Maria Geovania Lima Manos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA NCLEO DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM ECONOMIA MESTRADO PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E GESTO DE EMPREENDIMENTOS LOCAIS

DISSERTAO DE MESTRADO

TECNOLOGIA E INOVAO NA CADEIA PRODUTIVA SUCROENERGTICA DO ESTADO DE SERGIPE: CARACTERIZAO DO SETOR E IDENTIFICAO DOS PADRES DE INOVAO

MARIA GEOVANIA LIMA MANOS

SO CRISTVO SERGIPE BRASIL MARO, 2009

TECNOLOGIA E INOVAO NA CADEIA PRODUTIVA SUCROENERGTICA DO ESTADO DE SERGIPE: CARACTERIZAO DO SETOR E IDENTIFICAO DOS PADRES DE INOVAO

MARIA GEOVANIA LIMA MANOS

Dissertao de Mestrado apresentada ao Ncleo de Ps-Graduao e Pesquisa em Economia da Universidade Federal de Sergipe, como parte dos requisitos exigidos para a obteno do ttulo de Mestre em Desenvolvimento Regional e Gesto de Empreendimentos Locais.

ORIENTADOR: DR. RICARDO LACERDA OLIVEIRA DE MELO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E GESTO DE EMPREENDIMENTOS LOCAIS. SO CRISTVO SERGIPE 2009

COLOCAR A FICHA CATALOGRFICA FORNECIDA PELA BICEN/UFS

FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

TECNOLOGIA E INOVAO NA CADEIA PRODUTIVA SUCROENERGTICA DO ESTADO DE SERGIPE: CARACTERIZAO DO SETOR E IDENTIFICAO DOS PADRES DE INOVAO

Dissertao de Mestrado defendida por Maria Geovania Lima Manos e aprovada em ____ de maro de 2009 pela banca examinadora constituda pelos doutores:

Prof. Dr. Ricardo Lacerda Oliveira de Melo Universidade Federal de Sergipe

Dr. Antnio Dias Santiago Embrapa Tabuleiros Costeiros

Prof. Dr. Carlos Alberto da Silva Universidade Federal de Sergipe

Aos meus pais, pela simplicidade de ser o que so, dedico. v

AGRADECIMENTOSEste trabalho no poderia ter se concretizado sem o apoio dos pesquisadores da Embrapa Tabuleiros Costeiros, coordenadores do Projeto Impactos socieconmicos e ambientais e construo de cenrios em reas tradicionais e de expanso da cana-de-acar, que sempre acreditaram na relevncia desta pesquisa. Foram imprescindveis nesse processo o Dr. Edson Diogo Tavares por ter me convidado para participar das aes do projeto; o Dr. Antnio Dias Santiago por ter me proporcionado a vivncia com as unidades produtivas do Estado de Alagoas; e o Dr. Edmar Ramos de Siqueira, pois sua disponibilidade para discutir o tema, e aprender junto comigo (como ele sempre fala) sempre foi elucidativa em vrios aspectos desta pesquisa. Sem dvida, a contribuio dos gerentes e superintendentes das usinas visitadas foi de suma importncia para o conhecimento do setor sucroenergtico sergipano essncia desta pesquisa. So abertos ao dilogo e conhecem incomensuravelmente este setor que cada vez mais demonstra sua relevncia para a economia do Estado de Sergipe. Agradeo tambm aos organizadores do Mestrado em Desenvolvimento Regional e Gesto de Empreendimentos Locais. Foi o empenho destes mestres em Economia que proporcionou a oportunidade mpar para Sergipe e para cada mestrando deste curso. Finalmente temos os primeiros mestres em Economia pela Universidade Federal de Sergipe. Uma turma de amigos surpreendentemente descobertos. Aos professores tenho que agradecer pela energia dedicada a compartilhar conosco seu conhecimento. surpreendente e gratificante o dia-a-dia com vocs. Ao professor Dr. Ricardo Lacerda cabe o meu agradecimento especial. Primeiro pela confiana em mim depositada. Sabia que a minha vida profissional estava num momento de firmao e da necessidade que eu tinha de doar-lhe tempo e energia. Mesmo assim, sempre me incentivou, disse que seria possvel fazer um bom trabalho, apontou os defeitos e as qualidades, dedicou seu tempo a um tema difcil porque novo em sua abordagem e difcil tambm por ser velho em suas histrias e significncias. Por ltimo, preciso agradecer ao meu Fernando. Sem sua energia, alegria e doaes infinitas de pacincia, sabedoria e amor no teria sido to grande o meu aprendizado nesta fase de mestrado e elaborao da dissertao. vi

RESUMO

Este trabalho investiga as principais caractersticas da cadeia produtiva sucroenergtica no Estado de Sergipe focado na anlise das mudanas em sua estrutura produtiva ocorridas no perodo de 2002 a 2008, quando o setor demonstra uma retomada de crescimento. O estudo esteve amparado nos principais conceitos da abordagem neo-schumpeteriana do crescimento econmico, segundo a qual a dinmica da introduo de novas tecnologias fator preponderante de desenvolvimento. Alm de analisar o setor sucroenergtico quanto evoluo de produo e produtividade, foram abordados os fatores institucionais que marcaram o perodo de desregulamentao no Brasil, especialmente aps 1985, destacando as estruturas de PD&I formadas em torno do setor neste perodo. A representao da cadeia produtiva sucroenergtica a partir dos principais produtos que atualmente a compem permitiu destacar que sua profunda reestruturao produtiva decorreu principalmente de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, capacitao e introduo de inovaes tecnolgicas e organizacionais. Por fim, foi possvel sistematizar trs aspectos fundamentais para identificar padres de inovao no setor sucroenergtico: tipos de inovaes desenvolvidas, rotas de inovao e estratgias tecnolgicas. Estes, aplicados atual cadeia produtiva do Estado de Sergipe mostraram que sua atual estrutura passou por diversos aperfeioamentos, porm baseada na rota de inovao tecnologia embarcada e em estratgias tecnolgicas dependentes e tradicionais.

Palavras-chaves: inovao, cadeia produtiva, setor sucroenergtico, bioetanol, cana-deacar, Sergipe. vii

ABSTRACT

This paper investigates the main characteristics of the sugar-energy productive chain in the state of Sergipe focusing on the analysis of the changes in its productive structure during the period of 2002 to 2008, when the sector shows a resumption of growth. The study was supported by the main concepts of the neo-Schumpeterian approach of the economic growth, according to which the dynamics of the introduction of new technologies is a preponderant factor of development. In addition to analyzing the sugar-energy sector on the evolution of its production and productivity, the institutional aspects that marked the period of desregulation in Brazil were addressed, specially after 1985, emphasizing the RD&I (Research, development and innovation) structures established around the sector in this period. Representing the sugar-energy productive chain by the main products that it is currently composed of helped highlight that its deep productive restructuring was mainly due from research and development investments, from training and from the introduction of technological and organizational innovations. Finally, it was possible to systematize three fundamental aspects to identify patterns of innovation in the sugar-energy sector: types of innovations developed, innovation routes and technological strategies. These, applied to the present productive chain of the state of Sergipe showed that its now existing structure has gone through many improvements, although based in the innovation route capitalembodied innovations and in dependent and traditional technological strategies.

Key Words: Innovation, productive chain, sugar-energy sector, bioethanol, sugarcane, Sergipe. viii

SUMRIOPgina LISTA DE TABELAS LISTA DE QUADROS LISTA DE FIGURAS LISTA DE GRFICOS INTRODUO CAPTULO 1 INOVAO E DESENVOLVIMENTO ECONMICO 1.1 INOVAO: DEFINIO E CONCEITOS RELACIONADOS 1.2 DECISES EMPRESARIAIS E ESTRATGIAS TECNOLGICAS 1.2.1 TIPOLOGIA DE ESTRATGIAS TECNOLGICAS DE FREEMAN 1.2.2 PADRES DE INOVAO E ESTRATGIAS TECNOLGICAS EMPRESARIAIS CAPTULO 2 INOVAO NA DINMICA DA CADEIA PRODUTIVASUCROENERGTICA XI XII XIII XIV

01 07 17 21 23 27 30 30 36 40 41 51 52

2.1 CADEIAS PRODUTIVAS 2.2 COMPETITIVIDADE E NOVAO EM CADEIAS PRODUTIVAS DE BASE AGRCOLA 2.3 TECNOLOGIA E INOVAO NA CADEIA PRODUTIVA DA CANA DE ACAR 2.3.1 INOVAO DE PRODUTO E PROCESSO NAS REAS AGRCOLA E INDUSTRIAL 2.3.2 INOVAES DE GESTO 2.3.3 ATUAL ESTRUTURA DA CADEIA SUCROENERGTICA CAPTULO 3 PANORAMA DO SETOR SUCROENERGTICO BRASILEIRO: AMBIENTE INSTITUCIONAL, PRODUO E INSERO NO MERCADOINTERNACIONAL 3.1 CARACTERSTICAS DO AMBIENTE INSTITUCIONAL BRASILEIRO 3.1.1 ASPECTOS GERAIS E REGULATRIOS 3.1.2 PESQUISA, INOVAO E REDES 3.2 PRODUO NACIONAL E INSERO NO MERCADO INTERNACIONAL 3.2.1 ACAR 3.2.2 BIOENERGIA E BIOETANOL: CONSUMO INTERNO E POTENCIAL DE EXPORTAO 3.3 COMPETITIVIDADE E INTERNACIONALIZAO DA CADEIA PRODUTIVA DA CANA-DE-ACAR

55 58 57 67 78 79 87 102 113 116 124 129 134

CAPTULO 4 CARACTERIZAO DO SETOR SUCROENERGTICO DO ESTADO DE SERGIPE 4.1 CANA-DE-ACAR: PARTICIPAO SERGIPANA NA PRODUO DO NORDESTE 4.2 SERGIPE: MUNICPIOS PRODUTORES DE CANA-DE-ACAR 4.3 SERGIPE: ACAR E ETANOL NO CONTEXTO DA PRODUO REGIONAL 4.4 CARACTERSTICAS DO MERCADO LOCAL E DAS UNIDADES PRODUTIVAS DE SERGIPE ix

4.4.1 PESSOAL OCUPADO, ESCOLARIDADE, CAPACITAO E DISPONIBILIDADE DE MO-DE-OBRA 4.4.2 ESTRUTURA DE CONCORRNCIA: PRINCIPAIS PONTOS FRACOS E AMEAAS AODESEMPENHO OPERACIONAL DAS UNIDADES PRODUTIVAS

137 134 141 142

4.4.2.1 Relacionamento com rgos pblicos e estruturas de apoio pesquisa e extenso rural 4.4.2.2 Pontos fracos 4.4.3 ESTRATGIAS COMPETITIVAS: GESTO, FATORES LOCACIONAIS EINTRODUO DE INOVAES

144 145

3.4.3.1 Gesto 4.4.3.2 Origem do capital e fatores de localizao e atuao no ramo 146 4.4.4 CADEIA PRODUTIVA E PRINCIPAIS INOVAES TECNOLGICASINCORPORADAS PRODUO SUCROENERGTICA EM SERGIPE

