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Estudo sobre a urbanizaçao de Maricá
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Urbanização Dispersa: estudo de caso em Maricá
Werther Holzer1; Jorge Crichyno2;
Marcos de Castro Martins Bahiense3;
Flávia Maria Scali Reynaldo4
HOLZER; W. Urbanização Dispersa: estudo de caso em Maricá. In: UERJ. SEMINÁRIO NACIONAL METRÓPOLE: GOVERNO, SOCIEDADE E TERRITÓRIO: Participação social e
dinâmicas espaciais, 2007. Disponível em:
http://www.google.ca/search?hl=en&source=hp&q=Urbaniza%C3%A7%C3%A3o+Dispersa%3A+estudo+de+caso+em+Maric%C3%A1&btnG=Google+Search&aq=f&aqi=&aql=&oq=
1. Aspectos conceituais e metodológicos
Porque “urbanização dispersa”? Há cinco anos, como Grupo de Pesquisa
registrado, pesquisamos o parcelamento do solo nas áreas periurbanas do Rio
de Janeiro, em especial a Região dos Lagos, que vem atingindo taxas de
crescimento anual maiores do que cinco por cento.
O que ocorre em toda esta região, como pudemos constatar em nossas
pesquisas de campo, não pode ser tratado como um processo de
suburbanização clássico. Por exemplo, o município de Maricá, nosso estudo de
caso neste artigo, teve grandes parcelas de seu território parcelado na década
de 1950, eram extensas áreas de restinga e de brejo, com limitadas
possibilidades de acesso. Estes loteamentos não foram efetivamente ocupados
e, ainda hoje, a percentagem de lotes com edificações não passa de trinta por
1 Professor Adjunto do Departamento de Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. 2 Professor Adjunto do Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade Federal Fluminense. 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense.Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal Fluminense 4 Bolsista iniciação científica CNPq/PIBIC. Aluna da graduação da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense.
cento do total. Por este motivo, o município enfrenta os novos modos de
urbanização com um estoque de lotes vagos avaliados entre 100.000 e
150.000 unidades.
As tendências de ocupação deste enorme estoque são de difícil avaliação
quando nos remetemos a uma escala regional. Constatamos uma mancha
difusa, ao longo da rodovia que se estende de Niterói a Cabo Frio, na qual
temos dificuldade de encontrar o centro tradicional da cidade, denominada
pelos antigos moradores de “Vila de Maricá”, em contraposição aos novos
moradores, que a denominam somente de Maricá, em contraposição aos
bairros em que habitam: Itaipuaçú, ou Inoã, por exemplo.
Quando nos remetemos ao nível intra-urbano, observamos um novo e
complexo processo de urbanização, baseado em condomínios fechados;
condomínios rurais; privatização de ruas, às vezes parcelas consideráveis de
bairros; desmembramento de lotes com a construção de unidades que
adensam áreas ainda vazias; dispersão do comércio ao longo de vias
estruturais; entre outros. As interações nestas novas “comunidades”, são
determinadas pela acessibilidade e pelo controle, como definidos por Lynch
(1999)
Estas observações nos levaram a optar pela delimitação de nosso objeto de
estudo utilizando o conceito de “urbanização dispersa”, como enunciado por
Reis (2006, 40-46). Assim, seguindo o proposto pelo autor, estudamos o
fenômeno da dispersão urbana a partir da escala metropolitana e, também, na
escala do tecido urbano.
O fenômeno que observamos na região ao leste da Baia de Guanabara, e que
se estende à Região dos Lagos Fluminense, possui muitas analogias com os
observados por Reis (2006, 80-81) no Vale do Paraíba Paulista. Aqui os
extremos são Niterói e Cabo Frio, tendo como eixo principal de dispersão a
Rodovia Amaral Peixoto (RJ-106).
