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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. FILHO, Alfredo Mostarda. Alfredo Mostarda Filho (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2013. 32p. ALFREDO MOSTARDA FILHO (depoimento, 2012) Rio de Janeiro 2013

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

FILHO, Alfredo Mostarda. Alfredo Mostarda Filho (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2013. 32p.

ALFREDO MOSTARDA FILHO (depoimento, 2012)

Rio de Janeiro 2013

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Nome do Entrevistado: Alfredo Mostarda Filho

Local da entrevista: Museu do Futebol – São Paulo, SP

Data da entrevista: 13 de fevereiro 2012

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo de

entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Paulo Fontes (CPDOC/FGV) e Bruno Romano (Museu do Futebol)

Câmera: Fernando Herculiani

Transcrição: Lia Carneiro da Cunha

Data da transcrição: 25 de setembro de 2012

Conferência de Fidelidade: Thomas Dreux

** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Alfredo Mostarda Filho em 13/02/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

Paulo Fontes – Senhor Alfredo, o senhor podia falar para gente seu nome completo,

data e local de nascimento?

Alfredo Filho – Bom. Primeiramente, boa tarde. É uma satisfação muito grande estar

aqui, ter atendido o pedido do Bruno, embora não conhecesse pessoalmente, mas me

convidou, e eu estou sempre à disposição, no caso, quando é para se falar a respeito da minha

carreira, que para mim foi muito importante. Então eu fiz uma carreira normal no futebol, mas

tive que passar por muitos e muitos obstáculos.

P.F. – E o seu nome completo?

A.F. – Meu nome é Alfredo Mostarda Filho.

P.F. – E o senhor nasceu quando?

A.F. – Eu nasci no dia dezoito de outubro de 1946.

P.F. – Em São Paulo?

A.F. – Em São Paulo. Nasci na Penha.

P.F. – Penha. Conta um pouquinho da infância do senhor, da sua família. O pai fazia o

quê, a mãe. Mostarda suponho que é italiano.

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A.F. – É. Eu sou descendente, por parte de meu pai, de italiano e por parte da minha

mãe, portugueses. Meus avós maternos eram portugueses, e paternos, italianos. Então eu, no

caso... uma infância, sabe, abaixo daquilo que, normalmente, vive hoje o brasileiro. Então a

gente tinha uma dificuldade muito grande em poder ter as coisas. Meu pai trabalhava, meu pai

era soldador, trabalhava numa firma que fazia fogões, e minha mãe também, era tecelã, ela

também trabalhava. Então eu tinha sete anos de idade, mais ou menos, eu já botava a chaleira

no fogo, sabendo que a minha mãe ia chegar cinco e meia, então eu botava uma chaleira no

fogo para poder ferver, que, assim que ela chegasse, ela já fazia a comida para a gente, era

arroz, essas coisas todas. Então a gente sempre... E eu morava muito perto da minha avó por

parte da minha mãe, então a gente tinha uma certa cobertura nesse setor. Mas foi uma infância

um tanto... Para você ter ideia, eu vim ter uma bicicleta, coisa que uma criança na época

adorava... menino, futebol, bola, essas coisas todas, mas não era tanto, era mais um caso de

uma bicicleta, agradava muito mais uma criança. E eu vim ter uma bicicleta já com treze anos

de idade. O meu tio comprou - o irmão da minha mãe- comprou uma bicicleta nova para a

filha dele e aquela bicicleta antiga dela ele me deu. Até a molecada ainda brincava: “pô, a tua

não tem cano, hein!”, não sei quê. E começava aquela brincadeira toda. Mas eu fui ter uma

bicicleta, coisa que uma criança adora, fui ter com treze anos de idade. Então, era uma

dificuldade muito grande. A gente pagava aluguel, então... Bom. Meu pai trabalhava, minha

mãe trabalhava, tudo para poder no caso manter a casa, comprar o alimento para poder pagar

o aluguel.

P.F. – Vocês eram em quantos irmãos?

A.F. – Eu tive... tenho um irmão. Ele é dois anos mais novo do que eu. E,

anteriormente, minha mãe tinha tido um outro menino, e tinha, àquela época, problema de

tosse comprida, aquela coisa, e acabou falecendo, por causa que se engasgou, aquela tosse,

aquela coisa toda, e acabou no caso falecendo. Aí eu nasci. Depois nasceu o meu irmão. Aí

minha mãe encerrou a fábrica.

P.F. – E já foi na Penha que o senhor nasceu? Eles moravam já na Penha?

A.F. – Isso tudo, na Penha.

P.F. – E o senhor sabe como eles se conheceram, seu pai e sua mãe?

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4

A.F. – Meu pai com a minha mãe? É. O meu pai, ele gostava muito de bailes,

principalmente em final de semana, essa coisa toda, e foi num clube que tinha perto da minha

casa que eles acabaram se conhecendo. Começou a namorar, aquela coisa toda e acabaram...

muito pouco tempo, parece que meu pai namorou um ano e onze meses, então foi um negócio

meio rápido. E aí casou, embora... Meu rápido, que eu digo, é no setor de casamento, de

permanecer junto, porque meio rápido é agora né? (risos)

P.F. – Mas eles eram moradores ali da Penha? A sua mãe também morava ali?

A.F. – É. O meu pai, ele morava na Penha, morava numa travessa... da Celso Garcia1,

e a minha mãe morava mais afastado, ali perto da estação do metrô, na Penha. Então eles

acabaram se conhecendo no baile, daí foi onde “rolou”.

Bruno Romano – E seu pai desde pequeno te incentivava para o futebol desde pequeno

ou foi uma descoberta por algum outro meio?

A.F. – Não. Veja bem. O futebol em si, eu no caso joguei... comecei a praticar esporte,

no caso, no União Rio Branco da Penha, que era um clube onde foi feito uma união de duas

equipes que tinham: era Palmeirinha e Herói Brasil, duas equipes de várzea. E o Julio

Botelho, que foi, no caso, ponta direita do Palmeiras, jogou na Itália, tudo, ele resolveu unir

essas duas equipes e construiu um ginásio para que essa equipe no caso fizesse no caso um

nome, passasse... mudou de nome, passou a se chamar União Rio Branco. União, pela união

das duas equipes, e o União Rio Branco foi determinado o clube. Então eu, no caso de garoto,

praticamente, com quinze anos de idade, eu já jogava no primeiro quadro do time do União

Rio Branco. Então, primeiro quadro, eu com quinze anos, e tinha jogadores... no caso, eu

jogava de beque central, e o meu quarto zagueiro tinha vinte e seis anos de idade. Então, a

diferença muito grande. Então, praticamente, já eram adultos, e eu ainda era um garoto. E

numa dessas, no aniversário do clube, o Julio Botelho convidou, através do Mario Travalini,

que era o técnico do Palmeiras da equipe inferior, aí convidou o infantil e juvenil para jogar

contra o primeiro e segundo quadro do União Rio Branco da Penha. E nós, no caso, fizemos

uma partida muito boa. Foi... O jogo ficou um a um...

P.F. – O jogo foi lá na Penha?

1 Refere-se à Avenida Celso Garcia.

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A.F. – Foi lá na Penha. Ficou um a um. E eu tive uma... fui ter um destaque muito bom

no jogo, e o Jorge também, que era um lateral direito que também jogava no Rio Branco, e

nós fomos, os dois, convidados para poder participar do juvenil do Palmeiras. E nós fomos.

Pegávamos o ônibus, o Penha-Lapa, pegávamos na Penha, e rodava uma hora e meia, mais ou

menos, para chegar no Parque Antártica, porque ele corria, pegava a avenida São João direto,

essa coisa toda, então era... era uma “pauleira”. Então, normalmente, a gente treinava de

quarta e sexta-feira. Então a gente começou. Então aconteceu o seguinte. O meu pai,

indiretamente, ele... ele não queria que eu jogasse futebol, porque, àquela época, ainda era

aquele negócio, quem dava sorte dava, estourava logo, e quem não dava sorte, então falavam:

não, o cara não quer trabalhar, o cara quer... é um vagabundo, o cara quer se encostar, negócio

de jogador de futebol. Então meu pai achava também que não era para mim. Ele tinha me

colocado no Senai, e eu estava fazendo o curso de torneiro mecânico. Então com, no caso, as

faltas que eu tinha no Senai, eu já tinha diversas... tinha recebido diversos bilhetes, que, se

continuasse dessa forma, que eu iria perder essa condição de poder estudar de graça no Senai.

Então ele falou: “Não. Você não vai jogar mais futebol”, não sei quê. E resolveu a me tirar,

me botar na cabeça que eu não tinha que jogar mais futebol. Eu fiquei, lógico, chateado,

muito magoado. Pô. Saio de uma equipe de várzea, vou jogar no Palmeiras, começo a jogar na

equipe juvenil, o time foi logo, o primeiro ano, foi campeão, então eu fiquei meio chateado.

Mas, naquele tempo, o pai determinava e era fim de papo. Então acontece que eu... Ele falou:

“Caso você conseguir se diplomar lá no Senai, conseguir o diploma de torneiro mecânico, aí

você tem uma profissão, aí você pode tentar o que você quiser; mas, pelo menos, você tem

uma profissão”. Está bom. Aí foi onde eu... aí continuei estudando, essa coisa toda. E logo

após, oito meses depois, eu consegui me diplomar torneiro mecânico, tudo, e eu acabei no

caso optando, no caso falei: pô, eu vou voltar no caso a treinar.

B.R. – Mas em algum momento você abandonou o futebol para se tornar um torneiro?

A.F. – É. Eu tive um certo afastamento.

P.F. – Nesses oito meses? O senhor lembra em que ano foi isso?

A.F. – É. Foi em 1965. Aí em 1966. Aí o Julinho2 falou para mim: “Pô, você está

perdendo a oportunidade. Porque se você está jogando, no caso você tem total condição de

2 Juninho Botelho, ex-jogador do Palmeiras.

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poder engrenar numa dessa, de poder...” Eu falei: “Bom. Tudo bem.” Aí ele arrumou de novo,

e eu passei a treinar. Aí passei a treinar e... Aí meu pai, ele falava para mim: “Para, rapaz,

com isso. Você não joga nada. Você quer...” Então eu achava o seguinte, eu falei: pô, eu vou

demonstrar para ele que... Ele me dava um incentivo ao contrário. Então, eu vou mostrar para

ele que eu tenho condição de jogar.