151 152 159 170 175

4.5 INTRODUO E ROTAS DE INOVAO NO SETOR SUCROENERGTICO DO ESTADO DE SERGIPE CONSIDERAES FINAIS REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS APNDICE A FORMULRIO APLICADO EM PESQUISA DE CAMPO S UNIDADESPRODUTIVAS DO SETOR SUCROENERGTICO DO ESTADO DE SERGIPE

x

LISTA DE TABELAS Tipologia de estratgias tecnolgicas de Freeman.................................... Participao do Brasil na produo, estoque e exportaes de acar centrifugado no comrcio internacional nas safras 2006/07 a 2008/09* .. Produo mundial de bioetanol (dados em mil m) ................................. Brasil: variao do consumo interno de bioetanol (safras 2006/07 e 2007/08) ................................................................................................... Brasil: valores de referncia de oferta de etanol (2006-2017) ................. Produo sulcroalcooleira do Brasil (2006/07 2020/21) ....................... Nordeste: quantidade produzida (mil ton) de Cana-de-acar (2001/02 a 2007/08), percentual por Estado .............................................................. Nordeste e Sergipe Area e produtividade (safras 2006/07 e 2007/08) .. Sergipe: produo anual de cana-de-acar por municpio, mesmo e microrregio produtora - toneladas (2002-2007) .................................... Sergipe: produtividade municipal de cana-de-acar: anual e variao 2004/2007 (municpios produtores) ................................ Cana-de-acar: distribuio para fabricao de acar e etanol Brasil, regies e estados do Nordeste (safra 2007/08) .............. Sergipe: origem da cana-de-acar colhida (safra 2008/09) percentual ...................................................................................... Sergipe: participao percentual dos principais produtos da cana-de-acar na produo das unidades produtivas do Estado, segundo o valor da produo (safra 2008/2009)..............

Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 Tabela 10 Tabela 11 Tabela 12 Tabela 13

25 81 91 96 98 98 123 123 127 129 133 136 137

xi

LISTA DE QUADROS Subprodutos do processamento da cana-de-acar ................................. Produtos com maior valor agregado: aplicao e inovao .................... Fontes de inovaes na agroindstria sucroenergtica, a partir de 1990 Sergipe: unidades produtoras da cadeia produtiva da cana-de-acar, por municpio e microrregio ............................................................................... Agrupamento de unidades produtivas de acar e bioetanol de Sergipe (2008), segundo identificao de fatores tecnolgicos como ameaas do setor, produto obtido e poca de instalao ....................................... Sergipe: investimentos da unidades produtoras da cadeia produtiva da cana-de-acar (2008 em relao a 2002) ............................................... Sergipe: fatores de atuao do empresariado no setor sucroenergtico... Sergipe: fatores de localizao de grupos de unidades produtoras de acar e etanol.......................................................................................... Principais inovaes tecnolgicas (T) e organizacionais (O) incorporadas ao processo de produo em Sergipe no perodo de 2002 a 2008 ......................................................................................................

Quadro 1 Quadro 2 Quadro 3 Quadro 4 Quadro 5 Quadro 6 Quadro 7 Quadro 8 Quadro 9

45 47 52 126 143 144 147 148 151 154 157

Quadro 10 Sergipe: rotas de inovao utilizadas no setor sucroenergtico .............. Matriz de Freeman: estratgias tecnolgicas e funes da firma para o Quadro 11 caso do setor sucroenergtico do estado de Sergipe ...............................

xii

LISTA DE FIGURAS Ambientes das firmas: influncias sobre estratgias e padres de concorrncia................................................................................................. Resumo simplificado do processo industrial da cana-de-acar ................. Cadeia produtiva agroindustrial da cana-de-acar (produtos inovadores e ligaes com outras cadeias produtivas).......................................................

Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4

34 44 53

Mapa dos municpios sergipanos produtores de cana-de-acar.................. 126

xiii

LISTA DE GRFICOS Distribuio, por Estado, das Usinas com projetos registrados no MDL de aproveitamento do bagao da cana-de-acar para produo de energia eltrica.................................................................................... Produo mundial de cana-de-acar (2000 2007) mil ton............... Mundo e Brasil Produo de cana-de-acar: taxa de crescimento anual da produo (2000-2007) .............................................................. Brasil Produo de cana (milhes de ton) 1991 a 2008.................... Brasil - Exportao de acar (milhes de ton) 2000 a 2008 (dados anuais)..................................................................................................... Brasil: produo de acar (safras 1999/2000 2007/08) milhes de toneladas ................................................................................................. Brasil - Exportao de acar (milhes de ton) 2000 a 2008 (dados anuais) .................................................................................................... Brasil: exportao de acar (US$ bi) 2000 a 2008 ............................... Brasil - Ranking de exportao de acar por pas de destino (20062008), em milhes de ton........................................................................ Oferta de energia (%) Brasil, OECD, Mundo...................................... Matriz de Consumo Final de Energia Brasil, OECD, outros............... Distribuio da produo mundial de bioetanol (2006).......................... Brasil - Produo de bioetanol total (bilhes de litros) 2002/03 2007/08 ................................................................................................... Brasil - Exportao de etanol (bilhes de litros) 2002/03 2007/08 ..... Brasil: exportao de etanol (preos mdios US$/m) 2003/04 a 2007/08 ................................................................................................... Brasil: exportao de etanol total (US$ FOB - bilhes) 2002/03 2007/08 .................................................................................................. Brasil: principais destinos das exportaes de etanol (2005-2008) milhes de litros ..................................................................................... Brasil: estimativas de produo de etanol (projeo 2007 a 2017)......... Brasil: oferta e demanda de etanol (projeo 2007 a 2017).................... Brasil: venda de veculos 2003 a 2008 (total e lcool+flex) - mil und... Sergipe: rea plantada com cana-de-acar e percentual de participao na rea plantada do Nordeste (2002 2008) ..................... Sergipe: rea plantada com cana-de-acar e percentual de participao na rea plantada do Nordeste (2002 2008) ..................... Nordeste: produtividade anual da cana-de-acar (Estados selecionados) segundo rea plantada 2002 a 2008 ............................ Nordeste: produo de acar safras 1999/2000 2007/08 milhes de ton Sergipe Produo de acar (safras 1999/2000 2007/08) mil ton Produo de bioetanol total (bilhes de litros) 2002/03 2007/08 regies selecionadas ............................................................................... SE Produo de bioetanol total (milhes de litros) 2002/03 2007/08 .................................................................................................. xiv

Grfico 1 Grfico 2 Grfico 3 Grfico 4 Grfico 5 Grfico 6 Grfico 7 Grfico 8 Grfico 9 Grfico 10 Grfico 11 Grfico 12 Grfico 13 Grfico 14 Grfico 15 Grfico 16 Grfico 17 Grfico 18 Grfico 19 Grfico 20 Grfico 21 Grfico 22 Grfico 23 Grfico 24 Grfico 25 Grfico 26 Grfico 27

50 57 58 58 80 82 83 83 86 89 90 91 92 93 94 94 95 99 100 103 118 122 124 131 131 132 134

INTRODUO

O setor sucroalcooleiro no Brasil passou por um longo processo de desregulamentao que se acentuou a partir da segunda metade da dcada de 1980 com o enfraquecimento do Programa Nacional do lcool (Prolcool) e com a extino do Instituto do Acar e do lcool (IAA) no incio da dcada de 1990. A abertura comercial brasileira a partir deste perodo exps o setor competitividade internacional, mostrando a fragilidade financeira e tecnolgica de um nmero significativo de unidades produtivas. Por outro lado, este foi o perodo no qual algumas destas unidades e os demais elos da cadeia produtiva tiveram que alavancar uma reestruturao em busca de solidez, dinamismo e coordenao entre produtores, governo, distribuidoras de combustvel e bancos pblicos. A cadeia produtiva da cana-de-acar passou por diversas transformaes, produtivas e organizacionais, que estiveram relacionadas ao desenvolvimento tecnolgico do setor. Fator que se reafirma principalmente quando so considerados os dois subsistemas regionais de produo de cana-de-acar formados no Brasil Centro-Sul e Norte-Nordeste. Apesar de serem os mais competitivos do mundo em temos de custos (fator relevante no contexto de cadeias produtivas de commodities), os dois subsistemas do setor sucroenergtico possuem ativos especficos relacionados s condies edafo-climticas, formao de representaes privadas mais slidas (associaes, cmaras etc), parque industrial consolidado e bases de pesquisa estabelecidas. Ou seja, suas estruturas de concorrncia so diferentes. Diferente do Norte-Nordeste, o padro de concorrncia do Centro-Sul vai para alm da questo da produtividade e do custo, estendendo-se inovao de produtos e processos. 1

Para que se tenha uma compreenso do crescimento que tem ocorrido no setor sucroenergtico no pas, principalmente a partir de 2002 com a entrada macia de carros flex fluel no mercado, necessria uma abordagem ampla que leve em considerao seu contexto de reestruturao produtiva baseada no desenvolvimento tecnolgico. relevante observar aspectos como elevao da capacidade produtiva, da produtividade, crescimento da demanda e ampliao de mercados, mas imprescindvel discutir a evoluo tecnolgica do setor e suas estruturas de inovao , especialmente em seus recortes regionais ou locais. Com este objetivo, este trabalho parte do pressuposto de que para compreender as mudanas tecnolgicas e organizacionais pelas quais passaram e passam o setor sucroenergtico brasileiro, bem como o estabalecimento de diferenas regionais e locais, necessrio compreender os principais conceitos da abordagem neo-schumpeteriana do crescimento econmico. Assim, o captulo 1 apresenta os conceitos de paradigmas e trajetrias tecnolgicas, inovao, rotinas de inovao, complementariedade e cumulatividade de conhecimentos e apropriabilidade de tecnologias desenvolvidas. Discute ainda, baseado nos trabalhos de Dosi et al. (2002), Dosi (2006), Possas (1999), Mowery e Rosenberg (2005), Nelson e Winter (2005), Baptista (1997) e Cunha (1997), a correlao estreita entre paradigmas, trajetrias tecnolgicas, estruturas de mercado, padres de concorrncia, capacitao de empresas e fatores institucionais que na abordagem neo-schumpeteriana explicam os ambientes organizacionais, institucionais, tecnolgicos e competitivos nos quais a dinmica econmica constituda. Conclui-se que tais conceitos esto na base do entendimento de classificaes como padres de inovao, rotas de inovao e estratgias competitivas tecnolgicas que, por sua vez, definidos e implementados, propiciam vantagens diferenciais no processo de 2

