12
FRANKENSTEIN (1931): TEORIA DA EUGENIA E A REPRESENTAÇÃO DA FIGURA DO MONSTRO DE SOUZA, Paula Tainar. PPGH-FCL UNESP/Assis-SP RESUMO Esta proposta de pesquisa tem como objetivo central analisar historicamente o filme Frankenstein (1931), a fim de compreender a influência da teoria da eugenia na personagem do Monstro. Adaptado do romance Frankenstein, da Mary Shelley um clássico do Romantismo produzido no século XIX e dirigido por James Whale, o filme foi produzido pela Universal Studios. O século XIX foi marcado por investigações biométricas, além da tentativa de legitimação científica da teoria racial, diretamente relacionada com a teoria da eugenia. Apesar disso, nota-se a ausência dessa teoria no romance de Shelley, ao passo que no filme é a justificativa principal do comportamento desviante do Monstro, o que pode sugerir que, no contexto de adaptação da película no século XX, as ideias raciais do século XIX ainda exerciam influência. Assim, é o intento da pesquisa analisar Frankenstein (1931) como fonte histórica, para compreender a presença da teoria racial que buscava se propagar e legitimar também através do cinema, bem como a representação da figura do monstro e sua relação com o contexto no qual está inserido. PALAVRAS-CHAVE: Cinema; Whale; Literatura; Shelley; Teoria racial.

FRANKENSTEIN (1931): TEORIA DA EUGENIA E A …

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

FRANKENSTEIN (1931): TEORIA DA EUGENIA E A REPRESENTAÇÃO DA

FIGURA DO MONSTRO

DE SOUZA, Paula Tainar.

PPGH-FCL UNESP/Assis-SP

RESUMO

Esta proposta de pesquisa tem como objetivo central analisar historicamente o filme

Frankenstein (1931), a fim de compreender a influência da teoria da eugenia na personagem do

Monstro. Adaptado do romance Frankenstein, da Mary Shelley – um clássico do Romantismo

produzido no século XIX – e dirigido por James Whale, o filme foi produzido pela Universal

Studios. O século XIX foi marcado por investigações biométricas, além da tentativa de

legitimação científica da teoria racial, diretamente relacionada com a teoria da eugenia. Apesar

disso, nota-se a ausência dessa teoria no romance de Shelley, ao passo que no filme é a

justificativa principal do comportamento desviante do Monstro, o que pode sugerir que, no

contexto de adaptação da película no século XX, as ideias raciais do século XIX ainda exerciam

influência. Assim, é o intento da pesquisa analisar Frankenstein (1931) como fonte histórica,

para compreender a presença da teoria racial que buscava se propagar e legitimar também

através do cinema, bem como a representação da figura do monstro e sua relação com o

contexto no qual está inserido.

PALAVRAS-CHAVE: Cinema; Whale; Literatura; Shelley; Teoria racial.

ABSTRACT

This research proposal has the central objective of historically analyzing the film

Frankenstein (1931), in order to understand the influence of eugenics theory on the Monster’s

character. Adapted from Mary Shelley’s novel Frankenstein – a classic of Romanticism

produced in the 19th century – and directed by James Whale, the film was produted by

Universal Studios. The 19th century was marked by biometric investigations, in addition to the

attempt to scientifically legitimize racial theory, directhy related to the theory of eugenics.

Despite this, the absence of this theory is noted in Shelley’s novel, where as in the film it is the

main justification for the deviant behavior of the Monster, which may suggest that, in the

contexto of adaptation of the film in the 20th century, the racial ideas of the 19th century still

exercised influence. Thus, it is the intention of the research to analyze Frankenstein (1931) as

a historical source, to understand the presence of the racial theory that sought to propagate and

legitimasse also through cinema, as well as the representation of the figure of the monster and

its relation with the contexto in which it’s inserted.

