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MARIA DOS ANJOS COHEN (ORG.)

MARIA DOS ANJOS COHEN (ORG.) · 2020-04-19 · Serra da Amoreira 2620-379 Ramada PORTUGAL [email protected] . Apresentação Maria dos Anjos Cohen Luís Picado Conferência

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MARIA DOS ANJOS COHEN (ORG.)

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© dos autores

© da presente edição

Edições Pedago, Lda

Título: Supervisão, Liderança e Inclusão

Organização: Maria dos Anjos Cohen

Revisão do Texto: Maria dos Anjos Cohen e Pedro Patacho

Design e Paginação: Márcia Pires

ISBN: 978-989-8655-77-6

Maio de 2017

Nenhuma parte desta publicação pode ser transmitida ou reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização prévia do editor. Todos os direitos reservados por

EDIÇÕES PEDAGO, LDA.

Rua Bento de Jesus Caraça, 12Serra da Amoreira2620-379 RamadaPORTUGAL

[email protected]

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ApresentaçãoMaria dos Anjos Cohen

Luís Picado

ConferênciaSupervisão – Contextos, Circunstâncias e Razão Pedagógica

Idália Sá-Chaves

Simpósio de Comunicações – A Supervisão em Contextos Organizacionais Refl exivos e Inclusivos

Diários de Investigação – As Vozes dos InvestigadoresMaria dos Anjos Cohen

Contributos do Supervisor na Avaliação de Desempenho Docente Perspetivada como Instrumento de Valorização dos Recursos Humanos

Pedro Pinho Pereira

A Articulação Entre os Professores do Ensino Regular e os Professores de Educação Especial. Colaboração Profi ssional ou Supervisão?

Armindo Rodrigues

Simpósio de Comunicações – A Investigação/Refl exão sobre Práticas Educativas

Processos de Aprendizagem no Âmbito da Formação Profi ssional ContínuaAlbino Lopes

Luís Picado

As Educadoras de Infância e as Ciências: Percursos de Formação e Práticas PedagógicasCeleste Rosa

Margarida Afonso

Investigação na Própria Prática como Promotora do Desenvolvimento Profi ssional de uma Professora de Física e Química

Teresa ConceiçãoMónica Baptista

Sofi a Freire

A Investigação Docente como Estratégia para a Melhoria da Qualidade EducativaRené Mutis

Esperanza Rueda

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11-3013

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33

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69-263

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ÍNDICE

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Escrever Textos de Opinião – O Diário de Leitura como Estratégia Desencadeadora da Planifi cação

Inês Ribeiros

As Emoções dos Estudantes do Ensino Superior face à Modalidade de Formação em b-learning: Um Estudo Exploratório

Ana Isabel Runa

Sala do Futuro: O Trinómio Espaço, Tecnologia e Pedagogia que Assegura Melhores Aprendizagens

Ana Cláudia Cohen

Promover o Desenvolvimento de Tarefas: Perspetivas de Futuros Professores de Física e Química

Carla MatosoMónica Baptista

Ana Maria Freire

A Escrita Colaborativa como Estratégia de Facilitação Processual da Competência Compositiva no 1.º Ciclo do Ensino Básico

Mariana SantosInês Ribeiros

Paula Farinho

A Área das Ciências: Contributos para as Aprendizagens em Ciências de Crianças de Jardim de Infância

Catarina FerreirinhaCeleste Rosa

As Diferentes Representações do Número Racional e o Desenvolvimento do Sentido de Número: Uma Abordagem Exploratória no 5º Ano

Cláudia PatrocínioNádia Ferreira

E Depois? Acaba um Projeto, Vêm Mais Dois e … “Agora Só me Falta Aprender a Ler e Escrever!”

Maria LimaInês RibeirosCeleste Rosa

As Emoções: Um Projeto Partilhado numa Escola do 1.º Ciclo do Ensino BásicoMaria Altina Sousa

Celeste RosaPaula Farinho

Trabalho de Projeto: O Futebol como Ferramenta PedagógicaLúcia Martins

Iolanda AntunesCeleste RosaPaula Farinho

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Fun Activities in Sport: Um Método Integrado de Aplicação da Expressão MotoraValter Pinheiro

Filipa CoelhosoBruno Baptista

Simpósio de Comunicações – A Gestão e Administração Escolar

Papéis do Gestor Escolar, Liderança e Desafi os Organizacionais do Projeto-Piloto de Ensino Bilingue Precoce no 1.º Ciclo em Portugal

Estela CostaMarta Almeida

Ana Sofi a Pinho

Planos de Melhoria, Aprendizagem Organizacional e Regulação da Educação Mariana Tempera

Estela Costa

Papel do Pessoal Não Docente nas Redes Comunicacionais do Agrupamento de Escolas de Odemira – Estudo de Caso

Carla Coelho Ana Paula Leitão

Paula Farinho

Repensar as Plataformas de Gestão em Função dos Padrões de Qualidade das EscolasRui Lourenço

Paula FarinhoMaria João Delgado

Eva Corrêa

O Dispositivo de Avaliação do Projeto-Piloto de Ensino Bilingue Precoce no 1.º Ciclo em Portugal

Marta AlmeidaEstela Costa

Ana Sofi a Pinho

Olhares Sobre os Coordenadores TEIP: Papéis e Lógicas de AçãoFátima MendesMarta Almeida

Os Representantes das Famílias nos Conselhos Gerais: Perspetivas das Famílias, dos Docentes e do Poder Local

Pedro Patacho

Conclusões

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Supervisão, Liderança e Inclusão 9

O Departamento de Educação do Instituto Superior de Ciências Educativas incluiu, no ano letivo de 2015-2016, no seu Plano de Atividades, a realização das Jornadas Pedagógicas, a que se reporta a presente publicação, na sequência de outras jornadas realizadas, sob a trilogia “Supervisão, Liderança e Cultura de Escola”, e na senda dos Congressos “Educação e Sociedade” e “Educação Hoje”.

Uma nova trilogia nos congregou, a supervisão, a liderança e a inclusão, en-formada pelo debate que nos propusemos fazer sobre a função do supervisor, enquanto líder e intelectual transformador, em contextos de escolas inclusivas e reflexivas.

Podemos interrogar-nos sobre o porquê desta opção. Tratou-se de uma deci-são que pretende fomentar contextos de reflexão formativa e transformadora que possam contribuir para a melhoria da escola, para o desenvolvimento dos agen-tes educativos e para a aprendizagem dos alunos, e dinamizar comunidades edu-cativas que se constituam em processos de construção colaborativa de saberes.

Continuamos a interrogar-nos: Com quem? Para quem? Para quê?Com quem? Em parceria com o Centro de Formação de Associação de Esco-

las de Loures Oriental, com o qual temos vindo a partilhar a organização de se-minários sobre Educação Literária, Educação em Ciências, Educação Artística, Educação Matemática e Utilização de Ferramentas Digitais de Ensino e Apren-dizagem, que têm tido a adesão massiva de educadores e professores, face ao formato que articula conferências e workshops, numa perspetiva de relação entre pensamento e ação e entre teoria e experiência.

Com a inestimável colaboração da Universidade de Aveiro, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e da Associação Pró-Inclusão, Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, sendo-nos particularmente grato dirigir os agradecimentos que devemos aos seus docentes que pronta e gentil-mente acederam ao nosso convite e se disponibilizaram para revisitar connosco o conceito de supervisão, para problematizar o trabalho do gestor escolar no quadro da territorialização das políticas educativas e para concetualizar práticas inclusivas.

Gostaríamos de dizer quanto nos sentimos agradecidos pela forma como fo-mos acolhidos e dirigir uma palavra especial à Dr.ª Ana Cristina Sampaio, Diretora

APRESENTAÇÃO

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Supervisão, Liderança e Inclusão10

do Centro de Formação de Associação de Escolas de Loures Oriental, pela coo-peração que sempre nos tem prestado nas realizações conjuntas, no âmbito de uma parceria que se tem revelado extremamente enriquecedora.

Para quem? Para todos os interessados nas questões de educação e, particu-larmente, para aqueles que desempenham ou pretendem desempenhar funções de supervisão e de administração e gestão escolar, para os responsáveis por programas de formação, para os docentes de todos os níveis de ensino, rele-vando aqueles que, no presente momento, se qualificam para o desempenho de funções específicas, e para os futuros educadores e professores, que frequentam os cursos de Educação Básica e de Mestrado que qualificam para a docência.

Para quê? Para promover a reflexão e o debate sobre os conceitos de super-visão, de liderança e de gestão e cultura organizacional no contexto de uma orga-nização inclusiva, e, também, sobre as soluções políticas e organizacionais que têm sido propostas no sentido de dar resposta aos desafios que a sociedade do hoje nos coloca, nomeadamente no que respeita às práticas educativas inclusivas em organizações aprendentes e qualificantes, e, ainda, sobre a adequação dos modelos de formação aos novos desafios sociais, numa dialética teoria-prática.

Este evento pretendeu suscitar a reflexão, o debate e a construção de signi-ficados, com um sentido de intervenção indissociável do que é autenticamente educativo. Foi organizado para debater ideias, gerar ideias e, quiçá, transformar com elas a realidade da nossa educação, numa perspetiva re(ide)alista, entre o real e o ideal, percorrendo o caminho da possibilidade.

A sua temática é a que foi publicamente anunciada – O Supervisor como Líder de Comunidades Inclusivas Aprendentes.

A estrutura dessa temática tem um vértice, uma secção média e uma base. O vértice é constituído pelas comunidades inclusivas aprendentes. A secção média pelas seguintes áreas: (a) A Supervisão em Contextos Organizacionais Reflexivos e Inclusivos; (b) A Investigação/Reflexão sobre Práticas Educativas; (c) A Gestão e Administração Escolar. A base de sustentação teórica é constituída pelas duas conferências – Supervisão - Contextos, Circunstâncias e Razão Pe-dagógica (Idália Sá-Chaves) e Gestão Escolar e Organizações Aprendentes: por uma Escola (mais) Reflexiva (Estela Costa), pelo painel sobre Práticas Inclusivas (Ana Ferreira, Ana Rosa Trindade, Helena Maria Neves, Pedro Morato) e pelas cerca de três dezenas de comunicações que se inscrevem nas diferentes áreas temáticas.

Para terminar, faço votos para que os trabalhos agora publicados correspon-dam à expetativa e entusiasmo que sentimos e que todos os autores merecem. Finalizamos, com a expressão do nosso agradecimento à Entidade Instituidora do ISCE, na pessoa do Professor Ricardo Martins, pelo incentivo e pelo apoio.

Maria dos Anjos CohenLuís Picado

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CONFERÊNCIA

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Supervisão, Liderança e Inclusão 13

ResumoConsiderando a natureza dinâmica dos conceitos, pretende-se com esta refl exão aprofundar e atualizar o conhe-cimento acerca do conceito de Supervisão, tendo como referente os desenvolvimentos que, nas últimas décadas, têm vindo a ocorrer no âmbito da reconceptualização dos paradigmas de formação. Ou seja, numa fase de transição paradigmática no que se refere às conceções de formação e de desenvolvimento (pessoal, profi ssional e humano) pretende-se, nesse contexto, fazer uma (re)leitura da matriz do conceito de Supervisão, tentando encontrar nela indicadores que ajudem a melhor compreender esta área do conhecimento como um campo de pensamento e de ação (multi)referencial mas próprio. Destacamos nesta abordagem alguns pressupostos que enquadram e norteiam as propostas e fundamentam as leituras que entretecem as lógicas e as tessituras da própria refl exão. O primeiro refere-se a esta mesma natureza evolutiva da matriz concetual, diretamente relacio-nada com os contributos aduzidos pela investigação no âmbito das Ciências Sociais e Humanas e que releva o carácter dinâmico e expansivo do próprio conceito. Um segundo pressuposto assume que os conceitos são sistemas complexos de natureza (multi)referencial que recolhem de múltiplas áreas de conhecimento contributos indispensáveis à sua inteligibilidade. Por fi m, e acentuando esta perspetiva desenvolvimentista, um princípio de inacabamento que, mantendo em aberto a perspetiva de evolução, garante a continuidade de desenvolvimento e de aprimoramento do próprio conceito e, em coerência, das práticas que lhe estão associadas. O texto está organizado em duas partes, referindo-se a primeira à consideração de algumas das mudanças que diferenciam cada um dos paradigmas de formação e que infl uenciam quer as diferenças conceptuais, quer as escolhas que possam ser feitas pelos profi ssionais na sua ação formativa. A segunda, apresentando uma leitura complexa e multidimensional do próprio conceito de supervisão considerados e integrados desde logo os contributos que, sustentados pela investigação, foram emergindo. Por fi m, em anexo único, apresenta-se uma representação global dessa reconceptualização que deixa em aberto e em ponderação as opções estratégicas que possam continuar a ser convocadas para a praxis supervisiva.

Formação

Da reconfiguração paradigmática

Revisitando um já longo percurso de refl exão1, importa relembrar que, em Portu-gal, o conceito foi introduzido por Alarcão e Tavares (1987) no quadro da formação de professores, tendo sido defi nido como “o processo em que um professor, em princípio

1. Este texto retoma a conferência “Supervisão - Contextos, Circunstâncias e Razão Pedagógica” que, a convite da Organização, a autora proferiu nas Jornadas Pedagógicas “O Supervisor como Líder de Comunidades Inclusivas Aprendentes”, em 20 de maio 2016, no ISCE, Odivelas, bem como anteriores refl exões da autora versando a temática da Supervisão (Sá-Chaves, 2009).

SupervisãoContextos, Circunstâncias e Razão Pedagógica

Idália Sá-ChavesCIDTFF/Universidade de Aveiro

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Supervisão, Liderança e Inclusão14

mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profi ssional” (p.18).

Inovadores, relativamente a um paradigma de racionalidade instrumental e técnica vigente e predominante, os autores referem, desde logo, três aspetos de grande ante-cipação que é fundamental relevar. O primeiro, assumindo que é possível, através das estratégias de orientação, interferir nos processos de desenvolvimento de outrem, abrindo, nesta possibilidade, um novo espaço de refl exão teórica para o conceito e, por consequência, de renovação e melhoria das práticas de supervisão. Mas também e uma vez mais contrariando visões dominantes mais simplistas e reducionistas, os autores apontam para uma perspetiva de desenvolvimento humano que, interligando as dimensões pessoal e profi ssional, remete para o conceito de desenvolvimento in-tegral, no qual, a unidade do ser e a indissociabilidade das suas múltiplas dimensões constituem o fulcro de uma nova perspetiva de formação em emergência.

Por fi m, e com a expressão “… em que um professor, em princípio, mais experien-te, orienta …” os autores voltam a abrir novos e desafi antes horizontes conceptuais quanto ao conhecimento e às funções do supervisor. Com efeito, deixando em aberto que o professor orientador possa, na relação supervisiva, não ser o mais experiente, abrem a possibilidade de rutura com os modelos hierárquicos e com uma perspetiva tradicionalista na relação experiência-conhecimento-poder.

Com esta abordagem, inicia-se então um processo de refl exão e de discussão crítica que vai progressivamente ampliando e aprofundando o conceito e afi rmando a área científi ca da Supervisão2 num percurso que, ao longo das últimas três décadas, muito tem contribuído para a sua compreensão.

Contudo, um pouco paradoxalmente, e tal como temos referido em refl exões ante-riores, apesar destes preditores de mudança, a defi nição do conceito que, ainda hoje, é possível encontrar nos dicionários enfatiza as funções de dirigir e de inspecionar3, conferindo-lhe uma carga semântica de pendor autocrático, prescritivo, normativo, de regulação externa e autoritária, que nem mesmo a inclusão do termo orientar con-segue atenuar. Nesta perspetiva o exercício da supervisão, enquanto prática de in-tervenção educacional, refl ete as lógicas positivistas do paradigma de racionalidade técnica, pressupondo não apenas a imitação e reprodução acrítica dos modelos de pensamento e de ação do mestre4, mas também o indiscutível reconhecimento da sua autoridade, em paralelo com um, também pressuposto, não saber do supervisando. Pressuposto esse, que entra em processo de declínio quando se torna percetível que nem sempre a mais experiência corresponde mais e mais atualizado conhecimento e que, na relação formativa, às diferenças que marcam as identidades de cada interve-niente correspondem tipos e níveis diferenciados de conhecimento que, nas partilhas,

2. Particularmente através do papel pioneiro e decisivo de Isabel Alarcão, através dos estudos e projetos desenvolvi-dos na Universidade de Aveiro.

3. Acto ou efeito de dirigir, orientar ou inspeccionar, Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Escolar, Texto Editora, 1995, p.585.

4. No sentido de supervisor, professor e/ou formador.

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Supervisão, Liderança e Inclusão 15

podem tornar-se complementares e mutuamente enriquecedores. Todavia, quanto ao ato de supervisionar, a defi nição que o dicionário disponibiliza, permite uma outra leitura que os termos dirigir, orientar ou inspecionar a partir de uma posição superior5 indiciam. Trata-se, ainda assim, de um processo de hierarquização dos saberes entre quem supervisiona e quem é supervisionado que sustenta uma correspondente hie-rarquização dos poderes, confi gurando um tipo de relação formativa profundamente assimétrica que carateriza o paradigma de racionalidade técnica de inspiração positi-vista. Nele se assume uma relação direta entre experiência e conhecimento o que os estudos posteriores virão a desmentir, confi rmando a possibilidade de tal nem sempre acontecer conforme precocemente e de forma cautelar os autores haviam avançado.

Paradigmas em mudança

Questionar esta perspetiva de formação e desconstruir os seus pressupostos, procurando uma compreensão menos redutora da complexidade do ato formativo6 com base numa razão pedagógica7 mais equilibrada, mais atualizada e mais humana, constitui por isso um claro objetivo de refl exão e de pesquisa.

Ou seja, tentar obter uma compreensão expandida8, mais complexa, mas também mais cabal da relação pedagógica que possa contrapor a uma perspetiva acrítica, reprodutora e uniformizadora de saberes, de modelos e de práticas, uma visão de-senvolvimentista, refl exiva e crítica que, tendo em atenção as dinâmicas contextuais e as próprias circunstâncias, personalize e humanize a relação formativa. Obviamente, que o abandono das perspetivas mais tradicionais e a abertura a novas possibilidades e a novas conceções implica fazer escolhas e tomar decisões quanto aos princípios e desenvolvimentos que uma ou outra das perspetivas pressupõem. Ou seja, desenvol-ver nos profi ssionais competências refl exivas de observação, avaliação e pensamen-to crítico que lhes possam facilitar os processos de tomada de decisão.

A este propósito, já em 2005, Ambrósio relembrava que sem alternativa não existe liberdade9, ou seja, que os pressupostos da racionalidade técnica e instrumental, no seu fechamento, aprisionam no interior das suas lógicas todos os que com eles não conseguem romper, impedindo a refl exão crítica, criativa e emancipatória, bem como qualquer desejo de inovação, criatividade e progresso. Ou, se dito de outro modo, que fi ca impedido o acesso à condição de sujeito e ao sentido de autoria de cada

5. Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Escolar, Texto Editora, 1995, p.585.6. Do ponto de vista epistemológico, subentendemos nesta refl exão que todo o ato supervisivo é, pela sua própria

natureza e intencionalidade, um ato formativo, razão pela qual a compreensão do conceito de supervisão só pode acontecer no contexto da discussão acerca dos paradigmas de formação.

7. Associamos o conceito de razão pedagógica à argumentação em favor de uma relação educativa mais humanizada, contrapondo-a criticamente, às perspetivas tradicionalistas da razão instrumental.

8. Evans, k. M. Shaping Futures. Learning for Competence and Citizenship, 1998.9. Teresa Ambrósio, A Emergência da Complexidade na Investigação em Educação, conferência proferida no âmbito

do Programa Doutoral de Base Curricular em Didática, na Universidade de Aveiro, 2005.

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Supervisão, Liderança e Inclusão16

formando relativamente aos cenários que lhe são sugeridos como modelos a seguir e a reproduzir.

Contrariando esta perspetiva e as suas limitações é, então, fundamental que cada qual possa dispor de hipóteses diferenciadas de refl exão e de experiência para, co-nhecendo as respetivas propostas, critérios e fi nalidades, poder ajuizar livremente e fazer as escolhas que considere mais coerentes com a sua própria análise da situa-ção, visão de mundo e sentido para a vida.

Trata-se, pois, de valorizar a dimensão e a capacidade refl exiva de cada um e de todos os intervenientes na atividade formativa, apelando ao desenvolvimento da re-fl exividade, da invenção e da ação responsável no quadro de uma ideia de cidadania mutuamente reconhecida e de uma comunicação aberta, autêntica e dialógica.

Contributos

De entre os múltiplos autores10 cujo pensamento tem vindo a reconfi gurar este novo paradigma de formação11 destacam-se os contributos de Schön (1983;1987) que releva o papel da refl exividade nos seus múltiplos tipos, momentos e modalidades na construção de conhecimento e Bronfenbrenner (1979), que alerta para a importância, nesse mesmo processo, das caraterísticas e das dinâmicas contextuais.

Donald Schön considera que, sendo os contextos de formação e de trabalho, bem como as circunstâncias que neles ocorrem, por sua própria natureza, dinâmicos e que, sendo dinâmicos, são instáveis e que, sendo instáveis são incertos e, como tal, impre-visíveis, é impossível ter para os problemas neles emergentes soluções desenhadas a priori e modelos de atuação estandardizados. Pelo contrário, sugere, é fundamental que os profi ssionais dialoguem com a situação e que, nesse diálogo, elaborem solu-ções refl etidas, informadas por saberes e valores e desenhadas à medida que, por essa mesma razão, se revelam mais efi cazes e mais ajustadas à especifi cidade dos problemas em causa. Como se depreende, esta perspetiva questiona a argumenta-ção da razão instrumental, dando abertura e fundamento a um novo paradigma12 que, até ao presente, não tem cessado de afi rmar-se. Trata-se, então, da possibilidade de construir rotas pessoais, percebidas como percursos de formação contextualizados, refl exivos e críticos num quadro de valores que, universalmente, sustentem a digni-dade da pessoa na sua capacidade singular de construir um conhecimento próprio na relação que estabelece com outros e na infi nita variabilidade de cada circunstância e de cada momento (Sá-Chaves, 2010).

10. Zeichner (1993), Shulman (1886;1987), Alarcão (1987;2001), Nóvoa (1991;1992,…).11. De matriz refl exiva, crítica e ecológica.12. Em Portugal, o conhecimento da obra e do pensamento deste autor foi, de modo pioneiro, divulgado por Isabel

Alarcão (Refl exão crítica sobre o pensamento de Donald Schön e os programas de formação de professores, 1991).

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Supervisão, Liderança e Inclusão 17

No caso da relação supervisiva esta possibilidade confere ao supervisando a con-dição de sujeito, ou como referiu Nóvoa13, dá ao formando a oportunidade de ter vez e de ter voz ao contrário das perspetivas que reduzem o seu papel ao de simples reprodutores e imitadores do próprio formador ou supervisor, constituindo, assim, um passo importante na reconfi guração paradigmática.

Por sua vez, Bronfenbrenner ao estudar a problemática do desenvolvimento hu-mano na sua relação com os contextos e ao constatar a importância das transições ecológicas e da natureza das relações interpessoais que se estabelecem no ato for-mativo, como variáveis decisivas naquele mesmo desenvolvimento, traz à refl exão inestimáveis contributos que permitem compreender o papel fulcral da própria ecolo-gia dos ambientes e climas de formação.

Esta progressiva e profunda mudança concetual que está subjacente ao processo de transição paradigmática encontra respaldo e fundamento nas teorias da comple-xidade propostas por Morin14, bem como nos princípios que informam as abordagens de tipo sistémico desenvolvidas por Le Moigne15. Considerando a própria relação for-mativa como um sistema dinâmico em ação, estes autores relevam os fenómenos de emergência, recursividade e hologramaticidade como indicadores de complexidade a exigirem novas formas de inteligibilidade dos próprios fenómenos, dos problemas que emergem no curso da ação e das soluções que melhor respondam às suas es-pecifi cidades.

Ou seja, destacam a necessidade de considerar aquela mesma relação como uma totalidade dinâmica, interativa, contingente e, como tal, com altos índices de imprevi-sibilidade, tal como referido anteriormente, a exigirem competências de pensamento e de ação refl exivas, contextualizadas e, conforme Sá-Chaves (2002), de desenho não standard.

Como seria inevitável, as considerações aduzidas pelos desenvolvimentos epis-temológicos referidos aos paradigmas de formação tiveram uma infl uência também muito acentuada na matriz do conceito de supervisão.

Uma das refl exões mais signifi cativas tem a ver com a (re)signifi cação da expres-são a partir de uma posição superior. Não já centrada, tal como anteriormente, nas relações de poder, diferenciando assimetricamente supervisor e supervisando16, mas sim, tornando percetíveis, nesta relação, as vantagens de uma visão distanciada que permita uma mais cabal compreensão dos sistemas que, nos contextos, representam a sua intrínseca unidade e totalidade. Como referido em outra oportunidade17, nesta nova perspetiva, supervisionar pressupõe um certo efeito de distanciamento espacial para que cada elemento da relação formativa possa ser compreendido nos seus con-textos de trabalho e de vida, isto é, na sua própria condição existencial como sujeitos.

13. Nóvoa, a. (org), Profi ssão Professor, Porto, Porto Editora, 1991.14. Morin (1991; 2000; 2001).15. Le Moigne (1990 a e b).16. Ou formador-formando.17. Sá-Chaves (2009).

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Supervisão, Liderança e Inclusão18

Contudo, este distanciamento espacial, constituindo um exercício de ampliação do olhar (e, coerentemente, do próprio conceito), ganha ainda um signifi cado mais rele-vante se, a ele, associarmos a possibilidade de um distanciamento temporal. Trata-se da ideia de dar tempo para, na relação, permitir a emergência de outros pontos de vista, de outras hipóteses explicativas ou mesmo de outras possibilidades compre-ensivas. Dar tempo à refl exão, como estratégia fundamental de supervisão, signifi ca dar tempo à ponderação, dar abertura à crítica amigável18, sensata e afetuosa, dar novas oportunidades ao entendimento na relação formativa, o que no seu conjunto confi gura um processo de humanização sustentada por uma razão pedagógica ou razão sensível19, que discute e se contrapõe aos pressupostos da razão instrumental.

Em algumas circunstâncias, porém, as estratégias de supervisão poderão apon-tar para a necessidade de uma relação de maior proximidade que permita, na visão global construída na distância, um reconhecimento mais preciso, mais rigoroso, mais detalhado e, portanto, mais pessoal e próximo da situação em observação20.

As opções, por uma ou por outra das estratégias, estão obviamente dependentes do próprio acontecer nas dinâmicas circunstanciais, bem como da capacidade dos intervenientes para, singular e/ou coletivamente, diagnosticar com clareza, desenhar e concretizar as soluções que melhor respondam aos objetivos da própria intervenção e supervisionar de forma continuada e calorosa esse mesmo processo. Ou seja, para refl etir na própria ação, construindo a partir dela um tipo de conhecimento emergente, que funda uma nova epistemologia da prática, conforme adiantou Schön.

Ao longo do tempo, neste processo de desenvolvimento concetual, foram sendo identifi cados alguns princípios21 que, no seu conjunto, defi nem uma nova fi losofi a de formação marcada pela refl exividade crítica, pelo reconhecimento da importância dos contextos e pela humanização das relações interpessoais que se estabelecem na ação educativa. Deles destacamos (Sá-Chaves,2002):

• O primado do respeito pela pessoa, pela sua diferença, singularidade e dignida-de (princípio de pessoalidade). • A importância dos processos de tomada de consciência dos fatores que interfe-rem, positiva ou negativamente, nos processos de mudança e de desenvolvimento (princípio de consciencialização). • O papel decisivo dos contextos e da imprevisibilidade das suas dinâmicas no curso dos acontecimentos (princípio de contextualização).• A implicação pessoal na aprendizagem e no desenvolvimento pessoal, sabendo que ninguém aprende, se forma (ou vive) na vez de ninguém (princípio da auto-implicação do sujeito).• A constatação do efeito de acréscimo que a diversidade aduz e do papel dos

18. Referimo-nos ao conceito de critical frienship.19. Maffesoli (1998).20. Metáfora efeito de zoom (Sá-Chaves,1999). 21. Sá-Chaves (2002).

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Supervisão, Liderança e Inclusão 19

interlocutores nessa ampliação de referentes (princípio do efeito multiplicador do diverso).• A evidência do caráter inconcluso22 de todos os processos e da sua natureza aberta (princípio de inacabamento) e, por fi m,• A importância da aprendizagem ao longo da vida, enquanto garante de desenvol-vimento continuado e sustentado (princípio da continuidade da formação).

É, pois, neste quadro de princípios defi nidor de uma relação formativa que, des-locando o enfoque das técnicas para centralizar os objetivos nas pessoas e na quali-dade da sua formação, que também o conceito de supervisão se renova, se expande e ganha novos sentidos numa incessante procura de mais humanidade para o fazer pedagógico.

Supervisão

Uma análise (multi)dimensional (reconfi guração da matriz conceptual)

A leitura que, a partir destes referentes, apresentamos sobre o conceito de super-visão23 é uma análise multidimensional que procura compreender, de forma abran-gente, as múltiplas possibilidades que, em cada aspeto da sua matriz,24 se podem considerar como hipóteses de desenvolvimento e de melhoria da qualidade da ação supervisiva/formativa.

É nesse leque de possibilidades que a diversidade se reconhece, o efeito de es-pelhamento25 acontece e a importância das escolhas se torna decisiva para a quali-dade e atualidade das práticas. Por isso, é sempre nos signifi cados que possam ser atribuídos pelos sujeitos participantes e no jogo refl exivo entre estes signifi cados e as próprias circunstâncias, que as práticas formativas poderão inscrever-se ou numa racionalidade positivista26 ou, numa lógica de renovação paradigmática que, perse-guindo uma ideia de desenvolvimento mais humano, se reclame verdadeiramente digna dessa designação e desse desígnio.

Neste sentido, o conceito de supervisão, na sua multidimensionalidade, pode ser considerado quanto:

1. À sua natureza epistemológica;2. À fi nalidade que subentende;

22. Retomamos Paulo Freire (1981).23. Proposta de reconceptualização apresentada pela autora, em comunicação oral, no II Congresso Internacional

CIDInE, Vila Nova de Gaia, 2009, (não publicada).24. Anexo único, no fi nal do texto.25. Retomamos, de Donald Schön, a metáfora “hall of mirrors”.26. Ainda que seja residualmente.

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Supervisão, Liderança e Inclusão20

3. Às estratégias através das quais é possível concretizar-se;4. À forma como os participantes interagem;5. Ao momento em que ocorre ou pode ocorrer;6. Aos cenários ou modelos organizadores da ação;7. À direção ou destinatários e, por fi m,8. Ao estilo que marca e distingue a ação e a relação supervisivas.

1. Quanto à natureza

Do ponto de vista epistemológico, o ato supervisivo é um fenómeno dinâmico e re-lacional, assentando na interação27 entre os intervenientes, cabendo assim no quadro de princípios das ciências da complexidade28. Pode ser representado e compreendido como sistema que, no seu próprio dinamismo, gera emergências imprevisíveis, é re-cursivo e mantém mecanismos de (auto) regulação (feedback) que podem ser usados para melhorar a própria relação. Esta, pode estabelecer-se de um modo dialógico29, tendo em atenção que se trata sempre de um jogo de interpretações a partir dos pontos de vista singulares dos interlocutores à procura de entendimentos que possam favorecer e enriquecer os processos de pensamento e de aprendizagem de todos os intervenientes. Trata-se, então, de pensar a supervisão como hermenêutica30 que, ao admitir a possibilidade de divergir na interpretação, integra e reconhece o valor da voz singular.

No que se refere à relação supervisiva, ela mesma, pode ser operacionalizada como relação dual ou confi gurada como coletivo (n+2), sendo relevante salvaguardar que, mesmo quando as relações se desenvolvem em coletivo, será sempre importante considerar nele a qualidade das relações em díade31 como fator de aprofundamento

27. Conforme Cancian, R., Blumer (1937) refere que o pensamento (ou refl exividade) altera ou modifi ca as interpre-tações, enquanto que a linguagem (verbal ou gestual) é um recurso constantemente empregado pelos indivíduos nos processos de interação social (contacto entre dois ou mais indivíduos).

28. Caraterizado pela totalidade, imprevisibilidade, emergência e recursividade.29. Conforme Santana, A. L., “Para (Bakhtin), todos os personagens que circulam no âmbito da linguagem constituem

elementos sociais e históricos que têm o poder de conferir signifi cados reais e se estruturam regularmente na obra fi ccional, expressando seus pontos de vista sobre a realidade concreta”. http://www.infoescola.com/linguistica/dialogismo/ acedido15 de outubro 2016.

30. Segundo a fi losofi a, a hermenêutica aborda duas vertentes: a epistemológica, com a interpretação de textos e a ontológica, que remete para a interpretação de uma realidade”.

https://www.signifi cados.com.br/, acedido em 20 outubro 2016. No caso da relação supervisiva esta abordagem é simultaneamente de natureza epistemológica e ontológica na

medida em que se verifi ca sempre a produção de textos (de tipologias muito diversas) no contexto de uma certa realidade determinada pelos contextos, pelas circunstâncias e pelos sujeitos implicados na ação formativa.

31. Martins.E. e Szymanski, H. referem que “No modelo ecológico original, Bronfenbrenner (1996) salienta o grande mérito das relações entre as pessoas, estabelecendo como condição mínima para a formação de díades a presen-ça de uma relação interpessoal recíproca. A premissa básica e mais importante na formação de uma díade é que, se um dos membros do par passar por um processo de desenvolvimento, estará contribuindo para a ocorrência do mesmo processo no outro”.

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Supervisão, Liderança e Inclusão 21

das relações pessoais32 e de conhecimento mútuo, de personalização da formação e de melhoria da qualidade das ambiências formativas.

2. Quanto à fi nalidade

No que se refere aos fi ns que persegue, a supervisão inscreve-se no âmbito das teorias desenvolvimentistas33 que perspetivam os processos de desenvolvimento hu-mano34, como fenómenos de construção de conhecimento, dinâmicos e sempre ina-cabados, que ocorrem em contextos muito diferenciados e que decorrem da natureza e da qualidade das (trans)ações de saberes e de experiência através da comunicação aberta e autêntica entre os sujeitos participantes. Cabem neles as possibilidades de mudança e de transformação pessoal, profi ssional e social com o objetivo de aprimo-rar a identidade e a autoestima, bem como a procura de um sentido de pertença social e humana no qual a vida própria faça sentido.

Deste ponto vista, a relação supervisiva não pode restringir-se à simples obtenção e desenvolvimento de competências técnicas ou didáticas com vista ao agir profi ssio-nal, mas diz respeito à pessoa na sua inteireza, unidade múltipla e globalidade do ser.

Ou seja, deve assumir como fi nalidade a possibilidade de estimular, facilitar e orientar os processos de desenvolvimento pessoal como fundamento, contexto e con-dição inalienável de desenvolvimento profi ssional.

Ou melhor, importa que os sujeitos implicados possam aceder a um tipo de com-petência metacognitiva que assegure o conhecimento de Si na relação humana, fra-terna e solidária com todos os outros. Uma ética de solidariedade e de cuidado. Uma razão pedagógica.

3. Quanto às estratégias

Já no que se refere às estratégias através das quais a supervisão se concretiza, destacam-se a ação, a observação, a refl exão, a avaliação e a comunicação, en-tendidas como variáveis mutuamente implicadas e constituindo um todo sistémico, dinâmico e interativo. Estas estratégias organizam-se em ciclos sucessivos (ação-refl exão-nova ação-nova refl exão …) nos quais a ação, se entende como experiência continuada, inacabada e suscetível de ser melhorada através dos processos refl exi-vos (antes, durante e após).

Por sua vez, o exercício da refl exão ao permitir a tomada de consciência dos aspetos positivos da experiência (como fonte de autoestima e autorreconhecimento) e também dos pontos mais frágeis (como possibilidade de melhoria), constitui um dos fatores de maior impacto nas possibilidades de orientação e de desenvolvimento.

32. É neste âmbito que relevamos a elaboração de portfolios refl exivos como estratégia de aproximação privilegiada na comunicação entre supervisor e supervisando (Sá-Chaves, 2005).

33. Tem como referente as teorias humanistas de desenvolvimento integral (pessoal, social e moral) desenvolvidas entre outros autores a partir de Piaget (1979); Vygotsky (1987) e Kolberg (1992).

34. E, coerentemente, de formação.

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Para que tal possa acontecer, a observação rigorosa e atenta das práticas consti-tui uma condição indispensável à consciencialização quer dos aspetos positivos, quer das debilidades e, portanto, da continuidade do próprio processo de formação.

A observação pode ocorrer de forma direta ou de forma indireta (diferida e distan-ciada no tempo) sendo, neste caso, de incontestável valia o recurso às tecnologias de registo e de comunicação nas suas múltiplas possibilidades35, instrumentos e cru-zamentos.

Quanto ao focus, a observação pode incidir globalmente, tentando percorrer e abranger todo o espaço de ocorrência/episódio sob observação (de tipo balayage) ou centrar-se num detalhe (pessoal, espacial ou temporal) para um aprofundamento do olhar e, como tal, da possibilidade de compreensão dos processos que lhe estão subjacentes (observação enfocada).

Assim, o que verdadeiramente se procura na relação supervisiva é conhecer, orientar, encorajar e estimular os processos de pensamento (que pré-determinam as atitudes e os comportamentos dos supervisandos) e que, por não serem diretamente observáveis, são de extrema difi culdade na sua compreensão36. A análise refl exiva da praxis37, dos discursos nos seus múltiplos registos e dos diferentes tipos de lin-guagem constitui uma das possibilidades de acesso e de compreensão das lógicas, das razões e dos argumentos (implícitos) com que os participantes fundamentam as respetivas intervenções práticas.

Neste processo, torna-se bem evidente que o processo de tomada de consciência, pelo sujeito da ação, depende inteiramente da sua capacidade para fazer a avaliação, para ponderar cada aspeto da ocorrência, para pesar argumentos, razões e conse-quências, face aos referenciais de saberes e de valores que legitimam pessoal e so-cialmente escolhas e preferências. Também aqui, o papel do supervisor e do próprio grupo de trabalho pode constituir uma mais-valia pelo aporte de outras referências, hipóteses, possibilidades e pontos de vista. Ou seja, pelo efeito multiplicador que operam, facilitando a emergência do pensamento crítico.

Ao longo do tempo (com intenção formativa) ou nos momentos de fi nalização dos processos (com intenção sumativa), sem avaliar não é possível comparar, ampliar, corrigir, aprofundar, refundar, ou seja, evoluir. Deste modo, a avaliação processa-se como relação recursiva e espiralada que, em cada ciclo supervisivo, permite o balan-ço e o reequilíbrio constante da formação e do desenvolvimento.

Como estratégia transversal a todo o processo, e relembrando a natureza relacio-nal, dialógica e simbólica da relação formativa, a qualidade da comunicação nas suas múltiplas formas, suportes e meios constitui também, neste tecer complexo, um fator decisivo no atingir (ou não) dos objetivos de formação e de supervisão.

35. Com particular destaque para a elaboração de portfolios refl exivos (Sá-Chaves,2005).36. Visão, que colide com as perspetivas mais tradicionalistas para as quais o objeto da supervisão são as atividades

práticas e a sua regulação, mas que inscreve esta área científi ca nas ciências do Humano.37. Sá-Chaves, I., A Construção de Conhecimento pela Análise Refl exiva da Praxis, 2002.

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Supervisão, Liderança e Inclusão 23

4. Quanto à forma

A supervisão dos processos de construção de conhecimento pode ser realiza-da por outrem, cabendo por isso na modalidade hétero-supervisão ou, em algumas situações e em níveis mais avançados de competência refl exiva e dos processos de formação, pelo próprio supervisando sobre si mesmo, demonstrando um nível de desenvolvimento metacognitivo que se inscreve na auto-supervisão.

No primeiro caso, pode ocorrer numa relação de orientação vertical (entre su-pervisor e supervisando), horizontal (entre os supervisandos) ou, ainda, associando as duas modalidades numa lógica integrativa que, intencional e estrategicamente, potencia as vantagens de cada possibilidade.

Considerando ainda a supervisão vertical, ela pode acontecer numa relação hie-rarquizada e assimétrica quanto ao uso do poder e remetendo para um paradigma mais tradicionalista, ou de modo democrático, respeitando os princípios de colegia-lidade, bem como os deveres e os direitos de participação de todos intervenientes. Uma vez mais, são as opções paradigmáticas que, no momento da intervenção, ditam o tipo de relação supervisiva em uso e, obviamente, condicionam a qualidade dos resultados em termos de cooperação, construção pessoal/coletiva e de forma-ção.

5. Quanto ao momento

O pensamento de Donald Schön, permite, no que se refere à estratégia refl exão, aprofundar o conhecimento quanto às oportunidades que se abrem para o seu uso. De um modo necessariamente breve, destacamos a refl exão na própria ação, de-senvolvida durante a intervenção e, como tal, de natureza interativa, permitindo me-lhorar o desempenho de um modo mais imediato em diálogo com a própria situação. Mas também a refl exão sobre a ação de natureza retroativa, realizada a posteriori, e que permite a avaliação da ação realizada e a tomada de consciência acerca do seu decurso. Concomitantemente, e através de da refl exão sobre a refl exão-na-ação, torna-se possível confi gurar o plano de ação subsequente para uma nova intervenção necessariamente reconstruída e melhorada. E, nessa medida, condição estruturante do próprio desenvolvimento.

6. Quanto aos cenários ou modelos

As práticas de supervisão são concretizadas em coerência com as conceções, convicções e crenças dos seus organizadores/executores e é em função delas e do modo como se articulam que correspondem a determinados cenários de atuação com lógicas e enfoques distintos. Trata-se desse modo, e de novo, de um universo de escolhas que darão às práticas linhas de orientação e de rumo que remetem para os paradigmas de formação também eles em processo de renovação.

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Alarcão e Tavares (2003) propõem uma tipologia que abrange nove cenários ou modelos com as seguintes designações: Imitação Artesanal, Descoberta Guiada, Behaviorista, Clínico, Psicopedagógico, Pessoalista, Refl exivo, Ecológico e Dialógico.

O cenário de imitação artesanal assenta nas ideias de que o saber é inalterável e que a aprendizagem se faz por imitação. Funda-se, por isso, numa lógica reprodutora do conhecimento e de imitação do mestre que surge como um modelo a imitar, impe-dindo pelas suas premissas qualquer ideia de progresso ou inovação.

No cenário de aprendizagem por descoberta guiada destacam-se as ideias de que a aprendizagem constitui um processo de descoberta e construção continuadas pelo que a diversifi cação de experiências e de contextos favorece a respetiva formação. Cabe ao supervisor facilitar e estimular essa diversidade de oportunidades, ajudando o formando a construir o seu modo pessoal de pensar e de agir.

Nas perspetivas behavioristas a ideia é valorizar e aproveitar os contributos emer-gentes da investigação científi ca o que, sem deixar de ser relevante pelo poder de inovação que comporta, acaba por uniformizar as práticas, afastando-as dos contex-tos reais de intervenção. Se tomados estes pressupostos em exclusivo, caminha-se no sentido da tecnicização das experiências, diminuindo, limitando e deslocando o campo de refl exão.

A supervisão clínica reconcilia de forma colaborativa a ação do supervisor e do su-pervisando, propondo uma abordagem baseada na resolução de problemas e organi-zada em ciclos sucessivos e recorrentes. O elemento essencial é a refl exão conjunta e sistemática sobre as experiências, a partir da observação atenta, cuidada e rigorosa e reconhecendo as dimensões pessoais como variáveis importantes nas escolhas e nas decisões.

À semelhança da supervisão clínica, as propostas do cenário psicopedagógico, também enfatizam a metodologia de resolução de problemas e o desenvolvimento da supervisão em ciclo, valorizando as relações dialógicas e de estreita colaboração.

Todavia, é a perspetiva pessoalista que, tal como a própria designação sugere, co-loca a ênfase na dimensão da pessoalidade, ou seja, no desenvolvimento da pessoa. Daí, a importância que reconhece à qualidade dos climas e ambiências de formação, à humanização das relações e ao encorajamento face às difi culdades de percurso.

O pensamento de Schön e as perspetivas que abriu quanto ao desenvolvimento da profi ssionalidade, contribuíram de forma decisiva para a sistematização de um ce-nário refl exivo cujo enfoque recai no aprender fazendo e valorizando o conhecimento emergente da refl exão sobre a experiência do fazer.

Ou seja, instituindo uma nova epistemologia da prática que, associada ao reco-nhecimento da importância das dinâmicas contextuais (Bronfenbrenner,1979), acres-centa um cenário de matriz ecológica. A diversifi cação de contextos e as transições ecológicas constituem nesta perspetiva fatores muito estimulantes dos processos de formação.

Os autores (2003) acrescentam ainda um cenário dialógico que valoriza o diálogo construtivo entre supervisor e supervisando como estratégia partilhada de construção

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Supervisão, Liderança e Inclusão 25

de conhecimento. Destaca-se nesse diálogo a possibilidade de desocultar e refl etir sobre aspetos sociais implícitos nas circunstâncias.

Numa leitura global destas propostas, existem algumas situações que importa considerar.

Em primeiro lugar, pode constatar-se que as perspetivas subjacentes a cada ce-nário, são enfoques delimitados sobre dimensões específi cas do fenómeno complexo que carateriza a relação supervisiva no seu todo. Numa análise mais aprofundada, pode constatar-se também, que ocorrem frequentes sobreposições conceptuais e metodológicas entre os cenários, tornando claras as difi culdades e as limitações das leituras fragmentadas, parcelares e de matriz disjuntiva.

Porém, e paralelamente, são também evidentes as mais-valias dos contributos de cada enfoque para a compreensão global da ação supervisiva na sua complexidade, bem como a relevância de cada contributo para a elaboração de respostas ajusta-das a cada problema, circunstância e momento. Por estas razões, parece ganhar sentido a proposta de reconceptualização que designamos como cenário integrador (Sá-Chaves, 2002).

Trata-se de um cenário enquadrador, elaborado a partir dos resultados da inves-tigação38 desenvolvida no quadro das perspetivas subjacentes ao pensamento de Schön, Bronfenbrenner, Morin e Le Moigne que sustentam não ser possível dispor de modelos únicos, percebidos como exemplos a seguir, a imitar e a reproduzir acri-ticamente e independentemente das circunstâncias. Ou seja, que a racionalidade positivista não responde aos desafi os educacionais contemporâneos marcados pela incerteza, pela contingência e pela imprevisibilidade. Pressupõe que, contexto a con-texto, circunstância a circunstância, caso a caso, é indispensável dialogar com cada situação, identifi car os problemas e, em comunicação aberta, genuína e conjunta con-ceber, implementar, avaliar e desenvolver soluções não standard nas quais todos, e cada qual, se sintam participantes, reconhecidos e respeitados como profi ssionais, como pessoas e como cidadãos. Uma perspetiva de religação e de mais humanidade.

Retomando de Schön a centralidade da matriz crítico-refl exiva e das teorias da complexidade, a impossibilidade de prever respostas ajustadas à variabilidade dos contextos, este cenário39 admite que aspetos de todas perspetivas anteriores possam ser convocados e integrados na construção de respostas inteligentes, transforma-doras e por medida. É esta possibilidade de integração, de ser parte da arquitetura conceptual de cada resposta elaborada que justifi ca a designação cenário integrador de matriz não standard.

Em síntese, no seu conjunto, e se considerados numa perspetiva complexa, não prescritiva e, sobretudo, não normativa, todos os contributos podem acrescentar in-teligibilidade e facilitar a compreensão e todos os autores, na sua particularidade,

38. Sá-Chaves, I., A construção de Conhecimento pela Análise Refl exiva da Praxis, Tese de doutoramento, Fundação Calouste Gulbenkian e Ministério da Educação, Lisboa, 2002.

39. Que, pela sua própria natureza, não pode constituir-se como modelo.

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Supervisão, Liderança e Inclusão26

defi nem e compõem coletivamente um vasto referencial de conhecimento e um re-positório de possibilidades de ação e de refl exão que podem requalifi car a formação e o desenvolvimento em todos os seus tipos, registos e níveis. Inteligência, escolha, colaboração e compromisso são, neste cenário, os conceitos-chave. Abrem para o presente, reconhecem o passado e asseguram o futuro.

7. Quanto à direção

A supervisão pode ocorrer como ação de orientação e formação em múltiplos con-textos de trabalho e/ou de formação40. No caso da formação de profi ssionais em todos os campos de trabalho e áreas de conhecimento41 esta relação reconhece-se como supervisão profi ssional. No quadro do desenvolvimento das instituições acontece en-quanto processo de melhoria da gestão e regulação dos processos e dos resultados (supervisão institucional). No caso particular das escolas, a supervisão pode incidir na gestão dos curricula a todos níveis que possam ser considerados (turma, ano, ciclo, disciplina, programa, projeto,…) quer na dimensão instituída, quer instituinte e concretizando-se como supervisão curricular. Também nos processos de investiga-ção, os princípios de formação subentendidos na relação supervisiva, continuam a fazer sentido quer na orientação e encorajamento dos coletivos de pesquisa, quer na gestão e rigor das suas dinâmicas (supervisão investigacional).

Transversal a todos estes contextos e destinatários, uma ideia de (re)humaniza-ção e de cuidado, associada ao desenvolvimento do próprio conhecimento, das pes-soas, das instituições e das sociedades, resume e traduz, na sua essência, o conceito de supervisão pedagógica.

8. Quanto ao estilo

No amplo contexto das perspetivas que se abrem quanto à conceptualização, operacionalização, avaliação e gestão da supervisão nos mais diversos campos de atividade e nas mais variadas áreas de conhecimento, importa referir o modo singular como cada qual se apropria desse referencial e, de acordo com a sua visão de mun-do, constrói o seu modo pessoal de intervenção. Ou seja defi ne um estilo pessoal.

A partir daí, a própria relação supervisiva pode acontecer de modos distintos que têm a ver, já não apenas com as caraterísticas pessoais42, mas também com a ati-

40. Referimo-nos à possibilidade de pensar os contributos da investigação sobre supervisão a outros campos de ação humana nomeadamente na área da educação informal e na qualidade dos relacionamentos interpessoais, tais como (a supervisão nas empresas ou na educação parental e familiar). A este propósito consulte-se Supervisão, Complexidade e Mediação. Transgressões do olhar, Sá-Chaves (2009).

41. Destacamos a importância dos estudos desenvolvidos na área da Saúde para a humanização das relações, para a valorização da dimensão cuidativa e para a melhoria dos cuidados e, nos quais, a Universidade de Aveiro tem vindo a desenvolver uma ação muito relevante.

42. Sobretudo ao nível da sensibilidade para com o humano.

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Supervisão, Liderança e Inclusão 27

tude para com o outro. De acordo com essa premissa, Glickman (1985)43 considera que esta relação pode confi gurar-se segundo três estilos, que designa como diretivo, colaborativo e não-diretivo. No primeiro caso, a atitude do supervisor é dominante e afi rma-se através de orientações e critérios que condicionam fortemente as atitudes e as práticas do supervisando. Quanto ao estilo colaborativo verifi ca-se uma relação de partilha, cumplicidade e interajuda entre supervisor e supervisando facilitadora dos relacionamentos e da própria construção de conhecimento.

No estilo de tipo não-directivo o supervisor deixa um mais amplo espaço de inter-venção e maior autonomia ao supervisando, esperando e dando tempo à sua inicia-tiva e afi rmação.

Apesar desta tipifi cação, o autor afi rma recorrentemente que as atitudes referen-ciadas a cada um dos estilos não são exclusivas de um ou de outro, mas que devem ser entendidos em função das caraterísticas do supervisando em cada momento e em cada situação. Ou, se dito de outro modo, e retomando a refl exão anterior, muito mais próxima de um paradigma ecológico, refl exivo e cítico do que dos pressupostos do paradigma de racionalidade técnica. Nesse sentido, apela a uma refl exão inteligente e não dogmática que confere aos estilos uma função de referencial e aos sujeitos o reconhecimento da sua capacidade de escolha e de decisão ajustada.

Em jeito de conclusão

Numa leitura, ainda que breve e muito sintetizada44, dos percursos e dos desen-volvimentos conceptuais nesta área, importa destacar a reconhecida e progressiva aproximação a conceções, perspetivas e modelos de ação educacional e supervisiva que, cada vez mais, se aproximam e reconhecem o papel dos sujeitos (singular e coletivamente considerados) na determinação, intervenção e elaboração ativa, cole-giada e democrática de soluções para problemas que não são previsíveis à partida. Percebe-se, no fl uir dessas perspetivas e dos contributos aduzidos, uma compulsão para a elaboração de visões de mundo mais complexas, mais sensíveis e mais soli-dárias que encontrem o seu sentido transformador no quotidiano das sociedades con-temporâneas e no compromisso com um humanismo que em cada dia urge renovar. Para ser possível merecer o futuro.

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43. Alarcão e Tavares (2003).44. E com todas as limitações que isso implica.

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Supervisão, Liderança e Inclusão28

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Anexo único

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SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÕES A SUPERVISÃO EM CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS

REFLEXIVOS E INCLUSIVOS

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ResumoOs diários refl exivos desenvolvidos em contextos de formação inicial de professores têm sido valorizados, dado o seu impacto na promoção da refl exividade sobre a prática educativa. A sua relevância prende-se com o facto de serem espaços de partilha de experiências e de fonte de informação em ordem à sustentação de tomadas de decisão. Por sua vez, os diários de investigação, enquanto espaços que permitem desenvolver a consciência de pertença a uma determinada comunidade, oferecendo uma interação entre o subjetivo e o objetivo, através do relato de acontecimentos e procedimentos e das ideias que subjazem às tomadas de decisão, ao longo do processo de investigação, em termos procedimentais e substantivos, dão conta do modo como os professores e os orientadores, num posicionamento autosupervisivo, revelam o que para si é importante na análise do proces-so investigativo. A construção de narrativas, preferencialmente dialogadas, sobre experiências educativas pode conduzir à sua transformação, através da reconstrução e desenvolvimento do conhecimento profi ssional. Assim sendo, procuramos analisar o impacto da escrita de diários de investigação na reconstrução e desenvolvimento do conhecimento profi ssional de jovens investigadores – alunas do Curso de Mestrado em Supervisão Pedagógi-ca e Formação de Formadores – referentes a investigações sobre a própria prática, através do levantamento de ideias e de problemas com que as investigadoras se confrontam ao longo do processo investigativo.

Palavras-chaveSupervisão, diários de investigação, conhecimento profi ssional, refl exividade, prática educativa.

Introdução

Os diários refl exivos, preferencialmente dialogados, têm sido considerados como ferramentas de refl exão sobre a prática educativa, através da exteriorização do co-nhecimento dos professores e da subsequente reinteriorização do conhecimento e dos conceitos acerca do processo de ensino-aprendizagem (Johnson, 2007).

Contudo, apesar da grande relevância atribuída aos diários como fonte de refl exão e desenvolvimento profi ssional, poucos têm sido os estudos que se focalizam espe-cifi camente sobre o papel dos diários de investigação na aprendizagem do processo investigativo (Borg, 2001), na sua implementação e na consciência metacognitiva do investigador (Moreira, 2011).

Borg (2001) refere que a escrita de diários de investigação propicia (a) registos de ideias e de acontecimentos conducentes a subsequentes decisões e ações; (b) registos de planos e de resultados; (c) relato de acontecimentos e procedimentos; (d) reprodução dos pensamentos que conduziram à tomada de importantes decisões;

Diários de Investigação - As Vozes dos InvestigadoresMaria dos Anjos Cohen Nunes Gonzaga Borges Caseiro

Instituto Superior de Ciências [email protected]

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(e) narrativas de desenvolvimento profi ssional; (f) evidências de crescimento profi s-sional; (g) relatos de experiências desencadeadoras de novas perspetivas.

Enquanto os manuais de metodologia de investigação prescrevem procedimentos sem ligação às especifi cidades do objeto dos estudos e aos seus contextos de imple-mentação, os diários de investigação centram-se em problemas específi cos identifi -cados em contextos reais e substanciam-se em situações concetuais, procedimentais e relacionais, pondo fi m à solidão do investigador e levando-o a olhar para o seu per-curso como um trajeto em que se confronta com situações dilemáticas, faz escolhas, refl ete sobre as mesmas e, apoiado pelo supervisor/orientador, reformula algumas, e desenvolve o conhecimento metacognitivo.

Procuramos desenvolver um estudo cujo objetivo seja analisar o impacto da es-crita de diários colaborativos sobre investigações sobre a própria prática no desen-volvimento profi ssional de jovens investigadores – alunos do Curso de Mestrado em Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores, intentando encontrar respostas para as seguintes questões:

• Que problemas foram identifi cados e se tornaram objeto de refl exão, ao longo das diferentes fases da investigação?• Que questões foram formuladas no sentido da desconstrução dos problemas?• Que decisões foram tomadas e como foram verbalizadas?

Partindo do pressuposto de que os jovens investigadores necessitam de uma es-trutura, mormente no início do processo de escrita (Hamilton-Jones & Svane, 2003), propôs-se uma tipologia aberta, que tivesse em consideração o relato substantivo de acontecimentos observados, o relato metodológico e o relato analítico sobre questões levantadas, intuições do investigador e ideias sobre organização de dados e concei-tos utilizados pelos participantes (Fernandes & Almeida, 2001).

A existência de uma pluralidade de formações académicas e experiências profi s-sionais por parte dos jovens investigadores, enformadas por diferentes conceções epistemológicas e metodológicas sobre o processo de ensino-aprendizagem difi cul-tou os consensos sobre contributos teóricos e decisões metodológicas.

Enquadramento teórico

A refl exividade

O fascínio que resultou da concetualização do professor enquanto profi ssional refl exivo prende-se com (a) a tomada de consciência da capacidade de pensamento e de refl exão, que caracteriza qualquer ser humano criativo, que não pretenda ser

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um mero reprodutor de ideias e práticas; (b) a atuação inteligente, fl exível, situada e reativa (Schön, 1983, 1987), perante situações complexas, imprevistas e indetermi-nadas, numa mistura integrada de ciência, técnica e arte; (c) a reação face ao racio-nalismo técnico e o valor atribuído à epistemologia da prática; (d) o reconhecimento da complexidade da sociedade atual e a consciência da necessidade de formar bons profi ssionais.

Assim, durante as últimas três décadas, um conjunto crescente de obras salientou a importância da refl exão crítica no desenvolvimento profi ssional. O conceito de “práti-co refl exivo” de Schön (1983), o qual refl ete na ação, sobre a ação e sobre a refl exão na ação, tornou-se popular entre os professores, caracterizando a inter-relação entre a teoria e a prática, em termos de um conhecimento implícito na ação, celebrando a arte dos professores e criticando os modelos que separam as teorias de ensino, desenvolvidas por académicos, das práticas implementadas pelos professores.

O conceito de Supervisão

A supervisão de professores foi, durante longo tempo, tida em consideração ape-nas no âmbito da formação inicial de professores, e levada a cabo em ambientes de prática pedagógica profi ssionalizante ou estágios.

Em meados dos anos 80, tomámos conhecimento do cenário da supervisão clí-nica, enquanto tecnologia centrada na observação e análise colaborativa da prática educativa, com o objetivo de a melhorar, operacionalizada através de ciclos de obser-vação, cujas fases prospetiva e retrospetiva – pré-observação e pós-observação – garantiam processos de descrição, interpretação, confronto e reconstrução das práticas e eram objeto de regulação, através da avaliação participada, que se constituía na construção de uma visão intersubjetiva e assumia a função de problematização das práticas (Goldhammer.et al., 1980); Smyth (1987).

Seguiu-se o encontro com a abordagem refl exiva schöniana (Schön, 1983, 1987), que potencia a capacidade de construção do conhecimento dos professores através da análise crítica exercida durante e após a atividade docente. Posteriormente, o contacto com a perspetiva ecológica bronfenbreniana (Bronfenbrenner, 2005), a qual sublinha o papel desempenhado pela interação pessoal e a infl uência dos contextos no desenvolvimento pessoal e profi ssional do professor.

Estes novos horizontes foram alimentados pelas investigações e práticas de dife-rentes autores, quais sejam: Alarcão e Tavares (2003), através do conceito de escola refl exiva; Vieira et al. (2006), face à visão transformadora da supervisão e à articula-ção da supervisão clínica com a investigação-ação; Sá-Chaves (2005.), com as suas refl exões sobre a utilização dos portfolios refl exivos; Alarcão e Canha (2013), com a construção e uso dos conceitos de supervisão e colaboração.

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A escola refl exiva

A abordagem refl exiva começou por ser vista como uma dimensão individualista do conceito de professor refl exivo, como se a refl exão não pudesse ser partilhada.

Assim, passou a reconhecer-se que a profi ssionalidade docente não podia restrin-gir-se ao trabalho de sala de aula e a valorizar-se o trabalho em equipa.

Os professores passaram a desempenhar novas tarefas e a envolver-se na elabo-ração de projetos nas suas escolas.

Com as alterações introduzidas no sistema educativo e na gestão e administração das escolas, quer no que respeita à gestão das organizações educativas e à sua au-tonomia, quer nos domínios da avaliação interna e externa das organizações e, ainda, no âmbito da avaliação de desempenho docente, o campo da supervisão alargou-se à formação contínua de professores.

A vida de um professor tem o seu contexto próprio, a escola, e esta tem de se pensar a si própria, na sua missão e no modo como se organiza para a cumprir e, para isso, tem de ser refl exiva.

O conceito do professor refl exivo que refl ete em situação e constrói conhecimento a partir da refl exão sobre a sua prática é extensível e transponível para a comunidade educativa.

Pretendemos que os professores sejam seres pensantes, capazes de gerir a sua ação profi ssional e que a escola se questione a si própria, na perspetiva do seu de-senvolvimento institucional. A constante atitude de refl exão, na escola e nos professo-res, ajudará a identifi car e resolver dilemas e problemas.

Uma nova visão da supervisão associada a uma nova conceção de escola se des-taca, plasmada nas dimensões da investigação educacional, em que a escola surge como objeto de estudo, da mudança educacional e da formação.

A escola elabora o seu projeto educativo, contextualizado, no âmbito do qual a ação do professor deixa de ser solitária e passa a ser solidária no empenhamento colaborativo pela melhoria da qualidade das suas práticas.

É uma escola refl exiva, inteligente, autónoma e responsável que decide o que deve fazer nas situações específi cas da sua existência e regista o seu pensamen-to no projeto educativo que vai pensando e experimentando. Uma escola refl exiva pensa-se no presente para se projetar no futuro (Alarcão e Tavares, 2003).

Face à complexidade dos problemas com que se confronta, a escola apoia-se numa atitude concertada e dialogante com a realidade contextual, na refl exão, na avaliação e trabalho em equipa.

No contexto de uma escola refl exiva, a liderança reveste-se de grande impor-tância, uma liderança entendida no sentido “de ser capaz de criar condições que encorajem os membros da organização a caminhar no sentido traçado” (Alarcão e Tavares, 2003: 139).

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Supervisão na Escola Refl exiva

Uma escola refl exiva, aprendente e qualifi cante implica que se pense a supervisão e a melhoria da qualidade das aprendizagens, tendo como referência toda a escola e os seus professores na dinâmica das suas interações.

Estamos perante a passagem da sala de aula à escola e da dimensão didática à dimensão educativa, mantendo a dimensão formativa, de desenvolvimento e de aprendizagem.

A supervisão passa a focalizar-se (a) na formação – inicial e contínua – e no desenvolvimento profi ssional dos agentes de educação e na sua consequente infl u-ência sobre a aprendizagem dos alunos; (b) no desenvolvimento e na aprendizagem organizacionais.

Para além da supervisão dos estágios profi ssionalizantes, as novas formas orga-nizativas das escolas – coordenações dos conselhos de docentes e dos departamen-tos curriculares – exigem que os profi ssionais que as exercem tenham formação em supervisão.

Estratégias de Supervisão

Uma prática de superVisão transformadora da prática docente, de cariz refl exivo-colaborativo, assume uma dimensão estratégica, a qual pressupõe um plano de ação intencional, em ordem à operacionalização de determinados princípios: indagação e intervenção críticas, participação e emancipação (Vieira & Moreira 2001).

Considera-se central a observação de aulas, enquanto estratégia privilegiada de recolha de informação sobre a ação docente, em torno da qual se encontram as nar-rativas, enquanto metodologia de construção de conhecimento sobre a prática.

As Narrativas

As narrativas têm um grande potencial formativo no desenvolvimento de práticas de refl exão, pressupondo que a escrita constitui uma forma de estruturar o pensa-mento, de desenvolver hábitos de refl exão, de facilitar a consciencialização de con-tradições e de explicitar ideias e emoções.

As narrativas, enquanto textos de desenvolvimento profi ssional, evidenciam uma racionalidade refl exiva que supõe uma relação dialética entre o que se pensa e o que se faz.

Como práticas de construção da experiência, assumem uma função indagatória, para além da documental, uma vez que o processo da escrita é um processo refl exivo ao serviço da compreensão da ação.

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Diário Refl exivo. O diário refl exivo, situado entre o diário de bordo, descritivo e factual, e o diário pessoal, mais íntimo, constitui-se como estratégia supervisiva de desocultação de processos refl exivos e meta-refl exivos e como um instrumento po-tenciador da construção e análise da identidade e cultura profi ssionais. Partindo da observação refl exiva das práticas, da contextualização dos saberes adquiridos e de processos investigativos vivenciados, o diário serve, tanto de ancoragem teórica, como de fundamentação para a ação.

A escrita dos diários, enquanto fórum de expressão pessoal de inquietações face à perceção das práticas de ensino-aprendizagem, de avaliação e de formação, contribui para o desenvolvimento de aprendizagens de construção de práticas críticas.

Quando construídos em diálogo com outros, potenciam o seu espaço de transfor-mação pessoal e profi ssional.

Diário Colaborativo. O diário colaborativo, por sua vez, (a) estabelece uma relação refl exiva e dialética entre quem escreve e quem lê; (b) aumenta a pluralidade de vo-zes em relação ao processo de construção do conhecimento profi ssional; (c) abre-se à construção de novas hipóteses explicativas sobre a ação, suscetíveis de sustentar a transformação da educação e (d) alimenta o valor epistemológico da prática (Moreira, 2011).

Diário de Investigação. O diário de investigação, centrado em problemas es-pecíficos contextualizados, regista ideias, acontecimentos, planos de ação e re-sultados, relata procedimentos e reproduz pensamentos conducentes à tomada de decisões, narra situações de desenvolvimento profissional, evidenciando o crescimento pessoal e profissional do investigador, desoculta o seu percurso investigativo, através da reflexão sobre situações dilemáticas, permitindo o de-sencadeamento de novas perspetivas e o desenvolvimento do conhecimento me-tacognitivo (Borg, 2001).

Metodologia

O levantamento das ideias, dos problemas, das dúvidas, dos dilemas, das toma-das de decisão e dos procedimentos, vivenciados por jovens investigadores ao longo de um processo de investigação, nas suas diferentes fases, é o objetivo deste estudo, ainda em desenvolvimento.

Os sujeitos são professoras, ainda que alunas do Curso de Mestrado em Supervi-são Pedagógica e Formação de Formadores. Sendo a sua primeira experiência inves-tigativa, foram convidadas a escrever diários de investigação que dessem cobertura às diferentes fases desse processo, desde a identifi cação da problemática, passando pela defi nição das questões de investigação, pela revisão da literatura, pelo desenho da investigação e sua implementação, pela recolha de dados, pela sua análise e dis-cussão até à elaboração das conclusões, dando corpo a um compromisso dialógico, através de um relato das situações reais enfrentadas.

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A metodologia de análise dos diários terá em consideração, por um lado, o que poderemos apelidar de perspetiva diacrónica, através da identifi cação dos enuncia-dos, os quais serão categorizados em função da sucessão das diferentes fases do processo investigativo e da sua intencionalidade, e, por outro lado, será utilizada a perspetiva sincrónica, com base na identifi cação da natureza refl exiva de todos os enunciados, segundo as seguintes categorias: descrição, interpretação, confronto e reconstrução (Vieira et al.2006).

As Primeiras Tendências

No presente momento, ainda não podemos fazer referências a resultados, nem transcrever as vozes dos investigadores, mas estamos em condições de referir ten-dências.

Assim, a maior frequência de enunciados respeita à identifi cação do problema, à defi nição de objetivos e questões de investigação e a preocupações e procedimentos metodológicos, enquanto a revisão da literatura não merece grande espaço a não ser alguma preocupação com solicitação de bibliografi a.

Quanto à natureza refl exiva dos enunciados, o que, por ora, transparece é a maior frequência de enunciados descritivos, em detrimento dos interpretativos ou de con-fronto, os quais terão de ser despoletados pelos comentários do supervisor, enquanto os reconstrutivos deverão aparecer no fi nal do processo, aquando da interpelação do supervisor sobre eventuais alterações a levar a cabo no futuro.

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ResumoPretende-se com este artigo apresentar os resultados de uma investigação que confi rma a necessidade de colo-car a avaliação de desempenho dos professores num quadro de valorização estratégica e efetiva dos recursos humanos da educação. Realça, ainda, a necessidade premente de formação contínua que capacite os avaliado-res, credibilizando o papel do supervisor qualifi cado.

Palavras-chaveAvaliação do desempenho, recursos humanos, supervisão, educação.

Introdução

As políticas educativas do século XXI centram-se numa tentativa de melhoria da qualidade educativa, promovendo um ensino inovador e a valorização do trabalho do-cente. Assim, aos professores, exige-se obrigatoriamente um conhecimento científi co dos conteúdos de ensino, a realização de um desenvolvimento profi ssional contínuo, capacidades refl exivas e a capacidade de se adaptarem aos contextos locais onde exercem a sua função.

Com a ambicionada modernização da escola, a par de uma maior autonomia e fl exibilidade concedida nas mesmas ao trabalho dos professores, de uma consequen-te responsabilização, deve ocorrer uma refl exão do trabalho individual e coletivo dos docentes.

Nesta linha, a avaliação do desempenho profi ssional surge como a apreciação da atividade profi ssional do professor, baseada na sua capacidade de produtividade de índole quantitativa e primordialmente qualitativa, encarada como um processo formal e sistemático de avaliação.

O processo de avaliação de desempenho docente procura, entre outros, obter um conhecimento do desempenho e do potencial individual dos professores nas escolas, identifi cando as suas necessidades de formação, de forma a promover o desenvol-vimento das capacidades individuais e potenciar o capital intelectual da organização escolar.

Neste sentido, reforça-se o papel crucial da supervisão pedagógica no contexto de uma organização refl exiva, como sugerem os trabalhos de autores de referência nacional e internacional.

Contributos do Supervisor na Avaliação de Desempenho Docente Perspetivada como Instrumento de Valorização

dos Recursos HumanosPedro Pinho-Pereira [email protected]

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Supervisão, Liderança e Inclusão42

Metodologia

Propósito e objetivos da investigação

O propósito desta investigação é conhecer a relevância atribuída pelos profes-sores à avaliação de desempenho, enquanto instrumento de valorização do quadro de recursos humanos da educação. Foram, desta forma, elencados alguns objetivos mais específi cos:

Aferir se os professores avaliadores realizaram formação contínua ou especializa-da para o desempenho da função de avaliador;

Saber de que forma é encarada pelos docentes a avaliação de desempenho com vista à realização de um diagnóstico profi ssional e a deteção de lacunas de compe-tência profi ssional;

Recolher opiniões sobre a relação existente entre a qualidade do desempenho dos professores e a melhoria do ensino e do serviço educativo prestado;

Identifi car a que atribuem os professores a chave para os insucessos da avaliação de desempenho;

Obter dados que permitam aferir se os professores consideram relevante avaliar o seu desempenho profi ssional com vista à melhoria do ensino e da organização escolar.

Para os devidos efeitos, nesta investigação, a amostra selecionada foi aleatória simples.

A seleção aleatória da amostra recaiu sobre professores contratados e profes-sores efetivos do universo de escolas da Direção Regional de Lisboa. Foram obti-dos 500 questionários válidos, dos 650 inquéritos distribuídos. Ao todo participaram neste estudo 500 inquiridos por questionário e 24 participantes nos 4 grupos de discussão.

Estiveram representados professores de ambos os sexos, da educação pré-esco-lar, ensino básico e secundário e com categorias diferentes na carreira. É, ainda, de referir que alguns dos indivíduos desempenhavam cargos na estrutura pedagógica e organizativa: membro da direção, coordenação de departamento, coordenação de grupo, direção de turma/professor titular, coordenação TEIP…

Nos grupos de discussão participaram oito (8) professores contratados e dezas-seis (16) professores na carreira. Dentro desta amostra, oito (8) eram professores com a função de avaliadores.

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Tempo de serviço em anos

Frequência Percentagem % Cumulativa>10 158 31,6 31,6[11-20] 191 38,2 69,8[21-30] 114 22,8 92,6<30 37 7,4 100,0Total 500 100,0

Instrumentos para a Recolha de Dados

No referente aos instrumentos de recolha e obtenção de dados passamos a des-crever os utilizados neste estudo:

Quantitativos: o questionário, para obter um conhecimento anónimo da opinião dos professores relativamente às dimensões em causa e recolher dados concretos para as conclusões do nosso estudo.

Qualitativos: os grupos de discussão para obter outros dados que propiciem relevância para o estudo e complementar os dados obtidos na análise do questio-nário. Ainda a análise documental, com vista à utilização da informação disponível, na medida em que, qualquer que seja o seu caráter documental é praticamente indispensável em investigação social e educacional.

Principais resultados

Somente (6,8%) dos inquiridos referiram ter realizado Formação Contínua em Avaliação de Desempenho com mais de 25 horas de duração. No entanto, a mesma não estava acreditada no âmbito da formação contínua para professores, isto é, pelo Conselho Científi co Pedagógico de Formação Contínua (CCPFC).

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Para (92,8%) dos colaboradores da investigação, avaliar o desempenho em con-texto organizacional torna-se complexo, devido aos efeitos que os julgamentos emiti-dos podem ter sobre a vida profi ssional dos avaliados.

Ainda, para (79,4%) dos inquiridos, a avaliação de desempenho introduz perturba-ções no funcionamento regular das organizações. As respostas obtidas vão ao encon-tro das expetativas, tendo em conta a análise dos últimos anos nos assuntos relativos à administração escolar. Todo o processo relativo à implementação e aplicação dos mecanismos de avaliação tem provocado turbulências nas escolas. Umas vezes mais exacerbadas, outras mais omissas.

Relativamente à afi rmação “a avaliação de desempenho permite detetar lacunas de competência latentes no docente” os dados recolhidos indicam que esta afi rmação não é consensual. No total, (42%) revelam que a avaliação não serve o propósito do diagnóstico profi ssional. Opostamente (58%) dos inquiridos considera que a ava-liação de desempenho permite encontrar fragilidades de competência profi ssional, colocando-se do lado positivo da escala. Nesta observação, devemos ter em conta qual é o tipo de avaliação de desempenho a aplicar.

Perante o confronto com a questão “Implementar um sistema de avaliação de desempenho dos professores é fundamental para a melhoria da organização escolar”, os resultados confi rmam, em (78,4%) a opinião de que a avaliação de desempenho visa a melhoria do ensino e da organização escolar. No entanto, parece-nos funda-mental que o sistema aponte para um quadro de referências. Recuperando Ardoino e Berger (1989) referencial é um “ sistema de referências que constituem uma ótica, um tipo de leitura, uma perspetiva de análise privilegiada”.

Conclusões

Parece-nos fundamental a formação contínua dos profi ssionais para o exercício das funções de avaliador, dada a especifi cidade do procedimento e os impactos que os julgamentos emitidos têm sobre a vida dos avaliados. A título de exemplo, refere-se que a leitura de relatórios de autoavaliação, obedecendo a parâmetros meramente orientadores, não salvaguarda os intervenientes dos efeitos halo, leni-ência/severidade, tendência central e restrição da amplitude. Verifi camos, na gran-de maioria dos processos, uma descredibilização da avaliação de desempenho. Os instrumentos utilizados carecem de validade métrica. Constata-se, uma fragilização do avaliador, da comissão instituída no seio da escola ou do centro de formação de escolas.

Para (90%) dos docentes inquiridos a gestão de recursos humanos da educação assume uma elevada importância no desenvolvimento de uma cultura organizacional. Deve promover o desenvolvimento de competências profi ssionais, de caráter científi -co, pedagógico e didático e incentivar a defi nição de planos de carreira. Esta perspe-tiva situa-se no quadro que defendemos, isto é, o da gestão estratégica de recursos

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humanos, em contraponto com o quadro simbólico, num ritual encenado de aparente rigor e credibilidade.

A avaliação de desempenho é, assumidamente, uma das críticas práticas da ges-tão de recursos humanos na educação em particular e, nas organizações em geral, na medida em que pode potenciar climas negativos pelos julgamentos emitidos e pelo impacto que esses juízos têm na vida dos profi ssionais. É reconhecido que o proces-so introduz perturbações e ansiedade no funcionamento da organização escolar, com recorrentes reclamações hierárquicas.

Retira-se dos resultados que a avaliação de desempenho permite medir o contri-buto individual para se atingirem os objetivos estratégicos da organização e a maioria dos professores considera que possibilita detetar as lacunas de competência latentes no docente. Desta maioria realça-se a maior incidência dos professores com mais tempo de serviço. Como problemas detetados indicam que as aulas observadas, quando têm lugar, são preparadas objetivamente com essa fi nalidade e que não es-pelham a prática diária do docente, até evidenciado pela burocracia apresentada. O acompanhamento do avaliado deve permitir a partilha de experiências, incidir em orientações pedagógicas que promovam a qualidade das aprendizagens dos alunos, capacite os docentes para as suas práticas, que permita uma refl exão conjunta e promova o trabalho cooperativo. Este é um campo de articulação entre a gestão e a supervisão. Verifi ca-se que a grande maioria dos avaliadores, avalia segundo a sua conceção do ensino e não com base em orientações concetuais validadas pela investigação científi ca. Considera-se para o efeito, que as orientações concetuais da supervisão pedagógica não se excluem necessariamente. Elas podem coexistir e complementarem-se. Diferentes orientações concetuais equacionam vertentes de uma realidade multifacetada, suscetível de ser entendida sob diversos prismas.

A avaliação deve ser vista como um processo de regulação permanente no de-sempenho profi ssional. Deve ser um processo transparente, conter uma diversidade de instrumentos de observação e ser realizada por avaliadores formados competen-temente para o exercício da função. Isto é, legitimados.

A avaliação de desempenho dos professores, como instrumento da gestão de recursos humanos permite a melhoria do ensino e da organização escolar, sendo de-cisivo o contributo individual de cada docente para a melhoria da qualidade do ensino e, por sua vez, da educação.

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ResumoAs respostas educativas aos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), no contexto da escola inclusiva, necessitam de uma colaboração efetiva e apropriada entre os professores do Ensino Regular (ER) e os seus colegas da Educação Especial (EE), para além de uma vasta gama de outros recursos – humanos, pedagógico-didáticos e tecnológicos. Os professores do ER criam expectativas relativamente às funções dos seus pares da EE, esperando deles determinadas orientações, informações e apoios. Os professores de EE, por seu turno, consideram que os seus pares do ER devem, numa perspetiva inclusiva, assumir agora novas responsabilidades junto dos alunos com NEE, o que pressupõe a redefi nição das suas funções, competências e saberes específi cos. Porém, as perceções, representações e expectativas mútuas ocorrem, frequentemente, no domínio do implícito, do “não dito”, o que pode originar mal-entendidos e juízos avaliativos pouco abonatórios acerca do âmbito e natureza de desempenhos profi ssionais e de implicações pessoais por parte de cada um dos grupos profi ssionais.

Palavras-chaveEnsino regular, educação especial, articulação, colaboração, supervisão.

As instituições de formação inicial e contínua de professores procuram preparar os seus formandos para as novas funções requeridas pela escola inclusiva, equipando-os com as competências e os conhecimentos necessários, tomando por matriz as recomendações de organizações internacionais qualifi cadas, as orientações jurídico-administrativas nacionais e as propostas e sugestões da investigação e dos espe-cialistas. Porém, nem a formação de professores pode ser feita à la carte, nem, no que às práticas quotidianas no terreno diz respeito, as perspetivas e conceções são sempre ajustadas às situações concretas, as quais se caracterizam pela sua grande complexidade e mutação permanente.

Esta quase inevitável clivagem entre as teorias que fundamentam os modelos de formação e as práticas pedagógicas quotidianas nas salas de aula foi pressentida de modo particular por alguns dos nossos alunos do Mestrado em Educação Especial – domínio Cognitivo e Motor, os quais, confrontados com a necessidade de defi nir uma área de investigação, para levar a cabo o seu projeto de dissertação, optaram decidi-damente por abordar a temática da interação entre professores do ER e professores de EE, enquanto parceiros no processo de resposta aos alunos com NEE. Em seu entender, a possibilidade de analisar em profundidade a “articulação” real, a “cola-boração” efetiva e as “representações” mútuas entre estes dois grupos de docentes

A Articulação Entre os Professores do Ensino Regular e os Professores de Educação Especial. Colaboração Profi ssional ou Supervisão?

Armindo RodriguesInstituto Superior de Ciências Educativas

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prepará-los-ia melhor para as suas futuras funções como professores de EE, porque teriam assim uma boa oportunidade de compreender os pontos de vista dos atores e de encontrar vias de colaboração mais efetiva. Quais foram, então, as conclusões a que chegaram nas suas pesquisas? Que aspetos surgiram como mais relevantes? Quais as expectativas e representações mútuas daqueles profi ssionais? Que propos-tas foram sugeridas para uma eventual melhoria na colaboração profi ssional?

Esta comunicação pretende realizar uma primeira análise às conclusões propos-tas por um conjunto de dissertações de mestrado, apresentadas ao Instituto Superior de Ciências Educativas de Odivelas, que se debruçaram sobre esta problemática1.

1. A implementação da escola inclusiva

A estruturação da abordagem inclusiva em educação implicou um longo processo, que se desenrolou em três fases: a especifi cação das conceções, o estabelecimento das capacitações e a defi nição das práticas. Em primeiro lugar, foi necessário defi nir um conjunto de princípios orientadores, estabelecer os fundamentos teórico-fi losófi -cos e delimitar o âmbito e a profundidade das propostas de ação. Porquê a inclusão? Em que se distingue de práticas anteriores? A quem se destina? Quem é abrangido? Quem pode invocá-la ou reclamá-la? Em segundo lugar, importava apreender quais as alterações e modifi cações a introduzir nos sistemas educativos e seus agentes, como consequência desta nova abordagem à educação e à aprendizagem escolar. Como organizar e gerir a escola, para que todos os alunos sem exceção nela te-nham lugar e aí possam receber uma educação de qualidade? Quais os atores que efetivamente devem ser implicados neste processo inclusivo? Que novos papeis e competências devem assumir esses atores e que formação específi ca lhes deve ser proporcionada? Que recursos se torna necessário mobilizar, quer a nível humano e fi nanceiro, quer a nível tecnológico e didático? Finalmente, era necessário encarar de frente o núcleo duro da questão: como estruturar e implementar programas escolares sufi cientemente abrangentes para abarcar a diversidade de características, interes-ses, capacidades e necessidades dos alunos, sem perda de qualidade? Como defi nir e implementar estratégias pedagógicas suscetíveis de despertar a motivação e o su-cesso de todos os alunos, no respeito pelos seus ritmos e estilos de aprendizagem? Quais os apoios e meios didáticos necessários para conseguir esses objetivos?