P.F. – O pai do senhor torcia para qual time?

A.F. – Quem?

P.F. – O pai do senhor?

A.F. – Não. Eles eram tudo corinthiano.

P.F. – É porque o senhor foi para o Palmeiras. (risos)

A.F. – Não, não, acho que não chegou a ser. Mas era... Meus avós por parte da minha

mãe, minha mãe, meu pai, meu irmão, tudo...

B.R. – E os avós italianos, também corintianos?

A.F. – Não. Esses não. Esses gostavam do Palestra.

P.F. – O senhor era corinthiano.

A.F. – É. Como criança, no caso, então era mais influência do pai. Então eu no caso,

eu torcia assim, gostava de ver jogos do Corinthians, essa coisa toda. Mas aí eu falei: pô, eu

vou mostrar, vou demonstrar para ele que, de fato, eu tenho condição. Então, quando nós

fomos campeões lá no Palmeiras, juvenil, aí apareceu o Cruzeiro, de Porto Alegre. E, pô, eu

ganhava... eles davam uma ajuda de custo, que seria na época um dinheiro... depois disso,

depois de 1965, 1966, mudou já quantas vezes? Mas, uma base, mais ou menos, hoje seria

quatrocentos reais. E aí veio o time lá de Porto Alegre e me ofereceram mil reais, para mim

poder jogar lá. Aí eu fui. E o Cruzeiro, de Porto Alegre, era uma... não era considerado time

grande. Time grande era o Internacional e o Grêmio. E era bem em frente o campo do

Grêmio, o campo... desse time lá, do Cruzeiro, Cruzeiro, de Porto Alegre. E era... A gente

dormia na concentração, e a concentração era embaixo do... bem colado ao cemitério, então os

caras acendiam vela na porta do campo, aquela coisa toda. A gente acordava, às vezes, ia dar

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uma olhada lá fora, dava até arrepio. Então a gente ficava meio receoso, que os caras falavam:

“ih, rapaz, costuma sair defunto da campa”, essa coisa toda. (risos) E a gente, garoto. Eu falei:

pô, será que isso é possível? Mas fiquei seis meses lá. E acontece...

P.F. – Isso, no juniores, ainda?

A.F. – Juniores. Eu não tinha assinado, ainda, contrato profissional. Aí eles

começaram a atrasar o pagamento e... aí tinha dificuldade para a gente comer. Tinha uma

senhora que fazia a comida para a gente, na concentração, então ela fazia, às vezes, feijão com

polenta, porque não tinha outra coisa para poder fazer. Aí uma vez, me encheu tanto a

paciência que eu peguei... O presidente do clube lá era um cara muito conceituado, muito

famoso, no caso do Rio Grande do Sul, através do esporte, era o Rubens Hoffmeister3. Ele foi

presidente da Federação gaúcha, tudo. E ele era o presidente dessa época, presidente do

Cruzeiro. E eu peguei, fui lá. Ele tinha uma casa lotérica no centro da cidade. E eu fui lá. Fui

lá, falei: “Pô, presidente, vou fazer o seguinte. Eu vou ligar, vou pegar aqui no orelhão, que

nem dinheiro para isso eu tenho, para poder ligar, mas eu vou ligar no orelhão aí, tentar me...

conseguir falar com o presidente do Palmeiras, falar que eu estou passando fome. A gente está

passando necessidade, está morando num lugar que não tem condição. Então... Tudo que você

prometeu para nós lá em São Paulo, você está fazendo o contrário”. “Não. O que é que é

isso?...” Foi, me levou no restaurante... Quer dizer, eu fui no restaurante, comi uma

churrascada com ele, essa coisa toda, mas... e os outros que estavam lá? Aí eu comecei a me

revoltar. Aí eu falei: “Não, eu não vou ficar mais aqui. Eu vou... E se for para poder mandar o

Palmeiras me mandar o dinheiro, para mim poder pegar a passagem e ir embora. Mas eu não

vou ficar mais aqui, não”. Aí ele pegou, falou: “Olha, então, vamos fazer o seguinte. Vamos

esperar mais um mês e você... Eu te dou a liberação, você volta”. Aí voltei. Aí, logo em

seguida, veio o time do Marcílio Dias, de Santa Catarina. Aí eu fui para o Marcílio Dias.

Fiquei sete meses também. E disputando o campeonato, essa coisa toda e... Terminou com o

Marcílio Dias. Aí fui ganhar mil e duzentos reais por mês. Aí depois...

P.F. – Aí o senhor já se profissionalizou?

A.F. – Aí já comecei a jogar profissionalmente. Foi o primeiro contrato, em 1968.

3 Ex-jogador do Cruzeiro de Porto Alegre, ex-presidente do clube, ex-presidente da Federação Gaúcha de Futebol e vice-presidente da CBF.

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P.F. – O senhor se profissionalizou então no Marcílio Dias?

A.F. – É.

P.F. – O senhor tinha então vinte e dois anos, é isso?

A.F. – Não... É, é. Vinte e um.

P.F. – Vinte e um para vinte e dois.

A.F. – Então aí já passei a ser profissional, assinei o contrato profissional, tudo. E aí

me botaram no hotel, quer dizer, no hotel, tranquilo, porque, pô, tem comida na hora, você

chega, no horário, tem comida, essa coisa toda, tranquilo, as roupa lavada, tudo bem. Foi tudo

legal no Marcílio Dias. Aí eu voltei para o Palmeiras. E o Palmeiras resolveu me deixar, me

deram uma oportunidade de eu começar a treinar junto com os profissionais. E a gente

treinava junto com o time aspirante, que tinha na época. Então eu passei a jogar no aspirante

do Palmeiras. E do aspirante do Palmeiras... Tinha um diretor do Palmeiras, Domingos

Ianacone, que era dono da Tevê do Brás, muito famosa aqui em São Paulo. E era ali no Brás a

loja dele. E ele tinha uma transação, negócio de... Porque 1970 foi o ano que começou a zona

franca de Manaus. Então o Domingos Ianacone trazia muita mercadoria de lá, por baixo do

pano, essas coisas toda. Então tinha um coronel, chamava coronel Neper, lá em Manaus, então

tinha um relacionamento muito grande com ele, então ele trazia. Chegava, no avião, o

caminhão com a mercadoria toda, por trás do aeroporto, entravam lá, botavam a mercadoria

toda no avião, então, naquela época... não sei se hoje ainda há essa possibilidade, mas naquela

época havia muita... problema do cara fazer determinadas coisas sem a polícia, sem o pessoal

ficar sabendo, da alfândega, essas coisas toda. Então Domingos Ianacone passou a adquirir

muito material lá da zona franca. E, com isso, nós fomos emprestados. Fui eu, o Aveiro, que

era um beque central que jogava também no aspirante do Palmeiras, não chegou a ser

profissional, Tupãzinho4, centro-avante, que jogou no Grêmio, jogou no Palmeiras, teve uma

fase muito grande no Palmeiras, artilheiro, e Geraldo José5, que foi ponta direita, jogou no

Corinthians também, então nós fomos emprestados para o Nacional de Manaus. E fomos 4 Refere-se a José Ernanes da Rosa jogou no Palmeiras em uma época de ouro da equipe de Parque Antártica. Esteve presente no time de 1965 vestiu a camisa da seleção brasileira e venceu a seleção Uruguai por 3 a 0. No final da carreira jogou no Grêmio. 5 Geraldo José da Silva, jogou no Palmeiras entre 1961 e 1964, marcando 41 gols em 103 jogos, também atuou no rival Corinthians nos anos de 1965 e 1966. Aqui o entrevistado faz uma pequena confusão pois o jogador foi ponta esquerda.

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emprestados e fomos. Montamos um time, e o time foi campeão paranaense6, depois de

muitos anos. O Nacional de Manaus no caso, na época, ele era a torcida do Corinthians aqui

em São Paulo, tinha uma tremenda de uma torcida, tudo. E nós fizemos uma campanha boa,

fomos campeão, tudo, e eles queriam que eu retornasse para poder ficar mais algum tempo lá.

Aí o Rubens Minelli me viu treinando no Parque Antártica e me inscreveu na Libertadores.

Então eu fiquei na reserva do Nelson Coruja, que era o quarto zagueiro que tinha vindo da

Portuguesa, veio para o Palmeiras. Eu fiquei na reserva do Nelson Coruja, na Libertadores.

Então viajei, viajamos para o Peru, viajamos para Caracas e... Teve uma porção de jogos.

B.R. – Você chegou a jogar de imediato?

A.F. – Aí ele... O Nelson, ele gostava muito de mim, ele tinha uma simpatia muito

grande por mim, ele falou: “Alfredo, eu vou fazer o seguinte. Quando faltar... veja bem,

quando faltar uns vinte minutos, mais ou menos, vinte e cinco, eu vou falar que eu estou

machucado, aí você entra no meu lugar. Principalmente se o time estiver ganhando. Se estiver

perdendo, não, não vou te botar numa fria”. Falei: “Está bom”. Aí comecei a entrar. Entrei, no

Peru, vinte minutos, entrei quinze minutos, na Guatemala. Então... Quer dizer, isso já foi no

caso me dando uma certa bagagem. Embora, no caso, os clubes que eu já tinha passado, eu já

não sentia mais aquele problema não. Pô, o cara é garoto, o cara nunca jogou no time do

Palmeiras, pegar um time grande, o cara vai tremer. Então eu já não tinha mais esse tipo de

problema, não. E depois, outra, o aspirante também jogava na preliminar do time principal,

então a gente já pegava o estádio cheio. Então isso me fez, no caso, ir amadurecendo muito

rapidamente. Então foi quando, no caso, me emprestaram para o América de São José do Rio

Preto. E o América foi campeão do Paulistinha. E eu estava nessa equipe. Então o Oswaldo

Brandão, que assumiu no ano seguinte... Isso foi em 1971. Ele assumiu, para ser o técnico do

Palmeiras, no início de 1972. Aí Oswaldo Brandão, ele era comentarista da TV Tupi, ele fazia

os comentários com Walter Abrão. Então ele..., ele no caso, começou a olhar alguns

jogadores, que ele estava precisando, então ele fez uma relação de jogadores que ele

precisava, mais aqueles que tinha no Palmeiras, que ele ia querer, que ele viu o treinamento

do Palmeiras, falou: “olha, esses jogadores servem para mim, mais esses daqui”. Aí deu mais

uma relação para o Palmeiras. Aí ele chegou no Palmeiras, deu. Os caras pegaram... Alfredo?

