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148 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017. MARCO TEMPORAL E AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS: ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E DA CONVENCIONALIDADE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DA CIDH TEMPORARY FRAMEWORK AND VIOLATIONS TO THE RIGHTS OF INDIGENOUS PEOPLES: ANALYSIS OF CONSTITUTIONALITY AND CONVENTIONALITY FROM THE IACHR'S JURISPRUDENCE Susanna Schwantes 1 Gilberto Starck 2 RESUMO O presente estudo pretende analisar porque o marco temporal para demarcação de terras indígenas, fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, viola direitos dos povos indígenas. Pretende-se demonstrar que a fixação do marco temporal fere os direitos indígenas e, abordar especificamente as violações ao direito à vida, tendo como parâmetro as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre direitos possessórios indígenas. O estudo é fruto de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial com o intuito de analisar casos semelhantes de violações e não reconhecimento de direito à terra tradicional de comunidades indígenas e que se assemelham ao caso brasileiro. De forma a sustentar a inconstitucionalidade e incovencionalidade do marco temporal, segundo o qual para que haja reconhecimento das terras tradicionais, é necessária comprovação de que os índios estavam na posse das terras quando da promulgação da Constituição de 1988 ou desde que provem o esbulho renitente. Como será demonstrado, o atual entendimento fere diversos direitos das comunidades indígenas que podem lhes custar a própria sobrevivência física e cultural. Palavras-chave: Povos indígenas; Marco temporal; Direito à vida; Constitucionalidade; Convencionalidade ABSTRACT The present study intends to analyze why the temporal framework for demarcation of indigenous lands, set by the Federal Supreme Court in the Raposa Serra do Sol trial, violates the rights of indigenous peoples. It is intended to demonstrate that the establishment of the temporal framework violates indigenous rights and specifically addresses violations of the right to life, based on the judgments of the Inter-American Court of Human Rights on indigenous property rights. The study is the result of bibliographical and jurisprudential research in order to analyze similar cases of violations and non-recognition of the traditional land rights of indigenous communities, which resemble the Brazilian case in order to support the unconstitutionality and 1 Professora do Centro Universitário Ritter dos Reis/Uniritter nas disciplinas de Direito Administrativo, Econômico, núcleo de prática de direito administrativo, núcleo de prática de direito constitucional, núcleo de mediação e iniciação à prática jurídica. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul UCS em Direito Ambiental. Currículo Lattes: < http://lattes.cnpq.br/0948455780431123>. E-mail: [email protected]. 2 Aluno do Curso Especialização Direitos Humanos e Políticas Públicas na Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (Canoas/RS). Pesquisador voluntário do Projeto de Extensão Clínica de Direitos Humanos do Centro Universitário Ritter dos Reis/Uniritter/Laureate International Universities. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/7479746882212500>. E-mail: [email protected].

MARCO TEMPORAL E AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DOS …centrodireitointernacional.com.br/wp-content/uploads/2014/05/Marco... · Humanos sobre direitos possessórios indígenas. O estudo

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148 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

MARCO TEMPORAL E AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DOS POVOS

INDÍGENAS: ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E DA

CONVENCIONALIDADE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DA CIDH

TEMPORARY FRAMEWORK AND VIOLATIONS TO THE RIGHTS OF

INDIGENOUS PEOPLES: ANALYSIS OF CONSTITUTIONALITY AND

CONVENTIONALITY FROM THE IACHR'S JURISPRUDENCE

Susanna Schwantes1

Gilberto Starck2

RESUMO

O presente estudo pretende analisar porque o marco temporal para demarcação de terras

indígenas, fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do caso Raposa Serra

do Sol, viola direitos dos povos indígenas. Pretende-se demonstrar que a fixação do

marco temporal fere os direitos indígenas e, abordar especificamente as violações ao

direito à vida, tendo como parâmetro as sentenças da Corte Interamericana de Direitos

Humanos sobre direitos possessórios indígenas. O estudo é fruto de pesquisa

bibliográfica e jurisprudencial com o intuito de analisar casos semelhantes de violações

e não reconhecimento de direito à terra tradicional de comunidades indígenas e que se

assemelham ao caso brasileiro. De forma a sustentar a inconstitucionalidade e

incovencionalidade do marco temporal, segundo o qual para que haja reconhecimento

das terras tradicionais, é necessária comprovação de que os índios estavam na posse das

terras quando da promulgação da Constituição de 1988 ou desde que provem o esbulho

renitente. Como será demonstrado, o atual entendimento fere diversos direitos das

comunidades indígenas que podem lhes custar a própria sobrevivência física e cultural.

Palavras-chave: Povos indígenas; Marco temporal; Direito à vida; Constitucionalidade;

Convencionalidade

ABSTRACT

The present study intends to analyze why the temporal framework for demarcation of

indigenous lands, set by the Federal Supreme Court in the Raposa Serra do Sol trial,

violates the rights of indigenous peoples. It is intended to demonstrate that the

establishment of the temporal framework violates indigenous rights and specifically

addresses violations of the right to life, based on the judgments of the Inter-American

Court of Human Rights on indigenous property rights. The study is the result of

bibliographical and jurisprudential research in order to analyze similar cases of

violations and non-recognition of the traditional land rights of indigenous communities,

which resemble the Brazilian case in order to support the unconstitutionality and

1 Professora do Centro Universitário Ritter dos Reis/Uniritter nas disciplinas de Direito Administrativo,

Econômico, núcleo de prática de direito administrativo, núcleo de prática de direito constitucional, núcleo

de mediação e iniciação à prática jurídica. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do

Sul – UCS em Direito Ambiental. Currículo Lattes: < http://lattes.cnpq.br/0948455780431123>. E-mail:

[email protected]. 2Aluno do Curso Especialização Direitos Humanos e Políticas Públicas na Universidade do Vale dos

Sinos (Unisinos). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (Canoas/RS).

Pesquisador voluntário do Projeto de Extensão Clínica de Direitos Humanos do Centro Universitário

Ritter dos Reis/Uniritter/Laureate International Universities. Currículo Lattes:

<http://lattes.cnpq.br/7479746882212500>. E-mail: [email protected].

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Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

inconvenience of the temporal framework, according to For recognition of traditional

lands, it is necessary to prove that the Indians were in possession of the lands when the

Constitution of 1988 was promulgated or since they provoke the reluctant snooping. As

will be shown, the current understanding hurts various rights of indigenous

communities that can cost them their own physical and cultural survival.

Keywords: Indian people; Time frame; Right to life; Constitutionality; Conventionality

INTRODUÇÃO

Desde o ‘descobrimento’ do Brasil até os dias atuais os povos indígenas já

sofreram com o processo de colonização, escravização, usados para defender as

fronteiras, foram considerados empecilho ao desenvolvimento do Brasil, passaram por

um processo cruel de eliminação física e cultural.3 Enfim, os povos indígenas já

sofreram inúmeras e variadas violações de direitos humanos em nosso País.

Apesar dos avanços trazidos com a Constituição Federal no campo dos direitos

humanos, os índios continuam sua luta contra um processo de aculturamento e

extermínio de sua cultura e principalmente pelo direito de terem suas terras

reconhecidas. O Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil de 2015, de

autoria Conselho Indigenista Missionário, aponta para um grande número de

assassinatos, conflitos por terra, e pelo avanço na destruição dos direitos indígenas,

principalmente pelo fortalecimento de uma bancada ruralista na Câmara Federal e no

Senado.4

Além disso, recentemente, durante o julgamento do Caso Raposa Serra do Sol5 o

Supremo Tribunal Federal fixou dezoito condições que devem ser consideradas nos

processos de reconhecimento e demarcação de terras indígenas. Entre essas condições

está a fixação de um marco temporal, segundo o qual, para que seja reconhecida como

terra tradicional indígena é necessário demonstrar que os índios estavam na posse da

terra na data da Promulgação da Constituição Federal de 1988 ou que seja prova o

esbulho renitente.

Ocorre que como será demonstrado nessa pesquisa tal entendimento fere

dispositivos constitucionais e documentos internacionais de proteção dos direitos

humanos e dos povos indígenas. Além disso, o posicionamento adotado pela nossa

Corte contraria a mais recente jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos

Humanos.