As produções teóricas acerca da inclusão centraram-se, em primeiro lugar, nas críticas à inefi cácia das práticas anteriores, que continuavam a assumir um caráter segregativo, e nas refl exões de educadores, pais, técnicos e peritos, que defendiam uma abordagem sustentada nos direitos da criança e no princípio da igualdade de

1. Por motivos de saúde, que atrasaram todo o projeto de pesquisa, o autor apresentou nas Jornadas apenas uma primeira leitura dos resultados propostos nas dissertações analisadas. Apesar de a investigação estar agora mais avançada, este texto reporta apenas as conclusões apresentadas na comunicação oral.

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oportunidades, e, em segundo lugar, no delineamento de uma fi losofi a e de um discurso pedagógico que fundassem um novo modelo de intervenção e resposta educativa.

É certo que, a partir da II Guerra Mundial, se originara um movimento geral com vista a uma educação conjunta de todas as crianças e jovens (Correia, 1999), mas a falta de meios económicos e fi nanceiros do pós-guerra impediu a sua concretização. No entanto, a ideia resiste no conceito de integração, infl uenciado pelo princípio da normalização (Nirje, 1969; Bank-Mikkelsen, 1969), pela Public Law 94-142, publicada nos Estados Unidos em 1975, e pelo Warnock Report, elaborado no Reino Unido, em 1978, pela baronesa Mary Warnock (Correia, 1999). Defende-se agora que, sempre que possível, o aluno com necessidades educativas especiais (NEE), termo introdu-zido pelo Warnock Report (1978), deveria ser educado na escola regular, isto é, num meio o menos restritivo possível (Correia, 1999). Esta integração foi realizada em várias modalidades: integração física, que abriu as portas das escolas regulares e o caminho para a interação entre os alunos com NEE e os ditos “normais”; integração social, os alunos com NEE interagem com os outros nas refeições, passeios esco-lares e recreio; integração académica, os alunos com problemáticas ligeiras tinham acesso às classes regulares (Correia, 2013). Nesta fase, excluindo casos de integra-ção académica global, a Educação Especial ainda era entendida por muitos como um subsistema dentro do sistema do ensino regular, onde o professor de Educação Es-pecial assumia um papel determinante no processo educativo dos alunos com NEE, em detrimento do professor do ensino regular, existindo, desta forma, um isolamento quase total (Correia, 2013). Daí as críticas dos pais, e dos educadores e técnicos que mais diretamente trabalhavam com estas crianças na escola, ansiando por uma nova abordagem pedagógica, num contexto totalmente inclusivo.

Como salientam Booth e Ainscow (2002:8),

“a inclusão inicia-se com o reconhecimento das diferenças entre os alunos e o desenvol-vimento das abordagens inclusivas do ensino e da aprendizagem, que têm como ponto de partida estas diferenças. Isto pode implicar mudanças profundas no que acontece nas salas de aula, nas salas de professores, nos recreios e nas relações com os pais”. Porém, a pedra angular do movimento mundial pró-inclusão encontra-se na De-

claração de Salamanca (1994), ao estabelecer que “cada criança tem o direito funda-mental à educação” (…) e reconhecer que devem ser respeitadas as “características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprias”. Em consequência, “os sistemas de educação devem ser planeados e os programas edu-cativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas características e necessidades”, especifi cando que “as crianças e jovens com necessidades educa-tivas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem ade-quar”. Efetivamente, reconhece a Declaração (1994, nº 2), as escolas regulares com orientação inclusiva “constituem os meios mais efi cazes de combater atitudes

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discriminatórias, criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando a educação para todos”.

O mesmo Congresso Mundial de Salamanca (1994) adotou um Enquadramento da Ação sobre Necessidades Educativas Especiais, como complemento à Declara-ção, cujo objetivo consistiu em estabelecer uma política e uma orientação para os go-vernos, organizações internacionais, organizações de apoio nacionais, organizações não governamentais e outros organismos, a fi m de que a Declaração fosse efetiva-mente implementada. O princípio orientador do Enquadramento da Ação foi formulado do seguinte modo:

“as escolas devem ajustar-se a todas as crianças, independentemente das suas condi-ções físicas, sociais, linguísticas ou outras. Neste conceito, terão de incluir-se crianças com defi ciência ou sobredotados, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nómadas, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais. Estas condições colocam uma série de diferentes desafi os aos sistemas escolares” (nº 3).

Tendo defi nido os destinatários “abrangidos” pela inclusão, ou seja, todas as crian-ças, o documento estabelece em seguida as linhas de força do novo modelo de inter-venção. Nunca será demais voltar ao texto do documento:

“o princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das difi culdades e das diferenças que apresentem. Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a ga-rantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respetivas comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola” (Enquadramento da Ação, nº 7).

As escolas inclusivas acolhem todas as crianças, não com o objetivo de “estarem” juntas, mas de aprenderem juntas. Não é, então, aceitável invocar “difi culdades e diferenças”, salvo em casos verdadeiramente excecionais, para recusar a inclusão, como poderia acontecer no modelo de integração, caso a escola fi zesse prova de que não dispunha dos meios e recursos necessários para atender determinados alunos! A população escolar caracteriza-se, agora, por uma grande diversidade, com uma ampla gama de condições, necessidades e características. Porém, esta realidade não é impeditiva de “um bom nível de educação para todos”, no respeito dos “vários estilos e ritmos de aprendizagem”. Tal desiderato, no entanto, só será exequível através de:

i) “currículos adequados, ii) uma boa organização escolar,

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iii) estratégias pedagógicas, iv) utilização de recursos, v) uma cooperação com as respetivas comunidades,vi) um conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto de necessida-des especiais dentro da escola” (Enquadramento da Ação, nº 7).

Estas propostas de orientação política confi guram um verdadeiro projeto de po-líticas públicas para a implementação de escolas inclusivas, a adotar por todos os países signatários da Declaração, pois consubstanciam as medidas necessárias ao sucesso do modelo de inclusão.

Defi nido o modelo de inclusão e traçadas as grandes linhas estratégicas, era ne-cessário que cada país legislasse sobre os enquadramentos jurídico-administrativos, bem como sobre as competências e funções dos atores implicados, desde os direto-res de escola, aos pais e aos autarcas, com particular ênfase para professores e téc-nicos, para que as escolas pudessem assumir-se como verdadeiramente inclusivas. Nos termos das propostas do Enquadramento da Ação, acima enunciadas, estamos a falar da redefi nição ou reajustamento da organização escolar, na atribuição e dis-ponibilização de recursos, na criação de apoios e serviços, no desenvolvimento de currículos adequados e na formação dos agentes educativos.

No nosso país, o passo fundamental, em termos legislativos, para a implementa-ção dos modelos de integração/inclusão foi dado com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86 de 14 de outubro). Para além de estabelecer, como um dos objetivos do ensino básico, o propósito de “assegurar às crianças com necessidades educativas específi cas, devidas, designadamente, a defi ciências físi-cas e mentais, condições adequadas ao seu desenvolvimento e pleno aproveitamento das suas capacidades” (art.º 7º, al. j), esta Lei encara a educação especial como “uma modalidade específi ca de educação” (art.º 16º, nº 1, al. a), colocando-a no mesmo cesto da formação profi ssional, da educação a distância, do ensino recorrente de adultos e do ensino do português no estrangeiro. Estas modalidades especiais de educação escolar são consideradas parte integrante da educação escolar, embora regendo-se por disposições especiais (art.º 16º, nº 2).

Segundo a Lei de Bases, “a educação especial organiza-se preferencialmente segundo modelos diversifi cados de integração em estabelecimentos regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento específi co, e com apoios de educadores especializados” (art.º 18º, nº 1). Embora várias modalidades de in-tegração escolar das crianças e jovens com NEE estivessem sendo implementadas no terreno, por força da dinâmica das Equipas de Educação Especial, criadas pela Divisão de Educação Especial2, é a primeira vez que a integração escolar é suportada

2. Desde a década de setenta do séc. XX, a Divisão de Ensino Especial /Ministério da Educação pugnou pela criação das Equipas de Educação Especial. Optou mesmo por promover vários Cursos ad hoc, em complemento aos do Instituto A. A. Costa Ferreira, para preparar os professores que iriam instalar essas Equipas no terreno, a começar por cada capital de distrito, mas estendendo-as, paulatinamente, a todo o país. Esse projeto resultou da visão e

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pela legislação. As políticas públicas de educação passam, assim, a dar maior ên-fase à integração de crianças e jovens com NEE nas escolas e classes regulares, passando as instituições privadas a desempenhar uma função supletiva, destinada sobretudo aos casos que não encontrem resposta no contexto da escola regular e que “comprovadamente o exijam o tipo e o grau de defi ciência do educando” (art.º 18, nº 2). Esta orientação foi sancionada pelo Despacho conjunto n.º 36/SEAM/SERE/88, de 17 de agosto, dos Secretários de Estado adjunto do ministro e da reforma educati-va, o qual forneceu, fi nalmente, o enquadramento legal para as Equipas de Educação Especial, como estruturas de apoio à integração de alunos com NEE.

No entanto, será o decreto-lei nº 319/91, de 19 de agosto, o marco fundamental na defi nição das formas e estruturas de abordagem à integração de crianças e jovens com NEE. As disposições nele contidas são o acme do modelo integrativo. O seu contributo está bem defi nido na síntese de Rodrigues e Nogueira (2010:99-100):

● Responsabilização de todos os professores e da escola do ensino regular.● A produção de um conhecimento tão completo quanto possível da situação es-colar e sociofamiliar de cada aluno com NEE, de modo a adequar as medidas a aplicar.● Planifi cação educativa individualizada, fl exível e adaptada a cada situação.● A participação dos pais na avaliação e na realização dos programas educativos.● A utilização dos professores de educação especial, como um recurso da escola.● A abertura da escola ao meio, possibilitando a utilização de diferentes serviços.● A expressão “alunos com defi ciência” passa a ser substituída pela expressão “alunos com necessidades educativas especiais”, traduzindo um novo conceito e não só uma mera mudança de designação.● As disposições legais adotadas apontam para uma prática pedagógica diferen-ciada e que entra em rutura com os modelos tradicionais de ensino.● São regulamentadas medidas que visam proporcionar essas condições, nome-adamente os Programas Educativos Individuais (PEI) e que possibilitam a fl exibi-lização de currículos (alternativos/adaptados/funcionais) e a fl exibilidade da ava-liação.

Porém, ainda as escolas e os professores procuravam as melhores práticas para a implementação deste decreto-lei e já a Declaração de Salamanca (1994) propunha uma abordagem mais abrangente, mais holística, mais inclusiva. Assim, tornou-se ne-cessário defi nir um novo conjunto de princípios e normas de ação, mais consentâneas com as novas ideias sobre as respostas educativas às crianças e jovens com NEE. Coube esta missão ao Despacho Conjunto 105/ 97 de 1 de julho.

As propostas jurídico-administrativas consagradas neste Despacho Conjunto pretendiam implementar as orientações políticas e pedagógicas sobre a educação

do empenhamento pessoal da Dr.ª Ana Maria Bénard da Costa, cuja obra colossal ainda não foi devidamente reconhecida.

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inclusiva consagrada na Declaração de Salamanca. Estas propostas concentra-vam-se em torno de dois grandes núcleos: as medidas relativas ao contexto edu-cativo em que decorrerá a intervenção; as orientações destinadas aos educadores implicados no processo de atendimento das necessidades especiais dos alunos, sejam NEE ou outras. Pretendia-se organizar de forma integrada o conjunto de respostas educativas necessariamente diversifi cadas ao vasto leque de necessida-des específi cas dos alunos e, ao mesmo tempo, gerir e por ao serviço de um ensino de qualidade todos os recursos da própria escola e de outras instituições e serviços chamados a colaborar com ela – “Os apoios educativos … desenvolvem-se com base na articulação dos recursos e das atividades de apoio especializado existente nas escolas” (nº 1.1). Como diz o texto do documento, a prestação dos apoios educativos visa, entre outros objetivos:

● Contribuir para a igualdade de oportunidades de sucesso educativo para todas as crian-ças e jovens, promovendo a existência de respostas pedagógicas diversifi cadas adequa-das às suas necessidades específi cas e ao seu desenvolvimento global;● Articular as respostas a necessidades educativas com os recursos existentes noutras estruturas e serviços, nomeadamente nas áreas da saúde, da segurança social, da qualifi -cação profi ssional e do emprego, das autarquias e de entidades particulares e não gover-namentais. (D.C. nº 105/97, nº 2, a) e d)).

Finalmente, importa referir o decreto-lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, o qual, em-bora em processo adiantado de revisão, constitui ainda a base das orientações e das práticas no domínio da intervenção educativa com crianças e jovens com NEE. Embora pudesse benefi ciar das aprendizagens e das práticas das três décadas an-teriores, este decreto-lei não foi tão longe quanto necessário e fez opções no mínimo duvidosas, como é o caso da utilização da Classifi cação Internacional da Funcionali-dade, Incapacidade e Saúde – Crianças e Jovens (CIF-CJ), em termos que permitam identifi car o perfi l concreto de funcionalidade. É certo que as “escolas de referência”, sobretudo para surdos, podem constituir uma ótima medida em meio urbano, mas de menor efi cácia em meios rurais, devido aos sacrifícios a que os alunos são sujeitos para chegar à escola. Abdicou-se da tão consagrada fórmula da “escola do bairro”, frequentada pelos irmãos, vizinhos e amigos? Por outro lado, as “Unidades de Apoio Especializado” (de Ensino Estruturado para a Educação de Alunos com Perturbações do Espectro do Autismo e de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multidefi ciência ou Surdocegueira Congénita) poderão desenvolver uma tendência natural a concentrar aí os alunos com NEE durante o maior número de horas possí-vel, porque nelas encontrariam melhores e mais apropriadas respostas às suas ne-cessidades específi cas, mas essa prática desvirtua claramente o modelo de escola inclusiva, a não serem tomadas com as devidas justifi cações. Terá sido essa uma das razões para a recente medida ministerial que obriga os alunos com NEE a perma-necerem na turma de referência “pelo menos 60 % do tempo curricular” (Despacho

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Normativo n.º 1-H/2016, art.º 20º, nº 4), colocando o fi el da balança do lado da turma de pertença.

Outras propostas muito positivas foram incluídas no decreto-lei nº 3/2008, como as “medidas educativas” (apoio pedagógico personalizado; adequações curricula-res individuais; adequações no processo de matrícula; adequações no processo de avaliação; currículo específi co individual; tecnologias de apoio). Não aprofundaremos aqui a refl exão sobre essas e outras contribuições específi cas deste documento por-que o mesmo já se encontra em processo de revisão. No entanto, merecem-nos par-ticular realce a medida concernente às tecnologias de apoio, complementada com a criação dos Centros de Recurso TIC, bem como a explicitação e obrigatoriedade dos Planos Individuais de Transição, os quais, no entanto, já eram utilizados em muitos Agrupamentos, na dinâmica de uma preparação pré-profi ssional para os jovens com NEE.

2. As funções e competências dos professores do Ensino Regular e de Educação Especial

As condições necessárias para atingir uma “educação de qualidade para todos”, em contexto inclusivo, foram defi nidas no Enquadramento da Ação (1994, nº 7) e pau-latinamente vertidas na legislação portuguesa. Pretendemos analisar agora o papel insubstituível dos atores implicados no processo, fazendo referência às condições “uma boa organização escolar, estratégias pedagógicas e currículos adequados”, mas centrando-nos no trabalho e ação dos professores. É óbvio que o papel dos pais e encarregados de educação nunca poderá ser olvidado, sendo chamados a uma par-ceria cada vez mais presente e atuante, como está estabelecido nos diplomas legais acima referenciados. O mesmo comentário é válido para as direções dos Agrupamen-tos, cuja liderança é referida por investigadores e especialistas (por ex. Correia, 1997, 2013; Rodrigues, 2003; Booth e Ainscow, 2002; Tilstone, Florian e Rose, 2003) como um dos pilares fundamentais da implementação das escolas inclusivas, ao apostarem “numa boa organização escolar”.

No período de transição entre a abordagem integrativa e o delineamento e implementação das escolas inclusivas, foi decisivo o contributo conceptual e pe-dagógico de muitos especialistas. Assim, Bayliss (1995) considera que, para a construção de uma escola inclusiva, se torna necessário realizar um vasto leque de mudanças: jurídico-administrativas, com vista à salvaguarda dos direitos das crianças e jovens com NEE; organizativas e de gestão ao nível das escolas; a nível pessoal do professor e de outros atores implicados; ao nível da natureza e da estru-tura do currículo; nos modelos de apoio individual aos alunos, inclusive aos alunos ditos normais, numa perspetiva de inclusão de todos. Serão objeto de análise as mudanças a nível pessoal do professor e aquelas que dizem respeito aos aspetos pedagógicos e curriculares.

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Mittler e Mittler (2001:62) salientam, numa outra síntese signifi cativa, que o movimento rumo à inclusão tem quatro vertentes: os alunos a serem incluídos; a pedagogia da sala de aula; a organização da escola como um todo, para oferecer acesso bem-sucedido à aprendizagem; os sistemas de suporte disponíveis para professores, crianças, pais e pessoas que ajudam a atender esses alunos. Também segundo esta perspetiva nos resta analisar agora o que respeita à “pedagogia da sala de aula” e aos “alunos a serem incluídos”, ou seja, os aspetos que dependem diretamente da ação dos professores e de outros técnicos das equipas multidisci-plinares, quando existem.

As intervenções educativas com crianças e jovens com NEE, embora necessitem de um enquadramento jurídico-administrativo e institucional, derivam diretamente do pensamento e da ação dos professores, no que diz respeito às práticas pedagógicas e didáticas na sala de aula. Há, acerca deste aspeto, acordo total na comunidade científi ca e pedagógica. Por isso, as primeiras investigações sobre inclusão centra-ram-se essencialmente no estudo do impacto das atitudes, crenças e expetativas dos professores. Segundo Porter (1997), a investigação demonstra claramente que as ati-tudes e as expetativas dos professores têm um impacto signifi cativo no autoconceito e no sucesso dos alunos. É, por isso, fundamental que o professor acredite que a es-cola pode ser de qualidade para todos e aceite, em consequência, a responsabilidade pelo progresso de todos os alunos. Também Correia e Martins (2000:18), entre muitos outros, consideram que os professores desempenham um papel fulcral, pois as suas atitudes podem “contribuir em muito para a implementação de práticas educacionais inovadoras e, consequentemente, para o sucesso de todos os alunos”.

No que respeita, concretamente, ao papel e funções dos professores de ER e EE na organização, condução e avaliação do processo educativo dos alunos com NEE, há uma imensa literatura opinativa, propositiva e mesmo de investigação, cuja aná-lise, ainda que sumária, ultrapassaria os limites desta comunicação. Assim, vamos apenas ater-nos às determinações e sugestões consignadas em documentos ofi ciais vinculativos.

O primeiro documento legislativo que refl ete de modo mais ou menos explícito as orientações oriundas da Declaração de Salamanca é o Despacho Conjunto n.º 105/97, de 1 de julho. Antes de explicitar o seu conteúdo relativo às competências dos professores, salientaremos que, em nosso entender, este diploma enferma de duas ambiguidades. A primeira diz respeito ao conceito de “educação especial”. Efeti-vamente, fazendo-se eco de algumas opiniões pouco refl etidas, o Despacho assume que educação especial é o mesmo que segregação ou educação em subsistema, não integrando nem incluindo. Ou seja, não operou a reconceptualização que vinha sendo realizada, desde o início da abordagem integrativa, para designar um conjunto de recursos, meios e serviços destinados ao uso do aluno com NEE na classe regular. Assim, elimina a designação de “professor de educação especial”, substituindo-a pela expressão de “docente de apoio educativo”, que toma emprestada do modelo cana-diano do “professor de métodos e meios”.

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A segunda refere-se à matriz constitucional do próprio conceito de docente de apoio educativo. Efetivamente, o texto constitucional separa claramente a Educação Especial (art.º 17º e 18º), que designa como “modalidade especial de educação esco-lar” (art.º 16º), dos Apoios e Complementos Educativos (art.º 24º, 25º, 26º, 27º, 28º e 29º), que se reportam a “promoção do sucesso escolar”, “apoio a alunos com necessi-dades escolares específi cas”, “apoio psicológico e orientação escolar e profi ssional”, “ação social escolar”, “apoio de saúde escolar” e “apoio ao trabalhador estudante”. A intenção louvável consistia em colocar todos os recursos e serviços destinados ao atendimento da complexidade e diversidade de necessidades e características de todos os alunos sob a alçada de uma equipa de coordenação. Por isso, competia ao docente de apoio educativo a função de “prestar apoio educativo à escola no seu conjunto, ao professor, ao aluno e à família, na organização e gestão dos recursos e medidas diferenciados a introduzir no processo de ensino/aprendizagem” (nº 3, al. a)). No entanto, a mobilização de valências multidisciplinares, com formações “nas áreas da educação especial, da supervisão pedagógica, da orientação educativa, da animação sociocultural, ou de outra especialização vocacionada para o apoio que devem realizar” (nº 9), colocadas sob a tutela de uma equipa local de coordenação, à qual era mesmo confi ada a “orientação pedagógica dos docentes e outros técnicos especialistas com funções de apoio” (nº 14.1, al. b)), constituiu um avanço signifi cati-vo em relação às disposições anteriores.

No que concerne às funções específi cas dos professores, o Despacho Conjunto enumera apenas aquelas que são atribuídas ao docente de apoio educativo:

a) colaborar com os órgãos de gestão e de coordenação pedagógica da escola na deteção de necessidades educativas específi cas e na organização e incremento dos apoios educativos adequados;b) contribuir ativamente para a diversifi cação de estratégias e métodos educativos por forma a promover o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças e dos jovens da escola;c) colaborar com os órgãos de gestão e de coordenação pedagógica da escola e com os professores na gestão fl exível dos currículos e na sua adequação às capacidades e aos interesses dos alunos, bem como às realidades locais;d) colaborar no desenvolvimento das medidas previstas no Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de agosto, relativas a alunos com necessidades educativas especiais;e) apoiar os alunos e respetivos professores, no âmbito da sua área de especiali-dade, nos termos que forem defi nidos no plano educativo da escola;f) participar na melhoria das condições e do ambiente educativo da escola numa perspetiva de fomento da qualidade e da inovação educativa. (nº 12, al. a) a f)).

As disposições do Despacho Conjunto nº 105/97 estiveram em vigor até à publi-cação do decreto-lei nº 3/2008 de 7 de janeiro. No entanto, alterações legislativas paulatinamente introduzidas e, sobretudo, a falta de recursos humanos, fi nanceiros

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e outros não permitiram que se manifestassem todas as virtualidades deste modelo de organização e gestão das respostas educativas aos alunos com NEE e a todos aqueles que necessitassem de apoio escolar.

O decreto-lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, vai reassumir a Educação Especial, como conceito e como prática, mas reduz a sua aplicação aos alunos com NEE “de cará-ter permanente”. Este facto suscitou a preocupação em defi nir com todo o rigor, por vezes excessivo, a normalização dos instrumentos e procedimentos de diagnóstico, avaliação, elegibilidade e planifi cação. As referências às funções do professor de EE encontram-se dispersas em vários artigos do decreto (17º ao 20º), carecendo, no entanto, de uma sistematização. A esse labor se entregaram vários agrupamentos, podendo consultar-se nos respetivos endereços eletrónicos, em versões muito apro-ximadas. Eis uma síntese das funções mais sinalizadas:

● Colaborar com os órgãos de gestão do Agrupamento no sentido de criar e de-senvolver as condições necessárias para uma boa inclusão de alunos com neces-sidade educativas especiais no ensino regular; ● Participar no processo de avaliação das crianças ou jovens referenciados para a educação especial. ● Elaborar, conjuntamente com os serviços de psicologia, o relatório técnico- pe-dagógico decorrente do processo de avaliação. ● Determinar quais os apoios especializados, as adequações a efetuar no processo ensino-aprendizagem ou as tecnologias de apoio de que o aluno deve benefi ciar. ● Encaminhar, juntamente com os serviços de psicologia, os alunos que, não apre-sentando necessidades educativas que justifi quem a intervenção dos serviços de educação especial, devam benefi ciar de outros apoios, disponibilizados pela es-cola, que melhor se ajustem à sua situação específi ca. ● Cooperar com o professor titular de turma / diretor de turma na elaboração do Programa Educativo Individual (PEI) e do Plano Individual de Transição (PIT). ● Elaborar relatórios circunstanciados, no fi nal do ano letivo, em conjunto com os serviços de psicologia, com o professor Titular de Turma /Diretor de Turma e com outros técnicos envolvidos no processo educativo dos alunos com NEE, colabo-rando numa eventual revisão do PEI.● Lecionar áreas curriculares específi cas (leitura e escrita em Braille, orientação e mobilidade, treino de visão, atividade motora adaptada, língua gestual portuguesa (L1), português segunda língua (L2), língua estrangeira escrita (L3), no âmbito das adequações curriculares individuais e os conteúdos curriculares a desenvolver no âmbito do currículo especifi co individual (autonomia pessoal e social, atividades de cariz funcional centradas nos contextos de vida, comunicação para a vida pós-laboral). ● Apoiar os alunos na utilização de materiais didáticos adaptados e nas tecnolo-gias de apoio consideradas necessárias, de modo a melhorar a funcionalidade e a reduzir a incapacidade do aluno.

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● Orientar e assegurar o desenvolvimento dos Currículos Específi cos Individuais.● Apresentar propostas para o Plano Anual de Atividades decorrentes do Projeto Educativo do Agrupamento.● Colaborar na articulação de todos os serviços e entidades que intervêm no pro-cesso de reabilitação dos alunos.● Participar nas reuniões de conselho de turma/conselho de docentes, quando convocados.● Sensibilizar os professores do ER para a problemática da inclusão, disponibili-zando informação técnica e saberes específi cos.● Colaborar com os diretores de turma nos contactos com os encarregados de educação dos alunos com NEE.● Colaborar com os diretores de turma na procura de formas de promover relações de confi ança para uma boa integração no meio escolar.● Acompanhar os alunos com NEE nas visitas de estudo e/ou outras atividades, sempre que necessário.

À semelhança do que acontece com o professor de EE, também não há uma especifi cação explícita das funções do professor do ER, devendo ser inferidas das próprias disposições legais. Através desse exercício de inferência, facilmente se con-clui que as funções do professor do ER, no que se refere à interação direta com os seus pares de EE e com os alunos com NEE, giram em torno destas grandes áreas:

● Colaboração no processo de diagnóstico e avaliação, inicial e contínua.● Decisão e implementação de estratégias pedagógicas e de recursos didáticos, solicitando as sugestões e colaboração do professor de EE, sempre que neces-sário; ● Elaboração e coordenação de programas específi cos de intervenção (PEI).● Colaboração na elaboração de currículos e programas (CEI e PIT), com outros profi ssionais implicados.● Aplicação de medidas educativas específi cas, como o apoio pedagógico perso-nalizado ou as adequações curriculares individuais.

A análise das funções dos professores do ER e de EE põe em evidência a rele-vância do trabalho colaborativo entre todos os que intervêm junto dos alunos com NEE. No entanto, o sucesso das respostas educativas desenhadas para estes alunos depende de um mais vasto conjunto de variáveis hoje sobejamente conhecidas: os princípios da política de inclusão que norteiam o Sistema Educativo; o desenvolvi-mento organizacional dos estabelecimentos de ensino; a utilização de tecnologias apropriadas; a articulação dos recursos e das atividades de apoio especializado; a diversifi cação de estratégias pedagógico-didáticas e métodos educativos; o desen-volvimento de atitudes e expetativas positivas relativamente à capacidade dos alunos para aprender; a colaboração efetiva e voluntária entre todos os atores implicados no

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processo educativo; a participação ativa dos pais; a assessoria, aconselhamento e apoio dos professores de EE aos seus pares do ER.

Como nota fi nal, seja-nos permitido observar que existe uma perceção pública pouco clara da relação entre Integração e Inclusão, com tendência a admitir uma solução de continuidade entre a primeira e a segunda. Nada de mais equívoco. É imperioso admitir, sem reservas, que o paradigma da Inclusão vai mais longe, é para todos e centra na escola regular a resposta educativa aos alunos com NEE, mas a diferença entre as práticas pedagógicas de um e outro modelo reside mais na au-sência de princípios de orientação política apropriados e na imprecisão das medi-das jurídico-administrativas, por vezes inexistentes, que caracterizaram a Integração. Convenhamos, a título de mero exemplo, que não era fácil desmantelar toda a rede de colégios privados de educação especial, quando se lhes havia solicitado investimento fi nanceiro, dedicação e brio profi ssional durante duas décadas, período em que a rede pública deles necessitava.

Numa comunicação apresentada ao IV Congresso Nacional de Educação Espe-cial, em 1989, editada dois anos depois, Santos e Pereira (1991) concluem:

“Hoje podemos afi rmar que a integração de todas as crianças no sistema de ensino é possível, desejável e é o meio onde se poderão obter maiores êxitos educativos.Para que a integração decorra de forma satisfatória, é apenas necessário que criemos as formas de apoio adequadas a cada criança, sem preconceitos.As escolas regulares poderão partir de uma forma crítica e defensiva, mas os sucessos dos alunos com defi ciência abrem as portas da mudança.O sucesso da integração exige dos elementos da Equipa que não tenham reservas men-tais quanto à possibilidade de integração de todas as crianças.É necessário que o Ministério da Educação assuma que a INTEGRAÇÃO é a forma natural de educar todas as crianças e apoie as Equipas de Educação Especial com os mesmos recursos que concede às escolas de educação especial”. (Santos e Pereira, 1991:352).

O texto é meridianamente claro e põe em evidência os nossos próprios pontos de vista: se as políticas públicas reconhecessem que a escola regular era “a forma natu-ral de educar todas as crianças”, pois lhes proporciona os “maiores êxitos educativos”, não fazendo, consequentemente, qualquer sentido continuar a manter as “escolas de educação especial” como uma resposta paralela à escola regular, teríamos de con-cluir que a integração teria sido o modelo de inclusão “avant la lettre”.

Nesse mesmo Encontro Nacional, apresentámos a nossa perspetiva acerca do mo-delo de integração, defendendo que o “princípio da responsabilização da escola”, para além de outros, deveria constituir a matriz da intervenção junto dos alunos com NEE:

“Princípio da Responsabilização da Escola. Cabe à escola regular criar as condições e proporcionar os meios e auxílios adequados, para que cada criança possa atingir os obje-tivos que o sistema educativo se propõe.

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Se alguns alunos carecem de outros meios ou do apoio de técnicos exteriores, isso não deve servir de pretexto para “passar” os alunos para a responsabilidade de “Equipas” ou de “Centros Educativos”, ou similares. À direção da escola e aos seus professores, em sintonia com a família, compete iniciar, conduzir e avaliar todo o processo conducente ao estabelecimento de respostas educativas apropriadas às necessidades educativas desses alunos”. (Rodrigues, 1991:353-354).

Mas, no início da afi rmação do modelo de inclusão, outros equívocos vingaram. Um deles foi o de que, agora, já não se devia falar de Educação Especial. Pensa-mos que só quem tinha uma perspetiva segregacionista das respostas educativas às NEE poderia pensar assim. Desde a emergência da perspetiva da integração que a Educação Especial começou paulatinamente a ser entendida como “um conjunto de recursos especializados que se constituem como condição fundamental para uma boa prestação de serviços educativos para os alunos com NEE”, que devem ser arti-culados de uma forma multidisciplinar (Correia, 2013). Por isso, a Educação Especial e a Inclusão não deverão funcionar paralelamente (Correia, 2013), devendo antes existir uma ampla colaboração, para que haja coincidência entre o discurso sobre os princípios da inclusão e as práticas dos agentes educativos (Casal, 2012), criando deste modo uma escola verdadeiramente inclusiva, que proporcione às NEE respos-tas educativas efi cazes, independentemente das diferenças de cada aluno.

Efetivamente, houve uma evolução muito signifi cativa na conceção de Educação Especial, que passou progressivamente de um subsistema segregado para um regi-me de integração (física, social, académica) e fi nalmente para um regime de Inclusão. Pode, assim, afi rmar-se que a Educação Especial constitui agora um “recurso inesti-mável na escola inclusiva” (Casal, 2012), devendo assentar numa “sólida cultura de colaboração entre os agentes educativos” (Casal, 2012).

A resposta às necessidades educativas de todos os alunos tem de ser dada no seio da Escola inclusiva. No entanto, apesar dos progressos inegáveis, há vozes a assinalar que a Escola ainda não é verdadeiramente “inclusiva”. Como afi rma Mari-nheiro (2012), a Educação atual necessita ainda e urgentemente de mudar de para-digma, ou seja, precisa de uma verdadeira e efi ciente educação que seja global, sem necessidade de continuar a diferenciar e assumindo-se como um todo no processo educativo.

3. Um Projeto de meta-análise

Os projetos de investigação apresentados sob a forma de dissertação como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre, no caso vertente em Educação Especial, constituem excelentes oportunidades para a produção de conhecimentos

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novos, para além de contribuirem para o aumento das qualifi cações académicas e profi ssionais dos docentes e de tornarem possível a criação de grupos de pesquisa nos agrupamentos de escolas. No entanto, apesar do aumento exponencial da inves-tigação produzida em educação, verifi ca-se ainda uma diminuta taxa de publicação dos produtos científi cos, se bem que a política de repositório aberto comece a dar os seus frutos, realimentando o sistema.

Porém, a disponibilização dos dados e dos resultados não é, só por si, sufi ciente. Nem sequer a inventariação dos trabalhos científi cos sobre uma determinada temá-tica, acompanhados por análises e comentários críticos, pois mais não são do que revisões bibliográfi cas próprias das duissertações e teses. É tempo de começar a ir mais longe, adotando metodologias de pesquisa mais sistemáticas e mais estrutura-das, por exemplo as meta-análises (Glass, 1976; Bangert-Browns, 1986; Coutinho, 2014). É essa a nossa tentativa, num projeto mais amplo, que visa reunir e analisar sistematicamente todas as produções de mestrado apresentadas ao Instituto Superior de Ciências Educativas de Odivelas que investiguem as funções dos professores de EE e do ER, na sua intervenção junto das crianças e jovens com NEE.

A organização das respostas educativas aos alunos com NEE, no contexto da es-cola regular, assenta no pressuposto de que há uma colaboração efetiva, apropriada e efi caz entre os professores do ER e os seus pares de EE. Várias dissertações de mestrado debruçaram-se sobre a “articulação”, a “colaboração”, as “representações” entre estes dois grupos de docentes. Quais as conclusões a que chegaram? Quais os aspetos mais relevantes? Quais as expetativas mútuas? Que propostas foram sugeri-das para uma eventual melhoria na sua colaboração profi ssional?

De uma lista alargada de trinta e seis dissertações relacionadas com a temática do projeto, foram retidas dezasseis, após leitura dos resumos e das palavras-chave. Por difi culdades na obtenção dos textos completos e por outras circunstâncias adversas, começámos por analisar três dissertaçãoes com características comuns: utilização das entrevistas semi-diretivas como instrumento de recolha de dados; utilização de pequeno número de sujeitos no estudo, ou seja, 5, 6 e 21 professores do ER e 5, 3 e 10 professores de EE. Esta comunicação é, assim, a primeira leitura das conclusões dessas dissertações, apresentando as perspetivas comuns, no interior de cada grupo, numa abordagem meramente descritiva, atendendo ao estado incipiente da análise.

4. Professores de EE e do ER: perceções mútuas

Os professores que intervêm mais diretamente com os alunos com NEE estão em sintonia total em vários aspetos centrais do processo educativo, como vamos ver em seguida.

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4.1. Há um reconhecimento explícito e comum de que deve existir ar-ticulação entre ambos, pois o trabalho conjunto é importante para o de-senvolvimento dos alunos com NEE

Esta articulação deve, desde logo, materializar-se no trabalho realizado em quoti-diano pedagógico, o qual, segundo os professores de EE, deve implicar:

● a cooperação no desenvolvimento de estratégias que promovam o sucesso do aluno;● a partilha de dúvidas, sentimentos e receios.Para os professores do ER, a articulação em quotidiano pedagógico deve abordar:

● a planifi cação de atividades/estratégias; ● reuniões para falar do desenvolvimento do aluno; ● o estabelecimento de regras/atitudes a seguir; ● a troca de informações sobre o que é feito ou não nas aulas de apoio; ● a evolução da criança com NEE que acompanham em situação escolar; ● acertar entre si o modo de trabalhar com os alunos; ● partilhar materiais de apoio.

Por outro lado, os professores estão de acordo em que uma correta defi nição das competências entre professores contribui para o sucesso educativo dos alunos com NEE. Segundo os professores de EE, esta defi nição devia abarcar, sobretudo:

● o tipo de trabalho que cada professor deveria desenvolver com os alunos;● o papel de cada um na realização dos documentos necessários à condução do processo educativo.

Para os professores do ER, deveria haver uma clara defi nição de competências e funções em áreas como:

● a realização das planifi cações das atividades a desenvolver;● a partilha das estratégias em uso e a defi nição de novas estratégias de ensino;● a seleção conjunta de materiais que desenvolvam competências específi cas;● a realização de reuniões conjuntas, quer para deteção das necessidades dos alunos, quer para a avaliação das aprendizagens e dos planos de intervenção.

Finalmente, as vantagens da articulação entre docentes manifestam-se na imple-mentação de medidas e estratégias de diferenciação pedagógica, promovendo assim um trabalho de sentido único, com benefícios evidentes para os alunos com NEE. Para os professores de EE, esta diferenciação é importante a nível de:

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● defi nição de competências/áreas a desenvolver;● preparação de tarefas/atividades em conjunto para o aluno, de acordo com a sua problemática;● adequação dos momentos de avaliação.

Por seu turno, os professores do ER põem em destaque que a diferenciação pedagógica conjunta deverá incidir em áreas/momentos como:

● a planifi cação em conjunto;● a defi nição de estratégias de ação pedagógico-didática;● a análise da evolução do aluno, alterando estratégias se necessário;● a defi nição de critérios de avaliação;● a articulação com a família e com outros técnicos envolvidos;● a identifi cação de estratégias adequadas aos alunos com NEE.

4.2. Há a perceção de que a articulação real e efetiva entre docentes sobre o trabalho desenvolvido com os alunos com NEE ainda está longe dos níveis desejados

As opiniões expandidas acerca deste tópico encontram-se distribuídas pelas três dissertações, entre ambos os grupos, embora com peso desigual. Como as dimensões repertoriadas constituirão, provavelmente, parâmetros de análise para os trabalhos futuros, fazemos questão em as apresentar como suscetíveis de igual ponderação. Acresce ainda que começam a notar-se as primeiras clivagens entre as perspetivas dos dois grupos. Assim, os professores de EE consideram que:

● Nem todos os professores de ensino regular se interessam na cooperação e na articulação do trabalho;● A maior parte [dos PER] considera que os alunos com NEE pertencem apenas à educação especial;● Como tal deve ser o professor de educação especial a trabalhar e a desenvolver as competências;● Só acontece colaboração entre ambos quando o docente do regular tem abertu-ra para trabalhar em parceria; ● Quando isso é possível são defi nidas as adequações curriculares e as estraté-gias na realização das tarefas;● Os docentes do regular contam que seja o professor de educação especial a elaborar todo o trabalho em termos de papelada.

Quanto aos professores do ER, as suas experiências denunciam atuações di-ferenciadas por parte dos seus pares de EE, o que decorrerá quer de atitudes e

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expetativas dos próprios, quer de normas e regras estabelecidas por decisões ao nível de agrupamento. No entanto, convém recordar, se necessário, que os pontos de vista de cada grupo profi ssional decorrem da sua própria perceção sobre quais devam ser as responsabilidades e obrigações do outro grupo. Neste contexto, as tomadas de posição dos professores de ER relativamente ao trabalho de colaboração com os pares de EE expressam-se do seguinte modo:

● O trabalho desenvolvido com os alunos NEE é articulado entre ambos os docen-tes, nomeadamente na planifi cação de atividades e estratégias de intervenção, critérios de avaliação, sugestões de atividades a realizar, análise da evolução do aluno;● Ambos conversamos sempre que é necessário, ou seja, por motivo de evolução ou de retrocesso dos alunos com NEE.

Porém, outros professores do ER não têm uma experiência tão gratifi cante, no que concerne a articulação pedagógica:

● Só às vezes é que o trabalho é articulado entre docentes, considerando que ambos identifi cam as estratégias que poderão ser mais adequadas aos alunos em causa;● Houve duas reuniões, uma delas no início do ano letivo acerca das caracterís-ticas e necessidades dos alunos com NEE e outra no fi nal de cada período para a avaliação.

Finalmente, um grupo mais restrito de informantes do ER declara que não há qualquer articulação com os pares de EE:

● Não articulo o trabalho a desenvolver com os alunos NEE com o professor de educação especial;● Não existe articulação entre os dois grupos de professores (especial e regular).

4.3. As funções e competências de cada grupo de docentes relativa-mente ao trabalho com os alunos com NEE são analisadas de acordo com as práticas e o contexto de cada agrupamento de escolas

À semelhança do que registámos na revisão da literatura sobre a preocupação em discriminar as funções do professor de EE, como que admitindo que as funções do professor do ER não carecem de explicitação, também aqui os declarantes são minuciosos na listagem das funções dos professores de EE, quase que passando ao lado das funções dos seus pares do ER. Assim, os professores de EE consideram que compete aos seus pares do ER:

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● o acompanhamento do aluno para uma melhor aprendizagem;● o atendimento às necessidades de cada aluno de forma mais direta;● apoiar os alunos, de modo a ultrapassarem determinadas difi culdades, ganha-rem confi ança e mudarem de atitude;● o desenvolvimento das competências das crianças com NEE.

No que diz respeito às funções dos professores de EE vistas pelos seus pares do ER, importa salientar que são muito mais detalhadas e concretas, pois decorrerão, provavelmente, de experiências pessoais sobre necessidades de informação, apoio e orientação. As perspetivas dos professores do ER são as seguintes:

● colaboração com o professor de ensino regular, para haver um trabalho conjunto e assim promover sucesso na aprendizagem dos alunos com NEE;● possuir material e encontrar infraestruturas adequadas para assim desenvolver o seu trabalho;● apoio ao professor de ensino regular: delinear estratégias com os professores da turma; informar os pais sobre os direitos que os fi lhos têm; implementação de diferenciação pedagógica;● apoio individualizado à criança e a planifi cação entre ambos os docentes das atividades para os alunos;● análise de processos de alunos com NEE e elaboração e atualização dos Pro-gramas Educativos Individuais (PEI);● articulação de necessidades educativas entre escola/instituições (centro de saú-de, assistência social, psicologia, …).

5. Considerações fi nais

Esta primeira análise das conclusões apresentadas nas dissertações em estudo mostra-nos uma relativa incompreensão das suas funções e competências por parte dos professores do ER. Efetivamente, parece haver uma tendência para colocar no prato da balança dos seus pares de EE um conjunto de tarefas e atividades que clara-mente lhes competem. Para além de infl uências contextuais, a analisar atentamente, parece ser manifesta uma falta de perceção global do modelo de inclusão e das con-sequências que dele decorrem para cada um dos atores implicados no processo de atendimento dos alunos com NEE.

Efetivamente, parece pairar ainda nos espíritos a ideia de que os alunos com NEE “pertencem à educação especial”, invertendo-se desse modo os papeis, ao conside-rar, de modo implícito, mas não verbalizado, que o professor do ER é uma espécie de “apoio” do professor de EE. Este pode ser um dos efeitos perversos da criação das unidades especializadas: é a elas que os alunos com NEE pertencem, é lá que devem estar!

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Para terminar, parece-nos extemporâneo tecer outras considerações, pois os dados apresentados constituem uma ínfi ma parte daqueles que, mais tarde, serão analisados e publicitados.

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SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÕES A INVESTIGAÇÃO/REFLEXÃO SOBRE

PRÁTICAS EDUCATIVAS

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ResumoAbordamos a centralidade do adulto no sistema fornecedor da formação, analisando a partir do conceito de andragogia como os adultos aprendem. Explicamos as principais premissas andragógicas que devem ser articu-ladas com os processos organizacionais da formação, potenciando o envolvimento dos adultos, desde formação dirigida às qualifi cações até à formação das competências.

A centralidade do adulto no sistema fornecedor da for-mação

Temos vindo a considerar que o adulto é o sujeito central de todo o processo formação profi ssional contínua. Assim, na base de qualquer estratégia de formação, teremos de ter bem presente que o adulto apresenta uma série de características que infl uenciam todo o seu processo de aprendizagem (Lopes e Picado, 2010).

Para fazer face aos desafi os do mundo de hoje, os adultos terão de ser capazes de lidar com a mudança mobilizando processos de adaptação. Esta necessidade é ditada pelas alterações que se vêm desenvolvendo no mundo, e que têm particular incidência no domínio das organizações. Todas estas mudanças “obrigam” a que os adultos aprendam ao longo da vida (Granott, 1998).

Face ao exposto uma das problemáticas centrais reside em compreendermos como os adultos aprendem. A preocupação com a educação de adultos desenvolve-se a partir da premissa de que, relativamente às crianças e aos adolescentes, os adultos aprendem utilizando diferentes métodos (Brookfi eld, 1991).

São vários os autores que confi rmam um espaço autónomo para a educação de adultos, encarando-a como uma disciplina por direito próprio e que pode ajudar os adultos a adaptarem-se às novas exigências num mundo em mudança (Pascual-Leone e Irwin, 1998).

Na literatura sobre educação de adultos, o adulto é descrito como um ser com capacidade de se autodirigir e de auto-refl ectir, onde os fatores motivacionais, afetivos e de autodesenvolvimento são ainda mais decisivos do que nas crianças (Pascual-Leone e Irwin, 1998), estando dispostos, também, a trazer a sua experiência de vida

Processos de Aprendizagem no Âmbito da Formação Profi ssional Contínua

Albino LopesISCSP-UL

Luís Picado Instituto Superior de Ciências Educativas

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para o que aprendem e a forma como aprendem. (Brookfi eld, 1991). Nesta perspetiva, Smith e Pourchot (1998) consideram que os adultos são capazes de articular melhor os seus próprios objetivos de aprendizagem e as suas capacidades de motivação estão mais desenvolvidas, para satisfazer as suas aptidões, interesses e conheci-mentos.

A psicologia educacional do adulto reconhece que os desafi os, as vicissitudes da vida, as expectativas, as ambições, os objetivos, as motivações e as experiências são diferentes entre adultos e crianças. Neste sentido, Knowles (1980) reclama que as práticas educacionais com os adultos, para serem pertinentes, terão de refl etir esta diferença. A estas práticas educativas específi cas que devem envolver os adultos, o autor chama de Andragogia, por “contraponto” à Pedagogia, esta mais orientada para as crianças e adolescentes.

Andragogia

O conceito de Andragogia, entendido por Knowles (1980:43) como “a ciência e a arte de ajudar adultos a aprender”, insere-se num conjunto mais vasto onde se situa a noção de Educação de Adulto. Nas palavras de Dominicé (1985), apoiando-se na defi -nição proposta pelo Instituto Canadiano de Educação de Adultos de Montreal – ICEA, a educação de adultos destina-se a favorecer a formação de adultos, suscitando-lhes o desejo de mudança e desenvolvimento, de forma a alterarem o seu papel na socie-dade, de modo a conseguirem atingir os seus objetivos individuais e coletivos. Assim, as atividades propostas pela educação de adultos têm por fi nalidade a formação que o próprio adulto se quer dar. O adulto não é, portanto, objeto da ação educativa, mas sim sujeito de um processo que lhe pertence, sendo responsável pela gestão das ati-vidades educativas que lhe são oferecidas, sendo ele próprio quem irá elucidar sobre as suas necessidades de formação e avaliar aquilo que entretanto consegue apren-der. Neste entendimento, uma educação permanente possibilitará ir de encontro às características pedagógicas ditadas pelas necessidades de um adulto em formação, salientando-se que esta conceção de adulto como “agente” da formação atravessa todo o decurso proposto pela educação permanente, confi gurando uma rutura com os hábitos adquiridos com a educação de crianças.

É precisamente neste enquadramento que se pode criticar as opções formativas assentes numa conceção pedagógica escolarizada e que não têm em conta todas as práticas andragógicas mais consentâneas com um processo de formação onde aquele que aprende é precisamente um adulto, visto por Smith e Pourchot (1998) como o primeiro responsável pelo planeamento, funcionamento e avaliação da sua própria aprendizagem.

A Andragogia surgiu como forma de reclamar uma especifi cidade na formação de adultos em substituição da pedagogia, a qual está mais direcionada para a forma-ção da criança. Trata-se de uma tentativa de desenvolver uma teoria específica

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relacionada com a aprendizagem de pessoas adultas, no pressuposto de que os adultos, portadores de um capital de experiências já constituído, com capacidade de evocar e refl etir (Boutinet, 2001), são autodireccionados e esperam ter responsabili-dade para tomar decisões. Assim, para Knowles (1980), as premissas Andragógicas devem ser as seguintes:

a) Necessidade de conhecer: os aprendizes adultos sabem, mais do que ninguém, da sua necessidade de conhecimento e, para eles, saber colocar em prática tal conhecimento diariamente é elemento determinante para o seu comprometimento com a aprendizagem.b) Autoconceito de aprendiz: o adulto, além de ter consciência de sua necessidade de conhecimento, é capaz de suprir essa carência de forma independente (tem capacidade plena de se autodesenvolver).c) O papel da experiência: a experiência do aprendiz adulto tem importância cen-tral como base de aprendizagem. É a partir dela que ele se dispõe, ou se nega, a participar em algum programa de desenvolvimento. O conhecimento do formador, os livros, os recursos audiovisuais, entre outros, são fontes que, por si só, não garantem a possibilidade de infl uenciar o indivíduo adulto para a aprendizagem. Assim, estas fontes devem assumir um papel opcional colocadas à disposição para livre escolha do formando.d) Prontidão para aprender: O adulto está pronto para aprender o que decide querer aprender. As suas seleções de aprendizagem são naturais e realistas. Em contrapartida, ele nega-se a aprender o que os outros lhe impõem como sua ne-cessidade de aprender.e) Orientação para a aprendizagem: a aprendizagem é, para a pessoa adulta, algo que tem signifi cado para o seu dia-a-dia, e não apenas retenção de conteúdos, para futuras aplicações. Como consequência, o conteúdo não precisa, necessa-riamente, ser organizado por uma lógica programática, mas sim pelas experiên-cias acumuladas pelo formando.f) Motivação: a motivação do adulto para a aprendizagem está na sua própria vontade para o seu crescimento, na sua motivação interna, e não em estímulos externos, vindos de notas escolares, opinião de superiores, promoção hierárquica, entre outros.

Os fatores atrás referidos, articulados com os processos organizacionais da for-mação, constituirão um poderoso contributo para a organização de um dispositivo de formação/aprendizagem onde os universos organização e pessoa/grupo possam encontrar o lugar de confl uência de interesses e de expectativas, que permitam, ver-dadeiramente, realizar os objetivos das práticas de formação, não negligenciando, portanto, o envolvimento ativo dos sujeitos adultos que aprendem, tornando-os cada vez mais protagonistas dos processos da sua própria mudança individual (Lopes e Picado, 2010).

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Deste modo, a formação de adultos, ao aceitar o protagonismo daquele que apren-de, único que quer aprender e mudar as suas capacidades, permite um maior grau de participação deste nas estruturas correntes da organização do trabalho. Com efeito, a formação vai permitir que os benefi ciários encontrem uma perspetiva de projeto através de um espaço de autoformação, refl exão e aprendizagem. Para Sainsaulieu (2001), a certeza que os adultos adquirem é que aprendendo coisas novas pode-se evoluir e reencontrar a possibilidade de criar novos projetos pessoais, profi ssionais e culturais.

Assim, a relação entre o adulto e a sua formação leva-nos, segundo Carré e Caspar (2001: 22), a um “olhar novo sobre o novo personagem central dos atos de formação: por trás do convencional “formado” objeto da relação dos outros, nela se deteta a fi gura do “sujeito social que aprende”, feito de representações, de afetos e de intenções irredutivelmente singulares”.

A competência de aprendizagem autodirigida

Os novos tempos, caracterizados por mudanças rápidas e imprevisíveis, exigem a necessidade de uma formação contínua permanente que se irá prolongar, pelo me-nos, durante toda a vida laboral. É neste contexto, que a aprendizagem autodirigida (ou autoformação) parece converter-se em mais do que mero complemento de outros tipos de formação contínua ou de aperfeiçoamento (Straka, 1997), restando ao indiví-duo “aprender a aprender”, de forma a conseguir restabelecer os seus conhecimentos e saberes que, entretanto, já se encontram ultrapassados ou desatualizados.

Segundo Pineau (1989), entre a ação dos outros (heteroformação) e a do meio ambiente (ecoformação) parece existir, ligada a estas últimas e dependente delas, mas à sua maneira, uma terceira força de formação, a do eu (autoformação).

Para Straka (1997), nomes como Tough (1971) e Knowles (1975) são conside-rados como os grandes percursores na investigação em aprendizagem autodirigida. Segundo Knowles (1975:18), citado por Straka (1997), “a aprendizagem autodirigida descreve os processos nos quais os indivíduos tomam a iniciativa, com ou sem a ajuda de outros, de diagnosticar as suas necessidades de aprendizagem, de identi-fi car os recursos humanos e materiais para aprender, de escolher e implementar as estratégias apropriadas, e avaliar os resultados obtidos na aprendizagem.”

Pineau (1989), por sua vez, encara a autoformação numa perspetiva de autonomi-zação educativa, segundo uma problemática do poder, defi nindo-a formalmente como a apropriação por cada um do seu próprio poder de formação.

A autoformação tem subjacente uma visão construtivista da pessoa, o que signi-fi ca, no entender de Pineau (1989), assumir um duplo papel: o de sujeito, assumindo nas suas mãos o poder da formação, e o de objeto, sendo o desenvolvimento do pró-prio sujeito, o objeto da formação. Esta é uma manifestação de afi rmação individual, ou seja, tomada de consciência de si mesmo enquanto portador de competências,

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nomeadamente de ser capaz de dar sentido à sua vida, pois “os adultos têm uma necessidade profunda de serem autodirigidos” (Knowles, 1986:31).

Moura (2001), por seu turno, apresenta certas características que impelem o in-divíduo a ser autodirigido nas suas aprendizagens: iniciativa, independência, persis-tência, sentido de responsabilidade por aprender, curiosidade, capacidade de ver os problemas como desafi os, desejo de aprender ou de mudar, orientação de objetivos e gosto por aprender.

Também neste sentido, Straka (1997) levou a cabo um estudo que apresenta as condições relevantes para que a aprendizagem autodirigida possa acontecer. Este autor, embora defendendo que o labor de aprender recai sobre a responsabilidade da pessoa que se forma, demonstra, com base na “Teoria Auto-determinativa da Motiva-ção” de Deci e Ryan (1985) e Deci e Flaste (1995), que a autonomia, a competência e a integração social, estão relacionadas, positivamente, com a aprendizagem auto-dirigida dos trabalhadores.

Brookfi eld (1991), apesar de considerar que é no interior do aprendente que se processa a aprendizagem, entende que a interação com os outros é fundamental para que ela aconteça. Desta forma, o processo educativo acaba por ser um “diálogo transacional” onde aqueles que aprendem e aqueles que ensinam se envolvem num processo contínuo de análise de diferentes perspetivas e interpretações da realidade. É a partir desta análise que o aprendente pode refl etir criticamente, ou seja, pôr em causa os seus modelos mentais.

Segundo Carré, Clénet, D´Halluin, Poisson (2001), a especifi cidade da motivação humana é fundamentada com base em duas grandes características: o dinamismo de autodesenvolvimento, ou seja, existe uma tendência inerente ao funcionamento humano em prosseguir objetivos pessoais; e a direccionalidade, o que signifi ca que o ser humano tem capacidade para dar a si mesmo orientações, fi nalidade para desen-cadear, modifi car e regular as suas ações.

Da formação dirigida às qualifi cações para a formação das competências

A noção de qualifi cação pode desempenhar um papel de operador de colocação e de mobilidade no mercado de trabalho, porque é geral e impessoal, ou seja, incide sobre a posse de saberes defi nidos para ocupar um emprego ou uma classe de em-pregos independentemente da especifi cidade local dos postos de trabalho e da forma singular pela qual são ou serão ocupados. Nesse sentido, uma formação qualifi cadora estará orientada para o emprego, ou seja, visará garantir a adequação entre postos a serem preenchidos ou suscetíveis de o serem e indivíduos suscetíveis de os ocupa-rem (Lopes e Picado, 2010).

No entender de Jobert (2001), a realização deste tipo de formação é facilmente identifi cável. Inicialmente, os especialistas defi nem os conteúdos de determinado

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emprego em termos de tarefas, para que, posteriormente, outros especialistas façam o levantamento dos saberes que são necessários para realizar essas tarefas. Para o autor, esses saberes, gerais e especializados, incidem sobre conteúdos escolares e habilidades, constituindo a base do programa de formação. A componente pedagó-gica é da responsabilidade de instituições de formação que, além da sua execução, também certifi cam a sua aquisição. Esta certifi cação dá a empregadores e clientes a garantia, pelo menos teórica, de que os diplomados possuem os conhecimentos necessários para ocupar validamente os postos para os quais se qualifi caram. Vai ser através deste diploma que atesta a qualifi cação do indivíduo, que os assalariados se vão distribuir pelos lugares na empresa e na sociedade.

Assim, poder-se-á dizer que no modelo da qualifi cação teremos uma formação escolarizada (explícita, formalizada, assente na estabilização dos conhecimentos, ba-seada na transmissão do saber e efetuando-se fora do local de trabalho e fora das condições reais de trabalho) que é reconhecida socialmente através do certifi cado, certifi cado esse que está na base da classifi cação dos empregos.

Nesta perspetiva, a formação preenche duas lacunas: prepara os indivíduos para exercerem uma atividade útil na divisão técnica do trabalho (conceção Tayloriana-Fordista), e distribui os recursos, a partir dos quais aqueles tomam lugar na divisão social do trabalho (Jobert, 2001). No entanto, este modelo tem vindo a ser colocado em causa. Segundo o autor, é precisamente a inadequação entre o conteúdo da qua-lifi cação das pessoas e as exigências dos postos concretos que é questionado pelas empresas quando confrontadas com as novas exigências do mercado.

É neste contexto que emerge a noção de competência, pois face ao entendimento da quase absoluta imutabilidade do conhecimento, implícita na noção de qualifi cação, era necessária a mobilização da inteligência no trabalho de forma a poder contar com pessoas competentes, ou seja, pessoas capazes de construir competências perti-nentes para fazer face a situações profi ssionais cada vez mais difíceis e complexas. Para Le Boterf (2001), num mercado com crescentes exigências de qualidade, de reatividade e de inovação, a rigidez dos procedimentos já não é solução. O sucesso das organizações depende, agora, de todos os colaboradores, independentemente do seu grau hierárquico e da sua competência para dar resposta a situações inéditas, competência essa que é específi ca de cada um.

Face ao exposto, torna-se urgente encontrar processos de formação que promo-vam e produzam competências, pois com a emergência da competência, o conceito de formação modifi cou-se. Com o entendimento de que as competências se adquirem na ação, Bellier (2001) questiona o envio dos trabalhadores para os estágios de for-mação ou o envio dos jovens para serem formados nos bancos da escola.

Para Zarifi an (1995:9) “a competência é, ao mesmo tempo, inseparável das si-tuações de produção e irredutível ao saber-fazer adquirido através da experiência (...) a competência pode ser defi nida como o entendimento individual e coletivo das situações de produção, inseridas na complexidade dos problemas suscitados pela sua evolução. Por outro lado, a aquisição de um tal entendimento supõe a estabilização

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dos quadros de ação que garantam uma real acumulação dos conhecimentos e que se assemelham mais a um dispositivo de experimentação do que à experiência, ex-perimentação que é, contudo, construída a partir de produção real”.

Assim, a competência não se transmite, produz-se, no duplo sentido em que é construída por um sujeito para que este possa ultrapassar determinada prova e em que requer a cena social de um reconhecimento e de uma valorização (Jobert, 2001).

Esta associação entre o modus operandi e o cenário social é salientada por Ceitil (2002), para quem as competências em ato - modos de operar que os colaboradores utilizam para resolver os seus problemas profi ssionais - são a manifestação visível de um processo mais complexo que envolve as variáveis organizacionais que intervêm como mecanismos de suporte dessas competências.

Se a competência compreende a capacidade para agir, a ação toma um lugar central nesta perspetiva. O indivíduo precisa de compensar a sua condição imperfeita com uma confrontação permanente com o ambiente que o rodeia, nomeadamente agindo. Neste sentido, o homem tem de aprender a agir, já que a mudança está cons-tantemente presente em toda a sua esfera social e profi ssional, exigindo novos atos para agir em cada caso. Daí a preocupação de qualquer ação de aprendizagem ser orientada para a ação (Lopes e Picado, 2010).

No entanto, como recorda Pastré (2001), não se deve concluir que o único in-dicador da competência deva ser a efi cácia da ação, já que assim reduzíamo-la ao saber-fazer, isto é, ao saber-executar, esquecendo toda a estratégia mobilizada pelo sujeito e que conduziu a essa ação. Falamos assim, no entender de Le Boterf (2001), num saber combinatório que recoloca o sujeito no centro da competência, podendo ser considerado como empresário das suas próprias competências.

Apesar de, até agora, terem sido abordadas apenas as competências individuais, a verdade é que, tal como Zarifi an (1995) sugere, não se pode deixar de falar nas competências coletivas, entendidas como ”a capacidade de dominar um processo que satisfaça um cliente interno ou externo dentro da melhor relação qualidade/custo possível”( Meignant,1999: 287). Estas competências são fundamentais para as or-ganizações, pois, segundo o autor, o cliente só se apercebe do resultado coletivo da organização e não da soma das competências individuais.

Para Le Boterf (2001), face aos novos dispositivos organizacionais, a questão das competências coletivas ou de uma arquitetura de competências terá de ser colocada, uma vez que o desenvolvimento de uma rede de competências é necessário, quer pela instalação de equipas de trabalho com capacidade de autorregulação e portado-res de códigos e com uma cultura valorizadora da cooperação, quer no domínio da qualidade de procedimentos.

Em suma: no sistema formativo que se tem vindo a “descobrir”, o elemento cen-tral é o adulto, que aprende num processo de interação dinâmica com outros e que tenta compatibilizar os vários estilos de aprendizagem. O reconhecimento de que existem diferentes estilos de aprendizagem é importante e, pelo menos, deveria estar na agenda de qualquer grupo de aprendizagem com adultos enquanto assunto de

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discussão e de mútua refl exão. O desenvolvimento das competências diz respeito a toda a vida e tem na experiência, além da formação inicial e contínua, uma das suas fontes, que é incontornável, pois não se domina um campo de atividade nem é pos-sível tornar-se especialista, sem experiência direta nessa atividade específi ca. A for-mação contínua tira proveito da experiência, na medida em que aquele que participa de uma formação pode apoiar-se na sua própria experiência para dar sentido àquilo que lhe é, então, ensinado.

Assim, aprender com a experiência, ou seja, através de contactos consigo com os outros ou com as coisas parece ser um processo diferente de como se aprende na escola. Esse é outro desafi o, nas palavras de Pineau (2001:337), “a escola da expe-riência é uma contra-escola que faz passar o exame antes e dá as lições a seguir”.

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ResumoApresentamos um estudo sobre as ciências na educação de infância, que tem como objetivos conhecer o per-curso profi ssional de educadoras de infância, que ciências promovem e como as promovem nos seus contextos de educação de infância. O quadro teórico usado é Abordagem Experiencial de Laevers (1994), a educação em ciências e o desenvolvimento profi ssional. Trata-se de um estudo de natureza descritiva e interpretativa, em que, com base numa entrevista semiestruturada, se recolhem dados que permitem conhecer o modo como as três educadoras caraterizam as suas práticas pedagógicas no que concerne ao contexto geral das ciências, as dimensões do empenhamento, isto é, sensibilidade, estimulação e autonomia, do seu estilo de intervenção, e, ainda, aos indicadores do envolvimento (concentração, persistência, expressão fácil e postura, energia, com-plexidade, precisão, tempo de reação, linguagem e satisfação) que identifi quem nas suas crianças. Também permite conhecer os seus percursos profi ssionais e o seu desenvolvimento profi ssional. Os resultados mostram que as educadoras não tiveram formação inicial em ciências e apenas uma participou em formação contínua em ciências. As educadoras reconhecem algumas dimensões do empenhamento, sendo a dimensão sensibilidade totalmente identifi cada por duas educadoras. As dimensões estimulação e autonomia revelaram-se mais comple-xas para as educadoras. Apenas os sinais de envolvimento concentração, persistência e satisfação foram iden-tifi cados por todas as educadoras. Os resultados indicam ainda a necessidade de investir no desenvolvimento profi ssional dos educadores em Ciências, o qual pode consolidar-se através da disponibilização de formação em ciências para educadores de infância.

Palavras-chaveEducação de Infância; empenhamento; envolvimento; educação em ciências; desenvolvimento profi ssional.

1. Introdução

Com o objetivo de conhecer a formação científi ca e pedagógica em ciências de educadoras de infância, caraterizou-se o percurso profi ssional e o desenvolvimento profi ssional de três educadoras bem como as suas práticas pedagógicas relativamen-te ao modo como organizam o contexto de ensino e aprendizagem das ciências. As práticas pedagógicas foram analisadas em termos de empenhamento, nas dimen-sões sensibilidade, estimulação e autonomia. Também se pretende compreender se as educadoras de infância nas práticas pedagógicas que desenvolvem identifi cam sinais de envolvimento nas crianças.

As Educadoras de Infância e as Ciências: Percursos de Formação e Práticas Pedagógicas

Celeste RosaInstituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

Margarida AfonsoEscola Superior de Educação de Castelo Branco

[email protected]

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De seguida, apresenta-se o quadro teórico referente a esta temática, posterior-mente a metodologia utilizada e, por fi m, analisam-se e discutem-se os resultados.

A Abordagem Experiencial

A conceptualização Abordagem Experiencial envolve diversas dimensões. Uma das dimensões tem a ver com o empenhamento do educador. Laevers identifi cou três categorias no estilo de interação de um educador com uma criança: sensibilidade, estimulação, e autonomia (Laevers, Bogarerts & Moons, 1997).

A sensibilidade é revelada pelas respostas do educador às crianças, em que ma-nifestam uma compreensão empática das necessidades básicas das crianças (como segurança e afeto).

A estimulação tem a ver com o modo como o adulto concretiza a sua intervenção no processo de intervenção e o conteúdo dessa intervenção.

A autonomia tem a ver com o grau de liberdade que o educador concede à criança para escolher atividades, experimentar, emitir juízos e expressar as suas opiniões.

A fi gura 1 contém os conceitos chave da abordagem experiencial.

Figura 1. Conceitos Chave da Abordagem Experiencial. (Portugal & Laevers, 2010, p.15).

A base da Abordagem Experiencial é a atitude experiencial do educador. Entre a base e a trave mestra envolvimento e bem-estar emocional, erguem-se os três pilares da prática experiencial sensibilidade, estimulação e autonomia.

O pilar sensibilidade fundamenta-se nos princípios da aceitação, empatia e auten-ticidade e enfatiza uma relação mais profunda e autêntica com as crianças.

O pilar estimulação tem a ver com a mobilização constante do educador para en-riquecer o ambiente de aprendizagem da criança, oferecendo materiais e atividades estimulantes e diversifi cados, propiciando oportunidades para exploração ativa do

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contexto e satisfação dos interesses e necessidades desenvolvimentais das crian-ças. O educador funciona como um mediador cultural e o seu papel é crucial neste processo, pois, ao oferecer novas atividades ou materiais, ao intervir para estimular a ação, o pensamento e a comunicação, ao dar informações, pode conduzir ao fascínio e ao entusiasmo na sua sala de atividades (Portugal & Laevers, 2010).

O pilar autonomia engloba regras, limites e acordos que possibilitam desenvolver as atividades na sala e um máximo de liberdade para cada criança, e, consequente-mente, compreender os seus limites.

Para Laevers (1994), no processo de aprendizagem da criança a qualidade da intervenção do educador de infância, portanto do seu empenhamento (sensibilidade, estimulação e autonomia), é determinante. De acordo com Laevers (2002), a inter-venção do educador de infância pode variar bastante, dependendo da natureza das atividades ou das respostas e iniciativas das crianças, sendo possível distinguir es-tilos distintos no modo como o educador intervém em situações variadas. Laevers e Pascal construíram um instrumento – Escala de Empenhamento do Adulto – que permite medir os níveis de empenhamento e, consequentemente, identifi car estilos de empenhamento.

Um outro conceito presente no esquema do tempo é o de envolvimento da crian-ça. Para Laevers (2003), o conceito de envolvimento é uma dimensão da atividade humana e pode ser reconhecido através da concentração e da persistência. Este autor considera que uma pessoa envolvida é conduzida por ímpeto exploratório e considera o envolvimento um estado da mente.

Segundo Laevers (2002) uma pessoa envolvida apresenta as seguintes carate-rísticas: dirige a sua atenção para um círculo limitado, não há distância entre ela e a atividade que realiza; a sua perceção do tempo é deformada, o tempo parece passar rapidamente; está mais aberta ao relevante e os estímulos percetivos e o funciona-mento cognitivo são mais intensos; o sentido das palavras e das ideias são experien-ciados mais intensa e profundamente. A pessoa revela um sentimento de satisfação e um fl uxo corporal de energia positiva.

Laevers (1994) operacionalizou o conceito de envolvimento e construiu um instru-mento – Escala de Envolvimento da Criança – que permite medir os níveis de envolvi-mento de crianças pequenas, através de uma escala de cinco níveis, em que o nível 1 signifi ca ausência de atividade e o nível cinco signifi ca atividade intensa e continuada.

Para que ocorra envolvimento das crianças as atividades não podem ser nem demasiado fáceis, nem demasiado difíceis, pois tais situações levam a que não fun-cionem na plenitude das suas capacidades. Dito de outra forma, as atividades devem situar-se na zona de desenvolvimento proximal (ZDP) (Vygotsky, 1998). É fundamen-tal que o educador seja capaz de identifi car quando as crianças estão a operar na ZDP e intervir para ampliar e apoiar os seus conhecimentos sempre que tal se apre-sente apropriado.

Relativamente ao Conhecimento do Mundo, a Abordagem Experiencial considera que a compreensão do mundo físico e tecnológico pela criança, implica: (1) interesse

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e curiosidade relativamente a diferentes aspetos da realidade; (2) a capacidade de prever os efeitos de certos atos em objetos e na natureza, e uma atitude para respei-tar, cuidar e proteger (Portugal & Laevers, 2010).

As Ciências na Educação de Infância

A educação em ciências tem vindo a assumir cada vez mais relevância na edu-cação de infância, começando a ser incluída de forma mais continuada por alguns educadores (Santos, Gaspar, & Santos, 2014).

Pesquisas realizadas no âmbito das ciências na educação de Infância evidenciam que esta não acontece de modo intencional e sistemático na maioria das salas de jardim de infância (Rosa, 2002; Peixoto, 2005; Pereira, 2012). Alguns educadores consideram que as ciências envolvem aprendizagens desajustadas aos interesses e às capacidades cognitivas das crianças, sendo esta uma das razões da sua não inclusão no currículo. Para French (2004) as crianças, tal como estão biologicamente preparadas e motivadas para a interação social, para começar a caminhar e a falar, estão também preparadas e motivadas para aprender sobre o mundo que as rodeia. As crianças começam a construir conhecimento científi co desde o nascimento, à me-dida que interagem com pessoas e objetos e exploram as potencialidades do seu corpo, observando as consequências da sua ação sobre o meio.

As novas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar (OCEPE), (2016) referem que o desenvolvimento da área do Conhecimento do Mundo pressupõe o contacto com as metodologias próprias das ciências para fomentar nas crianças uma atitude científi ca e experimental. A introdução às metodologias científi cas remete para os processos científi cos e as capacidades investigativas. Sá (2002), citado por Afonso (2008), defi ne processos científi cos como as formas de pensamento e procedimentos práticos postos em ação na tentativa de compreender e conhecer as situações do mundo físico – natural que nos rodeia. De acordo com Afonso (2008) os processos científi cos envolvem capacidades investigativas, os quais se aprendem e desenvol-vem através de situações práticas e concretas. Esta autora refere ainda que expor as crianças às ciências implica levar as crianças a adquirir conhecimentos, a desenvol-ver capacidades investigativas e atitudes investigativas.

Para iniciar as crianças neste processo deve-se partir dos seus interesses e dos seus saberes, que o educador amplia e contextualiza, pautando a sua intervenção científi ca pelo rigor, quer ao nível dos processos desenvolvidos, quer dos conceitos apresentados, quaisquer que sejam os aspetos abordados e o seu nível de aprofun-damento.

Em nosso entender, para promover a aprendizagem científi ca nas crianças, uma estratégia crucial a adotar pelo educador de infância reside na organização de um am-biente educativo desafi ador e cientifi camente estimulante, devendo para isso, integrar uma área das ciências de forma intencional, consistente e coerente.

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Desenvolvimento Profi ssional dos Educadores de Infância

Oliveira-Formosinho (2009) defi ne desenvolvimento profi ssional como um proces-so de melhoria de práticas docentes, centrado no educador de infância, ou num grupo de educadores em interação, incluindo momentos formais e não formais, com a preocupação de promover mudanças educativas em benefício das crianças, das famílias e das comunidades.

A investigação em ciências na educação de infância (Rosa, 2002; Peixoto, 2005) tem apontado para uma menor capacidade dos educadores de infância para abordar ciências, e esta que pode estar relacionada com a sua formação inicial e o seu desen-volvimento profi ssional.

Em nosso entender, falar de desenvolvimento profi ssional de educadores de in-fância, implica clarifi car o conceito de identidades profi ssionais. Day (2004) esclarece que as identidades profi ssionais dos educadores têm a ver com quem são e o que são, com a imagem que têm de si próprios, os signifi cados que atribuem ao seu trabalho e a si próprios e os signifi cados que os outros lhes atribuem e sugere que o eu profi ssional e pessoal, se desenvolve ao longo do tempo e é constituído por cinco dimensões inter-relacionadas: (1) autoimagem; (2) autoestima; (3) motivação no tra-balho; (4) perceção da tarefa; (5) perspetiva futura.

2. Metodologia

Aspectos Gerais

Trata-se de um estudo de natureza descritiva e interpretativa que tem como fi nali-dade ajudar a conhecer “o ponto da situação” em relação ao ensino e à aprendizagem das ciências no jardim de infância. Trata-se de um estudo de caso múltiplo, em que procurámos conhecer detalhadamente (três) educadoras de infância que connosco colaboraram, em termos do seu percurso profi ssional, que ciências promovem e como as promovem.

Para este efeito, optou-se pela entrevista semiestruturada, às educadoras de in-fância. Seguiu-se a construção de um guião orientador, sem contudo incidir numa apli-cação rígida. A entrevista contemplou 30 questões, que visavam os seguintes objeti-vos: (a) conhecer o percurso profi ssional das educadoras de infância; (b) conhecer o modo como as educadoras de infância organizam o contexto de ensino das ciências; (c) compreender se as educadoras identifi cam características de empenhamento do educador nas suas práticas pedagógicas e especifi camente em relação às ciências; (d) compreender se as educadoras identifi cam características de envolvimento nas crianças.

Os dados da entrevista formam objeto de análise de conteúdo, a qual visou a cate-gorizarão e sistematização da informação recolhida com vista a identifi car o percurso

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profi ssional das educadoras e caracterizar as suas práticas pedagógicas do ponto de vista científi co e pedagógico. Para identifi car as características de prática pedagógi-ca das educadoras, no que concerne ao empenhamento recorreu-se aos descritores presentes na escala de empenhamento do adulto. De igual modo, para caracterizar o envolvimento utilizaram-se os respetivos indicadores. Para a análise dos dados recolhidos começou-se pela leitura das entrevistas, seguindo-se a sua transcrição.

Com o objetivo de preservar o anonimato das educadoras e a confi dencialidade dos dados foram atribuídos nomes fi ctícios.

Sujeitos do Estudo

A educadora Rita nasceu e viveu numa zona limítrofe da cidade de Lisboa. Relativamente à sua vocação para docência, afi rma que desde cedo emergiu em si, porém, foram os condicionalismos da Revolução de Abril que a levaram a ser educadora de infância, profi ssão até então desconhecida para si. Tem mais de 30 anos de profi ssão.

A educadora Andreia nasceu no interior de Portugal e estudou numa zona limí-trofe da cidade de Lisboa. Para esta educadora a escolha da docência em Educa-ção de Infância não residiu numa motivação vocacional. Tem cerca de 30 anos de profi ssão.

A educadora Cristina nasceu e viveu em Angola até aos 21 anos. A profi ssão de educadora de infância não foi a sua primeira escolha. Só após ter frequentado um outro curso, optou pela frequência do curso de educadores de infância. Tem mais de 30 anos de profi ssão.

Recolha e Categorização dos Dados

Para a análise dos dados da entrevista começou-se pela sua transcrição, seguida da categorização da informação recolhida, com vista a identifi car o percurso profi s-sional das educadoras e caracterizar as suas práticas pedagógicas do ponto de vista científi co e pedagógico. Para identifi car as características de prática pedagógica das educadoras, no que concerne ao empenhamento recorreu-se aos descritores pre-sentes na escala de empenhamento do adulto. De igual modo, para caracterizar o envolvimento utilizaram-se os respetivos indicadores. Com o objetivo de preservar o anonimato das educadoras e a confi dencialidade dos dados foram atribuídos nomes fi ctícios. As educadoras de infância foram informadas dos objetivos da entrevista e negociada a sua gravação áudio.

As categorias de codifi cação foram guiadas pelas questões da entrevista. De forma a ilustrar como se analisaram as respostas à entrevista, indicam-se

alguns exemplos.

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Relativamente ao Bloco de questões I – Contexto geral do ensino das ciências, a educadora Rita responde à questão sobre a organização do espaço na sala de ativi-dades, especifi camente ao espaço de ciências (Questão 4), responde:

“Não! especifi camente um espaço desses não! (…) Não tenho um espaço para trabalhar isso mais especifi camente. (…) Há uma razão muito simples para não ter uma área das ciências, eu como pessoa nunca gostei das áreas das ciências.”

Relativamente às características de prática pedagógica, a educadora Andreia re-conhece como indicador de empenhamento a adoção de um “tom de voz encoraja-dor”. Com efeito, quando questionada sobre a dimensão sensibilidade (Questão 13 - Nas atividades de ciências demonstra empatia com as necessidades das crianças), responde:

“Não falo num tom de voz autoritário, não falo de imposição.”

3. Apresentação e Discussão dos Resultados

Nos pontos seguintes apresentam-se e analisam-se os percursos profi ssionais e as práticas pedagógicas das educadoras de infância que fi zeram parte do nosso estudo.

A educadora Rita

A profi ssão de educadora de infância tem sido desenvolvida em vários jardins de infância, inicialmente na rede Privada de Solidariedade Social e, posteriormente, na rede pública, primeiramente numa zona rural, seguida de uma zona urbana. Atual-mente, exerce a sua atividade num Agrupamento da Zona da Grande Lisboa e tem desenvolvido a sua atividade profi ssional com grupos de crianças de todas as idades, mas nos últimos anos têm predominado os grupos de crianças com cinco anos de idade.

Relativamente à sua profi ssão, evidencia uma motivação forte no seu trabalho, e uma percepção clara da tarefa que executa. Evidencia uma autoestima positiva asso-ciada à satisfação na profi ssão que exerce, pois, conforme afi rma “não, não mudava de profi ssão, a educação de infância rapidamente se transformou na minha paixão e na minha razão de investir como pessoa com conhecimento.”

No que se refere à sua formação inicial em Educação de Infância, esta radicou num modelo tradicional, cujo plano de estudos não a habilitou para desenvolver ciên-cias com as crianças.

A formação contínua que frequentou nunca esteve relacionada com as ciências.No que respeita ao modo como organiza o contexto de ensino das ciências, a

educadora Rita refere que não costuma contemplar as ciências no Projeto de Grupo (PG) e apenas as aborda quando estes assuntos emergem na sala de atividades e

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seleciona-os atendendo ao que é mais interessante para as crianças. Por iniciativa das crianças tem abordado vários temas de ciências. Tem desenvolvido estes temas com base numa metodologia de trabalho de projeto e tem como objetivos desenvol-ver nas crianças as capacidades para avaliar e planear a sua ação, para pensar e desenvolvam predisposições para aprender. Considera que, o desenvolvimento de atividades de ciências passa por várias etapas designadamente: “Identifi cação das ideias prévias das crianças relativamente ao assunto; planifi cação da experiência com as crianças; realização da experiência; avaliação da atividade com as crianças, clari-fi cando o que as crianças devem saber”.

Relativamente à organização do espaço da sala de atividades não contempla ne-nhuma área das ciências e quando surgem projetos ou atividades relacionados com esta área desenvolve-os no espaço destinado aos restantes trabalhos. As razões para não existir uma área das ciências na sala de atividades prendem-se com a “falta de gosto pelas ciências”.

A sua sala de atividades não tem muitos recursos de ciências e quando existem, estes são introduzidos ao longo do ano letivo, podendo as crianças manipulá-los.

A educadora Andreia

Iniciou a profi ssão na rede privada de Solidariedade Social e, posteriormente, in-gressou na rede pública do Ministério da Educação, tendo fi cado colocada numa zona rural. Tem exercido funções docentes num Agrupamento situado numa Zona limítrofe da cidade de Lisboa, onde durante quatro anos exerceu funções de direção. Atual-mente, desenvolve a sua atividade com grupos mistos quanto à idade.

O seu testemunho evidencia compromisso para com a profi ssão, buscando a sua evolução como docente. Evidencia uma motivação forte no seu trabalho e uma per-cepção clara da tarefa que executa, uma autoestima e autoimagem positivas associa-das à profi ssão que exerce.

