Márcia Pompeo Nogueira - Diálogos Entre o Teatro Em Comunidades e a Academia

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  • 7/21/2019 Mrcia Pompeo Nogueira - Dilogos Entre o Teatro Em Comunidades e a Academia

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    Dilogos entre o Teatro em Comunidades e a Academia

    Mrcia Pompeo NogueiraPrograma de Ps Graduao em Teatro UDESC/Professor AdjuntoDoutorado Universidade de Exeter, InglaterraCentro de Artes da UDESC

    Resumo: O Teatro em Comunidades tem uma grande presena na sociedade brasileira,acontecendo a partir de iniciativas diversas, como as polticas pblicas, as ONGs, osmovimentos sociais, instituies religiosas, grupos de teatro ou mesmo por iniciativaindependente de pessoas das comunidades; mas sua presena nas universidades ainda bastante limitada. Esta pesquisa refere-se a um formato de interao da universidade compraticantes do teatro em comunidades, baseado no dilogo, no respeito mtuo e naaprendizagem compartilhada, que se desenvolve no interior do FOFA Ncleo deFormao de Facilitadores. Mais especificamente ao processo criativo de Relaes emConflito e a abordagem metodolgica desenvolvida desde a interao com a comunidade, aidentificao temtica e escolhas estticas.

    Palavras-chave: teatro em comunidades, formao, processo criativo.

    O alcance e o significado do Teatro em Comunidades, no Brasil, tm indicadorescontraditrios. De um lado, ele parece no ser significativo, quando buscamos por umabibliografia nacional sobre o teatro feito nesses contextos; ou quando buscamoscomunicaes e palestras nos Congressos, Seminrios de Teatro, mesmo nos que tm focoem Pedagogia do Teatro e Teatro na Educao; e ainda quando buscamos nas academiasbrasileiras disciplinas que tratem do teatro na comunidade, nos cursos de graduao e ps-graduao em Teatro.

    No entanto, ao pesquisar as prticas existentes, podemos identificar um nmeromuito grande de prticas teatrais que acontecem em contextos comunitrios, propostas apartir de diferentes iniciativas. So espaos em que o teatro praticado fora dos holofotesdo teatro comercial e que, talvez por isto mesmo, parece ser invisvel para as editoras epara academia. Seguem alguns exemplos de espaos em que o teatro acontece emcontextos comunitrios. A ideia de list-los tem a finalidade de indicar, mesmo que de formasuperficial, as dimenses desse campo de atuao, carente de pesquisas e publicaes.

    A prtica teatral em ONGs , em geral, oferecida em comunidades de baixarenda. Ela tem se multiplicado recentemente de forma vertiginosa. Alguns estudos j sededicam a esse tema, mas ainda h muito que se aprofundar, em funo da quantidade eda variedade de prticas existentes. S para ter uma ideia, uma pesquisa feita peloprograma Juventude Transformando com Arte com o objetivo recolher e disponibilizarinformaes sobre aes voltadas ou lideradas por jovens, promovidas por grupos eorganizaes que tenham por foco a transformao social por meio da arte e da cultura identificou 572 prticas apenas na regio Nordeste, das quais 522 so propostas porONGs. Apesar deste mapeamento no ter o foco na linguagem teatral, ele mostra que as

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    atividades teatrais esto presentes em 58% das iniciativas. Dados semelhantes soidentificados no mapeamento, ainda inacabado, da regio Sudeste.

    Outro exemplo o teatro feito em comunidades vinculadas a movimentos polticos e sociais. No MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra alm da

    presena de uma prtica bastante teatralizada, que existe desde a origem do movimento, aschamadas Msticas, o MST teve formao em Teatro do Oprimido no Centro do Teatro doOprimido do Rio. Outra influncia teatral, no Movimento, vem de grupos teatrais, como porexemplo, a Companhia do Lato, que contribuiu para a estruturao do grupo, do MST,Filhos da Me... Terra . O que impressiona nessa modalidade de teatro em comunidades aincorporao da estrutura e organizao poltica para disseminar a prtica teatral, que, nocaso do MST, multiplica-se rapidamente em assentamentos de diferentes regies do Brasil.

