 19 - INTRODUÇÃO 327

As normas de soft law são aquelas “brandas” ou “moles”, cuja subs­tância mais representa uma diretiva de comportamento que obrigações de resultado propriamente ditas. O conceito de soft law é normalmente relacionado com normas que contêm verbos de natureza programática como favorecer, esforçar e promover e a princípio o seu descumprimento não acarreta maiores prejuízos ao seu destinatário, por se tratar mais de incitações comportamentais, que verdadeiras obrigações jurídicas.

Entretanto, Pierre-Marie Dupuy destaca que a noção de soft law não se restringe às normas que contenham os citados verbos. Para que reste configurada essa natureza, é preciso analisar o contexto geral (formal e substancial) do compromisso em questão e, nomeadamente, a prática dos Estados destinatário das normas24.

Contribui, ainda, para conferir o caráter de “moleza” às normas do Direito Internacional Ambiental o fator temporal. A imensa maioria das normas prevê planos de ação e resultados que não são aferidos imediata­mente. Na verdade, predomina a noção de desenvolvimento sustentável, que implica uma ação a longo “e mesmo a muito longo prazo visto que a ação para o ambiente deve ser encarada no interesse das gerações pre­sentes e futuras”25.

Finalmente, o fato de ser necessário o consentimento do Estado para submeter-se à jurisdição da Corte Internacional de Justiça e a inexistência de um Tribunal Internacional para o Meio Ambiente colaboram para a natureza soft law das normas do Direito Internacional Ambiental. Tendo em vista que a proteção do meio ambiente é de interesse de todos e so­bretudo das gerações vindouras, defendemos, assim como grande parte da doutrina, a criação de um Tribunal Internacional para o Meio Ambiente, com competência para fiscalizar e aplicar as normas de proteção do meio ambiente e, principalmente, para impor sanções aos atores internacionais que transgridam as referidas normas ou causem danos ambientais nos seus territórios, assim como para além dos seus limites territoriais. As inicia­tivas para a criação de um Tribunal Internacional para o Meio Ambiente têm encontrado, no entanto, resistência dos próprios Estados que podem ser diretamente prejudicados por suas decisões.

24 Cf. Pierre-Marie Dupuy. Soft law and the Internationa! Law o f the Environraent. Michigan Journal o f International Law, v. 12, p. 430-431, 1991.

25 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Dailiier e Aliain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1313.

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PRINCÍPIOS GERAIS

Sumário: 20.1 Generalidades - 20.2 Desenvolvimento sustentável - 20.3 Equidade intergeracionai - 20.4 Responsabilidades comuns, mas diferenciadas- 20.5 Obrigação de cooperar - 20.6 Prevenção e precaução - 20.7 Poluidor-pagador.

20.1 GENERALIDADES

As Declarações de Estocolmo de 1972 e do Rio de Janeiro de 1992 enunciam vários princípios gerais de Direito Internacional Ambiental, entre os quais citamos: a soberania sobre os recursos naturais sob ju­risdição do Estado; a responsabilidade por poluição transfronteiriça; o desenvolvimento sustentável; a equidade intergeracionai; o aproveitamento racional dos recursos naturais; a cooperação assistencial com os Estados menos desenvolvidos; as responsabilidades comuns, mas diferenciadas; a promoção da investigação científica; a prevenção e precaução; a obrigação de cooperar; o poluidor-pagador; a necessidade de avaliação de impactos ambientais; a informação de eventos inesperados lesivos ao ambiente; a notificação tempestiva de informações sobre atividades potencialmente geradoras de danos transfronteiriços; a inderrogabilidade da proteção ambiental em tempo de guerra; e a preferência pela resolução pacífica dos litígios ambientais.

E importante destacar que o fato de alguns desses princípios poderem ter caráter vinculante não quer dizer que deles decorra necessariamente uma norma de conduta. Em regra, com ensina Hildebrando Accioly, a norma de conduta não é característica dos princípios, pois o que se pre­tende com o estabelecimento dos princípios é conferir valores gerais sem

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330 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

obrigatoriamente orientar comportamento específico1. Quando tratamos das convenções-quadro, mencionamos que os princípios nelas contidos se prestam a direcionar o processo futuro de formação de normas comple- mentares (acordos, protocolos) que estabelecem condutas mais precisas. Em outras palavras, o que fazem os princípios é estabelecer stantards para a execução das convenções e tratados2.

Não há como negar a importância dos princípios gerais do Direito Internacional Ambiental. Ateremo-nos, todavia, aos princípios do desen­volvimento sustentável, da equidade intergeracionai, das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, da prevenção e precaução, da obrigação de cooperar e do poluidor-pagador.

20.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O princípio do desenvolvimento sustentável é atualmente considerado a matriz conceituai que inspira o Direito Internacional Ambiental no seu conjunto3 e está estreitamente relacionado com os princípios das respon­sabilidades comuns, mas diferenciadas e da equidade interger acionai e sua importância pode ser extraída da criação, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (ver item19.6 supra), subordinada ao Conselho Econômico e Social, cuja atribuição principal é monitorar a sua aplicação.

O desenvolvimento sustentável está presente na Declaração de Estocol­mo de 1972 (princípios 1, 2, 5, 8 e 13), mas foi solenemente proclamado por vários princípios da Declaração do Rio de 1992:

“Princípio 1: Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva,

' em harmonia com a natureza.Princípio 3: O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a

permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvol­vimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras.

1 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit.f p. 644.

2 Cf. Daniel Bodansky. The United Nations Framework Convention on Climate Change: a commentary. Yale Journal o f International Law , v. 18, p. 451-558, 1993.

3 Cf. Pierre-Marie Dupuy. Oü en est le droit International de 1'environnement à Ia fin du síècle?. Revue Générale de Droit International Public, p. 886, 1997.

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Cap. 20 - PRINCÍPIOS GERAIS 331

Princípio 4: Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.

Princípio 5: Para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir as disparidades de pa­drões de vida e melhor atender às necessidades da maioria da população do mundo.

Princípio 27: Os Estados e os povos irão cooperar de boa fé e imbuídos de um espírito de parceria para a realização dos princípios consubstanciados nesta Declaração, e para o desenvolvimento progressivo do direito interna­cional no campo do desenvolvimento sustentável”.

Nunca é demais lembrar que o princípio em apreço foi o objeto central da Conferência de Johanesburgo de 2002, oportunidade em que passou a ser indissociável do desenvolvimento econômico, do desenvolvimento social e da proteção ambiental (ver item 19.4 supra).

O preâmbulo do acordo que instituiu a Organização Mundial do Comér­cio também faz referência ao princípio do desenvolvimento sustentável ao informar como um dos objetivos da Organização o de permitir aperfeiçoar a “utilização dos recursos mundiais em consonância com o objetivo de um desenvolvimento sustentável que procure proteger e preservar o meio ambiente e aperfeiçoar os meios para atingir esses objetivos, de um modo compatível com as respectivas necessidades e preocupações a diferentes níveis de desenvolvimento econômico”.

No fundo e era última análise, o princípio do desenvolvimento sus­tentável consiste em conciliar a proteção do meio ambiente almejada pelos países industrializados com a necessidade de desenvolvimento dos países em vias de crescimento. Os mecanismos para a consecução deste objetivo dependem, portanto, de uma ação conjunta e coordenada de todos os países do mundo, na medida em que reclama por uma harmonização sublime do desenvolvimento econômico e social e da proteção do meio ambiente.

20.3 EQUIDADE INTERGERACIONAL

O princípio da equidade intergeracional está intimamente ligado com o desenvolvimento sustentável e tem como pano de fundo a consciência de que os recursos naturais são esgotáveis e não renováveis. O princípio

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em comento impõe aos Estados o dever de adotar medidas no sentido de que as atividades exercidas para a satisfação das necessidades atuais não prejudiquem e afetem a vida das gerações vindouras.

Ele está enunciado no princípio 3 da Declaração do Rio nos seguin­tes termos: “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desen­volvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras”. Em poucas palavras, quer o princípio da equidade intergeracionai dizer que “a satisfação das necessidades imediatas das gerações presentes não deve comprometer o bem-estar das gerações futuras”4.

20.4 RESPONSABILIDADES COMUNS, MAS DIFERENCIADAS

Na mesma linha de raciocínio tem-se o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, derivado do princípio 7 da Declaração do Rio: “(...) considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam”,

Este princípio contém duas ideias centrais; a primeira tem a ver com o futuro, enquanto a segunda diz respeito ao passado. Em primeiro lugar, reconhece-se que sobre toda a sociedade internacional pesa a obrigação de preservação do meio ambiente, cabendo a todos os Estados, indepen­dentemente do seu nível de desenvolvimento e capacidade econômica e tecnológica, adotar medidas competentes para esse fim. Em segundo, o princípio reconhece que os meios utilizados pelos países industrializados nos últimos dois séculos para se desenvolverem têm grande parcela de contribuição para o atual estágio de degradação ambiental global. Portanto, em que pese a aquiescência quanto à existência de uma responsabilidade universal em matéria de meio ambiente, admite-se que a responsabiliza­ção uniforme dos Estados seria injusta. Logo, os Estados desenvolvidos têm obrigações mais severas que os Estados em crescimento, de modo a possibilitar que estes também possam se desenvolver5.

4 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público . cit., p, 1333.

5 Tome-se como exemplo o Protocolo de Quioto de 1997 à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que impõe metas de redução da emissão de gases

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Cap. 20 - PRINCÍPIOS GERAIS 333

Há países desenvolvidos que negam que a diferenciação da respon­sabilidade é fundada em razões históricas, mas antes afirmam que tal compensação decorre da capacidade superior dos países industrializados em contribuir para a defesa do meio ambiente6. A nosso ver, com essa opinião os Estados pretendem, na verdade, rechaçar qualquer reconhecimento de que contribuíram mais fortemente para a degradação ambiental.

Na linha do desenvolvimento sustentável, o princípio das responsabili­dades comuns, mas diferenciadas, se revela importante justamente porque permite impulsionar uraa maior cooperação entre países desenvolvidos e em crescimento, de modo a conjugar o ideal de proteção do meio ambiente daqueles com o desejo e necessidade de desenvolvimento destes.

20.5 OBRIGAÇÃO DE COOPERAR

O princípio da obrigação de cooperar parece ter um caráter mais imperativo que o simples princípio da cooperação. Ele tem por razão imediata a percepção de que os fenômenos naturais desconhecem as fronteiras. Quer isto dizer que para o Direito Internacional Ambiental todo o dano causado ao meio ambiente é, por natureza, transfronteiriço e, consequentemente, causa prejuízos a todos. Destarte, a proteção do meio ambiente só é possível quando houver uma participação cooperativa de todos os Estados, porquanto ações isoladas surtirão pouco efeito para a preservação do meio ambiente7.

Presente na primeira parte do princípio 7 da Declaração do Rio (os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre), ele também tem duas faces. A obrigação de cooperar traduz-se, para o Estado causador da poluição, em um dever de notificação8 da superveniên- cia do dano e de informação sobre a situação e, para os demais Estados, no dever de prestar assistência nos limites das suas capacidades. Assim,

causadores do efeito estufa a países industrializados, mas não o faz em relação aos países em desenvolvimento, embora estabeleça mecanismos de interação e cooperação entre eles, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

6 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 650.