KEY-WORDS: Cinema; Whale; Literature; Shelley; Racial theory.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa visa realizar uma análise histórica do filme Frankenstein (1931),

dirigido por James Whale. O objetivo da presenta pesquisa é compreender a presença da teoria

racial e antropologia criminal, legitimadas cientificamente no século XIX, a partir do recorte

de algumas cenas do filme Frankenstein (1931). A película foi produzida pela Universal

Studios no início do século XX e ainda possui influência da antropologia criminal, muito

influente no século anterior, é uma adaptação do romance Frankenstein, escrito por Mary

Shelley. A escrita da obra literária resultou de uma aposta realizada entre Mary Shelley, Percy

Shelley e Lord Byron durante um encontro na Villa Diodati em Genebra. Percy escreveu A

fragmente of a Ghost History e Lord Byron iniciou Fragment of a Novel – posteriormente, John

Polidori se apropriou de parte da narrativa de Byron e escreveu The Vampyre. A competição

dos escritores inspirou, inclusive, a produção do filme Gothic (1986), dirigido por Ken Russel.

Frankenstein é categorizado não só enquanto uma obra do gênero de terror, mas também

ficção científica, considerado um clássico do Romantismo. Narra a história de Victor

Frankenstein, um estudante de ciências biológicas, que devido ao desejo de criar algo digno de

ser lembrado pela humanidade se dedicou a tentativa de criação de um ser humano. Após

abandonar a faculdade e isolar-se de seus parentes e amigos, dedicou-se aos estudos por conta

própria em seu laboratório. Na narrativa literária, o cientista trabalha sozinho, ao passo que no

filme, possui um assistente chamado Fritz. Após o sucesso de seu experimento, Victor

Frankenstein fica atordoado devido ao desconhecimento de como inserir sua Criatura na

sociedade e amedrontado pela possibilidade do julgamento alheio. O romance trata de temas e

discussões atuais, tendo inúmeras adaptações para cinema, assim como teatro, rádio e televisão.

A primeira adaptação para um filme ocorreu em 1910, produzida por Thomas Edison, é um

curta metragem mudo com aproximadamente 13 minutos de duração. A versão clássica foi

realizada em 1931 por James Whale. Entre outras adaptações cinematográficas, podemos

destacar: A noiva de Frankenstein (1935), O filho de Frankenstein (1939), A verdadeira história

de Frankenstein (1973), O jovem Frankenstein (1974), Frankenhooker (1990), Frankenstein:

o monstro das trevas (1990), Frankenstein de Mary Shelley (1994), Frankeweenie (2012),

Victor Frankenstein (2015), entre outros.

O Cinema é um dos agentes mais influentes na sociedade de massa. Essa massificação

influencia os setores sociais, econômicos, políticos e culturais. A arte que era restrita as

camadas privilegiadas é democratizada com o surgimento da reprodução técnica (BENJAMIN,

2012). Esse fenômeno técnico possibilita a produção serial, mais produtos em menos tempo,

que abala o costume e a tradição, pois com esses instrumentos torna-se incomum a existência

única de algo. Quando os irmãos Lumière inventaram o cinematógrafo, a sociedade enfrentava

tantas mudanças, que o cotidiano sofreu modificações e foi preciso se acostumar com as novas

relações para tentar compreender esses instrumentos que estavam surgindo. Ao passo que,

durante o período entre guerras, contexto de produção de Frankenstein (1931), o desespero era

tão intenso, que o cinema pode ter sido uma das possibilidades de válvula de escape da crise.

O que poderia justificar o grande público que frequentava as salas de projeções.

NEOCOLONIALISMO E AS TEORIAS RACIAIS DO SÉCULO XIX

No século XIX a Europa estava passando pela segunda Revolução Industrial e com ela, a

consolidação do avanço tecnológico e científico. Em meio ao processo de industrialização,

tornou-se necessário expandir os mercados consumidores, uma vez que só os países europeus

não seriam capazes de absorver a própria produção. Com o objetivo de expansão do mercado e

da produção, se tornou necessário buscar matéria-prima e mercado consumidor em outros

continentes, colonizando-os. O fenômeno ficou conhecido como Neocolonialismo e teve seu

auge com a Primeira Guerra que ocorreu no início do século XX, momento no qual os interesses

capitalistas também colheram benefícios (FERGUSON, 2014). É sabido que todo processo

colonial envolve vários níveis de violência, uma vez que o povo colonizado apresenta

resistência ao poder que tenta se impor. Nesse contexto, surgem as teorias raciais com o objetivo

de legitimar a exploração e domínio imperialista sobre outros continentes, principalmente

africano e asiático.

