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LIVRE PENSAR | Carlos Augusto Roza, Harold Winnubst e Nelson Martinez LIVRE PENSAR | Carlos Augusto Roza, Harold Winnubst e Nelson Martinez 48 | FIA | Março 2007 OS PRÓXIMOS PASSOS Ícone da brasilidade há mais de quatro décadas, qual o caminho a ser trilhado pelas sandálias Havaianas? MARCELO ZOCCHIO/DBA

MARCELO ZOCCHIO/DBA PASSOS - fundacaofia.com.br · um dos maiores da empresa até hoje. A versão brasi-leira da sandália, criada pela São Paulo Alpargatas, ... Havaianas), a da

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LIVREPENSAR | Carlos Augusto Roza, Harold Winnubst e Nelson Martinez

LIVREPENSAR | Carlos Augusto Roza, Harold Winnubst e Nelson Martinez

48 | FIA | Março 2007

OS PRÓXIMOSPASSOS

Ícone da brasilidade há mais de quatro décadas, qual o caminho a ser trilhado pelas sandálias Havaianas?

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Ahistória das sandálias Havaianas se con-funde com a própria história do Brasildesde os anos 1960. Consideradas a maissimples resposta à necessidade de proteger

os pés, as sandálias percorreram os séculos sob asmais diferentes formas. Sua simplicidade torna-asperfeitas para os países de clima quente, estandoincorporada nas culturas do Mediterrâneo e de algu-mas regiões da Ásia. Trocar os sapatos que se estáusando por sandálias, antes de entrar em casa, é umcostume que, no Japão, demonstra respeito e humil-dade. Tudo leva a crer que foi zori, a sandália japone-sa, a fonte de inspiração para a criação das sandáliasHavaianas, em 1962. No início dessa década, umnovo segmento se abria com a chegada ao Brasil, tra-zidas do Japão, das sandálias de solado de tecido comtiras que se encaixavam entre os dedos. Era a “sandá-

lia japonesa” despertando interesse no consumidornacional. A empresa pesquisou o enorme potencialdesse mercado e criou as Havaianas. Foi uma grandejogada. Esse produto resultou em enorme sucesso,um dos maiores da empresa até hoje. A versão brasi-leira da sandália, criada pela São Paulo Alpargatas,trazia um diferencial: era feita de borracha. Um pro-duto natural, 100% nacional e que garantia calçadosduráveis e confortáveis. Era tão simples a idéia danova sandália que sua fama se espalhou. Em menosde um ano, a empresa fabricava mais de mil parespor dia, o que levou ao aparecimento das imitações.A concorrência tentou, mas prevaleceu a qualidadesuperior das “legítimas”, que contava com uma tec-nologia avançada e o uso de uma matéria-primaespecial que elimina o cheiro peculiar das sandáliasde baixo custo, justificando o slogan tão conhecido

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dos comerciais de TV protagonizados pelo humoristaChico Anysio: “Não deformam, não têm cheiro e nãosoltam as tiras”. Bonita e confortável, a sandáliaHavaianas se transformou num “cult”. Quem nãotem pelo menos um par – de qualquer cor, nãoimporta – está completamente desatualizado emrelação às peças básicas para qualquer guarda-roupaou mala que se preze. As Havaianas são a cara depelo menos três gerações de brasileiros. Passarampelos anos 1970, 1980 e 1990, e continuam até hoje.Não perdeu nenhum movimento, adaptando suasações às ordens da moda. Em 1994, ganharam umanova versão: as monocromáticas Havaianas Top.Uma clara referência ao seu posicionamento no mer-cado: um produto mais caro do que as tradicionais.Mídia e “vips” foram os primeiros a receber a novida-de em mãos. Os editoriais de moda, jornais e revistasforam unânimes: as Havaianas Top estavam provo-cando uma revolução na moda e no mercado.Transformaram-se em ícone, em objeto de desejo,em peça obrigatória. E em sinônimo de sandália. Foiseu desenho simples e inteligente que as levou paraimportantes mostras de “design” ou de exposiçõespelo mundo como produto representante do Brasil.Segmentando seu mercado, a São Paulo Alpargatascriou uma versão para cada pé e cada gosto: asTradicionais, a Top, as Havaianas Brasil, lançadasdurante a Copa do Mundo de 1998, a Surf, a Fashion,a Fashion Cristal, a Kids, a Clubes, a Floral, aAlamoana, a Milênio, entre outros tantos modelos.

Desde o seu lançamento até 2005, 2,7 bilhões depares de sandálias Havaianas foram fabricados e ven-didos. A qualidade do produto, a estratégia de marke-ting e a campanha publicitária baseada em depoi-mentos – gente famosa usando Havaianas – trouxe-ram vida para a tradicional sandália. Elas aparece-ram em inúmeras versões de fábrica e em coresdiversas. Foram decoradas pela criatividade daquelesque bordaram suas tiras com lantejoulas, vidrilhos,conchinhas ou pintaram seu solado. Tiveram suastiras e solados misturados, ganhando uma cara per-sonalizada. Os mais ousados inverteram a posiçãodas tiras, criando uma sandália diferente, ou usaramum pé de cada cor.