7 Cf. Lavanya Rajamani. The Principie o f Common but Differentiated Responsibiiity and the Balance o f Commitments under the Climate Regime. Review o f European Community& International Environrnenial Law , v. 2, p. 120-131, 2000.

8 Ver item 19.1 supra, quando tratados do caso do Estreito de Corfu.

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334 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

produz efeitos a montante, como vista à prevenção dos danos transfron- teiriços e a jusante, para limitar os prejuízos, uma vez produzidos9.

Conforme referido, o princípio da obrigação de cooperar é consi­derado uma originalidade do Direito Internacional Ambiental porque aqui é bastante mais permanente que no Direito Internacional Público Clássico.

20.6 PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO

Seria incoerente tratar dos princípios em questão sem antes mencionar o caso do Projeto Gabcikovo-Nagymaros50.

Trata-se de caso julgado pela Corte Internacional de Justiça em 25.09.1997, no qual litigaram a Hungria e a Eslováquia. Em 1977, as partes concluíram um tratado para a construção conjunta de diques e barragens no Rio Danúbio, cujo aproveitamento beneficiaria as duas. Ocorre que, em 1989, a Hungria suspendeu os trabalhos de execução da construção da barragem, sob a alegação de encontrar-se em estado de necessidade ecológica.

A interrupção dos trabalhos por parte da Hungria foi fundamentada em estudos de peritos que supostamente haviam detectado graves con­seqüências para o meio ambiente caso a obra tivesse prosseguimento. Entretanto, os peritos não informaram claramente quais seriam os pos­síveis danos ecológicos, tampouco afirmaram se a construção acarretaria conseqüências prejudiciais ou mesmo se elas seriam irreversíveis ou não. Na dúvida, sugeriram ao governo húngaro que interrompessem a obra, o que efetivamente ocorreu.

A Corte Internacional de Justiça entendeu que um risco de degrada­ção ambiental desprovido de um considerável grau de certeza, tal como invocado pela Hungria como justificativa para o desrespeito do tratado de 1977, não pode ensejar o descumprimento de deveres assumidos no plano internacional. Na decisão, a Corte reconhece a existência do princípio da prevenção, que impõe o dever de resguardar a superveniência de danos ao meio ambiente, quando sua probabilidade seja demonstrada.

9 Cf. Nguyen Quoc Dinth, Patrick Daillier e Ailain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1338.

10 Cf. J. Fitzmaurice. The Ruling of the International Court o f Justice in the Gabcikovo- Nagymaros Case: a Criticai Analysis. European Environmental Law Review, v. 9 (3), p. 80-87, 2000.

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Cap. 20 - PRINCÍPIOS GERAIS 335

É a natureza invariavelmente irremediável e irreparável dos danos ambientais que justifica esse dever que têm as partes de adotar as me­didas pertinentes para a prevenção da sua ocorrência. A avaliação de impacto ambiental e o estudo de impacto ambiental derivam do princípio da prevenção, na medida em que com eles o que se procura saber, na verdade, é quais os danos que determinada atividade humana causará ao meio ambiente. Caso os prováveis danos sejam considerados graves e exista certo grau de certeza a respeito, o princípio da prevenção impõe a não realização da atividade nociva. Do contrário, caso não se vislum­bre a ocorrência de danos, o princípio da prevenção implica o dever de executar com cautela as atividades, de modo a evitar a superveniência de algum prejuízo ambiental.

Claro está, o princípio da prevenção cuida da probabilidade da ocorrência de riscos ao meio ambiente, porque obriga uma antecipação da ação protetora perante a iminência de perigos para ele, quando existe uma respeitável parcela de certeza em relação a esses perigos11.

O princípio da prevenção é por vezes relacionado com a responsabili­dade ex ante, haja vista que se entende que os Estados têm, efetivamente, o dever de adotar providências preventivas em matéria ambiental; caso contrário, cometem um ato internacionalmente ilícito, passível de respon­sabilização internacional12.

Por seu turno, o princípio da precaução encontra-se enunciado na Declaração do Rio: “com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acor­do com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (princípio 15).

O princípio da precaução, ao que parece, dilata a extensão da postura cautelar que se deve adotar relativamente aos riscos ambientais, porque, enquanto a “prevenção tradicional lida com a probabilidade, a precau­ção vai além, cobrindo a mera possibilidade - e mesmo a descoberto de qualquer base de certeza científica”. De acordo com o princípio em comento, os agentes potencialmente poluidores teriam, previamente ao

!i Cf. Carla Amado Gomes. Textos dispersos de direito do ambiente, cií., p. 147.12 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit.,

p. 1334.

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336 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

desenvolvimento de uma intervenção, que demonstrar “sua inocuidade relativamente ao ecossistema”13.

O princípio da precaução tem como sua principal marca a proteção do ambiente ainda que exista incerteza científica relativamente aos danos em potencial. Ele determina que, quando os Estados não tiverem certeza científica quanto aos efeitos de uma determinada intervenção, a ativi­dade deve ser proibida em nome da necessidade de proteção do meio ambiente14.

Há sérios debates sobre a existência do princípio da precaução. Isto porque, embora enunciado na Declaração do Rio de 1992, a decisão da Corte Internacional de Justiça no caso Gabcikovo-Nagymaros afastou a sua aplicação, ao entender que o mero risco de degradação ambiental desprovido de um respeitável grau de certeza não era bastante para jus­tificar a interrupção das obras por parte da Hungria.

Carla Amado Gomes não reconhece a existência de um princípio da precaução. Para a autora, “o que subsiste e se reforça é um princípio de prevenção, de perigos e riscos, em que a imposição de restrições às actuações potencialmente lesivas do meio ambiente aumenta na medida da compravabilidade (da gravidade) dos danos e que se baseia numa atitude ponderativa de interesses em presença”. Prossegue dizendo que o princípio da precaução se traduz em uma hipervalorização dos valores ambientais e que “em toda sua radicalidade, conduz à paralisia e mesmo à regressão”15.

O confronto entre os princípios da prevenção e da precaução pode ser assim resumido: a prevenção aplica-se quando se sabe quais as conse­qüências de iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causai é cientificamente comprovado, ou seja, é certo. No princípio da precaução, opta-se por prevenir porque não se podem saber quais as conseqüências que determinado empreendimento causará ao meio ambien­te. Há incerteza científica em relação aos reflexos da atividade humana.

Para todos os efeitos, quer se trate de prevenção, quer de precaução, são considerados deveres relacionados à ideia: (i) promover a investigação científica; (ii) divulgar todas as informações relacionadas com a proteção ambiental; (iii) cooperar ativamente no sentido da criação de normas; (iv)

13 Cf. Carla Amado Gomes. Textos dispersos de direito do ambiente, cit., p. 143-144.w Cf. Farhana Yamin e Joanna Depíedge. The International Climate Change Regime: a guide

to rales, ínstitutions and procedures. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p . 70-71.

15 Cf. Carla Amado Gomes. Textos dispersos de direito do ambiente, cit., p. 150-174.

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Cap. 20 - PRINCÍPIOS GERAIS 337

proceder à notificação de situações de ameaça ou de emergência ambien­tal; (v) promover a participação da opinião pública nos procedimentos decisórios, tornando acessível a informação; (vi) realizar procedimentos de avaliação de impacto ambiental e de risco ambiental; (vii) estabelecer parâmetros decisórios fundados no princípio da proporcionalidade, ten­tando harmonizar os interesses de acordo com a lógica fim-meio; (viii) estabelecer cláusulas de revisão das decisões de acordo com os avanços técnicos; e (ix) instituir mecanismos de avaliação periódica de riscos e efeitos da poluição16.

20.7 POLUIDOR-PAGADOR

O princípio do poluidor-pagador está enunciado em diversos instru­mentos nacionais, regionais e internacionais que confirmam o seu caráter obrigatório enquanto princípio geral de direito e como norma consuetudi- nária. De acordo com o princípio do poluidor-pagador, o operador de uma atividade que venha a causar um dano ao meio ambiente deve reparar os respectivos prejuízos17.

Ele está previsto, por exemplo, na Declaração do Rio: “as autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos am­bientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da polui­ção, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais” (princípio 16).

Ao contrário do que se pode pensar e de como entende parte da dou­trina intemacionalista, o princípio do poluidor-pagador não se confunde com a responsabilidade internacional em matéria ambiental.

Hildebrando Accioly ensina que a razão de ser da norma está no fato de que, durante décadas, os Estados e agências de fomento nacionais sub­sidiaram atividades poluidoras na ânsia de promover o desenvolvimento econômico, mas os custos da degradação eram socialmente compartilha­dos. O princípio do poluidor-pagador determina então a “intemalização no ordenamento de mecanismos e instrumentos de responsabilidade e de medidas preventivas que tomem o poluidor o único a arcar com os custos ambientais advindos do seu negócio”. Este princípio pretende desesti­

16 Cf. Carla Amado Gomes. ídem, p. 157-158.17 Cf. Nguyen Quoc Diah, Patrick Daiilier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit.,

p. 1325.

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mular “as atividades que lucram com a adoção de padrões de qualidade ambiental muito baixos em detrimento de atividades concorrentes que adotem Standards mais avançados e, por conseguinte, mais custosos. Em vez de atribuir estes custos ao Estado, aos investidores e à própria comunidade internacional, o empreendedor deve integrar esses custos na sua produção18.

18 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 649.

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BREVE ANÁLISE SETORIAL

Sumário: 21.1 Cursos d’água e territórios marinhos - 21.2 Poluição atmosférica — 21.3. Proteção da diversidade biológica - 21.4 Proteção das florestas contra a desertificação.

21.1 CURSOS D’ÁGUA E TERRITÓRIOS MARINHOS

No tocante aos cursos d ’água internacionais, a preocupação tem ori­gem na poluição causada pela utilização agrícola e industrial de vários rios e lagos internacionais. Assim como ocorre no Direito Internacional Ambiental em geral, o sucesso e a eficácia de qualquer medida de pro­teção dependem da cooperação dos Estados envolvidos.

O Plano de Ação para o Meio Ambiente adotado na Conferência de Estocolmo de 1972 contém recomendações relativas à preservação dos cursos d7água internacionais. Todavia, tanto as suas recomendações quanto as disposições da Carta da Água adotada pelo Conselho da Europa em 1968 foram aplicadas de forma gradual, tendo em vista as dificuldades encontradas, sobretudo pela heterogeneidade política e pela desigualdade dos níveis de desenvolvimento econômicos dos diversos Estados ribei­rinhos1.

O quadro convencional relativo a questões ambientais relacionadas com os cursos d’água internacionais é marcado pela existência de convenções multilaterais de aplicação mais ampla. No entanto, predominam os trata­

1 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Allain Pellet. Direito internacional público, cit.,

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340 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

dos particulares que tratam de certas bacias fluviais, tomando o regime jurídico internacional ambiental bastante complexo. Merecem referência a Convenção de Helsinque sobre a Proteção e Utilização dos Cursos Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais de 1992, completada pelo Protocolo de Londres de 1999 sobre a Água e a Saúde e a Convenção das Nações Unidas sobre a Utilização dos Cursos de Água Internacionais para Fins Diferentes da Navegação de 1997.

