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CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS FACULDADE DE DIREITO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO EMPRESARIAL MÁRCIO DA SILVA FRAGA O PRINCÍPIO DO DISCLOSURE NOS CONTRATOS DE FRANQUIA EMPRESARIAL Porto Alegre 2011

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CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO EMPRESARIAL

MÁRCIO DA SILVA FRAGA

O PRINCÍPIO DO DISCLOSURE NOS CONTRATOS DE FRANQUIA EMPRESARIAL

Porto Alegre 2011

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MÁRCIO DA SILVA FRAGA

O PRINCÍPIO DO DISCLOSURE NOS CONTRATOS DE FRANQUIA EMPRESARIAL

Monografia Obtenção do título de Especialista em Direito Empresarial

Centro Universitário Ritter dos Reis Orientadora: Professora Mestre Ana Cláudia Redecker

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RESUMO

Esta monografia faz um estudo da atividade de franquia empresarial, relacionada com o princípio da transparência, ou princípio do disclosure. Apresenta a definição de franquia empresarial, um breve histórico deste instituto e os mais diversos tipos de franquia. Conceitua o contrato de franquia, apresenta suas características, as obrigações e direitos do franqueador e do franqueado frente ao instrumento que os vincula, e as cláusulas essenciais que este documento deve conter. Analisa com profundidade a circular de oferta de franquia, instrumento prévio à contratação onde se manifesta de forma mais cristalina a obrigatoriedade da observância da transparência nas relações entre franqueador e franqueado. Apresenta analiticamente o princípio do disclosure, relacionando-o com os princípios gerais do direito contratual. Por fim, apresenta este princípio aplicado à atividade de franquia empresarial, sua importância nas relações advindas desta atividade e as conseqüências da sua não observância. A análise destes institutos afirmou a importância e a necessidade de observância do princípio da transparência na atividade de franquia empresarial, não só por parte do franqueador, como legalmente disposto, mas também por parte do franqueado, devendo o descumpridor deste princípio responder pelas conseqüências da sua não aplicação.

Palavras – chave: Franquia – empresarial – contrato - princípio – disclosure – transparência

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................4 1 FRANQUIA EMPRESARIAL ...................................................................................6 1.1 BREVE HISTÓRICO............................................................................................11 1.2 TIPOS DE FRANQUIA.........................................................................................13 1.2.1 Franquia de negócio formatado e franquia tradiciona l...............................13 1.2.2 Franquia industrial, de produtos e de serviço s...........................................13 1.2.3 Franquia direta, indireta e associativa ..........................................................14 1.2.4 Franquia unitária, multifranquia e plurifranq uia ..........................................14 1.3 CONTRATO DE FRANQUIA...............................................................................15 1.3.1 Classificação do contrato de franquia ..........................................................18 1.3.2 Obrigações e direitos das partes ..................................................................20 1.3.3 Cláusulas essenciais ......................................................................................21 2 A CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA ..........................................................24 3 O PRINCÍPIO DO DISCLOSURE...........................................................................32 3.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO CONTRATUAL E O PRINCÍPIO DO DISCLOSURE............................................................................................................35 3.2 O PRINCÍPIO DO DISCLOSURE APLICADO À ATIVIDADE DE FRANQUIA.................................................................................................................39 CONCLUSÃO ............................................................................................................46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................49

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INTRODUÇÃO

Presente no mercado brasileiro desde o início do século XX, a atividade de

franchising está bastante em voga atualmente, sendo considerado um novo filão de

mercado a ser explorado por empresas e investidores.

A instituição de uma rede franqueada exige o cumprimento de formalidades

e apresenta riscos tanto para a empresa franqueadora como para os seus

franqueados. Para evitar ou amenizar estes riscos faz-se necessário a observância

do princípio do disclosure, ou princípio da transparência, que reza pela abertura dos

dados e da situação em que se encontram as empresas postulantes à assinatura de

um contrato de franquia, nas esferas contábil, fiscal, jurídica, entre outras, bem como

todas as definições sobre o objeto da atividade que será desenvolvida.

Assim, a presente monografia trata da aplicação do princípio do disclosure

nos contratos de franquia empresarial, sendo utilizado o método dedutivo, e como

material de pesquisa a doutrina, legislação e decisões judiciais no âmbito nacional.

Inicialmente analisar-se-á o instituto da franquia empresarial, detalhando a

origem da atividade de franchising e os tipos de franquia existentes. Serão

estudadas também, de forma analítica, as características do contrato de franquia

empresarial, as obrigações e os direitos das partes envolvidas em uma negociação e

contratação da atividade de franquia e as cláusulas essenciais que devem nortear a

formalização do contrato entre franqueador e franqueado.

Em um segundo momento, estudaremos a circular de oferta de franquia,

instrumento prévio ao contrato e indispensável a este, e os requisitos obrigatórios

que deve conter, cujo atendimento é a forma mais clara de manifestação do princípio

do disclosure, uma vez que as empresas interessadas em negociar e pactuar um

sistema de franquias devem, obrigatoriamente, divulgar, através desta circular, as

informações exigidas pelo artigo 3º da Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994,

que dispõe sobre o contrato de franquia empresarial, e que serão analisadas

detalhadamente nesta monografia.

Este princípio, que traduz a transparência que deve prevalecer nas

transações comerciais, será analisado, neste trabalho, em cotejo com os princípios

gerais do direito contratual, e também a sua estreita relação com a atividade de

franquia empresarial, onde constitui requisito obrigatório. Serão analisados os

aspectos legais, formais e práticos da aplicação do princípio do disclosure nesta

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atividade e as implicações jurídicas do seu descumprimento, bem como será

demonstrado que há necessidade da observância deste princípio nos contratos de

franquia, a fim de promover a transparência na relação negocial entre franqueador e

franqueado.

Serão analisadas ainda as conseqüências da não observância do princípio

do disclosure nas negociações e contratações relativas à atividade de franquia

empresarial. A falta de transparência nas negociações para fechamento de um

contrato de franquia pode causar a anulabilidade do contrato e o dever de indenizar

pela parte descumpridora da obrigação.

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1 FRANQUIA EMPRESARIAL

Franquia empresarial, ou franchising, é um sistema negocial onde uma

parte, chamado franqueador ou franchisor, que possui um produto de notória

aceitação no mercado, cede à outra, chamado franqueado ou franchisee, o direito de

uso da sua marca ou patente e o direito de distribuição de seus produtos ou

serviços, dando-lhe ainda suporte tecnológico para o desenvolvimento do negócio.

A franquia empresarial é regulada pela Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de

1994, que traz o conceito desta atividade no seu artigo 2º: “Franquia empresarial é o

sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou

patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos

ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de

implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou

detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no

entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.”

Podemos estudar este conceito analiticamente, da seguinte forma:

Franquia empresarial é um sistema. Devemos entender por sistema

negocial, ou mercantil, uma situação onde ambas as partes (franqueador e

franqueado) buscam lucro com o negócio realizado, assim como é um sistema

negocial a atividade de distribuição, de agência, de representação, que se

assemelham com a franquia, mas que dela se diferenciam em pontos fundamentais,

como o suporte tecnológico dado pelo franqueador e a forma de remuneração, que

na franquia ocorre mediante o pagamento de royalties pelo franqueado ao

franqueador.

O franqueador cede direitos ao franqueado. Trata-se de legítima cessão,

pois depois de estabelecida a franquia, não cabe ao franqueador buscar indenização

pela utilização destes direitos pelo franqueado contratado, a não ser, obviamente,

em face do seu mau uso.

Os direitos cedidos são: uso de marca ou patente; distribuição exclusiva ou

semi-exclusiva do seu produto ou serviço, e uso de tecnologia de implantação.

Podemos afirmar que a utilização da marca é o principal ativo disponibilizado pelo

franqueador ao franqueado. Será em vista da representatividade da marca, alçada

ao reconhecimento e à popularidade pela excelência dos produtos comercializados

ou serviços prestados pela sociedade que representa, que a franquia terá sido

7

criada, pois não seria atrativo para os potenciais candidatos a franqueado ostentar

uma marca que não causasse boa repercussão junto ao público consumidor.

Quanto à distribuição, deverá ser exclusiva ou, no máximo, semi-exclusiva,

onde mais de um franqueado opera na mesma região. Há a impossibilidade, por

exemplo, de um franqueador distribuir seus produtos em grandes redes de

supermercados e manter uma rede de franquias na mesma localidade. Estaria

fazendo concorrência com sua própria estrutura, e mais, concorrência que destinaria

seus franqueados à bancarrota, tendo em vista o grande poderio econômico das

grandes redes supermercadistas.

Com relação à cessão da tecnologia de implantação e administração ou

sistema operacional, é fundamental para que o franqueado possa alcançar o padrão

de qualidade exigido pelo franqueador para venda do produto ou serviço que

estampa a sua marca. A não concessão da tecnologia necessária ao desempenho

das atividades pelo franqueado pode gerar a responsabilização do franqueador,

conforme depreendemos da seguinte ementa:

“Franquia não formatada. Falta de estrutura para ma nutenção dos

negócios. Responsabilidade da empresa franqueadora pelos prejuízos

advindos aos franqueados. Reconvenção. As vendas efetivamente

realizadas devem ser remuneradas ao franqueador, compensando-se os

valores. A franquia exige, para que se desenvolva o negócio a contento,

a estrutura básica necessária. Provada a inexistênc ia dessa estrutura, é

a franqueadora responsável pelos prejuízos decorren tes. As vendas

efetivamente realizadas, porém, devem ser remuneradas à franqueadora.

Ação e reconvenção julgadas procedentes, em parte. Recurso improvido.

Sentença mantida, por seus fundamentos.”(TJRGS, Apelação nº 596040527,

6ª Câm. Cível, Relator Des. Jorge Alcibíades Perrone de Oliveira) [grifo

nosso].

Remuneração direta ou indireta: geralmente o franqueado paga ao

franqueador um valor fixo inicial, para custear os treinamentos iniciais que serão

ministrados pelo franqueador e outras assessorias necessárias para o início do

projeto, além de uma parte variável chamada royalties, como contraprestação pela

utilização da marca, e incidente sobre o seu faturamento bruto mensal. Estes

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royalties constituem a remuneração direta na operação de franquia. A remuneração

indireta é a que corresponde a outras atividades correlatas, porém não

fundamentais, à atividade, como uma eventual indicação de fornecedores, por

exemplo.

Não caracterização do vínculo empregatício: não obstante entendimentos

jurisprudenciais diversos, o custo com os recursos humanos contratados cabem ao

franqueado. Colacionamos duas decisões, demonstrando posições contrárias a

respeito deste tema:

“ No caso, configurada a existência de franquia empresarial entre as

reclamadas, nos termos da Lei nº 8.955/94, e não tendo o reclamante

demonstrado a existência de fraude ou o desvirtuamento do instituto da

franquia, não há como reconhecer a responsabilidade subsidiária da

segunda reclamada pelos créditos trabalhistas decorrentes da presente

ação. Recurso provido.” Acórdão - Processo 0142800-21.2009.5.04.0383

(RO).

“Possível o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da franqueadora

pelas obrigações trabalhistas assumidas pela empresa franqueada, vez que

evidenciado o benefício indireto auferido pela franqueadora na prestação de

serviços da reclamante em proveito da empresa franqueada. Aplicação do

entendimento da Súmula 331, IV, do TST. Recurso provido.” Acórdão -

Processo 0086200-45.2009.5.04.0232 (RO)

O franqueado é pessoa jurídica diferente do franqueador, não cabendo a

este a responsabilidade solidária ou subsidiária pelo não pagamento dos

funcionários contratados pelo franqueado, ou dele próprio, caso seja pessoa física,

pois o próprio artigo em comento assim dispõe.

