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1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
MARIA EUGÊNIA DOIN VIEIRA
COBRANÇA PELO USO DO SOLO:
TAXA E PREÇO
MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO
SÃO PAULO
2012
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
MARIA EUGÊNIA DOIN VIEIRA
COBRANÇA PELO USO DO SOLO:
TAXA E PREÇO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título MESTRE em Direito do Estado,
subárea Direito Tributário, sob a orientação da Professora
Doutora Elizabeth Nazar Carrazza.
SÃO PAULO
2012
3
BANCA EXAMINADORA
____________________________
____________________________
____________________________
4
RESUMO
Este estudo aborda alguns dos aspectos relevantes envolvendo a cobrança pelo
uso do solo exigida pelos Municípios em face das prestadoras de serviços públicos,
precipuamente das empresas concessionárias que prestam esses serviços sob o regime
prevalecente de direito público. Cuida-se de cobrança periódica em razão da manutenção de
equipamentos de infraestrutura nos espaços públicos municipais.
Embora a instituição dessa cobrança seja peculiar em cada Município,
aproximando-se da cobrança de taxa ou preço de acordo com a norma instituidora, é possível
identificar traços de similaridade jurídica que norteiam a exigência, permitindo seu estudo
abstrato, à luz das diretrizes constitucionais e disposições legais aplicáveis, visando avaliar a
caracterização dessa cobrança como taxa e preço.
A investigação efetuada nesse estudo envolve temas de direito tributário e de
administrativo, os quais são aprofundados de acordo com sua pertinência para a análise
desenvolvida, portanto, sem a pretensão de exauri-los.
Para abordagem do tema, parte-se da breve análise do sistema constitucional
tributário, bem como das peculiaridades da prestação do serviço público concedido. Com base
nessas considerações, são abordadas as principais características da cobrança pelo uso do
solo, confrontando-as com os critérios caracterizadores das taxas, como espécie tributária
relevante, bem como com as características primordiais dos preços. Por fim, são apresentadas
conclusões acerca da cobrança pelo uso do solo e de sua compatibilidade com o nosso
Sistema Jurídico.
Palavras-chave: DIREITO TRIBUTÁRIO, USO DO SOLO, COBRANÇA MUNICIPAL, TAXA, PREÇO, SERVIÇO PÚBLICO.
5
ABSTRACT
The present study deals with some of the relevant topics concerning the charged
fee over soil use that is demanded by Municipalities in lieu of the public service that
suppliers, specially the concessionaires, render mainly under the regime of Public Law. A
periodic charge is requested due to equipment maintenance of the infrastructure in the public
municipal spaces.
Although the demand of such charge remains specific to every municipality,
getting close to the charge of a rate or price according to the institutional rule, it is possible to
identify similar legal traits that guide this charging, allowing its demand an abstract study, in
view of constitutional guidelines and applicable legal dispositions, aiming at the evaluation
concerning this charged amount characterized as rate and price.
The investigation made in this study involves Tax and Administrative Law issues,
which are deepened according to its relevance for the developed analysis, therefore, with no
intention to exhaust both topics.
In order to approach this theme, the first part is a brief analysis of the tax
constitutional system, as well as the specificities on public service rendering performed
through concessions. Based on those considerations, the main features on charging for soil use
are discussed, comparing them with the criteria regulating the rates, as relevant tax specie,
together with the main characteristics on prices. Finally, conclusions are presented regarding
the charges made on soil use and its compatibility with our Judicial Regulations.
KEY WORDS: TAX LAW, USE OF SOIL, MUNICIPAL CHARGE, RATE, PRICE, PUBLIC SERVICE.
6
SUMÁRIO
1. CONSIDERAÇÕES SOBRE SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO................ 13
1.1.Noção de Sistema e de Sistema Jurídico (Direito Positivo) .......................................... 13
1.2.Noção de Princípio ........................................................................................................ 25
1.3.Princípio Republicano ................................................................................................... 28
1.4.Princípio Federativo ....................................................................................................... 33
1.5.Considerações sobre o Município na Federação Brasileira ........................................... 37
1.6.Autonomia Municipal .................................................................................................... 41
1.7.Repartição das Competências Tributária e Sistema Tributário Nacional ...................... 43
1.8.Imunidade Recíproca ..................................................................................................... 53
a. Conceito de Imunidade ..................................................................................... 54
b. Imunidade Recíproca ........................................................................................ 56
c. Considerações sobre o art. 150, §3º, da CF/88 ................................................. 58
d. Espécies Tributárias Abrangidas ...................................................................... 61
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE SERVIÇO PÚBLICO ................................................ 64
2.1.Esclarecimentos Preliminares ........................................................................................ 64
2.2.Serviço Público .............................................................................................................. 66
2.3.Classificação dos Serviços Públicos .............................................................................. 72
2.4.Delegação do Serviço Público ....................................................................................... 73
a. Distinções em Relação à Classificação do Serviço Público ............................. 74
b. Concessão do Serviço Público e sua Remuneração por Tarifa ........................ 75
c. Política Tarifária do Serviço Público Concedido ............................................. 76
2.5.Princípios Aplicáveis à Prestação do Serviço Público .................................................. 79
a. Supremacia do Interesse Público ...................................................................... 81
b. Universalidade .................................................................................................. 82
c. Continuidade da Prestação ............................................................................... 83
7
d. Modicidade das Tarifas .................................................................................... 84
2.6.Bens Públicos e sua Reversibilidade ............................................................................. 86
a. Noção de Bens Públicos ................................................................................... 87
b. Classificação dos Bens Públicos ...................................................................... 89
c. Rede de Infraestrutura das Concessionárias e Reversibilidade ........................ 91
3.1.Esclarecimentos Preliminares ........................................................................................ 94
3.2.Delineamento das Taxas ................................................................................................ 96
a. Especificidade e Divisibilidade ........................................................................ 96
b. Referibilidade ................................................................................................. 101
c. Base de Cálculo .............................................................................................. 102
d. Inaplicabilidade do Princípio da Capacidade Contributiva ............................ 105
e. Competência para Instituição ......................................................................... 108
3.3.Inconstitucionalidade da Taxa de Uso ......................................................................... 109
3.4.Taxa de Serviço e Impossibilidade de sua Cobrança pelo Uso do Solo ...................... 112
3.5.Caracterização da Taxa de Polícia ............................................................................... 115
3.6.Distinção entre Taxa de Polícia e Cobrança pelo Uso do Solo ................................... 120
4. ANÁLISE DE PREÇO E IMPOSSIBILIDADE DE SUA COBRANÇA PELO USO
DO SOLO ................................................................................................................ 124
4.1.Esclarecimentos Preliminares ...................................................................................... 124
4.2.Impactos da Constituição Federal de 1946 .................................................................. 126
4.3.Críticas acerca da Expressão Preço Público ............................................................... 128
4.4.Noções de Preço .......................................................................................................... 130
4.5.Descaracterização da Cobrança pelo Uso do Solo como Preço................................... 134
a. Relevante Interesse Coletivo .......................................................................... 134
b. Compulsoriedade do Uso do Bem Público ..................................................... 136
c. Ausência de Vontade Contratual e Preço como Obrigação Legal .................. 137
8
d. Afronta aos Princípios Aplicáveis à Prestação do Serviço Público ............... 139
e. Reversibilidade dos Bens Públicos empregados na Prestação do Serviço
Público ............................................................................................................ 141
CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 145
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 150
ANEXO DE LEGISLAÇÃO MUNICIPAL .......................................................................... 159
A. Município de Ferraz de Vasconcelos: Lei Complementar n° 99/99 ............... 159
B. Município de Ji-paraná: Lei n° 1.199/02 ........................................................ 161
C. Município de São Paulo: Lei n° 14.054/05 .................................................... 162
D. São Vicente: Lei Complementar n° 357/01 .................................................... 163
9
INTRODUÇÃO
Na última década tem se propagado a edição de leis visando à cobrança pelo uso
do solo, exigida pelos Municípios em face de empresas de serviços públicos que mantêm
equipamentos de infraestrutura implantados nos espaços públicos municipais, seja no solo,
subsolo e espaço aéreo1. Trata-se de imposição amplamente conhecida como cobrança pelo
“uso do solo”, embora envolva também o subsolo e os espaços aéreos municipais.
Pela própria natureza de suas atividades, as concessionárias de serviços públicos
de energia elétrica, gás, telecomunicações, dentre outros, são diretamente afetadas por essa
cobrança, considerando a ampla gama de equipamentos implantados em áreas públicas,
decorrente da necessidade de universalização da prestação.
Nos termos da lei, a cobrança é exigida periodicamente, com base na metragem
da área utilizada ou mesmo considerando unidades de equipamentos implantados (v.g.
número de postes, de armários, de orelhões, etc.).
Com a consagração do princípio da autonomia municipal, os Municípios, ansiosos
por incrementar em suas receitas considerando a limitação da competência tributária que lhes
outorga o Texto Constitucional, buscam formas juridicamente legítimas de financiarem seus
gastos.
Limitados na inovação tributária, os Municípios identificaram a cobrança pelo uso
do solo urbano (solo, subsolo e espaço aéreo), embasando-se na competência que têm para
dispor sobre os assuntos de interesse local e o ordenamento do territorial, inequivocamente
aplicável ao regramento da ocupação e uso do solo urbano.
As áreas públicas de titularidade dos Municípios, em lugar de apenas trazerem os
ônus decorrentes de sua gestão, foram consideradas como possíveis fontes de remuneração,
ainda que, conforme se verifique ao longo do presente estudo, forma juridicamente correta de
instituição e cobrança não tenha sido identificada.
1 Vide anexo de legislação municipal, no qual são acostadas, a título ilustrativo, algumas leis municipais
versando sobre a cobrança pelo uso do solo.
10
Retome-se que a ocupação de espaços públicos por particulares já era, de alguma
forma, remunerada (v.g., alvarás e licenças exigidas de bancas de jornal, feiras livres),
conforme oportunamente abordado. Entretanto, com relação aos equipamentos de
infraestrutura, principalmente aqueles necessários à prestação de serviços públicos atribuídos
à União e aos Estados, antes de sua delegação às empresas privadas, não era de praxe a
cobrança de quaisquer valores.
Inicialmente implantados pelo Poder Público, referidos equipamentos de
infraestrutura eram mantidos em espaços públicos municipais sem quaisquer ônus, não fosse
pela falta de iniciativa de cobrança, quiçá em razão da imunidade recíprocas imposta pelo art.
150, VI, “a”, da CF/882, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
“instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”.
Entretanto, em decorrência do Plano Nacional de Desestatização, introduzido pela
Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, em segundo momento substituído pela Lei nº 9.491, de
09 de setembro de 1997, cujo principal objetivo foi “reordenar a posição estratégica do
Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas
pelo setor público” (art. 1º da Lei nº 9.491/97), diversos serviços públicos prestados pelo
Estado foram delegados à iniciativa privada, que passou a gerir os equipamentos de
infraestrutura já existentes, além de assumirem o compromisso de investimentos necessários à
renovação e melhoria da qualidade dos serviços.
Paralelamente, o desenvolvimento tecnológico e científico viabilizou que as
empresas particulares tivessem condições econômicas de implantar novas redes de
infraestrutura, as quais, no passado, em razão dos elevados custos envolvidos, seriam
concebíveis somente pelo Poder Público. É o caso, a título ilustrativo, do sistema de televisão
a cabo e das dutovias de resíduos e produtos químicos, originariamente financiadas por
empresas particulares, no regular exercício de suas atividades econômicas.
2 Não se aprecia, nessa introdução, a aplicação da imunidade recíproca após o processo de privatização,
principalmente à luz do parágrafo terceiro do mesmo artigo 150 da CF/88, ao aclarar que “as vedações do inciso
VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com
exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que
haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da
obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”. Esse tema será abordado ao serem tecidas as
considerações específicas em tópico próprio.
11
Como decorrência dessa assunção da execução dos serviços públicos por
empresas privadas, alterando-se a titularidade dos equipamentos de infraestrutura, restou
ainda mais vívida a pretensão municipal de cobrança pelo uso do solo, considerando-se
possível onerar empresas que exercem atividade visando o lucro.
Sendo o tributo a principal forma de abastecimento dos cofres públicos3, a
cobrança pelo uso do solo merece ser apreciada sob a perspectiva do direito tributário. Ante a
preocupação constitucional de repartição rígida das competências tributárias, bem como à luz
das espécies tributárias existentes, o estudo da cobrança pelo uso do solo tem pertinência
considerando o perfil jurídico das taxas.Aliás, foi sob essa alcunha que a cobrança foi imposta
na legislação de alguns Municípios4.
A análise da cobrança sob perspectivas do direito tributário terá como condão
avaliar se a cobrança pelo uso do solo pode ser considerada efetiva taxa, atendendo os
requisitos constitucionais e legais aplicáveis. Sob esse prisma, questão a ser enfrentada diz
respeito à imunidade recíproca, principalmente à luz das manifestações do Supremo Tribunal
Federal sobre o tema, exaradas ao apreciar caso específico de cobrança de taxa envolvendo o
Município de Ji-paraná.5
Uma vez descaracterizada a cobrança como tributária, é válido analisar se a
cobrança de preço público seria uma alternativa apta a justificar a exigência pecuniária pelos
Municípios em contraprestação pelo uso do solo. Exatamente dessa forma é que a cobrança
3 O tributo é historicamente forma de transferência de recursos financeiros para o Estado. Não se ignora que, no
atual estágio de intervenção estatal, o tributo passou a ser amplamente utilizado como instrumento de estimulo
ou desestimulo da atividade econômica privada, prestando-se, nesses casos, para fins extrafiscais. Com isso,
evidencia-se que a arrecadação fiscal necessariamente não é único objetivo tributário, mas certamente ainda pode
ser considerada seu objetivo precípuo.
4 Nesse sentido, mencione-se, a título ilustrativo, a Lei Complementar Municipal n° 99, de 27 de dezembro de
1999, editada pelo Município de Ferraz de Vasconcelos, visando cobrar “Taxas de Fiscalização de Ocupação e
Permanência em Áreas de Vias e Logradouros Públicos”. A norma está transcrita no anexo de jurisprudência.
5 Por meio do Recurso Extraordinário n° 581.947/RO, sob a relatoria do Ex-Ministro Eros Grau, o Supremo
Tribunal Federal apreciou a legitimidade da cobrança imposta com base na Lei Municipal n° 1.199, de 31 de
dezembro de 2002, que “autoriza o executivo municipal a criar a taxa de licença e royalties para uso e
ocupação de solo nas vias e logradouros públicos e espaço aéreo no município de Ji- Paraná - RO.”
12
foi tratada em outros Municípios6, vinculando-a com a permissão precária e onerosa de uso de
bem público concedido.
Porém, também sob esse prisma, serão apontadas as principais incongruências
verificadas, que evidenciam a incompatibilidade jurídica com este instituto, não só pela
impossibilidade de sua exigência em face de serviço público, como pela ausência de
discricionariedade na hipótese, sob pena de inviabilizar a consecução do serviço concedido.
Aponte-se que por ser o direito tributário um direito de superposição, que incide
sobre realidades decorrentes de outros ramos do direito, o estudo da cobrança pelo uso do solo
torna imprescindível a abordagem, ainda que breve, de alguns conceitos exauridos do direito
administrativo, para bosquejo das atribuições municipais na gestão da coisa pública, bem
como para abordar conceito e princípios aplicáveis aos serviços públicos e sua concessão,
considerando o tratamento constitucionalmente dado ao tema.
Ainda que sob esse ramo didático do direito não se pretenda exaurir as questões
abordadas, serão traçadas premissas terão impacto direto nas conclusões atingidas em cada
etapa.
6 A título ilustrativo, mencione-se trecho da legislação de São Paulo e de São Vicente, cujas íntegras estão no
anexo jurisprudencial:
Lei Municipal de São Paulo n° 14.054/05: “Art. 1º O Poder Executivo Municipal fica autorizado a fixar e a
cobrar mensalmente preço público relativo à ocupação e uso do solo municipal pelos postes fixados em
calçadas e logradouros.”
Lei Complementar Municipal de São Vicente n° 357/01: “Art. 9º - O preço público pela permissão de uso das
vias e logradouros públicos, inclusive espaços aéreos e subterrâneos, e das obras de arte no Município, a ser
pago pelas entidades de direito público e privado, para a realização de eventos ou para implantação, instalação
e passagem de equipamentos urbanos para a prestação de serviços de infra-estrutura urbana será representado
por contribuição pecuniária.”
13
1. CONSIDERAÇÕES SOBRE SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
1.1. Noção de Sistema e de Sistema Jurídico (Direito Positivo)
GERALDO ATALIBA7 aponta com sabedoria que “o estudo de qualquer
realidade – seja natural, seja cultural – quer em nível científico, quer didático, será mais
proveitoso e seguro, se o agente é capaz de perceber e definir o sistema formado pelo objeto
e aquele maior, no qual este se insere. Se se trata de produto cultural, ainda que o esforço
humano que o produziu não tenha sido consciente de elaborar um sistema, previamente
deliberado nesse sentido, deve procurá-lo e apreendê-lo o observador ou interprete.”
Etimologicamente, a palavra sistema é originária do vocábulo grego systema,
derivado de syn-istemi, que significa composto, construído. “Na sua significação mais
extensa, o conceito aludia, de modo geral à idéia de uma totalidade construída, composta de
várias partes.” São os ensinamentos TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR8, ao deduzir
que da filosofia grega foram extraídas as bases genéricas do uso dessa palavra.
Sem pretender exaurir o tema, o Autor prossegue abordando as ambiguidades9 e
alterações da noção inicial de sistema que, com o passar do tempo, evoluiu para significar não
apenas o composto de elementos, mas o composto de elementos que estão reunidos segundo
uma lógica ou organização.
Ao discorrer sobre a Teoria da Norma Jurídica, o Autor apresenta seu conceito de
sistema como “um conjunto de objetos e seus atributos (repertório do sistema), mais as
relações entre eles, conforme certas regras (estrutura do sistema). Os objetos são os
7 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 4/5.
8 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Conceito de Sistema no Direito: Uma Investigação Histórica a Partir da Obra
Jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 9/12.
9 “Si la designación de las palabras suele resultar insuficiente en gran número de casos, la situación se
complica cuando una palabra tieno dos o más designaciones. La condición de una palabra con más de un
significado se llama polisemia o, más comúnmente ambigüedad.” (GUIBOURG, Ricardo; GUIGLIANI,
Alejandro & GUARINONI, Ricardo. Introducción al Conocimiento Cientifico. Buenos Aires: EUDEBA, 1985,
p. 49.)
14
componentes do sistema, especificados pelos seus atributos, e as relações dão o sentido de
coesão ao sistema.”10
É o que se verifica da obra de CLAUS–WILHELM CANARIS11, que, após
abordar as múltiplas divergências em aspectos específicos do conceito geral de sistema,
aponta que “há duas características que emergiram em todas as definições: a da ordenação e
a da unidade.” Aclarando-as, prossegue o Autor alemão:
“No que respeita, em primeiro lugar, à ordenação, pretendese, com ela
exprimir um estado de coisas intrínseco racionalmente apreensível, isto é, fundado
na realidade. No que toca à unidade, verificase que este factor modifica o que
resulta já da ordenação, por não permitir uma dispersão numa multitude de
singularidades desconexas, antes devendo deixálas reconduzirse a uns quantos
princípios fundamentais.”
Noção similar se extrai da lição de LOURIVAL VILANOVA12:
“Em suma, falamos de sistema onde encontrem elementos e relações e uma
forma de dentro de cujo âmbito, elementos e relações se verifiquem. O conceito
formal de todo (no sentido husserliano) corresponde ao sistema. Sistema implica
ordem, isto é, uma ordenação das partes constituintes, relações entre as partes ou
elementos. As relações não são elementos do sistema. Fixam, antes, sua forma de
composição interior, sua modalidade de ser estrutura.”
Na lição de MARCELO NEVES13, sistema é compreendido como “um conjunto
de elementos (partes) que entram em relação formando um todo unitário.”
10 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica: Ensaio de Pragmática da Comunicação
Normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 140.
11 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 12/13.
12 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad,
1997, p. 173.
13 NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 2.
15
Nesse sentido, fixando a premissa de que os elementos do sistema não podem ser
bem compreendidos se dissociados de seus princípios gerais e caracteres essenciais, muito
precisa a constatação de GERALDO ATALIBA14, ao aduzir que:
“Daí porque, à dificuldade da tarefa de se reconhecer os sistemas,
principalmente normativas, se acrescentam as de preservar, mesmo no exame da
minúcia mais particular, os princípios mais genéricos informadores de todo o
sistema. Isto porque, os elementos integrantes de um sistema não lhe constituem o
todo mediante sua soma, mas desempenham funções coordenadas, uns em função
dos outros e todos harmonicamente, em função do todo (sistema).”
Dessas breves considerações, depreende-se que, apesar de se tratar de um termo
que admite uma pluralidade de sentidos15, a noção de sistema corresponde ao aglutinamento
de elementos que se relacionam segundo determinada organização ou sentido comum, a qual
deve ser preservada, ainda que se avalie os elementos segregadamente.
A pluralidade de sentidos que envolvem a noção de sistema em nada se dissipa
quando se perquire o significado da expressão Sistema Jurídico. A ambiguidade dessa
expressão é objeto de análise por PAULO DE BARROS CARVALHO16, que se preocupa em
advertir ser o termo relacionado tanto ao Direito Positivo, considerando as normas jurídicas17
propriamente ditas, como à Ciência do Direito, compreendida como os textos descritivos das
normas jurídicas elaborados pelo cientista do direito18.
Considerando que o texto científico pressupõe o emprego de linguagem acurada,
o uso da expressão Sistema Jurídico demanda zelo especial.
14 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 7.
15 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Conceito de Sistema no Direito: Uma investigação Histórica a Partir da Obra
Jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1796, p. 8.
16 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 168.
17 Tratando-se de expressão que padece de ambiguidade, cumpre esclarecer que norma jurídica tal como
empregada faz referência aos enunciados do direito positivo, ou seja, os textos legislativos lato senso, em lugar
de se referir às normas jurídicas construídas pelo exegeta do direito com base na análise e interpretação desses
enunciados.
18 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 33/36.
16
Em breve referência aos pressupostos do neopositivismo lógico19, a linguagem
utilizada no texto científico deve buscar precisão, de modo que reflita com a máxima exatidão
possível as situações que descreve. Com isso, demanda atenção nos planos semântico,
sintático e pragmático. Leciona PAULO DE BARROS CARVALHO20 que:
“(...) o conhecimento de toda e qualquer manifestação de linguagem pede a
investigação de seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a
pragmática. Só assim reuniremos condições de analisar o conjunto de símbolos
gráficos e auditivos que o ser humano emprega para transmitir conhecimentos
(...)”.
De acordo com essa doutrina, o plano sintático (estrutural) aborda o
relacionamento que os símbolos linguísticos mantém uns com os outros, os vínculos
estabelecidos quando estruturados. O plano semântico (significativo) versa sobre as ligações
dos símbolos linguísticos com os objetos significados, como forma de referência à realidade.
O plano pragmático (de aplicação) trata da relação da linguagem e seus usuários.
No plano sintático, o rigor é fundamental para assegurar a coesão do discurso.
Tratando-se do sistema de direito positivo, aplica-se a lógica deôntica (dever-ser), refletida no
uso da linguagem prescritiva de condutas humanas, as quais são consideradas como
obrigatórias, permitidas ou proibidas (modais deônticos)21. Sob essa perspectiva, a linguagem
apropriada não se limita à boa disposição das palavras e frases, abrangendo também a relação
das normas entre si.
19 Corrente filosófica estruturada pelo Círculo de Viena, voltada ao estudo do discurso cientifico. “Focados na
linguagem, os neopositivas lógicos contribuíram para apontas as regras do jogo da linguagem científica. Com
alguns de seus pressupostos temos que: (i) as proposições científicas devem ser passíveis de comprovação
empírica, ou legitimadas pelos termos que as compões, quando nada afirmam sobre a realidade (no caso das
tautologias).; (ii) devem convergir para um mesmo campo temático permitindo a demarcação do objeto , o que
lhe garante foros de unidade; (iii) a organização sintática da linguagem cientifica deve ser rígida, submetendo-
se à regras da lógica e aos princípios da identidade, terceiro excluído (verdade/falsidade) e não-contradição;
(iv) suas significações deve ser, na medida do possível, unívocas, e quando não possível, elucidadas.”
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. São Paulo: Noeses, 2009, p. 35.
20 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 132.
21 Sobre os modalizadores da linguagem prescritiva, com lastro na lição de GEORG HENRIK VON WRIGHT,
vide Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008.
17
Já no plano semântico, a precisão da linguagem é atingida com o emprego de
termos unívonos22, em lugar do uso dos termos imprecisos, frequentemente utilizados na
linguagem natural23. O uso do discurso ambíguo ou vago24 não é tolerado por comprometer o
conteúdo descrito.
Preocupando-se o cientista com a linguagem utilizada nos campos semântico e
sintático, tenderá, naturalmente, a reduzir também as imprecisões no discurso causadas pela
carga emotiva, questão afeta ao plano pragmático da linguagem, isto é, que versa sobre a
relação entre os símbolos linguísticos e os usuários.
Ao integrar a ideia transmitida pela linguagem, naturalmente, o intérprete agrega
sua própria carga emotiva ao conteúdo extraído, de acordo com sua valoração pessoal dos
termos, afetando a mensagem transmitida. Como bem remarca ALFREDO AUGUSTO
BECKER25:
“Não somente a fórmula e a linguagem das regras jurídicas, mas qualquer
expressão de linguagem sofre – sempre e necessariamente – deste defeito de
insuficiência em relação à idéia que procura exprimir e que, conseqüentemente,
sempre impõe ao interlocutor (intérprete) a exigência de integrar e completar
aquela idéia.”
22 Conforme aclara Tárek Moysés Moussallem, ao discorrer sobre a ambiguidade terminológica: “Trata-se de
problema eminentemente semântico, pois trabalha a relação entre uma palavra e as demais palavras que
buscam explicá-la.” Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2011, p. 54.
23 “a) A linguagem natural aparece como o instrumento por excelência da comunicação entre as pessoas.
Espontaneamente desenvolvida, não encontra limitações rígidas, vindo fortemente acompanhada de outros
sistemas de significação coadjuvantes, entre os quais, quando fala a mímica.” (CARVALHO, Paulo de Barros.
Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 56).
24 “Esta falta de precisión en el significado (designición) de uma palabra se llama vaguedad: una palabra es
vaga en la medida en que hay casos (reales o imaginarios, poco importa) en los que su aplicabilidad es dudosa;
o por decirlo en términos lógico-matemáticos, no es decidible sobre la base de los datos preexistentes, y sólo
puede resolverse a partir de una decisión lingüística adicional (como la de exigir o no exigir habitualidad, valor
literario o reconocimiento público en el ejemplo de nuestro verdulero con veleidades literarias).” (GUIBOURG,
Ricardo; GUIGLIANI, Alejandro & GUARINONI, Ricardo. Introducción al Conocimiento Cientifico. Buenos
Aires: EUDEBA, 1985, p. 48)
25 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Lejus, 1998, p. 119.
18
Destarte, como prega IRVING M. COPI26: “Se nosso interesse é cientifico,
faremos bem em evitar a linguagem emocional e em cultivar um conjunto de termos que seja,
tanto quanto possível, emotivamente neutro”.
De fato, alerta TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM27, apoiado em CARLOS
SANTIAGO NINO, que “determinadas palavras, além de servirem para transmitir
informações, são também portadoras de alto grau de significado emotivo, ou seja, são
utilizadas para exprimir sentimentos (v.g. a palavra “liberdade”), o que diminui
sensivelmente sua carga informativa.” E prossegue o Autor, em menção à lição de COPI
acima referida: “interessante notar que COPI fala em termos emotivamente neutros e não
valorativamente neutros, pois, conforme já dito, o homem é um ser cultural e, portanto,
indissociável dos valores.”
Assim, no campo pragmático, o rigor linguístico exigido do texto científico tem
como objetivo reduzir os efeitos que a carga emotiva naturalmente utilizada pelo intérprete
afete a mensagem enviada, o que se atinge tanto pela delimitação semântica dos termos
empregados, buscando termos com menor impacto emocional, como também pela precisa
inserção dos símbolos linguísticos na estrutura da mensagem a ser transmitida, aproveitando-
se da articulação dos termos para nortear sua compreensão.
Versando sobre a aplicação dos planos sintático, semântico e pragmático ao
Sistema Jurídico ou Direito Positivo, sintetiza AURORA TOMAZINI DE CARVALHO28:
“Aplicando esta técnica ao direito positivo, o estudo de seu plano sintático,
que tem a Lógica como forte instrumento, permite conhecer as relações estruturais
do sistema e de sua unidade, a norma jurídica. O ingresso no seu plano semântico
possibilita a análise dos conteúdos significativos atribuídos aos símbolos
positivados. É nele que lidamos com os problemas de vaguidade, ambiguidade e
carga valorativa das palavras e que estabelecemos a ponte que liga a linguagem
normativa à conduta intersubjetiva que ela regula. E, as investidas de ordem
pragmática permitem observar o modo como os sujeitos utilizamse da linguagem
26 COPI, Irving Marmer, Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 69.
27 MOUSSALLEM, Tarék Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2011, p. 57. com
referência a CARLOS SANTIAGO NINO, La Validez del Derecho, Buenos Aires: Astrea, 1985.
28 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. São Paulo: Noeses, 2009, p. 157.
19
jurídica para implantar certos valores almejados socialmente. É nele que se
investiga o manuseio dos textos pelos tribunais, bem como questões de criação e
aplicação de normas jurídicas.”
Dessa forma, com escopo de mitigar a ambiguidade, almejando atingir algum
grau29 de rigor semântico, sintático e pragmático no presente estudo, resta fixada a premissa
que o Sistema Jurídico deve ser aqui entendido como o sistema formado por normas jurídicas
existentes em determinado espaço territorial, no caso o território brasileiro, visando regular a
conduta humana. São as prescrições de conduta a serem seguidas, as quais podem ser
qualificadas como válidas ou inválidas para regular a vida social.
Relevante apontar que, sob a perspectiva semântica, esta definição de Sistema
Jurídico encontra amparo na etimologia, já que o termo jurídico decorre do latim juridicu,
que significa relativo ou pertencente ao direito, legal, conforme os princípios do direito. Do
que se conclui que Sistema Jurídico é aquele formado por normas jurídicas, é o próprio
Direito Positivo - muitas vezes denominado de Ordenamento Jurídico -, que somente subsiste
como sistema, conforme abordado a seguir.
Conceito distinto é atrelado ao sistema da ciência do direito, o qual não merece
ser confundido, de forma alguma, com Sistema Jurídico. O sistema da ciência do direito
corresponde ao resultado dos estudos científicos das normas jurídicas existentes, ou seja, do
próprio Sistema Jurídico, buscando identificar metodologicamente seu sentido e alcance30.
Acerca da Ciência do Direito, ALFREDO AUGUSTO BECKER31 assevera:
“O Direito convertese em ciência somente depois de elaborado, isto é,
quando se trata de investigar sua consistência (estrutura lógica da regra jurídica)
e analisar o modo e resultados (efeitos jurídicos) de seu funcionamento (atuação
dinâmica da regra jurídica), como a experiência social do homem em prever e
29 Não há a pretensão de exaurir as imprecisões da linguagem, apenas de mitigá-las.
30 Consoante Paulo de Barros Carvalho, cabe à Ciência “descrever esse enredo normativo, ordenando-o,
declarando sua hierarquia, exibindo as formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do
sistema e oferecendo seus conteúdos de significação.” Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 34.
31 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 53-54, com
referência a NORBERTO BOBBIO, Studi sulla Teoría General Del Diritto, Torino, 1955.
20
impor um determinismo artificial ao comportamento (fazer e não fazer) dos
homens.”
Assim, enquanto que o Sistema Jurídico alberga o conjunto de normas jurídicas, a
Ciência do Direito discorre metodologicamente sobre o Sistema Jurídico, utilizando-se de
linguagem descritiva32. Compõem a Ciência do Direito os textos (sentido lato) que versam
sobre as normas jurídicas, porém, com esse não se confundem, já que, em lugar de
pertencerem ao direito, apenas discorrem acerca deste.
Ao invés de se qualificar como válida ou inválida, critério aplicável às normas
jurídicas componentes do Sistema Jurídico, a Ciência do Direito tem seu conteúdo submetido
a critérios de verdade e falsidade da Lógica Clássica, também denominada Lógica Apofântica
ou Lógica Alética.33
Nesse ponto, merece referência a lição de HANS KELSEN34, ao versar sobre a
interpretação da Ciência do Direito, aduzindo que “a interpretação jurídico-científica não
pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica.”
Prossegue o Autor aclarando que a interpretação “correta” da norma jurídica não compete ao
cientista do direito, mas ao órgão aplicador do direito. O papel da Ciência do Direito é revelar
“todas as significações possíveis, mesmo aquelas que são politicamente indesejáveis e que,
porventura, não foram de forma alguma pretendidas pelo legislador ou pelas partes que
celebraram o tratado, mas que estão compreendidas na fórmula verbal por eles escolhida.”
Desta forma, a Ciência do Direito produz textos pertinentes – atributo decorrente
da veracidade do conteúdo conforme a Lógica Clássica -, quando nada mais reflete do que o
32 “a) Linguagem descritiva, informativa, declarativa, indicativa, denotativa ou referencial é o veículo adequado
para a transmissão de notícias, tendo por finalidade informar o receptor acerca de situações objetivas ou
subjetivas que ocorrem no mundo existencial. Apresenta-se como um feixe de proposições, afirmadas ou
negadas, que remetem o leitor ou o ouvinte aos referentes situacionais ou textuais. É a linguagem própria para
a transmissão do conhecimento (vulgar ou científico) e de informações das mais variadas índoles, sendo muito
utilizada no intercurso da convivência social.” (Paulo de Barros Carvalho. Direito Tributário, Linguagem e
Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 39/40).
33 “A proposição descritiva é verdadeira se o fato lhe corresponde; depende, pois, da experiência.” (Lourival
Vilanova. Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 229/230.)
34 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,
2006, p. 396.
21
conteúdo do próprio Sistema do Direito, devidamente extraído e retransmitido em linguagem
própria (descritiva). Como resultado, enquanto não é dado a ninguém descumprir o Direito
Positivo por não conhecê-lo35, ainda que não compreenda bem o todo sistêmico, o conteúdo
da Ciência do Direito não faz jus a qualquer presunção, podendo ser acatado ou repudiado,
conhecido ou ignorado, sem qualquer impacto nas relações humanas.
Retomando o conceito de sistema inicialmente abordado, pode-se afirmar que
apesar de Sistema Jurídico e Ciência do Direito se tratarem de conceitos notadamente
distintos, em ambos os casos se identifica a presença das características que os enquadram no
conceito de sistema, já que refletem o aglutinamento de elementos que, de acordo com
alguma lógica, se relacionam entre si, unindo-se para formar um todo sistêmico.
Não há como deixar de ponderar que a Ciência do Direito, considerando-se a
vastidão de trabalhos científicos produzidos, não apresenta uma ordem natural, ainda que,
quando considerados individualmente, tais trabalhos tenham sido metodologicamente
desenvolvidos. Ao cientista do direito cabe a ordenação dos textos científicos com base em
critérios unificadores, como por exemplo, por escolas de pensamento ou ramos do direito36.
Porém, ainda assim, seja pela metodologia e lógica que rege os estudos científicos, seja por
outros critérios aglutinantes a serem eleitos pelo cientista, é inafastável a presença do caráter
sistêmico que permite o uso da expressão Sistema da Ciência do Direito.
No que se refere ao Sistema do Direito, merece total guarida o entendimento de
PAULO DE BARROS CARVALHO37 ao aduzir que, ao contrário do que negam alguns38,
35 LICC: “Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”
36 Ainda que essa divisão dos textos científicos em ramos do direito seja meramente didática, como assevera
Alfredo Augusto Becker: “Pela simples razão de não poder existir regra jurídica independente da totalidade do
sistema jurídico, a autonomia (no sentido de independência relativa) de qualquer ramo do direito positivo é
sempre unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado
número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúnem num grupo orgânico e que une esse
grupo à totalidade do sistema jurídica.” Teoria Geral do Direito Tributário. 3º ed. São Paulo: Lejus, 1998, p.
31.
37 Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 169.
38 O autor faz referência à obra de KANT ao tratar do tema, ao mencionar que “não faltam os que negam a
possibilidade de o direito positivo apresentar-se como sistema, configurando aquele caos de sensações a ser
ordenado pelas categorias do pensamento, a que aludiu Kant. A Ciência do Direito, sim, organizando
22
“enquanto conjunto de enunciados prescritivos que se projetam sobre a região material das
condutas interpessoais, o direito posto há de ter um mínimo de racionalidade para ser
compreendido pelos sujeitos destinatários, circunstância que lhe garante, desde logo, a
condição de sistema.”
No caso do Sistema Jurídico, seu enquadramento no conceito de sistema é ainda
mais evidente quando se adota a teoria kelseniana39, segundo a qual todas as normas jurídicas
não possuem o mesmo patamar hierárquico, posicionando-se de forma escalonada, sendo as
normas superiores fundamento de validade jurídica das normas inferiores, que, por isso - em
referência ao plano sintático -, não podem se contrapor àquelas, sob pena de invalidade dentro
do ordenamento que pretendem reger.
Segundo HANS KELSEN40, “uma ordem jurídica é um sistema de normas gerais
e individuais que estão ligadas entre si pelo fato de a criação de toda e qualquer norma que
pertence a este sistema ser determinada por uma outra norma do sistema.” Com efeito,
destaca que “uma norma somente pertence a uma ordem jurídica porque é estabelecida de
conformidade com uma outra norma desta ordem jurídica.”
