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07669 Cláudio Santoro e a música erudita brasileira: Uma trajetória estético- política (1940-1960). Cláudio Santoro and the Brazilian classical music: An aesthetic-politc trajectory (1940-1960). Mário André Ornaghi, Tânia da Costa Garcia (orientadora) – UNESP Campus de Franca – Faculdade de História, Direito e Serviço Social. – História – [email protected] Palavras-chave: Cláudio Santoro; Arte Engajada; Música Erudita brasileira. Keywords: Cláudio Santoro; committed art; Brazilian classic music. 1 – INTRODUÇÃO. Em 1937, chegou ao Brasil o músico refugiado alemão Hans-Joachim Koellreutter, que em 1938 começou a ensinar no Conservatório de Música do Rio de Janeiro. Em 1939 fundou o grupo Música Viva, que foi pioneiro no Brasil a propagar o método dodecafonista, técnica de composição de vanguarda criada por Schöenberg, de modo a organizar as 12 notas em uma música atonal. O grupo Música Viva teve como alguns de seus integrantes: Cláudio Santoro 1 , César Guerra-Peixe, Eunice Catunda, Edino Krieger, Luiz Heitor, Brasílio Itiberê, e Otávio Bevilácqua. Cláudio Santoro estudou um ano e meio com Koellreuter (de 1940 a 1941), que se surpreendeu ao ver seu aluno compondo com elementos provenientes do serialismo 2 e se propôs a ensiná-lo a técnica dodecafônica. Durante este tempo - por diversas influências que não necessariamente a do grupo Música Viva -, Cláudio Santoro entrou em contato com a ideologia comunista, com a qual simpatizou, tornando-se membro do PCB poucos anos depois. 1 Cláudio Santoro nasceu em Manaus (1919), e, ainda menino começou a tocar violino e piano, o que lhe valeu a atenção de seus conterrâneos e uma bolsa do governo amazonense para estudar no Rio de Janeiro, onde, aos 18 anos de idade, já era professor adjunto de violino no conservatório de música do Rio de Janeiro. Era um violinista notável, e, em 1940 começa a estudar com Koellreutter, com quem entra em contato com o método dodecafônico. 2 O serialismo surgiu como um desdobramento do dodecafonismo e é basicamente é um método de ordenação de todos os sons da escala cromática de modo que nenhuma nota tenha supremacia sobre as outras.

Mário André Ornaghi - Cláudio Santoro e a Música Erudita Brasileira Uma Trajetória Estéticopolítica [1940-1960]

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Cláudio Santoro e a Música Erudita Brasileira

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Cláudio Santoro e a música erudita brasileira: Uma trajetória estético-política (1940-1960).

Cláudio Santoro and the Brazilian classical music: An aesthetic-politc trajectory (1940-1960).

Mário André Ornaghi, Tânia da Costa Garcia (orientadora) – UNESP Campus de Franca –Faculdade de História, Direito e Serviço Social. – História – [email protected]

Palavras-chave: Cláudio Santoro; Arte Engajada; Música Erudita brasileira.

Keywords: Cláudio Santoro; committed art; Brazilian classic music.

1 – INTRODUÇÃO.

Em 1937, chegou ao Brasil o músico refugiado alemão Hans-Joachim

Koellreutter, que em 1938 começou a ensinar no Conservatório de Música do Rio de

Janeiro. Em 1939 fundou o grupo Música Viva, que foi pioneiro no Brasil a propagar o

método dodecafonista, técnica de composição de vanguarda criada por Schöenberg, de

modo a organizar as 12 notas em uma música atonal. O grupo Música Viva teve como

alguns de seus integrantes: Cláudio Santoro1, César Guerra-Peixe, Eunice Catunda,

Edino Krieger, Luiz Heitor, Brasílio Itiberê, e Otávio Bevilácqua.

Cláudio Santoro estudou um ano e meio com Koellreuter (de 1940 a 1941), que

se surpreendeu ao ver seu aluno compondo com elementos provenientes do serialismo2

e se propôs a ensiná-lo a técnica dodecafônica. Durante este tempo - por diversas

influências que não necessariamente a do grupo Música Viva -, Cláudio Santoro entrou

em contato com a ideologia comunista, com a qual simpatizou, tornando-se membro do

PCB poucos anos depois.

1 Cláudio Santoro nasceu em Manaus (1919), e, ainda menino começou a tocar violino e piano, o que lhe valeu a atenção de seus conterrâneos e uma bolsa do governo amazonense para estudar no Rio de Janeiro, onde, aos 18 anos de idade, já era professor adjunto de violino no conservatório de música do Rio de Janeiro. Era um violinista notável, e, em 1940 começa a estudar com Koellreutter, com quem entra em contato com o método dodecafônico. 2 O serialismo surgiu como um desdobramento do dodecafonismo e é basicamente é um método de ordenação de todos os sons da escala cromática de modo que nenhuma nota tenha supremacia sobre as outras.