Se, como dizia Fernando de Barros, renomado jor-nalista de moda, “quase nada mudará na moda, pelomenos nos próximos dez anos, até que uma novageração apareça e invente uma nova moda”, umacoisa é certa: objeto de desejo, as Havaianas têm gla-mour, personalidade e estilo. Básicas, irresistíveis,

imprescindíveis e confortáveis, elas serão eternasenquanto durarem. Esses atributos, certamente, aju-dam a marca a ser algo tão fundamental em nossopaís por mais de 40 anos. Neste período, inúmerosacontecimentos foram decisivos para o sucesso damarca, que podemos chamar de ondas, nomeadas aseguir: a de “commodity” (primeira onda dasHavaianas), a da redefinição da estratégia em direçãoao consumidor de classe média, a da consolidação doaprendizado, com forte investimento no produto e nacomunicação, a da globalização e customização.

De maneira resumida, podemos notar que operíodo de commodity tem a maior duração – 1962a 1994 –, quando o produto era apenas um, bicolore em quatro cores, dedicado à população de baixarenda. Nesse momento, a marca vivia um períodode queda nas vendas e em rentabilidade. A empresadecidiu mudar o jogo e lançar as Havaianas Top, aessência da segunda onda.

A onda da redefinição da estratégia é justamenteo ponto fundamental dessa história, pois inicia areversão da percepção da marca e dá as bases paratodo o seu crescimento, chegando aos dias atuais. Abase desse período foi o lançamento das HavaianasTop e a entrada de um novo conceito de comunica-ção, focando o consumidor da classe média e viabi-lizando a entrada da marca em pontos-de-vendaonde ela não estava presente. Essa fase gera umaaceitação surpreendente no mercado e cria condi-ções para continuar com as inovações.

A onda da consolidação do aprendizado, comforte investimento no produto e na comunicação,ocorreu quando a empresa viu que a segmentaçãogerava no consumidor uma percepção positiva, coma valorização de produtos diferenciados e desenvol-vidos com foco em suas necessidades. Foi quando amarca se posicionou de maneira mais agressiva econtou com investimentos durante todos os mesesdo ano, além de altos investimentos em desenvolvi-mento de produtos e pesquisas com consumidores.Surgem, então, inúmeras famílias de produtos, eocorre a solidificação do conceito de foco em desen-volvimento de produtos e diversidade de modelos.

A quarta onda, a da globalização e customização,ocorre em razão da necessidade de expansão dosnegócios e a decisão de realizar vendas com marca,saindo da competição com produtos baratos devárias partes do mundo. Definida a estratégia, amarca decide ser global e entrar em muitos merca-dos. Com a base (o mercado nacional) consolidada,

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a ocasião não poderia ser mais propícia, uma vezque inúmeras atividades ocorrem, e o resultadofinal é uma ampla aceitação da marca nesses mer-cados, gerando grande retorno. Também a customi-zação é notada como importante meio de diferen-ciação, o que reforça o conceito da marca em todosos mercados onde atua.

Hoje, sem dúvida alguma, o maior desafio para osadministradores responsáveis pelo negócio chama-do “Havaianas” é definir quais serão os próximospassos nesta caminhada que já dura mais de 44 anos.Desde seu lançamento, em 1962, a marca passoupor diversas ondas. Do seu início como produtopopular, voltado às classes mais baixas da populaçãobrasileira entre 1962 e 1994; a mudança estratégicabuscando conquistar também as classes mais abasta-das, que começou naquele ano e se mantém atéhoje, e seu processo de internacionalização, iniciadono fim da década de 1990 e continua até hoje.

Mas como aumentar a satisfação dos clientes e,ao mesmo tempo, fazer com que a Havaianas, deuma forma geral, continue crescendo em imagem,rentabilidade e prestígio? Seguramente, não há umaresposta única para essa questão. O futuro daHavaianas dependerá de uma série de ações a seremtomadas nos próximos anos. Um dos artífices da ges-tão estratégica, Igor Ansoff desenvolveu uma matrizque ajuda as empresas a entender o funcionamentodos mercados e o posicionamento dos produtos.Tendo como base o modelo, chegamos à conclusãode que as ações para o sucesso futuro podem serdivididas da seguinte forma:a) Continuar sendo a melhor sandália de dedo deborracha do mundo (“The Best Rubber Sandal in theWorld”, como diz o seu “slogan”), ou seja, atuar comos produtos atuais nos mercados atuais e novos,baseado no fato inegável de que as sandáliasHavaianas são um sucesso no Brasil e no mundo,tornando-se sinônimo da categoria em que atua.Ainda que a Havaianas domine uma parcela enormedo mercado brasileiro de chinelos de dedo feitos deborracha (o que limita, naturalmente, seu cresci-mento no país), as exportações da empresa sãoainda tímidas. Existe um mercado potencial enormefora do Brasil para essas sandálias, que hoje é apenasparcialmente explorado, fruto de sua decisão estraté-gica de posicionar primeiro a marca no exterior, emdetrimento de volumes altos num momento inicial.b) Explorar as oportunidades de compartilhamentocom outras marcas que agreguem valor à sua marca.