Trata-se de uma tese que restringe o acesso das comunidades indígenas sob suas

terras e coloca em risco a vida dessas comunidades. A presente pesquisa se dividirá em

quatro pontos.

Primeiramente será mostrado como ocorreu a fixação do marco temporal no

Supremo Tribunal Federal quando do Julgamento da Pet. 3.338.6 Em seguida será

3CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Índios no brasil - História, direitos e cidadania. 1. ed. São Paulo:

Claro Enigma, coleção Agenda brasileira, 2013. p. 11 e ss. 4 BRASIL. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – 2015. Disponível em: <CIMI:

http://www.cimi.org.br/pub/relatorio2015/relatoriodados2015.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2017. 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em

19/03/2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=603021&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teo

r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017. 6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em

19/03/2009. Disponível em:

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Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

apresentado o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre

direitos possessórios indígenas a fim de demonstrar que o marco temporal fixado pelo

Supremo não está em consonância com o a jurisprudência de referida Corte. Mostrar-se-

á como o acesso à terra possui correlação com o direito à vida para as comunidades

indígenas haja vista o sentimento que esses povos possuem em relação aos seus

territórios.

No terceiro ponto analisar-se-á as violações aos direitos indígenas tendo como

base dois processos que discutem a anulação dos atos administrativos responsáveis por

duas demarcações de terras tradicionais indígenas já findas, mas que em razão do novo

entendimento, estão sendo objeto de processo de anulação de demarcação, a saber MS

29.0877 e RE 803.462

8, em andamento no STF. Esse tópico tem a intenção de demostrar

que se não bastasse um entendimento que restringe o direito à terra, nos novos

processos há inúmeras violações de ordem processual (direito à diferença, direito à

consulta, direito à autodeterminação).

No quarto e último tópico, será mostrado porque, com base no entendimento da

Corte Interamericana de Direitos Humanos, dos dispositivos constitucionais e dos

documentos internacionais de proteção dos direitos humanos, o marco temporal é

inconstitucional e inconvencional.

O marco temporal viola direitos dos povos indígenas ao não levar em

consideração os modos de vida e de organização próprios dessas comunidades. Além

disso, é dever do Estado, frente aos dispositivos e jurisprudências que serão mostrados,

adotar medidas para reconhecer o direito à terra dos povos indígenas, um problema que

se arrasta desde muito tempo e que merece uma solução que interrompa as sucessivas

violações de direitos que os povos indígenas sofrem em nosso País.

1. A FIXAÇÃO DA TESE DO MARCO TEMPORAL NO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

Primeiramente, é preciso esclarecer que este tópico não entrará no mérito da

questão decidida no caso Raposa Serra do Sol, tão somente lançara atenção aos trechos

em que a discussão sobre a fixação do marco temporal foi discutida pelo pleno do

Supremo Tribunal Federal e quais os fundamentos adotados pelos Ministros que

votaram a favor da fixação de referido marco.

A Corte, ao analisar o caso Raposa Serra do Sol, fixou entendimento que para

ser considerada terra tradicional indígena é necessário demonstrar que os índios estavam

na posse das terras quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 ou que seja

comprovado o esbulho renitente.

Tratava-se de uma ação popular proposta pelo Senador Augusto Affonso

Botelho Neto (PT) juntamente com o Senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti

(PTB), no ano de 2005, em face da União, com a finalidade de suspender a Portaria

534/2005 e no mérito declará-la inconstitucional. A portaria foi homologada pelo

Decreto Presidencial de 15.4.2005 e demarcou administrativamente a Terra Indígena

<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=603021&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teo

r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017. 7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 29.087. Relator (a): Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3935320>. Acesso em 26

jan. 2017. 8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 803.462. Relator (a): Min. Teoria Zavascki. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4548671>. Acesso em 26

jan. 2017.

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Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

Raposa Serra do Sol, em Roraima, determinado a posse das terras aos grupos indígenas

Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana.

De acordo com os requerentes, houve vício no processo administrativo uma vez

que não foram ouvidas todas as partes e entidades envolvidas. Ainda, segundo os

requerentes o laudo antropológico apresentado não teria sido assinado por um

profissional. Por fim, alegaram que a demarcação de referida terra afetaria os interesses

econômicos, comerciais e sociais das demais pessoas, não-índios, que habitam a

localidade.9

A Advocacia Geral da União manifestou-se no sentido de que a demarcação da

Terra Indígena Raposa Serra do Sol não lesa patrimônio público e que não há nenhuma

inconstitucionalidade. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente

procedente a ação e considerou constitucional a demarcação contínua de referida terra

tradicional.

O marco temporal foi apresentado na exposição do então Ministro, Menezes

Direito, conforme a seguir: (...) as terras indígenas são terras ocupadas pelos índios. Não terras que

ocuparam em tempos idos e não mais ocupam; não são terras que ocupavam

até certa data e não ocupam mais. São terras ocupadas pelos índios quando da

promulgação da Constituição de 1988. O marco para a determinação da

ocupação indígena (5/10/1988) decorre do próprio sistema constitucional de

proteção aos direitos dos índios, que não poderia deixar de abranger todas as

terras indígenas existentes quando da promulgação da Constituição, sob pena

de ensejar um desapossamento ilícito dos índios por não-índios após sua

entrada em vigor. 10

O Ministro Menezes propôs como critério constitucional a adoção da teoria do

fato indígena, uma vez que “a aferição do fato indígena em 5 de outubro de 1988

envolve uma escolha que prestigia a segurança jurídica e se esquiva das dificuldades

práticas de uma investigação imemorial da ocupação indígena. ” 11

Nesse mesmo sentido, o Ministro Eros Grau menciona que a teoria do indigenato

não deve mais ser utilizada uma vez que a Constituição reconheceu os direitos

originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas quando da sua promulgação em

05.10.1988. No seu entender, a Terra Raposa Serra do Sol deve ser reconhecida como

terra tradicional indígena justamente porque os índios as ocupavam na data da

promulgação de nossa Carta.

É preciso esclarecer que na Constituição de 1988 utilizou-se a tese do indigenato

para assegurar e reafirmar que os índios são os donos “verdadeiros e naturais” das terras

que tradicionalmente ocupam e que ao Estado cabe somente a função de reconhecer.12

9 BRASIL. Conectas Direitos Humanos. Petição 3388 – Raposa Serra do Sol. Disponível em: <

http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Resumo%20-%20Pet%203388.pdf>. Acesso em: 10 jan.

2017. 10

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em

19/03/2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=603021&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teo

r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017. 11

Ibidem. 12

SANTANA, Carolina Ribeiro. Direitos territoriais indígenas: o Poder Judiciário contra a

Constituição. Disponível em: <

http://www.enadir2015.sinteseeventos.com.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7

czozNDoiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjM6IjE3MiI7fSI7czoxOiJoIjtzOjMyOiJhNGU0Mz

Y1OWZiZjcwYTFiNTcwNWY1MmFlZTI4ZGUyNiI7fQ%3D%3D>. Acesso em 14 mar. 2017.

152 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

O Ministro Celso de Mello afirmou que há proteção constitucional para as terras

indígenas ocupadas há algum tempo quando da data da promulgação da Constituição de

1988. Além disso, menciona que é preciso demonstrar a conjugação com o caráter

econômico, cultural e antropológica.13

Na decisão foram fixados dezoito parâmetros ou condições para que seja

considerada terras indígena tradicional. Entre as quais está a tese do marco temporal,

conforme:

O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data

certa - a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) - como

insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço

geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o

reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que

tradicionalmente ocupam. 11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É

preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário

também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico

de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto,

não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a

reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de

não-índios.14

Em 2012, em sede de embargos de declaração na Petição 3.338, sob relatoria do

Ministro Luís Roberto Barroso, o STF manteve a demarcação contínua da Terra

indígena Raposa Serra do Sol e determinou que as condições para o reconhecimento e

demarcação de terras indígenas proferidas em 2009, não possuem efeitos vinculantes em

casos futuros. Como afirma o Ministro Barroso: não produz uma transformação da coisa julgada em ato normativo geral e

abstrato, vinculante para outros eventuais processos que discutam matéria

similar. No atual estado da arte, as decisões do Supremo Tribunal Federal não

possuem, sempre e em todos os casos, caráter vinculante “15

.

