Mário F. dos Santos - Diálogos (verdade) (1)

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    A princ ipal personagem Pitgoras de Melo. Nasceu-meessa personagem logo s primeiras pginas de "Homens daTarde ". Nada prometia ainda minha conscincia, mas logose imps, e libertou-se de tal modo, que passou a ter uma vida

    pr pri a. E poderia dizer, sem buscar fazer paradoxos, queteve le um papel mais criador de mim mesmo que eu dele.No pautou le sua vida pela minha, mas a minha vida peladele. Eu propriamente o imito. E' quase inacreditvel isso.Mas ver dade: a personag em criou o auto r. E espantosoque foi de tal modo que at muitas das minhas experinciasfuturas fo ram vividas por le. Aconteceu-me na vida o queeu j havia escrito no meu livro. Muitas das peripc ias daminha existncia foram antecedidas por le. E essa a razopor que o respeito tanto, por que o venero. Essa exis tnc iametafsica tomo u-se real par a mim. As ideias que a personagem expunha no eram ento as minhas. Hoje, em grandeparte, so. A personagem me conquistou. Na verdade, nopude res is ti r ten tao e ao fascnio que ela exerceu sobremim.

    Pois bem, foram essas as razes por que a escolhi paraeste livro, que uma obra construtiva, e que pretende apenasser const rutiva. Estamos outra vez em face da sofstica, e

    preci samos denunci- la. Mais uma vez temos que sai r rua ,como outrora o fz Scrates, para denunciar os falsos sbios.

    O nihilismo agoniza, sem dvida, mas demorada essaagonia, e le deixa atrs de si, e sua volta, os destroos desua destruio.

    Devemos lutar pela madrugada que h de vir. E, pa ratanto, mister enfrentar os sofistas crepusculares de nossa

    poca; no receiar as trevas, e nelas penetrar.H uma nova esperana, e esta certamente no nos trair.

    MRIO FERREIRA DOS SANTOS.

    DILOGOS SOBRE A VERDADE

    E A FICO

    A proposta partira de Ricardo, a quem Pitgoras haviamanifestado seu desgosto em manter conversaes com certaspessoas, por que se cingiam a divagaes in teis, ao sabor dasassociaes de ideias mais vrias, sem que nenhum ponto fosseabordado com a necessria profundidade que se impunha. Ademais, alegara que estvamos vivendo um momento em que seimpunha viessem tona discusses sobre os mais importantes

    prob lemas , pois a confuso das ideias, a nova Babel, j se ins talara entre os homens, anunciando uma nova destruio.

    Devemos disciplinar outra vez o nosso espri to met ropol itano e tardi o, que tende sempre a tr at ar dos temas com anatural displicncia ou falta de profundidade do metropolitano.No desejo proceder desse modo, e gos tar ia de acercar-me depessoas, desejosas, como eu, de examinar com cuidado os grandes temas . Estamos s por tas do desespero, e isso se deve,em grande parte, ao esprito tardio e metropolitano que nosdomina, eminentemente mercantilista, que necessita, para so

    breviver , lanar constan temente ao mercado novos produtos,novas frmulas, novos rtulos, novas embalagens, embora oscontedos sejam os mesmos. Toda essa moderna vagabunda

    gem do esprito, atravs das mais variadas teorias e doutrinas,essas buscas desorientadas e vrias, contriburam apenas paracolocar o homem de hoje numa situao gravssima: a de sen-tir-se sem firmeza, sem cho, onde pisar com cuidado os ps,e poder depois fixar os olhos em algo que lhe oferea uma firme direco, um nort e para o seu novo caminhar. Tudo issolhe falta. E por que? Porque vagabundeou desorientadamente pelo caminho das ideias, do abstractismo dos ismos vrios,sem o cuidado de colher dessa messe imensa de doutrinas o que

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    nelas havia de positivo e fundamental, que lhe permitisse encontrar o porto seguro para as suas nsias. Por que devemosns dizia le com os olhos vivos e penetrantes voltados paraRicardo por que devemos ns repetir esse ritornello dosnossos tempos? Se temos conscincia do que se passa e eusou agora essa conscincia , e se em ns h a aceitao desse

    ponto de vis ta, por que prosseg uir assim? Por que no damos

    uma ordem s nossas conversaes e dilogos? Assim, porexemplo, como procediam os gregos?

    Pois foi assim que tudo ficou combinado. Nossas reuniesno se caracterizariam mais pela "vagabundagem das ideias",pa ra usar-se a expresso de Pit goras, mas sim pelo examecuidadoso de modo a evitar os desvios e as associaes que seafastam do tema principal e no favorecem melhor clareza ecompreenso. Ora, entr e os que tomavam par te nessas reunies vespertinas e noturnas, havia pessoas que se dedicavamao estudo da filosofia e das cincias sociais com um afincoincomum. Quase todos tin ham alguma escolaridade superior,