Nesse cenário, exsurge a pirâmide jurídica, cuja cúspide é ocupada pela
Constituição Federal, como norma apta a dotar de validade as demais normas, todas inferiores
a essa primeira. A alusão geométrica à pirâmide é bastante ilustrativa para evidenciar, dentro
outros, a presença do fator aglutinante dos elementos, que assegura a unicidade sistêmica, “a
norma fundamental é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade
desta interconexão criadora”.41
Mais que isso, reforçando sua caracterização como sistema, as normas jurídicas,
além de buscarem sua validade umas nas outras, devem ser interpretadas em conjunto, de
descritivamente o material colhido do direito positivo atingiria o nível de sistema. Tal não é, contudo, nosso
entendimento.” Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 168/169.
39 Hans Kelsen (1881 – 1973). Vide Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. 247.
40 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,
2006, p. 260.
41 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, op. cit., p. 247.
23
forma sistemática, para que delas se extraia o conteúdo normativo. Conforme JOSÉ ARTUR
LIMA GONÇALVES42:
“Daí não ser possível considerarse um comando legal isolado do contexto
sistemático dos demais comandos legais correlatos e, especialmente, dos princípios
que informam a matéria; e tudo considerado de forma harmônica, orgânica,
organizadas, hierarquizada e vocacionada à coerência – enfim, tudo considerado
de forma sistemática.”
Retomando a questão da unidade como elemento caracterizador do sistema,
CLAUS–WILHELM CANARIS43 valoriza o pensamento sistemático como radical da ideia
de Direito. O Autor a aborda a partir dos princípios da justiça e das suas concretizações no
princípio da igualdade, considerando-os, em conjunto com a segurança jurídica, como os mais
elevados valores do Direito:
“Acontece ainda que outro valor supremo, a segurança jurídica, aponta na
mesma direcção. Também, ela pressiona, em todas as suas manifestações (...) para
a formação de um sistema, pois todos esses postulados podem ser muito melhor
prosseguidos através de um Direito adequadamente ordenado, dominado por
poucos e alcançáveis princípios, portanto, um Direito ordenado em sistema, do que
por uma multiplicidade inabarcável de normas singulares e desconexas e em
demasiado fácil contradição umas com as outras. Assim, o pensamento sistemático
radica, de facto, imediatamente, na ideia de Direito (como o conjunto de valores
jurídicos mais elevados).”
Identifica-se claramente, na teoria kelseniana, o entendimento do Direito Positivo
com um sistema - o Sistema Jurídico -, já que a Constituição Federal, dotada do status de
norma primeira, assegura a unidade do ordenamento, figurando como “termo unificador das
normas que compõem um ordenamento jurídico.”44
42 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda – Pressupostos Constitucionais. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 45.
43 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 22.
44 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 9ª ed. Tradução por Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UnB, 1996, p. 49.
24
Além de enfatizar a unidade do Sistema Jurídico, retomando o pressuposto de
existência de determinada ordem nos elementos que compõem o sistema, NORBERTO
BOBBIO45 assim leciona:
“Entendemos por ‘sistema’ uma totalidade ordenada, um conjunto de entes
entre os quais existe uma certa ordem. Para que se possa falar de uma ordem, é
necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento
com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si. Quando nos
perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, nos perguntamos
se as normas que o compõem estão num relacionamento de coerência entre si, e em
que condições é possível essa relação.”
Considerando a teoria kelseniana, a coerência referida por BOBBIO é inafastável
quando se considera o Sistema Jurídico, cuja validade decorre da Constituição, que, sob sua
regência, desenha todo o sistema de normas. Assim, em atenção ao questionamento
academicamente lançado por BOBBIO, confirma-se que o Sistema Jurídico efetivamente se
caracteriza como um sistema.
Entretanto, retomando os conceitos já acima delineados, não se pode olvidar que o
Direito Positivo, diferentemente da Ciência do Direito, é resultado de trabalho do legislador,
que não adota em sua linguagem o rigor demandado do cientista do direito.
Verifica-se, pela própria forma de criação das normas jurídicas – mediante
representação popular46 - que prevalece o uso da linguagem técnica47, eivando o texto
prescritivo de condutas com “erros, impropriedades, atecnias, deficiências e ambiguidades”
45 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, op. cit., p. 71.
46 É o que se depreende da Constituição Federal, em seu art. 1º, parágrafo único: “Parágrafo único. Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.”
47 “A linguagem do legislador é uma linguagem técnica, o que significa dizer que se assenta no discurso
natural,mas aproveita em quantidade considerável palavras e expressões de cunho determinado, pertinentes ao
domínio das comunicações científicas.” Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 36.
25
e, sem sombra de dúvidas, também lacunas e contradições, conforme aponta PAULO DE
BARROS CARVALHO48:
“O exame concreto dos vários sistemas do direito positivo chama a atenção
para a existência de lacunas e contradições entre as unidades do conjunto. É bem
verdade que os sistemas costumam trazer a estipulação de critérios com o fim de
eliminar tais deficiências, no instante da aplicação da norma jurídica. Todavia, em
face de dois preceitos contraditórios, ainda que o aplicador escolha uma das
alternativas, com base na primazia hierárquica (norma constitucional e
infraconstitucional) ou na preferência cronológica (a lei posterior revoga a
anterior), remanesce a contradição, que somente cessará de haver, quando uma
das duas regras tiver sua validade cortada por outra norma editada por fonte
legítima do ordenamento.”
O fato de haver contradições normativas não retira do Direito Positivo o atributo
de sistema, pois, com respaldo na Constituição, há maneiras diversas de o próprio conjunto
repudiar o elemento que o contradiz49. Ainda que averiguadas lacunas, contradições e atecnias
aparentes, essas encontram soluções no próprio sistema hierarquizado, seja no âmbito formal
seja no material, “o que lhe imprime possibilidade dinâmica, regulando ele próprio, sua
criação e suas transformações”.50
Considera-se, portanto, que a unidade do Direito Positivo decorre da própria
hierarquização das normas, as quais encontram na Constituição, na qualidade de norma
fundamental, as premissas de sua estruturação ordenada, bem como das soluções para afastar
eventuais contradições, lacunas e deficiências normativas, em proteção à unidade do Sistema
Jurídico.
1.2. Noção de Princípio
48 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 37 e 43.
49 Submissão do sistema à lógica deôntica, com as valências da validade ou não validade.
50 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 214.
26
A complexidade da definição de princípios decorre da própria abstração e
abrangência do conceito.
Para J.J. GOMES CANOTILHO51 “princípios são normas que exigem a
realização de algo da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e
jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de tudo ou nada;
impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a reserva do
possível, fáctica ou jurídica.”
Na obra de ALFREDO ALUGUSTO BECKER52, com referência aos
ensinamentos de Emilio Betti, “princípio designa qualquer coisa que se contrapõe
conceitualmente ao acabamento, à consequência que dele se origina, e, assim, à norma
acabada e formulada: é a idéia germinal, o critério de valorização, do qual a norma constitui
a manifestação, baixada norma específica e formulação perceptiva.”
Segundo a doutrina de HUMBERTO ÁVILA53 os princípios são normas
imediatamente finalísticas, já que estabelecem o estado ideal de coisas a ser buscado, e, por
isso, exigem a adoção de comportamentos a serem tomados, cujos efeitos contribuam para a
promoção gradual daquele fim. Depreende-se, dessas considerações, que para o Autor os
princípios não são valores decorrentes das preferências pessoais, e, por definição, restringidos
ao plano axiológico. Diferentemente, os princípios se situam nos planos deôntico e
teleológico, estabelecendo a obrigação de adoção de condutas que promovam gradualmente o
estado almejado das coisas54. Como pontua o Autor, “Daí afirmar-se que os princípios são
normas-do-que-dever-ser (ought-to-be-norms): seu conteúdo diz respeito a um estado ideal
de coisas (state of affairs).” 55
51 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 534.
52 Contribuições: Regime Jurídico, Destinação e Controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 19.
53 Normas imediatamente finalísticas, para o Autor, são aquelas que “estabelecem um estado de coisas para cuja
realização é necessária a doção de determinados comportamentos.” Teoria dos princípios da definição à
aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 71 e 80.
54 ÁVILA, Humberto.Teoria dos Princípios da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 80.
55 ÁVILA, Humberto.Teoria dos Princípios da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos, op. cit., p. 72.
27
CLAUS –WILHELM CANARIS56, discorrendo sobre a tentativa de entender o
sistema como ordem de valores, assim trata da noção de princípio:
“(...) o princípio está já num grau de concretização maior do que o do valor:
ao contrário deste, ele já compreende a bipartição, característica da proposição de
Direito em previsão e consequência jurídica. (...) O princípio ocupa pois, justamente,
o ponto intermédio entre o valor, por um lado, e o conceito, por outro: ele excede
aquele por já estar suficientemente determinado para compreender uma indicação
sobre as consequências jurídicas e, com isso, para possuir uma configuração
especificamente jurídicas e ultrapassa este por ainda não estar suficientemente
determinado para esconder a valoração.”
Considerando a organização das normas em forma piramidal, na lição kelseniana,
os princípios, alçados a patamar supremo da pirâmide, impregnam o todo sistêmico,
prevalecendo como norteadores da interpretação de todos os seus comandos, de modo que se
realizem plenamente os valores que se preocuparam em juridicizar.
Não é por outro motivo que CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO57
difundiu a noção de princípio como:
“(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondolhes o
espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas,
exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo,
conferindolhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.”
De sorte que, prossegue o Autor, a violação de um princípio “é muito mais grave
que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.”58
56 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 86/87.
57 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
54.
28
Na mesma linha, conclui JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES59 ao aduzir que “a
violação de um princípio constitucional importa em ruptura da própria Constituição,
representando por isso mesmo uma inconstitucionalidade de consequências muito mais
graves que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional.” 60
Em virtude dessas considerações, os princípios podem ser considerados comandos
que possuem importante função axiológica no Sistema Jurídico, já que, qualificando-se como
a concretização dos valores impostos dentro desse sistema, orientam a interpretação das
normas, implicando na harmonia e coesão do todo. Com isso, os princípios impregnam e
norteiam o próprio Sistema Jurídico.
1.3. Princípio Republicano
De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal, o Brasil é uma república
federativa: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos.” Em complementação, o art. 18 da Lei Maior estatui que “a
organização político-administrativa da República federativa do Brasil compreende a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição.”
Já desses dispositivos iniciais da Lei Maior são extraídos relevantes princípios
constitucionais regentes de nosso sistema jurídico, sendo destacados os princípios
republicano, federativo e a autonomia municipal.
58 Referindo-se ao artigo Criação das Secretarias Municipais, publicado na Revista de Direito Público, 1971. A
noção de princípio de Celso Antônio Bandeira de Mello passou a ser objeto de menção por diversos autores,
inclusive José Afonso da Silva e Roque Antonio Carrazza.
59 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: RE, 1975, p. 13.
60 Posição confrontada por Humberto Ávila em sua obra Teoria dos princípios da definição à aplicação dos
princípios jurídicos, na qual sustenta que o ônus de superar uma regra, em razão de sua eficácia e rigidez em
relação ao comportamento a ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos princípios que
impregnam sua interpretação, é maior do que aquele exigido para se superar um princípio, cujo comando é
menos inteligível (op. cit., p. 103 e ss).
29
Como bem leciona ROQUE ANTONIO CARRAZZA61, a república deve ser
entendida como “tipo de governo fundado na igualdade formal das pessoas, em que os
detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo (de regra),
transitório e com responsabilidade. (...) É um dos meios que o Homem concebeu para
governar os povos.”62
A relevância do princípio republicano é ressaltada por GERALDO ATALIBA:63
“Como princípio fundamental e básico, informador de todo o nosso sistema
jurídico, a idéia de república domina não só a legislação, como o próprio Texto
Magno, inteiramente, de modo inexorável, penetrando todos os seus institutos e
esparramando seus efeitos sobre seus mais modestos escaninhos ou recônditos
meandros.
Tal é a sua importância no contexto do nosso sistema, tão dominadora sua
força, que influi, de modo decisivo, na interpretação dos demais princípios
constitucionais e, com maior razão, de todas as regras constitucionais. A fortiori,
todas as leis devem ter sua exegese conformada às suas exigências, inclusive as leis
constitucionais, a começar do próprio Texto Magno.”
DALMO DE ABREU DALLARI64 lembra que “é essencial que o governo derive
do grande conjunto da sociedade para que ele seja verdadeiramente republicano, não tendo
esta característica o que for originário de uma parte ou classe determinada da sociedade.
Por outro lado, não é necessário que o povo participe diretamente do governo, sendo
suficiente a designação dos governantes pelo povo.”
Porém, é certo que o acúmulo de poder poderia por em risco o princípio
republicano, sendo a necessidade de separação de poderes há muito desenvolvida pelos
pensadores que se contrapuseram o absolutismo65. Nesse contexto, como remarca GERALDO
61 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 65.
62 No próximo tópico será abordada a federação como forma de Estado.
63 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 32.
64 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986, p. 27.
65 “Os pensadores dos séculos XVII e XVIII que combateram o absolutismo estavam convencidos de que o
governo nas mãos de um só ou de poucos é o começo da tirania. Embora sem um desenvolvimento sistemático,
30
ATALIBA66, a Constituição Federal adotou a “tripartição de poder, como fórmula suprema
de expressão e garantia do princípio republicano, em sua dupla face de contenção do poder e
manutenção dos órgãos que o exercem equilibradamente.”
De sorte que as atividades exercidas pelo Estado foram repartidas entre os poderes
legislativo, executivo e judiciário67, impondo-se ação equilibrada e fiscalização recíproca,
que, obstando a tirania, assegura o máximo de segurança ao povo, soberano no sistema
republicano. Conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA68:
“(...) cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos de Poder
nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao
estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio
necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o
arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro, e especialmente dos
governados. (...) Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo
especialmente, mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo se esses
órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio
de um pelo outro, nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que entre
ele há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o
mecanismo), para evitar distorções e desmandos.”
De acordo com essa forma de governo69 - tal como atualmente implementada no
Brasil -, o povo, composto por todos os cidadãos igualmente considerados, sem privilégios,
isso fora dito muito antes por Aristóteles, tendo sido repetido no século XIV por Marsílio de Pádua, no século
XVI por Maquiavel e no Século XVII por vário pensadores políticos, entre ele Locke e Gian Vincenzo Gravina,
jurisconsulto italiano que exerceu grande influência sobre o pensamento de Montesquieu. Coube, porém, a
Montesquieu, em sua obra Do espírito das leis, publicada em 1748, desenvolver de modo sistemático a doutrina
da separação dos poderes.” Dalmo de Abreu Dallari. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986, p. 29.
66 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 49.
67 CF/88: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.”
68 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 44/45.
69 “O governo é, então, o conjunto de órgãos mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressada e
realizada, ou o conjunto de órgãos supremos a quem incumbe o exercício da função do poder político.” José
Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 43.
31
tem o direito70 de participar na eleição daqueles que, em seu nome e ao longo de exercício de
mandato predefinido, o representarão no exercício do poder legislativo (senadores, deputados
federais, estaduais e distritais e vereadores) e no poder executivo (presidente, governador dos
estados e do Distrito Federal, prefeitos e seus vices). Como leciona CARLOS ARI
SUNDFELD71:
“República, tal como consagrada por nossa Constituição, implica fazer dos
agentes públicos, que exercem diretamente o poder político, representantes do
direito do povo, por ele escolhidos e renovados periodicamente. Os agentes passam
a exercer mandato – palavra que, em sua origem no direito privado, significa
contrato entre o titular de certo direito e alguém por ele investido
temporariamente no poder de exercêlo.”
A transitoriedade do poder concedido, limitado ao mandato eleitoral, é
fundamental para permitir que o povo, após verificar a efetiva atuação de seu representante,
tenha oportunidade de afastá-lo do cargo para o qual fora eleito, revisando o mandato
concedido no caso de insatisfação. Sem a possibilidade de periódicas avaliações e
modificações de seus representantes, o poder escoaria das mãos do povo, engessado em
estrutura imutável.
Com relação ao poder judiciário, cumpre aclarar que na maioria dos estados
democráticos de direito modernos prevalece o entendimento segundo o qual esse poder, por
suas peculiaridades, não admite a representação por mandatários do povo, considerando que,
em lugar de função política, configura-se como função eminentemente técnica. Assim, o
poder judiciário deve ser exercido por pessoas com habilidades específicas, aptas para,
imparcialmente, dar interpretação e aplicação à lei, traduzindo-lhe a vontade, minimizando –
se não lhe for possível suprimir – o ímpeto de agregar sua própria vontade nesse processo. É o
que se depreende da lição de GERALDO ATALIBA:72
70 CF/88: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com
valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...)”
71 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 50.
72 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 112/113.
32
“Se, nesse contexto, a função judicial consiste em dar aplicação à lei nos
casos contenciosos, mediante a interpretação técnica e aplicação imparcial; sendo
a lei a primeira e precípua finte do Direito – guardada, evidentemente, a hierarquia
constitucional – e sendo este, na república representativa, expressão do órgão da
representação popular, por excelência, os seus integrantes (do Poder Judiciário)
precisam ser bons técnicos, destros na função hermenêutica e não representativos.
Juiz faz justiça. E, no nosso sistema, fazer justiça é aplicar correta, objetiva e
imparcialmente a lei, como bem o sublinhou Baleeiro, em notáveis lições que editou
de sua cátedra na nossa Suprema Corte (RTJ 44/54 e ss.).”
Considerado o acima exposto, cabe ressaltar que, no âmbito tributário, o princípio
republicano traz impactos relevantes, resultando não só na “generalidade da tributação, pelo
qual a carga tributária, longe de ser imposta sem qualquer critério, alcança a todos com
isonomia e justiça”, como também privilegiando a igualdade tributária, ao exigir que os
contribuintes na mesma situação jurídica recebam tratamento isonômico, como amplamente
discorre ROQUE ANTONIO CARRAZZA73:
“É sempre oportuno encarecer que a competência tributária é conferida às
pessoas políticas, em última análise, pelo povo, que é o detentor por excelência de
todas as competências e de todas as formas de poder. De fato, se as pessoas
políticas receberam a competência tributária da Constituição e se esta brotou da
vontade soberana do povo, é evidente que a tributação não pode operarse
exclusiva e precipuamente em benefício do Poder Público ou de uma determinada
categoria de pessoas. Seria um contrasenso aceitarse, de um lado, que o povo
outorgou a competência tributária às pessoas políticas e, de outro, que elas podem
exercitála em qualquer sentido, até mesmo em desfavor desse mesmo povo.”
É de suma relevância a abordagem do princípio republicano no presente estudo,
tendo em vista que é desse princípio, supremo no Texto Constitucional, que se depreende o
papel do Estado (lato sensu) como representante dos interesses do povo e gestor da coisa
pública, e não como poder inaugural autônomo, dotado de interesses próprios. Nesse sentido
toda a atividade estatal deve versar o bem comum, do povo que representa, igualmente
considerado, e não ao locupletamento do próprio Estado.
73 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 86
e 90/91.
33
Como evidenciado, o princípio republicano louva a supremacia do interesse
popular, a qual, em segundo momento desse estudo, será contraposta com os interesses
exclusivos do Município ao pretender receber valores pelo uso do solo voltado à prestação de
serviço público. Em relação a essa contraposição, antecipe-se que o excerto doutrinário acima
transcrito traz à tona o desrespeito ao princípio republicano, supremo na Constituição Federal,
caso os representantes do povo, componentes do poder executivo ou legislativo, ajam contra o
interesse público no exercício de suas competências, conforme será posteriormente abordado.
1.4. Princípio Federativo
A republica brasileira é organizada como uma federação enquanto forma de
estado. Isso significa que a União, “fruto da união de Estados (...) da aliança destes, sob o
império de uma única Constituição”74, representa o governo central, enquanto que os
Estados-membros figuram nos governos locais (ou periféricos), todos juridicamente no
mesmo patamar hierárquico, porém cada qual agindo de forma autônoma, no âmbito de suas
competências constitucionalmente delimitadas.
A relevância do princípio federativo como fundamento da estruturação dos
Estados modernos é ressaltada por NORBERTO BOBBIO75:
“Quando se diz que o federalismo marca o rumo da história
contemporânea, no sentido de uma maior efetivação de liberdade, significa dizer
que o federalismo executa, no âmbito da sociedade civil, o acordo entre o poder
central e os grupos periféricos, com um maior respeito às autonomias das partes
individuais no que se refere ao todo e com um menor fortalecimento do todo no que
se refere às partes (...)”
Mencione-se texto de ROQUE ANTONIO CARRAZZA76 versando sobre o caso
brasileiro77:
74 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 73.
75 BOBBIO, Norberto. Entre Duas Repúblicas: às Origens da Democracia Italiana. Brasília: Unb, 2001, p. 16.
76 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
148.
34
“Vimos que o Brasil é um Estado Federal, em que a União e os Estados
membros ocupam, juridicamente, o mesmo plano hierárquico. Daí porque devem
receber tratamento jurídicoformal isonômico. (...)
Em nome dessa autonomia, tanto a União como os Estadosmembros
podem, nos assuntos de suas competências, estabelecer prioridades. Melhor
dizendo, cada pessoa política, no Brasil, tem o direito de decidir quis os problemas
que devem ser resolvidos preferencialmente e que destino dar a seus recursos
financeiros. Élhes também permitido exercitar suas competências tributárias, com
ampla liberdade.”
DALMO DE ABREU DALLARI78 se preocupou em apresentar as características
que lhe pareceram relevantes para qualificação do estado federativo, fazendo referência: i) à
constituição de um novo Estado, o Federal, regido por Constituição a ser aceita pelos entes
federados; ii) à vedação à separação dos entes federados; iii) à soberania da União e
autonomia dos Estados-membros; iv) à existência de competências próprias e exclusivas; v) à
autonomia financeira da União e dos demais Estados-membros; vi) à desconcentração do
poder político; e vii) ao nascimento da cidadania, vínculo jurídico entre a pessoa e o Estado.
Tais características estão presentes no Estado Brasileiro, qualificado como federação.
Para MICHEL TEMER79 seriam apenas três as notas essenciais à caracterização
federal: “a) descentralização política fixada na constituição (ou, então, repartição
constitucional de competências); b) participação da vontade das ordens jurídicas parciais na
vontade criadora da ordem jurídica nacional; e c) possibilidade de autoconstituição;
existência de Constituições locais.” Prossegue aclarando, ainda, que para a manutenção da
federação cumpre haver a rigidez constitucional e a existência de um órgão constitucional
incumbido do controle da constitucionalidade das leis. Todas características igualmente
verificadas na Constituição Brasileira.
77 O Autor esclarece que o conceito de federação não tem traços característicos, sendo dotado de fisionomia
própria, que lhe imprime o ordenamento local. Conclui, nessa seara, que “os que buscam um conceito definitivo,
universal e inalterável de Federação supõem, erroneamente, que ela, aqui, e alhures, tem forma única,
geométrica, recortada de açodo com um molde inflexível.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito
Constitucional Tributário, op. cit., p. 133).
78 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática: 1986, p. 15/24.
79 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 61.
35
Com base nas premissas eleitas, embora distintas, ambos os Autores consideram
caracterizada a forma federativa de estado no caso brasileiro. As distinções nas premissas para
assim concluir, em lugar de refletirem apenas divergências doutrinárias, decorrem da própria
abrangência conceitual de federação.
Nesse sentido, ROQUE ANTONIO CARRAZZA esclarece que o conceito de
federação não deve ser tido como definitivo, sendo sua forma decorrente do ordenamento
local. Destarte, o Autor pontifica que “Federação é apenas uma forma de Estado, um sistema
de composição de forças, interesses e objetivos que podem variar, no tempo e no espaço, de
acordo com as características, as necessidades e os sentimentos de cada povo.”80
De fato, no caso brasileiro, a qualificação do Estado como federação é
inequívoca. A repartição das competências impregna o Texto Constitucional, que delineia
amplamente as funções fundamentais da União e dos Estados, impondo-lhe deveres e direitos,
bem como delimitando suas respectivas competências legislativas, inclusive em matéria
tributária.
A Constituição Federal, norma fundamental de nosso Sistema Jurídico, tem
aceitação e rigidez cristalinas, conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA81:
“Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e
suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só
ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem
os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são
soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas
positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela
estabelecidos.
Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica
nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição
Federal.”
80 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
133.
81 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 49/50.
36
A União é organizada de acordo com as diretrizes constitucionais, enquanto que
os Estados-membros, privilegiada sua autonomia, são aptos para se organizarem, sendo
regidos pelas constituições e leis que adotarem (art. 25 da CF/8882). Tudo em respeito à Carta
Magna.
Dotados de aptidão legislativa em âmbito próprio, a participação dos Estados-
membros na vontade nacional decorre de sua representação no Senado Federal, que, em
conjunto com os representantes populares da Câmara dos Deputados, formam o Congresso
Nacional, órgão habilitado para a edição de leis federais.
Especificamente no que tange à rigidez atinente ao princípio federativo, é de se
ressaltar que o art. 60, §4º, I, da CF/8883 o alçou como cláusula pétrea, obstando qualquer
deliberação de proposta tendente a abolir tal forma de estado.
Por fim, em alusão ao segundo critério manutenção da federação, referido acima
por MICHEL TEMER ao ressaltar a necessidade de um órgão constitucional incumbido do
controle da constitucionalidade das leis, mencione-se a instituição do Supremo Tribunal
Federal como guardião da Constituição Federal84. A relevância desse órgão como
característica federativa também foi enfatizada por LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e
VIDAL SERRANO NUNES JUNIOR85:
82 “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios desta Constituição.
§1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
§2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na
forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.
§3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.”
83 “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)§ 4º - Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; (...)”
84 CF/88: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe: (...)”
85 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Verbatim, 2011, p. 299.
37
“Deve, portanto, estar presente no Estado Federal um órgão que dirima
qualquer dúvida relativa à distribuição de competências, fazendo cumprir, a partir
de sua interpretação, o pacto federalista. O órgão neutro, que não deve pertencer a
nenhuma das ordens, cuida de , fundado em suas garantias, dizer o direito em
relação às controvérsias constitucionais, interpretando o texto da Leio Maior.”
Assim, visando assegurar a manutenção da federação, o Supremo Tribunal
Federal figura como órgão constitucional, zeloso da repartição das competências, incumbido
do controle da constitucionalidade das leis.
Ainda que as características da federação não possam ser firmadas
geometricamente, sem considerar as peculiaridades de cada Estado, pela estruturação
constitucional brasileira resta evidenciada a eleição e tutela da federação como forma de
estado. Portanto, nos termos tido por relevantes pela Constituição Federal de 1988, o estado
brasileiro se caracteriza como federação, figurando a União e os Estados com entes federados,
integrantes do pacto federativo.
Permanece controvertido, entretanto, o enquadramento do Município como ente
federado. Inequivocamente, cuida-se de ente político de direito público interno “porque tem
poder legislativo, cujo exercício compete às Câmaras Municipais”86. Entretanto, o fato de ser
ente político não parece ser o bastante para assegurar que o Município componha o pacto
federativo.
1.5. Considerações sobre o Município na Federação Brasileira
Em que pese terem os Municípios sido listados no art. 1º da Constituição Federal
como parte indissolúvel da república federativa do Brasil, o tema merece comentários
adicionais, lastreados no Texto Constitucional e nas considerações acerca do princípio
federativo.
Patenteado que as características da federação decorrem precipuamente do
ordenamento local, bastaria que a Constituição Federal dispusesse que os Municípios são
parte do pacto federado para assegurar-lhes a qualidade de ente federado. Ocorre que, apesar
86 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: RE, 1975, p. 11.
38
de dar destaque aos Municípios como parte da estrutura federativa, a Constituição Brasileira
não os qualifica como entes federados. Conforme observa JOSÉ AFONSO DA SILVA87:
“(...) no Brasil, o sistema constitucional eleva os Municípios à categoria de
entidades autônomas, isto é, entidades dotadas de organização e governos próprios
e competências exclusivas. Com isso, a Federação Brasileira adquire peculiaridades,
configurandose nela, realmente, três esferas governamentais: a da União (governo
federal), a dos Estados Federados (governos estaduais) e a dos Municípios
(governos municipais), além do Distrito Federal, a que a Constituição atual
conferiu autonomia. E os Municípios transformaramse mesmo em unidades
federadas? A Constituição não o diz. Ao contrário, existem 11 ocorrências das
expressões “unidade federada” e “unidades da Federação” (no singular ou no
plural) referindose apenas aos Estados e Distrito Federal, nunca envolvendo os
Municípios.88”
Com isso, verifica-se que a Constituição Federal, apesar de privilegiar os
Municípios, dotando-lhes de extraordinária autonomia, não prevê expressamente que sejam
integrantes do pacto federativo, ao contrário, deixa de incluí-los nas diversas oportunidades
que se refere aos entes federados.
A não inclusão dos Municípios do pacto federativa também é corroborada pela
análise dos critérios doutrinários referidos o tópico precedente com escopo de delinear as
características precípuas de uma federação e de seus entes.
Nesse sentido, os Municípios atendem grande parte dos critérios doutrinários
referidos, destacando-se pela capacidade de se autoconstituírem, já que a Constituição prevê
que os Municípios serão regidos por lei orgânica própria (art. 29 da CF/8889). Entretanto, há
de se considerar que os Municípios não foram dotados de efetiva participação na vontade
criadora da ordem jurídica nacional.
87 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 300.
88 “CF, arts. 34, II, IV e V; 45, §1º, 60, III; 85, II; 132; 159, §2º; 225, §1ª, III; e ADCT, arts. 13, §4º, e 34, §9º.”
89 “Art. 29 O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez
dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (...)”
39
Cuida-se de uma das características acima referidas por MICHEL TEMER como
relevantes para a caracterização da federação, viabilizando aos entes federados sua
participação e representatividade ativa no pacto federativo.
ROQUE ANTONIO CARRAZZA90 no trecho abaixo, também enfatiza a
participação na vontade nacional como requisito essencial do pacto federativo:
“Apesar de o assunto não ser pacífico, muitos autores consideram que o
traço essencial da Federação repousa na participação direta e indireta dos
EstadosMembros na formação da vontade federal, ou seja, na composição dos
órgãos federais e na elaboração de suas decisões. A participação direta dáse
integrando, com seus representantes, o órgão constituinte federal; a indireta,
compondo o Poder Legislativo federal.”
De fato, conforme anteriormente referido, não se considera o tema pacífico, pois
não é possível precisar as características necessárias para que se configure a federação.
Porém, considerando a definição de federação acima traçada, infere-se ser relevante que os
entes federados não só a componham, como também sejam aptos a intervir na vontade
nacional do Estado que constituíram. Para tanto, sua participação no processo legislativo
adota suma relevância.
No caso brasileiro, a relevância de se assegurar a intervenção dos Estados-
membros na vontade nacional mediante participação no processo legislativo se confirma pela
própria Constituição Federal, que impôs tal poder-dever aos Estados-membros, garantindo-
lhes a representatividade em casa própria, compondo o Senado Federal.
Sob esse prisma, há de se concluir pela não inclusão dos Municípios no pacto
federativo91, já que a Constituição nada dispôs acerca da participação dos Municípios na
vontade nacional, dando-lhes tratamento distinto daquele conferido aos Estados-membros,
cuja representatividade no Senado Federal foi assegurada.
90 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
145.
91 Em sentido oposto, entendendo que a falta de representatividade do Município não lhe afasta do pacto
federativo: ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Verbatim, 2011, p. 301.
40
Caso os Municípios também fossem considerados entes federados, teria que se
concluir pela existência de alguma negligência constitucional em relação a sua participação na
vontade nacional, o que destoaria de todo o contexto da Constituição Federal.
Com algum esforço, poder-se-ia considerar que o Texto Constitucional procedeu
dessa forma por entender que os representantes do povo eleitos para a Câmara dos Deputados,
supririam a necessidade de representação dos Municípios em casa própria. Porém, há de se
apontar a dissonância desse critério com aquele utilizado para evidenciar a representatividade
dos Estados-membros.
Considerando-se a representação do povo por meio dos Deputados apta a
evidenciar a participação dos Municípios na vontade da ordem jurídica nacional, igualmente
haveria de se reconhecer a representação dos Estados-membros por esses Deputados,
dispensando a criação do Senado Federal. Não parece ser essa a melhor interpretação, além de
destoar do critério utilizado pela própria Constituição para configurar a representação dos
Estados-membros.
Mais que isso, referido critério não assegura a efetiva representação de todos os
Municípios92, sendo provável que diversos deles não estejam devidamente representados.
Diferente é a situação dos Estados-membros no Senado Federal, onde lhes é assegurada a
representatividade individualmente, mediante a eleição de seus próprios Senadores, tal como
previamente definido constitucionalmente.
A opção constitucional de não incluir os Municípios no pacto federado foi
deduzida por ROQUE ANTONIO CARRAZZA93:
“De fato, os Municípios não influem, nem muito menos decidem, no Estado
Federal. Dito de outro modo, não participam da vontade jurídica nacional.
Realmente, não integram o Congresso, já que não possuem representantes nem no
Senado (Casa dos Estados), nem da Câmara dos deputados (Casa do Povo).”
92 De acordo com o IBGE, atualmente há 5.565 Municípios no Brasil (http://www.ibge.gov.br).
93 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
171.
41
Com isso, há que se concluir que, de acordo com o Texto Constitucional,
ressentindo a partição na vontade nacional, os Municípios não fazem parte do pacto
federativo, não se caracterizando como entes federados.
1.6. Autonomia Municipal
Ainda que não sejam qualificados como entes federados, os Municípios têm
posição política relevante na estrutura federativa. Isso, pois a Constituição Federal de 1988
inovou ao impor como princípio constitucional fundamental a autonomia municipal. Na lição
de JOSÉ AFONSO DA SILVA94:
“A constituição de 1988 modifica profundamente a posição do Município na
Federação, porque o considera componente da estrutura federativa. (...) Nos
termos, pois, da Constituição, o Município Brasileiro é entidade estatal integrante
da Federação, como entidade políticoadministrativa, dotada de autonomia
política, administrativa e financeira. Essa é uma peculiaridade do Município
Brasileiro. A inclusão dos Municípios na estrutura da Federação teria que vir
acompanhada de consequências, tais como o reconhecimento constitucional de sua
capacidade de autoorganização mediante Cartas próprias e a ampliação de sua
competência, com a liberação de controles que o sistema até então vigente lhes
impunha, especialmente por via de leis orgânicas estabelecidas pelos Estados.”
A ampliação do papel dos Municípios na Constituição Federal, reconhecendo-o
como complemento da federação, privilegiando-se o princípio republicano, fez exsurgir como
princípio fundamental a autonomia municipal. A intrínseca ligação da autonomia municipal
com o princípio republicano é objeto da obra de GERALDO ATALIBA95:
"Realizase, no Município brasileiro, com notável extensão, o ideal
republicano da representatividade política, com singular grau de intensidade. Aí, a
liberdade de informação, a eficácia da fiscalização sobre o governo, o amplo debate
das decisões políticas, o controle próximo dos mandatários pelos eleitores, dão
eficácia plena a todas as exigências do princípio republicano representativo. (...)
94 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 300.
95 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 45/46.
42
Todos os preceitos constitucionais direta ou indiretamente aplicáveis aos
Municípios têm a dupla finalidade de: a) dar eficácia ao princípio republicano,
garantido o autogoverno local; e b) assegurar mecanismos republicanos de
funcionamento do Município, nas suas relações internas.”
Em relação à autonomia municipal, preocupando-se em apresentar suas
características essenciais, ROQUE ANTONIO CARRAZZA96 sintetiza:
“O conceito de autonomia fixouse, assim, em duas características
essenciais: a) provimento privativo dos cargos governamentais; e b) competência
exclusiva no trato de assuntos de seu peculiar interesse (Hans Kelsen). De fato, o
município não poderia ser havido por autônomo se a ele não se consentisse ferir o
seu, dispor do seu, contratar sobre o seu e reger sua vida e seus bens,o observados,
apenas, os limites constitucionais e legais.”
No caso dos Municípios, a Constituição lhes outorga autonomia municipal,
atendidas as duas características essenciais referidas pelos doutrinadores acima. Primeiro, pois
em relação à autonomia política e administrativa, a Constituição permitiu que, regidos por sua
Lei Orgânica, os Municípios elejam seus representantes políticos (prefeitos, vice-prefeitos e
vereadores), conforme art. 29 da CF/8897.
Segundo, pois lhes outorgou competência, inclusive legislativa, para tratar dos
assuntos de seu interesse, a teor do art. 30 da CF/8898. De modo que, os Municípios são aptos
a se organizarem e governarem.
96 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
174.
97 “Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez
dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: I - eleição do
Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo
realizado em todo o País (...)”
98 “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar
suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente
43
Conforme AIRES FERNANDINO BARRETO99: “Em resumo, o Município é
autônomo e recebe suas competências diretamente da Constituição. Dada a sua posição de
pessoa política, está situado no mesmo altiplano da União e dos Estados.”
Do acima exposto, pode-se concluir que a Constituição Federal, ao desenhar a
república federativa brasileira, previu a coexistência da União, dos Estados e dos Municípios,
dotando cada um desses entes políticos de autonomia para atuar nos limites das respectivas
competências.
Com efeito, enquanto que a autonomia da União e dos Estados decorre do pacto
federativo, a autonomia dos Municípios decorre do princípio da autonomia municipal, de
forma que, mesmo não se qualificando como entes federados, os Municípios têm assegurada
sua plena atuação como entes políticos, integrantes relevantes da república federativa
brasileira, em harmônica aplicação dos princípios acima abordados.
