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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
ULIBARRI, Mário Peres. Mário Peres Ulibarri (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2012. 47p.
MÁRIO PERES ULIBARRI (depoimento, 2011)
Rio de Janeiro 2012
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Nome do Entrevistado: Mário Peres Ulibarri (Marinho)
Local da entrevista: Museu do Futebol, São Paulo
Data da entrevista: 25 de novembro, 2011
Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um
acervo de entrevistas em História Oral.
Entrevistadores: Clarissa Batalha (Museu do Futebol/SP) e Fernando Herculiani
(Museu do Futebol/SP)
Câmera: Theo Ortega
Transcrição: Roberta Zanatta
Data da transcrição: 15 de Janeiro de 2012
Conferência de Fidelidade: Maíra Poleto Mielli
** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Mário Peres Ulibarri em 25/11/2011. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.
Fernando Herculiani – Bom Marinho, primeiro a gente agradece imensamente
você ter aceito o convite, ter vindo até o Museu, aceitar fazer o depoimento para a
gente, aqui para o nosso projeto. A gente está muito feliz.
Mário Peres – Agradeço, para mim é um prazer estar ao lado de vocês e
vamos lá.
F.H. – Marinho, a gente pede de início para que você fale o nome inteiro...
M.P. – A idade também?
F.H. – A sua data de nascimento, seu local de nascimento?
M.P. – Vamos lá. Nasci no interior de São Paulo, em Sorocaba, 19/03/1947,
portanto estou com 64 anos. Tive o privilégio na minha cidade de praticar futebol me
divertindo e tudo, e o São Bento de Sorocaba que era o nosso representante fez uma
peneira lá, apareci para treinar e acabei dando certo. Aí vim para a Portuguesa de
Desportos, onde praticamente dei o salto na minha trajetória.
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F.H. – Mas conta para a gente um pouquinho da sua família, quem eram seus
pais, o que eles faziam, se tinha irmãos, os avós.
M.P. – Veja só, naquela época, é um dado interessante, porque naquela época
ser jogador de futebol, mesmo o Brasil sendo campeão e tudo, a imagem que você
passava, vindo do morro, você era um coitado que se apegou ao futebol. Você está me
entendendo? Então, lembro que jogando na Portuguesa de Desportos, ia em uns
bailinhos lá em Sorocaba, as meninas perguntavam: “O que é que você faz?”, eu
falava: “Sou estudante.”, porque se falasse: “Jogador de Futebol.”... Quer dizer, não é
como hoje, que é um sinônimo... Naquela época era um cara que vinha do morro.
Meu pai era médico, então me obrigou a fazer universidade, tanto é que talvez da
minha época fui um dos primeiros que fez universidade e me formei em economia, já
jogando na Portuguesa de Desportos, e logicamente me apegando ao futebol. E graças
a Deus, tive uma carreira, em termos, privilegiada porque joguei em clubes grandes,
joguei no Santos, depois, na época do Pelé, joguei na Copa do Mundo de 1974, depois
fui para o Barcelona da Espanha. Tive um problema lá que vocês não fazem idéia,
porque me naturalizei espanhol, e o que é que acontece? Obrigaram eu a servir o
exército porque já que me naturalizei espanhol e não tinha feito o exército na
Espanha, tinha feito no Brasil e não servia, então tive que depois do segundo ano fugir
via França, porque tinham tirado o meu passaporte. Então, o meu documento de
passaporte brasileiro foi... Via Nice, França e fui vendido para o Internacional de
Porto Alegre, no qual fiquei campeão brasileiro, depois vim para o Palmeiras e
encerrei a carreira no América do Rio de Janeiro, mais ou menos, com 31, 32 anos. Já
que naquela época o jogador passava de 30 anos já encerrava a carreira, porque não
resistia. E naquela época também, o cara que jogasse futebol, jogava porque tinha
talento, porque o clube não dava o alicerce alimentar que hoje se dá, e também não
tinha balança e era um treino por dia, não é como hoje, de manhã e de tarde, quer
dizer, foi o progresso que foi acompanhando. Então, naquela época, você tinha que ter
muito talento para jogar, não é só preparação física, que hoje os privilegiados, bem
dotados fisicamente também conseguem jogar, entendeu? Mas sou muito feliz, sou
muito grato, e por ter sido jogador no Palmeiras, e o técnico Telê Santana, foi o Telê
Santana que me levou para a atividade de treinador, ele me levou para a Arábia
Saudita como seu auxiliar. Então aí dei outro salto também.
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F.H. – Marinho, mas a gente quer que você lembre as suas primeiras
lembranças do futebol, lá em Sorocaba ainda. Como é que você jogava lá quando era
menino, você jogava bola, torcia para alguém?
M.P. – Era corintiano até os 16 anos, e era a época que o Corinthians não
ganhava de ninguém, essa que era a verdade, porque naquela época era o Santos e o
Palmeiras, quer dizer, era a Academia e o Santos, e no Rio de Janeiro o Botafogo.
Então o São Paulo, fazendo o Morumbi, e Corinthians não ganhavam título nenhum.
Então, quer dizer, eu praticamente como corintiano nunca consegui ver um título
naquela época, e, vamos dizer, eu gostava de praticar esportes porque achava que isso
daí era bom para a gente, para o físico, tudo. E eu lembro, olha como é que são as
coisas da vida, o São Bento subiu para a primeira divisão e a primeira divisão do
campeonato paulista obrigou que para revelar jogador que tivesse preliminar. Então, o
jogo principal começava as quatro, a preliminar de cada time que ia jogar que era dos
jovens, que começava uma, uma e meia. Então o São Bento lançou no jornal: “Vai ter
preliminar, precisamos de jogadores jovens que compareçam para fazer a peneira.”,
na verdade, apareceram vinte e os vinte ficaram. [Risos] Então foi uma sorte tremenda
dar esse espaço, e outro detalhe, veja só como é que são as coisas da vida, terceiro ou
quarto jogo da preliminar, começou a se destacar colocaram no time de cima. Não é
que o São Bento, disputando o campeonato do interior, teve um pênalti a favor do São
Bento e os batedores de pênalti do São Bento, que era o Raimundinho, que faleceu, e
o Bazaninho, não quiseram bater, simularam lesão e tudo. [Risos] Aí começaram a
gritar o meu nome e falei: “Deixa que eu vou.”, sem medo nenhum e meu pai que era
médico gritava: “É louco, não vai, não vai.”. Eu olhava e falava: “Mas porque que o
meu pai não quer que eu vá bater?”. Aí fui lá, por sorte a bola entrou um pouquinho
só. [Risos] Acabou o jogo, vieram as pessoas explicar que se você perde você está
acabado. Eu não imaginava isso, quer dizer, então foi uma coisa que me marcou, que
me ajudou bastante e me tornei nos clubes que passei até batedor de pênalti, que na
verdade, se você tiver medo de bater pênalti meu irmão é melhor você não entrar em
campo. O que é que isso? Você tem que arriscar, essa que é a verdade, faz parte você
perder também. Então eu graças a Deus tinha muita personalidade e a maioria dos
clubes, eles me colocavam de capitão também, como fui capitão da Copa de 1974. Se
eu contar para vocês, naquela época ninguém queria ser capitão. Sabe por quê? O
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capitão, ele tirava a sorte para dar a saída ou não e precisava saber um pouquinho
falar um inglês, porque você ia jogar fora, compreendeu, espanhol, e como eu falava
um pouquinho tudo os clubes que ia colocavam eu de capitão. E na própria seleção,
na verdade, como jogava com o número três, não, já é hábito, o Brasil já ganhou
mundiais, tudo, fica você como capitão. Não é como hoje que ser capitão é um
privilégio, é uma coisa assim que chama a atenção, naquela época não, tanto é que o
Pelé nunca foi capitão de lugar nenhum. [Risos] Olha como é que as coisas vão
mudando com o tempo, então era uma maneira de ser que as pessoas colocavam você
porque sabia, às vezes, contornar situações e tudo, era um pouco mais, desculpe a
expressão, um pouco mais lúcido, um pouco mais privilegiado.
F.H. – E desde jovem em Sorocaba você já tinha essa personalidade aí, não é,
foi bater o pênalti e tudo.
M.P. – Não, mas aí, isso que me criou um problema. Acabou o jogo e meu pai:
“Você é louco, e se perde o pênalti e vocês não são campeões do interior?”, eu falei:
“Pai, eu não sei.”, quer dizer, não passava na minha cabeça o risco de perder.
F.H. – Quantos anos você tinha?
M.P. – Tinha naquela época os meus 16, 17 anos. Aí fui para a Portuguesa em
1967, aí fui para a Portuguesa já com 19, 20 anos.
F.H. – Você começa no São Bento quando eles fazem essa convocação pelo
jornal. Antes disso você jogava em algum outro lugar?
M.P. – Não, brincava, vamos dizer, nos clubes que tinha futebol de salão.
F.H. – Você lembra algum desses clubes que você jogou?
M.P. – Chamava-se Scarpa1 o nome do local onde a gente brincava e também
tinham aqueles campos de terra, que passava o rio no meio e tudo, você brincava
1 Clube Atlético Scarpa.
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nisso, não vá pensar que tinha trave, não tinha nada disso. Você ia lá, se divertia, de
vez em quando tinha cinco para cada lado fazia, de vez em quando tinha três,
compreendeu? Então, tudo isso, você vai adquirindo um pouco de habilidade, aí
quando te levam para o time de cima, quando fui para o São Bento fiquei um mês
praticando exercício físico, porque aí que está o detalhe, você precisa também estar
um pouco bem dotado, senão você não agüenta correr com o outro. E graças a Deus
era privilegiado em alimentação, que graças a Deus não tinha problema. Então deu
para dar um salto bastante rápido. E gozado que na Portuguesa, no mesmo mês de
março, abril, chegou eu, Marinho, Zé Maria e Leivinha, os três foram para a seleção.
[Risos] Mas olha só, vieram todos do interior, Leivinha de Lins e Zé Maria de
Botucatu. Olha que coincidência, a Portuguesa montou um belo time.
F.H. – Imagino o seu pai, você falou, queria que você estudasse. Como é
quando você começa a jogar no juvenil do São Bento?
M.P. – Mas aí é que está, como você treinava uma vez por dia, vamos dizer, o
que é que tem, estudava oito, treinava ou de manhã ou de tarde, não fazia diferença
nenhuma, porque era a mesma coisa que ir brincar em um local qualquer. Aí sim, com
o tempo é que ele vai começando a ver que talvez... Que naquela época quando
fizeram o contrato, o São Bento comigo, até para me vender para a Portuguesa,
lembro que nos dias de hoje era 1.000 reais. Aí o meu pai olhou e falou: “Pelo menos
dá para pagar a passagem de ônibus.”. [Risos] Então, quer dizer, foi mais ou menos
por aí e ele me orientava bem e tudo. Nesse aspecto, graças a Deus, fui privilegiado e
naquela época não se ganhava bem, mas graças a Deus a família sabia empregar bem
e estou graças a Deus satisfeito.
F.H. – E esse primeiro salário você entregou para o seu pai?
M.P. – O primeiro salário, se ele me dava toda semana, vamos dizer,
cinqüenta reais, que não era reais, na época era cruzeiro, sei lá, aí eu deixava com ele.
Compreendeu? Aí ele me dava uns trocadinhos para o ônibus, ir e voltar. E olha só
uma coisa, na minha família eram seis mulheres e eu o único homem, então no meio
das brincadeiras de jogador, o que é que era: “Poxa, to achando que você é meio...”, e
eu: “Tudo bem meu irmão.”. Você quer o quê? Seis irmãs e eu o único homem.
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[Risos] E todas elas estudando e tudo. Então foi uma família fantástica e o privilégio
de ter boas amizades, bons contatos, porque isso é fundamental, às vezes, você não
sabe fazer boas amizades, não sabe onde dar os caminhos. Estudei aí de noite, jogador
de futebol naquela época jogava bola, não estudava, não queria nem saber. Então, isso
daí me ajudou, vamos dizer, a ter certa visão maior, tudo e logicamente na Portuguesa
aí foi dado o salto, em 1968. Eu fui em 1967 para a Portuguesa, tinha por volta de 19,
20 anos, em 1968 teve uma convocação para a seleção brasileira e eu fui convocado,
logicamente que fiquei de suplente e tudo, mas saio do São Bento um ano atrás e vou
para a seleção, o que é que é isso? Então, ficou um negócio muito marcante.
Clarissa Batalha – Quais os outros times de Sorocaba nessa época?
M.P. – Sorocaba naquela época tinha o Estrada de Ferro Sorocabana, que era o
rival do São Bento, que hoje o Estrada de Ferro representa o Atlético Sorocabano, que
foi comprado futuramente pelo Atlético Clube e hoje é o grande representante. E cá
entre nós, o interior, a gente que nasceu e viveu no interior, o interior está muito
abatido porque se você pensar direito tem a conclusão: quem que vai querer assistir
jogos da televisão, São Bento e qualquer outro time do interior? O pessoal vai querer
assistir Corinthians e São Paulo. Então, antigamente os estádios enchiam, é o que
dava verba para os clubes. Hoje não é o estádio que enche não, hoje quem dá verba é
a televisão. Então, os times do interior que não tem tanto prestígio, tantos jogadores
de qualidade, não têm esse privilégio de receberem. Eu sei que no São Bento há
pouco tempo atrás o São Bento pagava 300, 400 reais por mês para jogador, desculpe,
como é que você vai montar um time? Não tem jeito. Então, o futebol do interior está
tendo muitos problemas e se não observarem isso vai acabar praticamente.