    mas, na verdade, todos eram autodidatas, guiados mais peloinstinto, se assim se pode chamar a essa nsia de saber e dediscutir pontos de vistas, comparar perspectivas e buscar afinalsolues par a resolver as mais srias dificuldades. E essa eraa razo por que no estavam to submetidos natural tolice,covardia ou timidez do que sofreu a marca da escolaridade, doque permaneceu nos bancos acadmicos, onde em geral se encontram mestres cuja nica preocupao assassinar no aluno ompeto realizador, criando-lhe um clima de medo insupervel deaventar uma ideia, propor uma soluo, examinar por si mesmo um problema . Esse medo tem sido a destruio de muitainteligncia, e tais esquemas inibitrios envolvem de tal modoo modo de agir de "um estudioso, que este, ao examinar matrias diversas das que cursou, onde no h a memria dasinibies e dos temores tolos dos mestres, sente-se livre, desem

    baraado e c ria . Es ta a razo por que entre as maiores mentes criadoras do mundo, quase totalidade formada de autodidatas na matria em que se tornaram inovadores.

    Pitgoras sempre chamava a ateno dos outros para esseponto. E notava que h filsofos tolos que afirmam que nad a

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    sabem, mas cometem a tolice de afir mar que sabem que nadasabem; que h homens tmidos, que no aventam uma ideia,nova, e baseiam-se sempre em autoridades, receiosos de cometerum erro, e que revelam no ter por isso capacidade de julgarnem sabem se o que afirmam ou examinam tem fundamentosou no. H, finalmente, aqueles covardes do esprito, incapazes d,e invadir qualquer setor do conhecimento, porque o medo

    lhes gela a alma e o corpo, e que envolvem numa capa de agnos-ticismo o que realmente pensam, no afirmando e exibindo exteriormente o que julgam, por covardia, apenas por covardia.Procuram, assim, uma posio que os coloque equidistantementede todos, e possa servir de ponto de partida, sem compromissosanteriores, para assumir uma posio que as circunstncias im

    ponham. Mas essa nova posio s ser mantida pelo medo,e ter a fora plida de tudo quanto sustentado apenas pelomedo.

    Suporto esses espritos costumava dizer Pi tgoras .Minha compaixo to grande que chega a isso. E at discuto

    com eles. Devemos faz-lo, no convencidos de que os salvaremos da frmula anmica em que se encontram, mas com afinalidade de, pelo menos, espantar do esprito dos que ouvemos malefcios que esse. linfati smo intelectual costuma realizarnos crebros jovens, ainda indecisos.

    E realmente Pitg oras assim o fazia. Vale a pena recordar um dos seus dilogos com Josias, homem inegavelmente

    bom, um funcionrio envelhecido nos arqu ivos, embora de idadejovem, com as mar cas das decepes e do desespero gravadasnas faces, e sobretudo nas ideias.

    No tenho mui ta f nesses mtodos que vocs propem.No quero, porm, ser desmancha-prazeres dos out ros. Aceitoresponder s perguntas que me fizerem, e apenas a elas, semme afastar do tema principal, que ser conduzido por Pitgoras ou quem quer que seja. Est certo. Mas afiano a vocstodos que no adiantar nada.

    Mas por que? perguntou Ricardo .

    Porque apenas nos obs tin ar cada vez mais . Continuaremos de cada lado, e mais extremados ainda. As oposi-

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    es s servem para extremar cada vez mais as posies contr ri as. No creio que dessas discusses surja a luz de quefalou o Samuel . A nica luz que eu conheo a do sol e adessa lmpada. E ela surge apertando aquele boto. No temos nenhum boto na cabea... e resmungou mais algumacoisa que ningum entendeu.

    Quase todos riram. Pitgo ras apenas fz um sorriso emque havia muito de compaixo, mas de uma compaixo viril,amiga, para com Josias. Na verdade, apesar das diferenasto grandes nas ideias, Pitgoras gostava de Josias, porquesempre que dele se referia era com palavras cheias de afecto.Costumava mesmo dizer: Josias uma espcie de chamadade conscincia par a mim. Seu pessimismo e sobretudo seu cepticismo me fazem bem. Quando me sinto tomado pelo entusiasmo, por haver descoberto algo novo que me ilumina e meenche de satisfaes quase voluptuosas, logo me assoma a imagem de Josia s. Aquele sorriso sem f, aquele gesto de des

    prezo, aquelas pal avr as fri as e ar ra stadas de descrena, desa-

    fiam-me a imaginao. Ento, sentindo-me forte , meu prime irogesto o de afas tar a imagem que me parece ridcula. Masdura pouco essa indiferena. Josia s tor na a crescer dentro demim. E sinto que preciso dele. Preciso da sua oposio, dasua dvida, da sua descrena. E' nela que temp erare i as minhas novas ideias e as novas vivncias. Preciso del e. .. e ento o procuro. Josia s assim uma necessidade para mim.

    E quando lhe perguntavam se isso no o aborrecia s vezes,le costumava responder mais ou menos nestes termos:

    N o . . . E sabem por que? Porque Jos ias , no fundo ,

    sincero. Sua dvida no uma atitude covarde. Josia s no covarde. E' o temperamento que o domina. E acrescen-tem-se as desiluses e experincias que teve. Quem passoupelo que le passou no de admirar que ten ha a alma cobertade cinzas...