1.7. Repartição das Competências Tributária e Sistema Tributário Nacional
Não há como se conceber a organização político-administrativa do Estado
Brasileiro à luz dos princípios acima referidos, sem considerar a necessidade de dotar União,
Estados e Municípios de recursos financeiros aptos a viabilizarem a plena consecução de suas
atividades constitucionalmente delegadas. Esses recursos advêm principalmente das receitas
tributárias.
Conforme BERNARDO RIBEIRO DE MORAES100 “qualquer que seja o fim do
Estado, este possui constantes obrigações e compromissos que o obrigam a buscar recursos,
principalmente à custa do sacrifício dos particulares (tributos).”
ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
programas de educação infantil e de ensino fundamental; VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira
da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do
solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação
fiscalizadora federal e estadual.”
99 BARRETO, Ayres Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 11.
100 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Sistema Tributário da Constituição de 1969. São Paulo: RT, 1979, p. 217.
44
Em comentários sobre a atividade financeira do Estado, JOSÉ SOUTO MAIOR
BORGES101 aclara que “a maior parcela do dinheiro necessário ao desempenho das funções
estatais é pela tributação coativamente subtraída do patrimônio das pessoas físicas e
jurídicas, ao lado das receitas provenientes da exploração do patrimônio público.”
Patenteado que a autonomia dos entes políticos foi privilegiada pelo Texto
Constitucional - consagrada pelos princípios republicano, federativo e da autonomia
municipal -, há de se concluir que essa não pode prescindir da correlata autonomia financeira,
assegurada pela repartição das competências tributárias. SACHA CALMON NAVARRO
COÊLHO102 aborda a questão no seguinte excerto:
“A característica fundamental do federalismo é a autonomia do Estado
Membro, que pode ser mais ou menos ampla, dependendo do país de que se esteja a
cuidar. No âmbito tributário, a sustentar a autonomia política e administrativa do
EstadoMembro e do Município – que, no Brasil, como vimos, tem dignidade
constitucional , impõese a preservação da autonomia financeira desses entes
locais, sem a qual aqueloutras não existirão. Essa autonomia resguardase
mediante a preservação da competência tributárias das pessoas políticas que
convivem na Federação e, também, pela equidosa discriminação constitucional das
fontes de receita tributária, daí advindo a importância do tema referente à
repartição das competências no Estado Federal (...).”
Versando sobre a autonomia dos entes políticos, consigna JOSÉ SOUTO MAIOR
BORGES103: “A competência para tributar é um instrumental da autonomia do Município,
por isso mesmo que, sem autonomia financeira, a autonomia política e administrativa é
falaciosa. Quem dá o fim (a autonomia política e administrativa), dá o meio (a autonomia
financeira).”
Mesmo fazendo expressa menção aos Municípios, é certo que a autonomia
financeira é meio necessário à autonomia política e administrativa para qualquer dos entes
101 BORGES, José Souto Maior. Introdução ao direito financeiro. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 24.
102 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
65.
103 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: RE, 1975, p. 196.
45
políticos, sendo inconcebível a sublimação da autonomia caracterizada a dependência de
recursos arbitrariamente delegados por terceiros.
Não basta que as pessoas políticas de direito público interno tenham acesso a
recursos financeiros, é necessário que esses recursos sejam claramente definidos pelo Texto
Constitucional, a fim de restar assegurara a autonomia de cada uma delas, evitando que
interfiram umas nos outras. Isso é primordial para que sejam respeitadas as premissas da
federação e da autonomia municipal como princípios constitucionais. Conforme DALMO DE
ABREU DALLARI104:
“(...) é imprescindível que, ao ser feita a distribuição das competências,
sejam distribuídas, em medida equivalente, as fontes de recursos financeiros, para
que haja equilíbrio entre encargos e rendas. Não havendo tal equilíbrio, duas
hipóteses podem ocorrer: ou a administração não consegue agir com eficiência, e
necessidades fundamentais do povo deixam de ser atendidas ou recebem um
atendimento insuficiente; ou o órgão encarregado do serviço solicita recursos
financeiros de outra fonte, criando uma dependência financeira que acarreta,
fatalmente, a dependência política.”
De fato, a dependência de recursos de terceiros para que o ente político exerça
suas atividades configura, em algum grau, limitação a sua autonomia, contrapondo-se aos
princípios constitucionais referidos.
Nesse sentido, atrelando a necessidade de repartição das competências tributárias
com o princípio federativo, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES105 leciona que “o princípio
básico que preside à estruturação do Estado federal é a repartição de competências
(Kompetenzverteilung), em particular, a repartição de competências tributárias
(Steuerkonpetenz).”
Com efeito, a repartição de competências tributárias deve ser rígida e exaustiva,
como leciona JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES106:
104 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986, p. 20.
105 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 29.
106 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda – Pressupostos Constitucionais. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 90/91.
46
“Essa repartição constitucional de competências impositivas é rígida e
exaustiva, outorgando a cada pessoa política amplos poderes nos seus respectivos
compartimentos. Não pode haver distorção, alteração ou diminuição desses
compartimentos por meio de norma infraconstitucional, pois afetados estariam os
princípios da Federação e da autonomia municipal, estabelecidos na própria
Constituição – e, mesmo assim, com os cuidados hermenêuticos necessários (por
exemplo, interpretação sistemática do conjunto de preceitos) – podem delimitar o
alcance dessa repartição constitucional de competências impositivas.”
Desse modo, considerando que a arrecadação tributária é a mais substancial forma
de obtenção de recursos pelos entes políticos, é certo que a repartição das competências
tributárias no Texto Constitucional é matéria de primordial relevância, por assegurar a
preservação dos princípios federativos e da autonomia municipal, com reflexos diretos,
portanto, do princípio republicano.
Assim, impregnada pelos relevantes princípios constitucionais acima, tutelando-
os e assegurando sua efetividade, a Constituição Federal repartiu exaustivamente as
competências tributárias, definindo os limites para que a União, os Estados e os Municípios
legislem sobre a instituição de tributos.
Ainda que brevemente, cumpre mencionar que não só a preservação da autonomia
dos entes políticos é assegurada pela Constituição Federal ao dispor exaustivamente sobre a
matéria tributária, também se verifica a preocupação em tutelar os direitos e garantias
fundamentais107, cláusulas pétreas conforme art. 60, §4º, IV, da CF/88108.
107 Em breves linhas, para não haver distanciamento do foco do presente estudo, os direitos fundamentais podem
ser entendidos como aqueles que, no estágio de evolução atual, são juridicamente considerados inerentes à
própria natureza do ser humano. Conforme J.J. GOMES CANOTILHO: “As expressões direitos do homem e
direitos fundamentais são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado,
poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos em
todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são só direitos do homem,
jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam
da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais
seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.” (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito
Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 517)
47
Conforme remarca BERNARDO RIBEIRO DE MORAES109
“Sendo a Constituição lei de estrutura do Estado, de proteção política dos
indivíduos e de garantia contra os poderes arbitrários, suas disposições não se
referem à matéria tributária, mas abrangem diferentes campos jurídicos.
Procuram garantir os interesses elevados da Federação, estabelecendo regras
disciplinadoras do poder fiscal consignado às diversas unidades políticas (União,
Estados e Municípios), sem deixar de lado as garantias conferidas aos contribuintes
mediante restrições ou limitações às atividades dos poderes públicos. A Carta
Magna, limitando os poderes do governo em relação aos administrados, reconhece
a estes certos direitos essenciais ou superiores, considerados de existência anterior
ao próprio Estado.”
Adicione-se ao acima exposto, trecho da obra de GERALDO ATALIBA110:
“A tributação – em seus princípios básicos e fórmulas mais gerais – é
matéria constitucional. Não só porque justificou e esteve na essência do primeiro
documento constitucional moderno – a Magna Carta de 1215 – mas, também,
porque envolve tensão entre o poder estatal e dois valores fundamentais para o
homem: a liberdade e o patrimônio. Estes bens jurídicos, precipuamente protegidos
pelas Constituições modernas, são, mesmo, a sua razão de ser.
Se a ação estatal de tributar (tributação) atinge a liberdade e o patrimônio
– e se estes bens encontram na sua proteção a própria razão de ser da Constituição
– é bem de ver que aquela faculdade que ao Estado se reconhece há de ser
disciplinada estritamente em termos constitucionais. Em outras palavras: é
matéria substancialmente constitucional.”
Em razão do acima exposto, considerando a relevância dos princípios
constitucionais a serem tutelados, alguns desses conflitantes em razão da necessidade de
abastecimento dos cofres públicos mediante tributação, faz todo o sentido que a Constituição
Federal tenha dado tratamento especial à matéria tributária, esmerando-se em delinear os
limites da competência tributária de cada ente político.
108 “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)§ 4º - Não será objeto de deliberação
a proposta de emenda tendente a abolir: (...)IV - os direitos e garantias individuais.”
109 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Sistema Tributário da Constituição de 1969. São Paulo: RT, 1979, p. 218.
110 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 127.
48
Ao comentar sistema constitucional de outorga e discriminação de competências
tributárias, AIRES FERNANDINO BARRETO111 aponta, sinteticamente, três efeitos a serem
considerados:
“a) o âmbito de todas e de cada uma das competências tributárias
titularizadas pelas pessoas políticas é preciso e esgotadamente balizado pela
Constituição Federal, de tal como do que o seu exercício está rigorosa e
completamente circunscrito pelos seus princípios e normas;
b) toda competência tributária está prevista na Constituição Federal; é
explícita e discriminadamente conferida, de modo privativo, a uma determinada
pessoa política, ou seja, é atribuída a uma delas de modo exclusivo (é, pois,
excludente das demais);
c) a discriminação de competências é rígida, isto é, não pode ser modificada
por nenhuma outra norma infraconstitucional.”
Nesse sentido, a competência tributária é definida, por PAULO DE BARROS
CARVALHO112 como “a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir
regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série
de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo.”
Em consonância com o exposto, aclarando que as normas constitucionais que
atribuem competências aos entes políticos para instituírem tributos são normas de estrutura,
ROQUE ANTONIO CARRAZZA113 conceitua competência tributária como: “(...) a
possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de
incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e alíquotas.
Como corolário disto, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano
abstrato, a tributos.”
111 BARRETO, Ayres Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 26.
112 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 232.
113 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
505/506.
49
Para TÁCIO LACERDA GAMA114, competência tributária deve ser
compreendida como “a aptidão, juridicamente modalizada como permitida ou obrigatória,
que alguém detém, em face de outrem, para alterar o sistema de Direito Positivo, mediante a
introdução de novas normas jurídicas que, direta ou indiretamente, disponham sobre a
instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.”
Assim, a competência tributária, permite que, com respaldo no Texto
Constitucional, o ente político edite norma instituidora de tributos, instrumento jurídico de
abastecimento dos cofres públicos no estado de direito. Mencione-se, nesse ponto, a
constatação de GERALDO ATALIBA115 acerca da lei tributária como regente da conduta
humana:
“A finalidade última almejada pela lei, no caso, é a transferência de
dinheiro das pessoas privadas, submetidas ao poder do estado, para os cofres
públicos. Esta movimentação física de dinheiro (coisa material) não pode ser obtida
senão pode meio de comportamentos humanos.
Estes comportamentos podem ser de agentes públicos, de terceiros ou dos
próprios obrigados. Em geral o resultado final (abastecimento dos cofres públicos)
se obtém pela combinação dos três. Daí, usase o direito como forma de obrigar tais
comportamentos.(...)
As normas tributárias, portanto, atribuem dinheiro ao estado e ordenam
comportamentos, dos agentes públicos, de contribuintes e de terceiros, tendentes a
levar (em tempo oportuno, pela forma correta, segundo os critérios previamente
estabelecidos e em quantidade legalmente fixada) dinheiro dos particulares para os
cofres públicos.”
A competência tributária precede a criação do tributo e à própria regulamentação
da conduta humana. Seu exercício demanda a atuação do poder legislativo atribuído a cada
pessoa política de direito público interno, com a edição de lei própria, inovadora, apta à
instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos, regendo os comportamentos humanos
114 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: Fundamentos Para Uma Teoria da Nulidade. São Paulo:
Noeses, 2009, p. 218/221.
115 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 29/30.
50
sempre nos exatos limites impostos pelo Texto Constitucional, sob pena de invalidade da
norma.
A lei tributária, portanto, para que integre o sistema, deve respeitar os limites
materiais e formais para sua edição, limites esses impostos pela Constituição Federal, na qual
buscarão fundamento de validade. Retomando a teoria kelseniana acerca da organização das
normas em forma piramidal, em que cada norma busca validade em outra norma do sistema
jurídico, a lição de NORBERTO BOBBIO116 acerca dos limites a serem observados pelo
legislador na edição de leis:
“Quando um órgão superior atribui a um órgão inferior um poder
normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. Ao atribuir esse poder, estabelece
também os limites entre os quais pode ser exercido. Assim como o exercício do
poder de negociação ou o poder jurisdicional são limitados pelo Poder Legislativo, o
exercício do Poder Legislativo é limitado pelo poder constitucional. (...)
A observação desses limites é importante, porque eles delimitam o âmbito
em que a norma inferior emana legitimamente: uma norma inferior que exceda os
limites materiais, isto é, que regule uma matéria diversa da que lhe foi atribuída ou
de maneira diferente daquela que lhe foi prescrita, ou que exceda os limites
formais, isto é, não siga o procedimento estabelecido, está sujeita a ser declarada
ilegítima e a ser expulsa do sistema.”
A lei tributária, nesse sentido, deve ser editada pelos entes políticos de acordo
com a delegação das competências tributárias pelo Texto Constitucional, que traz consigo
limites materiais e formais que devem ser respeitados a fim de que a nova lei a ser editada,
instituindo a exação tributária, seja recebida pelo sistema jurídico posto, com o qual não deve
conflitar. Como bem sintetiza GERALDO ATALIBA117:
“Toda lei emanada de quaisquer órgãos constituídos do país há de
submeterse às balizas e limites contidos na Constituição e, sobretudo, tender a
realizar (assegurandolhes a sua eficácia, na maior plenitude possível), os
princípios constitucionais, dos quais a federação e a república comparecem em
116 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução por Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UnB, 1996, p. 53/54.
117 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 43/44.
51
posição singularmente relevante (porque fundamentais e básicos em todo o
sistema).
Só a legislação que respeite as exigências decorrentes desses princípios
poderá ser aceita como legítima e válida. E é na conformidade das exigências dos
princípios mormente os mais conspícuos e básicos – que já de se interpretar essa
mesma legislação.”
Assim, a premissa fundamental do exercício da competência tributária é o respeito
aos ditames constitucionais, observando-se os limites materiais e formais impostos.
A repartição das competências tributárias no Texto Constitucional se assenta
precipuamente em limites materiais, conforme se depreende dos arts. 153118, 155119 e 156120
da CF/88. Esses dispositivos delimitam o campo de atuação o de tributação outorgado à
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, respectivamente, identificando as
competências privativas de cada uma dessas pessoas políticas para a edição de leis tributárias
versando sobre fatos específicos ali determinados.
Por sua vez, as taxas e contribuições de melhoria são atribuídas às pessoas
políticas no art. 145, II e III, da CF/88121 de forma comum, sendo passíveis de instituição e
118 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:I - importação de produtos estrangeiros; II -
exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer
natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou
valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.”
119 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e
doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores. (...)”
120 “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:I - propriedade predial e territorial urbana; II -
transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e
de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III -
serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”
121 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:(...)
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços
públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de
melhoria, decorrente de obras públicas.”
52
cobrança por cada ente político que desempenhe legitimamente as atuações genericamente122
descritas no Texto Constitucional.
Desse modo, cada ente político encontra na Constituição Federal competência
material delimitada para instituir e legislar sobre tributos, permitindo-lhe arrecadar, com isso,
os recursos financeiros para o pleno exercício de suas atividades, em respeito às respectivas
autonomias, sem que haja qualquer conflito de competências, privilegiando-se os princípios
que consagram o Brasil como uma república federativa.
Por outro lado, há previsão constitucional de limitações ao poder de tributar,
verdadeiras restrições para o exercício da capacidade legiferante insculpidas em diversos
princípios fundamentais do direito tributário, merecendo alusão aqueles insculpidos no art.
150 da CF/88123, tais como a legalidade, a isonomia, a irretroatividade, a anterioridade, a
proibição ao confisco, a liberdade de tráfego e as imunidades.
MISABEL ABREU MACHADO DERZI, em nota de atualização à obra Direito
Tributário Brasileiro, de ALIOMAR BALEEIRO124, aclara que “tanto os princípios como as
122 “No caso das taxas e das contribuições de melhoria, vimos de ver, declina a Constituição os fatos jurígenos
genéricos (suporte fático) de que poderão se servir as pessoas políticas para instituí-las por lei.” Sacha Calmon
Navarro Coêlho. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 72.
123 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II - instituir
tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção
em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica
dos rendimentos, títulos ou direitos; III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do
início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja
sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; IV - utilizar tributo com efeito de
confisco;V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou
intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;VI -
instituir impostos sobre:a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;b) templos de qualquer culto; c)
patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos
da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”
124 BALEEIRO. Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de
Janeiro: Forense, 2010, p. 30.
53
imunidades produzem efeitos similares: limitam o poder de tributar. Mas a cultura jurídica
nacional, tradicionalmente, apesar dos efeitos comuns, distingue imunidade de princípio.
Igualmente, ALIOMAR BALEEIRO, ao intitular essa obra de Limitações constitucionais,
realça os resultados que os princípios e as imunidades geram, mas jamais os confunde (...).”
Dentre as limitações ao poder de tributar, destaca-se como relevante no presente
estudo, merecendo considerações adicionais a imunidade recíproca, sem que se afaste, com
isso, a relevância e necessidade de respeito aos princípios fundamentais do direito tributário
acima referidos, os quais apenas não são considerados polêmicos na abordagem do tema
eleito.
1.8. Imunidade Recíproca
Ao delinear a competência tributária de cada um dos entes políticos, a
Constituição Federal teve o cuidado de prever a imunidade recíproca em seu artigo 150, VI,
“a”, da CF/88125, que expressamente veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, a cobrança de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.
125 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos
outros; (...)”
54
a. Conceito de Imunidade
A definição de imunidade é objetivamente traçada por ROQUE ANTONIO
CARRAZZA126. Para o Autor, a imunidade se caracteriza como fenômeno de natureza
constitucional, prestando-se para fixar a “incompetência das entidades tributantes para
onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque
coligadas a determinados fatos, bens ou situações.”
Consonante é a lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES127: “Com relação à
imunidade tributária, a Constituição Federal é peremptória: trata-se de limitação
constitucional (e não infraconstitucional) ao poder de tributar.”
Para REGINA HELENA COSTA128 “a afirmação segundo a qual a imunidade
tributária é limitação constitucional ao poder de tributar é absolutamente vaga, já que a
expressão abriga outras categorias jurídicas que com ela não se confundem.” No raciocínio
da Autora, retomando a citação supra de Misabel Abreu Machado Derzi, em nota de
atualização à obra de Aliomar Baleeiro, também os princípios configuram limitações ao poder
de tributar, ainda que pressuponham a existência de competência tributária, diferenciando-se
das imunidades, que, além de serem normas aplicáveis a situações específicas, pressupõem a
inexistência dessa competência.
Tecidas essas considerações, REGINA HELENA COSTA129 apresenta imunidade
como “a exoneração, fixada constitucionalmente, trazida em norma expressa impeditiva da
atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios
constitucionais, que, conferem direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela
delimitados de não se sujeitarem à tributação.”
126 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
725.
127 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 234/235.
128 COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias, Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 38.
129COSTA, Regina Helena, op. cit., p. 54.
55
PAULO DE BARROS CARVALHO130, que também vincula a incompetência
legiferante ao conceito de imunidade, define esta como “a classe finita e imediatamente
determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que
estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito
constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações
específicas e suficientemente caracterizadas.”
Mencione-se o que prega HUGO DE BRITO MACHADO131, ao desenvolver seu
raciocínio acerca da imunidade como componente do delineamento da competência tributária:
“Imunidade é obstáculo decorrente da regra da Constituição à incidência
de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade
impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune.
È limitação da competência tributária.
Há quem afirme, é certo, que a imunidade não é uma limitação da
competência tributária porque não é posterior à outorga desta. Se toda atribuição
de competência importa uma limitação, e se a regra que imuniza participa da
demarcação da competência tributária, resulta evidente que a imunidade é uma
limitação dessa competência.
O importante é notar que a regra de imunidade estabelece uma exceção. A
Constituição define o âmbito do tributo, vale dizer, o campo dentro do qual pode o
legislador definir a hipótese de incidência da regra de tributação. A regra de
imunidade retira desse âmbito uma parcela, que torna imune.”
Em que pese a existência de muitas peculiaridades manifestadas na doutrina ao
discorrer sobre imunidade132, depreende-se, em breves linhas, que a imunidade tributária está
prevista no Texto Constitucional, integrando o arcabouço da competência tributária ao definir
as hipóteses em que a tributação não é permitida.
130 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 341.
131 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 300.
132 Comentários acerca das diferentes interpretações doutrinárias pode ser encontrado na obra Direito Tributário,
Linguagem e Método de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2008, p. 308/309, com a subsequente
análise do Autor sobre o tema.
56
Assim, a Constituição Federal, ao outorgar competência tributária aos entes
políticos, utiliza-se de linguagem com função prescritiva, regida pela lógica deôntica. Nesse
sentido, descreve os limites materiais em que o exercício da competência tributária é
permitido e proibido (modais deônticos), impondo a existência e a inexistência de
competência tributária. Portanto, a imunidade compõe o desenho constitucional da
competência tributária, aclarando as hipóteses em que a atividade legiferante é proibida.
b. Imunidade Recíproca
ROQUE ANTONIO CARRAZZA133 afirma que “(...) a maioria das imunidades
contempladas na Constituição é uma decorrência natural dos grandes princípios
constitucionais tributários, que limitam a ação estatal de exigir tributos.” Complementa o
exposto aduzindo que “de um modo geral, as regras de imunidade consagram valores que,
por sua importância, foram postos pela Assembleia Nacional Constituinte, em nome do povo
brasileiro, no próprio preâmbulo da constituição (igualdade, justiça, bem-estar, segurança,
direitos individuais e sociais etc.).”
Nesse sentido, interessa, ao presente estudo especificamente a imunidade
recíproca que, na linha de todo o exposto, evidencia a tutela constitucional aos princípios
republicano, federativo e à autonomia municipal. De fato, a tributação entre as pessoas
políticas não traria benefício ao povo, retomado aqui o princípio republicano, afrontando o
próprio interesse público, além de contradizer a autonomia assegurada aos entes políticos
pelos princípios federativo e da autonomia municipal.
Ao discorrer sobre a imunidade recíproca, HUMBERTO ÁVILA134 destaca a
relevância do princípio federativo:
“O fundamento constitucional da imunidade recíproca é o princípio
federativo, que funcional, por sua vez, como fundamento jurídicopolítico do
ordenamento constitucional. Nesse sentido, o princípio federativo exige a
autonomia das pessoas políticas. Pressuposto necessário dessa autonomia é a
autonomia financeira.
133 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
733.
134 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 223.
57
Isso implica dizer que a proibição de as pessoas políticas instituírem
impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços umas das outras decorre
implicitamente do princípio federativo. A continuidade da autonomia política das
pessoas políticas é causa da imunidade recíproca.”
Entendendo que a questão se entranha no princípio federativo, SACHA
CALMON NAVARRO COÊLHO135 considera que “as pessoas políticas que convivem na
Federação estão voltadas, todas elas, ao bem comum. Não é admissível que venham a se
tributar mutuamente, estendendo-se a imunidade até as instrumentalidades dos Poderes
Públicos.”
A lição de PAULO DE BARROS CARVALHO136 se preocupa em apontar que a
imunidade recíproca decorre da isonomia entre os entes constitucionais, também sustentada
pela estrutura federativa do estado e pela autonomia municipal: “Na verdade, encerraria
imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídicas daquelas entidades e,
simultaneamente, conceder pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o
patrimônio, a renda e os serviços, umas em relação às outras.”
Conforme BERNARDO RIBEIRO DE MORAES137:
“O intuito da vedação constitucional é não onerar as unidades políticas da
Federação, evitando que elas se transformem em contribuintes umas das outras,
numa inutilidade de pagamentos recíprocos. O objetivo é evitar, outrossim, que
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, se hostilizem. O legislador
constituinte procura evitar, assim, que as referidas unidades políticas da Federação
dificultem umas às outras no exercício de suas competências ficais, assegurando o
regime federativo um ritmo harmonioso, sem perturbação alguma.”
Ainda que relativos a uma Ordem Constitucional anterior (1946), pertinentes os
comentários de GERALDO ATALIBA138, para quem a imunidade recíproca já estaria
implícita no Texto Constitucional, como decorrência do princípio federativo:
135 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
295.
136 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 348.
137 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Sistema Tributário da Constituição de 1969. São Paulo: RT, 1979, p. 469.
58
“A imunidade recíproca já era, em razão mesmo da natureza federal que
passava a ter o Estado brasileiro, princípio constitucional da mais alta importância
(...), tendo agido com prudência e grande descortínio o legislador constituinte de
1891, ao consagrálo expressamente, o que, se do ponto de vista rigorosamente
técnico, não era essencialmente necessário (...) a prudência política, o bom senso e a
experiência prática recomendam sua expressa menção, como foi feito.”
Na esteira da lição acima citada e com respaldo em todo o anteriormente
desenvolvido acerca dos princípios republicano, federativo e da autonomia municipal, parece
lógico inferir a pertinência sistêmica da imunidade recíproca. Ainda assim, como bem
remarcado, sua imposição foi expressamente incluída no Texto Constitucional, proibindo que
União, Estados, Distrito Federal e Municípios cobrem impostos sobre patrimônio, renda ou
serviços uns dos outros, por extrapolar os limites de suas competências tributárias, nos termos
do art. 150, VI, “a”, da CF/88.
c. Considerações sobre o art. 150, §3º, da CF/88
É de se mencionar que a imunidade recíproca encontra detalhamento no § 3º do
art. 150 da CF/88, ao dispor que139: “As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior
não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de
atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em
que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o
promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.”
Depreende-se, desse dispositivo, que não se cogita imunidade recíproca quando
houver a atuação do Estado na exploração de atividade econômica, regida pelo direito
138 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 54.
139 Assim dispunha o art. 31 da Constituição Federal de 1946: “À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios é vedado: (...) V – lançar impostos sobre: a) bens, rendas e serviços uns dos outros, sem prejuízo da
tributação dos serviços públicos concedidos, observado o disposto no parágrafo único desse artigo.”
“Parágrafo único. Os serviços concedidos não gozam de isenção tributária, salvo quando estabelecida pelo
poder competente, ou quando a União a instituir em lei especial, relativamente aos próprios serviços, tendo em
vista o interesse comum.” Apesar da imprecisão semântica do emprego do termo isenção e da necessidade de
considerar a repartição de competências tributárias vigentes, o dispositivo evidencia o tratamento peculiar que o
interesse comum impõe ao serviço público. Sobre o tema vide Teoria Geral da Isenção Tributária de José Souto
Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 223/231.
59
privado, nem quando se caracterizar o recebimento de contraprestação. Como aponta HUGO
DE BRITO MACHADO140:
“É plenamente justificável a exclusão da imunidade quando o patrimônio, a
renda e o serviço estejam ligados a atividade econômica regulada pelas normas
aplicáveis às empresas privadas. A imunidade implicaria em tratamento
privilegiado, contrário ao princípio da liberdade de iniciativa. Ocorre que também
não há imunidade quando haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas
pelo usuário. Isto que dizer que um serviço, mesmo não considerado atividade
econômica, não será imune se houver cobrança de contraprestação, ou de preço, ou
de tarifa. Podem ser tributados pelos Municípios, por exemplo, os serviços de
fornecimento de água e de esgoto prestado pelos Estados.”
Em ambos os casos, a norma constitucional encontra respaldo em análise
sistemática do ordenamento jurídico, pois a ideia da imunidade recíproca é evitar que os entes
políticos, no regular exercício de suas atividades públicas, sejam onerados com o pagamento
de impostos locupletando os demais.
Traduz-se em norma que também tem por objetivo manter o equilíbrio e a
independência entre os entes políticos, evitando a possível supremacia que poderia se
instaurar mediante a cobrança de impostos, o que seria inadmissível na república brasileira,
fundada no princípio federativo e na autonomia municipal.
Porém, se os entes políticos atuam em atividade privada - atividade que somente
em caráter excepcional lhes compete, a teor do art. 173 da CF/88 -, ou se têm meios de
repassar o ônus da carga tributária na contraprestação paga pelos usuários de seus serviços,
não há motivo para a imunidade. Comenta ROQUE ANTONIO CARRAZZA141:
“De fato, não havendo o repasse, aos usuários, dos custos dos serviços
públicos que os beneficiam, qualquer imposto que a pessoa política suportasse
(pela obtenção de meios necessários à prestação destes mesmos serviços públicos)
acabaria incidindo sobre sua renda ou capital (patrimônio), afrontando a letra e o
espírito do art. 150, VI, “a”, da CF.”
140 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 301.
141 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
733.
60
O dispositivo constitucional acima (art. 150, §3º, da CF/88) assume relevância no
presente estudo, quando se considera a prestação de serviços públicos remunerados pelos
usuários, especialmente quando prestados por concessionárias de serviços públicos. Nesses
casos, a inferência racional, à luz das considerações acima, seria no sentido de afastar a
imunidade recíproca, já que o ônus tributário não seria do ente político, mas sim passível de
inclusão no valor a ser pago em razão do serviço tomado, hipótese em que oneraria o tomador
do serviço.142
O tema é abordado por REGINA HELENA COSTA143, que entende que a
prestação de serviços públicos mediante empresas privadas detentoras de concessão ou
permissão não é atingida pela imunidade “pelo simples fato de que estas exploram
economicamente a prestação de serviço público.” E, mais adiante, manifesta que “nessa
situação, existe, portanto, capacidade econômica gravável, o que afasta o cabimento da
intributabilidade.”
Porém, fator relevante a ser considerado antes de se concluir o tema diz respeito
ao ônus tributário, que deve ser necessariamente passível de inclusão na contraprestação
cobrada do usuário. A questão é bem posta por HUMBERTO ÁVILA144:
“A entidade pública deve possuir a liberdade, total ou parcial, para
determinar o valor da contraprestação. Quando os montantes a serem pagos não
são livremente ficados, mas regulados por lei ou pelo Poder Executivo, não existe
uma contraprestação adequada. Isso porque uma empresa privada deve poder
delimitar o conteúdo dos seus contratos, de modo que a reciprocidade, a
equivalência, e o equilíbrio possam ser garantidos. (...)
142 Entretanto, não foi exatamente essa a inferência do Ministro Cezar Peluso ao apreciar o Recurso
Extraordinário n° 581.947/RO, discutindo a cobrança pelo uso do solo imposta pela Lei Municipal de Ji-paraná
n° 1.199/02. Destaque-se trecho de seu voto: “Aqui duas coisas me chamaram a atenção. A primeira dela é que,
evidentemente, mão é taxa mais imposto, porque incide sobre o uso ou a ocupação. Mas, seja taxa, seja tributo,
qualquer modalidade de tributo, duas coisas são certas: primeiro, as instalações dos postes são de propriedade
da União por via da concessionária – portanto cairiam na imunidade objetiva de impossibilidade de tributação
recíproca (...)”
143 COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias, Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 146/147.
144 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 229.
61
O essencial é verificar se existe uma atividade vinculada ou se há uma
atividade me cujo exercício predomine a autonomia da vontade. Somente nesse
caso é que se pode falar numa atividade econômica e em livre concorrência (art.
170 ss). E somente nesse caso é que está afastada a imunidade recíproca (art. 150,
§3º).”
Logo, em interpretação ao art. 150, §3º, da CF/88, é coerente entender que no
caso de serviços públicos remunerados, a aplicação ou não da imunidade recíproca deve
considerar a efetiva possibilidade de inclusão da carga tributária na contraprestação exigida
pelo serviço prestado, transferindo-se o encargo financeiro do imposto ao tomador do serviço.
Nessa hipótese, não haveria necessidade de se privilegiar a imunidade recíproca, pois a
oneração não afetaria um ente político para beneficiar outro, onerando diretamente o
administrado.
d. Espécies Tributárias Abrangidas
Adicionalmente ao acima exposto, o tema da imunidade ainda apresenta faceta
adicional a ser abordada. Há de se ter em mente que existe controvérsia acerca dos limites da
imunidade, sendo questionável sua aplicação somente aos impostos, em interpretação literal
do artigo 150, VI, “a”, da CF/88, ou se também atingiria os demais tributos145, inclusive as
taxas, relevantes no presente estudo.
HUMBERTO ÁVILA146 é bastante incisivo ao sustentar, com base em
precedentes do Supremo Tribunal Federal citados em sua obra, “que a imunidade prevista no
artigo 150 da Constituição limita-se aos impostos. As taxas, contribuições de melhoria e (...)
as contribuições (sociais e de intervenção no domínio econômico) não estão abrangidas pela
imunidade.” 147148
145 Irrelevante, para o que ora se desenvolve, adentrar na polêmica discussão acerca das espécies tributárias e
suas distinções, para adotar classificação que, no caso, mostrar-se-ia inútil. O escopo aqui é averiguar se ao
prever a imunidade recíproca, o Texto Constitucional contemplou apenas os impostos, ou também as taxas,
contribuições, contribuições de melhorias, empréstimos compulsórios, enfim, todos os tributos,
independentemente de como classificados doutrinariamente.
146 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 219.
147 Também entendendo que a imunidade não atinge outras espécies tributárias: Sacha Calmon Navarro Coêlho.
62
Manifestando-se no sentido de que a imunidade tributária atinge todos os tributos,
encontra-se HUGO DE BRITO MACHADO149:
“Em edições anteriores afirmamos que a imunidade referese apenas aos
impostos. Não aos demais tributos. Hoje, porém, já não pensamos assim. A
imunidade, para ser efetiva, para cumprir suas finalidades, deve ser abrangente.
Nenhum tributo pode ficar fora de seu alcance. (...) É que tributo, como expressão
que é da soberania estatal, não pode ser exigido de que a tal soberania não se
submete, porque é parte integrante do Estado, que da mesma é titular.”
Contrariamente à aplicação da imunidade recíproca no caso das taxas, RICARDO
LOBO TORRES150 sustenta:
“Sendo a taxa um dever fundamental correspectivo a uma prestação
pública essencial, mas específica e divisível, não sofre as limitações constitucionais
ditadas pela liberdade individual no art. 150, VI, da Constituição Federal, pela
razão óbvia de que não ofende à liberdade a cobrança de contraprestação
pecuniária. Assim, tais imunidades tributárias se restringem aos impostos e, como
já declarou expressamente o Supremo Tribunal Federal, não protege contra a
cobrança de taxas.”
À luz dos ensinamentos acima mencionados, sem pretender exaurir o tema, parece
razoável acolher que, de acordo com dicção expressa do artigo 150, VI, da CF/88, os impostos
fazem jus à imunidade recíproca, tendo sido essa a opção do constituinte, que,
voluntariamente, deixou de mencionar outras espécies tributárias nesse dispositivo.
Em outras palavras, os impostos necessariamente são sujeitos à regra imunizante,
o que faz todo o sentido considerando ser espécie tributária que destituída de vinculação e
destinação, presta-se unicamente para assegurar a arrecadação de cada ente político, tendo em
vista sua autonomia financeira.
148 Oportunamente, ainda nesse estudo, verificar-se-á que não foi exatamente essa a interpretação manifestada
por alguns dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Recurso Extraordinário n° 581.947/RO, em
27/05/10.
149 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 300 e 303/304.
150 TORRES, Ricardo lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributários, Vol IV – Os Tributos na
Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 407.
63
Por outro lado, taxas, contribuições, contribuições de melhoria ou empréstimos
compulsórios somente seriam sujeitos à imunidade quando se concluir que essa é a vontade
constitucional, cuja essência foi abordada anteriormente.
E essa vontade constitucional é materializada em dispositivos constitucionais
distintos, isto é, não decorre do art. 150, VI, “a”, da CF/88. Mencione-se, nesse sentido, que
REGINA HELENA COSTA151 entende haver doze hipóteses de imunidades referentes às
taxas no Texto Constitucional, abordando cada uma delas em sua obra, para concluir pela
“existência de um ponto comum entre elas – qual seja, sua referência ao exercício de direitos
constitucionais dependentes da prestação de serviços públicos considerados essenciais pelo
constituinte, especialmente vinculados ao exercício da cidadania.”
Especificamente em relação à imunidade recíproca, a regra imunizante é apenas
aquela contida no art. 150, VI, “a”, da CF/88, que versa apenas sobre impostos. Não há
previsão expressa em outro dispositivo constitucional que assegure sua aplicação a outras
espécies tributárias.
Por certo que esse dispositivo trata suficientemente bem da questão. Já restou
patenteado que a imunidade recíproca é bem recebida no Sistema Constitucional por
assegurar a autonomia dos entes públicos, evitando-se a oneração mútua em desatendimento
ao interesse do povo, privilegiando-se os princípios republicano, federativo e da autonomia
municipal.
Ocorre que, tratando-se de espécies tributárias em que se verifique que o valor do
tributo tem o escopo de fazer frente a determinado gasto ou ônus do ente político tributante, o
seu não pagamento por outro ente político implica em oneração injustificada do primeiro ente.
Assim, no caso de tributos que são vinculados152 a uma atividade estatal
específica (tal como ocorre em taxas e contribuições de melhoria) ou que têm destinação
151 COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias, Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 207 e ss.