F.H. – Certeza. E você acompanhava o São Bento, porque você jogava ali
nessa época, você falou que antes também era corintiano. E a seleção, lá em Sorocaba
vocês acompanhavam a Copa de 1958, de 1962?
M.P. – Vamos lá, a Copa de 1958, naquela época não tinha televisão, ou se
tinha não passava, a gente ficava no rádio. Eu tinha onze anos, então ficando
escutando na rádio tudo e você não imaginava, a gente gostava de futebol, mas não
imaginava que na Suécia desse o Brasil. Aí me aparece quem? O Pelé, que a gente
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nem sabia que existia. O Pelé começou a jogar com 16 para 17 anos, não é isso?
Então, aquilo levantou o intuito de toda garotada também querer ser um atleta, porque
Pelé sai do interiorzão, lá de Bauru, vai já para o Santos e vai para a seleção. Então
isso daí deu um salto e aí a gente começou a se apegar à seleção brasileira.
F.H. – Era um incentivo.
M.P. – Exatamente, para a gente praticar, aí já veio depois 1962 que o Brasil
também ganhou, quer dizer, então nós nos tornamos, fechou aquela coisa que era da
Copa de 1950, que deixou um abismo, deixou todo mundo abatido. Então, nessas duas
Copas aí levantou o astral e todo mundo queria, pelo menos, praticar esporte e ser
jogador de futebol e dava pelo menos vontade para isso e a gente tinha um amparo,
essa que era a realidade.
F.H. – Legal. Marinho, explica para a gente como é que é essa saída mais
detalhada do São Bento, a saída de Sorocaba e a vinda para São Paulo. Quem que te
leva, como é que surge essa oportunidade?
M.P. – Se eu contar essa para você, você vai falar: “Eu não faria isso.”
Naquela época a Portuguesa não tinha condições para jogadores tal e tal colocar em
um hotelzinho, não tinha. Então, o que é que eu fazia? Vinha de Sorocabana, que era
a estrada de ferro Sorocabana, toda manhã, para chegar as oito no treino, treinava e
voltada para Sorocaba de Sorocabana para no outro dia de manhã... Porque todos os
treinos eram de manhã, não tinha treino de manhã e de tarde. Depois de passar um
ano, deu para comprar um carrinho, então fazia isso, para depois de dois anos você
arrumar uma pensãozinha, tudo, poder morar, porque os clubes também não investiam
nisso daí de você... Eu lembro que alugamos um apartamento eu, Leivinha e Zé
Maria, era um quartinho só. Só que o Leivinha levava os irmãos dele, o Zé Maria
também, quer dizer, dormia cara em pé. [Risos] Você quer o quê? Naquela época era
assim e depois na hora de sair para o almoço a gente ia comer sanduba, essas coisas,
que já estava entrando um dinheirinho já dava para ficar. Mas são coisas fantásticas, e
outro detalhe, olha que coisas da vida, a gente jogava normalmente no sábado à noite
ou no domingo a tarde, então jogava contra Santos, Palmeiras, chegava de noite, no
domingo à noite, você ia para os restaurantes, para uma balada, você joga e vai fazer o
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quê? Segunda-feira é folga você ia para uma balada, quem é que você encontrava?
Você encontrava os jogadores do Santos, Palmeiras, São Paulo. [Risos] Ficava
tomando uma cervejinha, comendo um negócio, conversando. Isso porque tinha
jogado naquele dia mesmo com os próprios adversários, era fantástico você
reencontrar essas pessoas, porque no outro dia era folga e dava para você... Não vá
pensar que era em restaurante cinco estrelas não, a gente ia numa lanchonete e
encontrava todos esses caras aí.
C.B. – Tinha uma relação boa então entre vocês?
M.P. – Mas era o que se podia fazer, essa que é a verdade, e nas pensões, às
vezes, você estava dormindo e encontrava jogadores de Corinthians, São Paulo,
Palmeiras, era normal, não tinha o que se tem hoje. Se eu contar para você que a
primeira balança para tirar peso, que hoje é obrigatório e lógico, foi no Santos em
1972.
F.H. – Antes de...
M.P. – Não tinha, quer dizer, os clubes não, por exemplo, preparador físico eu
só tive, que eu lembro, no Santos, tanto no São Bento como na Portuguesa o
preparador físico era o próprio treinador. Ele que fazia correr, tal e tal. Os clubes não
tinham essa estrutura, então, na verdade, você era jogador porque tinha talento para
mostrar lá dentro. Eu lembro que até hoje em pesquisas que as pessoas mostram: “Ah,
mas naquela época vocês corriam cinco quilômetros, hoje corre-se 12, 13.”. Bom,
naquela época também não se dava tanto físico assim, por isso que você corria cinco,
só que tem uma coisa, o que jogava naquela época jogava porque tinha talento.
[Risos]
F.H. – Hoje joga quem consegue correr.
M.P. – Agora, você imagina se desse preparação física para aqueles caras?
Então, aliás, quem fala muito disso é o Pelé, porque é verdade, você tinha que ter
habilidade e qualidade para ser respeitado, quer dizer, hoje ficou privilegiado aquele
que não é tão categorizado tecnicamente, mas bem dotado fisicamente. Então, ele
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corre o jogo inteiro, já ajuda principalmente na parte defensiva, então o futebol
logicamente vai se evoluindo.
F.H. – Marinho, mas quem é que traz você para a Portuguesa? Foi um olheiro,
um dirigente? A sua oportunidade de jogar aqui?
M.P. – Aí que está. O treinador do São Bento, que foi campeão do interior,
que se destacou, que era o Wilson Francisco Alves, foi contratado pela Portuguesa. O
que é que ele faz? O primeiro jogador que ele contrata, fala: “Não, esse menino aqui
do São Bento, o Marinho.”, e como ele ficava observando o interior todo, levou
Leivinha e Zé Maria, quer dizer, olha só, quer dizer, o cara pega três jogadores que
dois anos depois começam a jogar na seleção. E a Portuguesa era um time tremendo,
porque tinha o Ivair, tinha o Paes, o Lorico, a Portuguesa era fantástica e infelizmente
não deu para chegar a título, mas era um time. O problema é que o Santos de Pelé não
tinha jeito, era Mauro, Calvé, Zito, Mengálvio, Dorval, Coutinho, Pelé, Pepe, não
tinha jeito. Essa que é a grande realidade. Então você quando ia enfrentar times assim
como o Palmeiras, pelo amor de Deus, a academia do Palmeiras era da época anterior
ao Ademir da Guia, era Chinesinho, Zequinha, Servílio, Djalma Santos, Djalma Dias,
Waldemar Carabina, era tudo da seleção, Julinho. Então não tinha jeito poxa, você
quando ia jogar com esses caras antes de começar o jogo você já falava: “Me dá a sua
camisa.”. Antes de começar, aí sabe o que é que eles falavam para mim? “Não me dê
porrada que te dou a camisa.” [Risos], já me ganhava.
C.B. – E desde menino a sua posição já estava mais definida?
M.P. – Não, todo garoto que começa a brincar com bola ele quer ser o quê?
C.B.- Quer fazer gol.
M.P.- Quer fazer gol, quer ser atacante, quer driblar, isso e aquilo, só que esse
treinador vendo que eu treinava no meio campo, ele falava: “Espera aí, você está com
1,85m você pode ser zagueiro.”. E é até melhor, ele que recuou que por mim eu
queria ser. Então foi o Wilson Francisco Alves que falou: “Não, pela sua estatura e
tal, salta bem de cabeça, é melhor você jogar...”. Isso tudo é o treinador que observa,
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não vá pensar que [risos] você já chega: “Não, essa é a minha posição aqui.”. Que é
isso? Então, meu irmão, graças a Deus foi fantástico a minha trajetória e depois tive
que jogar na seleção, disputar uma Copa do Mundo, perder para a Holanda, quer
dizer, isso foi algo bastante triste, não porque perdemos, mas naquela época você não
filmava jogos para você depois passar para os jogadores: “Olha como é que a Holanda
joga.”. Nós fomos jogar contra a Holanda sem ter visto nenhum jogo, não é como
hoje que você fala: “Olha, eles apóiam mais pela direita, pela esquerda, fazem linha
de impedimento.”. Quer dizer, não se sabia nada, então na verdade prevaleceu o
Brasil, porque na Copa de 1958 e 1962 ninguém sabia que existia Pelé e nem
Garrincha, então eles incendiavam e foi o que aconteceu em 1974. Quer dizer, pelo
amor de Deus, como é que esse time faz tanta linha de impedimento? E o gozado é
que eu fui jogar depois no Barcelona e o treinador falava: “Vai fazer linha de
impedimento.”, e eu falava: “Poxa, mas no Brasil é linha burra.”. Porque o treinador
era Rinus Michels, que treinou a seleção holandesa de 1974, e eu falei: “Mas não sei
fazer, vou ser sincero, porque lá no Brasil não se ensina isso.”. Aí eles davam risada,
o Cruyff2: “Mas Marinho, quantos meses faz de sol no Brasil?”, eu falei: “Oh Cruyff,
você está de brincadeira, no Brasil faz o ano inteiro, 12 meses.”, “Marinho, na
Holanda faz três meses, nós não temos a habilidade do Rivelino, deste, daquele, nós
não temos, então a gente tem que jogar diminuindo espaço.”. Quer dizer, se você
pensar direito é um alcance tremendo que o europeu tem. E ainda, me aprofundando,
vê se tem treinador brasileiro... O Brasil é o maior exportador de jogador para a
Europa, não é? Quantos treinadores brasileiros são exportados para a Europa? Não vai
nenhum. Por quê? Quer dizer, aí vem esse lado em que eles querem lá que todo
mundo marque sob pressão, que todo mundo faça a tal linha de impedimento, quer
dizer, saiba comandar. O brasileiro, o Cruyff mesmo falava: “Vocês no Maracanã,
jogar a 45°, vocês tem que ficar tocando mesmo a bola, agora nós aqui em um frio
tremendo a gente tem que dar três toques e já jogar a bola na área.”. Realmente é
profundo isso e tanto é que os jogadores brasileiros quando vão para a Europa eles
precisam de um, dois meses para se adaptarem, eu fiquei três meses para aprender a
fazer a linha de impedimento. Eu falava: “Mas o que é que é isso gente?”, porque a
gente, a cultura nossa é uma, lá é diferente. Eu lembro que o Luxemburgo, que é meu
amigo, ele foi para o Real Madri, ele mandava o time quando perdia a bola ficar do
2 Johann Cruyff.
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12
meio-campo para traz, não fale isso para europeu que ele fala: “O que é que é isso?
Vai marcar ele lá dentro?”. Então isso é cultura induzida pelo próprio clima e nós
somos o maior exportador de jogador para a Europa, e quantos treinadores brasileiros
tem na Europa? Eu digo Europa, vamos lá, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Itália,
Espanha, não tem. Modéstia à parte, eu fiquei por volta de 15 anos em Portugal, só
que Portugal tem já essa coisa com o Brasil, tem muitos jogadores brasileiros, dá
para... Mas o brasileiro se adaptar nesses lugares, se for para a Alemanha então o
treinador, o cara fica um dia só, não tem jeito de você treinar na neve.
F.H. – Marinho, quando você chegou na Portuguesa, o treinador era esse
mesmo...
M.P. – Wilson Francisco Alves.
F.H. – Isso. E você já começou direto no time principal, ou você passou pelo
aspirante, amador?
M.P. – Não, já de cara cheguei. O que é que aconteceu? A Portuguesa tinha
vendido para o Corinthians o Didan, então praticamente já me levaram como dizendo:
“Você é que vai...”. Então, de cara, já me colocaram ali. [Risos] Felizmente já
começou aí a andar as coisas.
F.H. – E a Portuguesa nessa época fazia muita excursão, vocês viajavam
bastante?
M.P. – Naquela época não só a Portuguesa, todos os times brasileiros, porque
você fazia o campeonato paulista, depois tinha um intervalo para o brasileiro. Então a
gente, pronto, fazia excursões. A Portuguesa ia muito para os Estados Unidos, essa
que é a verdade, nossa senhora, o que a gente ia, e para a América Central. E o
Santos, quando fui para o Santos fiquei impressionado, o Santos cada vez que tinha
uma semana de folga a gente ia jogar na Europa, ia e voltava, porque todo mundo
queria ver o Pelé, essa que é a verdade. Então, aquilo lá, se você me perguntar se
conheço o mundo, o mundo eu não conheço, mas estive em todos os lugares, só que ia
do aeroporto para o hotel, hotel – estádio, e do estádio para o avião de volta. Porque
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era impressionante, o Pelé... Acho que foi na Tunísia, teve um jogo que estavam em
guerra lá e o Santos foi, parou a guerra, foi todo mundo assistir o jogo para ver o Pelé,
depois continuava a guerra. Então, era algo que as pessoas que conseguiram ter esse
privilégio de jogar nessa época no Santos ficavam encantadas de ver o que o Pelé
fazia. Essa que é a verdade. Então era um cara que o que ele fazia nem ele... Era
impressionante o que... Para você ter uma idéia, eu vi uma coisa do Pelé que nunca vi
alguém contando, mas vou me abrir com vocês. Acaba o treino, você vai tomar banho
e o normal naquela época, você vai jogar no domingo, no sábado você tomava uma
injeção na nádega de vitamina B12, que talvez seja para tirar dores musculares,
alguma coisinha que dava. Eu não sei se era sábado ou sexta, então dava uma
injeçãozinha vermelha para burro. Então, a gente estava tomando banho já vinha o
doutor e o massagista e tal. Não é que na hora de dar a injeção no Pelé o Clodoaldo e
o Edu: “Vem ver, vem ver.”. Poxa, a injeção não entrava na nádega do Pelé, batia e
voltava, quer dizer, o cara tinha músculo, verdade, músculo na nádega. Então esse
cara se hoje em dia ele ainda treinasse o que se faz hoje, ele faria três vezes mais do
que fazia. O cara nasceu... Ele nunca foi gordo na vida, compreendeu? Ele já nasceu
com todo esse dom, imagina um cara desse que ainda se impõe para treinar
fisicamente! Ah, pelo amor de Deus. Tanto é que eu lembro que fizeram umas
estatísticas de altura e peso, então conforme a sua estatura, 1,80m têm que pesar,
vamos dizer, 70 quilos, o Pelé tinha 1,68, não chegava a 1,70m e o Pelé pesava alto,
pesava alto porque o bicho era compacto. Aí os caras falaram: “Não, nós temos quer
diminuir o peso.”. A gente começava a rir: “Como é que vai diminuir?”. Isso é
privilégio que o cara nasceu desse jeito, essa é que é a verdade. Então, esse dá sem
dúvida, não dá para querer... Às vezes, querem comparar com este, com aquele,
aquele outro, o Pelé mesmo dá risada, porque ele nasceu desse jeito e se você olhar
ele está do mesmo jeito, embora ele falasse outro dia que pinta um pouco o cabelo.
