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Marize Helena de Campos “Maripozas e Pensões: um estudo da prostituição em São Luís do Maranhão na primeira metade do século XX”

Marize He[1]

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Marize Helena de Campos

“Maripozas e Pensões: um estudo da

prostituição em

São Luís do Maranhão na primeira metade do

século XX”

Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Área de concentração: História Social

Orientadora: PROFª.DRª. Eni de Mesquita Samara

São Paulo, Fevereiro de 2001.

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E de repente uma voz de mulher, por cima do muro do cais:

_ Ó Cabelo de Fogo, tens aí um cigarro?

Ele ergueu o olhar, deu com uma figura miúda, morena, muito pintada, os cabelos apanhados

para trás, dois brincos pendentes das orelhas descobertas, os seios fartos querendo saltar do decote

da blusa. Logo reconheceu a Loló Maresia, que à noite recolhia os seus homens na calçadas do cais,

só se deitando com barqueiros, marinheiros e pescadores. E quando chegou lá no alto, subindo de

dois em dois os degraus da escada, com o maço de cigarros na mão, viu-a rir alto, atirando para trás

o busto franzino.

_ Cigarro eu já tenho e estou fumando. O que eu queria era que tu subisses. Já me deitei

com teu pai, agora quero me deitar contigo. Anda, vem comigo, Cabelo de Fogo.

Embora já se haja passado mais de sessenta anos desse encontro, Mestre Severino como

que ainda sente o seio rijo de Loló Maresia roçar-lhe o braço, e vai andando com ela, levado pela

calçada estreita, e contorna o velho mercado, e sobe devagar a ladeira escura. Revê a sala apertada,

o sofá de palhinha, uma porta aberta para o quarto contíguo, a cama de ferro que range alto como se

fosse partir. A luz de uma lamparina vem do quarto para a sala, e ele dá por si no espelho oval da

parede, em mangas de camisa, os pés nas alpercatas de couro, as calças de mescla. O suor lhe

desce da testa, seu coração parece que lhe vem à boca. Ao fundo da casa, Loló canta baixinho, como

num acalanto de mãe com o seu menino, e a água do chuveiro cai forte sobre seu corpo. E é ainda

molhada, só com a toalha de felpo passada na cintura, que ela reaparece no vão da porta e chama

por ele.

Quase uma hora depois, quando Severino começou a vestir-se com uma ponta de pressa, ela

lhe disse, ainda nua, espreguiçando-se na cama rangente:

_ Não precisa correr, Cabelo de Fogo. Teu pai sabe que tu veio comigo. E não precisa me

pagar que ele já pagou, e pagou bem. 1

1 MONTELLO, Josué. Cais da Sagração. RJ: Nova Fronteira, 1981, p. 234-235.

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Summary

By the end of the 19th and at the beginning of the 20th century, the city of São

Luis went through changes due to the industrial growth which was a consequence of

the grave crisis in the countryside.

The city and the recently founded factories attracted, and became the shelter

of a great part of the dispossessed rural population.

We could highlight, during this migratory movement the considerable increase

in the number of women working in the textile industry – approximately 70% of the

workforce was composed by them.

In this sense, this research has the objective of analyzing, on one hand, the

relationship between the places from where rural people were expelled and the

growth of brothels, and, on other hand, how the politics of social prophylactic

measures which has accompanied the urbanization process soon began to

implement laws and decrees and made speeches that aimed at creating a civilized,

organized, clean and controlled society and mainly notice, though the historical

demography, who those women were.

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Resumo

Na virada do século XIX para o XX, a cidade de São Luís modificou-se em

função do surto industrial, decorrente da crise que se agravara no campo.

O lócus urbano e as fábricas, recém implantadas, tornavam-se o refúgio de

grande parte dos camponeses despossuídos.

No desenrolar do movimento migratório destacava-se o significativo número

de mulheres, certamente atraídas pelo aceno das têxteis onde 70% da mão-de-obra

empregada era feminina. Nesse sentido, a pesquisa tem como objetivo: observar as

relações entre os pontos de expulsão no campo e o crescimento das casas-de-

meretrizes: identificar como a política de profilaxia social, que acompanhava os

processos de urbanização, colocou em prática leis, decretos e veiculou seus

discursos na busca de uma sociedade “civilizada”, organizada, limpa e controlada; e,

principalmente, perceber, através da demografia histórica, quem eram aquelas

mulheres.

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Sumário

Introdução

Parte I – “Engano d’alma ledo e cego que a fortuna não deixa durar

muito”2

Farrapos de algodão: observações acerca da economia maranhense na primeira metade do

século XX

Tecendo a ordem: urbanização, leis e meretrício na capital São Luís

Parte II – Decahidas e Horizontaes: os olhares da História

Histórias de meretrizes: observações sobre a historiografia da prostituição

Cabarés e Navalhas: o cotidiano das meretrizes ludovicenses nos registros de queixas

e ocorrências

Parte III – Francisca P., Honorina C., Lolita L. e outras damas de São Luís

do Maranhão.

Adentrando os espaços de convívio: pensões, hospedarias e casas-de-cômodo.

Ilusórias chaminés: demografia da prostituição

2 MEIRELES, Mário M.. História do Maranhão. São Luís-MA: Fundação Cultural do Maranhão, 1980, p. 351.

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Considerações finais... Amanheceu

Fontes

Bibliografia

Anexos

Agradecimentos

À professora Eni de Mesquita Samara, que de forma competente e carinhosa

me conduziu neste trabalho.

Aos professores Nicolau Sevcenko e Raquel Glezer pelas valiosas sugestões

à pesquisa.

Aos meus pais Josemir Ferraz de Campos e Yvone Mendes Pinto Campos,

educadores que me possibilitaram trilhar pelas veredas da História.

Ao meu filho Renato de Campos, que na sabedoria de seu mundo de criança

foi a grande força que me fez chegar ao fim.

Ao amigo Manoel de Jesus Barros Martins, reponsável pelo meu encontro

com as “Maripozas”.

A Maria de Jesus Almeida Costa e ao Senhor “Orlando Silva” (Ferdinando

Viegas), cujas vidas pertencem ao universo das “Maripozas e Pensões”.

A Hulda Medeiros Teixeira, sem a qual importantes informações ainda

estariam encerradas nos jornais, amarelados e quebradiços, do início do século.

A amiga Profª. Iracy Malheiros, leitora rigorosa e atenta que em sua “oficina”

lapidou meu bruto português.

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Aos funcionários e amigos do Centro de Demografia Histórica da América

Latina, CEDHAL, por todo apoio nestes anos de convivência em especial à Vilma

Laurentino Paes e Geni Emília de Souza.

Aos funcionários da Biblioteca Pública “Benedito Leite” e do Arquivo Público

do Estado do Maranhão meu muito obrigado, em especial à Mundinha Araújo pelo

desvelo dispensado a esta pesquisa.

Ao Dr. Filipe Andrés, pela atenção em desfazer minhas incompreensões

sobre esta cidade.

A União Brasileira de Mulheres, UBM, onde as vozes em defesa da mulher

jamais se calarão.

A Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -

CAPES, órgão financiador deste trabalho, sem a qual sua realização ver-se-ia

seriamente comprometida.

Aos alunos da faculdade de História da Universidade Federal do Maranhão,

fiéis na luta em defesa da ciência e da Universidade Pública.

Aos colegas do Departamento de História da Universidade Federal do

Maranhão, por terem aceitado o acúmulo de tarefas a fim de possibilitar minha vinda

para a USP. Minha profunda gratidão a cada um de vocês.

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Introdução

Anas, Bárbaras, Catarinas, Firminas, Marias, Tetés...

Após décadas, atados a uma narrativa pouco comprometida com a

história de seu povo, os estudos sobre a História do Maranhão vêm nos últimos

anos contemplando aqueles anônimos e recuperando-lhes os papéis históricos.

A História, até então vista de cima, passou a caminhar por novas trilhas,

sinalizadas por outras leituras e olhares.