152 GERALDO ATALIBA propõe como critério de classificação dos tributos sua vinculação ou não com a
atividade estatal: “Tributos vinculados são as taxas e contribuições (especiais) e tributos não vinculados são os
impostos. Definem-se, portanto, os tributos vinculados como aqueles cuja hipótese de incidência consiste numa
atividade estatal; e impostos como aqueles cuja hipótese de incidência é um fato ou acontecimento qualquer não
consistente numa atividade estatal.” (Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 132)
64
específica153, em prol da qual deve ser empregada a arrecadação (tal como ocorre nas
contribuições, taxas e empréstimos compulsórios), a aplicação da imunidade recíproca
ensejaria a oneração injustificada de um ente que assume o ônus em favor de outro, que se
beneficia da atividade desempenhada, ensejando indevida interferência na autonomia dos
entes políticos, vedada pela Constituição, conforme anteriormente abordado.
Nesse cenário, aplicada às demais espécies tributárias, a imunidade recíproca, em
lugar de privilegiar os princípios constitucionais federativo e da autonomia municipal, teria
efeito contrário aos mesmos, razão pela qual somente deve ser aplicada aos impostos, na exata
imposição constitucional.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE SERVIÇO PÚBLICO
2.1. Esclarecimentos Preliminares
Nos últimos anos houve alteração na postura liberal154 do Estado em relação à
atividade econômica e na forma de prestação dos serviços públicos, tornando necessária a
adequação dos conceitos correlatos.
Vislumbrando a complexidade de tratar doutrinariamente do conceito de serviço
público, efeito agravado pela diversidade de atribuições assumidas pelo Estado, já em 1975
CAIO TÁCITO155 consignara que:
153 Não se pretende classificar os tributes com base na destinação dos recursos da arrecadação, em aplicação de
critério da ciência das finanças para tanto, tal como repudia Geraldo Ataliba (Hipótese de incidência tributária,
op.cit., p. 157/159). O que se pretende, é utilizar esse critério eminentemente financeiro para evidenciar a
vontade do legislador constituinte. Como bem considera Luciano Amaro “Realmente, no plano da ciência das
finanças podem ser utilizado critérios que não reflitam, necessariamente, no plano jurídico, embora devam ser
levados em conta pelo legislador no momento da elaboração da norma.” (Direito Tributário Brasileiro. 5ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2000, p. 74)
154 Em referência à teoria do liberalismo econômico difundida por Adam Smith, segundo a qual a intervenção do
Estado na atividade economia deveria ser mínima, permitindo o desenvolvimento e autorregulação dos
mercados.
155 TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 260.
65
“O conceito de serviço público sofre, modernamente, um processo de revisão
que se exprime, a um tempo, em sentido material e formal.
A ação dinâmica do Estado contemporâneo incorporou às tarefas
administrativas um extenso elenco de novos objetivos, sobretudo no âmbito
econômico, ampliando, assim, a substância do serviço público.”
Desde então, pode-se entender que a aridez do tema não foi apaziguada pela
doutrina administrativista, a qual paulatinamente tem refletido em suas obras teorias
compatíveis com a diversificação das atividades submetidas ao Estado, bem como às
significativas mudanças no regime jurídico de exploração dos serviços públicos. A questão é
assim referida por JACINTHO ARRUDA CÂMARA156:
“Se esse estado de coisas é modificado e se passa a admitir a prestação de
serviços públicos por particulares, que recebam delegação especial do Poder
Público para tanto (concessões), a definição que se tinha de serviço público há de
ser modificada, de modo que não se choque mais com a realidade normativa que
está sendo implementada. Este é um processo absolutamente normal e necessário
dentro das chamadas ciências sociais, que lidam com objeto de estudo cambiante.”
Aclare-se, nesse cenário, que as considerações desse capítulo não pretendem
exaurir os complexos temas de direito administrativo, principalmente se consideradas todas as
peculiaridades julgadas relevantes para a doutrina especializada. Foi necessário adotar corte
metodológico, para evitar o distanciamento do tema central proposto.
Tratando-se o direito tributário de um direito de superposição, o escopo desse
capítulo é contextualizar a prestação do serviço público por concessionárias, em efetiva
execução da atividade em nome dos entes políticos. Com esse fim, aborda-se a forma de
atuação dessas concessionárias, para, em seguida, possibilitar a análise da cobrança levada a
efeito pelos Municípios em razão do uso do solo à luz das atividades por elas desempenhadas,
considerando os ônus e deveres correlatos ao serviço de titularidade do Estado que se
dispuseram a prestar.
Exatamente por isso, abordadas as noções fundamentais, as considerações
pertinentes se estreitam, pouco a pouco, tendendo para as empresas concessionárias de
156 CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifas nas Concessões. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 15/16.
66
serviços públicos federais e estaduais, as quais, para executarem serviços essenciais,
necessitam, inexoravelmente, do uso dos espaços públicos municipais para a adequada
prestação, nos moldes impostos pelos poderes concedentes.
Adicionalmente, aponte-se que muitas das considerações tecidas nesse capítulo
acerca do serviço público são relevantes para analisar se a cobrança perpetrada pelos
Municípios se configura como taxa, como preço, ou, quiçá, não pode ser exigida, conforme o
desenvolvimento da temática exposta nos capítulos subsequentes.
2.2. Serviço Público
Tal como remarca AIRES FERNANDINO BARRETO157 “o Texto Constitucional
também não define ‘serviço público’, embora o mencione diversas vezes, e ainda fixe
diretrizes acerca de sua disciplina, em tal quantidade e com entonação tão nitidamente
estabelecida, que permitiram que a doutrina formulasse o seu perfil, estabelecesse o seu
conteúdo e, ainda, discriminasse suas peculiaridades (...).”
Não sendo definido na Constituição Federal, o conceito de serviço público foi
doutrinariamente desenvolvido, considerando precipuamente três elementos, quais sejam i) o
subjetivo, ii) o material e iii) o formal, os quais são aplicados de forma isolada ou combinada.
Como bem sintetiza RENATO LOPES BECHO158 “o elemento material diz
respeito à atividade de interesse coletivo, o elemento subjetivo indica a presença do Estado e
o elemento formal representa as normas de regência, ou seja, a submissão do serviço ao
direito público.”
RUY CIRNE LIMA159 define serviço público como “todo o serviço existencial,
relativamente à sociedade ou, pelo menos, assim havido num momento dado, que, por isso
mesmo, tem de ser prestado aos componentes daquela, direita ou indiretamente, pelo Estado
ou outra pessoa administrativa.”
157 BARRETO, Ayres Fernandino. ISS na constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 27.
158 BECHO, Renato Lopes. Taxa, Tarifa e Preço no Direito Público Brasileiro. Revista Dialética de Direito
Tributário n° 167, p. 112.
159 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 82.
67
Ao apresentar essa definição, o Autor enfatiza o elemento subjetivo, ou seja,
considera que o Estado - ou outra pessoa administrativa - é a pessoa jurídica incumbida de
desempenhar essa atividade.
Por sua vez, HELY LOPES MEIRELLES160 entende que não se pode afirmar
peremptoriamente que “são as atividades coletivas vitais que caracterizam os serviços
públicos, porque ao lado destas existem outras, sabidamente dispensáveis pela comunidade,
que são realizadas pelo Estado como serviço público.” Com isso, propõe que se entenda
como serviço público “todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob
normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da
coletividade ou simples conveniências do Estado.”161
Ao assim se posicionar o Autor agrega maior relevância ao elemento material
para conceituar serviço público, vinculando-o à satisfação de necessidades coletivas e
conveniências do Estado.
Já de acordo com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO162 são
fundamentais à noção de serviço público o seu elemento material, consistente na prestação da
utilidade ou comodidade em questão (água, gás, telefone, transporte coletivo, etc.), bem como
o elemento formal, o qual diz respeito ao específico regime de direito público aplicável, em
que há a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. É o que se verifica do
conceito de serviço público difundido pelo Autor:
“Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou
comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível
singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus
deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de
160 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 332/333.
161 O Autor usa a essencialidade como critério para classificação das espécies dos serviços públicos. Com base
nesse critério, divide em “serviços públicos propriamente ditos” e em “serviços de utilidade pública”, sendo a
essencialidade (atrelada à subsistência e desenvolvimento), traço característico da primeira espécie, enquanto
que a segunda espécie há apenas a conveniência de assunção pelo Estado, com o objetivo de facilitar a vida do
indivíduo na coletividade, promovendo-lhe conforto e bem-estar.
162 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
679.
68
Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de
restrições especiais , instituído em favor dos interesses definidos como públicos no
sistema normativo.”
As definições acima apresentadas ilustram os três elementos mais difundidos na
doutrina para a conceituação de serviços públicos. Referidos elementos continuam sendo
pertinentes na conceituação de serviço público, entretanto, devem ser atualizados para
refletirem as modificações legislativas verificadas.
Ao tratar da evolução do conceito de serviço público, MARIA SYLVIA
ZANELLA DI PIETRO163 enfrenta referidos elementos:
“No entanto, duas dissociações, pelo menos, ocorreram quanto àqueles três
elementos, tal como considerados em suas origens. Em primeiro lugar, o fato de que
o Estado, à medida que foi se afastando dos princípios do liberalismo, começou a
ampliar o rol de atividades próprias, definidas como serviços públicos, pois passou
a assim considerar determinadas atividades comerciais e industriais que antes
eram reservadas À iniciativa privada.
Paralelamente, outro fenômeno se verificou; o Estado percebeu que não
dispunha de organização adequada à realização desse tipo de atividade; em
consequência, passou a delegar a sua execução a particulares, por meio de
contratos de concessão de serviços públicos e, posteriormente, por meio de pessoas
jurídicas de direito privado criadas para esse fim (empresas públicas e sociedades
de economia mista), para execução sob regime jurídico predominantemente
privado.”
Com base nessas considerações a Autora entende que foram seriamente afetados
os elementos subjetivo e formal utilizados para a definição dos serviços públicos, já que os
mesmos passaram a ser prestados por empresas privadas, com a modificação do regime da
prestação, que não mais pode ser tido como exclusivamente público. De fato, isso se constata
ao reconhecer que a concessionária, em remuneração ao capital, visa lucro, objeto típico do
regime de direito privado.
163 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.
100/102.
69
Tecidas essas considerações, a definição de serviço público para MARIA
SYLVIA ZANELLA DI PIETRO164 é “toda atividade material que a lei atribui ao Estado
para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objeto de satisfazer
concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.”
Observe-se que, os três elementos (subjetivo, material e formal) utilizados
classicamente na conceituação de serviços públicos permanecem identificados na definição
apresentada. A questão é a adequação dos conceitos à realidade normativa atual.
A necessidade de cautela na apresentação do conceito de serviço público, ainda
que abordada sob outra perspectiva, também foi remarcada na obra de DINORÁ ADELAIDE
MUSETTI GROTTI165, que ressalta as substanciais diferenças que caracterizam os vários
serviços públicos, inclusive no que tange ao regime jurídico aplicável:
“A Constituição não trata, porém, todos os serviços de maneira uniforme.
Os objetivos visados são diferentes; a competência para a prestação, bem como as
formas de organização e de gestão são distintas; a natureza jurídica da
remuneração paga pelos usuários de serviços públicos prestados uti singuli varia; a
aplicação dos princípios de direito público especialmente reportados aos serviços
com diferente intensidade; há submissão, em graus variáveis, a um regime de
direito público e, em algumas situações, ao direito privado. Não há, enfim, um
tratamento jurídico uniforme em relação a todos eles. Existem regras
constitucionais específicas acerca de questões peculiares.”
Destaca-se o elemento formal como ponto problemático na definição de serviço
público, isto é, aquele que versa sobre o regime jurídico aplicável.
Atualmente diversos serviços públicos, inclusive essenciais, foram delegados a
empresas privadas que, embora vinculadas contratualmente com o Estado, agem por sua conta
e risco, fazendo a interface direta com os administrados, tomadores desse serviço. É o caso da
delegação por concessão, oportunamente detalhado.
164 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.
100/102.
165 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 89.
70
Há de se considerar que as empresas concessionárias assumem a execução desses
serviços almejando lucro, fator incompatível com o regime de direito público. Assim, é
coerente admitir, com esteio na lição acima referida de Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o
serviço público é sujeito ao “regime jurídico total ou parcialmente público”, de acordo com o
caso analisado.
Retomando a definição de serviço público apresentada por Celso Antônio
Bandeira de Mello é possível constatar que essa situação não lhe passou despercebida,
entretanto, no seu entendimento, não se presta para alterar o regime de direito público
aplicável. Assim, concomitantemente com a assertiva de que o regime aplicado aos serviços
públicos é (permanece) de direito público, o Autor aclara que, no seu entendimento, regime de
Direito Público é aquele “consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições
especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.”
É o que se confirma da análise de outro excerto da obra de CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO166, no qual desenvolve melhor esse ponto:
“(...) a noção de serviço público depende inteiramente da qualificação que o
Estado (nos termos da Constituição e das leis) atribui a um tipo de atividade:
aquelas que reputou não deverem ficar entregues simplesmente aos empenhos da
livre iniciativa e que, por isto mesmo – e só por isto , entendeu de assumir e colocar
sob a égide do regime jurídico típico instrumentador e defensor dos interesses
públicos: o regime peculiar do Estado. Isto é: o regime de direito público, regime,
este, concebido e formulado com intento manifesto e indeclinável de colocar a
satisfação de certos interesses sob o pálio de normas que, de um lado outorgam
prerrogativas de autoridade a seu titular ou exercente (...) e, de outro, instituem
sujeições e restrições igualmente peculiares (...).”
Com isso, esclarece o critério segundo o qual entende que o regime aplicável aos
serviços públicos, ainda que concedidos, permanece sendo de direito público, o que se
confirma à luz das premissas apresentadas para esse enquadramento.
166 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
2009, p. 275/276.
71
As peculiaridades do elemento formal do conceito de serviço público também
foram abordadas por JACINTHO ARRUDA CÂMARA167:
“(...) a identificação de uma dada atividade como serviço público será feita
com base no exame de seu regime jurídico. Se estivermos diante de um regime
jurídico especial em relação ao comumente aplicado às atividades econômicas em
sentido estrito (regime, este, que seja marcado com normas características do
direito público), estarseá diante de um serviço público – de atividade, portanto,
suscetível de exame quanto ao regime tarifário que porventura lhe seja inerente.(...)
Nos serviços públicos haverá a adoção de um regime jurídico peculiar, em
comparação com as demais atividades econômicas. A primeira dessas
peculiaridades é eleger tal atividade como um dever do Estado. Mesmo quando
houver prestação por particulares de serviços públicos, juridicamente é o Estado
que estará desempenhado tal atividade através de delegatário (esta é a dicção do
da CF). A partir desta definição, toda uma série de medidas que seriam impróprias
para o regime comum de desenvolvimento de atividades econômicas passa as ser de
adoção normal pelo titular do serviço (o próprio Estado).
Assim, no presente trabalho a expressão ‘serviço público’ será empregada
para designar atividade sobre a a qual incide um regime jurídico de direito público,
no qual poderá ser inserido um regime tarifário”
Apesar de concluir pela aplicação do regime jurídico de direito público às
prestações do serviço público, o Autor se preocupa em ressalvar a existência de regime
tarifário, remarcando peculiaridade relevante no caso de delegação. Ao assim se posicionar,
ainda que de forma indireta, acolhe que não é exclusivamente público o regime dos serviços
públicos, mas preponderantemente público.
Não é outra a posição de LÚCIA VALLE FIGUEIREDO168, que menciona se
tratar de regime prevalecente de direito público:
“Serviço público é toda atividade material fornecida pelo Estado, ou por
quem esteja a agir no exercício da função administrativo, se houver permissão
constitucional e legal para isso, como o fim de implementação de deveres
167 CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifas nas Concessões. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 23/25.
168 FIGUEIREDO, Lúcia Vale. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 81.
72
consagrados constitucionalmente relacionados à utilidade pública, que deve ser
concretizada, sob regime prevalecente do Direto Público.”
Evidenciadas as variações doutrinárias na conceituação do que vem a ser serviço
público, que muito se aproximam no que tange aos elementos subjetivo e material, é de se ter
em mente, no que diz respeito ao elemento formal, o serviço público se sujeita ao regime de
direito público, e não ao regime de direito privado, já que se submete precipuamente ao
interesse público, ainda que atualmente possam ser tutelados outros elementos, tal como
abordado.
2.3. Classificação dos Serviços Públicos
A doutrina administrativista divide os serviços públicos como sendo serviços
gerais, que não atingem usuários determinados, ou como sendo serviços individuais,
prestadoa para usuário determinável, também sendo mensurável a prestação. Cuida-se,
respectivamente dos serviços denominados respectivamente de uti universi ou uti singuli.
Essa classificação dos serviços está bem caracterizada na obra de HELY LOPES
MEIRELLES169:
“Serviços uti universi ou gerais: são aqueles que a Administração presta
sem ter usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de
polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Esses serviços
satisfazem indiscriminadamente a população, sem que se erijam em direito
subjetivo de qualquer administrado à sua obtenção para seu domicílio, para sua
rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto é, não mensuráveis na
sua utilização. Daí porque, normalmente, os serviços uti universi devem ser
mantidos por imposto (tributo geral), e não por taxa ou tarifa, que é remuneração
mensurável e proporcional ao uso individual do serviço.
Serviços uti singuli ou individuais: são os que têm usuários determinados e
utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o
telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. Esses serviços, desde que
implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para todos os administrados
169 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 335.
73
que se encontrem na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as
exigências regulamentares. São sempre serviços de utilização individual,
facultativa e mensurável, pelo quê devem ser remunerados por taxa (tributo) ou
tarifa (preço público), e não por imposto.”
Evidencia-se, dessa classificação, que os serviços públicos uti singuli são mais
pertinentes ao presente estudo, na medida em que, por serem prestados para usuários
determinados e de forma mensurável, permitem a cobrança de contraprestação.
Acresça-se, à luz do exposto nos tópicos precedentes, especialmente em relação à
imunidade recíproca, que nessa espécie de serviços há celeuma a ser abordada em relação à
cobrança pelo uso do solo, pretendida pelo Município junto às concessionárias, já que, em
tese, esses serviços não se beneficiam da imunidade recíproca, aplicando-se o art. 150, §3º, da
CF/88.
Outra é a situação dos serviços uti universi, que são prestados pelo próprio Estado
sem a possibilidade de exigência de contraprestação específica, não só por serem insertos nos
seus deveres de administração, como pela própria indivisibilidade da prestação. São serviços
cuja oneração é assumida pelo próprio Estado, devendo ser custeada com lastro nos impostos
a que faz jus.
Nesse caso, a aplicação da imunidade recíproca é patente, já que sendo
financiados pelos entes políticos, ou seja, precipuamente pela a regular arrecadação dos
impostos, enquadram-se na regra imunizante do art. 150, VI, “a”, da CF/88.
Destacam-se, como serviços públicos uti singuli relevantes para este estudo, os
serviços públicos federais de fornecimento de energia elétrica, a prestação dos serviços de
telecomunicação, especialmente de telefonia fixa (art. 21 da CF/88), bem como os serviços de
gás canalizado, no âmbito estadual (art.25, §2º, da CF/88). São serviços essenciais que foram
concedidos para a execução por empresas particulares, conforme abordado no tópico
subsequente.
2.4. Delegação do Serviço Público
Admite-se, no Texto Constitucional (art. 175), a delegação da prestação dos
serviços públicos a terceiro, hipótese em que, não se retira do ente público a titularidade da
74
prestação, mas apenas permite que não execute os serviços diretamente, cumprindo-lhe atuar
ativamente na sua regulamentação e fiscalização. Conforme JOSÉ DOS SANTOS
CARVALHO FILHO170:
“É claro que as relações sociais e econômicas modernas permitem que o
Estado delegue a particulares a execução de certos serviços públicos. No entanto,
essa delegação não descaracteriza o serviço como público, vez que o Estado sempre
se reserva o poder jurídico regulamentar, alterar e controlar o serviço. Não é por
outra razão que a Constituição atual dispõe no sentido de que é ao Poder Público
que incumbe a prestação dos serviços públicos (art. 175).”
CARLOS ARI SUNDFELD171 evidencia que no caso de delegação, “o Poder
Público trespassa apenas o exercício da atividade, mantendo sua titularidade.”
a. Distinções em Relação à Classificação do Serviço Público
Aplicando os critérios de classificação dos serviços públicos acima referidos,
cumpre abordar separadamente a delegação de serviços uti universi e uti singuli.
Concebendo-se a delegação da prestação de serviço uti universi, a relação jurídica
remanesce entre o ente político e a prestadora, justamente por inexistir usuário determinado.
Nesse caso, por sua própria natureza indivisível, cumpre ao ente político que delegou a
atividade, a remuneração da prestadora do serviço, com quem mantém relação direta e
exclusiva, exigindo-lhe a prestação do serviço de forma adequada172.
Por outro lado, a complexidade da situação se agrava quando se consideram as
hipóteses de delegação dos serviços uti singuli acima referidas, situação em que o prestador
do serviço delegado age por sua conta e risco, assumindo relação direta com o usuário, o qual
lhe remunera mediante contraprestação denominada tarifa.
170 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 305.
171 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 81.
172 Não se desconsidera o direito subjetivo do cidadão em face do Estado, o que se enfoca é que pela
classificação do serviço, não há vínculo direto entre o prestador e o usuário.
75
Nesse outro caso, o poder concedente mantém relação contratual com a prestadora
do serviço, regendo a adequação do serviço prestado, inclusive mediante regulamentação
específica de atividade cuja titularidade detém. Manifestando-se sob as formas de delegação,
aclara HELY LOPES MEIRELLES173:
“Há delegação quando o Estado transfere, por contrato (concessão ou
consórcio público) ou ato unilateral (permissão ou autorização) unicamente a
execução do serviço para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua
conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle estatal.”
Verifica-se ser possível a delegação por contrato ou por ato unilateral, sendo
tradicionais formas de delegação a concessão, a permissão ou a autorização, bem como os
consórcios públicos, esses últimos mais recentemente instituídos como forma de concessão
especial174.
b. Concessão do Serviço Público e sua Remuneração por Tarifa
Destaque-se a concessão, forma de delegação pertinente ao presente estudo175,
amplamente utilizada para a prestação dos serviços uti singuli por empresas privadas, as quais
passaram a exercer atividade de titularidade do Estado. Como bem sintetiza CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO176:
“Concessão de serviço público é instituto através do qual o Estado atribui o
exercício de um serviço público a alguém que aceita prestálo em nome próprio, por
sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder
Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômicofinanceiro,
173 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 344 e 407.
174 Cuida-se das parcerias publico privadas, regidas pela Lei n° 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Sobre o
tema, vide Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 404 e ss.
175 Não devem ser relevadas as peculiaridades do caso prático, já que nem todas as concessionárias são empresas
privadas, nem todas se sujeitam ao regime público. Há graus distintos de essencialidade entre os serviços
delegados, sopesando-se de forma distinta dos princípios envolvidos. Tais peculiaridades devem ser
consideradas para cada caso, não sendo abordadas ao presente estudo, que traz conceitos gerais sobre a
concessão típica.
176 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
709.
76
remunerandose pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente
mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.”
Ao ser concedido o serviço público, este passa a ser desempenhado por empresa
privada. A peculiaridade a ser considerada é que a concessionária assume a execução do
serviço por sua própria conta e risco, estrutura-se segundo os postulados do direito privado,
almejando lucro. O tema foi desenvolvido por MARÇAL JUSTEN FILHO177
“O regime jurídico da prestação dos serviços públicos concedidos continua a
ser público. Mas o particular os exercita de acordo com regras privadas. Promove
investimento às custas de seu patrimônio, custeia as atividades necessárias. Tudo se
faz para obtenção de lucro, o que é assegurado contratualmente.
A concessão do serviço público produz, portanto, inovações no regime
jurídico aplicável. Passase a considerar cabível o dado da lucratividade – o que é
inconcebível na atividade administrativa desempenhada pelo Estado. O particular
tem assegurado o direito à manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro inicial.
Enfim, o insucesso será arcado pelo particular.”
Depreende-se que a concessionária, apesar de desempenhar serviço público, age
visando a obtenção de lucro, o qual seria inconcebível caso a atividade fosse diretamente
desempenhada pelo Estado. Como enfatiza JACINTHO ARRUDA CÂMARA178:
“O estímulo que leva empresas privadas a assumirem o referido ônus é a
exploração econômica do serviço. Para o particular a prestação de serviço público
não deixa de ser um negócio, um empreendimento econômico; e, como tal, é
realizado com intuito de obtenção de lucro.”
As considerações acima demandam uma melhor compreensão acerca da política
tarifária aplicável aos contratos de concessão.
c. Política Tarifária do Serviço Público Concedido
177 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p.
346.
178 CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifas nas Concessões. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 162.
77
De acordo com o art. 175, parágrafo único, III, da CF/88, nos casos de concessão
“a lei disporá sobre política tarifária”. Destarte, o art. 9º da Lei nº 8.987/95 tratou do tema,
impondo que a “tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta
vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e
no contrato.”
A tarifa é a contraprestação que a concessionária exige dos tomadores em relação
aos serviços prestados. Está sujeita a três relações jurídicas coordenadas, na definição de
FERNANDO VERNALHA GUIMARÃES179:
“(...) a tarifa é preçocontrapartida arcada pelo usuário na esfera da
relação jurídica contratual que trava com o prestadorconcessionário, mas é
também preçoregulado e controlado pelo poder público, dada sua ligação estreita
com valores intrínsecos aos serviços públicos. Além disso, é elemento que integra a
equação econômicofinanceira do contrato de concessão, sendo, por isso também,
um aspecto contratual da relação entre concessionário e poder concedente.”
Verifica-se que o valor da tarifa não se sujeita às práticas de mercado, ao
contrário, por imposição legal, a tarifa cobrada pela concessionária decorre do regular
processo de licitação. Assim, com a delegação, a tarifa passa a constar do contrato de
concessão, vinculando tanto o poder concedente quanto a concessionária. Na lição de HELY
LOPES MEIRELLES180:
“Inegável é, portanto, que o contrato de concessão cria direitos e
obrigações individuais para as partes. Dentre os direitos encontrase o de o
concessionário auferir as vantagens de ordem pecuniária que o contrato lhe
garantiu. Satisfeitas as condições contratuais pelo concessionário, a rentabilidade
assegurada à empresa erigese em direito adquirido, exigível do concedente na
forma avençada. Qualquer modificação unilateral, posterior, da norma legal ou
regulamentar ou de cláusula contratual pertinente ao serviço não invalida as
vantagens contratuais asseguradas ao concessionário (...)”
179 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de Serviço Público. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 180.
180 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 398.
78
Ainda que a tarifa se sujeite à intervenção administrativa, sendo passível de
alteração unilateral pelo poder concedente, devem ser respeitados os parâmetros legalmente e
contratualmente estabelecidos, especialmente o equilíbrio econômico-financeiro pactuado,
conforme disposto nos parágrafos 2º a 4º do art. 9º da Lei nº 8.987/95:
“§ 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim
de manterse o equilíbrio econômicofinanceiro.
§ 3o Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção
de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando
comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos,
conforme o caso.
§ 4o Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial
equilíbrio econômicofinanceiro, o poder concedente deverá restabelecêlo,
concomitantemente à alteração.”
O equilíbrio econômico-financeiro se refere às condições consideradas e
aprovadas no processo de licitação, que são refletidas no contrato de concessão, conforme
esclarece DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI181:
“A definição de equação econômicofinanceira das concessões espelha a
relação entre receitas e custos tomada no momento da celebração do contrato,
fazendo os concessionários jus a um equilíbrio do ajuste diante de: (a) alterações
unilaterais do contrato, promovidas pela Administração Pública; (b) fatos
imprevistos; (c) atos governamentais alheios ao próprio contrato (fato do
príncipe).”
Com efeito, o poder concedente define a tarifa a ser praticada pela concessionária,
já considerando a margem de lucro que lhe contratualmente é atribuída. Essa remuneração é
assegurada à concessionária, caso desempenhe corretamente o serviço que lhe foi concedido,
sendo adequado o valor da tarifa, por ato administrativo, sempre que necessário, para
reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente pactuado.
181 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A Experiência Brasileira nas Concessões de Serviço Público. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 203/204.
79
“Nesse contexto, não tenho dúvidas em afirmar que, majorado o ônus da
prestação do serviço ou aumentado seu volume, deve ser elevado o valor da tarifa, como
forma de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”, como assevera PAULO DE
BARROS CARVALHO182.
Oportunamente, em razão do equilíbrio econômico-financeiro aplicável, serão
abordados os impactos da cobrança pelo uso do solo nas tarifas praticadas. Entretanto, o
acima exposto já permite inferir que a alteração de custos atrelados à prestação não deve
atingir a concessionária, ensejando a possibilidade de revisão tarifária.
2.5. Princípios Aplicáveis à Prestação do Serviço Público
Os serviços públicos são sujeitos à regulamentação e controle do Poder Público,
qualquer que seja a modalidade de prestação adotada, cumprindo-lhe zelar pela sua adequada
prestação, exercendo o dever de fiscalizar e intervir no serviço concedido caso não seja
prestado a contento. Essa é, inclusive, imposição contemplada pela Lei n° 8.987/95183.
Realçando que a responsabilidade do Estado é inafastável mesmo no caso de delegação
da prestação do serviço, mencione-se HELY LOPES MEIRELLES184:
“O fato de tais serviços serem delegados a terceiros, estranhos à
Administração Pública, não retira do Estado seu poder indeclinável de
regulamentálos e controlálos, exigindo sempre sua atualização e eficiência, de par
com o exato cumprimento das condições impostas para sua prestação ao público.
Qualquer deficiência do serviço que revele inaptidão de quem o presta ou
descumprimento de obrigações impostas pela Administração ensejará a
intervenção imediata do Poder Público delegante para regularizar seu
funcionamento, ou retirarlhe a prestação.”
182 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p.
383/384.
183 “Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na
prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais
pertinentes.”
184 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 336.
80
Com efeito, da Lei n° 8.987/95, em especial no seu art. 6º185, depreendem-se
princípios norteadores da prestação, que impõem à atividade o respeito aos princípios da
regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua
prestação e modicidade das tarifas.
Remarque que, ao tratar do tema na doutrina, “os autores dissentem quanto ao
nome, número, conteúdo ou valor jurídico dos princípios inerente ao regime jurídico dos
serviços públicos. Muitas vezes, porém, a divergência procede ora de discordâncias
terminológicas, ora de que, por vezes, os autores fundem ou desdobram os mesmos
preceitos”, como notou DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI186:
Embora a denominação, quantificação e qualificação dos princípios regentes dos
serviços públicos não sejam consensuais na doutrina187, extraem-se, das obras analisadas,
alguns princípios que são relevantes para fins do presente estudo, já que serão invocados
posteriormente, quando da análise da relação jurídica instaurada entre Município e
concessionária, no que diz respeito à exigência do primeiro de valores como contraprestação
pelo uso do solo efetuada pela segunda.
185 “Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos
usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua
conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.”
186 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 256.
187 Com amparo na Lei n° 8.987/95, Hely Lopes Meirelles identifica cinco princípios norteadores de todo serviço
público e de utilidade pública: generalidade, permanência, eficiência, modicidade e cortesia. (op. cit. p. 399).
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, seriam dez os princípios regentes do serviço público: dever do Estado de
prestação; supremacia do interesse público; adaptabilidade (modernização), impessoalidade, continuidade,
transparência, motivação, modicidade de tarifas e princípio de controle sobre as condições da prestação. (op. cit.
686/687). Dinorá Adelaide Musetti Grotti discorre acerca de treze princípios: continuidade, direito de greve,
regularidade, generalidade, modicidade, segurança atualidade, eficiência, cortesia, igualdade, neutralidade,
publicidade, obrigatoriedade e responsabilidade. (op. cit. 254/317)
81
Assim, entende-se relevante ter como premissa correlata à prestação do serviço
público o respeito aos princípios da supremacia do interesse público, da universalidade, da
continuidade da prestação e da modicidade das tarifas.
a. Supremacia do Interesse Público
De acordo com a supremacia do interesse público, a plena satisfação dos usuários
deve reger a prestação do serviço público, já que são estes os legítimos destinatários da
atividade atribuída ao Estado. Corroborando seu entendimento acerca do regime jurídico
aplicável aos serviços públicos, a relevância do princípio é objeto da obra de CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO188:
“(...) princípio da supremacia do interesse público, em razão do que, tanto
no concernente à sua organização quanto no relativo ao seu funcionamento, o
norte obrigatório de quaisquer decisões atinentes ao serviço serão as conveniências
da coletividade; jamais os interesses secundários do Estado ou os dos que hajam
sido investidos no direito de prestálos (...)”
Nesse sentido, o regime de direito público aplicável aos serviços públicos - ainda
que com peculiaridades em alguns casos - já é suficiente para informar que o interesse público
deve ser o cerne da preocupação ao ser prestado. Essa premissa é reforçada pelo princípio da
supremacia do interesse público, apaziguando pretensão em contrária daqueles envolvidos na
sua prestação, cujos interesses são relegados para segundo plano.
Como leciona HELY LOPES MEIRELLES189,
“O Estado deve ter sempre em vista que o serviço público e de utilidade
pública são serviços para o público e que os concessionários ou quaisquer outros
prestadores de tais serviços são, na feliz expressão de Brandeis, public servants,
isto é, criado, servidores do público. O fim princípio do serviço público ou de
utilidade pública, como o próprio nome está a indicar, é servir ao público e,
secundariamente, produzir renda a quem o explora.”
188 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
679.
189 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 337.
82
Considerando o cenário das concessões e as necessidades da concessionária ao
assumir os serviços públicos, aponte-se o entendimento de MARÇAL JUSTEN FILHO190:
“O subprincípio fundamental, que dá identidade ao subsistema da
concessão de serviço público, reside na composição harmônica de interesses
públicos e privados. (...)
A concessão é um instrumento de composição dialética entre princípios e
interesses de diversa ordem. O enfoque isolado da posição jurídica de cada uma das
partes inviabiliza compreender a natureza e o regime jurídico apropriado para a
concessão. (,,,)
Na concessão, permanece aplicável o princípio da supremacia e da
indisponibilidade do interesse público, mas sua integração com os demais
princípios produz efeitos peculiares. (...)
Por isso, o poder concedente dispõe da prerrogativa de introduzir
modificações no conteúdo do vínculo e, mesmo, intervir no controle do
concessionário, tal como lhe incumbe reprimir condutas inadequadas dos cidadãos.
Mas a supremacia e a indisponibilidade do interesse público não garante ao poder
concedente a possibilidade de eliminar o lucro privado ou de impedir a fruição do
serviço pelos usuários.”
Embora reconheça prevalecer a supremacia do interesse público, há de se
viabilizar a concessão desse serviço, atentando-se também para os interesses da
concessionária, que assume o risco do negócio. Nesse sentido, o Autor apresenta subprincípio
relevante ao caso, qual seja, a necessidade de composição harmônica de interesses públicos e
privados, considerando que este não descaracteriza a supremacia do interesse público,
confirmado o regime jurídico de direito público, tal como anteriormente abordado.
b. Universalidade
O princípio da universalidade impõe que o serviço público seja prestado pelo
Estado, ainda que de forma indireta, sendo disponibilizado a todos aqueles que nele tenham
interesse, indiscriminadamente. É também tratado como princípio da generalidade.
190 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p.
290.
83
Para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO191, o princípio da
universalidade é aquele “por força do qual o serviço é indistintamente aberto à generalidade
do público.”
Com efeito, à luz desse princípio o serviço público deve ser prestado de forma
universal, sendo disponibilizado a todos, o que demanda a expansão das redes de
infraestrutura instaladas, visando que atinjam todo o território nacional.
No caso da delegação do serviço público a empresa concessionária, em
homenagem à universalidade, é seu dever prestar o serviço na totalidade da área de concessão,
nos moldes e prazos previstos pelo poder concedente, que lhe impõe metas de expansão. Com
base nesse princípio, é ônus da concessionária expandir seus serviços inclusive para regiões
remotas ou que resultem em contraprestação deficitária, ou seja, que não lhe pareçam
lucrativas se isoladamente consideradas.
Novamente, agora em razão da universalidade, evidencia-se prevalecer o interesse
público na prestação do serviço público.
c. Continuidade da Prestação
O princípio da continuidade da prestação do serviço público decorre da
necessidade de sua adequada prestação, contemplada no art. 6º, §1º, da Lei n° 8.987/95:
“Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência,
segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”
Tratando-se de atividade de interesse coletivo, o serviço público deve estar
constantemente disponível, sem interrupções, a todos os interessados. Cabe ao prestador do
serviço tomar as medidas cabíveis para assegurar a prestação de forma ininterrupta, inclusive
mediante adoção de meios tecnológicos disponíveis para tanto.
DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI192 sustenta que “o princípio da
continuidade dos serviços públicos deriva de sua indispensabilidade, do seu caráter essencial
191 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
2009, p. 283.
192 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 261.
84
e do interesse geral que o serviço satisfaz. Destarte, seu funcionamento há de ser contínuo,
sem interrupções, a não ser em hipóteses estritas, previstas em lei.”
Matéria de preocupação doutrinária atrelada a esse princípio decorre da
possibilidade de interrupção da prestação no caso de não pagamento ou mesmo de greve.
Entretanto, essas questões se distanciam por completo do cerne do presente estudo, tornando
impertinente sua abordagem.