A franquia é, nos dias de hoje, um formato de negócio extremamente

benéfico tanto para o franqueador quanto para o franqueado. Prova disso é a sua

expansão nos mais diversos ramos. Hoje, temos exemplos de franquia em

praticamente todas as atividades. Abaixo apresentamos as maiores franquias do

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Brasil, em número de franqueados, conforme a Associação Brasileira de

Franchising.1

Classificação Rede Segmento Total de Unidades

1ª O Boticário Cosméticos e perfumaria 3134 2ª Colchões Ortobom Móveis, decoração e

presentes 1668

3ª Kumon Educação e treinamento 1655 4ª L’Acqua di Fiori Cosméticos e perfumaria 1166 5ª Wizard Idiomas Escolas de idiomas 1163 6ª AM PM Mini Market Negócios, serviços e

conveniência 1076

7ª Cacau Show Bebidas, cafés, doces e salgados

1047

8ª Escolas Fisk Escolas de idiomas 1002 9ª Hoken Beleza, saúde e produtos

naturais 896

10ª BR Mania Negócios, serviços e conveniência

776

11ª CCAA Escolas de idiomas 774 12ª Bob’s Alimentação 750 13ª Microlins Educação e treinamento 746 14ª Jet Oil Serviços automotivos 706 15ª Subway Alimentação 648 16ª CNA Escolas de idiomas 637 17ª Água de Cheiro Cosméticos e perfumaria 620 18ª McDonald’s Alimentação 616 19ª Unepx Mil 48 Horas Serviços automotivos 514 20ª Carrinho Chopp

Brahma Bebidas, cafés, doces e

salgados 504

21ª Igui Entretenimento, brinquedos e lazer

501

22ª Oi Franquia Comunicação, informática e eletrônicos

470

23ª Localiza Rent a Car Serviços automotivos 467 24ª Óticas Diniz Beleza, saúde e produtos

naturais 435

25ª Yázigi Internexus Escolas de idiomas 434

1 Associação Brasileira de Franchising. Disponível em: www.portaldofranchising.com.br/site/content/guiadefranquias/RankingFranquia.asp?codA=11. Acesso em 22 de setembro de 2011.

10

Afirmando a idéia de que a franquia empresarial é vantajosa tanto para o

franchisor quanto para o franchisee, Maria Helena Diniz assim escreveu: “o

franchising é vantajoso para ambas as partes, pois possibilita ao franqueador a

expansão de seus negócios com baixos investimentos, e ao franqueado a

oportunidade de ser seu próprio patrão, de ser dono de sua empresa, com riscos

bem menores do que os enfrentados por aqueles que se aventuram no auto-

empresariamento sem contar com auxílio de alguém com experiência, proprietário

de uma grande marca. E, além disso, permite ao consumidor beneficiar-se da

qualidade uniforme do produto ligado a uma marca conhecida e a método já

experimentado.”2

Além das vantagens ao franqueador e ao franqueado, a atividade de

franquia empresarial também traz vantagens aos consumidores, pois através dela

estes passam a ter maiores possibilidades de alcançar produtos e serviços de

qualidade notoriamente reconhecida, aproximando o seu objeto, seja ele comercial

ou de prestação de serviços, dos consumidores, devido à sua finalidade de

expansão territorial, com a conseqüente colocação do produto nos mais diversos

recantos, do país ou do mundo.

Como amostra podemos citar as grandes redes de fast food McDonald´s,

Burger King e Pizza Hut, que estão espalhadas pelos mais diferentes países,

cumprindo a sua função de levar ao consumidor produtos com a qualidade que

estas marcas representam.

Além de levar produtos de qualidade reconhecida, aliados à força de uma

marca, o sistema de negócios chamado franquia empresarial cumpre ainda um

importante papel socioeconômico no mundo moderno, principalmente em países

subdesenvolvidos e em desenvolvimento, pois leva aos empresários destes locais

modernas técnicas de produção e comercialização de produtos, prestação de

serviços e administração negocial. Mesmo dentro do território de determinado país,

a atividade de franquia auxilia no crescimento da economia, na medida em que

oportuniza a todos serem franqueados de uma grande rede, gerando empregos e

movimentando a economia dos mais diversos locais onde se instala.

2 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 50.

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1.1 BREVE HISTÓRICO

De forma geral, entende-se que a atividade de franquia empresarial surgiu

com a inovadora experiência da empresa norte-americana Singer, fabricante de

máquinas de costura, que estabeleceu, neste formato de negócio, uma rede de

revendedores, na metade do século XIX.

No formato como é conhecido hoje, o sistema de franquia se desenvolveu

também nos Estados Unidos da América, por volta de 1950.

Os soldados que voltaram da Segunda Guerra Mundial tiveram direito a um

pecúlio pelos serviços prestados e pelas atividades altamente periculosas a que se

submeteram no front. Em paralelo, enfrentavam dificuldades para encontrar

colocação no mercado de trabalho, tendo em vista o grande número de combatentes

que voltavam do conflito e buscavam emprego.

“Después de la rendición del Japón em agosto de 1945, el pueblo

norteamericano dirigió la mayor parte de su atención hacia los problemas

internos, el primero de los cuales era reintegrar a la vida civil a millones de

soldados repatriados. Em dos años el número de uniformados bajó de 12

millones a um millón y médio. La promulgación em 1944 de la Ley para la

Readaptación de Militares conocida popularmente como “Carta de Derechos

de los Conscriptos” facilitó la transición de la vida militar a la civil pues el

gobierno otorgó prestamos para que los veteranos compraran casas,

tuvieran negócios o granjas, así como para su capacitación mientras

trabajaban. La ley financio también la instrucción universitária de más de dos

millones de veteranos.”3

A reunião destes dois fatores, aliada à expansão econômica norte

americana pós-guerra, foram preponderantes para a (re) descoberta da atividade de

franquia empresarial como negócio promissor tanto para os candidatos a

franqueado, como forma de investimento e aplicação de seus recursos em um

negócio próprio, como para as grandes empresas, que buscavam novos mercados

ou crescimento no mercado interno. Para o historiador Florival Cáceres “a Segunda

3 OLSON, Keith W. Reseña de la história de los Estados Unidos. Servicio Informativo y Cultural de Los Estados Unidos de America. p. 163-164.

12

Guerra foi extremamente benéfica para os Estados Unidos. Em primeiro lugar, por

estarem situados fora da zona de combate, e não sofrerem, por isso, devastações e

destruições como os países europeus. As perdas humanas e materiais norte-

americanas foram menores que as de outros países beligerantes. Em segundo

lugar, a participação dos E.U.A. na guerra permitiu-lhe um crescimento econômico

que superou os efeitos negativos da Grande Depressão econômica iniciada em

1929. Com a economia voltada para a guerra, as empresas utilizavam toda a sua

capacidade de produção e reduziu-se o desemprego. A produção industrial quase

duplicou entre 1939 e 1947. Com isso, cresceram violentamente os lucros das

grandes empresas monopolistas, e conseqüentemente a burguesia americana ficou

bem fortalecida.”4

No Brasil, a primeira empresa a adotar o sistema de franquias foi a Calçados

Stella. É a lição que nos traz Ana Cláudia Redecker: “No Brasil, o pioneiro em

franquia empresarial foi o brasileiro Arthur de Almeida Sampaio, fabricante dos

calçados Stella, que, em 1910, utilizou algumas práticas que hoje constituem o

método responsável pelas atividades de franquia para ampliar suas vendas.

Dentre estas atividades destaca-se o processo de seleção que criou para

escolher os representantes comerciais a fim de realizarem, eles próprios, os

investimentos necessários à instalação dos novos pontos, ou simplesmente

utilizarem os pontos já existentes, onde era instalada (fornecida pelo representado)

a placa “Calçados Stella”, antecipando-se, portanto, à padronização visual”.5

Podemos identificar, na experiência pioneira de Arthur de Almeida Sampaio,

alguns dos atos relativos ao estabelecimento de um sistema de franquias que hoje

são obrigatórios, e até exigidos legalmente, para a sua formalização. A questão da

padronização visual, por exemplo, fornecendo aos seus representantes as placas

indicativas de que ali estava estabelecido um agente delegado desta indústria

calçadista, e por conseqüência da qualidade destes produtos. Tal como ocorre hoje,

quando o franqueador cede ao franqueado o direito de utilização da sua marca.

Quanto ao processo de seleção outrora utilizado, certamente contou com

alguma espécie de divulgação e instrumentalização semelhante à hoje utilizada (e

legalmente exigida) circular de oferta de franquia, estabelecendo alguns requisitos

4 CÁCERES, Florival. História da América. São Paulo: Editora Moderna, 1990, p. 161. 5 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia empresarial. São Paulo: Memória Jurídica, 2002, p. 31.

13

que os candidatos à representante dos Calçados Stella deveriam atender para

formalizar a sua condição de franqueado.

Após a experiência pioneira dos Calçados Stella, a franquia empresarial no

Brasil voltou a ser bastante explorada na década de 70, com o surgimento de

grandes redes de franquias no país. De lá para cá, o instituto da franquia

empresarial foi se tornando mais conhecido e atraente aos empreendedores em

busca do negócio próprio, tendo o seu momento de maior sucesso na década de 80,

impulsionado pelas medidas econômicas do governo da época. No entanto, a

regulamentação da franquia empresarial somente veio a acontecer na década

seguinte, com a Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994.

Nos dias de hoje, a franquia empresarial está em plena ascensão, tendo seu

atual sucesso baseado na busca de novos mercados e na necessidade de

diversificação de investimentos por grandes empresas, sendo considerada uma

forma segura de expansão dos negócios e de aumento dos lucros.

1.2 TIPOS DE FRANQUIA

Para um melhor entendimento da atividade de franchising, faz-se necessário

estudar os diversos tipos de franquia existentes.

1.2.1 Franquia de negócio formatado e franquia trad icional

A franquia de negócio formatado é aquela em que o franqueado produz

mercadorias e presta serviços de acordo com os parâmetros do franqueador, com a

supervisão e assistência técnica deste, utilizando a sua marca e obedecendo ao seu

padrão de qualidade. Já a franquia tradicional é aquela onde o franqueado revende

mercadorias ou presta serviços fornecidos ou distribuídos pelo franqueador.

1.2.2 Franquia industrial, de produtos e de serviço s

A franquia industrial é aquela que se refere à manufatura de mercadorias

para posterior comercialização, onde o franqueado recebe do franqueador a

tecnologia necessária para a fabricação de produtos sob sua marca, utilizando-se da

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sua tecnologia e sob licença para uso das patentes das mercadorias a serem

produzidas, e com o compromisso de atingir o padrão de qualidade exigido pelo

franqueador.

A franquia de produtos é aquela em que o franqueado recebe do

franqueador mercadorias por este fabricadas, ou por este encomendadas, sem que

o franqueado necessite manufaturar as peças que serão colocadas à venda. Ao

franqueado caberá realizar a distribuição ou a venda destas mercadorias ao grande

público, utilizando e conservando a marca do franqueador.

Na franquia de serviços, por seu turno, o franqueado se habilita para

disponibilizar os serviços originalmente ofertados pelo franqueador, segundo as

normas e procedimentos deste.

1.2.3 Franquia direta, indireta e associativa

Quanto à forma de relacionamento entre o franqueador e o franqueado, a

franquia pode ser classificada em direta, indireta e associativa.

A franquia direta é aquela onde o franqueador seleciona a sua rede de

franquias e concede diretamente aos seus franqueados o know-how necessário para

o desenvolvimento das atividades.