As teorias raciais tentaram legitimar cientificamente o processo colonial e a superioridade

de um povo sobre outro através da criação do conceito de raça. Embasado em características

fenotípicas e morfológicas, tais como a cor da pele, tipo de cabelo, conformação facial e do

crânio, a teoria ficou conhecida como darwinismo social. Para o desenvolvimento do

darwinismo social, Herbert Spencer se apropriou da teoria de evolução das espécies cunhada

por Charles Darwin e o inseriu no plano social. Darwin (2018) defendia que alguns seres

sobrevivem se estiverem mais aptos a se reproduzirem e/ou melhor se adaptarem ao meio no

qual estão inseridos, mecanismo de seleção natural.

O darwinismo social de Spencer (1936) defendia que, a lei que administra o

desenvolvimento físico e mental do indivíduo, é a mesma para o progresso social e suas

instituições, atividades, relações e afins. Ou seja, a evolução e o progresso são conceitos

aplicáveis de forma universal e, portanto, equivalentes. Conforme o Homem dominasse o

território, simultaneamente ele também sofreria uma evolução física. Na prática, isso teria se

iniciado com o surgimento dos nossos ancestrais e desde então estaria evoluindo rumo ao

progresso - conceito forte do Iluminismo. Sendo assim, em um primeiro momento o Homem

vivia em uma condição de selvageria, onde dependia totalmente do que a natureza oferecia, por

isso era nômade. Conforme evoluiu para o estágio de barbárie houve o desenvolvimento da

agricultura e a domesticação dos animais, tornando possível a sedentarização, mas ainda é um

domínio rústico e limitado. No terceiro estágio, de civilização, há o domínio total da natureza,

onde as construções, organizações e relações sociais se tornaram complexas, marcada pelo

processo de industrialização. Desse modo, a teoria racial defende que em alguns continentes os

indivíduos estavam atrasados em seu processo de progresso, de modo que caberia ao homem

europeu branco, o civilizado, auxiliar na agilização de evolução de povos ainda selvagens e/ou

bárbaros.

A teoria racial, com base na Taxonomia Moderna (1758), estabeleceu uma classificação

biológica vinculando de maneira determinada território, características físicas e morais.

Dividiu-se as supostas raças existentes da seguinte forma: Homo Sapiens Europaeus: Europa,

homem branco, moralmente justo e forte; Homo Sapiens Americanus: América, homem

vermelho, subjugável e não regrado; Homo Sapiens Asiaticus: Ásia, homem amarelo,

ganancioso e melancólico; Homo Sapiens Afer: África, homem negro, impassível e preguiçoso;

Homo Sapiens Monstrosus: sem localização geográfica/restante, categorizado como os outros.

Desse modo, Spencer defendendo que as características adquiridas no processo de evolução

eram transmitidas para a prole (HAINES, 1991), passou-se a acreditar que era possível melhorar

ou empobrecer qualidades raciais das próximas gerações. A teoria da eugenia, criada por

Francis Galton, significa “bem nascido”, ou seja, se um indivíduo fosse descendente de uma

raça superior, era bem nascido, caso contrário, não. Por isso, algumas teorias de controle de

natalidade de algumas “raças” surgiram, com a tentativa de eliminar aquelas ditas inferiores.

A antropologia criminal, fundada por Cesare Lombroso, se embasou na taxonomia

moderna e foi mais longe. De acordo com Lombroso (2009), o indivíduo indicaria sua tendência

delitiva através da fisionomia e conformação cranial. Ou seja, fisicamente era possível

diagnosticar se o indivíduo tinha desvio moral, ou não, o chamado criminoso nato, a chamada

“estética do mal”. E todo esse contexto cunhado no século XIX, que se abrange até o século

XX está presente como pano de fundo no filme Frankenstein (1931), enquanto justificativa e

determinação do comportamento agressivo do Monstro.

