Maria Bernadete Oliveira

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Teoria para aperfeiçoamento da prática - formação de professores

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  • 101Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubaro, v. 6, n. 1, p. 101-117, jan./abr. 2006

    Oliveira

    REVISITANDO A FORMAO DE PROFESSORES DE

    LNGUA MATERNA: TEORIA, PRTICA E CONSTRUO DE

    IDENTIDADES

    Maria Bernadete Fernandes de Oliveira*

    Resumo: Este artigo revisita a formao de professores de lngua materna, questionando a relaoteoria e prtica, a partir de um olhar sobre as grades curriculares de cursos de licenciatura emLetras. Discutimos os vrios sentidos atribudos teoria e como so construdas algumas formasde identidade pedaggica. Nossa tese a de que uma prtica reflexiva, crtica, no pode se construir margem dos saberes de referncia. Para tanto, exemplificamos esse nosso argumento com relaoao ensino da lngua escrita e a construo de um produtor, autor de seu prprio texto.Palavras-chave: teoria; prtica; identidade; formao de professor; lngua materna.

    1 INTRODUO

    Discutir a formao de professores pressupe caminhar em duas direesdiferenciadas e complementares. Uma delas diz respeito ao professor como aluno, ooutro ao professor como docente. Em termos de objeto de estudo, isto significa dizerque o foco das investigaes sobre essa temtica pode encaminhar-se para osprocessos formativos iniciais ou para aqueles da formao continuada. Evidentemente,estas duas direes no so excludentes apenas delimitam campos, implicando,algumas vezes, em caminhos metodolgicos diferenciados na explorao de temticasdiversas, at em interfaces com outras cincias, eventualmente, tambm distintas.

    Em uma breve reviso da literatura sobre a formao de professores delnguas, seja em bancos de teses e dissertaes, seja em trabalhos apresentados emCongressos, seja em artigos publicados em revistas especializadas, a questo daformao continuada tem merecido um maior destaque e uma maior preocupao.Emergem, nesse contexto, como temticas privilegiadas, as discusses e investigaessobre a formao de professores reflexivos, de professores autnomos e de

    * Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutora em Lingstica. E-mail:.

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    professores pesquisadores, em uma opo claramente definida para o estudo dasprticas de sala de aula, privilegiando-se a pesquisa ao ou a pesquisa colaborativa.

    Acompanhando uma tendncia global, essas pesquisas surgem em umcontexto de crtica aos processos formativos de professores como transmissores decontedos e, sem sombra de dvidas, vm trazendo contribuies valiosas no campodo conhecimento das opes didtico-pedaggicas, da atuao em sala de aula, dosprocessos interativos entre professores e alunos, enfim todo um conhecimento sobreo cotidiano da escola e sobre o desempenho dos docentes, inserindo-se em umparadigma convencionalmente chamado de epistemologia da prtica.

    Refletem estas pesquisas as crticas ao conhecimento cientfico,acompanhadas em geral da valorizao de outros, principalmente, daquelesprovenientes do cotidiano e da experincia, que passam a ser considerados comolugar privilegiado da construo de saberes. Parodiando Fridman (2000), diramosque, no mbito acadmico, a crtica razo e cincia conquista coraes e mentes,ganhando realce quelas dirigidas racionalidade tcnica, s verdades absolutas, objetividade tipologizante e s generalizaes que ocultam as singularidades doseventos, dos fatos, dos sujeitos. Constroem-se essas pesquisas no curso dascaractersticas da prpria contemporaneidade, desmanchando o que antes era slido,fazendo emergir as esferas do cotidiano, as individualidades, mas, a nosso ver, comum certo risco de criar outros mitos para alm daqueles que se pretende combater,como por exemplo, a iluso de que a observao e a reflexo sobre a sala de aula,por si s trariam contribuies para a compreenso da prtica docente, ou como dizSacristan (2002), como se a prtica fosse inventada pelos prticos. Em sntese,diramos que essas pesquisas trazem baila, com toda fora, no bojo doquestionamento sobre o conhecimento cientfico, a questo da relao teoria e prtica.

    No caso especfico das pesquisas sobre formao de professores, esse fatoevidencia-se na valorizao da orientao para estudos que discutem a prtica reflexivados docentes em ao, privilegiando os saberes oriundos dessa prtica comoessenciais para a construo da profisso docente, em uma crtica explcita ao papelemancipador do saber elaborado, conforme postulado pela modernidade iluministae que teria resultado em um superdimensionamento dos conhecimentos tericossobre aqueles originados no senso comum.

    De nosso ponto de vista, no entanto, embora concordando com todo o avanoque essa direo investigativa traz ao tema da formao de professores, consideramosnecessrio e indispensvel at, repensar uma epistemologia de contedos. Interessa-nos, pois, nesse artigo refletir sobre o processo formativo inicial dos professores de

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    JulhoComentrio do textoA valorizao do saber escolar sobre o cientfico colocada como algo que est na moda no meio acadmico.

    JulhoComentrio do textoTendncia a estudar-se os sujeitos em sua complexidade, sem prender-se verdades absolutas e generalizaes.