Especificamente sobre as mulheres surgiram trabalhos, dentre monografias e

dissertações3, confirmando a mudança de ótica. Não obstante a importância das

pesquisas permanecem, ainda, elementos não “vistos”, não estudados,

3 Destacamos: CORREIA, Maria da Glória G.. NOS FIOS DA TRAMA: Cotidiano e Trabalho do Operariado Feminino em São Luís na Virada do Século. Dissertação de Mestrado. Centro de Estudos Gerais. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Curso de História. Universidade Federal Fluminense. Niterói. 1998. / SILVA, Dalmiran Colaço. Pensões e Casas de Cômodos: observações acerca da prostituição em São Luís no período de 1940-1947. Monografia de Conclusão de Curso. Centro de Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade Federal do Maranhão. 1999. / MORAIS, Eva A. de. A dissolução dos laços matrimoniais: conflitos e tensões na família maranhense no século XIX. . Monografia de Conclusão de Curso. Centro de Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade Federal do Maranhão. 2000 / SILVA, Rosiana F. A família possível: relações concubinárias no Maranhão setecentista (1740-1800). Monografia de Conclusão de Curso. Centro de Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade Federal do Maranhão. 2000 / SILVA, Maria Lucilene da. O amor que mata: violência contra a mulher em São Luís do Maranhão. . Monografia de Conclusão de Curso. Centro de Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade Federal do Maranhão. 2000

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especialmente as “insubmissas”, as negadoras de papéis impostos, as famintas e

silenciadas.

Pouco se sabe, para citar alguns exemplos, sobre Bárbara de Brito,

provavelmente a primeira mulher, no Maranhão, a pedir divórcio. Seu processo,

datado do início do XVIII é, até o momento, o mais antigo já localizado no Arquivo

Público do Estado do Maranhão, onde se encontra grande parte deles.

Sobre negra forra Catarina Rosa de Jesus, “Catarina Mina”, por muitos

chamada “Chica da Silva do Maranhão” e que, hoje, dá nome ao beco onde residia

e negociava em rico casarão, também existem poucas linhas e nenhum estudo

sobre a sua importância no contexto escravocrata ludovicense.

Já sobre Ana Joaquina Pereira Jansen, mulher que viveu no século XIX

e ocupou importante papel no cenário político e econômico do Maranhão, há alguns

estudos4. Sente-se, porém, necessidade de outras análises que feitas à luz da

História possam refletir sobre suas posturas frente à sociedade andrógena, na qual

estava inserida, contribuindo para a desmistificação da imagem de mulher cruel e

mesquinha, em que a mesma fora transformada.

Além disso, reflete-se acerca da inexistência de produções

historiográficas sobre participação das mulheres na Balaiada, sobre as noviches e

nochês dos raros terreiros de mina, sobre as representações femininas no tambor-

de-crioula, sobre Maria Firmina dos Reis, membro do círculo literário ludovicense no

século XIX e sobre as prostitutas que povoaram as casas e pensões da Praia

4 Ver: MORAES, Jomar. (org.) Ana Jansen, Rainha do Maranhão. São Luís-MA: Edições da Academia Maranhense de Letras, 1989. / JANOTTI, Maria de Lourdes M.. Três Mulheres da Elite Maranhense. In: Revista ANPUH, SP: Contexto, vol. 16, n° 31 e 32, 1996.

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Grande em São Luís na primeira metade do século XX. Na busca de adentrar estes

“porões” este trabalho se justifica.

Sobre o tema

Pensada como uma contribuição aos estudos da História Social do Maranhão

esta pesquisa tem como objetivo recuperar vivências e interpretações de vidas

encobertas no mundo urbano-industrial-boêmio ludovicense, enfocando como

elemento central as meretrizes.

A idéia é mergulhar na São Luís da primeira metade do século passado e

remontar seu cenário, a fim de entender o processo de chegada das mulheres, a

transformação do espaço urbano ( dos casarões solarengos, que abrigavam os

senhores do algodão, para os cabarés) e a utilização de discursos definidores dos

papéis e lugares sociais.

O que estimulou o movimento migratório das mulheres que vieram em tão

significativo número para a cidade, como foi desenhado o espaço destinado ao

meretrício, como o Estado intervinha no seu cotidiano e quais os elementos que

pautavam seus discursos são algumas das questões sobre as quais o trabalho se

debruça.

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Embora o recorte histórico tenha privilegiado a primeira metade do século XX,

a maior parte do corpo documental data do primeiro período varguista.

Procurou-se, assim, o entendimento das raízes da ideologia, então, em voga.

Isso porque, marcadamente no pós-30, o Estado, corporificado na figura de

Getúlio Vargas, voltou-se para a formação de uma consciência nacional onde a

família, o trabalho e a Pátria eram os pilares. Recuperavam-se valores e conceitos

ligados à religião católica, à nacionalidade, à disciplina e à moral, que aplicados às

representações dos papéis femininos contrapunham a esposa-mãe-católica à

meretriz.

Nos discursos acerca da prostituta o pensamento médico assumia especial

papel e a partir de sua reconstituição, observam-se elementos que compunham a

chamada “profilaxia social”, impulsionada nos fins do XIX.

Através das abordagens voltadas para a chamada “cidade doente”, na qual a

prostituição era apontada como uma das suas faces, discutiam formas de

higienização e normatização do espaço urbano5.

Em São Luís, aquele processo teve início em 1919 quando, resultado das

mudanças econômicas verificadas no campo e na cidade, o Governo impôs um

minucioso cadastro, controlado pela polícia, das pessoas que chegavam e se

hospedavam em pensões, casas-de-cômodos e similares.

Tal movimento refletia os efeitos, fortemente sentidos no final do século XIX,

da falência da agroindústria algodoeira e açucareira, e da implantação das têxteis.

5 ENGEL, Magali G.. Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). SP. Brasiliense. 1989.

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Por outro lado, a utilização nas indústrias de 70% de mão-de-obra feminina e

o significativo número de pensões, casas-de-cômodos e hospedarias de meretrizes

que ocupavam o bairro da Praia Grande e Desterro indicavam que grande parte

daqueles que vinham para a cidade, atraídos pelo ilusório aceno das fábricas, eram

mulheres.

À medida que a cidade inchava, intensificavam-se as regulamentações que

objetivavam a ordem pública. Preocupava-se, cada vez mais, o Governo em

identificar as pessoas que circulavam pela urbes tanto que, em 4 de Abril de 1932, o

Diário Oficial do Estado do Maranhão fez publicar o Decreto de 30 de março no qual

constava o novo Regulamento para a Chefatura de Polícia do Estado.

Seguiram-se medidas acauteladoras da moralidade pública e uma infinidade

de discursos na imprensa acerca da higienização social e urbana.

Nos projetos políticos, que se apresentavam, os conceitos de modernização,

civilização e desenvolvimento eram norteados pelos padrões europeus e, uma vez

esquadrinhada a cidade, eram imprimidas, aos locais, características específicas

que deles revelavam os problemas a solucionar.

Em meio às tabernas, charutarias, vendas de secos e molhados, botequins

etc., estavam as inúmeras casas, pensões e hospedarias de meretrizes. Tal

concentração, em limites bem definidos, certamente facilitou sua vigilância.

Vigilância de um cotidiano, em parte, revelado nos livros de registros de queixas e

que tornaram possível percorrer o cenário por onde as meretrizes se movimentavam

ouvir suas vozes, conhecer seus codinomes, posturas e as violências praticadas e

sofridas.

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Assim, ao localizar a área destinada ao meretrício, no espaço físico da

cidade, o que se pretende é compreender como ela foi construída e codificada e

como os órgãos do Governo, principalmente a Polícia, concretizavam suas ações e

estabeleciam suas relações.

Corpo Documental

O enfoque desta pesquisa faz-se a partir da coleta de dados encontrados em

5 conjuntos principais: livros de registros hóspedes de casas-de-cômodo,

hospedarias e pensões; livros de registros de meretrizes; livros de registros de

queixas e ocorrências; coleção de leis e decretos-lei do Brasil e do Maranhão; e

jornais.

Com exceção dos jornais, que se encontram no setor de obras raras da

Biblioteca Pública do Estado do Maranhão, os outros documentos pertencem ao

Arquivo Público do Estado do Maranhão. Estes foram localizados no setor dos

códices, série registros da Delegacia de Polícia do 2° Distrito da Capital, em bom

estado de conservação, bem organizados e acondicionados em local adequado.