    A proposta de prticas teatrais comunitrias enquanto polticas pblicas acontece

    por meio de diferentes modelos, que variam em termos de maior ou menor articulao entreas atividades, dos recursos envolvidos na sua estruturao, do tamanho da cidade e dopartido de seus governantes. A ttulo de exemplo, cito as Oficinas Populares de Teatro , daSecretaria da Descentralizao da Cultura em Porto Alegre, criadas na gesto do Partidodos Trabalhadores na prefeitura da capital gacha. A proposta de arte nos bairros pdemanter-se por muitos anos, criando diversos grupos. Muitos deles atuam em comunidadesespecficas por vrios anos, criando trabalhos mais slidos. A valorizao destes trabalhosaparece em eventos maiores que articulam os diferentes grupos.

    O teatro de Grupo tambm est na origem de muitos trabalhos de teatro em

    comunidades. Essa ligao pode ter sua origem na necessidade de sobrevivncia financeirado grupo e dos seus membros e/ou estar ligada aos objetivos intrnsecos do grupo. Avinculao da Cia do Lato com o MST, citada acima, um exemplo disso. Outro exemplo o trabalho do grupo gaucho Oi nois aqui traveis que inclui oficinas nos bairros de PortoAlegre, desde 1988.

    O Teatro Comunitrio religioso a origem do engajamento de muitos jovens coma prtica teatral. Envolve frequentemente encenaes ligadas a datas religiosas, como arepresentao da Paixo de Cristo , que pode adquirir contornos mais ou menoscomunitrios, dependendo do tipo de envolvimento dos participantes; trabalhos vinculados agrupos de jovens; trabalhos assistenciais etc. A prtica teatral com comunidades pode seridentificada junto religio esprita, pentecostal, catlica etc.

    Existem tambm prticas teatrais comunitrias independentes que se vinculam acomunidades de local, buscando financiamentos diversos, mas existindo independentedeles. Destaco algumas perspectivas de longo prazo, como o grupo Ns do Morro , da favelado Vidigal, no Rio de Janeiro; o GrupoPombas Urbanas , em So Paulo, e o grupo de teatro

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    de So Gonalo do Bao, Minas Gerais. Todas elas com mais de 20 (vinte) anos deexistncia.

    Sabemos que nem todas as prticas citadas identificam-se com o nome deTeatro em Comunidades, mas como elas acontecem em contextos comunitrios, optamos

    por inclu-las nesta modalidade teatral. A prtica teatral em cada um desses espaos , naverdade, um campo de pesquisa que precisa ser aprofundado. De qualquer forma, osexemplos citados no esgotam a totalidade de experincias teatrais feitas em contextoscomunitrios e acredito que delas conhecemos apenas uma pequena amostra, a ponta deum iceberg .

    Diante dessa contradio entre o pequeno espao do teatro em comunidades naacademia e a exploso de prticas nessa rea, alguns questionamentos se afirmam: comoreverter este quadro? Como a universidade pode se acercar do teatro em comunidades, de

    forma a dar consistncias aos contedos ensinados sobre o assunto? De outro lado como areflexo terica, a sistematizao do conhecimento teatral especfico e o dilogo com outrasreas do conhecimento tambm podem contribuir para o fazer teatral nos contextoscomunitrios? Precisamos conhecer a realidade das prticas para poder dialogar com elas.Por outro lado, a sistematizao do conhecimento advindo da prtica e a reflexofundamentada em bases tericas podem contribuir para se aprender com os erros e acertosdos outros.

    A diversidade e a relao ensino, pesquisa e extenso

    Na minha prtica como professora do Centro de Artes da UDESC, venhobuscando a resposta a essas questes. Para tal, criamos um programa de extenso, queenvolve trs aes: o Ncleo de Formao de Facilitadores (FOFA), o Grupo Experimentalde Teatro e Comunidade (neste ano focado na interao com a comunidade da Tapera) e asOficinas Intensivas de Teatro. Essas aes so integradas e profundamente relacionas coma prtica didtica na Universidade e com o projeto de pesquisa por mim coordenado.

    A base de todas estas aes o FOFA, um grupo que integra pessoas de dentroda universidade alunos de graduao (entre eles bolsista, estagirios e voluntrios),alunos de mestrado, que desenvolvem pesquisa nesta rea, e a professora coordenadorado projeto e pessoas de fora da universidade - lideres comunitrios e coordenadores detrabalhos teatrais em comunidades, escolas e sindicatos. A opo pelo teatro emcomunidades surge, para alguns, como evoluo de uma prtica teatral, que busca umainterao com um contexto especfico, para outros, surge de uma atuao comunitria, quebusca no teatro um caminho para ampliar seu vnculo com a comunidade. Tanto num casocomo no outro h a necessidade de debater o fazer teatral em comunidades.