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    JulhoComentrio do textoDiscusso de vrios textos lidos na disciplina, como o de Tardif.

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    JulhoComentrio do textoCrtica aos conhecimentos tericos como libertadores.

    JulhoComentrio do textoDiferente do que a autora diz que encontrou em sua reviso da literatura.

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    lngua materna, exemplificados nas grades curriculares dos Cursos de Licenciatura emLetras, rediscutindo o papel do conhecimento cientfico no contexto da relao teoriae prtica e da construo de identidades pedaggicas.

    2 TEORIA , PRTICA E FORMAO DE PROFESSORES DE LNGUAMATERNA

    A relao teoria e prtica surge nos debates acadmicos, na pesquisa, mesmono cotidiano, como tema recorrente, embora, um olhar mais atento faa perceberque aos conceitos de teoria e prtica nem sempre so atribudos os mesmos sentidos.Ao nvel do senso comum, muitas vezes, a prtica coincide com a experincia obtidaem um dado campo de atividade, ou mesmo como tcnicas, como um fazer em si(OLIVEIRA, 1998), que, associada idia de ao, ganha uma dimenso positivamentevalorada. Ao sentido de teoria, o senso comum, geralmente, faz acrescer a idiade abstrao, de um pensar autnomo, descolado da realidade ou da prtica,como dizem alguns.

    No mundo acadmico, ao se pensar a relao teoria e prtica, inevitvelque essa discusso faa emergir o campo do conhecimento cientfico. Isto porque,as teorias so construtos prprios desse universo, as quais so atribudas um sentidode modelo representativo da realidade, portador da verdade, criando uma simbioseentre poder e conhecimento, nos limites de um paradigma herdeiro da tradioiluminista. Discutindo as teorias e o conhecimento cientfico que as pressupem,Morin (1986) afirma que a noo de paradigma que vem guiando o conhecimentocientfico da contemporaneidade aquele centrado em mecanismos de rejeio aopensamento alheio, atravs de estratgias que variam da desqualificao do outroat o diversionismo, de forma que o conhecimento cientfico produz cada vez menospara ser pensado e cada vez mais para ser acumulado pelos computadores. Nesseprocesso, diz ele, tornando-se incapaz de pensar e conceber a noo de sujeito e anatureza da sociedade atual. Para aquele autor, a alternativa a essa forma de produzirconhecimento seria no se fechar em sistemas tericos nicos, evitando que as teoriasse tornem doutrinas e que as doutrinas congelem-se em dogmas.

    Esta noo hegemnica do conceito de teoria construiu-se a partir dedefinies advindas de duas correntes centrais da filosofia, uma delas, de basecartesiana, que considera a teoria como um conjunto de conhecimentos noingnuos, que apresentam graus diversos de sistematizao e credibilidade, e que sepropem explicar, elucidar, interpretar ou unificar um dado domnio de fenmenos

    JulhoComentrio do textoObjetivo do artigo

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    JulhoComentrio do textoDiscutido em sala: teorias que se tornam religies.

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    ou de acontecimentos que se oferecem atividade prtica; e, outra, ancorada noplatonismo, que consiste em conceber as teorias como [...] entidades eternas eimutveis que seriam objeto do conhecimento verdadeiro e de que as coisas domundo sensvel constituam plidos reflexos (FERREIRA, 2004, p. 1367).

    Em sntese, podemos dizer que as definies acima citadas congregam oselementos que constituem o sentido hegemnico atribudo teoria, isso , um mistode um conjunto de conhecimentos sistematizados combinado com o carterdoutrinrio, imutvel do mundo sensvel, acrescentando-se a eles, a compreensoaristotlica, para quem a teoria relaciona-se busca da verdade, enquanto que aprtica seria uma atividade concreta, atravs da qual os seres humanos se afirmamno mundo, modificam a realidade objetiva. Um outro componente, portanto, darelao entre teoria e prtica, envolvendo dessa vez o conceito de verdade, mas umaverdade, no caso, que por ser universal, vale igualmente para todos.

    O fato que h uma crtica ao conhecimento cientfico e sua razo calcadana herana do paradigma iluminista, crtica essa extensiva s teorias, desqualificadasface prtica, herdeira de uma filosofia da ao. Nesse processo, prtica e teoriadisjuntam-se e adquirem valores diferenciados.

    Inserindo-se pois cada vez mais em uma epistemologia da prtica, osestudos sobre o processo formativo de professores pautam-se, a nosso ver, por umconceito negativo da teoria e do conhecimento cientfico, na direo do que afirmamosanteriormente. Ou seja, o foco principal das pesquisas desloca-se para a prtica dosprofessores, em um processo que notoriamente descarta a discusso sobre o papelda teoria, no caso aqui, os conhecimentos cientficos, base para os contedos quese organizam nas disciplinas, estruturadas em uma grade curricular. , nesse sentido,que concordamos com Pimenta (1999), que alerta para os riscos de que esses estudospodem resvalar para um praticismo, criando outros mitos, para alm daqueles quese pretende combater, fortalecendo a iluso de que a observao e a reflexo da e nasala de aula, por si s, trariam subsdios para a compreenso da prtica docente. Emoutras palavras, criando a iluso de que a reflexo sobre a prtica ou ainda a reflexona ao dispensa a reflexo sobre a teoria e o conjunto de conhecimentos deladerivado, a partir da idia de que o conhecimento cientfico, transformado emcontedos de disciplinas, inoperante na orientao e sustentao de prticas. Umponto de vista, que no dizer de Duarte (2003), crtico severo da epistemologia daprtica, representa claramente um momento de recuo da teoria, face a todo ummovimento de desconstruo da noo iluminista de conhecimento cientfico. O

    JulhoComentrio do textoIdeia que provm de vises cartesiana e platnica e aristotlica de conhecimento.