Apesar de ter resquícios até os dias de hoje, as teorias raciais entraram em decadência em

meados do século XX com o surgimento dos estudos genéticos, que resultou na descoberta de

que o genoma humano possui 25 mil genes, dos quais compreendem uma diferença de apenas

0,05% entre um indivíduo e outro, independente da sua etnia. Essa composição do genoma

humano é diferença da que foi encontrada em animais considerados de raça pura. Sendo assim,

concluiu-se que, do ponto de vista biológico, raça não existe para categorizar seres humanos.

Diante desta descoberta, o conceito de raça passou a ser considerado errôneo, sendo substituído,

portanto, pelo conceito de etnia, vinculado ao âmbito cultural. Etnia deriva do substantivo grego

ethnikos/ethnos, significa gente, nação. A partir de então, a identidade do indivíduo não é mais

construída através de características fenotípicas e morfológicas, e sim, por afinidade linguística

e territorial, levando em conta a estrutura política, cultural, social, parentesco, nacionalidade,

religiosidade.

ANÁLISE DE FRANKENSTEIN (1931), DE JAMES WHALE

Frankenstein, Prometeu Moderno, é um dos monstros mais clássicos. Sua adaptação para

filme, dirigida por James Whale, completa o quarteto de monstros presentes em filmes do

gênero de horror produzidos pela Universal Studios: Drácula (1931), dirigido por Tod

Browning; A Múmia (1932), sob direção de Karl Freund; Lobisomen (1941), direção de George

Waggner. A Criatura de Victor Frankenstein nos leva a refletir sobre os limites da ciência, seus

avanços tecnológicos, inclusive a manipulação das máquinas de Guerra produzidas pelo ser

humano no período tão conturbado da Grande Guerra. Uma Criatura vem à vida através de

eletricidade e pedaços de corpos de cadáveres, escolhidos cautelosamente para sua composição.

É uma materialização do interior humano, que busca se autoconhecer através das experiências,

passível de erros grotescos pelo bem da ciência.

No início do século XX, as teorias raciais ainda tinham força e legitimidade, por isso, há

a influência tão latente da antropologia criminal na obra Frankenstein (1931). A cena a seguir

predestina e justifica todo o comportamento desviante que a Criatura virá a ter durante a

narrativa.

Aula de anatomia do Professor Waldman (Edward Van Sloan)

FIGURA 01: Na cena acima há uma sequência de planos na qual o Prof. Waldman explica a diferença

dos cérebros aos seus alunos. O primeiro é de um indivíduo supostamente normal, sem tendências criminosas e o

segundo é um cérebro anormal, de um criminoso nato. Fonte: Filme Frankenstein (1931).

Durante a aula, o professor se refere ao cérebro normal como um espécime perfeito,

enquanto o cérebro anormal é de um criminoso típico. Logo depois, ele chama atenção dos

alunos para a escassez de circunvoluções no lóbulo frontal, se comparado ao normal, que

representa uma degeneração visível do lóbulo frontal central, que corrobora com o histórico de

crimes e assassinatos cometidos. Após a aula de anatomia, o professor e os alunos saem da sala.

De maneira escondida, Fritz, o assistente de Victor, entra no local e pega o cérebro normal.

Mas, acidentalmente o pote de vidro cai e quebra. Assustado e sem opção, Fritz parte para a

segunda opção, levando o cérebro anormal para o cientista. Aqui toda a condição do Monstro

é determinada, de acordo com a teoria do criminoso nato. Com base nisso, não existia outra

opção para a Criatura, senão se tornar um ser bruto e violento. Apesar disso, em alguns

momentos ele transparece certa sensibilidade, um destes momentos é o encontro do Monstro

com a menina Maria. O plano nos é apresentado com um contraste entre Maria, representando

a inocência e encanto, e a Criatura composta de partes decompostas, remetendo ao horror. A

cena a seguir é o único momento no qual é possível vê-lo sorrindo e se divertindo

verdadeiramente.

Encontro do Monstro (Boris Karloff) com a menina Maria (Marilyn Harris)

FIGURA 02: Na cena a Criatura de Frankenstein se encanta com a garota por ela não ter demonstrado medo ou repulsa pela sua aparência estranha. Fonte: Filme Frankenstein (1931).