[Risos]
F.H. – Fala um pouquinho para a gente como era essa rotina de treinamento,
você falou que demorou para você ter preparador físico. Você tinha um treino
específico para zagueiro?
M.P. – Vamos lá, os zagueiros normalmente acabava o treino, o treinador e o
preparador físico começavam a jogar bola para cima e você cabeceava. Então fazia
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uns 40 saltos e pronto, acabava o treino você subia a arquibancada correndo e descia
umas dez vezes para ganhar um pouco... Porque não tinha naquela época sala de
musculação como tem hoje, que você vai dar musculação para aquele que está
carente, isso e aquilo. Antes a sala de musculação era a arquibancada, então você
subia 40 degraus correndo e depois descia andando, depois mais um monte de vezes.
Então era uma coisa, quer dizer, bastante primária, que se fosse hoje em dia imagino
que aqueles jogadores... Imagina o que o Garrincha seria! [Risos] Então, é a realidade
daquela época, daquela geração, e que a gente teve o prazer de estar convivendo com
essas pessoas. Cada vez que vou em Santos é impressionante, a gente vai visitar lá os
antigos jogadores, nossa, a gente fica satisfeito de relembrar, porque o Santos foi um
representante brasileiro não só sul-americano, como no mundo, como o Palmeiras,
quer dizer, ter jogado no Palmeiras, na Portuguesa, o próprio São Bentinho, o Inter de
Porto Alegre, o que é que é isso? E o próprio Barcelona. O que é que é isso? Chega lá
no Barcelona vai fazer impedimento. Impedimento? O que é que é isso, pelo amor de
Deus. Posso contar esse detalhe do impedimento? O que é que o Cruyff e o
Rinus Michels... Eu queria fazer linha de impedimento e aí ele falava: “Marinho veja
só uma coisa, quando você der o grito para tomar a bola o que é que acontece? Os
jogadores que estão próximos da bola no meio-campo, você grita lá atrás, tem que
tomar a bola. Por quê?”. Olha a perfeição deles. “Se a gente tomar a bola deles o que
é que acontece? A gente deixa cinco jogadores deles fora de jogo, se a gente deixou
cinco deles fora de jogo eles vão se defender com quantos?”. Você não conta o
goleiro, então você vai atacar, em termos, com oito, nove, contra quatro. Você está
entendendo o que é que era o alcance deles? Eu lembro que na Copa do Mundo de
1974, um dos primeiros jogos passou na televisão, foi Uruguai e Holanda, e depois eu
tive o prazer de jogar com Pedro Rocha no Palmeiras de passagem. O Pedro Rocha
estava com a bola, de costas, não é que vieram cinco holandeses e tomaram a bola do
Pedro Rocha e o Pedro Rocha ficou com a mão assim, como dizendo: “Mas o que é
que aconteceu?”. E onde ele ia ele comentava isso. Então, o objetivo o que é que era?
Tomar a bola e você atacar, porque você vai atacar oito, nove, contra três, e para você
não cair, olha só o que é que o Rinus Michels e o Cruyff falavam: “Para você não cair
na rotina não é toda hora que você grita que você vai sair.” Então, às vezes, você dá o
grito e dá três passos e todo mundo dá três passos, o adversário já pega e já mete
lançando para o cara entrar de trás, só que você não saiu, você só ameaçou, para não
cair na rotina. Você então, às vezes, grita, ameaça que sai, dá uns quatro passos e
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volta para que ele também pense que vai sair toda hora. Então, isso daí a gente, nós
pudemos colocar no Inter de Porto Alegre com o Rubens Minelli, treinador fantástico,
e nós fomos bicampeões brasileiros exatamente fazendo muito bem isso daí. Não tão
bem quanto os holandeses, porque os jogadores, principalmente atacantes brasileiros,
não sabem marcar, mas a gente fazia isso daí que é uma forma de você pressionar o
adversário.
C.B. – E precisa ter bastante diálogo entre os jogadores nesses momentos.
M.P. – Exatamente, mas aí é que está, o comando é do último homem, os
outros escutaram o grito eles saem e nisso que eles saem olham se você parou ou não,
só que você só para se você ver que está correndo risco, aí para. Então, isso daí, eu
lembro que o Rubens Minelli falava: “Marinho, repara quando for sair no Vacaria.”.
O Vacaria esquecia demais, então a gente saia e ele ficava. [Risos] Aí o Minelli
gritava: “Veja se o Vacaria... Que é meio surdo.”. “Vacaria, não vai ficar chateado.”.
“Então reparem o Vacaria, porque tem que estar todo mundo compacto.” Você esta
entendendo? Então a gente... Não, mas isso é profundo, tanto é que aí fui jogar em
outros clubes, no próprio Palmeiras o Telê não deixava eu fazer isso: “Não, não, você
não vem com essa para cima de mim.” Mas isso daí o europeu fazia porque o
europeu, o forte dele é marcação. Então, eram coisas que sou muito grato por ter
aprendido, e o Cruyff eu mantenho contato telefônico com ele. Tanto é, por exemplo,
que quando eu treinava o Sporting lancei um menino das camadas jovens chamado
Luís Figo, verdade, aí o Figo começa a se destacar só que o Figo era meio gordinho,
eu falei: “Garoto, você tem que maneirar.”. Passados uns três meses, não é que foi
jogar lá o Barcelona contra o Benfica pela competição europeia, e o Cruyff foi, não
tinha o meu telefone, sabia que eu treinava o Sporting, foi lá no campo do Sporting.
Aí todo mundo vibrou de ver ele e tudo mais e: “Vai no hotel tal que eu quero
conversar contigo.”, “O que é que é Cruyff?”. Aí chegamos lá e tal, tudo bem:
“Marinho, quero saber quem que é esse Figo aí que estão falando.”, eu falei: “Ah, vai
tomar banho Cruyff, o que é que é isso, não vem me encher o saco não, o que é que é
isso, é o meu melhor jogador que eu lancei, pelo amor de Deus, é um craque.”, ele
falou: “Então já foi contratado.”. Poxa, ele com uma referência dessas, que é o melhor
jogador meu, no outro dia ele contratou. Aí falei para ele: “Cadê a minha comissão
Cruyff?”, “Que comissão?”. Brincadeira. Ele que levou o Luís Figo para o Barcelona,
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que realmente foi um talento que estava começando. Então mantenho esses contatos
com o Cruyff, porque o Cruyff continua tomando conta das camadas de base de todo
o Barcelona, então não é por acaso, não tenho certeza se foi ele, não é por acaso que o
Messi com 14, ou 13 anos, foi para o Barcelona. Então, você há de convir comigo que
você só leva um menino de 12, 13 anos se você já viu bastante e fala: “Esse cara tem
talento, vale a pena você...”. Então, o brasileiro não tem esse alcance para isso aí. É
bastante difícil, agora clubes com um potencial desse... O Barcelona levou também os
filhos Mazinho todos com 16, 17, 15 anos, porque sabe que o cara tem um talento
tremendo basta dar alimentação e colocar a cabeça no lugar, se alimentar na hora certa
e o cara vai ser um talento. Então o Cruyff , até um dia se vocês quiserem fazer uma
entrevista com ele...
F.H. – Nossa!
M.P. – Mas é. Johann Cruyff, fantástico, gente finíssima. E o Neeskens3 que
nunca mais também... Porque o Neeskens no jogo Brasil e Holanda, o Rivelino não
conseguia, tinha dificuldade porque o Neeskens marcou ele homem a homem e o
Rivelino falava: “Marinho, esse cara não me deixa sair.”. E em um corner fui para o
ataque e o Neeskens em cima de mim, dei uma cabeçadinha assim de lado, pegou no
nariz dele. Aí pronto, o juiz não viu, não aconteceu nada e tal, só que a imprensa toda
passou. Passa dois meses, vou contratado pelo Barcelona, o que é que sai em todos os
jornais: Barcelona contrata o cara que deu a cabeçada no Neeskens. [Risos] Para
evitar essa tragédia de criar uma rivalidade entre eu e o Neeskens, quem vai me
buscar no aeroporto? O Neeskens, todo mundo tirando foto para perguntar: “Marinho,
como é que você vai fazer?”. Não é que o Neeskens desce e vem me abraçar e tudo, já
falando um pouquinho espanhol, tal, quer dizer, virou bagunça, virou brincadeira,
cabeçada, não, já pedi desculpas. [Risos] Então foi desse jeito a minha apresentação lá
no Barcelona, só que tive problemas com o serviço militar e acabei tendo que sair por
trás meu irmão, o que é que é isso. [Risos]
F.H. – Marinho só retornar um pouquinho à Portuguesa, que você estava
falando, você contou aí os bastidores do Barcelona que é um dos maiores clubes, mas
3 Johan Neeskens.
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você pegou uma fase interessante da Portuguesa, mas a Portuguesa não tinha o
Canindé naquele momento ainda, tinha já?
M.P. – Desse jeito não, esse é do Oswaldo Teixeira Duarte, mas tinha um
estádio de madeira, que praticamente não se jogava lá, a gente só treinava e a
Portuguesa investia em muita garotada, essa que é a verdade. Só que não tinha, não só
a Portuguesa, essa estrutura, porque para você investir você tem que dar alimentação,
só depois de você nutrir o cara que você vai poder ver se tem talento ou não, senão
você coloca o cara morrendo de sede e de fome, como é que você vai... Então, os
clubes brasileiros hoje, vou dizer, o São Paulo é um índice tremendo para a garotada,
aliás, já há muitos anos, o Palmeiras também e o Santos também. Porque você tem
que investir nessa garotada, ver, porque, desculpe, um cara que foi jogador tal e tal,
você vê um menininho de 14, 15 anos tocar na bola, mesmo que caia e tal, você fala:
“Oh, espera aí, dê uma comidinha para esse daí que talvez...”. Não é verdade? Poxa se
tem um menino que domina a bola, olha para lá e mete a caneta no outro aqui, poxa
ele está olhando para lá de mentira, quer dizer, então o cara tem já uma visão
tremenda. Então esses caras daí, ex-jogador de futebol tem uma visão que percebe
tudo, e isso daí, quem fazia isso era o Pelé e o Rivelino, pelo amor de Deus! O
Rivelino, cada vez que jogava contra o Corinthians era a pior coisa que tinha, ele
olhava para lá e metia a bola aqui, e eu corria para o outro lado: “Ele vai meter a bola
ali.”, poxa, aí você fala: “O que é que é isso?”. [Risos] Esses caras são terríveis, eles
olham para um lado, só que eles vão jogar é com o outro e você como zagueiro corre
atrás desse que está correndo, só que a bola vai para o outro. Então, todas essas coisas
você vai com o tempo aprendendo.
C.B. – Qual que é o tipo de jogador mais difícil de marcar?
M.P. – Olha, é uma pergunta profunda que você está fazendo. Todo mundo...
Veja só uma coisa, teve um Mundial, não esse último, o anterior, esse da África, o
Brasil entrou com o Adriano e com outro centroavante enfiado. O zagueiro quer o
quê? Jogador que joga enfiado meu irmão, porque ele está jogando enfiado e você
está marcando ele atrás. O pior jogador para o zagueiro é aquele que fica revezando
de trás, ele não joga fixo, ele fica fazendo isso [gesticula], você está entendendo? Os
piores times que eu joguei contra, era jogar contra o Santos, em que o Pelé era
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centroavante e ficava revezando com outros, vê se você entende, assim como o
Cruzeiro, o Cruzeiro do Palhinha, do Nélinho, eles não jogavam com fixo, você como
zagueiro central você quer um de referência e eles não colocavam. Então, eles vinham
do meio de campo, então os mais difíceis para marcar são esses jogadores que vem de
trás e o Brasil entrou para jogar contra europeu, porque o europeu não fala, nós
queremos referências, me dê aí. Porque o treinador fala: “Você marca o número nove
deles e você o número oito.”. Acabou! Então, para o zagueiro, a pior coisa que tem é
marcar jogador que não joga enfiado, ele vem, uma hora vem desse lado, outra hora
vem outro e você fica um pouco perdido. Então, para mim como jogador que tinha
bola aérea, esses negócios, eu queria uma referência, só que quando não dava
logicamente que era muito mais difícil, então o zagueiro quer um de referência.