Os jornais carecem de urgentes cuidados. Amarelados, quebradiços, com

fungos, mofos e muita poeira, se não tratados, correm sério risco de inutilizarem-se

em curto espaço de tempo.

Inicialmente, foram trabalhados 28 livros de registros hóspedes de casas-de-

cômodo, pensões e hospedarias de meretrizes onde pôde-se observar um intenso

fluxo migratório de mulheres, principalmente vindas do campo, para a cidade de São

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Luís. Quatro elementos ali se evidenciam: a falência da economia agroexportadora,

as precárias condições de vida que se apresentaram a partir de então, a criação de

um parque têxtil concentrado em São Luís (cuja mão de obra feminina representava

70% dos trabalhadores) e a localização central da zona portuária (que confirmava a

manutenção do caráter comercial daquele espaço).

Nos livros de registros de hóspedes encontram-se os registros mensais, que

eram regularmente vistoriados pela polícia. Constam listas nominativas das

prostitutas (centenas de mulheres e algumas dezenas de homens, muitos seguidos

por apelidos); naturalidade (pela qual foi localizada uma estrangeira, sendo as

demais brasileiras); idade (que tornou possível traçar um quadro das faixas etárias

predominantes entre as meretrizes); estado civil (o que demonstra não ter sido raro

a existência de meretrizes casadas); profissão (aparecem indicações de domésticas,

mundanas ou meretrizes); domicílio (onde consta o endereço do estabelecimento);

procedência (indica a cidade de origem da meretriz facilitando a localização e

incidência dos pontos de expulsão); destino (aparecem tanto cidades quanto

pensões para onde se dirigia a meretriz quando de sua saída da casa) favorecendo

um quadro da mobilidade daquelas mulheres; data de entrada e saída

(proporcionam informações sobre o tempo de permanência das pessoas) e, por

vezes, sinais característicos (embora raros, quando aparecem tecem uma

minuciosa descrição do tipo físico da pessoa).

O livro de registro de pensões e estabelecimentos congêneres traz dados

sobre impostos, não encontrados nos demais. Neles estão indicadas a quantia paga

ao mês pela pensão, a qual classe pertencia (1ª, 2ª ou 3ª) bem como pensões que

tiveram sua licença suspensa por não haverem pago o referido tributo. Ao conhecer

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os encargos de cada casa, pensão ou hospedaria tem-se um demonstrativo da

lucratividade daqueles estabelecimentos também para o Estado.

As casas dividiam o mesmo espaço urbano. As pensões e casas-de-cômodos

mais luxuosas, pertencentes à 1ª ou 2ª classes, tinham como moradoras mulheres

que trabalhavam como meretrizes e a “Madame”. Raras eram as pensões que

apresentavam homens na lista de “hóspedes”, todavia o livro dedicado à pensão

“Santos” indica que conviviam no mesmo espaço de moradia, meretrizes e outros

trabalhadores.

As hospedarias tinham, por vezes, outros moradores além das meretrizes,

eram mais simples que as pensões, pertenciam geralmente à 2ª e 3ª classes e, não

raro, encontravam-se homens as gerenciando.

As casas-de-cômodo, como indicava o nome, quando da 3ª classe, em muito

se assemelhava a um cortiço6. Nelas mesclavam-se, com freqüência, meretrizes e

outros trabalhadores.

Destacaram-se alguns expressivos elementos filigranescos como: a indicação

“familiar” para a casa-de-cômodo de Raimundo M., uma casa inserida na categoria

de casa de meretrizes e os registros da pensão “Uberaba” que apontam

detalhadamente os sinais particulares de cada um dos seus hóspedes que eram,

dentre outros, mendigos e meretrizes.

Foram levantados, ainda no livro de registro dos mapas semanais e vistos e

no livro de registro de mapas quinzenais, 20 “mapas” de ruas, casas e

“proprietários”, dentre os quais, 15 semanais e 5 quinzenais, ambos contemplando

6 Existem casos de casa-de-cômodo de 1° classe, como a de Honorina Canavieira.

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os anos de 1933 e 1934. Ao indicarem as ruas, número das casas, e “proprietários”,

permitiram conhecer o espaço físico onde se concentravam as pensões de

meretrizes, o número de mulheres e homens que as gerenciava e a localização dos

estabelecimentos.

Livro de registro da hospedaria “Justina”. O livro traz um elemento não

verificado nos outros. Os codinomes das meretrizes: Chiba, Iracema, Maria Fuzarca,

Didi, Noca e Maria Rosa. Através destes, atravessam-se as fronteiras do formalismo

do nome onde se puderam tatear mais elementos do espaço privado daquelas

mulheres e penetrar mais fundo naquilo que se traduzia em suas particularidades a

partir de seus perfis físicos e, por que não, psicológicos.

Livro de registro da hospedaria “Ferreira”, de Luiz M. F. (1923-1924).

Este é o mais antigo livro localizado. Demonstra ser mais um daqueles a que

se tem chamado de “domicílios alternativos”. Fruto da Lei de 24 de Março de 1919

traz informações sobre seus vários moradores.

Livro de registro de meretrizes existentes no 2°distrito. Constam de 2 livros

semelhantes a uma espécie de fichário já que constam por volta de 250 nomes de

meretrizes, seus dados pessoais, residência e um número de registro.

Livro de registro de várias hospedarias, (intitulado “livro de registro de

ocorrências da 2°Delegacia Auxiliar de Polícia”. Os registros encontram-se em um

único livro onde cada página foi dedicada a uma hospedaria. Apenas 2 pensões

aparecem nele registradas: pensão “Lolita” e pensão “Carneiro”. O livro inicialmente

dedicado a ocorrências, acrescenta informações sobre a organização daqueles

espaços de convivência e das 22 hospedarias registradas 1 traz a denominação

“domésticas”, para o campo profissão; 2 não possuem quaisquer registros; 8

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apontam moradia de meretrizes e outros trabalhadores, e 11 exclusivamente de

meretrizes. Indica também hospedarias que não constam naquele conjunto de 28

livros ampliando o raio de conhecimento sobre os espaços do meretrício

ludovicense.

Ruas. A preocupação em levantar fontes que falem sobre as ruas, reside no

fato de não haver equívocos quanto à localização dos estabelecimentos já que em

São Luís do Maranhão é muito comum que a mesma rua se apresente com dois

nomes diferentes. 7 (ver planilha em anexo)

Registro de Queixas. Os livros de queixas apresentam, de forma mais detida,

aspectos do cotidiano das meretrizes. Traçam um panorama da ação policial sobre

as prostitutas, a partir de um elenco de motivos pelos quais as mesmas eram

presas ou intimadas permitindo que se conheçam os meandros das relações

polícia/meretrizes, meretrizes/meretrizes e madames, meretrizes/clientes, amantes,

gerentes de casas, “chefes de família”, meretrizes/ “senhoras”.

Dos jornais foram retirados importantes subsídios para a compreensão do

tema, haja vista trazerem informações não encontradas nas outras fontes.

Recuperando elementos da história do meretrício em São Luís, a imprensa serviu de

canal de expressão dos partidários da profilaxia social e urbana. É onde fluem os

discursos e são percebidos os mecanismos de construção de papéis e lugares

sociais.

7 Cidade de São Luís: ruas, avenidas praças, travessas e becos de São Luís com suas denominações antigas e modernas. In; Indicador Maranhense. L. Borba Santos. Associação Comercial do Maranhão, 1947.

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Foram utilizados os Jornais “O Globo”, “ Tribuna do Povo”, “A Hora”, “O

Imparcial” e “Diário do Norte”. Todos da imprensa ludovicense no período estudado.8

A fim de se poder traçar um panorama das ações concretas do Estado foram

selecionados, do Conjunto de Leis e Decretos do Maranhão, aqueles que diziam

respeito a práticas de normatização e higienização da cidade e da sociedade.

Desse modo, ainda que por entre mitos e estereótipos, distorções e

preconceitos da documentação oficial do Estado, reconstituíram-se vidas e

recuperaram-se histórias e vozes de pessoas presentes e não vistas. E, ao fornecer

dados sobre mulheres da região nordeste, contribuiu para que parte de suas

trajetórias fossem resgatadas: trajetórias ainda tão pouco conhecidas.