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    JulhoComentrio do textoS h crticas teoria porque esta est sendo vista do jeito "errado".

    JulhoComentrio do textoIdntico introduo.

    JulhoComentrio do textoTendncia a jogar fora toda uma ideia para construir outra, em vez de aproveitar ambas.

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    cerne da crtica, contudo, no reside em um saudosismo, uma volta ao passado,qual seria o de conferir ao conhecimento cientfico papel central na superao dosatributos negativos do senso-comum mas o de evidenciar uma preocupao como fato de deixar-se de considerar a sala de aula como lugar privilegiado de fazerintroduzir os alunos, futuros profissionais docentes, no mundo dos sistemas dereferncias formais. Estas colocaes ancoram-se em uma determinada compreensoda escola como um lugar no de aprofundamento da cincia, mas da construo deuma base de saber que, ao articular as vrias faces de um dado objeto de ensino eaprendizagem, ultrapassa portanto a idia de dominar contedos abstratamente(VADERMARIN, 1998; DUARTE, 1998). Concebem esses autores o ato de ensinarcomo um posicionamento afirmativo, considerando que a capacidade do ser humano,perante o ser animal, consiste, entre outros fatores, em sua capacidade de acumular,produzir e transmitir experincias, entre estas, o conhecimento cientfico acumuladopelas geraes, questionando a viso negativa que atribuda a idia de transmissode conhecimentos, vista como uma ao cujo destinatrio um receptor passivo,que no interage com esse conhecimento.

    Nessa direo que compartilhamos com Shulman (1986), o entendimentode que necessrio que o professor domine os contedos especficos de sua rea,alm de ter a clareza de como esses contedos transformam-se em objetos de ensino,seja pelos mecanismos de transposio didtica (CHEVALLARD, 1985; BRONCKARTe GIGER, 1996), seja pela mediao pedaggica (VADEMARIN, 1998; DUARTE,1998), seja pelo conhecimento articulado dos saberes disciplinares e saberescurriculares (GAUTHIER, 1998 ). Ainda nesse sentido, Moyses e outros (2002)sugerem que a idia de conhecimentos como objeto transmissvel seja substitudapela idia de conhecimento e saberes constitudos nos e pelos processos discursivos.Para tanto, afirmam, no processo formativo de professores, a nfase essencial deveriacentrar-se na questo da relao teoria e abordagem metodolgica, o que em outraspalavras significa discutir que teorias orientam tais ou quais prticas. Isso semdesconhecer que o conhecimento cientfico no a nica fonte de saber necessrioe constitutivo da formao do profissional docente, mas sem criar um abismo entreo mundo da cincia e o mundo da vida.

    Nesse sentido que os estudiosos filiados aos pressupostos do paradigmahistrico-cultural, buscam resgatar o valor dos saberes oriundos do conhecimentocientfico, desqualificados, em favor de processos valorativos das informalidades,das racionalidades tcnicas, formas mascaradas da iluso democrtica do saber

    JulhoRealceAutora acha que os que defendem a prtica esto relegando a teoria ao esquecimento e privilegiando a experincia. Para ela, alunos futuros professores precisam de conhecimentos formais.

    JulhoRealceNo seguir uma teoria, mas criar um saber.

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    JulhoComentrio do textoTransmitir conhecimentos no ruim nem errado.

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    (FAIRCLOUGH, 2001) e, que, na verdade, atendem aos modismos e praticidades, ousar e jogar fora, to a gosto do modo de operar da sociedade contempornea. esse processo, seja ele de desconhecimento, seja de ocultao do valor doconhecimento cientfico, um dos responsveis por instalar, progressivamente, naescola e no imaginrio dos professores, a idia de uma pedagogia do simples, quando,a escola, por definio, deveria constituir-se em espao privilegiado para o exercciode uma pedagogia do complexo (MEIRIEU, 2002).

    Em outras palavras, a produo do conhecimento que busca a revalorizaodos saberes de referncia, tem como pressuposto a idia de que o processo formativode professores deveria possibilitar a este profissional o acesso a conhecimentosvariados, que dialoguem e se complementem, entendendo que o domnio da matrizdisciplinar dos conhecimentos especficos de sua rea no significa o retorno velhaidentidade do professor como transmissor de contedos, pois como diz Nvoa(1992, p. 35), [...] o saber de referncia da profisso docente no pode serconstrudo margem da lgica da produo cientfica das vrias disciplinas.