Desses instrumentos é possível extrair alguns princípios gerais como o da utilização equitativa e racional dos recursos naturais, da obrigação de não causar danos (isto é, o princípio da utilização não danosa), da obrigação de cooperar, da transparência, da prevenção e da precaução, entre outros.

No que diz respeito aos territórios marinhos, releva enfatizar que as diversas catástrofes ocorridas, como a do petroleiro Torrey Canyon em 1967 e a do Amoco Cadiz, em 1978, demonstraram a patente necessidade de se adotarem instrumentos internacionais universais destinados à sua proteção.

O Direito Internacional Ambiental nessa matéria também é bastante heterogêneo. Existem: a Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca da Baleia de 1946; a Convenção de Londres sobre a Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos de 1972; a Convenção Internacional para Prevenção da Poluição Proveniente de Embarcações de 1973; além de muitos outros instrumentos.

Em 1982, foi adotada em Montego Bay, na Jamaica, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que não apenas oferece a regulamentação jurídico-intemacional aos espaços marinhos internacionais, como também dispõe sobre direitos e deveres dos Estados relativamente à proteção ambiental do meio marinho.

A Convenção de Montego Bay de 1982 faz pesar sobre todos os Estados a obrigação de proteger e preservar o meio marinho (art. 192) e, para tanto, estabelece genericamente um conjunto de medidas desti­nadas a prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho (art. 194). Prevê a necessidade de cooperação entre os Estados, nos planos regionais e universal, o dever de notificação de danos iminentes ou reais (tal como estabelecido no caso do Estreito de Corfii), o dever de prestar assistência e estipula que os Estados devem realizar investigações cien­tíficas no meio marinho. Contudo, a Convenção não precisa o regime de responsabilidade internacional dos Estados, o que pode ser apontado como um aspecto negativo.

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Cap. 21 - BREVE ANÁLISE SETORIAL 341

Releva notar que a Convenção de Montego Bay de 1982 instituiu o Tribunal Internacional do Direito do Mar, cuja competência “compreende todas as controvérsias e pedidos que lhe sejam submetidos de conformida­de” com a Convenção. Portanto, entendemos que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar tem competência para se pronunciar sobre as mais variadas questões relacionadas com a proteção do meio ambiente marinho, o que é extremamente positivo para o Direito Internacional Ambiental.

21.2 POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA

A preocupação com a poluição atmosférica está em moda. Hoje, muito se fala em aquecimento global, efeito estufa e redução da camada de ozônio. Mas o despertar da sociedade internacional neste particular remonta ao início do século XX. Lembre-se do caso Trail Smelter, que tratou nada mais que da poluição atmosférica transfronteiriça, causada por uma fundição canadense cujas emissões poluentes geraram danos e transtornos aos habitantes de uma cidade norte-americana vizinha, situada ao pé da fronteira com o Canadá (ver item 19.1 supra).

Não se sabe ao certo se na altura do século XVIII o homem podia prever quaisquer danos ambientais decorrentes das suas atividades eco­nômicas, mas o fato é que a Revolução Industrial ocorreu sem nenhuma preocupação com o meio ambiente. Os efeitos dessas centenas de anos de atividades nocivas começaram a ser sentidos no século XX, mas é nomeadamente no seu fim é que as preocupações tomaram-se efetiva­mente concretas.

Diversas atividades humanas, tais como a queima de combustíveis fósseis e biomassa, a decomposição de matéria orgânica, as atividades industriais e o uso de fertilizantes resultam na emissão dos chamados gases de “efeito estufa”2. Quando presentes em alta concentração, esses gases criam uma barreira que impossibilita a saída do calor refletido do sol da atmosfera. Daí resulta o chamado aquecimento global.

Foram as nítidas mudanças climáticas constatadas por força da ele­vação da temperatura média do planeta, do aumento das regiões secas e desérticas, do aquecimento dos oceanos e conseqüente expansão deles, da verificação de ocorrência de tempestades violentas, furacões e tsunamis com maior frequência, que alertaram a sociedade internacional no sentido

2 Dióxido de carbono (C02), Metano (CH4), Óxido Nitroso (N20), Hidrofluorcarbonos (HFC), Perfiuorcarbonos (PFC) e Hexafluoreto de enxofre (SF6).

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342 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

|de que algo precisava ser feito para preservação da vida com um todo na terra.

Hoje existe uma série de tratados bilaterais, regionais e multilaterais que tratam da poluição atmosférica, a exemplo do Acordo sobre Qualidade do Ar, firmado entre o Canadá e os Estados Unidos em 1991, do Tratado de Cooperação sobre Poluição Atmosférica Transfronteiriça, concluído entre os Estados Unidos e o México em 1987, do Acordo de Cooperação sobre o Transporte Internacional de Poluição Urbana de 1989, da Convenção de Genebra sobre Poluição Transfronteiriça de Longa Distância de 1979 e da Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio de 1985.

No entanto, o tratado internacional de maior importância em maté­ria de poluição atmosférica é a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas {United Nations Framework Convention on Climate Change - UNFCCC). A Convenção é resultado dos trabalhos do Painel Intergovemamental de Mudanças Climáticas (IPCC), criado em 1988 pelas Nações Unidas, ao qual podem ser atribuídas importantes pesquisas e dados sobre o efeito da ação humana sobre o clima. Foi aberta a assinaturas em maio de 1992 em Nova Iorque e posteriormente na Conferência do Rio de Janeiro de 1992 e conta com 192 membros, o que a confere apoio universal3.

De acordo com o seu art. 2.°, o objetivo principal da Convenção- -Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas é alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climá­tico. “Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável”.

Para possibilitar que as Partes atinjam esse objetivo principal, o art.3.° da Convenção determina que elas devem respeitar os seguintes prin­cípios: equidade intergeracional; responsabilidades comuns, mas diferen­ciadas; desenvolvimento sustentável; precaução; obrigação de cooperar; e proibição de discriminação ou restrição arbitrária em matéria de comércio internacional.

As Partes são atribuídas as seguintes obrigações: (i) elaborar, atualizar periodicamente, publicar e pôr à disposição da Conferência das Partes inventários nacionais de emissões de gases de efeito estufa; (ii) formu­

3 No Brasil, a Convenção foi promulgada por meio do Decreto 2.652/1998.

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Cap. 21 - BREVE ANÁLISE SETORIAL 343

lar, implementar, publicar e atualizar regularmente programas nacionais que incluam medidas para mitigar a mudança do clima; (iii) promover e cooperar para o desenvolvimento, aplicação e difusão, inclusive trans­ferência de tecnologias, práticas e processos que controlem, reduzam ou previnam as emissões de gases de efeito estufa; (iv) promover a gestão sustentável, bem como promover e cooperar na conservação e forta­lecimento de sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa; (v) cooperar nos preparativos para a adaptação aos impactos da mudança do clima, desenvolver e elaborar planos adequados e integrados para a gestão de zonas costeiras, recursos hídricos e agricultura; (vi) promover e cooperar no intercâmbio pleno, aberto e imediato de informações cien­tíficas, tecnológicas, técnicas, socioeconômicas e jurídicas relativas ao sistema climático e à mudança do clima; e (vii) promover e cooperar na educação, treinamento e conscientização pública em relação à mudança do clima, e estimular a mais ampla participação nesse processo, inclusive a participação de organizações não governamentais (art. 4.°).

Por ter sido elaborada na forma de Convenção-Quadro, vê-se que ela apresenta objetivos gerais e abstratos, de modo que a concretização e aplicação desses seus preceitos dependem do processo de desenvolvimento contínuo, a ser conduzido pelas instituições previstas na Convenção4. O órgão supremo da Convenção é a Conferência das Partes (COP), res­ponsável por: (i) examinar periodicamente as obrigações das Partes e os mecanismos institucionais estabelecidos pela Convenção; (ii) promover e facilitar o intercâmbio de informações sobre medidas dotadas pelas Partes para enfrentar a mudança do clima e seus efeitos; (iii) facilitar, mediante solicitação de duas ou mais Partes, a coordenação de medidas por elas adotadas; (iv) promover e orientar o desenvolvimento e aperfeiçoamen­to periódico de metodologias; (v) avaliar os efeitos gerais das medidas adotadas em conformidade com a Convenção; (vi) examinar e adotar relatórios periódicos sobre a implementação da Convenção e garantir sua publicação; (vii) fazer recomendações sobre quaisquer assuntos necessários à implementação da Convenção; (viii) procurar mobilizar recursos finan­ceiros; (ix) estabelecer os órgãos subsidiários considerados necessários à implementação da Convenção; e (x) desempenhar as demais funções necessárias à consecução do objetivo da Convenção, bem como todas as demais funções a ela atribuídas (art. 7°, n. 2).

4 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Caseíla. Manual de direito internacional público, cit., p. 671.

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344 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Na lógica procedimental das Convenções-Quadro, as Partes tendem a concluir acordos específicos atrelados à Convenção que contenham obrigações mais precisas e vinculantes. Na 3.a Conferência das Partes (COP3), realizada em Quioto, Japão, em dezembro de 1997, foi aprovado o Protocolo de Quioto5, que, de fato, é um tratado que complementa a Convenção em apreço. O Protocolo só veio a entrar em vigor em 2005, após a ratificação da Rússia, o que possibilitou o cumprimento do seu art. 256.

Em poucas e breves palavras, o objetivo principal do Protocolo de Quioto é que, entre 2008 e 2012, os países desenvolvidos listados no seu Anexo I reduzam a emissão de gases de efeito estufa num patamar, pelo menos, de 5% (cinco por cento) inferior aos níveis registrados no ano de 1990. Para tanto, cada país industrializado recebeu uma meta de redução própria. Apesar de os países em desenvolvimento terem um dever de implementar sistemas de desenvolvimento sustentável para a melhoria do meio ambiente, a eles não foi imposta nenhuma meta de redução de emissão dos gases de efeito estufa. Todavia, isso não quer dizer que eles foram deixados de lado.

Com efeito, foram criados mecanismos de interação entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, com a finalidade de di­minuir as emissões dos gases causadores do efeito estufa e permitir aos países emergentes, com o auxílio dos industrializados, um desenvolvimento sustentável e ecologicamente equilibrado.

Dentre os três mecanismos de ligação entre os países que se encontram em diferentes estágios de desenvolvimento (chamados de mecanismos de flexibilização) previstos no Protocolo de Quito7 destaca-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que permite a uma empresa ou gover­no de um país listado no Anexo I do Protocolo (país desenvolvido com meta de redução) investir em projeto de redução de emissão de gases de efeito estufa de país em desenvolvimento, com intuito de receber um

5 Promulgado no Brasil pelo Decreto 5.445/2005.6 Que o somatório dos países listados no seu Anexo í atingisse 55% das emissões constatadas

em 1990.7 Além do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o Protocolo de Quioto prevê ainda o

Comércio de Emissões (que permite a transação de direitos de emissão de gases de efeitoestufa entre as partes que têm metas de redução a cumprir) e a Implementação Conjunta- Joint Implementation (que possibilita que países industrializados recebam créditos por investir em projetos de redução de emissões em outro país com compromisso de redu- ção).