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    A diversidade que caracteriza a histria de vida de cada um de seus integrantes o que tem de mais rico no FOFA. Trata-se de um espao de encontro, de trocas, dedilogo. Juntos formamos um grupo que pode investigar metodologias teatrais, debatertemas de interesse comum, de forma a um subsidiar os diferentes trabalhos coordenados

    pelos membros do grupo. A linha condutora do FOFA segue a proposta dialgica do teatro para o desenvolvimento, segundo o qual toda a fundamentao terica e experimentaoprtica est centrada na valorizao da voz das comunidades na construo do processocriativo.

    A Oficina Intensiva um evento que acontece no Centro de Artes e envolve osintegrantes dos grupos de todos os integrantes do FOFA. Durante todo um final de semana,so oferecidas oficinas em diferentes aspectos da linguagem teatral. Os vrios gruposenvolvidos se rodiziam por essas oficinas, ampliando seu conhecimento sobre a linguagem

    teatral. O Grupo Experimental de Teatro em Comunidades relaciona os membros doFOFA e uma comunidade especfica numa montagem teatral. No momento estacomunidade a Tapera, no Sul de Florianpolis, criado com o objetivo de fortalecer otrabalho teatral ali existente, ao mesmo tempo em que criava um repertrio comum, de umaprtica teatral em comunidades, para todos os seus integrantes. Nossa interao com aTapera envolveu desde formas de se chegar numa comunidade, respeitando a cultura local,identificando os temas a serem desenvolvidos teatralmente, incluindo o prprio processocriativo e sua apresentao.

    Esses projetos representam um caminho para o dilogo entre a universidade e aprtica teatral feita em contextos comunitrios. So parte de um longo caminho que esperotrilhar com outras iniciativas desse tipo. Trata-se de uma via mo dupla, de um lado aparticipao dos alunos do mestrado e da graduao traz para dentro do FOFA um debatefundamentado, baseado nos contedos trabalhados na Universidade. De outro lado osmembros do FOFA tm contribudo para a universidade por meio das experincias em suascomunidades, trazendo um conhecimento fundamentado na prtica que aprofunda nossosdebates e avaliaes.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    NOGUEIRA, Marcia Pompeo Teatro e Comunidade in TELLES, Narciso; FLORENTINO,Adilson (orgs)Cartografias do Ensino de Teatro . Uberlndia:UDUFU, 2009.

    _____. Teatro e Comunidade: Interaes Dilemas e Possibilidades . Florianpolis: UDESC,2009.

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    NOGUEIRA, Marcia Pompeo; GIMMLER NETTO, Maria Amlia. Teatro e Comunidade emPorto Alegre: um estudo de Caso. Segunda Jornada de Pesquisa do CEART , 2006. (meiodigital)

    NOGUEIRA, Marcia Pompeo; RTULO, Guilherme. Prticas Teatrais no MST.TerceiraJornada de Pesquisa do CEART , 2007. (meio digital)

    NOGUEIRA, Marcia Pompeo; ROSA, Monique. As ONGs e o teatro em comunidades . In: http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume4/numero1/cenicas/asongseot.pdf Revista da Descentralizao. Porto Alegre: Catarse, 2009.

    SILVESTRE, Neomisia.Esumba, Pombas Urbanas! 20 anos de uma prtica de Teatro eVida. So Paulo: Instituto Pombas Urbanas, 2009.

    STEDILI, Joo Pedro. Brava Gente: a trajetria do MST e a luta pela Tearra no Brasil . SoPaulo: Fundao Perseu Abramo, 1999.

    VIGAN, Suzana Schmidt. As Regras do Jogo: a Ao Sociocultural em Teatro e o IdealDemocrtico . So Paulo, Hucitec, 2006.

    Sites Consultados: http://www.juventudearte.org.br/. Em 02/09/2010.