    A partir dessas colocaes, a nosso ver, a discusso sobre teoria e prticaassume outra dimenso. No se fecha em posies dicotmicas, oscilando entreuma epistemologia da prtica ou uma epistemologia de contedos, mas em umaepistemologia que evidencie as orientaes prticas que cada teoria possibilita.

    Nesse momento, vamos at os Cursos de Licenciatura em Letras no sentidode interrogar quais os fundamentos tericos e que concepo de linguagem subsidiamos estudos lingsticos presentes em suas grades curriculares.

    3 CURRCULOS E IDENTIDADES PROFISSIONAIS

    A pesquisa sobre os cursos de formao inicial de professores temdemonstrado que estes cursos desenvolvem um currculo com contedos e estgiosdistanciados da realidade da escola, contribuindo pouco para gerar uma novaidentidade para este profissional (PIMENTA, 1999). Para essa autora, construode identidades dos docentes, no bastam os saberes advindos da experincia, sonecessrios ainda os saberes advindos do conhecimento cientfico, bem como aquelesde sua prtica pedaggica.

    Em um passeio pelas pesquisas que investigam a formao de professores delngua materna, encontramos, com freqncia, dizeres dos profissionais que sereferem aos contedos de seus cursos de formao inicial, como sendo de naturezameramente tericos, ou seja, no orientadores de prticas. Por outro lado, as

    JulhoRealceViso da autora. Segue pressupostos histrico-culturais: valorizao da cincia.

    JulhoRealceFala em conhecimentos variados, mas d a entender que privilegia o conhecimento cientfico.

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  • 107Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubaro, v. 6, n. 1, p. 101-117, jan./abr. 2006

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    pesquisas que relatam as observaes de sala de aula apontam no sentido exatamenteinverso, isto , h uma prtica sistemtica do ensino da lngua materna em sala deaula, que faz corresponder exatamente a uma transposio das teorias aprendidasem seus cursos de formao inicial, reforando a idia de que a prtica que exercitada decorre exatamente do conceito de lngua presente em seus processosformativos. O fato que se evidencia, portanto, no que os cursos de formaoinicial deixem de orientar prticas, o constatado que estas prticas lhes fazeminserir em identidades s quais conscientemente rejeitam, pois so prticasconsideradas ultrapassadas que remetem para uma identidade profissional doprofessor transmissor de conhecimentos (OLIVEIRA, 2001).

    Isso porque, a base terica dos estudos lingsticos, presente na maioria dasgrades curriculares dos cursos de Licenciatura em Letras e que vem formandogeraes e geraes de professores de lngua materna, parte de uma concepo delngua como sistema estruturado em nveis, consolidado em uma variante, a normaculta, que responsvel pela orientao das prticas docentes, viabilizadas evisibilizadas atravs de observaes de sala de aula, acompanhamentos, entrevistas,entre tantas outras formas de registro. No pois que os contedos tericos doscursos de formao inicial no orientem prticas. O que vem acontecendo ainda,malgrado todo o desenvolvimento da pesquisa, que o processo formativo inicial deprofessores de lngua materna ainda regido por uma concepo de linguagem elngua entendidas ora como mera representao do pensamento, ora como umsistema estruturado em nveis. Em outras palavras, uma concepo de linguagemcujas caractersticas so aquelas descritas por Voloshinov (1978) como o objetivismoabstrato, modelo este que, pelos seus pressupostos epistemolgicos, apenas podeorientar prticas que desenvolvam habilidades concernentes ao domnio das relaesentre signos e no aquelas entre signos e a realidade vivida, concreta, na qual alngua se constitui e constitui sujeitos falantes e escreventes.

    Esta a realidade com a qual nos defrontamos quando percorremos asdiretrizes que orientam os estudos da lngua da maioria das grades curriculares dosCursos de Licenciatura em Letras, da maioria das Universidades Federais do pas. Asdisciplinas, presentes nas grades curriculares desses cursos com relao ao contedoda Lngua Portuguesa, encontram-se distribudas em no mnimo 06 e no mximo 08disciplinas obrigatrias, revelando, ainda, as ementas e as bibliografias, que mais de80% dos contedos dessas disciplinas so dirigidos para estudos descritivos da lngua,em seus diversos nveis estruturais, aliados a concepes das gramticas prescritivase a uma viso normativa de lngua. As disciplinas da rea de conhecimento da

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    JulhoRealceEla pesquisou a maioria da UF do pas?

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    Revisitando a formao de professores de ...

    Lingstica, por sua vez, organizam-se em um mximo de 03 perodos obrigatrios eos contedos no diferem significativamente daqueles encontrados ao se analisar oscontedos da lngua materna, isto , cerca de 75 a 80% das disciplinas obrigatriastratam de modelos lingsticos que abordam a lngua a partir de uma visoestruturalista ou gerativista, restando s propriedades discursivas e enunciativas dalngua, no mximo 15% da carga horria das disciplinas obrigatrias, quando noausentes totalmente (OLIVEIRA, 2004).