Porque tinha um outro Alfredo, do Guarani, tinha um... tinha uns outros, negócio de Alfredo

6 No caso, o Nacional de Manaus foi campeão amazonense.

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por aí. E o diretor: “Pô, mas... Alfredo?” Ele falou: “É. Um Alfredo que joga com a camisa

cinco do América de São José do Rio Preto”. Que eu era médio volante, no América, e eu

fazia o cabeça de área, eu dava o primeiro combate. Então ele falou que queria o Alfredo que

jogou no América. Aí os diretores do Palmeiras ligaram para lá, falou:”Qual é esse Alfredo?”

“É esse que vocês emprestaram para nós.” “Pô. Então, excelente não é? Não precisamos

comprar”. Então ele já está aqui no Palmeiras, então, tudo bem. Aí veio uma carta para minha

casa, para mim me apresentar no dia 4 de janeiro, de 1972. Aí eu me apresentei no Palmeiras,

já com seu Oswaldo Brandão. Aí, como era aquela tremenda daquela... problema de... não,

eles não querem jogador das equipes de base, Palmeiras tem condições de contratar jogadores

de nome, então interessa no caso jogador que todo mundo conhece. Torcedor quer ver estrela,

e não cara que saiu do juvenil agora. Aí Oswaldo Brandão falou: “não, para mim, não

interessa, que eu vi ele jogando no América, ele tem condição de ficar aqui com a gente sim”.

Aí eu me apresentei para ele, eu falei: “seu Oswaldo, o negócio é o seguinte. No América, eu

tenho a certeza que eu vou voltar e vou continuar jogando. Só que aqui no Palmeiras, pô, eu

não sei nem se vou concentrar, que eles não querem jogador de juvenil.” Ele falou: “É, eles

não querem. Eles não querem. Não tenho nada a ver com a opinião deles. Eu que vou mandar,

eu que mando”, que ele era meio autoritário mesmo, “eu que mando na equipe, são jogadores

que eu quero. Ninguém vai me falar quem eu devo colocar”. Falei: “tudo bem”. Aí eu

comecei a treinar. Mas uns meses antes, uns dois, três meses antes, eles tinham negociado o

Baldocchi7, que chegou no caso na seleção brasileira de 1970, ele foi reserva do Brito, e o

Baldocchi foi transferido para o Corinthians, e nessa transferência, entrou dinheiro para o

Palmeiras, e mais o passe do Polaco8, que era quarto zagueiro, tinha vindo lá da Rancharia.

Então o Polaco vinha fazendo os dois amistosos, porque o Brandão já tinha assumido, ele fez

os dois primeiros amistosos. E o Brandão falou para mim: “Alfredo, vai um diretor,

Domingos Ianacone vai na tua casa, vai acertar o contrato com você. E você vê se faz força

para poder aceitar, porque eu tenho um pressentimento de que você tem tudo para poder jogar

no meu time”. Falei: “Está bom”. Falando isso, do treinador, falei: tenho grandes

possibilidades. Aí fiquei na reserva, num amistoso que teve, até foi uma equipe de fora que

veio aqui jogar, no Parque Antártica, um amistoso, e o Polaco jogou, e eu fiquei na reserva.

Aí no finalzinho, faltava dez minutos, ele me colocou para poder jogar. Aí entrei, mas quase

nem peguei na bola, porque dez minutos só. Aí ia ter o Torneio Mar del Plata, no Uruguai e 7 José Guilherme Baldocchi atuou no Palmeiras e no Corinthians nos anos 1960 e 1970. 8 Carlos Eduardo de Souza, ex-zagueiro do Palmeiras, Corinthians e Juventus.

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na Argentina. Então nós viajamos. Eu já estava na relação, tudo, nós viajamos para o Uruguai.

Aí chegou no Uruguai, pegamos o Nacional do Uruguai, primeira equipe. Era o time bom

deles lá. Aí pegamos o Nacional do Uruguai. E o Palmeiras... Polaco jogando, eu, no banco.

E o Palmeiras forçando, saindo para cima, tudo, e fez o primeiro gol. Fez o primeiro gol, aí já

o time deles já começou a se apavorar, começar a errar muito passe, aquelas coisas todas. Aí

faltava acho que uns vinte e cinco minutos para terminar o jogo, o Polaco... meteram uma

bola nas costas do Zeca, que era o lateral esquerdo, o Polaco saiu na cobertura; quando ele foi

jogar a bola para escanteio, o cara veio na corrida e deu uma porrada no joelho dele, ele caiu,

o cara caiu por cima dele, e estourou o ligamento. Aí ele saiu carregado de maca, tudo. O

Brandão falou: “Alfredo, aquece”. Aí aqueci. E entrei. A primeira partida num jogo, jogo

interessante, que... Então eu entrei. Aí o time do Palmeiras fez o segundo gol. Até o Manga

era o goleiro desse Nacional do Uruguai, e o Edu... esse segundo gol, Edu bateu uma falta

quase do meio do campo, e eles até falaram: pô, os diretores do Palmeiras devem ter

comprado o Manga, porque, pô, ele caiu, a bola passou debaixo da barriga dele. E o Manga

gostava de negócio de cassino, essas coisas, então os caras aliaram a essas coisas. Pô. Ele

devia estar precisando de dinheiro então deixou o Palmeiras fazer o gol. Bom. Conclusão:

ganhamos de 2 a 0. Aí o Polaco já machucado, ficou parado acho que uns oito meses, mais ou

menos, e eu jogando. Entrei no lugar dele, e jogando normal. A zaga era eu e Luis Pereira. Aí

viajamos, jogar contra o... o outro time na Argentina, jogamos contra o Estudiantes, e

ganhamos o jogo do Estudiantes, tudo, fomos para a decisão, e acabamos ganhando o torneio.

Aí viemos para São Paulo. Chegamos em São Paulo, ia ter o torneio Laudo Natel logo na

semana seguinte. Aí disputamos o Torneio Laudo Natel. A nossa final foi contra o São Paulo.

Aí ganhamos nos pênaltis inclusive. E eu muito metido, eu treinava, gostava de treinar,

principalmente negócio de bater pênalti, essas coisas, aí o Brandão falou para mim... reuniu

todos os jogadores e falou: “Quem que vai querer bater?” Aí... é aquele negócio, aquela frieza

dos caras... não, não sei quê... o senhor escolhe. Aí pegou o Madurga9, pegou... parece que o

César10 bateu, o Leivinha... Aí estava faltando um. Brandão falou: “Alfredo, e aí?” Eu falei:

“ah, tudo bem, eu bato”. Aí bati o último pênalti. Inclusive, era o Sérgio Valentim o goleiro

do São Paulo. E eu acabei fazendo o gol. E o Palmeiras foi campeão do Laudo Natel. Aí

começou o campeonato paulista. Aí o time estava engrenado, estava bem, com moral, essa

9 Refere-se ao jogador argentino Norberto Rubén Madurga, primeiro argentino a ser campeão brasileiro em 1972. 10 Cesar Maluco.

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coisa toda, nós ganhamos o campeonato paulista. Ganhamos o campeonato paulista, ia viajar

para poder fazer o Ramón de Carranza, que era o torneio que tinha na Espanha. Então nós

viajamos para lá. Aí jogamos o Ramón de Carranza e ganhamos o Ramón de Carranza. Aí

faltava, para concretizar o negócio, faltava o campeonato brasileiro. Aí, pô, o time estava

engrenado, os jogadores, era difícil sair um jogador machucado ou expulso... o Polaco, deu

essa infelicidade, ele ficou um tempão fora. Mas o resto assim dos outros jogadores... Aí

disputamos o campeonato brasileiro e acabamos ganhando o campeonato brasileiro. Então,

cinco...

P.F. – Em 1972.

A.F. – 1972. Nós disputamos cinco títulos e ganhamos os cinco, em 1972. Em 1973, aí

o time começou a cair um pouco de produção. Começou a sair jogador por cartão amarelo,

por contusão, essas coisas todas, começou a cair um pouco. Aí a decisão foi Santos e

Portuguesa. Foi aquela palhaçada do Armando Marques11, que...

B.R. – A contagem errada.

A.F. – Acabou dando o campeonato para os dois. E... Mas... Nós perdemos o

campeonato paulista, mas ganhamos o campeonato de novo, fomos bicampeão brasileiro,

campeonato brasileiro.

B.R. – Mas Alfredo, voltando um pouco ao União do Rio Branco, eu queria que você

falasse para a gente como você se descobriu zagueiro, na verdade. Você gostava da posição?

Atuava em outra posição, depois foi para a zaga? Como foi essa escolha?

A.F. – Porque embora no caso eu não tivesse uma puta de uma estatura mas eu

gostava, treinava muito negócio de forca – a gente botava uma bola pendurada, e eu gostava,

vinha, ia no campo, inclusive à tarde, e a gente pendurava a bola lá, e eu vinha na corrida e

cabeceava a bola, essas coisas todas, então... quer dizer, eles acharam que... bom, dá para

você, no caso, ou ser centro-avante ou ser beque central. Eu falei: “Não, centro-avante não.

Mas beque central, tudo bem, eu vou”. Aí comecei a jogar de beque central e começou o

negócio a ir bem. Eu comecei a ter noção, porque isso é muito importante na zaga, tanto o

central quanto o quarto zagueiro, você ter noção de cobertura. Então isso aí eu tinha, com uma 11 Ex-árbitro de Futebol.

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facilidade tão grande, que Brandão falou: “eu fico abismado de ver você no caso tão garoto e

ter, no caso, a possibilidade, a facilidade de ter esse sentido de cobertura”. Então foi daí que

no caso eu parti, jogando de beque central e de... Também não me apertava em jogar ali na

frente da área.

P.F. – Deixa eu aproveitar essa deixa, que voltou um pouco no tempo. O senhor pegou

essa época em que a várzea era uma coisa bastante popular em São Paulo, tinha muito campo

de várzea. Conta um pouco como era isso. Vocês viajavam muito pela cidade?