A franquia indireta é aquela em que o franqueador cria um subfranqueador,

ou master franchise, que ficará responsável pela criação da rede de franquias em

determinada região onde o franqueador deseja conquistar mercado consumidor ou

ampliar seus negócios.

Na franquia associativa o franqueador participa do capital da empresa

franqueada, impulsionando a atividade do franqueado com o capital necessário e

exercendo um controle mais próximo das atividades da concessionária.

1.2.4 Franquia unitária, multifranquia, plurifranqu ia

A franquia unitária é aquela onde o franqueado possui uma unidade única

em determinada região. A multifranquia, por outro lado, caracteriza-se quando o

franqueado possui mais de uma unidade da mesma rede franqueadora. Já a

plurifranquia é aquela em que o franqueado possui franquias diversas, de ramos

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correlatos ou não, pertencentes a franqueadores diferentes. Para que um

franqueado possua múltiplas franquias, é necessário que não haja impedimento por

parte dos franqueadores envolvidos nas concessões.

1.3 CONTRATO DE FRANQUIA

Como vimos, o contrato de franquia empresarial surgiu nos Estados Unidos,

tendo se difundido principalmente após a Segunda Guerra Mundial, como solução

para a iniciativa de expansão mercadológica das grandes empresas.

O contrato de franquia pode ser definido como o pacto estabelecido entre

franqueador e franqueado para que aquele conceda a este o direito de uso da sua

marca, dos sinais distintivos e o fornecimento da tecnologia necessária para a

implantação e o andamento do negócio, mediante um pagamento inicial e uma

porcentagem mensal dos lucros advindos da atividade.

Quanto ao direito de uso da marca e dos sinais distintivos, esta pode

englobar também a utilização de patentes registradas pela concedente, para

utilização exclusiva de suas concessionárias. Entre os itens de tecnologia que o

franqueador deverá disponibilizar para o franqueado estão o know-how

(conhecimento da atividade e do mercado e experiência negocial), e ainda, sistema

operacional desenvolvido pelo franqueador ou sob encomenda para este, para

gerenciamento de produção ou vendas, controle de estoque, carteira de clientes e

administração das demais tarefas administrativas ou operacionais necessárias ao

desenvolvimento das atividades.

Podemos concluir que o objeto do contrato de franchising é a utilização da

marca e do know-how da concedente pela concessionária, incumbindo ao

franqueado cumprir com as obrigações que lhe são impostas, bem como, cabe ao

franqueador o suporte para administração do negócio, o fornecimento do material a

ser comercializado e a publicidade dos produtos ou serviços comercializados,

visando o sucesso do empreendimento. Este suporte por parte do franqueador é

imprescindível, pois o candidato a franqueado, geralmente, não possui experiência

na administração de negócio próprio. Assim, toda a estrutura e o apoio do

franqueador trazem segurança à atividade do franqueado, diminuindo os riscos de

prejuízos pela falta de planejamento ou má condução do negócio.

16

Não olvidando dos riscos que são inerentes a toda e qualquer atividade

negocial, a adesão a uma rede de franquias pode ser uma boa decisão para quem

deseja uma primeira experiência como administrador do próprio negócio, diminuindo

os riscos de fracasso e assegurando um rápido retorno do capital investido, tendo

em vista a notoriedade da mercadoria ou serviço comercializado. Assim como é

rentável para a empresa franqueadora, que aumenta a visibilidade do seu produto

ou serviço e alcança novos limites territoriais, antes não explorados, com pequeno

investimento de capital, evitando a ampliação desnecessária das atividades da

empresa e o conseqüente aumento de custos com a operação, além de captar

recursos sem a necessidade de recorrer a instituições financeiras.

Fábio Ulhoa Coelho demonstra a utilidade do contrato de franquia, do ponto

de vista dos benefícios que dele podem advir para ambas as partes: “Sob o ponto de

vista do franqueador, serve o contrato para promover acentuada expansão dos seus

negócios, sem os investimentos exigidos na criação de novos estabelecimentos.

Sob o ponto de vista do franqueado, o contrato viabiliza o investimento em negócios

de marca já consolidada junto aos consumidores, e possibilita o aproveitamento da

experiência administrativa e empresarial do franqueador.”6

Para o contrato de franquia empresarial ser exitoso, alguns princípios

fundamentais do direito contratual merecem ser observados em toda a relação

empresarial, incluindo a negociação pré-contratual, o pré-contrato, caso venha a ser

formalizado, e ser condição constante também nas relações posteriores à

formalização do contrato em si, como o princípio da boa-fé e o princípio da

transparência, este último tema principal deste trabalho, e que será cotejado com o

princípio da boa-fé em capítulo próprio. Ao fim e ao cabo, o interesse comum das

partes deve prevalecer, o que pode ser alcançado através da observância destes

princípios básicos e da inclusão no contrato de cláusulas específicas com essa

finalidade.

O pré-contrato, caso por ele optem franqueado e franqueador, servirá para

estabelecer de antemão os direitos e obrigações das partes, enquanto é preparada

a estrutura de funcionamento do franqueado, sendo, invariavelmente, pactuado por

prazo determinado.

O contrato de franquia deverá ser formalizado por escrito e na presença de

6 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 141.

17

duas testemunhas, e terá validade independentemente de ser levado a registro junto

ao cartório de registro de documentos ou órgão público. No entanto, por exigência

do artigo 211 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula os direitos e

obrigações relativos à propriedade industrial, os contratos de franquia devem ser

registrados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.7 Este registro é

necessário para que o ato possa ter efeitos perante terceiros. Porém, o franqueador

não pode alegar a ausência deste registro para afastar a sua responsabilidade

perante o consumidor, na ocorrência de prejuízo causado pelo franqueado.

O contrato é o meio jurídico para estruturar a atividade de franquia, e deve

conter alguns itens que irão nortear a atividade do franqueado em consonância com

os padrões do franqueador, como os manuais de operação, as orientações para a

administração do negócio, para utilização da marca, para padronização da

identidade visual, etc.

O encerramento do contrato de franquia poderá ocorrer mediante decurso

de prazo, rescisão, resilição ou resolução. Abaixo colacionamos ementa

exemplificando um caso de dissolução contratual pela via judicial:

“(...) Contrato de franquia - Alegação de rescisão unilateral e desmotivada do

contrato pela franqueadora - Inaplicabilidade do Código de Defesa do

Consumidor à espécie - Validade do contrato, porque firmado com agente

capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 do

Código Civil). Rescisão contratual que se operou pela inadimplência

reiterada da franqueada no pagamento de royalties, que fazem parte da

própria natureza do contrato e representam a remuneração do franqueador.

Justa causa reconhecida, autorizando o rompimento do contrato, sem

qualquer direito a indenização por danos matérias, lucros cessantes e danos

morais postulada ou mesmo devolução dos valores pagos, pois a despeito

da inadimplência a franqueada se beneficiou da marca e método de ensino

difundidos pela franqueadora, com a captação de cliente e recursos

necessários aos seus negócios. Sentença mantida. Recurso negado.

Contrato de franquia – Reconvenção - Instrumento de confissão de dívida -

Valores devidos a título de royalties inadimplidos nos meses de janeiro e

7 Lei nº 9.279/96, artigo 211: “O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros.”

18

fevereiro de 2003, acrescido de multa contratual e consectários legais. -

Sentença mantida. Recurso negado. Agravo Retido provido, negando-se

provimento à Apelação”. (9199066-95.2006.8.26.0000, j. 23.08.2010, TJ/SP).

Ocorre a rescisão quando o encerramento do contrato se dá por iniciativa de

uma das partes. Resilição, quando a relação contratual tem fim por comum acordo

entre franqueado e franqueador. Resolução, quando há dissolução mediante uma

sentença judicial.

1.3.1 Classificação do contrato de franquia

O contrato de franchising pode ser classificado como: misto, consensual,

bilateral, informal, oneroso, de execução continuada, atípico e intuitu personae.

O contrato de franquia compreende a cessão da licença para uso da marca

do franqueador pelo franqueado e a prestação de serviços de organização de

empresas, neste último englobando a distribuição de bens e o fornecimento da

tecnologia necessária para o desenvolvimento das atividades, tendo assim

características de contrato de distribuição comercial, de cessão de direitos e de

prestação de serviços, entre outros. Pode, portanto, ser considerado um contrato

misto.

Além disso, é consensual porque se torna plenamente efetivo a partir da

simples declaração das partes, tornando-as obrigadas uma com a outra.

Bilateral porque necessita das duas partes (franqueador e franqueado) para

tornar válida a sua formação.

Informal, posto que não necessita de forma especial para tornar-se válido,

bastando para isso a obediência à forma escrita, conforme expressa previsão do

artigo 6º da Lei nº 8.955/94.8

Oneroso, pois estabelece obrigações de cunho financeiro ou patrimonial

para ambas as partes contratantes, reciprocamente.

De execução continuada porque a sua execução se prolonga no tempo.

Embora existam entendimentos diversos, baseados no argumento de que o

8 Lei nº 8.955/94, artigo 6º: “O contrato de franquia deve ser sempre escrito e assinado na presença de duas testemunhas e terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público.”

19

contrato de franquia é um contrato típico por estar nominado na Lei nº 8.955/94, o

contrato de franquia deve ser considerado atípico, porque a citada lei não definiu

suas características e seu conteúdo, mas apenas o nomeou. Nesse sentido, Lina

Márcia Chaves Fernandes conclui: “... a respeito, há algum tempo, estamos a

indagar: seria o contrato de franquia típico ou atípico? A dúvida se faz presente, pois

a Lei 8.955, de 15.12.1994, estabelece em seu artigo 1º, que ‘os contratos de

franquia são disciplinados por esta lei’. Ocorre, entretanto, que o artigo 3º, que

contém 15 incisos, e o art. 4º tratam apenas da Circular de Oferta de Franquia

(COF), contrato-tipo, que será examinado oportunamente. Apenas um artigo, o 6º,

estabelece a forma escrita para os contratos de franquia. Nenhum dispositivo

regulamenta o seu conteúdo. Assim sendo, concluímos que, efetivamente, o

contrato de franquia não é disciplinado pela Lei 8.955, de 15.12.1994”.9

A única disposição sobre o conteúdo do contrato de franquia, que não chega

a caracterizá-lo como típico, mas que tem importância fundamental para o presente

trabalho, é que estabelece a obrigatoriedade da obediência ao princípio da

transparência nas relações entre as partes. Fábio Ulhoa Coelho define da seguinte

forma o contrato de franquia, quanto à sua atipicidade e o dever de transparência

que deve ser observado: “A lei brasileira sobre franquias não confere tipicidade ao

contrato: prevalecem entre franqueador e franqueado as condições, termos,

encargos, garantias e obrigações exclusivamente previstos no instrumento

contratual entre eles firmado. Procura, apenas, a lei assegurar ao franqueado o

amplo acesso às informações indispensáveis à ponderação das vantagens e

desvantagens relacionadas ao ingresso em determinada rede de franquia. Em

outros termos, o contrato de franquia é atípico porque a lei não define direitos e

deveres das contratantes, mas apenas obriga os empresários que pretendem

franquear seu negócio a expor, anteriormente à conclusão do acordo, aos

interessados algumas informações essenciais”.10

Outra característica do contrato de franquia é o seu caráter personalíssimo,

posto que será firmado com o franqueado com perfil adequado às exigências do

franqueador, conforme estipulado na circular de oferta de franquia.

Estas são as características que identificam o contrato de franchising, que,

como qualquer outro instrumento contratual, estipula obrigações e concede direitos

9 FERNANDES, Lina Márcia Chaves. Do contrato de franquia. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 56. 10 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., p. 142-143.

20

aos contratantes. Estes direitos e obrigações serão objeto de análise no capítulo que

dá seqüência a este trabalho.