Metodologia

Este estudo pode ser caracterizado como uma interface da história das

mulheres com a demografia. Com vista a alargar o campo de observações, trata de

mulheres prostitutas em perspectiva demográfica, colocando juntas as realidades

que se apresentam paralelas e ritmadas em suas vivências, quais sejam, econômica

e social.

Embora não se trate de registros de nascimentos, casamentos ou óbitos,

inventários ou testamentos, seguiram-se as orientações metodólogicas dos

trabalhos de Demografia Histórica, em razão de como as fontes apresentam os

dados ( as meretrizes aparecem praticamente recenseadas).

8 É importante ressaltar que todas as transcrições documentais seguiram fielmente o original. Nenhuma alteração fora realizada para que as formas e essências dos discursos fossem conhecidas em sua totalidade.

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Mês a mês o “proprietário” do estabelecimento apresentava, no rigor dos

detalhes, a lista de hóspedes. Ao serem levantadas estatísticas de quantos anos

tinham, de que cidades vinham, se eram solteiras, casadas, viúvas, etc., como

registravam sua “profissão”9 (domésticas, meretrizes ou mundanas) e quanto tempo

passaram na casa, pôde-se resgatar, quem eram aquelas mulheres.

As listas nominativas precisam amostragens de fluxos migratórios para a

cidade de São Luís, confirmando uma grande mobilidade populacional, intra e extra-

regional ocorrida durante as 4 primeiras décadas do XX e possibilitando o

relacionamento daqueles movimentos com as transformações históricas que se

verificavam.

Após a construção de tabelas de contagens do número de mulheres e

homens em cada casa, as naturalidades, idades, estado civil, profissões,

procedências, datas de entrada e saída, fez-se um cruzamento com os pontos de

expulsão a fim de estabelecer uma correspondência.

Desse modo, o método com que se tem trabalhado consiste em extrair dos

livros informações quantitativas bem como qualitativas.

Tornar-se-ia muito difícil esboçar e dimensionar o quadro do êxodo rural, das

mulheres maranhenses, em direção a São Luís no início do século passado não

fossem as informações dos livros. Todavia, o confronto dos dados com as mudanças

estruturais na economia só foi possível feito sob o viés demográfico, pois a

importância daqueles fluxos reside diretamente no impacto sobre a vida urbana.

9 Nos documentos a atividade feminina é sempre descrita mas, como em muitos casos a profissão indicada é doméstica, e o domicílio é de meretrizes, supõe-se um mecanismo dissimulador já que o meretrício era alvo da polícia.

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A industrialização consolidou-se sobre a base urbana já existente, mas

terminou por acelerar seu crescimento10 e é muito em função da chegada das

pessoas, do aumento populacional e das novas formas de organização de moradias

que a intervenção estatal viu-se fortalecida e com ela todo um controle de condutas

e posturas.

Os Capítulos

Os três capítulos, que compõem o estudo, abordam a prostituição em São

Luís entre os anos de 1924 a 1947 e são dedicados a conhecer este aspecto ainda

pouco conhecido da história social ludovicense que envolve: a demarcação do

espaço urbano, as relações com o Estado e o cotidiano das meretrizes.

Mesclando pescadores, estivadores, trapicheiros, operários, pedreiros,

marítimos, intelectuais entre outros, a prática do meretrício espalhou-se pelas ruas

da área central da cidade indicando modos de vida, diferentes daqueles

apresentados pelos “modelares” discursos higienistas e normatizadores.

Analisando os livros de registros, vê-se que as pessoas envolvidas com o

meretrício eram controladas pelo Estado a partir dos locais de moradia. Ao indicar

nome, idade, profissão, estado civil, procedência, destino, data de entrada e saída

bem como sinais característicos, de cada um dos moradores, deixavam entrever o

empenho da fiscalização social.

10 Martine, George. As migrações de origem rural no Brasil: uma perspectiva Histórica. In: Congresso sobre a História da População da América Latina / [organização Sérgio ODILON Nadalin, Maria Luiza Marcílio, Altiva Pillati Balhana]. SP: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, 1990. Publicação editada conjuntamente pela ABEP, IUSSP e CELADE, reunindo trabalhos apresentados no Congresso sobre a História da População da América Latina, Ouro-Preto, MG de 02 a 06 de Julho de 1989.

20

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Assim, a perspectiva adotada para este trabalho, pretende estabelecer

uma análise onde estejam imbricados, economia, estruturação do espaço físico do

meretrício, o papel do Estado e o dia-a-dia daquelas mulheres.

O primeiro capítulo, “Engano d´alma ledo e cego que a fortuna não deixa

durar muito”, dedica-se a trabalhar a economia e sociedade maranhense, rastreando

as transformações por que passou a cidade de São Luís na primeira metade do

século. Explorando os aspectos econômicos, políticos e urbanos, destacam-se o

processo de formação do espaço dedicado ao meretrício, as leis e os discursos que

para ele se voltaram.

O primeiro subcapítulo:

Farrapos de Algodão: observações acerca da economia maranhense na

primeira metade do século XX apresenta as condições que se impuseram no campo

após a falência da economia algodoeira e açucareira e como estas transformações

interferiram na vida urbana. Isso porque, no imediato declínio daquela, foram

implantadas fábricas concentradas na cidade de São Luís, onde nas têxteis, a

utilização da mão-de-obra, chegava a ser 70% feminina o que certamente serviu de

chamariz para muitas mulheres que no campo passavam por severas dificuldades

econômicas. O afluxo de mulheres, maior do que a oferta de empregos, gerou uma

massa excluída que pode explicar o alto número de casas de meretrizes.

Tecendo a ordem: urbanização, leis e meretrício na capital São Luís, o

segundo subcapítulo, busca analisar a ação do Estado quanto à normatização do

espaço reservado ao meretrício verificando como conviviam no cotidiano, ordem e

desordem e perceber como se engendravam as relações sociais e políticas entre

Estado e meretrizes.

21

Page 22: Marize He[1]

Aponta que com o movimento migratório que toma vulto no início do século, a

cidade vê seu contingente populacional crescer e as formas de convívio se

alterarem, principalmente com relação às formas de morar, levando a política de

profilaxia social que acompanhava os processos de urbanização a colocar em

prática leis, decretos e a veicular seus discursos.

Naquele contexto, entendido como focos de doença, moral e física, o

meretrício tornava-se um dos principais alvos dos que bradavam a favor de uma

sociedade “civilizada”, “organizada”, “limpa” e “controlada”.

Em síntese, mostra a formação da identidade social pautada em categorizar

pessoas e os ambientes sociais a que pertencem. 11

O segundo capítulo Decahidas e Horizontaes: os olhares da História também

é apresentado em dois subcapítulos:

Histórias de Meretrizes dedica-se a recuperar os percursos das produções

historiográficas mais importantes da história da prostituição, tanto internacional como

nacional e verificar como a pesquisa “Maripozas” nela está inserida. Pretende, ainda,

observar os elos e rupturas entre as perspectivas da historiografia brasileira e deste

trabalho.

Cabarés e Navalhas: o cotidiano das meretrizes ludovicenses nos registros de

queixas e ocorrências faz fluir as histórias das meretrizes a partir dos registros de

queixas e ocorrências. Neste subcapítulo, o cotidiano emerge desnudando vivências

e revelando inúmeros elementos participantes da vida das meretrizes como a

violência, o cenário em que viviam, as pessoas com as quais se relacionavam, o que

11 GOFFMAN, Ervirg. Estigma. RJ: Ed. Guanabara, 1988.

22

Page 23: Marize He[1]

possuíam, falas, formas de vestir, etc. As queixas e ocorrências permitem capturar

fragmentos que revelam o pulsar da vida nas casas.

No terceiro e último capítulo, Francisca P., Honorina C., Lolita L. e outras

damas de São Luís do Maranhão o enfoque privilegia os livros de registros,

traçando um perfil demográfico das mulheres e descrevendo as casas onde

moravam.

O primeiro subcapítulo, Pensões, Hospedarias e Casas de Cômodos...

Adentrando os espaços de convívio trata das configurações das casas e

hospedarias, destacando suas localizações, diferenças, níveis, moradores etc.