Esta dispersão se acentua com a duplicação gradual que vem sendo
implementada nesta rodovia há cinco anos. A superfície total desta mancha de
dispersão é muitas vezes maior que a ocupada pelos núcleos urbanos
tradicionais dos municípios envolvidos (Niterói, Maricá, Saquarema, Araruama,
Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia e Cabo Frio). Aqui, diversamente do que
ocorreu no Vale do Paraíba Paulista, mais do que o esforço estatal para
implementar indústrias, que poderiam gerar uma dispersão, foram os
loteamentos destinados a residências de veraneio que alavancaram o
processo.
Neste caso, as vantagens locacionais foram avaliadas pelos possíveis
compradores a partir de critérios bem mais subjetivos: a beleza da paisagem, a
tranqüilidade do entorno, a acessibilidade restrita, por exemplo. Aspectos
compartilhados pela segunda, e mais importante, leva de compradores, a dos
que se afastam dos problemas vivenciados cotidianamente na grande
metrópole.
Nestas áreas o parcelamento, desde o início de sua implantação, manifesta um
esgarçamento da malha urbana, sendo Maricá, atualmente, o melhor exemplo
deste fenômeno. Uma área praticamente sem centro urbano definido, com
muitas tipologias de ocupação interrompendo e interpenetrando as áreas rurais
e de reserva florestal.
Acreditamos que o estudo da urbanização dispersa deve se deter na história do
uso e ocupação do solo e nas diversas configurações morfológicas resultantes.
Exercicio que realizaremos sucintamente no próximo item, que se refere ao
nosso estudo de caso: o município de Maricá.
2. Área de estudo
Como observa Figueiredo (1952), não há no Estado do Rio de Janeiro
município que, devido ao seu sistema orográfico, esteja mais isolado do
restante de seu território do que Maricá. O município é todo cercado por
elevações consideráveis (altitudes médias de 300 m, máximas de mais de 900
m) que correm ora perpendiculares, ora paralelas à costa. O espaço por elas
delimitado se configura como extensa baixada, para onde são drenados todos
os cursos d'água que formam extenso complexo lagunar (cerca de 20 km²).
Este complexo é, por sua vez, delimitado por extenso cordão arenoso, a
restinga, que constitui uma única praia voltada para o mar aberto (45 km de
extensão).
O município possui área de 342 Km², quarenta por cento do total delimitado
como área urbana. A sede urbana situa-se praticamente no centro geométrico
do município, distando 28 km de Niterói e 46 km do Rio de Janeiro. A
população total segundo os dados do censo de 2000 do IBGE, era de 76.556
habitantes, dos quais 63.250 habitavam zonas urbanas e 13.306 zonas rurais.
A ocupação, pelos portugueses, do território que hoje denomina-se de Maricá
remonta ao final do século XVI. Desde o início se delineia uma vocação
agrícola apenas periférica. Os religiosos em suas sesmarias implantadas na
restinga concentram suas atividades na criação de gado e no cultivo de
subsistência. Nos vales situados entre as lagoas e as montanhas os sesmeiros
empreendem o cultivo, principalmente, da cana-de-açúcar.
Com a queda da produção de açúcar, a grande propriedade dá lugar a um
crescente número de pequenos proprietários e lavradores. Grandes fazendas
foram subdivididas. A abolição da escravatura modifica o modo de aproveitar
cultivar a terra no município, com incentivo ao cultivo de limão e laranja
chegando-se a implantar destilarias para o aproveitamento do óleo das cascas
de laranjas.
O momento posterior à segunda guerra mundial é marcado pela queda na
produção de cítricos, provocada por doenças e pela concorrência dos
produtores paulistas. É o fim da agricultura como fator de dinamização
econômica. A partir daí a terra, primeiramente nas áreas menos valorizadas da
restinga, depois para o interior passa a servir a outros interesses: do
parcelamento de áreas para a urbanização especulativa.