concorrncia e balizam as decises empresariais das firmas, tomadas em ambiente de incerteza e assimetria de informao. Isto vlido tambm no mbito da cadeia produtiva. As inovaes de extenso radical ou incremental ocorridas em qualquer elo de produo podem alterar as relaes com os demais elos da cadeia produtiva, e este fator deve ser considerado desde a fase da pesquisa at o desenvolvimento final de qualquer produto ou do processo inovador. Neste sentido, a cadeia produtiva tem sido utilizada como unidade de anlise das inovaes ocorridas e seus efeitos sobre determinadas atividades econmicas. Assim, o captulo 2 traz uma definio de cadeias produtivas baseada no conceito de global commodity chain que tem foco nas relaes de poder embutidas na prpria definio de cadeia de valor, de Porter. Baseado principalmente nos trabalhos de Prochnik e Haguenauer (2001), Prochnik (2001), Keller (2008) e Farina (1999), alm de apresentar os aspectos relacionados conectividade, diversidade tecnolgica e complexidade sistmica, no captulo 2 fica evidente que a coordenao das cadeias produtivas um dos fatores mais relevantes da competitividade dinmica, ou seja, do ambiente no qual as empresas desenvolvem suas estratgias, inclusive as tecnolgicas. A cadeia produtiva , portanto, uma abordagem relevante para identificar como as mudanas tecnolgicas ocorrem e afetam um setor, ou setores da economia, principalmente entre aqueles que passaram por reestruturao produtiva baseada em mudanas tecnolgicas e institucionais. Este o caso da cadeia sucroenergtica brasileira que ao sair do cenrio de vantagens comparativas estticas (terra barata; mo-de-obra abundante e pouco qualificada; proteo do Estado) para outro totalmente dinmico baseado em vantagens competitivas, teve a necessidade de criar e renovar essas vantagens por meio de adoo de inovaes e de 3

capacitao tanto na esfera da produo nos setores agrcola e industrial, quanto na esfera organizacional. A partir dos trabalhos de Rosrio (2006), Santini et al. (2006), Waack e Neves (1998), Iel e Sebrae (2005) e Tolmasquim (2008) foi possvel destacar a relevncia da tecnologia e da inovao nas cadeias produtivas de base agrcola; identificar os fatores de inovaes na agroindstria sucroenergtica; e representar a cadeia produtiva da cana-deacar de acordo com os principais produtos e bioprodutos que atualmente a compem. Em comparao com representaes anteriores, fica claro que essa nova estrutura fruto de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, capacitao e introduo de inovaes tecnolgicas e organizacionais. O processo de formao desta nova estrutura est apresentado no captulo 3 quando trata das caractersticas do ambiente institucional fazendo dois recortes: aspectos regulatrios e estrutura de PD&I formada em torno do setor sucroenergtico com destaque para as distintas estruturas competitivas do Centro-Sul e do Norte-Nordeste do pas. E os resultados desta reestruturao, de certa forma, esto explicitados no subitem 2 deste captulo, que dimensiona a evoluo da produo, da produtividade, da demanda interna e da insero no mercado internacional de acar e bioetanol, especialmente focado no perodo ps-desregulamentao. No captulo 4 a anlise reverte-se para o setor sucroenergtico do Estado de Sergipe no perodo de 2002 a 2008. Tradicional na produo da cana-de-acar em suas microrregies do Cotinguiba e Baixo Cotinguiba, Sergipe retoma o crescimento no setor sucroenergtico a partir de 2002 com elevao da produo e a partir de 2008 com a instalao de mais duas unidades produtoras de bioetanol. Fato que demanda uma caracterizao do novo sistema produtivo sucroenergtico do Estado que se reestrutura num contexto de crescimento deste mercado em nvel nacional e internacional. 4

Aps fazer breves consideraes sobre a evoluo histrica do setor sucroalcooleiro em Sergipe e apresentar dados do perodo ps-desregulamentao referentes ao desempenho do setor para o Nordeste e para regies e municpios sergipanos produtores de cana-de-acar, partiu-se para a anlise da atual estrutura produtiva do setor sucroenergtico de Sergipe objetivo principal do captulo 4. Para tanto foram utilizados dados da pesquisa de campo aplicada presencialmente no perodo de agosto de 2008 a janeiro de 2009 em todas as unidades produtoras de acar e etanol instaladas no Estado. Utilizando-se do conjunto de conceitos estudados nos captulos 1 e 2 foi possvel elaborar uma classificao dos padres de inovao, considerando: tipos de inovao; rotas de inovao e estratgias tecnolgicas das firmas. Aplicando esta classificao anlise das unidades produtivas de Sergipe, que foram divididas em 3 grupos de acordo com o perodo de instalao da indstria e suas declaradas dificuldades de acesso tecnologia, a pesquisa de campo demonstrou que as unidades produtivas do setor sucroenergtico no desenvolvem nenhum tipo de inovao. O processo de adequao tecnolgica realizado basicamente por meio da aquisio de tecnologia embarcada e as estratgias tecnolgicas das firmas so sempre dependentes ou tradicionais. Tambm ficou evidente que a cadeia produtiva da cana-de-acar no Estado est pouco articulada estrutura de PD&I local e nacional; que as unidades produtivas no estabelecem relaes de cooperao interfimas e que os investimentos realizados neste setor em Sergipe esto baseados em fatores tradicionais de localizao. Por outro lado, apesar das limitaes tecnolgicas e da evidente disparidade entre os modelos de desenvolvimento do setor sucroenergtico do Centro-Sul e aquele no qual o sistema de produo em Sergipe est inserido, este ltimo passou por uma considervel 5

atualizao tecnolgica, principalmente via aquisio de equipamentos e introduo de algumas outras inovaes organizacionais e tecnolgicas identificadas no captulo 4. O captulo 5 foi dedicado s consideraes finais. Retoma os principais pontos tericos abordados no trabalho e apresenta de modo resumido os principais resultados das anlises do mercado sucroenergtico, os fatores institucionais que nortearam a reestruturao produtiva do setor e, principalmente, os resultados da anlise realizada para o Estado de Sergipe. Buscou-se demonstrar que existem oportunidades de articulao entre empresrios locais e governo do Estado, especialmente para soluo de problemas relacionados s estradas (escoamento da produo do campo para a indstria e desta para a comercializao) e escassez de mo-de-obra qualificada, principalmente para atividades no recorte industrial do processo de produo. Os resultados da pesquisa demonstram tambm que possvel uma articulao entre a estrutura pblica de PD&I instalada em Sergipe e as unidades produtivas, pois o setor possui demandas tecnolgicas especficas regio que dificilmente sero atendidas sem que ocorra essa integrao em nvel local.

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CAPTULO 1INOVAO E DESENVOLVIMENTO ECONMICO

A anlise neoclssica do sistema econmico, baseada nos princpios de equilbrio geral e parcial walrasiano, aborda a firma numa situao de concorrncia perfeita e ausncia de progresso tcnico. A finalidade da firma selecionar e obter produtos por meio da aquisio e transformao de insumos (incluindo conhecimento, trabalho e tecnologia) apropriados e disponveis no mercado. Pressupe-se que as tecnologias esto disponveis, os agentes podem acessar toda a informao necessria e so capazes de utiliz-las racionalmente em seus processos decisrio e produtivo no sentido de obter lucro mximo (TIGRE, 2005). O foco da anlise neoclssica essa dinmica do conjunto das firmas e suas formas de interao com as estruturas de mercado em busca do equilbrio entre oferta e demanda de fatores e produtos. Baseado na perspectiva de que o desenvolvimento econmico conseqncia da dinmica de introduo de novas tecnologias em substituio a antigas, num processo descrito como destruio criadora, sob o enfoque neo-schumpeteriano1 os objetos centrais da anlise do crescimento econmico passam a ser as mudanas tecnolgica e institucional. Considera-se que as estratgias dos agentes econmicos so influenciadas por: i) paradigmas e trajetrias tecnolgicos que delimitam as formas de concorrncia dominantes, a dinmica industrial e as estruturas de mercado; ii) restries e oportunidades estabelecidas atravs do conjunto de instituies que regulam e definem o funcionamento dos mercados e indstrias; iii) heranas da firma conjunto de ativos (tangveis e intangveis), capacitaes e1

Segundo Possas (1990), o enfoque neo-schumpeteriano do desenvolvimento econmico constitudo por duas vertentes ou abordagens: a evolucionista (R. Nelson e S. Winter so os mais citados como expoentes deste enfoque) e a vertente dos paradigmas e trajetrias tecnolgicas (C. Freeman, C. Perez, K. Pavitt, L Soete e G. Dosi destacam-se).

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rotinas que definem as possibilidades de engajamento em determinado setor e o posicionamento das firmas em relao fronteira tecnolgica (BAPTISTA, 1997). Ou seja, h relao estreita entre paradigmas, trajetrias tecnolgicas, estruturas de mercado, padres de concorrncia, capacitao das empresas e fatores institucionais. Para este enfoque, o desequilbrio parte do sistema econmico. A mudana tecnolgica a sua unidade fundamental de anlise e ocorre na firma elemento central da dinmica capitalista uma vez que abriga o processo inovador e, assim, efetiva as transformaes estruturais do capitalismo. Por outro lado, os agentes so analisados a partir de uma srie de elementos: tecnologia, poltica, padres comportamentais e caractersticas culturais. Neste contexto, no ocorre a dicotomia analtica firma versus estrutura de mercado. A anlise est focada em como as transformaes tecnolgicas nas bases produtivas (na firma) afetam a estrutura de mercado e, ao mesmo tempo, em como as estruturas de mercado afetam o comportamento das empresas, especialmente quanto s suas estratgias tecnolgicas. Neste sentido, a inovao no vista simplesmente como a criao de novos produtos ou processos tecnolgicos que saem do plano da idia e da pesquisa, passam pelo desenvolvimento e chegam ao mercado na forma de produtos ou solues tecnolgicas. As inovaes so compreendidas como as propulsoras da mudana tecnolgica, solues que elevam a eficincia tcnica, institucional ou mesmo social dos fatores de produo; uma soluo assimtrica no sentido do conhecimento e/ou da informao e que em dado momento pode at redefinir uma estrutura de mercado. Dosi e outros (2002) observam que a natureza das atividades de inovao tem vrios conceitos: regimes tecnolgicos, paradigmas, trajetrias, modelo dominante. Todavia,

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para os autores, o termo utilizado no o mais importante, mas sim utilizar-se de um conceito que capte as mais comuns caractersticas das mudanas tecnolgicas. Ao definir os conceitos de paradigmas e trajetrias tecnolgicas o autor delineia esta vertente dentro do enfoque neo-schumpeteriano. O conceito de paradigmas tecnolgicos estaria baseado em trs idias ou definies fundamentais. Inicialmente, o prprio conceito de tecnologia ampliado para alm da definio clssica de combinao de uma dada quantidade de fatores resultando em um nmero de produtos, assim como o progresso tcnico deixa de ser utilizado no sentido da mobilidade da curva de possibilidade de produo permitindo a ampliao da quantidade de bens produzidos. Tecnologia passa a ser entendida como fator determinante do modo pelo qual as mudanas tcnicas influenciam significativamente a base de conhecimento inclusive conhecimento tcito e procedimentos individuais de organizao empresarial sobre a qual est cada atividade econmica (DOSI et al., 2002; DOSI, 2006). A tecnologia seria composta por uma parte incorporada (nos equipamentos e dispositivos fsicos) e uma parte desincorporada (expertise, experincia, conhecimentos e estado-da-arte). Em outras palavras, tecnologia um conjunto de conhecimentos tcitos (prticos) e/ou tericos (aplicveis), somados a know-how, mtodos de pesquisa, de produo e organizacionais, procedimentos, experincias de sucesso e insucessos, bem como de disponibilidade de equipamentos e dispositivos fsicos (DOSI, 2006; 40). Ou, em outras palavras, o conjunto ordenado de conhecimentos cientficos ou empricos utilizados na produo de bens ou servios na atividade econmica organizada (SABATO, 1972: 15, apud CASTRO et al., 2002). A segunda idia fundamental refere-se ao fato de paradigmas tecnolgicos envolverem vises de como fazer as coisas, como melhorar a forma de faz-las e quais as formas, particulares e coletivas, de compartilhar o aprendizado cognitivo. 9

O terceiro aspecto destacado refere-se ao prprio conceito de paradigma tecnolgico. Segundo o autor, um paradigma tecnolgico contm prescries sobre quais direes devem ser perseguidas e quais so excludas2 no processo desenvolvimento tecnolgico. Isto porque num paradigma tecnolgico so estabelecidos quais os esforos tecnolgicos que sero realizados, qual a tecnologia material que ser empregada, quais as propriedades fsico-qumicas exploradas. Ou seja, um modelo ou padro de soluo de problemas que determinante na definio dos caminhos do progresso tcnico.paradigms often also define basic templates of artifacts and systems, which over time are progressively modified and improved. These basics artifacts can also be described in terms of some fundamental technological and economics characteristics...no in terms of inputs and production costs, but also on the basis of some salient technological features what is interesting here is that technical progress seems to display patterns and invariances in terms of these product characteristics. (DOSI et al., 2002; 11).