Que assinalou também que: a decisão proferida na Pet 3.388/RR tem a forca intelectual e persuasiva de

uma decisão do Supremo Tribunal Federal, mas não e vinculante, em sentido

técnico, para juízes e tribunais, quando do exame de outros processos,

relativos a terras indígenas diversas.16

Ocorre que as condições expostas na decisão da Petição 3384 e reafirmadas no

julgamento dos embargos de declaração estão sendo utilizadas para rediscutir os

processos de demarcações já findos. Como será mostrado, a tese do marco temporal,

vem sendo utilizada para rediscutir demarcações e, mais grave ainda, os novos

processos apresentam diversas violações aos direitos dos indígenas. Se não bastasse a

limitação temporal para o processo de demarcação que restringe o direito à terra, os

13

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em

19/03/2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=603021&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teo

r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017. 14

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração na Petição 3.338-4. Relator (a): Min.

Luís Roberto Barroso, julgado em 23/10/2013. Disponível em: <

http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Inteiro%20Teor%20do%20Ac%C3%B3rd%C3%A3o%20-

%20PET%203388%20-%20Embargos.pdf>. Acesso em 10 jan. 2017. 15

Ibidem. 16

Ibidem.

153

Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

novos processos deixam de observar direitos essenciais como o direito à consulta, o

direito à autodeterminação, direito à diferença.

2. JURISPRUDÊNCIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

HUMANOS SOBRE DIREITOS POSSESSÓRIOS INDÍGENAS: O DIREITO À

VIDA

Neste tópico será apresentado o posicionamento da Corte Interamericana de

Direitos Humanos em julgamentos que tratam de direitos possessórios indígenas e que

mostram o que a CIDH considera como violação aos direitos dos povos indígenas bem

como quais as ações os Estados precisam adotar em relação ao reconhecimento do

direito à terra desses povos.

A intenção é relacionar o entendimento da Corte com o caso brasileiro e

demonstrar que a tese do marco temporal não se coaduna com o ordenamento jurídico

brasileiro e com os vários documentos internacionais e regionais de proteção aos

direitos dos povos indígenas, conforme será mostrado pela análise dos julgados. Assim,

especificamente mostrar-se-á a correlação do direito à terra com o direito à vida quando

se trata de defender o direito dos povos indígenas.

De acordo com o art. 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, “toda

pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e,

em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida

arbitrariamente”.17

Com base neste dispositivo da Convenção Americana de Direitos

Humanos, a CIDH, ao analisar o Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs.

Paraguai, decidiu que o Estado tem o dever de adotar medidas positivas para proteger

esse direito e não dificultar o acesso ao mesmo.

Considerou que a demora na adoção de medidas internas para o reconhecimento

e demarcação das terras indígenas ocasionam violação do direito à vida uma vez que,

longe de seus territórios, as Comunidades indígenas estão privadas do acesso aos

recursos mínimos para obtenção dos alimentos que lhes garantam a sobrevivência, logo,

ficam expostas à pobreza, à doença e à vulnerabilidade18

Já no caso Mayagna Awas Tingni contra a Nicarágua, a Corte estabeleceu, com

base no art. 4.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que todas as pessoas

têm direito à vida sendo função do Estado garanti-lo por meio de lei. Na compreensão

da Corte Interamericana, ninguém pode ser privado arbitrariamente de sua vida e todas

as pessoas possuem o direito de viver em condições dignas. Trata-se de uma “obrigação

negativa do Estado de não privar seus cidadãos da vida, mas chama atenção para o

dever positivo do Estado de agir e criar as condições necessárias para garantir uma vida

digna a todas as pessoas. ”19

Nesse sentido, cabe ao Estado garantir os meios legais necessários para que os

povos indígenas tenham o seu direito à terra respeitados e consequentemente garanti-los

17

BRASIL. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Decreto 678/1992. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 26 jan. 2017. 18

Corte Interamericana de Direitos Humanos. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/2-direitos-

dos-povos-indigenas.pdf>. Acesso em 09 de set. 2015. 19

BRASIL. Conectas Direitos Humanos. Por um novo paradigma de proteção dos direitos dos povos

indígenas: Uma análise crítica dos parâmetros estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Disponível em: http://www.conectas.org/pt/acoes/sur/edicao/17/1000196-por-um-novo-

paradigma-de-protecao-dos-direitos-dos-povos-indigenas-uma-analise-critica-dos-parametros-

estabelecidos-pela-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em: 30 jan. 2017.

154 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

o direito à vida, tendo em vista que a sobrevivência dessas comunidades depende dos

territórios, lugar de onde provém os recursos necessários para mantê-los vivos.

No julgamento do caso Mayagna Awas Tingni contra a Nicarágua (2001) ficou

estabelecido que quando as comunidades indígenas estão longe das terras, suas vidas

estão em risco, tendo em vista que afastados de seus territórios não podem desenvolver

suas práticas para o tratamento de doenças o que significa dizer que a saúde da

comunidade está em risco.20

O direito à vida pressupõe que os povos indígenas têm direito de desenvolver

suas vidas sem a interferência de terceiros. No caso Yakye Axa Vs. Paraguai, o Estado

descumpriu o disposto no art. 4º da Convenção Americana ao impedir que esses povos

vivessem de acordo com as visões tradicionais de vida, ao serem retirados da posse de

suas terras ancestrais,21

entregues às privatizações formuladas pelo Estado.22

Esse caso chama a atenção para o direito à diferença e expõe claramente como

ocorrem as violações aos direitos humanos às chamadas “minorias”. De acordo com o

imaginário social, essas são categorias subumanas que não merecem ter suas

particularidades, suas formas de decidir e viver levadas em conta. Por esse motivo, são

expostas às mais diversas violações de direitos humanos. Esse é o discurso que legitima

as atrocidades cometidas, desde muito, aos povos indígenas no Brasil23

, e que em parte

ocorrem ainda pela ausência de políticas eficientes por parte do Estado que garanta uma

vida digna aos povos indígenas.

Outro caso emblemático envolvendo direitos possessórios indígenas, julgado

pela CIDH, é o caso Saramaka Vs. Suriname e que se assemelha muito com o caso

brasileiro. A luta dos povos indígenas reflete uma história de lutas e violências sociais

motivadas pela construção de hidrelétricas e exploração de minério. Trata-se de mais

um caso em que o constitucionalismo interno não reconheceu os vários direitos

assegurados pelos documentos regionais de proteção dos direitos humanos e segue com

o pensamento colonial de desconsideração dos direitos indígenas. Na análise da Corte,

mais uma vez foi reafirmada a necessidade de os Estados respeitar a relação especial

dos povos indígenas com a terra a fim de assegurar a sobrevivência econômica, social e

cultural, pois ambos são inseparáveis. Outro ponto da sentença que merece destaque é o

reconhecimento do dos povos indígenas como sujeito de direitos e obrigações cabendo

ao Estado do Suriname adotar meios administrativos, legislativos e judiciais necessários

para o reconhecimento da personalidade jurídica do povo Saramaka, individual e

coletivamente. 24 O julgamento do caso Yakye Axa vs. Paraguai, traz a Convenção nº 169 da OIT

como fundamentação para defender o direito à vida dos povos indígenas. Segundo o art.

13, os Estados devem

20

PIOVESAN, Flávia. Sistema Interamericano de Direitos Humanos: impacto transformador, diálogos

jurisdicionais e os desafios da reforma. Disponível em: < http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-

2.2.2/index.php/REDESG/article/view/16282#.VfLs3xFVhHw>. Acesso em: 09 de set. 2015. 21

MELO, Mario. Últimos avanços na justiciabilidade dos direitos indígenas no sistema

interamericano de direitos humanos. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-

64452006000100003&script=sci_arttext>. Acesso em 10 de set. 2015. 22

SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos / Sur – Rede Universitária de Direitos

Humanos – v.1, n.1, jan.2004 – São Paulo, 2004. p. 67. 23

BRAGATO. Fernanda Frizzo. Cenários de risco e prevenção de violações de direitos humanos.

Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/violacoes-de-direitos-humanos/>. Acesso em: 30 jan.

2017. 24

COSTA OLIVEIRA. Assis da, Sensibilidade jurídica e embate colonial: análise do caso Saramaka

Vs. Suriname. Disponível em: < http://www.e-

publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/3081/2507>. Acesso em 24 fev. 2017.

155

Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

respeitar a importância especial que tem para as culturas e valores espirituais

dos povos interessados a sua relação com as terras ou territórios, ou com

ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e,

particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.25

De acordo com a CIDH o direito à vida envolve duas facetas: não ser privado

arbitrariamente da vida e a garantia por parte do Estado das condições mínimas que

garantam o acesso a uma existência digna. Por essa razão, entendeu a Corte que o

Paraguai violou o dever de proteção da vida de seus membros ao não garantir o direito

da comunidade indígena ao seu território ancestral. Importante destacar o item 128 de

referida sentença

O corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos está formado

por um conjunto de instrumentos internacionais de conteúdo e efeitos

jurídicos variados (tratados, convênios, resoluções e declarações). Sua

evolução dinâmica exerceu um impacto positivo no Direito Internacional, no

sentido de afirmar e desenvolver a aptidão deste último para regulamentar as

relações entre os Estados e os seres humanos sob suas respectivas jurisdições.

Portanto, esta Corte deve adotar um critério adequado para considerar a

questão sujeita a exame no âmbito da evolução dos direitos fundamentais da

pessoa humana no Direito Internacional contemporâneo. 26

O trecho da sentença demonstra que no entendimento da CIDH, os Estados que

ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos precisam adotar, em âmbito

interno, uma jurisdição que respeite os direitos indígenas a fim de que esses grupos

possam ter seus direitos básicos, como o direito de ter suas terras ancestrais,

reconhecidos. Porém, o cenário brasileiro atual demonstra o contrário, como será visto a

seguir.

A Corte chama a atenção para a união de esforços do direito constitucional

interno e o direito internacional na proteção dos direitos humanos. O novo

constitucionalismo que emerge dialoga com as normas internacionais no que o

Professor Jose Luis Bolzan de Morais, chama de ‘fim da geografia’,27

ou seja, é

impossível que no Sec. XXI, os Estados permaneçam com o direito interno ‘fechado’

para a evolução dos direitos humanos em sentido regional e internacional. Com efeito, é

preciso mencionar, também, que a soberania no sentido clássico se encontra defasada

diante dos novos desafios trazidos pela globalização e em termos de Direito não é

diferente: impossível tratar dos problemas internos da mesma forma que antes diante

das novas demandas e dos novos direitos.28

25

BRASIL. Decreto n° 5.051 de 19 de abr. De 2004. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso em: 09 de set.

de 2015. 26

Corte Interamericana de Direitos Humanos. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/2-direitos-

dos-povos-indigenas.pdf>. Acesso em 09 de set. 2015. 27

MORAIS. Jose Luis Bolzan de. Estado e Constituição e o “fim da geografia”. In: Constituição,

sistemas sociais e hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS:

mestrado e doutorado/ Org. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre:

Livraria do Advogado Editora, 2016. p.59 e ss. 28

BARRETO. Vicente de Paulo. Direitos Humanos, Democracia e Globalização. In: 20 anos de

Constituição: Os Direitos Humanos entre a Norma e a Política. Ogs. Lenio Luiz Streck, Vicente de

Paulo Barreto, Alfredo Santiago Culleton. São Leopoldo: Oikos, 2009. p. 264 – 268.

156 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

Nessa perspectiva Flávia Piovesan menciona que o direito interno precisa

harmonizar o direito interno de acordo com os compromissos assumidos no plano

internacional que possuem a função de alargar o rol de direitos constitucionalmente

previstos. Refere ainda, que o direito internacional pode ser utilizado para sanar lacunas

contidas no direito interno e que, em caso de conflito entre o direito interno e

internacional, deve prevalecer a norma mais benéfica ao ser humano.29

A terra é essencial para vida dos povos indígenas tendo em vista que para esses

povos o sentimento vai além da mera posse e da produção. Somente quando estão em

seus territórios esses povos podem desenvolver sua cultura, os meios para sua

sobrevivência, viver livremente e alcançar as condições dignas necessárias para o

desenvolvimento de suas vidas com dignidade. 30

A terra é o meio necessários para que

os povos indígenas possam se organizar e viver em sociedade em condições de

igualdade, longe da marginalização.31

Para os indígenas a terra significa mais que mera posse ou produção. A terra é o

elemento pelo qual esses povos desenvolvem a vida espiritual, a cultura, a integridade,

de onde retiram a sobrevivência econômica. A terra é um elemento material e espiritual

de que devem gozar e preservar como legado cultural às futuras gerações.32

A luta pela terra é uma luta por reconhecimento dos direitos sociais que desafia

o direito dos grupos econômicos dominantes e carrega consigo a reivindicação desses

povos por uma gama de outros direitos, a exemplo do que ocorreu no México, tais como

não-discriminação, autogoverno e respeito às suas tradições, cultura e dignidade, bem

como pelos direitos à educação, capacitação, necessidades básicas e saúde. No caso

mexicano também houve invocação da Convenção 169 da OIT a fim de invocar a

autonomia dos povos indígenas.33

3. MARCO TEMPORAL E VIOLAÇÕES DE DIREITOS INDÍGENAS

As violações aos direitos indígenas ocorrem no Brasil desde o ‘descobrimento’ a

partir do processo de colonização iniciado pelos portugueses. Desde então, esses povos

sofrem com um intenso aculturamento que ocasiona a perda da sua cultura, os

massacres e as mais variadas violações de direitos. A Constituição de 1988, marco do

processo de reconstrução dos direitos humanos no Brasil, preocupou-se em garantir

direitos aos povos indígenas, entre eles está o direito à terra, talvez o mais importante,

pois transforma-se em vida, saúde, cultura e bem-estar. No entanto, recentemente, a tese

do marco temporal fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Caso Raposa Serra do Sol,

restringiu o direito desses povos terem suas terras tradicionais reconhecidas ao afirmar

que,

29

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São Paulo:

Saraiva, 2012. P. 157 – 171. 30

PIOVESAN, Flávia. Sistema Interamericano de Direitos Humanos: impacto transformador, diálogos

jurisdicionais e os desafios da reforma. Disponível em: < http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-

2.2.2/index.php/REDESG/article/view/16282#.VfLs3xFVhHw>. Acesso em: 09 de set. 2015. 31

FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Direito Constitucional Ambiental: estudos

sobre a Constituição, os Direitos Fundamentais e a Proteção do Ambiente. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011. p. 52. 32

EMAGIS TRF4. Direitos Humanos e Diálogos Jurisdicionais – Flávia Piovesan. Disponível em: <

https://www.youtube.com/watch?v=gH_z5D0mf5M>. Acesso em: 22 fev. 2017. 33

GONÇALVES, Guilherme Leite; SCHACHERREITER, Judith. A luta zapatista pelo direito à terra:

antecedentes, estratégias e dimensões transnacionais. Disponível em: <http://www.e-

publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/21811/15912>. Acesso em: 01 mar. 2017.

157

Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

o direito a uma terra indígena só deve ser reconhecido nos casos em que a

área se encontrava tradicionalmente ocupada na data da promulgação da

Constituição de (05/10/1988), a menos que se prove que os índios tenham

sido impedidos de ocupá-las por “renitente esbulho”, ou seja, porque o grupo

foi expulso à força e comprovadamente tentou retornar à área e foi

impedido.34

Desde então, esse entendimento jurisprudencial vem sendo utilizada em

processos que requerem a anulação de demarcações já concluídas ou em andamento.

Como exemplo pode-se mencionar os casos das terras indígenas Guyraroká e Limão

Verde, ambas no Mato Grosso do Sul, e com processo de anulação em andamento no

Supremo Tribunal Federal.

Não bastasse o marco temporal restringir direitos indígenas, nos novos processos

que pedem a anulação das demarcações já findas, há um rol extenso de violações de

direitos contra os povos indígenas. Os casos MS 29.08735

e RE 803.46236

demonstram

porque o marco temporal é inconstitucional e inconvencional.

