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Fábio Trindade DA AGÊNCIA ANHANGUERA [email protected] Duzentos anos atrás, um clás- sico começava a nascer. Era 1816, uma noite chuvosa no Verão suíço, a inglesa de 19 anos Mary Shelley, obrigada a ficar trancafiada em Genebra por conta do mau tempo, ra- biscava num pedaço de papel o que se tornaria, dois anos de- pois, um mito. Inspirada, acre- dita-se, pelos contos de fantas- mas do pai, o filósofo e jorna- lista William Godwin, a mu- lher do famoso poeta inglês Percy Bysshe Shelley apostou com o futuro marido, preso com ela durante a chuva por três dias, quem conseguiria es- crever o melhor enredo. Nas- ceu, então, Frankenstein, ou Moderno Prometeu, um tipo de obra tão surpreendente, ino- vadora e bem escrita que gera discussões e se mantém atual até os dias de hoje. Esta, pelo menos, é a versão mais conhecida de como sur- giu um dos maiores clássicos de todos os tempos, que inspi- rou inúmeras outras obras lite- rárias, teatrais, cinematográfi- cas e televisivas ao longo dos tempos. Diz-se também que a torturada criatura foi inspirada em fatos reais, a partir do mis- tério que cercava o alquimista Konrad Dippel. Ele, um cientis- ta do século 17, especula-se, realizava experiências secretas e bizarras para tentar reanimar o corpo humano. Dippel morava no castelo Frankenstein, na Alemanha, e por isso as histórias da época diziam que ele assinava o ter- mo “von Frankenstein” nos corpos que utilizava nas tenta- tivas de trazê-los do mundo dos mortos. O fato é que nun- ca houve nenhuma citação de Mary sobre o folclore Konrad Dippel, mas há relatos de que ela teria ouvido a história justa- mente durante o tempo em que passou na Suíça. E Victor Frankenstein, convenhamos, gera comparações com Dippel suficientes para se considerar tais afirmações. Duzentos anos se passaram desde os primeiros rabiscos e, na verdade, pouco importa de onde veio a inspiração de Ma- ry. Afinal, Frankenstein criou um novo gênero de terror e foi um marco na cultura pop oci- dental. Tanto que novas ver- sões de sua história conti- nuam a aparecer, dando os mais inusitados toques a este impressionante conto. Prova disso é o recente filme Victor Frankenstein, estrelado pelo eterno Harry Potter, Daniel Redcliffe, e o novo professor Xavier da franquia X-Men, Ja- mes McAvoy. A questão é que nem sem- pre essas inovações dão certo e o longa de Paul McGuigan foi um fracasso, não apenas em bilheteria (teve um custo de US$ 40 milhões e faturou US$ 34,1 milhões), mas princi- palmente em críticas. O filme foi considerado um desastre, sendo chamado pelo The New York Times de “raso como uma moeda de 1 centavo”. Resgate Por essas e outras, ter acesso ao enredo original é funda- mental. E mesmo que o filme não tenha servido de iniciativa para a Landmark, a editora co- nhecida justamente por relan- çar clássicos acaba de colocar no mercado a primeira ver- são de Frankenstein em edi- ção comentada e bilíngue (in- glês-português). A ideia de Mary foi concebi- da em 1816, porém, ela só foi se concretizar em maio de 1817, quando a inglesa finali- zou o texto e mandou para al- gumas editoras. O primeiro lançamento aconteceu no ano seguinte, pela editora La- ckington, Hughes, Harding, Mavor & Jones, de Londres. A edição foi publicada anonima- mente, com 500 exemplares, em três formatos — como de costume, para a época. O nome de Mary apareceu sobre o título apenas em 1822, quando a segunda edi- ção saiu, em dois volumes, pe- la editora G. and W.B. Whit- taker, graças ao estrondoso sucesso da peça Presunção: ou o Destino de Frankenstein, adaptada pelo dramaturgo Ri- chard Brinsley Peake. Uma terceira