Relativamente à sua formação inicial, considera ajustada e sólida a preparação científi ca e pedagógica recebida e ao ingressar na profi ssão “não sentiu difi culdades”. Todavia, considera que não foi preparada dos pontos de vista pedagógico e científi co para desenvolver ciências com crianças pequenas. No âmbito da formação contínua, e de modo a colmatar as suas necessidades de formação, tem participado em ações de formação em várias áreas, apenas uma em ciências, que considera não ter sido sufi ciente para colmatar as suas difi culdades em ciências. Afi rma que as restantes educadoras da Instituição compartilham desta difi culdade em ciências.

Relativamente ao modo como organiza o contexto geral de ensino das ciências a edu-cadora Andreia inclui no PG várias temáticas de ciências e estas emergem na sala de atividades “através de conversas das crianças, de livros, de trabalhos com as famílias.” e “porque as crianças precisam de saber porque é que certos fenómenos acontecem de determinada maneira. As crianças precisam de explorar os fenómenos para conhecer.”

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Supervisão, Liderança e Inclusão 89

Tem promovido várias temáticas de ciências e a escolha dos temas tem a ver com o propósito de “levar as crianças a conhecer as caraterísticas dos diferentes materiais e desenvolver capacidades de experimentação e observação.”

Ao desenvolver ciências com as crianças pretende desenvolver conhecimentos, capacidades investigativas e atitudes investigativas em ciências.

Em seu entender, o desenvolvimento de uma atividade de ciências passa por vá-rias etapas, como, contextualização da atividade a partir de uma situação do dia a dia, levantamento de uma questão, registo das ideias prévias das crianças, levantamento e registo de materiais necessários, realização da experiência, registo e avaliação da experiência.

Relativamente à organização do espaço da sala de atividades não incluiu nenhu-ma área das ciências. Quando teve uma área das ciências na sala, as crianças utili-zavam os recursos /materiais dessa área de forma autónoma.

A educadora Cristina

Iniciou a sua profi ssão na rede privada, num jardim de Infância situado no interior do País e só mais tarde se fi xou na zona de Lisboa. Tem desenvolvido a sua profi ssão com grupos mistos quanto à idade das crianças.

Relativamente à sua profi ssão, evidencia motivação no seu trabalho e uma auto-estima positiva associada à satisfação na profi ssão que exerce, pois, conforme afi rma “não mudaria de profi ssão. Porque gosto do que faço!”. No que concerne à sua au-toimagem considera que o ter passado pela Intervenção Precoce a ajudou a alterar a sua imagem, tornando-a mais calma e serena.

Relativamente à formação inicial, a educadora Cristina apresenta ideias vagas sobre o plano de estudos da sua formação inicial e refere que não a habilitou para explorar ciências com as crianças.

Quanto à formação contínua, refere que tem feito várias formações, mas nenhuma delas em ciências. Salienta que as ações de formação nesta área são raras.

No que respeita ao modo como organiza o contexto geral de ensino das ciên-cias, a educadora Cristina não contempla explicitamente as ciências no seu PG. Os assuntos de ciências surgem na sua sala de atividades a partir dos interesses das crianças. Os temas que mais interessam às crianças são a vida animal e a água. Ao explorar ciências com as crianças pretende desenvolver atitudes, como a curiosidade e conhecimentos nas crianças.

Relativamente à organização do espaço da sala de atividades, não contempla nenhuma área das ciências. A sala de atividades apresenta poucos recursos para promover as ciências, apenas uma balança e uma lupa.

Em relação aos dados do empenhamento e do envolvimento, eles serão apresen-tados de uma forma mais sintética nos quadros 1 e 2.

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Supervisão, Liderança e Inclusão90

Quadro 1. Caraterísticas de prática pedagógica das educadoras de Infância em relação ao Empe-nhamento

No que se refere à sensibilidade os resultados mostram que as educadoras Rita e Andreia identifi cam todos os descritores da sensibilidade. A educadora Cristina ape-nas identifi ca quatro dos sete descritores

Relativamente à estimulação as educadoras Rita e Andreia não identifi cam dois descritores, enquanto a educadora Cristina apenas identifi ca um dos descritores “mo-tiva a criança”. A educadora Cristina parece não reconhecer que uma intervenção pe-dagógica, assente numa oferta educativa rica e estimulante para a criança, potencia a uma aprendizagem profunda. As educadoras Rita e Andreia parecem reconhecer os pressupostos de uma intervenção do educador estimulante e rica de aprendizagem.

Relativamente à autonomia, as educadoras não identifi cam todos os descrito-res. A educadora Cristina apenas identifi ca um dos descritores “ encoraja as crian-ças a dar as suas ideias e assumir responsabilidades”. Os descritores “respeita a opinião da criança sobre a qualidade do trabalho realizado” e “encoraja a criança a resolver confl itos” não são identifi cados por nenhuma das educadoras. Em sín-tese, podemos afi rmar que nenhuma das educadoras reconhece caraterísticas de

Dimensões do Empenhamento Indicadores

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total empenhamento na sua prática pedagógica. Mas, as educadoras Rita e Andreia reconhecem mais qualidades envolventes na sua prática que a educadora Cristina.

O quadro 2 sintetiza as caraterísticas de envolvimento nas crianças identifi cadas pelas educadoras de infância.

Quadro 2. Caraterísticas da prática pedagógica das educadoras em relação ao envolvimento das crianças

Os resultados em relação ao envolvimento da criança mostram que as três edu-cadoras de infância não identifi cam todos os indicadores que permitem caracterizar o envolvimento das crianças. Assim, os indicadores: energia, complexidade, precisão, tempo de reação e linguagem não foram identifi cados por nenhuma das educadoras. Para além destes indicadores, as educadoras Andreia e Cristina não identifi caram os indicadores expressão facial e a postura. Os indicadores identifi cados por todas as educadoras foram concentração, persistência e satisfação.

Apesar das educadoras não identifi carem todos os indicadores de envolvimento das crianças, podemos considerar que as educadoras reconhecem dois indicadores fundamentais do envolvimento, concentração e persistência.

4. Considerações Finais

As três educadoras de infância apresentam percursos profi ssionais distintos.No que respeita à formação inicial, as três educadoras de infância consideram que

esta não as habilitou para desenvolver ciências com as crianças. Os planos de estudos dos cursos que frequentaram não contemplavam áreas curriculares que as preparas-sem para o que desenvolver, nem como desenvolver ciências com crianças pequenas.

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Relativamente à formação contínua, têm frequentado várias ações de formação, mas apenas uma das educadora frequentou uma formação em ciências. Salientam a necessidade de formação em ciências dirigida a educadores de infância.

Relativamente ao contexto geral das ciências, nem todas as educadoras contem-plam de modo intencional no PG a área do Conhecimento do Mundo, emergindo as ciências nos contextos de aprendizagem dos interesses as crianças. A educadora Andreia revela uma melhor intencionalidade científi ca ao explicitar o que pretende desenvolver com as suas crianças, o que se pode dever ao facto de ter frequentado formação contínua em ciências.

Na prática pedagógica as três educadoras identifi caram caraterísticas de empe-nhamento, embora apresentem maiores difi culdades nas dimensões estimulação e autonomia.

Relativamente ao envolvimento, as educadoras não identifi cam todos os seus in-dicadores, mas a concentração, a persistência e a satisfação são identifi cadas por todas as educadoras.

Estes resultados mostram a necessidade de intervenção ao nível da educação pré-escolar no que concerne à formação pedagógica e científi ca dos educadores de infância.

Urge o investimento no desenvolvimento profi ssional dos educadores em Ciên-cias, o qual pode consolidar-se através da disponibilização de formação em ciências direcionada especifi camente para estes profi ssionais.

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ResumoO desenvolvimento profi ssional é um processo de aprendizagem que pressupõe evolução e continuidade, cresci-mento pessoal, social e profi ssional, através do qual o professor constrói conhecimento ao longo da sua carreira. Há muitas evidências de que a investigação dos professores sobre a própria prática é um instrumento pode-roso, porque contribui para aprendizagens mais profundas em relação aos alunos, à escola e a si próprio. Os professores usam o conhecimento que construíram a partir da sua prática para fazer mudanças na sua própria profi ssão, passando, assim, a sentirem-se mais profi ssionais. Neste trabalho procura-se dar a conhecer as vi-vências de uma professora que investigou a sua própria prática. Neste sentido, apresentam-se alguns problemas relacionados com a sua atividade profi ssional e como a investigação da sua própria prática contribuiu para os enfrentar e ultrapassar. Os resultados mostram que a investigação sobre a própria prática permitiu à professora investigadora ir dando um novo sentido às difi culdades dos alunos, levando-a a questionar a sua prática e a repensar o seu ensino. Também mostram que as modifi cações introduzidas na prática, com vista a melhorar as aprendizagens dos alunos, surgiram quando a professora identifi cou as suas difi culdades. Este processo de mudança permitiu à professora investigadora construir conhecimento didático, por conseguinte aprender e desenvolver-se profi ssionalmente.

Palavras-chaveInvestigação na própria prática, professor investigador, desenvolvimento profi ssional, tarefas de investigação nas aulas de Física e Química.

Introdução

Vivemos numa sociedade em que o conhecimento se desenvolve a um ritmo im-pressionante. Esta sociedade requer do cidadão fl exibilidade, criatividade e inovação, e uma predisposição para aprender ao longo da vida (Hargreaves, 2003). O professor tem a função de participar na preparação do cidadão, ou seja, o aluno, criando con-dições educativas no contexto escolar para que este desenvolva as competências que necessita. Deste modo, ao desempenhar um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem, o professor tem de resolver problemas que resultam do exer-cício da sua profi ssão (Ponte, 2012) procurando, em cada momento, outras soluções. Por vezes, as soluções que alcança não permitem superar os obstáculos, tendo ne-cessidade de investigar sobre a sua própria prática (Ponte, 2002). Há muitas evidên-cias de que a investigação dos professores sobre a própria prática é um instrumento

Investigação na Própria Prática como Promotora do Desenvolvimento Profi ssional de uma Professora

de Física e QuímicaTeresa Conceição, Mónica Baptista & Sofi a Freire

Instituto de Educação da Universidade de [email protected]; [email protected];

[email protected]

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poderoso, porque contribui para um aumento das suas aprendizagens em relação aos seus alunos, à sua escola e a si próprios. Os professores usam o conhecimento que construíram a partir da sua prática para fazer mudanças na sua própria profi ssão, passando, assim, a sentirem-se mais profi ssionais (Berger, Boles & Troen, 2005). Contudo, muitas vezes, os professores não estão familiarizados com técnicas básicas da investigação e mostram-se renitentes em serem investigadores. Torna-se urgente reconhecer a importância da investigação, pois só desta forma os professores tomam melhores decisões instrucionais (Zeichner & Nofke, 2001). Ponte (2002) refere que “a investigação sobre a própria prática visa resolver problemas profi ssionais e aumentar o conhecimento relativo sobre estes problemas, tendo por referência principal, não a comunidade académica, mas a comunidade profi ssional” (p. 12).

O professor que investiga a sua própria prática faz uma investigação sistemática e intencional, promovendo o seu crescimento e um aumento da sua produtividade (Yogev &Yogev, 2006).Neste trabalho dá-se a conhecer as vivências de uma pro-fessora que investigou a sua própria prática. Neste sentido, apresentam-se alguns problemas relacionados com a sua atividade profi ssional e como a investigação da sua própria prática contribuiu para os enfrentar e ultrapassar, possibilitando desen-volver-se profi ssionalmente e construir um conhecimento mais profundo sobre a sua prática.

Metodologia

Participou neste trabalho uma professora, Teresa, que desenvolveu uma investi-gação na sua própria prática. Teresa tem 50 anos de idade, é licenciada em Ensino da Física e da Química, variante Química, e mestre em educação área de especialidade Didática das Ciências. Tem oito anos de experiência profi ssional no ensino público. Teresa conduziu uma investigação na própria prática, durante a realização do seu trabalho de mestrado, no qual desenvolveu tarefas de investigação com 21 alunos do 8.º ano de percurso curricular alternativo.

Os dados foram recolhidos recorrendo a vários instrumentos: notas de campo, registos escritos dos alunos e uma entrevista em grupo focado realizada aos alunos. Os dados são apresentados em forma de narrativa, por isso, recorre-se ao “eu” e aos verbos na primeira pessoa do singular.

A narrativa de Teresa: uma professora investigadora

Antes de tomar a decisão de investigar a minha própria prática, sentia-me insa-tisfeita com o modo como as minhas aulas decorriam. Eram aulas em que habitual-mente falava, pedindo aos alunos que interviessem e que colocassem todas as suas questões. Se tivesse que caracterizar estas aulas, diria que eram extremamente

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expositivas e que, de vez em quando, pedia aos alunos que participassem. Também me recordo, como se fosse hoje, de ter dito que a generalidade dos meus alunos achava as aulas aborrecidas. O enorme insucesso dos alunos era também uma das minhas preocupações. Em suma, sabia que tinha que dar uma “vira volta” na minha prática, mas não sabia como.

Já tinha lido e ouvido falar nas aulas centradas no aluno. No entanto, não conhe-cia a sua importância na aprendizagem dos alunos, nem como as colocar em ação. Neste sentido, emergiu um problema da minha prática: “como posso mudar as minhas aulas e promover as aprendizagens dos meus alunos nas aulas de ciências?”. Peran-te este problema, decidi investigar a minha própria prática.

A investigação começou e passei, então, a recolher sistematicamente um con-junto de dados que não sabia, ainda, como os ia tratar. Passei a registar, por escrito, as minhas notas de campo. Elaborei um conjunto de tarefas para os alunos, no âmbito do tema Sustentabilidade dos Recursos Naturais, e orientei-o no sentido de ir ao encontro dos seus interesses: “Hortas”, “Cozinha” e “Tecnologias de Infor-mação”. À medida que os alunos iam realizando as tarefas, eu recolhia-as com a perspetiva de as analisar. Pensei que seria importante, no fi nal da realização das oito tarefas, entrevistar os alunos para conhecer as suas perspetivas sobre a minha proposta e o que tinham aprendido. Tudo era novo, para mim e para os meus 21 alunos do 8.º ano.

Fui investigando a minha prática e aprendi que ensinar ciências é muito mais do que ensinar os conteúdos curriculares e que as abordagens de ensino são a chave para cativar os alunos a aprenderem e a desenvolverem as suas competências. Com efeito, se não os motivar, não aprendem; se não se envolverem no que estão a fa-zer, aprendem pouco e aborrecem-se; se não os deixar investigar para procurarem respostas às suas interrogações, não compreendem a utilidade da ciência, não lhe atribuindo importância, nem desenvolvem a autonomia, nem a capacidade de criticar o que observam, etc. Agora, para que estas situações de aprendizagem aconteçam é necessário uma prática que as torne uma realidade na sala de aula e eu não sabia como tornar isso possível. A investigação da minha prática fez-me conhecer como estou a ensinar os meus alunos e quais são as implicações da minha prática nas suas aprendizagens. As mudanças que introduzi no meu ensino só vieram depois de adquirir este conhecimento.

Antes de iniciar a investigação comentei com outros professores que receava que os alunos não se envolvessem nas tarefas, muito em especial uma das turmas. No total dos alunos envolvidos, contam-se, pelos dedos de uma mão, os que se inte-ressam pelos assuntos escolares. Encarei este aspeto como um desafi o e como um risco que valia a pena correr. Fui pensando na investigação e colocando, dentro do meu problema geral, algumas questões que procurei dar resposta através dos dados que recolhi dos meus alunos. Levei a cabo um plano de investigação bem delineado e rigoroso, com o objetivo de construir conhecimento sobre a minha própria prática. Vou apresentar as questões que levantei e os resultados que obtive.

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Será que os alunos gostam destas aulas?Foi logo no início, durante a realização da primeira tarefa sobre “A água e o seu

tratamento”, que constatei, com admiração e agrado, que os alunos se envolveram na sua exploração, discutindo uns com os outros durante as aulas. Apresento um exemplo:

A Luísa disse na turma que a aldeia onde vive tem uma ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais] que não funciona. Os alunos discutem uns com os outros a qualidade das águas (ribeiras, riachos) dos sítios onde vivem. O Nuno Miguel quis saber, porque existem águas engarrafadas se existe uma ETA [Estação de Tratamento de Água] e per-guntou: Quem trata a água de Monchique que vem em garrafões? (Notas de campo, tarefa 1)

Com efeito, a exploração deste assunto incentivou os alunos a discutirem a qualidade da água da região onde vivem. Apesar de nem todos terem aderido com o mesmo entusiasmo, o resultado foi francamente animador. Posso dizer que todos gostaram de realizar esta tarefa. Este interesse manteve-se ao longo da realização das restantes tarefas (infelizmente nem sempre consegui cativar todos os alunos durante todas as atividades). Escolhi dois exemplos que me parecem conseguir transmitir o envolvimento duradouro dos alunos. Na terceira tarefa os alunos tive-ram oportunidade de aprender a utilidade das roldanas no seu dia a dia. Vou dar a conhecer como é que uma aluna que, habitualmente, mostrava um maior interesse pelos assuntos relacionados com cozinha demonstrou vontade em saber mais acer-ca de outros temas.

(Registo escrito, tarefa 3)

A aluna manifestou vontade em querer aprender como funciona uma nora cujo engenho inclui roldanas. É, portanto, compreensível o meu entusiasmo, sobretudo se tomarmos em consideração os interesses da aluna e que o equipamento que referiu foi ideia sua, reforçando a importância das aprendizagens em contexto (a aluna vive num local onde existe uma nora).

Já quase no fi nal da realização das tarefas a generalidade dos alunos manteve-se envolvida. Apresento um segundo exemplo, a propósito da abordagem do tema controverso das sementes transgénicas, que representa “em ponto pequeno” o que foram as aulas em que se discutiu este assunto.

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Uma discussão muito gira, muito animada e com argumentos acertados. O Sebastião que defendia a posição, Procidadão, argumentou que, “se as sementes transgénicas são assim tão boas porque precisam de contratos de exclusividade?” (…) e também ar-gumentou que “A doença sai cara.” (…). Noto uma evolução ao nível da realização das tarefas e na comunicação oral e cooperação.(Notas de campo, tarefa 6)

Este tema interessou muito os alunos, pois vivem numa zona rural. Sem exceção, todos se envolveram e os argumentos que usaram mostraram que estiveram empe-nhados nas atividades. Inclusive, duas alunas manifestaram ter sido a atividade que mais gostaram. Apresento o seu testemunho:

Professora - Que atividade, no meio destas todas, é que gostaste mais?Cristina - a das sementes, o debate.Carla - … a das sementes. E porquê? Por causa do debate, foi engraçado.(Entrevista aos alunos no fi nal da realização das tarefas)

Com base nos dados que recolhi, dos quais os exemplos apresentados são uma pequeníssima amostra, tive oportunidade de aprender que os alunos se envolvem nas aprendizagens, se os assuntos em estudo se relacionarem com aspetos do seu dia a dia e sobre os quais os alunos têm sempre coisas para contar e vontade de saber mais.

O que já sabem os alunos?Durante a realização da primeira tarefa verifi quei que muitos alunos mostraram

desconhecer que a água para consumo é tratada numa ETA (Estação de Tratamen-to de Água). Na realidade, na região onde vivem, muitos ainda consomem água de furos. Como estava longe de conhecer esta realidade, planeei explorar o tema da água e do seu tratamento com uma tarefa de investigação que requeria que os alu-nos já tivessem uma noção que a água de consumo precisa de ser tratada. Também contava que tivessem uma noção da complexidade de uma ETA, quer ao nível dos tratamentos, quer ao nível das necessárias redes de distribuição. Foi precisamente a investigação da minha prática que me permitiu concluir que devia ter avaliado os conhecimentos prévios dos alunos sobre esta temática e construir uma tarefa que se adequasse aos resultados dessa avaliação. Apresento alguns dos exemplos que me permitiram tirar esta conclusão.

O Sebastião disse: “o Moiral das cabras e dos bodes bebe água das poças, ele dobra um pano várias vezes e depois chupa a água. Já fez uma vez para o meu pai ver e encheu uma garrafa e ela estava limpa.” (Notas de campo, tarefa 1)

Ao certo, não sei o que o aluno quis dizer com água “limpa”. No entanto, o comen-tário advertiu-me que o aluno não devia ter conhecimento da necessidade de se tratar

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a água ao nível bacteriológico. O meu conhecimento desta realidade foi tardio, uma vez que já não ia a tempo de adequar a tarefa aos conhecimentos dos alunos. Apre-sento outros exemplos que me deram a conhecer outras realidades relativamente aos conhecimentos dos alunos sobre este assunto.

(Registo escrito, tarefa 1)

Com a primeira questão, o aluno revelou não saber ou pelo menos não estar se-guro da necessidade de se tratar a água de consumo. Também a utilização do termo “limpa” em vez de “tratada” alertou-me, tardiamente, para o conhecimento do aluno relativamente à necessidade de tratar a água de consumo.

O que eu aprendi ao investigar a minha prática é que, se eu tivesse realizado uma avaliação inicial sobre os conhecimentos dos alunos, teria concebido uma tarefa que contemplasse aspetos que eu julgava serem do seu conhecimento, e também, even-tualmente evitar difi culdades acrescidas durante a sua realização.

O que está por detrás das difi culdades dos alunos?A investigação da minha prática deu-me a conhecer particularidades do meu ensi-

no que desconhecia. E foram precisamente essas particularidades que me fi zeram in-troduzir mudanças no sentido de o melhorar. É minha intenção mostrar que particula-ridades me refi ro e o que contribuiu para que se tornassem visíveis “aos meus olhos”.

Tenho por hábito criar um ambiente na aula que convide os alunos a colocarem sempre as suas dúvidas (pelo menos estou convencida disso) e incentivo-os para que o façam com frequência. Agora, o que a investigação da minha prática me deu a conhecer é que, para criar situações que incentivem os alunos a questionarem-se e serem eles a procurar respostas, é necessário uma outra prática, uma prática que coloque os alunos no centro das suas aprendizagens.Isto é, uma prática que se de-senvolve a partir dos seus interesses, da sua curiosidade e dos seus conhecimentos e que lhes dá autonomia e possibilidade de irem construindo o conhecimento científi co. Foi ao refl etir continuadamente sobre os dados, que fui conhecendo aspetos do meu ensino que desconhecia. Apresento um exemplo:

Fiquei a pensar que não costumo levantar um problema e serem os alunos a procurarem as respostas. Os alunos não sabem o que é uma hipótese. Quando levanto um problema

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oriento os alunos para a resposta, não promovo o levantamento de hipóteses […].(Notas de campo, tarefa 2)

Com efeito, era meu hábito levantar problemas na aula e, quase de imediato, conduzir os alunos a seguirem o meu raciocínio através de associações, de acordo com a minha lógica.Ora, esta prática que me criava a falsa ideia de incentivar os alunos a questionarem-se estava errada. O que se pretende é que sejam os alunos a levantarem as suas questões e procurarem possíveis explicações para a resolução do problema, consoante os seus conhecimentos, curiosidade e intuição e não, como era meu hábito, ser eu a orientá-los. Afi nal, a aula estava centrada em mim, centrada na minha visão do problema e na minha lógica. Como estava a ser difícil encarar este facto, resolvi perguntar aos meus alunos quanto tempo eu costumava dar-lhes para responderem às minhas questões. A resposta foi consensual e imediata: “A profes-sora dá logo a resposta! Ou a professora diz logo tudo!” Pergunto-me agora, se não fossem os registos destas evidências, se não tivesse como intenção querer conhecer a minha prática e se não procedesse à análise refl exiva dos dados teria “visto” esta particularidade da minha prática? Talvez não! Talvez continuasse com a falsa ideia que as minhas aulas incentivavam os alunos ao questionamento e que os incentivava a construírem o seu conhecimento científi co.

Reconhecer este aspeto particular do meu ensino (entre outros aspetos que vie-ram a ser conhecidos) demorou tempo, e foi possível porque a investigação da minha prática prosseguiu até eu ser capaz de introduzir alterações no sentido de a melhorar e que requereu colocar em causa o meu desempenho, e analisar as suas implicações. De facto, a leitura inicial que fi z dos dados não se centrou na minha prática, mas sim no desempenho dos meus alunos. Apresento dois exemplos que ilustram esta situa-ção a propósito das difi culdades dos alunos em interpretar evidências e em elaborar conclusões:

(…)verifi cou-se que as difi culdades dos alunos em tirar conclusões deveram-se, em pri-meiro lugar, ao facto de não terem conseguido (…) explicar o que observam (…)e, em segundo lugar, não terem conseguido estabelecer (…)a relação causa-efeito e a explicar. (…). Estas difi culdades podem, eventualmente, dever-se ao desconhecimento que reve-laram possuir relativamente ao fenómeno em estudo. (Notas de campo da professora)

Neste excerto é evidente que eu atribuí as difi culdades dos alunos a fatores ex-ternos à minha prática. Na refl exão que fi z, uns meses mais tarde, é bem visível que passei a questionar a minha prática e a prever eventuais implicações nas aprendiza-gens dos alunos.

Uma análise mais cuidada veio demonstrar que não refl eti antecipadamente sobre quais são as relações que são necessárias fazer quando se tira uma conclusão, impossibili-tando-me de prever eventuais difi culdades (como se vieram a demonstrar) e de preparar

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estratégias antecipadamente. Ao contrário do que eu desejaria, foram as difi culdades dos meus alunos e o apoio do contexto colaborativo que me levaram a aprofundar este assunto e a confrontar-me com a necessidade de responder às questões: Que relações são ne-cessárias fazer quando se tira uma conclusão? Como é que a conclusão se relaciona com a explicação dos factos e com o problema? Como devo proceder para ajudar os alunos a explicar e a tirar conclusões?As respostas a estas questões permitem-me antever difi culdades quando solicitar aos alunos que expliquem factos e tirem conclusões; possibilita-me apoiá-los durante a ativi-dade de forma consistente e sistemática; e permite-me ainda que antecipadamente possa esclarecer os alunos como devem proceder para realizar este exercício. (Notas de campo)

Com efeito, foi o meu desconhecimento relativamente aos procedimentos que en-volve “explicar um facto” e “tirar uma conclusão” que me impediu de defi nir estratégias para apoiar os alunos, antes e durante as suas aprendizagens. Só quando passei a analisar os dados à luz da minha prática fui capaz de “ver” aspetos particulares de uma prática que eu desconhecia. Também verifi quei que as mudanças que introduzi no meu ensino no sentido de o melhorar, só aconteceram quando comecei a analisar os dados desta forma. De facto, no exemplo apresentado encontram-se medidas con-cretas que pretendo adotar numa prática futura, e que surgiram como resultado de ter questionado minha prática.

A minha profi ssão requer que se formulem com muita frequência considerações sobre um conjunto muito variado de assuntos. Uma grande parte das vezes o assunto centra-se no balanço das atividades escolares dos alunos. Com esse fi m, tenho de analisar e comentar o resultado dos alunos, o seu comportamento, ou o seu envolvi-mento em muitas outras atividades escolares. Agora, quantas vezes elaborei balan-ços baseando-me na análise cuidada dos dados? Numa análise que visa efetivamen-te conhecer o que está por detrás do que se lê para saber ao certo o que se diz? E em que me baseei para fundamentar as minhas argumentações? Normalmente em intuições, e no conhecimento que vou construindo através de conversas e situações vividas do dia a dia, mas sem a necessária fundamentação.

Já li diversas vezes a seguinte citação de Ponte (2002) sobre a investigação da prática:

A investigação sobre a prática deve emergir como um processo genuíno dos atores envol-vidos, em busca do desenvolvimento do seu conhecimento, procurando soluções para os problemas com que se defrontam e afi rmando assim a sua identidade profi ssional. (Ponte, 2002, p. 11)

Quando iniciei a minha investigação não compreendia, como agora sinto que compreendo, o que Ponte (2002) quer dizer por “processo genuíno”, e “em busca do desenvolvimento do (…) conhecimento (do professor) ” e “identidade profi ssional”. De facto, foi preciso vivenciar este processo investigativo para conhecer o alcance dos

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seus signifi cados. Na realidade, trata-se de um processo único, porque visou conhe-cer a minha e particular prática, procurando compreender os seus aspetos caracte-rísticos e muito particulares que emergiram durante a minha atividade profi ssional, alguns dos quais dei a conhecer. Foi um processo que me possibilitou construir um conhecimento sobre a minha prática, e foi esse conhecimento que desencadeou a ne-cessidade de introduzir mudanças no sentido de melhorá-la. Este processo resultou de eu própria me investigar, quando inserida num grupo de trabalho que me apoiou e incentivou a que tomasse uma atitude refl exiva face à leitura dos factos, e quando voluntariamente me predispus a conhecer-me melhor como professora. Esta atitude permite-me fundamentar as minhas opiniões, baseando-me na realidade dos factos que emergem de um contexto que é específi co do meu trabalho de professora: é, portanto, um conhecimento característico de quem é professor e, simultaneamente, o investigador.

Conclusão

A investigação sobre a própria prática permitiu à professora realizar aprendiza-gens relacionadas com tarefas de investigação e com as difi culdades e as apren-dizagens dos seus alunos, e conhecer com maior profundidade a sua prática, con-tribuindo para o seu desenvolvimento profi ssional. A perspetiva dos alunos permitiu que a professora construísse conhecimento didático, o que tornou a sua prática mais fundamentada. Ao realizar uma investigação sobre a prática, a professora aprendeu e desenvolveu-se profi ssionalmente. Este resultado está em consonância com Lou-ghran, Berry e Mulhall (2006), que referem que o grande crescimento sobre o ensinar emerge do resultado da aprendizagem a partir da experiência. Os autores salientam, também, que esse conhecimento só é possível se os professores quebrarem a sua rotina e realizarem tarefas centradas nos seus alunos. A aprendizagem profi ssional inclui, assim, aprender com a experiência através da refl exão constante do professor sobre a sua própria prática. A aprendizagem, com base na experiência, implica, deste modo, a construção de novos signifi cados, olhando para uma situação sob diferentes perspetivas.

E o que é que a professora aprendeu quando investigou a sua própria prática? Aprendeu que a mudança resulta da investigação da prática, leva tempo, requer uma pré-disposição e vontade para que aconteça e que requer colocar em causa a prática, percecionando essa situação como uma experiência que a fortalece profi ssionalmen-te e não o contrário. Aprendeu que a aprendizagem dos alunos é uma consequência do seu ensino e que isso requer a colaboração de um grupo de trabalho que incentiva e apoia o questionamento constante dos resultados dos alunos. Aprendeu a “ver” as particularidades da sua prática, por vezes, contrariando as suas convicções. Apren-deu que a investigação da prática é um exercício de humildade, pois é uma constante procura de aspetos passíveis de serem melhorados. Aprendeu a importância de se

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conhecerem os conhecimentos prévios dos alunos e que investigar possibilita conhe-cer possíveis razões que estão por detrás das difi culdades dos alunos, percecionan-do que essas difi culdades devem servir para operar mudanças. Aprendeu que, ao investigar a própria prática, adquiriu um conhecimento que lhe permite fundamentar as suas posições sobre os assuntos relacionados com a sua atividade profi ssional.

A narrativa da Teresa é um caso de sucesso de uma professora que investiga a sua própria prática. No entanto, alguns estudos centrados nos professores apontam a falta de vontade e de iniciativa, os constrangimentos de tempo e até a falta de com-petências metodológicas dos professores para investigarem a própria prática. Assim, surgem várias questões: O que fazer? Que caminhos seguir? Que situações criar para levar o professor a investigar a sua própria prática? Ora, a colaboração entre profes-sores e a constituição de comunidades de aprendizagem poderão ser uma possível resposta, apoiando e ajudando os professores a correrem riscos, a questionarem a sua prática reconhecendo as potencialidades da investigação. E, ainda, fortalecerem a sua determinação para a colocarem em ação.

Referências bibliográfi casBerger, J., Boles, K. & Troen, V. (2005). Teacher research and school change: paradoxes,

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ResumoEste trabalho apresenta uma proposta de pesquisa desenvolvida na Província de Tequendama, região de Cun-dinamarca, Colombia que analisa o contexto educacional em relação à educação ambiental. Neste ponto, a desarticulação curricular é reconhecida e se propõe aplicar a estratégia metodológica de aula viva que consiste no trabalho de pesquisa de campo com a participação de estudantes, pais, professores, comunidade e autori-dades vizinhas.

Palavras-chaveInvestigação em educação, Educacão ambiental, Trabalho colaborativo, Ecosistemas

Para atingir níveis mais elevados de qualidade no ensino, um dos pilares da edu-cação colombiana é a excelência docente. Dentro deste quadro, a região de Cundi-namarca introduziu o megaprojeto “Formação em Ciência, Tecnologia e Inovação” destinado a professores diretores e professores dos municípios não certifi cados na região de Cundinamarca. Uma das orientações para alcançar este objetivo é promo-ver a formação e práticas de investigação para docentes e administradores escolares.

A estratégia metodológica desenvolvida defi niu-se em três componentes: o es-tabelecimento de comunidades departamentais de transformação e de apropriação social; ampliação da cobertura no programa de formação e, fi nalmente, a implemen-tação de um programa de treinamento e incentivos destinados a professores diretores e professores.

O terceiro componente do megaprojeto foi desenvolvido passo a passo através de um curso de formação realizado em seis fases: organização, contextualização, problema, refl exão-ação, elaboração-desenvolvimento, avaliação-projeção. Como re-sultado da estratégia de projeto foram criadas sete pesquisas. Relatamos neste texto uma delas.

A Investigação Docente como Estrategia para a Melhoria da Qualidade Educativa

René Rincón CalderónLED Sabio Mutis ([email protected])

Esperanza Valero RuedaUniversidad Pedagogica Nacional ([email protected])

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A Investigação como Estratégia Articuladora e Sustentável da Educación Ambiental

DESCRIÇÃO DO PROBLEMA DA INVESTIGAÇÃO:

O município de La Mesa está localizado na Província de Tequendama, departa-mento de Cundinamarca. É caracterizada por diferentes climas e uma grande diver-sidade de fauna e fl ora. No entanto, essa diversidade está ameaçada por processos de desenvolvimento económico urbano e rural. Cada ano, as instituições de ensino no município realizam atividades académicas e alguns projetos de investigação que procuram educar ambientalmente a população, mas, contudo, não há nenhuma arti-culação das estratégias de ensino implementadas para garantir a sustentabilidade e assim gerar um impacto óbvio sobre os ecossistemas e promover a participação de adultos em iniciativas avançadas.

Isso permite abordar a questão de pesquisa: Como promover a investigação como estratégia de ensino para superar a ruptura dos processos de educação ambiental nas instituições de ensino departamental no município de La Mesa - Cundinamarca? É importante que a população desta zona se aproprie da pesquisa-ação como uma ferramenta para compreender seu ambiente e sua capacidade de agir e fazer uso ra-cional dos recursos disponíveis no município e departamento, para que investigando localmente seja posível defender o património natural de Cundinamarca.

Objetivos do projeto Usar a pesquisa educacional como uma estratégia pedagógica articuladora nos

processos de educação ambiental sustentável no município de La Mesa - Cundina-marca para reconhecer, divulgar e preservar o património natural e cultural da região. Objetivos específi cos: - Desenvolver o Museu Casa Mutis: espaço interativo para a educação ambiental ligado ao conceito de aula viva. - Incentivar processos de pesqui-sa na comunidade local para a conservação do património natural e cultural. - Utiliza-ção das TIC como ferramenta para a promoção e preservação do património natural e cultural da região.

METODOLOGIA:

A pesquisa desenvolve a metodologia de ação participativa, (Ramirez, 2004) em quatro etapas que podem ser mencionadas assim: diagnóstico, conceptualização, ação, refl exão. No primeiro, a pesquisa faz uma abordagem de quatro zonas naturais: Quebrada Calucata, Nariz del Escalante, Bosque San Nicolás y cascada Salto de las Monjas. É possível observar a características da fl ora e fauna, os recursos hídricos e a relação dos seres humanos com o meio ambiente. Com uma lista de verifi cação e capturando imagens faz-se uma primeira leitura da realidade.

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Na segunda etapa, a conceptualização é feita desde a perspetiva do Instituto de Estudos da Universidade Nacional do Meio Ambiente-IDEA, onde a educação am-biental deve começar pelo conhecimento do ambiente, da sua riqueza e potencialida-de, da sua diversidade natural e cultural, porque o que não se conhece não se pode apreciar ou defender. E de acordo com Gonzalez (2001, p. 147), “ensina-se para identifi car as causas dos problemas, a construção social de soluções e a realidade ambiental constituída pela natureza e os confl itos sociais.” Assim, é efetuada uma revisão ao diagnóstico para ver as causas e as tendências sobre a realidade obser-vada. Finalmente, considerando as disposições da Carta à Terra, a comunidade é incentivada a propor ações numa mudança de paradigma em relação ao ecossistema em que vivem.

Na terceira etapa, a ação surge a partir de uma referência conceptual que per-mite articular e dar sustentabilidade à educação ambiental. Dessa forma, a pesquisa como estratégia pedagógica de acordo com Mejia (2009) é realizada com o fi m de ligar comunidades para o processo de educação ambiental, desde uma perspetiva de ação-transformação no próprio contexto. Os participantes do projeto fazem parte de um processo de investigação-expedição passando pela visita do lugar como a Quebrada (elemento recreativo); a descoberta do ambiente natural e humano que caracteriza esse lugar; identifi car a problemática ambiental, a refl exão sobre as cau-sas da realidade observada e a ação de transformação ambiental proposta para me-lhorar o lugar, estabelecendo as responsabilidades de cada um dos atores sociais envolvidos no problema. Assim mesmo, promover atitudes e hábitos de respeito pelo meio ambiente, através da proposta dos três R para a sustentabilidade da natureza: Refl etir-Resgatar-Replantar.

No quarto momento, os participantes expõem a sua aprendizagem e refl exões, a partir da experiência obtida, usando audiovisuais, fotografi as, desenhos animados e escritos que refl itam uma postura crítica sobre a realidade do ambiente visitado. Essas aprendizagens são socializadas com toda a comunidade educativa, entidades governamentais, a população de La Mesa, Cundinamarca, assim como turistas na Casa Museu Mutis.

RESULTADOS:

A geração de uma proposta sobre educação ambiental utilizando a pesquisas como estratégia de ensino aplicado no contexto local e desenvolvida em quatro eta-pas: diagnóstico, conceituação, ação e refl exão.

Empoderamento do património natural de Cundinamraques, reforçado com a uti-lização das TIC.

A conceptualização da aula viva como uma possibilidade pedagógica para o cui-dado do ambiente natural e local, seguindo o exemplo do Sabio Mutis com o seu trabalho científi co da Expedição Botânica, onde a natureza é concebida como um es-paço para a construção de conhecimento, do cultivo da ética para a conservação e do

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prazer da natureza e da possibilidade de transcendência e convivência harmoniosa para o benefício dos ecossistemas.

IMPACTO:

Fundamentalmente, a investigação é conduzida a fi m de mudar os paradigmas tradicionalmente utilizados para o exercício da educação ambiental em nosso muni-cípio de La Mesa, os quais usam duas formas: uma que favorece a transmissão de informação sobre o estado de ecossistemas e recursos naturais, utilizando meios au-diovisuais e canais eletrônicos que não se encontram normalmente nas zonas rurais. Outra, realiza atividades na sala de aula, com a ideia de que, se educamos as futuras gerações conseguiremos resolver os problemas que ocorrem em nosso ambiente, sem envolver gerações adultas que têm hábitos enraizados que não são propicios para uma boa vida com o contexto ambiental.

É signifi cativo em nosso município desenvolver um processo de educação am-biental que vai além da sala de aula, onde a comunidade está ligada e participa nas soluções alternativas para os problemas ambientais que a afeta. Este é um tempo para a mudança, a sala de aula está lá fora e está viva.

Isto implica que nas instituições educativas há lugar para uma mudança de pers-petiva da educação ambiental onde o contexto local assume-se como uma aula viva. Neste ponto os processos educacionais vão ligados à pesquisa do contexto. Este esforço de educação ambiental é publicado na Casa Museo de Mutis aproveitando o potencial das Novas Tecnologias-TIC. Mas, sem dúvida, o mais importante desta pesquisa é indicar que Cundinamarca tem uma riqueza natural e biodiversidade que está ameaçada por negligência e ignorância. É hora de dizer: “Qual é a sua respon-sabilidade? Refl etir e agir. “

Bibliografía González, E. (2001). Otra lectura a la historia de la educación ambiental en América Latina

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ResumoNo 2º Ciclo do Ensino Básico, o texto de opinião surge associado ao domínio da Leitura e Escrita no documento curricular que rege o ensino-aprendizagem do português: Programa e Metas Curriculares de Português do Ensi-no Básico (2015). De facto, no âmbito da produção de texto de géneros escolares, o texto de opinião, estipula-se “Escrever textos com a tomada de uma posição e apresentando (…) razões que a justifi quem e uma conclusão coerente (LE5, M17; LE6, M15.1)”. Entendemos que a Leitura e a Escrita são domínios cuja mestria se atinge por via de ensino explícito e sistematizado, assim como de prática frequente e supervisionada. Defendemos, por isso, que, sendo a monitorização dos processos de desenvolvimento da compreensão leitora e da produção escrita crucial para os estudantes, o professor deve não só desenvolver um trabalho de refl exão teoricamente sustentado, como também explorar percursos didáticos que conduzam à apropriação dos conhecimentos e das técnicas/estratégias por parte dos seus alunos. A comunicação a que nos propomos pretende ser um contributo nesse sentido. Assim, em primeiro lugar, evidenciamos a inequívoca articulação entre os domínios da Leitura e da Escrita, ao longo de todo o processo de aprendizagem, reconhecendo que a leitura potencia o desenvol-vimento de competências de escrita, podendo ser articulada com diferentes componentes do processo, nome-adamente, a planifi cação. De seguida, apresentamos uma proposta didática, destinada ao 5.º e ao 6º ano de escolaridade, centrada no domínio da Leitura e Escrita, ancorada no ensino e aprendizagem de géneros textuais, sustentada em mecanismos de facilitação processual, designadamente na etapa de planifi cação, através de uma estratégia desencadeadora de produção escrita: o diário de leitura.

Palavras-chaveLeitura e escrita; géneros escolares; texto de opinião; diário de leitura; escrita processual

Introdução

Independentemente do nível de escolaridade, grande parte dos alunos revela dificuldades de escrita.

A literatura na área é unânime em considerar que a escrita assume na es-cola uma dimensão dupla: a de objeto de conhecimento e a de veículo da sua própria transmissão. A relação estreita entre o bom desempenho na escrita e o sucesso escolar é corroborada por diversos autores que realçam o valor da escrita como poderosa ferramenta de aprendizagem, na medida em que a escrita pode ser implicada em qualquer processo de aquisição, elaboração e expressão do conhecimento. A conquista desta competência por parte dos

Escrever Textos de Opinião – O Diário de Leitura como Estratégia Desencadeadora da Planifi cação

Inês RibeirosInstituto Superior de Ciências Educativas

Centro de Linguística da Universidade Nova de [email protected]

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Supervisão, Liderança e Inclusão110

estudantes é também da responsabilidade do professor, a quem compete pro-mover e dinamizar as atividades de escrita, combinando diferentes elementos que tornam a escrita significativa: quem escreve, para quem escreve, sobre o que escreve, com que objetivos, em que meios permanecerá o texto produzido, entre outros. Ensinar a escrever a partir dos géneros textuais contribui para o desenvolvimento dessa competência.

De entre as diferentes abordagens de ensino e aprendizagem da escrita, verifi ca-se a tendência para destacar as que encaram a escrita como processo, devido ao trabalho pioneiro desenvolvido por diversos investigadores ao longo das últimas déca-das. Assim, no saber-escrever estão implicadas componentes fundamentais, sinteti-zadas em três dimensões da escrita: fenómeno psicológico, que envolve os domínios cognitivo, afetivo e sensório-motor; fenómeno de linguagem, que envolve os domínios textual, pragmático, sintático, lexical, ortográfi co e gráfi co; fenómeno social, que en-volve os domínios interacional e cultural.

Assim sendo, a escola deve preparar os alunos para interagir, intervir, agir social-mente, no âmbito de projetos e atividades que exijam o uso da escrita, confi gurada nos géneros textuais que lhes são inerentes. Escrever textos de opinião ativa esta dimensão social da escrita.

Em suma, assumindo uma perspetiva de desenvolvimento vygotskyana, esta proposta assenta na convicção de que importa criar as condições e os meios para os alunos se apropriarem da linguagem e das formas culturais subjacentes, reconstruindo-as, reconfigurando-as, num percurso autónomo de complexidade crescente.

Na medida em que ler e escrever são modos fundamentais de realizar a apren-dizagem, pois permitem oportunidades de pensar acerca do que se leu ou escreveu, clarifi cam o pensamento, desencadeiam análises críticas, refl exões e ideias a desen-volver, compreende-se a estreita relação entre estes dois domínios de ensino e apren-dizagem da língua materna. Estes domínios surgem regularmente em atividades em que há a mobilização articulada de ambos. Tal interligação é potenciada na proposta didática aqui apresentada. concretizando um dos objetivos apontados no Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico: “Consolidar os domínios da leitura e da escrita do português como principal veículo da construção crítica do co-nhecimento” (2015, p.5).

Neste âmbito, o propósito deste artigo é o de contribuir para melhorar o nível de desempenho dos alunos na construção de textos escritos, através de uma proposta didática, destinada ao 5.º e ao 6º ano de escolaridade, centrada no domínio da Lei-tura e Escrita, ancorada no ensino e aprendizagem de géneros textuais – o texto de opinião – sustentada em mecanismos de facilitação processual, designadamente na etapa de planifi cação, através de uma estratégia desencadeadora de produção es-crita: o diário de leitura. Estas serão as matérias desenvolvidas ao longo das páginas seguintes.

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1. Ensino e aprendizagem da língua materna: produção escrita

A escrita, enquanto competência de uso, constitui um saber de natureza procedi-mental, um saber-fazer ou competência que o aluno desenvolve e deve ser capaz de aplicar na vida escolar e para além dela (Reis, 2009). A expressão escrita, enquanto processo complexo de produção de comunicação, para além de exigir ensino explícito e sistematizado, requer prática frequente e supervisionada.

Na produção escrita são ativadas diferentes competências: a competência gráfi ca, relativa ao desenho das letras, a competência ortográfi ca, que diz respeito ao domí-nio das convenções da escrita e a competência compositiva, que se prende com os modos de organização das expressões linguísticas para formar um texto (Barbeiro & Pereira, 2007). No presente artigo, tendo em conta o público-alvo, privilegia-se a competência compositiva.

1.1. Ensino e aprendizagem da escrita: perspetivas

Os estudos sobre a escrita em contexto de ensino e aprendizagem têm ocupa-do autores, que, sob diversos ângulos de análise, traçaram retrospetivas sobre este assunto. Entre as diferentes abordagens que mediaram a investigação em torno do ensino e aprendizagem da linguagem escrita, e de acordo com Camps (2005), há perspetivas que foram prevalecendo na didática da escrita: o texto; o processo de escrita; o contexto; a atividade. Os diferentes pontos de vista podem encarar-se como complementares, não se excluindo mutuamente, quando se trata de perspetivar o ensino e a aprendizagem da escrita. Carvalho (2011) defende uma perspetiva inte-gradora dos três grandes posicionamentos teóricos que, a seu ver, se têm focado ao longo dos tempos na abordagem da escrita em contexto escolar, na medida em que remetem para dimensões essenciais do ensino e da aprendizagem da escrita: o do texto, enquanto produto em que a escrita se materializa; o do sujeito, enquanto elemento que desenvolve um processo de escrita; o do contexto, em que tem lugar a escrita e a partir do qual adquire sentido.

De entre as diferentes abordagens, verifi ca-se a tendência para destacar as que encaram a escrita como processo, devido ao trabalho pioneiro desenvolvido por diver-sos investigadores ao longo das últimas décadas. Há vários modelos que sustentam o desenvolvimento de competências de escrita, ancoradas no processo: o Modelo de Flower e Hayes (1987) – Modelo de resolução de problemas ou “Modelo Cognitivista”. Trata-se de um processo não-linear e não-sequencial, mas recursivo e interativo. A “Teoria da interacção social (interaccionista)” – Nystrand (1986). É no âmbito da pos-terior conciliação entre o modelo cognitivista e a teoria interacionista que surgem, em meados dos anos noventa, novos trabalhos, independentes, de Flower (1994, 1996) e Hayes (1996).

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Também em Dolz, Gagnon & Toulou (2008), a escrita é encarada em três dimen-sões: forma de comunicação, que faculta diversas modalidades de ação social; forma de expressão pessoal, criativa e individual; e forma de conhecimento, que mobiliza múltiplas componentes cognitivas, sendo, por isso, uma atividade mental (2008).

Num dos documentos orientadores do trabalho pedagógico do professor (Niza & outros, 2011), de entre as novas conceções e signifi cados a considerar, destacam-se as conceções de escrita como um processo cognitivo, a participação do indivíduo numa comunidade de língua e a elaboração de signifi cados no âmbito de uma deter-minada cultura (Niza & outros, 2011).

Em suma, no saber-escrever estão implicadas componentes fundamentais, sin-tetizadas em três dimensões da escrita: fenómeno psicológico, que envolve os do-mínios cognitivo, afetivo e sensório-motor; fenómeno de linguagem, que envolve os domínios textual, pragmático, sintático, lexical, ortográfi co e gráfi co; fenómeno social, que envolve os domínios interacional e cultural.

1.2. Ausência de competências de escrita

Independentemente do nível de escolaridade, é do conhecimento geral que gran-de parte dos alunos revela difi culdades de escrita. As causas para a ausência de competências de escrita podem ser de ordem diversa. Por um lado, residem em fato-res de natureza interna: os alunos não estão motivados para escrever ou não veem utilidade em dominar o processo de escrita. Por outro lado, residem em fatores de natureza externa: os alunos não têm hábitos de escrita, não aprendem a escrever e não praticam/exercitam a escrita. Estas causas estão necessariamente interligadas entre si, infl uenciando-se mutuamente. A literatura na área é unânime em considerar que a escrita assume na escola uma dimensão dupla: a de objeto de conhecimento e a de veículo da sua própria transmissão. A segunda dimensão tem sido privilegiada. Enquanto veículo de conhecimento, a escrita, tradicionalmente, em contexto escolar, por um lado, tem a função de registo e meio de transmissão de conteúdos referentes a outros domínios; por outro lado, está ao serviço da avaliação. Para além disso, na escola, a escrita raramente é alvo de um processo sistematizado de ensino e aprendizagem, porque os professores insistem no resultado da escrita, privilegiando o produto fi nal da tarefa e descurando a prática e a refl exão sobre o processo de escrita em si mesmo e sobre o processo da construção do texto (Pereira, 2003; Amor, 2004; Carvalho, 2011).

1.3. A escrita como fator de sucesso escolar

A relação estreita entre o bom desempenho na escrita e o sucesso escolar é cor-roborada por diversos autores (Pereira, 2000; Sousa, 2001; Cabral, 2003; Carvalho

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& Pimenta, 2005; Carvalho, 2008; Rodrigues & Pereira, 2008). Retomando esta te-mática, Carvalho (2011) reitera o valor da escrita como veículo de conhecimento, que a torna um fator importante de sucesso escolar. Segundo este autor, na escola, o contributo da escrita para o sucesso dos alunos está para além das situações de ava-liação, constituindo, antes, uma poderosa ferramenta de aprendizagem, na medida em que a escrita pode ser implicada em qualquer processo de aquisição, elaboração e expressão do conhecimento.

Algumas das ideias atrás delineadas são sustentadas por documentos orienta-dores do trabalho pedagógico dos professores. De acordo com os pressupostos do Guião de Implementação do Programa de Português do Ensino Básico – Escrita (Niza & outros, 2011), na medida em que a consciência da linguagem se estrutura pelo sistema de escrita, salienta-se a importância de se conceber o ensino da escrita como gerador e construtor de todas as aprendizagens escolares. Defende-se, ainda, que escrever constitui um modo fundamental de realizar a aprendizagem, pois fornece aos alunos oportunidades de pensarem acerca do que aprenderam, clarifi ca o pensamen-to, permite desencadear análises críticas, refl exão e ideias a desenvolver. Reitera-se os resultados de numerosos estudos que têm demonstrado que “o trabalho de escrita, quer informal, quer formal, aumenta a aprendizagem, porque implica que os alunos refl ictam, consolidem, elaborem, formulem hipóteses, interpretem, sintetizem, con-vençam.” (Niza & outros, 2011, p.16).

Em conclusão, escrever, para além de servir como um veículo para pensar melhor, potenciando a literacia crítica (Rodrigues & Pereira (2010)1, proporciona aos alunos a exploração das diversas áreas curriculares e o desenvolvimento da sua literacia cultural (Niza & outros, 2011).

2. Para uma didática da escrita

Apesar das investigações levadas a cabo e da implementação ou instrumentaliza-ção das recomendações daí resultantes, a questão do ensino da escrita não está re-solvida, porque as difi culdades dos alunos persistem. O quadro crítico anteriormente traçado prevalece (Cf. 1.2. Ausência de competências de escrita).

A respeito do cenário denunciado, vários autores têm apresentado estratégias que visam eliminar as fragilidades identifi cadas. Assim, Barbeiro (2003) defende que o professor deverá atuar como facilitador do processo, fornecendo apoios que possam orientar para a descoberta, conduzindo o aluno no caminho a seguir, nas reformu-lações a realizar, fazendo com que o aluno tome consciência das propriedades do texto escrito. Também Pereira (2003) corrobora esta ideia, defendendo que compete ao professor amparar os alunos nas transformações textuais a efetuar, pois só assim

1. Rodrigues & Pereira (2010:6) defi nem “literacia crítica” como a capacidade de ir além do nível da compreensão para chegar ao questionamento e posicionamento sobre um determinado assunto em função do contexto de co-municação.

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poderão, mais tarde, proceder sozinhos a esse trabalho. A autora salienta a necessi-dade de o professor se apoiar em dispositivos de ensino e aprendizagem que levem os alunos a envolver-se e a conquistar autonomia e segurança na tarefa da escrita.

Num dos documentos orientadores do trabalho pedagógico do professor, Barbeiro & Pereira (2007) congregam, de algum modo, estas perspetivas ao defenderem que ensinar a escrita implica desenvolver estratégias orientadas por princípios, que de-pendem, sobretudo, de dois tipos de ação: a ação sobre o processo e a ação sobre o contexto dos escritos. No âmbito das estratégias sobre o processo, proclamam a facilitação processual (nas dimensões de planifi cação, textualização e revisão), a par da escrita colaborativa.

Nesta senda, em Niza & outros (2011) denunciam-se as limitações e insufi ciên-cias para o desenvolvimento da escrita pelos alunos, especifi cando a ausência de comunidades de linguagem que permitam, de facto, o trabalho ofi cinal da escrita. Apontam-se como estratégias efi cazes as que desafi am os alunos para a produção do que pretendem comunicar, no quadro de uma sociedade, a par das que promovem a necessidade de melhoramento dos textos com os pares e com o próprio professor, no papel de alguém mais competente. Reitera-se que “investigações cada vez mais consistentes e sustentadas pelo sucesso das aprendizagens confi rmam que cabe ao professor a criação de ambientes facilitadores da produção escrita e de situações de interacção para a produção cooperada de fala, de escrita e de leitura, em circuitos comunicativos de interacção efectiva no âmbito das aulas e para além delas” (2011, p.10).

Corroborando as ideias dos autores, nesta proposta, utilizamos mecanismos de facilitação processual, na fase de planifi cação (Cf. 2.1. Fases de processo de escrita) e evidenciamos que ensinar a escrever a partir dos géneros textuais contribui para o desenvolvimento da competência escrita dos alunos na medida em que o profes-sor proporciona aos alunos a aprendizagem sobre a situação social dos géneros em causa: para que serve esse género; como funciona; onde se manifesta, como se organiza, quem participa e com que papéis.

2.1. Fases do processo de escrita

O processo de construção de um texto escrito obedece a três etapas: a planifi ca-ção, a textualização e a revisão, tal como já referimos. As etapas delineadas não são lineares, nem sequenciais, mas sim recursivas.

A planifi cação do trabalho a realizar tem lugar em qualquer momento da execução do trabalho e começa antes de se iniciar a produção escrita. Trata-se da etapa de geração de ideias. É nesta fase que propomos o diário de leitura2 como estratégia facilitadora e desencadeadora da planifi cação.

2. Quadro 1.

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O diário de leitura serve de apoio à geração de ideias, funcionando como mecanis-mo de facilitação processual, na etapa da planifi cação do texto a produzir: trata-se da primeira fase da construção do texto. Ou seja, a redação do diário de leitura (Macha-do, 2004), segundo os procedimentos indicados (Cf. Quadro 1), fornece as primeiras informações para a elaboração de um texto de opinião. O posicionamento crítico e refl exivo, que sustenta a opinião do escritor face ao lido, está na base da produção dos textos de opinião, uma vez que os leitores/alunos aprendem a ler o “mundo” e a posicionar-se criticamente face a ele.

Quadro 1. Orientações para a elaboração de um diário de leitura

Uma vez que, durante a planifi cação, emergem várias questões para as quais temos de apresentar soluções, nesta, como nas outras etapas, somos desafi ados a solucionar problemas de conteúdo do texto, mas também problemas pragmáticos e textuais. A organização das ideias é o subprocesso que se encarrega de estruturar a informação e determina a ordem em que esta aparece, estabelecendo, assim, o sen-tido e a coerência do texto. Este subprocesso requer revisões sucessivas.

Na textualização realiza-se um conjunto de operações através das quais as ideias anotadas inicialmente assumem uma forma linguística. É o subprocesso que encerra maior complexidade, uma vez que nele intervêm uma série de habilidades e saberes para resolver os numerosos problemas que surgem no ato de escrever: ortografi a, pontuação, eleição das formas lexicais adequadas e dos conectores pertinentes, pro-cedimentos sintáticos, organização do conteúdo, entre outros. Emergem, também, problemas de natureza pragmática, atrás mencionados: intenção, destinatário, es-trutura textual, entre outros. Tudo isto conduz a sucessivas revisões e, como tal, à operação anterior, a planifi cação.

A revisão é um subprocesso recursivo e crucial na composição. Consiste na ava-liação dos resultados que se vão produzindo através das leituras necessárias do texto

Orientações para a elaboração de um diário de leitura (adaptado de Machado, 2004):

Observe o título e registe no seu diário: as suas impressões; se tem vontade de ler; que tipo de texto espera encontrar; sobre o que pensa que o tema trata.

1) Antes de iniciar a leitura, observe todas as informações.

2) À medida que lê, a) registe (sempre com frases completas):

as relações que pode estabelecer entre os conteúdos do texto e qualquer outro tipo de conhecimento que já tenha - livros ou textos que leu, aulas, música, filmes, páginas de internet, a sua experiência de vida; os contributos que considera que o texto traz para a sua aprendizagem...

b) discuta as ideias do autor: concordando ou discordando, colocando dúvidas; pedindo exemplos;

c) registe as dificuldades de leitura que encontrar e anote os excertos que não compreender e aqueles de que mais gostar;

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em função dos objetivos propostos. Isto implica detetar, identifi car e resolver os problemas que surjam.

2.2. Leitura e escrita – modos de articulação

“La lecture n’est point, face à l’écriture, un acte de symétrie. Elle lui appartient, au contraire, comme une étape de son procès” (Roland Barthes, 1984, p. 7)

Vários autores se têm debruçado acerca das possíveis relações entre leitura e escrita (Hayes, 1995; Halté, 1996; Reuter, 1998; Pereira, 2000; Carvalho, 2011; entre outros). Da literatura ressalta a inequívoca interligação entre ambas. Por um lado, é inegável o contributo da leitura para o desenvolvimento da escrita, por outro lado, a escrita é um poderoso contributo para a aprendizagem da compreensão lei-tora. Assim, Hayes (1995), no seu novo modelo do processo de escrita, evidencia a importância da leitura no processo de escrita, identifi cando três níveis de interferên-cia: primeiro, o saber ler para compreender fornece ao leitor matéria para escrever; depois, o saber ler para compreender permite ao leitor interpretar corretamente as instruções de escrita; por último, a leitura avaliativa é fundamental para a etapa da revisão textual. Por seu lado, para Reuter (1998), qualquer exercício de escrita consciente e com fi nalidade comunicacional pressupõe a leitura como componen-te do processo. Carvalho (2011) elenca alguns dos benefícios da leitura na sua articulação com a produção textual. Entre outros, destacamos o facto de a leitura poder ser implicada em diferentes fases do processo da escrita, por exemplo, a planifi cação, pelo recurso a textos que constituam fontes de informação a integrar no texto a produzir, ou a revisão, pelo posicionamento crítico que exige do leitor face ao texto produzido.

Assim, na medida em que ler e escrever são modos fundamentais de realizar a aprendizagem, pois permitem oportunidades de pensar acerca do que se leu ou es-creveu, clarifi cam o pensamento, desencadeiam análises críticas, refl exões e ideias a desenvolver, compreende-se a estreita relação entre estes dois domínios de ensino e aprendizagem da língua materna. Estes domínios surgem regularmente em ativida-des em que há a mobilização articulada de ambos. Entre outros, reconhece-se que a leitura potencia o desenvolvimento de competências de escrita, não só porque favo-rece o conhecimento das características dos diferentes géneros textuais, a nível micro e macrotextual, mas também porque pode ser articulada com diferentes componentes do processo de escrita, seja a planifi cação, seja a revisão.

Na proposta que apresentamos, o processo de construção do texto inicia-se com uma atividade de leitura, em que esta é sustentáculo para a escrita, na etapa da pla-nifi cação, uma vez que o motor que desencadeia a planifi cação do texto de opinião a escrever é um diário de leitura. Além disso, é a partir da leitura que se avança para

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a escrita reformulada, reorganizada, em novas versões, quer nesta etapa, quer nas etapas sucessivas do processo, e recursivamente.

2.3. Os géneros textuais – didatização

Vários autores, com diferentes perspetivas, se têm dedicado à investigação das questões relacionadas com a identifi cação dos géneros textuais e de outras cor-relacionadas (Bakhtine, 1984; Maingueneau, 1998; Adam, 2001; Miranda, 2007; Coutinho, 2007; Coutinho & Miranda, 2009), seguindo critérios nem sempre con-vergentes.

Por seu lado, Coutinho (2013) enumera os diferentes trabalhos sobre o ensino de géneros textuais e sobre o ensino de géneros que implicam a modalidade escrita, de-senvolvidos no âmbito do ISD ou por investigadores que partilham os mesmos pres-supostos epistemológicos: Dolz & Scheneuwly, 1994, 2004; Pereira & Graça, 2007; Machado & colaboradoras, 2009; Dolz, Gagnon & Decândio, 2010, entre outros. No mesmo enquadramento, Coutinho & outros (2013) evidenciam a relação entre a escri-ta e o ensino de diferentes géneros textuais.

A par destes autores, já de acordo com Souza (2003), os géneros devem consistir num objeto de aprendizagem para os alunos, os quais, por intermédio dos mesmos, aprendem a prática de linguagem. Segundo a mesma autora, esta perspetiva teórica que encara os géneros como instrumento para a aprendizagem e para o ensino de práticas de linguagem “abre caminhos” para as práticas de leitura e de produção de textos em contexto escolar, uma vez que permitem o desenvolvimento cognitivo dos alunos, proporcionando-lhes condições de aprendizagem, quanto à natureza compo-sicional, estilística e temática do género.

Além disso, outros autores (Motta-Roth, 2006; Dolz, Noverraz & Schneuwly, 2004) defendem que, durante o percurso didático, o professor tem a oportunidade de orien-tar o diálogo no sentido de permitir aos alunos a aprendizagem sobre a situação social do género. Este procedimento será relevante quando se pretende trabalhar com géneros textuais, por permitir a identifi cação do género textual em estudo e a familiarização com as propriedades respetivas.

Na presente proposta, os géneros textuais a trabalhar com os alunos foram se-lecionados em função do preconizado nos documentos prescritores para o 2º Ciclo do Ensino Básico, em que o texto de opinião surge associado ao domínio da Leitura e Escrita no documento curricular que rege o ensino-aprendizagem do português: Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico (2015)3. De facto, no âmbito da produção de texto de géneros escolares, o texto de opinião, estipula-se “Escrever textos com a tomada de uma posição e apresentando (…) razões que a justifi quem e uma conclusão coerente (LE5, M17.1; LE6, M15.1)”.

3. Quadro 2.

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Quadro 2. Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico (2015)

O principal objetivo ao trabalhar com este género textual é o de que os alunos aprendam a posicionar-se criticamente, face a questões com que se debatem no quo-tidiano, progredindo para uma forma cada vez mais elaborada e fundamentada.

Os textos de opinião, para além de terem um amplo uso nas interações diárias, em diferentes contextos sociais, também propiciam o desenvolvimento do pensa-mento crítico dos alunos. Na prática social, em todos os contextos, somos constan-temente incitados a tomar decisões, julgar e infl uenciar o outro, avaliar, justifi car, expor um ponto de vista, contrapor ou corroborar uma opinião, entre outros (Souza, 2003). Ensinar a escrever textos de opinião é ensinar a agir social e culturalmente, face à multiplicidade de situações pessoais, académicas e profi ssionais com que o cidadão se defronta no quotidiano, e em que lhe é exigida uma atitude crítica e refl exiva.

2.3.1. O texto de opinião

A etiqueta “texto de opinião” é vaga, porque remete para diferentes géneros textu-ais, que nem sempre partilham as mesmas características/propriedades. No contexto do estudo, assume-se como “texto de opinião” o texto que permita ao aluno uma atitude ativa e crítica sobre o mundo que o rodeia. Tal atitude implica compreender, concordar, discordar, questionar. Esta perspetiva enquadra-se na proposta de agru-pamento de géneros de Dolz & Schneuwly (2004), os quais apontam os textos de opinião como exemplos de géneros orais e escritos, da ordem do argumentar, na Discussão de problemas sociais controversos, cujas capacidades de linguagem domi-nantes são: sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição.

LE5 LE5

Produção de texto - Géneros escolares: textos de características expositivas e textos de opinião.

17. Escrever textos de opinião. 1. Escrever textos com a tomada de uma posição e apresentando, pelo menos, duas razões que a justifiquem e uma conclusão coerente.

LE6 LE6 Produção de texto - Géneros escolares: texto de características expositivas, texto de opinião.

15. Escrever textos de opinião. 1. Escrever textos com a tomada de uma posição, a apresentação de, pelo menos, três razões que a justifiquem, com uma explicação dessas razões, e uma conclusão coerente.

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Supervisão, Liderança e Inclusão 119

Na medida em que a produção de um texto de opinião envolve ações - como ma-nifestar compreensão ou incompreensão sobre outras opiniões, lidas ou ouvidas; sin-tetizar ou parafrasear; concordar com ou discordar de determinada ideia; acrescentar argumentos favoráveis ou contrários à posição dos outros; emitir avaliação positiva ou negativa sobre o que os outros propõem; expressar reações e emoções; relacionar o que os outros defendem com a experiência pessoal - assumimos que produzir textos de opinião é interagir com o mundo em diferentes situações de comunicação.

Considerações fi nais

“a aprendizagem da escrita ao longo de todo o percurso escolar tem um lugar cativo no combate à iliteracia” (Pereira, 2001, p.48).

A escola, contexto onde o ensino e a aprendizagem da escrita deve ter lugar, especifi camente na aula de língua materna, nem sempre cumpre o seu papel, uma vez que, para além de fatores relacionados com as (des)motivações intrínsecas dos alunos, os professores nem sempre promovem situações de ensino explícito da es-crita. Por tal razão, os alunos manifestam difi culdades e fragilidades neste domínio, não só durante o percurso escolar, mas também aquando da integração na vida ativa.

Defendemos que a expressão escrita, enquanto processo complexo de produção de comunicação, para além de exigir ensino explícito e sistematizado, requer prática frequente e supervisionada, pelo que durante o percurso didático, o professor deve apoiar-se em dispositivos de ensino e aprendizagem que levem os alunos a envolver-se e a conquistar autonomia e segurança na tarefa da escrita.

Reiteramos que escrever constitui um modo fundamental de realizar a aprendiza-gem, pois fornece aos alunos oportunidades de pensarem acerca do que aprende-ram, clarifi ca o pensamento, permite desencadear análises críticas, refl exão e ideias a desenvolver, potenciadas pela leitura. Estes domínios surgem regularmente em atividades em que há a mobilização articulada de ambos.

Ensinar a escrever textos de opinião é ensinar a agir social e culturalmente, face à multiplicidade de situações pessoais, académicas e profi ssionais com que o cidadão se defronta no quotidiano, e em que lhe é exigida uma atitude crítica e refl exiva, uma vez que na prática social, em todos os contextos, somos constantemente incitados a tomar decisões, julgar e infl uenciar o outro, avaliar, justifi car, expor um ponto de vista, contrapor ou corroborar uma opinião, entre outros.

Sendo a escrita um recurso para agir socialmente, compete à escola proporcionar ao aluno um contexto que lhe permita articular conhecimentos e competências por meio de usos de linguagem em situações específi cas, preparando-o para participar adequadamente em atividades sociais diversifi cadas. Aleixo reitera este posiciona-mento: “Num ambiente de confi ança e entre-ajuda, a escrita pode contribuir para

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Supervisão, Liderança e Inclusão 123

ResumoOs novos contextos e modelos educativos no ensino superior, propiciados pela integração das tecnologias de informação e comunicação, suscitam o interesse e o estudo das implicações das emoções na aprendizagem e na formação online dos estudantes. O presente estudo exploratório teve como objetivo identifi car e avaliar as emoções (positivas e negativas) que os estudantes do curso superior de Licenciatura em Educação Básica, de uma Escola Privada de Ensino Superior da região de Lisboa, experienciam face ao modelo de formação na modalidade de b-learning, suportado por uma plataforma LMS, a Blackboard. Neste sentido, e para a recolha de dados, foi aplicado aos estudantes um inquérito por questionário. Os resultados obtidos, ainda que preliminares, revelam tendencialmente a vivência de emoções mais positivas do que negativas. Revelam igualmente que as emoções (positivas e negativas) implicadas no processo de aprendizagem divergem em função de diferentes fatores (situações de aprendizagem, natureza das atividades/recursos online, apoio do docente). Ainda, sugerem a necessidade de se refl etir sobre as razões, os fatores e as práticas de formação, associadas a este modelo, que contribuem para que os estudantes experienciem também emoções negativas, reforçando a necessidade de, futuramente, se realizarem estudos mais aprofundados, sobre as implicações pessoais, sociais e de ensino deste modelo de formação. Pretende-se contribuir com este estudo para um maior conhecimento das emoções dos estudantes nos cursos em regime de b-learning.

Palavras-chaveEmoções; ensino superior; b-learning.

Introdução

Os estudos que têm sido desenvolvidos no âmbito das emoções revelam que existe uma relação estreita entre as emoções e a aprendizagem. As emoções podem funcionar como importantes catalisadores da aprendizagem ou como obstáculos à mesma. Os novos contextos e modelos educativos no ensino superior, propiciados pela integração das tecnologias de informação e comunicação (TIC), suscitam o in-teresse e o estudo das implicações das emoções na aprendizagem e na formação online dos estudantes.

O Instituto Superior de Ciências Educativas (ISCE) insere-se nesses novos con-textos educativos, tendo adotado um modelo de formação em regime de b-learning no ano letivo de 2009/10.

As Emoções dos Estudantes do Ensino Superior Face à Modalidade de Formação em b-learning:

Um Estudo ExploratórioAna Isabel Runa

Instituto Superior de Ciências [email protected]

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Supervisão, Liderança e Inclusão124

O presente estudo exploratório tem como objetivo identifi car e avaliar as emo-ções (positivas e negativas) que os estudantes do curso superior de Licenciatura em Educação Básica (N= 43) experienciam face ao modelo de formação do ISCE. Para efeitos de recolha de dados aplicou-se um inquérito por questionário. Os resultados obtidos revelam que, no geral, os estudantes experienciam um bem-estar emocional, isto é, experienciam mais emoções positivas do que emoções negativas. Contudo, estas últimas sugerem a necessidade de se repensarem certas práticas formativas associadas ao modelo, dado poderem contribuir para um sentimento de mal-estar nos estudantes.

Com este estudo pretende-se partilhar e promover a refl exão, fundamentada em dados empíricos e teóricos, sobre as práticas associadas ao modelo de formação do ISCE em regime de b-learning. Pretende, ainda, contribuir para um maior conheci-mento das emoções dos estudantes do ensino superior em modelos de formação a distância e online.

Enquadramento teórico

Emoção e educação

Etimologicamente, o termo “emoção” deriva da palavra latina e + movere que signifi ca “pôr em movimento”, “mover para fora” ou “sair de si”. Neste sentido pode-se afi rmar que as emoções impulsionam o nosso agir. As emoções associadas a uma ampla variedade de sentimentos, pensamentos e comportamentos desempe-nham um papel central em muitas atividades humanas. São os sentimentos que conjuntamente com as emoções que os originam que “servem de guias internos e ajudam-nos a comunicar aos outros sinais que também os podem guiar (…). (Da-másio, 1995, p. 17).

As emoções têm sido objeto de refl exão e de estudo desde a antiguidade até aos dias de hoje nas mais variadas perspetivas: evolucionista, cognitivista e sociocultu-ral, dada a sua importância nas nossas vidas. Contudo, segundo Pekrun (2005), a investigação numa perspetiva educativa sobre o papel das emoções no processo de aprendizagem não recebeu atenção sufi ciente durante o século XX. Na origem desta situação estão as teses racionalistas, herdadas da fi losofi a platónica e cartesiana, que colocam claramente a ênfase na razão em detrimento da emoção. Os poucos estudos que se desenvolveram neste domínio, no século XX, incidiram essencialmen-te na ansiedade relacionada com a avaliação e o rendimento (exames, testes), e na relação entre a emoção e a motivação que, por sua vez, se relaciona com o êxito ou o fracasso escolar (orgulho, culpa) (Pekrun, 2005). Goleman (2002) aborda o conceito de inteligência emocional, considerando que a inteligência académica tem pouco a ver com a vida emocional. Segundo o autor, as escolas ignoram a inteligência emocio-nal, fi xando-se nas capacidades académicas, mas aqueles que possuem as aptidões

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emocionais bem desenvolvidas são os que se revelam mais satisfeitos e efi cazes quanto às tarefas que têm de realizar na escola ou no trabalho.

De facto, e segundo Dirkx, 2001; Rompelman, 2002; Caine & Caine, 2006; Schutz & Pekrun, 2007, citados por Rager, 2009, a emoção tem um papel extremamente importante no processo de ensino e aprendizagem. A emoção e a cognição são pro-cessos fortemente interrelacionados, signifi cando isto que todo o pensamento é im-buído de emoção e vice-versa Numa situação de aprendizagem, o direcionamento da atenção, os conteúdos armazenados e o modo como eles serão compreendidos e recuperados, sofrerão a infl uência de uma componente emocional, mesmo que tal não ocorra de uma forma consciente para o estudante (Phelps, 2006). Na perspetiva de Damásio (1995), e no que respeita aos adultos, a avaliação que estes fazem da sua experiência de aprendizagem é fortemente infl uenciada por todo um repertório do conhecimento emocional acumulado, o que permite associar uma gama de experiên-cias a emoções e sentimentos vivenciados anteriormente, assim como utilizar esse conhecimento na avaliação afetiva das situações.

e-learning e b-learning

A adequação das instituições de ensino superior ao processo de Bolonha requer a elaboração de recursos para a aprendizagem, com especial ênfase na aplicação e aproveitamento das tecnologias de informação e comunicação (TIC). O Instituto Superior de Ciências Educativas (ISCE) é prova disso, tendo vindo a dar resposta à crescente afl uência ao ensino superior, por parte dos adultos, através da oferta de um leque variado de cursos e da integração das TIC nas suas metodologias e estratégias de ensino. Assim sendo, no ano letivo de 2009/10, o ISCE implemen-tou um modelo de formação em b-learning e criou um gabinete de apoio técnico e pedagógico1.

Com o objetivo de apoiar os processos de ensino e aprendizagem foram desen-volvidos sistemas de gestão da aprendizagem: as plataformas Learning Management System (LMS), permitindo uma rápida publicação, distribuição e atualização de con-teúdos, através da diversidade de ferramentas e serviços de comunicação e colabo-ração entre todos os intervenientes (Gomes, 2005).

Muitas instituições de ensino superior têm vindo a apostar numa instrução supor-tada na Web, desenvolvendo cursos que combinam a formação totalmente online (e-learning) com a formação face a face, presencial. Este modelo de formação tem a designação de Blended Learning (ou b-Learning). Blended signifi ca híbrido, misto, pelo facto de combinar as duas componentes de formação, a tradicional formação presencial e a online (Peres & Pimenta, 2011).

1. Para além do apoio que presta ao modelo em b-learning, este gabinete (GBL) tem como objetivo avaliar o (in)sucesso do processo de formação neste regime. A autora deste estudo faz parte deste gabinete na qualidade de coordenadora pedagógica.

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Segundo Bonk e Graham (2006), os cursos que substituem parte do ensino presencial (face a face) por componentes assíncronas da Web incrementam a flexibilidade ao mesmo tempo que mantêm os dois tipos de interação, a face a face e a online. Os autores veem nestes cursos um potencial que oferece “the best of both the physical and virtual instructional worls” (p. 196). Contudo, estas duas componen-tes não devem ser encaradas como algo estanque e separado, mas sim articuladas e integradas, como um todo, no modelo de formação. Bonk e Graham (2006) realçam uma das vantagens do b-learning que consiste no facto de diferentes estilos e méto-dos de aprendizagem poderem ser adaptados, indo ao encontro das necessidades e interesses dos estudantes, não só em termos familiares e profi ssionais (muitos estu-dantes trabalham e têm responsabilidades parentais), providenciando a fl exibilidade de que necessitam, mas também em termos pessoais, de personalidade.

Os cursos na modalidade de formação em e-learning e/ou b-learning funcionam num formato que requer uma certa autonomia na gestão da aprendizagem. Mas, ao mesmo tempo, incorporam metodologias, atividades e recursos apoiados em relações de colaboração entre os estudantes e os professores, orientados para promover essa mesma autonomia. De facto, quanto mais desenvolvida estiver esta competência (ca-pacidade de autoestudo e autoaprendizagem) nos estudantes/adultos universitários, maiores facilidades vão ter na aprendizagem a distância (online). A questão que se pode colocar é se, pelo facto de serem estudantes/adultos e universitários, esta com-petência está à partida assegurada?

Segundo Coll, Mauri e Onrubia (2006) há sempre difi culdades na integração de ferramentas e espaços virtuais de ensino e aprendizagem numa cultura institucional, principalmente quando existe uma forte e longa tradição de ensino presencial, sendo necessário ajudar e ensinar aos estudantes, habilidades específi cas para o trabalho e a aprendizagem em ambientes virtuais. O apoio dos docentes, na perspetiva de Monteiro, Moreira, Almeida e Lencastre (2012), passa por promover o acesso aos conteúdos de aprendizagem, gerar motivação, acompanhar as tarefas de aprendiza-gem, facilitar a interação social, participar na troca de informações, entre outras. Em suma, o docente deve ter um papel mediador no processo de construção de conhe-cimentos. O apoio dos docentes é fundamental para que se promova e desenvolva nos estudantes a responsabilidade, a capacidade de autorregulação e a autonomia no processo de aprendizagem.

Estudos sobre as emoções dos estudantes/adultos na aprendizagem online

Os novos contextos educativos, no ensino superior, suscitam o interesse e o es-tudo da expressão, e a implicação, das emoções na aprendizagem e na formação online dos estudantes/adultos. De facto, a situação de aprendizagem cria um contexto propício a uma variedade de experiências emocionais que têm o potencial de infl uenciar

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o processo de aprendizagem (Nummenmaa, 2007). Os sentimentos positivos ou ne-gativos, de um modo geral, estão associados às diferentes situações e experiências de aprendizagem como, por exemplo, as que se experimentam numa situação nova como é a formação e a aprendizagem num ambiente virtual e online. Emotions are important in adult learning because they can either impede or motivate learning (Dirkx, 2001; Yorks & Kasl, 2002, citados por Zembylas, 2008). Segundo Pekrun (2005), o conhecimento de que dispomos sobre a ocorrência, a frequência e a fenomenologia das emoções em diferentes ambientes de aprendizagem, e muito particularmente em ambientes de aprendizagem online, é reduzido.

Neste âmbito, alguns estudos foram desenvolvidos no ensino superior, nomeada-mente os de Conrad (2002), Aires, Teixeira, Azevedo, Gaspar e Silva (2006); Num-menmaa (2007), Zembylas (2008), Rebollo et al. (2008), Runa (2013), Rebollo, Gar-cia-Perez, Buzón e Vega (2014), tendo por objetivo analisar a comunicação/interação online e a relação emocional dos estudantes/adultos com estes novos ambientes, concretamente com as novas ferramentas e conteúdos de aprendizagem.

Em termos gerais, os resultados destes estudos são concordantes no que respeita à vivência, por parte dos estudantes, de emoções mais positivas do que negativas. Zembylas (2008) conclui no seu estudo, efetuado num curso de mestrado online e a distância, que os sentimentos positivos se verifi caram, essencialmente, nas relações que os estudantes estabeleceram com os colegas e com os professores. Este clima emocional teve um impacto positivo em alguns deles, pois ajudou-os a lidar com os sentimentos negativos associados às exigências em termos de trabalhos académicos e à necessidade de contacto físico (sentimento de solidão e alienação). Já Conrad (2002) observa no seu estudo que o sentimento de engagement, por parte dos estu-dantes, relativamente ao curso esteve mais dependente do acesso online, e atempa-do, aos materiais de aprendizagem, do que da sua relação com os instrutores ou com os colegas. Este acesso possibilitou aos estudantes reduzirem os seus sentimentos iniciais de ansiedade e de incerteza, por um lado, e de satisfazerem a sua curiosidade por outro.

Zembylas (2008) verifi cou, através da análise de conteúdo que efetuou aos emails trocados e às entrevistas, que o discurso emocional dos estudantes mudou durante o curso em resposta a tarefas específi cas e dimensões da aprendizagem online. Igual-mente, os estudos de Guedes e Mutti (2010) e de Runa (2013), Rebollo et al. (2008, 2014) estão em consonância no que respeita ao papel determinante que têm diferen-tes situações de aprendizagem, e o tipo de tarefas solicitadas online, no estado emo-cional dos estudantes. De um modo geral, as tarefas de aprendizagem de natureza colaborativa, com recurso aos wikis ou aos fóruns de discussão, são apreciadas pelos estudantes, contribuindo para a vivência de emoções positivas. O estudo de Aires et al. (2006) incide nos comportamentos emocionais em rede, através da análise da interação/comunicação que se estabelece entre os estudantes e os professores nos fóruns. Revelou-se útil para se extraírem linhas de orientação e recomendações para a prática educativa online, pois através da linguagem escrita, que é um instrumento

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mediador por excelência nos contextos de aprendizagem virtual, partilham-se conhe-cimentos e sentimentos que contribuem para a aprendizagem colaborativa e para a coesão da comunidade. A comunicação é dialógica e as emoções são dimensões importantes no processo de construção identitária das pessoas.