F.H. – Marinho, vocês chegaram a disputar título com esse time da Portuguesa
que era muito bom, chegaram perto de alguma conquista?
M.P. – Olha nós ficávamos em terceiro, não dava, Palmeiras e Santos que... E
o interessante, mas olha só como é que são as coisas da vida, eu fui vendido da
Portuguesa para o Santos. Não é que fui vendido para o Santos, vai à final Santos e
Portuguesa. Olha só, a Portuguesa me vai a uma final e não é que na véspera da final,
batendo pênalti, porque qualquer coisa vai para os Pênaltis como foi, batendo pênalti,
nossa tive um estiramento violentíssimo, fiquei três meses parado. Então, na hora do
jogo eu fiquei no banco de suplente, não como suplente, mas do lado do Pepe que é o
treinador, não é que o jogo foi para os pênaltis! Aí o Cejas4, cada vez que um cara da
Portuguesa ia bater, eu mostrava onde o cara da Portuguesa estava habituado a bater,
não é que chutaram uns três na trave, um fora, só que o Armando Marques cometeu...
Lembra aquele vacilo? Porque nós tínhamos, aliás, era o Pelé o último a bater, se a
gente fizesse seríamos campeões. Não é que o Armando Marques deu por encerrado!
E o interessante, quer dizer, eu entrei para abraçar os jogadores e cumprimentar os da
Portuguesa, quando procurei os da Portuguesa não tinha mais nenhum, o treinador da
Portuguesa levou todos para o ônibus, nem entraram no vestiário e o ônibus foi
embora. O que é que acontece? Como é que vai poder chamar de volta os jogadores
para bater o último pênalti? Você está entendendo? Então na trajetória acabou o jogo,
4 Agustín Mario Cejas.
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vamos ver o que vai dar. O Pelé dando entrevista para a rádio sabe o que ele falou: “A
Portuguesa também teve o seu mérito, não sei o que e tal, os dois são campeões, não é
a melhor, não sei o que, Federação Paulista.”. Pronto.
F.H. – O Pelé que deu a...
M.P. – Não, mas não é só porque deu... No outro dia a gente ia viajar com a
excursão para a Europa [risos], não daria para fazer outro jogo, mas na verdade, o
Armando Marques cometeu um erro e a esperteza do treinador da Portuguesa que na
hora que percebeu chamou todos os jogadores, não foram se trocar no vestiário, já
entraram no ônibus e saíram. [Risos] Pronto, acabou o jogo. Por sinal, mereceu os
dois serem campeões.
F.H. – E como é que foi a sua contratação pelo Santos, Marinho? Você ficou
bastante tempo na Portuguesa, não é?
M.P. – Na Portuguesa fiquei por volta de quatro anos. Foi um detalhe, o
presidente que assumiu Oswaldo Teixeira Duarte, ficou revoltado, ele estava há pouco
tempo lá e depois eu fiz amizade de novo com ele. Nós perdemos um jogo para um
time do nordeste, acho que o Santa Cruz, sei lá, aqui no Parque Antártica, nós
perdemos o jogo não é que no outro dia ele fez uma reunião aborrecido com os
resultado dos jogos e tal, a Portuguesa não estava bem, aquelas coisas todas, e
mandou embora, em termos, eu, Lorico, Ratinho, não sei se tinha mais um também:
“Olha, vocês não jogam mais aqui, procurem time.” Assim mesmo.
F.H. – Mas deu o passe?
M.P. – Não, não, que deu o passe! Tinha que ser vendido. “Então vocês não
pertencem mais porque perderam o jogo.” E não é que a Portuguesa com essa mexida
que ele deu, mexeu acho que tão forte internamente, que a Portuguesa foi no outro
ano com o Santos na final. Então aí, modéstia a parte, eu tinha certo prestígio e tudo,
o Santos veio em cima, como o Lorico foi para o Vasco da Gama, quer dizer, todos
nós saímos para o lado, mas foi uma saída um pouco triste e inesperada, essa que é a
verdade, você perde um jogo e é liberado. Depois fiz amizade novamente com ele e
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tudo. E o nome do estádio da Portuguesa é em homenagem a ele porque, quer dizer,
queira ou não ele chegou a uma final também.
F.H. – E você já tinha até passado pela seleção nesse momento, não é?
M.P. – Em 1968 fui para a seleção, mas como suplente.
F.H. – Quem era o treinador?
M.P. – Era o Aymoré Moreira, eu era suplente, nem sei agora quem era o
quarto zagueiro, jogava o Brito, não estou lembrado o outro...
F.H. – Fontana.
M.P. – O Fontana não estava nessa não, acho que era o Joel do Santos, então
fui como suplente porque o Dias, quarto zagueiro, Dias do São Paulo que tinha sido
chamado, se lesionou. Então, na última hora: “Marinho, você vai no lugar dele...”.
Então fizemos uma excursão para África, depois para o México e América do Sul. Foi
uma coisa assim rápida, quer dizer, saio de Sorocaba em 1967, em 1968 vou para a
seleção, mesmo que seja só a passeio, mas sem dúvida foi uma coisa que me levantou
bastante.
F.H. – Como foi essa emoção?
M.P. – É algo que você... Tanto é... É até feio eu contar, o meu apelido, do que
é que o Gerson, lembra do canhotinha de ouro? Me apelidou sabe do quê? De lixo.
Sabe por quê? Fui criado com seis irmãs, saí com 16, 17, 18 anos, era relaxadão, e
você ficava no quarto com três, era eu, Gerson e Brito, porque eles colocavam sempre
um jovem com os veteranos para aprender. E não sei o que aconteceu, perdi minha
escova de dente, aí olhei, olhei e tinha uma lá e eu peguei e escovei. Não é que o
Gerson viu que era a dele. O que é que acontece no almoço? Ficou todo mundo
sabendo que o lixo, a partir daquele momento era o lixo, que ele estava usando escova
de dente do Gerson. [Risos] Aí tive que sair e comprar. Isso foi na África, tive que
comprar uma escova de dente, só que o apelido nunca mais eu perdi. Também, pegar
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escova de dente! Mas não tinha, queria o quê? Que escovasse com o dedo, poxa?
[Risos] Aí meu irmão, carioca, Brito e coisa, pegou, aí todo mundo: “Olha o lixo,
lixão.”, mas mudei: “Gerson, agora é com o dedo.”. [Risos]
F.H. – Bom. Então essa passagem na seleção, essa saída da Portuguesa e
chegada no Santos, no grande time do Santos.
M.P. – Sem dúvida.
F.H. – Como é que foi para você começar a conviver com essas estrelas, se
enquadrar nesse esquema tático.
M.P. – Aí você começa a reparar nos seus ídolos, então você começa a levar um certo
susto. Compreendeu? Porque você está jogando, de repente sofre um gol, aí você fica
meio abatido e tal, se você falhou ou não, o grupo inteiro está do seu lado te apoia, e
não é só comigo, tal e tal, fazem com dois, três. Então são jogadores que adquiriram
uma personalidade tão grande, que você mesmo leva um susto. Lembro que tinha
pênalti para o Santos, eu nem ia, só olhava assim, ia Carlos Alberto, Edu, Pelé, todo
mundo para bater: “Não deixa que eu bato.”. Quer dizer, veja só que grupo que tinha
confiança em si próprio. Então, essa personalidade, isso daí induz que você tenha
confiança no que está fazendo. Outra coisa que você aprende: peso, coisa que a gente
não tinha; alimentação, coisa que naquela época a gente comia sanduba. O Santos
não, o Santos colocava peso, balança, tudo certinho. Se precisasse aí sim, dava um
treininho um pouco mais forte de tarde. Então, era um profissionalismo acima da
média, era algo que aí você fala: “Nossa realmente...”.
F.H. – Tinha diferença.
M.P. – Não, porque eles eram um dos poucos no Brasil que fazia isso, só que,
compreendeu, esse alcance que eles tinham era próprio de pessoas que estavam
habituadas a seleção, essas coisas todas. E não era à toa que todo ano surgia um Edu,
um Manoel Maria, um Léo, um Clodoaldo. O Santos sempre revelava jogadores sem
parar, porque tinha essa estrutura interna. Então, o Santos sempre foi e continua sendo
se você quer saber, pode ver esse Neymar, até agora não foi... Eu só fico meio
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preocupado é se o Brasil não ganhar essa Copa do Mundo, não sei não. Mas hoje em
dia, vamos ser realistas, passando qualquer jogo que tiver na televisão, se tiver
passando o do Santos você vai querer assistir o do Santos, com todo respeito aos
outros. Não é isso? Porque infelizmente os outros, a maioria dos craques vai todos
embora, então você começa a falar: “Poxa vida!”. A ponto do Ronaldo Fenômeno
com 100 quilos ficando jogando aqui e você querendo ver ele, essa que é a verdade. O
Liedson que já foi para Portugal é também um segundo ídolo brasileiro depois do
Neymar, essa que é a verdade. Então, acho que está na hora de a gente procurar
segurar um pouco nossos atletas gente, dizem que a Europa está em uma crise
tremenda e aqui não está, espera aí, vamos segurar esses ídolos. Porque na verdade,
você pode ser corintiano, São Paulino e tal, mas se tem um ídolo lá no Botafogo do
Rio, ou no Vasco, você quer assistir esse cara gente. Não é verdade? Esse cara daí é
um representante para todo domingo para você, como é o Neymar, quer dizer, o
Ganso. Então perder isso daí vai induzindo você a querer falar: “Poxa, espera aí, o
que é que está acontecendo?”. Muitas das vezes está jogando jogos aqui do Brasil, e o
Barcelona e o Real Madri, você prefere assistir aos jogadores de lá de fora, ou não é
verdade? Quem que não quer ver um Messi hoje em dia? Não é isso? Então gente, eu
acho que vai ter que ser mexido nisso daí, porque senão nós vamos perder os maiores
ídolos e vai acabar o estádio vazio e todo mundo só querendo ver televisão.
[Interrupção para troca de fita]5
[FINAL DA FITA 1]
F.H. – Marinho, a gente estava falando da sua chegada no Santos, você entrar
no lugar de alguém dentro desse time, alguém que estava saindo, você se torna titular
como?
M.P. – Aí sim, foi mais ou menos premeditado porque o Ramos Delgado, que
era nosso ídolo como zagueiro-central, um argentino, Ramos Delgado, ele estava
saindo porque ele teve lesão, tudo e ia voltar para a Argentina. Então, o Santos estava
urgente procurando um zagueiro-central e isso que induziu, vamos dizer, a minha
compra, quer dizer, eu praticamente fui já para me colocarem já para jogar. Tanto é 5 Trecho não capturado no video
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que nessa época que fui para o Santos, eles estavam até testando o Carlos Alberto
Torres como central, porque estavam também com problema de quarto-zagueiro,
então, quer dizer, a minha compra foi já urgente, praticamente não tinha que disputar
posição, logicamente tinha que jogar bem, para ficar logicamente no time.
F.H. – Nesse momento você vai então ter que mudar para Santos, não é?
M.P. – Aí já as estruturas, vamos lá...
F.H. – Você já estava casado?
M.P. – Não, casado não, casei com trinta anos quando estava no Inter de Porto
Alegre. Aí quando fui para o Santos a estrutura do Santos, me arrumaram um
apartamento para morar, não igual aquele do Leivinha e do Zé Maria, mas um
quartinho só, tranquilo, e já tendo uma certa quantidade em grana para comprar um
apartamentinho, não para comprar por mês como se compra hoje, mas pelo menos em
um aninho dava para comprar um apartamentinho.
F.H. – Você chegou no Santos em?
M.P. – 1972, cheguei no início de 1972 e fiquei até 1974 para disputar a Copa
do Mundo e aí acabou o mundial eu fui para o Barcelona.
F.H. – Como é que é esse período, então, pré Copa do Mundo no Santos,
vocês disputam títulos e tal, quando é que você começa a ser convocado pelo Zagallo?