De acordo com o tema eleito, o princípio da continuidade da prestação tem
relevância quando se considera que a rede de infraestrutura do serviço público é
imprescindível para sua prestação, sendo imperiosa sua manutenção para que o serviço seja
prestado de forma ininterrupta e universal. Nesse sentido, as redes não podem ser
desinstaladas sem a devida substituição, permanecendo afetas à atividade pública, tal como
abordado em seguida ao tratar dos bens públicos (item 2.6).
d. Modicidade das Tarifas
Também para que seja considerada adequada a prestação do serviço público, com
esteio no art. 6º, §1º, da Lei n° 8.987/95, a contraprestação devida pelo tomador do serviço
público deve ser razoável, privilegiando-se o princípio da modicidade das tarifas.
Retomando o tratamento constitucional dado ao tema, merece referência
DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI193:
“Ao estabelecer no art. 175, parágrafo único, inciso III, que a lei disporia
sobre a política tarifária, o Texto Fundamental de 1988 deixou ao legislador
infraconstitucional a determinação dos princípios a orientarem tal política.
Todavia, embora tenha sido alterada a fórmula normativa, adotada nas
Constituições brasileiras anteriores, que sempre se reportavam à modicidade das
tarifas que realizasse a 'justa remuneração do capital' como princípio a ser
observado na concessão e na permissão dos serviços públicos (art.137 da
Constituição de 1934; art. 147 da Carta de 1937; art. 151, parágrafo único, da
Constituição de 1946; art. 160, II, da Carta de 1967; art. 167, II, da Emenda 1/69),
193 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 291/292.
85
não deve ser considerada revogada a determinação quanto à moderação da
contrapartida paga pelos usuários.”
O princípio da modicidade das tarifas tem como escopo precípuo assegurar que o
maior número possível de interessados tenha acesso ao serviço público. Como assevera
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO194:
“(...)deveras, se o Estado atribui tão assinalado relevo à atividade a que
conferiu tal qualificação, por considerálo importante para o conjunto de membros
do corpo social, seria rematado dislate que os integrantes desta coletividade a que
se destinam devessem, para desfrutálo, pagar importâncias que os onerassem
excessivamente e, pior que isto, que os marginalizassem”.
Deduz-se, portanto, que a modicidade das tarifas privilegia o princípio da
universalidade da prestação, já que visa que o serviço público, apesar de remunerado, seja
acessível a todos os interessados, dada sua relevância constitucionalmente reconhecida.
No caso dos serviços concedidos, em que o lucro da concessionária é elemento a
ser considerado, a modicidade das tarifas costuma ser assegurada pelo poder concedente já no
próprio contrato de concessão, ao ser fixada a justa remuneração do concessionário.
Tecidas essas considerações, mencione-se o entendimento de FERNANDO
VERNALHA GUIMARÃES195 acerca de tarifa módica:
“Traduz o valortarifa cuja dimensão numérica não impeça nem dificulte,
mas, ao contrário, favoreça o acesso ao serviço público. Consiste num preço que,
com vistas a cobrir as despesas da concessão e assegurar a justa remuneração ao
concessionário, facilite o acesso ao serviço público.”
Dessa forma, ainda que prestado por empresas concessionárias, o serviço público
é regido pelos princípios da supremacia do interesse público, pela universalidade, pela
continuidade da prestação e pela modicidade de tarifas, princípios estes que devem ser
194 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
686/687.
195 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de Serviço Público. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 182.
86
considerados ao se analisar a possibilidade da cobrança pelo uso do solo, exercida pelo
Município junto às concessionária de serviço público.
2.6. Bens Públicos e sua Reversibilidade
É imprescindível para a prestação do serviço público a existência de rede de
infraestrutura apropriada para viabilizar a prestação. Aliás, em muitos casos, infere-se que o
serviço foi constitucionalmente demandado ao Estado justamente em razão da elevada
oneração ou complexidade da infraestrutura necessária à prestação, obstando, ou mesmo
tornando economicamente desinteressante, o exercício dessa atividade por particulares.
Nesse sentido, é relevante tecer algumas considerações acerca do bem público
necessário à prestação do serviço público concedido, bem como sua reversibilidade ao
patrimônio do poder concedente com a extinção da concessão.
87
a. Noção de Bens Públicos
A definição legal de bem público é apresentada no art. 98 do Código Civil: “São
públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público
interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.”
A doutrina se empenha em elucidar a noção legal de bem público. Para HELY
LOPES MEIRELLES196, “bens públicos, em sentido amplo, são todas as coisas corpóreas ou
incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a
qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais ou empresas
governamentais.”
É intrínseca a relação do bem público com o interesse público, como leciona
ODETE MEDAUAR197:
“Bens públicos é expressão que designa os bens pertencentes a estes
estatais, para que sirvam de meios ao atendimento imediato e mediato do interesse
público e sobre os quais incidem normas especiais, diferentes das normas que
regem os bens privados. (...)
Os bens públicos devem ter destinação que atenda ao interesse público, de
modo direto ou indireto. A afetação, explícita ou tácita, atribui destinação
específica ao bem.”
Entende-se por afetação o fato do bem estar destinado ao uso comum ou especial,
ou seja, voltados a atender o interesse público, o que o torna indisponível, conforme
classificação a seguir abordada. Note-se que, uma vez afetos a determinada atividade, a
desafetação do bem depende de lei ou ato do executivo nesse sentido.
Verifica-se que não só o bem público deve ter destinação que atenda ao interesse
público, como que essa afetação é relevante para sua classificação como bem público.
Nesse sentido, mencione-se a posição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO198 que, privilegiando o interesse público, inclui na noção de bens públicos aqueles
196 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 525/526.
197 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: RT, 2008, p. 236.
88
bens que “embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um
serviço público”, extrapolando o limite do dispositivo legal acima referido. Ou seja, para o
Autor, todo o bem afeto à prestação de serviço público também deve ser entendido como bem
público.
Desde logo é possível apontar que a infraestrutura de redes necessária à prestação
de serviço público, bem como o solo, subsolo e espaço aéreo que ocupam, enquanto
imprescindíveis para a consecução dessa atividade, são bens afetos à prestação de serviço
público, e, portanto, bens públicos na linha de pensamento acima apresentada.
Tamanha é a preponderância do interesse público que, conforme leciona RUY
CIRNE LIMA199 “É indiferente quem seja o proprietário da coisa vinculada ao uso público.
A relação de administração paralisará, em qualquer caso, a relação de direito subjetivo”.
O entendimento acima é desenvolvido por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO200, que aclara ser a noção de domínio público201 mais extensa do que a de
propriedade, “a marca específica dos que compõem tal domínio é a de participarem da
atividade administrativa pública, encontrando-se, pois, sob o signo da relação de
administração, a qual domina e paralisa a propriedade, mas não a exclui.” Tecidas essas
considerações, conclui:
“A noção de bem público, tal como qualquer outra noção em Direito, só
interessa se for correlata a um dado regime jurídico. Assim, todos os bens que
estiverem sujeitos ao mesmo regime público deverão ser havidos como bens
públicos. Ora, bens particulares quando afetados a uma atividade pública
(enquanto o estiverem) ficam submissos ao mesmo regime jurídico dos bens de
propriedade pública. Logo, têm de estar incluídos no conceito de bem público.”
198 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
920.
199 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 54.
200 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
920.
201 “O conjunto de bens públicos forma o “domínio público, que inclui tanto bens imóveis como móveis.”
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. op. cit., p. 920.
89
Com efeito, os bens públicos podem ser entendidos como os bens de titularidade
das pessoas jurídicas de direito público, a quem compete assegurar sua integridade e geri-los,
atentando para sua vocação natural que é atender o interesse coletivo, bem como os bens
particulares que estejam afetados à atividade pública.
b. Classificação dos Bens Públicos
De acordo com o Código Civil202, os bens públicos são classificados em três
categorias203: bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais. A
distinção entre essas categorias é atrelada à destinação dada ao bem público.
Bens de uso comum do povo são aqueles de domínio público, afetos a fim de
utilidade pública, pois abertos à utilização do povo, para sua fruição uti universi, como ruas,
praças, praias, etc. Referido bens não se sujeitam a registro imobiliário204, sendo peculiar a
forma de propriedade estatal que lhes onera, como consigna MARÇAL JUSTEN FILHO205:
“O Estado é titular desses bens porque nenhum sujeito pode adquirir
domínio sobre ele. Mas não é possível afirmar a existência de uma propriedade
estatal, já que não cabe ao Estado as faculdades de uso e fruição privativos,
excludente de idêntico benefício em prol de terceiros. (...) A “propriedade” estatal
significa, no caso, a exclusão daquele bem do universo dos bens sujeitáveis à
incidência de um direito de propriedade privada.
202 “Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II
- os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração
federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o
patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas
entidades.”
203 Mesmo norteando sua obra por essa classificação, Marçal Justen Filho bem aponta que a mesma “tinha em
mente apenas os bens imóveis, olvidando a existência e a relevância dos bens móveis e direitos.” Ainda, critica
que a classificação deixa de reconhecer a existência de categoria destinada a bens públicos comum protegidos,
que são de titularidade, e não de uso, comum do povo, como os recursos naturais e o meio ambiente. JUSTEN
FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 908/909.
204 Vide Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 286.
205 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 911.
90
Portanto, afirmar que existe propriedade publica, no caso, não significa a
possibilidade de o Estado impedir o uso ou a fruição dos membros da comunidade
sobre tais bens, desde que respeitados determinados parâmetros (...).”
Os bens de uso comum do povo não comportam, portanto, o uso exclusivo, nem
mesmo pelo ente público, sob pena de, alterada sua destinação, serem desenquadrados dessa
classificação. São bens destinados à satisfação do interesse coletivo, sendo dever da
Administração zelar por sua manutenção e correta destinação, o que inclui assegurar a fruição
isonômica pelos administrados. Como bem ressalta RUY CIRNE LIMA206, “é característico
do uso comum que nenhum utente possa excluir outro, dada a paridade de situações entre
todos.”
Bens de uso especial são aqueles postos a serviço dos entes públicos, no regular
exercício de suas atividades, hipótese em que são considerados instrumentos dos serviços
públicos (repartições públicas), ou mesmo para a implantação de estabelecimento público
(universidades, teatros, locais abertos à visitação pública).
Tais bens têm destinação especial, sendo diretamente afetados a finalidade
pública permanente, caracterizadora das ações dos entes públicos, razão pela qual são
considerados bens indisponíveis.
Há de se enquadrar, nessa classificação, a rede de infraestrutura necessária à
prestação de serviços públicos, ainda que implantadas em ruas e praças, as quais são
qualificadas como bens de uso comum do povo. Ressalte-se, entretanto, que há peculiaridade
acerca da destinação desses bens pois, conforme ALESSANDRO MENDES CARDOSO207
remarca ao comentar o tema “essa forma de uso não impede que a coletividade continue
utilizando o bem público em sua destinação principal, qual seja, a circulação pública.”
Segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO208 é inerente à própria
natureza dos bens públicos “servir a finalidades públicas diversas, quantas sejam possíveis e
206 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 193.
207 CARDOSO, Alessandro Mendes. A Incidência do ISSQN e de Preço Público sobre a Exploração Econômica
de Serviços Públicos Concedidos. Revista Dialética de Direito Tributário n° 115, p. 21.
208 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.
291.
91
necessárias para ampliar as utilidades oferecidas à coletividade. Cada bem público atende a
inúmeros fins. (...) Pode-se dizer que desempenham, em decorrência de sua afetação, uma
função social que lhes é inerente.”
Bens dominicais “são os próprios do Estado como objeto de direito real, não
aplicados nem ao uso comum, nem ao uso especial, tais os terrenos ou terras em geral, sobre
os quais tem senhoria, à moda de qualquer proprietário, ou que, do mesmo modo, lhe
assistam em conta de direito pessoal”, conforme CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO209. Por assim se qualificarem, diferentemente dos bens objeto das classes anteriores,
são considerados disponíveis.
MARÇAL JUSTEN FILHO210 “a categoria de bens dominicais abrange, de
modo específico, aqueles bens explorados economicamente para a obtenção de resultados
econômicos, desvinculados do desempenho de função governativa ou da prestação de serviço
público.”
Esse possibilidade de exploração econômica dos bens dominicais será retomada
posteriormente, quando abordada a possibilidade de excepcional desempenho da atividade
econômica pelo Estado, inclusive mediante a exploração de bens públicos. Da classificação
acima apresentada, é possível inferir que somente os bens dominicais se sujeitariam a tal
exploração, já que esses bens se enquadram na única classe que não está afetada pela
destinação de interesse público.
Apresentada a classificação com lastro na disciplina do Código Civil, aclare-se,
por fim, em menção à HELY LOPES MEIRELLES211 que: “a enumeração dos bens públicos
feita no art. 99 do CC não é exaustiva, e nem poderia ter esse caráter, dada a crescente
ampliação das atividades públicas, que a todo momento exigem outros bens para o
patrimônio administrativo.”
c. Rede de Infraestrutura das Concessionárias e Reversibilidade
209 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
921.
210 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 919.
211 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 526.
92
A infraestrutura de rede necessária à prestação de serviços públicos de água, gás,
telecomunicação e energia elétrica está afetada a utilidade pública, enquadrando-se como bem
público classificado como de uso especial.
O ponto curioso é que, mesmo se tratando de serviços públicos
constitucionalmente atribuídos à União e aos Estados, as redes implantadas, em razão do
princípio da universalidade da prestação, estão espalhadas por todo o Território Nacional,
ocupando espaços públicos de titularidade de diferentes pessoas de direito público.
Apesar disso, é certo que, pela destinação que lhes foi atribuída, já que
imprescindíveis para a prestação do serviço público, compõem o patrimônio do ente político
titular dessa atividade, ainda que exercida mediante delegação. Não é por outro motivo que,
verificada a delegação por concessão, é imposta a reversibilidade dos bens públicos. RUY
CIRNE LIMA212:
“As concessões de serviços públicos, de outra parte, podem ser
acompanhadas de concessões sobre o domínio público, para utilização deste –
assentamento de linhas feras, redes elétricas aéreas e subterrâneas, redes
telefônicas, redes de fibra ótica, redes de atua e esgoto, que constituem, de regra,
uma delegação do uso especial da Administração pública, por essa mesma
delegação, convertido em uso privativo a favor de um particular.”
No caso, tais bens são notadamente indisponíveis, cumprindo serem reassumidos
pelo poder concedente com o encerramento da concessão, para que o serviço público continue
a ser prestado, evitando a necessidade de interrupção do serviço para renovação da
infraestrutura já existente. Com isso, privilegiam-se os princípios da supremacia do interesse
público, da continuidade e da modicidade de tarifas, anteriormente abordados.
Ainda que a concessão do serviço público implique na exploração e expansão da
rede existente pela empresa concessionária, essa infraestrutura não é transferida de forma
definitiva ao patrimônio da empresa privada que assumiu a concessão do serviço,
principalmente por ser essa atividade assumida por prazo determinado.
212 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 518.
93
MARÇAL JUSTEN FILHO213 aclara que “esses bens são atribuídos à guarda do
concessionário, que os utiliza para a prestação do serviço público. Eles reverterão
automaticamente ao poder concedente, quando encerrada a concessão.”
Uma vez extinta a concessão, o serviço público em questão deixa de ser prestado
pelo anterior concessionário, porém continua sendo dever do Estado, que poderá exercê-lo
diretamente, ou mediante nova concessão. Para tanto, é necessário que toda a infraestrutura já
implantada e necessária à prestação do serviço em questão seja transferida ao poder
concedente. Trata-se da reversibilidade dos bens.
Há previsão legal expressa para que os bens afetos à prestação do serviço público
sejam integrados ao patrimônio do poder concedente com a extinção do contrato de
concessão. Com efeito, os primeiros parágrafos do art. 35 da Lei n° 8.987/95 se prestam para
impor a reversibilidade dos bens, aclarando a necessidade de assunção imediata do serviço
pelo poder concedente ao dispor:
“§1º Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens
reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto
no edital e estabelecido no contrato.”
2o Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo
poder concedente, procedendose aos levantamentos, avaliações e liquidações
necessários.
§ 3o A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a
utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.” (g.n.)
E para que o serviço prossiga sendo regularmente prestado, não há tempo hábil
para a implementação de nova rede de infraestrutura, sob pena de interrupção do serviço,
cumprindo ser mantido o aproveitamento da rede já existente. Por outro lado, tampouco o
custo de nova estruturação do serviço em questão seria compatível com a modicidade das
tarifas almejada, fator adicional a justificar a necessidade de reversão ao patrimônio do poder
concedente dos bens necessários à prestação do serviço público.
213 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 641.
94
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO214, apreciando o tema sob a
perspectiva da concessionária, agrega ao tema ao assim considerar:
“Sobremais, substancial parte dos equipamentos em uma concessão de
serviço público é constituída de edificações ou bens que aderem ao solo e que não
podem ser removidos ou que, em sendo removíveis, perdem nisso toda ou muita de
sua substância econômica. Pensese nas edificações de centrais elétricas, torres de
retransmissão, usinas de transformação ou geradores de energia ou, para retornar
aos exemplos anteriores, nos armazéns e cais de embarque e desembarque de
cargas ou passageiros..
Daí que ao concessionário pequena significação econômica tem o
equipamento necessário à prestação do serviço, uma vez finda a concessão.
Reversamente, para o concedente eles se constituem na indispensável condição
para continuidade do serviço.”
Depreende-se, portanto, que a rede de infraestrutura necessária à prestação do
serviço público é bem público de uso especial, que, embora atribuída à concessionária como
instrumento necessário à atividade delegada, deve ser revertida ao patrimônio público com
seu encerramento, mantendo-se afetada à atividade de interesse coletivo.
3. ANALISE DAS TAXAS E IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE
TAXA PELO USO DO SOLO
3.1. Esclarecimentos Preliminares
Convém esclarecer que no estudo do tema eleito foram identificadas leis
municipais que, editadas com o escopo de exigir contraprestação pelo uso do solo, utilizam o
termo taxa para se referir ao instituto jurídico que ampara a citada cobrança.
Diante dessa situação fática e do conteúdo do artigo 4º do Código Tributário
Nacional215, que aclara ser a denominação legal irrelevante para qualificar a natureza jurídica
214 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
761.
95
do tributo, reputa-se necessário desvendar a viabilidade jurídica do emprego do termo taxa na
legislação municipal. Ou seja, o que se pretende é averiguar se essa espécie tributária é apta a
viabilizar a cobrança pelo uso do solo em face das concessionárias de serviços públicos.
Nesse sentido, para bem situar o tema, merece menção, a título ilustrativo216, a
Lei Municipal de Ji-paraná n° 1.199, de 31 de dezembro de 2002, que “autoriza o Executivo
Municipal a criar a taxa de licença e royalties para uso e ocupação de solo nas vias e
logradouros públicos e espaço aéreo no Município de Ji-paraná – RO”. Transcreva-se o
dispositivo que versa sobre a cobrança pelo uso do solo:
Art. 1º Autoriza o Executivo Municipal criar a taxa de licença para o uso e
ocupação do solo e espaço aéreo, a quem ocupe vias e logradouros públicos com
postes, sistema de telefonia, abastecimento de água e esgoto, sistema de
transmissão de TV a cabo e similares para fins comerciais ou de prestação de
serviços.
§ 1º No caso de utilização das vias e logradouros públicos para a
instalação de postes a taxa é cobrada por mês ou fração à razão de R$ 5,00 (cinco
reais) por poste instalado, sendo este valor corrigido com base no Índice Geral de
Preços ao Consumidor (IPCA) ou equivalente.
§ 2º A referida taxa prescrita no § 1º, será atribuída aos prestadores de
serviços no ramo de telefonia e energia elétrica.
§ 3º No caso de utilização das vias e logradouros públicos para rede de
água, rede de esgoto, sistema de transmissão de TV a cabo e similares será cobrada
a taxa de R$ 0,l0 (zero virgula dez centavos de real) por metro linear.
§ 4º No caso de utilização das vias e logradouros públicos para a instalação
de telefones públicos será cobrada por mês ou fração a taxa de R$30,00 (trinta
reais) por aparelho instalado.
Referida norma prevê a cobrança de taxa de licença para o uso e ocupação do
solo, a qual será exigida mensalmente, nos valores acima fixados, em relação (i) aos postes
215 “Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação,
sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a
destinação legal do produto da sua arrecadação.”
216 Vide o inteiro teor da Lei em questão no anexo de jurisprudência municipal, no qual também foram
colacionadas outras normas dispondo sobre a cobrança pelo uso do solo.
96
dos prestadores dos serviços públicos de telefonia e energia elétrica, (ii) à rede de água,
esgoto e sistemas de cabeamentos, bem como (iii) aos telefones públicos instalados. Com
isso, a taxa imposta atinge serviços públicos cuja prestação foi delegada a particulares,
destacando-se os serviços de energia elétrica, telecomunicações e gás.
A inconstitucionalidade da cobrança dessa taxa foi reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 581.947, sob relatoria do Ex-Ministro
Eros Grau, com repercussão geral reconhecida. Os fundamentos do acórdão serão abordados
de acordo com o desenvolvimento do tema, ressaltando-se que ainda não houve o trânsito em
julgado, ante a oposição de embargos de declaração ainda pendentes de julgamento217.
Os esclarecimentos acima se prestam para ilustrar, em caso prático, a forma pela
qual os Municípios têm instituído a cobrança de taxa pelo uso do solo, prosseguindo-se com o
desenvolvimento da análise jurídica do tema, para, em seguida, avaliar a cobrança pelo uso do
solo na forma em que vislumbrada pelos Municípios.
3.2. Delineamento das Taxas
A competência para a instituição de taxas foi outorgada pela Constituição Federal
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. De acordo com o art. 145, II e §2º,
da CF/88, as taxas podem ser cobradas “em razão do exercício do poder de polícia, ou pela
utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao
contribuinte ou postos a sua disposição”.
Depreende-se serem apenas duas as hipóteses constitucionais de instituição de
taxa genericamente colocadas à disposição dos entes políticos, a taxa devida pelo exercício de
poder de polícia - taxa de polícia - e a taxa devida pela prestação de serviços públicos - taxa
de serviço -, as quais serão separadamente abordadas em tópicos a seguir (itens 3.5 e 3.6).
a. Especificidade e Divisibilidade
Em relação ao delineamento das taxas, ainda que em primeira análise, o
dispositivo constitucional permite questionar se apenas as taxas de serviço são regidas pela
217 Com a aposentadoria do Ex-Ministro Eros Grau, o relator que o substituiu no caso foi o Ministro Luiz Fux.
97
especificidade e divisibilidade, bem como se apenas estas são exigíveis no caso de potencial
prestação, características que não se aplicariam à taxa de polícia.
Embora o detalhamento acerca da taxa de polícia seja objeto de tópico próprio, a
análise desses questionamentos, nesse momento, é relevante para que se extraiam as
características fundamentais das taxas, quais sejam a especificidade e divisibilidade.
De acordo com a definição do art. 79 do Código Tributário Nacional218, a
especificidade decorre da possibilidade de destaque em unidades autônomas de intervenção,
de unidade, ou de necessidades públicas, identificando-se a atividade estatal vinculada ao
contribuinte. Por sua vez, a divisibilidade é a possibilidade de mensurar da atividade estatal
em relação a cada contribuinte219.
Ainda que a redação do dispositivo constitucional dê margem a interpretação
distinta, atrelando a especificidade e a divisibilidade apenas às taxas de serviço, é certo que,
em razão de sua natureza, também o exercício do poder de polícia deve ser específico e
divisível para que possa ser objeto de taxa.
Isso, pois as taxas de polícia não podem ser exigidas em razão do exercício geral
do poder de polícia, dever da administração pública, mas sim em razão do específico controle
das atividades dos particulares, caracterizada a atuação estatal diretamente vinculada a estes.
O tema é claramente abordado por RICARDO LOBO TORRES220
“Parecenos, no entanto, que o exercício do poder de polícia só justificará a
cobrança de taxa se houver a prestação específica e divisível. É preciso distinguir,
como fazem os administrativistas, entre poder de polícia geral e especial. Embora
no poder de polícia a atividade pública se exerça em benefício da coletividade, nem
por isso está ausente a vantagem ou desvantagem individual justificadora do
218 “Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se: (...) II - específicos, quando
possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de necessidades públicas; III -
divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.”
219 Embora o art. 79 do CTN verse sobre serviços públicos, as definições deduzidas são igualmente aplicáveis ao
poder de polícia.
220 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. IV – Os tributos na
Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 404.
98
tributo contraprestacional. A especificidade e a divisibilidade, que se implicam
mutuamente, significando a prática de atos autônomos em benefício de indivíduos
distintos, suscetível de tributação pela taxa e o exercício genérico desse poder
financiado pela receita de imposto. O STF declarou a inconstitucionalidade de taxas
de segurança pelo policiamento ostensivo geral, reconhecendo apenas a
legitimidade das que se cobram em troca de atos específicos.
Quanto à efetividade ou à disponibilidade, consistente na prática do ato, é
também requisito essencial, sob pena de se confundirem a atividade específica
estatal e o poder genérico de polícia, tendo em vista que o exercício meramente
potencial do poder de polícia desemboca na segurança genérica da ordem pública.”
O excerto acima evidencia que para fins tributários, há de ser feita uma
segregação entre (i) o poder de polícia exercido em face da coletividade (v.g. prevenção da
criminalidade), o qual se insere no dever geral da administração pública221, a ser custeado
pelos impostos recolhidos, e (ii) o poder de polícia exercido especificamente em face do
administrado, precipuamente em razão de regramentos aplicáveis às atividades que esse
desempenha (v.g. expedição de alvará), o qual pode ser objeto de taxa, ainda que, em última
análise, também nesse caso a atuação estatal se preste para o bem da coletividade222 223.
Conforme RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA224, “o fato imponível da
obrigação tributária respeitante à taxa de polícia é a expedição do ato formal que rompe o
obstáculo criado pela norma de polícia, que o confirma ou impõe sujeição à fiscalização.”
221 Art. 144 da CF/88: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias
civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.”
222 Embora essas considerações possam, em análise prematura, remeter à segregação de serviços públicos entre
uti singuli e uti universi apresentada no capítulo anterior, consigne, desde logo, que o poder de polícia não deve
ser entendido como serviço público, caracterizando-se como peculiar atividade do Estado conforme será
abordado oportunamente (item 3.7).
223 Ainda que em nada altere a análise posta, ressalte-se o uso da terminologia polícia geral e especial, haurida do
direito estrangeiro, não encontra consenso na doutrina. Para maior detalhamento sobre essa celeuma, que
extrapola o objeto deste estudo, vide Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2011, p. 844/846.
224 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Taxas de Polícia. São Paulo: RT, 1980, p. 55.
99
Nesse sentido, o Autor sustenta que as taxas de polícia podem decorrem de licenças,
autorizações, dispensa, isenção e fiscalização225.
Por outro lado, retomando-se o último parágrafo da citação de Ricardo Lobos
Torres, considerada a natureza da atividade de polícia sujeita à taxa, evidencia-se que a taxa
de polícia depende da efetiva atuação estatal, sob pena de se confundir com o dever de polícia
exercido em face da coletividade. Em abordagem pragmática da questão, assim se posiciona
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO226:
“Não basta que o departamento da Polícia Federal que concede
passaportes esteja em funcionamento para que o Poder Público Federal cobre “taxa
de expediente” de todos os que tiverem sob sua circunscrição, ao argumento de que
o serviço está posto à disposição dos contribuintes. As taxas de polícia se dão pela
realização de atos administrativos com base no poder de poder geral de polícia,
diretamente relacionada à pessoa do contribuinte.”
Nesse ponto as taxas de polícia se diferenciam das taxas de serviço, pois apenas
as últimas podem ser cobradas em caso de utilização efetiva ou potencial do serviço, prestado
ou posto à disposição do administrado.
Depreende-se, portanto, que não é característica da taxa, como espécie tributária,
a possibilidade de exigência no caso de potencial utilização da atividade estatal. Essa é uma
peculiaridade atinente à taxa de serviço.
São características da taxa, com espécie tributária, a especificidade e a
divisibilidade anteriormente abordadas. Assim, tanto a taxa de serviço como a taxa de polícia
são passíveis de instituição e cobrança pelos entes políticos no caso de ação estatal
225As licenças no caso de atividade administrativa vinculada, permitindo o exercício de direito já existente. As
autorizações no caso de atividade administrativa discricionária, acrescendo direito ao administrado. A dispensa e
a isenção, pois implicam em desobrigação, demandando examinar o atendimento a requisitos. A fiscalização,
pela ação fiscal, ensejando cobranças periódicas. (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Taxas de Polícia, op. cit., p.
39/42.)
226 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
162.
100
direcionada ao administrado, o que rendeu às taxas (como espécie tributária) a classificação
bastante difundida de “tributo vinculado” à determinada atuação estatal227.
227 Amplamente acolhida pela doutrina, a difusão da classificação de taxa como tributo vinculado decorre da
referenciada obra de Achille Donato Giannini, Istituzioni di Diritto Tributario, Milão, 1948.
101
b. Referibilidade
Do acima exposto, é possível deduzir ser a referibilidade é característica marcante
das taxas, como bem aclara GERALDO ATALIBA228:
“A hipótese de incidência da taxa é uma atuação estatal diretamente
(imediatamente) referida ao obrigado (pessoa que vai ser posta como sujeito
passivo da relação obrigacional que tem taxa por objeto). (…)
Do que se vê que, para que se configure a taxa, basta a lei prever atuação
estatal que tenha referibilidade a alguém (que poderá ser posto como sujeito
passivo do tributo). Este tributo irá nascer com a referibilidade (no momento e, que
a atuação estatal se referir concretamente a alguém).”
Com base na referibilidade, PAULO DE BARROS CARVALHO229 entende que
“o ato expressivo do poder de polícia deve ser específico e divisível para fins de exigência da
taxa, já que está, como explicado, é tributo que apresenta referibilidade direta ao
contribuinte.”
Portanto, para a exigência de taxas de polícia ou de serviço é requisito
fundamental a referibilidade, caracterizando-se a vinculação expressa entre a atividade estatal,
exercida de forma específica e divisível, e o contribuinte. Ao discorrer sobre as taxas, LUÍZ
EDUARDO SCHOUERI230 comenta:
“Em ambos os casos, temse que a taxa é paga porque alguém causou uma
despesa estatal. A idéia é que, se um gasto estatal referese a um contribuinte, não
há razão para exigir que toda a coletividade suporte. Daí a racionalidade da taxa
estar na equivalência.”
Por meio das taxas, pretende-se responsabilizar tributariamente o contribuinte
pelo ônus que causou ao Estado ao demandar sua atuação de forma específica e divisível.
Destarte, as taxas privilegiam o princípio da igualdade, como bem remarca ROQUE
228 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 147.
229 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 702.
230 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 167.
102
ANTONIO CARRAZZA231, “evitando que os demais membros da comunidade suportem os
ônus econômicos de uma atuação estatal que, pelo menos diretamente, não os alcançou.”
c. Base de Cálculo
A referibilidade, que se extrai do fato gerador constitucionalmente previsto para
as taxas, traz reflexos diretos na base de cálculo a ser eleita pelo legislador ao instituí-las, ao
risco de eivá-las de inconstitucionalidade. É o que se depreende do art. 145, §2º da
Constituição Federal, ao dispor que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de
impostos”.
A expressão própria foi incluída no Texto Constitucional de 1988, devendo ser
avaliada criteriosamente, já que é assente que na lei não se presumem palavras inúteis.
Conforme CARLOS MAXIMILIANO232:
“Dáse valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para
achar o verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo
que tenham efeitos todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperativa ou
supérflua, nula ou sem significação alguma.”
LUÍZ EDUARDO SCHOUERI233 sustenta que a base de cálculo própria de
imposto é aquela que se presta para medir a capacidade contributiva, com lastro no art. 145,
§1º, da CF/88234. Com isso, afirma que a Constituição vedou que as taxas tenham como base
de cálculo qualquer critério relacionado ao contribuinte.
Deste modo, os critérios de definição da base de cálculo da taxa, além de não
poderem coincidir com os dos impostos conforme expresso no referido dispositivo
231 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
537.
232 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 250.
233 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 169/170.
234 “Art. 145 (omissis) § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para
conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
103
constitucional, devem ter relação com a atividade estatal tributada. Segundo JOSÉ AFONSO
DA SILVA235, em comentários à Constituição Federal:
“(...) a base de cálculo da taxa há de ser um elemento relacionado com a
atividade estatal que é seu pressuposto. Será, pois, uma base de cálculo não ligada
a renda, patrimônio, capital, produção, circulação obtida ou promovida pelo
contribuinte, mas uma medida vinculada à atividade estatal referida ao
contribuinte, que deu origem à taxa.”
GERALDO ATALIBA236 aclara que “efetivamente, se a h.i. da taxa é só uma
atuação estatal, referida a alguém, sua base imponível é uma dimensão qualquer da própria
atividade do Estado: custo, valor ou outra grandeza qualquer (da própria atividade).”
Exatamente em razão de as taxas decorrerem da atuação estatal vinculada, sua
base de cálculo deve ter correlação com o custo dessa atividade desempenhada de forma
específica e divisível em prol do contribuinte, a ser ressarcido por ele, evitando-se que a
coletividade assuma essa oneração.
Nessa linha de raciocínio, depreende-se que os fatos geradores
constitucionalmente previstos para as taxas influenciam diretamente na base de cálculo a ser
eleita pelos entes políticos, ainda que de forma estimada, a teor do que esclarece ROQUE
ANTONIO CARRAZZA237:
“O valor da taxa, seja de serviço, seja de polícia, deve corresponder ao custo,
ainda que aproximado, da atuação estatal específica. É claro que, neste campo, não
precisa haver uma precisão matemática; deve, no entanto, existir uma
razoabilidade entre a quantia cobrada e o gasto que o Poder Público teve para
prestar aquele serviço público ou praticar aquele ato de polícia. Esta razoabilidade
é aferível, em última análise, pelo Poder Judiciário, mediante provocação do
contribuinte interessado.
235 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 645.
236 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 150.
237 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.São Paulo: Malheiros, 2009, p.
538 e p. 556.
104
Se não houver equivalência entre o custo da atuação estatal específica e o
quantum da taxa, o tributo será inconstitucional, por desvirtuamento de sua base
de cálculo. Com isso, assumirá feições confiscatórias, afrontando, pois, o art. 150, IV,
da CF.”
É relevante consignar que, na linha do exposto, a taxa cobrada não tem como seu
componente o lucro, como remarca ANNA EMÍLIA CORDELLI ALVES238 ao aduzir que “a
prestação do serviço público não se vocaciona à produção de riqueza nem à geração de lucro
(...) quando o Estado presta um serviço a alguém, a taxa que o Estado pode cobrar não pode
ultrapassar o custo do serviço. E isso, na verdade, é uma garantia para o contribuinte da
taxa; o usuário tem o direito constitucional de só pagar pelo custo do serviço.”
Além de correlação com o custo envolvido na atuação estatal específica, sem
almejar o lucro, os valores cobrados não devem afrontar parâmetros de proporcionalidade e
razoabilidade, cumprindo ser repudiadas taxas com valores que evidenciem exorbitância,
abuso ou confisco. Esses parâmetros são considerados pelo Poder Judiciário e norteiam seus
precedentes239.
Há de se considerar que não é tarefa de grande simplicidade aferir o custo da
atuação estatal para que seja propriamente definida, ou mesmo questionada pelo administrado,
a base de cálculo da taxa. Porém essa dificuldade é objeto de preocupação da ciência
econômica, mais precisamente da microeconomia, que se dedica a análise de custos e
238 ALVES, Anna Emília Cordelli. Taxa, Tarifa, Preço Público e Pedágio: Distinções. Revista de Direito
Tributário n° 107/108, p. 259/261.
239 "Taxa: correspondência entre o valor exigido e o custo da atividade estatal. A taxa, enquanto
contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que
deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de
cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo
fixadas em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do
contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de
equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de
outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória
inscrita no art. 150, IV, da CF. Jurisprudência. Doutrina." (ADI 2.551, Rel. Celso de Mello, DJ 20/04/06)
105
formação de preços. Como aponta ESTEVÃO HORVATH240, “(...) parece elementar que, ao
organizar tal atividade, os estudos técnicos e respectivos atingirão, ainda que
aproximadamente, o valor total necessário a implementação e consecução do mesmo.”
d. Inaplicabilidade do Princípio da Capacidade Contributiva
Resta claro que as taxas terão base de cálculo fixada em razão da atividade do
Estado, desvinculadas por completo do contribuinte e de sua capacidade contributiva. Nesse
sentido, HUMBERTO ÁVILA241 repudia a aplicação do princípio da capacidade contributiva
às taxas, ao asseverar:
“(...) a hipótese de incidência das taxas não tem ligação com algo
relacionado aos contribuintes, mas em vez disso, devem ser instituídas em razão de
uma atividade do Estado. Isso significa que a constituição atribuiu às taxas um
caráter retributivo, não deixando qualquer margem para a análise da capacidade
contributiva daquele que as paga. (...) Os limites para a imposição de taxas na
verdade são outros.”
De acordo com o Autor, o princípio da capacidade contributiva, insculpido no art.
145, §1º, da CF/88, é aplicável somente aos impostos, não regendo as taxas e contribuições.
Na mesma linha ELIZABETH NAZAR CARRAZZA242, retomando a aplicação do princípio
da igualdade às taxas, sustenta:
“O principio da capacidade contributiva, a que se fez referência até o
momento, está relacionado apenas aos impostos.
Em matéria de tributos vinculados (taxas e contribuições) o critério é
outro, uma vez que os fatos que eles alcançam não são fatossignos presuntivos de
riqueza, mas, sim, fatos relacionados à própria atuação do Estado. As taxas e as
contribuições incidem sobre fatos regulados pelo direito público, isto é sobre
atuações estatais (...). Nem por isso, porém, o princípio da igualdade deixa aí de ser
240 HORVATH, Estevão. Tarifa de transporte coletivo urbano, competência do Município. Natureza jurídica de
taxa. Limites ao seu ‘quantum’, Competência do Estado-membro para proteção ao consumidor. Ação Civil
Pública. Revista de Direito Tributário n° 65, p. 152/153.