3. (Sub)urbanização: antecedentes
No Brasil, durante o período colonial, a exploração econômica da terra baseada
no latifúndio monocultor e escravagista fundamentou-se no sistema de
concessão de sesmarias, na verdade uma transposição de uma norma
reguladora do processo de distribuição de terras em Portugal para os solos
coloniais. A intenção inicial era que os sesmeiros ocupassem suas concessões
e as tornassem produtivas, consolidando, assim, o domínio português sobre o
território. Como observou Sochaczewski (2004), a plena exploração de grandes
extensões de terra demandava ampla utilização de mão-de-obra escrava, de
modo que, nessa época, a propriedade de escravos podia ser considerada
ainda mais valiosa que a da terra em si. O sistema previa que a Coroa
retomasse as áreas que considerasse abandonadas ou improdutivas, mas a
abundância de terras livres tornava desnecessário um maior rigor na aplicação
desta cláusula.
No entanto, já no final do século XVIII o descontrole na demarcação e
ocupação da terra no Brasil expunha a dificuldade em qualificar seus legítimos
proprietários. Ao mesmo tempo, a terra começava a ganhar um caráter mais
comercial, passando de meio produtor para o status de mercadoria. Com a
independência do país, em 1822, já estava evidente que era necessário
estabelecer-se uma nova política de terras.
O jogo de forças culminou com a institucionalização da propriedade privada da
terra no país pela Lei n° 601 de 1850. A “Lei de Terras”, como ficou conhecida,
estabelecia regras para a revalidação de sesmarias e outras concessões do
governo, proibindo, a partir de então, toda e qualquer aquisição de terras
devolutas que não fosse por compra. Porém, a definição e demarcação das
terras devolutas, a cargo do governo imperial, eram distorcidas de acordo com
a conveniência dos poderosos latifundiários. Assim sendo, a Lei de Terras
representou a ratificação da concentração da propriedade no Brasil,
dificultando aos pequenos sitiantes e imigrantes o acesso legal à terra
(Sochaczewski, 2004).
A crise que se abateu sobre a agricultura maricaense no final do século XIX
obrigou muitos fazendeiros a hipotecarem suas terras, que passaram às mãos
de bancos e capitalistas da cidade do Rio de Janeiro, pouco interessados em
seu aproveitamento agrícola. Com o fim do curto ciclo da fruticultura este
processo se intensificou, assim como o interesse do capital imobiliário no
município.
O rápido crescimento urbano-industrial da metrópole do Rio de Janeiro,
registrado a partir de 1945, foi acompanhado pela expansão da malha urbana
em direção às suas periferias. Ao contrário do que se observou em algumas
áreas da Baixada Fluminense, onde a suburbanização representava o
deslocamento de uma massa trabalhadora de baixa renda para longe do
valorizado núcleo metropolitano, a faixa litorânea que se estende de Maricá a
Cabo Frio foi destinada ao veraneio da emergente classe média urbana do Rio
e de Niterói.
Influenciado por novos padrões culturais, esse grupo social foi responsável
pela massificação do consumo da segunda habitação, fenômeno que se refletiu
na urbanização da Região dos Lagos fluminense na segunda metade do século
XX. As qualidades paisagísticas da região aliadas à facilidade de acesso
rodoviário definia o novo uso econômico da terra em substituição à atividade
agrícola.
Em Maricá, o capital ligado à especulação imobiliária favoreceu-se, ainda, dos
trabalhos de saneamento executados neste período pelo governo federal no
complexo lagunar do município, que permitiram o aproveitamento de
consideráveis extensões de terra antes sujeitas a inundação.
Os primeiros loteamentos residenciais no município, lançados ainda nos anos
40, eram de pequeno porte e se limitavam à periferia imediata da Vila de
Maricá. Na verdade, como identificou Martins (1986), o primeiro boom de
parcelamento da terra em Maricá ocorre no período de 1950-55. Apenas nestes
cinco anos, registrou-se o parcelamento de uma superfície de quase 29km²
(Martins, 1986). Eram loteamentos de grandes extensões (alguns com mais de
2.000.000m²), localizados em áreas pouco valorizadas na época, às margens
das lagoas e junto à praia, pelos três distritos do município.