M.P. – Não, aí veja só, quando eu fui para o Santos eu já tinha sido chamado
para jogos amistosos no Maracanã, então, já se cheirava uma possibilidade de ser
chamado, pronto. Porque já tinha feito um jogo amistoso, tal, mais ou menos, antes da
chamada para a Copa. Então, vamos dizer você mais ou menos pressentia que poderia
e tinha esperança, essa que é a realidade. E o dado interessante, que aí fui convocado
para a seleção com o Luis Pereira, o Luis Pereira no São Bento começou na minha
época, só que o Luis Pereira, olha só como é que é as coisas, ele quando chegou, o
Luis Pereira devia ser um ano mais novo do que eu, o Luis Pereira quando chegou ele
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devia ter anemia, não tinha um dente na boca, o cara tinha problemas físicos
tremendos, só que se percebia, o treinador percebia que ele tinha talento. Então,
praticamente ele ficou seis meses só fazendo física e se alimentando. Então, eu me
criei junto com Luis Pereira, mas nunca chegamos a jogar juntos no São Bento,
porque ele ficou nas camadas jovens. Aí quando fui para a Copa do Mundo foi eu e o
Luis Pereira, como os dois centrais, e o quarto-zagueiro acho que era o Piazza e o
Alfredo. Aí nos treinamentos o Zagallo me perguntou: “Marinho, se precisar você
jogar de quarto-zagueiro você consegue?” Eu falei: “Mas se eu joguei, criei-me com o
Luis Pereira lá em Sorocaba.”, ele: “Não diga!”. Então formamos modéstia a parte,
com todo respeito ao Alfredo e ao próprio Piazza, nós formamos uma dupla de zaga
tremenda. Acho eu que foi uma grande zaga que o Brasil teve só que tivemos
problemas, vamos dizer, por várias lesões de Leivinha, de César, na frente do próprio
Edu, o Clodoaldo que nem inscrito praticamente foi. Então, nós tivemos um pouco de
problema. Mas outro detalhe gente, que aprendi com os holandeses, participei de um
evento com o Cruyff e ele definiu bem o que é que é Copa do Mundo, quer dizer,
totalmente ao contrário do que imaginava. Ele falou: “Gente, Copa do Mundo não é
campeonato, Copa do Mundo é um torneio de seis a sete jogos em que se você perder
um, como a gente pode perder no campeonato, recupera ali na frente, você perde um
você é eliminado.” Então, na realidade, a cada quatro anos não é o que foi campeão
que é o melhor. Essa que é a verdade. Logicamente que você não pode errar, mas
você se der um vacilo... Você quer ver aquele campeonato que até hoje ninguém
esquece, que o Telê de 1982, a seleção brasileira, ninguém nunca se esquece, só que
foi eliminada em um vacilo tal, compreendeu, de um gol até de fora da área, e ficou
fora. Então, quer dizer, esse fanatismo nosso, que a gente quer ser campeão, lógico,
mas não traduz a realidade, essa que é a grande verdade. Você dá um vacilo meu
irmão, você acaba não chegando e é até um pecado porque já que é assim devia ser a
cada dois anos, ué, se é exatamente nas férias europeias e na parada aqui, então que
pudesse ter campeonato mundial a cada dois anos, é um mesinho só, não a cada
quatro anos, porque essa que é a verdade, não traduz tanto a realidade. Essa Copa que
vai ser no Brasil gente, nós temos que logicamente colocar os melhores e torcer para
que de certo, essa que é a verdade. E na verdade, hoje em dia se você perguntar para
qualquer treinador, modéstia a parte eu sou treinador, você não consegue escalar a
seleção brasileira, você tem certas dificuldades daqueles que estão lá fora, porque a
maioria dos que estão lá fora não estão em seus clubes tão bem, ou quando tiveram
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um teste na seleção também não foram bem. Então está meio preocupante você
formar uma seleção. Acho que está... Essa Copa do Mundo aqui no Brasil, vamos
dizer, não está traduzindo aqueles jogadores que a gente mais ou menos tinha na
cabeça, ou tem na cabeça. Na cabeça a gente tem dois, três jogadores, o resto você
já... Então, é meio preocupante isso daí.
F.H. – E você lembra quando você foi convocado, onde você estava na
convocação para a Copa? Que te falaram: “Olha Marinho, você está convocado.”?
M.P. – Estava dormindo, nem sabia. É que você fica disputando tantos jogos
difíceis, às vezes, falam: “Olha a seleção vai ser dita amanhã.” Mas não vai falar o
horário, normalmente você pensa, de noite quando você liga a televisão, aquelas
coisas. Então estava deitado depois do treino do Santos, tocou o telefone: “Oh,
parabéns, você foi convocado!” Falei: “Pô, obrigado!” Quer dizer, um repórter que
passou para mim, porque não é como hoje. Hoje você, desculpe, dois dias antes da
convocação você já sabe quem é, vocês já sabem quem vai ser convocado. [Risos]
F.H. – Marinho, como foi essa preparação aí? Aqui no Brasil?
M.P. – Nossa em termos de preparação física nunca vi tão boa quanto a nossa
e vou ser sincero para você, preparadores físicos e médicos de recuperação para
atletas que nem no Brasil não tem, tanto é que a maioria das operações de italianos,
alemães e não sei o que, com todo respeito, vem todos para cá. Porque aqui nós temos
uma qualidade na preparação física e também na parte de operações, foi fantástico nós
chegamos lá, vou dizer uma coisa, em vez de 90 minutos dava para jogar 180. Era
fantástico e a mentalidade de alimentação e todo mundo no peso. E outro detalhe que
é fundamental, a Copa do Mundo, você tem, eu digo isso e vou até me aprofundar um
pouco, Copa do Mundo você tem reter os jogadores na concentração. Você pode
perguntar: “Mas escuta, mas espera aí, e a parte sexual?” Porque a maioria das
pessoas pergunta, quando você tem dois, três dias. Digo isso porque aprendi, não vou
citar o nome desses atletas porque pode até ficar mal, nós, seres humanos, não
praticamos, desculpe a sinceridade gente, sexo como os animais que praticam para
reproduzir e pronto. Um cidadão, ele jovem, pratica para se divertir e fica
praticamente a noite inteira se divertindo, desculpe a sinceridade, e isso torna-se um
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desgaste muscular violentíssimo, isso daí é raro alguém que fale na televisão porque
pode pegar mal e não sei o que, mas é a real, quem jogou bola e percebeu isso sabe,
essa que é a verdade. Então, você tem que ficar na concentração porque isso pode
induzir a um desgaste físico, não é mental não, violento. Então todos os times que eu
treino gosto de fazer pós-jogo uma concentraçãozinha e treino no outro dia para que
isso daí seja feito, mas na hora certa e no momento certo, porque com a juventude
você praticamente quer se divertir a noite inteira e isso reflete no outro dia.
F.H. – E como era essa questão em 1974, lá?
M.P. – Bom, a gente nem saía do hotel, nesse aspecto só temos que
parabenizar. Nesse aspecto os brasileiros são fantásticos nisso daí. Agora, por
exemplo, você vê os holandeses agora nessa Copa ou na anterior.
F.H. – Foi nessa última. [Risos]
M.P. – Libera o jogador na véspera, oh gente, não faz isso a não ser que o cara
tenha uma cabeça tremenda, aí é outra história. Mas, eu preferiria manter, por que
qual é a diferença você segurar um cara dois, três dias, a mais, o que é que é isso
gente? E você que já esteve lá dentro sabe que faz diferença. Então, hoje em dia, essa
parte de preparação física ela vai além do normal, você também tem que saber outros
lados, e você precisa mentalizar o jogador. O jogador tem que saber raciocinar,
porque isso faz diferença lá dentro e a primeira pessoa a sentir isso é o próprio
jogador lá dentro. É importante, desculpe falar, é a realidade, faz parte poxa, e isso daí
não é só o jogador de futebol, você vê entrevista de nadadores, maratonistas, porque é
a realidade gente.
F.H. – Marinho você elogiou a preparação física, ainda era a equipe do Chirol,
Parreira, Coutinho...
M.P. – Chirol, Parreira, Coutinho, exatamente, era um grupo que
posteriormente o Coutinho foi de treinador na Copa de 1978, o Parreira sempre ficou
de preparador físico e depois que virou treinador.
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F.H. – Mas Marinho, existem algumas questões que são levantadas quanto a
esse elenco. Primeiro porque era um momento pós Pelé na seleção, pós a geração um
pouco do Pelé, ia ser uma Copa que o Brasil jogaria sem Pelé, algo que não acontecia
desde há muito tempo atrás e que existiam problemas de grupo, interno entre os
jogadores, rivalidade entre os jogadores paulistas e cariocas, que existiam
desentendimentos. Alguns jogadores chegaram a falar isso para a gente.
M.P. – Não, veja só, honestamente nunca percebi isso daí, porque os jogadores
que na época foram convocados sem dúvida eram os que tinham mais se destacado no
próprio campeonato. Entende? Essa rivalidade poderia existir na época em que só
eram convocados paulistas e cariocas, mas depois de 1970 que foram mineiros,
gaúchos, tudo, eu acho que essa rivalidade foi acabando porque você via na televisão.
Agora, o que o jogador de futebol brasileiro tem, de certo modo, se ele é suplente ele
se incomoda, não aceita a suplência e além de não aceitar a suplência pode criar mal
ambiente. Você está entendendo? Porque gera uma insatisfação e mesmo em Copa do
Mundo, porque já não dá mais para você trocar ele para chamar outro, porque já foi
todo mundo inscrito e essa cultura nossa brasileira, ela já vem de muito tempo. Hoje
melhorou bastante, mas mesmo assim, um ídolo se colocar de suplente meu irmão,
pode ter certeza que... E os jogadores brasileiros hoje você vê quando é substituído,
ele nem vai para o banco de suplente, ele já sai como dizendo assim ao treinador...
Isso é cultura gente, espera aí, no mínimo esse jogador teria que ter respeito para
aquele colega que está entrando no lugar dele. Então, infelizmente isso daí ainda
existe no nosso futebol e ainda jogadores de elite, coisas que lá no futebol europeu, se
você fizer uma coisa dessas, você é afastado pela própria torcida. Aqui a torcida, se
tira um jogador que eles gostam, eles vaiam o treinador. Aí que dá chance para o
jogador até reclamar, lá na Europa mesmo o cara jogando bem, se sair e ele chiar, oh!
Então, esse aspecto nosso ainda é bastante atrasado, essa que é a verdade, e isso
repercute mal, porque não se esqueça que o outro também está tentando a sua sorte e
se ele representou e foi educado até agora, o que é que é isso? E o treinador, muita das
vezes, troca o jogador porque está vendo que o cara está cansado, ou aparenta que a
lesão dele... Só que o torcedor não sabe disso.
F.H. – Você acha que tiveram problemas desses em 1974?
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M.P. – Em 1974, o que posso dizer é: insatisfação de suplente teve. Não vou
citar detalhes, porque isso daí é normal. Normal que eu digo, na cultura do nosso
futebol, que nós precisamos melhorar. Essa que é a grande realidade. Porque se
momentaneamente você é suplente, o que é que tem? Espera aí poxa! Então, você tem
que ter a decência de momentaneamente deixar o outro, mesmo que você considere-se
superior, deixa o rapaz mostrar o dele. O que é que isso? O cara também é gente,
nesse aspecto já foi pior, nós melhoramos, mas mesmo assim, a gente percebe quando
jogadores, ídolos, são substituídos. Então, infelizmente nesse aspecto cultural nós
estamos um pouco atrasados ainda.
F.H. – Então começa, tem essa preparação, todo esse tempo, você falou um
pouco para a gente e começa a Copa do Mundo, a estreia, primeiro jogo do Brasil.
M.P. – É porque normalmente o país campeão, é ele normalmente que faz a
estreia. Fomos nós e a Iugoslávia, e a Iugoslávia é vizinha da Alemanha, então o
estádio estava de iugoslavo que você não fazia ideia e foi logicamente um jogo de
empate, zero a zero, nós jogamos bastante firme lá atrás, tivemos problema de fazer
gols. Aí teve o segundo jogo, que vamos dizer, se você perde, praticamente está
eliminado, nós empatamos com a Escócia, de novo zero a zero. E aí fomos jogar
contra o Zaire, nós tínhamos que mais ou menos ganhar de dois gols de diferença para
não ter problema com aqueles que ganharam só de um a zero, ou empataram. E nesse
jogo houve uma passagem, que hoje em dia a gente dá risada, mas na época não
demos risada. O César Maluco, você sabe quem é o Cesar, que esteve na seleção com
a gente, do Palmeiras, o que é que acontece, o estádio, você tinha que descer de
escada rolante porque o vestiário era na parte de cima, então você descia de escada
rolante. Não é que desceu a seleção brasileira e na outra escada rolante começou a
descer o time do Zaire, o César Maluco vai no elevador e aperta o breque, caiu toda a
crioulada da escada rolante do time do Zaire. Quer dizer, ele, César, morrendo de rir e
os caras do Zaire “p” da vida, falando, o que é que é isso, porque viram que era o
César com a camisa da seleção. Meu irmão, o jogo se tornou dramático, porque os
negões aí falaram: “O quê, vai ser agora.” Eu nunca tinha visto escada rolante, todo
mundo virando, você já pensou a escada rolante indo rápido, ele faz ao contrário, você
quer o que, poxa. [Risos] Um dia pegue o César Maluco e entreviste para você ver o
que é que ele vai contar dessa. [Risos]
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F.H. – E aí vem que vocês conseguem o resultado, três a zero.
M.P. – Isso aí que nos induziu a ir para outro grupo, classificou nós e acho
que, não sei se foi Escócia ou Iugoslávia. Aí nós fomos para outra chave e jogamos
contra a Alemanha Oriental, aí sim, fizemos o nosso primeiro gol, ganhamos da
Alemanha Oriental acho que de um a zero.
F.H. – Até aí vocês não tinha tomado gol, não é?
M.P. – Isso. Aí ganhamos da Alemanha Oriental, porque caímos: Alemanha
Oriental, Argentina, nós e Holanda. Olha só, os quatro. Jogamos contra a Alemanha
Oriental, ganhamos de um a zero, e jogou Argentina com a Holanda, que nós
assistimos, parece que o jogo foi dois, três a zero, para a Holanda, mas atropelou a
Argentina que você não faz ideia, só que na pré-temporada já da Copa do Mundo teve
um amistoso, Holanda Argentina, parece que a Holanda meteu cinco na Argentina.
Então, nós fomos jogar contra a Argentina, acabou o jogo e cai para o exame
antidoping, eu e o Perfumo da seleção argentina, que jogava no Cruzeiro de Belo
Horizonte. Aí, fomos fazer exame antidoping, eu e o Perfumo: “O que é que é essa
Holanda que meteu em vocês dois e depois no amistoso, quatro?”, “Marinho, você
não sabe de onde é que vem tanta gente, vou dizer uma coisa Marinho.”, “Mas o que
você orienta para a gente?”, “Não tem jeito Marinho, parece que eles têm trinta
jogadores.”. O Perfumo dizendo que não sabia o que é que podia ser feito. [Risos]
Verdade, olha só.