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Cap. 21 - BREVE ANÁLISE SETORIAL 345

Certificado de Redução de Emissões que pode ser usado para atingir sua meta de emissões ou mesmo comercializado.

O projeto baseado no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo funciona da seguinte forma: uma empresa ou govemo de um pais industrializado financia, em um país em desenvolvimento não listado no Anexo I, um projeto que empregue uma determinada tecnologia que permita aferir que a emissão de gases poluentes decorrente do novo empreendimento é inferior à emissão que ocorreria caso a tecnologia não fosse empregada. Após um estudo e aprovação do projeto, para cada tonelada de carbono não lançada na atmosfera emite-se um Certificado de Redução de Emissão, popularmente conhecido por crédito de carbono, que poderá ser utilizado ou comercializado na qualidade de instrumento de auxílio para o alcance das metas de redução.

O aspecto mais inovador do Protocolo de Quioto é, portanto, ter estabelecido um mecanismo de mercado destinado a possibilitar a redu­ção das emissões dos gases poluentes, na medida em que os Estados- -partes podem alterar os direitos de emissão e os países industrializados podem obter créditos de emissão se investirem em projetos perante países em desenvolvimento que visem a redução do efeito estufa8. O chamado mercado dos créditos de carbono permite a conjugação dos princípios do desenvolvimento sustentável, da obrigação de cooperar e das responsabilidades comuns, mas diferenciadas (este previsto no art. 10 do Protocolo), considerados princípios gerais do Direito Internacional Ambiental.

Projetos MDL têm sido amplamente utilizados como instrumento auxiliar para atingir as metas de redução estipuladas pelo Protocolo de Quioto. Cerca de 200milhÕes de Certificados de Redução de Emissão já foram emitidos por meio de projetos MDL, tendo 12% deles sido desen­volvidos no Brasil9.

Entendemos que os Certificados de Redução de Emissão não represen­tam um direito de poluir, mas sim um mecanismo eficiente que conjuga o desenvolvimento sustentável dos países não listados no Anexo I e a possibilidade de cumprimento das metas de redução por parte dos países desenvolvidos, sem interferência excessiva em suas economias.

8 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Dailiier e Aliain Pellet. Direito internacional público, cit., p. 1352.

9 Do total de projetos MDL, cerca de 37% foram desenvolvidos na China, 24% na índia e 15% na República da Coreia. Cf. o site http://cdm.unfccc.int/index.htmi.

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346 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marcelo Pupe Braga

21.3 PROTEÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA

Por biodiversidade deve-se entender a variedade da vida em todas as suas formas, níveis e variações, incluindo todos os gêneros, espécies e seus ecossistemas. A proteção da biodiversidade objetiva, portanto, conservar todo tipo de espécies e populações de espécies e, consequentemente, seus habitats e ecossistemas.

Desde o fim do século XIX e início do século XX verifica-se a ocorrência de tentativas esparsas de proteção de algumas espécies animais, a exemplo da Convenção de Paris sobre a Proteção das Aves Úteis à Agricultura de 1902 e de diversos acordos internacionais relativos a espécies ameaçadas de extinção, como as focas, baleias e ursos polares. Mas a preocupação daquela época revestia-se de um caráter muito mais econômico que ecológico. O objetivo desses instrumentos internacionais era bastante mais utilitário, na medida em que buscavam favorecer o sucesso de determinadas atividades econômicas, como a agricultura, a pesca e a caça. A preservação das espé­cies, na verdade, era um meio, e não o fim desses instrumentos10.

Como visto, é no fim da década de 1960 e início dos anos 70 que a sociedade internacional experimenta o que se costuma chamar de despertar ecológico. Especificamente no que diz respeito à proteção da biodiversidade, o princípio 4.° da Declaração de Estocolmo de 1972 atribuiu ao homem a responsabilidade pela salvaguarda e gestão do “patrimônio constituído pela flora e a fauna selvagem e o seu habitat”. Nessa mesma linha, a Carta Mun­dial da Natureza de 1982, em seu princípio 2.°, estabelece que a proteção da biodiversidade trata não apenas de proteger as espécies ameaçadas de extinção, bem como de assegurar que a viabilidade genética da terra não seja comprometida. A partir de então, passa-se à percepção de que a proteção da biodiversidade não deve apenas centrar-se, por exemplo, na moderação da caça e da pesca, mas também na adoção de medidas destinadas a assegurar as condições necessárias para a sobrevivência das espécies ameaçadas.

Podemos citar inúmeros tratados internacionais destinados à proteção da biodiversidade: a Convenção de Londres sobre a Preservação da Fauna e Flora em seu Estado Natural de 1933; a Convenção de Washington sobre a Proteção da Fauna e da Flora e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América de 1940; a Convenção Internacional de Paris para a Proteção dos Pássaros de 1950; a Convenção de Apia sobre a Conservação da Natu­reza no Pacífico Sul de 1976; a Convenção de Berna sobre a Conservação

10 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Aliam Pellet. Direito internacional público, cit.,p. 1354.

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Cap. 21 - BREVE ANÁLiSE SETORIAL 347

da Vida Selvagem Européia e seus Habitats Naturais de 1979; a Carta Mundial da Natureza de 1982; além de muitos outros. Todavia, merecem destaque especial a Convenção-Quadro sobre a Diversidade Biológica de 1992 e o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança de 2000.

A Convenção-Quadro sobre a Diversidade Biológica foi aprovada durante a Conferência do Rio de 1992. Seu preâmbulo enaltece o valor intrínseco da diversidade biológica e dos seus valores ecológicos, genéticos, sociais, econômicos, científicos, educativos, culturais, recreativos e estéticos, assim como “a importância da diversidade biológica na evolução e manutenção dos sistemas de suporte da vida na biosfera”. As Partes afirmam “que a conservação da diversidade biológica é uma preocupação comum para toda a humanidade”, “que os Estados têm direitos soberanos sobre os seus próprios recursos biológicos”, mas que também “são responsáveis pela conservação da sua diversidade biológica e da utilização sustentável dos seus recursos biológicos”. Demonstram a preocupação “com a considerável redução da diversidade biológica como conseqüência de determinadas atividades huma­nas” e observam “que é vital prever, prevenir e combater na fonte as causas da significativa redução ou perda da diversidade biológica”.

Hildebrando Accioly lembra que “a modalidade adotada foi a de Convenção-Quadro, contendo objetivos, obrigações e procedimentos bas­tante genéricos e cuja implementação depende do desenvolvimento futuro, seja por meio de novos tratados (protocolos), seja por meio da atividade dos órgãos criados pela própria Convenção”11.

A Convenção tem por principal objetivo “a conservação da diver­sidade biológica12, a utilização sustentável dos seus componentes e a partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da utilização dos recursos genéticos” (art 1.°). O princípio fimdamental a ser observado para a preservação da biodiversidade encontra-se estampado no art. 3.° da Convenção: “de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar os seus próprios recursos na aplicação da sua própria política ambiental e a responsabilidade de assegurar que as atividades sob a sua jurisdição ou controle não prejudiquem o ambiente de outros Estados ou de áreas situadas fora dos limites da sua jurisdição”. Ademais, a Conven-

i! Cf. Hildebrando Accioiy, G.E. do Nascimento e Sílva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 731.

12 A diversidade biológica é conceituada como “a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas” (art. 2.°).

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Ção estabelece que para a consecução do citado objetivo as Partes devem cooperar diretamente umas com as outras, principalmente em relação às áreas fora de jurisdição exclusiva (art. 5.°).

As medidas gerais para a conservação previstas genericamente na Con­venção são: (i) desenvolver estratégias, planos e programas nacionais para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica ou adaptar para este fim as estratégias, planos ou programas existentes, que irão refle­tir, inter alia, as medidas estabelecidas na presente convenção que sejam pertinentes para a parte contratante interessada; e (ii) integrar, na medida do possível e conforme apropriado, a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica nos planos, programas e políticas setoriais ou interse- toriais (art. 6.°). A Convenção igualmente prevê medidas de identificação e monitoramento destinadas à preservação da biodiversidade (art. 7.°).

A Convenção estabelece às Partes obrigações relativas à conservação não apenas in situ, como também ex situ. Exemplos de medidas de con­servação in situ são: (i) estabelecer um sistema de áreas protegidas ou de áreas onde tenham que ser tomadas medidas especiais para a conser­vação da diversidade biológica; (ii) desenvolver diretrizes para seleção, estabelecimento e gestão de áreas protegidas ou de áreas onde tenham que ser tomadas medidas especiais para a conservação da diversidade biológica; (iii) regulamentar ou gerir os recursos biológicos importantes para a conservação da diversidade biológica, dentro ou fora das áreas protegidas, para garantir a sua conservação e utilização sustentável; (iv) promover a proteção dos ecossistemas e habitats naturais e a manutenção de populações viáveis de espécies no seu meio natural; (v) promover um desenvolvimento ambientalmente correto e sustentável em zonas adjacen­tes a áreas protegidas, com intuito de aumentar a proteção dessas áreas; (vi) impedir a introdução, controlar ou eliminar as espécies exóticas que ameaçam os ecossistemas, habitats ou espécies; e (vii) desenvolver ou manter a legislação necessária ou outras disposições regulamentares para a proteção das espécies e populações ameaçadas (art. 8.°).

A título complementar, as Partes devem “adotar medidas para a conserva­ção, recuperação e regeneração ex situ, preferencialmente no país de origem do componente, estabelecer e manter instalações para a conservação e pesquisa, regulamentar e administrar a coleta de exemplares de recursos biológicos para conservação ex situ, mas sem ameaçar ecossistemas e populações in situ, e cooperar com o aporte de apoio financeiro para tal fim”13.

13 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 732.

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Cap. 21 - BREVE ANÁLISE SETORIAL 349

A Convenção-Quadro também trata da utilização sustentável dos diver­sos componentes da diversidade biológica, de incentivos para a proteção da biodiversidade, de programas de investigação e formação, da educação e sensibilização da sociedade civil, da avaliação e minimização dos im­pactos ambientais adversos, do intercâmbio de informação e tecnologia, da cooperação científica e técnica e da gestão da biotecnologia.

Quanto ao arranjo institucional, a Convenção cria a Conferência das Partes, órgão decisório supremo, cujas atribuições compreendem: (i) rever os pareceres científicos, técnicos e tecnológicos sobre a diversidade bio­lógica; (ii) apreciar e adotar, quando necessário, protocolos; (iii) apreciar e adotar, quando necessário, alterações à Convenção e seus anexos; e(iv) estabelecer os órgãos subsidiários, sobretudo para fornecer pareceres científicos e técnicos, considerados importantes e necessários para a im­plementação da Convenção (art. 23). Conta, ainda, com um Secretariado, responsável pelas funções administrativas e executivas, e com um órgão Subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico. Este é um órgão colegiado multidisciplinar composto por representantes dos governos especialistas nas áreas relativas à biodiversidade, cuja função principal é prestar assessoria técnica, científica e metodológica à Confe­rência das Partes e aos seus órgãos subsidiários (art. 25).