Nesta primeira fase, a transformação de áreas rurais em loteamentos urbanos
era feita por grandes empresas loteadoras e sem qualquer estabelecimento de
regras pelo Estado, para quem eram repassados os custos relativos à infra-
estrutura e serviços básicos. Este processo resultou numa malha dispersa de
lotes envolvendo os núcleos propriamente urbanos de Maricá, sem provocar o
crescimento destes núcleos tradicionais (Martins, 1986). Apesar do sucesso
nas vendas, a imensa maioria dos lotes não foi ocupada de imediato, e assim
permaneceria por décadas. Muitos lotes haviam sido comprados como
investimento, seus proprietários ainda não pretendiam ou não tinham
condições de construir.
Os anos seguintes foram marcados pelo declínio nas atividades de
parcelamento em Maricá, reflexo do esvaziamento econômico da cidade do Rio
de Janeiro e da concentração de recursos para a criação de Brasília. Essa fase
de depressão no setor imobiliário se seguiu até o fim dos anos 60, quando a
recuperação econômica nacional permitiu que a produção de loteamentos
urbanos em Maricá recuperasse um ritmo mais acelerado.
A década de 1970 foi marcada por um novo boom de especulação sobre a
terra no município. Martins (1986) registrou o lançamento de 63 loteamentos no
período de 1970 a 1978, representando uma área fracionada de mais de
36km², predominantemente na região de Itaipuaçu e Inoã. Este ciclo de
parcelamento atingiu seu auge no ano de 1974, com a inauguração da Ponte
Rio-Niterói, responsável também pelo aumento no número de construções de
residências de veraneio nos lotes até então vazios. Boa parte da orla marítima
começou a ser mais rapidamente ocupada devido também à construção da
Ponte do Boqueirão que, a partir de 1976, passou a permitir a ligação viária
direta da Vila de Maricá à restinga.
Grande parte da receita municipal nesse período era derivada do imposto
territorial urbano. Apesar de ainda resistir na faixa norte do município, a
agricultura ia aos poucos sendo substituída pela criação de gado, de forma a
aguardar uma futura valorização dessas terras.
Comparativamente a outros municípios da Região dos Lagos (como Cabo
Frio), Maricá era até então uma região de veraneio de menor status,
freqüentada, em geral, por uma população de poder aquisitivo relativamente
mais baixo. A diminuição do tempo de viagem até o Rio de Janeiro, via Ponte
Rio-Niterói, para aproximadamente quarenta minutos em carro próprio, permitiu
que Maricá passasse a ser considerada uma opção de moradia para esses
veranistas.
No início dos anos 80 o município passava por uma nova fase de estagnação
no processo de parcelamento da terra, o mercado de compra e venda de lotes
havia sido atingido pela crise econômica que vivia o país. Os loteamentos
lançados já não apresentam grandes superfícies parceladas como os das
décadas anteriores. Porém, a função de subúrbio residencial reforçava-se cada
vez mais, fato registrado no crescimento da população urbana do município. O
ritmo de ocupação dos lotes tornou-se mais intenso em razão da escolha de
trabalhadores do Rio, Niterói e São Gonçalo em fixar residência em Maricá. É
nesta fase que os problemas oriundos do tipo de elaboração desses
loteamentos (infra-estrutura e serviços urbanos deficientes) começam a
mobilizar os novos moradores na reivindicação de melhores condições junto ao
Estado.
4. Urbanização dispersa
Diversamente da proposta de Goulart (2006), que analisa as diversas
possibilidades de urbanização dispersa a partir de especializações funcionais,
neste trabalho vamos apresentar algumas configurações de especializações
morfológicas. Consideramos com novas configurações morfológicas, algumas
formas recentes de parcelamento da terra como os condomínios, que em
Maricá, apresentam diversas formas de implantação resultantes das
imposições mercadológicas e de aspectos jurídicos. Deste modo, encontramos
pequenos condomínios em áreas centrais, dotados de pouca infra-estrutura de
apoio; condomínios de porte médio dispersos pelo território onde a infra-
estrutura de apoio é implantada segundo uma estratégia de venda; e,
condomínios rurais, que são implantados no INCRA não passando pela
aprovação da Prefeitura Municipal.