De acordo com a análise feita pela Professora Fernanda Frizzo Bragato37

, os

processos que pedem a anulação que têm como base para a discussão a tese do marco

temporal violam diversos dispositivos nacionais e internacionais de direitos humanos,

entre os quais, o direito à autodeterminação, à consulta e à diferença, desdobramentos

do princípio do devido processo legal, como a seguir mostrar-se-á.

Quanto ao direito de autodeterminação é preciso tem em mente que a

participação dessas comunidades é essencial durante o processo. No entanto, nos casos

em andamento os índios não foram admitidos como parte do processo. Dessa forma não

estão a par das decisões que lhes afetam, contrariando o disposto no art. 232 da

Constituição Federal38

, o art. 12 da Convenção 169 da OIT39

, os arts. 3º40

, 4º41

e 40 da

34

BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o

papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e

hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e

doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2016. p.55. 35

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 29.087. Relator (a): Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3935320>. Acesso em 26

jan. 2017. 36

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 803.462. Relator (a): Min. Teoria Zavascki. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4548671>. Acesso em 26

jan. 2017. 37

BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o

papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e

hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e

doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2016. p.59 - 64. 38

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em

defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. 39

Art. 12. Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de seus direitos, e poder iniciar

procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus organismos representativos, para

assegurar o respeito efetivo desses direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros

desses povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles,

se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes. 40

Artigo 3. Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam

livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. 41

Artigo 4. Os povos indígenas, no exercício do seu direito à autodeterminação, têm direito à autonomia

ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem

dos meios para financiar suas funções autônomas.

158 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU42

, além dos arts. 1º do PIDCP43

,

1º do PIDESC44

.

Da mesma forma há violação do direito à consulta, previsto no art. 6º da

Convenção 169 da OIT45

, uma vez que os novos processos não estão tendo a

participação dos povos indígenas.

É preciso mencionar o sentido de território para essas comunidades que vai

muito além do sentimento de posse. Para os índios o território é vida, é onde podem

expressar sua cultura e seu modo de vida. Privar os indígenas de viver em seus

territórios sem um processo justo é, sem dúvida, uma grave violação de direitos

humanos.

De acordo com a análise da professora Fernanda Bragatto, há violação do direito

à diferença dos povos indígenas na medida em que quando trata-se de provar o esbulho

renitente, não se está levando em conta as particularidades do modo de vida dessas

comunidades. 46

Contrariando o disposto no o art. 231 da Constituição Federal47

, o art.

5º da Convenção 16948

e o art. 34 da Declaração das Nações Unidas49

.

42

Artigo 40. Os povos indígenas têm direito a procedimentos justos e equitativos para a solução de

controvérsias com os Estados ou outras partes e a uma decisão rápida sobre essas controvérsias, assim

como a recursos eficazes contra toda violação de seus direitos individuais e coletivos. Essas decisões

tomarão devidamente em consideração os costumes, as tradições, as normas e os sistemas jurídicos dos

povos indígenas interessados e as normas internacionais de direitos humanos. 43

Artigo1º. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam

livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e

cultural. 44

Artigo 1º. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam

livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e

cultural.

45

Artigo 6º. 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os

povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições

representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-

los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar

livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na

adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza

responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o

pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os

recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser

efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo

e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. 46

BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o

papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e

hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e

doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2016. p.62 - 64. 47

Artigo 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,

e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,

proteger e fazer respeitar todos os seus bens (...). 48

Artigo 5º. Ao se aplicar as disposições da presente Convenção: a) deverão ser reconhecidos e

protegidos os valores e práticas sociais, culturais religiosos e espirituais próprios dos povos mencionados

e dever-se-á levar na devida consideração a natureza dos problemas que lhes sejam apresentados, tanto

coletiva como individualmente; b) deverá ser respeitada a integridade dos valores, práticas e instituições

desses povos; c) deverão ser adotadas, com a participação e cooperação dos povos interessados, medidas

voltadas a aliviar as dificuldades que esses povos experimentam ao enfrentarem novas condições de vida

e de trabalho. 49

Artigo 34. Os povos indígenas têm o direito de promover, desenvolver e manter suas estruturas

institucionais e seus próprios costumes, espiritualidade, tradições, procedimentos, práticas e, quando

159

Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

No MS 29.087 e RE 803.462 o STF considerou que não há o que se falar em

terra tradicional uma vez que a última ocupação por indígenas ocorreu em 1950 (Limão

Verde) e 1980 (Guyraroká). No entanto, é preciso esclarecer que os índios expulsos

continuaram a trabalhar como peões nas fazendas da região, uma forma de resistência,

apesar de terem sido impedidos de ocupar a terra. De acordo com os laudos

antropológicos apresentados nesses dois processos, apesar de não estarem na posse das

terras os índios nunca as abandonaram. É preciso frisar também que os anos anteriores à

Constituição de 1988 vigia o Código Civil de 1916 e o Estatuto do Índio, segundo os

quais os índios eram relativamente incapazes e dependiam de representação por parte do

Estado.50

É questionável a atuação do Estado num momento em que já está provado que

graves violações a direitos foram cometidas, inclusive, a expulsão de índios de suas

terras, justamente por quem tinha o dever de protegê-los.

O fato é que nesses processos há de se levar em conta esse histórico para que

seja provado que os índios encontraram uma forma própria de resistir e que precisa ser

levada em conta nos processos atuais. Trata-se de discriminação indireta, uma norma ou

ato aparentemente neutro que na verdade discrimina51

em razão da condição cultural,

social, econômica, social e restringe o direito de indivíduos ou grupos que não se

alinham aos padrões dominantes52

.

Ainda sobre as violações dos direitos dos índios cometidos durante o período

ditatorial, o relatório da Comissão da Verdade denuncia que no período de 1940 a 1988,

o Estado foi responsável por inúmeras omissões e violência contra os povos indígenas.

Durante a Era Vargas o Governo apoiou a chamada expansão do centro-oeste brasileiro

através da invasão e titulação das terras indígenas. De acordo os dados apresentados

pela Comissão da Verdade, eram comuns relatórios fraudulentos atestando a

inexistência de índios em parcelas de terras que foram tomadas das comunidades

tradicionais com o aval do Estado em desfavor desses povos.53

O Relatório ainda chama a atenção para a subordinação da FUNAI ao Ministério

do Desenvolvimento que resultou em omissões, falhas, violações aos direitos dos povos

indígenas em nome do chamado desenvolvimento nacional e dos interesses do INCRA e

do regime militar. Muitas comunidades foram totalmente eliminadas durante o período

da ditadura militar pela repressão imposta pelo Estado aos povos indígenas. Muitos

existam, costumes ou sistema jurídicos, em conformidade com as normas internacionais de direitos

humanos. 50

BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o

papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e

hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e

doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2016. p.62 - 64. 51

RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 52

ADAMATTI. Bianka. BRAGATO. Fernanda Frizzo. Igualdade, não discriminação e direitos

humanos. São legítimos os tratamentos diferenciados? Disponível em: <

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/509929/001032257.pdf?sequence=1>. Acesso em:

21 fev. 2016. 53

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Violações de direitos dos povos indígenas. Disponível em:

< http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%205.pdf>. Acesso em: 21

fev. 2016.

160 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

povos foram expulsos de suas terras para instalação de agroindústrias, exploração de

minerais, madeira, etc.54

Importante mencionar, que nesse período entrou em vigor o Estatuto do Índio

que, conforme redação do art. 2055

, permitia que os índios fossem retirados de suas

terras em nome do desenvolvimento nacional, por via de decreto presidencial.

Os índios eram vistos como uma ameaça para a segurança nacional e à nação.

Enfim, esses são somente alguns pontos levantados e contidos no extenso Relatório da

Comissão da Verdade sobre as violações aos povos indígenas durante o período militar,

mas que já servem para demonstrar o quão graves foram e continuam sendo as

omissões/ações do Estado brasileiro quando se trata de reconhecimento e proteção dos

territórios indígenas.