A.F. – Não. Tinha muito tradição esse negócio de... Porque cada bairro tinha um time

famoso. Eu cheguei a jogar com... acho que tinha dezesseis anos, eu jogava no Rio Branco,

que era domingo de manhã, e jogava no Sampaio Moreira, que o Sampaio Moreira era um

time famoso no Tatuapé, tudo, e eu jogava no Sampaio Moreira à tarde. E o Sampaio Moreira,

pô, eles lotavam, ia quatro, cinco caminhões, ia a turma, tudo sentado na... Hoje não pode

mais, você viajar na carroceria do caminhão, mas a gente viajava em cima dos caminhões,

para poder jogar. Fomos uma vez jogar contra o Vila Augusta, lá em Guarulhos, pô, os caras

do Sampaio Moreira... estava garoando, esse jogo, e eu peguei, falei para o... o torcedor veio

perto de mim, falou: “Você dá licença de eu limpar o rosto?” Ele pegou a minha camisa, que

eu estava jogando, ele passou no rosto dele que estava todo molhado, ele passou no rosto dele

e ele falou para mim assim: “olha, eu preciso tomar cuidado, que não dá para molhar aqui o

meu canhão”. Levantou aqui... uma automática. Então os caras... (risos) É. Então o Sampaio

Moreira era temido. Dentro de campo, eles não podiam... Dentro de campo não. No campo

deles, eles não podiam brigar, porque senão eles perdiam o campo. Mas em compensação,

fora, o Sampaio Moreira enfrentava qualquer time na várzea. Então a gente... sabe, com essas

coisas aí, a gente foi adquirindo essa condição, no caso, que...

P.F. – E era muito visto, muito popular?

A.F. – Ah, sim, era.

P.F. – Por causa dessa rivalidade de bairro?

A.F. – Tinha, tinha. Era, porque... Tinha, depois, tinha aquele negócio de partidas

invictas, então os clubes, no caso, que tinham mais partidas invictas tinha direito a um jantar.

Então, pô, era aquela festa, a gente fazia.

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B.R. – E como era um time apadrinhado pelo Julinho, porque... Devia ser um prestígio

enorme.

A.F. – Ah, sim, era. Não. Era, era, por causa do nome dele, que ele tinha. E quando,

inclusive, ele estava de férias, no final do ano assim, ou no caso que ele estava contundido e

estava voltando, ele jogava com a gente lá, ele fazia, ele brincava com a gente, ele jogava.

Então era...

P.F. – E tinha muito olheiro de time grande que ia ver a várzea?

A.F. – É, tinha. Tinha olheiro, sim, porque normalmente... Não olheiro próprio, do

cara ganhar alguma coisa para fazer isso. Tinha caras que falavam: “espera aí, você jogando o

que está jogando, por que você não tenta?” Tinha um senhor que trabalhava com negócio de

frutas, fazia a feira, tinha banca na feira, ele ficou... “pô, tenho amizade com o Rato”... Rato

era o diretor lá do Corinthians. O Cabeção12... Pô, Cabeção, a semana passada, e eu fui

conversar com ele, porque ele passou...

P.F. – Ele esteve aqui conosco.

A.F. – Ele esteve aqui?

P.F. – Esteve.

A.F. – Então. Ele passou...Porque eu moro num lugar, ali no Tatuapé, que tem o

Máster Sênior, negócio de... consultas médicas, e ele frequenta ali. Ele vai lá, para poder fazer

os exames dele, essa coisa toda. E eu falei: caramba! Esse cara para mim... é um cara que eu

já vi esse cara alguma vez. E ele não mudou a fisionomia dele. Ele mudou assim, engordou

um pouquinho, é lógico, mas a fisionomia dele é a mesma. E eu, pô, vim conversar com ele,

falei: “O senhor me conhece?” Ele pegou, falou assim: “Puta. Eu estou mais ou menos...” Eu

falei: “Não. Eu sou o Alfredo Mostarda, que eu tive treino com o senhor, o senhor me deixou

treinar umas duas, três vezes lá. Mas como não resolvia nada, e o Palmeiras resolveu me dar

ajuda de custo, então eu fui para o Palmeiras. Mas o senhor lembra disso?” Ele falou:

“Lembro, sim. Porque...Você não é casado com a sobrinha do Julinho?” Eu falei: “Sou.”

“Então. O negócio é o seguinte. Foi naquela época que me falaram que você tinha começado

12 Ex-goleiro do Corinthians, jogou também na Portuguesa, Bangu e Comercial de Ribeirão Preto.

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no Palmeiras, tinha grande futuro, e que o Corinthians perdeu uma grande oportunidade de ter

um jogador como você. E você, no caso, foi levado pelo Júlio Botelho”. Então... teve um

pouco de lembrança nessas coisas. Então é...

P.F. – Mas então, isso era comum, essas dicas para ir para time...

A.F. – É, é. A gente...Sempre tinha um cara que encostava perto da gente... “pô, eu

conheço fulano que está no clube tal. Você não quer tentar?” Então a gente falava: “pô, não

tem condição de eu tentar, ficar tentando em clubes, porque, pô, eu estou estudando, ou estou

trabalhando, não posso faltar, porque meu pai também depende do que eu ganho”.

P.F. – E sua mãe gostava da sua atividade de futebolista?

A.F. – É. Gostava, por causa da... pela minha avó, ela ser corintiana [forte ruído no

fundo], aquela coisa toda, então eles gostavam, por causa do futebol em si. Mas... Por causa

do Corinthians, que o Corinthians era a paixão deles. Mas nunca eles esperavam que eu fosse

jogar assim, uma decisão, que nem 74, contra o Corinthians, que... pô, eu fosse... Porque, pô,

foi meu pai, meu irmão, eu arrumei ingresso para eles e levei. Falei para eles: “vocês vão lá...

B.R. – Como foi essa família corintiana?...

A.F. – Então. E eles foram assistir. Foram lá no hotel...A gente ficava no Lord Hotel.

Então, eu dei os ingressos para eles, eles foram. Aí, depois do jogo... falei para eles... pô...

botaram a bandeira debaixo do braço e foram embora. Então aí, quando chegou em casa, eu

cheguei, cheguei era quase meia-noite... o jogo foi à tarde, mas devido ao problema de sair do

Parque Antártica... porque os caras não quebravam os carros, como os caras quebram hoje, do

jogador, porque os caras não jogam nada, essas coisas todas; então, quebravam o carro porque

os caras queriam subir em cima, eles queriam te abraçar, eles queriam te beijar. Então...O

torcedor sempre foi fanático pelo clube. Então, no Palmeiras, pô, subiram em cima do capô do

meu carro, afundaram o capô. Ih... Foi um transtorno. Mas eu acabei chegando em casa umas

onze horas da noite, mais ou menos. Aí o meu pai...A gente morava na mesma rua, na Penha,

aí eu fui lá na casa dele, eu já era casado, tudo, eu fui na casa dele e falei: “Não. Vamos lá

tomar um negócio comigo”, tomar uma coca-cola, não sei quê. Aí, por muito custo, ele foi. Aí

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eu peguei a camisa do Adãozinho13, aí botei no chão assim... -ele trocou comigo- aí eu pus a

camisa do Adãozinho, falei: “o senhor faz favor, o senhor tem que limpar os pé para poder

entrar na minha casa”. O homem ficou doido. (risos) Então é... é isso daí. Então é... ele, meu

irmão... então...

P.F. – Deixa eu aproveitar então e perguntar uma coisa da infância, da juventude do

senhor. O senhor vem de uma família de operários, de pai operário, mãe operária. O senhor

chegou a estudar para ser torneiro mecânico. E o futebol acabou aparecendo como uma

alternativa...

A.F. – Era assim. O futebol acabou com o meu... minha condição de ser igual ao

Lula14. (risos)

B.R. – Esse período dos anos 1950 é um período que tem muita movimentação

operária em São Paulo. O senhor tem lembrança disso, de greve, essas coisas? Seu pai, sua

mãe?

A.F. – É. Tinha alguma coisa em... parece, 1962, 1963, que teve aqueles manifestos,

aquela coisa toda, disse que ia ter uma revolução. Mas a gente ainda não tinha aquela...aquela

sabedoria, que, pô, como é que poderia, o que poderia acontecer.

B.R. – Mas o pai do senhor se envolvia nessas coisas?

A.F. – Não. Ele comentava a respeito. Então à noite, principalmente, da gente não sair.

Porque, pô, a gente era...eu, no caso, com quatorze, quinze anos de idade, pô, a gente ia num

bailinho, como todos os garotos na época. Mas... pô, que eu não estivesse em casa dez e meia.

Se não estivesse em casa dez e meia, minha mãe já me esperava com um pedaço de pau atrás

do portão, e já entrava tomando porrada não é? Não tinha jeito, não tinha acordo. Então a

gente, já para evitar determinadas coisas então... falei: pô, não vou ficar apanhando de graça.

Então...

P.F. – O senhor sabe se ele se envolvia com sindicato, essas coisas?

13 Refere-se ao ex-meia esquerda do Corinthians Adão Ambrosio. 14 Refere-se ao ex-presidente da república Luís Inácio Lula da Silva, que também se formou como torneiro mecânico.

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A.F. – Não. O meu... Veja bem. A gente sempre teve um pouquinho de negócio de

sindicato nas veias, porque o Joaquinzão, que foi presidente vinte e cinco anos do sindicato

dos metalúrgicos, ele casou com a irmã da minha mãe.

P.F. – Olha só.

A.F. – Que gozado, não é? Então ele me colocou no Matarazzo15, para mim poder...

Porque eu entrava na firma, e a firma dava condições de você trabalhar seis meses e seis

meses no Senai. Então, seis meses, eu ia na firma, ficava praticando, me davam um torno, um

torninho, pequenininho, para mim ir praticando essas coisas todas, e seis meses, no Senai, eu

fazia o curso.

P.F. – Nessa época que o senhor estava falando? Esses oito meses que o senhor falou?

A.F. – É. Então, para mim, no caso... Então a gente tem essa coisa do Joaquinzão, de...

pô... e é um cara que... excepcional, um cara íntegro, um cara que... Pô. O cara faleceu, pô,

teve... teve porque deu sorte, e ele já vinha há muito tempo construindo a casa dele; mas, pô,

faleceu com uma casa. Minha tia tem até hoje. Uma casa, e foi o que ele conseguiu em vinte e

cinco anos. Hoje, o cara com vinte e cinco anos de mandato em qualquer... qualquer político,

qualquer vereador, qualquer coisa aí, o cara... pô, o cara tem um bairro, não tem uma

propriedade. Então ele era muito... um cara muito honesto. Ele tinha muito...