O subcapítulo Ilusórias chaminés, analisa os livros de registros de casas de

pensão, cômodos e hospedarias de meretrizes, dissecando as informações que

trazem e compondo os quadros demográficos.

23

Page 24: Marize He[1]

...Quanto do algodão

teceu tua glória,

fios que hoje são

cortina ilusória

que o vento esfiapa

e te põe despido,

fora do teu mapa

e posto no olvido.

E quanto igualmente

de açúcar fez doce

a amarga semente

que a vida trouxe.

Quanto verde havia

nos canaviais,

esperança guia

de ventos gerais

e doçura amiga

que vinha adoçar

a tua fadiga

de chão e de mar.

Quanto tu colheste

da terra e do sonho,

para hoje ter este

destino tristonho.

Chão da Praia Grande

deixa que, em poeira,

teu tempo desande

até onde queira

e que teu passado

não fique senão

como um pó dourado

sobre a solidão.12

12 CHAGAS, José. Chão da Praia Grande. In: Apanhados do chão. São Luís: EDUFMA, 1994, p. 48-49.

24

Page 25: Marize He[1]

(José Chagas)

Parte I. “Engano d’alma ledo e cego que a fortuna não deixa durar

muito”13

1.1. Farrapos de algodão: observações acerca da economia maranhense na

primeira metade do século XX

Ao iniciar o século XX, São Luís era uma cidade onde o fausto e a riqueza

econômica ecoavam de um passado não distante.

O algodão (e em menor escala o arroz)14, que durante décadas no século XIX,

representara fontes de lucros, tornara-se o grande responsável pelo desequilíbrio

econômico maranhense15. Sua qualidade, resultado da precária tecnologia

13 MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. São Luís-Maranhão. Op. cit. 1980, p. 351.14 O surgimento da grande lavoura algodoeira maranhense foi assim descrita por Celso Furtado. Formação econômica do Brasil. SP: Cia Ed. Nacional, 1980, 17. ed. p.91. “Tão importante quanto a ajuda financeira, entretanto, foi a modificação no mercado mundial de produtos tropicais provocada pela guerra de independência dos EUA e logo em seguida pela revolução industrial inglesa. Os dirigentes da companhia perceberam desde o início que o algodão era o produto tropical cuja procura estava crescendo com mais intensidade, e que o arroz produzido nas colônias inglesas e principalmente consumido no sul da Europa não sofria restrição de nenhum pacto colonial. Os recursos da companhia foram assim concentrados na produção desses dois artigos. Quando os principais frutos começaram a surgir, ocorreu, demais, que o grande centro produtor de arroz foi excluído temporariamente do mercado mundial em razão da guerra de independência das colônias inglesas da América do Norte. A produção maranhense encontrou, assim, condições altamente propícias para desenvolver-se e capitalizar-se adequadamente. A pequena colônia, em cujo porto entravam um ou dois navios por ano e cujos habitantes dependiam do trabalho de algum índio escravo para sobreviver, conheceu excepcional prosperidade no fim da época colonial, recebendo em seu porto de cem a cento e cinqüenta navios por ano e chegando a exportar um milhão de libras. Excluído o núcleo maranhense, todo o resto da economia colonial atravessou uma etapa de séria prostração nos últimos decênio do século”. 15 A abolição da escravatura tem sido apontada pelos principais estudiosos do tema como, José de Ribamar Chaves Caldeira. Origens da indústria no sistema agro-exportador maranhense (1875-1895). Tese de Doutoramento, FFLCH / USP, 1988 e Mudanças sociais no Maranhão. Revista Ciência e Cultura, 32 (6), 1980; Maria Cristina Pereira de Melo. O Bater dos Panos; um estudo das relações de trabalho na indústria têxtil do Maranhão (1940-1960). São Luís, SIOGE, 1990; Mário Martins Meireles. História do Maranhão. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1980 e Raimundo Moacir Mendes Feitosa. O processo sócio econômico do Maranhão: história e desenvolvimento. Dissertação de

25

Page 26: Marize He[1]

empregada, revelava-se aquém dos outros produtores, incentivando a queda dos

preços no mercado internacional.

Certo é que, antes mesmo da metade do XIX, o sistema vinha apresentando

sinais de esgotamento16 e nesse sentido duas alternativas foram implementadas a

fim de evitar que a débaclê fosse mais grave: a primeira, a partir de 1850, através da

dinamização do cultivo da cana e da implantação de engenhos e a segunda, vinte e

cinco anos mais tarde, com as fábricas têxteis. Nos dois casos, porém, os reveses

não tardaram a aparecer.

Apesar de ter possuído 500 engenhos, onde mais da metade era movida a

vapor, a força hidráulica e a tração animal, e de ter se aproximado dos patamares da

economia algodoeira17, o açúcar não respondeu aos anseios de seus investidores.

Além de demandar o uso do trabalho escravo, num momento em que as

campanhas abolicionistas caminhavam a largos passos, encontrava seus preços

numa das mais baixas cotações da história.

Mestrado. Belém: Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Curso Internacional de Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento, 1994, como o elemento decisivo na desarticulação da grande lavoura local. Meireles, História do Maranhão op. cit. p.350 descreve como desastrosos os resultados do 13 de Maio. “... Foram-se por terra, praticamente de um só golpe, todas as nossas lavouras de algodão, arroz e cana-de-açúcar, com elas nossas indústrias açucareiras e nosso comércio exportador, tudo levado no arrastão do impacto da libertação em massa do trabalhador servil, agravado isso com o não se indenizarem os proprietários que, na aquisição do braço escravo, haviam investido grandes capitais. A Associação Comercial do Maranhão conclamou seus sócios para o estudo do problema que se criara, mas sem nenhuma solução, mesmo de emergência foi encontrada. Então, o pouco que se pode salvar do desastre, vendendo-se as propriedades agrícolas por 10% de seu valor, foi aplicado na loucura industrial que se apoderou de nossos homens de negócio, na ânsia de se agarrarem à primeira tábua de salvação que se lhes apresentou”. 16 Sobre a crise da economia agroexportadora na grande propriedade rural maranhense ver a observação de Raimundo Moacir M. Feitosa, O processo sócio econômico do Maranhão: história e desenvolvimento. Op. cit. p. 193. “Cessados os conflitos da Independência norte-americana, os conflitos provocados pelas guerras napoleônicas e restabelecido o fornecimento de algodão pelos Estados Unidos à Inglaterra, bem como a entrada da produção indiana de boa qualidade no mercado internacional os preços caem, de modo que já por volta de 1822 a atividade produtiva de algodão no Maranhão dá sinais de esgotamento...”.17 CALDEIRA, José de Ribamar C.. Mudanças sociais no Maranhão. Op. cit. p.707.

26

Page 27: Marize He[1]

Jerônimo de Viveiros aponta que em 1882 a produção açucareira

maranhense foi cerca de 16.100.000 quilos de açúcar, baixando em mais de 50% no

ano da abolição. Para o autor, o caso do Engenho Central implantado na localidade

de São Pedro, hoje município de Pindaré, às margens do rio Pindaré-Mirim, ilustra

com clareza os efeitos do 13 de Maio na desmobilização daquela economia

aristocrática, rural e escravista.

“Se levarmos o nosso estudo comparativo às safras do Engenho Central São

Pedro, que era a maior usina açucareira do Estado, verificaremos que lá onde se

fabricou em 1887 _ 2.200.000 quilos, em 1888 _ 1.120.000, em 1889 _ 1.098.000,

em 1890 _ 1.700.000, em 1891 _ 1.125.000, em 1892 _ 1.120, em 1893 _ 855.000,

se descia a produção, em 1894 para 634.000, em 1902 _ 501.000, em 1903 _

517.000, em 1904 _ 371.000, em 1905 _ 106.000, em 1906 _ 135.000 quilos, e

convenhamos que, com efeito, a indústria açucareira caminhava para a sua extinção

completa no Maranhão. E assim aconteceu. Em 1917, já importávamos 60% do que

consumíamos e desde 30 que essa importância passou a ser quase total”.18

Por outro lado, frente ao esfacelamento da economia algodoeira e açucareira,

a implantação de indústrias surgia como um meio de assegurar a parca riqueza que

restava.