Contribui para este fenômeno da dispersão no município o enorme estoque de
áreas vagas, estimado pelas técnicos da prefeitura entre 100 e 150.000 lotes.
Apesar desta disponibilidade de áreas para a construção, a prefeitura municipal
tem aprovado, nos últimos seis anos, o reparcelamento destes lotes, que tem
em média área de 360 m² a 450 m². Esta interpretação errônea da legislação
vigente vem sendo aplicada de modo indiscriminado, em todo o município. A
principal conseqüência é um adensamento das áreas mais valorizadas, com
pouca consideração quanto as áreas livres disponíveis no lote e para o impacto
sobre a infra-estrutura existente, e mesmo, a que possa vir a ser oferecida no
futuro.
O Plano de Desenvolvimento Urbano (PDU) de Maricá, aprovado em 1984, não
prevê a construção de mais de uma residência por lote, ou melhor, no artigo 34
permite a construção de edículas, desde que não ocupem mais de 10% do total
do lote e que só possuam apenas 1 pavimento. Outra situação prevista no PDU
é a de formação de condomínios fechados através do remembramento de
lotes, no entanto para a ZR - 2 (por exemplo) sua área mínima será de 3.000
m², respeitadas as normas de para o Parcelamento de Terra, ou seja, devem
ser doadas áreas para a Prefeitura e previstos percentuais mínimos para áreas
de uso comum.
Em consulta a funcionários da Prefeitura fomos informados que não existe
legislação específica que regulamente este tipo de implantação. Na verdade a
Análise Técnica da PMM considera se tratarem de residências multifamiliares.
Tecnicamente residências multifamiliares são compostas por unidades
residenciais e áreas comuns agrupadas em uma única edificação, quando o
que ocorre na prática é um processo de remembramento de lotes, em geral
dois ou três, e seu posterior parcelamento com testadas menores, em torno de
oito metros, com a construção de unidades unifamiliares, de um ou dois
pavimentos, coladas na divisa e com acesso individual a partir do logradouro
público.
Este tipo de interpretação da lei beneficia apenas um pequeno grupo de
especuladores locais em detrimento de todos os cidadãos que habitam no
município, que terão que conviver com as conseqüências de uma atitude que
vai contra a boa técnica do urbanismo contemporâneo. O registro de imagens e
aerofotogrametrias mostra que a Prefeitura vem aprovando, ou legalizando,
grande número deste tipo de empreendimento.
Aparentemente este procedimento favoreceria a concentração de áreas
adensadas em pontos privilegiados, em termos de comércio e serviços
oferecidos no entorno. Um tipo de implantação que atenuaria a urbanização
dispersa. Na verdade o que pode se observar é que este procedimento vem
potencializando a urbanização dispersa no município. Diversos fatores
parecem contribuir para este quadro de dispersão: o estoque de lotes está
disperso pelo município, com maior densidade de concentração ao longo da
rodovia Amaral Peixoto e da praia, o que pode ser percebido pelos potenciais
compradores com uma vantagem locacional; o custo da terra além de baixo em
relação a outros municípios da Região Metropolitana, apresenta um certo
equilíbrio por todo o território; os compradores em potencial não trabalham no
Município, o que os leva a avaliar vantagens locacionais a partir de seus locais
de trabalho, e muitas vezes da rotina escolar das crianças, em detrimento de
uma lógica locacional onde a residência é o centro.