    E quando lhe perguntavam se era possvel que um diamudasse, Pitgoras permanecia srio por algum tempo, e no-tava-se que havia em seu rosto a passagem constante de umadvida e de uma esperana, porque le se tornava ora sombrio,ora iluminado. E dizi a:

    FILOS OFIAS DA AFIRMAO E DA NEGAO 23

    Ta lve z. .. talvez. E depois de uma pausa, em quemanifestava uma confiana num desejo h muito tempo acalentado, acrescentava: tudo se h de fazer para que talacontea.

    "E' verdade, recordo-me agora, que uma vez Pitgoras,quando se falava sobre este assunto, dissera estas palavras quelhe brotaram sinceras e bem afectivas, vindas do peito, numtom quente que impressionou aos que o rodeavam:

    Depois de um longo inverno , quem no pode compreender o anseio da luz do sol? Quem no pode compreender queh carnes que desejam despertar, esperanas dormidas que cansara m de seu longo sono? So como pssa ros de quem as asasexigem liberdade, para quem as gaiolas so a sua grande inconformidade. Jama is a asa*que voa se conciliar com os es

    paos est rei tos . Jos ias uma asa que voa, mas asa pa rt ida.E que poder sar ar. E nesse dia, quem ir impedir que elaanseie pelas distncias sem fim? H brasas dormidas que, seno iluminam, aquecem, contudo. E nele h dessas brasas dormidas, espera do sopro que as despertar em auroras de luz.Um dia verei essa aurora brilha r nos olhos de Josias. E, juro,nesse dia estar justificada mais uma vez a vida.

    Era assim Pitgoras . A amizade por Josias era evidente,e a oposio, em vez de afast-los, parece que os unia mais.Mas que Pitgoras aguardava uma ressurreio, e por amora essa ressurreio nada o afastaria do amigo.

    Mas, certa ocasio, numa roda em que estavam Josias ePitgoras, aquele disse:

    No h dvida de que o que vocs defeejam inter es

    sante, embora eu creia que tudo ser intil, quanto ao desejode alcanar alguma certeza. Mas aceito colabora r nesse tra

    balho.

    No h dvida interrompeu Rica rdo que esse mtodo ainda o melhor. Do cont rrio , seremos borboletas queandam a asp ira r todas as flores. Creio no dilogo, quandobem conduzido, e sob regras rigorosas . O homem de hoje nosabe mais conversar. le dispu ta apenas. E' um combate emque os golpes mais diversos e inesperados surgem. Mas num

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    dilogo, conduzido em ordem, tal no acontece. Deixa de serum combate par a ser uma comparao de ideias. Um sentidoculto domina a. No mais o brb aro lut ador, mas o homemculto que se enfrenta com outro, amantes ambos da verdade, embusca de algo que permi ta compreender melhor as coisas domundo e de si mesmo.

    Jul gam vocs, ento, que por esse caminho acabar opor pi lha r com a verdade nalguma esquina? Bonita esperana !...

    Mas, que deseja mais o homem que a verdade? per guntou Artur, um jovem estudante que fora admitido naquelaroda.

    Vo desejo respondeu Jos ias vanssimo desejo.O homem considera como verdade apenas aquilo sobre o queno lhe cabe nenhuma dvida, aquilo sobre o que le concordasem vacilaes. Mas, pa ra outro no assim. A verdade apenas subjectiva; a certeza de uma verdade, e no a verda

    de de uma certeza... Voc sabe muito bem, Jos ias , que no se entende a ver

    dade apenas desse modo. Essa a verdade psicolgica. Mash outras: h a lgica, a metafsica, a ontolgica...

    Se i . . . sei Josias int errompeu Pitgoras com umavivacidade que impressionava. Mas o que afirmo, Pitg oras, que o homem no est apto a alcanar a verdade como esplen-dor do ser, como voc costuma chamar. Tudo quanto const rumos, nossos conceitos, nossos juzos, nossos raciocnios, nossosconhecimentos so apenas espelhismos de ns mesmos. Nofundo, o que vemos nas coisas somos ns mesmos. O mundo

    pa ra ns como o lago onde se debruava Narciso. O que viaera a sua prpria imagem. O mundo apenas uma imagemmal imitada de ns mesmos. O que pensamos, julgamos, socriaes nossas apenas, que so fiis ao que somos, mas quenada tm que ver com a realidade que h fora de ns. Naverdade, o homem um emparedado em suas ideias, e a sualibertao equivale ao sonho de um prisioneiro, e nada mais.Todo o nosso conhecer e todas as nossas operaes mentaisconstroem apenas fices sobre a realidade que h fora de ns.Nossos pensamentos em nad a correspondem real idade.