    Portanto, uma grade curricular organizada de forma que a maioria da cargahorria destinada aos estudos da lngua e da linguagem preenchida com contedosque obedecem a uma certa viso, ainda dominante, de que os contedos necessriospara formar professores de lngua materna cingem-se ao domnio da lngua entendidacomo sistema estruturado e normativo. Vises que, a nosso ver, infelizmente, aindapovoam o imaginrio coletivo da sociedade, nela includos os intelectuais,pesquisadores, professores e professoras. Em sntese, acompanhando a formulaode Foucault (1996) sobre a ordem do discurso, poderamos dizer que o conjunto deprticas discursivas dos Cursos de Licenciatura em Letras firma-se na idia de que escola cabe ensinar a lngua correta, geralmente identificada com a norma culta, e,esta ordem do discurso exerce papel decisivo na seleo de contedos.

    As razes para a hegemonia dessa concepo de linguagem e de lngua nasgrades curriculares inventariadas no so casuais. Ou seja, decorrem do fato de que ocurrculo de um curso no um instrumental tcnico e sim um artefato social e cultural,atravessado por relaes de poder, transmitindo vises sociais particulares, interessadase historicamente situadas das diversas reas do conhecimento, que orientam osprocessos seletivos dos contedos e saberes de referncia a se fazerem presentes nasgrades curriculares (SILVA, 1999). Afastada, portanto, a idia de que, nos currculos,os conhecimentos seriam apenas representaes autnomas de reas, de modos deconhecer, consolidando-se o entendimento de que os conhecimentos distribudos nasgrades curriculares no so ingnuos, nem neutros, nem, muito menos, independentesde uma valorao social.

    Voltando ao caso especfico das disciplinas obrigatrias da rea da Lingstica,por exemplo, o processo de disciplinarizao de seus contedos e a sua organizaoainda hegemnica nas grades curriculares vinculam-se prpria histria das idiaslingsticas e a formao da Lingstica como cincia. No caso, a uma Teoria LingsticaEstruturalista, a qual difundida na rea acadmica no como uma teoria a maissobre a lngua, mas como um verdadeiro patrimnio, que no dizer de Chiss e Puech(1998), transformou-se em um paradigma que assume o lugar da memria,

    JulhoRealceOnde foi feito esse levantamento? Quais cursos foram pesquisados?

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    JulhoComentrio do textoArtigo Marildes Marinho e tese da Luz.

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    constituindo-se como matriz constitutiva para os saberes disciplinares daquela disciplina.Talvez seja essa a explicao, diz Kerbracht- Orechhioni (1998), da dificuldade que osestudos lingsticos encontram ainda hoje para levar em considerao o objeto lnguaem seu funcionamento autntico.

    Em sntese, luz das reflexes de Bernstein (1999), poderamos dizer queestes modelos de currculos constituem matria-prima para a formao de identidadesprofissionais fundamentalistas e elitistas, cujas relaes com o conhecimento,provavelmente, exigem fidelidade a uma concepo lgico-gramatical da lngua, aliadaa uma concepo elitista de cultura, configurando-se como diz Bornheim (1987),como uma tradio conservadora. Em outras palavras, uma tradio que se pensaperene, eterna, imutvel e que, exatamente, por este motivo recusa a mudana,regendo-se, diramos, por prticas discursivas hierarquizadas, com limites e fronteirasbem demarcadas, evitando, desta forma, a contaminao e a ameaa advindas deoutras fontes.

    O desafio que se coloca seria a formulao de currculos que favorecessema construo de identidades re-centradas, aquelas que apontando para o futuro,no desprezam o presente nem as tradies que se renovam, que no se dicotomizam,que no trafegam pelo isso ou aquilo (BERNSTEIN, 1999).

    A nosso ver, pois a discusso da relao teoria e prtica no pode dispensaruma discusso sobre a organizao curricular dos saberes de referncia, os saberesdisciplinares, que subjazem aos cursos de licenciatura em Letras, entendendo oscurrculos como instrumentos de viabilizao de polticas pblicas, lugar onde soprocessados, produzidos e transmitidos conhecimentos, construindo subjetividadese identidades, espaos privilegiados de seleo dos conhecimentos. Em outraspalavras, significa pensar o currculo de cursos de formao de professorescomprometidos com uma metaformao, uma formao consciente, a partir deuma viso de educao que questione o fazer pedaggico, no caso especfico dosprofessores de lngua materna, formando profissionais comprometidos no apenascom o ensino da estrutura de lnguas, mas tambm com o entendimento dofuncionamento da linguagem como uma prtica discursiva de natureza social.

    4 UMA OUTRA RELAO TEORIA E PRTICA POSSVEL?

    Retomando a idia inicial desse artigo, qual seja o de discutir a relao entreteoria e prtica e nossa afirmao de que, at ento, as pesquisas, apesar dos dezanos de PCN, continuam a apontar a prtica docente de sala de aula fundada em

    JulhoRealceEnsinamos uma lngua ideal no real.

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    JulhoComentrio do textoAutora no se acha compreensvel, pois repetidamente usa "em outras palavras...", em torno de 10 vezes.