Outra forma de parcelamento que vem sendo implantada no município de
Maricá é a dos denominados condomínios rurais. Estes condomínios,
implantados em extensas áreas rurais bastante próximas a áreas urbanas (de 1
km a 5 km), são parcelados em lotes com metragem entre 5.000 m² e 10.000
m². Utilizando-se deste procedimento os empreendedores imobiliários ficam
isentos de submeter o parcelamento à prefeitura municipal, assim como os
proprietários dos lotes são desobrigados de submeter os projetos de
residência à aprovação pelos órgãos municipais.
Este tipo de parcelamento vem apresentando variantes bastante curiosas
como, por exemplo, a venda de áreas de reserva incorporadas aos lotes, o que
isenta o empreendedor de doar áreas públicas e repassa ao proprietário a
manutenção de áreas não edificáveis. Existe também a fórmula de
parcelamento por instrumento particular, registrado em cartório, onde o
fracionamento da propriedade é produto de um acordo entre o empreendedor e
os compradores.
Estes parcelamentos, essencialmente com características urbanas, em áreas
rurais talvez sejam os que, por sua morfologia, se enquadrem formalmente no
que pode ser definido como urbanização dispersa, apontando para novas
configurações urbano-rurais do território metropolitano.
5. Conclusões
A forma dos assentamentos, que podemos dizer genericamente estarem
sofrendo um processo de urbanização dispersa, pode ter causas bastante
diversas que devem ser analisadas em suas especificidades.
Destas constatações surge a necessidade de estudamos os modelos de
parcelamento classicamente utilizados na ocupação do litoral. O padrão
brasileiro de parcelamento do solo nas áreas litorâneas, segue, pelo menos a
partir da década de 1940 — quando começa a valorização social das áreas
praianas, e consequentemente o custo da terra aumenta progressivamente —
um padrão uniforme, que atende principalmente aos interesses dos
especuladores imobiliários. Este padrão, do parcelamento em "tabuleiro de
xadrez", com quadras retangulares, os lados menores voltados para o mar,
lotes habitualmente com 360 m², ocupa todo o nosso litoral.
Nesta concepção de parcelamento não se valoriza a paisagem em toda a sua
complexidade: restinga com diversos extratos de vegetação se justapondo e se
superpondo; diversos ambientes, lagunares, de brejos, dunas, se
interconectando de forma complexa, costões rochosos e mangues. Na verdade
adota-se um tipo de parcelamento que reduz a área a uma forma geométrica
simples, se possível um imenso retângulo, subdividido em retângulos menores,
onde a paisagem que viabiliza a venda do produto também é simplificada: a
faixa da praia (a areia apenas) e o mar.
Nesta paisagem a praia seria de domínio coletivo, o restante seria de domínio
privado, sujeito a fantasia e ao desejo intervencionista de seus proprietários, o
resultado coletivo: uma mera superposição dos desígnios e projetos individuais.
Como o poder público procura controlar estes empreendimentos?
Regulamentando tamanho mínimo de lotes, taxas de ocupação, afastamentos
e número de pavimentos. Não se interfere na concepção da ocupação da terra,
apesar de ser atribuição exclusiva do município regulamentar o uso do solo
urbano.
Estes instrumentos de regulamentação do uso do solo estão ligados a dois
grandes modelos teóricos do urbanismo: o Modelo Culturalista, nos moldes da
proposta de Howard para as Cidades-Jardim (c. 1900), configurando um núcleo
urbano concentrado, com parcelamento de terra intensivo, apesar de prever
baixa densidade de ocupação. Instrumentos de Intervenção Urbana
usualmente utilizados: Afastamentos, Taxas de ocupação, gabaritos; o Modelo
Progressista, segundo os parâmetros de Le Corbusier (c. 1930), Este modelo,
com a exceção de Brasília, vem sendo aplicado em soluções voltados para a
implantação no âmbito lote. Instrumentos de Intervenção Urbana
freqüentemente utilizados: Índices de aproveitamento de áreas, Zoneamento e
hierarquização de funções.