Mas ao contrário do que se verificou no sudeste, onde o excedente do capital

agroexportador deslocou-se para o capital industrial19, o estabelecimento do parque 18 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão, 1896+1934. São Luís: Lithograf, 1992, p.2-3.

19 Das diferenças entre as iniciativas de industrialização em São Paulo e Maranhão, observar o que diz Raimundo Moacir M. Feitosa. O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. op. cit. p.216. “A atividade cafeeira, que a partir da primeira década do século XIX (1810) se instala passa a substituir as culturas dos produtos tradicionais de exportação (cana de açúcar, em particular), gera excedente suficiente capaz de financiar todas as importações de bens de capital e de outros meios de produção,

27

Page 28: Marize He[1]

fabril maranhense só foi possível devido à articulação entre frações da aristocracia

rural e burguesia comercial e da reunião de seus capitais. 20

A implantação das fábricas deu-se em importantes núcleos urbanos, como

Caxias e Codó, todavia, motivado pela presença do porto marítimo, o nascente

parque manufatureiro concentrou-se em São Luís.

Segundo Viveiros, “desiludidos com a lavoura, quiseram substituí-la como

elemento básico da nossa economia, pela indústria têxtil. Sonhou-se transformar

São Luís numa Manchester.”21

Em 1895, o conjunto das indústrias maranhenses era “composto por 17

fábricas pertencentes a sociedades anônimas e 10 que eram de particulares, sendo

10 de fiação e tecidos de algodão, 1 de fiar algodão, 1 de tecido de cânhamo, 1 de

tecido de lã, 1 de meias, 1 de fósforos, 1 de chumbo e pregos, 1 de calçados, 1 de

produtos cerâmicos, 4 de pilar arroz, 2 de pilar arroz e fazer sabão, 1 de sabão e 2

de açúcar e aguardente.”22

Todavia a indústria têxtil ganhava destaque23, principalmente após os êxitos

obtidos pela primeira fábrica de tecidos de algodão do Maranhão, a “Companhia

Industrial Caxiense”. Muitos capitalistas viam-se estimulados a investir no mesmo

ramo de atividade e em 1888 organizava-se a “Fábrica da Câmboa”.

além evidentemente, da força de trabalho livre, ou seja, facilita a mobilização e concentração dos capitais necessários à instalação da grande indústria de bens de consumo assalariado.” 20 CALDEIRA, José de Ribamar C.. Mudanças sociais no Maranhão. op. cit. p. 708.21 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão, 1896+1934. op. cit. p. 7 22 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão, 1612+1895. São Luís, Edição da Associação Comercial do Maranhão, 2° Vol.p.558-559. 23 É preciso não perder de vista que o fato das lavouras algodoeiras terem declinado vertiginosamente suas cotas de produção não significa que a mesma tenha cessado. Segundo Maria Cristina Pereira de Melo em O Bater dos panos. Op. cit. p.104. “... mesmo dentro dessa nova organização, o algodão continuou a ser cultivado e as casas de exportação permaneceram na intermediação comercial do produto, agora canalizada, em grande parte, para o consumo interno fabril”.

28

Page 29: Marize He[1]

Com a febre de negócios manifestada através do Encilhamento, foram

organizadas outras companhias no Maranhão24. Fundaram-se fábricas de tecidos

como a “Companhia Fabril Maranhense”; a “Companhia de Fiação e Tecidos do Rio

Anil”, que montou a fábrica de morins à margem direita do rio de mesmo nome; a

“Progresso de São Luiz”; a fábrica de Codó “Companhia Manufatureira Agrícola do

Maranhão”, cuja primeira sede foi no Rio de Janeiro e a “Companhia de Fiação e

Tecelagem São Luiz”. 25

Mas o fracasso daquela política econômica logo foi denunciado pela

diminuição dos negócios e retraimento dos compradores, justamente quando

começava haver uma superprodução local de tecidos de algodão.

A conseqüente necessidade da venda dos estoques levou os produtores a

recorrerem a outros Estados, onde as transações eram efetuadas à força de

abatimento nos preços.

Àqueles primeiros anos de prosperidade fabril, seguiu-se um longo período de

depressão e ruína de várias empresas.

A fábrica “Progresso” fora vendida e seu maquinário remetido para

Pernambuco; a “São Luiz” e a “Companhia Lanifícios”, já não tinham os mesmos

24 These VII, apresentada pelo Sr. Candido José Ribeiro ao Congresso de Lavradores e Criadores, reunido em 1920, por iniciativa da Sociedade Maranhense de Agricultura. In; Revista da Associação Comercial do Maranhão, anno 1, Julho de 1925, número 1.25 Sobre a expansão das fronteiras da cidade e a formação de bairros operários, em decorrência da implantação das fábricas, observar as colocações de Raimundo Moacir M. Feitosa em Tendências da economia mundial e ajustes nacionais e regionais. São Luís: Mestrado em Políticas Públicas da UFMA, 1998, p. 44. “Há exemplos de fábricas, como foi o caso da Rio-Anil que, no início do século XX, chegou a empregar mais de mil operários. Em torno dessas fábricas surgiram diversos bairros operários: o Anil em torno da Companhia de Fiação e Tecidos do Rio Anil; o Camboa, em torno da Companhia de Fiação e Tecidos Maranhenses ; o Fabril, em torno da Companhia Fabril Maranhense; o Madre Deus, em torno da Companhia de Fiação e Tecidos de Cânhamo, entre outros como o Cândido Ribeiro e São Pantaleão, que se localizaram nas imediações da Fábrica Santa Amélia, da Companhia Progresso de São Luís, da Companhia de Fiação e Tecelagem São Luís e da Companhia de Lanifícios Maranhenses”

29

Page 30: Marize He[1]

donos, sendo que a última teve modificado inclusive o nome passando a chamar-se

“Santa Amélia”; pouco faltou para a “Companhia de Fiação e Tecidos de Cânhamo”,

também fundada à época do Encilhamento, fechar as portas.

Com a Primeira Guerra Mundial, as indústrias de tecidos de algodão

maranhense sinalizaram melhores condições. Em 1918, todas estavam em atividade

e contavam com investimentos superiores a 15.000 contos de réis. 26

Até mesmo o algodão, matéria-prima provara novamente um período de

valorização nos preços. Como atesta Viveiros, “... galgou de 922$000 em 1913 a

1.050$000 em 1915, a 2.214$000 em 1916, a 2.540$000 em 1917, a 3.739$000 em

1918. Era uma alta galopante que chegou a 5.200$000”27.

Conquanto por uma trajetória de oscilações, a indústria maranhense nos

primeiros vinte e cinco anos do século XX experimentou uma relativa expansão em

sua capacidade produtiva. Os teares aumentaram em 31,7% e a força de trabalho

utilizada nas unidades fabris passou de 2.634 operários, no início do século, para

3.397 em 1921. 28

A força de trabalho empregada, era com freqüência proveniente da camada

urbana empobrecida ou de pessoas deslocadas do campo e, “conforme as

estatísticas disponíveis, em cerca de 70% eram representados pelas mulheres e

crianças, o que impõe uma grande convicção de que a imensa maioria dos homens

26 These VII, apresentada pelo Sr. Cândido José Ribeiro ao Congresso de Lavradores e Criadores, reunido em 1920, por iniciativa da Sociedade Maranhense de Agricultura. op. cit.27 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão, 1896+1934. São Luís: Lithograf, 1992, p.217.28 MELO, Maria Cristina Pereira de. O Bater dos Panos; um estudo das relações de trabalho na indústria têxtil do Maranhão (1940-1960). São Luís, SIOGE, 1990, p. 42.

30

Page 31: Marize He[1]

preferiam dedicar-se a outras atividades, tais como o dos cultivos agrícolas na

unidade de produção familiar camponesa em processo de consolidação”.29

Havia, então, um movimento migratório do campo, para São Luís, em que se

destacava a presença feminina.

Observando mais detidamente a realidade que se construiu e se impôs no

campo, percebe-se que, com a quebradeira verificada nas lavouras produtoras de

algodão e o processo de libertação do trabalho escravo, entrou em cena uma grande

quantidade de pessoas pobres, que vivendo autonomamente, acabou por dinamizar

as unidades familiares de produção agrícola.