F.H. – Mas vocês já tinham essa preocupação então?
M.P. – “Marinho, não teve jeito Marinho.”. Você está entendendo, se você faz
um amistoso, perde de quatro, e pela Copa perde de dois, não consegue fazer nenhum
gol e fica o jogo inteiro impedido. Ele falou: “Marinho, não sei o que é que eles
fazem, compreendeu? Então, não posso te dizer nada.”. E nós jogando contra a
Holanda, nós no primeiro tempo tivemos até chance de fazer gols, se tivéssemos feito
poderia ter alterado, é aquele negócio, só que não fizemos, veio o segundo tempo eles
fizeram, o Neeskens fez um gol, compreendeu, até de canela e encobriu o Leão e aí
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eles fizeram o segundo, que o Luis Pereira também foi expulso, aí deu aquele pânico.
Aí fomos disputar terceiro e quarto lugares, terceiro e quarto lugar para brasileiro meu
irmão, com todo respeito, é a mesma coisa que... O time já tinha perdido e o que se
escutava era: “Vamos descer no aeroporto do exército.” E realmente nós não
descemos no aeroporto normal não, descemos em aeroporto fechado do exército do
Rio, porque o povo estava revoltado, aqueles negócios. Porque você vinha de uma
Copa de 70, e ganha a de 1958, a de 1962, 1970 e a 1974 não ganhou, então ficou um
ambiente bastante difícil. Polícia protegendo a gente, mas é a realidade, o fanatismo
nosso é esse.
F.H. – Lembra de ter ficado mal com o resultado, sentimento de...
M.P. – Interiormente, você logicamente queria uma coisa melhor. A gente
acha até que contra a Holanda, a Holanda não foi tão superior para ganhar de nós de
dois a zero. Então, mas isso daí é aquele negócio, Copa do Mundo você deu um azar,
deu um vacilo... Tanto é que a Holanda nos últimos quatro anos, jogava contra a
Alemanha, ganhava de três, quatro a zero, perdeu de dois a um, quer dizer, a
Alemanha já sabia como eles jogavam. Essa que é a verdade. Mas na realidade gente,
você participar, interiormente é orgulho, de uma Copa do Mundo, queira ou não você
está representando não só o seu país, como você teve qualidades para ser chamado,
você não foi sem querer para um lugar desses. Então interiormente é um orgulho e
também interiormente é um fracasso, porque para nós brasileiros você não ganhar a
Copa do Mundo fica marcado interiormente e a cobrança nossa, porque o Brasil é o
país do futebol. O nosso orgulho não é pelo tênis, basquete, o nosso é o futebol, e
também por jogar bem, quer dizer, a Copa do Mundo que o Telê fez, mesmo ficando
lá embaixo, até hoje é marcada, porque a seleção jogou bem. A seleção, quando
derrapa um pouco...
F.H. – Você acha que a de vocês deu uma derrapada?
M.P. – Isso, exatamente. Então, a Copa do Mundo é como o Cruyff diz, devia
ser feita a cada dois anos, não é a cada quatro anos, porque na verdade não é a Copa, é
um torneio e que vai ser logicamente aqui no nosso país e nós vamos estar torcendo.
Não tem outro jeito. [Risos]
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F.H. – E a disputa de terceiro lugar o Brasil acabou perdendo também para a
Polônia.
M.P. – Sim, sim, vamos lá, aí a seleção já estava interiormente abatida, os
jogadores, não se dorme bem de um dia para o outro, você está entregue, logicamente
que se queria ganhar, mas pronto, a gente deu um vacilo em um contra-ataque, porque
nós tivemos inúmeras oportunidades e em um contra-ataque o Lato6 pela direita teve
muita velocidade e conseguiu o gol que deu a vantagem para eles e pronto, nós
ficamos com o quarto lugar. Aí teve até problemas como discussão entre o Leão e o
Marinho Chagas.
F.H. – Chegaram até às vias de fato ali, os dois?
M.P. – Meu irmão, vias de fato não porque, acho eu, você quando está
tomando banho, discute alguma coisa, mas é verbal, mas a gente estava totalmente
abatido, porque compreendeu tinha perdido. É difícil você querer julgar se foi a
aquele ou aquele, isso é uma coisa bastante assim difícil, entende? Na verdade teria
que esperar mais quatro anos para a gente ver se recuperasse. Essa que é a verdade.
Que, aliás, foi na Argentina depois.
F.H. – Mas Marinho, uma pergunta, a defesa do Brasil era muito boa, muito
sólida, o Leão era um grande goleiro, você e o Luis Pereira formaram uma dupla de
zaga muito boa, é uma defesa sólida, tanto que demora quatro jogos para tomar gol. E
o ataque não era tão bom e trazia dificuldades, existia essa rixa entre vocês, alguma
bronca do pessoal da frente: “Poxa a gente defende aqui e vocês...”?0
M.P. – Não, veja só, na Copa do Mundo logicamente os dados demonstram
que nós tivemos dificuldade na frente, isso pelos dados, não por falta de capacidade.
Nós tínhamos de centroavante, atacantes, Leivinha, mas se lesionou. César, se
lesionou, então ficou Mirandinha, Jairzinho, tinha o Rivelino pelo lado esquerdo,
Valdomiro pelo lado direito. Acho que um jogador como um Leivinha, o próprio
6 Grzegorz Lato.
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César, se tivesse bem, sem lesões são jogadores, vamos dizer, mais de frente, isso daí
nós talvez sentimos um pouco de falta.
F.H. – Tinha o Caju também.
M.P. – E tinha o Paulo Cesar Caju, exatamente, mas jogava pela ala, vamos lá,
nós não tínhamos jogador de frente que enfiasse lá dentro, que poderia ser Leivinha,
Cesar. Então, nós sentimos um pouco dessa dificuldade, compreendeu? Mas isso daí
faz parte gente, não tem jeito, se os jogadores se lesionam não tem jeito e na hora
você vai entrar com o que você tem. Você não tem outra alternativa e, na verdade, no
primeiro tempo nós tivemos muita chance, só que não fizemos. E o interessante que
nos abriu no segundo tempo, você sabia que o empate era deles? Favorecia, porque
desses quatro quem estava em privilégio, primeiro, era a Holanda, depois que vinha a
gente, então, se nós empatássemos a Holanda se classificava em primeiro. Então, nós
tínhamos que jogar pela vitória, tanto é que no primeiro tempo eles praticamente não
tiveram chance, nada, nós jogamos lá atrás fechadinho tudo, mas no segundo tempo o
próprio Zagallo falou, nós temos que abrir, soltar mais, porque o empate é deles.
Então, quer dizer, aí teve que ser feita mudanças, alterações, só que eles tiveram o
privilégio de fazer um gol, aí pronto, logicamente as coisas se alteram.
F.H. – E você falou da derrota, a volta para o Brasil.
M.P. – Terrível.
F.H. – Terrível, e como é que vai vir a sua ida para o Barcelona assim depois?
M.P. – Aí é que está. Praticamente, assim que acabou a Copa do Mundo, que a
gente voltou para o Brasil, o diretor do Santos falou: “Marinho, o pessoal de
Barcelona está procurando, você tem interesse em morar fora e não sei o que?”, falei:
“Gente, estou abatido porque perdemos uma Copa do Mundo, mas qual é a pessoa
que não gostaria de não só jogar no exterior como, em termos, fazer o pé de meia?”.
Não que o pé de meia naquela época fosse o que você ganha hoje lá fora, mas pronto,
fiquei dois anos lá deu para trazer um trocadinho. Só que esperava ficar dez anos e
por problema militar meu, tive que voltar para o Brasil, antes foi uma experiência e
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deixei amigos.
F.H. – Foi uma adaptação fácil quando você chegou à Espanha?
M.P. – Não, veja só uma coisa, é um pouco assim estranho, porque você chega
em Barcelona, você não tem a noção que o barcelonense não fala o espanhol, fala o
catalão poxa. O catalão para você ter uma noção, quem não sabe, é a mistura em
termos do francês com o espanhol, então, quer dizer, poxa você chega lá e começa a
dar entrevista em espanhol o cara: “No parla catalão?”. Que parla catalão!
Compreendeu? Então, é um pouco difícil e a rivalidade do Barcelona com o Real
Madri é 40 vezes mais do que Palmeiras e Corinthians, é algo que você não faz ideia,
tanto é que você vai jogar no estádio do Real Madri você é xingado o jogo inteiro.
Naquela época, acho que agora melhorou bastante.
F.H. – Mas ainda tem uma questão política.
M.P. – Não, tem essa questão política, só que agora como eles ganharam Copa
do Mundo e tudo, porque a questão política também não era só com o Barcelona, era
com o San Sebastián e com o Bilbao7. Você jogar em lugares assim, você tinha
problemas no avião, no ônibus, no próprio hotel, então não imaginava uma coisa
dessas, imaginava uma rivalidade dentro de campo, mas não fora de campo a ponto de
eu falar para você, dez dias em Barcelona, começa a sair nos jornais de Madri que
vim para servir o exército. Poxa, o que é que isso? Então os caras de Madri sabiam
que me naturalizei espanhol, eu tinha que servir o serviço militar, só que levei que
tinha o serviço militar brasileiro, isso não valia lá. Então, gostaria de ter ficado, tive
que me mandar, fiquei 15 anos sem poder entrar na Espanha, você está pensando o
quê?
C.B. – Mas você já tinha a cidadania espanhola quando você foi para lá?
M.P. – Claro, porque meus pais são todos espanhóis, meu pai, minha mãe, a
família inteira é espanhola, quer dizer, então você chega lá: “Cadê o serviço militar?”,
7 Athletic Bilbao.
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quando me chamaram, “O serviço militar meu levei o brasileiro.”, “Não, mas aqui
você está na Espanha.”. Compreendeu? E na verdade o serviço militar meu era
marinha, aí os caras do Barcelona me chamaram e falaram: “Marinho, nós
contratamos em termos errados, nós vacilamos.”. Compreendeu? Então, todas as
vezes que ia jogar, não em Barcelona, mas ia jogar em outras cidades era motivo dos
caras gritarem: “Vai fazer o exército, vai fazer a marinha.”, quer dizer, me tornei
assim um motivo de riso e eu ficava tão abatido que ligava para o Leivinha e para o
Luis Pereira, que eram lá de Madri, do Atlético, eram os únicos estrangeiros, ligava e
falava: “Poxa, estou numa situação...”, complicadíssimo, essa que é a grande
realidade, então tive que... Gostaria de ter ficado lá mais tempo, porque já tinha me
adaptado, mas não me adaptei a situação real deles.
F.H. – Você pensaria em jogar pela Espanha?
M.P. – Não, como é que vou jogar se já tinha jogado pelo Brasil? Não daria
para você se nacionalizar de novo e jogar em dois, aí não dá, mas digo, me
nacionalizei para jogar em um time que só podia ter dois estrangeiros, que eram o
Neeskens e o Cruyff. Os jogadores argentinos, por influência de a Espanha ter
conquistado não precisam nacionalidade, pronto, como antigamente era Brasil e
Portugal, entrava como se fosse português. Agora, tive esse problema meu irmão.
F.H. – Como é que foi, alguém te avisou, olha Marinho vamos ter que fugir
daqui? Como aconteceu?
M.P. – Não, exatamente, o presidente e os vices falaram: “Marinho, nós
vamos ter que tomar uma iniciativa porque agora o negócio ferveu.”, isso depois de
quase dois anos, vê se você entendeu o quanto que passei, e como o passaporte
espanhol meu já tinham tomado, já não podia jogar mais como espanhol. Então, fiquei
enclausurado em um apartamento, então eles deram um tempinho: “Marinho, nós só
podemos sair com você, não de avião, porque você em Madri vai parar lá. Vamos sair
via Nice, via os Pirineus.”, quer dizer, Barcelona faz divisa quase com a França,
bastou subir e descer cai em Nice. De Nice, pronto, estava com o passaporte
brasileiro, fui para Paris, de Paris – Brasil. Entendeu? O que passei gente, não desejo
e honestamente eu estranho o barcelonês, o catalão não ter percebido que poderia
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acontecer isso, essa que é grande realidade, e outro detalhe, olha o que é que é a
decência também, tinha contrato de quatro anos, eles me pagaram os quatro anos. É
mole uma coisa dessas? Olha, se isso fosse aqui no Brasil! Fiquei em termos dois
anos, abro uma conta na suíça, pagou os outros dois anos que eu estava... Vê o que é
que é decência, e ao mesmo tempo também o erro cometido.
F.H. – Era regime franquista, não é?
M.P. – Não entendi.
F.H. – Era o regime do Franco aquela época?
M.P. – Não, tinha o do Franco...
F.H. – Era o regime dele?
M.P. – Era o regime dele, exatamente.
F.H. – Tinha até o medo de ser preso.
M.P. – É por isso que estou te falando, você não faz ideia o que eu passava,
muitas vezes, não saía para jantar fora, nada, de ter receio porque a rivalidade que
tinha dos madrilenos com os catalães era também sobre isso. Compreendeu? O Real
Madri fazia a brincadeira com o Barcelona dizendo: “Olha vocês contrataram um cara
para servir exército aí. E agora?” Saía no jornal sem parar, então eu ia jogar, por
exemplo, em Cádiz, saía no jornal também essas coisinhas. Então me tornei uma coisa
complicadíssima, só depois de 15 anos, tal, que fui anistiado e que pude, trabalhando
em Portugal, pude visitar a Espanha porque antes não podia porque podia ser...
Compreendeu? Pego lá dentro.
F.H. – E quando você voltou ao Brasil nesse momento você pensou em voltar
para o Santos, como é que foi?