Um fator determinante para o bem-estar ou mal-estar emocional dos estudantes é o apoio do docente, ou a ausência dele, às atividades solicitadas durante as au-las a distância e online No estudo de Runa (2013), os sujeitos que participaram na entrevista de grupo (focus-group) revelaram ter experienciado um maior bem-estar emocional, um sentimento de “acompanhamento”, quando recebiam apoio tutorial, e online, dos professores. Este apoio, por sua vez, contribuiu para uma maior motivação e empenho na realização das tarefas. Ainda, estes estudos possibilitaram identifi car emoções positivas (“Otimismo” e “Competência”) associadas a determinadas compe-tências requeridas por estes modelos virtuais, como por exemplo a gestão autónoma da aprendizagem. Quanto às emoções negativas, as mais presentes foram a “Tensão/preocupação”, a “desorientação” e o “Stresse/cansaço”. Estas surgem associadas à difi culdade que os estudantes sentem em conciliar as suas vidas profi ssionais e pes-soais com a vida académica. Tal difi culdade fez-se sentir perante a quantidade ele-vada de trabalhos solicitados pelos docentes (Runa, 2013). Este obstáculo foi igual-mente observado nos estudos efetuados por Conrad, (2002) e por Zembylas (2008).

De acordo com Nummenmaa (2007), apesar das difi culdades sentidas, não só por parte dos investigadores, como por parte dos professores e tutores, na avaliação das experiências emocionais dos estudantes, ao terem acesso “(…) to their students emotions, especially negative ones, is critical in order to provide appropriate and time-ly assistance to students for the intervention to be effective.” (p. 46).

Metodologia

O presente estudo é de natureza exploratória que se justifi ca pelo facto de ser escassa em Portugal a investigação neste domínio. Trata-se de “caminhar de um grau mais indutivo, de descoberta de pontos de continuidade numa dada realidade (exploratória) para um nível mais dedutivo em que importa testar relações de causa-efeito já devidamente estudadas” (Almeida & Freire, 2008, p.24). Tem como principal objetivo identifi car e avaliar as emoções (positivas e negativas) que os estudantes do curso Superior de Licenciatura em Educação Básica (1º, 2º e 3º anos), do ISCE, experienciam face ao modelo de formação, na modalidade de b-learning, suportado pela plataforma LMS – Blackboard. O seu quadro de referência teórica é a revisão de literatura efetuada e ainda os estudos empíricos realizados, no âmbito das emoções, na formação e na aprendizagem online. Em relação a estes últimos foram tidas em consideração algumas recomendações feitas pelos investigadores, nomeadamente a necessidade de se atender à origem e natureza das emoções experienciadas pelos estudantes, tal como a sua possível relação com a qualidade dos materiais/recursos

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online, com a autonomia na aprendizagem, com o apoio online do docente durante as aulas a distância, entre outros aspetos.

Participantes

A amostra de conveniência é composta por 43 sujeitos, todos do género feminino, cujas idades situam-se, na sua maioria, entre os 18 e os 24 anos (48.8%) e os 25 e os 30 anos (30.2%). Quanto ao seu estatuto, 53.5% são trabalhadores/estudantes e 46.5% são apenas estudantes. A maior parte dos estudantes (65.1%) encontra-se no regime noturno de frequência das aulas e 34.9% no regime diurno.

Procedimentos e instrumentos

Para a recolha de dados, foi aplicado aos estudantes, no ano letivo de 2014/15, um inquérito por questionário. Na sua elaboração, para além do quadro teórico e os estudos empíricos, teve-se em consideração algumas opiniões, comentários e senti-mentos partilhados pelos estudantes, em conversa informal, a um dos rostos do Gbl (a autora deste estudo). Através do termo de consentimento informado, que precedia o questionário, todos os participantes foram informados que o seu preenchimento era voluntário e anónimo. Mais, que tinha como objetivo recolher informação sobre as emoções (positivas e negativas) que associam e experienciam relativamente ao modelo de funcionamento em B-learning das UC que frequentam, concretamente da sua componente online.

O questionário é constituído por dois grupos, o primeiro de caracterização so-ciodemográfi ca dos participantes. O segundo grupo contém uma série de questões, relacionadas com o modelo de ensino/aprendizagem em b-learning, com o objetivo de inquirir os estudantes sobre o que sentem/experienciam (emoções positivas e/ou negativas) no que diz respeito à componente online das UC que frequentam: acesso à informação em diferentes suportes; natureza das atividades/tarefas online; gestão autónoma da aprendizagem; avaliação da progressão da aprendizagem; apoio online do docente (comunicação/interação); articulação das aulas a distância com as pre-senciais e conciliação da vida académica com a profi ssional e/ou pessoal. No que concerne às emoções selecionaram-se 13 itens (Quadro 1) da Escala de Bem-estar e 13 itens da escala de Mal-estar Emocional, desenvolvida por Rebollo et al. (2008), e posteriormente validada para a população portuguesa (Runa, 2013; Runa & Miranda, 2015). Não foi pedido aos estudantes que indicassem com que frequência experien-ciam cada emoção selecionada das respetivas escalas.2 O questionário contém ainda, para cada afi rmação, campos de resposta aberta com o objetivo de possibilitar aos

2. Pelo facto foi omitida a escala de Likert (Quadro 1).

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estudantes justifi car as suas opções e acrescentar informação, caso considerassem oportuno. Foi concebido no Google Drive (Google Forms) e enviado aos estudantes por correio eletrónico. Obtiveram-se 43 respostas.

Quadro 1. Itens selecionados das Escalas de Bem-estar e de Mal-estar Emocional

Emoções positivas Emoções negativasSatisfação AborrecimentoEntusiasmo FrustraçãoOrgulho ChateadoCompetência TédioAlívio CulpaSegurança InsegurançaTranquilidade SolidãoPerseverança Angústia/ansiedadeAcompanhamento DesesperoConfi ança Stresse/cansaçoOrientação Apatia/sem vontadePoder DesorientaçãoEstímulo Tensão/preocupação

Resultados

Neste ponto apresentam-se os resultados obtidos com a aplicação do questio-nário, tendo sido organizados em quadros3 para uma melhor leitura, bem como as respostas abertas, fornecidas pelos participantes no estudo, que ajudam a clarifi car algumas das suas escolhas (emoções).

No Quadro 2 constata-se que a maioria dos estudantes revela sentir emoções positivas como a “Satisfação” (44.2%) e o “Entusiasmo” (18.6%), dada a possibilidade de poderem aceder à informação em diferentes formatos, indo assim ao encontro de diferentes estilos de aprendizagem.

3. Por motivos de extensão e de limite de páginas, optou-se por apresentar em quadro apenas alguns dos dados obtidos.

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Quadro 2. Possibilidade de aceder à Quadro 3. Atividades/tarefas solicitadasInformação/conteúdos a partir de diferen- nas aulas onlinetes suportes (vídeo, áudio, texto, internet) (individuais/colaborativas)

Itens Freq. Perc. Itens Freq. Perc.Satisfação 19 44.2 Satisfação 8 18.6Chateado 3 7.0 Chateado 2 4.7Orientação 3 7.0 Orientação 4 9.3Desorientação 2 4.7 Desorientação 3 7.0Entusiasmo 8 18.6 Tranquilidade 4 9.3Aborrecimento 2 4.7 Stresse/cansaço 7 16.3Tédio 4 9.3 Confi ança 1 2.3Apatia/sem vontade 2 4.7 Desespero 4 9.3Total 43 100.0 Competência 3 7.0 Tensão/preocupação 7 16.3 Total 43 100,0

Ainda, alguns estudantes revelam sentir “Orientação” (7%), talvez pela forma como está organizada a informação (de forma clara e objetiva). Contudo, outros re-velam experienciar emoções negativas, como por exemplo “Tédio” (9.3%), “Chate-ado” (7%), “Aborrecimento e Apatia/sem vontade” (4.7%). A justifi cação para estes sentimentos poderá estar relacionada com o que é descrito, por um respondente, no campo de resposta aberta: (…) há aulas a distância que são simplesmente texto e só texto e mais texto, é que nem nos permite estar com total atenção e também não aprendemos.

No que respeita às atividades solicitadas nas aulas online (Quadro 3), os sujeitos revelam experienciar um misto de emoções, isto é, quase metade (20) sente emoções positivas como a “Satisfação” (18.6%), “Orientação” e “Tranquilidade” (9.3% respetiva-mente), a “Competência” (7%) e a “Confi ança” (2.3%). Contudo, pouco mais de metade dos sujeitos (23) sente emoções negativas, destacando-se o “Stresse/cansaço” e a “Tensão/preocupação” (16.3%), entre outras. Este misto de emoções está relacionado com a natureza das tarefas solicitadas online pelas diferentes UC. Isto mesmo é afi rma-do nas respostas abertas: refi ro satisfação em relação a algumas disciplinas e insatisfa-ção em relação a outras no que toca às tarefas exigidas. Por exemplo, alguns sujeitos referem sentir satisfação em relação às atividades de natureza colaborativa, como são os fóruns de discussão: ter unidades curriculares que pedem Fórum que seja preciso reunir com colegas para os fazer. (…) aprendemos mais e fazemos laços de amizade…

Quanto às atividades de natureza individual, algumas respostas justifi cam o mal-estar emocional que sentem alguns sujeitos: alguns são tão extensivos que precisam de muita concentração e pesquisa, aos quais dou prioridade, deixando os de grupo para último.

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Relativamente à gestão autónoma da aprendizagem (Quadro 4), a maioria dos sujeitos revela emoções negativas. A “Tensão/preocupação” (30.2%) e a “Frustra-ção” (23.3%) foram as emoções negativas que obtiveram uma maior percentagem. O “Stresse/cansaço”, apesar de ter obtido uma percentagem bastante inferior (4.7%) não deixa de ser relevante, tendo em conta algumas das respostas abertas forneci-das, para entender o sentimento de mal-estar emocional dos sujeitos: Sem dúvida as aulas à distância permitem uma maior fl exibilidade quer na gestão de tempo quer no ritmo, mas dada a quantidade de trabalhos em algumas UC, por vezes a semana de aulas à distância torna-se muito mais exaustiva do que a presencial (sujeito A); Considero-me uma pessoa organizada a nível de trabalhos (…) tive que tirar férias para não acumular (sujeito B).

Quadro 4. Possibilidade de gerir Quadro 5. Possibilidade de avaliarautonomamente a minha aprendizagem a progressão da minha aprendizagem (feedback avaliativo do docente)

Itens Freq. Perc. Itens Freq. Perc.Satisfação 4 9.3 Satisfação 4 9.3Chateado 2 4.7 Chateado 6 14.0Frustração 10 23.3 Orientação 3 7.0Confi ança 6 14.0 Desorientação 6 14.0Stresse/cansaço 2 4.7 Tensão/preocupação 5 11.6Competência 4 9.3 Apatia/sem vontade 4 9.3Tensão/preocupação 13 30.2 Solidão 1 2.3Poder 2 4.7 Insegurança 8 18.6Total 43 100,0 Segurança 2 4.7 Angústia/ansiedade 4 9.3 Total 43 100,0

Contrariamente, há sujeitos que revelam sentir emoções positivas, como a “Satis-fação”, e a “Competência” (9.3% respetivamente) e o “Poder” (4.7%). Não sentindo, aparentemente, mal-estar emocional no que concerne à gestão autónoma da apren-dizagem. Pelo contrário, sentem-se competentes e tudo parece estar ao seu alcance e sob controlo.

Quanto à avaliação da progressão da aprendizagem (Quadro 5), possibilitada pelo feedback avaliativo do docente, os sujeitos revelam sentir, maioritariamente, emoções negativas. As que se destacam são: a “Insegurança” (18.6%), a “Desorientação” e “Chateado” (14% cada) e a “Tensão/preocupação (11.6%). Estes resultados indiciam a necessidade que os sujeitos sentem de um retorno, i.e., das apreciações críticas e das correções do docente relativas às tarefas que têm de realizar, nas aulas a distância, de modo a poderem avaliar o quanto estão a progredir ou, o que precisam de melhorar.

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Este aspeto é apontado nas respostas abertas: por vezes são-nos atribuídas notas sem que exista justifi cação, indicando onde erramos de forma a compreender e a melhorar no futuro.

Quadro 6 - Apoio online do docente às Quadro 7- Ausência de apoio onlineaulas/atividades (comunicação do docente às aulas/atividades assíncrona)

Itens Freq. Perc. Itens Freq. Perc.Satisfação 12 27.9 Satisfação 4 9.3Chateado 7 16.3 Chateado 6 14.0Orientação 3 7.0 Orientação 7 16.3Desorientação 5 11.6 Desorientação 5 11.6Entusiasmo 1 2.3 Tensão/preocupação 5 11.6Apatia/sem vontade 1 2.3 Apatia/sem vontade 4 9.3Acompanhamento 5 11.6 Solidão 1 2.3Segurança 4 9.3 Insegurança 5 11.6Estímulo 5 11.6 Segurança 2 4.7Total 43 100,0 Angústia/ansiedade 4 9.3 Total 43 100,0

Os resultados obtidos face ao apoio online do docente (Quadro 6), às aulas/ati-vidades a distância, indicam que a maioria dos sujeitos revela experienciar emoções positivas, em particular a “Satisfação” (27.9%), o “Acompanhamento” e o “Estímulo” (11.6%). Contudo, há sujeitos que experienciam emoções negativas, como “Chatea-do” (16.3%) e a “Desorientação” (11.6%). Tal poderá explicar-se pelo modo como é efetuado esse apoio, como justifi ca um dos sujeitos no campo de resposta aberta: o que ocorre é que entregamos trabalhos, obtemos as notas e para saber o que correu bem, ou mal, é necessário marcar uma tutoria, ou seja, não me desloquei ao ISCE para ter a aula a distância, mas acabo por ter de marcar horas para analisar estas questões. Portanto, constata-se que a componente online do modelo funciona no que respeita às aulas, mas não tanto para efeitos de tutoria, isto é, de tutoria online. O apoio do docente, e a comunicação/interação que se estabelece com o estudante, pode ser realizado de diferentes formas, ou por email, chat ou com recurso aos fóruns. Quanto à ausência do apoio online do docente às aulas/atividades a distância (Qua-dro 7) observa-se um predomínio de emoções negativas. Destacam-se as emoções: “Chateado” (14%), a “Desorientação, a “Tensão/preocupação” e a “Insegurança”, com 11.6% cada, entre outras. Tais emoções parecem salientar a necessidade que alguns estudantes ainda sentem, apesar de estarem no ensino superior, de orientação e de um apoio regular do docente. Esta necessidade poderá ser mais acentuada em cursos com uma componente de formação a distância e online. No entanto, e contrariamente,

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há outros estudantes que experienciam a “Orientação” (16.3%), a “Satisfação” (9.3%) e a “Segurança” (4.7%), talvez por terem adquirido e/ou desenvolvido competências de gestão autónoma da aprendizagem, ou talvez devido à natureza dos materiais/recursos disponibilizados online que poderão ser promotores dessas competências.

No que respeita à questão, o que sente face à articulação das aulas a distância com as aulas presenciais, a maioria dos sujeitos revela sentir “Satisfação” (48.8%), também “Entusiasmo” (9.3%) e “Orientação” (2.3%). Quanto às emoções negativas que experienciam, o item “Chateado” obteve 25.6% e a “Desorientação” 14%. Alguns dos sujeitos inquiridos justifi cam nos campos de resposta aberta, este mal-estar emo-cional experienciado, do seguinte modo: por vezes, a matéria que é dada na aula à distância não é continuada na aula presencial (Sujeito A); deveria haver mais apoio às aulas a distância, nomeadamente trazer a matéria das aulas a distância para as aulas presenciais (Sujeito B). Na perspetiva destes estudantes não se verifi ca a articulação desejável entre as duas componentes (online e presencial), pelo contrário verifi ca-se a rutura e o seu funcionamento de modo estanque e separado.

A última questão sobre o que os estudantes sentem face à possibilidade de con-ciliação da vida académica com a profi ssional e/ou pessoal, a maior parte dos su-jeitos revela experienciar emoções negativas, como o “Desespero” (30.2%), “Culpa” (20.9%), “Chateado” (7%) e “Stresse/cansaço” (4.7%). Estas emoções indicam um certo mal-estar emocional, sentido pelos sujeitos, pelo facto de lhes ser difícil conciliar as muitas solicitações académicas com os seus compromissos profi ssionais (no caso dos trabalhadores/estudantes), e ainda com a sua vida pessoal.

No campo fi nal de resposta aberta que possibilitava aos participantes salientar/acrescentar outros aspetos relevantes, e relativos ao modelo, bem como as emoções neles implicadas, alguns revelam sentir emoções positivas, como a satisfação, pelo facto de este modelo possibilitar: maior fl exibilidade na gestão do tempo, principal-mente para quem trabalha e tem fi lhos pequenos, e na poupança de gasóleo para quem mora longe.

Discussão

A análise descritiva dos resultados obtidos evidencia uma tendência, por parte dos participantes, para a vivência de emoções mais positivas do que negativas no que respeita ao modelo das aulas em b-learning. No entanto, as emoções negativas expe-rienciadas forçam-nos a refl etir sobre as razões e os fatores que contribuíram para tal. Assim, as emoções positivas associam-se à questão da relação custo/benefício que diz respeito à fl exibilidade do modelo de ensino/aprendizagem mediado por uma pla-taforma LMS, i.e., a rentabilização do tempo e das deslocações. Este aspeto, consi-derado muito favorável, é igualmente constatado no estudo de Monteiro et al. (2012). Ainda, no acesso online à informação em diferentes suportes (multimédia), possibili-tando diferentes estilos de aprendizagem. Os estudantes processam a informação

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de diferentes modos, por exemplo uns são mais visuais, outros verbais (Monteiro, Moreira & Almeida, 2012). Por outro lado, o bem-estar emocional para alguns es-tudantes reside e depende muito do apoio do docente. A fi gura do docente é tida como fundamental para o sucesso da sua aprendizagem online e para o sentimento de “Acompanhamento” (Runa, 2013). Igualmente, a constatação de uma articulação entre as aulas (online e presenciais) desencadeia emoções positivas. Os estudantes sentem que há uma continuidade e sequenciação lógica entre os conteúdos e as tarefas, efetivando-se a complementaridade que Bonk e Graham (2006) defendem nestes modelos híbridos. As emoções negativas reveladas pelos sujeitos alertam para determinadas “fragilidades”, associadas ao modelo, que requerem a nossa particular atenção, por exemplo, a que respeita à difi culdade que alguns estudantes sentem em gerir de forma autónoma a sua aprendizagem. Esta difi culdade decorre sobretudo da falta de competências pessoais e emocionais (autorregulação), as quais são requeri-das nestes modelos de ensino/aprendizagem (Rebollo et al., 2008), mas também do elevado número de solicitações por UC, sendo-lhes difícil dar resposta atempada às mesmas. Pelo facto, os estudantes consideram necessário o apoio online, e regular, do docente às atividades que têm de desenvolver, não tendo de esperar por uma tu-toria presencial para o ter. Acima de tudo, consideram imprescindível o seu feedback avaliativo às tarefas/atividades online, de modo a ser possível avaliar a progressão da sua aprendizagem. Quando tal não se verifi ca, experienciam emoções negativas, como por exemplo a insegurança, a desorientação ou a ansiedade. Para prevenir este mal-estar emocional, o docente tem um papel crucial, quer dizer, deve estar atento e deve saber ler as emoções dos estudantes, pois estas funcionam como sistemas atuais de leitura (Reeve, 2003), indicando o quanto estão a correr bem ou mal as coisas. Deste modo, o docente poderá reestruturar a sua estratégia e relação peda-gógica, tentando criar um clima afetivo propício às aprendizagens. Ainda, as emoções negativas experienciadas, por alguns dos participantes, devem-se à difi culdade que sentem em conciliar as muitas solicitações académicas com a vida profi ssional e /ou pessoal. Pelo facto, originou um sentimento de “Culpa”. Este mal-estar emocional foi igualmente constatado nos estudos de Conrad (2002), Zembylas (2008) e Runa (2013). Por fi m, a questão que gera emoções/sentimentos mistos é a que respeita às atividades solicitadas nas aulas online. As de natureza colaborativa geram emoções positivas, pois possibilitam a partilha, o conhecimento construído socialmente e a cria-ção de laços de amizade. Já as de natureza individual (por ex.: tarefas baseadas nos objetos de aprendizagem), dada a sua extensão, são alvo de emoções negativas, como o stresse e o cansaço. Portanto, as emoções diferem em função das situações de aprendizagem (Guedes & Mutti, 2010) e em função da natureza das atividades (Rebollo, 2008, 2015; Runa, 2013; Runa & Miranda, 2015).

A discussão dos resultados que se apresentou neste ponto, não tem qualquer pre-tensão de generalização, mas sim contribuir para a partilha de uma refl exão funda-mentada em dados empíricos e teóricos. Ainda, contribuir para a sensibilização dos profi ssionais de educação do ensino superior para a importância de se desenvolverem

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investigações neste âmbito, e em Portugal, com a fi nalidade de melhorar as práticas associadas a estes modelos de formação a distância e online.

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ResumoPretende-se, nesta apresentação, colocar em evidência o processo de implementação faseada de uma nova sala de aula – Sala de Aula do Futuro (SAF) – com novas confi gurações ao nível do espaço, da tecnologia e metodolo-gias de ensino, no sentido de assegurar a melhoria da forma como se aprende e, por conseguinte, dos resultados escolares, e simultaneamente combater o abandono escolar precoce de uma geração multitask e geekie.

Palavras-chaveSala de aula do futuro, inovação pedagógica, tecnologia educativa.

A preocupação com a melhoria/sustentabilidade dos resultados escolares tem dominado os discursos institucionais dos últimos anos, enquanto desafi o ao qual as escolas tentam avidamente responder, independentemente da alternância do enfoque – processo vs. produto – que as lideranças políticas preconizam.

Atualmente, o território educativo é constituído, na sua grande maioria, por agru-pamentos de escolas, os quais compreendem sob o mesmo espaço escolar duas gerações distintas: os alunos que se encontram no ensino secundário e que nasce-ram no século xx e as crianças do novo milénio. A perceção da década que os separa deve ser valorizada, porquanto estas duas gerações aprendem de forma distinta e comportam-se na sala de aula também de forma diferenciada.

A consciência deste enquadramento psicossocial, a par das potencialidades e li-mites socioeconómicos, suscitou uma ampla refl exão no Agrupamento de Escolas de Alcanena sobre os caminhos a seguir, as prioridades a gizar e as metas a atingir. Procurou-se otimizar as caraterísticas de cada geração, garantindo a construção de uma cidadania responsável, empreendedora, informada, inovadora e efi caz, na me-dida em que se tem como objeto o desenvolvimento de competências inerentes às diversas literacias, nomeadamente de comunicação, científi ca e digital, sem esquecer as competências sociais.

Facilmente se perceberá que o sucesso da implementação da SAF, enquanto am-biente educativo inovador é determinado pelo grau de envolvimento dos docentes do Agrupamento, cujas preocupações são de diversa ordem:

Sala do Futuro: O Trinómio Espaço, Tecnologia e Pedagogia que Assegura Melhores Aprendizagens

Ana Cláudia CohenAgrupamento de Escolas de Alcanena

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● Melhoria e sustentabilidade dos resultados escolares, a par da constatação da heterogeneidade e das desigualdades dos nossos alunos; ● Dispersão dos 23 estabelecimentos de ensino que integram o agrupamento; ● Desadequação do parque informático das escolas básicas e jardins de infância; ● Número crescente de crianças com comportamentos disruptivos e sintomáticos de problemas de concentração;● Desfasamento frequente da representação dos pais face à escola e à escolari-dade obrigatória;● Aceção de que problemas de aprendizagem diferentes requerem soluções dis-tintas;● Necessidade da melhoria dos processos, tendo em vista o desenvolvimento consistente de competências e a consequente melhoria dos resultados.

Esta tomada de consciência deu origem a uma refl exão colectiva acerca da

● Forma como os docentes do agrupamento ensinam e a forma como as nossas crianças e os nossos alunos aprendem;● Reconfi guração do espaço de sala de aula para um ambiente fl exível, confortá-vel e de bem-estar, propício à aprendizagem, à partilha; à investigação; à criativi-dade, à colaboração… ● Mobilização das tecnologias, enquanto dispositivos facilitadores de estratégias de ensino adequadas e de uma aprendizagem relevante.

Durante seis meses, promoveu-se uma discussão interna, nos diversos órgãos e estruturas – Conselho Pedagógico; Departamentos; Áreas Disciplinares e Conselho Geral, assegurando, desta forma, que o Plano de Mudança e Inovação a apresentar à comunidade resultasse de uma co-construção plural adequada à singularidade que confi gura a identidade do Agrupamento de Escolas de Alcanena. Procedeu-se ao de-senho da nova sala de aula, adquiriram-se mais de duas dezenas de equipamentos tecnológicos e reconfi gurou-se uma sala de aula regular num ambiente educativo inovador. Por outras palavras, criou-se um espaço de aprendizagem colaborativa, o qual é potenciador do trinómio espaço, tecnologia e pedagogia. De acordo com Leahy (2016), cada um destes três elementos contribui de forma signifi cativa para tornar uma sala de aula num ambiente educativo inovador, porquanto:

● se considerarmos apenas as dimensões espaço e tecnologia, corre-se o risco de o modelo pedagógico a implementar pelos docentes não rentabilizar o espaço e a tecnologia.● se considerarmos apenas o espaço e a pedagogia, isso resultará no acréscimo de trabalho para o docente, que desenvolverá o seu trabalho sem a efi cácia acres-cida da tecnologia.

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● se considerarmos apenas a tecnologia e a pedagogia, surgirão problemas ao nível da aplicação de abordagens colaborativas e ativas. “Um espaço tradicional restringe a efi cácia das abordagens mais centradas no aluno. A aprendizagem ativa, participativa, empírica e cooperativa exige um espaço fl exível. Assim o espaço físico é encarado como um agente de mudança.” (ibem, idem, p.10).

O processo de implementação de uma sala de aula do futuro, contudo, tem que ser acompanhado por um “pacote” formativo, na medida em que, de acordo com a Comis-são Europeia (2013), os educadores de hoje ainda não dispõem de formação adequada para incorporar as TIC nas suas práticas, de modo a potenciar a personalização e a colaboração. Assim sendo, apostou-se na formação dos docentes dos diferentes ciclos, nomeadamente ao nível do desenvolvimento das suas competências digitais.. Foi assumida a necessidade de os professores terem um espaço de refl exão sobre como articular as novas abordagens (Pedagogia) com o novo espaço e a tecnologia.

No dia 25 de fevereiro de 2016, a SAF do Agrupamento de Escolas de Alcanena foi inaugurada. Este marco, longe de ser um ponto de chegada, foi antes um ponto de partida para a mudança pedagógica que se pretende implementar, pois, tal como preconizado pela DGE (2015), a Sala de Aula do Futuro para cumprir os seus ob-jectivos tem que ir para além das fronteiras de um espaço físico, tipo “laboratório”, apetrechado com tecnologia e materiais diferentes, na medida em que estes espaços por si só não trazem valor acrescentado. Neste âmbito, o Agrupamento de Escolas de Alcanena traçou como objetivo replicar /estender as atividades de aprendizagem inovadoras produzidas na sala de aula do futuro nas/às salas de aula regulares, a par de outros espaços de aprendizagem, nos quais imperam ambientes educativos aliciantes, que privilegiam a ação do aluno; favorecem a motivação, a criatividade e o seu envolvimento na construção individual ou coletiva do conhecimento; envolvem os professores e os alunos em novos processos de ensino e de aprendizagem, com pedagogias ativas, proporcionando um impacto positivo nos alunos, nomeadamente ao nível do desenvolvimento das suas competências para o século XXI, das suas atitudes e do seu aproveitamento, com benefícios para a sua aprendizagem.

Referências Bibliográfi casCOMISSÃO EUROPEIA (2013). Opening up Education – a proposal for an European Initia-

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ResumoO professor é um profi ssional que mobiliza conhecimentos múltiplos, já que, perante um grupo de alunos, toma opções sobre o que e como ensina e com que fi nalidades. O professor aprende quando faz e refl ete; colabora com os outros professores, analisa e observa os seus alunos e o seu trabalho. Estes aspetos são valorizados no mestrado em Ensino da Física e da Química, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Os futuros professores constroem conhecimento o que os leva a utilizar estratégias inovadoras, como um meio de promover e melhorar as aprendizagens dos seus alunos. Nesta comunicação pretende-se dar resposta à seguinte questão: Como é que o mestrado em ensino contribui para que futuros professores de FQ desenvolvam tarefas com um maior grau de abertura? Neste estudo, participam cinco futuros professores de Física e Química. Utilizam-se vários instrumentos de recolha de dados: refl exões escritas dos futuros professores, entrevistas individuais se-miestruturadas e entrevista em grupo focado. Os resultados evidenciam que o mestrado contribui para que os fu-turos professores planifi quem, concebam e apliquem tarefas com maior grau de abertura. Os futuros professores reconheceram que a utilização dessas tarefas permite que os alunos sejam mais ativos e responsáveis pela sua aprendizagem e que o seu professor seja um facilitador da mesma. Além disso, consideraram que é importante criar ambientes desafi antes que incentivem o trabalho autónomo dos seus alunos.

Palavras-chaveConhecimento do futuro professor, práticas letivas, formação de professores, papel do aluno, papel do professor.

Introdução

O professor é um profi ssional com múltiplas valências que mobiliza competências em vários domínios (Ponte, 1999), ao tentar encontrar respostas às questões: O que ensinar a um determinado grupo de alunos? Como ensiná-los? Com que objetivos? (Roldão, 2007). É um conhecimento que inclui áreas do saber pedagógico (conheci-mentos teóricos e conceptuais), do saber fazer (esquemas práticos de ensino) e do saber porquê (justifi cação da prática) (García, 1999).

Promover o Desenvolvimento de Tarefas: Perspetivas de Futuros Professores de Física e Química

Carla MatosoUnidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação –

- Instituto de Educação da Universidade de Lisboa;[email protected]

Mónica BaptistaInstituto de Educação da Universidade de Lisboa.

[email protected]

Ana Maria FreireInstituto de Educação da Universidade de Lisboa.

[email protected]

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Na sala de aula, o professor tem de se ajustar, de uma forma fl exível, às ca-racterísticas e eventuais difi culdades do conteúdo da disciplina, às capacidades dos seus alunos e às fi nalidades de ensino. Assim, e, consoante a situação que lhe é apresentada, o professor “não só consegue dirigir a orquestra a partir do pódio, como também é capaz de se sentar e observar a orquestra tocar sozinha” (Shulman, 1987, p. 3). Da sala de aula emerge então um conhecimento que se constrói com a prática do professor (Elbaz, 1983). Contudo, essa construção só ocorre quando o professor recorda, narra, revive e refl ete sobre a prática (Shulman, 2004). O processo de refl exão supõe um permanente vaivém entre a ação e a com-preensão, na busca de signifi cado das experiências vividas (Oliveira & Serrazina, 2002). Enquanto profi ssional refl exivo, o professor consegue lidar com situações de incerteza, instabilidade, singularidade e confl ito de valores que caracterizam a sua prática (Schön, 1987; 1991).

O professor mobiliza conhecimentos múltiplos na sua atividade profi ssional, sendo que, neste trabalho, o foco recai no conhecimento didático, isto é, o conhecimento que o professor utiliza para promover a aprendizagem dos seus alunos (Kind, 2009). Considerado como uma “amálgama de conteúdo e pedagogia”, é o conhecimento que permite ao professor selecionar e utilizar analogias, ilustrações, exemplos e de-mostrações mais adequados para ensinar um conjunto de alunos com determinadas características (Shulman, 1987, p. 8). O professor desenvolve conhecimento didático enquanto planifi ca, refl ete e ensina (Magnusson, Krajcik, & Borko, 1999). Como é um processo que também ocorre na prática de sala de aula, o conhecimento didático é entendido como um elemento central do conhecimento prático do professor. A experi-ência infl uencia o desenvolvimento do conhecimento didático quando o professor ten-ta compreender o modo como se implementam as estratégias de ensino em situações reais de sala de aula (Nilsson, 2008).

Neste estudo, é utilizado o modelo conceptual (Ponte, 2012), representado na Figura 1, que foi adaptado para a disciplina de Física e Química. Este compreende quatro vertentes: (a) o conhecimento da disciplina, o qual inclui o conhecimento dos conceitos e os conteúdos de ensino, as suas formas de raciocínio, de argumentação e de validação, bem como as inter-relações dentro da sua disciplina e com outras disciplinas; (b) o conhecimento do currículo, no que se refere às suas fi nalidades e objetivos, a organização dos conteúdos e o conhecimento dos materiais e as for-mas de avaliação a utilizar; (c) o conhecimento dos alunos e da aprendizagem, isto é, o conhecimento dos seus interesses, das suas difi culdades e necessidades mais frequentes, dos seus processos de aprendizagem e dos aspetos sociais e culturais que podem infl uenciar o seu desempenho académico; (d) o conhecimento da prática letiva, no que concerne às planifi cações, conceção de materiais, avaliação da apren-dizagem dos alunos e do ensino do professor (Ponte & Oliveira, 2002). O conheci-mento da prática letiva ocupa aqui o lugar central, uma vez que é neste núcleo que se fazem as escolhas que norteiam a prática e regulam o processo de ensino. Todavia, esta vertente não pode ser separada das restantes, pois todas elas, quer de um modo

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quer de outro, estão sempre presentes na ação do professor quando ensina Física e Química (Ponte, 2012).

Figura SEQ Figura \* ARABIC 1- Vertentes do conhecimento didático, adaptado para a disciplinas de Física e Química, adaptado de PonteCITATION Pon12 \n \t \l 2070 (2012)

Reconhece-se que o conhecimento didático pode informar sobre o aprender a ensinar e infl uenciar a aprendizagem dos alunos (Abell, 2008), pelo que importa iden-tifi car fatores que promovam o seu desenvolvimento. Assim, torna-se relevante inves-tigar os efeitos do conhecimento prático, da refl exão e investigação sobre a prática no desenvolvimento do conhecimento didático, em diferentes contextos, nomeadamente na formação inicial de professores.

No mestrado em Ensino da Física e da Química, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, procura-se promover a colaboração, a refl exão centrada na prática e o trabalho de cariz investigativo (Deliberação nº 5/2007, Princípios e Organi-zação dos Mestrados em Ensino). Nas unidades de iniciação à prática profi ssional, os futuros professores são incentivados a conceber e a aplicar tarefas de investigação, de forma a envolver os alunos em questões científi cas.

Numa aula com tarefas de investigação, os alunos formulam questões, pesquisam informação, planifi cam e realizam experiências, utilizam diferentes ferramentas para a recolha de dados, analisam, discutem e comunicam resultados (NRC, 1996). E, concomitantemente, desenvolvem competências ao nível do conhecimento, do racio-cínio, da comunicação e das atitudes (NRC, 2000). O professor, num papel diferente do ensino tradicional, guia e orienta as tarefas de investigação, enquanto interage com os alunos, incentiva os alunos a aceitar e a dividir a responsabilidade pela sua aprendizagem, assegura um ambiente propício à aprendizagem, disponibiliza mate-riais e recursos aos alunos e estimula a cooperação entre os alunos (NRC, 2000).

Na iniciação à prática profi ssional, os futuros professores recolhem evidências sobre as aprendizagens e as difi culdades dos seus alunos, de modo a tornar a sua

Conhecimento da prática letiva

Conhecimento das disciplinas de Física e Química

Conhecimento do currículo

Conhecimento dos alunos e da

aprendizagem

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refl exão fundamentada. Neste processo, vão construindo conhecimento que os leva a utilizar estratégias inovadoras, como um meio de promover e melhorar as apren-dizagens dos seus alunos (Loucks-Horsley, Love, Stiles, Mundry, & Hewson, 2003). Assim, com este trabalho, pretende-se dar resposta à seguinte questão: Como é que o mestrado em ensino contribui para que futuros professores de Física e Química desenvolvam tarefas com um maior grau de abertura?

Metodologia

Neste estudo recorre-se a uma abordagem qualitativa com orientação interpretati-va (Erickson, 1986). Segue-se uma breve descrição dos participantes, do contexto de estudo, dos processos e instrumentos de recolha de dados, bem como dos processos de análise de dados.

Participantes

Participam cinco futuros professores, alunos do segundo ano de Mestrado em Ensino da Física e Química, que frequentaram as unidades curriculares de Iniciação à Prática Profi ssional III e IV. Dos cinco participantes, um é do sexo masculino e os restantes do sexo feminino. As suas idades estão compreendidas entre os 29 e os 41 anos. No que concerne à formação académica, quatro dos participantes são licen-ciados e um é doutorado. Um dos participantes não tem experiência profi ssional no ensino, sendo que os restantes possuem pouca experiência, entre dois a seis anos de serviço.

Contexto de Estudo

Em Portugal, o Mestrado em Ensino da Física e da Química concede habilitação profi ssional para a docência (Decreto-Lei nº 220/2009 de 8 de setembro). A sua es-trutura curricular resulta de alguns princípios que norteiam a formação científi co-pro-fi ssional, os quais valorizam a capacidade refl exiva e crítica dos futuros professores, bem como o desenvolvimento de uma atitude de questionamento e de um trabalho de cariz investigativo sobre a prática supervisionada (Deliberação nº 5/2007, Princípios e Organização dos Mestrados em Ensino).

A Iniciação à Prática Profi ssional é uma área curricular presente nos quatros se-mestres do mestrado em ensino da Física e da Química. Tem um papel essencial na formação inicial do professor, visto que se aprende a adotar uma perspetiva profi ssio-nal sobre as situações com que, no dia-a-dia, se depara o professor, assim como a refl etir e a lidar com os problemas que lhe são colocados (Decreto-Lei nº 43/2007 de

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22 de fevereiro, artº 14; Deliberação nº 5/2007, Princípios e Organização dos Mestra-dos em Ensino).

Na Iniciação à Prática Profi ssional III, o mestrando começa a assumir os papéis profi ssionais do professor, numa ou mais turmas do professor cooperante. Cada fu-turo professor tem de realizar três intervenções na sala de aula. A Iniciação à Prática Profi ssional IV dá seguimento à unidade curricular anterior. O futuro professor planifi -ca e leciona uma unidade didática ou parte dela. Concomitantemente, desenvolve um trabalho de cariz sobre uma problemática de ordem curricular (Deliberação nº 5/2007, Princípios e Organização dos Mestrados em Ensino).

Nas sessões, realizadas no Instituto de Educação, incentiva-se uma aprendiza-gem colaborativa, entre os futuros professores, com ciclos de planeamento, lecio-nação de aula e refl exão. Simultaneamente, procura-se que os futuros professores desenvolvam uma atitude de refl exão sobre as suas práticas. Para isso, é necessário que recolham evidências sobre as aprendizagens e as difi culdades dos seus alunos, tornando a sua refl exão fundamentada e, deste modo, construam conhecimento a partir da sua prática.

Recolha de dados

Nesta investigação recorre-se a vários instrumentos de recolha de dados (Patton, 2002), nomeadamente entrevista em grupo focado, entrevistas semiestruturadas in-dividuais, refl exões fi nais dos relatórios de ensino da prática supervisionada e notas de campo da investigadora.

Análise de dados

A análise dos dados é o processo organizado e sistemático que procura dar um sig-nifi cado aos dados recolhidos durante a investigação. É, assim, necessário transcrever as entrevistas, de modo a aumentar o conhecimento do fenómeno em estudo e, poste-riormente, comunicar aos outros os resultados obtidos (Bogdan & Biklen, 1994; Creswell, 2003). Foi realizada uma análise de conteúdo (Bogdan & Biklen, 1994) das refl exões fi nais e das transcrições das entrevistas individuais e da entrevista em grupo focado. Emergiram as categorias: natureza das tarefas, papel do aluno e papel do professor.

Resultados

Os resultados apresentados descrevem o contributo do mestrado em ensino da Física e da Química que permitiu aos futuros professores construir e aplicar tarefas com maior grau de abertura na sua iniciação à prática profi ssional.

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Natureza das tarefas

Na iniciação à prática profi ssional, os futuros professores planifi cam as suas inter-venções. Eles constroem as tarefas que aplicam em sala de aula e elaboram o res-petivo plano de aula. Os futuros professores identifi cam a conceção de tarefas como uma aprendizagem. Na entrevista em grupo focado, a Sofi a refere:

(aprendi a) fazer tarefas mais abertas que permitam aos alunos criar mais autonomia e mais responsabilidade no sentido de desenvolvimento de diferentes tipos de competên-cias, não só do conhecimento científi co, mas que, depois eles, em situações mais abran-gentes do dia-a-dia, consigam dar resposta, consigam pesquisar, consigam recolher da-dos (Entrevista em grupo focado, Sofi a)

Na entrevista individual, a Alexandra também menciona que:

O que é que mudou? Fundamentalmente, a história de deixar de ter um ensino tradicional. Portanto, eu não estou ali somente para “papaguear” e eles ouvirem e, pronto, está tudo feito. Portanto, eles podem aprender outras coisas para além dos conteúdos, mas para isso eu tenho que lhes dar um bocadinho mais de abertura e margem de manobra e, lá está, colocar questões diferentes para que eles aprendam coisas diferentes, desenvolvam competências diferentes, para além dos conceitos científi cos (Entrevista, Alexandra)

Na entrevista individual, Jorge valoriza igualmente o facto de os alunos aprende-rem outro tipo de competências com as tarefas de investigação e identifi ca as com-petências mobilizadas:

Conhecimento substantivo. Competências de raciocínio, competências processuais, eles pela primeira vez tiveram contacto com materiais de laboratório, de atividades laborato-riais… Competências de comunicação, eles fi nalmente aprenderam a fazer perguntas uns aos outros, a discutir uns com os outros, a apresentar as coisas uns aos outros. (Entre-vista, Jorge)

A construção deste tipo de tarefas permite que os alunos desenvolvam vários tipos de competências (conhecimento, raciocínio, comunicação e atitudinais). Este é um dos aspetos valorizados pelos futuros professores e signifi ca que a mobilização de competências do conhecimento científi co deixou de ser o único objetivo das aulas de Física e Química.

Estas aprendizagens desencadeiam novas aprendizagens, nomeadamente no que se refere à aplicação deste tipo de tarefas. Os futuros professores referem, por exemplo, o “aprender a discutir com eles e deixar que eles trabalhassem de forma mais autónoma, sem lhes dar a resposta” (Alexandra, entrevista individual). A Isabel corrobora ao afi rmar que “tentar orientar, aprender a não dar respostas, portanto, não

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centrar tanto a aula em mim. E penso que isso foi o maior feito que consegui” (Entre-vista individual). A Sofi a acrescenta:

A gestão em sala de aula, não tanto no sentido da aula centrada no professor, mas em aulas abertas. Portanto, fazer essa gestão de sala de aula… no início, do questionamento dos alunos, uma coisa que aprendi foi isso mesmo, foi como questionar os alunos sem lhes dar as respostas, serem eles a procurar esses conhecimentos. (Entrevista, Sofi a)

A gestão da sala de aula, bem como o questionamento são fatores importantes, na medida em que a aplicação deste tipo de tarefas altera a rotina da sala de aula e, por conseguinte, a prática do professor.

Papel do aluno

A aplicação destas tarefas tem consequências no papel do aluno. Os futuros pro-fessores referem que “é uma ferramenta fantástica para conseguir dar aos alunos um papel mais ativo” (Jorge, entrevista) e “permite também que os alunos, entre outros, delineiem estratégias de resolução de problemas, analisem e prevejam hipóteses e respostas, analisem resultados, discutam esses resultados e os comuniquem.” (Sofi a, refl exão). Na entrevista em grupo focado, a Sofi a e a Alexandra também referem o papel do aluno:

Sofi a - Efetivamente, eles (alunos) envolvem-se mais e aprendem e… respondem, sabem. E é interessante ver esta transformação que ocorreu em IPP (Iniciação à Prática Profi ssio-nal). Eu acho que esta aprendizagem foi muito, muito positiva.Alexandra - Os alunos, eu acho que os alunos se envolvem…Alexandra e Sofi a - Muito mais.Sofi a - Muito mais.Alexandra - Estão mais atentos, mais participativos. A história do papel ativo do aluno…Sofi a - confi rma-se.Alexandra- confi rma-se. Sim, sem dúvida!

Jorge descreve a evolução dos seus alunos no sentido de uma maior autonomia e responsabilidade:

Desde a primeira até a última tarefa, o que se verifi cou é que os alunos já pediam muito menos a intervenção do professor. Já haviam criado novas estratégias para alcançar as aprendizagens, as perguntas que faziam ao professor eram muito menos diretas, eram muito mais para auxiliar no raciocínio que estavam a ter, ou alguma dúvida que poderiam ter, que, ultrapassando, facilitava o raciocínio, e recorriam muito mais à discussão com os colegas… (Entrevista individual, Jorge)

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Os futuros professores reconhecem que a utilização deste tipo de tarefas permite aos alunos um papel mais ativo que se traduz numa crescente autonomia e numa maior responsabilidade pela sua aprendizagem.

Papel do professor

A utilização destas tarefas leva a mudanças no papel do professor. Na sua refl e-xão fi nal, Isabel refere que:

Como futura professora deverei criar ambientes de aprendizagem informais, que colo-quem o aluno no centro da sua própria aprendizagem e facilitar esse mesmo processo, através de processos de orientação e questionamento. É também essencial promover um ambiente em que os alunos se sintam confortáveis em participar, em colocar questões e em expor ideias, pelo que um professor deve possuir características pessoais que promo-vam este tipo de interação (…). (Refl exão fi nal, Isabel)

Carolina também refl ete sobre o papel do professor como orientador:

O ensino não se limita à mera transmissão de conhecimentos. É necessário desenvolver várias competências. Um professor é acima de tudo, um educador que, além da sua dis-ciplina, ensina outros conhecimentos, atitudes, valores, conduzindo os alunos à procura e construção do seu próprio conhecimento. (Refl exão, Carolina)

A Sofi a acrescenta ainda que é importante possibilitar “aos alunos desafi arem as suas suposições, explorarem e construírem o seu conhecimento” (Refl exão fi nal). Os futuros professores assumem, deste modo, que o papel do professor é de orientador e facilitador das aprendizagens dos seus alunos. E referem ainda que o professor deve proporcionar desafi os aos seus alunos que os levem a mobilizar competências diversas.

Conclusões

O conhecimento que os futuros professores vão construindo ao longo da iniciação à prática profi ssional leva-os a planifi car, conceber e aplicar tarefas com maior grau de abertura. Os futuros professores salientam que os alunos não devem desenvolver apenas competências do conhecimento científi co nas aulas de Física e Química. Daí a importância em conceber tarefas com um maior grau de abertura, de modo a po-tenciar as aprendizagens e a autonomia dos seus alunos. Isso leva a que os futuros professores também valorizem o questionamento em sala de aula e a discussão em grupo, para que os alunos encontrem e utilizem estratégias para responder às ques-tões colocadas.

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A utilização de tarefas com maior grau de abertura acarreta mudanças, quer no papel do aluno quer no do professor. Os futuros professores salientam que o aluno assume um papel mais ativo, tornando-se mais autónomo e responsável pela sua aprendizagem. No entanto, uma mudança em sala de aula não ocorre, por si só, é preciso que o professor propicie essa transformação. O professor, como facilitador e orientador das aprendizagens, deve criar um ambiente em sala de aula que seja desafi ante para os alunos. A utilização de tarefas, com maior grau de abertura, pode ser um meio para atingir esse fi m.

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ResumoA competência compositiva, pela complexidade de saberes que integra, jamais poderá considerar-se totalmente mecanizada. O facto de envolver um conjunto de etapas sequenciais e intrinsecamente relacionadas coloca ao escritor inúmeras interrogações e, simultaneamente, possibilidades compositivas, nas quais a tomada de deci-sões é permanente. Aprende-se a escrever, escrevendo e o professor, além de motivar os seus alunos para esta mestria, deve ainda alertá-los para o facto de este ato complexo ser constituído por três etapas fundamentais: planifi cação, textualização e revisão. Conhecê-las e aplicá-las dotam o aluno de ferramentas de organização e facilitação processual que o ajudam a superar alguns obstáculos. A escrita colaborativa como estratégia de facili-tação processual da competência compositiva no 1.º Ciclo do Ensino Básico é a proposta de intervenção do pre-sente estudo, determinada a partir da seguinte pergunta de partida: De que forma uma metodologia de trabalho colaborativa, assente em atividades de reconto e revisão das características dos tipos de texto, poderá favorecer a competência compositiva dos alunos? Suportado por uma metodologia de investigação sobre a própria prática, o presente estudo evidencia que a prática regular de atividades colaborativas que sejam, não só, promotoras da competência escrita, como também reguladas por instrumentos de auto e heteroavaliação, contribuem para que os alunos refl itam sobre as suas difi culdades, consolidem os aspetos estruturais e específi cos dos diferentes tipos de texto e melhorem gradualmente a sua competência compositiva.

Palavras-chaveCompetência compositiva, escrita colaborativa, auto e heteroavaliação.

Introdução

Este estudo tem como objetivo geral melhorar a competência compositiva dos alunos de 4.º ano de escolaridade, os quais evidenciavam fragilidades signifi ca-tivas ao nível da referida competência. Deste modo, procurou-se consolidar as especifi cidades dos tipos de texto narrativo, descritivo e poético, através de ativi-dades de escrita colaborativa que promovessem, simultaneamente, o gosto pela escrita. Não obstante, e para que se iniciasse um processo de refl exão em torno deste percurso, promoveram-se atividades de autoavaliação, heteroavaliação e revisão dos textos.

A Escrita Colaborativa como Estratégia de Facilitação Processual da Competência Compositiva no

1.º Ciclo do Ensino Básico

Mariana Sofi a Mota de Oliveira dos SantosInês Teixeira Ribeiros

Paula Farinho Instituto Superior de Ciências Educativas

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Neste sentido, desenvolver atividades colaborativas que incrementassem a com-petência compositiva destes alunos assumiu-se como a linha mestra do plano de ação, o qual assentou numa metodologia de investigação sobre a própria prática, sen-do o suporte para essa atuação “a actividade investigativa, no sentido de actividade inquiridora, questionante e fundamentada” (Ponte, 2002, p. 2).

1. Enquadramento Teórico

1.1. Leitura, Escrita e Oralidade: domínios indissociáveis

A promoção de competências compositivas alicerça-se na leitura e na oralidade, por serem domínios complementares e simultaneamente promotores da escrita. Se, por um lado, “saber ler é uma condição indispensável para o sucesso individual” (Sim-Sim, 2007, p. 5), também “A capacidade de produzir textos escritos constitui hoje uma exigência generalizada da vida em sociedade” (Barbeiro & Pereira, 2007, p. 5).

Todavia, nesta simbiose Leitura-Escrita, a oralidade apresenta-se como o domínio menos valorizado enquanto objeto de aprendizagem, já que “são raros os momentos em que o trabalho sobre o oral na escola é intencional e se constitui como um fi m em si mesmo” (Pinto, in Costa & Sousa & Cardoso, 2010, p. 15).

Valorizar e estimular a oralidade dos alunos é, deste modo, crucial, pois “A escrita deve ser entendida como uma forma de codifi car o oral” (Duarte, 2000, p. 379). No entanto, a valorização da oralidade deve-se também a três constatações:

● uma constatação linguística: a língua portuguesa escrita é uma representação da língua falada; ● uma constatação psicolinguística: em todas as aprendizagens linguísticas – na-turais ou escolares – o sujeito parte da oralidade para a escrita;● uma constatação relativa às aprendizagens: toda a aprendizagem se baseia numa aprendizagem anterior (Pereira & Azevedo, 2005, p. 18).

Assim sendo, abordar o domínio da oralidade “deverá constituir-se como um mo-mento de aula previamente planifi cado pelo professor, com espaço e tempo próprios” (Pinto, in Costa & Sousa & Cardoso, 2010, p. 16), devendo ser articulada com os restantes domínios porque

as relações entre a escrita e a oralidade não podem ser entendidas de forma linear, como se uma fosse separada da outra ou totalmente dependentes. Nem uma coisa nem outra. A produção verbal escrita é de um nível de difi culdade superior ao da produção verbal oral, já que o locutor tem de ser capaz de gerir e avaliar não só o conteúdo a dirigir ao destina-tário, como a linguagem a ser mobilizada em relação a esse mesmo conteúdo (Pereira & Azevedo, 2005, p. 7).

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Com isto, as autoras alertam para o facto de existirem crianças que, embora produzam, com correção, narrativas orais, quando as transpõem para a escrita se confrontem com obstáculos que as levam a escrever frases soltas, desprovidas de sentido e articulação, e que em nada se assemelham a um texto (Pereira & Azevedo, 2005).

Posto isto, é importante investir na produção escrita porque “escrever (…) poten-cia e desenvolve a leitura e permite uma melhor e mais complexa organização da fala” (Buescu et al., 2012a, p. 14).

1.2. A escrita enquanto processo

Não obstante a complementaridade existente entre os domínios da Escrita, Orali-dade e Leitura, é preciso atender à especifi cidade de cada um deles, tendo a compe-tência compositiva um maior relevo neste estudo, considerando as difi culdades diag-nosticadas, em contexto de estágio, ao nível da produção e profi ciência na escrita.

Partindo da premissa que a aprendizagem da escrita se alicerça em três importan-tes competências: a gráfi ca (capacidade de conhecer e utilizar os sinais gráfi cos da escrita); a ortográfi ca (conhecimento das regras inerentes à representação escrita das palavras) e, por fi m, a compositiva (utilização de expressões linguísticas que formam um texto) é essencial iniciar este processo de aprendizagem precocemente para que os alunos percebam que escrever implica tomar decisões, que vão desde a ativação dos conhecimentos e escolha dos elementos que farão parte do texto, até à sua ava-liação e reformulação.

Nesta linha de pensamento, Barbeiro e Pereira (2007) esclarecem que o processo de escrita pode ser estruturado em três componentes: planifi cação, textualização e revisão. A primeira etapa leva o escritor a equacionar o conteúdo e estrutura do seu texto, o que Pereira e Azevedo (2005) defi nem como uma “representação interna dos conhecimentos que deverão ser mobilizados” (p. 9). Na ótica de Barbeiro e Pereira (2007), “A capacidade de planifi cação constitui um dos aspectos que diferencia o domínio da escrita por parte dos leitores” (p. 18).

Concluída esta fase de planifi cação, inicia-se a textualização, a qual diz respeito à explicitação do conteúdo a expor, ou seja, ao texto propiamente dito. No entanto, subentendida a esta fase encontram-se a formulação e a articulação linguísticas (Bar-beiro & Pereira, 2007), requisitos estes que dão forma, sentido e signifi cado ao texto. Sendo a escrita uma atividade social (Pereira & Azevedo, 2005), o destinatário do texto, ou seja, o leitor, exige ao escritor clareza na organização e estruturação do seu texto, para que este assuma o seu caráter comunicacional.

Por fi m, repensar a escrita individualmente, a pares ou em coletivo, permite fi nali-zar as etapas da dimensão compositiva, através da revisão, último procedimento que poderá incidir sobre os aspetos gráfi cos, ortográfi cos ou estruturais do texto (Barbeiro & Pereira, 2007). Para o efeito, poderão ser elaborados instrumentos de apoio, como

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grelhas de orientação e verifi cação, “que permitam aos alunos olhar para o texto e conseguirem perceber os ganhos da sua reformulação” (Pereira & Azevedo, 2005, p. 12).

1.3. Constrangimentos no processo de aprendizagem

A complexidade do processo de ensino e aprendizagem da escrita faz emergir inúmeros constrangimentos, sendo um dos primeiros o confronto da criança com uma língua padrão falada, muitas vezes, distinta daquela que ela domina. Devido à hete-rogeneidade de públicos que frequenta atualmente a Escola, existem crianças que a sentem como um espaço de “continuidade dos seus actos de fala e de língua; [enquanto] outros sentem (...) como outra coisa, diferente, portanto, do seu mundo” (Pereira & Graça, 2008, p. 273).

Esta ambiguidade faz com que a Escola possa ser um prolongamento do ambien-te familiar ou, pelo contrário, se assuma como uma realidade estranha e que coloca obstáculos ao nível da compreensão. Esta diversidade linguística, traduzida para al-guns como um choque cultural entre a língua padrão e a língua falada no meio fami-liar (Pereira & Graça, 2008), desafi a os professores no sentido de tornarem os seus alunos profi cientes, quer na competência oral, como também na escrita e na leitura.

Todavia, escrever trata-se de uma atividade complexa “que não pode fi car confi -nada a algumas sessões de escrita pontual e, muito menos, a uma escrita de carácter expressivo do tipo «redacção»” (Pereira & Azevedo, 2005, p. 8), pois escrever é

um ato complexo que envolve simultaneamente diferentes capacidades e o desenvol-vimento de competências específi cas. Impõe formular uma ideia, selecionar vocábulos, escrevê-los e organizá-los numa estrutura, segundo normas, de modo a transmitir uma mensagem coerente num determinado contexto comunicativo, evidenciando os aspetos criativos e formais de uso da língua. Ao falarmos de competência de escrita não nos res-tringimos a uma competência mas a múltiplas de ordem ortográfi ca, sintática, textual… (Reis, in Teixeira, Silva & Santos, 2011, p. 108).

Neste sentido, e para que o processo de escrita seja estruturado, sequenciado e refl etido, é essencial que os alunos convivam com as três etapas da competência compositiva, para que se apropriem das mesmas. Todavia, neste processo é imperio-so reconhecer os seus constrangimentos, assumindo que “se a tarefa de ensino da escrita é complexa e difícil, a tarefa de aprendizagem também o é igualmente” (Perei-ra & Azevedo, 2005, p. 15), cabendo ao professor o dever de proporcionar ambientes estimulantes “que possibilitem a cada aluno a sua própria progressão e, consequen-temente, a sua capacidade de se auto-avaliar” (p.15).

Se, no início da aprendizagem da leitura e escrita, o enfoque reside na aquisição e domínio das competências gráfi ca e ortográfi ca, à medida que o aluno progride, a atuação do professor transfere-se para a dimensão compositiva, a qual nunca estará

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“completamente automatizada, pois cada texto coloca desafi os novos e apresenta possibilidades alternativas quanto à sua construção” (Barbeiro & Pereira, 2007: 15). Niza, Segura e Mota (2011) corroboram e afi rmam que “A aprendizagem da escrita nunca está concluída, antes se refaz a cada novo texto” (p. 6) e, por se tratar de um processo complexo, cabe aos professores assumirem-se como mediadores e facili-tadores.

Retomando Barbeiro e Pereira (2007), a competência compositiva pressupõe dois níveis de estruturação: global e específi co, sendo que o primeiro diz respeito “à or-ganização das grandes unidades do texto” (p. 16) e o segundo “à combinação de expressões linguísticas” (p. 16). Ambos colocam ao escritor várias interrogações e possibilidades de intervenção, mas para que o processo se desenvolva gradualmente “Os alunos precisam de diversifi car os escritos para compreenderem que a escrita serve também para comunicar” (Pereira & Azevedo, 2005, p. 8).

Contudo, e atendendo às difi culdades inerentes ao processo, Teixeira, Novo e Neves (2011) declaram que:

Numa perspectiva tradicional o aluno é levado a seguir um caminho analítico que o conduz, pouco a pouco, da letra à palavra, da palavra à frase, da frase ao parágrafo e, fi nalmente do parágrafo ao texto. A variedade de textos produzidos é reduzida, transmitindo-se numa ideia redutora da escrita. A avaliação preenche uma função exclusivamente sumativa, não se podendo dizer que se integra no processo de aprendizagem (p. 240).

Esta abordagem à escrita, como um percurso que vai da letra ao texto, desprovida de refl exão e avaliação, perspetiva-a como um fi m em si mesma, o que faz com que Niza, Segura e Mota (2011) defendam que a prática da escrita, enquanto processo seja, muitas vezes, remetida para segundo plano, alertando para as difi culdades de correção/avaliação dos textos apresentadas pelos professores, o que os leva a pro-ceder às seguintes correções-tipo:

● redigem a forma correcta em cima ou ao lado da forma incorrecta (ortografi ca-mente, morfologicamente, sintacticamente); ● suprimem repetições (riscando a escrita do aluno);● acrescentam letras, palavras, expressões (nos interstícios das palavras já es-critas);● substituem letras, palavras, expressões do aluno, pela escrita de outras (sem que o seu sentido, intencionalidade ou adequação sejam clarifi cados com o autor-alunos);● escrevem menções qualitativas a que, muitas vezes, acrescentam recados-opi-niões; (Niza, Segura & Mota, 2011, p. 7).

A intervenção é, desta forma, superfi cial, fi cando a estruturação textual e os as-petos organizativos, muitas vezes, por explorar. É nesta linha de pensamento que

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Fonseca (1992) é perentória ao afi rmar que existe, na Escola, uma ausência de pe-dagogia de escrita, porque, apesar de ser uma prática comum, “a sua presença é assistemática, ocasional, não programada” (p. 226).

Assim, os alunos fi cam sem saber que, entre outras coisas, escrever é planifi car e rever o texto (Pereira & Azevedo, 2005), pois

O ensino da produção escrita precisa de deixar de ser confundido, pelos professores, com o ensino da gramática, com a actividade de ditado, com a actividade de preenchimento de espaços em branco, com o ensino da leitura e da análise literária ou com o exercício compositivo, mais ou menos formal, que incide sobre as frases e suas ligações (Niza, Segura & Mota, 2011, p. 8).

Escrever não é só uma questão de talento, pois aprende-se a escrever escreven-do (Niza, Segura & Mota, 2011), mas numa era em que predominam os estímulos audio-visuais e informáticos, parece ser difícil levar os alunos a escreverem com entu-siasmo, predominando a “desmotivação, falta de imaginação e falta de confi ança em si próprio” (Dias, 2006, p. 12).

Não obstante os constrangimentos de um processo complexo e de difícil aprendi-zagem, existem estratégias impulsionadoras e desbloqueadoras da produção escrita, algumas das quais serão seguidamente apresentadas.

1.4. Possibilidades de intervenção em sala de aula

Uma das estratégias promotoras da competência compositiva prende-se com a necessidade de diversifi car os escritos (Pereira & Azevedo, 2005), quer no que res-peita ao acesso como à própria produção, pois a linguagem de cada um deles contém diferentes intencionalidades e os alunos precisam de contactar com esta multiplicida-de de usos para que criem “uma relação amigável com os escritos” (p. 15).

A par desta, Pereira e Graça (2012) apontam o reconto de uma história lida ou ouvida porque “subentende a apropriação de matrizes de textos narrativos e possibi-lita um alargamento de possibilidades discursivas” (p. 274), além de que desenvolve a compreensão da informação recebida e a sua respetiva retextualização, caso se proceda ao resumo escrito.

Por sua vez, Dias (2006) apresenta as Técnicas de Escrita Expressiva e Cria-tiva (TELL) como elementos desbloqueadores, pois “ajudam a superar algumas dificuldades de expressão escrita (...) através da alegria e gosto da descoberta da escrita e da liberdade do pensamento e da expressão” (Dias, 2006, p. 15). Embora esta sugestão assente em estratégias associadas ao jogo, “promove a valorização da técnica, como o rigor da sua aplicação – pois as regras têm de ser interiorizadas para que o produto a alcançar corresponda às solicitações iniciais” (p. 22).

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Concomitantemente, surge ainda a escrita colaborativa, como elemento unifi cador das relações entre os alunos e entre estes e o professor, na medida em que gera um ambiente de interação, partilha, diversidade de opiniões e níveis compositivos (Teixei-ra, Novo & Neves, 2011). Para Niza, Segura & Mota (2011) “partilhar a actividade de escrita permite, entre outras operações, explicitar o que se pensa, analisar e integrar dados, realizar um trabalho conjunto de resolução de problemas linguísticos e textu-ais, construir estratégias mais efi cazes de comunicação por escrito” (p. 35). Esta en-treajuda permite aos alunos aprender uns com os outros, fazendo com que se sintam mais seguros e confi antes, pois “A cultura de cada um potencializa os conteúdos e o discurso escrito” (Niza, Segura & Mota, 2011, p. 35).

Pereira e Azevedo (2005) propõem ainda a produção escrita a partir de ilustrações ou de suportes visuais pobres que envolvam o imaginário dos alunos, a elaboração de livros coletivos e a escrita a partir de obras conhecidas ou histórias reais. Isto é, elemen-tos diversifi cados, prazerosos e que motivem os alunos na superação das suas difi cul-dades, pois “Se para bem escrever, convém ler muito e bom, para bem ler (para bem compreender e apreciar o que se lê), convém escrever – muito!” (Santos, 2008, p. 5).

Apesar de ser desconhecido o rumo futuro de cada aluno, cabe ao professor expô-lo a estímulos promotores de escrita, sendo que as estratégias anteriormente apon-tadas não devem ser entendidas como realidades estanques, pois são passíveis de coexistir, tornando dessa forma o processo escrito mais dinâmico e criativo.

2. Metodologia

Este estudo, sustentado na metodologia de investigação sobre a própria prática, pressupôs uma investigação contínua e uma consequente refl exão na ação e sobre a ação, tendo em conta que:

é necessário distinguir quatro conceitos diferentes: (i) o conhecimento na acção, conheci-mento que o professor demonstra na execução da acção; (ii) a refl exão na acção, ocorre quando o professor refl ecte no decorrer da acção, reformulando-a; (iii) a refl exão sobre a acção, feita retrospectivamente quando se reconstrói mentalmente a acção para tentar analisá-la; e (iv) a refl exão sobre a refl exão na acção, processo que fomenta a evolução e o desenvolvimento profi ssional do professor, levando-o a construir a sua própria forma de conhecer (Fidalgo & Ponte, 2004, p. 9).

Em termos de instrumentos de recolha de dados, foram privilegiadas observa-ções, entrevista ao orientador cooperante, consultas de bibliografi a diversa, aplicação de pré e pós-teste aos alunos e ainda narrativas refl exivas resultantes da prática de-senvolvida, pois como Fidalgo e Ponte (2004) defendem, a refl exão, quer seja sobre a prática pedagógica ou a prática profi ssional, é fundamental na tomada de decisões e na construção de um saber e conduta profi ssionais ponderados.

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Partindo das fragilidades detetadas e respeitando o documento normativo que se encontrava em vigor à data da implementação do plano de ação, foram contemplados os textos narrativo, poético e descritivo, revisitados através de obras literárias reco-mendadas para o 4.º ano de escolaridade. Estas foram algumas das estratégias utili-zadas para melhorar a competência compositiva dos alunos, respeitando o princípio de que “a leitura de textos bem construídos e a refl exão sobre a sua composição são, naturalmente, processos que convivem bem com a aprendizagem da escrita” (Pereira & Azevedo, 2005, p. 13). Além disso, “ensinar a ler e a escrever com sentido tem o texto como ponto de chegada e como ponto de partida” (Costa e Sousa & Cardoso, 2010, p. 74).

O plano de ação delineado, esquematicamente representado na Figura 1, pro-curou valorizar os conhecimentos prévios dos alunos para que os novos pudessem ser mais signifi cativos, permitindo, assim, a progressão das aprendizagens (Costa e Sousa & Cardoso, 2010). Da produção inicial ate à produção escrita fi nal foram desenvolvidas várias atividades promotoras de escrita, alicerçadas nas diferentes possibilidades de intervenção em sala de aula apresentadas, sendo dada ênfase às especifi cidades dos três tipos de texto: narrativo, descritivo e poético.

Figura 1. Mapa organizativo do plano de ação

Sobre o ensino da escrita, Pereira e Azevedo (2005) defendem que “na verdade, não se ensina uma criança a ler e a escrever, é ela que aprende” (p. 85), sendo o professor um mediador. Esta atitude promotora de aprendizagens, onde os alunos são os principais mobilizadores do seu conhecimento e processo de crescimento, nor-tearam a postura da investigadora, na medida em que esta pretendeu, com a revisão das especifi cidades dos tipos de texto e dos momentos de auto e heteroavaliação,

Especificidades do tipo de texto narrativo

Especificidades do tipo de texto descritivo

Especificidades do tipo de texto poético

Estratégias:

Fichas de leitura;

Escrita colaborativa;

Auto e heteroavaliação;

Recontos orais e escritos;

Livro coletivo de histórias;

Produção inicial Produção final

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dotar os alunos de ferramentas que lhes permitisse progredir autonomamente na sua competência compositiva.

3. Apresentação e análise dos resultados

Para que se pudessem aferir eventuais evoluções, realizaram-se produções ini-ciais e fi nais, as quais serão seguidamente apresentadas, com vista à apresentação e discussão de resultados.

Na primeira narrativa escrita pelos alunos verifi cou-se que a principal lacuna não residia na integração dos seus elementos constituintes (espaço, tempo, personagens, …), mas sim nos mecanismos de organização da informação (desenvolvimento e ar-ticulação das ideias) e no cumprimento das regras de pontuação. Dos catorze alunos em estudo, verifi cou-se que apenas 9% fez a abertura de parágrafos, 22% organizou as ideias do texto em diferentes parágrafos e, por sua vez, 30% dos alunos redigiu frases extensas, onde predominou a ausência de pontuação. Sobre este aspeto, Pe-reira e Azevedo (2005) referem que a não marcação de parágrafos consiste numa das difi culdades detetadas e lembram que “o parágrafo serve para estruturar o conteúdo dos textos e para mostrar formalmente a sua organização” (p. 48), sendo muito impor-tante na expressão escrita.

Figura 2. Exemplo de uma narrativa inicial

Confrontando estes dados com a segunda narrativa, verifi cou-se que a abertura de parágrafos passou a ser realizada por 23% dos alunos, decrescendo o número de alunos que utilizavam frases extensas e desprovidas de pontuação, gerando uma sequência de ideias mal narradas e de difícil compreensão. Caels e Carvalho (2006) referem que “As frases usadas são, na sua maioria, simples ou compostas por co-ordenação” (p. 28). Todavia, na produção fi nal, verifi caram-se alguns progressos na criação de frases mais curtas, articuladas e percetíveis.

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Outro dos aspetos verifi cados, prende-se com a quase inexistência de diálogos, um elemento tão característico dos textos narrativos, sendo que, nos casos em que foi contemplado, nem sempre se verifi cou a utilização das devidas marcas gráfi cas (os dois pontos, o parágrafo e o travessão).

Todavia, com a análise da segunda narrativa, verifi cou-se principalmente num aluno que, na primeira narrativa, não teve qualquer intencionalidade em introduzir o diálogo, enquanto na segunda narrativa já o faz, utilizando as marcas, ainda que não o tenha feito com total correção, visto nem sempre utilizar os dois pontos que antece-dem a fala da personagem.

Figura 3. Introdução de diálogo na narrativa fi nal

Relativamente a este aspeto, Pereira e Azevedo (2005) referem que é comum os alunos apresentarem diálogos insufi cientes entres as personagens, sendo necessário reforçar este conhecimento. Todavia, entre a produção inicial e fi nal não existem dife-renças que permitam verifi car avanços ou retrocessos, já que em ambos os casos se verifi cou que apenas 13% dos alunos recorreu aos diálogos, utilizando para o efeito as respetivas marcas.

Na produção de narrativas, “após ter fornecido a informação necessária quanto ao quando, onde e quem da história, os alunos devem começar a narrar eventos” (Caels & Carvalho, 2006, p. 8). Todavia, verifi ca-se que na primeira produção esta narração ocorre de forma confusa, não existindo a apresentação da situação inicial, a descrição das personagens, o surgimento de um perigo opositor, o desenlace da peripécia e a localização espacial.

Por sua vez, na produção fi nal, os elementos quando, quem e onde surgem de forma mais articulada e sequenciada, revelando progressos neste aspeto.

A primeira produção revelou alguma difi culdade em articular o elemento temporal, o que, segundo Caels e Carvalho (2006) poderá estar associada ao facto de os alunos não possuírem “conhecimentos lexicais, sintáticos ou semânticos necessários para

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concretizarem esta correta articulação” (p. 4). Por sua vez, na produção fi nal, esta interligação ocorreu de forma mais espontânea, expressa através da articulação entre os tempos verbais “Num dia de muito vento um panda desapareceu e foi...”.

Figura 4. Desenlace da narrativa inicial

Os resultados do estudo de Leitão e Ribeiro (2009), no que à produção de textos narrativos diz respeito, vão ao encontro das difi culdades enunciadas, na medida em que a maioria dos erros se centrou na estruturação da introdução, na continuidade lógica das ideias, na produção de frases complexas e no domínio de vocabulário diversifi cado. Em todo este processo de aprendizagem foi privilegiada a análise indivi-dual dos textos, numa lógica de autoavaliação e refl exão sobre o produto fi nal. Neste âmbito, Pereira e Cardoso (2013) referem que

A capacidade de distanciamento da produção escrita – que inclua a verifi cação se o texto contém todos os elementos necessários à compreensão pelo leitor – constitui-se como adjuvante do processo de revisão. Todavia, se este distanciamento é difícil de garantir, em todos os momentos, nos escreventes mais adultos e experientes, em crianças sê-lo-á de forma muito mais acentuada (p. 58).

Não obstante este entrave, envolver os alunos nestas refl exões foi essencial, tendo as grelhas de verifi cação funcionado como instrumentos de suporte e facilita-ção. A falta de imparcialidade é bem visível quando se comparam os resultados da

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autoavaliação com os da heteroavaliação, visto a capacidade de análise dos alunos ser distinta, pois, regra geral, consideram que os seus textos reúnem as condições requeridas, sendo mais críticos quando o texto em análise é do colega. Todavia, des-pertá-los para a importância de reverem e melhorarem os seus textos foi crucial.

Relativamente à produção de textos descritivos, verifi cou-se que na primeira des-crição 54% dos alunos elaborou um texto narrativo a partir da ilustração que escolheu, enquanto na produção fi nal apenas se verifi cou em 8%.

De facto, na primeira descrição são observadas nos textos marcas tipicamente narrativas, nomeadamente os indicadores temporais “Era uma vez...”, “Certo dia...”. Este aspeto é frisado por Pereira e Azevedo (2005), visto a “interferência de outros tipos textuais (o narrativo)” (p. 61) ser comum.

Figura 5. Marcas narrativas na descrição inicial

Associa-se a este aspeto a “Má gestão (inconsistência) dos tempos verbais” (p. 61), não havendo coerência na manutenção do tempo verbal “Era uma vez uma, prin-cesa que tinha cabelo laranja e a sua, cara é verde...”.

De referir que esta primeira produção descritiva foi realizada pelos alunos no início do plano de ação, sem que lhes tenham sido dadas indicações sobre as caracterís-ticas deste tipo de texto. Tratou-se de uma produção espontânea e feita a partir dos conhecimentos prévios que detinham sobre o assunto. Durante a análise do texto descritivo foram tidas em conta as operações de tematização, aspetualização e rela-ção, defendidas por Adam (2011).

Da análise aos textos verifi cou-se que 100% da amostra contemplou, nos seus textos iniciais, operações de tematização (identifi cação do elemento que será des-crito) e de aspetualização (atribuição de características e propriedades ao elemento

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descrito). A grande evolução verifi cada, aquando da análise das descrições fi nais, prendeu-se com as operações de relação, as quais podem subdividir-se em duas categorias:

a) “Relation de contigité” (Adam, 2011, p. 175) que diz respeito à localização do elemento descrito num tempo histórico e/ou num espaço, servindo esta contextua-lização espácio-temporal para um melhor entendimento e justifi cação de algumas características ou atributos;b) “Relation d’analogie” (Adam, 2011, p. 176) que se prende com o estabelecimen-to de comparações entre o elemento descrito e um outro com o qual seja possível efetuar comparações. Como o autor refere, “cette forme d’assimilation compara-tive ou métaphorique permet de décrire le tout ou ses parties en les mettant en relation avec d’autres objets-individus” (Adam, 2011, p. 176).

Como se verifi ca na descrição inicial, apenas 8% incluiu elementos comparati-vos, estabelecendo relações entre o tamanho dos olhos da princesa e uma bola de minigolfe e referindo que ela se assemelha a um elefante bebé porque tem um nariz grande.

Figura 6. Relações de comparação na descrição fi nal

De acordo com Adam (2011), as relações de analogia permitem estabelecer com-parações do todo ou das partes com outros elementos e, neste caso específi co, foram comparadas partes específi cas, como os olhos e o nariz da princesa.

Na descrição fi nal foi possível verifi car uma melhoria ao nível das relações de comparação e localização e, curiosamente, um dos alunos que melhorou signifi cati-vamente o seu texto, fê-lo numa carta que escreveu à mãe, utilizando as seguintes relações:

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Figura 7. Descrição fi nal em forma de carta

Esta carta acaba por conter marcas típicas do tipo de texto descritivo, o que vai ao encontro do defendido por Adam (2011), Gouveia (2006) e Morais (1998) no que respeita à inexistência de tipos de texto puros.

Na segunda descrição, as relações de comparação passam a ser contempladas por 50% da população em estudo e as relações de localização por 35%, o que são dados francamente positivos.

Dando continuidade à apresentação dos resultados, é de referir que ao nível do pré e pós-teste também se verifi caram mudanças, principalmente ao nível dos hábitos leitores dos alunos. Se, no pré-teste, 61% dos alunos gostava de ler histórias “às ve-zes”, aquando da aplicação do pós-teste este quantifi cador foi reduzido para 23%. Por sua vez, se anteriormente apenas 31% gostava de ler “muitas vezes”, no pós-teste verifi cou-se um aumento para 62%.

Quando questionados sobre os hábitos de escrita, 61% respondeu, no pré-teste, que, caso pudesse escolher, escrevia “de vez em quando”, enquanto 31% o fazia “todos os dias”. No pós-teste, os resultados mantiveram-se praticamente inalteráveis, não havendo mudanças signifi cativas quanto ao domínio da escrita.

Relativamente à importância que atribuem à competência compositiva, os alunos reconheceram o seu valor, embora se tenha verifi cado, no pós-teste, um aumento deste reconhecimento (de 46% que consideraram ”muito importante” passou-se para 69%).

Analisando agora o autoconceito que têm sobre a sua competência compositiva, verifi cou-se, no pré-teste, que 54% dos alunos consideraram que escreviam “mais ou menos” e no pós-teste este quantifi cador aumentou para 69%. Quanto aos alunos que consideraram que escreviam “muito bem”, verifi cou-se um decréscimo de 31% para 23%, o que remete, em parte, para uma maior consciencialização das suas capaci-dades compositivas.

O mesmo se verifi ca quando se avalia o autoconceito da produção de narrativas, pois 84% dos alunos classifi caram-na, no pré-teste, como uma tarefa “mais ou menos fácil” e apenas 8% considerou tratar-se de algo “muito difícil”. No pós-teste, apenas 62% dos alunos passou a considerá-la como “mais ou menos fácil”, tendo-se verifi ca-do um aumento nos alunos que a consideram como algo “muito difícil” (23%).

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Neste sentido, impôs-se outra questão relacionada com o grau de satisfação dos alunos face à produção de textos narrativos. Quer no pré-teste, como no pós-teste, 38% dos alunos fi cou “muito satisfeito” com o resultado das suas narrativas, porém, se antes não se verifi cava o descontentamento de nenhum aluno, no pós-teste, 8% afi rmou estar “nada satisfeito”.

O facto de as mudanças não ocorrerem “seguindo uma ordem imutável e idêntica para todos os alunos, mas no respeito pelas variantes inter-individuais” (Pereira & Azevedo, 2005, p. 84), foi um aspeto crucial e tido em conta. Por tal motivo, foram privilegiadas atividades de escrita colaborativa, sendo a heterogeneidade dos níveis de profi ciência compositiva o critério para a escolha dos grupos.

Além de valorizar o trabalho com o outro, este plano de ação procurou, de forma regular, articular os domínios Oralidade-Escrita-Leitura, não só por serem indissociáveis, como também reciprocamente promotores do desenvolvimento da competência compositiva. Como refere Buescu et al. (2012a), “A composição es-crita, qualquer que seja o género (…) não é só questão de talento ou aptidão: trabalha-se, aprende-se” (p. 15). Por tal motivo, em todo o processo de intervenção esteve patente a intencionalidade pedagógica de envolver os alunos no processo de avaliação e revisão dos textos, criando para o efeito instrumentos de recolha de informação que os ajudava a refl etir sobre as características dos seus textos e as suas difi culdades.

Neste âmbito, apesar de se terem observado progressos na forma como estes apresentavam e defendiam oralmente os seus pontos de vista acerca dos textos cria-dos por si e pelos colegas, nem sempre foi possível verifi car uma melhoria evidente nos textos escritos, após a etapa da revisão, sendo poucas as alterações compositi-vas.

Sobre este aspeto, Buescu et al. (2012a) defendem que “Até ao fi m do 1.° Ciclo e mesmo depois, a qualidade das produções escritas é geralmente muito inferior à das produções orais, em particular devido aos efeitos colaterais da lentidão da escrita e da não automatização dos processos ortográfi cos” (p. 16).

Não obstante, procurou-se dotar os alunos de ferramentas processuais adjuvan-tes ao processo de escrita (planifi cação, textualização, revisão, escrita colaborativa, auto e heteroavaliação), investindo também na refl exão coletiva. Como defendem Pereira e Cardoso (2013) é preciso fazê-los “perspetivar a escrita como um processo que têm de, paulatinamente, ir conhecendo e dominando” (p. 9) e este aspeto acabou por se traduzir nos pós-testes, onde se constatou uma maior consciencialização sobre as difi culdades próprias de um processo de escrita.

A utilização das obras literárias, além de ter contribuído para o aumento da ativi-dade leitora, permitiu, ainda, explorar e aprofundar a estrutura e as características dos textos narrativos, descritivos e poéticos, embora tenham prevalecido os primeiros. De acordo com Gonçalves, Guerreiro e Freitas (2011), o texto narrativo é um bom instru-mento para “avaliar a competência linguística e comunicativa das crianças” (p. 53), conferindo ao professor indicadores sobre as suas competências discursivas.

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Com a implementação das nove atividades foi possível verifi car melhorias na com-petência compositiva de textos narrativos e descritivos, manifestando-se nas produ-ções fi nais uma maior intencionalidade na aplicação dos elementos constituintes de cada um destes tipos textuais.

O presente estudo teve o propósito de esclarecer que as estratégias colaborati-vas são promotoras de crescimento e aprendizagem, permitindo retomar a questão “De que forma uma metodologia de trabalho colaborativa, assente em atividades de reconto e revisão das características dos tipos de texto, poderá favorecer a compe-tência compositiva dos alunos?”. Esta mais-valia foi reconhecida pelos alunos nas suas avaliações, quando afi rmaram “Gostei de trabalhar em grupo” (J.P., R., M.E., H.), “Trabalhámos bem em equipa” (P.H.)”.