Assim, as decises so tomadas sob as dimenses dos equilbrios tecnolgico e econmico (qualidade do produto a ser alcanado, custos de pesquisa e de produo final). Os paradigmas tecnolgicos definem a idia de progresso tambm no sentido do aperfeioamento do equilbrio entre as dimenses tecnolgica e econmica. A partir da definio de paradigma tecnolgico o fator decisivo passa a ser por que um paradigma se sobrepe a outros e torna-se dominante, ou por que um conjunto de direcionamentos tecnolgicos que constituem um paradigma escolhido em detrimento de outros. neste ponto que se insere o conceito de trajetrias tecnolgicas. Nas palavras do autorthe notion of technological trajectories associated with the progressive realization of the innovative opportunities underlying each paradigm which can in principle be measured in terms of the changes in the fundamental techno-economic characteristics of artifacts and production processes. (idem, 2002: 11).

Ao definir qual a direo de seus esforos de desenvolvimento tecnolgico, as empresas deixam de experimentar outras possibilidades. Para Dosi (idem) as empresas ficam cegas em relao a outras possibilidades tecnolgicas que no aquelas adotadas.

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As trajetrias tecnolgicas so caminhos desenhados pelas combinaes de fatores tecnolgicos e econmicos utilizados, mas dentro de um padro de solues de problemas, de uma base tecnolgica, de um paradigma tecnolgico. As trajetrias tecnolgicas seriam, ento, conjuntos de complementariedades entre experincia, formas de conhecimento, habilidades e, segundo Possas (1999), estariam relacionadas tambm cumulatividade do conhecimento tecnolgico, visto que o grau de desenvolvimento de uma tecnologia pode influenciar o desenvolvimento de outras (impedindo ou estimulando). Dado o aspecto cumulativo do conhecimento, os avanos tecnolgicos de uma empresa ou pas podem estar relacionados posio ocupada em relao fronteira tecnolgica3 (DOSI, 2006), ou seja, em relao ao conhecimento acumulado numa dada trajetria tecnolgica. Em corroborao com a idia da abordagem evolucionista de que as trajetrias tecnolgicas seguem um caminho natural, Dosi (idem) considera que, uma vez estabelecida, a trajetria possui um impulso prprio que a conduz a movimentos correspondentes s combinaes possveis entre fatores tecnolgicos e econmicos. O progresso tcnico, dentro de um paradigma, ocorre medida que estas combinaes tornam-se mais eficientes. Assim, o progresso tcnico, ou seja, diferentes combinaes de fatores tecnolgicos e econmicos, pode levar a outras trajetrias dentro de um mesmo paradigma. Neste contexto, a influncia do elemento mercado atua medida que o conhecimento cientfico passa para a esfera da criao tecnolgica e depois para a esfera da produo (tecnologia incorporada em dispositivos e equipamentos). medida que se percorre este caminho, eleva-se a influncia da seleo do mercado sobre a determinao da trajetria

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Fronteira tecnolgica o mais alto nvel alcanado em relao a uma trajetria tecnolgica (considerando as dimenses tecnolgica e econmica). Um pas que est longe dessa fronteira dificilmente seria responsvel pelo progresso numa dada trajetria, pela migrao para uma outra trajetria ou por uma mudana de paradigma tecnolgico (DOSI, 2006).

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que dada tecnologia vai constituir. Os limites desta trajetria, todavia, continuariam definidos dentro das caractersticas do paradigma tecnolgico. Porm, quando uma trajetria est estabelecida e ganha impulso, pode ser difcil migrar para uma trajetria alternativa4 (ainda que dentro de um mesmo paradigma), mas isso depende da posio da trajetria alternativa em relao fronteira tecnolgica da original. Em outras palavras, difcil migrar para uma nova trajetria visto que preciso haver viabilidade tcnico-econmica e aceitabilidade semelhantes ou maiores que a original para justificar a migrao. Aparentemente esta abordagem descarta a possibilidade de uma trajetria alternativa, pertencente a um paradigma que no o vigente, superar a trajetria dominante. O autor afirma que quando se trata de um outro paradigma tecnolgico, ou seja, quando os esforos tecnolgicos, a tecnologia material empregada e as propriedades fsico-qumicas exploradas so outros, necessrio partir praticamente do incio da resoluo dos problemas tecnolgicos. Trata-se de outros problemas (relacionados a uma base tecnolgica diferente) e no de uma continuidade dos anteriores e por isso a trajetria original, dentro do paradigma original, tende a estar numa posio privilegiada, visto que deve ter mais eficincia na combinao de fatores tecnolgicos e econmicos que a trajetria alternativa. O prprio paradigma alternativo teria que sobrepor o primeiro para que a trajetria tecnolgica alternativa prevalecesse. Tal mudana poderia ser proporcionada por fatores econmicos, institucionais e sociais que influenciam as trajetrias e os paradigmas tecnolgicos, mas so diversos (e fortes) os limitantes dessa migrao (POSSAS, 1999).

A trajetria teria mais ou menos poder sobre as outras a depender do nmero de tecnologias excludas por esta trajetria. O autor cita como exemplo o poder das tecnologias definidas pelos equipamentos de gerao de energia com petrleo que excluiu muitas outras fontes de energia (e diversas outras tecnologias).

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Para Dosi (2006), fatores de ordem econmica, institucional e social permeiam todas as etapas entre a pesquisa e a produo e por isso influenciam a escolha das trajetrias tecnolgicas. Isto porque dada a impossibilidade de classificar as trajetrias e paradigmas exante diante das incertezas tecnolgicas e de resultados econmicos, outras questes mais especficas tornam-se mais relevantes para a definio dos caminhos tecnolgicos que so seguidos. O autor cita trs questes essenciais, de cunho qualitativo, que influenciam sobremaneira a fora, ou a superao, das trajetrias e paradigmas tecnolgicos, quais sejam: i. interesses econmicos das instituies ligadas a PD&I; ii. a histria tecnolgica destas instituies especificamente as reas de especializao na qual atuam, seu know-how tecnolgico; iii. variveis institucionais destaque para o poder pblico e programas de desenvolvimento tecnolgico. As instituies ligadas a PD&I porque se espera delas a ao de observar o mercado (oferta e demanda) tecnolgico para solues de problemas e, especialmente, porque possuem uma base de conhecimento (uma histria tecnolgica) prvio e interesses econmicos que norteiam as escolhas das reas e tcnicas de pesquisa que sero seguidas. Apesar da fora dos outros fatores, talvez as variveis institucionais sejam especialmente relevantes, visto que as estratgias tecnolgicas nacionais e o sistema nacional de inovao5 podem ser decisivos na escolha da trajetria ou mesmo do paradigma tecnolgico (DOSI, 2002). O autor destaca o caso da interveno pblica americana por meio dos programas de focalizao em semicondutores e em microcomputadores, mas so diversos os casos de interveno tambm no Brasil. Para citar dois de nosso interesse pode-se falar do apoio

Determinado pela infra-estrutura tcnico-cientfica, relaes locais entre produtores e consumidores e ainda pelas relaes institucionais e polticas de cada pas.

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biotecnologia aplicada a alimentos e o Plano Nacional de Agroenergia focado no aprimoramento da produo de combustveis de base renovvel, especialmente o biocombustvel (ou agrocombustvel), com foco no etanol de cana-de-acar. Alm de delinear uma trajetria em torno dos objetivos nacionais, a interveno estatal d-se tambm via financiamento PD&I, criao e proteo de mercado (geralmente garantido pelo governo) e incentivos fiscais6. Tambm so considerados fatores importantes na determinao do rumo das inovaes a elevao da renda propiciada pela elevao da produtividade (decorrente da introduo de inovaes no sistema produtivo) com conseqente crescimento da economia (BAPTISTA, 1997) e o conjunto de valores sociais (MOWERY; ROSENBERG, 2005). Uma sociedade com renda elevada e valores individualistas seguir caminhos tecnolgicos diferentes de uma outra na qual esta combinao seja diferente, destacam os autores. Em outras palavras, diferentes nveis de renda e modos de vida da sociedade geram mercados potenciais, modificam o padro de lucratividade e o desenvolvimento das inovaes. Embora esta seja uma afirmao contida na teoria da mudana tcnica induo pela demanda (demand-pull), parece tambm til para discusso de Dosi acerca da influncia dos fatores econmicos, institucionais e sociais sobre a determinao das trajetrias e paradigmas tecnolgicos, especificamente no que se refere aos fatores que geram a mutao tecnolgica que estimulam a inovao. Para o autor, o mecanismo de seleo pelo mercado (pela demanda) da abordagem evolucionista tem um efeito maior sobre a determinao das trajetrias e paradigmas ex-post, ou seja, quando os padres tecnolgicos selecionados pela tica da produo (da oferta) jAqui o autor se utiliza do conceito de vizinhana tecnolgica para explicar que mesmo sendo intensa a focalizao institucional numa dada tecnologia ou base tecnolgica, provocando a excluso do desenvolvimento de outras tecnologias, incontveis outras possibilidades tecnolgicas surgem, diversas inovaes e aplicabilidades da tecnologia desenvolvida ocorrem, propiciando uma espcie de concorrncia no declarada entre os paradigmas tecnolgicos.6

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determinaram o conjunto de produtos que so ofertados (e no antes), impulsionando o desenvolvimento de dada tecnologia. Mas o ambiente econmico e social afeta o desenvolvimento tecnolgico tanto exante como ex-post, selecionando a direo da mutao e, depois, selecionando entre as mutaes ocorridas. Ou seja, construindo e selecionando as trajetrias e os paradigmas tecnolgicos. O autor deixa claro ainda que nesse processo de construo da trajetria tecnolgica a oferta determina o universo de possibilidades tecnolgicas e mesmo que uma demanda (uma necessidade), no existisse a priori para funcionar como mecanismo de seleo de uma trajetria, esta demanda poderia ser criada. Em suma, o surgimento de paradigmas tecnolgicos ser sempre concomitante existncia, surgimento ou criao de necessidades, de demanda. Admite que, a longo prazo, mudanas nos preos relativos e na renda provocam reaes do lado da oferta e apesar das reaes dos produtores ocorrerem geralmente dentro de uma mesma trajetria tecnolgica, mudanas nas condies e oportunidades de mercado podem promover considervel presso sobre alguns campos tecnolgicos em direo a novas trajetrias. Nega-se, porm, que existam trajetrias tecnolgicas prontas ou instantneas diante de mudanas nas condies de mercado7. Nas palavras de Melo (2002), as mudanas tecnolgicas no surgem numa esfera prpria e depois so introduzidas no sistema econmico. Para Dosi (2006) os esforos tecnolgicos extraordinrios (para alm do progresso tcnico ao longo de uma mesma trajetria, propiciado pelas mudanas no ambiente

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Essa idia est em consonncia com o enfoque neo-schumpeteriano evolucionista que destaca a ocorrncia concomitante dos determinantes de mercado e dos efeitos da mudana tcnica sobre o processo de gerao e incorporao das inovaes.