M.P. – Não, aí o que é que aconteceu? O Palmeiras e o Inter de Porto Alegre,
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pelo telefone, eles queriam ir me buscar lá na Espanha, e eu falava: “Não venha me
buscar porque aí que não saio, entendeu? Não venha me espere aí.”. Só que daí o
Rubens Minelli, que era o treinador do Inter, eu tinha já intimidade com ele porque
ele tinha treinado a Portuguesa, falou: “Marinho, fica tranquilo, pode vir para cá e não
sei o que, pega o avião via Porto Alegre e tal.”. Pronto, então foi isso, já desci em
Porto Alegre, vou querer correr o risco de... E eles queriam ir me buscar lá, você já
pensou [risos] empresário aparece para buscar, aí que complicaria tudo, aí não teria
jeito.
F.H. – E como que é a sua chegada, o Inter é um time muito vitorioso e você
também vai encontrar outro grande zagueiro para jogar ao seu lado que é o Figueroa.
M.P. – Dos times que joguei, honestamente, o time mais, vamos dizer,
completo, mais coeso foi o Inter de Porto Alegre. O Santos era um time de talentos
individuais, compreendeu, que a parte da frente que fazia diferença. O Palmeiras
quando depois do Inter fui, era um time em renovação, que estava surgindo Pires,
Baroninho, Pedrinho, um monte de garotada, a Portuguesa era um time também que
estava em formação, o Barcelona, os problemas que passei não posso nem citar. Então
o Inter, era um time que tinha sido campeão do Brasil e era um time de jogadores não
só experientes, como de formação, poxa, então está formando naquele ano
praticamente: Falcão, Batista, Carpegiani, Caçapava, Valdomiro, Cláudio Duarte,
Vacaria. Pelo amor de Deus. Então era um time de uma pegada tremenda e o Minelli,
como eu tinha vindo sabendo de linha de impedimento, o Minelli sempre queria
colocar isso na Portuguesa, só que não dava para colocar tão bem, pelo menos sabia,
aí nós começamos a colocar no Inter de Porto Alegre, de certo modo, não com tanta
perfeição, porque o ataque nosso o único que não marcava era o [inaudível] o resto
saia tudo para marcar. Então o Inter fez um campeonato, vamos dizer se fosse de 20
clubes, fez 38 jogos, dos 38, vamos dizer, ganhou 30, que era um time de pegada meu
irmão e jogava igual dentro e fora de casa, quer dizer, era um time que foi campeão
gaúcho também. Aliás, o futebol gaúcho tem muita pegada, ele tem muita influencia
lá do sul, dos argentinos, do Uruguai, então o futebol gaúcho já tem uma pegada
muito forte e o Minelli conseguiu introduzir lá e para mim foi, vamos dizer, em
termos de passagem de clubes a melhor que eu tive foi no Inter de Porto Alegre.
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F.H. – E por que vem a saída para o Palmeiras?
M.P. – Já estava chegando aos 30 anos, vê se você entende.
F.H. – Já tinha casado já?
M.P. – Casado é o de menos, aos 30 anos, você já não começa a ter o pique
que você tinha antes e o Inter no que ele começou a fazer a renovação para gastar
menos, tanto é que não fui só eu que saí, saiu o Carpegiani, saiu o Elias Figueroa,
quer dizer, os jogadores, em termos, que ganhavam mais eles deram um corte. Então
foram fazendo outros jogadores, então na verdade eu sai no auge, mas já, vamos
dizer, sentindo um pouco. Porque naquela época não era como hoje, hoje você joga
com o Corinthians, você joga no domingo e vai jogar na quarta, o próprio treinador
sabe, vocês e os torcedores sabem que de repente é melhor você amenizar o jogador,
não colocar na quarta-feira, colocar no outro domingo porque ele vai sentir desgaste.
Naquela época não tinha, era obrigatório, então você não resistia tanto é que eu saí
também do Palmeiras e fui para o América, parei de jogar com 31 anos. Por quê?
Porque você não resistia, domingo, terça, quinta, domingo, não dá, o seu organismo
não resiste, aí começa a dar câimbra, tanto é que hoje com o campeonato do jeito que
está os clubes o que é que fazem? De vez em quando dá um descansinho para o cara,
quer dizer, jogou domingo, só vai jogar no outro, nesse meio de semana você não
joga, vê o que é que é recuperação, hoje em dia se tem esse alcance para o cara jogar
até com mais idade, agora, antes era obrigatório meu irmão, não tinha jeito e não dava
para você enganar com uma lesão, não tem jeito. Então, naquela época parava, o
único que parou com 36 acho que foi o Pelé, que depois foi para o Cosmo, com 34 foi
para o Cosmo e jogou até os 36.
F.H. – E aí você volta para o Palmeiras, não é? A escolha foi sua, alguém te
procurou?
M.P. – Não, não voltei para o Palmeiras, foi a primeira vez que fui para o
Palmeiras.
F.H. – Ah é, voltou para São Paulo.
Transcrição
38
M.P. – Voltei para São Paulo, pronto, apareceram alguns clubes querendo, do
Rio e não sei o que, mas poxa de São Paulo que já conhecia, falei não, será um prazer
jogar não só no Palmeiras, que eles estavam precisando, que com a garotada enorme
que tinham eles precisavam de alguns experientes. Então, praticamente a minha ida
para o Palmeiras mais era pela experiência também, que era um time em formação,
começando o Rosemir, Pedrinho, Pires, Ivo, Baroninho, o próprio Jorge Mendonça
começando, Toninho. E nós, tanto é que fomos a final do brasileiro, perdemos para o
Guarani.
F.H. – 1978.
M.P. – Isso. E daí pronto, fui para o América do Rio, foi quando dei o início
de treinador, porque o Telê aí me levou para o mundo árabe, foi onde, juro por Deus,
que comecei a ganhar um pouquinho de dinheiro. Porque naquela época você ganhava
dólar em um país que naquela época a moeda nossa não era nem o real, era outra,
você vinha com dólar, o dólar aumentava por dia, era algo que... Então você vinha
com 20.000 dólares comprava um carro, comprava quase um apartamento, então todo
mundo queria ir para o mundo árabe.
F.H. – E como é que é essa decisão de parar Marinho?
M.P. – Na verdade você não para, é que te param. Na verdade, eu treinando o
América.
F.H. – Você estava treinando o América?
M.P. – Não, jogando.
F.H. – Como você foi para o América?
M.P. – Fui para o América porque surgiu a oportunidade de jogar no Rio de
Janeiro, minha esposa: “Vamos conhecer.”, porque não apareceu nenhum grande
aqui.
Transcrição
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F.H. – Ah encerrou o contrato no Palmeiras?
M.P. – Encerrou no Palmeiras, acabou. Não apareceu nenhum grande, não
apareceu nada e o América, falei: “Quer saber de uma coisa, é o último, e minha
mulher, deixa conhecer o Rio.”. Aí fui para o América, fiquei no América uns seis,
oito meses, o treinador do América era o Antonio Lopes, o delegado. Então, o que é
que acontece, o Antonio Lopes foi contratado pelo Vasco e eu sofri um problema no
tornozelo que tive que ser operado e não sei o que. O América falou: “Enquanto não
contratar treinador Marinho, fica você de treinador.”. Quer dizer, na verdade fui
lançado como treinador desse jeito, e aí o time não é que ficou em segundo lugar? O
time começou a até se destacar e não sei o que. Foi quando o Telê me ligou e falou:
“Marinho, estou indo para o mundial, você foi fantástico comigo, não sei o que, você
quer ser meu auxiliar no mundo árabe, que vou depois do mundial?”, falei: “Telê,
pelo amor de Deus, é o que estou precisando!”. Então, o que acontece, o Telê vai para
o mundial, eu três meses depois fui para o mundo árabe. Então, três meses depois do
mundial o Telê foi para o mundo árabe, mais ou menos já tendo noção, porque já
estava treinando um time. Então, sou muito grato ao Telê, à família, pela decência.
F.H. – Até 1982 isso?
M.P. – Exatamente, fiquei lá.
F.H. – E onde que vocês vão trabalhar lá, é na seleção, é em clubes?
M.P. – Não, lá treinei o Al-Ahli, seria o time dos príncipes lá. Agora, você que
sai de um país como o Brasil e vai para lá, por mais que você... A sua mulher não
pode andar de calça comprida porque não fica bem e tem que tapar o rosto, porque
não pode mostrar o cabelo, sobrancelhas, é uma coisa um pouco estranha, porque
você não está habituado, por mais que a pessoa fale para você, mas você fala: “Espera
aí.”. Outro detalhe ela dirigia, lá não pode dirigir mulher, então, quer dizer, a
adaptação no primeiro ano é meio desconfortável nesse aspecto e você praticamente
acaba o treino e vai para casa, porque lá não tem barzinho não tem nada, não tem
bebida alcoólica. Tem shopping, mas no shopping você tem que ir toda tapada, vê se
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você entendeu, é um pouco esquisito, mas eu me dei bem, tanto é que fiquei o que,
uns quatro anos.
F.H. – Nossa, muito tempo.
M.P. – Fiquei quatro anos.
F.H. – E o futebol lá em si?
M.P. – O árabe tem muita habilidade, é tipo o brasileiro, agora, ele não se
prepara bem fisicamente e não é tão profissional, quer dizer, não adianta você dar
treino forte se ele em casa não se cuida. Então, vamos dizer, a Arábia Saudita não era
top lá para o mundo árabe, a Arábia Saudita estava começando, essa que é a verdade.
O Kuait, Catar, Egito, esses daí sim eram os destaques, a Arábia Saudita não tanto. E
daí, veja só como são as coisas, eu fui mais dois anos para outro clube que me pagou
um pouco mais, falei: “Telê, to indo.”. Aí o que é que acontece, surge proposta acho
que foi em 1986 do futebol português. Olha só uma coisa como é que foi, essa vocês
vão dar risada. Eu tive uma passagem quando voltei da Arábia no São Bento de
Sorocaba que era o meu time da minha cidade. Os caras: “Oh Marinho, dá uma
semana, 10 dias, 20 dias aí, treina um pouquinho até aparecer outro time.”. Aí treinei,
não sei o que, e o Paulo Autuori que é o treinador, ele era preparador físico na época
que eu era do América, e o Paulo me ligando: “Marinho vem cá, não sei o que, vou aí
no São Bentinho, vou ser o preparador físico.”, “Então vem para cá.”, pronto. O Paulo
Autuori veio e ficou uns dias comigo lá no São Bentinho e tal, veio proposta de
Portugal. Eu: “Vamos embora?”, “Vamos embora.”. Fomos para Portugal, olha como
é que são as coisas da vida, chegando em Portugal, não sei o que, e apresentação, tal,
o cara: “Você é o treinador tal, e esse senhor aí?”, juro por Deus: “Ele é o meu
preparador físico.”, “Não.”, o presidente do clube: “Preparador físico nós temos já.”,
falei: “Não, desculpe, ele é meu auxiliar.” Não tinham me falado que não era
preparador, o Paulo ia de auxiliar, não me falaram, eu: “Poxa.”, o cara: “Aqui não é
auxiliar, aqui é adjunto.”. O português não fala auxiliar, é adjunto. [Risos] Falei:
“Aqui o Paulo Autuori pode falar que é meu adjunto.”. Onde ele deu início à carreira
de treinador. Fizemos uma tremenda campanha, ficamos em terceiro lugar, quase em
segundo, com um time que lutava para não descer, o Vitória de Guimarães, então, o
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que é que acontece, acabou o primeiro ano convidaram eu para ir para Belenenses8,
não deixaram que levasse o adjunto, o Paulo Autuori foi para a Ilha da Madeira
também. Compreendeu? Era auxiliar meu, fizemos a campanha, deu início ao
treinador.
F.H. – Grande treinador.
M.P. – Não, excelente e está para vir para o Brasil. É o que me falaram.
F.H. – Vai voltar?
M.P. – Gente finíssima, decente. Mas você vê como é que são as coisas,
quando quer a coisa acontece: “Meu preparador físico.”, “Não, preparador físico...”,
“Meu auxiliar.”, “Não é auxiliar, é adjunto.”. Cada vez que encontro ele é o adjunto.
[Risos]
F.H. – Esse período de treinador em Portugal, como que é essa diferença do
futebol lá, você teve dificuldade? Você fez muito sucesso, porque você treinou o
Vitória, você falou que foi para o Belenenses, você treinou o Sporting, Ilha da
Madeira.
M.P. – O futebol português tem, vamos dizer, a vantagem para aquele
brasileiro que está indo, porque o que tinha de brasileiro no meu time, porque o
brasileiro podia entrar lá como português.
F.H. – Qual time?
M.P. – O Vitória de Guimarães, como o Setúbal, como todos os outros. Então
eles levavam o treinador brasileiro porque sabiam quem estava levando, com um
salário razoável dava para você levar oito jogadores, certeza que iam jogar, armamos
um time fantástico lá que ficou em terceiro. Aí o que é que acontece? O Belenenses
me contrata, o Paulo já foi para outro lugar, enchi de brasileiro, ficamos em terceiro
8 O Belenenses.
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de novo, no outro ano campeão. Fiquei mais de seis anos no Belenenses, não seguido,
ia e voltava, e no Vitória de Guimarães voltei outra vez, fiquei mais um ano na Ilha da
Madeira e no Sporting fiquei dois anos, quer dizer, então fiquei uns 12 anos mais ou
menos. Porque o futebol português para nós brasileiros é mais fácil. Agora, você é
obrigado, às vezes, a se deparar com jogadores europeus, principalmente, que vinham
da Iugoslávia, que era o mais barato, você tinha que mais ou menos se adaptar, porque
eram jogadores que queriam fazer marcação, então você tinha que também saber
dialogar com esses daí. Compreendeu? Porque o jogador brasileiro ele gosta de jogar
de uma maneira, perdeu a bola vem para o meio-campo atrás. O europeu não, mesmo
ganhando o jogo: “Não, vamos tomar deles lá.”, é cultura isso do próprio clima.