Surpreendentemente a proposta que mais afeta o ambiente natural com a sua
concepção de parcelamento é a de Howard. Este problema foi constatado por
Silvio Macedo (2001), que atribui a este modelo a degradação ambiental de
nossas áreas litorâneas. A baixa densidade não garante a preservação de
áreas naturais, ao contrário, ao dispersar a ocupação por uma grande parcela
de terras ela estimula a humanização excessiva do espaço, entregando as
iniciativas individuais a manutenção de suas características naturais. Para
agravar a questão, o comércio está concentrado entorno de um único espaço
verde central, o que evidentemente implica em uma área livre de uso intensivo
que dificilmente poderá ter preservada qualquer de suas características
ambientais; o comercio atacadista, por outro lado, se concentra no anel urbano
externo, já que se trata de um modelo radiocêntrico, o que implica numa
ruptura bastante radical entre o urbano e o rural. Neste modelo as áreas verdes
se limitariam delimitar os diversos espaços urbanos, grandes ilhas construídas,
o que parece comprometer a sua utilização por grande parcela da população.
Este modelo, no entanto, apresenta, ainda que embrionariamente, a idéia de
áreas de amortecimento, e de transição, entre o ambiente construído e o
ambiente natural. Esta idéia poderia ser aplicada, com bastante sucesso, no
controle à expansão ilimitada dos espaço urbanizados, seja a partir de
zoneamentos macroescalares, como os ecológico-econômicos, seja nos de
escala municipal, como os planos diretores ou planejamentos para grupos de
bairros. No entanto ele só garante a manutenção da vegetação nas franjas não
urbanizáveis, sendo previsível o seu fracasso na escala do parcelamento
quanto à proteção da vegetação ali existente.
O modelo corbusiano é mais flexível. Seu problema é a pouca adaptabilidade
ao conceito de "lote" tradicional. Se aplicarmos os conceitos corbusianos,
voltados para as soluções de problemas arquitetônicos apenas no que se
refere ao lote, seja colocando o prédio sobre pilotis ou trabalhando com
terraços-jardim, por exemplo, não teremos mais sucesso que no parcelamento
tradicional, ou seja o âmbito limitado do lote não garante que os espaços livres
e, presumidamente verdes do lote, garantam a preservação da vegetação
nativa.
Para que a aplicação do modelo corbusiano realmente atinja seus objetivos
torna-se necessário que se desenvolvam instrumentos de controle urbano que
extrapolem as limitações urbanísticas do loteamento tradicional. No caso de
Corbusier os instrumentos desenvolvidos para o controle da cidade pós-liberal,
já citados acima, assim como os chamados "instrumentos de intervenção
urbana", de cunho neo-liberal, previstos pelo estatuto da cidade por exemplo,
são inadequados para se amoldar um parcelamento onde se estimula a
concentração e a alta densidade urbana, em benefício da manutenção de
grandes áreas livres, onde a vegetação pode ser efetivamente preservada, a
partir de seu agenciamento como uma das variáveis mais importantes do
projeto urbanístico.
Uma terceira alternativa, é a aventada por Portzamparc, como uma superação
dos modelos anteriores. O arquiteto nos convida a refletir sobre o papel da
modernidade hoje, sem voltar-se para os ideais modernistas, ou mais para o
passado, mas a partir "...de uma atitude de pesquisa e questionamento sobre
as exigências de nossa época, pensar a arquitetura a partir dessa dupla
herança." (Portzamparc, 1995). A cidade é enfocada como uma mistura de
arquitetura vernácula e moderna, os prédios produzidos pelos modernistas
integrando-se ao tecido urbano tradicional. Deste modo a arquitetura não pode
ser equacionada separadamente do urbanismo. As edificações devem ser
pensadas como uma parcela da cidade, um elemento na construção coletiva da
cidade.
Este modelo exige que o parcelamento urbano seja integrado aos projetos das
diversas edificações que o compõe. Neste desenho não se dependeria apenas
de indicadores urbanos genéricos a serem seguidos, mas de instrumentos
muito mais específicos que regulariam a relação espacial, formal e funcional
entre os diversos edifícios, de modo que as fronteiras, e as interações, entre o
espaço natural e o construído poderiam ser rigorosamente determinadas.