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    orientaes de modelos e de teorias lingsticas cujas concepes de linguagempermanecem herdeiras do estruturalismo, do gerativismo e seus desdobramentos,nesse ltimo item, pretendemos refletir sobre que conhecimentos cientficos poderiamoferecer outras contribuies para a organizao dos saberes de referncia nas gradescurriculares dos cursos de Licenciatura em Letras. Nossa reflexo prende-se apenasa um aspecto do processo de ensino da lngua escrita e, mais especificamente,pensando nas ltimas sries do ensino fundamental e do ensino mdio, objetivamoscontribuir com o processo de formao do produtor e autor de seu prprio texto,como uma forma de avanar nas atividades escolares relacionadas produo textualescrita que em sua maioria ainda encerram-se no exercitar contnua erepetidamente, as estruturas gramaticais da lngua. Enquanto que na vida, diz Bakhtin(1992), os textos so produzidos em resposta a outros textos. Em resumo, poderamospensar que da mesma forma que a razo instrumental, no processo de libertar arazo dos mitos, tornou o homem seu escravo, uma concepo de linguagem quedispense os sujeitos e sua historicidade aprisiona a lngua e sua prtica em sala deaula, impedindo aos alunos de deixar rastros em seus textos, de serem autores,tornando-os prisioneiros de um processo de repetio de idias alheias, esvaziando-se seus textos de suas histrias, de seus contedos vivenciais, de seus pontos de vista.

    Desta forma, que tentaremos nos guiar pela seguinte indagao hconhecimentos produzidos no mbito dos estudos da linguagem que podem vir asubsidiar o ensino da lngua escrita no espao escolar, com vistas a formao doprodutor/autor de seu prprio texto?.

    A questo da autoria vem sendo discutida nos estudos da linguagem,principalmente, na viso de M. Foucault (1989, 1996), para quem a autoria relaciona-se instaurao da discursividade, portanto, o autor aquele responsvel pelostextos chamados de constituintes ou fundadores. Um outro caminho proposto porOrlandi (1988) que, ancorada em propostas ducrotianas sobre a distribuio deenunciadores no texto, considera a funo autor como mais uma funo do sujeitono texto, ou seja, aquela que atribui ao sujeito a responsabilidade pelo seu prpriotexto. Outra compreenso segue a interpretao de Chartier (1994), que estuda aquesto da autoria relacionando-a circulao de textos no mercado e, maisrecentemente, Possenti (2002), que aponta como indcios de autoria o fato doprodutor do texto assumir duas atitudes, quais sejam a de dar voz a outrosenunciadores e manter distncia em relao ao seu prprio texto. Para esse autor, asverdadeiras marcas de autoria so, pois, da ordem do discurso e no do texto ou dagramtica. Gostaramos, contudo, de comentar uma outra viso sobre a questo da

    JulhoRealceTeorias guiando a prtica, mas teorias diferentes das j postas.

    JulhoRealce

    JulhoComentrio do textoProblemtica

  • 111Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubaro, v. 6, n. 1, p. 101-117, jan./abr. 2006

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    autoria e de suas possveis contribuies ao ensino da produo textual escrita, luzde colocaes advindas de alguns escritos de M.Bakhtin e de L.V. Vigotsky.

    Em O autor e o heri, M.Bakhtin (1992) afirma que autor aqueleparticipante da obra literria e que nela v e conhece para alm daquilo que cadapersonagem em particular e todas as personagens juntas enxergam e conhecem. Emprincpio, o autor aquele que conhece, portanto, algo que inacessvel spersonagens, exatamente porque ao autor atribudo um excedente de viso,possibilitado pela sua posio exotpica, pelo seu estar de fora. Entra em cenana discusso da temtica sobre autoria um conceito, essencial formulao deBakhtin, o conceito de exotopia, que, poderamos dizer corresponde ao fato de queo meu olhar sobre o outro no coincide com o olhar que o outro tem de si mesmo,exatamente porque meu excedente de viso possibilita-me ver no outro aquiloque ele no pode ver. Bakhtin vai trabalhar com esse conceito em relao construodo todo espacial, temporal e significante do heri, apontando a diferena na relaoentre o vivido - pelo heri - e o criado, pelo autor.

    Portanto, se quisermos fazer uma analogia entre o que diz Bakhtin e outrostericos, poderamos dizer que a funo autor em Bakhtin realiza-se quando h umdistanciamento entre o autor e o personagem e, neste sentido, que podemos entendera idia de que, para Bakhtin, a conscincia do autor aquela que abarca e d acabamentoa conscincia do outro, podendo-se dizer que o autor para o heri, aquilo que ooutro para mim, ou seja, o ponto de vista do outro que me d acabamento.

    Em Bakhtin, portanto, ao autor atribudo a realizao de uma atividadeesttica, atividade esta que se realiza apenas entre duas conscincias, que da ordemdo criado e no do vivido, cuja modo de operar principal a de daracabamento ao todo. Ou seja, a atividade esttica exige um distanciamento do autor,do objeto, do tema para poder permitir-lhe a percepo do todo e exatamente poressa posio exotpica dar o acabamento necessrio personagem. Por outro lado,ao realizar-se apenas entre duas conscincias no coincidentes, a atividade estticano dispensa a instaurao da alteridade, pois apenas outro pode receberacabamento espacial, temporal e de sentido.