edição, consi- derada mais popular, ainda chegou às lojas enquanto Ma- ry era viva, em 1831. Impres- sa em apenas um volume e amplamente revista pela auto- ra para torná-la mais conser- vadora, devido à pressão da época, foi esta versão que trouxe a introdução em que Mary relata as circunstâncias em que a história foi concebi- da. É, entretanto, o texto de 1818 mesmo que a Landmark resgata aos leitores, tendo co- mo brinde a introdução de 1831. Ou seja, a melhor for- ma de deleitar-se com o hor- ror cru e honesto criado na- quela noite fria e chuvosa de duzentos anos atrás, esquecen- do tudo o que foi visto por aí desde então quando o assunto é Frankenstein. Obras inspiradas sobre o monstro mais querido do terror mundial SAIBA MAIS SERVIÇO FRANKENSTEIN (1910) A primeira versão para as telonas da história de Mary Shelley surgiu ainda nos primórdios do cinema. Um curta de pouco mais de 10 minutos, dirigido por J. Searle Dawley. FRANKENSTEIN (1931) O filme considerado o maior clássico de Frankenstein veio 20 depois. A Universal Studios decidiu adaptar a história, chamou o diretor James Whale e cunhou a eterna figura do monstro com a cabeça quadrada com parafusos. A obra levou os fãs à loucura e se tornou um estrondo. A NOIVA DE FRANKENSTEIN (1935) O sucesso em 1931 foi tanto que, quatro anos depois, o filme ganhou uma sequência, desta vez tendo como foco a criação de uma companheira para o monstro, com Elsa Lanchester no papel da versão feminina da criatura. Mais uma vez, um sucesso. O longa foi refilmado em 1985, como A Prometida. O FILHO DE FRANKENSTEIN (1939) E já que a franquia ia de vento em popa, surgiu, novamente em um intervalo de quatro anos, O Filho de Frankenstein. O longa que fechou a trilogia da Universal mostra o filho do Dr. Frankenstein de volta ao local onde tudo começou, na tentativa de ressuscitar o monstro e transformá-lo numa criatura boa. O JOVEM FRANKENSTEIN (1974) Como a maioria dos filmes de sucesso, Frankenstein ganhou diversas sátiras, sendo considerada a melhor e mais engraçada delas a de 1974. O Jovem Frankenstein mostrou um doutor bastante atrapalhado e contou no elenco com os hilários Gene Wilder e Peter Boyle. FRANKENSTEIN DE MARY SHELLEY (1994) Considerado a melhor adaptação do livro de 1818, o filme conta com um elenco de peso: Robert De Niro na pele do Monstro, Kenneth Branagh como o doutor e Helena Bonham Carter no papel da jovem Elizabeth. FRANKENWEENIE (2012) Tim Burton também entrou na onda em uma das adaptações mais inusitadas da história de Mary Shelley. Na animação, inspirada no curta, também de Burton, de 1984, o Monstro é criado por um garoto a partir do cadáver de seu cachorrinho. O público aprovou e o longa foi indicado ao Oscar em sua categoria. VICTOR FRANKENSTEIN (2015) O mais recente filme sobre o ser criado em laboratório tem sua história contada a partir de Igor (Daniel Radcliffe), o jovem e perturbado assistente do dr. Frankenstein (James McAvoy, na foto) — até então, apenas um estudante de medicina. Meu querido monstro Fotos: Cedoc/RAC / HORROR / Criado há 200 anos por Mary Shelley, Frankenstein é fonte contínua de inspiração Editora Landmark lança edição original em formato bilíngue BIOGRAFIA Frankenstein — Editora Landmark Edição bilíngue português-inglês — 320 págs., R$ 42,00 Boris Karloff como a criatura do dr. Frankenstein no filme de 1931; no destaque, a nova edição da obra Leonardo DiCaprio irá interpretar Vladimir Putin em filme. PÁGINA A28 Sugestões de pautas, críticas e elogios: [email protected] CORREIO POPULAR Campinas, quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Caderno C: 200 anos de Frankenstein - Meu Querido Monstro