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No campo musical, até 1948, predominaram dois movimentos de tendências

absolutamente divergentes: o movimento nacionalista, pautado na música folclórica e na

técnica contrapontística de composição, com alguns integrantes com forte identidade

com o governo Vargas; e o grupo Música Viva, baseado no uso da técnica dodecafônica

de composição, com membros de orientação política comunista que procuravam

alcançar um nacionalismo de vanguarda. Vale ressaltar que nesse período a proposta do

realismo socialista da URSS era perfeitamente compatível com as vanguardas artísticas,

e por este motivo podemos constatar a presença de músicos comunistas dentro do grupo

Música Viva.

Mas, a partir de 1948, com o Congresso de Praga, a oficialização do realismo

socialista jdanovista, e a adesão do PCB a esta orientação estética, o quadro começou a

mudar e o grupo Música Viva perdeu seus mais importantes integrantes pois, sob a

orientação estética do PC, esses músicos não poderiam mais compor utilizando técnicas

de vanguarda, mas sim técnicas mais simples que supostamente aproximassem o povo

da música que se compunha.Cláudio Santoro participou inclusive do congresso de Praga

em 1948, quando rompeu definitivamente com as técnicas dodecafônicas de

composição e aderiu ao nacionalismo musical.

O jdanovismo definiu o realismo socialista até a morte de Stálin, em março de

1953. A partir dessa data, o controle estético-ideológico do partido soviético sobre os

artistas foi diminuindo, o que resultou na retomada de estéticas modernas. Esse período

de mudanças foi caracterizado também pelo fim do movimento Música Viva em meados

dos anos 50, que já vinha perdendo seu brilho e importância desde a saída de seus mais

importantes compositores, em 1948.

Cláudio Santoro, que seguia à risca as recomendações de Moscou, com a

abertura do realismo socialista em 1953, continuou com sua produção tonal e

tipicamente brasileira. Mas, a partir da década de 1960 retoma suas composições

dodecafônicas, ainda sendo um comunista convicto, o que indica uma abertura

ideológica muito grande dentro do realismo socialista após o período Jdanovista.

2 – OBJETIVOS E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 – Objetivos

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Diante do exposto, apresentamos os seguintes objetivos:

• Estudar os conflitantes movimentos Música Viva e o movimento

nacionalista – nos seus aspectos estéticos e ideológicos;

• Entender as mudanças pelas quais passou o realismo socialista da URSS

no período abordado.

• Relacionar o Congresso de Praga (1948) e a polarização política da

guerra fria à retomada de um nacionalismo musical entre os

compositores eruditos de vanguarda no Brasil;

• Analisar o processo que levou Cláudio Santoro a abandonar o Grupo

Música Viva, aderir às regras do Jdanovismo, e mais tarde, na década de

1960, retomar o dodecafonismo em suas composições.

2.2 – Fundamentação TeóricaO conceito de “identidade nacional” de Anthony D. Smith torna-se caro para o

enfoque desta pesquisa. Segundo o autor,

“o conceito de identidade nacional só pode ser entendido com

referências às ideologias do nacionalismo e aos vínculos que o

nacionalismo estabelece com uma terra natal, um passado

supostamente verdadeiro e um legado étnico, ainda que para ter

efeito, o nacionalismo requer um passado acreditável e, de

preferência, rico” (Tradução livre)3.

Esse conceito passa por toda a nossa pesquisa, permeando toda a questão do

folclore e legado étnico nacional, e será essencial para compreendermos melhor os

músicos estudados e suas relações com o folclore musical brasileiro e sua utilização na

música erudita.

No campo dos estudos históricos relacionados à música, tomamos como

referência metodológica os trabalhos de Marcos Napolitano, em particular História e

Música, onde o autor discute a apropriação da música como objeto e fonte da história.

Referindo-se especificamente à música popular, Marcos Napolitano afirma que:

3 “...el concepto de “identidad nacional” sólo se puede entender com referencia a las ideologias del nacionalismo y a los vínculos que el nacionalismo establece com una tierra natal, un pasado putativo y um legado étnico, aunque para que logre tener efecto, el nacionalismo requiere de um pasado creíble y, de preferencia, rico”. SMITH, Anthony D. Commemorando a los muertos, inspirando a los vivos. Mapas, recuerdos y moralejas em la recreación de las identidades nacionales. Revista Mexicana de sociologia 1/98.

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“o grande desafio de todo pesquisador em música popular é

mapear as camadas de sentido embutidas numa obra musical,

bem como suas formas de inserção na sociedade e na história,

evitando, ao mesmo tempo, as simplificações e mecanicismos

analíticos que podem deturpar a natureza polissêmica e

complexa de qualquer documento de natureza estética”.4

Tal indicação metodológica é extremamente válida também para os estudos em

música erudita, pois ao se estudar esse tipo de música é igualmente necessário a

compreensão da “linguagem constituinte do documento musical”5, a fim de evitar as

simplificações acima citadas.

3 - MATERIAIS E METODOLOGIA

3.1 – Materiais.Os materiais utilizados neste projeto foram:

• Catálogo de Obras de Cláudio Santoro;

• Partituras musicais de Cláudio Santoro nos períodos abordados;

• Artigos diversos nas revistas Fundamentos e Música Viva (revistas do período

abordado que contaram com a participação de Cláudio Santoro);

3.2 – Métodologia.