Deste modo, as atividades realizadas e os resultados obtidos confi rmaram que o objetivo geral (Melhorar a competência compositiva dos alunos do 4.º ano do Centro Educativo da Carvoeira) foi atingindo, verifi cando-se uma maior intencionalidade na forma como integravam alguns dos elementos característicos dos tipos de texto nas suas produções, mas também na forma como os alunos estruturaram os seus textos, articularam e sequenciaram as ideias.

Por sua vez, no que aos objetivos específi cos diz respeito, este plano de ação permitiu reforçar as características inerentes aos textos narrativos, descritivos e poéticos, embora o enfoque tenha recaído, essencialmente, sobre os dois primei-ros, visto serem nestes onde se verifi caram maiores fragilidades. Este trabalho de consolidação apoiou-se no desenvolvimento de atividades de escrita colaborativa que, como se verifi cou, esteve presente em todas as sessões de trabalho, salva-guardando-se uma distribuição equitativa entre dinâmicas a pares, mas também de pequenos e grandes grupos. Relativamente à valorização da auto e heteroavalia-ção, como estratégias de revisão e aperfeiçoamento da competência compositiva, tratou-se de um aspeto central em todo o processo, tendo-se verifi cado progressos nas apreciações críticas feitas oralmente perante a turma. Sobre este aspeto, inte-ressa referir que alguns alunos classifi caram a revisão dos textos como essencial porque permite “ver se tenho erros” (M.), “ver se faz sentido” (G.C.) e “ver se tenho palavras repetidas” (C.).

Por fi m, e recuperando o último objetivo específi co (Desenvolver o gosto pela escrita), considera-se que, em certa medida, o plano de ação contribuiu para o seu desenvolvimento junto dos alunos. Embora seja mais difícil mensurá-lo, foi observável o empenho crescente dos alunos, assim como a qualidade dos textos. O facto de as produções escritas serem realizadas, maioritariamente, em grupo conferiu aos alunos maior segurança na tomada de decisões.

As atividades realizadas, além de terem contribuído para um melhor autoconhe-cimento dos alunos envolvidos neste estudo, sobre as suas próprias difi culdades, favoreceram também a sua automonitorização, ajudando-os a serem mais críticos e conscientes face ao trabalho desenvolvido.

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Considerações Finais

A escrita assume-se como um processo complexo, no qual estão envolvidas múlti-plas competências, como a ortográfi ca, a sintática ou a textual (Reis in Teixeira, Silva & Santos, 2011), acrescendo ainda o facto de ser difícil para os alunos distanciarem-se dos seus textos e debruçarem sobre eles um olhar crítico e construtivo. Sobre este aspeto, interessa referir que, apesar de se terem observado progressos na forma como os alunos apresentavam e defendiam oralmente as conceções textuais sobre os seus textos e os dos colegas, nem sempre foi possível verifi car uma melhoria evi-dente nos textos escritos, após a etapa da revisão.

Sobre este aspeto, Buescu et al. (2012a) defendem que “Até ao fi m do 1.° Ciclo e mesmo depois, a qualidade das produções escritas é geralmente muito inferior à das produções orais, em particular devido aos efeitos colaterais da lentidão da escrita e da não automatização dos processos ortográfi cos” (p. 16). Neste sentido,

A instrução explícita sobre a estrutura dos textos, segundo a sua natureza, também con-tribui muito para melhorar a qualidade da produção. Enfi m, o ensino da revisão dos textos é indispensável, já que se sabe que os alunos que não foram ensinados a fazê-la têm tendência a não os rever ou a revê-los apenas em aspetos relativamente superfi ciais (or-tografi a, pontuação) (Buescu et al. 2012a, p. 16).

Por tal motivo, a estratégia de facilitação processual utilizada – escrita colaborati-va – revelou-se profícua e potenciadora da competência compositiva dos alunos, na medida que potenciou a escrita e revisão conjuntas, sendo a heterogeneidade dos níveis de profi ciência compositiva o critério para a escolha dos grupos.

O que se pretende é sejam criadas condições para que a criança venha a gostar de ler e de escrever, que o professor conduza o aprendiz leitor a tornar-se posteriormente leitor e escritor, e que a criança aprenda a trabalhar de maneira autónoma e também com os outros. A aquisição da língua escrita deve ser também ocasião de aprender a trabalhar com os outros. Deste ponto de vista, é um meio de socialização e de desenvolvimento de atitudes de cooperação (Pereira & Azevedo, 2005, p. 84).

Estes foram os alicerces deste estudo, o qual procurou dotar os alunos de ferra-mentas processuais adjuvantes ao processo de escrita (planifi cação, textualização, revisão, escrita colaborativa, auto e heteroavaliação), investindo também na refl exão coletiva. Como defendem Pereira e Cardoso (2013) é preciso fazê-los “perspetivar a escrita como um processo que têm de, paulatinamente, ir conhecendo e dominando” (p. 9) e este aspeto acaba por se traduzir nos pós-testes, onde se constata uma maior consciencialização sobre as difi culdades próprias de um processo de escrita.

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No que respeita à utilização das obras literárias como motes, além de terem con-tribuído para o aumento da atividade leitora, permitiram, ainda, explorar e aprofundar a estrutura e as características dos textos narrativos, descritivos e poéticos.

Durante este processo de ensino-aprendizagem foram privilegiados os progressos dos alunos em detrimento dos seus erros, embora estes tenham servido como supor-te para as intervenções explicativas da investigadora. Como refere Pereira e Azevedo (2005) deve-se “considerar os erros como algo inevitável no processo de aprendiza-gem, como fontes de informação, como lugares de trabalho e não como algo negativo que deve ser sancionado para desaparecer” (p. 85).

Prosseguindo o objetivo do estudo, conclui-se que as atividades realizadas e os resultados obtidos confi rmam que foi possível melhorar a competência compositiva dos alunos do 4.º ano de escolaridade, na medida em que se observaram progres-sos na forma como estruturaram os seus textos, articularam e sequenciaram as ideias e passaram a integrar de forma mais clara as especifi cidades dos tipos de texto.

Relativamente aos objetivos específi cos, o estudo permitiu reforçar as caracterís-ticas inerentes aos textos narrativos, descritivos e poéticos, embora o enfoque tenha recaído, essencialmente, sobre os dois primeiros, visto serem nestes onde se verifi -caram maiores fragilidades. Este trabalho de consolidação apoiou-se no desenvolvi-mento de atividades de escrita colaborativa que, como se verifi cou, esteve presente em todas as sessões de trabalho, salvaguardando-se uma distribuição equitativa en-tre dinâmicas a pares, mas também de pequenos e grandes grupos. Relativamente à valorização da auto e heteroavaliação, como estratégias de revisão e aperfeiçoamen-to da competência compositiva, tratou-se de um aspeto central em todo o processo, tendo-se verifi cado progressos nas apreciações críticas feitas oralmente perante a turma. Sobre este aspeto, interessa referir que alguns alunos classifi caram a revisão dos textos como essencial porque permite “ver se tenho erros” (M.), “ver se faz senti-do” (G.C.) e “ver se tenho palavras repetidas” (C.).

Por fi m, e recuperando o último objetivo específi co (Desenvolver o gosto pela escrita), a investigadora considera que, em certa medida, o plano de ação também contribuiu para o seu desenvolvimento, embora seja mais difícil mensurá-lo. Todavia, foi observável o empenho crescente, assim como a qualidade dos textos, embora se reconheça que o facto de as produções escritas serem realizadas, maioritariamente, em grupo conferiu aos alunos maior segurança na tomada de decisões.

Além de valorizar o trabalho com o outro, o estudo procurou articular os domínios Oralidade–Escrita–Leitura, não só por serem indissociáveis, como também reciproca-mente promotores do desenvolvimento da competência compositiva, pois como refere Buescu et al. (2012a) “A composição escrita, qualquer que seja o género (…) não é só questão de talento ou aptidão: trabalha-se, aprende-se” (p. 15).

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ResumoA presente comunicação visa apresentar uma investigação sobre a própria prática, desenvolvida na área da educação pré-escolar e, especifi camente, na educação em ciências. Esta pesquisa surgiu com a fi nalidade de incrementar uma área das ciências numa sala de atividades de educação pré-escolar. Assim, a partir de um problema encontrado na componente de estágio, nomeadamente, a não dinamização de uma área das ciências, desenvolveu-se um projeto que visava a dinamização dessa área através de atividades de ciências. Pretendia-se compreender como é que a dinamização da área promovia o desenvolvimento de capacidades investigativas de observação e registo nas crianças. Esta investigação situa-se num paradigma interpretativo, em que se procurou compreender uma realidade, partindo de um problema em contexto e solucioná-lo. Este estudo foi realizado com um grupo de 25 crianças com idades compreendidas entre os quatro e os seis anos. Todavia, para a avaliação das capacidades investigativas selecionaram-se apenas três crianças deste grupo. Recorreu-se à recolha de dados de natureza qualitativa, tendo sido utilizadas a observação, o registo fotográfi co, a entrevista e o diário refl exivo. Os resultados evidenciaram que as crianças mostraram um enorme interesse pela área das ciências e à medida que a área ia sendo apetrechada aumentava a sua frequência. A área das ciências teve muita aceitação por parte das crianças. No que concerne às capacidades investigativas, os resultados mostraram que as três crianças evoluíram de modo distinto nas capacidades investigativas observação e registo. A investigadora consi-derou esta investigação sobre a própria prática uma experiência enriquecedora para a prática profi ssional futura.

Palavras-chaveEducação Pré-escolar; Educação em Ciências; Capacidades Investigativas.

Introdução

A Educação em ciências nos primeiros anos têm vindo a consolidar-se e alguns resultados de investigação apontam um impacte na promoção da literacia científi ca, bem como no desenvolvimento de atitudes positivas face à ciência e à aprendizagem das ciências (Pereira, 2012).

As Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE, 1997) contemplam várias áreas de conteúdo e no que concerne à área do Conheci-mento do Mundo referem que desperta a curiosidade natural da criança e o seu

A Área das Ciências: Contributos para as Aprendizagens em Ciências de Crianças de Jardim de Infância

Catarina Ferreirinha Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

Celeste Rosa Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

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Supervisão, Liderança e Inclusão174

desejo de saber o porquê das coisas. Com efeito, as crianças quando chegam ao jardim de infância não podem ser vistas como uma tábua rasa, pois elas já sabem coisas sobre o mundo. Em nosso entender, em jardim de infância não ajudar as crianças a ampliar estes saberes conduz a limitações no desenvolvimento global da criança.

As OCEPE também referem que a área do Conhecimento do mundo deve ser entendida como uma sensibilização às ciências e deve considerar a introdução de assuntos relativos aos vários domínios do conhecimento, cuja abordagem deve ser rigorosa. A investigação em Portugal tem evidenciado que a educação em ciências ainda não faz parte do currículo a desenvolver com todas as crianças de jardim de infância (Pereira, S., 2012; Santos, M., Gaspar, M. & Santos, S., 2014; Rosa, C., 2002). Esta investigação tem apontado razões para que esta abordagem não seja uma realidade na maioria das salas de Jardim de infância. Tais razões prendem-se com a escassa preparação científica e pedagógica de algumas educadoras, a falta de recursos didáticos e, ainda, o facto de as educa-doras não valorizarem esta área e considerarem as crianças imaturas para estas aprendizagens.

Em nosso entender, a Educação em Ciências deve ser promovida desde cedo, ou seja, desde a educação pré-Escolar. Um dos aspectos que valorizamos para esta promoção, tem a ver com a existência de uma área das ciências na sala de ativida-des. Seguindo a ideia de Fialho (2009), uma área das ciências na sala de jardim de infância é um espaço privilegiado de ciência. Assim, parece ser fundamental que o educador faculte à criança um ambiente facilitador e desafi ador, proporcionando-lhe recursos que possam ser explorados cientifi camente e, simultaneamente, aguçar a sua curiosidade natural para conhecer o mundo que a rodeia.

O grupo de crianças com o qual foi realizada a Prática de Ensino Supervisio-nada por uma das investigadoras manifestava um enorme interesse e fascínio pelas atividades realizadas pelo adulto no âmbito das ciências. Porém, não era uma área de escolha das crianças. Estes aspectos fortaleceram a pertinência da dinamização da área das ciências existente na sala de atividades. Apesar da existência de uma área das ciências, esta não era estimulante nem desafiadora para as crianças.

Assim, com esta pesquisa pretendemos compreender os contributos de uma área das ciências para as aprendizagens científi cas de crianças de jardim de infância e analisar como é que a área das ciências promove o desenvolvimento das capacida-des investigativas, observação e registo.

Para tal, foi desenvolvido um plano de ação que assentou na reorganização e dinamização da área das ciências, bem como no desenvolvimento de atividades livres e de atividades dirigidas por uma das investigadoras.

Neste artigo, para além da componente introdutória, apresenta-se o enquadra-mento teórico, a metodologia utilizada na investigação, a apresentação e discussão dos resultados e as respetivas conclusões.

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1. Enquadramento Teórico

A Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei nº 46/86, de 14 de outubro, no seu artigo nº 5 refere que a educação pré-escolar se destina a crianças com idades compreen-didas entre os três anos e a idade de ingresso no ensino básico.

A educação pré-escolar é reconhecida como a primeira etapa de educação na vida de uma criança. Esta primeira etapa motiva as crianças e as famílias para o ensino obrigatório. As crianças que frequentam o jardim de infância serão mais desenvolvi-das se os educadores de infância/professores de 1º Ciclo do ensino Básico promove-rem o diálogo e incentivarem a colaboração de projetos comuns entre os docentes e as crianças da educação pré-escolar e do 1º ciclo. (Mendes & Guedes, 2000).

Papalia (2001) afi rma que as crianças despendem parte do seu dia no jardim de infância. Pelo facto de as crianças passarem grande parte do seu tempo no jardim de infância é importante que este seja de qualidade e promotor da estimulação do desenvolvimento das crianças em todos os domínios – físico, social, emocional e cognitivo – através da interação ativa dos educadores, das crianças e dos materiais adequados.

De acordo com o Decreto-Lei nº 241/2001, de 30 de agosto, que regulamenta o desempenho profi ssional do educador de infância, este deve proporcionar atividades que estimulem os sentidos, bem como atividades que encorajem as crianças a obser-var, falar, criar e resolver problemas. Esta estimulação pode ser feita através do conto de histórias, jogos dramáticos, conversação e atividades escritas. Para além disso, o educador de infância deve ajudar as crianças a saber como interagir com os outros, a desenvolver competências sociais e emocionais, como a cooperação, negociação, compromisso e autocontrolo. Estes são aspetos que são trabalhados na educação pré-escolar e cabe ao educador de infância sensibilizar as crianças. No entanto, o mais importante é fazer com que as crianças sintam que a escola é divertida e que a aprendizagem é gratifi cante, mostrando que elas são competentes.

A infância é uma fase de desenvolvimento e aprendizagem marcada por grandes transformações neurológicas, sendo que a criança se envolve em interações diversi-fi cadas com objetos e pessoas que a rodeiam. A educação em ciência deve respeitar as especifi cidades da infância, reconhecer as aprendizagens intuitivas de ciência e construir conhecimento científi co elementar, apresentando caraterísticas específi cas do que importa conhecer (Pereira, 2002).

Segundo Cañal (2009, citado por Pereira, 2012), argumenta que as crianças pe-quenas interessam-se naturalmente pelos objetos e em explorá-los. As crianças são capazes de identifi car informações, objetos, situações e processos problemáticos a níveis diversifi cados e imaginam soluções para esses problemas. Também conse-guem planifi car intervenções simples para comprovar as soluções, prever resultados e aprender com os resultados obtidos.

O autor supra mencionado defende que estas capacidades devem ser aprovei-tadas e desenvolvidas no contexto pré-escolar, proporcionando a base empírica

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necessária para o desenvolvimento de instrumentos concetuais e metodológicos, for-talecendo as atitudes e promovendo os processos cognitivos das crianças.

Apesar de as crianças serem muito pequenas, as suas observações e explorações não são sistemáticas e aparentam a falta de maturidade. Porém, as suas capacidades evoluem de forma mais efi ciente de exploração e investigação (Johnston, 1996).

Portugal (2010) afi rma que não é possível defi nir etapas de maturação aplicáveis às crianças em geral, pois a forma como vão desenvolvendo as investigações depen-dem das suas experiências, quer dentro ou fora do contexto escolar. As interações das crianças vão se tornando mais complexas, impelidas pela sua curiosidade e pela vontade de descobrir mais sobre o mundo que as rodeiam.

Para alguns autores (Harnquist & Burgen, 1997; Kelly, 1997; Qualter, 1996; Johns-ton, 1996, citado por Afonso, 2008) a exploração das ciências deve começar desde muito cedo, pois as atividades experimentais ajudam a desenvolver competências como a observação, classifi cação, formulação de questões e levantamento de hipó-teses. No entanto, também é importante que se desenvolvam outras competências, como a planifi cação, a previsão e a investigação.

Também Afonso (2008) afi rma que é importante ensinar e aprender ciências, por-que as ciências são uma força cultural do mundo moderno, os conceitos e os princí-pios científi cos podem ser selecionados e aplicados na vida diária e podem ajudar a desenvolver futuros cidadãos informados.

Eshach (2006), citado por Pereira (2012), aponta várias razões para a importância das ciências na Educação Pré-Escolar:

• As crianças mostram muito interesse na observação e interpretação da natureza e dos fenómenos naturais. O jardim de infância deve satisfazer a curiosidade e o interesse das crianças pela exploração do mundo;• A educação em ciências contribui para a formação de uma imagem positiva e refl etida acerca da ciência. Por isso, é importante que as crianças formem a ima-gem sobre ciências desde cedo. O educador de infância deve proporcionar um ambiente adequado à apreciação da ciência e à construção de imagens positivas em relação a ciências;• O facto de as crianças adquirirem conceitos científi cos na idade pré-escolar be-nefi cia a criança nos níveis de ensino posteriores. Ou seja, terão outra noção de alguns conceitos científi cos;• No desenvolvimento dos conceitos científi cos deve ser utilizado uma linguagem adequada. A linguagem utilizada pelas crianças deve ser simples, clara e com rigor científi co, potenciando o crescimento cognitivo;• A educação em ciências promove o desenvolvimento da capacidade de pensar cientifi camente. É importante que as crianças pensem de forma científi ca, isto é, pensar de forma crítica e criativa que decorre da satisfação da curiosidade e na procura dos fenómenos do dia-a-dia. • As crianças pequenas conseguem compreender alguns conceitos científi cos e pensar cientifi camente.

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Roldão (2008), citada em Reis (2008), defende que educar em ciência não se trata de transformar as crianças em “pequenos cientistas”, mas sim desenvolver as capacidades de observar, de questionar, de comparar e de justifi car. Reis (2008) explica que nos primeiros anos a ciência é vista como um estudo, a interpretação e a aprendizagem sobre o ser humano e o ambiente que nos rodeia. Esta exploração é feita através dos sentidos e da exploração pessoal. Para este autor a ciência na Educação Pré-Escolar estabelece uma forma racional de descobrir o mundo e implica:

• Desenvolver a vontade e a capacidade de procurar e usar evidências;• Construir gradualmente uma estrutura de conceitos que ajuda a entender as vivências do dia-a-dia;• Promover as capacidades e as atitudes necessárias à investigação, à resolução de problemas, à colaboração e à discussão. (Reis, 2008)

Vários autores (Reis, 2008; Afonso, 2008) afi rmam que a educação em ciência não envolve apenas a aprendizagem de conhecimentos, pois esta terá que ser acom-panhada pelo desenvolvimento de atitudes e capacidades investigativas. Este con-junto de aprendizagens promove a análise e a discussão sobre ciência, estimula a confi ança das crianças e das suas capacidades.

Johnston (1996, citado por Afonso, 2008) refere a importância do desenvolvimento precoce de competências, conhecimentos e atitudes científi cas, pois é crucial na con-ciliação das necessidades concetuais e capacidades de cada criança com a planifi ca-ção de atividades diferenciadas e no desenvolvimento da curiosidade das crianças.

Afonso (2008) explica de uma forma simples e clara o que ensinar em ciências, nomeadamente, os conhecimentos científi cos, capacidades investigativas e atitudes.

Em relação aos conhecimentos científi cos, existem diferentes tipos de conheci-mentos científi cos. Podem ser diferentes quanto à natureza, abstração e complexida-de que envolvem. De uma forma genérica, existem os termos, os factos, os conceitos e as teorias que envolvem por ordem crescente e de maior complexidade. Em ter-mos pedagógicos, os termos, conceitos e ideias abrangentes podem ser organizados em mapas de conceitos, sendo organizados hierarquicamente, desde os conceitos e ideias mais abrangentes e complexas para as ideias menos complexas, como os factos e os termos.

Afonso (2008) afi rma que os conceitos científi cos e as capacidades investigativas devem ser explorados com rigor e com bastante precisão.

Não se desenvolvem capacidades investigativas lendo ou ouvindo sobre elas. Precisam de ser desenvolvidas e utilizadas em contexto prático (Pereira, 2002). O educador de infância deve procurar estratégias que permitam à criança desenvolver as várias capacidades. Numa situação de investigação, as crianças utilizam várias capacidades investigativas em simultâneo. Apesar de ser difícil isolar essas capaci-dades, é importante saber identifi cá-las.

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Sá (2002) & Pereira (2002) apresentam algumas capacidades investigativas: observar; medir; classifi car; seriar; registar; formular problemas; formular hipóteses; prever; identifi car, operacionalizar e controlar variáveis; interpretar dados; planifi car/realizar experiências e comunicar.

Segundo Afonso (2008), uma observação pode ser obtida diretamente ou indireta-mente através dos órgãos dos sentidos (visão), com ou sem auxílio de instrumentos ou equipamentos. A observação envolve a descrição e a identifi cação de proprieda-des dos objetos, as diferenças entre essas propriedades e a descrição de mudanças observáveis nas propriedades desses objetos. A observação é infl uenciada por ideias prévias e conceções já adquiridas. Esta capacidade investigativa, por vezes, é desva-lorizada e considerada “uma caraterística inata”, mas é importante que seja complexa e cuidada. É importante que seja uma observação rigorosa e completa, perceber os pormenores importantes; que se utilizem vários sentidos, como o tato, a audição, o olfato e o paladar; e que seja quantitativa, utilizando medições e comparações.

Também Afonso (2008) defende que o registo é uma maneira de preservar infor-mação das experiências realizadas e pode ser feito de diversas formas. É crucial que o registo seja rigoroso, metódico e elaborado de forma clara. Existem vários métodos de registo, sendo através do desenho, da escrita, do diagrama, das fotografi as ou gráfi cos. A interpretação dos dados, a troca de opiniões, a discussão de ideias e as conclusões obtidas requerem registos fi áveis dos métodos, dos procedimentos utili-zados e dos resultados obtidos.

Na educação em ciência procura-se o desenvolvimento de atitudes favoráveis à investigação. As atitudes são importantes para o progresso intelectual, emocional e para a formação individual e social das crianças.

Existem algumas atitudes que são consideradas importantes na formação e pro-gressão da educação científi ca, tais como: atitude interrogativa, respeito pela evi-dência, refl exão crítica, perseverança, espírito de cooperação e criatividade. (Perei-ra,2002; Sá, 2002; Harlen, 1993, 1997).

Segundo Tu (2006), citado por Pereira (2012), a sala de atividades pode ser en-tendida com um espaço de sciencing, sendo um espaço onde as crianças vivenciam experiências e realizam aprendizagens de ciências, despertando a sua curiosidade. A criança neste espaço entrega-se de forma ativa e completa. Ainda, Tu (2006) designa três tipos de sciencing possíveis numa sala de atividades, sendo eles: formal, inciden-tal e informal. O autor explica o que consiste em cada tipo de sciencing: é designado formal quando existem experiências planifi cadas e desenvolvidas pelo educador com as crianças; o sciencing incidental prende-se com experiências desenvolvidas pelo educador para explorar o potencial de experiências espontâneas; e o informal são experiências espontâneas que surgem nas atividades livres das crianças e entre elas.

Para desenvolver uma formação científi ca que refl ita a verdadeira natureza da atividade cientifi ca o educador de infância deverá incluir trabalho experimental. Sendo que este tipo de trabalho tem vários objetivos específi cos, desde o domínio cognitivo, promovendo a aprendizagem de conceitos científi cos e o desenvolvimento intelectual.

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Supervisão, Liderança e Inclusão 179

(Adey, 2000; Brown, Campione, Metz, & Ash, 1997; Brotherton & Preece, 1996, citado por Afonso, 2008).

As atividades também devem ser de domínio prático, como desenvolver capaci-dades de realização de investigações científi cas, desenvolver capacidades de análise de dados da investigação, desenvolver capacidades de comunicação, conhecer e explorar as conceções alternativas das crianças (Hart, Mulhall, Berry, Loughran & Gunstone, 2000; Duveen, Scott & Solomon, 1993; Lubben, Netshisaulu & Campbell, 1999, citado por Afonso, 2008).

Glauert (2004) salienta que existem várias atividades práticas, nomeadamente: experiências sensoriais, tarefas de observação, experiências de verifi cação, explora-ções, exercícios práticos, investigações e pesquisa.

Segundo Ziemer (1987), citado por Spodek e Saracho (1998), as atividades de ciências devem relacionar-se com as outras áreas de conteúdo, como, por exemplo, a arte, a música, a literatura, a matemática. No entanto, para este autor, a área da mate-mática é a área que está mais ligada, pois as crianças medem, contam e comparam.

Numa sala de atividades de jardim-de-infância é imprescindível uma área das ci-ências. Fialho (2009) defende que a área das ciências numa sala de atividades é crucial para as aprendizagens das crianças, pois têm acessibilidade a recursos e materiais que podem aumentar a curiosidade natural pelo mundo que as rodeia.

Na sala de atividade deve existir um espaço físico onde a criança contacte e expe-rimente um conjunto de situações e fenómenos. Este espaço poderá ser enriquecedor para o desenvolvimento da criança através da experimentação.

Feasey (1998) enumerou alguns argumentos que justifi cam a importância da exis-tência de uma área das ciências na sala de atividade:

• A criança toma consciência da existência de utensílios específi cos para a ajudar a fazer ciência;• A criança utiliza os recursos respeitando regras de cuidado e segurança;• A criança desenvolve a capacidade de decidir e escolher os recursos que neces-sita em determinada situação e a utilizá-los da forma segura e correta;• A criança compreende que a medição é um processo importante em ciência e que utensílios diversos permitem efetuar medições precisas;• A criança compreende que existem utensílios específi cos para funções variadas;• A criança associa recursos usados na ciência escolar com os seus equivalentes na vida real;• A criança compreende que as capacidades usadas na ciência escolar também são aplicadas na vida diária;• A criança tem noção que existem vários utensílios para o mesmo fi m e que se pode decidir qual o mais apropriado para uma situação específi ca• Feasey (1998) defende que o educador de infância deverá introduzir de forma progressiva os recursos de ciências, permitindo que a criança tenha o seu tempo de familiarização com o funcionamento desses mesmos recursos. Esta introdução

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deverá ser, primeiramente, com recursos de manipulação fácil e do dia-a-dia; pos-teriormente, a introdução de recursos mais complexos. O educador de infância deve proporcionar momentos na área das ciências, como despertar o interesse das crianças nas explorações livres. Para isso, deverá ser dinâmico, inovador, desafi ador e intuitivo.• O mesmo autor afi rma que o educador de infância não deverá ter receio, mas sim explorar temas relacionados com as ciências. De modo, a despertar a curiosidade e o interesse das crianças nessa área. As ciências devem ser sensibilizadas em tenra idade, para que a criança esteja mais desenvolvida nos níveis de ensino que se seguem. (Feasey, 1998).

Pereira (2012) refere a importância da organização do espaço da sala de ativida-des. O educador de infância deverá ter a intencionalidade pedagógica de promover a educação em ciência. Isto é, deverá organizar as diversas áreas na sala de atividades com base numa intencionalidade científi ca, contemplando objetos para além dos ha-bituais que se encontram numa sala de jardim de infância.

Na implementação de uma área das ciências numa sala de atividades, aconselha-se a introdução progressiva de recursos. Primeiramente, de manipulação mais fácil (como copos com lupa para observação de insetos) para progressivamente de mani-pulação mais complexa. Também é importante que seja facultado tempo necessário às crianças para se familiarizarem com o funcionamento dos recursos. Numa primeira fase, as crianças precisam de tempo para ultrapassarem a sua natural curiosidade pelo objeto, para mais tarde focarem a sua atenção no objeto em si e na sua funcio-nalidade. (Johnston, 2009).

Como refere Fiolhais (2011), citado por Santos; Gastar; & Santos (2014), “não teremos ainda um «casamento» da educação pré-escolar com a ciência, será efetiva-mente apenas um «namoro», mas um namoro que parece ter algumas bases sólidas para fortalecer.” (p.29).

O educador de infância deve procurar soluções para os problemas levantados pelo grupo. De modo a que as crianças desenvolvam a observação, a classifi cação, a previsão, a medição, a interpretação, a discussão, a colaboração e a comunicação. O educador de infância poderá utilizar uma estratégia investigativa que inclua diver-sas competências científi cas, como a identifi cação de variáveis, descrição de rela-ções entre variáveis, seleção e tratamento de informação, formulação de hipóteses, planeamento e execução de investigações. Todas estas competências podem ser aperfeiçoadas e utilizadas para o desenvolvimento do pensamento crítico, da autoa-prendizagem e da capacidade de resolver problemas. (Reis, 2008).

De acordo com Reis (2008), o educador de infância deverá seguir uma educação em ciência baseada na perspetiva construtivista, que envolve uma abordagem faseada:

• Investigar os conhecimentos prévios das crianças com o objetivo de detetar eventuais conceções alternativas;

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• Pedir às crianças para explicarem essas mesmas conceções alternativas;• Conceber atividades de aprendizagem que permitam à criança constatar a ina-dequação das suas ideias e construir ideias cientifi camente mais corretas;• Promover a discussão e a aplicação de novas ideias.

Sem dúvida que o educador de infância tem um papel relevante em todo o proces-so, pois deve fazer uma interação verbal entre si e as crianças. Ou seja, deverá existir uma interação verbal entre as crianças e entre as crianças e o educador de infância. Para as crianças desenvolverem conhecimentos deverá existir um confronto interpes-soal e intrapessoal de ideias diferentes. A apresentação de ideias diferentes pelas crianças forma um desequilíbrio duplo: um desequilíbrio interpessoal momentâneo, quando as crianças apresentam ideias diferentes; e um desequilíbrio intrapessoal pela tomada de consciência individual da existência de outras perspetivas. Para ultra-passarem este impasse as crianças devem analisar os pontos de vista discordantes. Isto implica que as crianças conheçam algumas noções sobre a problemática em questão e saibam gerir as relações interpessoais dentro do grupo com o objetivo de chegarem a um acordo. (Reis, 2008).

Em suma, é importante que o educador de infância proponha atividades científi -cas interessantes, atue como modelo de atitude investigativa e crítica, e encoraje as crianças para essa mesma atitude.

2. Metodologia

2.1. Abordagem Metodológica

Esta investigação situa-se na educação de Infância e segue o paradigma inter-pretativo, naturalista e de cariz qualitativo, em que se pretende a compreensão dos signifi cados, com base numa descrição dos sujeitos. Segundo Denzin e Lincoln, este tipo de investigação:

Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografi as, as gravações e os lembre-tes. Neste nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo, o que signifi ca que os seus pesquisadores estudam as coisas em cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenómenos em termos dos Signifi cados que as pessoas a eles conferem, (2006, p. 17)

Esta pesquisa situa-se na formação inicial de educadores de infância e pretende analisar os contributos de uma área das ciências numa sala de atividades de jardim de Infância para a aprendizagem científi ca de um grupo de crianças, em que uma das

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investigadoras é a educadora estagiária. Para Ponte (2002), a investigação sobre a prática visa resolver problemas profi ssionais e aumentar o conhecimento relativo a esses problemas, é um processo fundamental de construção do conhecimento sobre essa mesma prática e, portanto, uma atividade de grande valor para o desenvolvi-mento profi ssional dos professores que nela se envolvem ativamente. Esta investiga-ção pretende dar resposta ao problema identifi cado no contexto da prática.

2.2. Participantes

Os sujeitos participantes neste estudo integram um grupo de crianças de um jardim-de-infância, situado no concelho de Odivelas. Este grupo era composto por crianças dos quatro aos seis anos, designadamente, 4 crianças com seis anos de idade, todas do género masculino; 19 crianças com cinco anos de idade, 8 do género feminino e 11 do género masculino; e 2 crianças com quatro anos de idade, do género feminino.

As atividades do plano de ação foram desenvolvidas com todas as crianças, po-rém a recolha de dados incidiu apenas em três crianças, com cinco anos de idade, sendo duas do género feminino e uma do género masculino.

2.3. O Plano de ação

Neste estudo, foi concebido e implementado um plano de ação que teve como principal objetivo analisar os contributos de uma área das ciências para o desenvol-vimento das capacidades investigativas observação e registo em crianças de jardim-de-infância. Para a concretização deste objetivo, apostou-se, primeiramente, pela dinamização da área das ciências, através do apetrechamento da mesma com recur-sos e materiais, bem como se defi niram as suas regras de funcionamento e, ainda, se promoveram atividades de ciências. É de salientar que, através de entrevistas a todas as crianças, se procurou perceber a importância atribuída por estas à área das ciências, tendo a maioria referido que era uma área importante. Também se efetuou uma entrevista à educadora titular do grupo, com o objetivo de conhecer a sua opinião sobre a importância da área das ciências na sala de atividades e quais os contributos desta área para o desenvolvimento de capacidades investigativas nas crianças. De acordo com a educadora titular:

a área das ciências contribui para a maturação das capacidades intelectuais da criança. Nela a criança constrói conhecimentos, capacidades e atitudes básicas, hábitos de pensa-mento, espírito crítico, e rotinas de pesquisa para compreender aspetos e fenómenos que vão ocorrendo no dia-a-dia. (Entrevista à educadora titular, 1º Momento)

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Assim, os testemunhos das crianças e da educadora titular enfatizavam a rele-vância no investimento nesta área. O projeto implementado na sala de atividades intitulou-se “As abelhas e o mel” e não se circunscreveu à área do Conhecimento do Mundo. Também abrangeu as áreas de conteúdo Formação Pessoal e Social e Ex-pressão e Comunicação, nos domínios Matemática e Linguagem Oral e Abordagem à Escrita.

2.4. Procedimentos de Recolha de Dados

De acordo com a abordagem metodológica foram utilizados como métodos de recolha de dados a observação participante, o registo fotográfi co, as entrevistas, a análise de documentos e diários refl exivos.

Com o objetivo de avaliar as aprendizagens das três crianças foram realizadas entrevistas às mesmas. Também foram realizadas duas entrevistas à educadora co-operante, uma na fase inicial e outra na fase fi nal do estudo. A entrevista inicial à educadora cooperante tinha como objetivo recolher informação que permitisse com-preender o ponto de vista da educadora em relação à introdução de uma área das ciências na sala de atividades. Com a entrevista fi nal à educadora pretendíamos reco-lher informações relativamente ao processo de implementação da área das ciências e, ainda, avaliar as aprendizagens das crianças neste processo.

Para recolher e analisar os dados sobre as capacidades investigativas observação e registo das crianças foram utilizados instrumentos concebidos por Afonso (2008). Estes instrumentos possibilitam recolher dados para avaliar o nível científi co das crianças. Para a capacidade investigativa observação, Afonso (2008) considera que esta capacidade pode ser avaliada recorrendo à natureza das observações, isto é, qualitativo/quantitativo, aos sentidos utilizados e ao rigor. A autora apresenta quatro níveis de consecução. Assim, no que concerne à observação:

• Nível 1- A criança faz observações qualitativas; utiliza exclusivamente o sentido da visão para identifi car e descrever os fenómenos ou objetos; e as observações são pouco cuidadosas e feitas de modo precipitado e pouco detalhado.• Nível 2 – A criança faz predominantemente observações qualitativas em detri-mento de observações quantitativas; utiliza exclusivamente a visão – por vezes utiliza outros sentidos para identifi car e descrever os fenómenos ou objetos; e as observações são feitas genericamente não revelando preocupação com a fi abili-dade e o detalhe.• Nível 3 – A criança faz predominantemente observações quantitativas mas a quantifi cação não é detalhada; utiliza frequentemente alguns dos sentidos para iden-tifi car e descrever os fenómenos ou objetos embora valorize o sentido da visão. • Nível 4 – A criança faz observações quantitativas de forma adequada, consis-tente e continuada; recorre, de forma sistemática, a vários dos cincos sentidos

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para identifi car e descrever os fenómenos ou objetos; e as observações são fi éis, detalhadas e cuidadosas.

No que respeita à capacidade investigativa registar e especifi camente ao rigor no registo, a autora também apresenta quatro níveis de consecução, a saber:

• Nível 1 – A criança, quando faz registos, estes são ambíguos, pouco rigorosos e pouco detalhados.• Nível 2 - A criança vai fazendo os registos mas de forma inconsistente e pouco cuidada e detalhada.• Nível 3 – A criança vai fazendo os registos com algum cuidado e detalhe. Por vezes, precisa de melhorar ao nível do rigor e do detalhe.• Nível 4 – A criança faz sistematicamente os registos das observações e estes são claros e rigorosos.

Com a fi nalidade de levar a criança a desenvolver as capacidades investigativas de observação e registo foram desenvolvidas várias atividades de ciências, dinamiza-das na área das ciências.

3. Apresentação e Discussão de Resultados

Neste ponto apresentam-se e analisam-se os dados referentes às capacidades investigativas, de observação e de registo alcançados pelas crianças em atividades promovidas na área das ciências.

Como já referido, primeiramente, dinamizou-se a área das ciências, defi nindo as suas regras de funcionamento, bem como se muniu a mesma de apetrechos de ci-ências. O facto de uma criança ter trazido um inseto para a sala de atividades e as crianças terem mostrado muito interesse, contribuiu para a dinamização da área das ciências. A partir de um brainstorming, identifi caram-se os assuntos que interessavam às crianças, os seres vivos e, especifi camente, as abelhas. Para compreender o que as crianças queriam investigar sobre as abelhas, foi feito outro brainstorming. As crianças queriam saber:

“Como fazem o mel?

Como as abelhas retiram o pólen?Como colocam o mel na colmeia?

As abelhas picam?As abelhas voam?”

Extraído de: Notas de campo do diário refl exivo

Figura 1. Esquema do brainstorming

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Para a implementação da área das ciências foi reorganizado o espaço físico da sala de atividades, de modo a alterar a disposição da área das ciências.

Como já referido, antes da dinamização da área das ciências, foi feita uma en-trevista às crianças da sala de atividades, que visou a participação das crianças na tomada de decisão relativamente à designação da área, como se verifi ca na seguinte fi gura:

Figura 2. Respostas das crianças relativamente à designação a atribuir à área das ciências

Assim, esta área tomou a designação de área das ciências. As crianças também participaram da decisão de quantas crianças poderiam frequentar a área em simul-tâneo, tendo a maioria das crianças referido que só poderia ter uma criança de cada vez. Todavia, com o desenvolvimento da área acordou-se que frequentariam a área duas crianças de cada vez. Uma criança argumentou, dizendo: “Duas crianças, por-que uma faz a experiência e a outra ajuda” (Extraído de: Notas de campo do diário refl exivo).

As crianças participaram bastante no apetrecho da área das ciências, trazendo material de casa, como recipientes, seringas, conchas, areia, entre outros materiais. A educadora estagiária colocou um observatório, uma lupa e uma ampulheta construída com as crianças. Ao introduzir os materiais teve em consideração incluir materiais de fácil utilização pelas crianças e também se preocupou em dar tempo às crianças para os explorarem. As crianças exploraram-nos livremente, por exemplo, exploravam a areia com diversos recipientes, utilizavam a seringa para colocar água em recipientes, utilizavam a lupa para observar plantas colhidas no exterior. Após cada exploração livre, as crianças registavam, através do desenho, o que fi zeram nesta área e a edu-cadora estagiária registava a narrativa da criança. Após algum tempo, as crianças pareciam estar familiarizadas com este tipo de registo e, também, mostravam moti-vação nas suas explicações e interesse pela área das ciências. Foi proporcionado às crianças o tempo que necessitaram para a exploração livre dos materiais. Contudo, forneceu-se ajuda quando necessário.

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Frequentemente, as crianças transferiram os assuntos explorados em sala de atividades para o exterior. Por exemplo, exploravam o solo, faziam “um jardim” e re-gavam as plantações. Na área das ciências também ocorreram situações de faz de conta.

A avaliação das três crianças foi feita em dois momentos, em ambas as capaci-dades investigativas observação e registo. Para avaliar a capacidade investigativa observação foram realizadas atividades dirigidas e atividades livres na área das ciên-cias. As atividades dirigidas foram promovidas por uma das investigadoras. A primeira destas atividade foi a observação de uma abelha, a segunda, foi a dissolução de mel em leite. Ambas foram objeto de registo.

Com a atividade de observação da abelha pretendia-se que no fi nal as crianças fossem capazes de identifi car e representar, através do desenho, as partes constituin-tes da abelha, identifi car o modo de locomoção da abelha e desenvolver a capacidade investigativa observar.

A observação da abelha efetuou-se em pequenos grupos. Inicialmente, foi intro-duzido o instrumento de observação – observatório, referindo-se que este servia para observar. Algumas crianças designavam erroneamente este instrumento de frasco e telescópio. Após a observação da abelha, as crianças registaram o que observaram, através do desenho. A seguinte fi gura ilustra essa atividade:

Figura 3. Atividade: Observação da Abelha

De seguida mostramos os registos das crianças relativamente à observação da abelha.

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Figura 4. Registo da criança 1 relativamente à capacidade investigativa observação num primeiro momento

Num primeiro momento de observação, foi atribuído o nível 2 à criança 1. Esta criança observou com algum detalhe, observou as cores da abelha, as suas asas e as suas patas. No entanto, precisa de fazer observações qualitativas mais detalhadas. Também referiu erradamente o instrumento de observação.

Figura 5. Registo da criança 2 relativamente à capacidade investigativa observação num primeiro momento

À criança 2 foi atribuído o nível 2. A criança fez observações genéricas não reve-lando preocupação com a fi abilidade e o detalhe. A criança fez predominantemente observações qualitativas verbalizando as cores da abelha e enumerando partes

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constituintes da abelha. Também se refere ao número de patas, porém, nem no desenho nem na sua narrativa, apresenta o seu número correto e não coincide o número de patas no desenho com o que a criança referiu. Refere-se à forma de locomoção da abelha. Contudo, o registo apresenta pouco detalhe, algo que deve ser melhorado.

Figura 6. Registo da criança 3 relativamente à capacidade investigativa observação num primeiro momento

À criança 3 foi atribuído o nível 2. A criança fez predominantemente observações qualitativas, sendo feitas genericamente, sem preocupação com a fi abilidade e o de-talhe. Refere-se à cor da abelha, a partes constituintes da mesma, mas, por exemplo o número de patas apresenta-o incorreto na narrativa e no desenho, bem como a denominação de barriga ao abdómen.

Relativamente à atividade de dissolução do mel em leite, pretendia-se levar as crianças a adquirir o termo dissolver; observar as diferenças entre o soluto e o solven-te; e desenvolver as capacidades investigativas observar e registar. Inicialmente, foi apresentado o material a utilizar na atividade, nomeadamente: dois copos transparen-tes iguais, duas colheres medida, mel, leite quente e leite frio e ampulheta.

A ampulheta já tinha sido anteriormente construída com as crianças e colocada na área das ciências.

Esta atividade foi realizada em grande grupo. Inicialmente foram registadas as previsões das crianças relativamente à questão “O mel dissolve-se mais rapidamente em leite quente ou no leite frio?”. Na realização da experiência procurou-se a partici-pação das crianças, sendo as crianças a colocar os materiais, a fazer as medições, por exemplo, a medição com a ampulheta do tempo de agitação, da quantidade de solvente e de soluto. Foi necessário controlar variáveis, a mesma quantidade de solu-to e de solvente nos copos, o mesmo objeto para agitar, o mesmo tempo de agitação e a mesma força na agitação. Ao longo da atividade foram colocadas questões às crianças de modo a que observassem o que acontecia. O seguinte extrato evidencia o que acabámos de referir.

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“Estagiária: O que observamos nos copos?Criança: Num copo vê-se o mel, no outro não.

Extraído de: Notas de campo de diário refl exivo

Figura 7. Conversa da Estagiária com as Crianças

As crianças observaram os dois copos de leite e observaram que com o mesmo tempo de agitação o mel não se dissolveu no leite frio, mas se dissolveu no leite quente.

Seguidamente, apresentam-se os resultados das aprendizagens das três crianças em termos das capacidades investigativas, observação e o seu registo.

Figura 8. Registo da criança 1 relativamente à capacidade investigativa observação num segundo momento

À criança 1 foi atribuído o nível três. Tal signifi ca que esta criança apresenta de uma forma consistente e continuada a capacidade investigativa observação. A crian-ça fez observações quantitativas de forma adequada, designadamente o número de vezes em que a ampulheta foi manuseada. A observação desta criança foi satisfatória, no entanto, necessita de mais detalhe e mais rigor. Esta criança referiu o material utilizado, bem como todos os procedimentos usados na concretização da experiência.

O material utilizado foi: mel, 2 colheres, 2 copos iguais, ampulheta e uma garrafa de leite. Pusemos o leite nos copos, com a mesma quantidade e a Catarina foi aquecer um dos copos de leite. Pusemos o mel com uma colher igual e misturámos ao mesmo tempo com a ajuda da ampulheta. Mudámos 2 vezes o tempo. O primeiro a dissolver foi o leite quente, porque o leite estava branco. O leite frio não dissolveu, porque vimos o mel no fundo do copo.

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No registo, esta criança respeitou as cores reais, bem como registou o que observou de uma forma cuidada e detalhada.

Figura 9. Registo da criança 2 relativamente à capacidade investigativa observação num segundo momento

À criança 2 foi atribuído o nível dois. A criança apresenta a capacidade investiga-tiva observação, no entanto, precisa de melhorar alguns aspetos. A criança observou sem grande preocupação na fi abilidade e no detalhe. A criança narrou a experiência observada, mas não respeitou as cores reais. Como também não apresenta muito detalhe na sua observação.

Figura 10. Registo da criança 3 relativamente à capacidade investigativa observação num segundo momento

À criança 3 foi atribuído o nível três. Tal signifi ca que a criança nem sempre fez ob-servações detalhadas e cuidadosas. Porém, a criança é capaz de fazer observações quantitativas, apesar da quantifi cação não ser detalhada. Também ao nível do registo precisa de melhorar ao nível do rigor e do detalhe, conforme mostra a fi gura que se apresenta. No entanto, utilizou cores reais e teve o cuidado de desenhar as diferentes cores de cada copo de leite.

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As crianças utilizavam a área das ciências como exploração livre. Na área das ciências encontravam-se folhas brancas e lápis de cor, para as crianças registarem as suas explorações. A investigadora estagiária registava toda a narrativa da criança sobre as suas experiências. De seguida mostramos dois momentos de registos:

Figura 11. Registo da criança 1 relativamente à exploração livre da área das ciências num primeiro momento

Relativamente ao registo e particularmente ao rigor, num primeiro momento, à crian-ça 1 foi atribuído nível 3. Esta criança apresenta algum cuidado e detalhe. Neste registo a criança explicou o que fez na área das ciências e registou o que realizou. A criança explica que retirou a água com a seringa e colocou no recipiente cor-de-rosa. E o registo da criança retrata isso. Este registo mostra a seringa, os recipientes, a água e a criança a retirar a água. A criança teve o cuidado de se desenhar a realizar as suas experiên-cias. No entanto, ainda precisa de melhorar ao nível do rigor e do detalhe.

Figura 12. Registo da criança 1 relativamente à exploração livre da área das ciências num segundo momento

Tirámos a água com a seringa e colocámos no recipiente cor-de-rosa. Também colocámos no recipiente laranja e cinzento.

Estivemos a abanar o copo com água. Mudámos a água do recipiente castanho para o rosa. Colocámos água com a seringa no recipiente cinzento e abanámos. A água ficou em ácido porque abanámos. Era amarelo parecia xixi.

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Num segundo momento, à criança 1 foi atribuído o nível quatro. Esta criança re-gista com rigor e clareza. No desenho representou os recipientes e as seringas de modo muito claro e rigoroso. Esta criança também respeitou as cores dos recipientes que observou.

Figura 13. Registo da criança 2 relativamente à exploração livre da área das ciências num primeiro momento

Num primeiro momento, a criança 2 apresenta um nível muito baixo, sendo-lhe atribuído o nível um. Apesar de explicar o que fez, por exemplo colocar água no copo com uma seringa, os registos das suas observações são pouco rigorosos e detalhados.

Num segundo momento foi atribuído o nível três, o que quer dizer que a crian-ça apresenta uma evolução muito satisfatória, sendo, agora, capaz de registar com maior cuidado e detalhe, como mostra a fi g, 17.

Figura 14. Registo da criança 2 relativamente à exploração livre da área das ciências num segundo momento

Com a seringa pus água no copo.

Pus água no copo. Pus pedras na balança porque queria saber se pesava. Vi as flores com a lupa e com o observatório

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Também a criança 3, num primeiro momento, apresenta um nível um. A criança registou o que fez na área das ciências, porém este registo é ambíguo, pouco rigoroso e pouco detalhado. A criança referiu que colocou a água de um balde para o outro.

Figura 15. Registo da criança 3 relativamente à exploração livre da área das ciências num primeiro momento

A esta criança, num segundo momento, foi atribuído o nível dois. Apesar de a criança fazer os registos ainda de forma inconsistente, já se apresenta mais cuidado e detalhado. A criança refere que observou as folhas e os feijões e explorou a seringa e a água. A criança registou o que explorou, apesar de não se perceber os instrumentos desenhados, ela verbaliza o nome dos instrumentos.

Figura 16. Registo da criança 3 relativamente à exploração livre da área das ciências num segundo momento

Seguidamente, apresentamos quadros de resultados relativos às capacidades in-vestigativas promovidas com estas atividades.

A fi gura seguinte mostra a evolução das crianças em relação à capacidade inves-tigativa e observação.

Mexi nos baldes e na água. Mudei a água de balde para balde.

Observei as folhas e os feijões. Mexi na água e com a seringa.

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Figura 17. Síntese da avaliação das três crianças relativamente à capacidade investigativa obser-vação

Os resultados mostram que as crianças 1 e 3 evoluíram relativamente à capacida-

de investigativa observação. E a criança 2 manteve o mesmo nível. Para avaliar a capacidade investigativa registo e, especifi camente o rigor, também

se recorreu às explorações livres na área das ciências. Assim, as crianças foram avaliadas através dos seus registos em dois momentos. A fi gura seguinte mostra a evolução destas crianças:

Figura 18. Síntese da Avaliação das três crianças capacidade investigativa registar com rigor

Os resultados evidenciam que as crianças evoluíram na sua capacidade investi-gativa registo com rigor.

Também a educadora de infância corrobora esta evolução nestas crianças e afi r-ma “existe um rigor na comparação entre o que observam e o que desenham. A observação e a concretização são mais completas”. (Entrevista, 2º momento). De

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acordo com a educadora cooperante, para além destas capacidades investigativas, as crianças desenvolveram: a previsão, a comunicação, a medição, a classifi cação, a quantifi cação, o levantamento de questões e a predisposição para aprender mais. (Extraído da 2ª entrevista realizada à Educadora Cooperante).

No que diz respeito à área das ciências, a Educadora Cooperante valoriza esta área desde que seja “apoiada e explorada convenientemente, quer pelo adulto, quer pelas crianças” e refere que o educador de infância deve introduzir “novos materiais (…) o adulto tem de ir vendo também, por exemplo, o que as crianças estão aprender, o que estão a desenvolver e como é que elas estão a evoluir cada vez que vão a essa área”.

Com o objetivo de escutar a voz das crianças sobre as suas aprendizagens foi efetuada uma entrevista às três crianças.

A criança 1 mostrou motivação, referindo a experiência da dissolução do mel em leite: “ (…) e do dissolve, porque o leite quente dissolveu primeiro que o leite frio”, mostrou que sabia as partes constituintes da abelha “têm patas, antenas, olhos barri-ga e cabeça”. Referiu algumas experiências realizadas na área das ciências de forma livre, como “por água num copo e depois misturarmos e faz salgado (…) a balança, pomos uma pedra e muitas rolhas, a pedra pesa mais e vai abaixo (…) ver as coisas pequenas, maiores com a lupa e fazer o registo.

A criança 2 mostrou motivação, justifi cando que “nunca fez [nenhum projeto desta natureza] ”. Referiu que aprendeu com a experiência da dissolução do mel em leite. No que concerne à área das ciências, a criança salienta que pode “por areia e água nos feijões. Também pode mexer com a balança e com as conchas”.

A criança 3 não refere as experiências realizadas, mas salienta que na área das ciências “brincava com a água, punha água num copo para o outro”.

4. Conclusões

Através dos dados recolhidos, da observação participante e da avaliação das ca-pacidades investigativas das crianças verifi cou-se que com a implementação da área das ciências se intensifi cou o gosto e a curiosidade das crianças pela área. Durante as atividades realizadas e a dinamização da área das ciências, foi notória outra dinâ-mica nas crianças.

Com este projeto pode-se verifi car que as crianças fi caram mais despertas para a natureza, tendo sido observado comportamentos diferentes nas crianças nos momen-tos de atividades exteriores em que a maioria das crianças mostravam interesse nos animais e nas plantas que as rodeavam.

Consideramos que o tempo despendido na realização deste projeto foi curto, pois se houvesse a possibilidade de aumentar esse tempo, talvez os resultados fossem mais robustos.

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ResumoEsta investigação tem como objetivo compreender como a familiaridade com diferentes representações do nú-mero racional pode contribuir para o desenvolvimento do sentido de número racional, em alunos do 5º ano de escolaridade, recorrendo-se a uma abordagem de ensino-aprendizagem exploratória. O quadro teórico evidencia a complexidade da construção do sentido de número racional, bem como as difi culdades dos alunos na sua concetualização. Uma melhor compreensão do número racional encontra-se relacionada com a fl exibilidade na conversão entre as suas diferentes representações e nas transformações dentro de cada representação, uma vez que possibilita aos alunos a alternância entre formas equivalentes, bem como a escolha da forma mais adequada e conveniente para resolver problemas e expressar quantidades. Neste sentido, desenvolveu-se um estudo no âmbito de uma investigação sobre a própria prática, seguindo uma abordagem qualitativa e interpreta-tiva, com o intuito de verifi car e analisar como se desenvolve o sentido de número racional, através da utilização das suas diferentes representações. A investigação foi realizada numa turma do 5º ano do Ensino Básico. Os dados foram recolhidos através de observação participante, instrumentos de avaliação (diagnóstica e fi nal), de narrativas refl exivas, gravações áudio, vídeo-gravações, entrevista realizada à professora cooperante e análise documental. Os resultados evidenciam que, através de uma abordagem exploratória, os alunos demonstraram um aumento na compreensão e familiaridade na utilização e conversão das diferentes representações do número racional e, consequentemente, um desenvolvimento do sentido de número racional.

Palavras-chaveSentido de número; representações do número racional; ensino-aprendizagem exploratório; Matemática.

Introdução

Os números racionais são encarados por vários investigadores (e.g. Lamon, 2006; Pinto & Ribeiro, 2013) como um dos temas matemáticos mais complexos e impor-tantes do currículo do ensino básico, uma vez que, devido à riqueza de relações neste conjunto numérico, promovem o desenvolvimento cognitivo dos alunos (Pinto & Ribeiro, 2013). Além disso, assumem-se como um dos tópicos do ensino básico que mais repercussão irá ter na compreensão de assuntos chave da matemática escolar (Monteiro & Pinto, 2009).

As Diferentes Representações do Número Racional e o Desenvolvimento do Sentido de Número:

Uma Abordagem Exploratória no 5º Ano Cláudia Patrocínio

Instituto Superior de Educação e Ciê[email protected]

Nadia Ferreira Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

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O estabelecimento de relações entre as diferentes representações dos números racionais (percentagem, numeral decimal, fração, representação pictórica e lingua-gem natural) tem um papel importante, quando os alunos resolvem problemas, uma vez que permite o desenvolvimento do sentido de número racional (NCTM, 2008). Neste sentido, esta investigação tem como objetivo compreender como a familiari-dade com diferentes representações do número racional pode contribuir para o de-senvolvimento do sentido de número racional, em alunos do 5º ano de escolaridade, recorrendo-se a uma abordagem de ensino-aprendizagem exploratória.

Diferentes representações de número racional na construção do sen-tido de número racional

Os números racionais consistem num dos tópicos mais complexos a aprender e ensinar no ensino básico. A sua complexidade decorre de mal-entendidos que, por vezes, subsistem durante toda a escolaridade, aquando da transição do conjunto dos números naturais para o conjunto dos racionais, por esta ampliação, acarretando con-fl itos concetuais nos alunos (Monteiro & Pinto, 2005). Um outro aspeto que difi culta a sua compreensão consiste na densidade do conjunto dos racionais e no facto de haver várias representações para estes números (fração, numeral decimal, percenta-gem) que lhes acrescentam aspetos particulares (Monteiro & Pinto, 2009). Quaresma e Ponte (2012) realçam que as representações desempenham um papel fundamental no trabalho com números racionais, pois este pode ser representado por um numeral decimal, uma fração, uma percentagem, um ponto na reta numérica ou em linguagens natural ou pictórica. Isto é, os alunos devem saber que 1/4, 25%, e 0,25 são represen-tações diferentes do mesmo número. Acrescentam, ainda, que os alunos necessitam de saber trabalhar com cada uma destas representações e estabelecer relações entre elas, evidenciando fl exibilidade de conversão entre as mesmas, o que se encontra di-retamente relacionado com uma melhor compreensão do número racional (Quaresma & Ponte, 2012).

No âmbito da Educação Matemática Realista, Streefl and (1993, citado por Qua-resma, 2010) destaca a importância da realização de conexões entre as diferentes representações dos números racionais e no âmbito do trabalho realizado no projeto Rational Number Project (RNP), percebe-se que:

A compreensão de número racional pode estar relacionada com três características do pen-samento dos alunos: (i) fl exibilidade na conversão entre as diferentes representações do número racional; (ii) fl exibilidade nas transformações dentro de cada representação e (iii) independência cada vez maior das representações concretas (Quaresma, 2010, pág.17).

Estes autores sublinham ainda que os alunos que não utilizam, nem desenvol-vem estratégias de conversão entre as múltiplas representações de número racional,

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demonstram grandes difi culdades na abstração de informações das representações concretas, na realização de conversões e nas operações com símbolos matemáticos (Quaresma, 2010; Tavares, 2012).

Pinto (2011) desenvolveu um modelo para caracterizar o sentido de número ra-cional com base no desenvolvimento de cinco componentes e destaca a importância da familiaridade com diferentes representações dos números racionais. Segundo a autora, para desenvolver este componente, os alunos devem adquirir como capacida-des o reconhecimento de frações equivalentes e a conexão entre as representações de numeral decimal, fração e numeral misto. Neste sentido, o NCTM (2008) considera que os alunos entre o 3º e o 5º ano de escolaridade devem compreender a equiva-lência entre frações, decimais e percentagens e a informação que cada uma destas formas de representação transmite, de modo a conseguir desenvolver estratégias para o cálculo com numerais decimais e frações; compreender que uma fração como 1/2 é equivalente a 5/10 e que possui uma representação decimal (0,5); e entender a representação do número racional na forma de numeral misto. Este documento acrescenta que:

“ao estudarem frações, decimais e percentagens em simultâneo, os alunos podem apren-der a alternar entre formas equivalentes, escolhendo e usando uma forma adequada e conveniente para resolver problemas e expressar quantidades” (NCTM, 2008, p.175).

Para Owens (1993, citado por Tavares, 2012) muitas das difi culdades dos alunos na compreensão do conceito de numeral decimal manifestam-se porque os alunos são ensinados a trabalhar com os numerais decimais antes de compreenderem o conceito elementar de decimal, defendendo o uso da representação em numeral de-cimal e fracionário paralelamente, como forma de os alunos perceberem que as duas pertencem ao mesmo conjunto numérico.

Desta forma, é da responsabilidade dos professores a criação de ambientes de aprendizagem que enfatizem, corroborem e reconheçam as diversas representações utilizadas pelos alunos de forma a guiar de forma efi caz o desenvolvimento e a utiliza-ção dessas múltiplas representações e permitindo aos alunos o desenvolvimento do seu entendimento, a construção das suas certezas e a estruturação dos seus proces-sos analíticos (Tavares, 2012). Segundo o NCTM (2008) os alunos devem ser leva-dos a progredir das representações informais para as representações mais formais e abstratas, sendo o papel do professor o de auxiliar os alunos a construir pontes entre as suas próprias representações e as representações convencionais, ajudando-os a contemplar as semelhanças entre os múltiplos contextos do problema (Quaresma, 2010). Relativamente às representações pictóricas, Quaresma (2010) afi rma que estas são ferramentas de apoio ao raciocínio, pois podem representar a informa-ção do problema e, também, facilitar a mudança de estratégias de resolução. A autora sugere que os alunos precisam ter habilidade para interpretar representa-ções, construir as suas próprias representações e desenvolver e comunicar as suas

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ideias. Aos professores cabe levar os alunos a compreender que as representações são ferramentas para a modelação e a interpretação de fenómenos de natureza ma-temática encontrados em diversos contextos, utilizando mais do que uma representa-ção (NCTM, 2008). É também importante realçar que os alunos deverão compreender que as múltiplas representações, criadas ou não por eles, estão sujeitas a múltiplas interpretações e que a comunicação daquilo que foi entendido e a utilização de repre-sentações alternativas são formas de consolidação da compreensão (NCTM, 2008).

Metodologia

O artigo aqui apresentado enquadra-se num estudo mais amplo desenvolvido no âmbito de uma investigação sobre a própria prática (Ponte, 2002), seguindo uma abordagem qualitativa e interpretativa (Bogdan & Biklen, 1994), com o intuito de ana-lisar como se desenvolve o sentido de número racional, através da utilização das suas diferentes representações. Os dados foram recolhidos através de observação participante, testes de avaliação (diagnóstica e fi nal), de narrativas refl exivas, grava-ções áudio, vídeo-gravações, entrevista realizada à professora cooperante e análise documental. A análise dos dados foi baseada na triangulação dos dados recolhidos organizados em narrativas refl exivas, das gravações áudio e videogravações e da análise dos documentos produzidos pelos alunos. Neste artigo, pretende-se com-preender como a familiaridade com diferentes representações do número racional pode contribuir para o desenvolvimento do sentido de número racional, em alunos do 5º ano de escolaridade, recorrendo-se a uma abordagem de ensino-aprendizagem exploratória. Para tal analisaram-se, em todas as sessões, as representações do número racional escolhidas pelos alunos para resolver as tarefas, a capacidade de conversão entre as diferentes representações, a perceção que a mesma quantidade se pode representar de diferentes formas e a fl exibilidade nas transformações dentro de cada representação.

A investigação foi desenvolvida numa turma do 5º ano de escolaridade, do 2º ciclo do Ensino Básico, composta por 23 alunos, com idades compreendidas entre os dez e onze anos de idade. Era uma turma com alunos bastante motivados e interessados pelas aprendizagens, sendo bastantes curiosos e participativos. Contudo, revelavam poucos hábitos de trabalho a pares ou em grupo e nos momentos de trabalho em grande grupo a participação era desorganizada e sem compreensão das normas e papéis no âmbito de uma discussão matemática.

Antes da preparação da unidade de ensino, procedeu-se à aplicação de um teste de modo a compreender os conhecimentos prévios dos alunos sobre os números racionais, bem como as suas difi culdades e as representações que reconheciam. No que diz respeito às diferentes representações do número racional, os resultados evidenciaram que os alunos utilizavam a fração como representação de eleição, de-monstrando que é com esta representação que se sentem mais à vontade ou que

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tiveram mais contacto. A unidade de ensino foi implementada com uma abordagem de ensino-aprendizagem exploratória de modo a promover aprendizagens matemáticas por compreensão e construção do conhecimento, através de tarefas diversifi cadas e desafi antes (Ponte, 2005; Stein et al, 2008; NCTM, 2008; Canavarro, 2011). A inter-venção decorreu durante cinco aulas de 90 minutos cada, onde se trabalhou no sen-tido de desenvolver o sentido de número racional e, mais concretamente, incentivar a utilização e conversão das diferentes representações dos números racionais. Neste sentido, cada sessão foi estruturada de acordo com as quatro fases características de uma aula exploratória defendida por Canavarro (2011; 2013) a fase de “lançamento” da tarefa, a fase de “exploração” pelos alunos, e a(s) fase(s) de “discussão e sinteti-zação” e a prática pela primeira autora foi pautada pelas cinco práticas defi nidas por Stein, Engle, Smith e Hughes (2008) para a promoção de discussões matemáticas: a) antecipar as respostas matemáticas; b) monitorizar as respostas; c) selecionar as resoluções pertinentes; d) sequenciar criteriosamente as respostas para apresenta-ção em grande grupo; e e) estabelecer conexões entre resoluções. Todas as tarefas foram contextualizadas no âmbito da temática do Escutismo, explorando-se diversas situações e contextos referente ao mesmo, de modo a construir nos alunos um siste-ma formal cheio de signifi cado e abundância de contexto (Pinto, 2011). Este contexto serviu de mote para a criação de seis grupos (patrulhas) compostos por 3 ou quatro elementos (Jaguares, Esquilos, Panteras, Escorpiões, Lobos Ibéricos e Falcões). Em sala de aula, pretendeu-se utilizar uma comunicação de tipo dialógico, onde a profes-sora estagiária tentava elaborar, sempre que fosse pertinente, questões de inquirição, para promover a comunicação de raciocínios e a argumentação (Quaresma & Pon-te, 2012). Processos de negociação de signifi cados matemáticos (Bishop & Goffree, 1986) e de redizer (revoicing) (Franke, Kazemi & Battey, 2011) foram considerados, com o intuito de ajudar os alunos a desenvolverem a sua linguagem matemática (Pon-te, Quaresma & Branco, 2012).

Tendo em conta o objetivo do estudo e a revisão da literatura, de seguida, apre-sentam-se momentos de três aulas, em sala de aula, que se consideram relevantes relativamente às diferentes representações dos números racionais.Diferentes repre-sentações de número racional na construção do sentido de número racional num 5º ano de escolaridade

1.ª Aula - Partilhando Sandes

Com a tarefa “Partilhando sandes” (Figura 1) pretendia-se que os alunos compre-endessem o signifi cado de fração como quociente em situações de partilha equita-tiva, utilizassem diferentes representações dos números racionais (fração, numeral decimal e percentagem), comparassem números racionais, trabalhassem com uma unidade contínua e desenvolvessem uma linguagem matemática alusiva aos núme-ros racionais.

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Figura 1. Enunciado da primeira parte da tarefa “Partilhando sandes” (adaptado de Monteiro & Pinto, 2009)

Verifi cou-se que, a maior parte das patrulhas, utilizou uma representação pictó-rica, na resolução, representando o resultado sobre a forma de fração. A Figura 2 evidencia uma dessas resoluções.

Figura 2. Resolução da patrulha Falcões relativamente à alínea 1.1. da tarefa

Com o intuito de perceber como a patrulha Falcões tinha efetuado o seu raciocí-nio e de modo a desafi ar os alunos a explicar as suas representações, a professora estagiária questionou:

PE: Como chegaram a essa conclusão?H.P. (Falcões): Dividimos as sandes em quatro partes e vimos que cada amigo come 3/4.PE: Então mas como é que pensaram?H.P. (Falcões): Fizemos o desenho das sandes e dividimos por nós, que também somos quatro.PE: E dividiram as sandes de qualquer maneira? J.M. (Falcões): Não. Foram em partes iguais.PE: Ok! Mas porque dizem que cada elemento comeu 3/4?

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H.P. (Falcão): Porque cada sandes está dividida em quatro partes e cada elemen-to come uma parte de cada sandes. Então come três partes, que dá 3/4.PE: Ok! Na vossa fração, o denominador representa….M.M. (Falcões): As partes em que foram divididas as sandes.PE: E as sandes são o quê?H.P. (Falcões): A unidade.PE: Boa! E o numerador?M.M. (Falcões): As partes que eles comeram.

Apenas a patrulha Panteras utilizou a representação em numeral decimal, utilizan-do o signifi cado de fração como quociente, efetuando o algoritmo da divisão, como espelha a Figura 3. A patrulha explicou que utilizou o algoritmo da divisão, pois tinham três sandes a dividir por quatro elementos. Assim, chegaram à conclusão que cada elemento tinha comido 0,75 da sandes.

Figura 3. Excerto da resolução da patrulha Panteras, em relação à alínea 1.1. da tarefa

Na fase de discussão em grande grupo, após a apresentação destas duas reso-luções, a professora estagiária encaminhou os alunos a relacionarem as resoluções obtidas nas duas estratégias apresentadas, bem como na forma de percentagem, estabelecendo-se a igualdade entre as seguintes representações do mesmo número racional: 3/4 = 0,75 = 75%.

Na resposta à questão 1.2), todas as patrulhas justifi caram o seu raciocínio utili-zando palavras, evidenciando uma difi culdade em utilizar símbolos matemáticos para fundamentar as suas resoluções. Assim sendo, houve a necessidade de, em grande grupo, se questionar as patrulhas como poderiam, matematicamente, demonstrar que cada elemento comeu menos de uma sandes.

PE: Como podemos justifi car, matematicamente, que cada elemento comeu me-nos de uma sandes?J.C. (Panteras): Então 0,75 é menor que 1, logo eles comeram menos que uma sandes.PE: Esse 1 representa o quê?I.N. (Escorpiões): A unidade

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PE: Que neste caso é o quê?I.N. (Escorpiões): Uma sandes.PE: Boa! Então como podemos escrever, utilizando símbolos matemáticos, o que a I.N. acabou de dizer?PE: Na matemática que símbolo se pode utilizar para a palavra menor?J.C. (Panteras): Ah! Escrevemos 0,75 < 1. (O aluno vai ao quadro e escreve este raciocínio).

Para relacionar as várias representações do número racional, questionou-se a turma pela fração que representava a unidade, com o intuito de justifi car utilizando-se a representação fracionária. Assim, a professora estagiária guiou os alunos para a representação da unidade na forma de fração 4/4 e, novamente para a utilização do símbolo <, de forma a desenvolver a linguagem matemática dos alunos. Desta forma, escreveu-se no quadro 3/4 < 4/4, evidenciando-se, os signifi cados do numerador e denominador, em ambas as frações.

Considerou-se que, através da exploração desta tarefa, os alunos conseguiram utilizar e compreender a relação entre as diferentes representações dos números racionais, nomeadamente a fração, o numeral decimal e a percentagem, compreen-dendo que ambas representavam a mesma quantidade.

3.ª Aula – Lanche em patrulha

Na tarefa ”Lanche em patrulha” (Figura 4) pretendeu-se que os alunos compreen-dessem e utilizassem diferentes representações do número racional, conhecessem a representação em numeral misto e sua relação com as frações impróprias, perce-bessem que as frações podem representar grandezas superiores à unidade, traba-lhassem com uma unidade discreta e desenvolvessem uma linguagem matemática alusiva aos números racionais.

Figura 4.Enunciado da tarefa “Lanche em patrulha” (adaptado de Monteiro & Pinto, 2009)

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Durante a monitorização do trabalho autónomo dos alunos, no que respeita à alí-nea 1.1., a professora estagiária foi incentivando a realização de conexões entre as diferentes representações dos números racionais: fração, numeral decimal e numeral misto. Neste sentido, apercebeu-se que a maioria das patrulhas conseguiu represen-tar pictoricamente, com um numeral decimal e, consequentemente, através de uma fração decimal, a quantidade de laranjas pretendida (Figura 5 e 6), o que pode eviden-ciar alguma capacidade de transformação dentro de cada representação, assim como capacidade para representar de diferentes formas, a mesma quantidade.

Figura 5 . Excerto das várias representações encontradas pela patrulha Escorpiões

Figura 6. Excerto das várias representações encontradas pela patrulha Esquilos

Porém, nenhuma patrulha estava a conseguir chegar à fração imprópria, nem ao numeral misto. Na patrulha Jaguares, um aluno estabeleceu o seguinte raciocínio:

G.E. (Jaguares): A fração não se pode utilizar?PE: Porque dizes que não se pode utilizar?G.E. (Jaguares): Porque nós não tirámos nenhuma, nem fi cámos com nenhuma.

A situação acima descrita pode evidenciar a difi culdade do aluno em compreen-der a representação de uma fração imprópria, em lidar com um contexto de unidade discreta e a difi culdade na concetualização da unidade de referência, uma vez que uma fração tem sempre subjacente uma unidade. Continuando o diálogo com o aluno, considerou-se que se deveria orientar a patrulha no sentido de a encaminhar para a representação fracionária, levando-a a perceber qual a unidade de referência.

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PE: Para escreveres uma fração, tu precisas de ter o quê? Uma fração tem sem-pre por base, o em quê?G.E. (Jaguares): Nas partes em que está dividida.PE: O que é que está dividida?G.E. (Jaguares): A fi gura.PE: A unidade (redizer). Então nesta situação, qual é a tua unidade?G.E. (Jaguares): São os 6,5? (aluno fi ca confuso..)

Recorrendo a um questionamento focado na representação pictórica da unidade, a professora estagiária guiou o aluno à identifi cação da unidade de referência.

PE: Então qual é a unidade?G.E. (Jaguares): Uma laranja.PE: Então se uma unidade é uma laranja. Quantas unidades tens representadas?G.E. (Jaguares): 7PE: Mas esta só tens metade. Inteiras são quantas?G.E. (Jaguares): 6PE: Boa! Então neste caso temos mais que uma unidade. Vamos representar por fração. O denominador representa o quê?G.E. (Jaguares): O número de partes em que a unidade foi dividida.PE: Então neste caso, como temos de dividir?

O aluno toma como referencia a unidade já dividida em metade e divide as restan-tes laranjas de igual forma.

PE: Então em quantas partes iguais dividiste cada unidade?G.E. (Jaguares): 2PE: E quantas partes de laranja tu tens?G.E. (Jaguares): 13PE: Como se escreve a fração?G.E. (Jaguares): 13/2

Durante a discussão em grande grupo, para auxiliar a compreensão dos alunos, da situação acima descrita, a professora estagiária partiu da representação pictórica e encaminhou os alunos a representarem, com uma fração, cada parte da laranja. Neste caso, um meio (1/2) e que se somassem todos os meios tinham treze meios, o que seria representado por 13/2.

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Supervisão, Liderança e Inclusão 207

Figura 7. Excerto do registo do aluno M.M. efetuado no quadro pela investigadora, resultante da discussão

Por sua vez, também se encaminharam os alunos para a representação em nume-ral misto, levando-os a pensar que somando 1/2 com 1/2 obtinha-se uma laranja intei-ra, ou seja, uma unidade representada pelo algoritmo 1. Este processo foi realizado para as restantes laranjas, chegando-se às 6 unidades e meia, na forma de numeral misto, 6 1/2. De realçar que houve a necessidade de se explicar, várias vezes, a re-presentação da quantidade de laranjas em fração, salientando-se que se tinha mais que uma unidade e o signifi cado do numerador e do denominador na fração obtida. A seguinte Figura 6 demonstra todo processo descrito.

A maioria das patrulhas, na questão 1.2, utilizou o signifi cado de fração como quo-ciente entre dois números inteiros e através da realização do algoritmo da divisão, cal-cularam a dízima correspondente à fração e, consequentemente, o numeral decimal. Assim, perceberam que tinham duas laranjas inteiras, sobrando metade de uma outra laranja. Para facilitar a compreensão, solicitou-se aos alunos uma representação pic-tórica dessa quantidade e a respetiva representação em numeral misto, acabando-se por responder à alínea 1.3. Estes processos são espelhados na resolução da patrulha Pantera (Figura 7), que rapidamente entendeu a relação entre as diferentes formas de representação.

Figura 8. Excerto da resolução da alínea 1.2 e 1.3, pela patrulha Pantera

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Através da exploração desta tarefa, considerou-se que os alunos compreende-ram a representação em numeral misto e sua relação com as frações impróprias e perceberam que as frações podem representar grandezas superiores à unidade. Conseguiram mobilizar, igualmente, diferentes representações do número racional, evidenciando capacidade de conversão e familiaridade entre as mesmas.

5.ª Aula – Ida ao supermercado

Na tarefa ”Ida ao Supermercado” (Figura 8) pretendeu-se que os alunos com-preendessem o signifi cado de fração como operador multiplicativo, percebessem a operação da multiplicação com números racionais, através do produto de um número natural por uma fração; utilizassem diferentes representações do número racional; trabalhassem com uma unidade discreta e desenvolvessem uma linguagem matemá-tica alusiva aos números racionais.

Figura 9. Enunciado da primeira parte da tarefa “Ida ao supermercado” (adaptado de Monteiro & Pinto, 2009)

Na resolução desta tarefa, constatou-se que as patrulhas não tiveram difi culdade em interpretar a questão, encontrando sem problemas uma forma de resolução. Por exemplo, a patrulha Lobos Ibéricos (Figura 9) utilizou a adição sucessiva na forma de fração e, recorrendo às regras operatórias já aprendidas, obteve 7/2.

Figura 10. Estratégia de resolução da patrulha Lobos Ibéricos, com representação fracionária

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A patrulha Jaguar (Figura 10), também utilizou a adição sucessiva, mas preferiu utilizar a representação em numeral decimal, convertendo 1/2 em 0,5 e obtendo 3,5.

Figura 11. Excerto da resolução da patrulha Jaguar, com representação decimal

A patrulha Falcões (Figura 11) percebeu que seis meios correspondiam a três unidades e sobrando 1/2, chegaram à representação em numeral misto, 31/2.

Figura 12. Excerto da resolução da patrulha Panteras com representação em numeral misto

As diferentes representações demonstram a familiarização das patrulhas com as diferentes representações dos números racionais, bem como a escolha da represen-tação que lhes permite encontrar a solução ao problema.

Na fase da discussão em grande grupo, foram exploradas as três estratégias re-feridas em cima, isto é, a adição sucessiva com representações em fração e numeral decimal, a adição com resultado fi nal na representação de numeral misto. Assim, foram exploradas as várias representações do número racional e a capacidade de conversão entre as mesmas.

Através da exploração desta tarefa, denotou-se uma preocupação em encontrar várias estratégias de resolução, utilizando as diferentes representações do número racional, demonstrando agilidade na transformação e relação entre as mesmas.

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Conclusão

Ao longo das aulas constatou-se que a maioria dos alunos foi aumentando a sua familiaridade com as diferentes representações dos números racionais, conseguin-do representar a mesma quantidade recorrendo a diferentes representações. Este facto foi visível, pois na primeira aula os alunos apenas utilizaram uma forma de re-presentação do numeral racional (fração ou numeral decimal), enquanto na tercei-ra e quinta aula já conseguiram moblizar diferentes representações em simultâneo, principalmente, a representação pictórica, fracionária, em numeral decimal e numeral misto, evidenciando fl exibilidade na conversão entre diferentes representações e nas transformações dentro de cada representação (Quaresma & Ponte, 2012).

Os alunos também mostraram ter a capacidade de selecionar a representação que lhes permitia encontrar a solução do problema, evidenciando a importância de aprender a alternar entre formas equivalentes, para poderem escolher e usar a forma mais adequada e conveniente para resolver conjunturas (NCTM, 2008).

Uma vez que uma melhor compreensão do número racional se encontra relacio-nada com a fl exibilidade de conversão entre as diferentes representações e familiari-dade com as mesmas (Quaresma, 2010; Pinto, 2011; Tavares; 2012) podemos afi rmar que os alunos adquiriram um melhor entendimento do sentido de número racional.

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ResumoO presente estudo resulta da investigação decorrente da Prática Supervisionada, tendo como principal objetivo analisar como é que a Metodologia de Trabalho por Projeto potencia a emergência da leitura e da escrita, num grupo de crianças com idades entre os cinco e os seis anos. Para tal, promovemos uma intervenção pedagógica holística, centrada nas vivências e interesses do grupo, propiciando aprendizagens signifi cativas na construção do Projeto Pessoal de Leitor/Escritor. Este estudo insere-se na metodologia da investigação sobre a própria prá-tica, seguindo uma abordagem qualitativa, baseada no paradigma interpretativo e descritivo. Como ferramentas de recolha e triangulação de dados elencam-se a observação participante, as notas de campo, as produções das crianças, a entrevista à educadora, os registos de áudio e vídeo, bem como a análise documental. Os resultados permitem concluir que em simultâneo com o processo realizado, as concetualizações das crianças acerca das funcionalidades da linguagem escrita iam evoluindo em consonância com a construção do seu projeto pessoal de leitor/escritor. O recurso aos jogos de prosódia e às técnicas de tecnologias, informação e comunicação (TIC) foram potenciadores de autonomia e motivação. Concluímos que as crianças já conseguem interpretar, ler e produzir imagens com sentido, assim como, ler e escrever números, letras e diferentes tipos de texto, faltando apenas saber fazê-lo formalmente.

Palavras-chaveMetodologia de Trabalho por Projeto; Construção do Projeto Pessoal de Leitor/Escritor; Funcionalidade da Lin-guagem Escrita; Trabalho Cooperativo; TIC.

Introdução

A presente investigação resulta da análise do projeto “À espera que cresça…”, implementado com o plano de ação, em educação pré-escolar.

Este estudo tem como objetivo investigar se a construção do Projeto Pessoal de Leitor/Escritor (PPL/E) em crianças de cinco anos é suscetível de ser estimulada atra-vés de uma intervenção específi ca, antes da iniciação formal à leitura e escrita.

A literatura sugere que é indiscutível a importância do desenvolvimento da literacia emergente desde a educação pré-escolar, constatando-se um maior sucesso no nível

E Depois? Acaba um Projeto, Vêm Mais Dois e… “Agora só me Falta Aprender a Ler e a Escrever!”

Maria Aguilar Mendonça de Lima [email protected]

Inês Teixeira Ribeiros [email protected]

Celeste Rosa [email protected]

Instituto Superior de Ciências Educativas

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de ensino seguinte, relativamente ao desenvolvimento dos domínios da leitura e da escrita.

O suporte de escrita construído ao longo do projeto foi a revista, a qual desenca-deou a elaboração de diferentes tipos de texto: rimas; lengalenga; poema e canção; adivinhas; relatos; textos de opinião, apreciação e narrativas; e reconto rimado.

Assim, constatando que as dramatizações, rimas e lengalengas constituem um dos maiores interesses do universo infantil, partimos do desenvolvimento da consci-ência fonológica, em particular, para privilegiar o desenvolvimento da linguagem, em geral.

Para além disto, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) constituíram um recurso motivacional promotor de autonomia das crianças permitindo a estas apo-derarem-se e reproduzirem o código escrito per si que, de outra forma, poderia ser de acesso mais limitado.