241 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 400.
242 CARRAZZA, Elizabeth Nazar Carrazza. IPTU e Progressividade, Igualdade e Capacidade Contributiva.
Curitiba: Juruá, 1992, p. 64.
106
atendido, uma vez que, em tais tributos, o Estado visa ressarcirse das despesas que
teve, ao atuar em favor de um dado contribuinte.”
Em contraponto ao entendimento acima, vale mencionar que na doutrina há
defensores da aplicação do princípio da capacidade contributiva às taxas, materializado na
dispensa de recolhimento nas hipóteses em que se verifique a incapacidade de contribuição. É
o caso de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO243, para quem a falta de unanimidade
doutrinária acerca do tema decorre da diferente compreensão do princípio da capacidade
contributiva:
“As taxas estão sujeitas aos princípios fundamentais de contenção ao poder
de tributar: legalidade, anterioridade, irretroatividade, não confisco e capacidade
contributiva.
Quanto ao princípio da capacidade contributiva, a doutrina está dividida. A
discrepância decorre mais do ângulo em que se coloca o estudioso do que
propriamente dos fundamentos opinativos de cada um. Ora, se se pensar em valores
diferenciados ou em “taxas progressivas”, mais onerosas, em razão da capacidade
contributiva do contribuinte, é evidente que não cabe a invocação do princípio (...).
Não obstante, o princípio da capacidade contributiva não se liga tão
somente à técnica da progressividade, cujo objetivo é tributar mais quem mais tem,
senão que fomenta institutos tributários de variegada índole. Cabe exemplificar
com as isenções subjetivas em matéria de taxas. (...) O fundamento de todas as
isenções, por isso legítimas, nas taxas, é justamente a incapacidade contributiva
(...)”
HUMBERTO ÁVILA244 discorda expressamente desse entendimento ao aduzir
que “se admitisse ser a gratuidade decorrente da capacidade contributiva – melhor, da sua
falta -, ainda assim ela funcionaria como causa de exclusão do dever de pagar a taxa e não
como critério de graduação do seu dimensionamento.”
243 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
161/162.
244 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 402.
107
É de se mencionar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal245 tem aplicado o
princípio da capacidade contributiva às taxas, por considerar que este princípio seria regente
do direito tributário como um todo. O entendimento é claramente manifestado em precedente
que julga constitucional a cobrança de taxa exigida com base em tabela progressiva, no qual
se avalia o patrimônio líquido da empresa para aferir a taxa devida de acordo com o
enquadramento em faixas predefinidas. Para o Supremo Tribunal Federal, esse seria um
critério satisfatório para adequar a cobrança da taxa ao emprenho administrativo demandado
na sua fiscalização, já que a atividade desempenhada seria proporcional ao porte da empresa.
Com isso, afirma ter privilegiado o princípio da capacidade contributiva nas taxas.
Em que pese o entendimento da Corte Superior, é de se considerar, à luz das
peculiaridades da taxa, cuja base de cálculo deve dimensionar a atividade estatal vinculada a
sua exigência, bem como considerando a disposição expressa do art. 145, §1º, da Constituição
Federal, que o princípio da capacidade contributiva não se aplica aos tributos vinculados,
devendo a taxa ser avaliada e exigida com base no custo da atividade estatal desenvolvida,
ainda que de complexa mensuração.
245 “A taxa de fiscalização da CVM, instituída pela Lei 7.940/1989, qualifica-se como espécie tributária cujo
fato gerador reside no exercício do poder de polícia legalmente atribuído à Comissão de Valores Mobiliários. A
base de cálculo dessa típica taxa de polícia não se identifica com o patrimônio líquido das empresas,
inocorrendo, em conseqüência, qualquer situação de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 145, § 2º, da
CF. O critério adotado pelo legislador para a cobrança dessa taxa de polícia busca realizar o princípio
constitucional da capacidade contributiva, também aplicável a essa modalidade de tributo, notadamente quando
a taxa tem, como fato gerador, o exercício do poder de polícia.” (RE 216.259-AgR, Min. Celso de Mello,
Segunda Turma, DJ de 19/05/00) No mesmo sentido: RE 177.835, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ de
25/05/01. Posteriormente foi editada a Súmula 665: “É constitucional a taxa de fiscalização dos mercados de
títulos e valores mobiliários instituída pela Lei 7.940/89.”
108
e. Competência para Instituição
No que tange à repartição constitucional de competências, as taxas podem ser
instituídas por qualquer um dos entes políticos. Prevalece o critério fundamental de
atribuições constitucionais, sendo competente para a tributação por intermédio de taxa aquele
apto a desempenhar o serviço público ou exercer o poder de polícia. Como pontua RUY
BARBOSA NOGUEIRA246:
"(...) em relação às taxas a competência é comum, porém cada pessoa
jurídica de direito público poderá cobrálas em razão de exercício regular do poder
de polícia, isto quer dizer, somente quando exercer poder de polícia que lhe tenha
sido conferido pela Constituição e em relação aos serviços prestados ou postos à
disposição haverão de ser somente os que a Constituição atribui ao respectivo
governo tributante. Se o exercício do poder de polícia não for regular ou o serviço
não for de atribuição da entidade tributante, a taxa será ilegítima.”
GERALDO ATALIBA247 aduz que “a pessoa pública competente para
desempenhar a atuação, e só ela, é competente para legislar sobre sua atividade e colocar
essa atuação no núcleo da h.i. de taxa sua.”
Uma vez que o serviço público e o poder de polícia devem ser exercidos dentro
dos limites de competência legislativa de cada um dos entes políticos, há de se concluir que a
competência para a instituição de taxa decorre diretamente da competência legislativa sobre o
tema. Como bem aclara ROQUE ANTONIO CARRAZZA248:
“Logo, para que a tributação por via de taxa validamente ocorra é mister
venham editadas duas leis: uma de natureza administrativa, regulando o exercício
do poder de polícia ou a prestação do serviço público, outra, de índole tributária,,
qualificando estas atuações estatais e atribuindolhes o efeito de, uma vez
realizadas, darem nascimento, in concreto, a esta modalidade de tributo.”
246 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 164.
247 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 155.
248 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
538.
109
No caso dos Municípios, sua competência legislativa está prevista no artigo 30 da
CF/88249, merecendo destaque, para fins do presente estudo, sua competência para legislar
sobre assuntos de interesse local (inciso I) e para promover, no que couber, o adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano (inciso VIII), além da proteção do patrimônio histórico-cultural local
(inciso IX).
Oportunamente, com base nessa competência legislativa, será abordado que o
Município, tendo legislado acerca do regramento do uso do solo urbano, poderá instituir taxa
de polícia visando que tais normas sejam respeitadas pelo administrado.
3.3. Inconstitucionalidade da Taxa de Uso
A Constituição Federal, em seu art. 145, II, definiu como possíveis fatos
geradores das taxas, a prestação de serviço público e o poder de polícia. Dessa forma, são
duas as espécies de taxas previstas em nosso Sistema Jurídico, as taxas de polícia e as taxas de
serviço.
Referido dispositivo trata do tema de forma exaustiva, sendo implicitamente
negada a possibilidade de instituição de taxas distintas daquelas elencadas, como bem remarca
RENATO LOPES BECHO250:
249 “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar
suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente
ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
programas de educação infantil e de ensino fundamental; VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira
da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do
solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação
fiscalizadora federal e estadual.”
250 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário, Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 259.
110
“Como o constituinte foi expresso ao fixar as taxas que podem ser
instituídas em nosso sistema tributário, ele implicitamente negou a possibilidade de
instituição de outras exações semelhantes, como poderia (somente em tese, se não
houvesse vedação constitucional implícita) ocorrer sobre o uso de coisas públicas
ou sobre obras feitas pelo Poder Público.”
Na mesma linha, ROQUE ANTONIO CARRAZZA251 se preocupa em reforçar
que em respeito à Constituição Federal, a pessoa política tributante que vise à cobrança de
taxa deve editar lei trazendo como hipótese de incidência seja a prestação de um dado serviço
público, ou a prática de um ato de polícia; não sendo possível a taxa versar sobre a utilização
de bens de domínio público. Aborda, portanto, o cerne do presente estudo:
“Se a Constituição Federal tivesse apenas permitido que as pessoas políticas
criassem taxas, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderiam
criar quaisquer modalidades de taxas, inclusive as de uso e de obras. Na medida,
porém, em que ela autorizou as pessoas políticas a criarem taxas de serviço e de
polícia, implicitamente proibiuas de virem a instituir outras modalidades de
taxas.”
De fato, as concessionárias que implantaram sua rede nos espaços públicos
municipais não podem sofrer a cobrança de taxa pela mera ocupação do solo (taxa de uso),
atividade que não foi vinculada às taxas pela Constituição.
Ou seja, em princípio há de se concluir que padece de inconstitucionalidade lei
municipal que preveja a cobrança de taxa em razão da manutenção de bens nas áreas públicas,
fato que não é suficiente para permitir cobrança tributária dessa natureza, pois distante da
imposição constitucional, a qual limita a exigência de taxa às hipóteses fundamentadas no
exercício do poder de polícia ou por serviços públicos.
Nesse sentido, mencione-se que Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso
em Mandado de Segurança n° 11.412/SE252, reconheceu que a mera ocupação do solo não
251 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
538 e p. 546.
252 “ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO - TAXA DE LICENÇA PARA PUBLICIDADE E PELA EXPLORAÇÃO
DE ATIVIDADE EM LOGRADOUROS PÚBLICOS. 1. A intitulada "taxa", cobrada pela colocação de postes de
iluminação em vias públicas não pode ser considerada como de natureza tributária porque não há serviço
111
viabiliza a cobrança de taxa, coforme excertos extraídos do voto condutor proferido pela Ex-
Ministra Eliana Calmon:
“Impetrou a EMPRESA ENERGÉTICA DE SERGIPE S/A ENERGIPE
mandado de segurança preventivo contra o PREFEITO DO MUNICÍPIO DE BARRA
DOS COQUEIROS, objetivando afastar a exigibilidade da Taxa de Licença para
Publicidade e pela Exploração de Atividade em Logradouros Públicos, uma vez que
se incluía como atividade tributável a instalação de postes para serviços de energia
elétrica e telecomunicações, no valor de 30 UFIR's mensais por cada poste
instalado.
(...)
Eliminado um dos itens, temos o segundo deles e que está ligado à natureza
jurídica da exação em cobrança, intitulada de "taxa de licença para publicidade e
pela exploração de atividade em logradouros públicos", incluída, dentre a
exploração de atividade pública, a instalação de postes para serviços de energia
elétrica e telecomunicações.
O entendimento do Tribunal "a quo" direcionouse no sentido de considerar
a exação como sendo de natureza administrativa, enquanto a impetrante afirma o
seu caráter tributário.
Vejamos, a partir do conceito de TAXA, na sua acepção jurídica,
identificando este tipo de tributo como sendo da espécie contraprestacional, pois
corresponde a um serviço prestado pelo Estado, estando a ele vinculada a
arrecadação.
Como define Hugo de Brito Machado, "taxa é espécie de tributo cujo fato
gerador é o exercício regular do poder de polícia, ou o serviço público, prestado ou
posto à disposição do contribuinte" (Curso de Direito Tributário, 19ª ed.).
Na espécie de que cuida os autos, não há serviço algum prestado pelo
Município, nem o exercício do poder de polícia, o que descarta a idéia de que se
trata de uma taxa, muito embora assim tenha sido nominada.
A cobrança pela utilização de postes pela companhia de energia elétrica,
para o Tribunal de Justiça, é uma espécie de aluguel pelo uso do solo e, como tal,
algum do Município, nem o exercício do poder de polícia. 2. Só se justificaria a cobrança como PREÇO se se
tratasse de' remuneração por um serviço público de natureza comercial ou industrial, o que não ocorre na
espécie. 3. Não sendo taxa ou preço, temos a cobrança pela utilização das vias públicas, utilização esta que se
reveste em favor da coletividade. 4. Recurso ordinário provido, segurança concedida.” (RMS 12081/SE, Rel.
Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 10/09/01)
112
situase no terreno do direito administrativo, constituindose em uma espécie de
servidão, eis que se insurge no campo da tolerância do proprietário pela limitação
que passa a sofrer em razão do encargo a suportar,levando a uma limitação das
faculdades inerentes ao direito de propriedade. (...)”
O entendimento manifestado no voto acima, reconhecendo ser ilegítima a
cobrança de taxa de ocupação do solo253 pela ausência de prestação de serviço ou mesmo do
exercício de poder de polícia pelo Município, foi reiterado em diversos julgamentos sobre o
tema, norteando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça254.
Com estas considerações, evidencia-se ser ilegítima a cobrança de taxa de uso (do
solo), já que a Constituição Federal, ao dispor exaustivamente sobre o tema, previu apenas a
possibilidade de cobranças de taxas de serviço público e de polícia.
Sem prejuízo do acima exposto, é cabível uma análise mais completa do tema,
avaliando se, ainda que imposta sob alcunha imprópria na legislação municipal, seria legitima
a cobrança de taxas de serviço ou de polícia atreladas à implantação de equipamentos de
infraestrutura nas áreas públicas. A ideia é averiguar se existe alguma atividade estatal
específica e divisível voltada à concessionária de serviços públicos em razão do uso do solo,
que enseje o pagamento de taxa ao Município.
3.4. Taxa de Serviço e Impossibilidade de sua Cobrança pelo Uso do Solo
A taxa de serviço, conforme já abordado, encontra fundamento constitucional
quando se refira à utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível,
prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição.
Retomando a conceituação de serviço público apresentada anteriormente (item
2.3), há de se concluir, sem grandes delongas, que o serviço público passível de tributação por
253 A despeito da denominação que lhe foi atribuída, considerando já apresentadas as espécies de taxas.
254 Nesse sentido, mencione-se: REsp 802.428/SP, Rel. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 25/05/06; REsp
881.937/RS, Rel. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 14/04/08; REsp 694.684/RS, Rel. Castro Meira, Segunda
Turma, DJ 13/03/06; e RMS 12.258/SE, Rel. José Delgado, Primeira Turma, DJ 05/08/02.
113
meio de taxa é aquele diretamente referido ao contribuinte (“uti singuli”), e não os serviços
prestados à coletividade (“uti universi”).
É o que leciona ROQUE ANTONIO CARRAZZA255, em específica abordagem
das taxas de serviço:
“Os serviços públicos gerais, ditos também universais, são os prestados uti
universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade,
como um todo considerada, beneficiando número indeterminado (ou, pelo menos,
indeterminável) de pessoas. É o caso dos serviços de iluminação pública, de
segurança pública, de diplomacia de defesa externa do País etc. Todos eles não
podem ser custeados, no Brasil, por meio de taxas, mas sim, das receitas gerais do
Estado, representadas, basicamente, pelos impostos (...).
Já, os serviços públicos específicos, também chamados singulares, são os
prestados uti singuli. Referemse a uma pessoa ou a um número determinado (ou,
pelo menos, determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável.
Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliarse a
utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. (...) Estes, sim, podem
ser custados por meio de taxas de serviço.”
O excerto acima aclara precisamente que somente os serviços públicos prestados
uti singuli dão ensejo à cobrança de taxa de serviço, caracterizada a especificidade e
divisibilidade em relação ao contribuinte.
Patenteada a hipótese de cobrança de taxa de serviço, há de se apreciar se a
concessionária, ao implantar suas redes nas áreas públicas municipais, demanda do Município
qualquer serviço público que viabilize a cobrança da taxa em questão.
É importante ter em mente que, no caso em estudo, a relação jurídica analisada é
aquela existente entre o Município e a empresa concessionária de serviço público. Nessa
relação, seria viável a cobrança de taxa de serviço caso se conclua que a concessionária figura
como tomadora de serviço público prestados pelo Município.
Ocorre que, em razão da implantação de equipamentos de infraestrutura nas áreas
públicas, o Município não desempenha em favor da empresa concessionária qualquer serviço.
255 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
539/540.
114
Cabe à empresa concessionária assumir todos os ônus da instalação e manutenção de suas
redes256. Ao Município cabe apenas disciplinar e permitir o uso do solo, hipóteses que,
analisadas a seguir, não se caracterizam como serviço, muito menos como serviço público.
Diante do exposto, inexistindo serviço público desenvolvido pelo Município nesse
caso, afasta-se, de plano, por impertinente ao caso em estudo, a possibilidade de cobrança de
taxa de serviço em razão do uso do solo pelas empresas concessionárias.
Aclare-se, por fim, que o acima exposto não se presta para afastar a possibilidade
de cobrança de efetiva taxa de serviço de concessionária caso se caracterize a prestação de
serviço específico e divisível, ainda que de forma potencial, pelo Município em seu favor,
mas não em razão do mero uso do bem público.
256 De acordo com o art. 6º, §2º, da Lei n° 8.987/95, cabe ao concessionário a prestação de serviço adequado ao
pleno atendimento dos usuários, satisfazendo condições de atualidade, que compreendem a modernidade das
técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
115
3.5. Caracterização da Taxa de Polícia
A segunda hipótese constitucionalmente prevista como apta para a instituição de
taxa pelos entes políticos é o exercício do poder de polícia específico e divisível em relação
ao administrado.
Embora empregado pela Constituição, e, portanto, reiterado no presente estudo, o
uso do termo “pode de polícia” recebe fortes críticas no Direito Administrativo257, não só em
razão da evocação ao Estado de Polícia, antagônico ao atual Estado de Direito258, como em
razão da pluralidade de sentidos que encerra, sujeitando-se a diferentes classificações entre os
administrativistas259.
Entretanto, é possível afirmar ser assente que o poder de polícia compreende
competências legislativas e administrativas que permitem à Administração Pública, com base
em lei, “condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em
benefício da coletividade ou do próprio Estado”, nas palavras de HELY LOPES
MEIRELLES260. Mencione-se, ainda, a síntese proposta por GERALDO ATALIBA261:
257 “La doble noción de 'policía' o 'poder de policía' era antiguamente una de las más empleadas en del derecho
público y al mismo tiempo la que más se prestaba a abusos por los múltiples equívocos a que da lugar,
confundiendo una frase latísima y ambigua con el sustento normativo para limitar algún derecho individual.
(…) Hay que evitar intoxicarse con las teorías del poder y lo que desde allí se puede hacer en detrenimiento de
las libertades; se debe ser fiel a la premisa inicial de qué es y para qué debe servir el derecho administrativo y
no consagrar en cambio un “derecho administrativo” al servicio de la autoridad y del poder, como el “poder de
policía” (GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, Fundación de
Derecho Administrativo, 2003, tomo 2, 5ª ed., capítulo V, V-1 – V-4.)
258 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
828.
259 Marçal Justen Filho sustenta que o poder de polícia não pode ser isolado de serviço público, e a complexidade
das atividades estatais dificultam suas classificações rígidas na realidade concreta. (op. cit. p. 497/498). Celso
Antônio Bandeira de Mello trata de poder de polícia em sentido amplo e sentido estrito, tratando da polícia
administrativa, da polícia judiciária, e repudiando a segregação entre polícia especial e polícia geral. (op. cit. p.
828/846) Já Hely Lopes Meirelles apresenta como espécies a polícia administrativa, a polícia judiciária e a
polícia de manutenção da ordem pública. (op. cit. p. 133/136)
260 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 133.
261 ATALIBA, Geraldo. Taxas e Preços no Novo Texto Constitucional. RDT n° 47, p. 143.
116
“Então o poder de polícia é o poder que o Estado tem de limitar a
propriedade e a liberdade, com dupla finalidade. A primeira finalidade do poder de
polícia é permitir que todos exerçam a propriedade e a liberdade igualmente;
segunda finalidade, garantir que o interesse público prevaleça sobre o interesse
privado.”
Nesse sentido, é o exercício do denominado poder de polícia administrativa que
enseja a cobrança das taxas. Na definição de MARÇAL JUSTEN FILHO262 “o poder de
polícia administrativa é a competência para disciplinar o exercício da autonomia privada
para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da
legalidade e da proporcionalidade.”
A taxa de polícia pode ser legalmente instituída pelos entes políticos em razão da
atuação estatal fiscalizadora das atividades desempenhadas por particulares, dada sua
relevância jurídica, visando ao interesse coletivo. Muito bem postas as considerações de
RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA263:
“Pode ocorrer, no entanto, que a atividade desempenhada e que servirá
como hipótese de incidência da atividade do Estado seja própria do particular que,
no entanto, dada sua relevância, o ordenamento jurídico tende a prestigiar de tal
sorte que a alberga sob seu controle. Exige o disciplinamento por parte do Poder
Público e efetua limitações à propriedade à liberdade dos particulares. Assim, para
que o particular desenvolva certa atividade, necessária se torna a autorização da
administração. Embora editando as normas em nível legal, limitando a liberdade e
propriedade, autoriza o exercício de atividades (não de direitos), mas exige a
interferência do Poder Público para que sejam elas exercidas. Em contrapartida da
atividade estatal, pode o Poder Público exigir o que se denomina de taxa de polícia.
Ainda que se cuide de simples declaração da vedação da autuação do particular a
taxa é devida.”
É dever do Estado ordenar atividades dos particulares tutelando o interesse
coletivo. Para assegurar o atendimento das diretrizes impostas, deve exercer atividade de
fiscalização, fundada no poder de polícia, que é compulsória para o administrado, ainda que
262 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 488.
263 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Taxas de Polícia. São Paulo: RT, 1980, p. 25/26.
117
lhe imponha ônus e restrições. Conforme HUGO DE BRITO MACHADO264, “exercendo o
poder de polícia, ou mais exatamente, exercitando atividade fundada no poder de polícia, o
Estado impõe restrições aos interesses individuais em favor do interesse público, conciliando
esses interesses.”
Em redação mais abrangente do que aquela trazida no Texto Constitucional, o art.
78 do Código Tributário Nacional, ocupando-se de estabelecer normas gerais em matéria
tributária, especialmente sobre definição de tributos e suas espécies, com lastro no art. 142,
III, “a”, da CF/88, conceitua poder de polícia, elencando os requisitos a serem observados
pela administração pública visando à garantia do bem comum:
“Art. 78. Considerase poder de polícia atividade da administração pública
que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de
ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício
de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder
Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais ou coletivos.”
Cumpre à Administração Pública assegurar que as atividades exercidas pelos
particulares estão de acordo com as exigências legais, o que a obriga a disciplinar as
atividades privadas. Assim o faz mediante a concessão e renovação de licenças, autorizações,
isenções, dentro outros, o que demanda a análise do caso em concreto. Essas atividades estão
insertas no âmbito do poder de polícia administrativa, a ser tributado por meio de taxa.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO265 aclara que os atos de polícia
administrativa não se confundem, de maneira alguma, com prestação de serviço, sendo
antagônicas as atividades desempenhadas pelo Estado:
“Para o leigo, insciente das coisas jurídicas, podem aparecer como
“serviços”, e, portanto, serviços públicos, as perícias, exames, vistorias, efetuadas
pelo Estado ou suas entidades auxiliares com o fito de examinar o cabimento do
264 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 449.
265 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
692/693.
118
exercício de atividades privadas, ou com o propósito de fiscalizarlhes a obediência
aos condicionamentos da liberdade e da propriedade, ou com a finalidade de
comprovar a existência de situações que demandariam a aplicação de sanções
(como multas, interdição de atividades ou embargo de suas continuidades até que
estejam ajustadas aos termos normativos).
Este tipo de equívoco em que podem incorrer pessoas desinformadas do
Direito (...). É claro, a todas as luzes, entretanto, que se constituem em rotineiros
atos de polícia administrativa, perfeitamente distintos dos atos de prestação de
serviço público.
A distinção entre serviço público e polícia administrativa, entretanto, é
óbvia. Basta atentar para o fato de que um e outra têm sentidos, direcionamentos,
antagônicos.
Enquanto o serviço público visa a ofertar ao administrado uma utilidade,
ampliando, assim, o seu desfrute de comodidades, mediante prestações feitas em
prol de cada qual, o poder de polícia, inversamente (conquanto para a proteção do
interesse de todos) visa a restringir, limitar, condicionar, as possibilidades de sua
atuação livre, exatamente para que seja possível um bom convívio social. Então a
polícia administrativa constituise em uma atividade orientada apara a contenção
dos comportamentos dos administrados, ao passo que o serviço público, muito ao
contrário, orientase para a atribuição aos administrados de comodidades e
utilidades materiais.”
O entendimento acima é consonante com o tratamento dado às taxas pela
Constituição Federal, a qual trouxe disposição expressa para a instituição tanto de taxa de
serviço como de taxa de polícia, tratando-as de forma distinta.
Diferentemente do que dispôs acerca da taxa de serviço, como anteriormente
abordado, a Constituição não admite que a taxa de polícia possa ser cobrada pela potencial
fiscalização, nas hipóteses em que apenas disponibilizadas ao contribuinte. Ou seja, deve
haver o exercício do poder de polícia específico e divisível materializado para que essa taxa
seja exigida.
Todavia, o entendimento que prevalece na jurisprudência pátria é no sentido de se
presumir em favor do Poder Público o desempenho da atividade fiscalizadora, bastando que o
119
Estado esteja apto para tanto, sendo a existência de órgão administrativo próprio ou dos
aparatos necessários indícios que embasam essa presunção.266
A postura adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao criar a presunção de efetivo
poder de polícia em favor do Estado, embora compreensível à luz do interesse público, é
questionável em razão do Texto Constitucional, pois dá margem à cobrança de taxa de polícia
ainda que não realizada qualquer atividade pelo Estado, em afronta ao art. 145, II, da CF/88.
Há de se reconhecer que é bastante complexa, para não dizer inviável, a
comprovação do não exercício do poder de polícia pelo contribuinte (prova negativa)267,
legitimando-se a cobrança de taxa a despeito da efetiva ocorrência do fato gerador legalmente
previsto, mas apenas em razão da presunção acatada268.
266 “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. HIPÓTESE DE
INCIDÊNCIA. EFETIVO EXERCÍCIO DE PODER DE POLÍCIA. AUSÊNCIA EVENTUAL DE
FISCALIZAÇÃO PRESENCIAL. IRRELEVÂNCIA. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. 1. A
incidência de taxa pelo exercício de poder de polícia pressupõe ao menos (1) competência para fiscalizar a
atividade e (2) a existência de órgão ou aparato aptos a exercer a fiscalização. 2. O exercício do poder de
polícia não é necessariamente presencial, pois pode ocorrer a partir de local remoto, com o auxílio de
instrumentos e técnicas que permitam à administração examinar a conduta do agente fiscalizado (cf., por
semelhança, o RE 416.601, rel. min. Carlos Velloso, Pleno, DJ de 30.09.2005). Matéria debatida no RE
588.332-RG (rel. min. Gilmar Mendes, Pleno, julgado em 16.06.2010. Cf. Informativo STF 591/STF). 3. Dizer
que a incidência do tributo prescinde de “fiscalização porta a porta” (in loco) não implica reconhecer que o
Estado pode permanecer inerte no seu dever de adequar a atividade pública e a privada às balizas estabelecidas
pelo sistema jurídico. Pelo contrário, apenas reforça sua responsabilidade e a de seus agentes. 4.
Peculiaridades do caso. Necessidade de abertura de instrução probatória. Súmula 279/STF. Agravo regimental
ao qual se nega provimento.” (RE 361009 AgR, Rel. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 12/11/10)
Na mesma linha RE 588322, Rel. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, Repercussão Geral, DJe 03/09/10.
267 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROTESTO DE DUPLICATA. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO
JURÍDICA SUBJACENTE AO TÍTULO. ÔNUS DA PROVA. PROVA NEGATIVA. IMPOSSIBILIDADE
MATERIAL. Tratando-se de alegação de inexistência de relação jurídica ensejadora da emissão do título
protestado, impossível impor-se o ônus de prová-la ao autor, sob pena de determinar-se prova negativa, mesmo
porque basta ao réu, que protestou referida cártula, no caso duplicata, demonstrar que sua emissão funda-se em
efetiva entrega de mercadoria ou serviços, cuja prova é perfeitamente viável. Precedentes. Recurso especial
conhecido e provido.” (REsp 763.033/PR, Rel. Aldir Passarinho Junior, DJe 22/06/10)
268 Aponte-se que em outras oportunidades o Supremo Tribunal Federal também validou o uso da presunção da
ocorrência do fato gerador para fins de tributação, como ao julgar constitucional a substituição tributária “para
120
Destarte, uma vez caracterizada a taxa de polícia, cumpre avaliar a possibilidade
de sua exigência em razão da ocupação do solo por empresa concessionária de serviço
público.
3.6. Distinção entre Taxa de Polícia e Cobrança pelo Uso do Solo
A relação jurídica que ora se analisa é aquela existente entre Município e a
empresa concessionária de serviço público, que instala e mantém equipamentos de
infraestrutura nos espaços públicos municipais.
É relevante, nesse ponto, fazer a devida distinção entre a cobrança pelo mero uso
do solo e eventuais taxas de poder de polícia em razão da fiscalização do uso desse solo.
A mera ocupação do solo, isto é, a manutenção de equipamentos em áreas
públicas, não pode ser remunerada por intermédio de taxa por não ter vinculação com
qualquer atividade estatal. Esse ponto foi abordado antes de adentrar a análise das taxas de
serviço e de polícia segregadamente (item 3.5).
Porém, situação distinta a ser avaliada é aquela em que se caracteriza o efetivo
exercício do poder de polícia em relação à forma que a concessionária de serviço público
utiliza o solo. Nessa hipótese, a cobrança não decorre do uso do solo propriamente dito, mas
sim de exercício do poder de polícia atrelado à averiguação do cumprimento pela
concessionária da regulamentação existente acerca da ocupação do solo, caracterizando-se a
possibilidade de imposição de taxa de polícia.
Em favor do interesse coletivo, a instalação de redes de infraestrutura e a
realização de obras em área urbana demanda fiscalização e regramento, caracterizando-se
como assuntos de interesse local, cuja competência legislativa foi atribuída ao Município, a
teor do art. 30, I e VIII, da CF/88269.
frente” do ICMS (RE 194.382) e na imposição da retenção de 11% a título de contribuição previdenciária (RE
603.191). Porém, nesses casos, ainda que em momento, é possível aferir a efetiva ocorrência dos fatos geradores,
aplicando-se o art. 150, §7º, da CF/88.
269 “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; (...) VIII - promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano; (...)”
121
Ao tratar da competência para fiscalizar o uso dos bens de uso comum, aduz
MARÇAL JUSTEN FILHO270:
“O ente estatal titular do bem de uso comum é investido na competência
para fiscalizar a observância das medidas destinadas a assegurar a integridade
deles. Isso compreende o deverpoder de controlar a conduta dos particulares,
inclusive para verificar a sua compatibilidade com as normas regulamentares
existentes.”
Com efeito, o Município tem competência para legislar sobre o tema, e,
assegurando que as obras realizadas respeitem as posturas municipais legalmente impostas,
deve exercer poder de polícia específico e divisível em face do administrado que as execute.
Essa atuação estatal vinculada ao contribuinte é apta a ensejar a cobrança de taxa de polícia.
A instalação de redes de infraestrutura de empresa concessionária de serviço
público não foge à regra, devendo, de acordo com a legislação regente, ser previamente
submetida ao órgão municipal competente, a fim de ser aprovada, certificando-se que essa
atende às posturas municipais, respeita o plano diretor, enfim, que se atentou às normas
editadas com o escopo de tutelar o interesse público.
Esse procedimento deve ser corriqueiramente respeitado por qualquer empresa
que pretenda executar obras, seja em áreas públicas ou particulares, a fim de obter as
aprovações e licenças necessárias, inexistindo fundamento para ser afastado no caso de
implantação de redes de concessionárias de serviços públicos.
O exercício do poder de polícia, nesse caso, é necessário não só no momento da
aprovação das obras de instalação de redes, como posteriormente, para avaliar se a ocupação
do solo se deu de forma regular, nos termos em que previamente aprovado.
Nessas hipóteses, a taxa decorrente do exercício poder de polícia municipal
encontra embasamento constitucional, prestando-se para recompor os cofres públicos do ônus
assumido ao ser desempenhada essa atividade específica e divisível em prol do contribuinte
executor da obra. Porém, reitere-se, essa taxa em nada se relaciona com a cobrança pela mera
ocupação do solo, na qual não há qualquer serviço prestado pelo Município.
270 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 915.
122
Há de se considerar que uma vez instalada a rede de infraestrutura necessária à
prestação de serviços públicos com o devido aval do Município, não há embasamento para a
cobrança periódica de taxa de polícia em relação a esta, pois inexiste atividade estatal
fiscalizatória a ser desempenhada.
Sob esse prisma, retome-se a discussão travada nos autos do Recurso
Extraordinário nº 581.947, em que se discute a cobrança de taxa imposta pelo Município de
Ji-Paraná, merece menção trecho do voto do Ministro Ricardo Lewandowski:
“Portanto, não se trata evidentemente de uma taxa como quer fazer crer o
Município, pois, o fato gerador tem um a outra natureza. O uso e ocupação do solo,
o espaço aéreo, é um fato gerador incompatível com a natureza das taxas.
Fiquei impressionado, Senhor Presidente, com a argumentação do
Município recorrente no sentido de que, no exercício do poder de polícia, ele,
Município, realiza atividade de fiscalização examinando os recuos de testadas e
sacadas de edificações, a colocação de placas e faixas de propaganda, o plantio e
podas de árvores, o tráfego de veículos com gabarito elevado e a adequação de
quaisquer eventos nos espaços comuns ante a influência dos acidentes geográficos
existentes no s locais, dentre estes os equipamentos da rede de força elétrica.
O acórdão recorrido assenta que se houvesse uma lei especifica
discriminado esses serviços, então seria legítima a taxa, que o Município, no
exercício do seu poder de polícia, de caráter eminentemente local, protegendo
interesses eminentemente locais. Esse serviço não poderia ser prestado de forma
gratuita.
Então, eu não afasto a possibilidade de o Município editar uma lei
específica para cobrar taxa se prestar esse serviço de forma efetiva ou potencial.”
Verifica-se que, nesse caso, o Município sustentou que após a instalação das redes
de infraestrutura ainda teria atividades decorrentes do poder de polícia a desempenhar, as
quais seriam aptas a justificar a cobrança periódica de taxa.
Ocorre que, no entendimento do voto acima, a inconstitucionalidade da cobrança
foi reconhecida tendo em vista que tais atividades não foram previstas na legislação, sendo
que tampouco foram devidamente atreladas à taxa imposta, que se vinculou ao uso do solo, e
não ao exercício do poder de polícia pelo Município.
123
Em análise das considerações do Município nesse precedente, é de se ponderar se
após a implantação da rede de infraestrutura, respeitadas todas as regulamentações
pertinentes, de fato existe necessidade renovação do exercício de poder de polícia municipal,
principalmente considerando a imobilização dos bens envolvidos.
Contudo, essa renovação do exercício de poder de polícia, se pertinente em
relação a atividades específicas que precisam ser periodicamente controladas (v.g. higiene e
limpeza, respeito ambiental), não encontra espaço em se tratando de equipamentos de
infraestrutura destinados à prestação de serviços públicos que, em última análise, sujeitam-se
ao controle pelo poder concedente.
Analisando o tema com base no excerto do voto acima referido, verifica-se que
este lista atividades que, exercidas oportunamente pelo Município, não demandam controle
periódico posterior (v.g. exame de recuos de testadas e sacadas de edificações), já que,
finalizada a obra sob a supervisão municipal, já está aferido o cumprimento à norma
regulamentadora. O tempo não altera a situação vigente.
O voto também menciona atividades que não têm qualquer correlação com a rede
implantada pela concessionária, cujo desempenho pelo Município pode ensejar regramento e
taxas específicas, respeitadas as condições anteriormente apresentadas (v.g. colocação de
placas e faixas de propaganda, adequação de eventos nos espaços comuns, plantio e podas de
árvores). Evidencia-se de plano que não são atividades de polícia desempenhadas de forma
específica e divisível em prol empresa concessionária em razão da rede implantada.
Com isso, resta evidenciado que ainda que existam situações que demandem
controle periódico para aferir a adequação à regulamentação existente, no caso da implantação
de redes, o exercício do poder de polícia municipal se encerra após a sua regular instalação. É
possível que atividades distintas exercidas pelo Município enseja a cobrança de taxas
legítimas, mas não há justificativa para a exigência periódica de taxa atrelada à rede
implantada.
Nesse ponto, colaciona-se trecho de GERALDO ATALIBA271 que se contrapõe à
infundada cobrança de taxas com escopo de aumentar a arrecadação fiscal:
271 ATALIBA, Geraldo. Taxa pelo Exercício do Poder de Polícia – Fato Gerador – Base de Cálculo. Revista de
Direito Administrativo n° 102. Rio de Janeiro: FGV, 1970, p. 490.
124
“Não pode o legislador, por motivos fiscalistas, inverter os critérios e fazer
que os atos de polícia sirvam à tributação, ao invés de, como é coerente – e
constitucionalmente desejado – a tributação servir ao poder de polícia. Isto é
repugnante ao nosso sistema e inaceitável, por todas as razões.
Multiplicar vistorias desnecessárias, reproduzir diligências sem
fundamento, repetir atos inocuamente, só para incrementar receitas, constitui
abuso de poder. Não é isso manifestação de exercício regular do poder de polícia,
mas abuso, excesso que pode e deve ser contido pelo Judiciário.