1.3.2 Obrigações e direitos das partes

O contrato de franquia empresarial deve estipular claramente os direitos e

obrigações de franqueado e franqueador, tendo em vista a relação perene e

amistosa que deve permear a relação comercial entre eles.

Entre as obrigações do franqueador para com o franqueado estão a

prestação de assessoria no que diz respeito à gestão dos negócios como: controle

de estoque, análise de mercado, sistema administrativo, disponibilidade para lhe

proporcionar assistência técnica e fornecimento do layout. Entre os seus direitos

estão o de estipular a tabela de preços a ser praticada pelo franqueado, não

podendo este conceder descontos, fazer promoções ou liquidações sem prévia

autorização por escrito do franqueador. O franqueador tem ainda o direito de

fiscalizar o estabelecimento comercial do franqueado, inclusive livros, contabilidade,

estoques, decoração de vitrines, limpeza e disposição das mercadorias nas

prateleiras, ficando a seu critério qualquer modificação que deva ser efetuada pelo

franqueado.

Pelo lado do franqueado, entre suas obrigações estão a de comercializar os

produtos produzidos, revendidos ou representados pelo franqueador, semi-exclusiva

ou exclusivamente. O franqueado também não poderá nomear representantes de

vendas, para vender ou trocar mercadorias compradas do franqueador, a que título

for, sem prévia autorização do concedente, e deve comprometer-se a comercializar

todas as mercadorias existentes na linha de produtos do franqueador, em cores e

tamanhos disponíveis, maximizando, assim, o ponto de venda e as condições de

comercialização de mercadorias.

Além disso, o franqueado deve manter sua firma devidamente registrada nos

órgãos competentes como Junta Comercial, Prefeitura, Secretaria da Fazenda

Estadual ou Municipal, Ministério do Trabalho e Emprego, Previdência Social,

Receita Federal do Brasil e demais exigidos por lei, ficando o franqueador isento de

responsabilidade por infração, a que título for, cometida pelo franqueado.

O franqueado fica obrigado a seguir as promoções, liquidações e descontos

21

promovidos pelo franqueador nas épocas determinadas por este.

O franqueado deve obrigar-se ainda a manter sigilo quanto ao conteúdo dos

manuais ou de quaisquer outras informações que vier a receber do franqueador, ou

que tomar conhecimento em virtude do contrato de franquia.

Por outro lado, o franqueado tem direito à assistência técnica disponibilizada

pelo franqueador, a fim de atendê-lo nas suas necessidades de montagem,

desmontagem e reparação da sua estrutura de produção ou vendas de produtos ou

serviços, além de ter o direito ao uso da marca do franqueador e ao fornecimento do

know-how e da tecnologia necessários ao desenvolvimento do negócio.

O contrato de franquia empresarial não cria vínculo empregatício ou

societário entre as partes, isentando o franqueador de toda e qualquer

responsabilidade com relação ao pagamento de encargos trabalhistas e

previdenciários dos empregados do franqueado.

Pelas obrigações listadas, fica claro que o franqueado tem um número bem

maior de obrigações que o franqueador. Esta condição impõe-se devido ao poder

econômico do franqueador, e por ser este que fornecerá ao franqueado a infra-

estrutura que detém para que o negócio possa ser próspero e tenha resultados

positivos tanto para um quanto para o outro. Estas obrigações devem constar

expressamente no contrato de franquia, ficando claro o que cabe a cada parte.

Afinal, o franqueador tem uma marca a zelar, e o franqueado, por sua vez, assumiu

o risco financeiro do investimento. E o contrato, como demonstração máxima de

acordo e ajuste entre as partes, deve estar repleto da confiança que

obrigatoriamente deve existir nas relações negociais. E esta confiança somente

existirá se uma parte colocar à disposição da outra as informações que demonstrem

a sua boa condição financeira, administrativa e judicial, materializada na obediência

ao princípio do disclosure. No caso do franqueador, na abertura de seus dados, a

serem oferecidos na circular de oferta de franquia. Para o franqueado, na obrigação

assumida de registrar sua empresa nos órgãos competentes e mantê-la em dia com

as formalidades legais necessárias.

1.3.3 Cláusulas essenciais

Algumas cláusulas são consideradas essenciais no contrato de franquia,

22

sendo indispensáveis à sua formalização. Algumas delas são comuns a qualquer

contrato comercial, como objeto, prazo, preço e hipóteses de rescisão. Outras são

particulares a determinados tipos de relação negocial, entre as quais se inclui a

franquia empresarial. Analisaremos adiante algumas destas cláusulas fundamentais

à formalização do contrato de franchising.

A cláusula do objeto deve ser explícita no sentido de autorizar a exploração,

pelo franqueado, da marca comercial, de propriedade do franqueador, além da

utilização de todo o sistema relativo a vendas, layout e formato de administração

(know-how) desenvolvido pelo franqueador.

Com relação ao prazo contratual, o contrato poderá ser estipulado por prazo

indeterminado ou determinado, neste segundo caso podendo haver ou não a

previsão relativa à possibilidade de renovação por novo período igual ou diverso

daquele originalmente pactuado. Sempre será possível, no entanto, a manifestação

de qualquer das partes no sentido de cancelar a contratação realizada, desde que

expressamente manifeste sua intenção à outra parte com razoável antecedência.

A cláusula de exclusividade é fundamental no contrato de franquia, uma vez

que o franqueado irá utilizar a marca do franqueador, não podendo cedê-la a

terceiros, tampouco contratar com empresa diversa, do mesmo ou de outro ramo de

atividade, a fim de explorar duas marcas no mesmo estabelecimento. Quanto à

observância da exclusividade pelo franqueador, poderá ou não ser pactuada,

podendo este ter mais de um franqueado na mesma região territorial, dependendo

da estratégia utilizada para formação da sua rede de franquias.

Outra cláusula peculiar ao contrato de franchising trata da questão da

publicidade. Nas produções e veiculações de publicidade, promoções e vendas

efetuadas no território nacional, o franqueador poderá compartilhar esta despesa

com os franqueados, rateando o valor despendido entre todas as lojas franqueadas;

quando efetuada no território do franqueado, o franqueador também poderá atribuir

uma parcela destas despesas ao franqueado beneficiado pela ação mercadológica.

Quanto à cláusula relativa ao preço, esta deverá trazer o montante a ser

pago ao franqueador a título de taxa inicial. Normalmente estipula-se que este

pagamento deva ocorrer até o dia da assinatura do contrato, ou poucos dias após.

Nesta cláusula fica definido também o quantum que será pago pelo franqueado a

título de royalties incidentes sobre o faturamento bruto mensal, em percentual

23

ajustado pelas partes.

Por fim, na cláusula de rescisão cabem as hipóteses já consagradas pelo

direito contratual: infração contratual, atos que venham a prejudicar a imagem da

franquia, dissolução amigável ou judicial ou falência do franqueado, entre outras.

Nesse sentido:

“Contrato de "franchising". Prazo. Denúncia. Rubrica, Assessoria e

Royalties. Embora o prazo normal admitido pela doutrina seja de um a cinco

anos, podem as partes convencionar outros e até a prorrogação tácita do

contrato de franquia. Admite-se a denúncia do contrato motivadamente, por

descumprimento de cláusula, até mesmo durante o prazo do ajuste. A

rubrica assessoria e royalties, assim entendida como o percentual sobre as

vendas, corresponde ao pagamento do uso da marca ou da disponibilidade

do “know-how”, faz parte do tipo de negócio e é lícita”. (TARGS, Apelação nº

194050779).

Na ementa supra transcrita, em que são tratadas duas importantes cláusulas

do contrato de franquia, a que determina o prazo contratual e a que estipula a

remuneração a ser paga pelo franqueado ao franqueador, verifica-se que no contrato

de franquia prevalecem dois princípios, o da autonomia da vontade e o pacta sunt

servanda.

24

2 A CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA

A Lei nº 8.955/94 estabelece a obrigatoriedade, pela empresa que tem

interesse em constituir um sistema de franquia empresarial, de fornecer aos

candidatos a franqueado um documento contendo informações sobre o negócio a

ser iniciado, exigências com relação ao perfil do futuro franqueado, bem como dados

a respeito da empresa franqueadora.11 Este documento chama-se circular de oferta

de franquia, e permitirá ao candidato ter acesso a informações relevantes e

fundamentais para a tomada de decisão, analisando as vantagens e desvantagens

de aderir à rede de franquias.

A circular de oferta de franquia deverá ser expedida por escrito e em

linguagem clara e acessível, e deverá conter as seguintes informações, conforme os

incisos do artigo 3º da Lei nº 8.955/94, os quais passamos a analisar

individualmente:

I – histórico resumido, forma societária e nome completo ou razão social do

franqueador e de todas as empresas a que esteja diretamente ligado, bem como os

respectivos nomes de fantasia e endereços;

A documentação aqui exigida permite ao franqueado conhecer a estrutura

da empresa franqueadora, seu enquadramento e composição societária, empresas

da qual participa ou que dela participam, com seus respectivos nomes empresariais,

nomes de fantasia e endereços, para que possa facilmente identificá-las e localizá-

las.

II – balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora

relativos aos dois últimos exercícios;

Este item é a representação máxima da obediência ao princípio do

disclosure nos contratos de franquia empresarial. A escrituração contábil é

obrigatória, bem como o levantamento anual dos balanços patrimonial e de

resultado econômico,12 e devem exprimir, com fidelidade e clareza, a real situação

da empresa.13

11 Lei nº 8.955/94, artigo 3º: “Sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta de franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível, contendo obrigatoriamente as seguintes informações: [...]” 12 Lei nº 10.406/02, artigo 1.179: “O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em

25

A abertura dos dados contábeis, demonstrando a condição financeira da

empresa, é fundamental para a decisão do candidato em aderir à rede de franquias.

Uma situação de endividamento, de passivo considerável, ou mesmo de

desorganização da escrituração contábil pode submeter o franqueado a situações

de risco, alienação ou penhora da marca utilizada, recusa dos fornecedores em

vender mercadorias por conta de débitos do franqueador, não atendimento do

franqueador com relação às necessidades de assistência técnica do franqueado, por

falta de estrutura organizacional ou de recursos humanos, entre outras

conseqüências possíveis.

III – indicação precisa de todas as pendências judiciais em que estejam

envolvidos o franqueador, as empresas controladoras e titulares de marcas,

patentes e direitos autorais relativos à operação, e seus subfranqueadores,

questionando especificamente o sistema da franquia ou que possam diretamente vir

a impossibilitar o funcionamento da franquia;

Este inciso impõe a obrigatoriedade de apresentação, pelo franqueador, de

todas as pendências judiciais relativas à atividade de franquia, evitando a exposição

do franqueado a eventuais riscos e concedendo-lhe conhecimento a respeito do

andamento de ações judiciais em que o franqueador esteja envolvido, como

demandante ou demandado.

IV – descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das

atividades que serão desempenhadas pelo franqueado;

A circular de oferta de franquia deve trazer os detalhes do negócio em que

está se envolvendo o franqueado, e com o qual pretende se comprometer. Assim, a

circular de oferta de franquia deve trazer os objetivos do negócio, metas a serem

cumpridas, forma de administração, público-alvo, e outras informações que

esclareçam ao candidato a franqueado as obrigações e atividades que terá de

desempenhar após a assinatura do contrato de franquia.

V – perfil do “franqueado ideal” no que se refere a experiência anterior, nível

de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou

preferencialmente;

correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.” 13 Lei nº 10.406/02, artigo 1.188: “O balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.”