O Protocolo de Cartagena sobre Biossegiirança foi o primeiro acordo firmado no âmbito da Convenção-Quadro sobre a Biodiversidade. Adotado durante uma sessão extraordinária da Conferência das Partes realizada em Montreal, em janeiro de 2000, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegu- rança entrou em vigor no plano internacional em 11.09.2003, tendo sido promulgado no Brasil por meio do Decreto 2.705/2006.

Nos termos do seu art. l.°, “de acordo com a abordagem de precaução contida no Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e De­senvolvimento, o objetivo do presente Protocolo é contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguro dos organismos vivos modificados resultantes da biotec­nologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana, e enfocando especificamente os movimentos transfronteiriços”. O Protocolo aplica-se “ao movimento transfronteiriço, ao trânsito, à manipu­lação e à utilização de todos os organismos vivos modificados que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana”.

Em última análise, o que se pretende com o Protocolo de Cartagena é a prevenção dos riscos biotecnológicos, em especial no que diz respeito aos organismos geneticamente modificados (OGMs). Para tanto, as Partes

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350 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

têm o dever de desenvolver mecanismos de monitoramento, controle e avaliação de riscos, além de criar planos de emergência a serem aciona­dos em caso de concretização desses riscos. As Partes também compete a obrigação de cooperar, pesando sobre elas o dever de notificação e de consulta imediata em caso de movimento transfronteiriço de organismos modificados que possam ter efeitos nocivos sobre a biodiversidade e a saúde humana em geral (arts. 16 e 17).

O acompanhamento, implementação e execução das obrigações con­tidas no Protocolo cabem à Conferência das Partes, que atuará, especi­ficamente em relação ao Protocolo, na qualidade de Reunião das Partes (Conference o f the Parties serving as the Meeting o f the Parties to the Protocol — COP/MOP). À COP/MOP competirá a análise dos relatórios apresentados pelas Partes sobre as medidas que adotaram para adequarem as suas ações às obrigações impostas pelo Protocolo. Eventuais descumpri- mentos e/ou violações serão tratados pelo Comitê de Execução, responsável por velar pelo respeito das disposições do Protocolo.

21.4 PROTEÇÃO DAS FLORESTAS CONTRA A DESERTIFÍCAÇÃO

Segundo a Agenda 21, a desertificação é “a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e em áreas secas subúmidas resultante de diver­sos fatores, inclusive as mudanças de clima e de atividades humanas”. Resta nítido, portanto, que o meio ambiente deve ser compreendido como um todo e sua proteção igualmente só será eficaz na medida em que se combaterem todas as formas de degradação ambiental.

Estima-se que a desertificação atinge cerca de um sexto da população mundial, 70% das terras secas e aproximadamente um quarto de todo o território terrestre do planeta. O problema é gravíssimo no Brasil, em especial na região Nordeste, onde 50 mil quilômetros quadrados de área já são considerados desertos, trazendo prejuízos irreversíveis a cerca de 400 mil pessoas que habitam as regiões afetadas14.

De acordo com a definição oferecida pela Agenda 21, vê-se que a desertificação pode decorrer de alterações climáticas e da ação humana. Infelizmente, a atividade devastadora do homem é a grande responsável pela desertificação do planeta. Esse tema encontra-se em pauta no Brasil, uma vez que o Poder Público tem sido ineficiente no controle e repressão das atividades humanas causadoras da desertificação. Com efeito, vastas

!4 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Manual de direito internacional público, cit., p. 738.

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Cap. 21 - BREVE ANÁLISE SETORIAL 351

regiões, sobretudo na Floresta Amazônica, são diariamente desmaiadas, quer para a utilização econômica da madeira, quer para a criação de pastos e uso do solo para a agricultura.

Sobre a proteção contra a desertificação no plano internacional des­tacam-se a Carta Mundial do Solo e a Convenção das Nações Unidas sobre a Luta contra a Desertificação nos Países Gravemente afetados pela Seca e/ou a Desertificação, em particular na Africa.

A Carta Mundial do Solo foi aprovada na 21.a Sessão da Organiza­ção das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cujo tema predominante foi a preocupação da sociedade internacional com a produção de alimentos, tendo em vista a degradação do solo, causando a queda da produtividade. A Carta consiste em um documento não vin- culante, de cunho político, destinado a orientar as autoridades nacionais e internacionais sobre a necessidade de proteção do solo, com intuito de assegurar o abastecimento da população de todo o mundo.

Ela enumera um série de princípios e diretrizes destinada aos governos nacionais e às organizações internacionais, além de indicar como instru­mentos que possibilitam o cumprimento desses princípios e diretrizes (i) os estudos dos recursos do solo e o planejamento do solo urbano, (íi) o manejo do solo e aplicação de fertilizantes e (iii) a conservação dos recursos do solo e recuperação do solo degradado15.

A Convenção das Nações Unidas sobre a Luta contra a Desertifica­ção nos Países Gravemente afetados pela Seca e/ou a Desertificação, em particular na África foi adotada em Paris, na sede da Unesco, em 199416. Do seu preâmbulo constam: o reconhecimento de que os seres humanos das áreas afetadas ou ameaçadas estão no centro das preocupações do combate à desertificação e da mitigação dos efeitos da seca; a preocupação urgente da sociedade internacional, incluindo os Estados e as organizações internacionais, acerca dos impactos adversos da desertificação e da seca; o reconhecimento de que a desertificação e a seca são problemas de dimensão global na medida em que afetam todas as regiões do globo e que se toma necessária uma ação conjunta da sociedade internacional para combater a desertificação e/ou mitigar os efeitos da seca; a observação de que a desertificação é causada por uma interação complexa de fatores físicos, biológicos, políticos, sociais, culturais e econômicos; o reconhecimento da importância e da necessidade de cooperação internacional e de parceria no combate à desertificação e na mitigação dos efeitos da seca; e o des-

15 Cf. Hildebrando Accioly, G.E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella. Idem, p. 739.16 Promulgada no Brasil pelo Decreto 2.741/1998.

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taque conferido ao papel especial desempenhado pelas organizações não governamentais e outros grupos importantes no combate à desertificação e na mitigação dos efeitos da secas.

O objetivo primordial da Convenção é “o combate à desertificação e a mitigação dos efeitos da seca nos países afetados por seca grave e/ou deser­tificação, particularmente na África, através da adoção de medidas eficazes em todos os níveis, apoiadas em acordos de cooperação internacional e de parceria, no quadro duma abordagem integrada, coerente com a Agenda 21, que tenha em vista contribuir para se atingir o desenvolvimento sustentável nas zonas afetadas”. Para alcançar esse objetivo, exige-se a aplicação de estratégias integradas de longo prazo baseadas, simultaneamente, no aumento de produtividade da terra e na reabilitação, conservação e gestão sustentada dos recursos em terra e hídricos, tendo em vista melhorar as condições de vida, particularmente das comunidades locais (art. 2.°).

A doutrina aponta algumas originalidades da Convenção: (i) a insistência sobre a necessidade de estratégias de longo prazo; (ii) a possibilidade de os países em desenvolvimento afetados pela seca candidatarem-se a uma ajuda para aplicação da Convenção; (iii) o respectivo dever dos países desenvolvi­dos de mobilizarem recursos financeiros para esse fim; (iv) a sensibilização das populações locais e o recurso às organizações não governamentais; e(v) a criação de um Comitê da Ciência e Tecnologia e de uma cadeia de instituições, de organismos e de órgãos, juntando-se ao mecanismo tradicional de acompanhamento (Conferência das Partes e Secretariado)17.

A exemplo de outras convenções em matéria ambiental, a Convenção em apreço estabeleceu uma Conferência das Partes como órgão decisó- rio supremo, responsável por “examinar regularmente a implementação da Convenção e o funcionamento de seus mecanismos institucionais à luz da experiência adquirida em nível nacional, sub-regional, regional e internacional, e com base na evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos” (art. 22). Institucionalmente, tem-se ainda o Secretariado, órgão permanente responsável pelas funções administrativas e executivas e o citado Comitê de Ciência e Tecnologia, ao qual compete o assessoramento técnico e científico nas questões relativas à seca e à desertificação.

Finalmente, convém observar que os anexos da Convenção dispõem sobre as regras específicas sobre a sua implementação na África, na Ásia, na América Latina e Caribe, no Norte do Mediterrâneo e na Europa, le­vando em consideração as peculiaridades de cada uma dessas regiões.

17 Cf. Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Aliam Pellet. Direito internacional público, cit.,p. 1358.

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QUESTÕES - DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL

1. (OAB-MT/2006.1) Em matéria ambiental sabemos que em 1972, na cidade de Estocolmo, surgiu em convenção internacional o princípio:(A) do poluidor pagador.(B) do desenvolvimento sustentável.(C) da prioridade da reparação in natura.(D) da ubiqüidade.

2. {ESAF/Procurador da Fazenda Nacional/2005-2006) É objetivo do Protocolo de Quio-to à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, de 1997:(A) a diminuição da eficiência energética em setores relevantes da economia internacional,

como modo direto de intemaüzação de externalidades negativas.(B) a proibição imediata de formas sustentáveis e não sustentáveis de agricultura, à luz

das considerações sobre mudança do clima.(C) a redução gradua! ou eliminação de imperfeições de mercado, de incentivos fiscais,

de isenções tributárias e tarifárias e de subsídios para todos os setores emissores de gases de efeito estufa.

(D) a pesquisa, a promoção, o desenvolvimento e aumento do uso de formas não reno­váveis de energia, de tecnologia de seqüestro de dióxido de carbono e de tecnologia ambientalmente seguras.

(E) a ampliação de emissões de metano por meio de sua recuperação e utilização no tratamento de resíduos, bem como no transporte, na produção e na distribuição de energia.

3. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Acerca do direito internacional ambiental,julgue os seguintes itens.1. Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em

1992, no Rio de Janeiro, foi adotada a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e De­senvolvimento, constituída de 27 princípios, todos de natureza obrigatória.

2. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, de 1992, da qualo Brasii é parte, tem por objetivo, em termos gerais, estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera.

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354 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

3. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, de 1992, criou, comoseu órgão supremo, a Conferência das Partes, sendo que, na Terceira Conferência, realizada em Kyoto, no Japão, foi aprovado o Protocolo de Kyoto, que estabelece a meta média de 6% da redução da emissão de gases de efeito estufa pefos países industrializados, a ser cumprida no período entre 2008 e 2012.

4. A Convenção sobre Diversidade Bioíógica, de 1992, da quai o Brasii é parte, estabeleceua obrigatoriedade de se desenvolverem listas nacionais de espécies ameaçadas e de se estabelecerem áreas de importância biológica.

5. Dado o grande número de normas internacionais relacionadas à proteção do meio am­biente, bem assim as suas especificidades, o direito internacionai ambiental, ou direito internacional do meio ambiente já não é tratado no contexto do direito internacional público, sendo entendido como um ramo independente do direito.