P.F. – O senhor tinha essa conexão aí. Porque os sindicatos também tinham times de

várzea, patrocinavam time. Não patrocinavam?

A.F. – Tinha. É, eles patrocinavam, sim. Mas eu nunca cheguei. Nunca cheguei. Por

sinal, no caso, quem... Depois, eu vim a saber dessas coisas, e fui convidado também. Era o...

Ele é até deputado agora. O Luis Pereira também foi, inclusive, jogou lá e foi técnico também,

do Força Sindical. Como é que é o nome do cara lá?

B.R. – O atual?

A.F. – É, o atual.

P.F. – Paulinho da Força.

15 Aqui o entrevistado refere-se às indústrias Matarazzo, grande empresário paulistano.

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A.F. – Paulinho. Então esse Paulinho aí, ele...

B.R. – Falando um pouco da sua posição, Alfredo, eu queria que você comentasse para

a gente quais eram os seus ídolos, como você gostava de jogar, se você era um jogador que

falava muito... Você falou do seu senso de antecipação. Você tinha algum espelho, algum

jogador que você admirava?

A.F. – Olha, vou te falar. Eu joguei com Luis Pereira16, foi considerado uma das

maiores duplas de área no caso, na defesa, dos times de São Paulo, brasileiro, porque fomos

convocados junto também para a seleção, mas eu tinha paixão de ver o Djalma Dias jogar.

Djalma Dias, ele não dava um chutão, ele não dava um pontapé, entendeu... Falta, é lógico, é

zagueiro. Ao contrário desse outro que jogou do Corinthians aí, que disse que não fazia falta...

P.F. – Gamarra17.

A.F. – Gamarra. Pô. O zagueiro. O cara não faz falta, pô? Isso não existe. Mas o

Djalma Dias fazia, sim, falta. Mas ele era um cara, pô, supertécnico. Luis Pereira era um bom

jogador? Era um bom jogador. Subia bem de cabeça, descia, fazia gol. Quando, às vezes, o

time precisava, eu e o Dudu18 marcávamos atrás, ficávamos tomando conta dos caras, para

não ter contra-ataque, e ele descia, acabava fazendo o gol. Então... Ganhava todos os

Motoradio. Então todos os prêmios, no caso, de televisão, de rádio, essas coisas, Luis Pereira

ganhava. Falava: “Pô. Escuta. Não tenho direito nem um botão?”, falava para ele. “Porque eu

que saio correndo atrás dos caras para poder marcar, para não deixar os caras fazer gol, tudo,

e você, pô, no final do jogo, você é considerado melhor jogador em campo”. Mas eu sempre

tive assim como... Eu era fã mesmo do Djalma Dias. Mas... acabou acontecendo de jogar com

Luis Pereira, e a gente se deu muito bem; se dava e se... damos, no caso, até hoje, a gente se

dá muito bem. Às vezes, quando ele vem para São Paulo, ele me liga, conversa. Que ele está

na Espanha, não é.

P.F. – Ele está sempre por aí?

16 Refere-se a Luis Edmundo Pereira, um dos maiores zagueiros da história do Palmeiras. Também jogou no Atlético de Madri (ESP). 17 Refere-se ao jogador paraguaio Carlos Alberto Gamarra Pavón, jogou no Corinthians, Palmeiras e Internacional de Porto Alegre, além de uma extensa carreira internacional. 18 Olegário Tolói de Oliveira (Dudu), formou ao lado de Ademir da Guia uma das maiores duplas de meio campo do futebol brasileiro, atuando no Palmeiras.

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A.F. – Não é sempre, não. Mas... Ele levou a esposa dele para lá e... me parece que

houve um certo desentendimento, parece que ela voltou. Mas eu não fiquei mais sabendo a

respeito. Mas sei que, normalmente, cada ano e meio, dois anos, ele vem para São Paulo, fica

uns dias aqui. Vem também atrás de alguns jogadores. Tentou me arrumar... hoje, parado, que

eu estou parado... Que eu fiz curso de treinador de futebol na Federação Paulista. E, pô, a

carreira que eu tive, no caso, pô... Eu fui, praticamente, duas vezes expulso, em dezenove

anos que eu joguei futebol. Então fui uma vez expulso contra o São Paulo, que eu estava

marcando o... Bom, estava aquela guerra de... Sabe, quando começa a chegar junto, o jogador

faz falta aqui, o juiz vem: vamos parar, vamos parar, vamos maneirar, senão vou botar para

fora. Então teve uma jogada, onde o Zeca19 deu um carrinho no Terto e o Terto saiu

carregado. Aí o juiz chegou, falou: “olha, se caso tiver mais uma agressão, uma jogada mais

viril, eu vou botar para fora, eu não vou dar mais cartão amarelo”. Pegou o cartão amarelo e

deu na mão do representante. A primeira jogada que teve, jogaram a bola no Terto...

justamente, ainda mais no Terto – jogaram a bola no Terto20, e o Terto, ele quis me levar com

o braço, ele quis me dar uma cotovelada, e eu peguei, apoiei ele atrás, e ele levantou-se, caiu

sentado; e eu peguei, levantei. Tinha amizade com ele. Então não foi nenhum pontapé desleal

ou coisa parecida. O juiz veio na corrida e pegou e me deu. Os caras ficaram revoltado,

inclusive do Palmeiras, os caras foram tudo falar com ele. O Edson, o Edson Cegonha, que

era o médio volante do... jogou no Corinthians e depois jogou no Palmeiras, o Edson, pô, foi

falar com ele: “pô, uma injustiça. O cara não fez nada. Apenas encostou no Terto. Você vai...”

– “Não. Eu falei que não ia ter mais amarelo. Era possível, no caso, eu dar um cartão amarelo.

Mas eu tinha falado que o cartão amarelo não ia usar mais, então eu já vou dar o cartão

vermelho. Fez falta agora, eu dou vermelho”. Aí eu fui expulso esse dia, saí, injustamente. Aí

depois, uma vez, também eu fui expulso. Aí já foi negócio mais de... Atlético e Coritiba. Que

eu joguei no Coritiba em 1976. Fui campeão paranaense, inclusive, no Coritiba. E aí o...

começou aquele negócio de jogador querer dar cabeçada, essa coisa toda, então...teve um

centro-avante lá, do Atlético, e ele veio, para poder tentar me fazer a falta, e ele fez com o

braço assim, me pegou na boca; me pegou na boca, eu fui atrás dele. Quando ele chegou na

linha de fundo, eu joguei ele, bola, foi tudo para dentro do vestiário. (risos) Aí o juiz falou:

“Não, não tem nem amarelo. Você está expulso”. Foram as únicas duas vezes, em dezenove

anos, que eu fui expulso. Mas... 19 Refere-se a José Luiz Ferreira Rodrigues, lateral que jogou no Palmeiras e Grêmio. 20 Tertuliano Severiano dos Santos, o Terto, ex-ponta-direita do São Paulo, entre 1969 e 1976.

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B.R. – E foi uma decepção, não ter sido treinador depois de encerrar a carreira?

A.F. – Sabe o que acontece? Foi única e exclusivamente culpa minha. Porque eu

quando parei, no Taubaté, eu assumi o Taubaté, fiquei de supervisor... Porque acontece o

seguinte. Eu resolvi parar. Eu estava com trinta e seis anos de idade e eu achando que... Pô,

sabe, eu estava saturado de ver os acontecimentos. Porque, pô, no Palmeiras, no Coritiba, no

Santos, pô, você vai viajar de ônibus, é o melhor ônibus, você vai ficar hospedado no hotel, é

o melhor hotel, você vai no restaurante para comer, é a melhor comida. Quer dizer... sabe,

tudo, no caso, passa a ser aquele negócio de time grande. Eles te dão... Eu, pô, passei a jogar

no Taubaté, o Taubaté tinha uma condição, como tem o Guarani, como tem a Ponte Preta. Só

que, pô, os caras não queriam gastar, os caras queriam jogador juvenil. Então me pegaram,

porque eu tinha direito ao passe livre, aí o Cláudio Garcia, que era o treinador, me convidou:

“Alfredo, vamos para lá, precisamos de um cara mais experiente, tudo. Que eu estou com uma

molecada boa lá”. Falei: “Tudo bem”. Isso foi em 1980. Em 1980, no caso, o Taubaté

conseguiu ser o quarto colocado do campeonato paulista, tirou, na frente da Portuguesa. Acho

que foi Corinthians campeão, São Paulo, Santos e Taubaté. Foi o quarto colocado. Quinto

colocado foi a Portuguesa. Então nós tivemos... ficamos na frente. E o artilheiro do

campeonato, campeonato paulista, (isso foi no campeonato paulista) o artilheiro do

campeonato paulista foi o Erimar. Fez dezessete gols. Jogando no Taubaté. Então nós fizemos

uma puta de uma campanha, sabe, de time pequeno, mas um time... como um Guarani, uma

Ponte Preta, que, vira e mexe, despontava aí como um time pequeno mas um time perigoso.