    FILOSOFIAS DA AFIRMAO E DA NEGAO 2r>

    Era to intenso o entusiasmo de Josias que ningum interrompeu as suas palavra s. Pitgo ras tinha um sorriso cheiode amizade. Sabia-se que discordava de Josias, mas havia umasimpatia to evidente em seu rosto que contaminava a todos,e mesmo quando discordssemos de Josias no provocava leem nenhum de ns mnimo desgosto. Assim como Pitg oras

    parecia alegrar-se com as suas palav ras , uma satis fao quase

    igual inundava tambm os nossos coraes. Er a o que se percebia no rosto de todos. Foi quando Pitgo ras d isse:

    Eis um bom tema pa ra uma anl ise, Jos ias. Voc ofereceu matria, que, creio, tima para todos, no ? Houveum assentimento geral, e Pitgoras prosseguiu ante o silnciode Josias: Que acha voc, se inicissemos um dilogo dentrodas nossas regras, sobre esse assunto?

    Que assunt o?

    Ora, Jos ias , voc no negou ao homem um conhecimento do mundo exter ior? No reduziu todo o seu saber a um

    ficcionalismo geral, afirmando que o mundo exterior nada mais que uma imagem torpe de si mesmo, como a imagem desfalecida que as guas paradas do do rosto de Narciso?

    Foi .

    Pois ento? Temos a um tema bem inter ess ant e, eque pode servir tambm de pento-de-partida para muitas anlises futu ras. Trata-se de saber qual o valor do nosso conhecimento. Voc estabeleceu uma tese bem do gm ti ca. ..

    Dogmtica? Perguntou Jos ias com veemncia.

    Sim, bem dogmtica. E' sempre difcil, Josias , queno caiamos no dogmatismo, por mais receio que haja de fazerafirmaes deci sivas. Mas voc cometeu o erro de que acusaos outros: o dogmatismo.

    Que dogmatismo, Pi tg oras .. . qual na da!

    Suas afirmaes foram dogmticas, Jos ias . Voc deuum dogma, porque voc sabe que todo nosso conhecimento ficcional. Voc sabe, sem a menor dvida, sem vacilaes, queo que conhecemos do mundo exterior apenas uma imagem

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    desfalecida de ns mesmos. O nosso mundo exterio r apenasum reflexo imperfeito de ns mesmos. Foi isso que voc disse.E disse com convico, com veemncia, com certeza, como umdogma, como uma verdade pura voc indiscutvel, e sobre aqual no paira nenhuma dvida.

    Josias resmungava alguma coisa. Olhou par a todos, e no

    tou que havia na maioria uma aprovao muda s palavras dePitgoras, embora em Paulsen e Kicardo se notasse um desejode que respondesse, de modo a evitar a maneira como Pitgora s havia colocado as suas palav ras. A pausa de Pitgo ras e rauma atitude de combatente digno e nobre. le dava oportunidade ao advers rio para reali zar tambm o seu golpe. Esperava as palavras de Josias:

    J sei o que voc quer . Quer colocar-me na posiode haver afirmado uma verdade, de que h alguma coisa queno ficcional para mim, que seria, nesse caso, a afirmao

    pu ra e simples de que tudo quanto o homem constri ficcional.

    Mas foi voc que afirmou isso dogmticamente. . . Afir mei de certo modo, apenas. Ess a verdade e sub

    linhou com asco essa palavra apenas uma convico minha. Eu estou convencido, eu, de que tudo quanto sabemos ficcional, e u . . . No afirmei que fora de mim tudo ficcional, mas para mim e para o homem geral, o que le constri ficcional.

    Mas, caro Josi as, por favor , sigamos a linha promet ida ,e responda-me apenas dentro das nossas normas. Tudo quantoo homem intelectualmente constri ficcional ou no?

    E\

    Ento , a sua afirmao de que tudo f iccional tambmo , porque uma realizao intelectual do homem?

    Sim, ficcional tambm.

    Quer, ent o, af irm ar que no mundo exterior ao homemno h fices, ou que as h?

    Deve hav-las, porque no o homem o nico ser int eligente. Os anima is tambm constroem fices. O mundo doco outro que o nosso, uma coisa feita por le...

    FILOSOFIA S DA AFIRMA O E DA NEGAO 27

    . . . uma res ficta...

    Seja. E fui bem claro , e todos podem afi rmar que noquis fugir ao sentido de minhas palavras: o mundo do homem o mundo feito pelo homem. E' uma res ficta, para usar suas

    pal avr as, o mundo. Quando afi rmamos que tudo quanto construmos intelectualmente uma res ficta, essa nossa afirmao

    no se exclui da ficcionalidade de nossa mente. Mas isso ento uma verdade pa ra voc.

    E' rel ativamente a mim mesmo. Se em si mesma,fora de mim, no sei.

    Nesse caso, admite que pode haver um err o em suaafirmao dogmtica.

    Admito.

    Que, por exemplo, tudo poderia ser diferen te. E esseficcionalismo ser apenas um erro seu.

    Pode s e r . . . Mas ns gost aramos de buscar cert ezas e evidncias.

    E nessa situao em que voc se coloca, nada adiantamos. Noseria prefervel que ns dois, como bons amigos, e bem fundados em nossas regras, procurssemos juntos uma soluo?

    Estou pronto a fazer o que me pede .

    Aceit a que eu tome o papel de int err oga nte , e garanteque me responder, seguindo fielmente as perguntas?

    Pode comear.