Agora, o Supremo ao invés de ser portador da segurança dos direitos

possessórios indígenas, cria um entendimento que viola totalmente a Constituição e

documentos internacionais de direitos humanos em nome de entre outras razões a

dificuldade de se estabelecer uma retrospectiva imemorial sobre as terras indígenas.

Pois bem, como visto o Relatório da Comissão da Verdade apontou para graves fraudes

nos atos praticados pelo Estado e que precisam ser levados em conta. Principalmente,

nesses novos processos que questionam demarcações já findas sobre o argumento que o

marco temporal não foi observado ou a comprovação de renitente esbulho.

Como já mencionado, trata-se de sucessivas violações de direitos praticadas pelo

Estado e pelo Judiciário que desde há tempo contribuem para a difícil situação atual de

muitas comunidades indígenas no Brasil.

Na lição de José Afonso da Silva, para quem o direito dos indígenas à terra é

imemorial, fundada no fato de terem sido eles os primeiros donos,

a Constituição de 1988 é o último elo do reconhecimento jurídico-

constitucional dessa continuidade histórica dos direitos originários dos índios

sobre as suas terras e assim, não é o marco temporal desses direitos, como

estabeleceu o acórdão na Pet. 3.388 (...) A Constituição de 1988 é importante

na continuidade desse reconhecimento constitucional, mas não é marco, e

deslocar esse marco para ela é fazer um corte na continuidade da proteção

constitucional dos direitos indígenas, deixando ao desamparo milhares de

54

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Violações de direitos dos povos indígenas. Disponível em:

< http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%205.pdf>. Acesso em: 21

fev. 2016. 55

Artigo 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União

intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do

Presidente da República. 1º A intervenção poderá ser decretada: a) para pôr termo à luta entre grupos

tribais; b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade

indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal; c) por

imposição da segurança nacional; d) para a realização de obras públicas que interessem ao

desenvolvimento nacional; e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala; f) para a exploração de

riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. 2º A

intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela

podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes: a) contenção de

hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios; b) deslocamento temporário de grupos

tribais de uma para outra área; c) remoção de grupos tribais de uma para outra área. 3º. somente caberá a

remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob

intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto

às condições ecológicas. 4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos

decorrentes da remoção. 5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a

tutela do índio. BRASIL. Lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973. Estatuto do Índio. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6001.htm>. Acesso em: 21 fev. 2017.

161

Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

índios e suas comunidades, o que no fundo, é um desrespeito às próprias

regras e princípios constitucionais que dão proteção aos direitos indígenas.56

Segue o autor dizendo que se há marco temporal a ser estabelecido esse deve ser

a data da promulgação da Constituição de 1934 (16.07.1934), uma vez que foi a

primeira vez que os direitos dos povos indígenas foram protegidos constitucionalmente

em nosso ordenamento jurídico.57

O marco temporal viola a dignidade dos povos indígenas ao suprimir ou anular o

direito desses povos à autodeterminação da própria vida, do direito um mínimo

invulnerável58

, das condições existências mínimas para uma vida saudável, do direito de

participação ativa, do direito de não ser somente um objeto no processo, mas um sujeito

de direito que precisa ser ouvido59

sob pena de o processo tornar-se arbitrário e injusto.

Nesse aspecto também é preciso atentar-se também para qual sentido ou valor

possui a dignidade da pessoa humana nas relações em que o Estado é parte. Conforme

foi mostrado, a ideia do marco temporal fundamentou-se numa das premissas de que é

impossível vislumbrar uma memória da posse das terras tradicionais pelos índios e que

por essa razão é necessário fixar um marco. Pois bem, como visto durante a vigência do

Estatuto do Índio e da ditadura militar, o Estado era responsável pela tutela dos

indígenas, considerados parcialmente capazes e, no entanto, foi o responsável pelas

mais graves violações, omissões, crueldades contra os povos indígenas. Por essa razão e

tratando-se de salvaguardar a dignidade dos índios, e preciso questionar também qual a

posição do Estado em relação ao seu dever de proteger a dignidade dos atores sociais

numa relação tensional em que este é parte da relação como e o caso do marco

temporal.60

O momento atual demonstra que a luta do índio pelo direito às suas terras

tradicionais permanece contra os mesmos “inimigos” que no passado foram

responsáveis pela quase destruição total de seu povo e cultura - a indústria, o

agronegócio, a extração de minerais e madeira - com o mesmo discurso em nome do

desenvolvimento que confronta índios e não-índios.

4. ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E CONVENCIONALIDADE DO

MARCO TEMPORAL

Nesse tópico analisar-se-á porque o marco temporal para a demarcação de terras

tradicionais indígenas é inconstitucional e inconvencional tendo em vista que tal

entendimento não se coaduna com os dispositivos constitucionais e os vários

documentos internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil.

56

SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016.

Disponível em: < https://mobilizacaonacionalindigena.files.wordpress.com/2016/05/parecer-josc3a9-

afonso-marco-temporal_.pdf>. Acesso em 21 fev. 2017. 57

Ibidem. 58

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1.º a 5.º

da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Atlas,

2006, p. 48. 59

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição

Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62. 60

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Dignidade Humana: aportes uma discussão pós-metafisica. Disponível em:

<http://www.ihu.unisinos.br/images/stories/cadernos/teopublica/119_cadernosteologiapublica.pdf>.

Acesso em: 21 fev. 2017.

162 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

Além disso, como foi exposto, também não se alinha à jurisprudência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos sobre direitos possessórios indígenas.

Conforme leciona o professor Dirley da Cunha Junior “a Constituição reconhece

aos índios a sua organização social, os seus costumes, línguas, crenças e tradições, e os

direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Além disso, “os

índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para são parte legítimas

para ingressas em juízo em defesa de seus direitos e interesses”.61

São terras tradicionais indígenas, conforme definição de Alexandre de Moraes:

as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas

atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos

ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução

física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.62

Como bem explicam Carlos Morés e Theo Morés, ao analisar o direito agrário

pelo viés do direito dos povos indígenas, a terra possui condição de provedora de vida

desses habitantes ao mesmo tempo que tem o poder de melhorar as condições de vida,

realizar direitos humanos e diminuir as desigualdades. Ainda de acordo com os autores,

é preciso ter em mente que se trata de garantir o direito de comunidades que não se

importam com as regras de mercado e que não veem na terra a mera produção, mas,

“um fundamento de vida”. Por isso, tão importante o respeito pelos costumes e tradições

dessas comunidades.63

Nesse sentido, José Afonso da Silva menciona que “a questão da terra se

transforma no ponto central dos direitos constitucionais dos índios, pois, para eles, ela

tem um valor de sobrevivência física e cultural”. Ainda segundo o autor, as quatro

condições elencadas no art. 231 para que seja considerada como terras tradicionalmente

ocupadas não podem devem ser interpretadas “segundo a visão civilizada, a visão de

modo de produção capitalista ou socialista, a visão do bem-estar do nosso gosto, mas

segundo o modo de ser deles, da cultura deles”.64

A posição do autor vai ao encontro com todo o exposto nesta pesquisa no

sentido de que as comunidades indígenas precisam das terras para sobreviver e viver

dignamente. Por esse motivo não há como sustentar uma tese que dificulta, em muitos

casos impede, que essas comunidades tenham o seu direito à terra respeitado. E mais, de

acordo José Afonso da Silva, terras tradicionalmente ocupadas não possui ligação ou

circunstância temporal, “mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as

terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo de como eles se relacionam

com a terra”.65

Por essa razão equivocada e inconstitucional a tese do marco temporal lançada

pelo Supremo Tribunal Federal de que para ser considerada terra tradicional indígena

precisa comprovar a posse dos índios quando da Promulgação da Constituição Federal

(05 de outubro de 1988), ou, seja provado o renitente esbulho.

Ainda sobre o art. 231, Tércio Sampaio menciona que

61

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. Bahia: JusPodivm. 2012. p.

1340 – 1342. 62

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 827. 63

MORÉS, Carlos; MORÉS, Theo. Direito Agrário e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia;

SOUZA, Douglas Martins de. (Orgs.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. 1 ed. São Paulo:

LUMEN JURIS, 2006. p. 171 – 174. 64

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros,

199. p. 825. – 826. 65

Ibidem.