A cena acima, paradoxal, mostra uma sequência de planos na qual o Monstro brinca com

Maria. Quando ele se aproxima, a garota está jogando margaridas na água e devido à

inexistência de hostilidade em relação a ele, representando a pureza da criança, o Monstro

senta-se ao lado dela e também adere a brincadeira. Neste momento é possível observar a

ausência de culpa dele em existir e ser como é. No entanto, depois de jogar algumas flores e

ver a alegria da garota, ele se empolga – talvez por relacioná-la também a uma flor – e a lança

na água. Observando o desespero da menina, reconhecendo sua brutalidade e sem saber o que

fazer para consertar o ato, o Monstro foge com expressão de desespero. Pouco tempo depois o

pai de Maria encontra o corpo da filha, que tivera morrido afogada, dentro do lago. Apesar de

uma aparente bondade na criatura, a determinação de que ele é um criminoso nato permanece

aparente. De modo que, mesmo que ele tenha boas intenções, de alguma forma vai cometer um

ato violento e/ou criminoso, pois, ele não tem escolha sobre si mesmo, nasceu determinado a

executar atos desta natureza. A predeterminação não só é inserida enquanto um elemento de

horror, como também enfatiza o significado da narrativa, desenvolvendo-a emocionalmente.

Além disso, o contraste entre a determinação criminosa do Monstro, apresentado anteriormente,

e a inocência de uma criança estabelece um clima para causar impacto afetivo no espectador.

Quando o pai de Maria toma conhecimento da sua morte, ele fica atordoado, mas isso não

o impede de se mobilizar em busca de justiça pela filha. Na cena a seguir podemos observar

sua expressão indecisa de perturbação, aparentemente custando acreditar no horrível

acontecimento de perda da filha.

O pai de Maria, carregando-a, após tomar conhecimento de sua morte

FIGURA 03: O pai de Maria carrega o corpo sem vida de sua filha pela cidade e adentra uma celebração

festiva ao ar livre, enquanto aldeões festejam e dançam. FONTE: Filme Frankenstein (1931)

A entrada do pai na festa carregando o cadáver da filha também representa um elemento

de horror na trama. É a inserção do horror no contexto de alegria, que vai sendo eliminado a

partir da recepção dos aldeões, que ao verem o acontecimento, transmutam a expressão facial

de celebração para o horror que a cena pede. O instante de choque é mostrado de maneira

gradual, de modo que, enquanto uns percebem a chegada do pai com o corpo de Maria, outros

continuam a celebração. É uma sequência construída artisticamente para não ocorrer uma

ruptura brusca de alegria para horror, há a inserção de um no outro de maneira equilibrada e

mesclada. A chegada do pai demonstra, portanto, a chegada de um mal presságio aos poucos,

a proximidade da Criatura que representa um perigo iminente a vida, intensificando a

expressividade emocional. Após ser lançado, a cena foi censurada do filme por ser considerada

muito sensível e perturbadora, mas algumas décadas depois ela retornou para a composição da

obra fílmica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O romance de Mary Shelley, escrito no início do século XIX, justifica a agressividade e

revolta do Monstro como decorrente de um reconhecimento da sua própria aparência estranha

e apavorante. Diagnóstico realizado por ele próprio ao estabelecer contato com outros

indivíduos, além do seu próprio criador, que apresentam expressão de espanto e repulsa ao se

deparar com ele. Embora a obra fílmica seja adaptada do romance de Mary Shelley, não traz a

mesma justificativa para a agressividade da Criatura de Victor Frankenstein. A narrativa fílmica

predetermina a agressividade e violência através da escolha de um cérebro anormal, teoria

ancorada na antropologia criminal e taxonomia moderna. A teoria racial, legitimada

cientificamente naquele contexto, fica clara na criação de Victor, que justifica as ações do