    Meu acesso a produes teatrais feitas em comunidades aconteceu inicialmente a partir do projeto de pesquisa,por mim coordenado, Banco de Dados em teatro para o desenvolvimento de comunidades, iniciado em 2005.Esse projeto partia da necessidade de contribuir para o mapeamento dessa modalidade teatral, no Brasil, pormeio de preenchimento do formulrioon line. Partindo de pesquisa de endereos eletrnicos de grupos a seremcontatados, identificamos alguns trabalhos e solicitamos que respondessem ao questionrio e que passassem afazer parte do Banco de Dados. O formulrio foi concretizado e nos forneceu algumas pistas, apesar dasdificuldades tcnicas e financeiras que tivemos no desenvolvimento da pesquisa.

    Ver Vigan, Suzana Schmidt As Regras do Jogo: a ao cultural em teatro e o ideal democrtico. So Paulo:Hucitec, 2006. Rosa, Monique. As ONGs e o teatro em comunidades . In: http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume4/numero1/cenicas/asongseot.pdf Trata-se de um mapeamento de iniciativas de Arte e Cultura, promovido pelo programa JuventudeTransformando com Arte , desde 2005. Este programa faz parte do Centro de Pesquisa sobre Polticas Pblicas CEPP - coordenado pelas pesquisadoras Beatriz Azeredo e ngela Nogueira. Ele pode ser acessado no site:http://www.juventudearte.org.br/.As msticas so representaes artsticas desenvolvidas coletivamente pelos militantes do Movimento dos SemTerra h cerca de vinte anos. Segundo Joo Pedro Stedille, elas tm o objetivo de manter o engajamento e aunidade, dos militantes, na luta pela reforma agrria no Brasil (Stedille, 1999, p.).Sobre este tema pesquisar Nogueira, Marcia Pompeo. Teatro e Comunidade: Interaes Dilemas ePossibilidades . Florianpolis: UDESC, 2009.Ver Rtulo, Guilherme; Nogueira, Mrcia Pompeo Prticas Teatrais no MST.Maria Amlia Gimmler Netto, bolsista de Pesquisa do CEART/UDESC, pesquisou em 2006 trs prticas teatrais

    comunitrias: Parque dos Maias, Bairro Cristal e Bairro Humait, que eram vinculadas aos projetos da Secretariade Descentralizao da Cultura e existiam h mais de trs anos. Ver Nogueira, M. P.; Gimmler Netto, M. ATeatro e Comunidade em Porto Alegre: um estudo de caso.In: Nogueira, Marcia Pompeo (org). Teatro na Comunidade: Interaes, Dilemas e p\ossibilidades. Flrianpolis,UDESC, 2009, p. 57. Destaco, a ttulo de exemplo, o trabalho de concluso de curso de Reginaldo Maurcio Ferreira O Papel doTeatro Religioso na comunidade do Ribeiro da Ilha: a Encenao da Paixo de Cristo (2005), que detalha umprocesso de aprofundamento das qualidades teatrais da encenao da Paixo de Cristo paralelo a umenvolvimento crescente da comunidade do Ribeiro da Ilha, Florianpolis, na encenao.A tese de doutorado de Marina Henriques, defendida na UNIRIO Favela como Palco e Personagem: e o Desafioda Comunidade como sujeito, trata do tema Ns do Morro.

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    Sobre o grupo Pombas Urbanas ver Silvestre, Neomisia. Esumba, Pombas Urbanas! 20 anos de uma prtica deTeatro e Vida. So Paulo: Instituto Pombas Urbanas, 2009.Mrio Csar Coelho Gomes pesquisou o grupo de teatro de So Gonalo do Bao. Ver Gomes, Mario Csar c.;Nogueira, Mrcia P.. Garimpando o Teatro de So Gonalo do Bao.Sobre definies de Teatro na Comunidade ler: Nogueira, Marcia Pompeo Teatro e Comunidade in Telles,Narciso; Florentino, Adilson (orgs)Cartografias do Ensino de Teatro . Uberlndia:UDUFU, 2009.

    Programa Teatro e ComunidadeComplementarmente o evento pode envolver tambm integrantes de grupos de teatro coordenados porestagirios de Teatro na Comunidade.Desse processo resultou a montagem Relaes em Conflito , unindo os membros do FOFA e jovens dacomunidade num processo que vinculou a pesquisa sobre a comunidade e o texto Woyzeck, de Georg Bchner.