26

Esta exigência refere-se aos requisitos que poderão ser exigidos pelo

franqueador, com relação ao perfil dos postulantes à condição de franqueado. Estes

requisitos, ao mesmo tempo em que selecionam os candidatos mais aptos, também

ajudam o franqueador a manter o padrão de seus negócios, na medida em que

busca sempre um perfil qualificado e específico de franqueado.

Este item caracteriza-se por ser aberto, ou seja, dá margem para que o

franqueador inclua no perfil desejado os requisitos que bem entender. No entanto,

na condição de contrato particular, qualquer exigência poderá ser feita, desde que

não seja ilegal, bastando para a contratação o devido enquadramento e

comprovação do candidato à condição estabelecida, assumindo o contrato entre

franqueador e franqueado o caráter de pacto personalíssimo.

VI – requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e

na administração do negócio;

Também de caráter negocial, este item refere-se à necessidade do efetivo

envolvimento do gestor da empresa franqueada com a atividade da franquia. Se há

obrigatoriedade do trabalho pessoal do franqueado, quanto tempo deverá

disponibilizar para a atividade e o seu grau de comprometimento, se poderá

participar de outras atividades negociais ou se sua dedicação deverá ser exclusiva.

VII - especificações quanto ao:

a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, implantação

e entrada em operação da franquia;

b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia e de caução; e

c) valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial e suas

condições de pagamento;

Exigência da informação detalhada, pelo franqueador, dos valores

aproximados que deverão ser despendidos pelo candidato, no caso de assinatura do

contrato de franquia. Deverão ser discriminados o total dos investimentos, taxa

inicial e o valor das instalações, equipamentos e estoque, informando assim ao

candidato o valor aproximado que precisará desembolsar para iniciar o

empreendimento.

VIII - informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem

pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando

as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se

27

destinam, indicando, especificamente, o seguinte:

a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos

serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties);

b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial;

c) taxa de publicidade ou semelhante;

d) seguro mínimo; e

e) outros valores devidos ao franqueador ou a terceiros que a ele sejam

ligados;

Refere-se a outros desembolsos que o franqueado deverá efetuar para a

mantença da atividade.

IX - relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e

subfranqueadores da rede, bem como dos que se desligaram nos últimos doze

meses, com nome, endereço e telefone;

Através destas informações, é possível ao candidato obter informações

sobre os atuais e antigos franqueados, podendo compreender a relação destes com

o franqueador, tamanho e alcance da rede, entre outras informações sobre as

relações entre o franqueador que lançou a circular de oferta de franquia e seus

atuais franqueados.

X - em relação ao território, deve ser especificado o seguinte:

a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre

determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz; e

b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de

seu território ou realizar exportações;

A circular de oferta de franquia deve trazer a política de divisão territorial

desenvolvida pelo franqueador, estabelecendo a área de atuação do futuro

franqueado, se possuirá ou não exclusividade neste território, e autorizando ou não

o desempenho de suas atividades fora desta área, e a eventual realização de

exportações.

XI - informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de

adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação

ou administração de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e aprovados

pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação completa desses fornecedores;

Deve ser informada ao candidato a sistemática do franqueador com relação

28

ao fornecimento dos equipamentos e insumos necessários à implantação, operação

e administração da franquia. As mercadorias poderão ser adquiridas diretamente do

franqueador; serem adquiridas obrigatoriamente daqueles fornecedores indicados

pelo franqueador; ou serem adquiridas de fornecedores livremente escolhidos pelo

franqueado, mas aprovados previamente pelo franqueador. Este procedimento

garante ao franqueador a manutenção do padrão de qualidade dos produtos ou

serviços comercializados sob sua marca.

XII - indicação do que é efetivamente oferecido ao franqueado pelo

franqueador, no que se refere a:

a) supervisão de rede;

b) serviços de orientação e outros prestados ao franqueado;

c) treinamento do franqueado, especificando duração, conteúdo e custos;

d) treinamento dos funcionários do franqueado;

e) manuais de franquia;

f) auxílio na análise e escolha do ponto onde será instalada a franquia; e

g) layout e padrões arquitetônicos nas instalações do franqueado;

A circular de oferta de franquia deve detalhar os serviços, treinamentos e

suporte que serão oferecidos pelo franqueador ao franqueado, como supervisão de

rede, treinamento de funcionários, definição quanto ao layout, entre outros, em que

condições estes serviços de organização empresarial serão prestados e em que

hipóteses.

XIII - situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - (INPI)

das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado pelo franqueador;

A marca é um dos principais atrativos para quem deseja aderir a uma rede

de franquias. Assim sendo, o candidato deve receber informações sobre a

regularidade do registro das marcas e patentes de propriedade do franqueador, e

que terão seu uso a ele cedido.

XIV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em

relação a:

a) know how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da

franquia; e

b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador;

Este inciso estabelece os direitos e deveres do franqueado após o

29

encerramento do contrato de franquia, sua responsabilidade quanto a informações

privilegiadas e métodos de produção, comercialização e administração a que teve

acesso durante a vigência do contrato, bem como a respeito da concessão, ou não,

do direito de explorar atividade idêntica ou correlata à que desenvolve o

franqueador. Em caso de proibição, esta jamais poderá ser estabelecida por período

indeterminado. Portanto, é usual a estipulação de um prazo a ser respeitado pelo

franqueado, após o qual este poderá explorar a atividade normalmente. Há julgados

nesse sentido, como demonstra a ementa abaixo transcrita:

“Apelação Cível. Contrato de Franquia. “Cláusula de quarentena”.

Viabilidade Jurídica. Boa-fé. É perfeitamente viável a previsão de período de

“quarentena”, imposto ao franqueado, logo após a resolução do negócio

jurídico de franquia. No caso concreto, o período previsto é de um ano, com

estabelecimento de multa para a hipótese de infração à regra. Apelação

desprovida”. (Apelação Cível nº 597023191, 6ª Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Antonio Janyr Dall’Agnol Junior).

XV - modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato-

padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos

respectivos anexos e prazo de validade.

O modelo de contrato-padrão servirá para que o franqueado tenha acesso

aos termos a que será submetido, antes da formalização do contrato de franquia

empresarial.

Ainda regulando a circular de oferta de franquia, o artigo 4º da Lei nº

8.955/94 estabelece que este documento deva ser disponibilizado ao candidato a

franqueado no prazo mínimo de 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou

pré-contrato de franquia, ou do pagamento, pelo franqueado, de qualquer quantia ao

franqueador ou a quem o represente, a título de taxa.

Este período de 10 (dez) dias é fundamental para que o franqueado consiga

analisar as informações disponíveis na circular e avaliar a real possibilidade de

associar-se ao empreendimento proposto pelo franqueador. Esta análise, para

melhor entendimento, deve sempre ser procedida mediante acompanhamento de

profissionais especialistas nas informações ali dispostas, como um advogado e um

30

contabilista.

A não observância deste prazo poderá gerar a argüição de anulabilidade do

contrato, pelo franqueado, cabendo a este a devolução dos valores pagos ao

franqueador a título de taxa de filiação e royalties, com a devida correção, acrescida

ainda da indenização por perdas e danos.14

Na mesma penalidade incorrerá o franqueador que veicular informações

falsas na circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis,15

pois estará configurado o crime de falsidade ideológica.16

“Ação de anulação de contrato de franquia e pedido de devolução de

valores. A anulação da franquia com fundamento no art. 4º, p arágrafo

único, da Lei nº 8.955/94, depende do apontamento d o nexo de

causalidade entre a omissão do franqueador e o prej uízo alegado pelo

franqueado. O simples pedido genérico, fundado excl usivamente na

falta de apresentação da circular de franquia, desp rovido de elementos

concretos que permitam a aferição de prejuízo imput ável ao

franqueador, especialmente, após o início da execuç ão, não autoriza

por si só a anulação do contrato. Da mesma forma, o mero

inadimplemento do franqueador em relação a suas obrigações contratuais

não possibilita a anulação do pacto validamente celebrado, podendo apenas

ensejar a rescisão por culpa da parte, com eventual apuração de perdas e

danos, haja vista que se trata de ajuste de execução sucessiva.

Demonstração da celebração de distrato entre as partes sem que existam

14 Lei nº 8.955/94, artigo 4º: “A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Parágrafo único. Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos.” 15 Lei nº 8.955/94, artigo 7º: “A sanção prevista no parágrafo único do art. 4º desta lei aplica-se, também, ao franqueador que veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.” 16 Decreto-Lei nº 2.848/40, artigo 299: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento é particular.”

31

ressalvas quanto aos haveres. Impossibilidade de cobrança de penalidades

contratuais, parcelas em aberto ou prejuízos não expressamente

ressalvados. Pedidos iniciais e reconvencionais improcedentes. Apelo

parcialmente provido”. (0207083-65.2009.8.26.0100, j. 11.10.2011, TJ/SP).

[grifo nosso].

Sendo a circular de oferta de franquia o principal elemento para tomada de

decisão por parte do franqueado, deve o franqueador, em sua construção e

publicidade, obedecer ao princípio do disclosure, divulgando com transparência e

exatidão as informações obrigatórias, exigidas pela Lei nº 8.955/94, evitando assim

qualquer tipo de sanção e minimizando a possibilidade de equívocos por parte do

candidato a franqueado.

Ana Cláudia Redecker define a importância do entendimento da circular de

oferta de franquia pelo franqueado, bem como a observância dos critérios

estabelecidos pelo franqueador: “Nesse sentido, o franqueador, para assegurar o

sucesso do franqueado e da sua rede, buscará fazer com que este compreenda a

importância e o objetivo do know-how por ele detido, de sua imagem e, a seguir,

estabelecerá os mecanismos e regras que o franqueado deverá seguir e observar”.17

Normalmente a circular de oferta de franquia é entregue à pessoa física do

franqueado, com o qual será formalizado, posteriormente, o pré-contrato de

franquia, no qual a pessoa física se comprometerá a constituir uma pessoa jurídica,

em prazo estipulado pelo franqueador. Após a constituição da empresa franqueada,

com esta será assinado o contrato definitivo de franquia empresarial.

Por fim, cabe esclarecer que a obrigatoriedade do fornecimento da circular

de oferta de franquia se aplica também ao subfranqueador ou master franchise,

conforme determina o artigo 9º da Lei nº 8.955/94.18

17 REDECKER, Ana Cláudia. Da aplicação do princípio do disclosure no contrato de franquia empresarial. Direito & Justiça (Porto Alegre), Porto Alegre, RS, v.23, n.24, jun.2001, p.116. 18 Lei nº 8.955/94, artigo 9º: “Para os fins desta lei, o termo franqueador, quando utilizado em qualquer de seus dispositivos, serve também para designar o subfranqueador, da mesma forma que as disposições que se refiram ao franqueado aplicam-se ao subfranqueado.”

32

3 O PRINCÍPIO DO DISCLOSURE

O princípio da transparência, assim como a atividade de franquia

empresarial, tem sua origem nos Estados Unidos, sob o nome de full and fair

disclosure.19 Este princípio foi criado com a finalidade de submeter o franqueador à

revelação total e veraz dos seus dados empresariais. Marcelo Cama Proença

Fernandes corrobora esta informação: “O disclosure é um instituto surgido no direito

empresarial norte americano que visa a uma transparência no mercado,

possibilitando ao investidor ter informações essenciais acerca das empresas nas

quais pretende investir”.20

Após a queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1930, o Congresso

Norte Americano promulgou, em 27 de maio de 1933, a Lei de Valores Mobiliários

de 1933, o Securities Act, que estabeleceu a obrigatoriedade das empresas de

prestar aos investidores e potenciais acionistas todas as informações relativas aos

seus dados empresariais, financeiros e contábeis. Esta foi a primitiva previsão legal

do disclosure na história do Direito.