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econmico) ocorrem por meio do desenvolvimento cientfico e da presena de algumas dificuldades encontradas na trajetria tecnolgica, na esfera da cincia ou no mercado. O que se pode observar nas discusses colocadas at o momento que h uma preocupao dos tericos do enfoque neo-schumpeteriano em buscar uma conexo mais realista entre inovao, desenvolvimento tecnolgico e setor produtivo. Isto alcanado ao levar em conta: i) as assimetrias de informao e tecnolgica entre firmas de uma mesma indstria ou setor como um fator essencial da mudana nas bases produtivas; ii) a tecnologia como instrumento interno firma na dinmica de competio do mercado; iii) a institucionalizao do processo de inovao inserindo as rotinas de inovao como parte da estratgia da firma e; iv) ao considerar a incerteza como algo tpico s decises (escolhas) que envolvem investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovao fatores que influenciam as estratgias tecnolgicas. Mas ainda possvel incluir uma quinta contribuio do enfoque neoschumpeteriano: os fatores sociais e institucionais destacados permitem inserir na discusso acerca da construo e seleo das trajetrias tecnolgicas, as mudanas ocorridas no ambiente (institucional, social) onde se constitui a relao entre oferta e demanda. Escassez e/ou elevao do preo de um insumo-base para economia a exemplo do petrleo ou uma mudana de comportamento do consumidor em relao ao meio ambiente (conscincia ecolgica) podem alterar preferncias, criar necessidades e regulamentaes que redesenhem o paradigma na produo de mquinas, equipamentos e bens de consumo, ou estimulem a (re) descoberta de insumos alternativos como o caso dos biocombustveis. Fato que, dentro do paradigma dos combustveis lquidos, alteraria a trajetria tecnolgica atualmente baseada nos combustveis fsseis (de origem no renovvel) e migraria para os combustveis renovveis.

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1.1. INOVAO: DEFINIO E CONCEITOS RELACIONADOS

O conceito de inovao pode ser entendido por meio da definio dos cinco tipos destacados por Schumpeter (1982): novos produtos ou incrementos significativos em produtos existentes (inovao tecnolgica de produto); novos processos ou mtodos de produo8 (inovao tecnolgica de processo); novos mercados9; novas fontes de recursos; novos arranjos ou mtodos organizacionais (inovaes organizacionais). Um novo produto ou processo pode significar novos mercados; um produto diferenciado, impactar positivamente a demanda; um novo processo ou um novo arranjo organizacional podem reduzir custos e preos. Em suma, o objetivo fim da firma que desenvolve ou implementa uma inovao a melhoria do seu desempenho econmicofinanceiro. Em outras palavras, as firmas esto procura da assimetria, do diferencial inovador que produz o lucro (CUNHA, 1997), j que a inovao uma inveno qual o mercado atribui, alm do valor de uso, um valor de troca. Considera-se que o processo inovativo possui trs fases seqenciais: inveno, inovao10 e difuso (ou uso, introduo da inovao no processo produtivo). Esta ltima fase tem ganhado destaque no atual cenrio competitivo das firmas no qual a inovao cada vez mais reconhecida como um dos principais fatores de competitividade das empresas, um diferencial na defesa de seu mark-up (ao reativa) ou na sua ampliao (ao pr-ativa).

Pode no ser um mtodo necessariamente novo, mas, por exemplo, que ainda no tenha utilizado em um dado ramo da indstria. Relacionado comercializao de um novo bem com o qual os consumidores no estejam familiarizados, ou com um novo padro de qualidade. A inovao um fenmeno essencialmente econmico no sentido da comercializao de um novo produto ou implementao de um novo processo, enquanto a inveno est relacionada obteno de novas combinaes eficientes a partir de recursos existentes (o que a diferencia tambm de descoberta).10 9

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Neste contexto, proteger a exclusividade do uso da inovao no processo produtivo tambm se torna cada vez mais importante para que a empresa possa exercer sua vantagem por desenvolver ou implementar uma inovao antes das concorrentes11. Apesar de o processo inovativo estar completo somente quando a inveno colocada no mercado, ele no est condicionado ao patenteamento ou registro da inovao12. Sob o enfoque neo-schumpeteriano a inovao envolve muitos outros elementos alm de inveno e patente. No necessariamente porque na perspectiva schumpeteriana, como consta em OECD (2005), h uma tendncia de interpretar a inovao como um experimento de mercado e a procurar mudanas amplas e extensivas que reestruturam fundamentalmente indstrias e mercados (p. 37); mas porque o processo de produo tecnolgica, como afirma Dosi (2002), estreitamente relacionado aos processos de aprendizagem (das firmas e dos pases), de acmulo de conhecimento e s condies de apropriabilidade das tecnologias desenvolvidas. E cada inovao tecnolgica possui um grau de apropriabilidade, ou seja, a firma inovadora, a depender do tipo de inovao, tem maiores ou menores possibilidades de limitar o acesso e a reproduo tanto do elemento novo quanto do conhecimento embutido nele, por terceiros.

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Tal proteo ocorre por meio de ttulos de propriedade intelectual, concedidos diante do cumprimento de algumas regras e procedimentos: patente de inveno ou de modelo utilidade de processo ou produto; certificado de desenvolvimento de cultivar; registro para obras protegidas pelos direitos autorais como softwares, marcas, indicaes geogrficas (PIMENTEL, mimeo).

Mesmo assim, a patente tem sido uma varivel utilizada na medio da relao entre inovao e crescimento econmico, dada sua objetividade. A patente um ttulo de propriedade intelectual de invenes (combinaes e transformaes de elementos pr-existentes) ou de elaborao e melhoria de modelos de utilidade de processos ou produtos (Lei n 9.279, de 14/5/1996 lei de patentes). determinada pela presena de inventividade, novidade e possibilidade de colocao de produto no mercado fatores que tm definido tambm o termo inovao, inclusive na lei brasileira (Lei n 10.973 de 02 de dezembro de 2004), conhecida como Lei da Inovao.

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Quanto maior o acmulo de conhecimento necessrio para se obter dada inovao13, maior seu grau de apropriabilidade, mais limitado o acesso e a reprodutibilidade da inovao, evitando o que na literatura conhecido como free rider. Em outras palavras, a proteo da propriedade intelectual pelo uso das leis no , necessariamente, o mais relevante fator restritivo aos free riders. Cumulatividade e apropriabilidade podem ser decisivos, apesar de o ttulo de propriedade intelectual ter seu lugar enquanto estmulo inovao pela gerao de direitos financeiros como tambm por limitar o uso de dada tecnologia garantindo a realizao de vantagens competitivas. Alm disso, conforme destaca Baptista (1997), os ativos mais estratgicos (conhecimento e tecnologia)14 no sentido de propiciarem vantagens diferenciais no processo de concorrncia, no so os nicos relevantes. Aqueles complementares, referentes fabricao, distribuio, marketing e comercializao, tambm exigem o conhecimento sobre tecnologias complementares que podem constituir-se vantagens competitivas, dependendo da sua generalidade e reprodutibilidade (que mais uma vez dependem do carter tcito do aprendizado da firma). Assim, to ou mais importantes do que invenes e patentes para o crescimento econmico so os processos de imitao, engenharia reversa, adoo de inovao por meio de aquisio de equipamentos15 (capitalembodied innovations ou tecnologia embarcada), learning by doing e learning by using e as inovaes organizacionais que tendem a ocorrer

O que leva ao conceito de cumulatividade, ou seja, conhecimentos cientfico e tcito especficos firma e decisivos no processo de desenvolvimento de inovaes (CUNHA, 1997). Quanto maior o conhecimento tcito embutido, maior a apropriabilidade da inovao pela firma inovadora. Estes ativos apresentam elevados custos de manuteno e baixa flexibilidade. So tambm os que proporcionam maiores vantagens competitivas; tm elevados custos de imitabilidade e transferibilidade, pois so fruto de processos complexos de aprendizado de forte contedo cumulativo, tcito e especfico (BAPTISTA, 1997). Santini (2006) considera tambm como adoo de inovao, no sentido amplo, a venda de um novo produto obtido de uma outra empresa.15 14

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concomitantemente a inovaes tecnolgicas (DOSI, 2002). Fatores que, na perspectiva da firma, tambm ampliam a sua competitividade. Diante do exposto, cabe destacar que este trabalho abordar o termo inovao no sentido amplo, considerando a adoo de inovaes nas formas apresentadas acima, e no somente no sentido da inveno e patente, (ou registro ou certificado), obtidos pela prpria firma. Far uso tambm da definio das duas rotas de inovao expressas em Santini et al. (2006), bem como de suas combinaes: a) adoo (ou inovao como difuso): aquisio de novos equipamentos, produtos ou processos de fontes externas empresa; b) esforo inventivo: atividades criativas da empresa para desenvolver ou melhorar produtos, processos ou servios ou ainda para criar adaptaes de inovaes s necessidades da empresa. Os resultados dos esforos inventivos podem resultar em inovaes incrementais ou inovaes radicais, fatores que definem a extenso da mudana tcnica. Segundo Freeman (1994, apud Santini, idem) as inovaes incrementais referem-se a melhorias em produtos processos, organizaes ou sistemas de produo j existentes. So inovaes mais comuns, freqentes e contnuas, apesar de sua adoo depender da propenso de cada indstria ou firma a inovar. As inovaes radicais so menos comuns, pois para implementar uma inovao radical, que implica em algo novo e no compatvel com a estrutura tecnolgica predominante constituda, ou seja, novas bases de produo tambm precisam ser implementadas e demandam mudanas estruturais na economia. Muitas vezes inovaes radicais (ou revolucionrias) resultam em avanos significativos do conhecimento. A extenso da mudana tcnica (incremental ou radical) tambm pode estar relacionada influncia do paradigma j existente. Inovaes incrementais ocorrem dentro de um mesmo paradigma, num processo de melhoramento de produtos e tcnicas; j a inovao radical est associada a inovaes de produtos, processos e avanos no conhecimento, 20

implicando na introduo de novas bases de produo (SANTINI et al., 2006), ou seja, muitas vezes conduzido a novos paradigmas tecnolgicos. Mas em nvel da firma, lcus da acumulao tecnolgica e econmica, as taxas e as escolhas de investimento em PD&I, assim como a capacidade de aprendizagem e seu conhecimento acumulado, talvez sejam os fatores mais relevantes (e que variam de um setor para o outro a depender do nvel tecnolgico no qual a firma compete). De toda forma, a inovao, nos termos definidos acima, constitui-se numa vantagem competitiva que ser mais bem aproveitada no mbito interno firma a depender da sua capacidade de gerir o seu processo de desenvolvimento tecnolgico e de implementar estratgias de inovao. Essas estratgias so respostas das firmas ao conjunto de condies do meio competitivo inerentes a uma estrutura de mercado, porm levando-se em considerao as especificidades dos paradigmas e trajetrias tecnolgicas at ento vigentes (MATOS; MATOS, 1998).