A urbanização fragmenta o ecossistema com a formação de manchas verdes
de diferentes formas, tamanhos e graus de isolamento. Estudos científicos
(Andrade, 1967), demonstram que há uma correlação comparativa referente
ao aumento do tamanho das ilhas de vegetação, que está relacionado a uma
maior variabilidade de ambientes e a quantidade de recursos em seu interior, o
que diminui a probabilidade de extinção das espécies.
A “Teoria de Ilhas”, baseia-se na constatação de que o isolamento da ilha (ou
mancha verde) determina a taxa de colonização da mesma, ou seja, ilhas de
vegetação mais próximas da fonte de espécies são mais facilmente
colonizadas por novas espécies, aumentando sua diversidade, ou são mais
facilmente colonizadas pelas espécies que sofreram eventual extinção no local
da ilha.
A forma da mancha, segundo Goldstein (1981), é mais importante no caso das
manchas pequenas (onde a relação perímetro/área é maior). Assim, quanto
maior o perímetro em relação á área, maior também será o contato da mancha
com o ambiente urbano e poucas espécies sobrevivem nestas condições. Uma
relação menor perímetro/área implica numa grande extensão interna da
mancha verde (ilha) com condições mais naturais, o que permite a manutenção
da diversidade de espécies original da mancha. A forma circular é a que
minimiza esta relação perímetro área, são propostos outros desenhos formais,
como por exemplo formas hexagoniais, onde os lotes seriam fatias triangulares
do hexágono. Estas formas são parâmetros para nossa pesquisa.
Goldstein (1981) verificou que a tendência histórica da urbanização de dividir
os parcelamentos em lotes retangulares faz com que as manchas de
vegetação eventualmente preservadas sejam pequenas e sujeitas à
intervenção humana. Este é o caso clássico do desenho de parcelamento da
restinga em nosso litoral: lotes retangulares, 12X30 m, ou 15X30 m,
constituindo-se em quadras retangulares com média de 6 lotes voltados para a
praia; nestes casos as vias de circulação não consideram as particularidades
geológicas do terreno.
Blouin e Connor (1985), discutem a possibilidade do sistema de manchas
circulares, ou com formas equivalentes, apresentar falhas, argumentando que
ele não permitiria a manutenção do gradiente ambiental perpendicular à praia,
além de não considerar comportamentos culturais como o de cercar ou murar
os lotes, que causariam a fragmentação da mancha verde e uma grande
intervenção no centro da mesma, local de encontro das cercas.
Não faltam instrumentos para que se possa reverter esta situação. O poder
público municipal tem plenos poderes para legislar sobre o uso do solo e pode
utilizar a seu favor o “Estatuto da Cidade”, o “Gerenciamento Costeiro”, o
gerenciamento de bacias a partir da “Lei das Águas”, as leis que tratam da
preservação ambiental. Todos estes instrumentos podem gerar um novo tipo
de parcelamento em áreas ainda não ocupadas e a adequação das áreas já
parceladas às necessidades do século XXI. No entanto, em nossa pesquisa
constatamos um descompasso entre um discurso que pretende tratar algumas
questões urbanas a partir de um tratamento mais “global” como, por exemplo, o
“Projeto Orla” do Ministério do Meio Ambiente; e a ação local, que muitas vezes
ignora este tratamento voltando-se para as demandas bastante restritas dos
agentes e mercados locais. Neste embate, que costuma gerar nítidas
distorções no uso e ocupação do solo, saem perdendo os moradores e
usuários do espaço, que não tem garantida a sua sustentabilidade ambiental,
em grande parte devido a um modelo de urbanização dispersa que ignora
outras desígnios que não sejam os do mercado imobiliário.
1 Referências
Andrade, M.A.B. A Baixada Santista: aspectos geográficos. Edusp, São Paulo,
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