Então acontece o seguinte. Aí você... Eu treinava de manhã. Ia treinar de tarde, aí, quando

chegava à tarde, você pegava a camisa do roupeiro, a camisa úmida; então... não deu tempo,

pô, botaram lá para secar mas não deu tempo -, só tinha aquela camisa. Se você queria uma

chuteira... pô, a chuteira está pegando no dedo aqui, não sei quê, queria uma chuteira melhor,

uma chuteira mais folgada, você tinha que comprar. Porque as que ele tinha, que o Taubaté

tinha para te dar era aquelas, e fim de papo. Ou aquela ou nada. E isso aí começou me

aborrecer. A gente ia jogar, suponhamos, em Rio Preto. Taubaté - Rio Preto, deve dar, mais

ou menos, umas seis horas, seis horas e meia, de ônibus. O ônibus era uma espelunca. Então,

quebrava no caminho, você era obrigado a ficar na estrada, dando sinal para o cara poder

parar, para você pegar uma carona até São José do Rio Preto. Então essas coisas começou,

sabe, a me... a me desmotivar, essa é a grande realidade. A desmotivar. Então eu falei para o

diretor: “Olha, terminando o meu contrato agora, eu não quero mais saber, não vou jogar

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mais. Muito obrigado pelo que vocês fizeram... Quiseram que eu ficasse aqui, eu vim, joguei

aqui quase quatro anos, no Taubaté, tudo, mas eu não quero mais saber de jogar bola, não”. –

“Não. Você não sei o que...” Bom. Aí me colocaram de supervisor, para mim vir na

Federação para registrar o jogador que o Taubaté contratava, aquela coisa toda. E com isso eu

comecei a ter contato, os caras da imprensa me viam na Federação, “pô, o que você está

fazendo aqui?” – “Ah, eu estou de supervisor lá no Taubaté”. E, logo em seguida, o treinador

do Taubaté saiu, Cláudio Garcia, e assumiu um outro treinador, que ficou acho que duas ou

três partidas só. Um cara lá do Norte. E mandaram o cara embora. “Alfredo, olha, não tem

mais jeito, você vai ser obrigado, você vai ser obrigado a assumir o time”. E o time estava

com quatro pontos, sujeito, no caso, a cair. E isso em 1983... 1982. Aí eu peguei e assumi. Eu

assumi, pô, nós ganhamos do América de São José do Rio Preto, em casa, de 4 a 1, ganhamos

do Internacional de Limeira, lá em Limeira, empatamos contra o Guarani, em Campinas, e

viemos perder da Ponte Preta, em casa, que estava 0 a 0 o jogo e... faltava... pô, ia bater a falta

e ia terminar o jogo, que o juiz já estava até... “bom, vamos botar a bola no lugar, vamos

bater, porque... não sei que, está passando o tempo”... Então ia terminar ali. O Dicá21 arrumou

a bola, tudo, pô, meteu lá na forquilha, fez o gol. Aí com isso, eu tinha tirado o médio volante,

que era genro do presidente do Taubaté, casado com a filha do presidente do Taubaté, e eu

tirei o cara, que, para mim, não interessa, pô, interessa o cara jogar. Pô. É o caso. Eu vou ser

hoje o treinador de uma equipe de base, se vier um cara, desses caras que costuma rodear o

clube, é empresário, que costuma dar dinheiro, como está acontecendo, tem uma porrada de

cara ganhando dinheiro para poder botar determinado garoto, que às vezes o cara joga menos

de que o outro que está lá sentado no banco, mas o cara é pobre, o cara não tem um certo

prestígio, então o cara fica no banco eternamente; então vai botar o cara que o empresário está

dando dinheiro para o treinador. Então, se isso viesse acontecer comigo... não ia acontecer,

porque, pô, eu não ia admitir nunca um negócio desse. Pô, sabe, suborno. A gente... Sabe.

Não sou mais... melhor de que ninguém, não sou mais leal de que ninguém. Mas, pô, a gente

vem atravessando determinadas fases na vida da gente, vem acompanhando, no caso, esse

negócio de política, pô, negócio de... pô, o cara se deixa vender, pega, mete dinheiro na cueca,

mete dinheiro na meia... pô, uns absurdos tão grande, que eu estou acho que... sabe, seria a

última pessoa que entraria numa dessa, com todo dinheiro que o cara pudesse me oferecer. Se

21 Ex-meia da Ponte Preta.

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merecer jogar, vai jogar. Do contrário, fim de papo, não tem dinheiro que faça, no caso,

mudar a minha cabeça, o cara me comprar. Então...

B.R. – E quando você tirou o genro do presidente, o que aconteceu?

A.F. – Quando eu tirei o genro do presidente já não teve uma aceitação boa, porque...

eu senti, já na concentração, que o negócio, o ambiente já não estava legal. O presidente

passou, já não me cumprimentou. Porque, vira e mexe, ele batia nas minhas costas: “está

ganhando, está numa fase boa, não sei que, já está livrando o time do descenso”, não sei quê.

Então ele já, nesse jogo, ele não bateu nas minhas costas, ele já não me deu aquele boa sorte.

Então, tudo bem, eu já sabia que se caso acontecesse uma derrota, que poderia vir acontecer.

E foi o que aconteceu. Aí, na segunda-feira, já tinha um zumzum na cidade, porque, pô,

Taubaté, você falava uma coisa num bairro, dali dois minutos, noutro bairro, já estavam

sabendo. Então ali é fácil de... Então vieram me contar: “Alfredo, toma cuidado, que disse que

o presidente e o diretor vão fazer uma reunião com você amanhã para te comunicar que você

não vai ser mais técnico do Taubaté”. Falei: “Ah. Para mim, tudo bem. Não nasci no

Taubaté”. Aí peguei e nem fui no dia que tinha que me apresentar, na terça-feira, eu nem fui.

Aí disse: esse cara... Ficaram doido. Falou: pô, esse cara deve estar sabendo de alguma coisa.

Então eu não fui lá. Aí, no dia seguinte, após esse acontecimento, eu peguei e fui lá conversar

com o diretor e falei: “olha, se a intenção de vocês é me mandar embora, eu já estou saindo.

Pode ficar tranquilo. No caso, vocês pagam o que eu tenho direito e eu vou embora”. “Não.

Quanto a isso... não sei que... não, mas não era bem assim. A gente ia conversar com você”.

“Não, não tem conversa. Eu já sabia. Já sabia por que uma pessoa foi me contar, foi na minha

casa me contar que vocês iam me mandar embora, então...”. “Não. Pô, Alfredo, você é um

cara, aqui na cidade, que, pô, os caras te admiram muito...” Pô. Tinha saído do Palmeiras,

jogado na seleção, quer dizer... pô, vai jogar no Taubaté, faz uma campanha, logo no primeiro

ano, uma campanha daquela, pô, o cara já pega um nome na cidade. Fazia... pô, o Edimar fez

dezessete gols, eu fiz seis, ou de cabeça ou de falta. Eu ia para a área, no caso, quando o time

precisava, e eu cheguei fazer seis gols, no Taubaté, no campeonato. Fui o segundo artilheiro

do time. Então, pô, o torcedor me adorava. Então eles ficaram meio apreensivos, por causa

disso. Então eu falei: “Não. Tudo bem. Vocês continuam o time de vocês... essa coisa toda. Aí

contrataram um cara que veio do Paraná e... Era um desse tipo de cara, desses treinadores que

gostavam de dinheiro para poder colocar jogador... Essa coisa também. Esqueci, me fugiu o

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nome desse cara. Mas... Aí veio para o Taubaté, aí acabou fazendo... terminando a campanha.

E no ano seguinte o Taubaté caiu. Aí o time caiu, tudo. Aí veio o empresário. Eu já tinha...

encerrei a minha carreira, essa coisa toda, e eu parei de... já estamos na?...

P.F. – Não, não. Pode seguir.

A.F. – Aí eu já tinha encerrado a minha carreira, tudo, aí eu falei para o seu Júlio, que

era um empresário, dono da Metalonita, firma de colchão, lá em Itaquera, e ele me convidou.

Ele falou: “Pô, você está parado?” Falei: “Estou”. “Por que você não vai jogar para mim lá

no Clube Atlético Indiano?” Time de clube não é? “E você vai jogar lá. A gente está dando

um cachezinho para vocês e tal...” Cento e cinquenta, duzentos reais, cada partida que fazia,

às vezes jogava no domingo, às vezes jogava numa quarta-feira. Então eu fiquei ganhando um

cachezinho, que ele me dava, e me arrumou emprego na firma dele. Então eu falei: “qual é o

mal dele?” Me dava carro, para mim poder ser vendedor de colchão... Pô. Chegava nesse setor

aqui de São Bernardo, São Caetano, aqui, que... negócio de italiano, a raça, o italiano, tem

muito aqui em São Bernardo, e os caras faziam móveis, essas coisas todas e... pô... “quem que

é o cara que está esperando aí?” – “É Alfredo Mostarda. É vendedor da Metalonita, está aí,

aguardando para falar com o senhor”. “Faz favor! Manda ele entrar”. Por causa do nome.

Então, pô, me ajudou e muito.

B.R. – Os palestrinos.

A.F. - Então passei a ser supervisor, inclusive, da... (Troca de fita)

[Interrupção da gravação]

B.R. – Bom, Alfredo, falando um pouco sobre a sua passagem na seleção, você e outros

palmeirenses foram para a seleção de 1974. Gostaria que, primeiro, o senhor respondesse se o

senhor acha que foi uma campanha decepcionante, em relação, sobretudo, à campanha

anterior, do tricampeonato. Acho que se tinha uma expectativa muito alta na campanha da

Alemanha. Gostaria que o senhor comentasse um pouco.

A.F. – É. Eu acho o seguinte. Eu acho que foi muito... Nós fomos para a Alemanha já

em um desacordo muito grande. E nós ficamos, praticamente, dois meses treinando no Rio de

Janeiro e tinha que treinar mais dois meses na Alemanha. Então nos passaram, na Alemanha,

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pô, vai chegar na época de primavera, não sei o que... Você vê que os caras estão por fora, que

até nisso os caras erraram. Porque chegamos lá na Alemanha, em Frankfurt, pô, caindo neve.

Então, pô, neve, pô, você olhava fora da concentração assim, o campo no caso, difícil para

você treinar, não se podia treinar, porque escorregava pra chuchu. Então... E excesso de

preciosismo. Porque foi campeão, tricampeão brasileiro em 1970, em 1974, não, pô, vai

ganhar com os pés nas costas. E não é nada disso. Futebol está provado e mais do que

provado de que são... cada partida é uma história diferente. Uma partida que, pô, você joga

muito bem contra um time pequeno e acaba ganhando, e às vezes um time pequeno mereceu

ganhar do time grande. Então eu acho que cada partida no caso era uma história diferente.

Tanto é que, pô, o Zagallo, nós viajamos... treinamos no Rio de Janeiro a parte física, e

conjunto, ninguém sabia, porque nós viajamos para a Alemanha sem saber quem ia jogar.

Bom. Eu já desconfiava, porque eles tinham muito... eles tinham muito a... eles procuravam

muito o jogador, o caso do Marinho Peres, do Wilson Piazza, então, caras que jogaram, que

foram na Copa do Mundo de 1970 e... Não o Marinho Peres, mas o Marinho Peres, por ter

sido capitão em todas as equipes que passou, essa coisa toda. Então eles já... eu sentia que eles

estavam querendo armar essa de ele e Luis Pereira na zaga. Quanto a isso, no caso, eu tenho

que provar... (não é ganhou...) - ô Zagallo, pô! Você vai falar que vai jogar o Marinho? Não.