1.2 DECISES EMPRESARIAIS E ESTRATGIAS TECNOLGICAS

Os dois pontos principais de rompimento dos autores evolucionistas do enfoque neo-schumpeteriano com o referencial ortodoxo dizem respeito aos pressupostos do equilbrio esttico e maximizao dos lucros. Os autores defendem que os processos de deciso das empresas no possuem fora suficiente para desencadear uma srie de reaes capaz de gerar algum equilbrio para firma e menos ainda de corrigir as falhas de mercado (POSSAS, 1990). O desequilbrio e as assimetrias so considerados fatores essenciais da mudana nas bases produtivas que, por sua vez, afetam as estruturas de mercado.

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Assim, as decises empresariais so tomadas em ambiente de incerteza16 seja porque as informaes no esto disponveis em volume e qualidade ilimitados ou sem custos, porque os agentes tm capacidade limitada de sistematizar e utilizar a informao disponvel, ou porque, no que se refere mudana tcnica, que afeta e afetada pelas decises das empresas e das instituies17, o futuro dos resultados est fora do alcance de quem decide, pois a deciso acontece antes do momento no qual a mudana ocorre. Sob incerteza, a otimizao nem sempre perseguida. A tendncia tentar minimizar a incerteza, assumindo um comportamento cauteloso e rotineiro, uma vez que as decises de investimento so irrevogveis a no ser que a empresa se predisponha a arcar com elevados custos ou mesmo prejuzos (POSSAS, 1997). Consequentemente, as regras de rotina18 so os procedimentos-padro do processo inovador. Mas isto no implica em resultados rotineiros. Conforme Mowery e Rosenberg (2005), o mtodo de inovao, ou seja, a operacionalizao atravs da institucionalizao

Conforme Dosi et al. (1989 apud Baptista, 1997), nos processos de inovao e difuso a ocorrncia de incerteza no est relacionada somente ao lanamento de um produto novo e, portanto, ainda no aprovado pelo mercado, mas especialmente porque cada trajetria tecnolgica (o desenvolvimento do produto, sua interao com o mercado, sua influncia sobre outras tecnologias ou sobre a demanda) no pode ser definida ex-ante. Algumas incertezas podem ser mais facilmente observadas: i. a macroeconmica que afeta o ritmo e a intensidade das atividades tecnolgicas empresariais; ii. tcnica o xito tcnico inclui diversas etapas desde a busca pela soluo tecnolgica, desenvolvimento, teste, aprovao da experincia piloto at a comercializao. Cada etapa da inovao encontra incertezas a serem superadas.16

Segundo Baptista (1997) as instituies definem os contornos gerais de regras de comportamento e das condies contextuais sob as quais ocorrem as operaes econmicas. So mecanismos de seleo ex-ante, definem o conjunto de restries s quais esto submetidas as oportunidades de mercado que poderiam ser exploradas. As macro-instituies so o Estado, os sistemas de relaes de trabalho, o sistema financeiro e o sistema legal/regulatrio; e as micro-instituies so todas as formas institucionalizadas de interao entre os agentes no mediadas diretamente pelo mercado (p.6). Estas ocorrem no interior da firma, nas relaes interfirmas de mercados ou indstrias diferentes e inter-firmas de um mesmo mercado ou indstria.18

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Regras de rotina representam definio de metas e procedimentos para identificar e incorporar meios de alcanar objetivos (MOWERY; ROSENBERG, 2005), mas no h a idia de que tal objetivo seja seguramente alcanado (POSSAS, 1990). As rotinas assumem na teoria evolucionista a funo dos genes na teoria evolucionria biolgica so caractersticas persistentes do organismo e determinam, em parte, seu comportamento (idem, 1990). Para Nelson e Winter (2005), as rotinas representam a memria das organizaes, uma forma de estocagem do conhecimento. No se tratam, portanto, de rotinas no seu sentido operacional, mas no sentido do uso do conhecimento existente no mbito organizacional. So tambm selecionveis, pois medida que so utilizadas, aquelas de resultados inferiores deixam se ser replicadas.

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(formalizao) do trabalho cientfico (ou de P&D) pode conectar o conhecimento ao mundo do produto ao definir objetivos, procedimentos e prazos para obteno de inovaes. Da o entendimento da inovao como uma forma de mutao deliberada, ou seja, as empresas criam mutaes quando inovam e este o seu objetivo na busca por novas oportunidades. Mas condies adversas tambm podem conduzir a alteraes nos processos, provocando a chamada mutao cega, no direcionada, enquanto o ambiente competitivo e o mercado selecionam as inovaes (NELSON; WINTER, 2005). Em outras palavras, a formalizao do processo de inovao dentro da empresa cria estratgias de inovao voltadas para o mercado do produto. Isto pode ocorrer por meio da introduo de rotinas tcnicas na produo ou da implantao dos departamentos de PD&I que tenham por objetivo gerenciar as aes de prospeco de demanda e de pesquisa e desenvolvimento de produtos (que sero validados ou no pelo mercado). A formao de estratgias e a definio de procedimentos de busca por inovao so aes vlidas para atividades operacionais (de curto prazo) como tambm para aes de longo prazo como investimento em PD&I. Para Possas (1990), objetivamente, o esforo inovador pode estar relacionado a uma estratgia a exemplo do reinvestimento de um percentual do faturamento em PD&I, associado a anlises de mercado, de viabilidade tcnica, de custos e demanda potencial pelo produto.

1.2.1 TIPOLOGIA DE ESTRATGIAS TECNOLGICAS DE FREEMAN

A conduo das estratgias de inovao e seus processos de gerao e difuso so, segundo Nelson e Winter (2005), influenciados tanto pela demanda19 quanto pela lgica

No sentido de que a demanda valida a trajetria tecnolgica no mercado. Os autores consideram importante nesse processo de seleo do direcionamento das inovaes as expectativas das empresas quanto eficincia de suas estratgias de P&D, bem como a absoro de suas tecnologias e produtos pelo mercado. Isto porque o foco

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interna da trajetria natural da tecnologia20. Esta lgica interna da tecnologia refere-se busca de novas oportunidades dentro do estgio de desenvolvimento tecnolgico vigente. Assim, as decises de investimento em PD&I formam uma estratgia de busca heurstica21, condicionadas por fatores econmicos (retorno esperado), tcnicos (estgio tecnolgico e oportunidades de desenvolvimento) e por atributos relacionados capacitao e s reas de competncia das empresas (POSSAS, 1990). Segundo Nelson e Winter (2005), os aspectos complementar e cumulativo, inerentes ao desenvolvimento tecnolgico, so fatores decisivos para formulao de estratgias de busca por novas oportunidades no mbito das firmas, uma vez que podem sinalizar a direo do avano tecnolgico. Para Melo (2002), a cumulatividade e a complementariedade destacam-se por ser aspectos do aprendizado tecnolgico das firmas (ou de regies e pases) e decisivos para o processo de inovao. O acmulo do conhecimento em dada atividade tem um carter tcito, alm do tcnico; inclui as capacidades individuais e, portanto, diferentes, dos agentes. essencial para o desenvolvimento econmico e, apesar de lentos e muitas vezes dispendiosos, criam as bases para a acumulao do aprendizado e capacitam as firmas a adaptarem-se s mudanas estruturais (idem, 2002). Dessa forma, impossvel dissociar estratgias de desenvolvimento tecnolgico dos investimentos em conhecimento. Um dos fatores crticos para a criao e difusodas empresas nas vendas, na rentabilidade e no financiamento dos investimentos para manter-se no processo inovador. Mas sua capacidade de perceber e antecipar-se s necessidades da demanda restrita.20

Assim com os autores que fazem a vertente dos paradigmas e trajetrias tecnolgicas, os evolucionistas (ambos do enfoque neo-schumpeteriano do desenvolvimento) negam a dicotomia entre as teorias das mudanas tcnicas induo pela demanda (demand-pull) e as teorias do impulso pela tecnologia (tecnology-push).

No sentido utilizado pelos evolucionistas, procedimentos ou estratgias de busca definidos que conduzem a inovaes. As estratgias de busca geram resultados no estritamente em torno de uma tecnologia especfica. Uma vez que pode incluir diversas reas de conhecimento no estgio inicial da pesquisa ou gerar conhecimento aplicvel a outras reas, podem abranger a chamada vizinhana tecnolgica - a complementariedade tecnolgica inerente ao processo inovador, mesmo que no este no seja o objetivo das estratgias da firma.

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tecnolgica, segundo Melo (idem), a formao de pessoas, educadas, treinadas e requalificadas e isto vlido tanto em nvel de regio ou pas, como em nvel da firma. Neste mesmo sentido, Ferrari e Toledo (2001), afirmam que a tecnologia por si no cria conhecimento ou, em outras palavras, o fato de dispor de tecnologias no torna uma empresa criadora do ativo conhecimento necessrio para manter a competitividade. Disto subtende-se que as firmas e pases devem empreitar uma busca constante pela elevao da capacidade de aprendizagem enquanto estratgia para a criao e a difuso de tecnologias, especialmente como viso de longo prazo. Estes fatores esto claros na tipologia de estratgias tecnolgicas empresariais de Freeman (1997). O autor sistematizou seis estratgias tecnolgicas a partir de variveis cientficas e tcnicas.