No Brasil, a expressão máxima do princípio do disclosure é a circular de

oferta de franquia, que deve trazer informações essenciais a respeito da estrutura do

franqueador, bem como sobre a atividade que desenvolve e franqueia. Seus dados

contábeis, financeiros e jurídicos devem ser ali expressos com fidelidade e clareza.

A abertura dos dados empresariais a que se sujeita o franqueador é conseqüência

da observância do princípio do disclosure, característico na formação do contrato de

franquia, e que resulta da transparência que deve nortear qualquer atividade

empresarial. A circular de oferta de franquia é, portanto, o instrumento através do

qual o princípio do disclosure torna-se efetivo, concreto.

No nosso ordenamento jurídico existem diversos outros exemplos de

exigência de observância ao princípio do disclosure. A Lei nº 6.404, de 15 de

dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas), traz inúmeras referências nesse

sentido. No artigo 84, trata do prospecto que deverá ser colocado à disposição dos

investidores, quando da constituição da empresa por subscrição pública, e que

deverá trazer, tal como na circular de oferta de franquia, os dados empresariais e a

19 “Revelação plena e fiel”. 20 FERNANDES, Marcelo Cama Proença. O contrato de franquia empresarial. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 92.

33

expectativa de êxito do empreendimento.21 Também no artigo 176, a Lei nº 6.404/76

estabelece a obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras da

companhia, que deverão refletir com clareza a situação patrimonial da empresa.22

21 Lei 6.404/76, artigo. 84: “O prospecto deverá mencionar, com precisão e clareza, as bases da companhia e os motivos que justifiquem a expectativa de bom êxito do empreendimento, e em especial: I - o valor do capital social a ser subscrito, o modo de sua realização e a existência ou não de autorização para aumento futuro; II - a parte do capital a ser formada com bens, a discriminação desses bens e o valor a eles atribuídos pelos fundadores; III - o número, as espécies e classes de ações em que se dividirá o capital; o valor nominal das ações, e o preço da emissão das ações; IV - a importância da entrada a ser realizada no ato da subscrição; V - as obrigações assumidas pelos fundadores, os contratos assinados no interesse da futura companhia e as quantias já despendidas e por despender; VI - as vantagens particulares, a que terão direito os fundadores ou terceiros, e o dispositivo do projeto do estatuto que as regula; VII - a autorização governamental para constituir-se a companhia, se necessária; VIII - as datas de início e término da subscrição e as instituições autorizadas a receber as entradas; IX - a solução prevista para o caso de excesso de subscrição; X - o prazo dentro do qual deverá realizar-se a assembléia de constituição da companhia, ou a preliminar para avaliação dos bens, se for o caso; XI - o nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos fundadores, ou, se pessoa jurídica, a firma ou denominação, nacionalidade e sede, bem como o número e espécie de ações que cada um houver subscrito, XII - a instituição financeira intermediária do lançamento, em cujo poder ficarão depositados os originais do prospecto e do projeto de estatuto, com os documentos a que fizerem menção, para exame de qualquer interessado.” 22 Lei 6.404/76, artigo 176: “Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício: I - balanço patrimonial; II - demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; III - demonstração do resultado do exercício; e IV – demonstração dos fluxos de caixa; e V – se companhia aberta, demonstração do valor adicionado. § 1º As demonstrações de cada exercício serão publicadas com a indicação dos valores correspondentes das demonstrações do exercício anterior. § 2º Nas demonstrações, as contas semelhantes poderão ser agrupadas; os pequenos saldos poderão ser agregados, desde que indicada a sua natureza e não ultrapassem 0,1 (um décimo) do valor do respectivo grupo de contas; mas é vedada a utilização de designações genéricas, como "diversas contas" ou "contas-correntes". § 3º As demonstrações financeiras registrarão a destinação dos lucros segundo a proposta dos órgãos da administração, no pressuposto de sua aprovação pela assembléia-geral. § 4º As demonstrações serão complementadas por notas explicativas e outros quadros analíticos ou demonstrações contábeis necessários para esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício. § 5o As notas explicativas devem: I – apresentar informações sobre a base de preparação das demonstrações financeiras e das práticas contábeis específicas selecionadas e aplicadas para negócios e eventos significativos; II – divulgar as informações exigidas pelas práticas contábeis adotadas no Brasil que não estejam apresentadas em nenhuma outra parte das demonstrações financeiras; III – fornecer informações adicionais não indicadas nas próprias demonstrações financeiras e consideradas necessárias para uma apresentação adequada; e IV – indicar:

34

Estas disposições possuem o condão de trazer segurança aos investidores

que procuram negociar ações das companhias abertas, bem como serve de

radiografia da empresa para quem já possui participação acionária.

Luiz Felizardo Barroso explica a importância da abertura dos dados

empresariais para os acionistas e potenciais acionistas:

“O disclosure faz-se tanto mais necessário, e ele é tanto mais útil quanto

sabemos que ele se dirige precipuamente àquele acionista, ou acionista em

potencial, que, não tendo ingerência nos negócios empresariais, sendo, portanto,

mero fornecedor de capital, não poderia ter acesso às informações de que carece, a

não ser que estas lhe sejam oferecidas, sejam-lhe proporcionadas completa e

sinceramente pela própria empresa que o quer como acionista”.23

Outra norma que preza pela utilização do princípio do disclosure, e tem por

finalidade a proteção dos investidores no mercado de ações é a Lei nº 6.385, de 07

de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e criou a

Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e exige, em seu artigo 19, § 5º, II, a

apresentação de dados da companhia que deseja efetuar registro junto a CVM para

emissão pública de valores mobiliários, como a sua situação econômica e financeira,

administrativa, dados dos acionistas e das atividades que explora ou pretende

explorar.24

a) os principais critérios de avaliação dos elementos patrimoniais, especialmente estoques, dos cálculos de depreciação, amortização e exaustão, de constituição de provisões para encargos ou riscos, e dos ajustes para atender a perdas prováveis na realização de elementos do ativo; b) os investimentos em outras sociedades, quando relevantes (art. 247, parágrafo único); c) o aumento de valor de elementos do ativo resultante de novas avaliações (art. 182, § 3o ); d) os ônus reais constituídos sobre elementos do ativo, as garantias prestadas a terceiros e outras responsabilidades eventuais ou contingentes; e) a taxa de juros, as datas de vencimento e as garantias das obrigações a longo prazo; f) o número, espécies e classes das ações do capital social; g) as opções de compra de ações outorgadas e exercidas no exercício; h) os ajustes de exercícios anteriores (art. 186, § 1o); e i) os eventos subsequentes à data de encerramento do exercício que tenham, ou possam vir a ter, efeito relevante sobre a situação financeira e os resultados futuros da companhia.” 23 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e direito: contrato, circular de oferta, manuais operacionais. São Paulo: Atlas, 1997, p. 51. 24 Lei nº 6.385/76, artigo 19: “Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão. [...] § 5º - Compete à Comissão expedir normas para a execução do disposto neste artigo, podendo: [...] II - fixar o procedimento do registro e especificar as informações que devam instruir o seu pedido, inclusive sobre:

35

Diante dos dispositivos supracitados, fica demonstrado que o princípio do

disclosure refere-se à abertura dos dados ao público, ou às pessoas físicas e

jurídicas que buscam a realização de um negócio, um investimento ou uma

associação com a empresa que está divulgando seus dados. Assim, o princípio do

disclosure não se manifesta, por exemplo, quando determinada empresa necessita

de uma linha de crédito junto à uma instituição financeira. Os documentos cuja

apresentação é necessária para a liberação de tal linha, como balanços, balancetes,

descrição das garantias, entre outros, são fornecidos exclusivamente à instituição,

para análise desta e cumprimento das finalidades internas, com fins de concessão

do valor pretendido, não representando manifestação do princípio do disclosure,

posto que este só se perfectibiliza quando os dados da empresa são colocados à

disposição de quem possa interessar, e não de uma instituição em particular. “O

processo do disclosure ou do full and fair disclosure corresponde a abertura total e

sincera dos dados empresariais ao público investidor [...]” [grifo nosso]25

Assim, o princípio do disclosure, que se traduz pela abertura total e sincera

dos dados empresariais das partes em uma negociação, tem por finalidade garantir

a transparência e a segurança nas relações anteriores, contemporâneas e

posteriores à formalização de um instrumento contratual do qual irão sobrevir

inúmeras obrigações e direitos para ambas as partes. Este princípio traz, portanto,

tranqüilidade para que o foco da contratação, seja ela a adesão a uma rede de

franquias ou qualquer outra atividade empresarial ou de investimento, seja

direcionado para o verdadeiro objetivo das partes: o sucesso do empreendimento e

a lucratividade das partes contratantes.

3.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO CONTRATUAL E O PRI NCÍPIO DO DISCLOSURE

É impossível prever com antecedência toda a sorte de acontecimentos que

podem ocorrer durante a execução de um contrato. Ainda mais que a Lei nº

8.955/94 não trata do contrato de franquia de forma detalhada, mas apenas de

a) a companhia emissora, os empreendimentos ou atividades que explora ou pretende explorar, sua situação econômica e financeira, administração e principais acionistas; b) as características da emissão e a aplicação a ser dada aos recursos dela provenientes; c) o vendedor dos valores mobiliários, se for o caso; d) os participantes na distribuição, sua remuneração e seu relacionamento com a companhia emissora ou com o vendedor. 25 BARROSO, Luiz Felizardo apud REDECKER, Ana Cláudia. Op. cit., 2002, p. 80.

36

forma rasa, através do disposto no seu artigo 1º.26 Alterações podem ocorrer, por

vontade das partes, por força da natureza ou por eventos diversos. Assim, além do

princípio da transparência, o contrato de franquia deve ser norteado por diversos

outros princípios e institutos do direito contratual, cuja observância é fundamental

para uma relação próspera e duradoura entre as partes.

A teoria da imprevisão, disposta no artigo 317 da Lei nº 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 (Código Civil),27 é um deles. Contraponto ao princípio da

obrigatoriedade contratual, representado pelo brocardo latino pacta sunt servanda,28

este instituto busca garantir à parte lesada o direito de propor a reavaliação de

eventuais cláusulas que tornaram prejudicado o cumprimento da sua parte no

contrato, em razão de fato imprevisível, visando assim o restabelecimento do

equilíbrio contratual.

Outra previsão legal adotada pelo Código Civil a fim de resguardar o

equilíbrio contratual refere-se à aplicação do instituto da lesão, disposto no artigo

157, 29 e aplicado nos casos em que uma das partes esteja obrigada a cumprir uma

obrigação cujo esforço para envidá-la supera em muito as suas condições de

realizá-la.

Há ainda a previsão dos artigos 47830 e 47931, também do Código Civil, que

trazem a possibilidade de resolução ou revisão do contrato se a prestação se tornar

excessivamente onerosa para uma das partes, trazendo vantagem excessiva para a

outra.

Estes institutos são de grande valia e devem ser aplicados quando ocorre

um desnivelamento das obrigações das partes durante a execução do contrato de

franquia. O franqueado, mediante análise da circular de oferta de franquia, que trará

os dados contábeis, fiscais, financeiros e jurídicos do franqueador, e a cautela do

26 Lei nº 8.955/94, artigo 1º: “Os contratos de franquia são disciplinados por esta Lei.” 27 Lei nº 10.406/02, artigo 317: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.” 28 “Os contratos devem ser cumpridos.” 29 Lei nº 10.406/02, artigo 157: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.” 30 Lei nº 10.406/02, artigo 478: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.” 31 Lei nº 10.406/02, artigo 478: “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.”