4. (CESPE/Câmara Federal/Área 18/2002) Aécio participa da conferência Rio+10 na África do Sui. O presidente Aécio Neves viaja no final da próxima semana para a África do Sul onde participará da Río+10, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que começa na próxima segunda- feira e vai até 4 de setembro, em Johanesburgo. Pelo menos sessenta chefes de Estado e quarenta mil representantes de governos nacionais e de organizações não governamentais devem participar da Cupuia de Johanesburgo, que vai avaüaro que foi feito nos últimos dez anos para garantir o desenvolvimento sustentável sem prejuízos ao ambiente global. Aécio Neves recebeu o apoio de ambientalistas para defender a posição brasileira de promover o desenvolvimento sustentável e acredita que a assinatura do Protocolo de Kyoto antecipou a participação do Brasil na Rio+10. Esse protocolo é um acordo global sobre o meio ambiente para reduzir a emissão de gases poluentes - principais responsáveis pelo efeito estufa e o aquecimento global. O tratado estabelece a meta de reduzir até 2012 as emissões de seis gases causadores do efeito estufa para 95% dos índices registrados no ano de 1990, já tendo sido ratificado por 74 países.Jornal da Câmara, 23/8/2002 (com adaptações).Considerando o texto acima, julgue os itens seguintes, à luz da ordem constitucional vigente.1. O exame da vigente Constituição da República permite constatar que a execução dos

tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sis­tema adotado pelo Brasii, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante resoluções aprovadas peto Senado Federai e peia Câmara dos Deputados, sobre tratados, acordos ou atos internacionais, e a do presidente da República, que, além de poder ceiebrar esses atos de direito internacionai, também dispõe de competência para promulgá-los por meio de iei deiegada ou medida provisória.

2. No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierar­quicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República: em conseqüência, os tratados internacionais que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Polítíca, devem ser destituídos de valor jurídico.

3. O Poder Judiciário brasileiro - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência para efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno; todavia, essa competência restringe-se ao âmbito do controle difuso, não sendo cabível em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade.

4. Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direitointerno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, não podendo, em

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QUESTÕES - DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL 355

conseqüência, versar sobre matéria posta sob reserva constitucional de lei comple­mentar.

5. No sistema jurídico brasileiro vigente, a eventual precedência dos tratados ou conven­ções internacionais sobre as regras infraconsíitucionais de direito interno somente se justifica quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação do critério cronológico ou, quando cabível, do critério da especialidade.

5. (CESPE/Senado Federai/Área 18/2002) Com base na pnncipíologia do direito in­ternacional do meio ambiente, julgue os itens abaixo.1. O direito à vida, como direito fundamentai do ser humano, está diretamente relacionado

com o direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente equiiibrado.2. A Convenção de Estocoimo de 1972 pode ser considerada como marco fundamenta!

para o desenvolvimento do direito ambientai internacional.3. Em gerai, em matéria de poluição ambiental, estabeiece-se a responsabilidade objetiva

do Estado.4. No piano internacional, é impossível a aplicabilidade do princípio do poiuidor-pagador.

5. O direito de vizinhança fundamenta algumas das obrigações estatais em matéria de danos causados a Estados fronteiriços.

6. (CESPE/Procurador Federal/2007) Há inúmeros princípios ambientais que orientama otimização das regras de proteção do meio ambiente. Esses princípios constam na Política Nacional do Meio Ambiente, na CF e em documentos internacionais de proteção do meio ambiente, como Conferência de Estocolmo de 1972, Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland) e Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvoivimento, de 1992 (ECO-92).Considerando o texto acima, julgue os itens subsequentes, acerca dos princípios am­bientais e de sua adoção em regras procedimentais de proteção do meio ambiente.1. O princípio do poiuidor-pagador, dispositivo internacional da proteção do meio ambiente,

ainda não foi incorporado à legislação infraconstitucional brasileira.2. Não há relação entre o princípio da precaução e as regras previstas no estudo de

impacto ambiental (Eí A/RI MA).3. O estudo de impacto ambientai (EIA) e o seu relatório (RIMA) são documentos técnicos

de caráter sigiloso, de forma a impedir danos às empresas concorrentes da obra pública em estudo.

4. O princípio da ampla informação, existente no direito do consumidor, também influi na proteção nacional e intemacíonai do meio ambiente.

5. O princípio da participação da população na proteção do meio ambiente está previsto na Constituição Federal e na ECO-92.

GABARITO

1 - B 2 ~ C3 - 1 . Errada; 2. Certa; 3. Certa; 4. Errada; 5.

Errada.

4 - 1 . Errada; 2. Certa; 3. Errada; 4. Certa; 5.

Errada.

5 - 1 . Certa; 2. Certa; 3. Certa; 4. Errada; 5.

Certa.

6 - 1 . Errada; 2. Errada; 3. Errada; 4. Certa; 5.

Certa.

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PARTE VIII

TÓPICOS INTEGRADOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

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P A R T E G E R A L

Sumário: 22.1 Introdução - 22.2 Objeto do Direito internacional Privado - 22.3 Fontes do Direito internacional Privado - 22.4 Regras e elementos de conexão- 22.5 Lex fori - 22.6 Ordem pública - 22.7 Fraude à lei - 22.8 Homofogação e execução de sentenças estrangeiras - 22.9 Cartas rogatórias.

22.1 INTRODUÇÃO

Até o momento tivemos a oportunidade de tratar dos diversos temas que dizem respeito ao Direito Internacional Público, além de terem sido igualmente abordados em partes específicas o Direito Diplomático e Con­sular, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Interna­cional Ambiental. Mas, porque os exames da Ordem dos Advogados do Brasil e as provas dos mais variados concursos públicos costumam exigir dos candidatos conhecimentos específicos sobre tópicos integrados de Direito Internacional Privado, entendemos pela pertinência de abordá-los, ainda que sínteticamente, nesta Parte VIII do presente livro. Esperamos, sinceramente, que os assuntos seguintes possam ajudar aqueles que se submetam a esse tipo de provas.

22.2 OBJETO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

As diferentes relações jurídicas de Direito Privado estão, na maior parte das vezes, vinculadas a apenas um território estatal. Em caso de conflitos, serão os tribunais internos do respectivo Estado os competentes para resolver a questão, conforme as leis que lá se encontrem em vigor.

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360 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Púbiicos - Marcelo Pupe Braga

Entretanto, são cada vez mais comuns as relações jurídicas privadas com conexão internacional, as quais têm aumentado significativamente por força do fenômeno da globalização. Dessas relações privadas com conexão internacionai surgem situações em que a legislação de mais de um Estado pode vir a ser aplicada para a resolução de um determinado litígio.

Em que pese existirem concepções bastante abrangentes do objeto do Direito Internacional Privado, julga-se possível defender que o seu objeto é, essencialmente, o conflito de leis no espaçox. O conflito de leis não pode ser compreendido literalmente, porquanto não significa a colisão ou o choque entre normas de sistemas jurídicos diferentes. Na verdade, o conflito de leis ocorre quando, por variadas razões, duas ou mais normas podem ser aplicadas a determinada situação. Elas estão antes em concor­rência que em conflito propriamente dito.

O que procura o Direito Internacional Privado, portanto, é oferecer, por meio de normas processuais específicas, instrumentos destinados a indicar qual das normas em conflito deve ser aplicada pelo Juiz ao caso concreto. Ele não pretende apreciar tampouco solucionar o mérito da lide; apenas orienta sobre a escolha a ser feita entre duas ou mais normas concorrentes.

Não mais se discute que o Direito Internacional Privado é interno em sua essência, uma vez que cada Estado tem as suas próprias normas de Direito Internacional Privado (as que se destinam a resolver o conflito de leis no espaço)2.

223 FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

São fontes do Direito Internacional Privado a lei, a jurisprudência, a doutrina e o tratado internacional.

A lei é considerada a fonte primária do Direito Internacional Privado pela imensa maioria dos Estados. O início das codificações das normas de

1 Jacob Dolinger informa que a corrente francesa entende que o Direito Internacional Privado abrange quatro matérias distintas: a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro, o conflito de leis e o conflito de jurisdições. Cf. Direito internacional privado> cit., 2005, p.1. Para Beat Walter Rechsteiner, “o direito internacional privado resolve, essencialmente, conflitos de leis no espaço referentes ao direito privado, ou seja, determina o direito apli­cável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional”, Cf. Direito internacional privado, cit., 2008, p. 6.

2 Cf. Beat Walter Rechsteiner. Direito internacional privado, cit., p. 6.

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Cap. 22 - PARTE GERAL 361

Direito Internacional Privado deu-se no século XIX, merecendo destaque o Código de Napoleão, que estabeleceu regras sobre a aplicação das leis no espaço, sobre fatos ocorridos no estrangeiro, sobre direitos dos estran­geiros e sobre competência jurisdicional3. A partir da segunda metade do século passado vários Estados revisaram as legislações existentes e outros criaram verdadeiros códigos de Direito Internacional Privado.

No Brasil, tivemos uma Introdução ao Código Civil em 1916, a qual foi substituída em 1942 pela Lei de Introdução ao Código Civil, que até o presente disciplina as regras elementares de Direito Internacional Privado. Embora detenha um tratamento especial por ser considerada a lei que regula as demais, a Lei de Introdução ao Código Civil está ultra­passada e precisa ser aprimorada e atualizada, pois já não mais satisfaz as exigências contemporâneas. Entretanto, infelizmente todas as tentativas de modificação até hoje realizadas não lograram êxito.

A jurisprudência também é fonte do Direito Internacional Privado. Na Europa ela desempenha papel de significativa relevância, nomeadamente por força da intensa atividade extraterritorial exercida naquele continente. A habitualidade com que os tribunais nacionais europeus são solicitados para solucionar litígios entre pessoas de diversas nacionalidades e domi­ciliados em diferentes Estados faz com que seja rica a experiência nesse particular. Na França, por exemplo, a jurisprudência é tida como a fonte essencial do Direito Internacional Privado4.

Situação oposta é a que se verifica no Brasil e nos demais Estados latino-americanos. Como as atividades privadas internacionais ainda são reduzidas ou bastante menos intensas comparativamente ao que ocorre na Europa, os tribunais nacionais não são muito requeridos. Com efeito, a jurisprudência brasileira limita-se basicamente a decisões sobre ho­mologação de sentenças estrangeiras. Daí por que a doutrina, no Brasil, parece ser mais importante que a jurisprudência enquanto fonte de Direito Internacional Privado.

A doutrina é importante fonte do Direito Internacional Privado, so­bretudo no Brasil. Nas palavras de Jacob Dolinger, “a Doutrina interpreta as decisões judiciais em matéria de Direito Internacional Privado e com base nas mesmas elabora princípios da matéria; inversamente, a Doutrina serve de orientação para os tribunais, que, muito mais do que nas outras áreas, recorrem à lição dos doutrinadores para decidir questões de Direito

3 Cf. Jacob Dolinger. Direito internacional Privado, cit., p. 64.4 Cf. Jacob Dolinger. Direito internacional privado, cit., p. 67.