    Estamos, pois , ant e um dilema; ou tudo quanto o homem constri intelectualmente fico, ou nem tudo fico.No isso?

    E\

    Se tudo fico, todas as suas verdades so apenasfices.

    So fices.

    E a correspondncia que tenham com a real idade exterior pode ser de duas maneiras: ou h uma correspondncia

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    que tem um fundamento na realidade fora do homem, ou, ento, no h nenhuma correspondncia.

    Josias nada respondeu. Aguardava as palavras de Pitgoras, que prosseguiu:

    Se tudo quanto o homem constri inte lectualmentefosse puramente ficcional, e no tivesse correspondncia em

    nenhum fundamento exterior mente humana, essa menteseria, ento, alguma coisa absolutamente outra que o mundoexter ior. E, nesse caso, como poderamos saber que o que amente constri intelectualmente absolutamente outra coisaque o que h no meio exterior, sem poder surgir dessa compara o o divrcio total, o abismo ent re os dois? Esse abismoafirmaria a impossibilidade da comparao, porque se o mundo exterior ao homem absolutamente outro que que constriem sua mente, no haveria jamais possibilidade de comparao e, consequentemente, seria tambm impossvel afirmar queh esse absoluto divrcio.

    Josias meditava. Como Pit gor as fizera uma pausa, viu--se na contingncia de falar:

    Es t certo. Seri a impossvel.

    Nat uralm ent e que o seri a. Pois , poderamos saber queo outro absolutamente outro, se todo o nosso conhecer dependente da est ruetura e do funciona r de nossa mente, e tudoquanto ela produz ficcional? Nada podemos nesse sentidoafirmar, ento. Portant o, a afirmao de que tudo absolutamente ficcional em nossa mente uma afirmao dog mt ica ...

    Bem, pensando desse modo h cert o dogmatismo.

    Concedeu Josias. Mas, o p ior que sabemos que isso no pode ser assim.

    Como sabemos?

    Sabemos, Jos ias . E per mita que lhe mos tre . A nossaafirma o do divrcio absoluto no tem fundamento nenhum,e no poderia haver esse divrcio absoluto, mas apenas poderamos nos colocar numa posio relativista aqui; ou seja, queas construes mentais nossas so certamente ficcionais de certo modo, mas absolutamente ficcionais no podemos afirmar.

    FILOSO FIAS DA AFIRMAO E DA NEGAO 29

    No podemos afi rmar, porque nos impossvel fazera comparao com a realidade em si das coisas, pois no podemos alcan-las, uma vez que estamos prisioneiros da estruetura de nossa mente e do seu funcionar.

    Muito bem, Jos ias . Gostei da sua coerncia. Voc querevitar a pecha de dogmtico, e prefere cair num dualismo anti-nnico e abissal. H, assim, dois mundos irredut veis para

    voc: o da nossa mente e o mundo fora da nossa mente. Hduas reali dade s: a nossa, e a que nos escapa. A que .construmos do que est fora de ns , pelo menos, relativamente ficcional. No podemos afi rma r que absolutamente ficcional,

    porque, para tal afi rma rmo s, precisaramos poder compar- las,o que nos impossvel, como disse voc.

    Mas admito que pode dar -se esse divrcio absoluto, esseabissal de que. voc fala. S que no podemos saber com absoluta certeza.

    E bem fundada mente tambm no. E' o que vocaceita.

    E' isso. Mas, voltando ao que disse , onde est o meudualismo de que voc falou?

    Sem dvida, h esse duali smo. E podaramos caracteriz-lo melhor, se voc quiser. Vamos examinar bem esteponto. Acompanhe-me, pois, nos seguintes rac ioc nios: nossosconhecimentos ficcionais para voc revelam que h umaordem, uma coerncia entre eles, pois, foi-nos possvel construi r um saber culto, uma cincia, uma matemtica. No ?

    Sem dvida.

    E verif icamos, ademais, que os facto s, que captamos ,

    suecedem com certa obedincia a constantes, e a frmulas gerais,que chamamos comumente de leis.

    Sim, leis que cons trumos .

    Sem dvida, mas que corre spondem a invari antes dessesfactos, que constituem o objeto de nossos conhecimentos. Hregularidades pasmosas, repeties que no podemos negar, eque nos permitem classificar e dar uma ordem ao conjuntodos acontecimentos.

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    Mas uma ordem tambm ficcional. No tanto ficcional assim, Jos ias , afirmou, com um

    sorriso, Pitgo ras. Note que aqui j h alguma coisa que sedistingue. O conjunto dos factos catico; desses factos ficcionais que constituem a matria bruta do nosso conhecimentoe das nossas experincias. Esta s se do numa heterogeneidadefascinante. Mas ns observamos que, em nosso conjunto defices, h normas que presidem como invariantes dos mesmos,que nos permitem orden-los em classificaes que so inerentes a outras, e que nos permitem, afinal, dar uma ordemunitria desse mundo ficcional, ordem que constitui a base detoda a nossa cincia, facilitando o fortalecimento do nosso saber culto. Voc no pode negar isso.