Segundo Feitosa,

“... a história econômica dos homens e mulheres do Maranhão desenha e

projeta um outro vir a ser para as suas sobrevivências. Numa espécie de hiato que

se processa entre o final do século XIX ao final da década de 60 passa-se de uma

agricultura mercantil de grandes proporções para um sistema de pequenas

produções que embora ligados à cotonicultura, possuem marcantes características

de produção para a subsistência, dada a exígua acumulação que ela promovia na

esfera agrícola”. 30

Derivando daquela reordenação econômica, pôde-se observar um

deslocamento da população para a Zona do Itapecuru, Mearim, Grajaú e Pindaré

pólos nos quais ganhava impulso a produção de arroz; para as áreas de extração do

babaçu na Baixada Ocidental Maranhense e para as cidades onde as fábricas

29 É bem provável que este fato apresentado por Raimundo Moacir M. Feitosa em O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. Op. cit. p. 221 esteja interligado ao número de mulheres que chegavam a São Luís em busca de trabalho nas fábricas (que não absorviam tal demanda) e “acabavam”, sem alternativa, nas Casas de Meretrício. 30 FEITOSA, Raimundo Moacir M.. Tendências da economia... Op. cit. p. 52.

31

Page 32: Marize He[1]

têxteis apareciam como uma oportunidade de emprego e renda, principalmente São

Luís. 31

A cidade aparecia como um centro absorvedor de uma massa excluída32 e a

indústria, ao privilegiar a força de trabalho de mulheres e menores, estimulava a

imigração de uma significativa parcela feminina que nos campos enfrentava, com a

família, difícil situação econômica. 33

Mas, a partir de 1925, os níveis de produção, que se afiguravam como os

grandes chamarizes de trabalho, passaram a declinar. A imponência e os

descalabros administrativos das fábricas34 aceleravam o desequilíbrio entre o volume

da produção e a real procura do mercado, resultando em queda nos preços dos

produtos e no comprometimento das margens de lucro.

Além disso, a melhor qualidade dos tecidos vindos de fábricas da Bahia e São

Paulo acirrava a concorrência com os maranhenses, fabricados em máquinas

obsoletas e precárias, agravando assim os problemas do setor têxtil local. 35

31 FEITOSA, Raimundo Moacir M.. Tendências da economia... Op. cit. p. 42-52.32 Ver mais sobre este assunto em Ribeiro Júnior, José Reinaldo. Formação do espaço urbano de São Luís. São Luís: Edições FUNC, 1999. 33 Segundo Maria Izilda Santos de Matos em “O Lar e o Botequim”, Cadernos CERU, série 2, n.11, 2.000, p. 13. “o trabalho fabril provocava a indignação dos médicos, revestida, na maior parte das vezes, de preocupações morais, sendo condenado, considerando-o prejudicial à saúde, à prole e à moralidade. Apontavam as suas conseqüências nocivas: tuberculose, prostituição, abandono das crianças e do lar e o alcoolismo. O trabalho fabril era visto como um desperdício físico de energias femininas e como fator de dissolução da saúde e da capacidade de desempenho das funções de esposa e mãe, além de elemento nocivo à moralidade, comprometendo a dignidade feminina, culpado pela mortalidade infantil e responsável por desordens sociais. Desta forma, percebe-se que o discurso protetor continha um outro – o da condenação. Quando esse trabalho era indispensável, o discurso médico procurou normatizá-lo. Buscam-se melhores condições no processo de trabalho, denunciando e defendendo a licença-maternidade e aleitamento, questionando o trabalho noturno”. 34 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio no Maranhão. 3° vol. op. cit., p. 49.35 A precariedade dos tecidos maranhenses decorria, em grande parte, da má qualidade do algodão que utilizavam procedente das lavouras locais. Ver mais sobre este assunto em O processo sócio econômico do Maranhão: história e desenvolvimento. Op. cit p.221; Tendências da Economia Mundial e Ajustes... Op. cit. p. 45 de Raimundo Moacir M. Feitosa e nas entrevistas concedidas à Revista da Associação Comercial do Maranhão, das quais destacam-se a do Sr. Joaquim Ignácio de Almeida, sócio das empresas comerciais Marcellino Gomes de Almeida & Cia, em Julho de 1925 onde, expressando o pensamento corrente dos comerciantes e industriais da época, dizia: “ Quanto ao nosso algodão , devido sua péssima preparação, sujo, com caroço, quasi não encontra venda nos

32

Page 33: Marize He[1]

Para a classe industrial, as elevadas tarifas alfandegárias, a exorbitância nos

preços dos fretes, as grandes despesas com o beneficiamento dos gêneros, a

ausência de imigrantes, os inúmeros feriados que reduziam o trabalho e, portanto a

produção, as dificuldades de comunicações, a falta de estradas carroçáveis,

carência de Banco Agrícola - Industrial e de funcionários públicos, a restrição do

Banco do Brasil em conceder crédito sobre gêneros armazenados em depósitos

públicos, entre outros, eram também elementos desfavoráveis ao quadro

maranhense36.

Conjugando-se a isso, a Revista da Associação Comercial trouxe, em seu

primeiro número do ano de 1926, uma entrevista com o diretor da Companhia de

Fiação e Tecidos do Rio Anil, Sr. José Gonçalves Pereira, na qual afirmava que a

“situação de retraimento em que se encontravam as indústrias, o comércio e a

lavoura era motivada pela falta de estabilidade cambial e pelos escorchantes

impostos, quer estaduais, quer federais”. 37

Quando em 1930 eclodiu o movimento revolucionário, o panorama econômico

daqueles três setores permanecia em desalento. Sofrendo ainda os efeitos do

mercados do Rio e São Paulo nem nos estrangeiros. Nas Bolsas daquelles Estados elle não foi admitido. Digo-lhe mais: —si o Governo do Estado não tomar sérias providências para que o nosso algodão acompanhe ao menos a classificação do dos outros Estados, será uma lavoura morta para o futuro. É pensamento geral no mercado do algodão preferirem-se as qualidades limpas, não só porque a quebra é menor como também não maltrata tanto o operário incumbido de seu beneficiamento com a poeira que conduz , portadora em taes casos do micróbio da tuberculose. Hoje, meu caro senhor, as fábricas do sul, não se interessam pelo algodão do Maranhão.” Resultado daqueles debates e reclamações acerca das condições do algodão maranhense foi lançado em 27 de Abril de 1927 o Decreto n°1.149 do Governo do Estado que criava o “Serviço do Algodão”, cuja função era a melhoria do produto.36 Ver a entrevista “O mercado dos tecidos”, concedida por Manoel Satyro Lopes de Carvalho, sócio da firma maranhense “Carvalho, Coutinho & Companhia”, à Revista da Associação Comercial do Maranhão e publicada em Agosto de 1925 (ano 1, Agosto de 1925, n°2). 37 A indústria dos tecidos; A subida do câmbio e a indústria têxtil. –A baixa do algodão e o preço dos tecidos. –a lei das oito horas de trabalho. In; Revista da Associação Comercial do Maranhão, n°1, Janeiro de 1926.

33

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crash de 29, a própria máquina estatal contava com um orçamento reduzido e

deficitário.

O algodão continuava pautando os debates sobre sua não aceitação nos

mercados de outros Estados e países e, no intuito de conseguir a revalorização do

“ouro branco”, produtores e industriais vinham a público fornecer explicações e

lançar seus apelos.

Para eles, as deficiências do beneficiamento podiam ser constatadas nos

rudimentares processos utilizados pelas usinas, em grande número incompletas ou

em situação lastimável. Dos defeitos apontavam, ora as “costelas” e as “escovas” ,

ora as serras gastas e mal ajustadas. Outras vezes, a força motriz não era

compatível à capacidade da instalação.

Afirmavam decorrer daqueles, os “pingos” (sementes verdes ou fragmentos

de sementes arrastadas no descaroçamento), os “novelos e fibras cortadas”

(provenientes da alimentação rápida ou forçada do descaroçador e do seu mau

estado, e da presença de fibras verdes. As fibras cortadas apresentavam-se em

feixes e tranças em forma de v, dando um aspecto grosseiro), o “algodão espichado”

(algodão defeituoso resultante do descaroçamento do algodão molhado, ou, pelo

mal ajustamento das escovas que retiravam as fibras das serras) e as “sementes

cortadas” (conseqüência do excesso de velocidade do descaroçador com o rolo de

superfície áspera, pelos dentes quebrados ou tortos das serras, que batiam nos

pentes divisórios).