Face ao panorama exposto, identifi cámos a seguinte questão de investigação: Como é que a Metodologia de Trabalho por Projeto potencia a emergência da leitura e da escrita, num grupo de crianças de idade pré-escolar?

Para o plano de ação delineámos como objetivos gerais: promover a construção do PPL/E; fomentar a organização e o rigor discursivos; estimular o desenvolvimento da consciência fonológica.

De seguida, apresentamos o quadro teórico referente a esta temática, posterior-mente a metodologia utilizada e, por fi m, a análise e discussão dos resultados, bem como as referências bibliográfi cas.

1. Literacia Emergente

A literatura é consensual em apontar que antes da aprendizagem formal da leitura, as crianças possuem já um conjunto de conhecimentos e competências básicas no que concerne à literacia e suas funções.

Os estudos esclarecem que a literacia emergente reporta-se a uma gradual apro-priação da linguagem verbal pelas crianças: não só nos sons e estrutura da língua, como também na precocidade do envolvimento das crianças com o código escrito e suas concetualizações acerca das funcionalidades da linguagem escrita, sendo estas vertentes indissociáveis.

Estas abordagens ao desenvolvimento oral e à emergência da escrita são igual-mente mencionadas pelas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (1997) que encaram esta última mencionada como competência global para a leitura através da interpretação e tratamento da informação, da «leitura» de imagens e da realidade e das concetualizações acerca das funcionalidades da linguagem escrita. Lemos e escrevemos com funções e razões específi cas.

Este percurso, anterior à aprendizagem formal da leitura e da escrita é, comum-mente, designado por literacia emergente nas primeiras idades, descrevendo-se

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como indicadores precursores da construção do Projeto Pessoal de Leitor/Escritor (PPL/E), concretamente, o conhecimento das letras; a consciência fonológica; a com-preensão da estrutura do texto; a relação entre a escrita e o discurso; a consciência sobre o impresso; e o domínio da linguagem oral.

A investigação aponta que a construção do PPL/E desenvolve a motivação das crianças para aprender a ler e a escrever, daí estabelecer-se uma correlação positiva entre a literacia emergente e a taxa de sucesso aquando da aprendizagem formal destes domínios.

2. Consciência Linguística

As crianças adquirem a língua materna em simultâneo com as competências comunicativas, através das constantes interações, e que são tanto maiores quanto maiores forem os estímulos, as vivências e as oportunidades para as concretizarem. Urge propiciar às crianças experiências diversifi cadas, desafi antes, signifi cativas e que as motivem a partilhar e expressar-se com os seus pares e adultos.

Os estudos revelam que as interações sociais potenciam aprendizagens sobre o meio físico, social e afetivo ao mesmo tempo que adquirem os vários domínios da língua. O desenvolvimento da linguagem desenvolve-se de forma holística, isto é, à medida que pretende expressar signifi cados mais complexos, a criança pronuncia formas mais elaboradas e utiliza, gradualmente, funções da língua mais adequadas ao contexto.

O desenvolvimento lexical emerge precocemente e prolonga-se por toda a vida. O educador assume um papel fundamental na promoção de um input lexical de qua-lidade, tal como defende Mata “para as crianças devemos utilizar a nossa melhor linguagem, não a mais simplifi cada” (Malavasi & Zoccatelli, 2014, p.43).

A literatura destaca o papel do educador em estimular o desenvolvimento lexical e a consciência fonológica através dos jogos de prosódia, destacando-se as lengalen-gas, as rimas infantis e os contos rimados (Viana, 2006).

As autoras Ramos, Nunes e Sim-Sim (2004) defi nem a consciência fonológica como “um termo que se refere à consciência de unidades de sons, que podem ser palavras, sílabas, fonemas” (p.15).

As mesmas autoras correlacionam as capacidades de análise do oral com a aprendizagem da leitura e da escrita, enfatizando que a consciência fonológica tem-se revelado essencial para se compreender a relação entre a linguagem oral e escrita, já que é consensual que estes conhecimentos não são compartimentados, mas interligados.

A investigação é unânime ao defender que a capacidade metalinguística deve ser treinada explicitamente com as crianças, iniciando-se pela consciência silábica, que precede outras competências e, gradualmente, aumentar o coefi ciente de difi culdade (Freitas, Alves & Costa, 2007).

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3. TIC como ferramenta potenciadora da emergência da lite-racia

Pinto do Amaral, Comissário do Plano Nacional de Leitura, evoca a importância dos meios tecnológicos como instrumentos poderosos para as crianças usufruírem da leitura e da escrita no seu quotidiano, com uma facilidade inimaginável.

Teberosky e Ferreiro (1984) afi rmam que as habilidades de leitura e escrita de-pendem fundamentalmente da relação que a criança tem precocemente com a cultu-ra escrita, acrescentando que os recursos tecnológicos proporcionam aprendizagens novas.

Santana (2009) refere que o recurso às TIC, em redes interativas, potencia uma imperiosa discursividade que viabiliza a promoção ao modo escrito da linguagem. Assim, vivendo num tempo por excelência da comunicação e da linguagem, onde nos são impostos instrumentos tecnológicos, é imperioso que retiremos partido deles para que o contacto com a escrita assuma um papel signifi cativo junto das crianças. Para tal, é necessário que esta provoque o comprometimento de todos os envolvidos e que os textos produzidos tenham signifi cado.

Malavasi e Zoccatelli (2014) sugerem que a documentação construída com as crianças tem que ser idónea no seu potencial comunicativo, podendo a utilização do computador constituir-se instrumento poderoso das narrações, em que as imagens são acompanhadas por palavras escritas.

4. Metodologia de Trabalho por Projeto

“Todos somos responsáveis de tudo, perante todos”(Fiador Dostoievski)

A Metodologia de Trabalho por Projeto implica uma “pedagogia em participação”, centrando-se o currículo nas crianças, nos adultos e no contexto (Vasconcelos, 1998).

Em Portugal, esta metodologia foi apresentada por Irene Lisboa que defendia que o projeto partia de uma ideia sujeita a desenvolvimento: quanto mais oportuna e inte-ressante, maior a sua exequibilidade.

Vasconcelos (1998) sugere que esta metodologia tem um enfoque social, impli-cando um compromisso de todos os atores sociais de se envolverem em todo o pro-cesso com o intuito de dar resposta a problemas pertinentes para o grupo.

Assim, entende-se que esta metodologia está enquadrada numa perspetiva socio-construtivista que indicam a pretensão de cultivar competências sociais, emocionais, morais e estéticas, conferindo coerência e continuidade ao trabalho conjunto, com enfoque na cooperação (Katz & Chard, 1997).

O trabalho por projeto é unanimemente traduzido num ato intencional, de caráter vivido e real, sendo a experiência portadora de verdadeiro conteúdo e signifi cado das

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aprendizagens. Apesar de direcionada, “a pedagogia por projeto implica fl exibilidade, infl exões e mudanças e reformulações ao longo do processo” (Vasconcelos, 1998, p.139).

Quanto às aprendizagens, esta metodologia é de índole qualitativa e, como tal, preocupa-se mais com o processo do que com os resultados (Vasconcelos, 1998). As aprendizagens, como clarifi ca a investigação, são interdisciplinares e estimulam ativi-dades nos mais diversos domínios: privilegia-se a articulação de saberes, as compe-tências de funcionamento de grupo, cooperação, afi rmação, a utilização de técnicas do registo e da comunicação, promovendo competências de leitura, de representação e expressão em diversos tipos de linguagens.

4.1. Fases da Metodologia de Trabalho por Projeto

Segundo Chard e Katz (1997), a metodologia de trabalho por projeto incorpora as seguintes fases: (i) planeamento e arranque; (ii) desenvolvimento dos projetos e (iii) refl exões e conclusões.

A documentação, em cada uma delas, assume-se imperativa, já que a narração da experiência confere signifi cado às aprendizagens. Concomitantemente, o educador está a avaliar a sua própria prática, tornando o processo transparente.

Metodologia

Este estudo decorreu em contexto formal de jardim-de-infância, durante nove me-ses, com um grupo de vinte crianças, entre os cinco e os seis anos.

A metodologia desta investigação enquadra-se num estudo de índole qualitativa, inserindo-se no paradigma interpretativo e descritivo. Assim, privilegia-se a compre-ensão e a explicação dos contextos por parte de todos os atores sociais intervenien-tes, ou seja, tanto a investigadora como as crianças são intérpretes ativos ao longo de todo o processo.

A metodologia sustenta-se na investigação sobre a própria prática, cujo conhe-cimento é construído continuamente, pretendendo-se adquirir ferramentas que pos-sibilitem refl etir e investigar sobre a própria prática: identifi car problemas, arranjar hipóteses, tentando convergir as ações com as necessidades grupais. Ponte (2002) refere-se a este processo de investigação como sendo o momento privilegiado para a construção de conhecimentos sobre a própria prática, resultando, consequentemente, a construção da identidade profi ssional dos docentes que se envolvam ativamente.

Técnicas de recolha de dados

O processo de recolha de dados é crucial na investigação, a par e passo com o percurso realizado, pois só assim será possível refl etir e avaliar indicações concretas,

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partindo do pressuposto que a investigação deve ser um processo rigoroso, siste-mático e metodológico. Assim, arranjámos instrumentos específi cos para a recolha dos dados, já que o recurso a técnicas diferentes permitem-nos uma triangulação de dados mais rigorosa, revestindo-se de importância vital para a validação dos procedi-mentos e respetivos resultados.

As técnicas de recolhas de dados a que recorremos para a presente investigação foram: a observação direta, sistemática e participante; as notas de campo; os registos fotográfi cos, de áudio e audiovisual; as produções das crianças; a entrevista à educa-dora cooperante e a análise documental.

Contextualização do plano de ação

Pretendendo propiciar aprendizagens relativas às funcionalidades da linguagem escrita e promover o desenvolvimento do PPL/E no grupo de crianças em estudo, optámos por delinear um plano de ação, dado que se situa numa investigação de cariz qualitativo, cujo processo é dinâmico, interativo e fl exível aos reajustes necessários emergentes da prática (Maximo-Esteves, 2008).

De modo a atingir os objetivos propostos, concebemos um plano de ação holístico, cujo projeto de implementação compila micro projetos do grupo, com a articulação das diversas áreas e domínios.

Assim surgiu o projeto À espera que cresça…, dado o interesse manifestado em escrever uma revista, não só para organizar a experiência da germinação, mas tam-bém para documentar os projetos que mais lhes havia suscitado interesse.

Na fase de negociação decidimos o que queremos fazer: “escrever uma revista”; como vamos fazer: “no computador”; o que queremos escrever: “canções”, “histó-rias”, “poesias”, “lengalengas”, “registo da experiência dos «grões» e dos feijões”, “rimas” e “adivinhas”; e que ilustrações integrar: “podemos tirar fotografi as” e “de-senhar”.

A construção cooperada de cada texto da revista passou pelas seguintes etapas processuais: (i) planeamento e negociação (assunto e tipo de texto); (ii) desenvolvi-mento; (iii) planeamento e negociação (ilustrações relativas à narrativa elaborada); (iv) registo cooperado (no computador); (v) leitura/diálogo.

Análise e discussão dos resultadosEsta secção destina-se à análise das evoluções das crianças no que concerne à

literacia emergente, indagada através do projeto de implementação. Relativamente à consciência lexical, constatámos que o output lexical das crian-

ças apresenta-se mais rico e complexo, tendo sido algumas generalizações ultrapas-sadas, como se pode ver pelo exemplo ilustrativo:

D: O, pá, não é «mais grandes», é «maiores»!M: Sim, «maiores».

Extraído das notas de campo (14 de novembro de 2014).

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O grupo demonstrou difi culdades no plural de palavras como «grão» e a nomen-clatura de «germinação» foi apenas adquirida por seis crianças. A literatura aponta que estes aspetos da língua não devem ser encarados como “erros”, mas como etapa crucial na apropriação da mesma.

Quanto à consciência fonológica, focar-nos-emos em dois aspetos: na divisão si-lábica e na identifi cação/produção de rimas.

No que diz respeito à divisão silábica, verifi cámos que o grupo tinha facilidade na execução desta tarefa, quando se tratava de palavras simples. Porém, apresentava difi culdades em palavras que não correspondessem ao padrão consoante-vogal (CV) ou vogal (V), como se pode observar pela situação:

Todos: «So-le»… 2! (…)Todos: «Gra-ão»… 2!D: É «grão»… 1! (…)Crianças A: «Ger-mi-nar»… 3!Crianças B: «Ger-mi-na-re»… 4! Extraído das notas de campo (10 de abril de 2015)

Esta situação demonstra que as crianças já reconhecem o padrão geral da língua, refl etindo relativo desenvolvimento no âmbito da linguagem oral.

No que concerne à identifi cação/produção de rimas, as crianças demonstraram uma exponencial sensibilização aos sons da língua. Apesar de a maioria das crian-ças evidenciar facilidade na identifi cação, uma minoria conseguia produzir rimas. Não obstante, todas revelaram sentido crítico na construção das diferentes narrativas po-éticas, tal como se pode verifi car no exemplo:

Hq: Maria, podia ser assim: «A primavera está a chegar, está a chegar e vêm as fl ores, as árvores a crescer…»M.L: Não! Opá, assim fi ca feio, Maria! Ele não está a dizer nenhuma rima! (…)

Extraído das notas de campo (10 de março de 2015).

No fi nal do estágio, as crianças solicitaram a construção de um poema fi nal, justi-fi cando que apreciavam ser construtoras ativas de textos que rimassem:

“Maria deste-nos AMORE ajudaste-nos a COMPORCanções das ESTAÇÕESE até fi zemos PLANTAÇÕES (…) ”

Extraído da construção conjunta de um poema de grupo (11 de junho de 2015).

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Face ao exposto, reportamo-nos para uma relação positiva entre o desenvolvi-mento da consciência fonológica e a construção do PPL/E.

Focando-nos na emergência da literacia, numa fase inicial da Prática de Ensino Supervisionada (PES), o desenvolvimento do PPL/E evidenciou-se através do inte-resse em construir um livro. Porém, não existia relação texto-imagens e as frases eram pouco complexas, como se pode ver na Figura 1:

Fig.1. Primeiro projeto do grupo: construção de um livro “Coleção de Folhas Misteriosas”.

Posteriormente, com a construção da revista, verifi cámos evolução nas crianças (consultar a revista de grupo em formato digital em https://editor.dreambooksworld.com/?partner=1013&app=Dreambooks&share=2f18): output lexical mais rico; frases mais complexas; e relação texto-imagens.

A acrescentar a isto, numa fase inicial da PES, a maioria das crianças, aquando da apresentação e divulgação dos projetos afi rmava “Eu não sei ler”. Contudo, numa etapa pós plano de ação, o grupo demonstrava uma perspetiva diferente:

G.R: Podemos ler pelas imagens.T: Sabemos ler as letras.P: E também os números!D: E os gráfi cos de barras que nós fi zemos!Hn e M.L: Também sabemos ler e escrever a data e os nossos nomes!

Extraído das notas de campo (8 de abril de 2015).

Por fi m, podemos constatar o contributo das TIC para a emergência da literacia e consequente desenvolvimento do PPL/E neste grupo, permitindo-lhes autonomia na construção cooperada da sua revista e dos diferentes tipos de texto. O mesmo é corroborado pelas vozes das crianças:

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M.L: Escrevemos adivinhas da primavera!N, Hq e Hn: Escrevemos canções!G.R: Escrevemos a nossa experiência; Hq: e respondemos à minha pergunta!T: E escrevemos a história!M: Escrevemos e guardámos as rimas como eu queria!

Extraído das notas de campo (29 de maio de 2015).

Realçamos a importância do educador para a emergência da literacia nas crian-ças, já que o contacto com diversos suportes e textos lhes possibilita uma previsão dos conteúdos, dos tipos de texto e da respetiva estrutura. A investigação sublinha que estas apropriações são realizadas em interação social e se for permitido à criança protagonizar as suas explorações, descobertas e, consequentemente, as suas apren-dizagens.

A construção cooperada da revista permitiu a aquisição/consolidação de aprendi-zagens: identifi car os constituintes da revista; elaborar diferentes tipos de texto; narrar as experiências de aprendizagens vividas; organizar as vivências sequencialmente; recontar histórias; associar as imagens ao texto; alargar o capital lexical; identifi car/produzir rimas; reconhecer que a escrita e as imagens transmitem informação; reco-nhecer a importância da escrita em contexto; distinguir letras de números; reconhecer a direcionalidade e a progressão da escrita; ler imagens, letras, números e gráfi cos; descrever objetos e situações; ouvir e partilhar sugestões; executar as suas funções autonomamente; avaliar o seu trabalho e o dos colegas, justifi cando.

A revista foi também um mote de documentação das experiências de aprendiza-gem vividas: narrando-as, compreendendo-as e conferindo-lhes signifi cado. Assim, não podemos entender a revista apenas como um produto, mas como um processo que passou pelas etapas processuais supramencionadas. Em suma, a revista consti-tui um portefólio de aprendizagens de grupo que forneceu também indicações sobre a própria prática.

Reporta-se, comummente, a importância da elaboração das narrativas de apren-dizagem – pelas vozes das crianças – através dos portefólios, pois permite observar o desempenho e evolução das crianças, bem como o seu contributo específi co para dado projeto.

Avaliação dos resultados

Nesta investigação evidenciamos que a Metodologia de Trabalho por Projeto, em cada uma das suas fases, propicia a emergência da literacia num grupo de crianças em educação pré-escolar, tal como é corroborado pelas crianças e pela educadora cooperante:

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(i) planeamento e negociação: registam-se as formas de realizar o projeto; atri-buem-se funções a cada criança; e decidem-se os materiais a utilizar: “Escreve, para depois sabermos quem vai fazer o quê”; (ii) desenvolvimento: cada crian-ça executa a sua função, autonomamente, documentando e registando o que é pretendido com o projeto que leva a cabo: “Maria pode ser ela a dizer-me as letras e eu escrevo?”; “Vais escrever o que eu disse? Então escreve assim…” (iii) apresentação/divulgação: as crianças reinterpretam, de forma inteligível, as aprendizagens documentadas: “quando está a pensar sobre as coisas, quando está a pensar como chegar às conclusões e depois como registar essas questões, está a desenvolver competências de literacia” (extraído da entrevista à Educadora Cooperante); (iv) exposição/avaliação: as crianças fazem tentativas de leitura aos trabalhos expostos, conferindo-lhes signifi cado: “Maria, vês como escrevi bem a palavra «fl ores»? Foi muito fácil, fui ver ao nosso painel de palavras da primavera”; a avaliação é partilhada, documentada e provida de sentido.

Estas concetualizações das crianças são tão desenvolvidas quanto a assiduidade com que contactam com o código escrito, em situações signifi cativas e contextualiza-das às suas vivências. Para além disso, dependem, tal como sugere a investigação, do protagonismo ativo das crianças nessas descobertas e a Metodologia de Trabalho por Projeto converge para esses ideais, ao permitir que as crianças sejam sujeitos ativos no processo de construção das próprias aprendizagens.

Considerações fi nais

A Metodologia de Trabalho por Projeto é suscetível de desenvolver a emergência da literacia num grupo de crianças em educação pré-escolar, não só pelos momentos próprios de contacto com o código escrito per si, mas por ser tão transversal quanto os vastos interesses das crianças.

Assim, podemos referir os jogos de prosódia e a utilização do computador como promotores de motivação. Este último, além de viabilizar o contacto com o código escrito, permitindo às crianças apropriarem-se das direcionalidades e progressões do texto e valorizarem a escrita em contexto; funcionou, igualmente, como um arquivo que relata, apresenta e mantém a memória das aprendizagens e vivências signifi ca-tivas para o grupo.

A técnica do registo e o explicitar a importância de escrever é crucial para organi-zar o trabalho, fornecer autonomia, incutir responsabilidade e sentido ao que está a ser feito, além de contribuir para a emergência da literacia e, consequentemente, para a construção do PPL/E.

Em suma, a Metodologia de Trabalho por Projeto, encarando as crianças como sujeitos ativos na construção dos seus conhecimentos, em cada fase, seja na or-ganização do trabalho, seja na representação das suas aprendizagens e depois no

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tentarem traduzi-las em linguagem inteligível aos outros, proporciona a emergência da literacia nas crianças. Portanto, com este plano de ação, as crianças evoluíram as suas concetualizações relativamente à linguagem escrita, reconhecendo-se como autores dos diferentes tipos de texto privilegiados com o projeto, referindo que “agora só me falta aprender a ler e a escrever!”

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ResumoAs emoções são uma parte essencial da vida humana. Apesar de estarmos a experienciá-las são reduzidos os momentos em que refl etimos sobre elas, sobre como infl uenciam o pensamento e o comportamento. Foi este tema que um grupo de alunos do 4ª ano de escolaridade do 1º Ciclo do Ensino Básico pretendeu aprofundar, com o objetivo de promover a tomada de consciência das emoções pessoais no estabelecimento das relações inter-pessoais. Este projeto decorreu no âmbito da unidade curricular de Projetos em Contextos Educativos, para o qual concebemos um plano de ação em que se defi niram estratégias e se selecionaram os recursos necessários à sua implementação. Neste projeto apresentamos a descrição e refl exão do percurso que vivenciámos neste contexto escolar, no concelho de Odivelas. Como metodologia sustentámo-nos na Metodologia de Trabalho por Projeto, que pressupõe várias fases para a sua execução, nomeadamente a defi nição de problema, a planifi ca-ção e o desenvolvimento, a execução, a divulgação e a avaliação. Sendo que esta metodologia favorece a auto-nomia pessoal das crianças, e estas aprendem a gerir o seu próprio processo de aprendizagem, com o apoio do docente. Com a realização deste projeto tivemos a oportunidade de vivenciar um trabalho globalizante e integra-dor, onde foram exploradas as diferentes áreas curriculares que fazem parte do programa deste nível de ensino.

Palavras-chaveEmoções; Relações Interpessoais; 1º Ciclo do Ensino Básico; Metodologia de Trabalho por Projeto; Integração Curricular.

Introdução

O Projeto “As Emoções” emergiu após a observação cuidada do contexto edu-cativo, no qual constatamos que a maioria dos alunos revelava atitudes disrupti-vas, aquando da realização de atividades de grupo, tais como: não respeitavam a opinião dos outros; não exprimiam pensamentos, sentimentos e convicções de forma apropriada, direta e honesta de modo a não violar os direitos dos outros; não possuíam as capacidades de dizer não, de pedir ou realizar favores; não assumiam

As Emoções: Um Projeto Partilhado numa Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico

Maria Altina da Conceição Pinto de Oliveira Sousa Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

Celeste Caetano Ramos Nunes Rosa CI-Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

Paula Maria Sequeira Farinho CI- Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

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responsabilidades; não reconheciam as consequências das suas decisões e ações (bater, o arremessar objetos, o empurrar, o arranhar) e não compreendiam os senti-mentos dos outros.

Os problemas de comportamento, neste caso distúrbios exteriorizados (agressão, destrutividade, impulsividade, acessos de fúria, desafi o e provocação) interferem no cumprimento de tarefas evolutivas proeminentes na infância, tais como, o desenvol-vimento de competências nas relações interpessoais e a aquisição de habilidades académicas básicas e de regras sociais (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003).

Este tipo de comportamentos afetam o bem-estar e as aprendizagens da turma, assumindo-se como experiências sociais negativas para os próprios alunos que os expressam, podendo ter implicações para o seu processo de socialização (aceitação pelos pares). Assim, após diálogo com a professora cooperante, delineámos as estra-tégias por forma a responder à seguinte questão: “Como é que as emoções afetam o relacionamento com os colegas?”.

A partir da questão enunciada identifi cámos os seguintes objetivos específi cos: i) conhecer e aceitar a sua individualidade como pessoa; ii) desenvolver e implementar atividades para a valorização das emoções e afetos; iii) promover a tomada de cons-ciência das emoções pessoais no estabelecimento das relações interpessoais e iv) assumir atitudes de compreensão e de respeito pelas diferenças que caracterizam a diversidade humana e pelas suas expressões.

Neste sentido, e tendo por base a Metodologia de Trabalho de Projeto, procurá-mos desenvolver a Área Curricular de Formação Pessoal e Social – Educação para a Cidadania, sendo esta uma área transversal a todo o currículo do Ensino Básico.

Enquadramento Teórico

A Emoção versus Sentimento

A palavra emoção de acordo com Mora & Sanguinetti (2004) é defi nida como:

uma reacção comportamental e subjectiva produzida por uma informação proveniente do mundo externo ou interno (memória) do indivíduo. É acompanhada de fenómenos neuro-vegetativos e o sistema límbico é parte importante do cérebro estando relacionado com a elaboração de comportamentos emocionais (p.129).

Assim, as emoções estão, por norma, associadas a um comportamento físico, sendo o rosto, uma das partes do corpo, pela qual estas podem ser expressas.

Corroborando com Goleman (2012), a emoção enquanto estado temporário, está associada a uma resposta biológica determinada por um organismo, sendo impossí-vel dissociá-la da razão. Nesta linha de pensamento, a emoção é uma característica intrínseca do ser humano, e como tal é universal e transcultural (Goleman, 2012).

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Por sua vez, Damásio (2000) defende que quando pensamos fazemo-lo com o corpo e com as emoções, afi rmando que não existe a razão “pura”. O neurologista refuta esta estreita ligação chamando a atenção para o facto de as estruturas cere-brais imprescindíveis para desencadear uma emoção serem as mesmas que estão associadas ao desenvolvimento do raciocínio.

De acordo com Damásio (1999):

As emoções são conjuntos complicados de respostas químicas e neurais que formam um padrão; todas as emoções desempenham um papel regulador que conduz, de uma forma ou de outra, à criação de circunstâncias vantajosas para o organismo que manifesta o fenómeno; as emoções dizem respeito à vida de um organismo, mais precisamente ao seu corpo; a fi nalidade das emoções é ajudar o organismo a manter a vida (p. 72).

As reações emocionais são inconscientes, não controláveis e estão associadas a mecanismos universais codifi cados no cérebro que ocorrem, por norma, face a um acontecimento, ou a uma compilação de estímulos internos ou externos (Mora, s.d)

Figura 1. Processo de vivência emocional (esquema elaborado a partir de Bisquerra, 2008)

Conforme podemos verifi car pela fi gura acima apresentada, quando ocorre um estímulo de agressão à nossa integridade sentimos medo. No entender de alguns investigadores, os sentimentos não se encontram associados às emoções, contudo, tal não é a realidade (Queirós, 2014).

Já os sentimentos instalados conscientemente, a partir das emoções, são lemes e não são de modo, algum, supérfl uos ou neutros; ou seja,

“não se trata de simplesmente confi ar nos sentimentos (…) e de serem árbitros, (…) mas sim de descobrir circunstâncias, nas quais eles podem de facto sê-lo, e de combinar in-teligentemente circunstâncias (…) em que eles possam guiar o comportamento humano” (Damásio, 2003, p. 204).

Deste modo, emoções e sentimentos munem o indivíduo, como um todo, de uma atitude mais versátil através da sua permanente atenção face a um determinado

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estímulo. Durante uma reação emocional são ativados diversos sistemas cerebrais, endócrino, metabólicos e outros sistemas do organismo tais como o respiratório, car-diovascular e locomotor. Tal como advoga Bisquerra (2012), “(…) as emoções são pi-lares básicos sobre os quais descansam quase todas as funções do cérebro” (p. 18).

De referir, ainda, que é através das emoções que o ser humano mantém a curiosi-dade e o interesse pela descoberta do novo, garantindo a sua subsistência individual, sendo uma forma rápida e efetiva de comunicar entre os indivíduos com consequên-cias ao nível de sobrevivência biológica e social permite, ainda, armazenar e recordar memórias de uma forma afetiva que cumulativamente com os sentimentos, assumem um papel importante na racionalização.

Em suma, as emoções são os motores que nos movem e nos ajudam a viver, inte-ragir com o mundo e connosco próprios, permitindo-nos planifi car e decidir, em qual-quer momento, o nosso percurso de vida; e tendo a sua própria linguagem através da qual se pode viabilizar ou impedir a transmissão de conhecimentos. As emoções são o alicerce principal do processo de racionalização e tomada de decisões.

A Emoção e o Comportamento

Tendo por base os trabalhos de Frijda (1992, 1994a, 1994b, 1996), e de Damásio (1995, 2000, 2003), a relação entre as emoções e o comportamento é uma relação íntima.

As emoções além de estarem inevitavelmente associadas ao comportamento, também se encontram relacionadas com as alterações na “leitura da acção” (Frijda, 1986), fenómeno que defi ne a nuance das emoções que são experienciadas. Por ou-tro lado, patenteia e defi ne o aspeto mais relevante não só da experiência em si como das respostas emocionais que se desprendem por parte dos outros.

Dos estados de “leitura da acção”, fazem parte elementos de ativação ou desa-tivação geral, propensões para a ação, que são diferenciadas pelos seus conteúdos intencionais, uma vez que visam a interação com o ambiente. No dia-a-dia consegui-mos “ler” emoções nos outros, através dos seus comportamentos e atitudes, como comprovam Consedine, Strongman e Magai, (2003) também temos a habilidade de identifi car emoções nos relatos de comportamentos, apesar dos ruídos emocionais inerentes aos contextos situacionais e regulatórios.

Segundo estes autores, as emoções que mais velozmente foram reconhecidas, e sem disparidades culturais, foram a fúria, o medo, a tristeza, a felicidade, tendo sido posteriormente identifi cadas as emoções cognitivas complexas, tais como o constran-gimento, a vergonha, a culpa e o orgulho.

No que concerne ao comportamento emocional, este apresenta diferenças entre géneros. Para Timmers, Fisher, Manstead, (2003), existem crenças socioculturais e regras que estereotipam o comportamento emocional, sendo o género feminino o mais visado.

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É nas relações pessoais que as emoções sociais surgem como meios de valo-ração e de identifi cação de contextos, pessoas e factos. É, ainda, através da com-ponente interpretativa que os signifi cados atribuídos estão sujeitos a modifi cações e manipulações na interação do sujeito com o contexto.

Por forma a realçar a importância das emoções quer seja a nível cognitivo, ex-periencial ou comportamental, na construção da nossa “identidade” como ser social, e nas diferentes formas de interagir com os outros, recupera-se aqui a ideia de Karli (1995) acerca de como os estados afetivos podem complexifi car este efeito das emo-ções:

o humor pode infl uenciar um grande leque de apreciações sociais, ao passo que a emoção – induzida de forma específi ca – tem efeitos bastante mais “localizados”, apenas sobre certas apreciações (o medo mais do que a cólera, infl uencia a percepção e a avaliação dos riscos; a cólera mais do que o medo, infl uencia a percepção e a avaliação dos erros e das responsabilidades. (p. 193)

Educação Emocional

Na ótica de Bisquerra (s/d, citado por Torre, 2002), a educação emocional consiste no:

processo educativo, contínuo e permanente, que pretende potenciar o desenvolvimento emocional como complemento indispensável do desenvolvimento cognitivo, constituindo ambos os elementos essenciais ao desenvolvimento da personalidade integral. Para tal propõe-se o desenvolvimento de competências e de conhecimentos sobre as emoções, com objectivo de capacitar o indivíduo para enfrentar os desafi os que se lhe colocam na vida quotidiana. Tudo isto com a fi nalidade de aumentar o bem-estar pessoal e social (p. 73).

Efetivamente, Torre (2002) sublinha que a educação emocional está presente ao longo da nossa vida, tal como se sucede com a aprendizagem, sendo que esta é fundamental na formação do pensamento que é parte do desenvolvimento da perso-nalidade. Assim, para o autor “a educação emocional processa-se mediante a plani-fi cação curricular e a metodologia docente, tal como outras competências e atitudes” (p. 73). Neste sentido, a educação emocional não pretende educar, mas auxiliar na satisfação pessoal e social. Sendo este uma “meta que deveria estruturar todo o sis-tema educativo como utopia ou sonho desejável, apesar de na prática se manifestar de forma desigual, intermitente, alterada com momentos de insatisfação” (Torre, 2002, p. 74).

Atendendo ao referido, um profi ssional de educação deve:

tomar consciência de questões como as atitudes positivas face à vida, o desenvolvimento e competências sociais e de tolerância, a estimulação da empatia, as atitudes e os valores

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para confrontar confl itos, fracassos ou frustração, o saber-estar, colaborar e gerar climas de bem-estar. A educação emocional vai mais além de educar com afecto. Encara as emoções e sentimentos em termos de valores (Torre, 2002, p. 74).

Muito embora o Programa e Currículo do 1º Ciclo do Ensino Básico, não contem-ple de forma específi ca o autoconhecimento por parte das crianças, a prática profi s-sional pode ser fundamentada nos objetivos de educação emocional propostos por Torre (2002, p. 74). Estes estão agrupados em quatro categorias: i) autorrealização, ou seja, envolve a procura pela felicidade; ii) aspetos relacionais, ou as relações de grupo; iii) e iv) prende-se com as pessoas que nos rodeiam, quer seja no trabalho, quer no ambiente social.

No que concerne à autorrealização, esta tem subjacentes os seguintes objetivos: i) conhecer as próprias emoções e sentimentos e controlar os mesmos; ii) conhecer as próprias limitações e necessidades e sobrepor-se a elas; iii) desenvolver a capa-cidade de se implicar e entusiasmar com as coisas; iv) aprender a fl uir, quer dizer a saber integrar o que nos acontece (Torre, 2002, p. 74).

Relativamente aos objetivos de caráter relacional e referentes ao grupo de convi-vências destacam-se os seguintes: i) desenvolver o sentido de humor, a vontade de sorrir e encarar as situações de forma positiva; ii) potenciar relações interpessoais e de grupo satisfatórias; iii) criar vínculos afetivos e de amizade estáveis e sem imposi-ções (Torre, 2002, pp. 74-75).

Não menos relevante são os objetivos que estão relacionados com o trabalho ou o estudo: i) ajudar a gerar climas satisfatórios no trabalho; ii) saber trabalhar em grupo e de forma colaborativa; iii) contribuir com ideias criativas e reconhecer as dos outros em projetos conjuntos (Torre, 2002, p. 75).

Por último, surgem os objetivos que se prendem com a orientação social, nome-adamente: i) ampliar atitudes de solidariedade, tolerância e cooperação; ii) fomentar atitudes positivas perante os acontecimentos da vida; iii) adquirir consciência de que a nossa criatividade pode contribuir para o bem-estar social (Torre, 2002, p. 75).

Por outras palavras, Torre (2002) considera que a educação emocional desempe-nha um papel fulcral na melhoria da relação família-escola. É possível encontrar em diversas áreas a presença de conteúdos de educação emocional, tal como na saúde, crescimento pessoal, tempos livres, vínculos afetivos, competências sociais, entre outros. Estes são estruturantes no desenvolvimento da consciência do bem-estar e da autoestima.

Posto isto, Goleman, no relatório Heart Start (s/d, citado por Torre, 2002), propõe sete conceitos tendo em vista o alcance de um melhor rendimento escolar. Sendo que todos estes conceitos têm a sua génese no seio familiar desde a infância progredindo ao longo da vida. Os sete conceitos são:

• a autoconfi ança – que oferece alguma segurança em si próprio e no que se faz e transmite uma sensação de domínio do próprio corpo e do que o rodeia;

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• curiosidade – ou inquietação para perguntar, descobrir e construir novo conheci-mento. Está arraigada na infância;• intencionalidade – ou desejo e aptidão para estabelecer e alcançar metas. Está relacionada com a efi ciência e a vontade de persistir no empenho até ao fi nal;• autocontrolo – ou sensação de controlo interno e de capacidade de gerir o pró-prio comportamento;• relação – a aptidão para criar vínculos afetivos e efetivos com os outros, compre-endendo e sendo compreendido por eles;• capacidade de comunicar – que envolve o desejo e capacidades para trocar ideias, sentimentos, conceitos, entre outros.;• cooperação – enquanto meio para harmonizar as próprias necessidades com as dos outros em atividades de grupo (p. 76).

Não obstante, para estabelecer relações e construir competências não bastam estes conceitos, é imprescindível comunicar com os outros, conhecer as emoções por nós sentidas e pelos outros, para aumentar a qualidade do grau de interação.

Metodologia do Trabalho de Projeto

A Metodologia de Trabalho de Projeto assenta na participação ativa e demo-crática do aluno no processo de ensino/aprendizagem e na construção da mesma em cooperação com os colegas, por forma a dar resposta ao problema/interesse dos alunos que origina o projeto. Portanto, o trabalho de projeto pode ser defi nido como:

uma actividade intencional através da qual o actor social, tomando o problema que o inte-ressa, produz conhecimentos, adquire capacidades, revê e/ou adquire atitudes e/ou resol-ve problemas que o preocupam através do estudo e envolvimento numa questão autêntica ou simulada da vida real. (Cortesão citado em Sousa, 2007, p. 48)

Neste sentido, ressalta o papel principal desempenhado pela criança, bem como o do educador que representa o papel de “guia, como o companheiro mais experimen-tado” da criança ao longo do seu processo de ensino-aprendizagem, sendo de extre-ma importância a relação assumida entre o educador e a criança. As aprendizagens eram consideradas “decisivas” e as “aprendizagens deviam ser negociadas, as deci-sões partilhadas e assumidas em conjunto” reforçando a importância de um trabalho em equipa, “assumindo a importância determinante da cooperação família/escola” e destacando também “o meio físico e cultural envolvente da escola” (Ministério da Educação, 1998, p. 135). Esta interação com o meio envolvente, por parte da criança, durante o seu processo de aprendizagem promove a realização de aprendizagens signifi cativas pela criança.

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A mais-valia desta metodologia potenciar “ambientes propícios à iniciação do pen-samento científi co e à linguagem específi ca [das diferentes áreas do conhecimento], mas também contribuir para o desenvolvimento da linguagem, numa perspetiva de literacia linguística” (Ramos & Valente, 2011, p. 17). Logo, “incluir o trabalho de projeto no currículo promove o desenvolvimento intelectual das crianças ao envolver as suas mentes em tarefas de observação e investigação de factos retirados da sua experiên-cia do quotidiano e do seu meio ambiente” (Katz & Chard, 2009, p.3).

Adicionalmente, Katz e Chard (2009) consideram importante que o educador ao selecionar os temas, os quais devem ser exequíveis para trabalhar por projeto, aju-de “as crianças a tornarem-se participantes competentes na sociedade democrática” (p.126). Os projetos devem, igualmente, promover competências a nível da formação pessoal e social, deste modo, “é importante que as crianças aprendam a ser cidadãos através dos projectos que realizam: sentido de pertença, de responsabilidade mútua e de solidariedade com os outros” (Vasconcelos, 2011, p.18). Assim, Vasconcelos (2011a) afi rma:

Os projectos devem ser relevantes ética e culturalmente: os projectos são signifi cativos para as crianças, trabalham na sua “zona de desenvolvimento proximal” (Vygotsky, 1978) e provocam pesquisas estimulantes, não apenas para as crianças, mas para os adultos que com elas interagem. Estes projectos têm relevância social e cultural, têm conteúdo ético e estético, promovem nas crianças um sentido de responsabilidade social, criam dissonâncias cognitivas, educam o sentido de pesquisa e de inovação (p.15).

Importa salientar que a aprendizagem através de projetos se estrutura em fases distintas. Segundo Vasconcelos (2011b) esta abordagem contempla quatro fases:

a. defi nição do problemab. planifi cação e desenvolvimento do trabalhoc. execução d. avaliação e divulgação

Portanto, tal como já referimos o trabalho de projeto requer a organização do trabalho em diversas etapas.

A primeira abrange o delinear da questão ou da problemática de investigação. Citando Dewey (1968), o delineamento de um projeto envolve “trabalho de elabo-ração segundo um plano e um método de acção baseados na previsão das conse-quências em dadas condições e numa certa direcção” (p. 16). Já Rangel e Gonçal-ves (2011) consideram que o trabalho por projeto envolve as seguintes etapas: a defi nição do problema e a formação de subproblemas e a planifi cação do trabalho (como, quem, onde, quando, procurar informação e o que ou como vamos fazer). Após a defi nição da problemática e planifi cado o trabalho, procede-se à recolha de

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informação e ao seu tratamento, o que, no caso do trabalho de projeto em contexto escolar, pode envolver saídas da escola para recolher dados, a realização de entre-vistas, fotografi as, consultas na internet, pesquisas bibliográfi cas ou documentais. Assim, a pesquisa/produção envolve o trabalho de campo e de sala (recolha de informação e objetos, pesquisa, visitas, vinda de convidados). A recolha de dados está previamente condicionada pelos objetivos do projeto. Ao longo do projeto, sur-gem momentos de avaliação formativa (avaliações intermédias, revisões da planifi -cação). Finalizado o trabalho, prepara-se a apresentação dos resultados (experiên-cias, vivencias, registos, produções). Por fi m, surge o momento de avaliação fi nal, que consiste na síntese do trabalho e na defi nição de novos problemas/projetos (avaliação do processo).

Por último, e não menos importante a avaliação no trabalho de projeto pode ser feita recorrendo a diversas formas, com diversos protagonistas, porém possui fundamentalmente um papel regulador que permite ir ajustando as práticas aos objetivos. Assim sendo, trata-se de “um processo de questionamento e análise re-fl exiva” (Dias & César, 2006, s. p.), tanto da parte dos alunos, como da do professor. Através deste, é possível coresponsabilizar os alunos na avaliação, dado que a avaliação serve para regular e orientar o seu trabalho, sendo o professor respon-sável por supervisionar o processo e fazer intervenções pontuais, como o ques-tionamento. Enquanto contributo para uma orientação ou encaminhamento mais efi ciente do trabalho. Por isso, um dos tipos de avaliação utilizados consiste na autoavaliação. Também poderá ser utilizada a heteroavaliação, dado que quando há uma apresentação do projeto aos colegas, dá-se um momento comunicativo onde o público que assiste pode intervir e contribuir para o balanço fi nal e avaliação do que foi produzido.

Contrariamente ao que se possa pensar, o fi nal de um projeto pode representar o ponto de partida para um novo ou novos, uma vez que podem surgir dúvidas através da investigação da realidade que suscitem novas investigações.

Caracterização da Turma

O grupo é constituído por 26 alunos. No que respeita à faixa etária, trata-se de um grupo homogéneo, dado que as idades dos mesmos se compreendem entre os 9 e os 10 anos.

No que concerne ao género este é um grupo heterogéneo, onde prevalece o gé-nero masculino, existindo 15 rapazes e 11 raparigas. Analisando a fi gura 2, é possível constatar que a maioria dos alunos é de nacionalidade portuguesa, sendo que exis-tem dois alunos de origem brasileira, um indiano, um romeno, outro georgiano e por último um de origem ucraniana. Assim, deparamo-nos com uma turma multicultural, na qual estes alunos se encontram perfeitamente integrados.

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Figura 2. Distribuição do grupo de alunos em relação ao sexo e à nacionalidade

Apresentação e Análise do Projeto

Tendo por base o objetivo principal do projeto: promover a tomada de consciência das emoções pessoais no estabelecimento das relações interpessoais, foram deline-adas atividades, conforme a ilustração que se segue:

Figura 3. Teia do Projeto

Das nove atividades executadas no projeto destacamos duas: O Jogo “Falar bem nas costas” e o Jogo dos afetos que passamos a descrever:

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1ª Atividade – “Quem sou eu” e Jogo “Falar bem nas costas”

Objetivos da atividade:

• Refl etir sobre as emoções enquanto parte do caráter emocional de cada um;• Ser capaz de apontar as suas qualidades e defeitos; • Alargar o vocabulário no domínio emocional; • Verbalizar sentimentos e emoções em relação a outras pessoas.

Descrição Refl exiva da Atividade

Iniciámos a nossa atividade solicitando ao grupo o preenchimento de uma fi cha na qual especifi cassem oito características que os defi nissem, quatro delas positivas e as outras quatro negativas (ou seja quatro virtudes e quatro “defeitos”). Uns alunos revelaram algumas difi culdades no preenchimento da fi cha de autoconceito. Esta si-tuação, pode dever-se ao facto de alguns alunos não terem noção das suas caracte-rísticas pessoais. Neste sentido, procurámos elucidá-los nas suas dúvidas. No fi nal constatámos que houve alguns alunos que não identifi caram a folha de autoconceito, posição respeitada pelas estagiárias.

O propósito desta atividade visou que os alunos fizessem uma introspeção acerca de si mesmos, o que é fundamental para o estabelecimento de relações sociais.

Finda a atividade “quem sou eu”, apresentamos ao grupo a atividade “Falar bem nas costas”. Nesta atividade cada aluno teria colada nas costas uma folha branca na qual os restantes colegas só poderiam escrever algo bom a seu respeito. Toda a tur-ma fi cou animada com a realização desta atividade, à exceção de um aluno. Perante tal facto interpelamos o aluno, mas não obtivemos qualquer resposta. Respeitamos a sua decisão e continuamos a dinamização da atividade com o resto da turma. Esta situação levou a que a professora cooperante interviesse procurando saber o porquê de tal reação. Após um breve diálogo, entre ambos, foi com agrado que o aluno nos comunicou que também queria participar, e o porquê de não o ter feito logo (tinha receio que só escrevessem coisas más a seu respeito). Foi um momento de muita alegria, cumplicidade e entreajuda dos alunos, pois todos teriam que ter 25 “coisas” boas, escritas a seu respeito nas costas. Atendendo à limitação do tempo, fi nalizamos esta atividade após cada aluno ter no mínimo quinze registos, uma vez que se pre-tendia que cada aluno comunicasse à turma o que escreveram a seu respeito. Foi um momento marcado pela alegria, pela surpresa e admiração quando cada aluno leu o que tinham escrito a seu respeito. Principalmente para o aluno que, inicialmente, se tinha recusado a participar na atividade.

Evidências:

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Figura 4. Jogo “Falar bem nas costas

2ª Atividade – “Jogo dos afetos”

Objetivos:

• Valorizar os afetos e a expressão das emoções• Desenvolver competências de expressão dos afetos

Descrição Refl exiva da Atividade

Iniciámos a atividade “Jogo dos Afetos” informando a turma que cada aluno teria de retirar de uma caixa um coração. Os alunos com o coração da mesma cor forma-vam um par, e tinham que escolher e reproduzir o que constava numa das folhas que se encontrava em cima da mesa (beijo na cara, abraço, beijo na testa, dar as mãos, entre outros).

Após o primeiro par de alunos jogar, toda a turma fi cou a perceber em que consis-tiria o jogo, pairando no ar a curiosidade do que estaria escondido nas outras folhas. Os pares em que ambos os elementos eram do sexo masculino ou misto, revelaram alguma inquietude uma vez que a ação a realizar implicava um contacto mais próximo com o colega.

No fi nal desta atividade, solicitamos aos alunos que expressassem as suas opi-niões, tendo referido que gostaram da mesma e que não se deve sentir vergonha expressar um gesto de carinho aos colegas, sejam eles rapazes ou raparigas.

Evidências:

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Avaliação do Projeto

A avaliação é “um processo de questionamento e análise refl exiva” (Dias & César, 2006, s. p.), tanto da parte dos alunos, quer do professor.

Voz dos Alunos:

“Sim, porque se a nossa turma está melhor em alguns aspetos, mas nos outros está mais ou menos. Vou dar um exemplo: estamos melhores em ser um bocadinho mais amigos dos colegas. E acho que quando a Altina e a Rita fi zeram os questionários nós não fomos muito verdadeiros para elas e também não fomos justos”.“Sim, o meu relacionamento com os colegas teve algumas mudanças que são: respeito muito mais, ajudo ainda mais os meus colegas, brinco com menos discussões,…”.“Gostei da atividade Pássaro da Alma porque acho que fi cámos a saber mais sobre nós, do jogo dos afetos porque antes tínhamos nojo dos colegas e também gostei do Escrever Bem nas Costas porque temos de saber o que pensam de nós”.“Muito bom, porque este projeto avaliamos como nós somos e como nós aprendemos a lidar com os colegas do nosso comportamento as sensações e as emoções que aprende-mos devíamos todos fazer isso: alegria, felicidade, amizade, …”.

Voz dos Docentes:

“É cada vez mais importante levar as crianças a refl etirem sobre as suas emoções, as suas atitudes e sobre os outros. Só assim é que irão crescer enquanto seres humanos que são”.“Muito pertinente. Se todos trabalhassem mais e melhor as suas emoções e as manifes-tassem de forma mais genuína haveria, por certo, mais tranquilidade para enfrentar os contratempos que nos surgem”.

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“Foi um projeto muito interessante e bem apresentado. Constituindo o tema um processo complexo de construção permanente, com grande infl uência em todas as etapas da vida”.

Voz da Professora Cooperante

“Durante o desenvolvimento deste projeto, houve algumas situações peculiares. Mas irei retratar a que mais marcou a turma e eu também fi quei bastante emocionada.Perante uma pequena confusão de jogo de bola no recreio, na sala de aula tenta-se per-ceber quem foi injusto com os colegas, e porquê? E após diversas trocas de diálogo, se começasse a entender que nem todos temos as mesmas oportunidades de vida, não só na escola, nas brincadeiras, mas também noutros ambientes.A conversa estava a tornar-se muito séria! Um dos alunos pede para falar porque ele é um dos que não se sente com as mesmas oportunidades que os outros, começando a relatar as injustiças que a sua vida tem! Uns atrás das outras…os seus colegas perante tanta problemática e sensibilização do colega enquanto fala, começam a chorar e a sentir necessidade de o abraçarem sem saberem bem porquê! Houve nessa tarde muitos alunos a apresentarem situações que tocaram os colegas e nesse dia e a partir daí todos sentiram vontade de estar com os colegas e serem mais compreensivos, o que na realidade tem sido conseguido!”.

Considerações Finais

A realização deste projeto contribuiu para o nosso enriquecimento pessoal e pro-fi ssional. Enquanto futuras educadoras/professoras, permitiu-nos ter consciência das potencialidades subjacentes às estratégias cooperativas no desenvolvimento de com-petências académicas e sociais, numa escola que se quer inclusiva e democrática. Tendo como objetivo a preparação de alunos para uma sociedade cada vez mais exigente e competitiva, em que o trabalho em equipa é cada vez mais a base do sucesso.

A problemática que foi trabalhada – relacionamento social desadequado em con-texto escolar entre os alunos da turma revelando problemas de comportamento – jus-tifi cou a realização de algumas atividades que abordam competências sociais. Apesar de ter constatado modifi cações no comportamento destes alunos, nomeadamente a diminuição do espírito de competitividade entre pares, o decréscimo de episódios de agressividade verbal e física, bem como a solidifi cação de algumas e o nascimento de outras relações interpares.

Mediante o exposto, foi possível constatarmos que as ferramentas e os ambientes de aprendizagem proporcionados, contribuíram para um melhor conhecimento de si próprios e dos outros, uma maior compreensão e aceitação das diferenças, suprimin-do ou esbatendo algumas barreiras sociais, estreitaram-se laços afetivos e melhorou-se o ambiente de ensino-aprendizagem.

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ResumoEsta comunicação versa sobre um projeto desenvolvido em contexto de jardim-de-infância, com um grupo hete-rogéneo de crianças, que foi objeto de estudo na unidade curricular de Projetos em Contextos Educativos. Deste modo, após a identifi cação da questão de partida foi concebido um plano de ação, com a fi nalidade de responder e aprofundar o tema selecionado pelas crianças, intitulado “Futebol”. Atualmente, o futebol ocupa um lugar de grande destaque na sociedade e é, sem dúvida, o desporto mais apreciado mundialmente. Este facto deve-se essencialmente ao que o futebol nutre nos adeptos e à identidade de pertença a um grupo e/ou a um clube. Com efeito, é um fenómeno multidisciplinar que desperta o interesse de todas as faixas etárias, de todos os níveis sociais, culturais e económicos e de todas as etnias. Assim, o educador de infância deverá ter consciência destes pressupostos, ao implementar um projeto desta natureza. Para o desenvolvimento deste projeto utilizámos a Metodologia de Trabalho por Projeto. Inicialmente, questionou-se o grupo sobre o que queriam saber sobre o referido tema, onde podemos pesquisar para sabermos mais sobre o mesmo. E, por fi m, o que gostariam de fazer com este tema? Neste projeto foi possível vivenciar um trabalho globalizante e integrador em que foram explo-radas as diferentes áreas de conteúdo que constam das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, com um maior foco na promoção da identidade pessoal e social na Educação Pré-Escolar.

Palavras-chaveIdentidade pessoal e social; Educação Pré-Escolar; Metodologia de Trabalho por Projeto; Integração Curricular; Futebol.

Introdução

O projeto “O Futebol” foi desenvolvido na valência de educação pré-escolar, cuja instituição era de cariz público. A problemática que nos levou a implementar este projeto emergiu de uma conversa com as crianças, onde constatámos que a maioria dos elementos mostrou curiosidade em saber mais sobre o futebol.

Trabalho de Projeto: O Futebol como Ferramenta Pedagógica

Ana Lúcia Pereira Martins Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

Iolanda Raquel Pedro Antunes [email protected]

Celeste Caetano Ramos Nunes Rosa CI-Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

Paula Maria Sequeira Farinho CI- Instituto Superior de Ciências Educativas

[email protected]

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Precedentemente, observámos de forma participativa o grupo, constatando que deveriam ser promovidas atitudes e valores que ajudassem cada criança a relacionar-se consigo própria, com aqueles que conhece e com todas as ou-tras pessoas. Nesta ótica, surge uma questão problemática centrada na área de Formação Pessoal e Social e nos interesses das crianças, mais concretamente, “Como promover a identidade pessoal e social na educação Pré-Escolar, partindo do tema Futebol?”.

De modo a responder a esta questão delineámos como objetivos específi cos: (i) Desenvolver a identidade cultural e social; (ii) Despertar o espírito crítico, sentido de argumentação e justifi cação das opiniões intrínsecas; (iii) Consciencializar para a convivência democrática; (iv) Construir conhecimento a partir dos contributos do outro.

O projeto implementado está sustentado na Metodologia de Trabalho de Proje-to. Sendo uma das características de maior relevo o papel que a criança assume no processo de aprendizagem, como tal, o trabalho é centralizado nas crianças e é a partir delas que emergem os temas e/ou as problemáticas dos projetos a de-senvolver.

Mediante o exposto, no presente trabalho apresentamos o enquadramento teó-rico, a metodologia, a caracterização do grupo-alvo, as atividades, seguidas pelas respetivas avaliações face ao projeto e, por último, as considerações fi nais.

I. Enquadramento Teórico

Futebol na Sociedade

Atualmente, o futebol ocupa um lugar de grande destaque na sociedade, este desporto é caracterizado por Coelho (2001) como um “fenómeno social central na sociedade portuguesa”, pois na realidade “nenhum acontecimento televisivo, de qualquer tipo, atingiu até hoje as audiências mundiais totais de um Campeonato Mundial de Futebol” (Coelho, 2001, p. 35).

Se viajarmos até as origens remotas do futebol percecionamos que a evolução, não só no caso concreto do futebol, como no desporto em geral, é indissociável da evolução humana (Morris, 1981). A necessidade da prática desportiva brotou, as-sim, da evolução quer das capacidades mentais quer das capacidades físicas, que ocorreram num prolongado processo evolutivo do ser humano.

O futebol é, sem dúvida, o desporto mais apreciado mundialmente, este facto deve-se essencialmente ao que o futebol nutre nos adeptos: a identidade de perten-ça a um grupo. A utilização do termo sensato “tribo” por Morris (1981) liga o futebol à antiga formação humana, pois para este, o futebol está organizado em tribos (p. 8). Neste sentido, o futebol é uma referência, que se refl ete no desenvolvimento da identidade, na convivência com valores e atitudes democráticos.

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Para concluir, a evidência da popularidade e das audiências alcançadas pelo mediático ‘desporto-rei’ é impossível de competir com qualquer outro desporto, torna-se então fulcral intervir atempadamente e como profi ssionais de educação, no seio do pré-escolar, com o intuito de desenvolver as competências inerentes às áreas de formação pessoal e social, pois o futebol é um fenómeno multidisciplinar que desperta o interesse de todas as faixas etárias, de todos os níveis sociais, cul-turais e económicos, e de todas as etnias, assim o educador deverá ter consciência destes pressupostos, quando implementar um projeto desta natureza.

Desenvolvendo a área de Formação Pessoal e Social na Educação Pré-Escolar

Os valores e atitudes não são possíveis de “ensinar”, estes aprendem-se pe-las vivências no decorrer das interações com os outros. Num processo pessoal e social, as crianças aprendem a atribuir valores aos comportamentos e às atitudes, não só daqueles que as rodeiam, como também refl etem nas suas próprias ações reconhecendo e diferenciando modos de interagir.

A área de Formação Pessoal e Social surge, assim, como uma área de conteúdo transversal, que deve ser integrada no currículo de modo que a criança se integre na sociedade como ser autónomo, livre e solidário. Assim sendo, cabe ao educador providenciar experiências de qualidade às crianças, onde sejam privilegiadas a in-teração com os saberes culturalmente organizados e a convivência com adultos e colegas. Também deve ser valorizada e escutada a criança, contribuindo-se para o bem-estar e autoestima da criança.

Esta área tem ainda como fi nalidade despoletar a refl exão das crianças, visando a aquisição de um espírito crítico, sentido de argumentação e justifi cação face às ideias e opiniões do outro.

Nesta longa procura da sua identidade, nunca devemos menosprezar que a criança desenvolve-se num contexto social democrático e, assim, desde o pré-escolar a criança deverá experimentar e vivenciar tal aspeto (OCEPE, 1997).

Segundo Portugal e Laevers (2010), referenciam que tanto ao longo da educa-ção pré-escolar como nos ciclos escolares seguintes deve-se:

Promover o desenvolvimento de uma autoestima positiva/saúde emocional, desen-volvimento físico e motor, estimular o desenvolvimento do raciocínio e pensamento conceptual, o ímpeto exploratório e a atitude de compreensão do mundo físico e social, valorizar-se a competência social, a expressão e comunicação, a capacidade de auto-organização e iniciativa, a criatividade e sobretudo, construir-se a atitude básica de ligação ao mundo, crucial ao desenvolvimento de um cidadão emancipado (p. 36).

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Em suma, a área de formação pessoal e social desenvolve competências so-ciais e pessoais, dotando as crianças de instrumentos e recursos necessários, para que, futuramente, consigam tomar decisões responsáveis, solucionar problemas que surgem no quotidiano, compreendam e lidem com os sentimentos e emoções, saibam lidar com outras pessoas e se afi rmem como cidadãs de um mundo sobre o qual tem uma ação participativa.

A Metodologia de Trabalho de Projeto

A Metodologia de Trabalho de Projeto assenta na investigação, análise e reso-lução de problemas emergentes no seio de um grupo.

Segundo Katz e Chard (1989, citado por Vasconcelos, 2012), a abordagem de projeto foca-se na questão problemática, envolvendo “um estudo em profundidade sobre determinado tema ou tópico” (p. 10).

Corroborando Leite, Malpique e Santos (1989, citado por Vasconcelos, 2012), o trabalho de projeto envolve “uma metodologia assumida em grupo que pressupõe uma grande implicação de todos os participantes, envolvendo trabalho de pesquisa no terreno, tempos de planifi cação e de intervenção com a fi nalidade de responder aos problemas encontrados” (p. 10). Deste modo, evidencia-se o papel ativo da criança e orientador do educador.

Etapas da Metodologia de Trabalho de Projeto

Na perspetiva de Leite, Malpique e Santos (1989), o trabalho de projeto abrange várias etapas que vão desde a defi nição de problemas, passando pela planifi cação e desenvolvimento, até à execução, divulgação e avaliação fi nal.

A primeira fase consiste na defi nição de um problema, que deverá ser escolhido, descrito e analisado, de forma pormenorizada, tendo em conta o seu enquadramen-to.

Quando as crianças pretendem saber mais sobre determinado assunto/tema do seu interesse emerge um novo projeto onde existe a oportunidade de serem partilhados os saberes possuídos sobre determinado assunto. Podendo, desta for-ma, resultarem desenhos, esquemas realizados pelas crianças e escreverem com o auxílio do adulto, sendo que o educador também constrói a sua própria teia, ou colabora na construção da teia das crianças, dando resposta às questões: i) “O que sabemos?”; ii) “O que pretendemos saber?”.

Na segunda fase, surge a planifi cação e desenvolvimento do trabalho. É nesta etapa em que “as crianças começam a ganhar consciência da orientação que preten-dem tomar” (Vasconcelos, 1998, p. 142), ou seja, as planifi cações do que pretendem fazer deixam de assumir um caráter superfi cial e começam a ser mais concretas.

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Nesta fase já existem respostas para questões como: “o que se vai fazer, por onde se começa, como se vai fazer” (Vasconcelos, 1998, p. 142). De referir, ainda, que são elaboradas e distribuídas as tarefas, bem como a gestão e a organização do ambiente educativo ao nível do tempo, do grupo, do espaço e dos recursos huma-nos e materiais necessários para a realização do projeto. Este processo resulta através da supervisão e orientação do docente que, através da sua observação à organização do grupo, “aconselha, orienta, dá ideias, [e] regista.” (Ministério da Educação, 1998, p. 142).

Assim, resultam materiais organizativos tais como: mapas concetuais; teias ou redes como linhas de pesquisa, onde é defi nido o que se irá fazer, o ponto de parti-da, como se vai fazer, a divisão de tarefas, nomeadamente quem faz o quê. São or-ganizados os dias, as semanas, os recursos disponíveis, mais concretamente quem pode ajudar sejam pais, professores de outros níveis educativos, outras crianças ou jovens ou até a comunidade.

Na terceira fase desenrola-se a execução do projeto, ou seja, as crianças ini-ciam o seu processo de pesquisa, procura, investiga sobre o assunto através de diversos recursos, tendo sempre por base a realização de “experiências diretas”, que sejam vividas intensamente pelas crianças possibilitando que as respostas às suas questões surjam baseadas nas suas pesquisas não sendo meramente transmitidas.

De referir, ainda, que nesta etapa é aprofundada a informação obtida através do debate e da representação e contraste com as ideias iniciais: “O que sabíamos antes?”; “O que sabemos agora?”; “O que não era verdade?”.

Na última fase surge a avaliação e divulgação do referido projeto desenvolvido com as crianças, contudo, não se pode descurar que a avaliação está presente em todas as fases supracitadas. Porém, nesta etapa o educador deverá avaliar o impacto do projeto no processo de ensino aprendizagem das crianças, tendo como critério os processos e os efeitos. Ainda assim, as crianças não devem ser marginalizadas deste processo de avaliação, uma vez que são elas os principais atores, devendo mencionar os pontos mais fortes e mais fracos, a qualidade das atividades realizadas, comparando o que aprenderam com as questões iniciais enunciadas na teia.

Por sua vez, a divulgação corresponde à etapa do projeto que permite esta avaliação por parte de todos os seus intervenientes, o educador, as crianças, os pais, toda a comunidade educativa, que deverão estar presentes na comunicação do projeto. Esta pode ser feita de diversas formas, tais como: “construir uma ma-quete, um modelo, uma máquina. Podem sintetizar a informação em álbuns, amplos painéis, desdobráveis, livros, podem preparar uma dramatização, etc.” (Ministério da Educação, 1998, p. 143)

Através destas formas de divulgação do projeto torna-se mais fácil para a crian-ça a seleção, a organização e a comunicação dos seus conhecimentos acerca do tema explorado para o público-alvo, uma vez que a mesma é um agente ativo ao longo de todo este processo.

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Importa referir, ainda, que o educador deverá abrir as portas da sua sala per-mitindo a entrada de todos os intervenientes essenciais para que enriqueçam as experiências e contribuam para o aumento dos conhecimentos das crianças. Nesta perspetiva, os pais assumem um papel crucial na realização de um projeto.

II. Metodologia

Com o intuito de examinar e conhecer este grupo, a metodologia utilizada teve características de uma investigação-ação, esta atitude investigativa é fundamental para o profi ssional de educação, pois é a partir dela que poder-se-á desenvolver uma prática pedagógica criativa, refl exiva, inovadora e de constante atualização, por conseguinte é possível identifi car problemas, discernir as situações e o contexto tendo o propósito a resolução assertiva dos mesmos.

De entre a variedade de instrumentos, assim como de técnicas de recolha de dados, constatou-se que atendendo à problemática em estudo seria mais adequado optar pela observação. Corroborando Máximo-Esteves (2008),

A observação permite o conhecimento directo dos fenómenos tal como eles acontecem num determinado contexto. Contexto é o conjunto das condições que caracterizam o espaço onde decorrem as ações e interacções das pessoas que nele vivem. (…) A observação ajuda a compreender os contextos, as pessoas que nele se movimentam e as suas interacções (p. 87).

De referenciar que a capacidade de observar vai sendo aperfeiçoada à medida que o observador pratica. Deste modo, este deverá esforçar-se por se manter foca-do nas questões formuladas.

Assim sendo, baseando-se na observação participante escolheram-se os se-guintes instrumentos: o diário de bordo, os registos fotográfi cos e as entrevistas formais. Tais instrumentos foram fulcrais para a recolha e análise dos elementos essenciais à implementação do projeto.

O desafi o primordial da intervenção educativa é, desta forma, investigar sobre as aprendizagens, os pensamentos e as atuações da criança melhorando assim, não só o ambiente educativo, como também e própria prática do profi ssional.

Caracterização do Grupo-Alvo

O grupo-alvo pertence a um contexto de Educação Pré-Escolar de um jardim-de-infância situado no concelho de Odivelas. Como se pode analisar na tabela se-guinte (ver tabela 1), este grupo era constituído por 20 crianças, sendo que duas delas apresentavam Necessidades Educativas Especiais [NEE].

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Tabela 1. Distribuição das 20 crianças em relação à idade e ao sexo

Distribuição das 20 crianças em relação à idade e ao sexoIdade das crianças Cinco anos de idade Seis anos de idadeSexo das crianças Feminino Masculino Feminino MasculinoNúmero de crianças 3 5 4 8Crianças NEE - - 1 1Total de crianças 20

III. Resultados da implementação do projeto

Conforme já foi referido inicialmente, o objetivo primordial deste projeto foi ir ao encontro dos interesses das crianças, bem como promover a identidade cultural e social de cada uma, despertando o seu espírito crítico, consciencializando para a convivência democrática na sociedade e construindo conhecimentos a partir dos contributos do outro.

Assim, orientadas pela Metodologia de Trabalho por Projeto, construíram-se teias com as crianças (ver ilustração 1, 2 e 3), culminando numa teia fi nal onde se englobam todas as atividades desenvolvidas (ver ilustração 4).

Figura 1. Teia com os interesses das crianças

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Figura 2. Teia sobre o que as crianças pretendem fazer ao longo do projeto

Figura 3. Teia sobre o que as crianças sabem do tema futebol

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Figura 4. Teia do Projeto

Neste artigo serão abordadas duas das atividades enunciadas na teia do projeto (ver ilustração 4), nomeadamente a atividade sobre a história de um jogador, do domínio da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita, e a atividade sobre a eleição da receita, do domínio da Matemática. De referir, que no fi nal serão colocadas as avaliações das crianças e dos pais relativamente ao projeto.

Primeira atividade sobre a história de um jogador

Objetivos:

● Escutar, questionar e argumentar, procurando chegar a soluções ou conclu-sões negociadas;● Esperar pela sua vez para intervir nas conversas em grande grupo;● Contribuir para o funcionamento e aprendizagem do grupo, partilhando ideias e reconhecendo o contributo dos outros.

Refl exão presente no diário de bordo relativamente à atividade:A exploração do livro O Diogo quer ser futebolista! surge porque uma das crianças

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mostrou-se interessada na leitura do mesmo. Este livro estava na área da bibliote-ca, num espaço intitulado “Saber + sobre Futebol”.

Assim sendo, a partir das imagens do livro cada criança “leu” a história do livro, o mais curioso é que o título sugerido pelas crianças para a história (“O futebol… O Diogo a jogar futebol!”). Este é muito semelhante ao título original da história, devendo -se ao facto de uma criança no grupo ter o mesmo nome.

No decorrer da interpretação das ilustrações constatámos que a história criada pelas crianças gerou alguma discussão entre as mesmas, visto que cada uma tinha o seu ponto de vista, mas chegavam sempre a um consenso.

Relativamente às ilustrações do livro, consideramos que não eram as melhores, daí terem-se gerado algumas confusões. A título de exemplo, quando apareceu a personagem principal a jogar num fundo azul, nesta parte as crianças disseram que o Diogo jogava debaixo de água. Atendendo à contextu-alização do tema do livro (o futebol) não fazia muito sentido a personagem treinar debaixo de água.

De referir, ainda, que com esta atividade pretendia-se construir um cartaz e, posteriormente, um dicionário ilustrativo alusivo aos objetos do futebol, contudo, devido ao constrangimento tempo o mesmo não foi possível.

Pontos Fortes:● Leitura a partir das imagens;● Título sugerido e consciencialização e comparação das letras que compõe o nome escrito de um colega;● Construção da história a partir das ilustrações de forma coesa e com a partici-pação de todas as crianças;● Troca de ideias de crianças no decorrer da atividade.

Pontos Fracos:● Constrangimento relativamente ao tempo disponível.

Resultado fi nal da leitura feita pelas crianças:O futebol… O Diogo a jogar futebol!

Era uma vez um senhor chamado Diogo que foi jogar à bola, jogava com os amigos. O senhor estava a ver o seu fi lho a jogar à bola na televisão. Os jogadores estavam a jogar para marcar golo e depois o jogador estava no meio a correr, a correr, a correr e marcou um golo. E gritaram Golo! Golo! E cantou-se uma música.

Um dia o árbitro apitou porque foi falta contra o guarda-redes. Depois o jogador guarda-redes estava a tentar defender mas não acertou na bola. E por isso foi golo do seu fi lho. E ouviu-se Viva! Golo! Golo! Depois o árbitro apitou para o fi nal do jogo.

O pai quando o fi lho chegou abraçou o fi lho e foram jogar futebol para o jardim. Ficaram empatados zero a zero e depois ele chutou a bola que foi para a lua. O fi lho

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era o campeão da taça da liga, ele chutava para todo o lado e tudo ia para o ar, fazia todos os labirintos do jardim era uma forma de treinar os truques. Houve um dia que até fez truques debaixo de água.

Ele dava toques na bola com peito e fez o pontapé de bicicleta. Depois, a bola foi para uma janela que se partiu! Depois teve de pagar uma nova, fi cou assim tudo bem. O pai não pôs o fi lho de castigo e ele fi cou feliz! Nunca mais voltou a partir coisas. Vitória, vitória acabou-se a história!

Segunda atividade sobre a eleição de uma receita

Objetivos:● Dar a oportunidade de os outros intervirem, esperando pela sua vez de intervir;● Demonstrar comportamentos de apoio e entreajuda, por iniciativa própria ou quando solicitado;● Aceitar algumas frustrações (nomeadamente, as difi culdades ao realizar ati-vidades ou tarefas) sem desanimar, procurando formas de as ultrapassar e de melhorar.

Refl exão presente no diário de bordo relativamente à atividade:Com o intuito de ir ao encontro dos temas que foram propostos pelas crianças

(culinária e profi ssões) iniciou-se esta sessão de uma forma distinta das outras sessões, assim eu e a minha colega fomos vestidas a rigor como verdadeiras co-zinheiras.

No primeiro momento desta atividade exploraram-se as peças de roupa dos cozinheiros (a jaleca e o lenço). Posteriormente exploraram -se os materiais ne-cessários à confeção da receita que obteve mais votos, bem como os ingredientes.

De seguida, explorou-se o peso dos ingredientes, onde utilizaram o vocabulário “mais pesado”, “menos pesado do que”, para compararem os ingredientes. Neste momento, as crianças tiveram a oportunidade de manipular a balança e comparar os diferentes pesos, observando que o ingrediente mais pesado fazia com que a seta se deslocasse mais para a direita e quanto mais coisas se colocavam na ba-lança mais a seta se deslocava.

No momento subsequente iniciou-se o processo de confeção. Durante esta eta-pa da receita todas as crianças tiveram a oportunidade de mexer na massa e de colocar os ingredientes. De salientar que constatámos que o grupo estava ansioso mas cumpriam a vez dos colegas, porque sabiam que todos iriam participar. Pela tomada elétrica estar num lugar específi co, bem como por questões de segurança, preferiu -se que as crianças não participassem neste processo. No entanto, após o término desta etapa, as crianças realizaram as bolinhas de chocolate com pepitas.

Para fi nalizar, embrulharam-se os pratos de plástico com papel celofane verme-lho e fechou-se com uma fi ta verde. Como foi referenciado noutra sessão, a escolha

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da receita deveu-se essencialmente ao dia festivo que se iria comemorar no dia 25 de abril de 1974.

Pontos Fortes:● Comparações de peso;● Dar a oportunidade de os outros intervirem, esperando pela sua vez de intervir;● Demonstrar comportamentos de apoio e entreajuda, por iniciativa própria ou quando solicitado;● Aceitar algumas frustrações (nomeadamente, as difi culdades ao realizar ati-vidades ou tarefas) sem desanimar, procurando formas de as ultrapassar e de melhorar. Pontos Fracos:● Uma criança nutriu um sentimento de frustração quando se apercebeu que tinha de efetuar bolinhas com o chocolate, sabendo que não o conseguia fazer com a plasticina. Procurou -se motivar a criança a tentar, contudo sem grande êxito.

Evidências da atividade:

Figura 5. Confeção da receita “Chocolate com Pepitas”

Avaliação do projeto por parte das crianças

“Gostei de dançar, porque é giro. E aprendi a apoiar a sala amarela.” C3. “Fiquei a saber que não é importante ganhar.” C6.

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“Eu gostei de fazer os emblemas. E aprendi que servem para sabermos qual é a equipa que somos.” C14. “Gostei de fazer os pompons da claque arco-íris. E aprendi que existem cores frias e cores quentes.” C17. “Aprendi como se fazem as bolinhas de chocolate com pepitas.” C13. “Antes não sabia fazer emblemas e o que eram.” C4. Figura 6. Divulgação do projeto Figura 7. Divulgação do projeto

Figura 8. Divulgação do projeto Figura 9. Divulgação do projeto

Avaliação do projeto por parte dos pais

“O meu fi lho falou muito deste projeto! Um dia chegou lá a casa com um convite para o pai vir à escola explicar as regras do jogo, no entanto, não foi possível. Também estava sempre a perguntar quando era o jogo fi nal.” Mãe C.9 “Penso que este jogo foi muito bom! Para mim a interação entre pais e fi lhos é bastante importante, e é fundamental que sintam a presença dos pais não só agora, como ao longo de toda a sua vida.” Pai C.17 “Este jogo foi muito giro, vê-se que houve uma grande preparação por detrás, nota-se ao vê-los vestidos com os equipamentos. Diverti-me imenso, acho importante a interação

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entre escola e família. As crianças precisam de sentir confi ança nas aprendizagens que fazem, e que a família está sempre presente” Pai C. 19 Figura 10. Divulgação do projeto Figura 11. Divulgação do projeto

Figura 12. Divulgação do projeto

IV. Considerações Finais

Este projeto contribuiu para o nosso desenvolvimento profi ssional enquanto fu-turas educadoras de infância, assim como para as crianças deste grupo. Tal facto constatou-se nos comentários das próprias crianças, da educadora e dos pais, afi r-mando que este projeto foi bastante signifi cativo.

A metodologia de trabalho por projeto proporcionou-nos obter uma consciencia-lização sobre a importância de se trabalhar segundo esta abordagem, podendo vir a ser desenvolvida na nossa futura prática enquanto educadoras de infância.

Por último, tendo por base os objetivos delineados constatámos que o desen-volvimento da identidade da criança foi possível através da inserção da mesma num dos grupos. A título de exemplo, duas crianças referenciam que (i)“Eu gostei de fazer os emblemas. E aprendi que servem para sabermos qual é a equipa que

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somos.” (C14); (ii) “Gostei de dançar, porque é giro. E aprendi a apoiar a sala ama-rela.” (C3).

“Fiquei a saber que não é importante ganhar.” (C6) considero esta intervenção bastante perspicaz e enriquecedora, pois, efetivamente vivemos numa sociedade, sociedade esta democrática, e como tal, não ganhamos sempre, devendo ser des-poletada em nós a tolerância, o respeito e a fl exibilidade às opiniões e valores do outro, não esquecendo a nossa identidade, individualidade e essência enquanto pessoa.

V. Referências Bibliográfi casCoelho, J. N. (2001). Portugal, a Equipa de Todos Nós – Nacionalismo Futebol e Media.

Porto: Edições AfrontamentoDEB (1997). Orientações curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Ministério da

Educação.Máximo-Esteves, L. (2008). Visão Panorâmica da Investigação-Ação. Porto: Porto EditoraMorris, D. (1981). A Tribo do Futebol. Londres: Publicações Europa-AméricaPortugal, G. & Leavers, F. (2010). Avaliação em Educação Pré-Escolar. Sistema de Acom-

panhamento das Crianças. Porto: Porto Editora.Vasconcelos, T. (coord.) (1998). Qualidade e Projecto. Lisboa: Ministério da Educação.Vasconcelos, T. (coord.) (2012). Trabalho por projectos na Educação de Infância: Mapear

aprendizagens integrar metodologias. Lisboa: Direção-Geral da Educação.

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ResumoA Expressão Motora assume-se como um dos eixos estruturantes do desenvolvimento harmonioso das crianças, devendo, deste modo, ser alvo de uma intervenção específi ca na infância. Assim, as “Fun Activities in Sport” as-sumem-se como um método criativo e integrador no ensino da Expressão Motora/Educação Física na Educação Pré-escolar e no 1ºciclo do Ensino Básico. As aulas de Expressão Motora baseadas neste método, alicerçam-se em pilares estruturantes e diferenciadores, designadamente:● Atividades físicas que desenvolvam as competências motoras fundamentais (Andar, correr, saltar, lançar, agar-rar, subir, descer) num ambiente prazenteiro e divertido;● Atividades físicas realizadas em articulação com as restantes áreas do saber, nomeadamente, Matemática, Estudo do Meio, Língua Portuguesa, Inglês, entre outras)● Atividades físicas recorrendo ao uso de materiais reutilizados, como garrafas de plástico, copos de iogurte, embalagens e caixas;● Atividades físicas que abordem temas estruturantes da nossa sociedade como a fome, a guerra, a defi ciência e as questões de género.● Atividades físicas que potenciem e fortaleçam os laços familiares.Deste modo, com o presente artigo, pretende-se escalpelizar as possibilidades e potencialidades deste método, enquanto ferramenta pedagógica, bem como elencar as suas limitações.

Palavras-chaveExpressão Motora; Diversão; Pré-escolar; Interdisciplinaridade.

Introdução

O desenvolvimento harmonioso e integral das crianças reclama hoje uma Edu-cação que extravase a política do LEC (Ler, escrever e contar), contemplando, des-ta forma, áreas tão importantes como as diferentes expressões, designadamente plástica, musical, dramática e motora. Assim, os planos educativos destinados à Educação Pré-escolar e ao 1ºCiclo do Ensino Básico deverão assumir um carácter transdisciplinar, eclético e multifacetado, objetivando potenciar um crescimento só-lido e harmonioso das múltiplas dimensões do ser humano. (OCEPE, 2016)

Fun Activities in Sport: Um Método Integrado de Aplicação da Expressão Motora

Valter Bruno Fernandes Pinheiro*, Filipa Veríssimo Coelhoso**, Bruno Miguel Simões Baptista***

*Departamento de Ciências do Desporto – ISCE**Departamento de Ciências Sociais e Humanas – ISCE

***Metodologia [email protected]

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No que concerne à Expressão Motora/Educação Física, esta deverá assumir-se como uma das áreas “core” da esfera educativa, porquanto possibilita a vivência e aprendizagem de valores que não se aprendem noutros contextos (Pinheiro, Costa, Joel & Sequeira, 2008).

A Expressão Motora deve ainda ser potenciada o mais precocemente possível na vida das crianças, porque a infância assume-se como a Janela de Oportunida-des, isto é, um período sensível (Carvalho, 1989) para o desenvolvimento de um sólido reportório motor e também porque o fomento de hábitos e estilos de vida saudáveis deverão ser promovidos nesta fase da vida. Basta estar atento ao último Relatório Health at a Glace, de 2016, apresentado pelo secretário geral da OCDE que revela que uma em cada quatro crianças é obesa - para se entender que a obesidade nas crianças e jovens é, neste momento, um enorme fl agelo e que, se não existirem medidas que permitam combatê-la, teremos um sério problema de saúde pública.

Assim, as Fun Activities in Sport emergem enquanto método pedagógico para o desenvolvimento da Expressão Motora, sobretudo na Educação Pré-escolar e no 1ºCiclo do Ensino Básico, almejando uma prática desportiva precoce, porém que não seja meramente biológica, mas sobretudo uma prática eclética, isto é, que se articule com as demais áreas do saber, tal como preconizado nas Orientações Curriculares para a Educação Pré Escolar.

No fundo, pretende-se ultrapassar o conceito redutor, tantas vezes atribuído à prática motora, vista como potenciadora apenas de benefícios fi siológicos. Com as Fun Activities in Sport, persegue-se uma prática desportiva que desenvolva as múl-tiplas competências motoras das crianças, porém, articulando-se com as restantes áreas de aprendizagem. Assim, as aulas não terão, somente, uma abordagem física e fi siológica, mas um caráter transdisciplinar.

O que são as Fun Activities in Sport (FAS)?

As FAS assumem-se como um método criativo e integrador no ensino da Ex-pressão Motora na Educação Pré-escolar e no 1ºciclo do Ensino Básico.

As aulas de expressão motora baseadas neste método alicerçam-se em diferen-tes pilares estruturantes, designadamente:

● Atividades físicas que desenvolvam as competências motoras fundamentais num ambiente prazenteiro e divertido;● Atividades físicas realizadas em articulação com as demais áreas do saber, nomeadamente, Matemática, Estudo do Meio, Língua Portuguesa, Inglês);● Atividades físicas recorrendo ao uso de materiais reutilizados, como garrafas de plástico, copos de iogurte, embalagens, caixas de cartão e copos de plástico;● Atividades físicas que abordem temas estruturantes da nossa sociedade como

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a fome, a guerra, a defi ciência e as questões de género;● Atividades físicas que potenciem e fortaleçam os laços familiares.

Assim, as FAS não se resumem somente a aulas onde se objetiva o desenvolvi-mento de competências motoras de uma modo isolado, mas antes como atividades físicas e desportivas que procuram aumentar o reportório motor em articulação com outras áreas do saber, preconizando uma abordagem integradora do ato educa-tivo. Desta forma, as FAS procuram ultrapassar a visão meramente biológica da atividade física e desportiva, almejando atribuir-lhe um âmbito mais alargado de competências.

Então, as aulas de Expressão Motora que se desenvolvam sob a égide das FAS, procurarão potenciar o desenvolvimento das competências motoras fundamentais, designadamente, correr, saltar, subir, descer, lançar e agarrar, porém, associadas à aprendizagem de conceitos das demais áreas do conhecimento. Portanto, de-senvolver-se-ão a par e passo, ações motoras e conteúdos como a separação de resíduos, higiene oral, história de Portugal, divisão silábica ou cálculo mental, entre outros.