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Fábio TrindadeDA AGÊNCIA ANHANGUERA

[email protected]

Duzentos anos atrás, um clás-sico começava a nascer. Era1816, uma noite chuvosa noVerão suíço, a inglesa de 19anos Mary Shelley, obrigada aficar trancafiada em Genebrapor conta do mau tempo, ra-biscava num pedaço de papelo que se tornaria, dois anos de-pois, um mito. Inspirada, acre-dita-se, pelos contos de fantas-mas do pai, o filósofo e jorna-lista William Godwin, a mu-lher do famoso poeta inglês

Percy Bysshe Shelley apostoucom o futuro marido, presocom ela durante a chuva portrês dias, quem conseguiria es-crever o melhor enredo. Nas-ceu, então, Frankenstein, ouModerno Prometeu, um tipode obra tão surpreendente, ino-vadora e bem escrita que geradiscussões e se mantém atualaté os dias de hoje.

Esta, pelo menos, é a versãomais conhecida de como sur-giu um dos maiores clássicosde todos os tempos, que inspi-rou inúmeras outras obras lite-rárias, teatrais, cinematográfi-cas e televisivas ao longo dostempos. Diz-se também que atorturada criatura foi inspiradaem fatos reais, a partir do mis-tério que cercava o alquimistaKonrad Dippel. Ele, um cientis-ta do século 17, especula-se,realizava experiências secretase bizarras para tentar reanimaro corpo humano.

Dippel morava no casteloFrankenstein, na Alemanha, epor isso as histórias da épocadiziam que ele assinava o ter-mo “von Frankenstein” noscorpos que utilizava nas tenta-tivas de trazê-los do mundodos mortos. O fato é que nun-ca houve nenhuma citação deMary sobre o folclore KonradDippel, mas há relatos de queela teria ouvido a história justa-mente durante o tempo emque passou na Suíça. E VictorFrankenstein, convenhamos,gera comparações com Dippelsuficientes para se considerartais afirmações.

Duzentos anos se passaramdesde os primeiros rabiscos e,na verdade, pouco importa deonde veio a inspiração de Ma-ry. Afinal, Frankenstein criouum novo gênero de terror e foium marco na cultura pop oci-dental. Tanto que novas ver-sões de sua história conti-nuam a aparecer, dando osmais inusitados toques a esteimpressionante conto. Provadisso é o recente filme VictorFrankenstein, estrelado peloeterno Harry Potter, DanielRedcliffe, e o novo professorXavier da franquia X-Men, Ja-mes McAvoy.

A questão é que nem sem-pre essas inovações dão certoe o longa de Paul McGuiganfoi um fracasso, não apenasem bilheteria (teve um custode US$ 40 milhões e faturouUS$ 34,1 milhões), mas princi-palmente em críticas. O filmefoi considerado um desastre,sendo chamado pelo The NewYork Times de “raso comouma moeda de 1 centavo”.

ResgatePor essas e outras, ter acesso

ao enredo original é funda-mental. E mesmo que o filmenão tenha servido de iniciativapara a Landmark, a editora co-nhecida justamente por relan-çar clássicos acaba de colocarno mercado a primeira ver-são de Frankenstein em edi-ção comentada e bilíngue (in-glês-português).

A ideia de Mary foi concebi-da em 1816, porém, ela só foise concretizar em maio de1817, quando a inglesa finali-zou o texto e mandou para al-gumas editoras. O primeirolançamento aconteceu noano seguinte, pela editora La-ckington, Hughes, Harding,Mavor & Jones, de Londres. Aedição foi publicada anonima-mente, com 500 exemplares,em três formatos — como decostume, para a época.

O nome de Mary apareceusobre o título apenas em1822, quando a segunda edi-ção saiu, em dois volumes, pe-la editora G. and W.B. Whit-taker, graças ao estrondososucesso da peça Presunção:ou o Destino de Frankenstein,adaptada pelo dramaturgo Ri-chard Brinsley Peake.