Eu que tenho que jogar. Porque o Marinho é mais zagueiro central, eu sou quarto zagueiro, eu

tenho que jogar. Eu joguei com Luis Pereira, a gente foi a defesa menos vazada durante todo o

campeonato, essa coisa toda. Então, pô, nós fomos convocado mediante o que a gente fez no

Palmeiras, não é isso? Agora, pô, chega aqui, você não me dá oportunidade? Não me deu

oportunidade sequer num treino. Um treino. Em falar assim: pô, eu vou colocar os seis

jogadores do Palmeiras, que era o Leão, eu, o Luis Pereira, Ademir da Guia, César e Leivinha,

seis jogadores. Pô. Seis jogadores, para se montar uma seleção... bom, vamos botar esses seis

jogadores, vamos colocar os demais, quem sabe, no caso, a gente já tenha já uma coisa já em

andamento, engrenar já a equipe. Porque faltava praticamente dois meses. Ele não fez isso.

Teve um amistoso lá na Basiléia22, e ele não fez isso. Ele, poxa, botou, simplesmente, um

time, para poder jogar, essa coisa toda, mas não definiu. Não tinha definição. Agora acontece

que...

P.F. – O relacionamento com ele era difícil?

22 Terceira maior cidade da Suíça, considerada a capital cultural da Suíça.

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A.F. – É. A gente não tinha, sabe. A gente não tinha. Você descia para tomar café, quer

dizer, tinha um grupinho de São Paulo de um lado, era eu, Luis Pereira, Ademir da Guia, o Zé

Maria...

P.F. – Rivelino.

A.F. - Rivelino, a gente numa mesa, sentado, tomando café, do Rio de Janeiro, no outro

lado, de Minas, do outro lado. Então... Eu, olha, sinceramente, se falasse... Pô, o cara tem bola

de cristal. Mas se falasse para mim assim: fala agora, antes da copa do mundo, o Brasil tem

condição de ganhar? Eu, sinceramente e honestamente falando, eu falaria: não. Pelo ambiente.

Porque no Palmeiras no caso, nós tivemos essa campanha toda, esse time que, pô, foi

maravilhoso, a gente ganhar cinco títulos num ano, disputado cinco títulos, ganhar os cinco,

bicampeão brasileiro logo no ano seguinte, quer dizer...isso tudo, no caso, foi o quê?

Amizade, o entrosamento dos jogadores, o Luis Pereira ia na minha casa, o Leivinha foi, eu ia

na casa deles. Então a gente... aniversário de filho, essas coisas todas. Então a gente tinha esse

relacionamento. Agora na seleção brasileira, esse negócio aí. A gente sentia, um aqui, outro

ali, um falando baixinho, outro... Parecia esse negócio do... que tem aí, da Globo aí...

P.F. – Big Brother.

A.F. – Big Brother. Ah! Igualzinho. Cochicho no ouvido do cara. Era assim, rapaz.

B.R. – O César esteve aqui com a gente, César Maluco, e ele falou que, quando o time

foi definido, sequer o Zagallo treinou os reservas, que foram deixados meio que de lado.

A.F. – Nós fomos para lá, e ficava no caso treinando os caras que estavam jogando,

treino técnico, e os outros no caso, nós, no caso, que estávamos na reserva, eu, Edu, do

Santos, o Ademir da Guia, o César... Pô, teve uns caras que... o César mesmo, o Edu, eles

ficaram lá em cima, sentados, rapaz, assistindo os jogos, a maioria dos jogos da seleção. Nem

no banco o cara não ficava. Pô. Quer dizer, o Edu, na fase que estava, um cara que podia

desequilibrar a qualquer momento. Não. Paulo César Caju volta até o meio de campo. Ele

ajuda mais. Não sei que. Ele estava preocupado em não tomar gol. Era essa a preocupação do

Zagallo. Agora ele chegou e disse para nós: “Não. Pô. Nós fomos surpreendidos pela

Holanda”, porque nós não sabíamos. Como? Televisão, pô. Todos os jogos da Copa. A gente

estava na concentração, não ia jogar o Brasil ou ia jogar mais tarde, a gente estava assistindo o

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jogo. Então, pô, quantas vezes vimos a Holanda jogar antes de... Quantas vezes. Umas duas,

três vezes, vimos a Holanda jogar e sabíamos que onde estava, no caso como... pô, tem um

lateral direito correndo lá para tentar fazer o gol; mas tinha um centro-avante que vinha fazer

a cobertura dele. Esse entrosamento da Holanda é que ele achou que foi uma tremenda de uma

surpresa. Mas, pô, a gente via isso daí na televisão! Agora... o que é que foi? Foi o problema

do Luis Pereira, deu pontapé no cara, foi expulso. Aí saiu. Quer dizer, jogador... Aí já

começou o negócio a ficar meio desentrosado. Aí começa a correr, não fala a mesma língua; o

Leão23 não podia falar muito, que tinha cara... pô... o Marinho24 falava assim: “Não. Espera aí.

Não vai ficar gritando no meu ouvido, não. Você fica na sua, joga o seu futebol e deixa eu

jogar o meu”. Entendeu? São coisas que não fazia o negócio ir para o lado da união.

B.R. – O clima entre os jogadores também não era bom.

A.F. – Péssimo. Péssimo. Péssimo.

B.R. – Inclusive, diz-se que você foi testemunha ocular de uma briga, na última partida.

A.F. – Ah. Não. Então. Veja bem. A última partida. Nós chegávamos no campo, nos

treinamentos, os caras que jogavam as partidas, uma partida dá condição para a outra; jogar na

quarta, depois vai jogar no domingo, então você está com o mesmo ritmo; no caso de ter

jogado na quarta-feira, você, no domingo, você está bem. Agora quem está de fora... No caso,

no meu caso, eu nunca tive problema. Pô. Eu, fazem quarenta anos que eu parei de jogar

futebol e continuo no caso quase com o mesmo peso. Eu não tinha problema de engordar, essa

coisa toda. Pô. Fiquei quatro quilos acima do meu peso normal, na Alemanha. Por quê? Puta

frio daquele, toda hora a gente abria a geladeira, ia lá, pega uma fruta, come um negócio,

come outro, o cara vinha, você não quer um churrasquinho? – ia lá, fazia. Os caras levaram

todos os... cozinheiro, tudo, não é. Então, todas essas coisas, no caso a gente... E eu... nós, no

campo, pô, podia treinar... não, vamos treinar cabeceio, vamos treinar antecipação, vamos

treinar... Que é necessário para o zagueiro. Não. Dava os vinte e cinco, trinta minuto, o

Zagallo... pipipipi. (apitando) Ele, conversando com os repórteres, aquela coisa toda, apitava,

não sei que, a gente entrava no ônibus, ia embora para o hotel. Não fazia nada. A gente não

23 Emerson Leão, então goleiro da seleção brasileira. 24 Refere-se ao lateral esquerdo da seleção brasileira Marinho Chagas. Alguns jogadores relatam um desentendimento entre o lateral e Emerson Leão (goleiro) após a derrota para a Polônia na disputa pelo terceiro lugar.

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treinava. Aí o Leão falou para o Marinho: “Marinho. Agora vai jogar o Alfredo, porque o Luis

Pereira foi expulso. O Alfredo é que vai entrar no lugar dele. Então, acontece o seguinte, você

não vá... o Lato é o jogador mais perigoso do time deles. Não vá para a frente e deixa o

Alfredo numa fria, porque ele está sem condição. Ele está com um pouquinho de peso acima

do normal dele. E outra coisa. Ele está sem treinar há dois meses, aqui na Alemanha”. Que no

Rio de Janeiro, a gente treinava física, mas na Alemanha, não fizemos nada. Nada, nada,

nada. Então, pô, foi...

B.R. – E o Lato era muito veloz.

A.F. – Pô. Era o cara, do time deles, perigoso. O cara que corria. Agora acontece o

seguinte. Ele foi avisado umas duas, três vezes, pelo Leão, durante a partida. Aí ele virava

para trás e mandava o Leão para aquele lugar, aquela coisa toda, e falava palavrão e... você

faz... ó, joga seu futebol aí, para de me encher o saco. Quando virou o jogo, o Leão voltou a

falar com ele. Entrou, inclusive, no campo, falando com ele. “Marinho. O jogo, no caso, está

resumido no Lato. O Lato é o jogador perigoso. O Alfredo não vai ter condição de disputar na

corrida com ele. Fica... No caso o Alfredo está jogando na sobra, mas fica você atrás. Se a

gente matar o Lato, a gente mata metade do time deles”. – “Não, não. Fica tranquilo, que

eu...” Ele pegou uma bola... Ele deu um drible num cara, foi lá na frente, chapelou o outro,

que ele tinha certa habilidade, chapelou o outro, não sei que, e perdeu a bola. Perdeu a bola, o

zagueiro pegou e já meteu no Lato. O Lato pegou a bola. Isso, mais ou menos, daqui na

última cadeira. (distância) De mim, não é. Aí eu peguei e dei a lateral. Aí eu encurtei a lateral,

mais ou menos, daqui a aí no... Falei, ele vai passar correndo aqui. Quando passar correndo

aqui, eu meto o peito nele, derrubo, faço a falta. Claro, vou tomar o cartão amarelo, essa coisa

toda. Mas eu vou parar a jogada aqui. E a minha intenção era essa. Acontece que quando ele

tocou a bola, o Marinho estava jogando comigo, o Marinho saiu. Que o Marinho gostava de

fazer esse negócio de deixar o cara impedido. E o centro-avante ficou impedido. Mas só que o

Lato fez a jogada para ele...

B.R. – O Lato veio detrás.

A.F. – Ele fez a jogada para ele. Ele tocou a bola e saiu na corrida. Quando ele saiu na

corrida, no caso eu olhei, o bandeirinha na minha frente levantou, por causa do centro-avante

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que estava impedido. Inclusive, eu peço até para os caras da Bandeirantes, pô, já pedi para

tantos caras para me arrumar o tape desse jogo, que eu gostaria de ter.

B.R. – A gente arruma.

A.F. – Você me arruma?

B.R. – Arrumo, claro.

A.F. – Falei, gostaria de ter porque dá para se ver claramente, no caso, quando o

bandeirinha levanta. Aí é fração de segundo. Quando eu percebi que o juiz não apitou, eu saí

atrás dele. Mas, pô, eu já... Se eu saísse junto já não ia conseguir pegar. Imagina sair atrasado.