Então, eu tive muito tempo aí para ir treinar na Holanda, mas falei: “Na Holanda não,
estou bem em Portugal, ganhando bem, vou querer eu de repente...”, e até na Espanha
em times pequenos, mas acabei não indo. Fui para a América Central, treinei a
seleção de El Salvador, fiquei dois anos lá. Como treinador graças a Deus aprendi
muito, tive pouca chance no Brasil, embora tenha treinado o Santos, Guarani, quem
mais, o São João de Araras, mas no Brasil o problema nosso, vou ser sincero para
vocês, aqui no Brasil se você empatar um jogo e perder o outro você está correndo
risco meu irmão, espera aí. Lá na Europa o cara fala: “Espera aí, quem montou o time
foi a diretoria, então o culpado é treinador? O que é isso?”. Não mas é verdade, se
monta o time a diretoria, o torcedor vai em cima da diretoria, o que é isso? Aqui no
Brasil, se perdeu dois jogos olha acabou. Espera aí gente, vamos ver, quem é, em
termos, o responsável. Eu acho que está melhorando um pouco, mas mesmo assim
aqui no Brasil, como não gosto muito, não sei fazer contrato, vamos dizer, com multa
rescisória, nada, os contratos que faço é se você está satisfeito a gente continua, tal e
tal, senão é um direito seu. Eu acho injusto você colocar uma cláusula contratual se de
repente você não está indo bem, deixa isso daí na consciência do lado de lá do clube,
eu sempre fiz contrato assim, até lá no exterior, porque acho que esse risco de
treinador você vai correr. Então é melhor você ser autêntico e gostaria de voltar, estou
sendo sincero, voltar a trabalhar, porque faz o quê? Um ano, estava na África tive um
problema na vista não pude...
F.H. – Você estava treinando algum time?
M.P. – Estava treinando o time Asa que foi vice-campeão várias vezes.
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F.H. – De que país?
M.P. – De Angola mesmo, de Luanda. Aí então vim para o Brasil para operar
a vista, tive um descolamento de retina, por ter sido jogador, como o Pelé teve, como
o Tostão, e graças a Deus me recuperei, só que fiquei mais ou menos quase um ano,
um ano sem, em termos, poder visualizar bem porque ficava inchado, no sol
avermelhava, perdia um pouco o foco. Então falei: “Não tenho condições agora.”.
Então, graças a Deus recuperei e quero voltar a ser útil, senão vou trabalhar com
vocês aqui. [Risos]
F.H. – Então você está na busca aí de novas oportunidades como treinador?
M.P. – Ah sem dúvida, não é, poxa um cara que viveu a vida inteira de
futebol, modéstia à parte, estando bem fisicamente. Eu não quis, rejeitei muitos
convites, porque falei: “Eu não vou a um local desse cego e querer enganar os
outros.”. Pelo amor de Deus, tenho o meu nome acima de tudo a zelar. Então agora
honestamente estou inteiro e quero voltar a demonstrar não só a minha capacidade,
como o próprio contrato induz a pessoa a ver se... Acho que tem que ser assim aqui no
nosso país, então gostaria de ter uma chance, estou sendo autêntico e tenho certeza de
que não irei decepcionar.
[FINAL DA FITA 2]
F.H. – Bom Marinho, então você estava falando que apesar de ter terminado a
sua carreira como jogador você se manteve no meio do futebol como treinador,
imagino que você ainda acompanha muito futebol.
M.P. – Sem dúvida, praticamente... Nisso daí eu aprendi muito com o Telê
Santana, não tanto, porque vou dizer uma coisa, a gente estava na Arábia Saudita e de
repente estava passando um futebol de várzea lá, os caras correndo e ele ficava
assistindo. Eu falava: “Oh Telê, mas espera aí!”, o cara não perdia um jogo. Eu assisto
jogos, gosto de ver, principalmente quando são jovens, aí vou até no campo porque
gosto de reparar, não dar opinião, de reparar, joguinho de meninos de 14, então você
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olha aí você fala: “Nossa, esse daí aparenta...”, sabe, pela corridinha, pelo domínio
que deu você fala: “Nossa esse daí...”. Isso a gente gosta, e também de ver os jogos
pela televisão, porque você, às vezes, vai a um estádio e meu Deus do céu. Outro dia
fui assistir a um jogo há um mês, caiu um pé d’água, o que é que é isso? Então hoje
em dia você fica do lado da televisão vendo, apesar de que gosto de ver muito, por ter
sido zagueiro, gosto de ver muito o comando da zaga. E isso daí acho que ainda falta
ensinamentos, é impressionante, até você estava falando agora do jogo de futebol
feminino, cada bola alçada de falta na área, o futebol não só feminino, mas eles
correm para a marca do pênalti. Gente, se você vai correr para marca do pênalti lá
para dentro, o cara raspa de cabeça sem querer, você faz até gol contra. Então você
tem que falar assim: “Gente, vamos ficar em cima da risca conforme a falta e dar um
passo para frente.”. Compreendeu? A não ser que venha um de trás, aí você mistura,
agora, poxa, ficar disputando com o goleiro, aliás, um gol foi até assim. Então, a gente
gosta de observar esses detalhes, porque o Telê se apegava a essas coisas, embora não
com a zaga, com a zaga eu que comentava com ele: “Telê aquilo...” Agora, na frente
pelo amor, eu nunca vi o cara fazer tanta jogada ensaiada, tanta jogada que nem ele.
Acabava o treino, você já estava meio com vontade: “Vamos embora, vamos
embora.”, que vamos embora, vamos chutar no gol, ficava no meio-campo alçando
bola para ver se o zagueiro conseguia devolver e se conseguia subir, era
impressionante. Então o Telê em bolas paradas, vou ser sincero, nunca vi igual não,
era impressionante! E treinar goleiro, ele mandava o Valdir de Moraes ficar chutando
no gol, 400 chutes, para o goleiro saltar, o goleiro ia embora sete da noite. Era
impressionante o trabalho que esse cara fazia, era algo... E depois bater falta com a
barreira, tanto é que a maioria dos gols do time dele era tudo gol de falta, porque ele
treinava e de preferência contratava jogador que sabia fazer isso. Era impressionante o
Telê Santana, infelizmente ele já foi, mas toda vez que tenho chance vou visitar os
parentes, sou muito amigo do filho dele.
F.H. – Ah, você tem bastante ligação.
M.P. – Aliás, fiz até comentário do filme que ele fez, uma pessoa fantástica. A
maior tirada do Telê, uma vez nós jogamos e o meu time perdeu, lá na Arábia, porque
eu treinava as camadas jovens, era auxiliar dele, mas treinava os juvenis. Aí perdemos
e tal, eu falei: “Telê, estou com a cabeça que você não faz idéia, perdi o jogo, perdi.
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Pelo amor de Deus!”. Ele: “Marinho, eu quero dizer uma coisa para você.”, ele falava
sério, e ao mesmo tempo com um pouquinho de riso dentro: “Marinho, quero dizer
para você o seguinte: quem perde não perde, só perde aquele que não arrisca.”. Pode
ver que o Telê mesmo perdendo jogo, ele não saía arrasado nada, o cara era de uma
personalidade, mas é verdade, se você pensar direito perder faz parte, só que
interiormente você tem que arriscar, você não pode sair abatido, senão no outro dia
você não acorda e nem quer dar treino no outro dia. Então, ele tinha uma recuperação
após, quando acontecia uma derrota, que conseguia se levantar e realmente se você
não tiver isso, você se abater, como é que você vai chamar a atenção, querer passar
uma mensagem para os jogadores se você é o que está mais abatido do que os
próprios jogadores? Então, tudo isso daí o cara era fantástico e passar vídeo então,
digo uma coisa, ele passava quatro, cinco vídeos por dia, era impressionante, fazia
com que as pessoas adorassem e se apegassem. Essa que é a verdade. Então, um
homem desses foi fantástico para o nosso futebol e graças a Deus, mesmo não tendo
ganho a Copa do Mundo, Copa do Mundo de Clubes sim, ele é muito conceituado,
sempre foi.
F.H. – Você falou que acompanha futebol, torce para alguém hoje Marinho?
M.P. – Isso daí não tem jeito não é meu irmão, você torce para os seus ídolos
não irem embora, como um Neymar, Ganso, Liedson, que já foi e voltou, e que
fiquem os melhores um pouco aqui gente. Sabe por que digo isso? No ano 2000 foi o
centenário do Barcelona, olha só uma coisa, e o Barcelona mandou convite para todos
os ex-atletas, não só jogadores, basquete, vôlei, natação, tudo, com a esposa e tudo. Aí
nós fomos para assistir, olha que jogo: Barcelona contra a seleção brasileira. Eu não
sei se foi em 1999 ou 2000, pronto, Barcelona e seleção brasileira. O que é que
acontece? O Cruyff me leva para sentar do lado do presidente, nós três, aí entrou em
campo a seleção brasileira e entrou o Barcelona, só que o time do Barcelona, acho que
tinha dois espanhóis e o resto tudo estrangeiro, naquela época podia. Eu virei para o
presidente e falei: “Presidente, quando é que vocês vão ter seleção presidente, se olha
só o seu time, só tem estrangeiro?” Puta, ele segurou na minha mão e falou:
“Marinho, se no seu país estiver passando um filme de Hollywood e outro do Brasil,
qual você vai assistir?”, putz, eu falei: “Presidente, lógico que o de Hollywood.”, ele
falou: “Marinho, o que eu quero é todo domingo os melhores do mundo e eu vendo.”.
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Puta, acabou comigo. Aí o Cruyff ria. Sabe como ele terminou? “E tem mais
Marinho, eu vendo para o Brasil os jogos mais caro do que vendo os jogos aqui.”
Porque quem não quer assistir vendo um Romário jogar, Ronaldo, na época, como
hoje quem não quer ver um argentino. Não é verdade?
F.H. – É.
M.P. – Ué, se está jogando Milan e Inter, ou Milan e Real Madri, e está
jogando aqui, com todo respeito, São Paulo e Atlético Goianiense, você [inaudível]
não, com todo respeito, mas não é isso?
F.H. – É.
M.P. – Você prefere o filme de Hollywood ou brasileiro? Mas se você quer
saber é isso mesmo, eles fazem essas contratações porque vendem por um preço
tremendo esses melhores jogadores do mundo. Quem não quer ver esse menino
argentino aí, o Messi? Aí você coloca no Real Madri e está aquele português, que por
sinal treinei nas camadas jovens lá, o Cristiano Ronaldo. Quando estive no Marítimo9
ele trabalhava nas camadas jovens. Então quem que não quer ver esses caras que
fazem diferença? Essa que é a verdade. Então a gente reza para ter jogo do Santos
para assistir o Neymar. [Risos]
F.H. – Bom Marinho, a gente tem encerrado perguntando sobre a Copa do
Mundo de 2014 que se aproxima e tudo mais. A pergunta são duas partes. A primeira
é o que você espera? Qual futebol que a seleção pode apresentar? Que time vai ser
esse? Depois, uma questão organizacional da política, do país ser organizador.
M.P. – Acho que a imprensa está apertando tanto porque aparentou um pouco
na política que o negócio poderia estar... Acho que agora com a pressão que sofreu
seria ridículo para o mundo inteiro se nós aqui não fizéssemos os aeroportos, estádios,
tudo como deve ser feito, pelo amor de Deus, isso cairia no ridículo. Quanto à seleção
vou dizer não só como treinador, mas também como o que estou vendo. Hoje em dia
9 Club Sport Marítimo.
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qualquer pessoa que vê a seleção, você se for fazer uma seleção você faz uma, ele
outra, outra, não está dando, o que a gente está vendo não tem cinco, seis, que você
possa dizer: “Não, esses são titulares.”. Acho isso. Acho que não tem ainda o amparo
de você ter mais ou menos uma imaginação de quais vão ser os titulares e também os
maiores ídolos nossos que estão lá fora, até agora não mostraram na minha opinião
quase nada. Então acho que está aparentando um momento de muita dificuldade para
nós, vamos dizer acreditarmos um pouco. Não é porque vai ser no Brasil, não. Mas
pelo que nós estamos vendo, não estou culpando o treinador não, estou citando que o
que a gente está vendo não está proporcionando para nós, vamos dizer, certo orgulho
de alguns jogadores, de você falar: “Nossa, esse sim.”. Não, não, inclusive os mais
destacados na Europa não estão se destacando em quem sabe até nos seus clubes,
então acho que nós podemos estar correndo um risco assim, de não ter tanta euforia
como já tivemos em outras Copas.
F.H. – Está bom Marinho, acho que é isso. Se você quiser falar mais alguma
coisa.
M.P. – Não. Só queria que ela colocasse a foto que nós combinamos.
C.B. – Combinado.
M.P. – Obrigado Marinho, muito obrigado.
M.P. – Agora, posso me despedir que nem os angolanos fizeram comigo?
F.H. – Como que eles fizeram?
M.P. – Dá licença, campeão, desculpa por tudo. Querida, aquilo que nós
combinamos o meu está de pé, só falta a sua posição. [Risos]
[FINAL DA ENTREVISTA]