Figura 1. Pilares Estruturantes dos Fun Activities in Sport

Justifi cação para o advento das FAS Como referido anteriormente, as FAS têm o seu alicerce concetual em 5 grandes pilares, isto é: (1) atividade física e des-portiva prazenteira, (2) realizada em articulação com outras áreas do saber, (3) com recurso a materiais reutilizados, (4) incidindo em temas fraturantes da sociedade e (5) que potenciem e fortaleçam os laços familiares.

Deste modo, passaremos desde já a justifi car o porquê de cada um destes pilares.Relativamente ao pilar “atividade física e desportiva prazenteira”, justifi ca-se

pelo facto de a literatura indicar dois dados que devem merecer especial relevância, designadamente: o facto de os hábitos e estilos de vida saudáveis deverem ser potenciados na infância (Neto,1997) e uma das maiores causas de abandono precoce

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da atividade física é a monotonia que muitas vezes impera (Baker,& Robertson-wilson, 2003). Assim, a prática de atividades físicas divertidas deverá assumir-se como uma preocupação dos educadores/professores, enquanto elemento catalisa-dor da motivação para a prática do desporto.

A questão que muitas vezes se coloca é: como tornar as aulas divertidas? Em primeiro lugar, através do comportamento do professor/educador, designadamente, pelos seus comportamentos de entusiasmo (Rosado, Campos & Aparício, 1996), tais como, elogios às crianças, tom de voz utilizado e ritmo do discurso, os sorrisos revelados e a sua paralinguagem.

A articulação entre a Expressão Motora e as restantes áreas, situação consigna-da nas diferentes orientações curriculares, surge da necessidade de se ultrapassar a ideia de um processo educativo fragmentado e compartimentado em áreas es-tanques, isto é, urge transpor o conceito de ensinar-se isoladamente a Matemática, a Língua Portuguesa e a Expressão Motora, mas antes potenciar atos educativos onde estas áreas se complementem e interajam. Deste modo, as FAS preconizam a realização de aulas de Expressão Motora que, para além de potenciarem o de-senvolvimento de um amplo e vasto reportório motor (correr, saltar, rastejar, subir, descer), possibilite a aprendizagem integrada de outras áreas do saber. Assim, a aula de Expressão Motora ultrapassará a visão meramente biológica à qual recor-rentemente é confi nada, porquanto é entendida redutoramente como um instru-mento potenciador de saúde física. Pretende-se alargar esta visão enviesada da atividade física, visto que a mesma potencia a saúde nos seus múltiplos aspetos, isto é, físico, social e mental.

Relativamente aos materiais utilizados nas aulas de Expressão Motora, estes revestem-se, em muitas ocasiões, como boas desculpas para os educadores não desenvolverem estas sessões, justifi cando a inexistência dos mesmos. As FAS su-gerem a utilização de materiais reutilizáveis, designadamente alguns dos resíduos que habitualmente possuímos em nossas casas, tais como embalagens de plástico, caixas de cartão, latas e jornais. Material mobiliário como mesas e cadeiras podem e devem ser também utilizados como ferramentas para a implementação das aulas de Expressão Motora.

O recurso a este tipo de material cumpre dois objetivos diferenciados, nomeada-mente, suscitando nos alunos um pensamento crítico sobre a redução e reutilização dos resíduos, alertando para os graves problemas ambientais que se colocam no uso excessivo de plástico e papel. Apela, ainda, à criatividade dos Educadores sempre que não disponham de materiais desportivos convencionais para a realiza-ção das suas aulas, quebrando-se o mito de que não se realizam aulas de Expres-são Motora por falta de material.

Numa sociedade que vive do imediatismo e da superfi cialidade e onde raras vezes se apela à consciência social, as FAS procuram introduzir esta temática no seio das aulas de Expressão Motora, sendo usual o recurso a atividades físicas e desportivas que, além de desenvolverem competências motoras, possibilitam o tra-balho de temas como a fome, a guerra, a defi ciência ou a desigualdade de géneros.

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Outro dos graves problemas das sociedades contemporâneas é a falta de tempo passado em família, isto é, com o aumento do tempo laboral e das atividades extra-curriculares das crianças, pouco espaço resta para potenciar as relações familiares.

Assim, a dinâmica FAS reclama a realização de atividades desportivas, em con-texto escolar, levadas a efeito por pais, fi lhos e avós, através do festejo de dias temáticos, tais como Dia Mundial da Criança, Dia do Pai e da Mãe e Dia dos Avós. Nestes dias, convida-se a família das crianças a participarem em jogos desportivos que potenciem a relação entre os diferentes familiares.

Método para a operacionalização das FAS?

Como já foi referido anteriormente, as FAS objetivam a realização de aulas de Expressão Motora em constante articulação com as demais áreas do saber (Língua Portuguesa, Matemática, Estudo do Meio, Expressões).

Deste modo, há dois grandes critérios a ter em consideração na hora de planifi -car uma aula de Expressão Motora de acordo com este método. Em primeiro lugar é fundamental o professor/educador saber que tipo de competências motoras/Blocos Temáticos deverão ser trabalhadas em função do seu Grupo/Turma, por exemplo, Perícia e Manipulação, Deslocamentos e Equilíbrios, entre outros. Depois, deverá ter em consideração os conteúdos que está a lecionar em contexto de sala de aula. (ver fi gura 2)

Tomemos como exemplo uma turma do 1ºano do Ensino Básico que se encontra a aprender a divisão silábica. Ao nível da Expressão Motora, o professor deverá realizar uma aula que potencie o desenvolvimento de competências motoras tais como agarrar, lançar, correr e saltar, articuladas com a aprendizagem da divisão silábica. Deste modo, estará a desenvolver as competências físicas expectáveis para essa faixa etária, bem como, a reforçar as aprendizagens realizadas em sala de aula.

Figura 2. Criação de aulas FAS

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Exemplos de Exercícios realizados de acordo com as FAS

Nome do Exercício: Barra do Lenço da MatemáticaObjetivos da Expressão Motora:● Realizar deslocamentos a elevada velocidade● Mudar de direção sem se desequilibrar Objetivos da Matemática:● Desenvolver o Cálculo Mental Descrição da Atividade:Tradicionalmente, este jogo realiza-se com duas equipas colocadas em zonas

opostas de um mesmo espaço, tendo como referência o educador que fi cará ao centro, segurando um lenço. A cada elemento das equipas atribui-se um número. O educador chama um número, e deverão deslocar-se até ao mesmo os alunos de cada equipa que o possuírem. Na versão matemática, o professor não chamará um número, mas fará uma operação (somar, subtrair…) e deverá deslocar-se a criança que tiver o número correspondente ao total da operação. Com esta versão, potencia-se o cálculo mental.

Nome do Exercício: Barra do Lenço da Língua PortuguesaObjetivos da Expressão Motora:● Realizar deslocamentos a elevada velocidade● Mudar de direção sem se desequilibrar Objetivos da Língua Portuguesa:● Identifi car LetrasDescrição da Atividade:O jogo é, em grande parte, idêntico ao anterior. Porém, a cada criança não será

dado um número, mas uma letra. O Educador dirá uma palavra (Pato, Mota) e de-verão deslocar-se os alunos que tiveram a inicial dessa palavra.

Limitações da aplicação das FAS

Não é nossa pretensão afi rmar que a realização de aulas de Expressão Motora através do método FAS se assumirá como uma panaceia para todos os problemas, pois estamos certos que o mesmo contém as suas limitações operacionais.

Um dos principais problemas que temos vindo a verifi car é que, em algumas ocasiões, este método pode conduzir a aulas com pouco movimento, isto é, com reduzida Expressão Motora. Este problema sucede com maior veemência se o do-cente não tiver em consideração que, tratando-se de uma aula de Expressão Mo-tora, a maioria do tempo deverá ser passado em tarefas que reclamem diferentes

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tipos de ações motoras. Em algumas situações, assistimos a aulas que não são verdadeiramente de Expressão Motora, tal é o reduzido o tempo de exercício físico.

Conclusão As FAS deverão ser entendidas como um método pedagógico diferenciador

para a implementação da Expressão Motora em contexto de Educação Pré Escolar e no 1º Ciclo do Ensino Básico. As FAS procuram quebrar com a visão meramente biológica das Atividades Físicas e Desportivas, atribuindo-lhes um cunho educativo, porquanto se almeja uma articulação com as demais áreas do saber. É ainda um método com ênfase nas causas sociais, apelando à utilização de matérias reutiliza-dos, bem como, invocando a presença de temas estruturantes da sociedade, tais como, fome, pobreza, guerra, defi ciência, entre outros.

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SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÕES A GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR

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ResumoO projeto-piloto “Ensino Bilingue Precoce no 1º CEB” decorre, em Portugal, desde 2011/2012, sob a tutela do Ministério da Educação e Ciência, com a fi nalidade de se implementar o ensino bilingue precoce em inglês. O projeto foi objeto de um estudo de avaliação externa assente num design de estudos de caso múltiplos, com recurso a entrevistas semiestruturadas, tendo sido possível analisar as perceções das direções e das estruturas intermédias dos seis Agrupamentos de Escola participantes quanto às seguintes questões: desafi os organiza-cionais, processos de tomada de decisão e mecanismos de liderança pedagógica envolvidos na implementação e gestão do Projeto. A análise efetuada permitiu destacar a importância da liderança das direções e estruturas intermédias, que desempenham papéis interpessoais, informacionais e decisionais, bem como os desafi os orga-nizacionais patentes na capacidade demonstrada na integração do Projeto no Projeto Educativo de cada escola e na gestão de uma política territorial passível de pôr em relação os diferentes atores, desenvolvendo as relações externas e promovendo publicamente o Projeto junto da comunidade.

Palavras-chaveGestão e organização escolar, liderança pedagógica, estruturas intermédias, gestão de projetos.

Introdução

O projeto-piloto “Ensino Bilingue Precoce no 1º CEB” (PEBP) decorre, em Portugal, desde 2011/2012, sob a tutela do Ministério da Educação e Ciência, com a finalidade de implementação no 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB), sendo financiado pelo Programa Operacional de Assistência Técnica, do Fundo Social Europeu. Numa fase inicial, participaram no PEBP sete Agrupamentos de Escola (AE), existindo casos em que foram envolvidas mais do que uma escola de 1.º Ciclo, por AE. No seu quarto ano de funcionamento, o projeto foi sujeito a uma avaliação externa, que abrangeu apenas seis AE (um não reunia condições para integrar a avaliação).

Papéis do Gestor Escolar, Liderança Pedagógica e Desa-fi os Organizacionais na Implementação do Projeto-Piloto

de Ensino Bilingue Precoce no 1º CEB em Portugal Estela Costa

Instituto de Educação, Universidade de [email protected]

Marta Almeida Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

[email protected]

Ana Sofi a Pinho Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

[email protected]

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O estudo de avaliação externa, conduzido por uma equipa do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, teve como principais objetivos: (i) avaliar a eficácia da implementação do PEBP; (ii) emitir recomendações para as políticas públicas da aprendizagem do inglês e da formação de professores bilingues, e (iii) definir critérios de alargamento do PEBP. Assente numa abordagem mista (Shulman, 1986), a que se associa, numa primeira etapa, a análise documental e a realização de estudos de caso múltiplos (Yin,1994), é no âmbito da etapa qua-litativa do estudo de avaliação que surge o eixo de análise que aqui se apresenta e que, a partir das narrativas dos atores envolvidos no PEBP, nos seis AE, visa discutir os papéis desempenhados pelos gestores (diretores e coordenadores), os processos de tomada de decisão e os mecanismos de liderança pedagógica envolvidos na gestão do PEBP.

A análise efetuada evidencia distintos papéis de gestão – interpessoais, in-formacionais e decisionais – identicamente desempenhados pelas direções e coordenações, mas destaca o papel de líder, que é concretizado diferentemen-te nos seis casos analisados. Sobressaem, também, desafios organizacionais observáveis na capacidade de articulação e integração do PEBP no Projeto de Escola (PE) de cada AE, na gestão de políticas territoriais e no desenvolvimento das relações externas.

Opções metodológicas e processuais

O estudo de avaliação externa integra-se numa perspetiva de investigação apli-cada (Coutinho, 2013) e recorre a uma abordagem mista (Shulman, 1986). Como estratégia de robustecimento da validade interna, de modo a assegurar a comple-mentaridade e triangulação da informação obtida de diferentes fontes, optou-se por diversifi car as técnicas qualitativas e quantitativas de recolha e análise dos dados. Numa etapa inicial, privilegiou-se a análise dos documentos produzidos na imple-mentação do PEBP, o que permitiu proceder ao seu enquadramento contextual. Numa segunda etapa, optou-se por um design de estudo de caso (estudo de casos múltiplos, com múltiplas unidades de análise) (Yin, 1994), em que cada AE foi con-siderado como um caso e cada turma como uma unidade de análise.

O exercício analítico de que aqui damos conta resulta de um recorte do estu-do mais alargado, sustentando-se essencialmente em dados recolhidos através de entrevistas semiestruturadas e respetiva análise de conteúdo (Bardin, 2009). As entrevistas contemplaram a totalidade dos atores (34): seis diretores dos AE, seis coordenadores locais, 15 professores titulares de turma e sete professores assis-tentes (professores de Inglês de 2.º/3.º CEB que apoiam os professores titulares de turma).

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Fragmentos de gestão e liderança: um enfoque no trabalho das direções de escola e das estruturas intermédias

Sobre o gestor escolar e seus papéis

Seguindo o entendimento de Bertrand e Guillemet (1988, p. 194), o gestor es-colar é o indivíduo a quem a organização confi a responsabilidades respeitantes à coordenação de recursos e à elaboração de objetivos a alcançar. Gerir é, pois, um processo complexo, que envolve a coordenação de pessoas e grupos, e de relações entre pessoas e grupos (cada qual com signifi cados e interesses distin-tos), sendo transversal à escola, desde o topo – institucional (direção), passando pelo intermédio (coordenações) e operacional (professores). Tal processo exige aos gestores – situados nos diferentes níveis da organização – a ativação de múltiplos papéis, como sejam os interpessoais, de informação e de decisão (a partir da ti-pologia proposta por Mintzberg, 1986). Acompanhando o entendimento do autor canadiano, os papéis interpessoais contemplam (i) a imagem de representante da organização (sempre que o gestor desempenha obrigações de natureza cerimo-nial), (ii) o papel de líder (quando motiva e encoraja os colaboradores, procurando conciliar as necessidades individuais com os objetivos da organização) e (iii) como agente de contato/ ligação (ao gerir a sua rede de relações, fazendo a ligação entre os colaboradores, com o intuito de obter informações informais e verbais). Segun-do Mintzberg, os papéis informacionais correspondem à comunicação do gestor, desencadeando (i) o papel de coletor (ao perscrutar o meio ambiente em busca de informação, através de redes de contactos pessoais e dos seus subordinados), (ii) de disseminador (quando compartilha e difunde grande parte dessa informação) e (iii) porta-voz (sempre que discursa para a organização e/ou para a comunidade). Todavia, reforça o autor, que a informação não é um fi m em si mesmo, mas um in-sumo fundamental para a tomada de decisão, pelo que os papéis decisonais corres-pondem às funções do gestor enquanto (i) empreendedor (ao procurar melhorar a organização, adaptando-a às mudanças do meio ambiente, buscando novas ideias e promovendo voluntariamente a mudança), (ii) manipulador de distúrbios (quando responde a pressões e imprevistos), (iii) enquanto alocador dos recursos (ao decidir quem faz o quê dentro da organização) e (iv) negociador (sempre que procede a negociações diversas com diferentes atores) (Mintzberg, 1986).

Sobre o papel de líder do gestor

No quadro da gestão das organizações, perfi lhamos o pensamento de Rost (1991, pp. 149-152) para quem a gestão consiste numa relação de autoridade uni-direcional (de natureza hierárquica e vertical), enquanto a liderança comporta uma relação de infl uência multidirecional que assenta em dinâmicas de horizontalidade.

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Daqui se conclui que o nosso entendimento da liderança enquanto “processo pelo qual um indivíduo infl uencia um grupo de indivíduos para alcançar um objetivo co-mum” (Northouse, 2010: 3) se distancia das conceções, porventura mais lineares e redutoras, que circunscrevem a liderança a características e/ou traços de per-sonalidade. A liderança constrói-se em situação, ocorrendo em contexto grupal, o que acarreta persuasão, convencimento, envolvendo o alcance de metas que são compartilhadas pelo líder e por quem o segue (Yukl, 2006).

Se atentarmos especifi camente à liderança pedagógica, reconhecemos a sua relevância num conjunto de objetivos que a mesma permite alcançar: (i) a criação de metas de aprendizagem específi cas, envolvendo os professores; (ii) a promoção da melhoria contínua na escola; (iii) o desenvolvimento de elevadas expectativas e uma cultura de escola baseada na inovação e na melhoria; (iv) a coordenação do currículo e o acompanhamento da aprendizagem dos alunos; (v) o alinhamen-to das estratégias e das atividades da escola à sua missão; (vi) a organização e monitorização das atividades destinadas a facilitar o desenvolvimento profi ssional dos professores e (vii) a modelação dos valores emergentes da cultura de escola (Hallinger, 2005: 1-12). De resto, como assinalam Leithwood e Riehl (2003), existe um núcleo duro de práticas de liderança que formam a base do sucesso dos líderes, em contexto escolar, a saber, (a) fi xar ‘direções’ para o trabalho escolar; (b) desen-volver as pessoas; (c) desenvolver a organização e (d) responder aos desafi os e oportunidades do ambiente organizacional.

Será com base nos pressupostos enunciados que iremos discutir os papeis do gestor, os desafi os organizacionais, os processos de tomada de decisão e mecanis-mos de liderança que estiveram envolvidos na implementação e gestão do PEBP.

Desafi os organizacionais: sobre a intensidade e amplitude do compromisso da direção

No estudo desenvolvido foi possível analisar os desafi os organizacionais tendo em conta a intensidade e amplitude do compromisso assumido pelas direções de articular e integrar o PEBP nos respetivos PE, bem como a partir da gestão de políticas territoriais que interrelacionem os diferentes atores, desenvolvendo as re-lações externas e promovendo publicamente o PEBP. Como ilustrativo dos desafi os colocados no âmbito da articulação com o PE, salientamos o caso de uma direção que determinou alargar o ensino da língua inglesa, como oferta curricular, a todas as escolas de 1.º CEB do seu AE, visando assim corresponder às expectativas de alunos e famílias de turmas até então não abrangidas pelo EBP [Decisão: empre-endedor1]. Relativamente à promoção pública e ao envolvimento da comunidade, é exemplificativo o recurso a uma estratégia de marketing de uma direção que

1. A partir da tipologia dos papeis de gestão de Henry Mintzberg (1986).

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decidiu afi xar um enorme e apelativo outdoor sobre o PEBP numa parede exterior do estabelecimento de ensino [Decisão: empreendedor]. Destacam-se, igualmente, as atividades abertas à participação da comunidade – cerimónias e comemora-ções, receções aos pais, entre outros – onde se deu visibilidade ao Projeto e às aprendizagens aí realizadas [Interpessoal: de representação]. De referir, ainda, o recurso à criação de parcerias com diversas entidades, locais e nacionais, para realização de atividades conjuntas, das quais se destacam as parcerias com as autarquias (disponibilização de espaços para a apresentação de peças de teatro) e bibliotecas (onde, por exemplo, se procedeu à animação de histórias), a participa-ção no programa Comenius, e em outros projetos externos (e.g. publicação de um livro bilingue com o apoio da Fundação Ilídio Pinto).

Ademais, a gestão do PEBP evidenciou, em diferentes graus, o papel de líder desempenhado por diretores e coordenadores. Observar estes gestores, situados nos diferentes níveis organizacionais – o diretor, no topo, e os coordenadores, a nível intermédio – signifi cou analisar o peso da sua infl uência, no modo como mo-tivaram, coordenaram e direcionaram os professores para a consecução de metas partilhadas. Efetivamente a liderança pedagógica exercida por alguns granjeou intensidades diferentes que radicam, nalguns casos, na simbiose conseguida en-tre diretores e coordenadores que, em conjunto, desenvolveram estratégias para envolver os professores, integrando as metas do PEBP no PE e retirando daí divi-dendos que lhes permitiram consolidar a cultura de escola (Casos 4 e 5). Noutros casos, atestamos a existência de uma estratégia concertada entre as direções, os coordenadores e os professores EBP em torno da consecução de objetivos de aprendizagem atinentes a uma melhoria da escola (Casos 1, 3 e 6); não há, contu-do, aqui, evidências empíricas de infl uência na cultura de escola. Num outro caso, constata-se que o Projeto é percebido como uma tarefa mais na atarefada vida escolar. Não obstante a dinâmica dos professores PEBP, o que sobressai é a ine-xistência de qualquer liderança intencional e focada nas aprendizagens dos alunos e no envolvimento dos professores, o que decorre da ausência de expetativas da parte da coordenação do PEBP que, não estando envolvida no acompanhamento direto à aprendizagem dos alunos, revela, também, alguma impassibilidade face ao Projeto em si mesmo (Caso 2).

Em síntese, a análise permite observar o papel de líder como signifi cativo para a motivação das equipas e para uma ação consistente ao nível da cultura de es-cola. Mas os dados tornam, também, evidente a hipótese de lideranças centradas na conceção de metas de aprendizagem e na melhoria de escola, sem que tal sig-nifi que uma interveniência nos valores e pressupostos dos atores organizacionais. Efetivamente, o labor do líder na motivação das pessoas em torno de Projetos como o EBP pode não ser sufi ciente para uma intervenção na cultura da organiza-ção, mormente ao nível dos valores partilhados, guias para a ação da organização e justifi cativos dessa ação, e dos pressupostos básicos, i.e, as suas perceções, aceções, sentimentos e emoções (cf. Schein, 2004). De difícil apreensão, estas

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dimensões são invisíveis e de profundo alcance, obrigando a uma abordagem es-tratégica, quiçá mesmo, identitária dos Projetos em curso na escola. O que nos remete para a necessidade de se investir também no nível mais superfi cial e visível da cultura de escola – o dos artefactos – como sejam as rotinas e os rituais que a organização promove e perpetua.

A cultura organizacional, estando em permanente (re)criação, é um processo contínuo de aprendizagem em grupo, com base em normas, valores e crenças compartilhadas. A singularidade de cada organização, que advém das múltiplas e infi nitas confi gurações das componentes culturais, marca a orientação dos mem-bros dentro da organização, ao mesmo tempo que constrange o comportamento dos seus membros (cf. Schein, 2004). Projetos como o EBP podem e devem ser agarrados pelos atores escolares como facilitadores de processos de inovação e mudança, servindo de mote aglutinador para a introdução de estratégias de de-senvolvimento profi ssional dos professores e de aprofundamento/reconfi guração da cultura de escola.

Confi gurações organizacionais: sobre as estruturas inter-médias e a tomada de decisão

Aos desafi os organizacionais acima discutidos, acresce o modo como cada di-reção decidiu organizar/criar estruturas intermédias para implementar o PEBP e garantir o seu desenvolvimento. Acresce, também, a forma como, localmente, cada direção alocou os recursos para o PEBP e procedeu à constituição da equipa [Deci-sional: distribuidor]. A este propósito, são evidentes as diferenças entre os seis AE, sendo que o papel atribuído às estruturas de coordenação intermédia não é inde-pendente das opções das direções quanto ao processo de seleção dos coordena-dores PEBP e dos demais intervenientes que integram a equipa EBP. Tributário de histórias pessoais e institucionais, refl etindo as difi culdades vivenciadas pelas dire-ções dos AE face aos recursos humanos de que dispõem, este recrutamento traduz a natureza difusa do processo de tomada de decisão no quadro de uma racionalida-de limitada (Simon,1979), em que perante as limitações de tempo e conhecimento, entre outras, o indivíduo se vê impedido de encontrar ‘A’ decisão excelente, em vez disso intentando tomar a decisão mais adequada atendendo às condições dispo-níveis e infl uenciado por fatores cognitivos e de natureza institucional (Lindblom, 1959; Alisson,1969). Efetivamente, os coordenadores PEBP patenteiam perfi s di-versos que decorrem de processos de tomada de decisão contextualizados e que atentam à existência de múltiplas variáveis interferentes (questões institucionais, sociais, afetivas, etc.): professores de 1.º CEB/professores dos 2.º/3.º CEB; profes-sores com formação em metodologia Content and Language Integrated Learning (CLIL) /sem formação CLIL; professores com formação em inglês/sem formação em inglês; professores com cargos de direção/sem cargos de direção.

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Apesar da diversidade de atributos que distinguem as equipas e suas coorde-nações, verifi ca-se como condição de efi cácia o envolvimento direto das direções, por via do exercício de uma liderança pedagógica efetiva, comprometida e partici-pativa. Efetivamente, constata-se que os AE cujos coordenadores locais pertencem à direção possuem culturas de escola facilitadoras da introdução de mudanças e mobilizadoras dos atores, portanto, condições favoráveis para o sucesso do EBP.

De resto, um dos critérios mais importantes na seleção das estruturas intermé-dias – coordenador do PEBP/coordenador da escola bilingue – foi a motivação in-dividual. Os coordenadores intrinsecamente motivados imprimiram dinâmicas mais enriquecedoras, com repercussões mais positivas na cultura de escola. Com efeito, nas condições de efi cácia apuradas um dos aspetos mais referidos prende-se com a necessidade de apoio e implicação por parte da direção e a motivação dos pro-fessores envolvidos.

Das estratégias organizativas e de coordenação adotadas pelos AE ressalta igualmente o reconhecimento, por todos, das vantagens do trabalho colaborativo entre grupos de professores e que pode resultar em mudanças na distribuição do serviço docente e no agrupamento do professor e dos alunos. Referimo-nos a práticas de co-docência e a alterações organizacionais, ao nível das estruturas de gestão intermédia, resultantes (e paralelamte conducentes a) de uma lideran-ça educativa mais distribuída e plural, como se refere num estudo desenvolvido sob a égide da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE):“School leaders must master the new forms of pedagogy themselves (…) they have to become leaders of learning responsible for building communities of professional practice” (Pont, Nusche, & Moorman., 2008, p. 26).

Considerações fi nais

A análise das entrevistas aos diretores, coordenadores e professores dos seis AE que participaram na avaliação externa do PEBP permitiu-nos evidenciar um conjunto de aspetos que sinteticamente aqui expomos.

Primeiramente, a importância dos papéis desencadeados na gestão do PEBP. Observar estes gestores, situados nos diferentes níveis organizacionais – o diretor, no topo, e os coordenadores, a nível intermédio – signifi ca analisar a importância da sua infl uência nos outros, no modo como os motivam, coordenam e direcio-nam para a consecução de metas partilhadas entre todos. Efetivamente, diretores e coordenadores desempenham, em diferentes momentos, papéis – interpessoais, informacionais e decisionais – que assentam em comportamentos de relação, de comunicação e de orientação da sua atividade. Estes atores estão no centro nevrál-gico das teias de relações que se edifi cam em torno dos projetos desenvolvidos na escola. Como se viu, a sua ação, quando consertada, repercutiu-se na qualidade das relações estabelecidas com a comunidade educativa, em geral e, em particular,

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na extensão e eficácia das parcerias estabelecidas com entidades exteriores à escola. Em certos AE, o EBP serviu de mote para a introdução de mudanças efeti-vas para culturas organizacionais, assentes numa lógica de liderança distributiva. Estas direções foram, aliás, as que revelaram maior capacidade em selecionar (e cativar) os professores assistentes com perfil adequado às exigências do PEBP e às contingências contextuais e institucionais, harmonizando as diversas variáveis (e.g. motivação, domínio da língua inglesa, abertura às metodologias 1.º CEB/CLIL, etc.).

Em segundo lugar, a capacidade de gestão estratégica das direções. Especi-fi camente, reportamo-nos a diretores que, no quadro do seu PE, avocam o papel do PEBP, dele retirando dividendos educativos e políticos. Veja-se o exemplo de um AE que usou o PEBP para reforçar o prestígio de uma das suas escolas de 1º CEB, com encerramento previsto e anunciado, no quadro da reconfi guração da rede escolar. Neste caso, em particular, sobressai o trabalho de ajustamento mútuo realizado com os parceiros locais (a Autarquia), e a capacidade da escola em atrair novos alunos, tornando-a desejável no âmbito da comunidade local. A escola está, atualmente, em pleno funcionamento e tem como divisa o facto de ser Escola Bilin-gue (fazendo concorrência a escolas privadas), o que ilustra a mais-valia de uma gestão focada no PE, pondo em destaque a ativação dos papéis informacionais e decisionais da autoridade formal (diretora).

Em terceiro lugar, os desafios organizacionais e os inerentes aos processos de liderança envolvidos na implementação e gestão do PEBP sugerem que o sucesso da implementação de políticas que visem ter reflexos na aprendizagem dos alunos devem atender a que o desempenho do professor em sala de aula e a criação de um ambiente de aprendizagem promissor depende de múltiplas variá-veis. Com efeito, se, por um lado, é inegável a dependência de variáveis pessoais e profissionais de cada professor (capacidades, motivação, nível de implicação e compromisso) e de variáveis contextuais do ambiente político-social em que atuam; por outro lado, o estudo reforça a ideia de que a criação de uma cultura favorável à introdução da mudança na escola, como preconiza o PEBP, depende inegavelmente da direção, do seu comprometimento, da sua visão estratégica e da liderança assumida, diversa, plural, que se dissemina de forma reticular pela organização escolar.

Por fi m, gerir implica coordenar estruturas e processos para atingir os objetivos defi nidos, o que signifi ca intervir ao nível da autoridade e das responsabilidades das diferentes estruturas, desse modo, intervindo na dimensão formal da organização (Donnelly, Gibson & Ivancevich, 2000). Mas quem gere uma organização fá-lo com pessoas, o que obriga a uma intervenção também ao nível das suas relações, as quais não são observáveis nos organogramas, nem tão pouco se encontram for-malmente documentadas, uma vez que emergem das necessidades sentidas pelos indivíduos e pelos grupos, no interior da organização. Deste modo, gerir obriga, outrossim, a uma intervenção na dimensão informal da organização.

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ResumoO texto tem como tema a aprendizagem organizacional como processo que se desenvolve no interior da esco-la e conduz à melhoria organizacional. São abordadas as dinâmicas de regulação autónoma das escolas, no que respeita a defi nição de estratégias tendentes à melhoria organizacional, determinadas pela administração educativa através da construção de Planos de Melhoria (PM), de caráter obrigatório, na sequência da Avaliação Externa das Escolas. De cariz naturalista, privilegiou-se a pesquisa arquivística e a análise documental de 16 planos de melhoria da Área Territorial de Lisboa e Vale do Tejo (2012/2013) e respetivos relatórios de avaliação externa. Através da Teoria de Ação, de Argyris e Sch�n, foram identifi cados sistemas de aprendizagem de ciclo simples (i.e. escolas que identifi cam fragilidades sem refl etir ou questionar a sua origem) e de ciclo duplo (i.e. escolas que apresentam a capacidade para refl etir, através de processos de autoavaliação, sobre as práticas e processos adotados, que podem infl uenciar o seu desempenho). A análise fez emergir diferenças no modo como as escolas encaram a construção do PM e o respetivo processo de aprendizagem organizacional. Por um lado, perspetivam-no como um instrumento de correspondência face aos resultados e às áreas de melhoria identifi cadas pelas equipas de avaliação, por outro lado, vêem-no como um instrumento que permite defi nir os seus próprios objetivos de desenvolvimento e melhoria.

Palavras-chaveAprendizagem organizacional; regulação; planos de melhoria; avaliação externa das escolas.

Introdução

Este texto divulga uma pesquisa sobre o tema da aprendizagem organizacio-nal (AO) enquanto processo que se desenvolve no interior da escola e conduz à sua melhoria, centrando-se nas dinâmicas de regulação que 16 escolas eviden-ciam nos seus Planos de Melhoria (PM), nas áreas identificadas como problemáti-cas pelas equipas de Avaliação Externa das Escolas (AEE), da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC). O estudo teve como propósito identificar e analisar as ações refletidas nos PM da Área Territorial de Inspeção de Lisboa e Vale do

Planos de Melhoria, Aprendizagem Organizacional e Regulação da Educação

Mariana Tempera Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

[email protected]

Estela Costa Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

[email protected]

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Tejo (avaliadas em 2012/2013). Foram seus objetivos: (i) identificar as principais áreas de melhoria; (ii) compreender quais os ciclos AO realizados pelas escolas; (iii) compreender dinâmicas de regulação autónoma das escolas.

A investigação educacional diz-nos que a melhoria da escola parte do interior das escolas, competindo-lhes iniciar e gerir os seus próprios processos de melho-ria, de aprender com os seus erros e de produzir e aplicar conhecimento acerca do seu desempenho. O PM, sendo determinado pela administração educativa, numa lógica de indução da ação das escolas para um conjunto de estratégias em direção à melhoria organizacional, torna-o numa problemática pertinente no campo da administração educacional. Importa, assim, perceber como se proces-sa a sua receção: – Serão os PM perspetivados como uma resposta burocrática à tutela? Limitam-se as escolas a melhorar as áreas identificadas pelas equipas de avaliação da IGEC cumprindo as regras da administração? Ou é o PM um instrumento autonómico que permite às escolas definir os seus objetivos de de-senvolvimento e melhoria revelando, assim, AO?

Da análise resultou a identificação de diferentes ciclos de AO realizados pelas 16 escolas – ciclo simples de aprendizagem e ciclo duplo de aprendizagem – e a compreensão da forma como o processo de melhoria e a construção dos PM fo-ram acolhidos por estas: de forma restrita e em conformidade apenas com áreas de melhoria identificadas pelas equipas de AEE, ou de forma reflexiva e autóno-ma, onde o processo de autoavaliação é tido em conta no momento de definir os objetivos de melhoria para a escola.

Modos de regulação institucional e de regulação autónoma

Perceber como se ajustam as escolas a esta inovação da administração edu-cativa são interrogações que nos remetem para a reconfiguração do papel do Estado, no quadro dos novos modos de regulação, de incremento das políticas de prestação de contas e no controlo social sobre a gestão escolar, em especial no que se refere à adequada utilização dos recursos públicos em função dos resulta-dos obtidos. O PM surge articulado com o processo de autoavaliação das escolas e é expectável que permita identificar as ações a implementar para melhorar os campos identificados como problemáticos pela equipa de AEE. É um instrumento utilizado pelos serviços inspetivos para induzir a melhoria nas escolas, refletindo uma regulação burocrática de natureza vertical (Afonso, 2008), também desig-nada de regulação institucional, normativa e de controlo (Reynaud, 1997 e 2003; Barroso, 2005), que se carateriza pelo conjunto de ações e de regras impostas pelo Estado para orientar, coordenar e controlar as ações dos atores, sobre os quais detém uma autoridade legítima (Maroy & Dupriez, 2000).

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Porém, se deslocarmos o nosso olhar para as escolas, encontramos uma se-gunda dimensão do processo de regulação, a regulação autónoma, situacional e ativa (Reynaud, 1997 e 2003; Barroso, 2005), consubstanciada no conjunto de ações protagonizadas pelos vários atores sociais, uma regulação que resulta do ajustamento às regras estabelecidas pelo Estado. Referimo-nos a como, em cada escola, as diretrizes são recebidas e interpretadas, gerando múltiplas ações e comportamentos diversos. Estas ações revelam jogos estratégicos de influência entre os vários atores como resposta às normas, imposições e constrangimentos a que as escolas estão sujeitas (Reynaud, 1997; Barroso, 2005).

A teoria da Regulação Social, de Reynaud, permite-nos perceber a distância que vai entre o que está prescrito e determinado pelos normativos e pelas regras (i.e., como deve ser feita a ação) e o modo como ela efetivamente se concretiza na prática, resultando de processos de “ajustamento mútuo” (Afonso, 2008, p.34) e da interação dos vários atores. Neste sentido, a regulação institucional e a regulação autónoma são conceitos essenciais para analisar a relação existente, por um lado, entre a forma como a administração educativa procura coordenar a ação das escolas, através da regulação institucional, neste caso, decretando os PM, que impelem as escolas a atuar em determinado sentido; e, por outro lado, os diferentes modos como as escolas acomodam essa regulação, incorporando-a nos seus processos e traduzindo-a em modos diferentes de reagir a estas pro-postas nos seus PM.

O Plano de Melhoria como instrumentos de regulação

Assim sendo, o PM surge como instrumento de regulação no sentido atribuído por Lascoumes e Le Galès (2004, p.13), de “dispositivos simultaneamente técni-cos e sociais que organizam as relações sociais específicas entre poder público e os seus destinatários em função das representações e significações de que é portador”. Enquanto instrumento técnico, o PM apresenta regras próprias de elaboração. Contudo, o PM detém ainda uma dimensão social, porque organiza as relações entre o ministério e as escolas, no sentido de as orientar em função de determinados valores e aspetos considerados importantes, como seja ‘orientar as escolas, no sentido de melhorar o seu desempenho’.

Demais, embora tratando-se de um instrumento burocrático, que é aplicado diretamente pelo Estado e atua por via da obrigatoriedade, levando as escolas a considerarem determinados aspetos como cruciais, o que se constata é que, em cada escola, existem margens de autonomia que permitem coordenar a ação diferentemente, como resultado dos contextos, do público-escolar, das histórias institucionais, entre outros.

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Aprendizagem Organizacional

A aprendizagem organizacional (AO) é um conceito aceite pela comunidade das ciências sociais, nos anos 70, e encarada como fundamental na compreen-são da realidade organizacional (Fernandes, 2007). A definição criada por Argyris e Schӧn (1978) ilustra-o, definindo-a como um processo que permite à organiza-ção obter e utilizar novos conhecimentos, capacidades, comportamentos e valo-res. Bolívar (2000, p.24) defende a AO como um processo que implica “para além da capacidade de adquirir e aplicar nova informação, a capacidade de aprender com os erros, encontrando novas soluções para velhos problemas”.

Argyris e Schӧn (1978) foram dos primeiros a criar um modelo completo sobre o processo de AO, que, tendo por base a deteção e correção de erros, possibilita a identificação de três níveis de aprendizagem. No primeiro, o “ciclo simples de aprendizagem” (single-loop learning), os elementos da organização detetam o erro através de processos de monitorização e intentam estratégias para corrigi-lo, sem, no entanto, procurar compreender o que o originou. As práticas que estão na origem do erro não são questionadas, pelo que a organização continua a funcio-nar do mesmo modo. No segundo, o “ciclo duplo de aprendizagem” (double-loop learning), há interesse em conhecer a causa do erro e em questionar as práticas e as normas da organização, o que exige capacidade para refletir continuamente sobre as práticas, os objetivos e os valores orientadores da organização. Bouvier (2003, in Clímaco, 2005) associa ambos os ciclos aos conceitos de monitorização e avaliação, respetivamente. A monitorização, ou o ciclo simples de aprendiza-gem, é vista como um processo contínuo e sistemático, de controlo, que visa restabelecer a conformidade dentro da organização. Já a avaliação, ou o ciclo duplo de aprendizagem, é um processo regular, que visa refletir sobre a ação e os objetivos da organização, com o intuito de averiguar se estes são relevantes.

O terceiro nível de aprendizagem, a “aprendizagem deutero” (deutero-loop learning1), também designada de “aprender a aprender” (Redding e Catalalleno, 1994, citado por Fernandes, 2007, p.109) ou “gestão do conhecimento” (Clímaco, 2005, p.165), implica refletir sobre os efeitos dos dois ciclos de aprendizagem no funcionamento da organização, a fim de desenvolver uma estratégia para o seu futuro.

Como se depreende, é evidente a relação da AO com a avaliação, já que esta é perspetivada como um mecanismo que produz informação acerca do desempe-nho organizacional, permitindo identificar as suas fragilidades. O PM surge como um instrumento-chave no processo de aprendizagem da escola por consubstan-ciar o processo de reflexão sobre a melhoria e conduzir à identificação de áreas prioritárias a aperfeiçoar, legitimando a alteração de práticas e objetivos.

1. Designação criada por Bateson, 1972 (citado por Fernandes, 2007).

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É neste contexto de tensão entre dinâmicas institucionais de obrigação – a melhoria imposta pela administração educativa através da construção do PM – e dinâmicas autónomas sugeridas pela investigação educacional – a melhoria relacionada com a capacidade de AO da escola (processo que se desenvolve no interior da organização, através da produção e aplicação de conhecimento próprio) – que se centrou a pesquisa.

Opções metodológicas e processuais

A investigação, de cariz naturalista (Afonso, 2005), assenta na pesquisa arqui-vística e na análise documental de 16 PM elaborados pelas escolas avaliadas no ano letivo de 2012/2013, da Área Territorial de Inspeção de Lisboa e Vale do Tejo e respetivos relatórios de AEE. Primeiro, analisou-se os PM e através da análise categorial (Bardin, 1977) identificaram-se as principais áreas de melhoria. Se-gundo, analisou-se o campo de análise “Autoavaliação e Melhoria” dos relatórios de AEE, cuja informação permitiu apurar a presença de ciclos de aprendizagem. Num terceiro momento, foi analisada a relação entre as áreas de melhoria pre-sentes no capítulo “Pontos fortes e áreas de melhoria” dos relatórios de AEE e as ações de melhoria presentes nos PM. A análise permitiu identificar as dinâmicas de regulação autónoma no modo como as escolas acolhem os juízos avaliativos emitidos pelas equipas de avaliação da IGEC.

As áreas de melhoria privilegiadas pelas escolas nos pla-nos de melhoria

Quanto ao primeiro objetivo – identificar as principais áreas de melhoria pre-sentes nos PM – foram identificadas 12 principais áreas de melhoria, a saber: Resultados escolares; Metodologias e Práticas de ensino; Monitorização e ava-liação das aprendizagens; Cumprimento das regras e disciplina; Gestão articula-da do currículo; Desenvolvimento do trabalho cooperativo e interdisciplinar entre docentes; Supervisão da prática letiva; Liderança e Gestão; Cultura de escola; Envolvimento e participação dos Pais e Encarregados de Educação na escola; Formação/Análise de Necessidades; Autoavaliação.

A partir desta análise foi possível concluir que as áreas priorizadas pelas es-colas correspondem, de modo geral, às áreas valorizadas no quadro de referên-cia da atividade de AEE. Ou seja, os PM aparentam ser construídos e fundados nas boas práticas consideradas pela IGEC.

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Ciclos de aprendizagem organizacional realizados pelas escolas

Em relação ao segundo objetivo – compreender quais os ciclos de aprendiza-gem que as escolas realizam – foi possível verificar que todas as 16 escolas rea-lizam um ciclo simples de aprendizagem. Significa que são escolas que possuem um sistema de AO que lhes permite identificar fragilidades e encontrar estratégias para ultrapassá-las através de mecanismos de monitorização das suas práticas e dos seus processos.

Constituem exemplos da presença do ciclo simples de aprendizagem, os se-guintes excertos dos relatórios de AEE:

“O último diagnóstico organizacional (…) identificou pontos fortes e áreas de melhoria. Estas foram devidamente priorizadas e encontram-se em fase de implementação de planos de ação específicos (…)” (IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 12, p.9);

“O trabalho de monitorização dos resultados académicos, em especial o que se repor-ta à identificação de áreas frágeis e a consequente redefinição de estratégias.” (IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 5, p.10);

“Na sequência do relatório de avaliação externa de 2008, foram concebidas medidas em algumas das áreas apontadas como pontos fracos” (IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 11, p.8);

“Estes elementos têm desenvolvido um trabalho de grande empenho e relevância, pri-meiro de diagnóstico, depois de proposta de soluções de melhoria e, posteriormente, de monitorização dos processos de melhoria” (IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 14, p.9).

No que diz respeito ao ciclo duplo de aprendizagem, apenas seis das 16 es-colas o evidenciam, indo além do ciclo simples de aprendizagem, refletindo e questionando, através de processos de autoavaliação, as suas práticas e os pro-cessos que possam influenciar negativamente o seu desempenho. Ou seja, são escolas que procuram compreender o porquê e a origem das fragilidades.

A evidência do ciclo duplo de aprendizagem é comprovada pelos seguintes excertos dos relatórios de AEE:

“A anterior Avaliação Externa foi valorizada (…) Os pontos fracos identificados foram, globalmente, retomados, em articulação com os resultados da autoavalia-ção de cada uma daquelas unidades e (…) constatam-se ações com impacto na reorganização escolar, na melhoria das práticas profissionais e nos resultados dos alunos.” (IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 4, p.9);

“A prática (…) de recolha, tratamento estatístico e reflexão sobre os resultados acadé-micos dos alunos (…) reflete uma atitude crítica de autoquestionamento por parte do

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Agrupamento. Em função da análise desses documentos, o diretor delineia propostas e toma decisões ao nível do planeamento da atividade educativa para o ano letivo subsequente, revelando-se determinante para a definição da política estratégica do Agrupamento.” (IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 6, p.10);

“A reflexão e o questionamento das dinâmicas internas de trabalho à luz dos resulta-dos académicos (…)” (IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 7, p.10);

“A assunção da mais-valia da autoavaliação como fundamental à evolução (…)”(IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 8, p.10);

“(…) o tratamento estatístico e a reflexão sobre os resultados académicos dos alunos (…) refletem uma atitude de autoquestionamento por parte dos diferentes órgãos e estruturas.” (IGEC, 2013. Relatório de AE da Escola 9, p.10).

Pelo exposto, constata-se que a generalidade das escolas analisadas reali-za apenas uma aprendizagem, de ciclo simples. A aprendizagem de ciclo duplo implica questionar a origem das suas fragilidades, o que obriga a um confronto entre os indivíduos, passível da criação de situações de conflito e de desconforto. Os atores escolares tendem a adotar comportamentos defensivos, que limitam os processos de reflexão e de questionamento das práticas e dos valores funda-mentais da organização, que por sua vez limitam os processos de aprendizagem organizacional.

As dinâmicas de regulação autónoma na construção dos Planos de Melhoria

No terceiro objetivo – compreender dinâmicas de regulação autónoma a partir da elaboração dos PM –, a análise permitiu compreender de que modo as esco-las recebem e encaram os juízos avaliativos emitidos pelas equipas, tendo sido possível identificar três situações distintas de regulação autónoma. Uma primeira situação, observada em duas escolas, é a construção do PM como documento burocrático, que aparenta resultar apenas da AEE, não revelando articulação com o processo de autoavaliação da escola. Neste caso, a regulação autónoma pare-ce evidenciar-se por uma lógica de conformidade à regulação institucional, isto é, no sentido do cumprimento das regras e de prestação de contas.

Uma segunda situação, observada em 13 escolas, é a construção do PM como instrumento refl exivo, que resulta da articulação da informação presente no relatório de AEE com o processo de autoavaliação. Neste caso, observa-se uma capacidade de autorregulação por parte das escolas, uma vez que defi nem os seus próprios objetivos de melhoria, tendo em consideração os resultados da AEE.

A terceira situação, observada em uma escola apenas, é a construção do PM como resultado de um processo autónomo e emancipatório. Neste caso, o PM

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é construído por iniciativa própria da escola e não tem em conta nenhuma das áreas de melhoria identificadas no relatório de AEE. É um documento que torna evidente uma invulgar capacidade de autorregulação, uma vez que se trata de uma escola que tomou a iniciativa de por si mesmo iniciar e gerir o seu próprio processo de melhoria.

Considerações finais

O estudo da aprendizagem organizacional em organizações educativas afi-gura-se como uma opção a considerar para uma melhor compreensão do modo como os atores escolares se coordenam entre si, se ajustam e negoceiam no sentido de construírem instrumentos, práticas e dispositivos de autoavaliação, que permitam recolher informação e produzir conhecimento sobre o serviço edu-cativo prestado. Da análise efetuada sobressaem diferentes ciclos de AO realiza-dos pelas escolas, evidenciando níveis distintos de maturação dos sistemas de aprendizagem, que permitiram compreender a capacidade de envolvimento das escolas na construção e utilização do seu próprio conhecimento, i.e., na cons-trução de uma cultura de autoavaliação e autorregulação. Identificaram-se siste-mas de aprendizagem mais limitados (ciclo simples de aprendizagem), como são exemplo as escolas que reconhecem fragilidades, sem refletir ou questionar a sua origem; e sistemas de aprendizagem mais complexos (ciclo duplo de apren-dizagem), i.e., escolas que, por via de processos de autoavaliação, mostram ter capacidade para refletir sobre as práticas, os processos e princípios adotados, passíveis de influenciar negativamente o seu desempenho.

As escolas, enquanto espaços sociais, de confluência de múltiplas regula-ções e variedade de intervenientes, com diferentes interesses e lógicas, revelam possuírem modos diversos de reagir ao PM enquanto instrumento de regulação. Tal como defende Barroso (2006), a presença de múltiplas microrregulações nas escolas conduz a um efeito “mosaico”, caraterizado por diversas ações indepen-dentes, como consequência da interpretação e do (re)ajustamento dos atores e suas práticas aos processos de regulação institucional. Daí que as escolas evidenciem diferentes respostas e estratégias para os (mesmos) problemas, de acordo com o contexto em que se inserem e com os valores e crenças defendidos pelos atores escolares.

Assim, a análise permitiu identifi car diferentes dinâmicas de regulação autónoma, no que diz respeito ao modo como as escolas perspetivam a construção dos PM. Por um lado, existem escolas que encaram o PM como um instrumento burocrático, i.e., um documento que é repositório apenas dos aspetos que a administração educativa aponta como problemáticos. Por outro lado, e numa lógica de autorregulação, o PM é encarado como um instrumento refl exivo, autonómico, na medida em que permite defi nir objetivos próprios de desenvolvimento e melhoria da escola.

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Em conclusão, importa destacar o grande potencial analítico que o PM, en-quanto instrumento de regulação, possui para analisar o modo como a autoava-liação e os processos de autorregulação são implementados e desenvolvidos nas escolas. A Lei n.º 31/2002 estabelece a autoavaliação das escolas com caráter obrigatório, instituída enquanto um instrumento autónomo e de apoio à autono-mia. Contudo, verifica-se, no caso dos PM, e tendo em conta os dados aqui mobi-lizados, que a apropriação da autoavaliação pelas escolas tanto pode reverter em lógicas de correspondência face aos resultados e às áreas de melhoria identifica-das pelas equipas de avaliação, quanto pode assumir lógicas de autorregulação, enquanto um processo autónomo e libertador passível de desencadear a reflexão e a melhoria interna.

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ResumoInseridas em contextos socioeconómicos exigentes, as organizações educativas têm de pugnar pelo elevado nível de qualidade, daí a importância dada à comunicação, sendo fulcral o domínio de competências comuni-cacionais quer entre colaboradores, quer com clientes e/ou stakeholders. Neste âmbito, como pretendíamos conhecer com mais acuidade a realidade da organização educativa, designadamente do Agrupamento de Esco-las de Odemira (AEO), surge o presente estudo de caso com o intuito de percebermos o papel desempenhado pelo pessoal não docente nas redes comunicacionais e compreendermos o refl exo que as suas competências comunicacionais têm na imagem da instituição em apreço. Optou-se por uma metodologia quantitativa, para o entendimento do fenómeno, a partir da aplicação de inquéritos por questionário ao pessoal não docente do AEO. Os resultados obtidos permitiram-nos concluir ser essencial que o pessoal não docente participe proativamente no órgão de gestão estratégica (Conselho Geral), como legítimo membro, pois pouco contribui para os docu-mentos estruturantes. Embora cumpra efi cazmente as suas funções, na sua maioria diretamente relacionadas com a interação comunicacional, demonstra, igualmente, uma escassa perceção quanto à relevância das suas competências comunicacionais, e de como estas concorrem para a imagem do agrupamento.

Palavras-chavecompetências comunicacionais, redes de comunicação, imagem organizacional da escola, liderança.

Introdução

A comunicação, atividade capital no seio das organizações, designadamente das educativas, consubstancia-se nos momentos de cooperação entre os seus membros, na prossecução de objetivos, e a sua infl uência decisiva sobrevém ao nível da estru-tura interna e externa, pela abertura das organizações à envolvente, num processo continuado de interação e pleno de dinamismo (Chance, 2013), sendo da responsa-bilidade dos seus membros asseverar grande parte da comunicação, ao incrementar “mutual expectations and begin to work as teams” (Fielding, 2006, p. 34).

Papel do Pessoal Não Docente nas Redes Comunicacionais do Agrupamento de Escolas de

Odemira – Estudo de Caso Carla Dias Coelho

CI-ISCE - [email protected]

Ana Paula Leitão CI-ISCE - [email protected]

Paula Farinho CI-ISCE – [email protected]

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O presente estudo surge pela pertinência e atualidade em investigar a comuni-cação no seio organizacional, mais-valia na monitorização da comunicação. Propu-semo-nos assim compreender o papel que o pessoal não docente desempenha nas redes comunicacionais no Agrupamento de Escolas de Odemira.

Investigámos o que estimam estes agentes internos, com a aplicação de inquéri-tos por questionário, com a autocaracterização do pessoal não docente, tendo subja-cente as questões de investigação e os objetivos defi nidos.

1. Organizações educativas

Contextos progressivamente mais complexos e exigentes obrigam as organiza-ções educativas a produzir soluções efi cazes para suprimir os impactos negativos que daí advêm (Commission Européenne, 1995), pois “education is a key to success” (Hartman & Boyd, 1998, p. 2).

Na década de 80, século XX, os sistemas educativos iniciam um período de “re-gulação modernizadora” (Estêvão, 2006, p. 252), pela apresentação de resultados e indicadores de efi cácia, com a publicação de normativos que preconizam um sistema desconcentrado e descentralizado, cujos clientes assumem um estatuto de regulador (Estêvão, 2006). A Lei de Bases de Sistema Educativo, Lei n. º46/86, de 14 de ou-tubro– alargamento da escolaridade obrigatória até aos 15 anos– exigiu um esforço da tutela na gestão dos recursos humanos, nomeadamente quanto ao pessoal não docente, com o Decreto-Lei n.º 223/87, de 30 de maio– na explicitação das funções a assumir em áreas como “apoio à actividade pedagógica; acção social escolar; apoio geral” (Gonçalves, 2010, p. 59).

Entretanto, para Lima (2011), o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, inspirado nos vários estudos avaliativos realizados, não promulga alterações substanciais, mas formais- exceto os contratos de autonomia, só mais tarde efetivados. Barroso (2004) advoga que esta autonomia se circunscreve ao discurso político, conquanto seja uma “fi cção necessária” (p. 49).

O Decreto-Lei nº 515/99, de 24 de novembro, avança com direitos e deveres do pessoal não docente, especifi cando o seu percurso profi ssional, a posteriori contraria-do pelo Decreto-Lei n.º 184/2004, de 29 de julho, pretende a fl exibilização da gestão destes recursos humanos e alargar o âmbito das competências assumidas, como agente essencial no “apoio a alunos, docentes e encarregados de educação, no de-senvolvimento do projecto educativo da escola”, reforçado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.

Para Formosinho, Fernandes, Machado e Ferreira (2010), o Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, procede à alteração do anterior modelo de autonomia, administração e gestão das escolas, com uma mais expressiva abertura da es-cola, designadamente à participação dos pais, da autarquia e da comunidade no Conselho Geral. A publicação do Decreto-Lei n. º137/2012, de 2 de julho,

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possibilita às escolas com contratos de autonomia, ou inseridas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, o recrutamento de novos recursos huma-nos e a gestão do crédito horário do pessoal docente; as que possuem contratos de autonomia chamam a si novas competências na gestão das receitas, a título de exemplo (Batista, 2014). Quanto ao pessoal não docente, propõe que integre o principal órgão de direção estratégica, o Conselho Geral (artigo 12º, ponto 2), elegendo os seus representantes (artigo 14º, ponto 2) e participe, também em “reuniões plenárias ou de comissões especializadas”, sem poderem exercer o poder de voto, ao mesmo nível dos pais e encarregados de educação e dos alu-nos (artigo 34º, ponto 2). Em 2013, a OCDE apura que a autonomia das escolas faz evoluir os sistemas de ensino, pois as responsabilidades são confiadas às escolas, autarquias e comunidades locais, próximas dos problemas, logo, com soluções eficazes (Serrão, 2014).

Cabe, pois, à organização regular, através de normas, as condutas dos membros dos grupos, designadamente quanto aos modelos comunicacionais (Cunha, Rego, Cunha & Cabral-Cardoso, 2007a), percebendo-se, por isso, o relevo dado às intera-ções estabelecidas, como advogam Harrison e Shirom (1999, p. 237): “Interactions also evolve through implicit and explicit negotiations between individuals and groups over the terms of their relations.”.

2. O Papel da comunicação

A comunicação surge em diferentes contextos, logo, as organizações não são exceção (Rego, 2013), pois o que é expresso entre os indivíduos ocorre sempre so-cialmente, sob pena de não fazer sentido, pelo pragmatismo da linguagem (Esteves, 2011). No seu seio, privilegia-se a comunicação oral, na transmissão de mensagens, nas estruturas formal e informal, mais rápida, permite um feedback imediato, ape-sar do risco de distorções à medida que circula (Robbins & Judge, 2013). Porém, só teremos resultados comunicacionais com este feedback, inerente à organização (Fielding, 2006).

A comunicação de cariz formal ou informal, com múltiplas funções e intenções comunicativas específi cas, possibilita um conjunto abrangente de interações desde as lideranças de topo, aos subordinados e entidades externas (Rego, 2013). A mu-dança e o sucesso das organizações advêm da comunicação efi caz, conquanto esta revele também alguns problemas inerentes, cabendo aos membros que aspirem a uma progressão comunicacional, a sua compreensão (Cunha et al., 2007a). Assim, fazer progredir o estilo comunicacional concorre também para a boa comunicação organizacional (Rego, 2013), isto é, os estilos pessoais de comunicação dependem maioritariamente dos estilos de comunicação, destacando-se os mais comuns, com base nos estudos desenvolvidos entre as décadas 80 e 90, século XX: o estilo as-sertivo, o agressivo e o passivo, com características intrínsecas, acautelando-se que

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os indivíduos conciliam os três estilos em distintos graus em conformidade com a situação comunicacional (Cunha et al., 2007a).

Na estrutura organizacional, os fl uxos comunicacionais podem acompanhar o sistema hierárquico vertical, horizontal (Sánchez, 2002) ou diagonal, mais invulgar (Cunha et al., 2007a), destacando-se que a comunicação descendente provém da liderança para os colaboradores, e a ascendente, destes para os superiores hierár-quicos, com distorções mais nítidas, pela diferença de estatuto (Cunha et al., 2007a). Urge, pois, aumentar a comunicação ascendente, pela proatividade dos colaborado-res, contrariando o esperado, isto é, que seja apenas a liderança a assumi-lo, sob pena de perderem a oportunidade de resolução de problemas ou de feedback (Gre-en & Knippen, 1999), e empowerment, para que “aprendam a tomar a iniciativa e a responder autónoma e criativamente aos desafi os do trabalho” (Cunha, Rego & Cunha, 2007b, p. 380), evitando-se a fi ltragem, uma das barreiras comunicacionais, mais vulgar na comunicação ascendente do que na descendente (Rego, 2013). É nas redes comunicacionais, centralizadas ou descentralizadas, que os membros preen-chem uma posição específi ca (Jesuíno, 1993), expectável pelo modo como estão or-ganizados os grupos, em termos da estrutura formal e informal (Cunha et al., 2007a). As redes informais excedem barreiras como as funções desempenhadas, da rede formal, para diligenciarem ações e executarem tarefas, podendo minar os objetivos organizacionais defi nidos, sendo da responsabilidade da liderança o reconhecimento e orientação de tais redes (Krackhardt & Hanson, 1993).

Estas são também externas, na interação com a envolvente, de que depende a imagem da própria organização (Kaul, 2015), e cuja sobrevivência está sujeita às competências dos colaboradores na troca e coordenação de informação, sendo responsabilidade da liderança valorizar as funções assumidas pelos seus membros (Downs & Adrian, 2004), que “funcionam como uma espécie de “nós da rede” de di-ferentes reguladores” (Barroso, 2006, p. 6). O contacto ocorre, maioritariamente, com os níveis secundários da organização, logo, a comunicação perderá a sua efi ciência, se não for fortalecida pela liderança (Etzioni, 1984), para aproximar estes agentes do que lhes é superiormente exigido quanto à participação na sua orgânica, por estarem mais distantes do centro das redes comunicacionais (Cunha, 2007). O exposto evi-dencia a pertinência do tema, já que as escolas produzem informação, posteriormen-te transacionada como um produto (Kotler, 2003). Em contrapartida, a existência do fl uxo informal no seio da organização pode ser conducente à disseminação do rumor (Fielding, 2006), minando igualmente os objetivos determinados pela organização, ao obstar a comunicação (Krackhardt & Hanson, 1993).

Metodologia

O estudo em apreço é de carácter descritivo, mais-valia ao divulgar perceções do mundo social (Yin, 2012), com uma metodologia quantitativa. Teve como ponto de

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partida a abordagem realizada por vários autores no âmbito da organização educa-cional quanto ao pessoal não docente em contexto escolar (Silva, 2006; Gonçalves, 2010; Durão, s/d).

Como tipo de instrumento selecionado, optámos por inquéritos por questionário aplicados ao pessoal não docente (p.n.d.; n=61) com 16 itens fechados, que abarcam os aspetos da problemática a estudar (Carmo & Ferreira, 1998), concebidos e refor-mulados após o pré-teste (Quivy & Campenhoudt, 2013), não exigindo a interação com o investigador, pretendendo-se a autocaracterização do p.n.d..

Os instrumentos referenciados, aprovados pela entidade que tutela os inquéritos em meio escolar e pela Presidente da Comissão Administrativa Provisória, em confor-midade com a lei vigente – Despacho n.º 15 847/2007, de 23 de julho, foram aplicados entre 26 de maio e 19 de junho de 2015.

Análise e Discussão de Resultados

Quanto ao contexto escolar e grupo de participantes no estudo em apreço, este refere-se ao Agrupamento de Escolas de Odemira (AEO), cujo grupo de participan-tes correspondeu aos membros do pessoal não docente (p.n.d., n=61), com taxa de retorno de 65.57%. Relativamente à amostra sociodemográfi ca, a maioria é do sexo feminino (97.5%), com incidência de idades entre 50-59 anos (65%). As habilitações académicas, com 50% com o ensino secundário e 32.5% com o 9ºAno. O tempo de serviço recai, na maioria, entre 21-30 anos, 47.5% e 15-20 anos, com 30%. Ao serviço no AEO, incidência nos mesmos anos, com 37.5%, entre 21-30 anos, e 35%, entre 15-20 anos.

Destacamos a dimensão “Opiniões do pessoal não docente quanto ao papel por si desempenhado na comunicação da escola/agrupamento”, com as variáveis “Tarefas assumidas”, “Relações interpessoais”, “Comunicação no exercício das suas funções” e “Perceção quanto à relação entre a sua forma de comunicar e o refl exo desta na imagem da organização educativa”, e a dimensão “Comunicação do pessoal não do-cente com a comunidade educativa”, cujas variáveis se prendem com a “Comunica-ção com os alunos” e com os encarregados de educação.

Quanto ao papel desempenhado pelo pessoal não docente na comunicação da escola, tarefas assumidas, salienta-se “Ouvir os colegas, alunos e professores, sem-pre que precisam.” (75%); “Interferir quando se vê alunos em confl ito e resolver a situ-ação.” (66.7%); “Zelar para que os alunos cumpram os seus deveres.” (54.3%); “Dar sugestões para a elaboração dos principais documentos do agrupamento.” (“Nunca” – 47.1%). Percecionamos, pois, que a maioria está diretamente relacionada com a interação comunicacional, de acordo com o Decreto-Lei n.º 184/2004, de 29 de julho, consolidado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro. Porém, relativamente a “Dar sugestões para a elaboração dos principais documentos do agrupamento.”, diverge com o disposto no Decreto-Lei n.º137/2012, de 2 de julho, artigos 12º, p. 2. e 34º, p. 2.

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Na comunicação no exercício das suas funções, solicitação de informações pelo pessoal docente e pelos encarregados de educação sobre alunos/educandos junto do p.n.d., “Algumas vezes” (29.4%); em “Gosto de dar a minha opinião e de ser ouvido(a), no que respeita aos alunos.”, “Sempre” (40.6%) ou “Quase sempre” (31.3%); “Não costumo apresentar sugestões; para mim tanto faz.”, “Nunca” (35.7%) ou “Algumas vezes” (32.1%). Assim, aferimos que o p.n.d. preenche determinada po-sição nas redes comunicacionais onde se inserem (Jesuíno, 1993). Quanto ao facto de gostarem de dar opinião e de serem ouvidos relativamente aos alunos demonstra que, nas redes informais, ocorre a transposição das barreiras das funções, na promo-ção de ações (Krackhardt & Hanson, 1993). Por seu turno, ao revelarem difi culdades na emissão de opinião sobre a sua forma de agir, aquando da apresentação de su-gestões, pela dispersão de opiniões, ou mesmo ausência destas, revela a existência da fi ltragem, mais comum na comunicação ascendente (Rego, 2013).

No respeitante à relação entre a forma de comunicar do pessoal não docente e o refl exo desta na imagem da organização educativa, “Saber comunicar com os outros é importante na minha profi ssão”- “Sempre”, 82.9%; “A forma como comunico é importante, porque sou o primeiro contacto que o exterior tem com a escola/agrupa-mento.”- “Algumas vezes” (37.9%), “Quase sempre” (20.7%) ou “Sempre” (20.7%) e “O que digo sobre a minha escola infl uencia positiva ou negativamente a comunidade onde esta está inserida.”- “Nunca” (26.7%) ou “Algumas vezes” (26.7%); averiguámos que o p.n.d. considera que saber comunicar é importante no exercício do seu cargo, o que defendido por Rego (2013) que advoga, como competência crucial no âmbito das organizações, presente na interação com os agentes internos e externos. Quanto à relevância da forma como comunica, obtivemos respostas dispersas, ou não foi dada resposta, provando que as relações comunicacionais entre o p.n.d. e os clientes não são reforçadas pela liderança (Etzioni, 1984). Relativamente a “O que digo sobre a minha escola infl uencia positiva ou negativamente a comunidade onde esta está inserida.”, as respostas estão dispersas ou não são emitidas, revelando que a maio-ria não tem perceção do impacto da sua comunicação, havendo a necessidade de monitorizar as interações comunicacionais do p.n.d. com agentes externos, condição para salvaguarda da imagem da organização e originar, concomitantemente, uma infl uência e impactos positivos duradouros (Kaul, 2015).

Conclusões

Aferimos que o p.n.d. não se envolve na elaboração dos documentos estruturantes do AEO nem na organização das atividades letivas/não letivas, ou fá-lo raramente. A maioria das tarefas relaciona-se diretamente com a interação comunicacional, na transmissão de informações (comunicação oral); no apoio a alunos e restantes ele-mentos da comunidade educativa que são plenamente assumidas. Com os agentes internos, o p.n.d. revela comportamentos de alguma inibição na apresentação de

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opinião. Quanto à exposição de sugestões e à tomada de iniciativa ou de decisão não é consensual – paradoxal relativamente à sua vontade expressa de ser escutado quanto aos alunos.

Porém, quanto à forma como comunica, as opiniões do p.n.d. dispersam ou não são emitidas, demonstrando que não tem perceção de que aquilo que profere com-porta consequências positivas/negativas e causam impacto nas redes comunicacio-nais (Kaul, 2015).

Concluindo, aferimos que o pessoal não docente (p.n.d) assume um papel com alguma relevância nas redes comunicacionais do AEO, pela inerência de competên-cias que lhe são atribuídas pela tutela e posição privilegiada no contacto direto com os restantes agentes da comunidade escolar, devendo ser acautelada a sua progressão contínua no âmbito da comunicação do agrupamento, ao nível das competências co-municacionais e da participação ativa no Conselho Geral, como parte integrante dos colaboradores na instituição e na comunidade. Cabe, pois, à liderança monitorizar efi cazmente a competência comunicacional dos colaboradores em estudo e gerar condições para que se desenvolvam ações de formação no âmbito comunicacional, nomeadamente as relacionadas com o apoio direto aos alunos- áreas como a psicolo-gia ou a gestão de confl itos, transversais a todos os níveis de ensino, não esquecendo que a organização educativa presta um serviço público à comunidade, logo, deve primar pela qualidade na prossecução dos objetivos delineados.

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ResumoO atual panorama educativo português do Ensino Básico pauta-se pela competitividade entre as escolas, no que respeita ao desempenho e resultados escolares, com consequências na capacidade de conquista e retenção dos seus alunos. A análise e a avaliação das escolas tornaram-se um imperativo dos modelos de gestão escolar, para o qual muito tem contribuído a publicação dos rankings e a avaliação externa por parte da IGEC. No entanto, constatamos que há alguma falta de consenso relativamente aos dados que estas disponibilizam, bem como ao acesso e divulgação dos mesmos. Este estudo, ao propor-se abordar esta problemática, defi niu a seguinte ques-tão de partida: Os atuais programas de gestão da informação permitem às escolas a obtenção e a disseminação dos indicadores que estas necessitam? Na sequência desta questão, estabelecemos os seguintes objetivos: Compreender quais as estratégias que os Órgãos de Gestão do Agrupamento de Escolas e das Escolas não agrupadas utilizam para identifi car o grau de satisfação dos intervenientes da comunidade educativa; Perceber se os indicadores disponibilizados nas plataformas de gestão respondem adequadamente às necessidades da organização e gestão pedagógica e administrativa destas escolas; Identifi car as diferentes aplicações que estas instituições dão às informações disponibilizadas na MISI. A metodologia utilizada, de natureza descritiva, com recurso ao inquérito por questionário realizado aos Órgãos de Gestão destas instituições, permitiu obter dados a partir dos quais foi possível compreender quais os indicadores e as ferramentas online consideradas mais signifi cativas por estes diretores para o sucesso do processo da Gestão das Escolas.

Palavras-chaveIndicadores de gestão; Modelos de gestão, Plataformas de gestão; TIC.

Introdução

A atual dimensão política da educação, considerando o imperativo ético de propor-cionar a todos os alunos uma educação de equidade e de qualidade, tem vindo a pôr em evidência os conceitos de liderança, democracia e humanismo.

Estes princípios estão associados à realização de estratégias que visam a avaliação externa das escolas, enquanto processo de incentivo para tornar estas

Repensar as Plataformas de Gestão em Função dos Padrões de Qualidade das Escolas

Rui António Ribeiro Lourenço Instituto Superior de Ciências Educativas - [email protected]

Paula Maria Sequeira Farinho Instituto Superior de Ciências Educativas - [email protected]

Maria João Delgado Instituto Superior de Ciências Educativas - [email protected]

Eva Maria Lacerda Correa Instituto Superior de Ciências Educativas - [email protected]

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instituições “escolas efi cazes” (Barroso,1996, p.169), reforçando a autonomia das mesmas na alocação e distribuição de recursos, no aumento da participação local na gestão das escolas e desenvolvendo dispositivos de avaliação externa. Esta avalia-ção pressupõe o acompanhamento, controle e discussão conjunta das tarefas, pro-cessos e funções, com o intuito de criar um compromisso da comunidade educativa para com a educação que se deseja concretizar (Bolívar,1999, p.21).

A natureza da avaliação das instituições escolares assenta na componente de autoavaliação ou avaliação interna e na avaliação externa. A avaliação interna é fun-damental para a melhoria da escola e faculta elementos informativos para as avalia-ções externas. Desta forma, a Lei nº 31/2002, de 20 de dezembro, no seu artigo 6º, assegura que a autoavaliação é obrigatória, enquanto elemento integrante do quadro de avaliação do sistema educativo. Por outro lado, compreende dimensões associa-das aos resultados, à prestação do serviço educativo, à organização e gestão escolar, à liderança e à capacidade de autorregulação e melhoria da escola (Lei nº 31/2002).

Assim, as escolas devem centrar o processo de avaliação nas práticas que in-fl uenciam o desenvolvimento e a melhoria da organização, no desempenho profi ssio-nal dos docentes e no crescimento da organização, conforme refere Bolívar (2012, p. 13).

Existe uma relação inequívoca entre os indicadores de gestão – medidas utiliza-das para determinar o sucesso de um projeto, processo ou organização – e a avalia-ção interna, de forma a medir e a verifi car um conjunto de parâmetros necessários à avaliação interna.

Os indicadores de gestão são ferramentas que permitem a obtenção de infor-mações sobre uma dada realidade, tendo como caraterística principal a seleção e sintetização dos dados analisados. São elementos essenciais para o conhecimento da realidade de cada escola, permitindo a comparação e o agrupamento das mesmas em clusters, tal como propõe a Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC). Ter acesso rápido e em tempo útil aos indicadores de gestão que podem infl uenciar todas as decisões na escola torna-se um elemento essencial para a gestão da escola.

Em 2007, no âmbito de um Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), que visava dar continuidade à modernização administrativa e à melhoria da qualidade dos serviços públicos, foi publicado o Decreto-Lei nº 88/2007, de 29 de Março, que aprova a orgânica do Gabinete Coordenador do Sistema de Informação do Ministério da Educação, com o objetivo de “criar, manter e garantir o bom funcionamento do sistema integrado de informação do ME”. Esta estrutura de coordenação, conceção, desenvolvimento e avaliação, pretendia garantir o apoio à governação e administração, assegurando funcionamento coerente e a atualização do sistema de informação (MISI).

No âmbito do desenvolvimento do Plano Tecnológico da Educação (PTE), a Con-sultora A. T. Kearney apresentou em 2007 um estudo – PEAGE – sobre a Implementação da Plataforma Eletrónica de Apoio à Gestão Escolar da Rede Pública de Escolas do Ensino Básico e Secundário (Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência,

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2011). Com este estudo, o domínio da gestão administrativa escolar foi identifi cado como uma área que apresentava fortes oportunidades de melhoria.

Embora a grande maioria das escolas (80%) estivesse dotada de equipamentos e meios informáticos afetos aos Órgãos de Gestão e Administração das escolas, este estudo constatou que o potencial oferecido pelas tecnologias de informação não es-tava a ser maximizado nos processos de gestão das escolas, estando associados à falta de fl uidez na comunicação interpares, à falta de segurança e privacidade das redes e bases de dados, e também à desatualização na procura de recursos técnicos e fi nanceiros. As aplicações informáticas estavam subaproveitadas, pois apenas 30% das escolas recorria à Intranet para a gestão administrativa.

Face à apresentação destes dados, e tendo por base as mais valias obtidas com a plataforma Fénix e com a Rayuella, o PEAGE, com o propósito de atualizar e inovar o processo de organização, gestão e administração das escolas, recomen-dou a implementação generalizada de sistemas de gestão integrados com outros sistemas. Salientou também a necessidade do Portal das Escolas se assumir como um modelo centralizado na estrutura de gestão de informação e conteúdos das escolas.

Segundo Vásquez Cano (2008), as plataformas interativas de gestão são um incentivo das TIC no que respeita à comunicação e interação de conteúdos que pro-porcionam aos Órgãos de Gestão das escolas a adoção de novas formas de organi-zação, gestão e administração muito mais produtiva e adaptadas à era da informação tecnológica.

Assim, uma das marcas identitárias da escola do século XXI é a sua ancoragem na informação e no conhecimento (Vásquez Cano, 2008), veiculando a criação de uma rede de informação que permita ligar alunos, docentes e encarregados de educa-ção, bem como os estados-membros da União Europeia. Com esta reconcetualização das escolas, na sua dimensão organizativa, as TIC surgem como uma ferramenta imprescindível para o desenvolvimento de abordagens integradoras.

Como refere Maio:

O papel da escola tem vindo a ganhar novas valências reclamadas pela sociedade em permanente mudança e que desafi am o agir e o pensar das instituições e dos seus agen-tes. Vivemos numa sociedade onde o conhecimento nos aproxima, cada vez mais, (…) e a tecnologia subverte as lógicas de espaço e tempo a que durante séculos a humanidade se habituou (2011, p.17).

Esta abordagem tornou-se uma prioridade do Ministério da Educação (ME) para apoiar e otimizar a organização, gestão e administração das instituições escolares (Direção Geral da Educação, 2011-2015). Desta forma é criada a MISI, que fez emer-gir uma nova escola a partir da criação de dimensões organizativas mais fl exíveis, melhorando a comunicação de informação entre o MEC e as escolas, através do acesso a um conjunto de indicadores sobre o sistema de ensino.

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Esta plataforma também se tornou responsável pela seleção e certifi cação das ferramentas de gestão administrativa a adotar pelas escolas, permitindo a interligação com as entidades centrais e exportação de informação segundo requisitos predefi ni-dos.

Atualmente o Gabinete MISI está integrado na Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) que agrupa outras estruturas que recolhem e divulgam dados estatísticos e indicadores sobre todo o sistema educativo português. Esta pas-sou a assumir desde então responsabilidade de recolha de dados para a produção de indicadores, exclusivamente para as escolas e o Ministério da Educação e Ciência (MEC). Através desta plataforma as escolas podem consultar os fi cheiros que envia-ram em cada ano letivo e ao longo dos anos, podendo gerir a informação recolhida e, caso necessário, corrigi-la através de envio de dados.

A plataforma MISI oferece às escolas os seguintes indicadores: Crédito Horário; Dados Estatísticos no que se refere a Alunos, Pessoal Docente, Pessoal não Do-cente, Passe Social Escolar, Provas de Aferição, Resultados Escolares e Avaliação Externa das Escolas, estando esta informação direcionada especifi camente para os Órgãos de Gestão das escolas e para as estruturas do MEC, nomeadamente a Inspe-ção Geral de Educação e Ciência (IGEC).

No início de 2015, o MEC lançou o portal InfoEscolas: estatísticas do ensino se-cundário, desenvolvida pela DGEEC em articulação com a Direção-Geral da Educa-ção (DGE). Esta plataforma online disponibiliza informação estatística sobre o con-texto das escolas públicas e privadas de Portugal continental, sendo o primeiro portal electrónico que contém informação específi ca sobre cada escola em particular, que pode ser consultada por todos os intervenientes. Este sistema possibilita um maior e melhor acompanhamento, por parte dos encarregados de educação, do percurso for-mativo dos seus alunos. Contudo, só estão acessíveis os dados referentes aos cursos cientifi co-humanísticos, pois, de acordo com a informação que consta no respetivo site, “são aqueles em que todos os alunos fazem exame “.

No portal InfoEscolas é possível consultar os rankings das escolas, numa análise por distrito e por concelho, e os dados específi cos de determinado estabelecimento de ensino, nomeadamente, a taxa de retenção, a evolução dos alunos desde o 9º ano até ao fi nal do ensino secundário, o número de alunos por ano curricular e por género, bem como os cursos que cada uma destas instituições oferece. Também permite con-ferir o desfasamento entre as notas internas e as notas externas obtidas em exames e, ainda, a evolução do percurso escolar dos alunos, potenciando a participação e a intervenção na escola de toda a comunidade educativa.

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Método

Participantes

Foram contactados 883 estabelecimentos de ensino público de Educação Pré-escolar, do Ensino básico e Ensino secundário em Portugal Continental (726 são agrupamentos e 157 escolas não agrupadas). Deste grupo, responderam 210 escolas (sob a alçada do MEC), distribuídas por 115 concelhos.

Instrumentos e procedimentos

Para se compreender o modo como as escolas usam e trabalham com os indica-dores e as plataformas eletrónicas, realizámos inicialmente duas entrevistas explo-ratórias, aplicadas aos diretores de dois agrupamentos da zona da grande Lisboa: um agrupamento com contrato de autonomia, em Odivelas, e um outro agrupamento em Oeiras. A partir dos dados recolhidos nas entrevistas e da respetiva análise de conteúdo, a par da revisão de literatura efetuada, foi possível elaborar um inquérito por questionário com o objectivo de obter informação sobre as estratégias utilizadas para identifi car o grau de satisfação dos intervenientes da comunidade educativa, como ainda conhecer o grau de satisfação dos Órgãos de Gestão sobre os atuais programas de informação disponíveis nas escolas, no que respeita à sua adequação às necessidades da organização, gestão pedagógica e administrativa, em particular sobre a plataforma MISI e o Portal InfoEscolas.

A elaboração do questionário assentou no delineamento de 12 questões diferen-ciadas, mas interligadas, agrupadas nos seguintes pontos: I - Indicadores de gestão; II - Programas de gestão de alunos; III - Plataformas eletrónicas de gestão e IV - Portal InfoEscolas.

Este instrumento, que se propunha conhecer o grau de importância atribuído a cada um dos itens, foi estruturado em forma de questionário, com perguntas fechadas, nas quais se incluem as questões de ordenação com base na escala de Likert, com quatro níveis de resposta, a questões dicotómicas e de escolha múltipla.

Este questionário, com indicação do contexto do estudo e dos seus objetivos, foi enviado para todas as escolas, cujos emails constavam da base de dados do MEC, num total de 883, dos quais obtivemos 210 respostas via online.

Os dados recolhidos obedeceram a um tratamento estatístico, a partir do qual se fez à sua análise descritiva e respetiva interpretação.

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Análise e discussão dos resultados

I – Indicadores de gestão

Após a caraterização das escolas, nomeadamente o concelho onde se situa a escola sede, bem como os níveis de ensino lecionados, foram analisados os resul-tados no âmbito dos indicadores de gestão, em que se pretendia conhecer o grau de importância que cada diretor atribuía a um conjunto de indicadores relativos ao quotidiano da escola.

Figura 1. Importância dos indicadores

Legenda: Limites dos níveis das respostas1 e 2 – Sem e pouco importante | 3 e 4 – Importante e Muito importante

Estes resultados testemunham a opinião dos inquiridos que acentuam a ne-cessidade dos indicadores de medida para o sucesso escolar: “temos indicadores muito importantes que são os resultados escolares”; “tem que haver indicadores de medida; os resultados dos exames nacionais, são um indicador importantíssimo; podemos ver nos resultados dos exames nacionais, comparando-os com a média dos resultados do mesmo período, dando importância sobretudo à nossa área de infl uência”.

Com a questão seguinte pretendia-se conhecer a importância que as escolas con-feriam ao nível de satisfação dos diversos intervenientes da comunidade educativa, em particular, dos alunos, pais, encarregados de educação, pessoal docente e não docente.

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Figura 2. Satisfação dos diversos intervenientes da comunidade educativa

Legenda: Limites dos níveis das respostas1 e 2 – Sem e pouco importante | 3 e 4 – Importante e Muito importante

A quase totalidade das escolas deu grande importância à plena satisfação dos intervenientes da comunidade educativa, com maior incidência nos alunos (85,7%) e nos docentes (80,5%), seguida dos pais/encarregados de educação (74,8%) e dos não docentes (71,4%).

Figura 3. Forma de obtenção dos indicadores

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Quando se questionaram as escolas sobre a forma como obtinham os indicadores de medida, verifi cou-se que cerca de 86% tinha como processo de recolha de dados a avaliação interna. Quase 50% das escolas dão prioridade às reuniões de carác-ter institucional com a Associação de Pais e com outras organizações (46,2%), bem como aos questionários apresentados de forma sistemática (42,4%). Apenas 1% das escolas afi rma não efetuar nenhuma recolha.