Aí ele saiu na frente, eu saí correndo atrás dele e tudo. Quando chegou na risca da área

grande, o Leão saiu, ele meteu lá no canto. Então fez o gol. Aí, puta! Entrou no vestiário, já

entrou a guerra. Aí o Leão falou para ele (Marinho Chagas):” seu filha disso, filha daquilo,

você...Eu falei que nós íamos perder, por causa da sua...da sua culpa”. Porque nós tínhamos

na época, eles tinham oferecido... Que o dinheiro que eles levam, a CBF levava na época,

tinha que ser dissolvido nas partidas que... era dividido nas partidas que você ganhava lá. Não

podia trazer dinheiro de volta. Entendeu?

B.R. – O bicho.

A.F. – O bicho. Para poder dar o bicho. E eles prometeram para a gente cinco mil

dólares, para poder ser terceiro colocado. Pô. Se segundo colocado, aqui, não tem valor

nenhum, imagina você ser terceiro colocado. Ou ser quarto, como nós fomos. Qual é a

diferença? Aí o Leão falou: “Está vendo? Perdemos cinco mil dólares, por tua culpa”. Aí ele

pegou, falou: “Ô Leão, sabe de uma coisa? Vai tomar...” Aí falou um puta de um palavrão

para o Leão. O Leão veio, deu um puta de um tapa na cara dele. Ele começou a chorar. Ele

levantou, para não apanhar mais, e começou a chorar. E o Leão... e a turma... segura, essa

coisa toda. Quer dizer, isso tudo por minha culpa. Porque foi através de mim que aconteceu

um negócio desse. Mas... Enfim, ele acabou tomando umas bolachas e... e foi isso que

aconteceu. Então... O Milton Neves25 tinha muito esses lances de perguntar a respeito dessas

coisas todas, e os caras, uma vez, “queria ver você falar na frente do Zagallo”. – “Falo na

frente até do presidente da República, quanto mais do Zagallo”. Ele... Talvez, eu não tinha 25 Jornalista esportivo.

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sido um jogador simpático para ele. Que é aquele problema. Eu não fui convocado. Quem me

botou na seleção foi a imprensa, foi... sabe, a torcida. No caso, porque se fazia qualquer

enquete no caso, pô... Palmeiras disputa o campeonato paulista. Quantos gols tomou o

Palmeiras? Doze gols. Pô. Doze gols, hoje, a defesa desse time do Palmeiras, que está

ganhando aí... não sei quantos milhões por mês esses caras estão ganhando, o cara, em prazo

de três, quatro partidas, já tomou doze gols. (risos) E... pô, demorava o campeonato todinho

para tomar doze gols. Então era um negócio meio... Então, pô, a torcida... pô, você perguntava

para o corintiano, perguntava para o são-paulino, “não, pô, Alfredo tem condição”.

P.F. – O senhor acha que tinha a ver com rivalidade Rio – São Paulo?

A.F. – Não. Eu...

P.F. – Antipatia do Zagallo?

A.F. – É. Pode até ser, entendeu, pode até ser esse negócio. Que isso existia até entre os

jogadores. A gente sentia, entre os jogadores, que existia. Por isso que eu falo, esse grupinho

aqui dos cariocas, grupinho do paulista, entendeu? Então já tinha mesmo esse...

P.F. – Tinha um pouco disso.

A.F. – Tinha, tinha o bairrismo. Tinha um pouco de bairrismo mesmo. Mas... Nós

fizemos um treino de preparação no Parque Antártica. E o Brandão apareceu lá para ver. E

isso, eu já na seleção. Que nós viemos para São Paulo, para fazer um jogo no Morumbi,

amistoso, para depois viajar para o Rio e depois ir embora para a Alemanha. E aí nós fizemos

esse coletivo no Parque Antártica. Aí o centro-avante saiu e caiu nas costas do Marinho...

Não. Minto. Não. Marinho era o time titular. O Marco Antonio26. Saiu nas costas do Marco

Antonio. Saiu, eu peguei... sentido de cobertura, que não faltava para mim era isso, negócio

de cobertura. Dificilmente o jogador... não era infalível, não, mas, dificilmente, o jogador

pegava uma bola e indo tocando a bola e chegando no gol do Leão... Tanto é que o Leão, pô,

Leão era um cara que, vira e mexe, a gente discutia com ele por causa disso. “Pô. Não deixa

chutar. Não deixa chutar”. Uma vez, o Brandão falou para ele: “Ô. Espera aí. Você não quer

que os caras deixe chutar, então vou eu no gol, pô, não precisa de você”. (risos) Brandão

falou, uma vez, isso para ele. Ele não queria que deixasse chutar. E ele tinha, mesmo, esse 26 Lateral esquerdo reserva da seleção brasileira naquela época.

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costume. Por quê? Porque tinha uma defesa que dificilmente o cara chegava na cara dele

sozinho. Então, pô, tocaram a bola nas costas do Marco Antonio, pô, eu saí na cobertura,

tudo... Puta! Ele ficou doido, Zagallo. Pipipi. (apitando) “Olha aí. Olha o buraco que você

deixou.” Pô. Os caras da imprensa, tudo, cobrindo, aquela coisa toda, e ele falando: “Alfredo,

olha o buraco que você deixou aí atrás”. Pô. Espera aí. Eu indo lá e matando a jogada. Aí eu

vou voltar para a minha posição. Agora eu tenho que, no caso, parar essa jogada. Vou deixar o

cara pegar a bola. Aí o cara vai na linha de fundo. Aí eu, pô, fico perdido na área, para achar

um cara que... para poder subir de cabeça. Então todas essas coisas, no caso, a gente tem que

analisar. Então eu fazia muito bem essas coisas de cobertura. Eu saí, ele pegou... parou...

“treinar, porque está tudo errado”, não sei quê. Brandão falou assim: “Zagallo, você vai me

desculpar...” Depois, inclusive, ele falou para mim, Brandão tinha contado para mim, disse

que falou para ele: “Escuta, Zagallo, o negócio é o seguinte. Você convocou o Alfredo

jogando dessa maneira que ele estava treinando hoje. É dessa maneira que você convocou ele

para jogar. Ele sai na cobertura do Zeca, ele sai na cobertura do Eurico; às vezes, o Luis

Pereira vai na frente, ele e o Dudu ficam atrás. Mas é o jogador que, pô, para a jogada quando

necessário”. Aí ele pegou, falou: “Não. Mas, sabe que é? Que a gente tem que entrosar o

time”, não sei que. Pô. Num jogo, um treino, sabe, que não valia nada, essa coisa toda, ele

quis aparecer, ele quis dar uma de gos... Falou: Não. Já vou até tirar o cara. Já vou falar assim,

o cara já... Se perguntar, da imprensa, já está sabendo que o cara não vai jogar porque... Isso

aí.

B.R. – Inclusive, durante a competição, ele promoveu muitas mudanças. O César27 falou

aqui que o primeiro cigarro que o Ademir28 fumou foi quando ele soube que ia jogar contra a

Polônia. Ficou assustadíssimo.

A.F. – É. Porque o... Veja bem. O Ademir ficou, em todas, lá no banco, lá em cima, não

no banco, no campo. Ele ficou assistindo lá de cima. Chegou na última partida... Tanto é que

para ele... Eu já sabia. Porque o Piazza29, Piazza não queria saber de entrar de quarto zagueiro,

porque ele... pô, disputar terceiro e quarto, ele tinha sido tricampeão mundial, então, para ele,

seria... sei lá...

27 César Maluco. 28 Ademir da Guia. 29 Wilson Piazza.

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B.R. – Um demérito.

A.F. – Demérito para ele, de poder jogar para disputar terceiro e quarto. Então ele

inventou uma contusão, o Piazza, disse que não estava legal. E eu falei: bom, vai sobrar para

mim. Então eu falei, pô... E eu estava já com uma dor no tornozelo, eu falei: acho que estou

com vontade de falar isso para o médico, que eu estou com uma dor no tornozelo. Quem sabe

eles... Não me puseram até agora, não é. Embora eu tenha ficado todas partidas no banco,

mas, não me puseram até agora, então, é melhor que não me ponha. Coloca outro qualquer.

Vai fazer o quê? Terceiro e quarto? Aí ele pegou e botou o Ademir lá em cima, o César, essas

coisa toda, ficaram, diversas partidas, assistindo lá de cima. E acontece, pô, chega no último

jogo, pô, veio -, nós estávamos tomando café, uma das poucas vezes que ele conversou com a

gente -, bateu nas costas, “Alfredo, prepara, que você vai jogar”. Aí eu olhei para a cara dele,

fiquei olhando, aí o Ademir deu risada. Aí ele deu a volta, chegou atrás do Ademir, falou: “o

senhor também vai começar jogando”. Aí, pô, olhei, o Ademir vermelho, sabe, rapaz. (risos).

Falei: pô, não é possível. Deixar o Ademir nervoso... olha, é coisa de louco. Porque, pô,

Ademir é um cara que... ele recebe a notícia boa como a ruim da mesma maneira. E aí, ele

saiu, ele pegou e falou para o Marco Antonio: “Marco Antonio, (Marco Antonio estava na

mesa do lado) Marco Antonio, dá um cigarro para mim?” Aí o Marco Antonio, mais que

depressa, tirou e deu, falou: pô, esse cara está louco. Não fuma. Deu o cigarro para ele. “Me

empresta o isqueiro”. Pegou o isqueiro, acendeu. Eu fiquei abismado de ver, porque eu falei:

pô, o cara não... Nunca vi o Ademir fumando. E o cara deu umas tragadas lá e... (risos) Eu

falei, puxa vida!

P.F. – Bem. Acho que a gente... São vinte para as quatro. O senhor tinha pedido para

avisar. Então, eu queria, em nome da gente, agradecer muito a entrevista

B.R. – Foi um prazer.

A.F. – Que é isso. Precisando, tu sabe que...

B.R. – Em nome do Museu do Futebol. Esse acervo aqui, a pretensão é que...

A.F. – É. Eu preciso vir uma hora aí para poder conhecer.

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B.R. – E a pretensão é que seu depoimento fique aqui gravado, no museu, para os

visitantes conhecerem a sua história pela sua narração, pela sua voz e imagem. Mas muito

obrigado pela entrevista.

P.F. – Muito obrigado mesmo.

A.F. – Tudo bem. Obrigado vocês.

[FINAL DO DEPOIMENTO]