    No nego. No meio dessas fices h uma regula ridade impres

    sionante. As fices-laranj eira s geram sempre fices-laran-jas, as fices-sres-humanos geram fices-sres-humanos, asfices-qumicas do combinaes ficcionais-qumicas regulares,

    e assim na fsica, na matemt ica, em tudo . . . No concorda? Concordo. H, assim, uma ordem no mundo ficcional do homem.

    E o que o homem considera fora de si tambm oferece a mesmaordem. Quer dizer, as fices, que constituem os conceitos ejuzos do homem, correspondem s fices que constituem o queparece ser o mundo exterior do homem. Est de acordo?

    Estou. Verif ica-se , ademais , que o que consti tui o corpo hu

    mano composto de elementos ficcionais-qumicos, que correspondem aos elementos ficcionais-qumicos que encontramos nas

    ped ras , na te rra, nas plantas, no ar . Es t de acordo? Est ou. E acrescentou: neste ponto, e den tro desse

    mbito, estou.

    Nesse mundo de fices, o homem no um out ro abso

    lutamente outro.

    No . Desse modo, o seu conhecimento do mundo exterior

    ficcional no total e absolutamente divorciado do mundo fic-

    FlLOSOFIAS DA AFIRMAO E DA NEGAO 3 1

    cional mental do homem. H um paren tesco to grand e quese pode afirmar que a natureza ficcional do homem corresponde natureza ficcional do que lhe parece ser o mundo exteriora le.

    Est certo.

    Rest a, ento, apenas , saber se h um mundo exteriorreal ao mundo exterio r que voc afirma ser ficcional. Se no

    h nenhuma correspondncia entre ambos, esse mundo exteriorreal, e fora da ficcionalidade, absolutamente outro que omundo da ficcionalidade do homem.

    Josias no respondeu. Mas Pitgoras vendo a sua vacilao, prosseguiu:

    Como ento? Se correspondem, h ent re o mundo exterior ficcional e o mundo exterior real uma correspondnciae, consequentemente, uma parte que se repete; ou seja, uma

    pa rte do mundo ficcional humano o mesmo que o mundo exter ior real. H, ento, alguma verdade no mundo ficcionalhumano que corresponde verdade do mundo exterior real. Do

    contrrio, h o divrcio absoluto.

    Teramos, nesse caso, duas realidades: a do homem e aque no o homem. E entre essas duas realidades, nada ha veria em comum. Um seria absolutamente outro que o seuoposto. Esta ram os no dualismo. E toda a nossa discussose deslocaria para saber se realmente possvel tal dualismo.Se possvel haver duas afirmaes, duas positividades, duasrealidades, sendo cada uma absolutamente diferente da outra.

    Est certo. Prossiga. Quero ver at onde vai , pa raresponder depois.

    No concorda voc que no mundo ficcional do homemse verifica que todas as coisas tm entre si algo em comum?O homem e o animal ficcionais tm em comum algo na anima-lidade-ficcional, e os animais com as plantas em serem ficcionais seres vivos, e assim por dian te. No encontramos umdualismo absoluto a. Todas as coisas ficcionais em seu ltimofundamento, revelam que tm uma origem comum em um serque pode ser chamado com o nome que quiserem por enquanto,

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    como matria, ou energia, e a que prefiro dar, por ora, o nomecomum de ser. No vemos nesse mundo ficcional divrciosabsolutos. Concorda?

    Concordo.

    No ent anto, no mundo exterior real poder-se-ia dar omesmo, ou no. Ou seja : que tudo quanto realmente, tam bm tem algo em comum. Nesse caso, o mundo exterior real

    teria um ser fundamental, certamente real em si mesmo.

    Est certo.

    O duali smo, porta nto, est ari a apenas ent re o mundoficcional do homem e o mundo real, pelo menos.

    Pelo menos esse possvel.

    Sim, porque se no h esse duali smo absoluto, entoo nosso mundo ficcional no seria absolu tamente ficcional. Nelehaveria alguma coisa que corresponderia fielmente ao outro,no ?

    E\ Nesse caso, ns nos encontramos j numa situao bem

    clara, sem dvida. Resta-nos saber agora se h realmente essedualismo, ou no.

    DILOGO SOBRE O FUNDAMENTO

    DE TODAS AS COISAS

    Josias e Pitgoras haviam silenciado, como se procurassem toma r flego pa ra prossegu ir. Um esperava que o outrousasse em primeiro lugar a palavra. Foi Ricardo quem iniciou:

    Perdoem-me que entre no dilogo. Na verdade, souapenas um ouvinte . Mas, como tenho a certeza de que a minhaopinio semelhante de todos os que nos cercam, creio queo tema ficou bem colocado, e o dilogo agora poderia manter-seem base mais segura . Compreendi, assim, o estado da ques to:

    h uma realidade ficcional do homem, e outra realidade forado homem. Ou so essas duas realidades absolutamente estanques, ou no. Resta sabe r, pois, se entre elas h uma comunicao, um ponto comum de identificao, ou se so duas paralelas, isto , se so linhas que jamais se encontram.