37

franqueador quando da escolha de seus franqueados, exigindo que este registre sua

empresa e mantenha suas obrigações fiscais, contábeis e trabalhistas em dia,

exercendo assim o princípio do disclosure e a transparência que dele advêm,

poderão tornar efetiva a minimização destes riscos, aumentando a possibilidade de

cumprimento, pelas partes, das obrigações por elas assumidas contratualmente,

com a conseqüente não aplicação dos institutos acima comentados, salvo,

evidentemente, motivos de caso fortuito ou força maior, quando as ocorrências

estão fora do alcance prévio das contratantes.

Sendo o contrato um instrumento com conteúdo complexo e com obrigações

cujo cumprimento exige ações de toda ordem, a relação entre as partes constituintes

deste pacto deve se pautar no princípio da boa-fé, envidando esforços para que seja

alcançada a finalidade comum a ambas, de auferir lucro através da prosperidade da

atividade contratada.

Adriana Mandim Theodoro de Mello nos traz a seguinte reflexão:

“Ora, se o contrato encerra, substancialmente, uma operação econômica

que se desenvolve no tempo e com o objetivo de satisfazer os legítimos e

razoáveis interesses dos contratantes, todas as condutas que,

independentemente de não terem sido impostas pela lei ou pelo contrato,

são indispensáveis ao alcance desse fim social e econômico se justificam

pelo princípio da boa-fé”.32

Esta busca pelo sucesso no empreendimento deve obrigatoriamente passar

pela formalização de um instrumento contratual. E essa formalização deve contar

com a intenção clara das partes em atar-se uma à outra, resultado da liberdade que

é garantida constitucionalmente a todo cidadão33. Este exercício de liberdade é

representação do princípio da autonomia da vontade, intrinsecamente ligado ao

direito contratual. Em outras palavras, podemos dizer que o princípio da autonomia

da vontade traduz-se na liberdade que as partes possuem para expressar e

32 MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. Franquia empresarial: responsabilidade civil na extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 32. 33 Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade , à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]” [grifo nosso]

38

instrumentalizar os seus interesses, determinando o conteúdo do contrato.

Complementar ao princípio da autonomia da vontade, o princípio da boa-fé

materializa-se na confiança que deve existir entre as contratantes, servindo como

limitador às atitudes das partes no âmbito da atividade contratada. Todas as

condutas que sejam necessárias para o desenvolvimento da atividade de franquia, e

que não tenham previsão legal ou contratual deverão ser pautadas pelo princípio da

boa-fé.

Assim, a boa-fé deverá estar presente em toda ação relativa à atividade de

franquia, no cumprimento de suas obrigações com a outra parte, antes, durante ou

depois da execução do contrato. Nesse sentido, Ana Cláudia Redecker ensina que

“o dever jurídico de proceder com boa-fé e de observância dos deveres de conduta

não recai apenas no cumprimento da obrigação no exercício do direito, mas ainda

no período anterior das conversações ou negociações e se prolonga para além do

período de execução do contrato”.34

Na fase pré-contratual, o franqueador deve fazer prevalecer o princípio da

boa-fé ao confeccionar a circular de oferta de franquia, confiando aos candidatos a

seu franqueado a abertura dos seus dados empresariais, o projeto e a estrutura de

sua rede de franquia. Da mesma forma, ao franqueado caberá contar com a boa-fé

do franqueador para que lhe dê o tempo necessário para registrar ou regularizar sua

pessoa jurídica a fim de desenvolver suas atividades, ou que lhe conceda prazo

para adquirir o ponto comercial, ou estruturar seu estabelecimento. Ou seja, o

exercício do princípio da “abertura”, ou princípio do disclosure, é demonstração de

confiança de uma parte à outra, perfectibilizando assim a observância do princípio

da boa-fé.

Já na fase de execução do contrato, o princípio da boa-fé deve fazer-se

ainda mais presente. O franqueado, condicionado e seguro pelas informações que

recebeu na circular de oferta de franquia, terá uma perspectiva da forma como será

seu relacionamento com o franqueador. Baseado na circular, o então candidato a

franqueado teve conhecimento das ações judiciais em andamento contra o

franqueador, acesso ao seu balanço, com os devidos resultados contábeis, que lhe

mostrariam lucro ou eventuais prejuízos, entre outros dados. Estas informações

visam permitir ao franqueado formar o seu convencimento no sentido de formalizar

34 REDECKER, Ana Cláudia. Op. cit., 2002, p. 100-101.

39

ou não o contrato com o franqueador. Sendo assinado o contrato, umas das partes

deve acreditar no cumprimento das obrigações pela outra, seguros na confiança e

lealdade recíprocas, respeitando-se o princípio da boa-fé, que as levou a

formalizarem a parceria.

Após o término da relação contratual, o princípio da boa-fé também se faz

presente, na confiança que o franqueador haverá de ter com o antigo franqueado,

de que este não fará concorrência com seus outros franqueados, ou que não

usurpará a tecnologia e o conhecimento adquirido para explorar atividade

semelhante ou correlata. Da mesma forma, o franqueado, baseado no princípio da

boa-fé, deverá confiar que receberá do franqueador eventuais haveres em aberto.

3.2 O PRINCÍPIO DO DISCLOSURE APLICADO À ATIVIDADE DE FRANQUIA

A observância do princípio do disclosure, cuja representação maior está nas

informações dispostas na circular de oferta de franquia, é característica fundamental

nas relações advindas de um contrato de franquia, sejam elas anteriores ou

posteriores à assinatura do contrato.

Anteriores, posto que, baseado nas informações dispostas na circular de

oferta de franquia, o franqueado irá tomar a sua decisão de aderir ou não à rede do

franqueador. A simplicidade na disposição das informações, facilitando o

entendimento do candidato, bem como a fidelidade com que os dados são

retratados, são fundamentais para a decisão do franqueado. A transparência por

parte do candidato a franqueado também é fundamental nas negociações pré-

contratuais. Este deve ser claro e verdadeiro com relação às informações que

disponibiliza ao franqueador, pois, com base nelas, ele selecionará o melhor perfil

para participar da sua rede de franquias e receber todos os investimentos a que faz

jus para estruturar seu negócio.

A circular de oferta de franquia, como representação do princípio do

disclosure, tem outra importante função: materializar o sentimento de segurança e

proteção que deve tocar as partes no momento das negociações, fazendo-as optar

pelo caminho da contratação. As condições que o franqueador oferece, a qualidade

dos produtos, os casos de sucesso de franqueados já estabelecidos e outros dados

desta relevância irão levar ao candidato a franqueado a tranqüilidade que ele

necessita para firmar o contrato de franquia e aderir definitivamente à rede.

40

“[...] a Circular de Oferta de Franquia pretende, ao consagrar o sistema de

disclosure nos contratos de franquia empresarial celebrados no Brasil, dar

mais transparência ao negócio, possibilitando ao franqueado proceder a uma

escolha adequada mediante as informações fornecidas. Trata-se, destarte,

de um instrumento de proteção a todos aqueles que estejam interessados

em se engajar em um negócio desta espécie.”35

Por seu turno, o franqueado também deve prestar informações fidedignas e,

preferencialmente, ter experiência na atividade que deseja desempenhar junto ao

franqueador, passando a este o sentimento de segurança quanto à sorte de sua

marca junto ao futuro franqueado. Ana Cláudia Redecker explica as conseqüências

da inobservância da transparência nas negociações prévias e na formação do

contrato:

“A inobservância dos deveres de esclarecimento a cargo das partes em

negociação reflete na culpa in contrahendo. Ou seja, a conclusão de um

contrato na base de falsas indicações, de informação deficiente, [...]

independentemente da aplicabilidade do regime próprio dos vícios na

formação da vontade, implica no dever de indenizar por culpa na formação

dos contratos, tendo este dever de esclarecimento uma intensidade

particular, quando um contraente (franqueado) surge, perante outro

(franqueador), como carecido de proteção especial.” 36

Com efeito, as informações prestadas pelas partes em uma negociação

possuem o condão de gerar expectativas nos futuros pactuantes. Quanto mais fiéis e

completos forem os dados prestados, maiores serão as probabilidades de sucesso

do negócio. Para Wanderley Fernandes “esta avaliação de probabilidades não é

estática, mas evolui à medida que as partes divulgam informações relevantes e

adotam comportamento, principalmente, com a realização de investimentos que

permitam à outra parte acreditar que a transação se completará e seguirá os

parâmetros definidos no decorrer da negociação.”37

35 FERNANDES, Marcelo Cama Proença. Op. cit., p. 93. 36 REDECKER, Ana Cláudia. Op. cit., 2002, p. 101. 37 FERNANDES, Wanderley (Coord.). Contratos empresariais: fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 245.

41

Ao contrário o fornecimento, pelo franqueador, de dados enganosos poderá

gerar falsas expectativas no futuro franqueado, prejudicando-o quando da efetiva

prática da atividade. Por isso, a importância da aplicação do princípio do disclosure.

O princípio da abertura dos dados tem importância singular também nas

relações após a assinatura do contrato de franquia, pois este contrato deve basear-

se na cooperação e confiança mútua, a fim de, através do desenvolvimento da

atividade, consolidar a marca do franqueador, trazendo benefícios financeiros e

econômicos tanto para este quanto para o franqueado, reduzindo riscos e custos.

Também o fato do franqueado possuir previamente informações a respeito dos

produtos a serem comercializados ou dos serviços que serão prestados contribui

sensivelmente para a relação harmônica durante o andamento do enlace pactuado.

Além disso, a transparência e confiança entre as partes previnem-as de futuros

litígios, sendo eficiente no que diz respeito à solução de conflitos ocorridos durante a

execução do contrato.

A proteção e defesa do sistema de franchising no Brasil é o objetivo maior

da Associação Brasileira de Franchising, criada em 1987. Entre suas finalidades,

estão o apoio à formação de novas empresas através do sistema de franquias e a

divulgação e promoção do conceito de franchising e seus benefícios. O princípio do

disclosure na atividade de franquia empresarial é de tal relevância que a esta

Associação introduziu, em seu Código de Ética, direcionado tanto para

franqueadores e franqueados quanto para fornecedores, diversos dispositivos que

dele tratam. Destacamos alguns: 38

“Art. 6º - São deveres do franqueador:

[...]

III – Observar e manter com os seus franqueados, relações honestas, éticas,

pautadas pela transparência, boa-fé e respeito mútuo, seguindo as

exigências legais estabelecidas para a prática do sistema de franchising, e

cumprindo as obrigações assumidas nos respectivos contratos de franquia

firmados com seus franqueados;

IV – Oferecer aos potenciais franqueados, de forma completa e correta,

todas as informações exigidas por lei, além de outras que sejam relevantes

38 Associação Brasileira de Franchising. Disponível em: www.portaldofranchising.com.br/Arquivos/Codigo_de_Etica.pdf. Acesso em 12 de novembro de 2011.

42

para a avaliação do negócio, as quais vincularão o franqueador;

[...]

VI - Responsabilizar-se pela veracidade das informações apresentadas aos

candidatos a franqueados e franqueados ativos da rede;

[...]

Artigo 8º - São direitos do Franqueado:

I - Receber a COF, devidamente preenchida conforme requisitos exigidos

pela Lei nº 8.955/94, durante o processo de seleção e antes da assinatura

de qualquer instrumento formal ou pagamento de qualquer taxa ao

Franqueador;

[...]

Artigo 9º - São deveres do Franqueado:

[...]

II - Observar e manter com o seu Franqueador, relações honestas, éticas, de

boa-fé e respeito mútuo, cumprindo sempre as obrigações assumidas no

contrato de franquia e as normas legais;

[...]