    Destacam-se, pois, como fundamentais nesse conceito de autoria as noesde exotopia, distanciamento, criao e acabamento. Resumidamente, portanto,interessa-nos nossa discusso a idia de que ao conceito de autor est relacionada realizao de uma atividade esttica, que por sua vez da ordem de duasconscincias, que criativa e no vivenciada, exigindo um distanciamento paraque as operaes de acabamento da obra concretizem-se.

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  • 112 Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubaro, v. 6, n. 1, p. 101-117, jan./abr. 2006

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    Dos escritos de Vygotsky, gostaramos de destacar duas contribuiesprincipais. A primeira delas, pode ser encontrada em A Pr-histria da Escrita(VYGOTSKY, 1984), quando esse autor afirma da necessidade de que a escola assumaa escrita como simbolismo de primeira ordem, aquilo que ele chama de autonomiada escrita. Em outras palavras isto significa que a modalidade de lngua escritanecessita liberar-se de sua dependncia de outras materialidades, orais ou pictricas,de forma que seja possvel atribuir sentidos ao texto escrito sem a recorrncia aoutras materialidades, ou seja, a aprendizagem da lngua escrita deve atender aspropriedades da linguagem em todas as suas dimenses, das notacionais, estruturais,textuais at as discursivas e enunciativas. Nesse processo de aprendizagem, Schneuwly(1985) chama a ateno para o fato de que a escola deveria pensar o ensino daescrita em suas duas dimenses, a comunicacional, implicando na explorao daescrita orientada para o outro, para um interlocutor concreto, real ou virtual a quemnos dirigimos e que constitui tambm o nosso dizer, e a representacional, aquelamais apropriadamente compreendida como a escrita para si, cujo funcionamento de exercer atividade mediada nos processos cognitivos superiores, como por exemplo,no processo de memorizao, materializando-se na elaborao de listas, de resumos,ou, ainda, como mediadora na resoluo de problemas e no prprio planejamentoda produo textual. Este uso da lngua escrita, em sua funo de internalizao, deauto-regulao e de auto-organizao, torna-se significativo quando se pensa naquesto do produtor de texto como autor de seu prprio texto, porque, a escritapara si, muitas vezes, pode ser o ponto de partida para a escrita para o outro,funcionando, como um rascunho mental. No dizer de Vygotsky, essa idia de rascunhotem a ver ainda com as verses que so elaboradas de um texto antes de ser entregueao pblico, mecanismo esse utilizado por todos produtores de texto, mesmo aquelesconsiderados competentes e maduros.

    A outra contribuio terica dos trabalhos de Vygotsky que gostaramos dedestacar diz respeito sua afirmao de que a lngua escrita possibilita ao autor dotexto, pelo distanciamento temporal entre a produo do texto e seu acesso pelointerlocutor destinatrio, uma relao de metatextualidade. Ou seja, aquela relaoque possibilita ao produtor reformular seu texto tantas vezes quantas considerarnecessrias, antes de submet-lo apreciao de outro.

    A partir dessas colocaes de ordem terica, passemos agora a fazer umexerccio do que seria uma prtica pedaggica decorrente destes fundamentos.

    Retomando o pensamento de Bakhtin poderamos dizer que o ensino daproduo textual que favoreceria a formao da autoria deveria assentar-se em alguns

    JulhoRealce

    JulhoRealceDimenses para o ensino da escrita.

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    princpios. O primeiro dele diz respeito a que o produtor do texto para ser autor doseu texto deveria ser-lhe dado condies efetivas, de ordem temporal mesmo, paraque ele pudesse distanciar-se do vivido/produzido, para poder comear a exercera atividade esttica de criar/autorar. Olhando para o seu texto de fora, como sefosse um outro e, nesse processo dando acabamento ao seu texto, ou seja,trabalhando no seu texto, aqueles elementos, caractersticos da propriedadeacabamento do enunciado (BAKHTIN, 1992). Desta forma, o aluno afastar-se-iade sua situao de produtor, aquele que vivenciou o acontecimento da produo,assumiria a posio de autor, passa a exercer uma atividade esttica que cria seutexto, dando-lhe acabamento na medida em que opera sobre o exaurir de seuobjeto do sentido, a manifestao de seu querer-dizer, inserindo seu texto no gnerodiscursivo apropriado.

    Sem dvidas que a essas operaes muito teriam a contribuir as idias deVygotsky sobre a relao de metatextualidade, na qual a atividade esttica de daracabamento ao texto complementada por uma atividade cognitiva, realizada atravsde operaes de reformulao textual, operaes essas que, no caso da sala de aula,podem ser mediadas pelo prprio professor, pelos pares, ou pelo prprio produtordo texto.