    Isso mesmo, acquiesceu Pi tgoras, com o assentimentode Josia s. E' nesse caminho que devem prosse guir agora asnossas buscas. Vou, portant o, tomar outra vez a palavra, seguindo essa ordem, e Josias me responder.

    Prossigamos aprovou Jos ias .

    Esse mundo ficcional do homem no pode ser um puronada. E' uma fico, est certo, mas alguma coisa e noabsolutamente nada, no ?

    E' . Mas uma fico.

    Sim, mas uma fico fico de alguma coisa, pro duzida por alguma coisa e no pelo nada.

    E' produzida por ns.

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    34MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    Mas ns no seremos, ento, purament e nad a, mas al

    guma coisa. Sim, mas poderamos ser uma fico de outra coisa. Neste caso, essa outra coisa seria alguma coisa e no

    nada, e a sua fico, se nada, nada de fico. Ela algumacoisa de qualquer modo. A fico , assim, alguma coisa, uma

    presena, e no uma absoluta ausncia . Concorda?

    No poderia deixar de concordar.

    No sendo a fico pu ra e abso lutamente nad a, decerto modo um ser. No sabemos como seja esse ser, mas sabemos que no um puro nad a.

    Es t certo. Ora, sabemos em nosso mundo ficcional qu o homem

    nem sempre existiu. Houve uma poca em que o homem no

    era ainda.

    E' uma das nossas fices.

    Sem dvida, den tro da maneir a em que nos colocamos,podemos pa rt ir dessa afi rmativ a, a qual nos impede de atribu iro puro nada fico. Nosso mundo pode ser ficcional, e ns,outras tantas fices, mas no puros e absolutos nada e, portanto, fico de alguma coisa que no um puro nada. Dequalquer forma, j sabemos que h alguma coisa que , que nosantecede, e que no pode ser mera fico, porque a fico fico de alguma coisa. Se predicssemos fico o ser absolutamente fico, ns a transformaramos num puro nada. Concorda?

    No posso deixar de concordar. Nesse caso, a fico est a denunciar-nos que h algu

    ma coisa que a sustenta, e que no pode ser mera fico.

    Josias respirou fundo e com certa dificuldade. No respondeu logo. Procurava, sem dvida, o que responder. Depoisde certo esforo, pronunciou estas palavras:

    Sim, deve haver uma real idade, mas ns no a conhe

    cemos.

    FILOSOFIAS DA AFIRMAO E DA NEGAO 35

    No a conhecemos fron talmente, concordo. Ter, contudo, de admitir que de certo modo a conhecemos.

    No temos dela uma viso realmente total .

    Aceito. Mas sabemos que h, que h realmente, embora no possamos dis criminar ainda como ela em sua realidade, mas sabemos que ela existe realmente, pelo menos.

    Sa be mo s. .. essas slabas saram como que balbuciadas.;

    : Neste caso, h certamente uma realidade que no ficcional, e que absolu tamente real. E essa realidade que susten ta a realidade ficcional do homem e das suas fices. Discorda do que afirmo?

    Bem. . ., em lt ima anl ise, deve hav er uma realidade ,assim como voc diz. Seno, eu ter ia de afirmar a absolutaficcionalidade de tudo.

    E esse out ro mundo exterior real, ser ficcional

    tambm ? Talvez seja a fico de um out ro ser.

    Ento ter amos que admit ir que a real idade desse mundo exterior, que outra que a nossa realidade ficcional, tam

    bm se fundamenta em alguma coisa que tem de ser real, por que se todas as fices fossem fices, toda a srie seria absolutamente nada, o que seria absurdo. Portan to, temos de admitir que todos os mundos ficcionais, que podemos admitircomo possveis, tm de se fundament ar, em ltima anlise, emalguma coisa que , e que realmente, e no ficcionalmente.

    Tenho de concordar. E tem de concordar ainda mais que esse sustentculo

    de todos os universos ficcionais possveis absolutamente real,e sem mescla de ficcionalidade nenhuma, porque qualquer ficcionalidade que haja , sustenta-se numa realidade ltima. Noconcorda ?

    Josias no respondeu logo. Temia responder, e meditava.Pitgoras, com energia, prosseguiu:

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    Veja bem, Jos ias . Voc no pode negar isso, a no serque faa um apelo loucura, e no ter nenhum valor esseapelo. Voc tem de admitir que todos os universos ficcionais

    possveis se fundamentam em alguma realidade que abso lutamente real , e sem mescla de nenhuma ficcionalidade.

    Sem d vi da. .. respondeu Jos ias , com a voz desfa

    lecida. E essa real idade lt ima ou uma s, ou so vrias .

    Que acha?

    No sei respondeu vacilante . Vejamos se a mesma ou se so muitas. Mas antes

    no podemos deixar de aceitar que a realidade absolutamentesem mescla de ficcionalidade, que o sustentculo do que somos, da qual somos uma fico, no pode ser outra absolutamente outra, separada absolutamente de ns, porque somossusten tados por ela. Neste caso, algo h em ns, semelhanadessa realidade, porque, do contrrio, como poderamos ser delasem ser dela?

    Aceito.