IV - Fornecer ao Franqueador as informações e dados solicitados pelo

Franqueador e referentes ao negócio franqueado, a fim de possibilitar um

controle eficaz para o bom desenvolvimento da rede;

[...]

Artigo 13 - Constitui infração toda e qualquer conduta comissiva ou omissiva

praticada por qualquer Associado, que viole as regras e procedimentos

dispostos no presente Código.

§ 1º - Constituem infrações graves, passíveis das penalidades aqui

previstas, as seguintes hipóteses cometidas por Franqueadores,

Franqueados ou Fornecedores e Prestadores de Serviços do Sistema de

Franchising:

I - Realização de publicidade e divulgação de franquias, marcas, produtos ou

serviços que contenham ambigüidades, ou seja, enganosas ou tendenciosas

43

a ilusões por parte de potenciais franqueados;

[...]

V - Ausência de fornecimento aos candidatos a franqueados das

informações sobre a franquia que sejam relevantes para o processo de

seleção e para o relacionamento entre franqueador e franqueado, deixando

de estabelecer clara e formalmente todos os princípios desse

relacionamento, suas particularidades, direitos, obrigações e respectivas

responsabilidades;

VI - Ausência de fornecimento de informações e dados financeiros e/ou

comerciais das franquias aos candidatos a franqueados, deixando de

apresentar as demonstrações reais com áreas geográficas e período de

tempo analisado;

[...]

As penalidades pela inobservância do princípio do disclosure não se

restringem às aplicadas pela Associação Brasileira de Franchising. A omissão ou a

divulgação de dados falsos na circular de oferta de franquia poderá causar a

posterior anulação do contrato de franquia, com a conseqüente restituição ao

franqueado prejudicado de todos os valores por este despendidos na atividade, além

da possibilidade de pleitear uma indenização pelos danos causados. O franqueador

responsável pode ainda ser responsabilizado penalmente pelo crime de falsidade

ideológica. Segue ilustrativa ementa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“O contexto fático-probatório reunido pelos demandantes não deixa dúvidas

de que a responsabilidade pelo malogro do empreendimento é integral

do franqueador, ora apelante, que, muito embora fosse o principal

interessado pelo sucesso do contrato, forneceu produtos avariados e

deteriorados, faltando com o dever de informar. Não observância do ônus da

impugnação especificada pela ré, dando ensejo à aplicação da presunção de

veracidade dos fatos alegados na inicial, na forma do artigo 302 do código

de processo civil, o que é agravado pela ausência da produção de prova

quanto à existência de fato impeditivo do direito dos demandantes, como

acentua o artigo 333, II, do código de processo civil. Circular de oferta

44

de franquia em que se constata a presença incontest e de vício

informacional, tendo em conta o rol de documentos o brigatórios

constantes do artigo 3º da lei nº 8955/94 que deixa ram de constar

daquele instrumento, o que, de acordo com o parágra fo único do artigo

4º da lei nº 8955/94, dá ensejo a anulação do contr ato, com direito à

restituição de todas as quantias pagas ao franquead or, devidamente

corrigidas . Desprovimento do recurso.” (Ap. 0013698-64.2008.8.19.0042,

Julg.: 12/04/2011, TJ/RJ). [grifo nosso]

Ainda neste sentido, a lição de Orlando Gomes: “A inexistência da circular

de oferta de franquia ou a falsidade de suas disposições gera ao franqueado o

direito de anular o contrato, ressarcindo-se das perdas e danos em que

eventualmente tenha ocorrido.” 39

Estas penalidades sublinham a importância do princípio do disclosure no

direito empresarial brasileiro, especialmente na atividade de franquia empresarial,

onde constitui característica fundamental.

A própria lei nº 8.955/94, que dispõe sobre franchising, é representação

clara da intenção do legislador em implantar, nesta atividade, o respeito ao princípio

da transparência nas relações entre franqueador e franqueado. Fábio Ulhoa Coelho

muito bem conceitua a natureza da Lei de Franquias: “Trata-se de diploma legal do

gênero denominado disclosure statute pelo direito norte-americano. Ou seja, encerra

normas que não regulamentam propriamente o conteúdo de determinada relação

jurídico-contratual, mas apenas impõem o dever de transparência nessa relação.”40

Esta transparência, representada pela abertura dos dados do franqueador

aos candidatos a franqueado, e da abertura do perfil do franqueado para que possa

ser avaliado pelo franqueador, durante o processo de seleção, servirá para mitigar

os riscos de ambas as partes, pois conhecerão de antemão a estrutura um do outro,

a forma de administrar e a saúde financeira e contábil recíproca. Servirá também

para dar segurança às partes, uma vez que, pela análise dos dados, será possível

realizar um exercício de previsibilidade das relações futuras entre elas, garantindo a

fluência das relações de mercado e o conseqüente atingimento do objetivo da

39 GOMES, Orlando. Contratos. Edvaldo Brito (Coord.). Antonio Junqueira de Azevedo; Francisco Paulo de Crescenzo Marino (Atualizadores). 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 579. 40 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., p. 142.

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contratação, qual seja, a consecução de vantagem financeira por ambas as partes.

Sobre a abertura dos dados como forma de estímulo à negociação e à

subseqüente contratação, Wanderley Fernandes nos traz o seguinte parecer:

“Enfim, (i) o contrato só é celebrado se as partes crêem que a situação dele

resultante ser-lhes-á vantajosa e (ii) a contratação sempre se desenvolve tendo em

vista determinado escopo ou, mais tecnicamente, a função econômica do negócio.

Se o estabelecimento do vínculo não interessar ao empresário, ele simplesmente

não contratará.”41

No caso da franquia empresarial, dois são os alicerces para o sucesso na

negociação e a conseqüente contratação: a liberdade das partes em associar-se e a

confiança mútua. O franqueador optará livremente pelo candidato que melhor se

adaptar às suas exigências, e o franqueado poderá ou não aderir à rede de

franquias proposta. Condição fundamental para que a parceria seja formalizada é a

confiança recíproca. E para esta confiança se concretizar, as partes devem abrir

seus dados uma à outra e revelar o seu formato de administração, fazendo crer ao

outro que a parceria será próspera.

Podemos dizer que o princípio do disclosure é primordial para conduzir às

partes a confiança mútua que deve vigorar em toda e qualquer negociação, e

fundamental para levá-las ao objetivo último de todo este processo, que é o

exercício de liberdade, manifestado pela formalização do contrato de franquia

empresarial.

41 FERNANDES, Wanderley (Coord.). Op. cit., p. 82-83.

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CONCLUSÃO

Neste trabalho, onde foram utilizados argumentos baseados em pesquisa

bibliográfica, com a coleta da posição de diversos doutrinadores, em pesquisa

legislativa, com a consulta a diversas leis, decretos e convênios, e em ementas de

decisões judiciais, as quais foram inclusas no trabalho a título de exemplo,

procuramos abordar a franquia empresarial sob diversos prismas, e o princípio do

disclosure aplicado a esta atividade.

Quanto à franquia empresarial, analisamos detalhadamente seu conceito

sob a ótica da Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994, e a sua pertinência ainda

nos dias de hoje, tendo em vista a expansão desta atividade nos mais diversos

ramos de negócio do mercado, expansão esta justificada pelas vantagens advindas

da sua exploração por franqueador e franqueado, trazendo benefícios também ao

consumidor, contemplado pela aproximação de grandes marcas nos mais remotos

recantos do país. Concluímos que a franquia empresarial possui papel

socioeconômico importante no mundo moderno, pois fomenta o crescimento

econômico, gerando novos empregos, formando novos empresários e disseminando

novos serviços e tecnologias, difundindo nos países subdesenvolvidos e em

desenvolvimento, modernas técnicas de gestão operacional e comercial.

Historicamente, a franquia empresarial surgiu nos Estados Unidos da

América, lá se desenvolvendo até chegar aos moldes atuais, tendo seu grande

momento de expansão após a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, a pioneira nesta

atividade foi a empresa Calçados Stella, que estabeleceu os primeiros métodos de

organização de um sistema de franquias, que até hoje fazem parte dos

procedimentos necessários à atividade.

Abordamos, neste trabalho, os diversos tipos de franquia existentes. Uma

vasta gama de opções, facilitando a adequação do franqueador e do franqueado ao

tipo e procedimento que melhor lhe convierem. Destacamos a franquia de negócio

formatado, onde o franqueado produz ou presta serviços de acordo com os

parâmetros do franqueador, e a franquia tradicional, em que o franqueado revende

mercadorias ou presta serviços fornecidos diretamente pelo franqueador. As

franquias industriais, de produtos e de serviços, que se referem às atividades de

manufatura, comercial e de prestação de serviços, respectivamente, e as franquias

47

unitárias, quando o franqueado possui apenas uma única unidade representativa

dos produtos do franqueador, e múltiplas, quando o mesmo franqueado possui

diversas unidades.

O contrato de franquia é o instrumento formal da atividade de franquia, onde

fica estabelecido que o franqueador cederá ao franqueado vários direitos, entre eles

o uso da sua marca e o fornecimento da sua tecnologia, mediante um pagamento

inicial e uma porcentagem mensal dos lucros advindos da atividade, podendo o seu

término ocorrer por decurso de prazo, rescisão, resilição ou resolução.

Entre as características do contrato de franquia, concluímos que é misto,

devido às várias atividades que engloba; consensual, posto que se torna efetivo a

partir da concordância das partes; bilateral, pois necessita das duas partes para se

tornar efetivo; informal, porque não requer forma especial; oneroso, pois estabelece

obrigações para ambas as partes; de execução continuada, porque sua execução se

prolonga no tempo; personalíssimo, porque será firmado com o franqueado que se

adequar às exigências do franqueador; e atípico, não obstante existam

entendimentos diversos, pois a Lei nº 8.955/94, que trata da franquia empresarial,

não traz as características que o contrato deve conter, mas apenas o nomeia,

caracterizando a sua atipicidade.

Previamente à formalização do contrato de franquia, o franqueador ou o

subfranqueador deve fornecer aos candidatos a franqueado a circular de oferta de

franquia. Esta circular é a representação máxima da obediência ao princípio do

disclosure na atividade de franquia empresarial, pois traz em seu conteúdo os mais

diversos dados institucionais do franqueador, tendo assim, o franqueado, acesso a

informações que lhe permitirão analisar as vantagens e desvantagens de aderir à

rede de franquias proposta. A circular de oferta de franquia deve ser clara e objetiva,

facilitando a interpretação do interessado, e deverá ser entregue ao candidato a

franqueado no prazo mínimo de 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou

pré-contrato de franquia, ou do pagamento ao franqueador, pelo franqueado, de

valores a qualquer título.

O princípio do disclosure, assim como a atividade de franquia empresarial,

teve origem nos Estados Unidos da América, e pode ser conceituado como o

princípio da abertura dos dados, representando a transparência que deve ser própria

de qualquer relação negocial, mas que na atividade de franquia empresarial é

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institucionalizada, tendo em vista a previsão legal da obrigatoriedade de

fornecimento da circular de oferta de franquia.

Mas este princípio deve ser observado não só pelo franqueador, como

manda a lei, mas também pelos franqueados e pelas empresas interessadas em

compor uma rede de franquias, como demonstração de boa conduta nas

negociações mercantis.

A inobservância deste princípio pode gerar graves conseqüências para a

parte que não prestou as informações exigidas ou prestou-as com incorreção,

podendo gerar, inclusive, penalidades na esfera criminal.

Por fim, ressalta-se que esta pesquisa é relevante para tanto para a área do

direito empresarial, quanto para a do direito contratual, na medida em que analisa as

diversas formas de incidência do princípio do disclosure na atividade de franquia

empresarial.

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REFERÊNCIAS BIBL IOGRÁFICAS

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