Seguindo o raciocínio de Ansoff, isso permitiria criarnovos produtos e, com eles, explorar mercados atuaise também novos. Pelo que pudemos perceber na aná-lise de mercado que fizemos, a Havaianas, entre seusconcorrentes diretos, é a que menos explora as opor-tunidades de “co-branding”. Enquanto a Grendene,seu principal concorrente, e a Dupé possuem váriasassociações com outras “marcas”, tais como “Xuxa”,“Eliana”, “Sandy e Júnior”, para ficar em algumas, aHavaianas apresenta poucas associações nesse senti-do. Segundo Philip Kotler em Administração deMarketing, “um fenômeno crescente é o surgimentode marcas combinadas (também chamadas marcasduplas), entre duas ou mais marcas conhecidas. Cadapatrocinador espera que o outro nome de marca for-taleça a preferência ou a intenção de compra”. c) Desenvolver outros produtos com a marca

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Havaianas (“brand extension”), ou seja, trabalharcom novos itens nos mercados atuais e em novos.Após mais de 40 anos de história, a Havaianas con-seguiu um lugar de destaque no mercado e no cora-ção dos brasileiros. É um caso clássico em que anotoriedade da marca supera o produto. Nesse sen-tido, é chegada a hora de a empresa aproveitar anotoriedade da marca para expandir sua linha deprodutos, além dos já tradicionais chinelos de dedofeitos de borracha.

A diversificação deverá ser a quinta onda paratornar viável novas quebras de paradigmas para amarca, abrindo para ela novos mercados, inconcebí-veis há alguns anos. De acordo com Kotler, “os obje-tivos da empresa influenciam a extensão da linhade produtos. As companhias que buscam grandeparticipação de mercado e seu rápido crescimento

preferirão linhas mais extensas. As linhas de produ-to tendem a se expandir com o tempo. O excesso decapacidade de fabricação pressiona o gerente dalinha de produtos a desenvolver novos itens. A forçade vendas e os canais de distribuição também pres-sionam a empresa a adotar uma linha de produtosmais completa, a fim de satisfazer seus clientes”.

No caso das Havaianas, a pressão para o desen-volvimento de novos itens é visível em vários níveis.Os distribuidores da empresa no exterior abriramcanais de venda que permitem explorar a marcaHavaianas muito além dos atuais chinelos de dedode borracha. Várias sugestões para novos produtoscom a marca, tais como toalhas, camisetas, biquínis,artigos de praia e outros que nada têm a ver com oschinelos, mas que mantêm o “life style” da marca,vêm sendo apresentadas nos últimos tempos.

Mas como posicionar uma marca como aHavaianas, com histórico importante de preços bai-xos e clara diversificação de produtos e segmentosde mercado? Certamente, podemos fazer uma asso-ciação com a empresa suíça SMH, dona da marcaSwatch, que, embora já conte com um conteúdo de“design”, atualidade e modernidade, acaba tambémviabilizando produtos completamente diferenciadose para outros segmentos, como citado por Slywotzky& Morrison em Estratégia Focada no Lucro: “Nos últi-mos 14 anos, Nicolas Hayek, principal executivo daSMH, desenvolveu ativos impressionantes. Além davaliosa experiência gerencial, a SMH possui agoraduas armas importantíssimas: uma das marcasmais reconhecidas do mundo e uma montanha detecnologia patenteada altamente sofisticada. Reco-nhecendo que esses dois ativos funcionam melhorem conjunto, Hayek alavancou o nome Swatch, quehoje produz pagers, telefones celulares e outros dis-positivos de telecomunicação que utilizam a mesmatecnologia aperfeiçoada pela SMH ao longo de déca-das de atuação na fabricação de relógios”.

Diante do exposto, podemos afirmar que a res-posta é posicionar a marca focando os consumidoresque valorizam o seu diferencial. Todavia, no casoda Havaianas, que lida com o posicionamento namente de tantos consumidores das mais diferentesorigens, culturas e classes sociais, deve haver aindaa atenção redobrada para não confundir o posiciona-mento e, ocasionalmente, perder consumidores.

Extraído de Havaianas – passado, presente e caminhos para o futuro,trabalho de conclusão do MBA Executivo Internacional apresentado

na Fundação Instituto de Administração

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