    E tambm o mesmo se daria com todos os outros uni

    versos ficcionais. Tambm era um sopro a voz de Jos ias .

    Ento ent re todos os universos ficcionais hav eria algoem comum: o terem uma semelhana com a realidade absolutaque os sustenta. No ?

    E\ Neste caso, en tre o nosso universo ficcional e os out ros

    universos ficcionais, tambm h algo em comum: o sermos semelhana do sustentculo.

    Josias concordou apenas com um leve aceno.

    Ento, entre o nosso universo e os out ros h algo queidentifica, pois o assemelhar-se uma realidade, uma vez que,se no h tudo , tudo cai r outr a vez. Temos, pois, algo emcomum com os outros.

    FILOSO FIAS DA AFIRMAO E DA NEGAO :;7

    Temos.

    E qual o sustentculo dessa realidade comum? Nopode deixar de ser seno um mesmo sustentculo, porque sendoficcionais todos esses universos ficcionais, o que os unifica semelhana de algo que comum a eles, e esse algo, que comum a eles, tem de, ser o mesmo, e o mesmo s pode ser osustentculo. Port anto, h um sustentculo que o mesmo de

    todos os universos ficcionais. H, pois, uma realidade absolutamente real, que o sustentculo de todos os universos ficcionais. No est certo, Josias? Perguntou Pitg oras cominsistncia.

    Josias concordou sem fora.

    E Pitgoras prosseguiu:

    Neste caso, Jos ias , o nosso universo ficcional, o dohomem, no absolutamente estanque do universo do mundoexterior, e havendo entre eles algo em comum, tudo quanto oconstitui, sendo semelhana do mesmo fundamento, tudo o

    que h, tanto num como noutro, tem de ter uma semelhana...Josia s no respondia mais. Havia uma ansiedade em to

    dos. E Pitgoras continuou:

    . . . , porta nto, o nosso universo ficcional no pode deixar de ser ficcional em relao ao mundo real exterior, e, assimsendo, as nossas fices no so puras fices, e deve haverentr e ambos um ponto de realidade comum. Neste caso, o homem em alguma coisa conhece verdadeiramente o mundo realexterior. No a concluso inevitvel a que chegamos?

    Josias baixou a cabea e desviou o olhar. No queria res

    ponder. Mas Rica rdo interrompeu o silncio pa ra dizer : Seus argumentos so slidos, Pi tgoras . Est o certos.

    H esse fio de realidade que ligaria, ento, o mundo ficcionalintelectual do homem com a realidade. Mas no le absolutamente a cpia fiel do outro . H um ponto em que ambosse encontram, mas tambm onde ambos se separ am. No nosso dever aceitar com honestidade essa afirmao, Josias?

    Josias apenas meneou inexpressivamente a cabea.

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    E' nosso dever , sem dvida acrescentou Pit gora s,corroborando as palavras de Ricardo , e nosso dever aindaprocura r esse elo comum. E, depois de ach-lo, poderemoscimentar um conjunto de normas, que nos favorecero umaanlise mais longa. No acham?

    Todos concordaram. E Pitgora s, ento, disse:

    Pois , ponhamo-nos a caminho pa ra buscar esse elo co-cum, e veremos o que vai surgir disso tudo.

    Vamos, exc lamaram Paulsen e Rica rdo, com o apoio detodos, menos de Josias, que permanecia calado, aparentandoindiferena, mas que, na verdade, reconhecia haver razo emtudo aquilo; seno, segundo seu temperamento, teria manifestado uma oposio decidida.

    DILOGO SOBRE O SER E O NADA

    Como havia sido prometido, voltou-se no dia seguinte, mesma hora, discusso do tema anter ior. Achavam-se todosos da vspera reunidos, menos Pitgoras, que se demorara.

    Estr anho dizia Rica rdo que Pitgoras se demoretanto. No seu costume chegar tarde.

    Daqui a pouco es ta r a, respondeu-lhe Paulsen. Evoltando-se para Ricardo, dirigiu-lhe estas palavras:

    Estamos, portant o, no seguinte problema: o que vocstermi naram po r chamar de "elo comum". Mas julgo que o pro

    blema agora o que se chama de problema crti co, o problemado conhecimento humano. E tudo deve ser discutido de novo.

    Olhe, a est Pit goras.

    Boa ta rde. Desculpem a demora. Um homem destacidade grande, por mais que queira dominar o tempo e dirigi-lo, dele escravo cada vez mais. E dirigindo-se para Ricardoe Paulsen: Bem, o que vamos fazer?

    Pitgoras, Paul sen diz que o tema fundamental agora o problema crtico do conhecimento humano respondeuRicardo. Que acha voc?

    E' isso mesmo. Colocamo-nos, em face da anl ise deontem, nesse caminho. E le tem um roteiro que devemos seguir . Na verdade, a mane ira de considerar o problema crtico a causa fundamental da heterogeneidade do pensamento humano e das grandes divergncias que se observam.

    Diga-me uma coisa, Pit gora s atalhou Paulsen creio que voc h de concordar que realmente, na discusso deontem, voc foi brilhante e ns reconhecemos o seu valor, mas