II – Programas de gestão de alunos

O segundo grupo centra-se nas questões relativas aos programas de gestão dos alunos disponibilizados nas escolas.

Figura 4. Programas utilizados pelas escolas

Sobre os programas de gestão de alunos utilizados pelas escolas fi cou evidente

que o programa “Alunos da JPM&Abreu” é predominante (66,2%). De seguida surge, ainda destacado dos demais, um segundo programa “Inovar +AZ” (27,1%).

Depois de identifi car os programas de gestão de alunos pretendia-se auscultar o grau de satisfação das escolas na utilização desses programas.

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Figura 5. Níveis de satisfação com os programas de gestão

Legenda: Limites dos níveis das respostas1 e 2 – Nada e pouco satisfeito | 3 e 4 – Satisfeito e Muito satisfeito

As escolas revelaram graus de satisfação relativamente elevados com os progra-ms de gestão utilizados. O aspeto mais destacado pelas escolas foi a fi abilidade do respetivo programa, com cerca de 91% (36,7% e 54,3%) de respostas favoráveis. De referir que o aspeto em que as escolas revelaram maior insatisafação foi na produção de indicadores personalizados.

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Figura 6. Importância de itens de gestão

Legenda: Limites dos níveis das respostas1 e 2 – Sem e pouco importante | 3 e 4 – Importante e Muito importante

Na atribuição de importância aos itens de gestão, quase todas as escolas con-sideraram que a recolha e o tratamento dos diferentes indicadores de gestão eram importantes. A mesma avaliação foi feita à oferta de indicadores às escolas.Os indi-cadores que se referem à relação entre os resultados da avaliação dos alunos e o nível socioeconómico dos respetivos encarregados de educação (90,5%), e as suas habilitações (86,7%) foram também considerados importantes, tal como os indicado-res relativos à taxa de recuperação dos alunos retidos e à taxa de empregabilidade dos alunos dos cursos profi ssionais.

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A publicação de rankinks anuais na imprensa não foi considerada signifi cativa para a maioria dos inquiridos, do mesmo modo que os diretores dos Agrupamentos de Escolas, durante a entrevista, revelaram não valorizar os rankings:“discordo com-pletamente dos rankings, da forma como estão feitos”; “não pela sua natureza, mas pelo impacto que têm”.

A grande maioria dos diretores afi rmou existir uma política de comunicação da informação recolhida através dos indicadores de gestão.

Figura 7. Forma de comunicar a informação

A forma de comunicação eleita foi o site da escola, tal como os diretores entrevis-tados o referiram: “se for ao site do agrupamento que é muito recente, nós temos lá muito material”.

III – Plataformas eletrónicas de gestão

Esta pergunta visava conhecer a opinião dos diretores sobre a mais valia da pla-taforma MISI para o desempenho das suas funções.

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Figura 8. Utilização da plataforma MISI

Legenda: Limites dos níveis das respostas1 e 2 – Discordo e discordo completamente | 3 e 4 – Concordo e concordo plenamente

Mais de metade dos diretores concordaram ser fácil navegar nas várias opções da plataforma MISI. No entanto, cerca de 35,2% (nível 1 e 2) não estiveram de acordo com este atributo da MISI. A mesma opinião foi dada pelos dois entrevistados que afi rmaram: “A utilização do MISI nem sempre é fácil”; “Não, não é. Para mim já é fácil porque vou lá muitas vezes. (…) não é fácil”.

De uma forma geral os indicadores disponibilizados pela MISI foram considerados fáceis de recolher. Todavia, apenas 17,6% concordou plenamente com esta afi rma-ção.

Quando solicitados a emitirem uma opinião sobre a importância dos indicadores disponibilizados pela MISI para o processo de organização e gestão da escola, um elevado número manifestou a sua concordância (59,5%) e a sua plena concordância com esta afi rmação(25,7%).

Quanto à atualização frequente dos indicadores, as opiniões divergiram. A maioria dos diretores não concordou com a afi rmação de que os indicadores disponiblizados se limitam a repetir o que as escolas já têm.

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Portal INFOESCOLAS

Figura 9. Utilização do portal INFOESCOLAS

Para uma avaliação do portal Infoescolas, constatámos que mais de 70% das escolas dinamizavam este portal.

Figura 10. Utilização do portal InfoEscolas

Legenda: Limites dos níveis das respostas1 e 2 – Discordo e discordo completamente | 3 e 4 – Concordo e concordo plenamente

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A facilidade de navegação e o interesse dos indicadores aqui disponibilizados foi consensual, pois a maioria dos inquiridos concordou quer com a facilidade de nave-gação, quer com o interesse dos indicadores disponibilizados.

Figura 11. Importância dos indicadores do portal InfoEscolas

Legenda: Limites dos níveis das respostas1 e 2 – Discordo e discordo completamente | 3 e 4 – Concordo e concordo plenamente

Relativamente a cada um quatro primeiros indicadores, as opiniões são semelhan-tes com cerca de ¾ dos diretores a atribuir importância a estes itens.

Na análise dos indicadores que se relacionam com os resultados dos alunos, es-tes foram valorizados pela grande maioria das escolas. O indicador que obteve maior valorização foi a progressão dos alunos, bem como o inidicador sobre a taxa de re-tenção/ desistência dos alunos.

Consideraçõs fi nais

A introdução das plataformas eletrónicas na organização, gestão e administração das escolas está associada à evolução tecnológica, social e económica, tendo em

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consideração que a acessibilidade que é oferecida tem contribuído signifi cativamente para o desenvolvimento das relações entre os agrupamentos de escolas e a comuni-dade educativa.

A informação eletrónica passou a assumir um papel crucial na produção de do-cumentos que são parte integrante do crescimento e da melhoria da qualidade das escolas.

Na resposta à questão de partida defi nida para este estudo: “os actuais progra-mas de gestão de informação permitem às escolas a obtenção e a dessiminação dos indicadores que estas necessitam?”, podemos referir que a maior parte das escolas tem um sistema de obtenção de informação atribuindo grande importância à recolha de indicadores, nomeadamente todos os que se relacionam com o aproveitamento dos seus alunos, quer a nível dos resultados internos, quer externos. Os diretores das escolas valorizam os indicadores que relacionam o aproveitamento dos alunos com o nível socioeconómico ou habilitações dos respetivos encarregados de educação. No entanto, as questões relativas aos rankings nacionais e a outras formas de compara-ção entre escolas são as menos relevantes. Em síntese, percebemos que a maioria das escolas manifesta-se satisfeita quanto à utilização dos programas de gestão de alunos de que dispõe, apesar destes não lhes permitir produzir indicadores personali-zados. Constatámos que o programa de gestão predominante nas instituições educa-tivas em Portugal é o Alunos da JPM&Abreu, que detém uma parte signifi cativa deste mercado, surgindo em segundo lugar o Inovar+AZ.

A estratégia mais utilizada pelos Órgãos de Gestão das escolas para recolherem os vários indicadores, nomeadamente o grau de satisfação dos intervenientes da comuni-dade educativa, é obtida fundamentalmente através do processo de avaliação interna.

Relativamente à utilização da MISI, os directores salientaram a falta de atualiza-ção dos dados disponibilizados na plataforma. Apurámos, também, que esta é consi-derada importante para a recolha de indicadores de gestão sendo que a navegação nem sempre é muito fácil.

Os indicadores apresentados no Portal InfoEscolas são bastante valorizados, em particular no que respeita aos resultados dos alunos e no que se relaciona com a progressão dos alunos do 9º e 12º ano de escolaridade. O facto de alguns destes in-dicadores serem únicos no conjunto de indicadores existentes e de serem de consulta púbilca podem explicar a melhor valorização destes itens.

A partir deste estudo pretende-se dar continuidade a futuras pesquisas que pos-sam constituir um contributo para o reforço de mais e melhores plataformas de gestão educativa.

Referências Bibliográfi casBarroso, J. (1996). O estudo da autonomia da escola: da autonomia decretada à autonomia

construída. Porto: Porto Editora.

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Supervisão, Liderança e Inclusão312

Bolívar, A. (1999). Como melhorar as Escolas. Porto: Edições ASA.Bolívar, A. (2012). Políticas actuales de mejora e liderazgo educativo. Málaga: Ediciones Al

Jibe.Campo, A. (2012). Herramientas para diretivos escolares II. Madrid: Wolters Kluwer EspañaDecreto-lei nº 213/2006, de 27 de outubro. Diário da República, nº 208 – 1ª Série. Lisboa:

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tério da Educação.Direção Geral da Educação (DGE). (2011-2015). Portal das escolas. https://www.portaldases-

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Portal do Cidadão. Portal InfoEscolas mostra desempenho do ensino secundário. https://www.portaldocidadao.pt/web/entidade-gestora/portal-infoescolas-mostra-desempenho-do-ensi-no-secundario/. (Acessível em 29 de julho de 2015).

Vásquez Cano, E. (2008). Organizar y dirigir centros educativos con el apoyo de las Tecnolo-gías de la Información y la Comunicación. Enseñanza, 26, pp,59-79.Salamanca:Ediciones Universidad de Salamanca.

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ResumoO texto resulta de uma análise meta-avaliativa ao estudo de avaliação externa que realizámos ao projeto piloto “Ensino bilingue precoce no 1º Ciclo do Ensino Básico (EBP)”, implementado pelo Ministério da Educação, desde 2011/2012, através da Direção-Geral da Educação (DGE). Constituindo uma leitura crítica do dispositivo de ava-liação por nós concretizado, o texto dá conta da análise desse dispositivo, tendo por base as nossas refl exões enquanto equipa de avaliação externa, os documentos fi nais produzidos, as reuniões realizadas com a DGE e as entrevistas semiestruturadas efetuadas com as lideranças de topo e intermédias dos seis Agrupamentos de Es-colas participantes. Enquanto exercício de meta-avaliação, a análise permitiu-nos analisar criticamente o dispo-sitivo de avaliação externa e problematizar as opções e decisões teórico-metodológicas adotadas. As conclusões evidenciam as potencialidades e constrangimentos associados à avaliação da conceptualização, implementação e gestão de projetos quer ao nível da aferição das aprendizagens dos alunos, quer quanto à triangulação de técnicas e fontes de informação utilizadas. Em última análise a análise meta-avaliativa fez emergir cuidados a ter na avaliação de projetos, associados à vantagem da existência de políticas de avaliação holísticas e integradas, que conciliem mecanismos de diagnóstico, monitorização e de avaliação interna e externa.

Palavras-chaveAvaliação externa, avaliação de projetos, gestão de projetos.

Introdução

A necessidade de mudar o sistema educativo português após o regime do Estado Novo levou a que, desde a segunda metade dos anos 70, fossem sendo introduzidas rápidas e variadas mudanças, ora mais estruturadas, através das denominadas refor-mas estruturais e/ou curriculares, ora através de mudanças mais pontuais. Contudo, as referidas mudanças nem sempre foram acompanhadas da indispensável avaliação dos seus méritos e insufi ciências, suscitando fortes críticas por parte de vários setores da sociedade pela forma como a decisão sobre a suspensão ou continuidade das medidas era tomada.

O Dispositivo de Avaliação do Projeto-Piloto Ensino Bilingue Precoce no 1º Ciclo em Portugal

Marta Mateus de Almeida [email protected]

Estela Costa [email protected]

Ana Sofi a Pinho [email protected]

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É habitual muitas das políticas educativas que vêm sendo introduzidas no sistema educativo português serem precedidas por um período, mais ou menos alargado, de testagem e validação, através do desenho de projetos-piloto, que visam, de forma genérica, defi nir as condições mais adequadas para a sua implementação, bem como o seu grau de efi ciência e efi cácia. Como se pressupõe, o resultado da avaliação de um projeto na sua fase piloto ganha uma enorme importância, devendo permitir a emissão de pareceres que possibilitem a introdução de ajustamentos ao longo da sua execução (monitorização de processos), bem como a enunciação de recomendações fundamentadas sobre a viabilidade da sua continuidade e seu alargamento. Tratando-se da avaliação de um projeto-piloto, a avaliação assume um papel determinante na produção de juízos de valor, capazes de orientar a tomada de decisão, não podendo a avaliação ser reduzida a um mero exercício descritivo de processos e produtos, implicando necessariamente a auscultação dos diversos atores nas diversas fases de implementação do processo.

O projeto “Ensino bilingue precoce no 1º CEB” (EBP) foi implementado, desde 2011/2012, em Portugal, sob a tutela do Ministério da Educação, mais especifi ca-mente pela Direção Geral de Educação (DGE). Este projeto teve como fi nalidade a implementação do ensino bilingue (língua materna e língua inglesa) no 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB), tendo sido fi nanciado pelo Programa Operacional de Assistên-cia Técnica, do Fundo Social Europeu e tido como parceiro o British Council (BC). Numa fase inicial, participaram no EBP sete Agrupamentos de Escola (AE), existindo casos em que foram envolvidas mais do que uma escola de 1.º CEB por AE.

O projeto EBP teve como ponto de partida um estudo de viabilidade que permitiu não só defi nir os requisitos básicos para a seleção dos AE a envolver, como tam-bém o diagnóstico estratégico (Azevedo, 2011). Incidindo nas condições internas e externas de cada AE, o estudo de viabilidade permitiu antecipar constrangimentos e potencialidades, facilitando a tomada de decisão durante a fase de implementação e gestão inicial do EBP. De referir, no entanto, que embora o planeamento do projeto integrasse uma componente de monitorização e estabelecesse a existência de uma etapa de avaliação externa, a identifi cação da avaliação externa como mecanismo de garantia da qualidade do projeto não foi planeada a priori, designadamente não per-mitiu acautelar a recolha de determinados dados, de forma sistemática e/ou aferida, tendo ainda inibido o controlo de certas variáveis que poderão ter interferência nos resultados do EBP.

A avaliação externa do projeto EBP ocorreu no seu quarto ano de funcionamento, após concurso público em que foi selecionada uma equipa do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. O estudo teve como principais objetivos: (i) avaliar a efi -cácia da implementação do EBP; (ii) emitir recomendações para as políticas públicas da aprendizagem do inglês e da formação de professores para o ensino bilingue, e (iii) defi nir critérios de alargamento do EBP.

Na qualidade de membros da equipa de avaliação externa, propomo-nos, neste trabalho, evidenciar um conjunto de desafi os e constrangimentos, por nós sentidos,

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na construção e implementação do dispositivo avaliativo. Fazemo-lo por via de um exercício analítico em que ensaiamos um processo de meta-avaliação do estudo que efetuámos.

Opções metodológicas e processuais

O processo de avaliação externa implementado é assumido como um dispositivo de investigação aplicada, visando a produção de informação útil de apoio à tomada de decisão (Stuffl ebeam & Skinkfi eld, 1993). Conforme se clarifi ca,

Em termos gerais, o que distingue a avaliação de outras formas de investigação educativa é, como refere Shaw (1999), mais uma questão de fi nalidade, objetivo ou critério do que de metodologias e métodos propriamente dito; de facto, a avaliação orienta-se sempre para a ação, ou seja, é uma modalidade de investigação aplicada, que se destina ao uso por oposição à investigação fundamental ou básica (…). (Coutinho, 2013, p.436).

As opções metodológicas adotadas na fase de avaliação externa passaram pelo recurso a um design de estudo de caso (Yin, 1994), abrangendo seis Agrupamentos de Escola (AE) participantes, desde 2011/2012, que reuniram as condições conside-radas necessárias à participação no EBP. Tratou-se, portanto, de estudos de caso múltiplos, com múltiplas unidades de análise (as turmas). Assente numa abordagem mista (Shulman, 1986), recorreu-se a um conjunto de metodologias de recolha e aná-lise de dados. Numa primeira etapa, procedeu-se à análise documental, através da qual se analisou o Estudo de Viabilidade, documentação sobre o Projeto EBP, parti-cularizando nos objetivos e opções metodológicas adotadas; e documentação sobre o processo de formação ministrado aos docentes envolvidos, bem como no sistema de monitorização implementado. Na fase de estudos de caso, recolheram-se dados de caracterização do contexto e dos atores e analisaram-se as representações e per-ceções destes últimos relativamente às condições de implementação do projeto, às atitudes face ao ensino bilingue, às metodologias de ensino-aprendizagem usadas, à formação recebida e às necessidades sentidas. Associou-se também a este processo a avaliação das aprendizagens dos alunos envolvidos nos três anos do projeto (1.º ao 3.º ano do 1.º CEB).

As técnicas selecionadas para aceder às representações dos sujeitos foram as se-guintes: inquérito por entrevista semiestruturada, ou semidiretiva, a informantes cha-ve (diretor, coordenador local do projeto EBP, professor titular e professor assistente, amostra de alunos por turma EBP); inquérito por questionário misto a todos os alunos e encarregados de educação das turmas EBP. Os dados recolhidos foram sujeitos a processos de análise de conteúdo (Bardin, 2009) e a análise estatística. Para efeitos comparativos, ao nível das aprendizagens, foi ainda selecionada pelo AE, nos casos em que existia, uma turma NEBP. Assim, foram, ainda, analisadas as fi chas de registo

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de avaliação dos alunos, referentes à avaliação fi nal do 3.º ano do 1.º CEB dos alunos das turmas EBP e da turma não integrada no EBP (NEBP). Analisou-se, igualmente, os dossiês de registo de atividades dos alunos (das turmas EBP e NEBP).

A avaliação da profi ciência linguística dos alunos envolvidos no projeto EBP re-caiu, principalmente, nos domínios da oralidade (compreensão e expressão), da inte-ração e da escrita (produção), tendo por base os objetivos defi nidos relativamente à avaliação da qualidade das aprendizagens: (i) analisar o grau de profi ciência ao nível da leitura, escrita e oralidade em língua inglesa e (ii) em articulação com outras áreas curriculares disciplinares (Estudo do Meio e Expressões).

Tratando-se de avaliar aprendizagens em contexto de ensino bilingue, segundo a abordagem Content and Language Integrated Learning (CLIL), as opções temáticas realizadas para as atividades linguísticas que deram origem aos instrumentos de re-colha de dados ancoraram-se na identifi cação de objetivos ligados ao conteúdo. Com esse fi m, procedeu-se à análise dos programas de Estudo do Meio dos 1.º, 2.º e 3.º anos de escolaridade (1.º CEB), em particular, os blocos temáticos que foram lecio-nados em Inglês. Atendeu-se, deste modo, aos conteúdos que presumivelmente os alunos do 4.º ano dominariam em língua inglesa. Paralelamente, porque muitas das crianças envolvidas no projeto frequentavam a oferta de Inglês enquanto Atividade de Enriquecimento Curricular (AEC), teve-se como referência as orientações progra-máticas para o ensino de Inglês no 1.º CEB e as propostas de temas aí explicitadas. Procurou-se, deste modo, garantir a atenção a saberes linguísticos transversalmente construídos e que integrassem o repertório plurilingue dos alunos.

A análise das limitações e potencialidades do dispositivo de avaliação externa utili-zado no estudo que temos vindo a referir resulta das refl exões da equipa de avaliação externa e dos documentos fi nais produzidos (Almeida, M., Costa, E., & Pinho, A. S., 2014a; Almeida, M., Costa, E., & Pinho, A. S., 2014b), das reuniões com a entidade proponente e das entrevistas semiestruturadas realizadas com as lideranças de topo e intermédias dos AE. Neste âmbito, é-nos possível identifi car potencialidades e cons-trangimentos no dispositivo criado, bem como tecer algumas recomendações ao nível da conceção, implementação e gestão de projetos, que apontam para a importância de a monitorização, a avaliação interna e a avaliação externa serem assumidas como parte integrante do planeamento e do desenvolvimento do próprio projeto.

Desafi os e constrangimentos

A avaliação como componente no planeamento e gestão de projetos

A garantia de rigor e validade da informação obtida, bem como da pertinência das recomendações proferidas por nós, como equipa de avaliação, requereram uma

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análise do próprio dispositivo que concebemos e implantamos. Deste exercício meta-avaliativo resultou a identifi cação de um conjunto de desafi os teórico-metodológicos e processuais, decorrentes da operacionalização e condução do processo, e que têm subjacentes a ausência de uma política de avaliação integrada e planifi cada enquanto elemento do projeto-piloto. Grande parte das fragilidades do processo que assinalamos decorrem da ausência de um planeamento a priori, capaz de ir além da mera previsão da avaliação externa enquanto etapa do projeto. Como nos diz Guerra (2002, p.175), “A avaliação é uma componente do processo de planea-mento. Todos os projetos contêm necessariamente um ‘plano de avaliação’ que se estrutura em função do desenho do projecto e é acompanhado de mecanismos de autocontrolo”.

Não obstante ser intenção da entidade promotora do projeto a realização de um estudo de avaliação com um design quasi-experimental, este fi cou inviabilizado dada a ausência de uma defi nição prévia e articulada dos vários tipos e funções de ava-liação a utilizar enquanto fases do projeto. Num design experimental ou de natureza quási-experimental, tornam-se fundamental o controlo de variáveis, à partida e du-rante o processo, de modo a ser possível a comparação entre os desempenhos dos grupos-turma envolvidos no EBP e os grupos-turma não envolvidos no EBP, dentro dos mesmos AE.

Os processos de referencialização

A inexistência da defi nição prévia de um referencial adequado para avaliação das diferentes dimensões (Figari, 1996; 2001), através da determinação de critérios, as-sim como o estabelecimento de algumas metas e indicadores (Ander-Egg & Aguilar, 1999), foi outro constrangimento decorrente do planeamento a posteriori do dispositivo de avaliação externa. Tratando-se de um projeto-piloto, e não obstante a inexistência de um quadro normativo de comparação, por exemplo, ao nível das aprendizagens no âmbito da língua inglesa, há a necessidade de se estabelecer objetivos e metas a atingir, mesmo que a avaliação venha a colocar a hipótese de as próprias metas estarem incorretamente defi nidas, numa lógica em que se assume que a avaliação deverá ser capaz de fornecer informação útil e pertinente para a tomada de decisão, não só para descrever resultados mas para os interpretar em função dos contextos, contribuindo para iluminar a ação futura.

A inexistência de uma planifi cação do dispositivo de avaliação externa do projeto aquando da sua implementação poderá ter, na sua origem, como sugerem as reu-niões de trabalho realizadas entre a entidade proponente e a equipa de avaliação, pressupostos não de ordem metodológica, mas ética, decorrentes da premissa da necessidade de se garantir a imparcialidade da avaliação externa.

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Contributos e potencialidades

Aferição das aprendizagens

Apesar de alguns desafi os sentidos pela equipa, o dispositivo criado possibilitou, entre outros aspetos, a aferição da avaliação das aprendizagens dos alunos envolvi-dos no EBP, uma vez que se aplicou o mesmo tipo de instrumento de avaliação das aprendizagens a todas as turmas e AE envolvidos. No entanto, cumpre lembrar que os instrumentos de recolha de dados utilizados no estudo não cobrem a totalidade dos conteúdos abrangidos pelo Projeto EBP, ao longo dos três anos de funcionamento, pelo que seria importante que estes processos de aferição fossem acompanhando o projeto. Contudo, considera-se que a seleção efetuada permite distinguir diferentes níveis de profi ciência, quer ao nível da língua, quer no tocante ao domínio dos conte-údos das Expressões e de Estudo do Meio.

Importa ainda ressaltar que, muito embora se tenha decidido considerar os níveis A1 (iniciação) e A2 (elementar) de profi ciência linguística preconizados pelo Qua-dro Europeu Comum de Referência para as Línguas (Conselho da Europa, 2001), mostrou-se difícil balizar nesses mesmos níveis os instrumentos de recolha de dados construídos para aferir o desenvolvimento da competência comunicativa em língua inglesa, na medida em que o horizonte de expectativas quanto ao potencial desenvol-vimento linguístico-comunicativo dos alunos estava em aberto.

Salientamos, ainda, a impossibilidade de se ter procedido a uma efetiva avaliação dos efeitos do Projeto EBP na aprendizagem das áreas curriculares de Português e Matemática, uma vez que os processos e instrumentos de avaliação, formativa e sumativa, são utilizados de forma diversa, quer dentro de cada AE (em alguns casos), quer entre os AE. Quiçá, e não obstante as limitações que sempre subjazem à reali-zação de uma prova singular, como é o exame, os resultados dos exames nacionais do 4.º ano de escolaridade possam ajudar a aferir, com maior segurança, se o desem-penho das turmas EBP e Não EBP (NEBP), dentro de um mesmo AE, seguem ou não a tendência nacional.

Triangulação de técnicas e fontes de informação

As opções metodológicas que permitiram a análise das perceções e representa-ções dos atores sobre o envolvimento e relevância no projeto, as suas motivações e inquietações, bem como identifi car mudanças na profi ssionalidade docente e nas dinâmicas organizacionais atribuídas pelos profi ssionais ao seu envolvimento no EBP foram possíveis devido à utilização de técnicas de recolha de dados mais em exten-são (recurso ao questionário) e de aprofundamento (técnica de entrevista), através das quais visamos a deteção dos signifi cados atribuídos pelos indivíduos, mais do que a identifi cação das suas causas (Cohen, Manion, & Morrison, 2007).

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A triangulação de diversas fontes de informação permitiu, também, assinalar ten-dências, nomeadamente no que concerne à identifi cação de condições de efi cácia, corroborando ou alargando as propostas do estudo de viabilidade. Possibilitou, ainda, a emissão de recomendações para a redefi nição do projeto (potencialidade enquanto política pública de ensino) e seu alargamento a outros níveis de ensino e outros ter-ritórios educativos.

Considerações Finais

Como foi sendo salientado, a maior fragilidade do dispositivo de avaliação decorre da ausência de articulação do dispositivo de avaliação externa com o processo de monitorização e avaliação interna, na fase anterior à implementação do processo. A inexistência de um planeamento prévio não permitiu o controlo de variáveis contextu-ais e organizacionais que podem ter tido interferência na implementação do Projeto EBP e nos resultados; nem permitiu que fossem estabelecidas condições de controlo – estudo de cariz quasi experimental – pelo que as comparações que se possam fazer entre turmas EBP e NEBP têm que ser lidas como possíveis tendências.

Além disso, e apesar da impossibilidade de generalizações decorrentes do recurso a estudos de caso, o design de casos múltiplos e o recurso a diversas técnicas quan-titativas e qualitativas de recolha e análise de dados permitem assinalar tendências e idiossincrasias úteis para a refl exão sobre a viabilidade e potencialidades do EBP.

Tornou-se evidente, após este exercício de análise crítica do dispositivo de avalia-ção externa, a necessidade de todas as etapas de avaliação de processos e produtos serem assumidas como componente integrante do planeamento e gestão de projetos, para que esta permita a:

“identifi cação, recolha e apresentação de informação útil e descritiva acerca do valor e do mérito das metas, da planifi cação, da realização e do impacto de um determinado objeto, com o fi m de servir de guia para a tomada de decisões, para a solução dos problemas de prestação de contas e para promover a compreensão dos fenómenos envolvidos” (Stuffl e-beam & Shinkfi eld, 1993, p. 183).

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mentação do projeto Ensino Bilingue Precoce - Relatório fi nal. Lisboa: MEC/DGE. Almeida, M., Costa, E., & Pinho, A. S. (2014b). Estudo de avaliação sobre a efi cácia da im-

plementação do projeto Ensino Bilingue Precoce – Estudos de caso. Lisboa: MEC/DGEAnder-Egg, E. & Aguilar, M. J. (1999). Como elaborar um projecto: guia para desenhar projec-

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ResumoO estudo que se apresenta resulta de um recorte de uma investigação mais alargada centrada na fi gura de coordenador TEIP, um cargo de gestão exercido por professores, em organizações escolares que integram o programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária. Mobilizando um quadro teórico e concetual da área da administração educacional e recorrendo a um design de estudo de casos múltiplos, de cariz fenomenológico e interpretativo procurou-se compreender os papéis atribuídos pela tutela e pelos atores, de dois agrupamentos de escolas, do distrito de Setúbal, à fi gura de coordenador TEIP, bem como perceber os papéis autoatribuídos e as lógicas de ação subjacentes ao seu trabalho. Concluiu-se, relativamente aos casos estudados, que os entendimentos acerca desta fi gura são diversos e resultam da conjugação de distintas dimensões das organi-zações escolares, nomeadamente de aspetos estruturais e organizacionais, estilos de liderança, processos de regulação, lógicas de ação, entre outros, existindo paralelismos e diferenças entre as formas de operacionalizar o cargo de coordenador TEIP. Considera-se, no entanto, que estes atores – os coordenadores TEIP - mobilizam, no seu dia-a-dia profi ssional, papéis de gestão que permitem incluí-los nesta “categoria” da organização escolar.

Palavras-chaveGestão escolar, papéis do gestor, lógicas de ação, TEIP.

Introdução

A investigação sobre a gestão escolar, no nosso país, tem incidido essencialmente sobre os diretores escolares, a que não é alheio o facto de este ator desempenhar um papel considerado cada vez mais relevante na organização e no sistema educativo. No entanto, considerou-se pertinente focar o olhar deste estudo numa fi gura, cria-da no âmbito do programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) e usualmente designada como coordenador TEIP, que desenvolve o seu trabalho num número considerável de agrupamentos de escolas/escolas não agrupadas (AE). A necessidade de compreender de forma mais aprofundada esta fi gura resulta ainda da

Olhares Sobre os Coordenadores TEIP: Papéis e Lógicas de Ação

Fátima Mendes Direção-Geral da Educação

[email protected]

Marta Mateus de Almeida Instituto de Educação

[email protected]

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escassez de referências aos coordenadores TEIP, sendo na maior parte dos casos uma menção enquanto atores (Oliveira, 2001; Machado, Santos & Silva, 2012; Melo, 2012) e/ou como participantes em estudos de investigação (Dias, Tomás, Gama, & Lopes, 2011; Melo, 2012; Resende & Caetano, 2012), não se conhecendo nenhum estudo em que tenham sido o foco primordial.

Esta fi gura de coordenador TEIP envolve funções de coordenação da implemen-tação de um projeto/ plano de melhoria nas escolas que integram o programa, o que justifi ca a inserção do estudo no domínio mais abrangente da investigação sobre a escola enquanto organização e, particularmente, sobre o desempenho de cargos de gestão escolar.

No âmbito do estudo procurou-se compreender os papéis, atribuídos pela tutela e pelos atores, de dois agrupamentos de escolas, à fi gura de coordenador TEIP, bem como perceber os papéis autoatribuídos e as lógicas de ação subjacentes ao seu trabalho.

Metodologia

Recorrendo a um design de estudo de casos múltiplos, de cariz fenomenológico e interpretativo, foram analisados dois agrupamentos de escolas, do distrito de Setúbal, integrados no programa TEIP e as respetivas coordenadoras TEIP.

Questões e eixos de análise

Com o intuito de clarifi car as inquietações subjacentes ao estudo, defi niram-se como questões gerais de partida, as seguintes:

a) Como é entendida a fi gura de coordenador TEIP a nível da tutela e nos AE, por outros atores e pelos coordenadores TEIP? b) Como é operacionalizada esta fi gura nos AE?

O aprofundamento destas questões de partida, fundamental para a construção do processo de investigação empírica, resultou na defi nição dos eixos de análise e questões explicitados no quadro seguinte:

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Quadro 1. Eixos de análise e questões do estudo

Foram objetivos centrais do estudo compreender: a) a forma como os AE operacionalizam a fi gura do coordenador TEIP (conside-

rando também a confi guração que lhe é dada pela tutela); b) como se apropriam os coordenadores TEIP do seu cargo, através da identifi cação das perceções acerca dos papéis - quer assumidos pelos coordenadores TEIP, quer atribuídos por outros atores dos AE; c) as prioridades e as lógicas de ação dos coordenadores TEIP.

Opções metodológicas e processuais

A decisão de recurso a um design de estudo de caso justifi ca-se, em primeiro lu-gar, com o objeto do estudo: os coordenadores TEIP, cuja ação não se pode dissociar do contexto do seu agrupamento de escolas. Além disso, de acordo com Yin (2001), o estudo de caso é a estratégia mais adequada para responder a questões que se de-bruçam sobre o “como” e o “por que” de um determinado fenómeno, que se encontra a decorrer. Com o intuito de obter mais do que uma visão, possibilitando análises de comparação e contraste entre os casos (Bogdan & Biklen, 1994), realizaram-se dois estudos de caso que permitissem olhar para duas formas de operacionalização da fi gura em dois contextos distintos.

Ainda no que concerne às opções metodológicas do estudo, optou-se por recorrer à análise de documentos e à entrevista como técnicas privilegiadas de recolha de dados. A primeira permite “corroborar e valorizar as evidências oriundas de outras fontes” (Yin, 2001, p.109). A segunda, a entrevista, permite um contacto direto entre investigador e entrevistado, estabelecendo-se

“uma verdadeira troca (…) e permite que o interlocutor aceda a um grau máximo de auten-ticidade e de profundidade. (Quivy & Campenhoudt, 2003, p. 192),

o que, no que concerne à investigação em causa, é uma forma privilegiada de aceder às representações dos entrevistados relativamente ao cargo de coordenador TEIP.

Eixos de análise (EA) Questões EAI. Regulação institucional, normativa e de controlo

Q1. Como é configurada a figura do coordenador TEIP, a nível da tutela? Q2. Que papéis lhe são atribuídos a este nível?

EAII. Regulação situacional, ativa e autónoma

Q3. Como é (re)configurada a figura do coordenador TEIP, nos AE pelos diferentes atores? Q4. Como é (re)configurada pelos próprios coordenadores TEIP?

EAIII. Papéis, prioridades e lógicas de ação do coordenador TEIP

Q5. Quais são os papéis atribuídos ao coordenador TEIP, nos AE pelos diferentes atores? Q6. Quais são os papéis assumidos pelos coordenadores TEIP? Q7. Quais são as suas prioridades e lógicas de ação?

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Tendo em conta o caráter exploratório do estudo, considerou-se que a entrevista semiestruturada seria a mais adequada, por permitir aos entrevistados a abordagem de tópicos não previstos previamente e por assegurar a comparabilidade entre os dados obtidos nas entrevistas a vários sujeitos (Bogdan e Biklen,1994).

Objeto e participantes

Os estudos de caso têm como fi gura central as coordenadoras TEIP de dois agru-pamentos do distrito de Setúbal. O agrupamento de escolas A (AEA) integrou o pro-grama TEIP em 2006/07, tratando-se de um agrupamento de escolas de primeira fase. Tem uma dimensão reduzida quer em termos de número de estabelecimentos ( 2) que o constituem, quer de alunos (cerca de 600) e inclui os níveis de educação pré-escolar e o 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico.

O agrupamento de escolas B (AEB) aderiu ao programa TEIP mais recentemente, no ano letivo 2009/10, sendo um agrupamento de escolas de segunda fase. É um agru-pamento de maior dimensão, quer em número de estabelecimentos de ensino ( 9), quer de alunos (cerca de 1600, no ano letivo 2014/15) e abrange vários níveis de ensino: educação pré-escolar, 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ainda ensino secundário.

Foram entrevistados um total de dez sujeitos, incluindo:

a) em cada um dos agrupamentos de escolas, quatro elementos: a coordenadora TEIP, o(a) diretor(a) do AE, um membro da equipa TEIP e um(a) professor(a) não pertencente à equipa TEIP. A opção por entrevistar outros elementos do agrupa-mento de escolas, além das coordenadoras TEIP, prendeu-se com a necessidade de compreender quer as suas perceções acerca do cargo e os papéis que assu-mem, quer as perceções dos que as rodeiam. Considerou-se importante incluir elementos da escola com perspetivas diferenciadas: diretores dos agrupamentos de escolas enquanto gestores de topo da organização, membros da equipa TEIP que eventualmente se relacionam de forma mais próxima com as coordenadoras TEIP e professores não integrantes desta equipa com uma potencial perspetiva mais afastada dos restantes;b) o perito externo que acompanha os dois agrupamentos, no âmbito do programa TEIP, com o intuito de compreender a sua perspetiva - sobre a fi gura de coorde-nador TEIP e estas duas formas de lhe dar vida - que é simultaneamente interna e externa ao agrupamento de escolas1;c) o coordenador nacional do programa TEIP, no sentido de recolher as perceções de um ator, da tutela, acerca do coordenador TEIP e compreender a forma como esta fi gura é confi gurada a este nível.

1. De acordo com a legislação em vigor acerca do programa TEIP, pode “a sua implementação implicar o apoio de um perito externo de acompanhamento ao projeto, a contratar pelo agrupamento de escolas ou escola não agrupada.” (Despacho normativo n.º 20/2012 de 3 de outubro, artigo 11.º, ponto 2).

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Síntese e conclusões do estudo

A confi guração do cargo de coordenador TEIP

A confi guração do cargo de coordenador TEIP resulta da interação entre um con-junto de variáveis individuais, locais e institucionais. Para compreender essa inte-ração é necessário observar as “duas faces de uma mesma moeda”: a regulação institucional, normativa e de controlo, isto é,

“o conjunto de ações decididas e executadas por uma instância (governo, hierarquia de uma organização) para orientar as ações e as interações dos atores sobre os quais detém uma certa autoridade” (Maroy & Dupriez, 2000 citados por Barroso, 2006a, p. 13)

e a regulação situacional, ativa e autónoma

“que compreende não só a defi nição de regras (normas, injunções, constrangimento, etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também, o seu (re)ajustamento provocado pela diversidade de estratégias e ações dos vários atores, em função dessas mesmas regras.” (Barroso, 2006a, p. 13).

A regulação conjunta é a terceira dimensão do processo de regulação, de acordo com Reynaud (2003) citado por Barroso (2005), resultando da interação das duas anteriores.

Conclui-se da análise dos normativos aplicáveis (instrumentos de regulação nor-mativa), que as orientações acerca da fi gura de coordenador TEIP são pouco apro-fundadas, resumindo-se à referência a uma equipa TEIP (a equipa TEIP3), uma equi-pa multidisciplinar coordenada pelo diretor do AE. Equipa que, por sua vez, inclui um elemento que é o coordenador do plano de melhoria.

Da análise de documentos elaborados pela tutela constatou-se a associação do coordenador TEIP a tarefas técnicas como “enunciar e dar sentido, a metas, indica-dores, resultados, evidências ou qualidade dos processos” (DGIDC/ME, s/d, p.8) e a valorização da fi gura através da participação do coordenador TEIP em momentos de refl exão e de reorientação da ação e em reuniões com a tutela. No entanto a mobiliza-ção do coordenador TEIP para participar em momentos de capacitação, envolvendo a tutela, outros organismos e AE, efetuada numa fase posterior à do diretor evidencia uma secundarização da fi gura de coordenador TEIP relativamente à de diretor, que é também patente no discurso do coordenador nacional do programa TEIP que não inclui esta fi gura nos interlocutores privilegiados da tutela, atribuindo este papel ao diretor e ao presidente do conselho geral. De referir ainda que a nível da tutela se identifi cou a perceção de que os AE dispõem de elevada autonomia para operaciona-lizar a coordenação TEIP, não tendo sido emanadas orientações formais. Apesar dos discursos dos participantes dos AE confi rmarem a reduzida existência de orientações

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Supervisão, Liderança e Inclusão326

acerca da fi gura de coordenador TEIP, é evidente a partilha de foco sendo bastante frequentes (e comuns aos diversos participantes) as referências a ideias como plane-amento, estratégia, monitorização, avaliação, processos e resultados. Esta partilha de foco explica-se, por um lado, pela grande proximidade existente entre tutela e os AE que integram o programa TEIP resultado de contactos, reuniões e eventos organiza-dos pela tutela e, por outro, por uma componente de prestação de contas (relatórios semestrais e anuais) regulatória das prioridades e ação dos AE. Conclui-se, portanto, que o reduzido grau de regulação normativa relativamente a esta fi gura é suplantado pelo elevado grau de regulação institucional, que é intencional por parte da tutela e visível para os participantes dos AE. Esta identifi cação clara da intencionalidade da ação regulatória da tutela é notória nos discursos de ambas as coordenadoras TEIP, sendo que as próprias enunciam estratégias de microrregulação local (Barroso, 2006b) a que recorrem para efetuar ajustes às diretrizes emanadas no âmbito da regulação institucional. As diferenças existentes na forma como os dois AE operacio-nalizam a fi gura de coordenador TEIP indiciam elevados graus de microrregulação local, por parte dos atores dos AE.

As prioridades e lógicas de ação

De acordo com Sarmento (2000) lógicas de ação

“são os conteúdos de sentido, relativamente estáveis e consolidados, com que os atores sociais interpretam e monitorizam a ação nas organizações escolares, ordenando, ainda que de forma precária e provisória a realidade organizacional aparentemente fragmentária e dispersa” (p.147).

Quadro 2. Matriz das lógicas de ação

(Sarmento, 2000, p.187)

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Supervisão, Liderança e Inclusão 327

Partindo da tipologia desenvolvida por Sarmento (2000), num esforço de sistema-tização teórico e empírico, das caraterísticas das lógicas de ação, é possível identi-fi car duas lógicas de ação preponderantes nos discursos das coordenadoras TEIP: por um lado, a lógica de serviço público, assente em princípios de uniformidade e, por outro, uma lógica de mercado, em que a ênfase são os resultados e a efi cácia é valorizada. A preocupação com os resultados escolares dos alunos é facilmente identifi cável nas palavras de ambas as coordenadoras TEIP que indicam os maus resultados como problema fundamental, assim como a difícil conciliação entre, por um lado, responder às exigências da tutela relativamente a resultados esperados e, por outro, os resultados que efetivamente conseguem obter, que não refl etem devidamen-te o trabalho realizado no AE. A ênfase na uniformidade de processos, de indicadores e de prioridades é também notória nos discursos das duas coordenadoras, indiciando o papel primordial do Estado, em conformidade com o elevado grau de regulação institucional, já referido anteriormente. Esta uniformidade consubstancia-se na buro-cratização da ação pedagógica, vulnerabilidade identifi cada por Sarmento, e presente nos discursos de alguns participantes do estudo.

É imperativo refl etir também sobre três lógicas de ação enunciadas por Sarmento, e que foram menos identifi cadas nos discursos analisados: a lógica profi ssional, a lógica de desenvolvimento local e a lógica dos direitos da criança. Relativamente à primeira, a lógica profi ssional, foi possível encontrar alguns indícios da ênfase que é dada aos recursos humanos, nomeadamente, aos professores, focando-se a atenção primordialmente nestes atores em detrimento de outros como os alunos e a comuni-dade.

A lógica dos direitos da criança, da valorização da equidade, assente em princí-pios de autonomia foi pouco evidente, apesar de ter sido verbalizada pela diretora do AEB como motor para a integração do programa TEIP. De facto, as questões da equidade são de difícil conciliação, como alertaram Canário et al. (2001), com a lógica de mercado assente em resultados, e da qual estes AE não estão salvaguardados. Relembrando as palavras do diretor do AEA, as escolas TEIP regem-se pelas mes-mas normas das restantes escolas do país, o que se aplica também ao escrutínio dos resultados escolares e à defi nição de metas. Dias et al. (2011) salientam a difícil conciliação entre a vertente de discriminação positiva que faz parte da fi losofi a do programa TEIP e o foco em dimensões organizacionais, inseridas numa conceção de nova gestão pública, que defi nem como um processo de hibridização.

De fi nalizar esta refl exão, referindo a lógica de desenvolvimento local, que se en-contra bem presente nos normativos, na fi losofi a e na designação do programa – “ter-ritórios educativos”, mas tão pouco evidente nos discursos dos atores entrevistados. Canário et al. (2001) consideraram, na altura, que os territórios educativos se consti-tuíam na realidade apenas como territórios escolares, não existindo uma verdadeira lógica de desenvolvimento da comunidade em que se inseriam, nem tendo sido as suas fronteiras defi nidas em função de um território educativo, mas na maior parte dos casos, por razões administrativas.

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Papéis esperados, percebidos e assumidos pelos coordenadores TEIP

Focando o olhar na coordenação TEIP enquanto desenvolvimento de papéis por um ator que é um gestor, neste caso, escolar, recorreu-se ao modelo de gestão de Mintzberg para, por um lado identifi car os papéis esperados relativamente ao coorde-nador TEIP e, por outro, os percebidos e assumidos por estes.

A fi gura 1 apresenta o modelo de gestão de Mintzberg (2009), que representa de forma simples e dinâmica o trabalho de gestão, os contextos e níveis em que se move, assim como os papéis que assume.

Figura 1. Modelo de Gestão, 2009

(Mintzberg, 2009, p. 48)

No centro do modelo está o gestor, rodeado pela unidade que gere e por dois tipos de contexto: a organização de que a sua unidade faz parte e o contexto fora da organização.

“A gestão acontece em três planos, do concetual para o concreto: com informação, através de pessoas e para a ação” (Mintzberg, 2009, p. 49).

Em cada um dos planos e numa dimensão pessoal (enquanto indivíduo) o gestor desempenha papéis e subpapéis, enunciados no quadro seguinte:

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Quadro 3. Planos, papéis e subpapéis de gestão

(Adaptado de Mintzberg, 2009, p.90)

Coordenadora TEIP do AEA – gestora intermédia ou de topo?

A coordenadora do AEA assume um conjunto alargado de papéis, co-exercendo alguns inclusivamente com o diretor sendo que está envolvida, de alguma forma, em tudo o que está relacionado com o plano de melhoria desenvolvido no âmbito do pro-grama TEIP. Os discursos acerca da coordenadora TEIP do AEA fazem referência a todos os papéis enunciados por Mintzberg no seu modelo de gestão. Assim, enquanto gestora é a responsável no AEA quer pela estruturação, quer pela programação das tarefas inerentes ao plano de melhoria. No plano da informação, a coordenadora TEIP é a nível externo, na perceção dos atores do AE a interlocutora privilegiada da tutela e no interior da organização é o elemento que dissemina a informação que vem do exte-rior, afi rmando-se como um verdadeiro centro nervoso. No plano das pessoas, apesar de ser notório que lhe é atribuído, a nível interno, um papel de liderança, não parece ser uma área muito desenvolvida, sendo, no entanto, no plano da ação, a pessoa que gere pessoalmente os projetos e lida com os distúrbios, internamente, e que assume o papel de negociação a nível exterior.

De concluir, este ponto salientando que a forma como esta coordenadora é per-cecionada no AE coloca-a num nível de gestão de topo, em detrimento do nível in-termédio, a que não será alheio o facto de ser também subdiretora do AE e de ser reconhecida como alguém que é “especializada” no projeto TEIP.

Papéis Pessoa –

O Gestor Estruturação Programação

Níveis Interno (unidade) Externo (à unidade)

Plan

os

Comunicação

Informação

- Monitorização -Centro nervoso

- Porta-voz -Centro nervoso -Disseminação

Controlo - Conceção de estratégias, estruturas e sistemas - Delegação de tarefas - Designação/ autorização - Distribuição de recursos - Determinação de metas

Pessoas

Liderança - Motivação dos indivíduos - Desenvolvimento dos indivíduos - Construção de equipas - Fortalecimento da cultura

Ligação - Criação de redes - Representação - Persuasão - Transmissão - Proteção

Ação Fazer

- Gestão de projetos - Lidar com distúrbios

Negociação - Construção de alianças - Mobilização de apoios

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Supervisão, Liderança e Inclusão330

Coordenadora TEIP do AEB – coordenadora do plano ou do gabinete J?

A ação da coordenadora TEIP do AEB é mais restrita a alguns aspetos e a alguns interlocutores, o que se explica pelo facto da diretora do AEB chamar a si um conjunto de assuntos que considera essenciais em que se inclui a implementação do plano de melhoria. Os dois papéis centrados no gestor, a estruturação e a programação, foram salientados como funções em que a coordenadora se destaca. No entanto, a maioria dos papéis enunciados e desempenhados pela coordenadora TEIP parecem focar-se essencialmente na equipa que constitui o gabinete J e, arriscamo-nos a afi rmar, a unidade que gere. A nível externo a esta unidade, a coordenadora TEIP desempenha também os papéis de comunicação, no plano da informação, os de ligação, no plano das pessoas e os de negociação, no plano da ação.

De forma sintética, pode considerar-se que o que distingue os papéis atribuídos, percebidos e assumidos pelas coordenadoras TEIP é a abrangência da sua ação, quer em termos de tarefas desenvolvidas, quer em termos de atores com que se rela-cionam, abrangendo a coordenadora do AEA todo o agrupamento e a coordenadora do AEB, essencialmente, o gabinete J.

Considerações fi nais

Da análise e interpretação dos dados obtidos, foi possível concluir, relativamente aos casos estudados, que os entendimentos acerca desta fi gura são diversos e resul-tam da conjugação de:

● diversos mecanismos de regulação, que se situam nos vários níveis do sistema, nacional e local;● lógicas de ação, nem sempre facilmente conciliáveis;● dinâmicas complexas que envolvem os papéis esperados, os comunicados, os percebidos e os assumidos;● especifi cidades da conciliação numa mesma pessoa do gestor (ou administra-dor) e do profi ssional (ou professor).

Considera-se ainda que estes atores – os coordenadores TEIP - mobilizam, no seu dia-a-dia profi ssional, papéis de gestão que permitem incluí-los nesta “categoria” da organização escolar.

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ResumoNas últimas décadas têm sido criadas estruturas na maior parte dos sistemas educativos que permitem aos representantes das famílias e da comunidade participar nos processos de decisão ao nível das escolas. Também em Portugal, o regime de autonomia, administração e gestão escolar implementado a partir de 2008 (posterior-mente alterado em 2009 e 2012) foi justifi cado com a necessidade de reforçar a participação das famílias e das comunidades na vida escolar. Essa participação viu-se concretizada pela representação destas no Conselho Geral, o órgão de direção estratégica dos agrupamentos escolares. Esta comunicação, que se insere num projeto de investigação mais vasto sobre a participação das famílias na vida escolar, apresenta perspetivas das famílias, dos docentes e do poder local sobre a participação das primeiras nos conselhos gerais de dois agrupamentos escolares da área metropolitana de Lisboa. Ambos os agrupamentos gozam de uma boa reputação na comu-nidade em que se inserem, mas as variáveis de contexto são bastante diferentes. Os dados foram recolhidos através de 18 entrevistas semiestruturadas realizadas com representantes das famílias, docentes titulares e/ou diretores de turma, e representantes das autarquias locais. Os resultados revelam sobretudo contradições, entre a valorização da participação das famílias, por um lado, e a sua participação efetiva, por outro.

Palavras-chaveEscola, família, participação, conselho geral, poder local.

Breve enquadramento da aproximação das escolas às famí-lias

A aproximação das escolas às famílias, nos sistemas educativos ocidentais, cons-titui um fenómeno razoavelmente recente, contemporâneo da expansão das políticas de escolaridade obrigatória e associado às políticas de descentralização e autonomia escolar, algo que foi acontecendo com ritmos diferenciados e ênfases distintas, em função das várias realidades e das dinâmicas sócio-históricas específi cas de cada

1. O autor não escreve de acordo com as normas do (des)acordo ortográfi co.

Os Representantes das Famílias nos Conselhos Gerais: Perspetivas das Famílias, dos Docentes e do Poder

Local Pedro Patacho*

Instituto Superior de Ciências [email protected]

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Supervisão, Liderança e Inclusão334

país. Assim, se bem que possamos localizar a emergência do fenómeno, generica-mente, no decorrer no século XX, sobretudo na segunda metade, trata-se de algo que acontece tardiamente em Portugal.

Como refere Canário, a preocupação de aproximar a escola, as famílias e a co-munidade (inclusivamente através de mecanismos de participação democrática) é algo recente que apenas surge com a “transformação de uma escola elitista numa escola de massas” (2008, p.108). Em todo o caso, como a investigação tem mostrado, constitui o resultado de “uma medida política imposta basicamente de ‘cima’, mais do que uma resposta às pressões de ‘baixo’. Não se inscreve num qualquer movimento popular, mas corresponde antes a uma intenção e tentativa de regulação estatais” (Silva, 2003, p.33).

Como nos lembra Popkewitz (2008), à medida que as escolas modernas se foram enchendo de diversidade cultural, foram igualmente procurando e testando formas de administrar a diferença, o que não implicou necessariamente o abandono de um modelo educativo estruturado em torno de uma suposta cultura comum, e de um trabalho escolar organizado em torno de um tipo ideal de aluno. Uma dessas formas consubstancia-se precisamente no crescente apelo de aproximação às famílias.

A análise genealógica que Kainz e Aikens (2007) fazem das relações escola-fa-mília torna evidente a emergência, ao longo do século XX, de um discurso dominante sobre a necessidade de aproximar as escolas das famílias, moldado pelos padrões de valor cultural das classes médias brancas instruídas e essencialmente fundado nas ciências do desenvolvimento, que legitimaram um conjunto de programas especí-fi cos dirigidos às famílias (sobretudo às mais pobres, às imigrantes e pertencentes a grupos minoritários sem poder), programas esses que, por sua vez, deram origem a políticas educativas concretas e recomendações de políticas que se expandiram um pouco por todo o mundo ocidental.

Sucede que, à medida que este discurso dominante sobre a relação escola-família se foi imponto e disseminando pelo mundo, e que as práticas das famílias, das esco-las e dos docentes se foram tornando no foco da atenção, com vista ao sucesso es-colar de todas as crianças e jovens, a análise dos pressupostos culturais embebidos em tal discurso foi relegada para segundo plano (Theodorou, 2007; Carvalho, 2009). Consequentemente, o resultado mais imediato desse discurso acabou por ser (ao contrário da retórica habitual associada ao envolvimento e à participação das famílias e da comunidade na vida escolar) um bloqueio à “realização da justiça, da equidade e da excelência” (Kainz & Aikens, 2007, p.301) e a legitimação da desigualdade na educação escolar, por via da responsabilização individual das famílias (Kainz & Ai-kens, 2007).

No entanto, nas últimas décadas, não obstante a proeminência daquele discur-so dominante, a ideia de aproximar as escolas e as famílias conheceu signifi cativos avanços pautados pelos valores da participação democrática e da justiça social e curricular (ver, a título de exemplo, Epstein, 2011; Torres Santomé, 2011; Hutchins, Greenfeld, Epstein, Sanders & Galino, 2012; Noguera, 2012). O alargamento desta

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ideia tem-se caracterizado sobretudo pela necessidade de mobilizar recursos e ser-viços para escolas, pela valorização das diferenças culturais, pela inclusão dessas diferenças nos currículos e no trabalho escolar e pela partilha do poder de decisão, em diversos níveis, com as comunidades e com as famílias (Bolívar, 2006). É neste contexto, mas ao mesmo tempo e paradoxalmente no contexto da emergência de um novo Estado avaliador numa era neoliberal, no qual as famílias tendem a assumir um papel de vigilância da performance escolar (Silva & Stoer, 2005), que ganha relevân-cia a participação de representantes das famílias nos órgãos escolares.

A participação democrática dos representantes das famílias nos órgãos escolares

Um dos dois principais argumentos que sustentaram o regime jurídico de autono-mia, administração e gestão escolar implementado a partir de 2008 (posteriormente alterado em 2009 e 2012), foi o argumento da participação democrática das famílias e da comunidade na vida das escolas. A criação de um órgão de direção estratégica, o Conselho Geral, visou garantir essa participação.

De acordo com Sliwka e Istance, mais cedo ou mais tarde, a maior parte dos países membros da OCDE adoptou este tipo de políticas no sentido de garantir a par-ticipação dos representantes das famílias e da comunidade nos processos de tomada de decisão nas escolas. Escreviam estes autores em 2006 que os “conselhos esco-lares, nos quais os representantes das famílias eleitos participam juntamente com os representantes dos docentes, constituem o mais recente desenvolvimento na maior parte dos países” (p.30). Do seu ponto de vista, a ideia por trás deste tipo de partici-pação era a de que as famílias tivessem uma maior infl uência sobre os processos de decisão e pudessem ter uma palavra a dizer acerca de questões importantes como o desenvolvimento do currículo, a defi nição dos orçamentos, a seleção e a contratação de docentes e diretores, entre outras. Contudo, os autores identifi caram aqueles que desde logo surgiram como potenciais problemas, a saber, os diferentes graus de fami-liaridade dos representantes das famílias com estas questões e processos, os modos de seleção desses representantes, ou as consequências práticas da sua participação para o governo das escolas.

Em Portugal, o importante trabalho de Sá (2004) – realizado alguns anos antes da implementação daquele regime jurídico –, que se focou, entre outras coisas, nos mecanismos de participação dos representantes das famílias nos órgãos es-colares, dava conta dos baixos níveis de concordância, por parte dos professores, em relação à necessidade de uma maior participação das famílias, ainda que essa concordância normalmente existisse. Algo, de resto, evidenciado por outro estudo de referência realizado aproximadamente na mesma altura (Silva, 2003) e do qual sobressaia uma descrição da relação entre as famílias e as escolas como uma relação de desconfi ança recíproca e frequentemente armadilhada (a reprodução

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da desigualdade social nas escolas parecia constituir a armadilha-mor das relações escola-família).

Em linha com as constatações de Sliwka e Istance (2006), Sá (2004) deu igual-mente conta da progressiva formalização e institucionalização da participação das famílias nas escolas, ou seja, da sua representação crescente em diversos órgãos institucionais. No entanto, neste particular, o autor notou que, em geral, a classe do-cente mantinha baixas expectativas quanto ao desempenho dos representantes das famílias nos órgãos escolares. E, com efeito, os representantes das famílias intervi-nham pouco nesses órgãos. Quando o faziam, era frequentemente “a pedido e no fi m das reuniões” (p.493), raramente havendo uma participação em sentido divergente da dos restantes membros desses órgãos, e muito menos em sentido discordante dos representantes do pessoal escolar.

Relativamente ao problema da representação, Gewirtz e colaboradores (2005), com base na análise das políticas levadas a cabo no Reino Unido, advertiram para a difi culdade de fazer participar pessoas pertencentes a grupos sociais historicamente marginalizados, quando os modelos de participação são defi nidos a partir de cima, sem qualquer debate democrático e não aproveitando o capital social e cultural que as comunidades já possuem.

Kristoffersson (2009) mostrou que mesmo no caso em que, por exemplo, os con-selhos escolares são eleitos com os representantes das famílias em maioria relati-vamente aos restantes membros, como era o caso da Suécia, subsistem problemas nas escolas essencialmente associados ao facto de o grupo de representantes das famílias ser frequentemente bastante mais homogéneo do que os supostamente re-presentados. A autora inventariou alguns dos principais problemas que identifi cou no caso Sueco ao longo do seu estudo:

• Era frequente que a composição dos conselhos escolares não espelhasse a diversidade de interesses inerentes à diversidade de famílias que constituía cada comunidade escolar. • A comunicação entre os representantes das famílias com assento nos conselhos escolares e as restantes famílias que compunham as comunidades escolares não era satisfatória e existiam com frequência famílias que se sentiam excluídas e se mostravam desagradadas com o funcionamento dos conselhos escolares.• Normalmente, a pessoa que desempenhava as funções de coordenador do con-selho escolar mantinha uma relação de grande proximidade com o diretor da res-pectiva escola e este acabava por ter uma infl uência importante sobre o que se passava no conselho escolar.

Voltando ao caso português, Barroso (2011) inventariou também uma série de problemas. O autor sustenta que a investigação produzida em Portugal não propor-ciona evidências empíricas de que existam efeitos da participação dos represen-tantes das famílias na vida das escolas, com consequências na modifi cação das

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Supervisão, Liderança e Inclusão 337

formas de funcionamento das instituições escolares. De um modo geral, Barroso refere que:

• Não obstante a ampla diversidade que caracteriza as escolas, as evidências apontam, por um lado, para um défi ce geral de participação e, por outro lado, para a existência de uma série de constrangimentos formais e informais que são colo-cados a essa mesma participação. Esses constrangimentos decorrem essencial-mente de quatro factores: a) a reduzida quantidade de representantes dos pais, mães e encarregados de educação; b) o controlo que normalmente os docentes exercem sobre as reuniões em que participam os representantes das famílias; c) a falta de condições materiais que facilitem essa participação e intervenção nas escolas; d) as reduzidas competências dos órgãos escolares em que participam.• É possível identifi car nas escolas a adoção de várias estratégias que vão contra os objetivos da legislação e que visam reduzir o seu impacto. Essas estratégias produzem os seguintes resultados: a) uma grande quantidade de representantes das famílias não se encontra nessa posição por livre e espontânea vontade, já que esses representantes são efetivamente recrutados pela classe docente, em virtude da fraca participação e da necessidade legal de existirem representantes; b) os agrupamentos escolares não aproveitam a possibilidade legal que o regime jurídico da autonomia das escolas oferece de atribuir a presidência do Conselho Geral a representantes das famílias ou a entidades externas às escolas.• No que diz respeito à representação dos órgãos do poder local nos concelhos gerais dos agrupamentos, esta tende a ter um efeito reduzido nas escolas e a não ser valorizada pelas autarquias locais, constituindo mais uma formalidade legal em função da implicação das autarquias na gestão do parque escolar e na provi-são de certos serviços.

Trabalhos recentes apontam para problemas semelhantes. Por um lado, salien-tam a contradição entre a retórica ofi cial da participação democrática e os bloqueios locais à participação, relevando, no entanto, a vontade e a capacidade dos represen-tantes das famílias para inscreverem as sua voz na vida das organizações escolares, o que contraria as ideias de desinteresse e incapacidade das famílias (Sousa, 2012). Por outro lado, enfatizam o domínio do Diretor e da classe docente, que condicionam a ação do Conselho Geral (diretamente e via Conselho Pedagógico), obscurecendo o seu papel e as possibilidades de participação de outros atores não docentes (Everard, 2013).

Abordagem metodológica

Os dados aqui apresentados resultam de um projeto de investigação mais vasto, de orientação construtivista (Lincoln, Lynham & Guba, 2011), sobre a participação

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das famílias na vida escolar. Envolveu dois agrupamentos de escolas (A e B) dos subúrbios de Lisboa, enquanto casos de estudo (Flyvbjerg, 2011). Os agrupamentos A e B foram selecionados com base na sua boa reputação junto da comunidade, na sua boa avaliação externa, e na existência de diferenças acentuadas entre eles rela-tivamente: a) à percentagem de alunos que benefi cia de auxílios económicos através da ASE; b) à percentagem de alunos de outras naturalidades que frequentam o agru-pamento; c) à formação académica dos pais, mães e encarregados de educação; d) à ocupação profi ssional dos pais, mães e encarregados de educação. O agrupamento A serve maioritariamente famílias brancas, oriundas das classes médias, com educação secundária ou superior, enquanto que o agrupamento B serve sobretudo famílias de classe trabalhadora e famílias imigrantes, de diferentes grupos étnicos, com educa-ção básica ou não escolarizadas.

Os dados foram recolhidos através da realização de 18 entrevistas semiestrutu-radas (Kvale, 2011) a representantes das famílias ao nível das turmas (8 represen-tantes, 4 de cada agrupamento – 2 do 1ºCEB, 1 do 2ºCEB e 1 do 3ºCEB), docentes titulares e/ou diretores das mesmas turmas (8 docentes), e representantes das autar-quias nos respetivos conselhos gerais. Um dos representantes das famílias e dois dos docentes eram também membros do Conselho Geral do agrupamento B. As entre-vistas incluíram, entre outros aspetos ligados à participação democrática da famílias nas escolas, a análise da representação destas nos conselhos gerais. Procurámos compreender o pensamento dos participantes sobre a participação de representantes das famílias no CG, em particular, como descrevem a sua ação e que relevância lhe atribuem para a vida escolar.

Todas as entrevistas foram audiogravadas e integralmente transcritas. As trans-crições foram alvo de um processo de codifi cação temática e agregação categorial seguindo uma metodologia de comparação constante que incluiu a redação de me-morandos refl exivos à medida que foi avançando a análise (Gibbs, 2012).

As perspetivas dos participantes

Perspetivas dos representantes das famílias

Uma primeira nota vai para o perfi l dos representantes das famílias. São todos brancos e oriundos das classes médias com educação secundária ou superior, ou seja, culturalmente próximos da própria cultura escolar, o que é particularmente pro-blemático no caso do agrupamento B, caracterizado por uma intensa diversidade cultural. Isto denota evidentes problemas de representação da diversidade cultural das escolas, dos diferentes interesses e expectativas das famílias, tal como tem sido apontado pela literatura (Gewirtz, et.al., 2005). No entanto, decorre também da enor-me difi culdade em encontrar mães, pais ou encarregados de educação disponíveis para exercer estas funções, o que faz com que na maior parte dos casos sejam na

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verdade convidados pelos docentes, não se tratando de algo que façam de livre e espontânea vontade (Barroso, 2011).

Muito embora as mães, os pais e os encarregados de educação que servem como representantes das famílias das turmas considerem importante haver representantes das famílias no Conselho Geral, na verdade predomina uma razoável ignorância re-lativamente a quase tudo, inclusivamente em relação ao próprio órgão em si, à sua composição e ao que se passa nas reuniões.

Assim, embora valorizem a presença de representantes das famílias no Conselho Geral (essencialmente por razões democráticas – valorização do direito de participar), não estão esclarecidos sobre o papel deste órgão, sobre a sua forma de funciona-mento, sobre quem são os representantes das famílias e como são designados. Um grande alheamento e uma evidente contradição entre a valorização da presença da famílias, por um lado, e o não acompanhamento da sua atividade, por outro, são o que melhor caracteriza as perspetivas da famílias sobre a sua representação no Conselho Geral.

A exceção vai para o representante das famílias que efetivamente tem assento no Conselho Geral. Mas a sua perspetiva é sobretudo caracterizada pelo desalento:

“... não vejo que tenham grande peso. Porque imagine que vamos votar uma coisa qual-quer e está a presidente, está o diretor, estão as professoras todas, estão as pessoas da escola e depois estão 5 pais não é. Se eu me manifestar contra, as pessoas da escola estão em maioria não é. E depois também estão lá as pessoas da Câmara e elas estão mais por dentro das coisas porque acho que o trabalho delas é mesmo fazer aquilo. A gen-te às vezes também não temos tempo para aquilo... se é assim porque tem de ser assim.”

(E10/B)

Este representante das famílias parece encarar a sua participação no Conselho Geral como uma espécie de formalidade com um resultado pré-defi nido. Lamenta a falta de tempo e lamenta o facto dos representantes das famílias estarem em minoria face ao pessoal escolar, salientando o peso da presença do Diretor, a par da rele-vância do papel da Presidente do Conselho Geral, também ela uma professora, tudo aspectos que vários trabalhos têm referido (Barroso, 2011; Sousa, 2012; Everard, 2013). A forma como descreve o conselho parece sugerir uma certa uniformidade de posições entre os restantes membros relativamente à qual os 5 representantes das famílias, sempre em minoria (Barroso, 2011), nada podem fazer.

Além disto, cabe destacar a forma nada democrática como este representante das famílias integrou o Conselho Geral:

“Foi a professora do 1ºano. Ela perguntou-me. Acho que havia um pai ou uma mãe que ia sair e perguntaram à professora. Ela deu o meu nome, contactou-me e perguntou-me se eu estava disponível e eu disse que sim, que tudo bem.”

(E10/B)

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Está lá porque foi convidada pela professora do seu fi lho, a pedido de alguém, uma estratégia usada para colmatar a ausência de representantes eleitos decorrente de um acentuado défi ce de participação (Barroso, 2011). De resto, outro aspeto rele-vante que esta representante revelou é o facto de as pessoas que exercem funções no Conselho Geral como representantes das famílias não se relacionarem entre si, ou seja, apenas se encontram nas reuniões. Não se conhecem bem, não preparam as reuniões em conjunto, não reservam tempos e espaços para discutirem aquilo que percecionam como os grandes problemas e desafi os do agrupamento, etc. Dito de outra forma, parecem acomodar-se ao mero cumprimento de um requisito legal.

Perspetivas dos docentes

Relativamente à participação dos representantes das famílias no Conselho Geral, todas as professoras entrevistadas consideram que essa representação é relevante, mas justifi cam-no de diferentes maneiras. Há professoras que pensam que essa par-ticipação é positiva para informar os representantes das famílias, para perceberem melhor como é que as coisas funcionam num agrupamento escolar e numa escola. Já outras professoras pensam que essa participação justifi ca-se porque os representan-tes das famílias, enquanto parte interessada na educação das crianças e dos jovens, têm o direito de ter uma palavra a dizer sobre como é que as coisas funcionam nas escolas.

“Penso que estando no Conselho Geral percebem como são as coisas na escola”(E2/B)

“Acho que sim, que devem estar... porque eles também têm uma palavra a dizer sobre a educação dos fi lhos e sobre a forma como as coisas funcionam.”

(E5/A)

O facto, por exemplo, desta professora do agrupamento B pensar que a partici-pação dos representantes das famílias é importante para estes saberem como as coisas funcionam numa escola, pode eventualmente basear-se na perceção de uma espécie de incompetência da generalidade das famílias deste agrupamento para par-ticiparem neste tipo de órgãos em situação de igualdade de direitos e de deveres com os representantes do pessoal escolar. Daí que seja positivo haver lá representantes das famílias, ou seja, para aprenderem como as coisas funcionam e informarem as outras famílias. Já a professora do agrupamento A, ao invocar esse direito de partici-pação, parece reconhecer na generalidade das famílias do seu agrupamento um perfi l adequado para poderem assumir esse papel. A proximidade ou a distância cultural face ao perfi l das famílias que os agrupamentos acolhem parece ser aqui o principal critério na base dos juízos dos docentes.

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Duas das professoras entrevistadas faziam parte do Conselho Geral do Agrupa-mento B, o que é interessante porque também uma das mães que entrevistámos per-tencia ao Conselho Geral do mesmo agrupamento. Estas professoras mantêm baixas expectativas em relação à participação dos representantes das famílias (Sá, 2004), em virtude daquilo que são as suas experiências. Revelam que os representantes das famílias faltam com frequência e criticam até a sua participação neste órgão. É, do seu ponto de vista, uma participação muito reduzida, essencialmente por falta de domínio das matérias que são discutidas durante as reuniões, mas também porque quando intervêm tendem a privilegiar a sua realidade próxima e não o todo que é o agrupamento. Tendem a centrar-se demasiado na realidade dos seus fi lhos e fi lhas e das suas turmas, algo que as professoras consideram ser um problema e que prejudi-ca a participação dos representantes das famílias no Conselho Geral.

“Quando chegamos a essa parte calam-se... não estudaram, não se preparam antes da reunião e portanto fi cam calados. E por vezes até se questiona o que é que o pai acha e o que é que a mãe acha... e não dão.”

(E3/B)

“Eu acho que eles não são assim muito participativos e quando participam é mais por questões, se calhar, de ordem pessoal... de resto... penso que não haja grande participa-ção. Até faltam com frequência...”

(E4/A)

Perspetivas do poder local

Os representantes das autarquias locais nos agrupamentos A e B consideram ambos que a participação dos representantes das famílias nos conselhos gerais é importante, mas fazem um balanço tendencialmente negativo dessa participação, bem distante das razões pelas quais este tipo de políticas ganharam peso nos vá-rios sistemas educativos (Sliwka & Istance, 2006). O representante do poder local no agrupamento B fala na pouca assiduidade, na pouca intervenção dos representantes das famílias quando estes estão presentes, na falta de preparação das reuniões. O representante do poder local no agrupamento A fala numa agenda política escondida que existe por trás da participação dos representantes das famílias nos conselhos gerais. Ambos falam na tendência da participação dos representantes das famílias se centrar em questões demasiado específi cas, muito ligadas à realidade concreta dos seus fi lhos e fi lhas, da escola que estes frequentam, caracterizando-se por um grande desconhecimento da realidade concreta das várias escolas dos agrupamentos.

“Em primeiro lugar, os representantes das famílias primam, em parte, pela ausência. Não julgo que eles tenham a noção... da importância da sua participação nos conselhos gerais. (...) A pessoa que está habitualmente não é, por hábito, participativa... deveria ser... mas

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as intervenções são bastante escassas. Habitualmente, o que acontece na maioria das situações é que os pais ou nem sequer leram os documentos... ou, quando levantam questões, levantam muitas vezes questões particulares de um determinado grupo, de uma determinada turma, de uma determinada escola...

(E17/B)

“...regra geral... é muito focado nos seus próprios problemas, na escola onde o seu fi lho estuda. Se lhes perguntarem o que se passa na escola A, B ou C, desconhecem.” ; “Muitas pessoas que estão representadas em conselho geral, nomeadamente representantes de pais ou APEE, têm outros interesses pessoais por de trás daquela representação. Portan-to, eles já encaram aquela representação como uma forma de projeção pessoal. Porque a maior parte deles... já pertencem, já fazem parte dos órgãos de direção da [confederação das APEE do município], são candidatos à Assembleia Municipal, portanto, têm outro tipo de perspetivas e é mais uma forma de se projetarem pessoalmente... ”

(E18/A)

Importa destacar três aspectos que decorrem dos dados apresentados. Em pri-meiro lugar, a participação dos representantes das famílias fi ca aquém das expec-tativas (sobretudo no caso do Agrupamento B) o que acontece por várias razões as-sociadas essencialmente à ausência, à impreparação e, por conseguinte, à falta de intervenção. Em segundo lugar, num contexto mais favorecido no qual as lideranças das APEE competem por lugares de destaque ao nível municipal, quer associados à confederação das APEE do município, quer associados aos próprios órgãos do poder local, a participação no Conselho Geral tende a ser observada mais como uma forma de projeção política e promoção pessoal do que propriamente como uma função de efetiva representação dos interesses, das difi culdades e as expectativas das famílias que os agrupamentos acolhem. Em terceiro lugar, a participação dos representantes das famílias tende a ser caracterizada pelo desconhecimento da situação global das escolas dos agrupamentos, focando-se sobretudo em questões particulares ligados às escolas e às turmas em que estudam os fi lhos e fi lhas dos representantes.

Considerações fi nais

Numa publicação do Conselho Nacional de Educação sobre as relações escola-família-comunidade, lançada precisamente no ano que que foi aprovado o regime jurídico que instituía o Conselho Geral enquanto órgão de direção estratégica dos agrupamentos de escolas, fundado no argumento da participação democrática, Da-vies (2008) defendeu que as nossas sociedades democráticas devem assentar na garantia de que todos os cidadãos e todas as cidadãs tenham a oportunidade de infl uenciar as decisões que afetam direta ou indiretamente as suas vidas e que nor-malmente são tomadas nas instituições públicas.

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Como também defendeu Torres Santomé (2011), no caso específi co das escolas públicas, isto signifi ca que as famílias, bem como outras pessoas e instituições da comunidade, devem ter o direito, que é ao mesmo tempo um dever de cidadania, de se envolverem e participarem, de maneira signifi cativa, na vida escolar. Esta ideia básica de envolvimento e participação na vida das instituições públicas, segundo um modelo cívico, é na verdade a essência do modo de vida democrático e a melhor garantia da concretização da justiça social e curricular, desde que toda a diversidade cultural, todos os interesses, expectativas e problemas de encontrem devidamente representados nos modelos de gestão e nos órgãos escolares.

O cenário que se nos apresenta a partir dos casos de dois agrupamentos esco-lares é bastante preocupante. Não é evidente que o Conselho Geral garanta uma efetiva participação democrática das famílias com impacto positivo na vida das esco-las. Em primeiro lugar, nem sempre os processos de designação dos representantes das famílias são eletivos, havendo representantes que se encontram nessas funções mediante convite. Em segundo lugar, os representantes das famílias não representam de facto a diversidade de culturas, interesses e expectativas que caracteriza a vida das próprias famílias que supostamente representam. Em terceiro lugar, os represen-tantes das famílias encontram-se sistematicamente em minoria.

Adicionalmente existem outros problemas igualmente preocupantes. Os represen-tantes das famílias:

• Não comparecem com regularidade nas reuniões, projetam uma imagem impre-parada e tendem a centrar-se em problemas específi cos dos seus educandos, das suas turmas e das suas escolas.• Agem isoladamente, sem rede, sem nenhum projeto de representação. Não co-nhecem com profundidade as realidades das várias escolas e dos diversos tipos de famílias. • Não cooperam com os representantes das famílias ao nível das turmas nem têm uma estratégia de comunicação para fazer circular a informação junto destes sobre o que se passa no Conselho Geral, de forma simples e adequada.

O cenário é sobretudo um cenário de profunda contradição. Sendo certo que tanto os representantes das famílias, como os docentes e os representantes do poder local consideram importante a presença de representantes das famílias nos conselhos ge-rais, a verdade é que participação efetiva destes nesses órgãos fi ca muito longe de uma participação democrática que contribua para uma maior justiça social e curricular nas escolas, com vista à fortalecer as comunidades escolares e a reduzir as desigual-dades. A retórica da participação democrática não tem aderência na realidade.

A disponibilidade da classe docente e das direções para alterar substancialmente as correlações de forças no seio dos conselhos gerais, bem como a ligação e atuação em rede dos representantes das famílias em diversos níveis, tal como a existência de um verdadeiro projeto de representação, coletivamente debatido e construído, pode-

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riam contribuir para uma melhoria signifi cativa da vida democrática nas escolas em ordem à construção de agrupamentos mais fortes, porque mais inclusivos e atentos às necessidades das famílias que servem.

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O Departamento de Educação do Instituto Superior de Ciências Educativas, em parceria com o Centro de Formação de Associação de Escola de Loures Orienta promoveu as segundas Jornadas Pedagógicas, na senda de dois ante-riores Congressos, sobre “O Supervisor como Líder de Comunidades Inclusivas Aprendentes”.

Tratou-se de um espaço e de um tempo de reflexão em nos propusemos dar ampla expressão à investigação que tem vindo a ser produzida com o objetivo de compreender a supervisão por referência a toda a escola que se quer dialogante, aprendente e inclusiva, e a sua focalização na formação inicial e contínua de pro-fessores no desenvolvimento profissional dos agentes de educação e a sua influ-ência no desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, bem como a importância das lideranças para o desenvolvimento das instituições e da tomada de decisões e de subsequentes medidas promotoras de sucesso dos alunos.

Usufruiu-se de uma ocasião importante de análise das práticas educativas inclusivas e de debate sobre a adequação dos modelos de formação de educa-dores e professores aos novos desafios sociais, enquanto processos de desen-volvimento em que o pessoal e o profissional se entretecem através de transições ecológicas que ocorrem perante a realização de novas atividades, o desempe-nho de novos papéis e a interação com outros actores sociais, sob a influência das relações entre contextos mais imediatos e os contextos mais vastos em que aqueles se integram.

Contou-se com um conjunto notável de artigos resultantes de conferências, de um painel e de cerca de três dezenas de comunicações que propiciaram o questionamento e a interação entre especialistas, professores e futuros profes-sores, numa perspetiva de relação entre pensamento e ação e entre teoria e experiência.

Não podendo deixar de expressar a congratulação sentida pelo elevado ní-vel dos trabalhos e pela riqueza das ideias e perspetivas debatidas, de cuja fe-cundidade muito haverá a esperar, mas considerando a impossibilidade de se dar conta da grande qualidade das conferências proferidas e das comunicações apresentadas, optou-se por delinear um quadro de conceitos-chave que foram

CONCLUSÕES

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desenvolvidos e que se entende exprimirem as conclusões das Jornadas Peda-gógicas, a saber:

1. A Supervisão em Contextos Organizacionais Reflexivos. A revisitação do conceito de supervisão, tendo em conta a sua evolução e a diversidade e di-ferenciação dos contextos em que ocorre, e a sua qualidade no que se refere aos princípios de formação que lhe subjazem, relevando a razão pedagógica como fundamento de um tipo de relação supervisiva que convoca para a educação a Pessoa, na sua própria singularidade, contexto e circunstância. 2. A Investigação sobre Práticas Educativas. A atividade investigativa do pro-fessor no sentido de atividade inquiridora, questionadora e fundamentada sobre a sua própria prática com propósitos específicos de se constituir em processo de construção de conhecimentos sobre a prática, assumindo-se o professor como protagonista no campo curricular e profissional em ordem ao desenvolvimento profissional e organizacional.3. As Práticas Inclusivas. O conceito de Inclusão no âmbito específico da Edu-cação, implica, antes de mais, rejeitar, por princípio, a exclusão (presencial ou académica) de qualquer aluno da comunidade escolar. Para isso, a escola que pretende seguir uma política de Educação Inclusiva (EI) desenvolve polí-ticas, culturas e práticas que valorizam o contributo ativo de cada aluno para a construção de um conhecimento partilhado e, desta forma, atingir a qualidade académica e sociocultural sem discriminação.4. As Comunidades de Aprendizagem. A emergência de comunidades de prá-tica, enquanto solução pouco formalizada de trabalho e aprendizagem cola-borativa, funcionando em rede com comunidades integradas noutras organi-zações, busca soluções e partilha práticas organizacionais, tendo em vista a melhoria contínua de processos e produtos, constituindo-se como espaços de aprendizagem, por força da troca intensiva de informação e conhecimentos.5. A Gestão e Administração Escolar. A problematização do trabalho do gestor escolar no quadro da territorialização das políticas educativas legitima a esco-la como lugar central da gestão, levando-a a assumir a sua própria identidade, adquirindo, transferindo e partilhando o conhecimento e modificando a sua ação a partir de uma orientação para a mudança, a adaptação, a inovação e a participação dos representantes das famílias e da comunidade nos processos de decisão.

Maria dos Anjos Cohen

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Nesta obra, que emerge das Jornadas Pedagógicas do ISCE, dá-se ampla expressão à investigação que tem vindo a ser produzida com o objetivo de compreender a supervisão por referência a toda a

escola que se quer dialogante, aprendente e inclusiva, e a sua focalização na formação inicial e contínua de professores e no

desenvolvimento profi ssional dos agentes de educação e a sua infl uência no desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, bem como a

importância das lideranças para o desenvolvimento das instituições e da tomada de decisões e de subsequentes medidas promotoras

de sucesso dos alunos.

Analisam-se práticas educativas inclusivas e de debate-se sobre a adequação dos modelos de formação de educadores e professores aos novos desafi os sociais, enquanto processos de desenvolvimento em que o pessoal e o profi ssional se entretecem através de transições ecológicas

que ocorrem perante a realização de novas atividades, o desempenho de novos papéis e a interação com outros atores sociais, sob a infl uência das relações entre contextos mais imediatos e os contextos mais vastos

em que aqueles se integram.

SUPERVISÃO, LIDERANÇA E INCLUSÃO

MARIA DOS ANJOS COHEN é Diretora do Departamento de Educação do Instituto Superior de

Ciências Educativas. Desempenhou funções técnico-pedagógicas no entretanto extinto Instituto de Inovação Educacional, foi Coordenadora de serviços na Direcção-Geral do Ensino Superior, docente da Universidade

de Évora e membro de comissões de avaliação externa de cursos de formação de professores. Durante a sua longa carreira, sempre ligada ao Sistema Educativo, desenvolveu um profundo conhecimento do sistema,

em particular no campo da formação de professores.