Monstro como geneticamente determinantes. Antes mesmo de nascer já estava condicionada

devido ao seu cérebro anormal roubado da sala de anatomia. Por esse modo, é possível

diagnosticar aspectos do contexto no qual a obra está inserida. Particularidades que demonstram

uma forte influência das teorias raciais no contexto no qual o filme está inserido, mas não

influenciaram a produção da obra literária (FERRO, 2010). Além de evidenciar parte da visão

de mundo dos indivíduos incorporados a tal sociedade. O imaginário coletivo, formado por

sonhos, símbolos, imagens, pode ser representado na tela do cinema, de forma inconsciente ou

não pelos produtores. Pode atuar enquanto enfrentamento político e social, que influência a

identidade. Nesse sentido, a figura do monstro se faz presente, com inúmeras possibilidades de

representações e interpretações. Pode-se supor, inclusive, que a população frequentava o

cinema também por identificar-se com as personagens – não apenas pela novidade –. A arte, de

forma geral, é uma via de mão dupla, é influenciada pelo contexto e a realidade influenciada

pela realidade criada nas obras.

Quanto ao contexto no qual político e econômico da obra, a guerra se mostra além do

campo de batalha, se fazendo presente nas ruas e no cotidiano da população civil. O cinema

enquanto instrumento de propagação de ideologias, devido à sua popularidade e especificidades

de linguagem, atuou como um meio de transporte do horror que ocorria no cotidiano da

população com a Grande Guerra para a tela do cinema. O Monstro representa o mal a ser

combatido, pois, transmite ações e características humanas, invocando o horror desde a

deformação física até moral. Representa um sinal, presságio, atuando para advertir a sociedade

acerca do pior, mas propaga estereótipos errôneos e determinantes. Em um contexto de conflito

e crise política e econômica, é facilmente relacionado a grande depressão, insegurança, medos,

por isso, o cinema é digno de análise e pode ser categorizado enquanto uma forma de transportar

o horror do cotidiano para a tela.

FONTE

SHELLEY, Mary. Frankenstein. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2017.

FRANKENSTEIN. Direção de James Whale. EUA: Universal Studios, 1931. 1 DVD (70 min.).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Lann Mendes. Recepção, mediação e midiatização: conexões entre teorias

europeias e latino americanas. In: JACKS, Nilda et. al. Mediação & Midiatização. Salvador:

EDUFBA; Brasília: Compós, 2012, p. 79-106.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. In: CAPISTRANO,

Abreu (org). Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2012.

BESSEL, Richard. O período posterior à Primeira Guerra Mundial e a ascensão do nazismo.

In: __________. Nazismo e Guerra. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

CANEPÁ, Laura Loguercio. Expressionismo Alemão. In: MASCARELLO, Fernando (org).

História do cinema mundial. Campinas, SP: Papirus, 2006.

DARWIN, Charles. A origem das espécies. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo:

Edipro, 2018.

EISNER, Lotte H. A tela demoníaca: as influências do Max Reinhardt e do Expressionismo.

Rio de Janeiro: Paz e Terra: Instituto Goethe, 1985.

FERGUSON, Niall. Impérios, ententes e apaziguamento eduardiano. In __________. O horror

da guerra: uma provocativa análise da Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Planeta, 2014,

p. 95-126.

FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

HAINES, Valerie. Spencer, Darwin and the question of reciprocal influence. Jornal of the

History of Biology, 24, 3, 1991, p. 409-31.

HOBSBAWN, Eric. Da paz à guerra. In: __________. A era dos impérios (1875-1914). Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1988.

HUNTER, Russ. Terror gótico. In: KEMP, Philip (org). Tudo sobre cinema. Rio de Janeiro:

Sextante, 2011, p. 88-91.

KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler: uma historia psicológica del cine alemán.

Barcelona: Ediciones Edipós Ibérica, 1985.

LOMBROSO, Cesare. Le più recenti scoperte ed applicazioni della psichiatria ed antropologia

criminale. Vol 18: Bocca. 2009.

__________. L'uomo delinquente: studiato in rapporto all'antropologia, ala medicina legale

ed ala discipline carcerarie. Bologna: Il Mulino; 2011.

SPENCER, Herbert. El progreso: su ley y su causa. In: __________. Creación y evolución,

Buenos Aires: Tor, 1936, p. 73-123.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. A Primeira Guerra Mundial (1914-1919). In: __________. As

Guerras Mundiais (1914-1945). Porto Alegre: Leitura XXI, 2003.

XAVIER, Ismael. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz

e Terra, 2008.