Tabela 1 - Tipologia de estratgias tecnolgicas de Freeman

Funes cientficas e tcnicas da firma Pesquisa bsica Pesquisa aplicada Desenvolvimento experimental Engenharia de projeto Engenharia de processo Servios tcnicos Patentes Informao tcnico-cientfica Educao/treinamento Previso de Longo Prazo/Planejamento de projeto Fonte: FREEMAN, 1997

Ofensiva 4 5 5 5 4 5 5 4 5 5

Defensiva 2 3 5 5 4 3 4 5 3 4

Estratgias tecnolgicas DepenImitativa dente 1 1 2 1 3 2 4 3 5 5 2 1 2 1 5 3 3 3 3 2

Tradicional 1 1 1 1 5 1 1 1 1 1

Oportunista 1 1 1 1 1 1 1 5 1 1

As estratgias inovadoras ofensivas exigem elevado grau de investimento em PD&I executados pela prpria firma, assim como uma qualificao tambm elevada do pessoal tcnico, contratao de consultorias externas, de pesquisas complementares, e 25

disponibilidade de sistemas de informao eficiente. Em outras palavras, para que uma estratgia ofensiva seja eficaz, necessrio haver disponibilidade de infra-estrutura cientfica e tecnolgica, assim como dispor de pessoal capacitado o suficiente para apropriar-se dos conhecimentos gerados pela empresa e externamente. As empresas que adotam as estratgias inovadoras defensivas tambm so intensivas em P&D e possuem elevado nvel de pesquisa aplicada, mas a atividade tecnolgica geralmente tem uma natureza e um ritmo diferente, pois as empresas defensivas usam essa estratgia para evitar um distanciamento tecnolgico significativo (RIBEIRO et al., 2001). Estas empresas procuram inicialmente aprender com os erros das inovadoras originais, obtm benefcios com os mercados abertos pelas empresas ofensivas e investem mais em desenvolvimento de produtos e engenharia de processo (ou controle de qualidade). Assim como as imitativas, as empresas dependentes tambm investem em engenharia de projeto e controle de qualidade, mas direcionam poucos recursos para P&D. J as oportunistas se caracterizam pelos investimentos em informaes tcnico-cientficas objetivando tornarem-se aptas a apropriarem-se dos conhecimentos gerados pelas demais, como tambm investem em planejamento do projeto. A vantagem da ofensiva conquistar mercados formados por compradores dispostos a experimentar produtos e processos tecnologicamente novos ou aprimorados, alm de criarem um aspecto organizacional: inteligncia tecnolgica ou expertise tecnolgica fatores diferentes de know-how. E mesmo que no se convertam em inovaes, as atividades inventivas (ou de PD&I) promovem estes resultados (SANTINI et al., 2006).

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1.2.2 PADRES DE INOVAO E ESTRATGIAS TECNOLGICAS EMPRESARIAIS

A partir da reviso bibliogrfica apresentada at o momento, possvel elaborar um sistematizao de trs aspectos fundamentais para a tipificao dos padres de inovao e das estratgias tecnolgicas. Em primeiro lugar os tipos de inovao: a. inovao tecnolgica de produto novo produto; b. inovao tecnolgica de produto incremento em produto existente; c. inovao tecnolgica de processo criao de novo mtodo; d. inovao tecnolgica de processo introduo de um mtodo existente, porm novo para a indstria em anlise; e. novos mercados comercializao de um produto existente, porm novo para dado mercado; f. inovaes organizacionais novos arranjos ou mtodos organizacionais. Segundo, as rotas de inovao que podem ser seguidas pelas firmas: a. esforo inventivo para desenvolvimento de produto; b. esforo inventivo para incremento em produto existente; c. esforo inventivo para desenvolvimento de inovaes organizacionais; d. introduo de seus produtos em novos mercados; e. engenharia reversa; f. aquisio de equipamentos (tecnologia embarcada); g. adaptao de equipamentos s necessidades da empresa; h. aquisio de novos insumos; e i.aquisio de novos processos. E por fim, possvel identificar quais as aes estratgicas das firmas (ou estratgias tecnolgicas): a. investimento do percentual de faturamento em departamento de PD&I; b. investimento em engenharia de projeto; c. investimento em controle de qualidade; d. investimento em obteno de informaes tcnicas e cientficas; e. licenciamento de tecnologias (aquisio de direito de uso); f. licenciamento de tecnologias (venda do direito de uso); g. formao de alianas estratgicas com outras empresas; e h. estruturao do processo de aprendizagem (gesto do conhecimento e programa de qualificao e de capacitao continuados).

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necessrio destacar que identificar os tipos e rotas de inovao, assim como os aspectos relacionados capacidade e as estratgias das firmas em adequar-se s mudanas tcnicas, no significa dizer que existe uma receita, um caminho que determine o sucesso das estratgias inovadoras. Segundo Possas (1990), o prprio processo de gerao de inovaes no possui uma evoluo contnua e progressiva, dada a natureza incerta dos resultados das estratgias de inovao. Alm disso, as prprias trajetrias tecnolgicas esto relacionadas ao ciclo dos produtos a ela associada, denotando descontinuidade e mudana do processo de busca por inovao. Some-se ainda a existncia de incontveis possibilidades de mudana no ambiente institucional no qual esto inseridas as empresas e que podem afetar tanto suas decises de investimento quanto a trajetria tecnolgica da qual fazem parte, os processos de aprendizagem e at mesmo a importncia relativa quanto ao tipo de aprendizado que relevante obter. Por isso, as determinaes tecnolgicas (paradigmas e trajetrias) e institucionais constituem parmetros decisivos para o clculo econmico dos agentes (BAPTISTA, 1997). Portanto, esto claros os princpios da incerteza e do no-equilbrio no processo inovador de modo que tanto atributos econmicos quanto os demais relacionados trajetria tecnolgica na qual est inserida so fatores considerados nas decises de investimento de uma firma inovadora e, consequentemente, na definio de estratgias de inovao. Mas os resultados destas estratgias so validados pela estrutura de concorrncia (oferta), pelos aspectos do ambiente regulatrio (institucional) e pela demanda. Por outro lado, as empresas se utilizam de procedimentos como determinao de objetivos e metas, em vez da estratgia de maximizao do lucro, e assim as rotas de inovao e estratgias tecnolgicas so instrumentos relevantes de gesto e de competitividade. Alm disso, os resultados destes procedimentos so incertos, o que completa o conjunto dos 28

principais elementos destacados na abordagem neo-schumpeteriana, fundamentais na formulao das estratgias de gerao de inovao na firma. Assim, externamente, o ambiente institucional e o mercado tm o papel de estimular e validar as inovaes. No mbito interno firma, a inovao constitui-se numa vantagem competitiva que ser mais bem aproveitada a depender da sua capacidade de gerir o processo de desenvolvimento tecnolgico e de implementar estratgias de inovao. Isto vlido tambm no contexto da cadeia produtiva, uma vez que para uma inveno ocorrida em qualquer elo de um sistema de produo tornar-se uma inovao no sentido de sua colocao no mercado, as relaes com os demais elos da cadeia devem ser consideradas desde a fase de desenvolvimento. Alm disso, especialmente para os sistemas agroindustriais, a competitividade est relacionada capacidade de gerir o processo de desenvolvimento tecnolgico em cada um dos elos do sistema, considerando suas interconexes (WAACK, 2000, apud Castro et al., 2002). Neste sentido, a cadeia produtiva uma satisfatria ferramenta de anlise dos efeitos da inovao sobre uma atividade econmica. Alguns aspectos desta afirmativa sero tratados no item a seguir. preciso ressaltar ainda que a anlise que se segue est amparada no entendimento da abordagem construda pelas vertentes neo-schumpeterianas evolucionista e das trajetrias e paradigmas tecnolgicos, especialmente ao que diz respeito aos conceitos como rotinas de inovao, cumulatividade, complementariedade e estratgias empresariais de inovao.

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CAPTULO 2INOVAO NA DINMICA DA CADEIA PRODUTIVA SUCROENERGTICA

Baseado no que foi discutido at este ponto, sero apresentados neste captulo os principais conceitos de cadeias produtivas e a relevncia de aspectos como o sincronismo tecnolgico entre diferentes cadeias produtivas. Ou seja, como ajustes decorrentes de inovaes desenvolvidas ou aplicadas em um dos elos entre cadeias, podem influenciar setores da economia.

2.1 CADEIAS PRODUTIVAS

Diversas definies podem ser utilizadas para delinear uma cadeia produtiva. Uma definio abrangente, apesar de simplificada, est em Prochnik e Haguenauer (2001) que consideram cadeias produtivas um conjunto de etapas de transformao de diversos insumos ou o caminho percorrido pelo processo de transformao de um insumo no produto final. O foco est, portanto, na gerao do produto e no na sua distribuio apesar de, algumas vezes, a prpria produo incluir logstica de transporte. Segundo Keller (2008), as definies de cadeia de valor ou de produto (value chain, de Michael Porter) e cadeias de mercadoria (commodity chain, de Gery Gereffi) so referncias mais relevantes no estudo das firmas, principalmente no atual contexto de competio (o que no exclui a cooperao) de mercado internacional. Lanando mo de tais conceitos, o autor define cadeias de produto (ou de valor) como uma seqncia de atividades produtivas que adicionam valor a uma mercadoria (transformaes fsicas e o input de vrios produtores e servios). Esta seqncia envolve uma 30

rede de trabalho e processos de produo interligados que articulam, em ltima instncia, diversos agentes econmicos e empresas. A cadeia de valor possui quatro elos: design e desenvolvimento do produto; produo; marketing e consumo; e reciclagem. J no conceito global commodity chain o foco so as relaes de poder embutidas na prpria anlise da cadeia do valor, que pode ser local ou global (GASPARETTO, 2003). Principal representante dessa abordagem, o autor Gereffi defende que muitas cadeias so caracterizadas por uma firma ou firmas dominantes que determinam o carter total da cadeia, uma vez que se tornam responsveis pelas atividades avanadas e mais intensivas em conhecimento dentro dos links particulares e, principalmente, coordenam a interao entre os diversos links (KELLER, 2008). Este conceito est relacionado anlise de Prochnik e Haguenauer (2001), segundo os quais a integrao da produo na forma de cadeias produtivas resulta da crescente diviso do trabalho e da maior interdependncia entre os agentes econmicos que leva, por meio das presses competitivas, integrao, cooperao e articulao entre os agentes. Tais presses estariam relacionadas ao crescente fortalecimento dos elos das cadeias produtivas decorrentes da especializao nas etapas de produo. Desta forma, tornase cada vez mais essencial conhecer os processos e tecnologias aplicadas ou desenvolvidas por seus concorrentes e fornecedores e/ou clientes. Em outras palavras, essencial participar ou conhecer o processo de inovao de clientes e fornecedores dentro da cadeia. Segundo Prochnik (2001), resultados de pesquisas internacionais sobre inovao j indicam que a gerao de inovaes no sistema produtivo tem sido um trabalho cooperativo realizado dentro das cadeias produtivas. O nmero de inovaes criadas isoladamente por firmas individuais tem diminudo segundo o autor, uma caracterstica facilmente observvel na rea de C&T dado que, paralelamente 31

especializao, os problemas a ser solucionados exigem cada vez mais um nmero maior de contribuies de reas diversas do conhecimento. Alm das inovaes dentro de uma mesma cadeia produtiva, o autor cita ainda a ocorrncia de inovaes radicais que propiciam o surgimento de novas cadeias, especialmente por meio de fuses tecnolgicas com a participao, inclusive, de firmas menores. As fuses tecnolgicas do origem a novos produtos que, por sua vez, promovem o surgimento e/ou reorganizao de diversas cadeias (fornecedores, distribuidores, especificao para consumidores, proteo de propriedade industrial, entre outros). Desenvolvimentos desta natureza dificilmente ocorreriam intrafirma. Para o autor, existem trs vertentes que tentam explicar esta tendncia de reduo na criao de inovaes gestadas na firma individual: conectividade, diversidade tecnolgica e complexidade sistmica22. A abordagem de Prochnik (2001) pode ser relacionada aos conceitos de cumulatividade e complementariedade tecnolgica assinalados pela vertente evolucionista do enfoque neo-schumpeteriano do crescimento econmico, citados anteriormente. Primeiro ao enfatizar a maior complexidade da gesto da interdisciplinaridade medida que as conexes de reas complementares crescem, conforme tambm afirmam Ferrari e Toledo (2001). Depois, e principalmente, ao colocar que tais fenmenos ocorrem em nvel da cadeia

A nfase da tese da conectividade sobre a relao estabelecida entre a evoluo das cincias e da tecnologia. De modo resumido, afirma que medida que a cincia avana, os resultados de diversas reas dependem cada vez mais umas das outras para romper a fronteira do conhecimento e dar subsdios ao desenvolvimento tecnolgico. A tese da diversidade tecnolgica considera que a diversidade de campos tcnicos dentro da firma especializada e soma-se disponibilidade de tecnologias genricas como informtica, biotecnologia e novos materiais. Mas para desenvolver os diversos campos tcnicos dominados pela firma estritamente necessrio participar do processo inovador na cadeia produtiva, seja compartilhando tecnologias genricas (prprias ou de terceiros), seja integrando seu corpo tcnico-cientfico ao processo de desenvolvimento de inovao dentro da cadeia. Neste contexto de maior ligao entre clientes e fornecedores na cadeia de suplementos, as inovaes resultantes do desenvolvimento dos campos tcnicos dominados pela firma, no ocorreriam intrafirma. A vertente da complexidade sistmica complementa as outras duas ao explicar que cada vez mais os produtos tm uso sistmico e, num ambiente tecnologicamente cada vez mais complexo, cada produto deve integrar-se de forma mais gil, mais eficiente e flexvel aos demais produtos da cadeia.