Será o caos e a negação da ordem jurídica o dia em que o Estado, não
podendo ou não querendo mais elevar os impostos, começar a inventar atos de
polícia e multiplicálos e repetilos, só com o intuito de receber as respectivas
taxas.”
Em razão de todo o acima exposto, conclui-se que o Município deve regrar e
fiscalizar as atividades desempenhadas pela concessionária ao implantar sua rede nos espaços
públicos municipais, exigindo, com base na lei, taxa de polícia em razão das atividades
desempenhadas.
Porém, distinta é a situação de pretender cobrar taxa em razão de ter a
concessionária utilizado o espaço público municipal para implantar sua rede, uso esse que,
como visto no tópico precedente, somente poderia ser remunerado por meio de taxa se
competisse ao Município a instituição e cobrança de taxa de uso.
4. ANÁLISE DE PREÇO E IMPOSSIBILIDADE DE SUA COBRANÇA
PELO USO DO SOLO
4.1. Esclarecimentos Preliminares
Vislumbrado a remuneração pelo uso dos espaços públicos municipais, foram
editadas diversas leis instituindo cobrança denominada de preço público como
contraprestação devida pela concessionária de serviço público pelo uso do solo. A título
125
ilustrativo, cumpre mencionar as normas editadas nos dos Municípios de São Paulo e de São
Vicente instituindo a cobrança de preço público272:
Lei Municipal de São Paulo n° 14.054/05:
“Autoriza o Poder Executivo Municipal a fixar e cobrar preço público pela ocupação
do espaço de solo em áreas públicas municipais pelo sistema de posteamento de
rede de energia elétrica e de iluminação pública, de propriedade da concessionária
de energia elétrica que os utiliza, e dá outras providências.
Art. 1º O Poder Executivo Municipal fica autorizado a fixar e a cobrar
mensalmente preço público relativo à ocupação e uso do solo municipal pelos
postes fixados em calçadas e logradouros.”
Lei Complementar Municipal de São Vicente n° 357/01:
“Dispõe sobre o uso de vias públicas e espaço aéreo e subterrâneo, para a
realização de eventos ou para implantação e passagem de equipamentos urbanos
destinados à prestação de serviços de infraestrutura, por entidades de direito
público e privado. (...)
Art. 9º O preço público pela permissão de uso das vias e logradouros
públicos, inclusive espaços aéreos e subterrâneos, e das obras de arte no Município,
a ser pago pelas entidades de direito público e privado, para a realização de
eventos ou para implantação, instalação e passagem de equipamentos urbanos
para a prestação de serviços de infraestrutura urbana será representado por
contribuição pecuniária.”
A lei paulistana visa expressamente a cobrança de preço público em face do
posteamento da rede de energia elétrica e iluminação pública, a ser exigido da empresa
concessionária de energia elétrica. Já a lei de São Vicente tem como mote a cobrança de toda
a infraestrutura urbana destinada à prestação de serviços públicos, atingindo as
concessionárias que tenham redes implantadas no Município.
Os dispositivos legais acima transcritos ilustram a pretensão municipal de
cobrança de preço público em razão do uso do solo necessário para a instalação de
272 Vide o inteiro teor das Leis em questão no anexo de jurisprudência municipal, no qual também foram
colacionadas outras normas dispondo sobre a cobrança pelo uso do solo.
126
equipamentos de infraestrutura destinados à prestação de serviços públicos, o que torna
necessária a abordagem do tema e desenvolvimento deste capítulo.
Deve-se considerar que, nos termos acima, a concessionária de serviço publico, ao
fazer uso do bem público municipal para a implantação de suas redes, sob a perspectiva do
Município, figura como empresa privada, portanto, no entendimento desse ente político,
sujeita ao dever de remunerá-lo pelo uso do solo. Sob esse prisma, o capítulo anterior
apreciou a possibilidade de cobrança de taxa e esse capítulo aborda a possibilidade de
cobrança de preço.
Mencione-se que relação jurídica distinta é aquela que existente entre o tomador
do serviço público e a concessionária que o presta em nome do Estado. Nessa relação, a
concessionária, ainda que empresa privada, está agindo sob regime de direito público,
remunerando-se mediante tarifa, conforme esclarecimentos anteriores acerca do tema (itens
2.2 e 2.4).
É importante ter em mente as diferenças dessas relações jurídicas ao se tratar dos
conceitos de taxa e preço no presente capítulo.
4.2. Impactos da Constituição Federal de 1946
É comum encontrar, na legislação, doutrina e jurisprudência, o emprego das
expressões taxa, preço ou mesmo preço público sem ponderar os critérios jurídicos de
distinção desses institutos, em geral versando sobre a contraprestação paga pelo administrado
em razão do desempenho de atividades atribuídas ao Estado, ainda que sua prestação tenha
sido delegada.
Essa imprecisão linguística decorre, em algum grau, do tratamento dado ao tema
pela Constituição Federal de 1946, e de seus impactos nas manifestações posteriores.
O art. 30 da Carta de 1946273 viabilizava a cobrança não só de contribuição de
melhoria e de taxas pelos entes políticos, bem como o seu inciso III previa a possibilidade de
273 “Art. 30 - Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar: I - contribuição de
melhoria, quando se verificar valorização do imóvel, em conseqüência de obras públicas; II - taxas; III -
127
instituir quaisquer outras rendas em razão do exercício de suas atribuições ou da utilização de
seus bens. Como aclarou GILBERTO ULHÔA CANTO274:
“As dúvidas foram suscitadas a respeito da verdadeira natureza das
prestações referidas no inciso III do artigo 30, que alguns autores entendiam como
sendo abrangente de outras prestações compulsórias de índole tributária
(precursores do que viriam a ser as contribuições parafiscais e sociais) a final
foram afastadas, com a admissão de que em verdade esse inciso não fazia parte das
disposições relativas a tributos, sendo mera regra permissiva de arrecadação pelos
entes públicos de todos os níveis, de receitas originária, ou industrial.”
Desenquadrada como espécie tributária, a cobrança com lastro no citado art. 30,
inciso III, da CF/46 passou a ser tratada pela doutrina275 preço público, ensejando debates
acerca das hipóteses em que poderia ser exigida, bem como acerca da possibilidade de o
legislador optar livremente entre a instituição de taxa ou preço, buscando fundamento nos
incisos deste dispositivo constitucional. Como assenta GERALDO ATALIBA276:
“Esse sistema não só confundia taxa com preço, autorizando todo o
baralhamento conceitual, como dava liberdade ao legislador ordinário para fixar o
regime remuneratório que desejasse, às atividades públicas, quaisquer que fossem.
(...)
Nesse clima, não tinha importância distinguir taxa de preço. Livre o
legislador, a doutrina refletia, sem estranheza, tal liberdade, do mesmo modo que a
jurisprudência. Podiam nossos doutrinadores negligenciar o tema, como fizeram,
dandolhe realce secundário e reproduzindo a literatura italiana, alemã etc.”
quaisquer outras rendas que possam provir do exercício de suas atribuições e da utilização de seus bens e
serviços.”
274 CANTO, Gilberto Ulhôa. Taxa e Preço Público. Caderno de Pesquisas Tributárias n° 10 – Taxa e preço
público, São Paulo: Resenha Tributária, 1985, p. 92.
275 Ilustrando a controvérsia instaurada e a posição de renomados doutrinadores, foi editado o Caderno de
Pesquisas Tributárias n° 10 – Taxa e preço público. São Paulo: Resenha Tributária, 1985. Nessa obra,
doutrinadores foram chamados para responder a quatro questões, merecendo destaque a primeira delas: “Em
nosso ordenamento positivo, há critérios jurídicos para distinguir as taxas dos preços públicos? Em caso
afirmativo, qual?”
276 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 163.
128
Posteriormente, o dispositivo constitucional em questão foi alterado, passando a
vigorar com redação compatível com aquela encontrada no art. 145 da Constituição Federal
de 1988277, que menciona impostos, taxas e contribuição de melhoria em seus incisos. Ou
seja, com a supressão da permissão de cobrança de quaisquer outras rendas pelos entes
políticos, mantidas apenas as espécies tributárias referidas.
Ante a cristalina alteração constitucional, assumiu relevância o estudo das taxas,
com a fixação de seu conceito e dos critérios jurídicos a serem respeitados pelo legislador,
desenvolvendo-se a doutrina nos termos apresentados no capítulo precedente.
Ao vislumbrar remuneração a ser paga pelas concessionárias pelo uso do solo em
razão da implantação de suas redes, o legislador municipal, identificando que essa cobrança
não se enquadra como taxa, nem se compatibiliza com outra das espécies tributárias
contempladas no Texto Constitucional, entendeu ser possível impô-la sob a alcunha de preço
público.
4.3. Críticas acerca da Expressão Preço Público
Embora diversas leis municipais e precedentes judiciais façam menção à cobrança
de preço público, essa expressão deve ser sopesada, para que não seja indevidamente
empregada. Assim, em breve digressão para criticar a expressão preço público, será abordada
a contradição de seu conceito para, em seguida descartar seu uso no presente estudo.
Objeto da celeuma histórica acima referida, a expressão preço público era
utilizada em atenção à hipótese prevista no art. 30, III, da CF/46, sendo definida como
“denominação da remuneração paga ao Poder Público quando ele presta um serviço ou
vende um bem em regime jurídico de direito privado”, conforme HAMILTON DIAS DE
SOUZA e MARCO AURÉLIO GRECO278.
277 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I -
impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III -
contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”
278 Souza, Hamilton dias de. GRECO. Marco Aurélio. Distinção entre Taxa e Preço Público. Caderno de
Pesquisas Tributárias n° 10 – Taxa e preço público. São Paulo: Resenha Tributária, 1985, p. 126.
129
Embora amplamente difundido, a impropriedade do termo trouxe resistência em
relação a seu emprego, que também fora remarcada pelos referidos Autores, conforme citação
que norteou o entendimento da obra de GERALDO ATALIBA279:
“É lapidar e conclusivo Marco Aurélio Greco – que dá significativo passo
adiante, no caminho árduo, em meio do qual se extraviaram tantos autores ao
lecionar: (...)
‘Em outras palavras, em nosso modo de ver, afirmar que um serviço público
está sendo remunerado por preço é contradição nos termos. Pois, uma
determinada atuação ou se submete a regime de direito público
(configurando “serviço público”), e por consequência não dará origem a
relações de direito privado (preço), ou se submete a regime de direito
privado, dando origem a preço, mas – nesta hipótese – não será serviço
público (do ponto de vista estritamente formal, podendo sêlo do
substancial), porque este se caracteriza pelo regime público, derrogador do
privado.’ ”
Tão grave a contradição em termos encerrada na expressão preço público que
GERALDO ATALIBA não a emprega em sua obra, fazendo referência apenas a taxas e
preços. É importante consignar que o Autor trata de taxas e preços para manifestar seu
entendimento sobre a remuneração paga pelo particular em razão de atividades
desempenhadas pelo Estado. A relação ora analisada é entre a concessionária e o Município.
A impropriedade do termo preço público encontrou acolhida também perante os
administrativistas, conforme se verifica na obra de MARÇAL JUSTEN FILHO280, que
sustenta haver “impossibilidade de aludir a um preço público, porque preço é instituto
relacionado à contratação privada. A expressão preço público caracteriza uma contradição
em termos, na acepção de que a condição de preço excluiria a natureza de público e vice-
versa.”
279 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 167.
280 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p.
344.
130
Acolhendo-se a crítica doutrinária acima referida, considera-se equivocada a
expressão preço público, a qual não deve ser empregada, a despeito de sua menção atécnica
pelo legislador municipal, que, na verdade, pretende a cobrança de preço pelo uso do solo.
Aclare-se, ainda que a expressão preço público repudiada é empregada por alguns
doutrinadores, conforme refletem excertos transcritos de suas obras. A compreensão dessa
doutrina em nada se prejudica pela crítica ora apresentada e acolhida, sujeitando-se à
definição de preço a seguir abordada.
Com isso, cumpre analisar a possibilidade da cobrança de preço da concessionária
de serviço público em razão da rede implantada nos espaços públicos municipais.
4.4. Noções de Preço
De acordo com o art. 173 da Constituição Federal281, salvo os casos já
constitucionalmente previstos, o Estado poderá explorar diretamente a atividade econômica,
por imperativo de segurança nacional, ou, mais usualmente, quando relevante ao interesse
coletivo. Destarte, em caráter excepcional, a Constituição Federal concebe que o Estado
exerça atividades econômicas, as quais são livremente exercidas pelos administrados nos
termos do art. 170 da CF/88282.
Caso explore excepcionalmente a atividade econômica, seja mediante a prestação
de serviço, seja em razão da exploração dos bens públicos, o Estado faz jus à remuneração
denominada preço, em alusão ao termo aplicado nas relações particulares.
Como enfatiza CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO283, os serviços
acima referidos não se confundem com serviços públicos, pois, em lugar de atividades
281 “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica
pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.”
282 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)”
283 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
693.
131
públicas, são atividades atribuídas aos particulares, mas que apenas excepcionalmente podem
ser exercidas pelo Estado, atuando em regime de direito privado.
Na mesma linha, ANNA EMÍLIA CORDELLI ALVES284 aduz que “o preço
público pode ser cobrado pelo Estado em duas hipóteses: (a) para remunerar aqueles
serviços que não são públicos, serviços que, na verdade, ele presta na condição de um mero
particular; (b) pela utilização dos bens públicos.”
Nem poderia ser diferente, pois, como referido em capítulo anterior, caso se
tratasse de serviço público prestado pelo Estado, a remuneração deveria se dar por meio de
taxa, de acordo com a imposição constitucional, tratando-se da hipótese prevista no art. 145,
II, da CF/88285.
Conforme GERALDO ATALIBA286: “Se se tratar de atividade pública (art. 175)
o correspectivo será taxa (art. 145, II); se se tratar de exploração de atividade econômica
(art. 173) a remuneração far-se-á por preço.”
Mencione-se a lição de ESTEVÃO HORVATH287, ressalvando, desde logo, que a
interpretação do excerto em nada se altera em razão de o Autor empregar a repudiada
expressão preço público para se referir àquilo que nesse estudo é tratado como preço:
“Para nós, preço público nada mais é que preço, na acepção de elemento
componente de qualquer contrato. O qualificativo “público” decorre de ser o preço
aquele cobrado pelo Estado ou por interposta pessoa, devendo ser utilizado
unicamente para remunerar atividades comerciais ou industriais, toda vez que o
284 ALVES, Anna Emília Cordelli. Taxa, Tarifa, Preço Público e Pedágio: Distinções. Revista de Direito
Tributário n° 107/108, p. 259.
285 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:(...)
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços
públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;(...)”
286 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000. 6º ed., p. 170.
287 HORVATH, Estevão. Tarifa de transporte coletivo urbano, competência do Município. Natureza jurídica de
taxa. Limites ao seu ‘quantum’, Competência do Estado-membro para proteção ao consumidor. Ação Civil
Pública. Revista de Direito Tributário n° 65, p. 152/153.
132
Estado intervier no domínio econômico, valendose da autorização da competência
outorgada pela Constituição da República (art. 173).
A Lei Maior, ao organizar o Estado, separou claramente dois tipos de
atividade: de um lado, os serviços públicos; de outro, a atividade econômica. Os
primeiros, afora certas hipóteses sobre as quais descabe aqui dissertar )v.g.
educação e saúde) são – e devem ser – exercidos pelo Estado, ou por quem lhes
faca as vezes. A segunda compete, preferencialmente, aos particulares, sendo
desenvolvida sob regime de direito privado.
Todo este escorço preliminar não teve por objetivo outra coisa que não
estabelecer a distinção entre taxa e preço público e suas consequências jurídicas.”
Assim, a exploração da atividade econômica pelo Estado viabiliza a cobrança de
preço, justamente pelo fato de se tratar de relação concretizada sob a égide do regime de
direito privado, em lugar do regime de direito público que normalmente caracteriza a relação
do Estado com os administrados.
Diante dessa peculiaridade, constate-se que o preço, além de considerar os gastos
envolvidos na atividade que enseja sua cobrança, costuma contemplar margem de lucro
almejada no regime de direito privado. O lucro é um fator peculiar, que normalmente não é
motivador da atuação estatal, mas que se admite no caso de exercício excepcional da atividade
econômica.
O regime de direito privado aplicado na exploração da atividade econômica pelo
Estado altera sua interface com os particulares, equiparando-os em relação contratual. Assim,
a relação jurídica entre o Estado e o particular é regida pelo pactuado entre as partes. O preço
será a contraprestação devida em razão do pactuado, conforme desenvolve ROQUE
ANTONIO CARRAZZA288:
“Noutras palavras, o preço deriva de um contrato firmado num clima de
liberdade, pelas partes, como fito de criarem direitos e deveres recíprocos.
Sobremais, as cláusulas desta obrigação convencional não podem ser alteradas
unilateralmente por qualquer dos contraentes, que devem observar, com fidelidade,
o que pactuaram. Destarte, as prestações de cada uma das partes equivalemse em
encargos e vantagens, sendo umas causas e efeito das outras. (...)
288 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
547/549.
133
Depois, o serviço público é bem indisponível. O estado não dispõe do serviço
público: prestao, nos termos da lei, para atender, conforme determina a
Constituição, ao interesse público. É, pois, res extra commercium, e nesta medida,
insuscetível de negociação. Claro está, pois, que não pode ensejar a cobrança de
preço, que, além de pressupor igualdade das partes contratantes, exige
disponibilidade do objeto do negócio.
De fato, o preço é a contrapartida de uma prestação contratual voluntária.
Serve, no nosso caso, para remunerar a venda ou a locação de coisas pertencentes
ao patrimônio público.”
Nesse excerto, o Autor não só ressalta ser o preço decorrente de obrigação
contratual, como utiliza essa característica como razão adicional para afastar a possibilidade
de sua exigência em contraprestação ao serviço público (remunerado por taxa).
Conforme GERALDO ATALIBA289, “preço é a contraprestação de uma
prestação contratual, livremente pactuada, em regime de igualdade entre as partes, sob o
império do direito privado.” 290
Por fim, mencione-se que, LUÍZ EDUARDO SCHOUERI291, adepto a
apontamentos decorrentes do direito financeiro, aclara que o preço (por ele denominado preço
público) se caracteriza como receita pública originária, pois gerada pela atividade estatal
como agente econômico. Com isso, traça sua distinção em relação aos tributos, que qualifica
como receitas derivadas, pois “implicam transferência ao Estado de riqueza gerada pelo
particular”. Ou seja, entende que tributo “não se trata de riqueza social nova do Estado; esta
nada produziu nem tampouco seu patrimônio foi empregado.”
Dessa forma, o preço se presta para remunerar a atividade estatal decorrente do
excepcional desempenho de atividade econômica, sob o regime de direito privado, com
possibilidade de lucro, prevalecendo o pactuado entre as partes em clima de igualdade.
289 ATALIBA, Geraldo. SABESP – Serviço Público – Delegação a empresa estatal – Imunidade a impostos –
Regime de Taxas. São Paulo: RT, 1989, p. 89.
290 Ressalte-se que o Autor trata tarifa como sinônimo de preço. Sua definição de tarifa, portanto, é distinta
daquela proposta neste estudo, a qual a define como a remuneração das empresas concessionárias de serviços
públicos. Porém, essa divergência em nada afeta a compreensão do conceito de preço.
291 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 119 e ss. e 128.
134
Feitos esses esclarecimentos, cabe retomar a análise da cobrança pelo uso do solo,
como tema central do presente estudo, para avaliar se a mesma se caracteriza como preço.
4.5. Descaracterização da Cobrança pelo Uso do Solo como Preço
O acima exposto permite concluir que preço se destina a remunerar o excepcional
exercício de atividade econômica pelo Estado, mediante a prestação de serviço ou exploração
dos bens públicos, a qual é admitida pela Constituição Federal apenas quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173 da CF/88).
Nessas hipóteses constitucionais, o Estado pode, mesmo em exploração econômica do bem
público, receber preço.
O que se passa a analisar é se ao manter suas redes de infraestrutura implantada
no solo municipal a concessionária deve arcar com preço imposto pelo Município,
entendendo-se que este ente político está legitimamente exercendo excepcional atividade
econômica de exploração dos bens públicos.
Sobre o tema, remarca ALESSANDRO MENDES CARDOSO292 que “a renda
resultante da cobrança pela utilização privativa enquadra-se não como receita derivada
(decorrente da manifestação do ius imperium do Estado), mas como receita originária
(resultante da exploração do patrimônio público).”
a. Relevante Interesse Coletivo
A análise do dispositivo constitucional que viabiliza a exploração da atividade
econômica pelo Estado é suficiente para evidenciar a impossibilidade da cobrança de preço
pelos Municípios como contraprestação pelo uso do solo pelas concessionárias de serviço
público. Isso, pois, nessa situação não resta caracterizada nenhuma das hipóteses autorizadas
constitucionalmente como aptas a justificar o excepcional desempenho de atividade
econômica pelo Município: não se trata de imperativo de segurança nacional, tampouco de
hipótese de relevante interesse coletivo.
292 CARDOSO, Alessandro Mendes. A Incidência do ISSQN e de Preço Público sobre a Exploração Econômica
de Serviços Públicos Concedidos. Revista Dialética de Direito Tributário n° 115, p. 20.
135
Contrapondo-se às limitações do dispositivo constitucional, a cobrança de preço
pelo uso do solo em face das empresas concessionárias de serviços públicos, por certo não
decorre de imperativo de segurança nacional. Ademais, em lugar de privilegiar o interesse
coletivo, o qual impregna a prestação dos serviços públicos, mostra-se contrária a esses
interesses. Conforme MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO293:
“Se é válido que o Poder Público institua remuneração para os particulares
que sejam beneficiados com o uso privativo de bem público e, portanto, usufruam
0de benefício maior que os auferidos pelos demais cidadãos, o mesmo não ocorre
quando a utilização do bem público é feita para fins de interesse de toda a
coletividade, como ocorre com os serviços públicos de saneamento, energia elétrica,
fornecimento de gás etc.”
Restou evidenciado que o serviço público é atividade de interesse coletivo, e,
exatamente por isso, imposta constitucionalmente ao Estado, que a exerce, direta ou
indiretamente. Com efeito, o bem público, quando empregado na prestação desse serviço
público, está atendendo ao interesse coletivo e aos objetivos primordiais do Estado.
É incoerente admitir que o Município exija preço pelo uso do bem público nesse
contexto, ou seja, que excepcionalmente desenvolva atividade econômica, sobre regime de
direito privado, com intuito de lucrar explorando bens destinado à prestação de serviços
públicos.
Infere-se que, por sua própria natureza, os bens de públicos devem proporcionar o
máximo de benefícios à coletividade, em tantas modalidades quantas compatíveis com sua
destinação e preservação. Dentre esses benefícios, há de se destacar a prestação e viabilização
de serviços públicos, ainda que sua titularidade tenha sido constitucionalmente atribuída a
outro ente político, que a delega à execução de terceiros.
Mais que isso. Conforme classificação dos bens públicos por sua destinação
anteriormente apresentada (item 2.6), resta evidenciado que os bens de uso comum e os bens
de uso especial, por estarem afetados a interesse público, são bens indisponíveis, e, portanto,
293 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. RAMOS, Dora Maria de Oliveira. SANTOS, Márcia Walquiria Batista
dos. D´AVILA, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 360.
136
insuscetíveis à exploração econômica. Somente os bens dominicais admitiriam tal cobrança,
“por estarem destinado a serem vendidos, permutados ou explorados economicamente pelas
autoridades fiscais, no interesse da administração, é que são declarados disponíveis”, como
aponta RUY CIRNE LIMA294 295.
Com efeito, a cobrança de preço, nesse caso, não encontra respaldo
constitucional, distanciando-se das hipóteses do art. 173 da CF/88.
b. Compulsoriedade do Uso do Bem Público
O uso do bem público municipal é imprescindível para que o serviço público seja
prestado de forma universal, tornando-se acessível a todos os administrados inclusive em
locais públicos. Com efeito, as utilidades prestadas pelas concessionárias de serviços
públicos, além de atingirem os particulares interessados, devem ser disponibilizadas em áreas
públicas, o que, por si só, já torna imprescindível a manutenção das redes ali implantadas.
A título ilustrativo, mencione-se a iluminação das ruas (serviço público uti
universi), que demanda o cabeamento elétrico, aéreo ou subterrâneo, por toda sua extensão;
ou mesmo os orelhões de telefonia fixa instalados em praças públicas, que são conectados à
rede telefônica, o que lhes assegura o funcionamento e conexão com os demais telefones
instalados em locais públicos ou particulares, viabilizando a prestação do serviço. Esses
exemplos evidenciam a compulsoriedade do uso do bem público para a implantação de redes
das concessionárias.
Considerando que, nos moldes atuais, o serviço público depende do uso do bem
municipal para ser prestado, acolher que o Município faça jus a preço por tal ocupação, o qual
não decorre de contraprestação de nenhuma de suas atividades próprias, mas de excepcional
exercício da atividade econômica, significa entender que caberia ao Município, a seu talante,
admitir ou obstar o uso do bem público pela concessionária.
Entretanto, como o bem público se presta a instrumentalizar o serviço público,
não compete ao Município obstar seu uso e, por consequência, inviabilizar referido serviço,
294 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 74.
295 Aclare-se que, por opção terminológica, referidos bens são denominados bens do patrimônio fiscal na obra de
Ruy Cirne Lima, fazendo referência expressa à classificação por destinação do Código Civil de 1916, a qual foi
reproduzida no Código Civil atual.
137
sob pena de embaraçar o exercício em atividade constitucionalmente atribuída à União e aos
Estados, contrapondo-se à autonomia assegurada aos entes políticos.
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO296 apresenta o tema com propriedade:
“No uso de bens públicos por concessionárias para a execução dos serviços
públicos, não há contraposição entre interesse privado e interesse público, mas
entre dois interesses públicos. E esses interesses nem sempre se colocam no mesmo
nível, já que algumas concessionárias, como a de energia elétrica, exercem serviço
de competência da União e, portanto, de interesse nacional, não podendo ceder
diante de interesses locais.
Desse modo, a menos que haja descumprimento de exigência legal expressa
ou de motivo de interesse público devidamente demonstrado, não há como uma
concessionária de rodovia ou um Município negar o uso de bem público pelas
concessionárias de energia elétrica (ou de outros serviços públicos). Por isso
mesmo, o ato de outorga, ainda que chamado de autorização, tem a natureza do
ato vinculado pelo qual a Administração reconhece o direito à utilização do bem
público, desde que preenchidos os requisitos legais e regulamentares.”
Portanto, cabe ao Município, em atenção aos interesses coletivos e exercendo a
competência que lhe outorga o art. 30 da CF/88, regrar e fiscalizar o uso do bem público
necessário à consecução dos serviços públicos. Porém, inexiste discricionariedade para que
admita ou não o uso do solo municipal, devendo viabilizar a prestação do serviço público.
c. Ausência de Vontade Contratual e Preço como Obrigação Legal
Ainda em decorrência da compulsoriedade do uso do bem público, é de se ter
claro que tampouco pode a concessionária de serviço público optar por não utilizar os bens
públicos municipais, caso não concorde com o preço pretendido pelo Município.
Inexiste autonomia para a concessionária decidir que deixará de disponibilizar
seus serviços em determinado Município que exija preço exorbitante pelo uso do solo. O que
pode acontecer, com o desenvolvimento tecnológico e científico, é que esse uso deixe de ser
296 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.
286.
138
necessário, hipótese em que não mais restaria caracterizada a compulsoriedade do uso do bem
público.
Porém, no cenário atual, a concessionária, em nome do poder concedente, deve
disponibilizar o serviço público que desempenha em toda a área que lhe foi concedida,
respeitando o contrato de concessão. Sob esse prisma, tampouco o preço seria exigível, pois
inexiste, por parte da concessionária, possibilidade de livre pactuação com o Município, sendo
impulsionada pelo dever assumido. Em análise do caso das concessionárias de serviço
público, também conclui nessa linha ALESSANDRO MENDES CARDOSO297:
“(...) é o próprio contrato de concessão que lhes impõe o poderdever de
prestar o serviço público concedido. Nesse sentido, fica prejudicado o caráter de
voluntariedade que marca a cobrança de preço público, haja vista que a
concessionária está obrigada, por contrato administrativo firmado com o poder
concedente, a restar o serviço utilizandose dos bens públicos indispensáveis para
tanto.
Exatamente por este motivo é atribuído tanto ao pode concedente quanto
às próprias concessionárias o poderdever de usar o domínio público necessário à
execução de serviço, bem como promover desapropriações e constituir servidões de
áreas declaradas de utilidade pública pelo poder concedente.”
Além de a falta de voluntariedade da concessionária, há de se considerar como
fator adicional a obstar a cobrança de preço sua imposição legal.
Tratando-se de contraprestação imposta por lei, unilateralmente, sem a
participação ou negociação da concessionária, é certo que a cobrança se distancia
completamente do instituto do preço acima delineado, inexistindo, no caso, obrigação
contratual entre a concessionária e o Município que tenha sido pactuada sob regime de direito
privado298.
297 CARDOSO, Alessandro Mendes. A Incidência do ISSQN e de Preço Público sobre a Exploração Econômica
de Serviços Públicos Concedidos. Revista Dialética de Direito Tributário n° 115, p. 20.
298 A concessionária firmou contrato de concessão com o Poder Concedente, e, na época, não considerou a
cobrança de preço pelo uso do solo. Os impactos dessa oneração no contrato de concessão serão abordados em
seguida. O que ora se evidencia é a inexistência de obrigação contratual com o Município e a impossibilidade de
imposição legal de preço.
139
Ilustrativamente, mencione-se a Lei Municipal de São Paulo n° 14.054/05, já
referida nos esclarecimentos preliminares desse capítulo, que foi editada com escopo de
autorizar o “Poder Executivo Municipal a fixar e cobrar preço público pela ocupação do
espaço de solo em áreas públicas municipais pelo sistema de posteamento de rede de energia
elétrica e de iluminação pública.”
Nos termos dessa lei, a concessionária pode manter sua rede de infraestrutura
implantada, assegurando a disponibilidade do serviço que lhe foi concedido, desde que arque
com o preço imposto. Discordando da lei, em tese, deveria desocupar o espaço de solo em
áreas públicas municipais, deixando os munícipes sem iluminação pública299. É patente a
inexistência de autonomia da vontade,
Destarte, há de se reconhecer que a cobrança pelo uso do solo, embasada em
imposição unilateral dos Municípios, sem qualquer liberdade da empresa concessionária, que
necessita de tais bens para prestar os serviços nos moldes em que concedidos em muito se
distancia da noção de preço, o qual se caracteriza como contraprestação contratual voluntária,
conforme acima abordado.
d. Afronta aos Princípios Aplicáveis à Prestação do Serviço Público
Embora a cobrança de preço pelo uso do solo ora analisada envolva relação
jurídica entre o Município e a concessionária, essa cobrança traz impactos em outra relação
jurídica, qual seja, aquela existente entre a concessionária e o tomador de seus serviços, a qual
é remunerada mediante tarifa, conforme premissas anteriormente fixadas (item 2.4).
Em decorrência dos princípios da supremacia do interesse público e da
universalidade, aplica-se à prestação do serviço público concedido o princípio da modicidade
das tarifas, segundo o qual a contrapartida exigida pela concessionária deve ser razoável,
299 Nesse sentido, mencione-se que a Lei Municipal de São Vicente n° 357/01, cuja íntegra está no anexo de
jurisprudência municipal, prevê que a pena de perdimento dos equipamentos instalados em descumprimento à
norma, ou seja, que deixem de pagar o preço exigido, sem qualquer preocupação em obstar a prestação de
serviço público ao dispor: “Art. 15 – Serão considerados dispostos clandestinamente os equipamentos
implantados em desconformidade com o estabelecido nesta Lei Complementar, bem como aqueles não
informados pelas concessionárias. § 1.º - As entidades de direito público ou privado estarão sujeitas à perda dos
equipamentos implantados clandestinamente, por decisão do Secretário de Obras e Meio Ambiente, ouvidos,
previamente, os órgãos técnicos da Pasta e assegurado o direito de recurso.”
140
permitindo que os interessados possam desfrutá-lo, ao passo que assegura a concessionária a
justa remuneração do capital.
Não é por outro motivo que os contratos de concessão tratam detalhadamente das
tarifas, prevendo a margem de lucro a ser auferida pela concessionária. Ainda, com lastro no
inciso XXI do art. 37 da CF/88300, os contratos de concessão preveem mecanismos de revisão
das tarifas quando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato for alterado, seja em
decorrência de ato estatal, da oscilação de fatores de mercado ou mesmo de fatos
imprevisíveis.
Nesse sentido, a oneração da concessionária em razão da cobrança de preço pelo
uso do solo representa alteração das condições originais da proposta, já que, antes da
delegação dos serviços públicos às empresas privadas, a maior parte da rede de infraestrutura
necessária ao seu desempenho já estava implantada, porém não se cogitava a cobrança de
qualquer valor pelo uso do solo.
Destarte, caracterizada alteração no equilíbrio econômico-financeiro inicialmente
pactuado, o contrato de concessão prevê que tal custo seja repassado nas tarifas praticadas,
elevando-as a fim de manter a margem de lucro assegurada à concessionária. Como aponta
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO301:
“Embora, aparentemente, seja a concessionária (empresa privada) quem
paga pela utilização, na realidade esse ônus acaba por recaris sobre o usuário dos
300 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações; (...)”
301 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. RAMOS, Dora Maria de Oliveira. SANTOS, Márcia Walquiria Batista
dos. D´AVILA, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 360.
141
serviços públicos supra referidos. É evidente que esses valores estarão embutidos no
valor das tarifas de água, luz, gás e telefone.”
Tecidas essas considerações, evidencia-se que a cobrança de preço pelo uso do
solo municipal, além de contrária à vocação natural dos bens públicos, atenta contra o
interesse coletivo ao impor, em última análise, oneração ao tomadores do serviço público.
Afronta, portanto, ao princípio da modicidade das tarifas, e, consequentemente aos princípios
da supremacia do interesse público e da universalidade dos serviços públicos.
e. Reversibilidade dos Bens Públicos empregados na Prestação do Serviço
Público
Acresça-se que, por serem imprescindíveis à consecução do serviço público, as
redes de infraestruturas afetadas são bens reversíveis, retornando ao patrimônio público após
o encerramento da concessão. Com isso, privilegia-se os princípios da continuidade e da
modicidade de tarifas, evitando a necessidade de interrupção do serviço para nova
implantação de rede, bem como os gastos correlatos.
A menção à reversibilidade da infraestrutura necessária à prestação do serviço
público é interessante, nesse ponto, pois enfatiza que esses bens são, em última análise, do
poder concedente, apenas provisoriamente atribuídos à empresa concessionária de serviço
público, razão adicional para afastar a cobrança de preço pelo Município.
É pertinente lembrar, nesse ponto, que se os bens necessários à prestação dos
serviços públicos fossem de propriedade particular, isto é, caso fosse imprescindível a
passagem de rede de infraestrutura por terreno de propriedade particular, seria o caso de
desapropriação ou, mais apropriado ao caso em razão do uso levado a termo, a instituição de
servidão administrativa, conforme previsão expressa do arts. 29, IX e 31, VI, da Lei n°
8.987/95302. Aclare-se o instituto da servidão administrativa com lastro na obra de CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO303:
302 “Art. 29. Incumbe ao poder concedente: (...)
IX - declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens
necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes
à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; (...)
Art. 31. Incumbe à concessionária: (...) VI - promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas
pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato; (...)”
142
“Servidão administrativa é o direito real que sujeita um bem a suportar
uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do
proprietário quanto ao seu uso ou gozo. (...) São exemplos de servidão
administrativa: a passagem de fios elétricos sobre imóveis particulares, a passagem
de aquedutos ou trânsito sobre bens privados etc.”
Ocorre que, conforme se verifica da doutrina acima, de acordo com sua definição
tradicional, o instituto da servidão administrativa afeta os bens particulares, e não os bens
públicos. É nessa mesma linha o tratamento dado ao tema na obra de RUY CIRNE LIMA304
para que os bens públicos “não toleram o gravame das servidões”.
Entretanto, mencione-se que há doutrinadores que cogitam a imposição de
servidão administrativa sob bem público, quando destinado à prestação do serviço público. É
o caso de PAULO ALBERTO PASQUALINI305 em atualização da obra de RUY CIRNE
LIMA:
“A fim de que se verifique a existência de uma servidão administrativa,
incidindo sobre bem do domínio público ou do patrimônio administrativo, é
necessário que o serviço público, havido como res dominans e a coisa tida como res
serviens pertençam a pessoa de direito público distintas. (...)
Assim, porque inseparável do serviço público, a servidão administrativa de
passagem de fios telefônicos ficará extinta se o serviço público de telefones for
substituído em sua forma original e passar a utilizarse da radiocomunicação. Os
fios existentes não poderão ser mantidos e utilizados para serviço diverso. Do
mesmo modo, a servidão administrativa, porque tem conteúdo limitado, deve
restringirse às necessidades do serviço público, em favor do qual foi constituída.”
Para o Autor, dissociando-se da doutrina majoritária, o instituto da servidão
também seria aplicável aos bens públicos de pessoas de direito público distintas,
especialmente no caso de necessidade do uso desses bens para a prestação de serviços
303 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
913/914.
304 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 195.
305 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. Atualização por Paulo Alberto Pasqualini. São
Paulo: Malheiros, 2007, p. 522 e 526.
143
públicos. O fundamento da servidão, em qualquer caso, é dar ao bem destinação de utilidade
pública.
Ainda que se distancie do escopo deste estudo exaurir as peculiaridades da
servidão e de sua adequação ao caso em comento, aclare-se que sua breve menção, nesse
ponto, reforça a incoerência da pretensão municipal de cobrar preço pelo uso do solo
necessário à prestação de serviço público, ante o elevado grau de afetação do bem público.