163

Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

Tais direitos são originários. Não se trata de direitos adquiridos, pois não

pressupõem uma incorporação ao patrimônio (econômico e moral), embora,

ressalvadas as peculiaridades constitucionais, devam ser tratados em

harmonia com esses.66

Para o autor, as terras são tradicionais tem relação com o sentido de modo

tradicional, referindo-se à ocupação tradicional, de acordo com a tradição.67

Ademais, conforme apontado anteriormente, a Constituição de 1988 estabelece

a pluralidade cultural no nosso País, de forma que aos indígenas é garantido o direito de

viver de acordo com a cultura e formas de organização nas suas terras tradicionais.

Como já mencionado aqui nas palavras de Afonso da Silva, são terras tradicionais toda

terra em sua posse necessária à sua reprodução física e cultural, uma vez que “trata-se

de comunidades culturais, ligadas à raça (fator biológico), mas também a valores

(crenças, costumes, língua, tradições). ”68

Dessa forma, a Constituição rompe com o nexo civilista de posse e reconhece ao

índio toda a “extensão de terras necessárias ao resguardo cultural e à manutenção de

práticas econômicas e religiosas de cada povo”.69

Por esse motivo a necessidade de

realização de meios demarcatórios adequados e “equivocada e violadora dos preceitos

constitucionais a imposição do marco temporal”70

que fixa a posse em 05 de outubro de

1988 como data para reconhecimento das terras tradicionais indígenas.

Ainda, outros aspectos que reforçam a inconstitucionalidade do marco temporal

são a “existência do esbulho e a titulação a particulares (nula e extinta, a partir da

CF/88) e depois pela ininterrupta ocupação anímica, psíquica e de perdurabilidade para

além da habitação”71

conforme previsão do art. 231, § 6º, de que títulos anteriores são

nulos e extinto uma vez que a posse é originária.

Tendo em vista tudo o que foi mencionado até aqui, as graves violações aos

direitos indígenas, o posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é

razoável afirmar que o marco temporal para demarcação de terras indígenas é

inconstitucional porque viola dispositivos constitucionais que protegem os direitos dos

povos indígenas, ao interpretá-los de maneira a suprimir o direito à terra dessas

comunidades.

Além disso é ato jurídico incompatível com os princípios constitucionalmente

assegurados72

. Como visto, o marco temporal é inconvencional porque viola artigos da

Convenção Americana de Direitos Humanos, da OIT, do PIDESC e do PIDCP.

66

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A demarcação de terras indígenas e seu fundamento

constitucional. Disponível em: <

file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/hermeneuticaconstitucional_luizdefreitas.pdf >. Acesso em:

07 mar. 2017. 67

Ibidem. 68

Ibidem. 69

CUPSINSKI, Adelar. GUEDES, Irís Pereira. LIEBGOTT, Roberto Antônio. PEREIRA, Alessandra

Farias. SANTOS, Rafael Modesto dos. Terra tradicionalmente ocupada, direito originário e a

Inconstitucionalidade do marco temporal ante a proeminência do art. 231 e 232 da constituição de

1988. Disponível em: < http://cimi.org.br/pub/Assessoria-Juridica/Terra-tradicionalmente-ocupada-

direito-originario-e-a-inconstitucionalidade-marco-temporal.pdf>. Acesso em 26 jan. 2017. 70

Ibidem. 71

Ibidem. 72

PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra omissões legislativas: ação direta de

constitucionalidade por omissão e mandado de injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 76.

164 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

Sobre o controle de convencionalidade é preciso mencionar que desde 2009,

quando o Supremo discutiu a possibilidade de prisão civil por dívida, prevista na

Constituição e proibida conforme art. 7ª da Convenção Americana de Direitos

Humanos, ratificada pelo Brasil, o ordenamento jurídico brasileiro passou a abrigar dois

controles materiais para as leis e atos internos: o controle de constitucionalidade e o

controle de convencionalidade.

Após o longo debate sobre a hierarquia dos tratados e convenções de direitos

humanos no ordenamento jurídico interno73

, ficou estabelecido que em nosso

ordenamento jurídico passa a existir duas hierarquias para os tratados e convenções de

direitos humanos: a supralegal (art. 5º, § 2º) e constitucional (art. 5º, § 3º)74

.

Divergências à parte, o que cabe ressaltar depois de tal julgamento é que, os direitos

tutelados nos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, se

equiparados às emendas ou com status supralegal, são desde então, parâmetros de

compatibilidade para leis e atos internos, haja vista a superioridade normativa destes75

uma vez que o direito interno e o direito internacional formam um sistema dependente

entre si e simultaneamente válidos de proteção aos direitos humanos.76

Dessa forma, as leis e atos internos devem passar pelo crivo do controle de

convencionalidade, que na definição de Mazzuoli, significa

adaptar ou conformar os atos ou leis internas aos compromissos

internacionais assumidos pelo Estado, que criam para este deveres no plano

internacional com reflexos práticos no plano do seu direito interno.77

Como mostrou-se, o entendimento do Supremo Tribunal Federal que fixou o

marco temporal para a demarcação de terras indígenas, dificulta, impede, restringe, o

direito dos povos tradicionais indígenas de terem suas terras reconhecidas. Ademais, tal

interpretação contraria o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos,

através dos variados compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no plano do direito

internacional. Assim, se está diante de um caso de inconstitucionalidade e

inconvencionalidade de ato interno que precisa ser revisto pela nossa Suprema Corte.

O controle de convencionalidade pode ser classificado como provisório ou

preliminar, quando realizado internamente, ou, o controle de matriz internacional,

73

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 349.703-1. Recorrente: Banco Itaú S/A.

Recorrido: Armando Luiz Segabinazzi. Relator: Min. Carlos Britto. Distrito Federal, 03 dez. 2008.

Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595406>. Acesso

em: 02 mar. 2017. 74

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 87.585-8. Impetrante: Alberto de Ribamar Ramos

Costa. Relator: Min. Marco Aurélio. Distrito Federal, 03 dez. 2008. Disponível

em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597891>. Acesso em: 02 mar.

2017. 75

SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre as relações entre a Constituição Federal de 1988 e os tratados

internacionais de direitos humanos na perspectiva do assim chamado controle de convencionalidade. In:

MARINONI, Luiz Guilherme. MAZZUOLI, Valério de Oliveira (coords.), Controle de

convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai.

Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 111. 76

Revista de Direito Internacional / Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado em Direito

do UniCEUB. - Vol.8, no. 2 (jul. /dez. 2011) - Brasília: UniCEUB, 2011. p. 50. 77

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria Geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro.

In: MARINONI, Luiz Guilherme. MAZZUOLI, Valério de Oliveira (coords.), Controle de

convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai.

Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 32.

165

Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

chamado de autêntico ou definitivo.78

Nesse último caso quando a matéria é levada à

jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos79

como ocorreu com a Lei de

Anistia brasileira.

Se a discussão do marco temporal for levada ao plano internacional será uma

ótima via para correção, haja vista o vasto entendimento da Corte Interamericana de

Direitos Humanos quanto aos direitos possessórios indígenas no sentido de ampliar,

proteger e garantir o acesso aos direitos indígenas às suas terras ancestrais.

