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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Nome: Marize Schons
Como a perspectiva etnográfica em torno da relação entre direitos,
legalidades e moralidades pode contribuir para a análise de certas
problemáticas e desafios contemporâneos discutida nos textos sugeridos
para a análise? E, de outro lado, como tais desafios e problemáticas podem
contribuir para o alargamento/oxigenação ou exploração dos limites das
perspectivas etnográficas?
A etnografia confronta a realidade das estruturas formais (BIEHL, 2005)
criando formas analíticas de pensar o individuo que possui agencia, racionalidade,
códigos, signos que vão além da realidade institucional. Desta forma, o estudo
etnográfico pretende ir do recorte institucional, ampliando o alcance interpretativo,
nas demissões micro e macro sociológicas, a partir da subjetividade do nativo em
relação às instituições.
No texto A Vida Cotidiana Das Palavras: A História de Catarina, o
antropólogo João Biehl constrõe etnograficamente um espaço não institucional em
um campo de pesquisa institucional, neste caso, um hospital psiquiátrico. A partir
das narrativas de Catarina, questiona sobre a “ruína humana” não sob o ponto de
vista patológico, mas de “uma pessoa abandonada que, contra todos os
empecilhos, estava reivindicando sua experiência a seu próprio modo” (A vida
Cotidiana. pág. 15). Levantando a racionalidade dos relatos da paciente que
articula sua experiência passada e presente, Biehl reflete sobre descentralização
dos serviços de saúde, a individualização dos tratamentos, o distanciamento do
individuo e do Estado a partir do estilo gerencial de governança, e a construção
social da “normalidade” no mundo local que se dá pela relação do “sujeito com a
sua biologia e a recodificação técnica e intersubjetiva” (A vida Cotidiana. pág. 27).
O segundo texto, O Fim do Corpo: Comércio de Órgãos para Transplantes
Cirúrgicos,traz reflexões sobre mercantilização do corpo a partir de dados
etnográficos referentes ao comercio de transplantes de órgãos. A pergunta do
texto envolve em como as instituições “democráticas” e “autoritárias” lidam ética e
legalmente com o conceito do corpo, que passa por um processo de
operacionalização da ciência médica. Portanto, discute a autonomia do individuo
em relação aos seus órgãos em uma sociedade desigual.
O terceiro e ultimo texto, “Ordem e Progresso À Brasileira: lei, ciência e
gente na co-produção de novas moralidades familiares” pesquisa sobre a
naturalização dos testes de paternidade como um fenômeno global com
especificidades locais, pensando em como as inovações tecnológicas, amparadas
pela soberania do Estado moderno, influenciam o cotidiano da vida.
Segundo Mary Douglas, as instituições não são eternas e com o
esquecimento é possível a formação de novas instituições[...] A memória pública
ao expor a trajetória cognitiva identifica seus defensores e fundadores polarizando
preposições de conhecimento e agregando escolas de saber. Os grupos se
constituem a partir de um potencial determinado para uma ação futura, e a
memória coletiva é lembrada ou esquecida de acordo com as demandas dos
grupos sociais, elegendo símbolos e valores para constituir o “lugar da memória”,
sendo considerado pela a autora a eleição de patrimônio como uma disputa
coletiva que demanda tensões políticas. Os três textos apontam sobre as
dimensões simbólicas dos saberes das instituições e como essas penetram no
cotidiano das pessoas, que também participam do processo de construção dessas
lógicas (morte cerebral, a escassez de órgãos, teste de dna, patologias mentais e
assim por diante).
Formalmente a burocracia é um aparelho neutro, em qualquer tipo de
Estado, ou sob qualquer forma de poder, o estamento burocrático desenvolve
mecanismos de controle para regular o ramo civil, militar e da administração
(FAORO, 1957). A partir do processo civilizador (Elias, 2007 ) e, portanto, da
criação do Estado Moderno, o individuo, de súdito, passa a ser cidadão e o Estado
de senhor converte-se a servidor (FAORO, 1957) da autonomia do homem livre.
Não obstante, o cidadão que se transformar em “corpo do estado” (após sua
morte) é um processo paradoxal criado institucionalmente, a partir da garantia
também institucional de cidadania, portanto, da autonomia do individuo.
A partir da etnografia é possível ir além da ordem formal da idéia de um
aparelho burocrático neutro, para pensar políticas que reproduzem as
desigualdades sociais, problemáticas marcantes na construção do Estado
patrimonialista brasileiro. O “requinte” do método etnográfico permite dimensões
amplas na interpretação dos fenômenos sociais, em contrapartida as pesquisas
que relacionam o individuo com as instituições estendem o alcance da
antropologia como ciência que pretende pensar o homem na sua totalidade.
Referências Externas:
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus Editora, 2007.DOUGLAS, Mary. Como as Instituições Pensam. São Paulo. Editora Vozes, 2004.FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Editora Globo, 1957.WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2003.ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador, O, V.1: UMA HISTORIA DOS COSTUMES. Rio de Janeiro. Editora Zahar. 2007