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362 DIREtTO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

Internacional Privado. Assim, a Doutrina desempenha o duplo papel de intérprete da Jurisprudência e de seu guia e orientador”5.

Não são apenas os autores que isoladamente formam a doutrina do Direito Internacional Privado. Na verdade, trabalhos coletivos de im­portantes entidades são responsáveis pelo desenvolvimento do Direito Internacional Privado, como é o caso do Instituto de Direito Internacional, da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado,6 do Unidroit (Instituto Internacional para a Codificação do Direito Privado) e da Câ­mara de Comércio Internacional. Seus trabalhos contribuem sabiamente para o aprimoramento das regras de Direito Internacional Privado.

Por fim, não podemos esquecer os tratados internacionais. Diversos deles, sejam bilaterais ou multilaterais, tratam do conflito de leis civis ou comerciais e, portanto, são fontes do Direito Internacional Privado. Ganham destaque as Convenções que contêm regras unificadoras de so­lução de conflitos de leis (estabelecendo regras de conexão que indicam a lei aplicável) e as Convenções que aprovam uma Lei Uniforme para determinada atividade internacional, a exemplo da Convenção de Viena sobre a Venda Internacional de Mercadorias.

22.4 REGRAS E ELEMENTOS DE CONEXÃO

Por muito tempo vigorou a regra statutum non ligai nisi súbditos, se­gundo a qual as leis só regem os súditos. No século XIV passou-se a fazer a distinção entre as normas jurídicas territoriais, aplicáveis às coisas e às pessoas situadas no território de cuja soberania emanam e as normas jurídicas extraterritoriais, que visam as pessoas, aplicando-se a elas onde quer que se encontrem. Reconhecida a possibilidade de uma determinada norma jurídica ser aplicada para além do território submetido à soberania do Estado da qual emana, surge a necessidade de estabelecer regras de conexão, que são as normas estatuídas pelo Direito Internacional Privado indicadoras do direito aplicável a certas situações jurídicas vinculadas a mais de um ordenamento jurídico. O que o Direito Internacional Privado faz, portanto, é classificar a situação ou relação jurídica, localizar a sede jurídica dessa situação ou relação e determinar a aplicação do direito vigente nesta sede7.

5 Cf. Jacob Dolinger. Idem, p. 66.6 Observe-se que, em 09.04.2010, foi promulgado, pelo Decreto 7.156, o texto do Estatuto

Emendado da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, assinado em 30 de junho de 2005.

7 Cf. Jacob Dolinger. Direito internacional privado, cit., p. 291.

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Cap. 22 - PARTE GERAL 363

Logo, diante de uma situação concreta, deve-se proceder à classifi­cação da situação ou da relação jurídica, à localização da sede jurídica e à determinação do direito aplicável. A sede jurídica será localizada con­forme o elemento de conexão. Os elementos de conexão fazem parte da norma indicativa do Direito Internacional Privado, com o auxílio da qual é possível determinar o direito aplicável ao caso concreto. Eles variam de acordo com o aspecto levado em consideração (o sujeito, a coisa ou o ato jurídico) e podem dizer respeito à nacionalidade, ao domicílio, à localização de um bem ou ao lugar onde determinado ato foi praticado.

Nossa Lei de Introdução ao Código Civil adota o elemento de cone­xão do domicílio para reger o estatuto pessoal da pessoa física (Art. 7.° A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família), o elemento de conexão do lugar onde está situada uma coisa — lex rei sitae, para ditar o regime jurídico geral dos bens (Art. 8.° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados) e o elemento de conexão do lugar onde o ato foi praticado (Art. 9.° Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem), para qualificar e reger as obrigações.

São, portanto, essas regras de conexão que resolvem o conflito de leis no espaço, na medida em que determinam o direito a ser aplicado.

22.5 LEX FORI

Geralmente, cada Estado possui normas próprias de Direito Internacio­nal Privado no seu ordenamento jurídico interno. Portanto, a regra básica do lex fori determina que, no caso concreto, o Juiz deve sempre aplicar as normas de Direito Internacional Privado em vigor no lugar do foro. Como a princípio essas normas são indicativas ou indiretas, porquanto se limitam a determinar o direito aplicável a uma relação ou situação jurídica de direito privado com conexão internacional, elas não oferecem solução para o mérito da demanda. Convém enfatizar, as normas de Di­reito Internacional Privado, na imensa maioria das vezes, apenas indicam qual o direito aplicado ao caso concreto (é o que fazem os arts. 7.°, 8.° e 9.° da Lei de Introdução ao Código Civil).

Há casos, porém, em que essa regra pode levar o Juiz internacio­nalmente competente a determinar como direito aplicável a própria lei do foro; é o que se chama de “lex fori in foro próprio”. Nesses casos,

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364 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

entende-se que as partes são beneficiadas, porque o Juiz irá lidar com o direito que lhe é familiar, assim como o processo certamente será mais célere, favorecendo a economia processual.

Nas situações em que a lex fo ri impõe a aplicação de uma lei estran­geira e esta eventualmente viole a ordem pública, entende-se que a própria lei do foro há de ser aplicada no lugar do direito estrangeiro8.

22.6 ORDEM PÚBLICA

A ordem pública é de difícil definição. Seu conceito é relativo, podendo variar no tempo e no espaço, e é também aberto, uma vez que precisa ser obrigatoriamente concretizado pelo Juiz ao decidir uma causa de direito privado com conexão internacional, à qual, conforme as normas de direito internacional privado da lex fo r i, aplica-se o direito estrangeiro.

Entendemos que a ordem pública é representada por todos os princípios fundamentais do ordenamento jurídico interno de cada Estado. No caso do Brasil, por exemplo, violará a ordem pública o direito estrangeiro que ameace a soberania, a cidadania, a dignidade, a igualdade e a liberdade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a independência, a igualdade entre os Estados, a paz, etc. (arts. 1*°, 3.° e4.° da Constituição Federal).

Com efeito, a ordem pública é o reflexo da “filosofia sócio-político- jurídica de toda legislação” e representa a moral básica de uma nação, protegendo as necessidades e interesses econômicos do Estado. Portanto, a ordem pública deve ser aferida de acordo com a mentalidade e a sen­sibilidade média de determinada sociedade em certa época e aquilo que for considerado repulsivo a esta média deve ser rejeitado pela doutrina e pelos tribunais9.

Nessa ótica, dispõe o art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. Nas palavras de Beat Rechsteiner, “a reserva da ordem pública é uma cláusula de exceção que se propõe a corrigir a aplicação do direito estrangeiro, quando este

8 Cf. Beat Walter Rechsteiner. Direito internacional privado, cit., p. 167.9 Cf. Jacob Dolinger. Direito internacional privado, cit., p. 386-387.

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Cap. 22 - PARTE GERAL 365

leva, no caso concreto, a um resultado incompatível com os princípios fundamentais da ordem jurídica interna”10.

Como resultado prático da reserva da ordem pública, o Juiz não poderá aplicar o Direito estrangeiro se ele violar a ordem pública, ainda que a norma de Direito Internacional Privado da lei do foro (lex fori) destinada a resolver o conflito de leis no espaço assim determine. Nesses casos, entende-se que é a própria lei do foro que deve ser aplicada para solu­cionar o mérito da demanda, mantendo-se incólume a ordem pública11.

Releva notar, todavia, que a reserva da ordem pública não pode ser utilizada arbitrariamente, enquanto resistência à aplicação do Direito es­trangeiro. Consoante os ensinamentos de Jacob Dolinger, “é preciso que o aplicador da lei se conscientize de que ao princípio da ordem pública se deve recorrer com parcimônia, somente quando absolutamente neces­sário para manter o equilíbrio da convivência da sociedade internacional com os fundamentos do direito de cada grupo nacional. Neste espírito muitas convenções internacionais, ao inserir a exceção da ordem pública, se referem a ela no sentido de que a aplicação da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com a ordem pública do foro”12.

22.7 FRAUDE À LEI

Assim como a ordem pública, o instituto da fraude à lei presta-se a afastar a aplicação do direito estrangeiro em determinadas hipóteses. Ocorre fraude à lei quando uma pessoa, voluntária e ardilosamente, faz uso dos elementos de conexão que indicaria a lei aplicável para alterar o status da situação concreta, de modo a obter alguma vantagem ou benefício pessoal. Na fraude à lei condena-se uma lícita alteração do status (da nacionalidade ou do domicílio, por exemplo), caso realizada para alcançar um objetivo ilícito13. Quer isto dizer que a fraude à lei é verificada quando uma determinada pessoa (i) abusa de uma faculdade que lhe é reconhecida (ii) para escapar do alcance da lei que, originalmente, lhe era aplicável. São esses os seus dois pressupostos.

10 Cf. Beat Walter Rechsteiner. Direito internacional privado, cit., p. 181.11 Exempio clássico que ilustra melhor o tema é o direito muçulmano, que admite que o

marido repudie sua esposa. A justiça brasileira rejeita e recusa sentenças proferidas portribunais religiosos dos Estados muçulmanos que apiicam esse método do repúdio, porflagrante incompatibilidade da ordem pública brasileira.

12 Cf. Jacob Dolinger. Direito internacional privado, cit., p. 423.13 Cf. Jacob Dolinger. Idem, p. 426.

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366 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos — Marceto Pupe Braga

Por muito tempo, ocorreram fraudes à lei em matéria de Direito de Família. Como no Brasil o divórcio só passou a ser admitido em 1977, os cônjuges viajavam ao exterior para obter o divórcio. O Supremo Tri­bunal Federal invariavelmente se recusava a atribuir quaisquer efeitos jurídicos a essas sentenças de divórcio por terem sido obtidas em fraude à lei. Exemplo mais contemporâneo de fraude à lei é o da constituição de uma sociedade em determinado paraíso fiscal, com o objetivo único de lesar o fisco do país onde, na realidade, desenvolve as suas atividades comerciais14.

Como conseqüência usual do reconhecimento da fraude à lei, a sen­tença, o ato jurídico ou o negócio jurídico praticados em fraus legis não serão reconhecidos pelo Direito Interno e, por conseguinte, não produzirão nenhum efeito jurídico.

22.8 HOMOLOGAÇÃO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS

E norma costumeira de Direito Internacional que nenhum Estado é obrigado a reconhecer ou aplicar em seu território uma sentença prolatada por Juiz ou tribunal estrangeiro. Contudo, a prática internacional aponta no sentido de que os Estados reconhecem e aplicam sentenças estrangeiras em seus territórios, desde que cumpridos determinados requisitos legais.

O Código de Processo Civil brasileiro estabelece em seu art. 483 que “a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal”, Imperioso se faz atentar para o fato de que, com o advento da Emenda Constitu­cional 45/2004, compete ao Superior Tribunal de Justiça, e não mais ao Supremo Tribunal Federal (como enunciado no CPC), processar e julgar, originariamente “a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias” (art. 105, I, alínea i, da Constituição Federal). Portanto, desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional 45, a competência para homologação da sentença estrangeira foi transferida do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça.

De acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil, será executada no Brasil a sentença proferida por Juiz ou tribunal estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: (i) haver sido proferida por Juiz competente; (ii) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

14 Cf. Beat Walter Rechsteiner. Direito internacional privado, cit., p. 187-188.

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Cap. 22 - PARTE GERAL 367

(iii) ter transitado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no local em que foi proferida; (iv) estar traduzida por intérprete autorizado; e (v) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 15)i5.

São homologáveis todas as sentenças estrangeiras, sejam elas decla­ratórias, constitutivas ou condenatórias. Nos termos do parágrafo único do art. 15 da Lei de Introdução ao Código Civil, as sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas não dependem de homologação.

O processo de homologação de sentença estrangeira perante o Superior Tribunal de Justiça consiste em ação homologatória de rito especial. Na homologação não se reexamina o mérito da sentença, mas tão somente se verifica se estão presentes os pressupostos estabelecidos para o seu reconhecimento. A legitimidade para propositura da ação homologatória é da parte interessada* ou seja, de qualquer pessoa para a qual a sentença homologada possa surtir efeitos jurídicos.

Uma vez homologada, a sentença estrangeira pode ser executada. No Brasil, a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça constitui um título executivo judicial16 e a sua execução se dá por carta de sentença extraída dos autos da homologação, observando-se as mesmas regras estabelecidas para a execução de sentença nacional. A competência para a execução de sentença estrangeira homologada é da Justiça Federal comum de primeira instância (art. 109, X, da Constituição Federal)17.

Entende-se que a sentença estrangeira devidamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça produz no plano interno os efeitos jurídicos “da coisa julgada, da intervenção de terceiros e das próprias sentenças constitutivas, condenatórias e declaratórias de procedência estrangeira em si mesmas, perante a ordem jurídica interna”18.

Nunca é demais lembrar, por fim, que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes” (art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil). Portanto, ainda que preenchidos os requisitos formais estabelecidos pelo art. 15

15 A redação da Lei de Introdução do Código de Processo Civil é “ter sido homologada peloSupremo Tribunal Federal”. Entretanto, como referido, a competência para homologação das sentenças estrangeiras foi transferida para o Superior Tribunal de Justiça, por força da Emenda Constitucional 45/2004.

16 Vide art. 475-N, VI, do Código de Processo Civil.17 Cf. Beat Walter Rechsteiner. Direito internacional privado, cit., p. 289.!S Cf. Beat Walter Rechsteiner. Idem, p. 288.

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368 DiREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

da Lei de Introdução ao Código Civil, a sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil quando viole nossos bons costumes, nossa soberania e nossa ordem pública.

22.9 CARTAS ROGATÓRIAS

Questões recorrentes em concursos públicos e exames da Ordem dos Advogados são as que tratam das cartas rogatórias.

Em brevíssimas palavras e a título de conclusão, importa referir que a concessão de exequatur às cartas rogatórias compete ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, alínea i, da Constituição Federal. Uma vez concedido o exequatur, competirá à Justiça Federal de primeira instância a execução das cartas rogatórias, conforme preceitua o art. 109, X, da Carta Magna. Lembre-se que é pressuposto inafastável da execução das cartas rogatórias a prévia concessão do exequatur por parte do Superior Tribunal de Justiça.

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QUESTÕES - DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1. (OAB-DF/2005.1) Assinale a alternativa CORRETA.(A) É passsve! de homologação a sentença estrangeira que, em processo de sucessão

mortis causa, dispôs sobre bem imóvel situado no Brasií;(B) A ação judicial promovida perante tribunal estrangeiro não induz litispendência nem obsta

a que a autoridade brasiieira conheça da mesma causa e das que lhes são conexas;(C) Compete aos Tribunais Regionais Federais o julgamento de recurso ordinário interposto

contra sentença proferida em processo em que forem partes Estado estrangeiro, de um Sado, e, do outro, Município brasileiro;

(D) Compete ao Superior Tribunal de Justiça o julgamento de extradição solicitada por Estado estrangeiro.

2. (OAB-DF/2006.1) Considerando hipotético conflito de normas no espaço, determinaa lei brasiieira que as sociedades e as fundações obedeçam a lei:(A) do Estado onde tiverem sua sede;(B) do Estado da nacionalidade da maioria de seus acionistas;(C) do Estado que for indicado em seus atos constitutivos:(D) do Estado em que se constituírem.

3. (OAB-DF/2006.1) As leis, atos e sentenças de outro país bem como quaisquerdeclarações de vontade não terão eficácia no Brasil quando:(A) não for conferido o exequatur pelo Supremo Tribunal de Justiça;(B) ofenderem a soberania, a ordem pública e os bons costumes;(C) não for conferido o exequatur pelo Supremo Tribunal Federai;(D) ofenderem a soberania e a ordem pública.

4. (OAB-DF/2005.3) Em reiação às sentenças estrangeiras, assinale a alternativaCORRETA:(A) As sentenças estrangeiras produzirão eficácia no território brasileiro independentemente

de homologação pelo Supremo Tribunal federal, desde que haja acordo de reciprocidade com o Estado de origem;

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370 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

(B) O individuo divorciado sob a disciplina das leis alemãs, pode se casar com brasileira, em território brasileiro, independentemente de homologação judiciai desde que a decisão do divórcio tenha transitado em julgado há mais de um ano;

(C) Sentenças estrangeiras jamais podem ser executadas no território brasileiro;(D) Somente o Superior Tribunal de Justiça poderá homologar sentença estrangeira.

5. (OAB-DF/2005.3) Um casamento realizado na República Italiana terá sua validadereconhecida no território brasileiro quando;(A) Existir ratificação pó Juiz de paz brasileiro, ocasião em que o documento do registro

civil italiano deverá ser traduzido por tradutor juramentando, sob pena de nuiidade absoluta;

(B) Não ofender a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes;(C) Existir tratado de cooperação entre os dois Estados estrangeiros antecedendo a prática

do ato jurídico;(D) Um dos nubentes tiver dupla nacionalidade.

6. (OAB-MT/2006.1) Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, conhecer de ações:

{A) relativas a imóveis situados no Brasil.(B) quando no Brasii tiver de ser cumprida a obrigação.(C) quando a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.(D) quando o réu, qualquer que seja sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasii.

7. (OAB-MT/2006.1) A homologação de sentenças estrangeiras e a concessão deexequatur às cartas rogatórias no Brasil competem ao:(A) Supremo Tribunal Federal.(B) Superior Tribunal de Justiça.(C) Tribunal Regional Federai.(D) Ministro das Relações Exteriores.

8. (OAB-RJ/29° Exame) Uma sentença estrangeira para produzir efeitos em nossopaís deverá preencher os requisitos previstos em nossa legislação. Dentre asopções abaixo marque aquela que não apresente um desses requisitos:(A) Ter sido traduzida por intérprete juramentado;(B) Ter transitado em julgado;(C) Ter sido proferida por juiz competente;(D) Ter sido homologada pelo STF.

9. (OAB-RJ/29° Exame) O Superior Tribunal de Justiça não dará o exequatur à cartarogatória que:(A) Sendo citatória for dirigida a um brasileiro que figure como réu em uma ação em

outro país;(B) Seja oriunda de país que não tenha tratado para cumprimento de rogatória com o

nosso país;(C) Que ofenda a soberania nacional ou a ordem pública;(D) Não esteja ratificada pelo Presidente da República.

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QUESTÕES - DiREITO INTERNACIONAL PRIVADO 371

10. (OAB-RJ/29° Exame) O negócio jurídico celebrado no exterior produzirá efeitos em nosso país se, além de estar consularizado e não ofender a soberania na­cional, a ordem pública ou os bons costumes, também estiver:(A) Homologado pelo STJ;(B) Traduzido por intérprete juramentado;(C) Ratificado pelo Presidente da República;(D) Referendado pelo STF.

11. (OAB-RJ/310 Exame) Um testamento celebrado na Itália, segundo a lei italiana,visto de Consulado do Brasii em Roma e devidamente traduzido para o verná­culo, terá eficácia no Brasil para execução, desde que:(A) Seja homologado pelo Supremo Tribunal Federal.(B) Seja ratificado pelo Congresso Nacional.(C) Não ofenda à soberania, à ordem Pública e aos Bons Costumes nacionais.(D) Amparado por protocolos junto ao Ministério das Relações Exteriores.

12. (CESPE/Senado Federal/Área 18/2002) À luz dos institutos de direito internacional privado, julgue os itens subsequentes.1. Se uma parte alegar direito estrangeiro como fundamento jurídico de sua pretensão,

poderá o juiz exigir-lhe a prova do teor e da vigência da norma invocada. Essa prova poderá ser constituída mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados em exercício no país de cuja iegislação se trate. Na faita dessa prova ou se ela for insuficiente, de ofício, o juiz ou tribunal poderá solicitar, pela via diplomática, ao mais alto tribunal, à procuradoria-geral, à secretaria ou ao Ministério da Justiça do Estado de cuja legislação se trate, que forneça um relatório acerca do texto, da vigência e do sentido do direito aplicável.

2. Ao aplicar-se o direito estrangeiro, deve-se atender ao sentido que se lhe dá a interpre­tação doutrinária e jurisprudência! do seu país de origem.

3. Considere a seguinte situação hipotética. L e H são domiciliados no Estado N, onde é defeso o divórcio. Sendo L casado e desejando contrair novas núpcias com H, ambos decidiram transferir o domicíiio para o Estado P, onde o divórcio é permitido. Nessa situação, o ato de celebração do casamento entre L e H não poderá ser reconhecido no Estado N, por caracterizar uma hipótese de ofensa à ordem pública.

4. No tratamento e identificação do estatuto real, há de se localizar a sede jurídica, por meio da situação do bem (lex rei sitae).

5. Considere a seguinte situação hipotética. Um nacional do Estado F é domiciliado no Estado R, sendo que o direito civil desses dois Estados rege a capacidade civil de modo diverso. O Estado F, da nacionalidade do indivíduo, determina, nas suas regras de direito internacionai privado, que se aplique à capacidade da pessoa a iei do país onde ela está domiciliada, enquanto as regras de direito internacionai privado do Estado R, onde está domiciiiado o indivíduo, determina que à capacidade da pessoa se aplique o direito do Estado F, da sua nacionalidade. Nessa situação, tem-se um exemplo de reenvio.

13. (OAB-RS/2004) Em matéria de competência, o direito aplicável aos contratos internacionais:(A) é o do iocai onde foi executado o contrato.(B) é aquele do domicílio do proponente, quando o contrato for firmado entre ausentes.(C) é aqueie do domicílio do aceitante, quando o contrato for firmado entre ausentes.(D) é estabelecido conforme o vaior do contrato.

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372 DIREITO INTERNACIONAL para Concursos Públicos - Marcelo Pupe Braga

GABARITO

1 - B 2 - D 3 - B4 - D 5 - B 6 - A7 - B 8 - D 9 - C

10 - B 11 - C1 2 - 1 . Certa; 2. Certa;

3. Errada; 4. Certa;5. Certa.

13 - B

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BIBLIOGRAFIA

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