Utilizaremos como fontes para esta pesquisa o catálogo de obras de Cláudio Santoro6, e

algumas de suas obras mais significativas de cada período da produção do compositor, a

fim de verificarmos as variações estéticas de seu repertório e relacioná-las às suas

mudanças político-ideológicas. Faremos uso de composições do período analisado, e

daremos enfoque para as obras: “Sonata n°1” de 1940, “Sonata n°2” de 1941, “Sonata

para violino e piano n°3” de 1947/1848, e “Canto de Amor e Paz”, de 1951. Compará-

4 NAPOLITANO, Marcos. História e Música. Coleção “História &... Reflexões”. MG: Editora Autêntica, 2005. Págs. 77-78.

5 NAPOLITANO, Marcos. História e Música. Coleção “História &... Reflexões”. MG: Editora Autêntica, 2005. Págs. 786 Ferreira, Paulo Affonso de Moura. Cláudio Santoro: Catálogo de obras. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, Departamento de Cooperação Cultural, Científica e Tecnológica, 1977.

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la-emos esteticamente, o que nos permitirá exemplificar melhor as mudanças estéticas

de Claudio Santoro.

Serão utilizadas também as revistas Fundamentos e Música Viva, nas quais

podemos encontrar artigos de Cláudio Santoro, Koellreutter, Eunice Catunda, entre

outros, nas décadas de 1940 e 1950. Segundo sua bibliografia, que consta em seu

website oficial7, Cláudio Santoro escreveu 5 artigos para essas revistas nas décadas

citadas.

4 – CONCLUSÕES.Formulamos a seguinte hipótese de trabalho: As opções estéticas de Cláudio Santoro

estão relacionadas às ideologias de esquerda e ao nacionalismo, presente este último na

música erudita desde o movimento modernista da década de 20, mas que ganha um

novo impulso após a segunda guerra mundial e a nova ordem internacional do período

da Guerra Fria.

5- Fontes e Referências bibliográficas.

5.1 - Fontes

FERREIRA, Paulo Affonso de Moura. Cláudio Santoro: Catálogo de obras. Brasília:

Ministério das Relações Exteriores, Departamento de Cooperação Cultural, Científica e

Tecnológica, 1977.

SANTORO, Cláudio. Considerações em torno da música brasileira contemporânea.

Revista Musica Viva, RJ, março, 1941.

SANTORO, Cláudio. Problemas da música contemporânea brasileira em face das

resoluções e apelo do Congresso de Compositores de Praga. Revista Fundamentos, SP,

agosto, 1948.

5.2- Discografia

GONÇALVES, Joaquim (saxofone) & SANTORO, Cláudio (regência). Canto de Amor

e Paz (Long-Play 33 1/3). Independência: LP 1001, 1954.

7 Utilizamos o website www.claudiosantoro.art.br/Santoro/bibliografia_livros.html como base para conhecermos a produção escrita sobre e pelo compositor.

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HADELICH, Valeska & SALGADO, Ney. Sonatas para violino e piano de Cláudio

Santoro (CD áudio). JHO-NC-4006, 1995.

5.2 - Referências Bibliográficas

AMARAL, Aracy A. Arte pra quê? : a preocupação social na arte brasileira 1930-1970:

subsídio para uma história social da arte no Brasil. 2° ed. São Paulo: Nobel, 1987.

CONTIER, Arnaldo Daraya. Brasil Novo. Música, nação e modernidade: os anos 20 e

30. FFCHL – USP, 1988. Tese de livre-docência.

CONTIER, Arnaldo Daraya. Utopia, música e história – Koellreutter e Jdanovismo no

Brasil.

EGG, André. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e

1950: o compositor Guerra-Peixe. UFPR, 2004. Dissertação de mestrado.

GARCIA, Tânia da Costa. O “it verde e amarelo” de Carmen Miranda (1930-1946). São

Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.

GIANI, Luiz Antonio. As trombetas anunciam o paraíso: recepção do realismo

socialista na música brasileira, 1945-1958 (da “Ode a Stalingrado” a “Rebelião em Vila

Rica”). Assis, 1999. Tese de doutoramento.

MENDES, Sérgio Nogueira. Cláudio Santoro: Serialismo dodecafonico nas obras da

primeira fase (1940-1941).

MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado (a imprensa comunista e o realismo

socialista no Brasil 1947-1953) Rio de Janeiro: J. Olympio, 1994.

NAPOLITANO, Marcos. “Para uma história cultural da música popular”. In: História e

Música. Coleção “História &... Reflexões”. MG: Editora Autêntica, 2005.

SILVA, Michelle Lauria. As sonatas para violino e piano de Cláudio Santoro: uma

abordagem estilística. 2005. Dissertação (Mestrado em Música) - Universidade Federal

de Minas Gerais.

SMITH, Anthony D. Commemorando a los muertos, inspirando a los vivos. Mapas,

recuerdos y moralejas em la recreación de las identidades nacionales. Revista Mexicana

de sociologia 1/98.

STRADA, Vittorio. Do “realismo socialista” ao Zdhanovismo. In: Hobsbawm, Eric.

História do Marxismo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983- vol9.