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produtiva e neste contexto, utilizar as cadeias produtivas enquanto unidade de anlise para explicar a tendncia cooperao tecnolgica e inovao interfirmas e seus processos de cumulatividade e complementariedade tecnolgica. Farina (1999) coloca ainda uma outra questo acerca da utilizao da cadeia produtiva como uma unidade de anlise da dinmica de um setor, especialmente de setores agrcolas. Afirma que a coordenao das cadeias produtivas um dos fatores mais relevantes da competitividade dinmica, ou seja, do ambiente produtivo no qual as empresas desenvolvem suas estratgias. A coordenao das cadeias produtivas, segundo a autora, define o sucesso das estratgias individuais. Um exemplo de coordenao uma estratgia de segmentao do mercado baseada em qualidade do produto que,

pode exigir a utilizao de matrias primas com especificaes mais rgidas. Se a empresa no consegue obter essa especificao junto ao mercado fornecedor, ter ela mesma que produzi-las por meio de integrao vertical a montante ou ter que convencer algum fornecedor a faz-lo..., envolvendo investimentos dedicados, com elevada especificidade. Trata-se de governar a transao vertical com o objetivo de viabilizar a estratgia de concorrncia horizontal.

(FARINA, idem, p. 5).

Neste sentido, a implementao de uma estratgia por uma firma pode depender da capacidade de articular aes cooperativas com concorrentes. A autora considera que as bases do ambiente das firmas podem ser divididas em cinco recortes que determinam o processo de definio de estratgias e de alteraes de padres de concorrncia. Estes padres se alteram como respostas s mudanas institucionais (abertura comercial; incentivo proteo intelectual); tecnolgicas; do ambiente competitivo (estrutura industrial, caractersticas dos consumidores); nas estratgias individuais

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(diferenciao, preo, inovao); e na organizao de fatores como sindicatos, institutos de pesquisa. Todos esses recortes do ambiente das firmas so interligados, influenciam-se mutuamente, como pode ser observado no diagrama abaixo.

QUADRO 1 AMBIENTE ORGANIZACIONAL Organizaes corporativas Bureans Pblicos e privados Sindicatos Institutos de Pesquisa Polticas Setoriais Privadas

QUADRO 2 AMBIENTE INSTITUCIONAL Sistema Legal Tradies e costumes Sistema Poltico Regulamentaes Poltica Macroeconmica Polticas Setoriais Governamentais

QUADRO 3 AMBIENTE TECNOLGICO Paradigma tecnolgico Fase da trajetria tecnolgica

QUADRO 4 AMBIENTE COMPETITIVO Ciclo de vida da indstria Estrutura da indstria Padres de concorrncia Caracterstica do consumo

Grupos estratgicos

capacitao dos recursos produtivos internos

QUADRO 5 ESTRATGIAS INDIVIDUAIS Preo/custo Segmentao Diferenciao Inovao Crescimento Interno Crescimento por aquisio

Atributos das transaesESTRUTURAS DE GOVERNANA

QUADRO 6 DESEMPENHO (competitividade) Sobrevivncia Crescimento

RELAES SISTMICAS

Subsistemas Estratgicos

Figura 1 Ambientes das firmas: influncias sobre estratgias e padres de concorrncia. Fonte: Apud FARINA, 1999 (com adaptaes do autor)

Em poucas palavras a autora resume o esquema apresentado acima ao afirmar que a competitividade das empresas resultado de polticas pblicas, privadas, individuais e coletivas. Ou seja, a competitividade no depende exclusivamente de gesto da firma individual e tambm no so influenciadas apenas pelas suas estratgias individuais de inovao. 34

Neste contexto, as cadeias produtivas tornam-se recortes ainda mais relevantes visto que as intervenes em dados ambientes causam efeitos sistmicos nas cadeias, ou seja, a competitividade vertical (da indstria para a cadeia produtiva) afetada, mesmo que seja em graus diferentes para determinados segmentos da cadeia. Neste ltimo ponto h um maior interesse, visto que indica diversas possibilidades de pesquisa. No somente no sentido da importncia das cadeias produtivas na gerao da inovao, considerando o apresentado por Prochnik (2001), mas especialmente no sentido de obter uma unidade de anlise dos impactos dessas inovaes, a partir da observao do ambiente tecnolgico e suas interconexes, como destaca (FARINA, 1999). Em suma, possvel afirmar que a cadeia produtiva uma abordagem relevante para identificar como as mudanas tecnolgicas ocorrem e afetam um setor, ou setores econmicos; ou, ainda, como fizeram Prochnik e Haguenauer, para identificar problemas de coordenao de investimento em cadeias produtivas que chegam a afetar setores inteiros da economia. Aparentemente o estudo do desenvolvimento tecnolgico com foco nas cadeias produtivas uma via paralela literatura que tem direcionado seus estudos aos distritos industriais, clusters e arranjos produtivos locais para explicar os efeitos positivos da proximidade, coordenao e cooperao no processo de gerao de conhecimento, tecnologia e produto. Porm, o mais provvel que as abordagens se entrelacem. No que os aspectos da aglomerao sejam menos importantes para a dinmica das firmas, mas o que se pretende destacar, como o faz Prochnik (2001), que o conjunto de instituies, firmas e toda a estrutura de conhecimento e informao gerada nestes espaos geralmente so constitudos em funo de uma cadeia produtiva que pode ou no estar circunscrita a estes espaos.

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A inovao, por sua vez, tambm segue fortemente influenciada pela estrutura da cadeia produtiva, especialmente no caso das cadeias de base agrcola. O atual contexto competitivo destas cadeias pode ser elucidativo.

2.2. COMPETITIVIDADE E NOVAO EM CADEIAS PRODUTIVAS DE BASE AGRCOLA

Durante a chamada revoluo verde, iniciada na dcada de 1950, o objetivo das tecnologias desenvolvidas para o setor agrcola teve uma conotao: elevar a produtividade da agricultura, corrigindo solos, controlando doenas, desenvolvendo a aplicabilidade da irrigao e, desta forma, estimulou-se o desenvolvimento de outros setores da economia relacionados cadeia produtiva agropecuria. A questo central era produzir mais, a preos competitivos. As indstrias qumica, microeletrnica e de equipamentos tiveram um papel crucial neste modelo. Mas os limites elevao de produtividades e problemas como degradao do meio ambiente, circunscritos ao paradigma tecnolgico empregado, ensejaram a necessidade de um novo paradigma, com foco na sustentabilidade econmica, ambiental e social, recuperao de reas degradadas, explorao e consumo sustentveis dos recursos naturais, respeito e incluso das comunidades nativas (SANTINI et al., 2006). Alm disso, a abertura comercial das economias menos desenvolvidas, iniciada nos anos 1980, instaurou um novo padro de concorrncia expondo suas estruturas de competio ao mercado externo ao mesmo tempo em que os estados-nao reduziam subsdios diretos e enxugavam o sistema de apoio comercializao, garantia de preos e at mesmo de assistncia tcnica ao setor agrcola.

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Diante deste cenrio de reestruturao competitiva, tecnologia mais uma vez coube desenvolver solues para garantir ou elevar a produtividade. Porm, os objetivos tornaram-se mais amplos. A liberalizao das economias nacionais e a no sustentabilidade do paradigma tecnolgico conduziram a uma reestruturao produtiva e colocou novos desafios indstria e agropecuria num contexto de competio internacional: competitividade por fatores como qualidade, preos, diferenciao do produto e agregao de valor; crescente demanda por produtos agrcolas alimentares e, mais atualmente, para gerao de agroenergia; presses por incluso de populaes marginalizadas e fortalecimento de pequenos e mdios produtores; preservao do meio ambiente e responsabilidade social. Um caso clssico de reestruturao produtiva o da cadeia sucroalcooleira do Brasil. A desregulamentao promoveu o aumento da competitividade interna e tambm a entrada no pas de empresas transnacionais do ramo da produo de alimentos e bebidas e de energia (IEL;SEBRAE, 2005). A crescente especializao do trabalho nas cadeias produtivas, conforme discutido anteriormente, tambm tem favorecido a entrada de capital externo, principalmente no segmento industrial. So exemplos de transnacionais inseridas na cadeia produtiva sucroalcooleira (ou sucroenergtica, como tem sido chamada) no Brasil as firmas especializadas em fornecimento de ingredientes s empresas produtoras de alimentos finais, em logstica de escoamento para exportao e transporte e distribuio de combustveis. Estes recortes da cadeia produtiva receberam diversas entrantes de capital estrangeiro, principalmente aps a consolidao da abertura da economia. No atual contexto competitivo, s instituies de cincia e tecnologia (ICTs), dos setores pblico e privado, em cooperao ou de forma isolada, coube desenvolver a nova base tecnolgica necessria, novos produtos e processos (produtivos e organizacionais) para 37

superar a estagnao do crescimento do setor e acompanhar as modificaes no padro de consumo nacional e internacional (SANTINI et al., 2006). A base tecnolgica do atual modelo de produo agropecuria sustentvel a biotecnologia vegetal (animal) que objetiva adquirir sementes (animais) de elevada produtividade (precocidade), resistentes a doenas e pragas, para evitar uso de agrotxicos (produtos veterinrios), ou resistentes ao estresse hdrico e adversidades climticas para adaptao em reas de expanso de culturas (criao intensiva). Sa-se do paradigma tecnolgico da qumica fina, dentro revoluo verde, para um paradigma tecnolgico da biotecnologia, com foco na produo sustentvel. Esta abordagem aproxima-se da anlise de Possas (apud SANTINI et al., idem) ao citar que mudanas nas trajetrias e paradigmas tecnolgicos na agric