    E, ento perguntamos, se, na atividade esttica o autor da obra literria dacabamento ao seu heri nos aspectos espaciais, temporais e do sentido, em relaoao autorar do aluno, em sala de aula, quais os aspectos que ele deve levar em contapara dar acabamento ao seu texto? A nosso ver, deveriam ser levados emconsiderao os aspectos que incorporam tanto os aspectos de organizao estruturalda lngua, respeitando a norma culta e sua insero em um gnero do discursoapropriado, assim como as propriedades enunciativas e discursivas da lngua,deixando os indcios e fazendo circular como prope Possenti (2002), as vozes e asposies de sujeito.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Iniciamos esse artigo trazendo a discusso sobre a relao teoria e prticana formao de professores de lngua materna, concluindo pela necessidade de umaepistemologia que no dicotomize o pensar e o agir, considerando as teorias comoorientadores de prticas. Continuamos tecendo consideraes sobre essa relao eos currculos dos cursos de licenciatura em Letras, evidenciando nesse percursoquais as teorias ou os modelos tericos, que subjazem s grades curriculares desses

    JulhoNotaO aluno precisa de tempo para criar seu texto e distanciar-se dele para dar-lhe acabamento, vendo-o "de fora".

    JulhoComentrio do textoAspectos a serem observados na reelaborao do texto pelos prprios alunos-autores.

    JulhoRealceResumo do intento do artigo.

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    cursos de licenciatura e para qual construo identitria profissional apontam, tendoclareza que as dificuldades com o processo formativo de professores de lngua maternano se restringem a contedos presentes ou ausentes em seus processos formativos,sejam estes iniciais ou continuados. A fotografia, que brevemente apresentamos,sugere que o processo de disciplinarizao dos contedos opera pela representaode pontos de vista, interesses, em nenhum momento ingnuos, exercendo a hegemoniade uma determinada linhagem terica que forma profissionais, a partir de um conceitode lngua, que, nesse processo, tem silenciado, quase que sistematicamente, a outraface da lngua, aquela que ao se constituir no dilogo da vida, instaura sujeitos eporta valores (BAKHTIN, 1992). A orientao para outras prticas, a nosso ver, exigiriauma outra relao com a tradio, uma tradio que, ao encontrar a histria(KRAMER, JOBIM e SOUZA, 1996), incorpore ao conjunto dos saberes de referncia,uma outra concepo de lngua que no se limita fixidez de um sistema de normasimutveis (VOLOSHINOV, 1978). Uma concepo de lngua, compreendida comouma realidade semitica complexa, estruturada, porm plena de indeterminaes,polissemias, atravessada pela condio dos seres histricos que a fazem emergir edos quais constitutiva (FARACO, 2003). Afinal, como possvel a um professor, queno tem acesso em seu processo formativo a contedos que explicitem o modoenunciativo e discursivo de funcionamento da linguagem, exercer uma prtica quecontemple esta concepo?

    REFERNCIAS

    BAKHTIN,M. Esttica da Criao Verbal. So Paulo: Martins Fontes, 1992.

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    JulhoNotaTeoria deve conduzir o ensino, mas tambm deve aproximar-se da realidade.

    JulhoComentrio do textoConcepo de lngua para a autora.

    JulhoComentrio do texto preciso boas teorias para guiarem boas prticas.

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    Oliveira

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    Recebido em 27/07/05. Aprovado em 04/11/05.

    Title: Re-thinking the training of first language teachers: theory, practice and the construction ofidentitiesAuthor: Bernadete Fernandes de OliveiraAbstract: This paper discusses the formative process of L1 teachers by questioning the relationbetween theory and practice in the curriculum of undergraduate courses in language teaching. Wediscuss the many senses that are attributed to theory, and the way some pedagogical identities are

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    built. Our thesis is that a reflexive and critical practice cannot be constructed disconnected fromtheoretical knowledge. The teaching of writing is taken as an example of a possible relation betweentheory and practice, which could lead to the construction of text producers who are also authors oftheir texts.Keywords: theory; practice; identity; teachers training; L1.

    Ttre: Rvisitant la formation de professeurs de langue maternelle: thorie, pratique et constructiondidentitsAuteur: Bernadete Fernandes de OliveiraRsum: Cet article rvisite la formation de professeurs de langue maternelle, tout en discutant larelation entre la thorie et la pratique, partir dun regard sur les contenus curriculaires de coursen licence de Lettres. On discute plusieurs sens attribus la thorie et comment sont construitsquelques formes didentit pdagogique. Notre thse constate quune pratique rflxive, critique,ne peut pas tre construite en marge des savoirs de rfrence. Pour cela, on explique cet argumentpar rapport lenseignement de la langua crite et la construction dun producteur, auteur de sonpropre texte.Mots-cls: thorie; pratique; identit; formation de professeur; langue maternelle.

    Ttulo: Reexaminando la formacin de profesores de L1: teora, prctica y construccin deidentidadesAutor: Bernadete Fernandes de OliveiraResumen: Este artculo reexamina la formacin de profesores de L1, cuestionando la relacinterica y prctica, tras examinar los datos curriculares de cursos de graduacin en Letras.Examinamos los varios sentidos atribuidos a la teora y la construccin de algunas formas deidentidad pedaggica. Nuestra tesis defiende que una prctica reflexiva y crtica no puede construirseteniendo al margen los conocimientos de referencia. Para ello, ejemplificamos nuestro argumentocon relacin a la enseanza de la lengua escrita y la construccin de un productor, autor de supropio texto.Palabras-clave: teora; prctica; identidad; formacin de profesor; L1.