Uma terceira edição, consi-derada mais popular, aindachegou às lojas enquanto Ma-ry era viva, em 1831. Impres-sa em apenas um volume eamplamente revista pela auto-ra para torná-la mais conser-vadora, devido à pressão daépoca, foi esta versão quetrouxe a introdução em queMary relata as circunstânciasem que a história foi concebi-da.

É, entretanto, o texto de1818 mesmo que a Landmarkresgata aos leitores, tendo co-mo brinde a introdução de1831. Ou seja, a melhor for-ma de deleitar-se com o hor-ror cru e honesto criado na-quela noite fria e chuvosa deduzentos anos atrás, esquecen-do tudo o que foi visto por aídesde então quando o assuntoé Frankenstein.

Obras inspiradas sobre o monstromais querido do terror mundial

SAIBA MAIS

SERVIÇO

� FRANKENSTEIN (1910)A primeira versão para as telonas da história de MaryShelley surgiu ainda nos primórdios do cinema. Umcurta de pouco mais de 10 minutos, dirigido por J.Searle Dawley.

� FRANKENSTEIN (1931)O filme considerado o maior clássico de Frankensteinveio 20 depois. A Universal Studios decidiu adaptar ahistória, chamou o diretor James Whale e cunhou aeterna figura do monstro com a cabeça quadrada comparafusos. A obra levou os fãs à loucura e se tornou umestrondo.

� A NOIVA DE FRANKENSTEIN (1935)O sucesso em 1931 foi tanto que, quatro anos depois,o filme ganhou uma sequência, desta vez tendo comofoco a criação de uma companheira para o monstro,com Elsa Lanchester no papel da versão feminina dacriatura. Mais uma vez, um sucesso. O longa foirefilmado em 1985, como A Prometida.

� O FILHO DE FRANKENSTEIN (1939)E já que a franquia ia de vento em popa, surgiu,novamente em um intervalo de quatro anos, O Filho deFrankenstein. O longa que fechou a trilogia daUniversal mostra o filho do Dr. Frankenstein de volta aolocal onde tudo começou, na tentativa de ressuscitar omonstro e transformá-lo numa criatura boa.

� O JOVEM FRANKENSTEIN (1974)Como a maioriados filmes desucesso,Frankensteinganhou diversassátiras, sendoconsiderada amelhor e maisengraçada delas a de 1974. O Jovem Frankensteinmostrou um doutor bastante atrapalhado e contou noelenco com os hilários Gene Wilder e Peter Boyle.

� FRANKENSTEIN DE MARY SHELLEY (1994)Considerado amelhor adaptaçãodo livro de 1818, ofilme conta com umelenco de peso:Robert De Niro napele do Monstro,Kenneth Branaghcomo o doutor eHelena Bonham Carter no papel da jovem Elizabeth.

� FRANKENWEENIE (2012)Tim Burtontambém entrouna onda emuma dasadaptações maisinusitadas dahistória de MaryShelley. Naanimação,inspirada nocurta, tambémde Burton, de 1984, o Monstro é criado por um garotoa partir do cadáver de seu cachorrinho. O públicoaprovou e o longa foi indicado ao Oscar em suacategoria.

� VICTOR FRANKENSTEIN (2015)O mais recentefilme sobre o sercriado emlaboratório temsua históriacontada a partirde Igor (DanielRadcliffe), ojovem eperturbadoassistente do dr. Frankenstein (James McAvoy, na foto)— até então, apenas um estudante de medicina.

Meu querido monstroFotos: Cedoc/RAC

/ HORROR / Criado há 200 anos por Mary Shelley, Frankenstein é fonte contínua de inspiração

Editora Landmarklança edição originalem formato bilíngue

BIOGRAFIA

Frankenstein — Editora LandmarkEdição bilíngue português-inglês — 320 págs., R$ 42,00

Boris Karloff como a criatura do dr. Frankenstein nofilme de 1931; no destaque, a nova edição da obra

Leonardo DiCaprio iráinterpretar Vladimir Putin

em filme. PÁGINA A28

Sugestões de pautas, críticas e elogios:[email protected]

CORREIO POPULARCampinas, quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016