No caso do marco temporal, o controle de convencionalidade cabe à Corte

Interamericana de Direitos Humanos uma vez que o ato interno partiu do Supremo

Tribunal Federal, última instância judiciária nacional e quem deveria ter controlado a

convencionalidade do ato jurídico interno primariamente. A Corte Interamericana

assume assim, seu papel complementar de controlar a convencionalidade.80

Como bem explica André de Carvalho Ramos, qualquer ato que desrespeitar

direitos humanos no Brasil pode passar, além do controle de constitucionalidade no

STF, pelo crivo do controle internacional de convencionalidade (art. 7º ADCT)81

. Nesse

caso, na Corte Interamericana de Direitos Humanos que é guardiã da Convenção

Americana de Direitos Humanos e tratados e convenções relacionados. De acordo com

o autor, “todo ato interno (não importa a natureza ou origem) deve obediência aos dois

crivos. Caso não supere um deles (por violar Direitos Humanos), deve o Estado envidar

todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos causados”.82

A respeito da possibilidade de o marco temporal, como ato do Poder Judiciário,

passar pelo crivo do controle de convencionalidade na Corte Interamericana de Direitos

Humanos, escreve Ramos:

para o Direito Internacional, o ato judicial é um fato a ser analisado como

qualquer outro. A responsabilização internacional por violação de direitos

humanos pela conduta do Poder Judiciário pode ocorrer em duas hipóteses:

quando a decisão judicial é tardia ou inexistente (no caso da ausência de

remédio judicial) ou quando a decisão judicial é tida, no seu mérito, como

violadora de direito protegido.83

Como já mencionado aqui, a Lei de Anistia é um exemplo de controle pela

CIDH, ao passo que a decisão da Corte vai em sentido contrário ao pensamento adotado

pelo Supremo Tribunal Federal. Aguarda-se por uma nova manifestação do Supremo

frente a decisão advinda do plano internacional que considerou a Lei de Anistia

78

RAMOS. André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 4. ed. São

Paulo: Saraiva. 2014. p. 294. 79

GUERRA. Sidney. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o controle de

convencionalidade. São Paulo: Atlas. 2013. p. 179. 80

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2013 p. 186 – 187. 81

Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.

Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=2125>. Acesso em 08 mar.

2017. 82

RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das ordens jurídicas: uma nova perspectiva

na relação entre o Direito Internacional e o Direito Constitucional. Disponível

em:<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67955/70563>. Acesso em 08 mar. 2017. 83

RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional Do Estado Por

Violação De Direitos Humanos. Disponível

em:<http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/663/843> Acesso em: 08 mar. 2017.

166 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

inconvencional tendo em vista que no controle de convencionalidade o tratado ou

convenção é sempre a norma de parâmetro superior.84

Conforme foi exposto no ponto 3 da presente pesquisa, a Corte Interamericana

emitiu várias sentenças no sentido de que os Estados-membros precisam adotar medidas

compatíveis com os modos de vida e de organização política e cultural dos povos

indígenas. Ainda, que os Estados precisam adotar medidas no sentido de dar chances

para que sejam reconhecidas as terras tradicionais a fim de salvaguardar o direito à vida

dos povos indígenas.

Por essa razão, é razoável afirmar que se a decisão do Supremo que fixou a tese

do marco temporal não se coaduna com o que a Corte Interamericana entendimento da

CIDH uma vez que dificulta o acesso dos índios ao seu direito fundamental à terra. E

mais, a tese possibilita a reabertura de processo que discutem demarcações já findas,

sem observar o direito ao devido processo legal, conforme detalhadamente explicado no

item 4.

Como resume Bragatto,

a Suprema Corte Constitucional viola diversos dispositivos constitucionais e

convencionais, por, fundamentalmente, penalizar as comunidades

tradicionais pela própria incapacidade estatal em garantir o acesso à justiça

no passado recente e por, sistematicamente, prestar jurisdição que nega o

direito ao devido processo legal.85

É preciso recordar que para as comunidades indígenas a terra possui um

sentimento muito maior que o sentimento de posse. A sobrevivência desses povos

depende do reconhecimento do direito à terra.86

Sem dúvida, há um lapso entre a

declaração formal dos direitos indígenas e a efetiva proteção que precisa ser resolvida

que, como foi mostrado aqui, embasou interesses econômicos e foi responsável pelas

mais variadas violações de direitos dos povos indígenas, ocasionadas muitas vezes pelo

caráter dúbio de integração e respeito às peculiaridades dessas comunidades.87

Da mesma forma é preciso atentar-se à função que o Judiciário possui no

reconhecimento das terras tradicionais indígenas, como visto as condicionantes

utilizadas no julgamento Raposa Serra do Sol estão sendo utilizadas em inúmeros

processos a fim de reanalisar processos demarcatórios tendo como base principalmente

a tese do marco temporal. Porém como mostrado aqui, é preciso que o Judiciário leve

em consideração as outras formas de resistência utilizadas pelos povos indígenas, a

capacidade civil desses povos e a diferenciação em termos de ações possessória entre a

propriedade privada e os territórios indígenas.88

84

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 357 – 362. 85

BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o

papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e

hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e

doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2016. p. 64. 86

PERUZZO. Pedro Pulzatto. Direitos Humanos, povos indígenas e interculturalidade. Dissertação de

Mestrado em Direito - USP. 2011. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-

19062012-093518/pt-br.php >. Acesso em 08 mar. 2017. 87

FREITAS, Rodrigo Bastos de. Direitos dos Índios e Constituição: os princípios da autonomia e da

tutela-proteção. Dissertação de Mestrado em Direito Público - UFBA – 2007. Disponível em:

<http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/bitstream/ri/9173/1/RODRIGO%20BASTOS%20DE%20FREIT

AS%20-%20disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2017. 88

DUPRAT, Deborah. Terras indígenas e o Judiciário. Disponível em: <

http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-

publicacoes/artigos/docs_artigos/terras_indigenas_e_o_judiciario.pdf >. Acesso em: 17 mar. 2017.

167

Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da

Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.

A interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre a política indigenista voltada

à concepção territorial está em desacordo com os princípios e dispositivos

constitucionais89

e convencionais. Por essa razão, e baseado em tudo o que aqui foi

exposto, não se pode sustentar uma tese que impede/limita o direito fundamental à terra

de comunidades que necessitam dos seus territórios para sobreviver física e

culturalmente.

CONCLUSÃO

A tese do marco temporal precisa ser revista uma vez que viola dispositivos

constitucionais e convencionais de direitos humanos tendo em vista que o Supremo

Tribunal Federal adota uma tese que dificulta, quase impede, que muitas comunidades

indígenas tenham o direito à terra garantido.

As condicionantes expostas no caso Raposa Serra do Sol, apesar de frisado no

referido acórdão que não possuem efeitos vinculantes, estão sendo utilizadas nos novos

processos demarcatórios e são base de argumento nos que já foram encerrados. Como

visto, nos novos processos há uma série de violações aos direitos indígenas

principalmente do princípio do devido processo legal.

A Constituição de 1988 é um marco da reconstrução dos direitos humanos do

Brasil e reconheceu a teoria do indigenato para o reconhecimento das terras tradicionais

indígenas. Por essa razão, não há como sustentar a existência de um entendimento que,

ao invés de garantir e facilitar o acesso das comunidades tradicionais, faz justamente o

inverso.

Da mesma forma, o poder judiciário precisa analisar a questão dos direitos

indígenas de maneira especial haja vista que se trata de uma cultura totalmente

diferente. Num país multicultural como o Brasil não há como decidir questões tão

complexas como o direito originário dos povos indígenas sobre o solo que

originariamente era seu, sob um ponto de vista que segue desprestigiando o direito à

diferença.

Não há dúvida que o assunto exige atenção por parte do poder judiciário, haja

vista os inúmeros e cada vez mais frequentes conflitos entre índios e não índios em

disputas por terras. No entanto, não reconhecer que exigir posse quando da promulgação

da CF/88 ou esbulho renitente, justamente depois de um período em que nosso país

estava sob o regime ditatorial e que contribuiu para o agravamento da situação indígena,

é dificultar ou quase anular as chances de os povos indígenas continuarem sob suas

terras e cultivar sem hábitos.

Por essa razão, não há como sustentar uma tese que desrespeita a Constituição

Federal, os inúmeros tratados internacionais de direitos humanos e além disso, a

jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Conforme demonstrado, a Constituição de 1988 não fixou uma data para

reconhecimento das terras tradicionais indígenas, apenas determinou que cabe ao Estado

reconhecer as terras tradicionais como pertencentes aos povos indígenas.

Tendo em vista que o posicionamento foi fixado pela Suprema Corte

Constitucional Brasileira, resta que o entendimento seja revisto pela Corte

89

SANTANA, Carolina Ribeiro. Direitos territoriais indígenas: o Poder Judiciário contra a

Constituição. Disponível em: <

http://www.enadir2015.sinteseeventos.com.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7

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Interamericana de Direitos Humanos no sentido de proteger e ampliar os direitos

possessórios indígenas à luz do seu sólido entendimento, conforme foi mostrado aqui.

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