Foi nessa linha o voto do Ex-Ministro Eros Grau ao julgar o já referido Recurso
Extraordinário n° 581.947, por meio do qual se apreciou a cobrança pelo uso do solo imposta
pelo Município de Ji-paraná:
“A recorrida, concessionária da prestação de serviço público, faz uso
fundamentalmente, a fim de que possa prestálo, do espaço sobre o solo de faixas de
domínio público de vias públicas, no qual instala equipamentos necessários à
prestação de serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica. (...)
O fato é que, ainda que os bens de domínio público e do patrimônio
administrativo não tolerem o gravame das servidões, sujeitamse, na situação a que
respeitam os autos, aos efeitos da restrição decorrente da instalação, no solo, de
equipamentos necessários à prestação de serviços públicos. Por certo que não
conduzindo, a imposição dessa restrição à extinção de direito, não acarreta o dever
de indenizar, salvo disposição legal expressa em contrário, no caso, contudo
inexistente.”
Mesmo que não se entenda ser a servidão aplicável aos bens públicos, na linha do
entendimento esposado pelo Ex-Ministro, a destinação pública do bem é suficiente para
solucionar a celeuma, impondo os efeitos da restrição decorrente da ocupação desse bem com
as redes de infraestrutura necessárias à prestação do serviço público.
Bastante interessante, nesse ponto, mencionar a lição de MARIA SYLVIA
ZANELLA DI PIETRO306:
306 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. RAMOS, Dora Maria de Oliveira. SANTOS, Márcia Walquiria Batista
dos. D´AVILA, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 359/360.
144
“Quando o Poder Público, para a prestação daqueles mesmos serviços,
precisa utilizar a propriedade privada, não obtendo o consentimento do particular,
pode instituir servidão administrativa, em caráter compulsório. Tratase, no caso,
de um direito real de natureza pública, que vai incidir sobre a propriedade para
beneficiar o interesse público. Porém, quando a utilização recai sobre um bem
público, a instituição de servidão administrativa não se faz necessária,
precisamente porque a destinação pública é inerente à própria natureza do bem.
Na obra citada, p. 2, realçamos que ‘existe determinados bens que comportam
inúmeras formas de utilização, conjugandose o uso comum do povo com usos
privativos exercidos por particulares para diferentes finalidades’. (...)
Acrescentamos que ‘cabe ao Pode Público conciliar as múltiplas formas de
uso, compatibilizandoas com o fim principal a que o bem está afetado. O interesse
público constitui a baliza que orienta suas decisões(...)’.”
Para a Autora, a servidão sequer seria necessária, prevalecendo, no caso, a
destinação pública que é inerente à própria natureza do em público. Nesse sentido, retoma que
cabe ao gestor do bem público disciplinar seu uso da melhor forma possível, assegurado que
se prestara para proporcionar o máximo de benefício à coletividade.
Com efeito, não deve haver cobrança de preço pelo uso do bem público destinado
à prestação do serviço público, pois, ainda que envolvidos entes políticos distintos, prevalece
o interesse público das relações, sendo a destinação dada a esse bem inerente à sua vocação
natural.
Por todo o acima exposto, resta evidenciado que a cobrança de preço pelo uso do
solo por concessionária, atividade regida por princípios de supremacia do interesse público,
modicidade das tarifas e equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, não
encontra respaldo em nosso Sistema Jurídico.
145
CONCLUSÕES
De acordo com o tema proposto, o estudo teve como escopo avaliar a cobrança
pelo uso do solo, consistente na pretensão do Município de ser remunerado pela manutenção,
no solo, subsolo e espaço aéreo municipais, de redes de infraestrutura necessárias à prestação
de serviços públicos concedidos pela União e pelos Estados.
Para enfrentamento do tema, abordou-se que a Constituição Federal atribuiu
competências específicas à União, Estados e Municípios, assegurando a autonomia necessária
a cada um desses entes políticos, bem como prevendo recursos para custear suas atividades.
Embora os assuntos de interesse local e o ordenamento do solo sejam de
competência do Município, os serviços públicos a que dizem respeito ao objeto do presente
estudo – v.g. fornecimento de energia elétrica, gás e telecomunicações – foram atribuídos à
União e aos Estados, sendo concedidos a empresas privadas, dando margem à pretensão
municipal de exigir contraprestação pelo uso do solo.
Da forma republicana de governo adotada no Brasil, que privilegia a vontade
soberana do povo, enfatizada a relevância do Estado como representante dos interesses
coletivos e gestor da coisa pública, foram extraídas relevantes premissas para a análise do
tema. Em complementação, o pacto federativo e a autonomia municipal impõem que a
repartição constitucional das competências entre os entes políticos seja respeitada,
assegurando que cada qual agirá de forma autônoma dentro de sua área de atuação.
Assentadas essas premissas, a cobrança pelo uso do solo foi confrontada com as
taxas e com os preços, por serem esses os institutos reiteradamente referidos nas legislações
municipais ao imporem à concessionária o dever de pagar ao Município pelo uso do solo
necessário à implantação de suas redes.
Nos termos em que tratada na legislação de alguns Municípios, a cobrança pelo
uso do solo teria natureza tributária, sendo imposta como taxa.
As taxas são espécie tributária contraprestacional, constitucionalmente admitidas
no caso de exercício de poder de polícia ou pela prestação de serviço público efetiva ou
potencial. Em ambos os casos, a atividade estatal deve ser específica e divisível,
desempenhada de forma referida ao contribuinte.
146
A primeira lição que se extrai do delineamento das taxas é que são apenas duas as
hipóteses para sua instituição – exercício do poder de polícia ou prestação do serviço público -
, inexistindo permissão constitucional para a cobrança de taxa de uso. Com isso, conclui-se
ser inconstitucional a pretensão municipal de exigir taxa pelo uso do solo, ou seja, pelo
simples fato de os equipamentos de infraestrutura destinados à prestação de serviços públicos
estarem implantados em áreas públicas municipais.
Ainda assim, mantida a análise na seara tributária, o enfrentamento do tema
demanda considerar a possibilidade de cobrança de taxa de serviço ou taxa de polícia em face
da concessionária de serviço público que mantenha redes de infraestrutura nas referidas áreas.
Para que fosse exigida taxa de serviço, o Município deveria desempenhar algum
serviço público, de forma específica e divisível, em favor da empresa concessionária em razão
da rede implantada. Para que comporte a exigência de taxa, o serviço público deve ser
classificado como uti singuli, prestados para usuários determinados e de forma mensurável, a
fim de respeitar o caráter contraprestacional das taxas.
Em que pese inexistir uniformidade no conceito de serviço público, na essência,
esse se caracteriza como a atividade exercida pelo Estado sob o regime prevalecente de direito
público, voltada ao oferecimento de utilidade ou comodidade material ao administrado.
Entretanto, verificado que não há qualquer serviço público prestado pelo
Município ao admitir o uso do solo para a implantação das redes necessárias à prestação dos
serviços públicos concedidos, conclui-se, de forma bastante clara, não ter embasamento
jurídico a cobrança de taxa de serviço.
Adentrando no estudo da taxa de polícia, identificou-se ser a mesma exigível em
razão da atuação estatal fiscalizadora das atividades desempenhadas pelo administrado,
aferindo-se o cumprimento da regulamentação aplicável, prestando-se para recompor os
cofres públicos do ônus assumido ao ser desempenhada atividade específica e divisível em
prol do contribuinte.
No caso analisado, a taxa de polícia poderia ser exigida da concessionária caso o
Município exercesse, em razão da manutenção de equipamentos de infraestrutura no solo
urbano, poder de polícia consistente na averiguação do respeito à regulamentação dos
assuntos de interesse local e da ocupação do uso do solo.
147
Ocorre que, considerando a imobilização da rede de infraestrutura destinada à
prestação do serviço público, a fiscalização teria sentido apenas no momento da aprovação e
instalação da rede, descaracterizada a necessidade de renovação periódica do exercício de
poder de polícia municipal. Finalizada a obra sob a supervisão do Município, já está aferido o
cumprimento das normas regulamentadoras.
Tecidas essas considerações, evidenciou-se ser pertinente a cobrança de taxas de
polícia relacionadas com a aprovação de projetos e fiscalização da obra concluída, etc.
Todavia, essas taxas não se confundem com a infundada cobrança mensal de taxa em razão da
mera manutenção de equipamentos em áreas públicas, já que desvinculada de qualquer
atividade estatal.
Sob outro prisma, o enquadramento da cobrança pelo uso do solo tampouco se
enquadra como um preço público, termo utilizado em referência à legislação editada por
alguns Municípios.
Em análise da expressão preço público, evidenciou-se que a mesma deve ser
evitada no texto científico, pois encerra evidente contradição em termos. Versa tanto sobre o
regime de direito privado, correlato ao preço, quanto ao regime de direito público, evocado
pela menção da própria expressão.
Descartada a expressão contraditória, definiu-se que ao fazer menção a preço
público, a pretensão municipal seria a cobrança de contraprestação decorrente de exploração
direta da atividade econômica pelo Estado, com lastro no art. 173 da Constituição Federal.
Nesse sentido, patenteou-se ressalvados os casos previstos na Constituição, o
Estado poderá exercer atividade econômica somente excepcionalmente, quando necessária a
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, casos em que a
contraprestação a ser exigida é denominada preço, em alusão ao termo aplicado nas relações
particulares.
O Estado age dessa forma ao explorar os bens públicos dominicais ou ao prestar
serviço – que não serviço público -, sempre sob regime de direito privado. O preço deve ser
entendido como a contraprestação contratualmente fixada que, além de contemplar os gastos
envolvidos na atividade, comporta margem de lucro, tal como tipicamente almejado nas
relações entre particulares.
148
Apreciando a questão sob perspectivas variadas, concluiu-se pela a
impossibilidade da cobrança de preço pelo uso dos bens públicos para a prestação de serviços
públicos por empresas concessionárias.
Inicialmente, por não se verificar a ocorrência de nenhuma das hipóteses
constitucionais que autorizam o excepcional desempenho da atividade econômica pelo
Município. De plano descartado o permissivo constitucional com base na necessidade por
imperativos de segurança nacional, caberia tal cobrança caso caracterizado o relevante
interesse coletivo.
Ocorre que, o bem público está atendendo sua vocação natural, que é satisfazer os
interesses coletivos, quando é destinado à prestação do serviço público, inexistindo
embasamento para remuneração do Município por admitir esse uso em favor da coletividade.
Adicione-se que é interesse coletivo que as tarifas cobradas pela concessionária
dos tomadores do serviço público sejam módicas, tornando-o acessível a todos. Contrapondo-
se a esse interesse, a cobrança municipal pelo uso do solo, apesar de direcionada à
concessionária, enseja, em última análise, a elevação das tarifas praticadas em face dos
tomadores dos serviços. Mesmo se tratando de duas relações jurídicas distintas –
Concessionária/Município e Concessionária/Tomador dos serviços – uma traz impactos na
outra.
Nesse sentido, aclarou-se que caracterizada a alteração no equilíbrio econômico-
financeiro inicialmente pactuado entre a concessionária e o poder concedente, o contrato de
concessão prevê a elevação das tarifas praticadas em face dos tomadores dos serviços,
mantendo-se a margem de lucro pactuada. Assim, a cobrança pelo uso do solo tem impactos
sobre as tarifas praticadas, onerando o tomador dos serviços públicos.
A impossibilidade de o Município pretender a cobrança de preço pelo uso do solo
é ainda mais evidente quando se considera que, nos padrões atuais, o uso do solo urbano é
imprescindível para a prestação do serviço publico. Ou seja, inexiste autonomia da
concessionária ou do Município de decidirem por sua ocupação, sob pena de inviabilizarem a
prestação do serviço público. Nem ao Município é dado inadmitir o uso do solo, nem a
concessionária pode prescindir desse uso. Com isso, denota-se a inaplicabilidade de preço à
espécie.
149
Ademais, em razão do relevante interesse público envolvido na prestação do
serviço público, se o bem necessário a sua prestação fosse de propriedade particular, este
poderia ser gravado por servidão administrativa, justificada em razão da utilidade pública. No
caso dos bens públicos, essa destinação já lhes é inerente, cumprindo ser privilegiada ao
serem empregados em favor da prestação de serviço de interesse público, sem que enseje o
direito a remuneração.
Tamanha é a afetação do bem público na prestação do serviço público que as
redes de infraestrutura envolvidas são qualificadas como bens reversíveis ao patrimônio do
poder concedente, configurando-se também como bens públicos, razão adicional para não se
admitir a cobrança de preço.
Portanto, a conclusão desse estudo é que não encontra respaldo, em nosso Sistema
Jurídico, a pretensão municipal de receber taxa ou preço como contraprestação pelo uso do
solo, subsolo e espaço aéreo necessários à prestação de serviços públicos, ainda que os
mesmos sejam prestados por concessionárias.
150
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159
ANEXO DE LEGISLAÇÃO MUNICIPAL
A. Município de Ferraz de Vasconcelos: Lei Complementar n° 99/99
LEI COMPLEMENTAR Nº 099, de 27 de dezembro de 1999
Cria as Taxas de Fiscalização de Obras e Serviços Executados em Vias e Logradouros Públicos; e de Fiscalização de Ocupação e Permanência em Áreas de Vias e Logradouros Públicos.
FAÇO SABER, que a Câmara Municipal DECRETA e eu PROMULGO a seguinte lei:
DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS EXECUTADOS EM VIAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS
Seção I Do Fato Gerador e da Incidência
Art. 1º - A Taxa de Fiscalização de Obras e Serviços Executados em Vias e Logradouros Públicos, fundada no poder de polícia do Município, tem como fato gerador a fiscalização por ele exercida sobre as mesmas, em observância às normas municipais de posturas relativas ao uso e ocupação do solo, a tranquilidade, a higiene e o bem estar da população.
Art. 2º - Do fato gerador da taxa considera-se ocorrido: I – na data do início da atividade relativa à execução da obra ou serviço; II – no dia primeiro de cada mês subsequente, enquanto durar a mesma.
Seção II Do Sujeito Passivo Art. 3º - O sujeito passivo da taxa é a pessoa física ou jurídica sujeita a fiscalização
municipal em razão da atividade de obras e serviços executados em vias ou logradouros públicos.
Seção III Da Solidariedade Tributária Art. 4º - São solidariamente responsáveis pelo pagamento da taxa: I – o contratante; II – a contratada, empreiteira ou subempreiteira.
Seção IV Da Base de Cálculo Art. 5º - A base de cálculo da taxa será determinada em função do custo da respectiva
atividade pública específica. Parágrafo Único - A referida taxa será cobrada conforme a Tabela I, anexa a esta Lei.
Seção V Do Lançamento e do Recolhimento Art. 6º - A taxa será devida por mês ou fração, por ano ou fração, conforme a modalidade
da autorização solicitada pelo sujeito passivo ou constatação fiscal. Art. 7º - Sendo por execução das obras e serviços a forma de incidência, o lançamento da
taxa ocorrerá: I – no ato da autorização da obra ou serviço, quando comunicada pelo sujeito passivo; II – no ato da informação, quando constatada pela fiscalização.
DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE OCUPAÇÃO E DE PERMANÊNCIA EM ÁREAS, EM VIAS E EM LOGRADOUROS PÚBLICOS
160
Seção I Do Fato Gerador e da Incidência Art. 8° - A Taxa de Fiscalização de Ocupação e de Permanência em áreas, em vias e em
logradouros públicos, fundada no poder de polícia do Município, concernente ao ordenamento da utilização dos bens públicos de uso comum, tem como fato gerador a fiscalização por ele exercida sobre a localização, a instalação e a permanência de móveis, equipamentos, veículos, utensílios e quaisquer outros objetos, em observância às normas municipais de posturas relativas à estética urbana, aos costumes, à ordem, à tranquilidade, à higiene, ao trânsito e à segurança pública.
Art. 9° - O fato gerador da taxa considera-se ocorrido com a localização, a instalação e
permanência de moveis, equipamentos, veículos, utensílios e quaisquer outros objetos em áreas, em vias e em logradouros públicos.
Seção II Do Sujeito Passivo
Art. 10 - O sujeito passivo da taxa é pessoa física ou jurídica, proprietária, titular do domínio útil ou possuidora, a qualquer título, de móvel, equipamento, utensílio e qualquer outro objeto em áreas, em vias ou em logradouros.
Seção III Da Solidariedade Tributária
Art. 11 - São solidariamente responsáveis pelo pagamento da taxa as pessoas físicas ou jurídicas que diretamente estiverem envolvidas na localização, na instalação e na permanência de móveis, equipamentos, utensílios e veículo e ou qualquer outro objeto em áreas, vias e logradouros públicos.
Seção IV Da Base de Cálculo
Art. 12 - A base de cálculo da taxa será determinada em função do custo da respectiva atividade pública específica.
Parágrafo único. A referida taxa será cobrada conforme a Tabela II, anexa a esta Lei.
Seção V O Lançamento e do Recolhimento Art. 13 - A taxa será devida por mês, por ano, ou fração, conforme modalidade de
licenciamento solicitada pelo sujeito passivo ou constatação fiscal. Art. 14 - Sendo mensal ou anual o período de incidência, o lançamento da taxa ocorrerá: I – no ato da solicitação, quando requerido pelo sujeito passivo. II – no ato da comunicação, quando constatado pela fiscalização.
Seção VI Das Penalidades Art. 15 - O descumprimento das disposições previstas nesta Lei importará ao infrator as
seguintes penalidades: I - multa de 10 UFIRS; II - multa de 200 UFIRS, em caso de reincidência.
Seção VII Das Disposições Finais Art. 16 – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação e seus efeitos a partir de 1º
de janeiro de 2.000, revogadas as disposições em contrário.
Ferraz de Vasconcelos, 27 de dezembro de 1999. VALDEMAR MARQUES DE OLIVEIRA FILHO
161
B. Município de Ji-paraná: Lei n° 1.199/02
LEI Nº 1199, de 31 de dezembro de 2002
Autoriza o Executivo Municipal a criar a taxa de licença e royalties para uso e ocupação do solo nas vias e logradouros públicos e espaço aéreo no Município de Ji-Paraná – RO.
LEONIRTO RODRIGUES DOS SANTOS, prefeito do Município de Ji-Paraná, no uso
de suas atribuições legais, FAZ SABER que a Câmara Municipal aprovou e ele sanciona a seguinte lei:
Art. 1º. Autoriza o Executivo Municipal criar a taxa de licença para o uso e ocupação do
solo e espaço aéreo, a quem ocupe vias e logradouros públicos com postes, sistema de telefonia, abastecimento de água e esgoto, sistema de transmissão de TV a cabo e similares para fins comerciais ou de prestação de serviços.
§ 1º. No caso de utilização das vias e logradouros públicos para a instalação de postes a taxa é cobrada por mês ou fração à razão de R$ 5,00 (cinco reais) por poste instalado, sendo este valor corrigido com base no Índice Geral de Preços ao Consumidor (IPCA) ou equivalente.
§ 2º. A referida taxa prescrita no § 1º, será atribuída aos prestadores de serviços no ramo de telefonia e energia elétrica.
§ 3º. No caso de utilização das vias e logradouros públicos para rede de água, rede de esgoto, sistema de transmissão de TV a cabo e similares será cobrada a taxa de R$ 0,l0 (zero virgula dez centavos de real) por metro linear.
§ 4º. No caso de utilização das vias e logradouros públicos para a instalação de telefones públicos será cobrada por mês ou fração a taxa de R$30,00 (trinta reais) por aparelho instalado.
Art. 2º. Fica criada a taxa de royalties para o uso do solo para a captação de águas
superficiais ou subterrâneas. Parágrafo Único - A taxa de royalties a que se refere este artigo será cobrada a razão de
R$ 0,01 (zero virgula um centavo de real) por metro cúbico. Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio Urupá, aos 31 dias do mês de dezembro de 2002. LEONIRTO RODRIGUES DOS SANTOS
Prefeito
162
C. Município de São Paulo: Lei n° 14.054/05
LEI Nº 14.054, DE 20 DE SETEMBRO DE 2005
Autoriza o Poder Executivo Municipal a fixar e cobrar preço público ela ocupação do espaço de solo em áreas públicas municipais pelo sistema de posteamento de rede de energia elétrica e de iluminação pública, de propriedade da concessionária de energia elétrica que os utiliza, e dá outras providências.
JOSÉ SERRA, Prefeito do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são
conferidas por lei, faz saber que a Câmara Municipal, em sessão de 1º de setembro de 2005, decretou e eu promulgo a seguinte lei:
Art. 1º O Poder Executivo Municipal fica autorizado a fixar e a cobrar mensalmente
preço público relativo à ocupação e uso do solo municipal pelos postes fixados em calçadas e logradouros.
Parágrafo único. Para os fins desta lei, postes são as estruturas de concreto, metal, madeira ou outro material, que suportam os fios, cabos e equipamentos das redes de energia elétrica, telefonia, iluminação pública, difusão de imagens e sons, entre outras.
Art. 2º O preço público previsto no art. 1º desta lei será devido pelo proprietário do
poste. Parágrafo único. O usuário do poste será responsável solidariamente pelo preço público. Art. 3º A fixação e a cobrança do preço público previstos nesta lei, a serem efetivadas
por decreto do Poder Executivo, deverão considerar a área ocupada pela base do poste padrão junto ao solo, multiplicada pelo número de postes de cada proprietário, existentes em solo público dentro do território do Município.
Art. 4º O Poder Público Municipal, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias contados da
data da publicação desta lei, levantará o número de postes existentes no Município e seus respectivos proprietários e usuários, para efeito da apuração da área total de solo ocupado e respectiva cobrança do preço público.
Parágrafo único. O Poder Público Municipal acompanhará a ampliação ou redução da área ocupada pelos postes, atualizando seus cadastros para fins da cobrança mensal do preço público.
Art. 5º As despesas decorrentes desta lei serão suportadas pelas dotações orçamentárias
próprias, suplementadas se necessário. Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 20 de setembro de 2005, 452º da
fundação de São Paulo.
JOSÉ SERRA, PREFEITO
163
D. São Vicente: Lei Complementar n° 357/01
LEI COMPLEMENTAR N.º 357, de 21 de dezembro de 2001
Dispõe sobre o uso de vias públicas e espaço aéreo e subterrâneo, para a realização de eventos ou para implantação e passagem de equipamentos urbanos destinados à prestação de serviços de infraestrutura, por entidades de direito público e privado. Proc. n.º 184046/01
MÁRCIO FRANÇA, Prefeito do Município de São Vicente, usando das atribuições que lhe são conferidas por Lei, faz saber que a Câmara Municipal decreta e ele sanciona e promulga a seguinte Lei Complementar:
Art. 1.º - O Poder Executivo poderá autorizar, por permissão, a título precário e oneroso,
o uso das vias públicas, inclusive dos espaços aéreos e subterrâneos, e de obras de arte de domínio municipal, para a realização de eventos ou para a implantação, instalação e passagem de equipamentos urbanos destinados à prestação de serviços de infra-estrutura por entidades de direito público ou privado, obedecendo às disposições desta Lei Complementar e demais atos normativos.
Parágrafo único - Para os fins desta Lei Complementar, consideram-se equipamentos urbanos todas as instalações de infra-estrutura urbana, tais como equipamentos de abastecimento de água, serviços de esgoto, energia elétrica, coletas de água pluviais, rede telefônica e outros de interesse público.
Art. 2.º - Os requerimentos de implantação, instalação e passagem de equipamentos
urbanos nas vias públicas, inclusive espaços aéreos e subterrâneos, e nas obras de arte de domínio municipal dependerão de prévia aprovação da Secretaria de Obras e Meio Ambiente - SEOBAM, obedecidas as disposições desta Lei Complementar e normas complementares a serem expedidas pelo Poder Executivo.
§ 1.º - Os documentos exigidos para a instrução dos requerimentos são os seguintes: I – 03 (três) vias de planta com projeto, com respectivo memorial descritivo, constando as
especificações técnicas correlatas; II – ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, devidamente recolhida, referente à
elaboração dos projetos; III – inscrição do responsável técnico pela elaboração dos projetos, junto ao setor de
aprovação da Secretaria de Obras e Meio Ambiente – SEOBAM; IV – cronograma físico das referidas obras, por serviço e por via; V – anuência expedida pelas concessionárias de serviços públicos, como SABESP, CPFL
e Telefônica, dentre outras; VI – guia de recolhimento de taxas e emolumentos, relativos à análise e aprovação de
projeto; VII – apresentação dos documentos descritos no § 2.º do art. 9.º desta Lei Complementar. § 2.º - Conforme a complexidade da obra, poderão ser solicitados outros documentos
pertinentes. § 3.º - Os documentos elencados no § 1.° deverão, também, fixar as especificações
técnicas relativas à apresentação dos elementos do cadastro dos equipamentos já implantados, transpostos ou colocados, dos serviços de levantamento topográfico e cadastral, bem como o estudo geotécnico do subterrâneo, contendo todos os elementos necessários à realização dos serviços.
§ 4.º - A entidade requerente ficará responsável pelo aviso e obtenção de informações cadastrais e anuência junto à Telefônica, SABESP e CPFL, dentre outras.
164
Art. 3.º - O requerimento de aprovação será protocolizado, e a SEOBAM, no prazo de 60 (sessenta) dias, deverá analisar e decidir sobre o projeto, ouvida a SETRAN - Secretaria de Transportes e demais órgãos municipais envolvidos, de acordo com o projeto.
§ 1.º - A eventual exigência comunicada ao requerente suspenderá a contagem do prazo fixado no caput deste artigo, que será reiniciada a partir da data do cumprimento da exigência pelo requerente.
§ 2.º - Após 30 (trinta) dias de eventual exigência comunicada ao requerente, sem que o interessado dê cumprimento, o processo poderá ser indeferido e arquivado.
§ 3.º - Não ocorrendo manifestação no prazo assinalado, a SEOBAM - Secretaria de Obras e Meio Ambiente deverá fornecer ao requerente, sempre que por este requerido, os esclarecimentos a respeito do andamento do requerimento.
§ 4.º - Do indeferimento do requerimento formulado caberá recurso administrativo, dirigido à Secretaria de Obras e Meio Ambiente no prazo de 15 ( quinze) dias, contados do despacho de indeferimento.
Art. 4.º - Aprovado o requerimento, será expedido através da SEOBAM o respectivo
Termo de Autorização e Permissão de Uso Oneroso e a Título Precário, para os fins previstos nesta Lei Complementar.
Parágrafo único - A validade do projeto das obras e serviços aprovados pela SEOBAM será de até 1 (um) ano, contado da data de emissão do Termo de Autorização e Permissão de Uso.
Art. 5.º - Para o início das obras referentes ao requerimento aprovado, o requerente
deverá solicitar o respectivo Alvará de Construção. § 1.º - Os documentos exigidos para a instrução do requerimento são os seguintes: I – ART - Anotação de Responsabilidade Técnica, devidamente recolhida, referente à
execução das obras; II – inscrição do responsável técnico pela execução junto à Secretaria de Obras e Meio
Ambiente – SEOBAM; III – atualização do cronograma físico, apresentado quando da aprovação do
requerimento; IV – apresentação de guia de recolhimento de taxa e emolumentos, correspondentes aos
custos operacionais dos serviços necessários de apoio à obra ou evento, afetos à Secretaria de Transportes – SETRAN, definido pelo art. 13 desta Lei Complementar;
V – apresentação de guia de recolhimento de caução, correspondente a 3 (três) contribuições pecuniárias mensais, cujo valor é definido pelos artigos 9.°, 10 e 11 desta Lei Complementar.
§ 2.º - O Alvará de Construção terá validade de acordo com o projeto e cronograma atualizado.
§ 3.º - A Secretaria de Transportes – SETRAN comunicará à comunidade, por intermédio dos órgãos de imprensa, com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência, a ocorrência da interdição de qualquer via, propondo caminhos alternativos a serem utilizados pelos usuários, salvo em casos de emergência.
§ 4.º - Nos casos de emergência, haverá tolerância referente às exigências previstas nos §§ l.º e 2.º deste artigo.
§ 5.º - O valor correspondente aos custos operacionais relativos à Secretaria de Transportes, descritos no artigo 13 desta Lei Complementar, deverá ser recolhido em horário comercial, no primeiro dia útil subsequente ao início da obra ou evento.
Art. 6.º - O órgão fiscalizador acompanhará a execução de quaisquer obras ou serviços,
notificando, de imediato, a entidade, para efetuar as correções que entenda necessárias, se for constatada a inobservância do projeto apresentado.
165
Parágrafo único – Havendo desconformidade entre o projeto apresentado e a sua execução, a entidade responsável pela obra ou serviço ficará sujeita ao seu refazimento, suportando os custos decorrentes, além de responder pelas perdas e danos que tenha causado, ou venha a causar ao Município ou a terceiros, com a readaptação imposta, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.
Art. 7.º - Na hipótese de o requerente estar impedido de executar o projeto apresentado,
por razões alheias a sua vontade, deverá comunicar tal fato à SEOBAM – Secretaria de Obras e Meio Ambiente, que procederá à análise do assunto, de forma a atender ao interesse público.
§ 1.º - Serão de responsabilidade exclusiva da entidade requerente quaisquer danos ou prejuízos causados, inclusive a terceiros, pela execução das obras ou serviços, mesmo que advindos de atos praticados involuntariamente.
§ 2.º - Quando da execução das obras ou serviços ocorrer abertura de valas em logradouros públicos, a recomposição deverá ser feita pelo requerente na totalidade da largura do referido logradouro e na extensão integral das obras.
Art. 8.º - Ao término da obra, o interessado deverá requerer a baixa do Alvará de
Construção, bem como o pedido de vistoria final, por parte do Poder Público. § 1.º - Não se verificando nenhuma irregularidade, será emitido Termo de Aceite das
Obras. § 2.º - A emissão do referido Termo de Aceite das Obras não eximirá o requerente da
obrigação de refazer o serviço, em caso de má ou defeituosa execução, pelo período exigido por Lei que defina esse tipo de responsabilidade.
Art. 9.º - O preço público pela permissão de uso das vias e logradouros públicos,
inclusive espaços aéreos e subterrâneos, e das obras de arte no Município, a ser pago pelas entidades de direito público e privado, para a realização de eventos ou para implantação, instalação e passagem de equipamentos urbanos para a prestação de serviços de infra-estrutura urbana será representado por contribuição pecuniária.
§ 1.º - O valor mensal da contribuição pecuniária será calculado com base na expressão estabelecida nos arts. 10 e 11 desta Lei Complementar e constará no Termo de Autorização e Permissão de Uso.
§ 2.º - Incumbe ao requerente a apresentação dos documentos e elementos para subsidiar o seu enquadramento na classificação estabelecida no Anexo I desta Lei Complementar.
§ 3.º - O órgão responsável pela aprovação do requerimento poderá exigir, quando necessário, a apresentação de outros documentos para fins do enquadramento de que trata o Anexo I desta Lei Complementar.
Art. 10 – O valor mensal pela utilização das vias públicas, logradouros, inclusive espaços
aéreos e subterrâneos, e das obras de arte do Município, ressalvando o previsto no art. 11, será calculado pela seguinte expressão:
Vm = G (F x T) onde: I – VM = Valor Mensal II – “G” = Fator Gerador, definido como a área de projeção (em m²) da instalação
considerada, obtido pela expressão G = C x L, onde “C” representa o comprimento em metros da instalação e
“L” representa sua largura em metros; III – “F” = Fator, definido como o fator de incidência do preço, com índices
diferenciados para cada tipo de equipamento e definido em função do interesse público, cujos valores serão determinados de acordo com a tabela integrante do Anexo I desta Lei Complementar.
IV – T = Valor Territorial, definido como o valor monetário atribuído ao local onde se instale o equipamento, conforme o estabelecido na Planta Genérica de Valores do Município, observadas as seguintes condições:
a) o valor de “T” será obtido pela média aritmética entre os valores monetários atribuídos ao trecho de logradouro objeto do pedido;
166
b) para as obras de arte o valor de “T” será obtido pela média aritmética entre os valores monetários atribuídos ao trecho que antecede a obra de arte e o trecho a ela subsequente.
Art. 11 – O valor mensal dos equipamentos de suporte, postes e outros das redes que
recebem os serviços a que se refere esta Lei Complementar, terão o valor calculado pela seguinte expressão:
Vms = G (F x T), onde: I – “Vms” = Valor Mensal dos Equipamentos de suporte (postes e outros ); II – “G” = Fator Gerador, definido como a área de projeção, em m², da instalação
considerada, obtido pela expressão G = C x L, onde “C” representa o comprimento em metros da instalação e “L” representa a sua largura em metros o qual não deverá ser inferior a um metro quadrado;
III – “F” = Fator, definido como o fator de incidência do preço, com índices diferenciados em função do interesse público ou particular, nos termos da tabela integrante do Anexo I desta Lei Complementar.
IV – “T” = Valor Territorial, definido como o valor monetário atribuído ao local onde se instale o equipamento, conforme estabelecido na Planta Genérica de Valores do Município.
Art. 12 – O pagamento do valor apurado será feito mensalmente, tendo como vencimento
o 15.º (décimo quinto) dia do mês. § 1.º - A contagem do mês, para fins de pagamento dos valores devidos, será iniciada no
primeiro dia do mês subsequente ao pedido de baixa da obra ou vistoria do Poder Público, em que se constate o seu término.
§ 2.º - É facultado o pagamento integral, em uma única quota, desde que obedecido o valor anual correspondente.
Art. 13 – Os custos operacionais dos serviços necessários de apoio à obra ou evento,
afetos à Secretaria de Transportes, são os estabelecidos pelo Anexo II desta Lei Complementar. Art. 14 – A desobediência injustificada às disposições constantes da presente Lei
Complementar sujeitará o infrator à aplicação das seguintes penalidades: I – advertência; II – intimação; III – embargo; IV – multa; V – suspensão da aprovação de novos projetos. § 1.º - A advertência será aplicada pela SEOBAM, em razão da inobservância às
disposições da legislação vigente, em especial desta Lei Complementar. § 2.º - A multa será aplicada sempre que a entidade de direito público ou privado não
atender à notificação quanto à não observância do projeto, na execução da obra ou serviço. § 3.º - As multas citadas no § 2.° deste artigo são aquelas previstas na legislação vigente,
em especial as contidas na Lei de Uso e Ocupação do Solo. § 4.º - A pena de suspensão da aprovação de novos projetos será aplicada pelo órgão
responsável pela aprovação do requerimento à entidade pública ou privada, sempre que, injustificadamente, persistir a infração referida no § 2.°.
§ 5.º - Das penas previstas caberá recurso no prazo de 05 (cinco) dias, de sua aplicação. Art. 15 – Serão considerados dispostos clandestinamente os equipamentos implantados
em desconformidade com o estabelecido nesta Lei Complementar, bem como aqueles não informados pelas concessionárias;
§ 1.º - As entidades de direito público ou privado estarão sujeitas à perda dos equipamentos implantados clandestinamente, por decisão do Secretário de Obras e Meio Ambiente, ouvidos, previamente, os órgãos técnicos da Pasta e assegurado o direito de recurso.
§ 2.º - Em casos de impossibilidade de retirada do equipamento do local onde foi disposto clandestinamente, a contribuição pecuniária será cobrada em dobro, até a cessação da irregularidade.
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§ 3.º - Para fins de cálculo, em dobro, será considerada a data da publicação da presente Lei Complementar, ou da instalação do equipamento, se comprovada essa data.
Art. 16 – As entidades de direito público ou privado deverão encaminhar à SEOBAM,
até o dia 30 (trinta) de setembro de cada exercício, os eventuais planos de expansão de suas instalações para o próximo exercício, para que se compatibilizem os respectivos interesses quando da apresentação de projetos específicos.
Art. 17 – As entidades de direito público ou privado que tenham equipamentos de sua
propriedade já implantados nas vias públicas e obras de arte do município, em caráter permanente, fornecerão à SEOBAM cópia dos elementos cadastrais disponíveis, a fim de serem complementados os registros existentes e organizados em bancos de dados, para posterior expedição de Termos de Autorização e Permissão de Uso e fixação do preço público pela utilização das vias públicas, inclusive espaço aéreo e subterrâneo, e das obras de arte do Município.
§ 1.º - As entidades de direito público ou privado terão o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação desta Lei Complementar, para cumprir o disposto e estabelecido neste artigo, prorrogáveis a critério da municipalidade por mais 30 (trinta) dias.
§ 2.º - Decorrido o prazo estipulado no § 1.º deste artigo, sem que as entidades cumpram a determinação nele contida, será aplicado o disposto no artigo 15 da presente Lei Complementar.
§ 3.º - Decorrido 1 (um) ano da data da publicação desta Lei Complementar e em havendo descumprimento do estabelecido neste artigo, a entidade perderá o direito à utilização do espaço que estiver ocupando.
§ 4.º - Decorrido o prazo definido no parágrafo anterior, e havendo interesse por parte do Município e da entidade de direito público ou privado na manutenção do equipamento anteriormente instalado, deverão ser apresentados os projetos de acordo com o disposto nesta Lei Complementar, sem prejuízo das multas aplicadas e demais sanções cabíveis.
Art. 18 – As situações conflitantes serão examinadas pelo Secretário Municipal de Obras
e Meio Ambiente, após manifestação da COPLADI – Comissão Técnica de Acompanhamento do Plano Diretor.
Art. 19 – Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário, em especial a Lei Complementar n.º 332, de 28 de dezembro de 2000. São Vicente, Cidade Monumento da História Pátria, Cellula Mater da Nacionalidade, em
21 de dezembro de 2001.
MÁRCIO FRANÇA Prefeito Municipal