Um relatório enviado de Manchester à Superintendência do Serviço do

Algodão, ainda naquele ano, afirmava que “a cauza única e excluziva do nosso

34

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algodão não atinjir as cotações dos demais algodões estranjeiros, é tão somente

devido ao nosso mau beneficiamento e péssimo enfardamento”. 38

Os cinco anos subseqüentes parecem não ter oferecido melhores condições

como atesta o ofício de 6 de Março de 1936, encaminhado pela Associação

Comercial ao Governador e à Assembléia, onde a vida econômica do Maranhão era

caracterizada como “caótica e em ruínas”. 39

Por outro lado, as eleições dariam trégua na longa fase de disputas políticas

do Estado. Após ser eleito por voto indireto, assumiu o governo, como Interventor,

Paulo Martins de Sousa Ramos, cargo que manteve durante todo o período do

Estado Novo.

A política econômico-financeira por ele implantada priorizava os problemas

dos transportes e da agricultura (algodão e babaçu40) e, embora a considerasse

incipiente, reconhecia, diante dos sintomas de falência das têxteis, voltar a ser a

principal fonte de receita para os cofres estatais.

Em sua avaliação, “o sertão maranhense, opulento nas suas rezervas, jazia

abandonado e esquecido, à falta de vias de comunicação e transporte fácil,

38 CRUZ, Heitor Fróes da. O Algodão. In: Revista da Associação Comercial do Maranhão. Ano VI n°64, Outubro de 1930.39 Revista da Associação Comercial do Maranhão, n°129, Ano XII, Março de 1936.40 Sobre a economia do babaçu no Maranhão, Alfredo Wagner Berno de Almeida esclarece em seu estudo Quebradeiras de Côco Babaçu: Identidade e Mobilização. São Luís: III Encontro Estadual das Quebradeiras de Côco Babaçú: 1995, Estação Publicidade & Marketing Ltda. e Terre des Hommes – Schweiz, p.15-16, “Entre 1911 e 1935 praticamente não se registra intervenção dos aparatos de Estado. Constata-se tão somente um único dispositivo legal taxando a maquinaria destinada ao beneficiamento. Vigem os preceitos do liberalismo, notadamente até a chamada “grande depressão” de 1929. A queda dos preços dos produtos agrícolas e das matérias-primas, provocada pelo grande aumento da produção, deteriorou os termos de intercâmbio entre os países que dependiam da exportação destes bens e os países industrializados. Todas as unidades fabris de beneficiamento do babaçu, instaladas no Maranhão após a I Grande Guerra por empresas francesas, belgas, norte-americanas e norueguesas abriram falência no final dos anos 20. A partir de 1935 o Estado redefine sua ação. Estabelece acordos comerciais a nível internacional, adotando uma política de cotas, e busca disciplinar o acesso aos babaçuais, lidos como reservatórios naturais estratégicos de matérias- primas.”

35

Page 36: Marize He[1]

estiolando, assim, as atividades fecundas do que rezultava o decréscimo da

produção e, consequentemente, da nossa exportação.”41

Quanto ao que chamou “efêmero surto industrial”, destacou elementos

poucas vezes apontados como causas basilares do fracasso industrial ressaltando

que,

“... o emprego de barcos motores na navegação do rio Tocantins,

assegurando transporte relativamente rápido e pouco dispendioso, atraiu, de logo,

para a praça de Belém, o comércio do sertão maranhense e do norte de Goiaz. Por

outro lado, o comércio piauiense, passando a negociar, diretamente, com as praças

do Sul do Paiz e da Europa, longe de continuar a se abastecer na nossa praça, entro

a competir com ela nos centros produtores e comerciais da zona maranhense

limitada pelo rio Parnaíba.

A praça de S. Luiz, perdendo, por esse modo, a parte mais importante e mais

extensa do seu campo de operações, sofreu ao mesmo tempo, o vultuoso prejuízo

dos capitais que possuía em poder de seus antigos freguezes da região sertaneja e

do norte goiano, os quais, passando a corresponder-se com outros mercados, não

liquidaram com ela as suas contas.

Várias firmas foram, em conseqüência desse fato, compelidas à falência. As

emprezas de navegação, linhas atraz referidas, a braços com dificuldades oriundas

de várias causas, notadamente a da perda, por naufrágio da maioria dos seus

barcos, entraram pouco depois, em liquidação.

41 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. Imprensa Oficial, 1939, p.6.

36

Page 37: Marize He[1]

As próprias companhias organizadas para exploração da indústria de fiação e

tecelagem, tiveram dentro de poucos anos, suas ações desvalorizadas e os

respectivos diretores as adquiriram por preço vil, na maioria dos casos, inferior à

décima parte do capital por elas representado.

Esse profundo golpe desferido na economia popular, de boa fé empregada,

num momento de entusiasmo pelo futuro do Maranhão, na indústria em referencia ,

preveniu o espírito público contra as sociedades por ações, fadando assim, de

antemão, ao insucesso, qualquer tentativa de organização de novas companhias”. 42

Contudo, os produtos maranhenses de exportação, que em 1937 haviam

alcançado cotações razoáveis, voltavam em 1938 a sofrer baixas nos mercados do

sul do país e no exterior. 43

Na tentativa de reverter o pânico instalado nas praças econômicas do Estado,

entregou, em 1939, 4.367 km de estradas carroçáveis, ligando vários dos principais

centros de lavoura à ferrovia São-Luís/Teresina, cujo objetivo era facilitar o acesso à

capital e a outros centros onde os produtos, que antes apodreciam nos paióis,

pudessem ser exportados. Mas, a depressão econômica provocada pelo início da

guerra européia reduzira, de maneira drástica, a capacidade contribuitiva do

comércio e da lavoura, fontes principais e quase únicas da receita do Estado.

Assim, ao findar 1940, o Relatório da Interventoria demonstrava que,

decorrente daquele ano financeiro, a situação do erário era de fragilidade.

42 Relatório de 1939. Op. cit. p.1443 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1941, p.16

37

Page 38: Marize He[1]

No mesmo documento, Paulo Ramos referia-se ao anacronismo dos

processos de aproveitamento agrícolas como fator prejudicial no quadro geral das

exportações e, novamente, na angústia de atenuar a crise em que se viam

mergulhados, propôs uma urgente reforma dos meios de produção bem como a

industrialização dos produtos que exerciam maior influência no sistema comercial do

Estado.

Em 1941, estimulado pela guerra, que utilizava seus derivados, o babaçu

consolidava-se como importante pilar da economia maranhense. 44 Em contrapartida,

o algodão continuava a sofrer com a falta de crédito agrícola, com a má qualidade

das sementes empregadas (impedindo a produção de tipos valorizados que

pudessem alcançar preços compensadores) e com a carência de transportes fáceis

e baratos para os centros de consumo.

Dessa conjugação de fatores, as colheitas entraram de tal modo em declínio

que em 1939 o algodão que representava 9,85% das exportações, em 1940 desceu

para 3,73% chegando em 1941 com apenas 1,84%.45

Nos primeiros meses de 1942, os produtos maranhenses tiveram um súbito

aumento de procura e de preços, tanto nos mercados nacionais como nos

estrangeiros.

44 Segundo Raimundo Moacir M. Feitosa, em seu estudo, O Processo Sócio Econômico do Maranhão. Op. cit. p. 238, “a amêndoa do babaçu, primitivamente utilizada como produto destinado ao auto consumo da população antes de 1914, a partir da primeira Guerra Mundial (1914-1918) torna-se mercadoria importante na pauta de exportação da economia do Maranhão. Passou a se constituir numa matéria-prima de grande valia para o setor industrial que não andava bem das pernas desde a derrocada das fábricas têxteis, abrindo assim possibilidades de implantação para indústrias químicas e alimentar desenvolvidas, a princípio, fora do país e no centro-sul brasileiro.” 45 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1942, p.29.

38

Page 39: Marize He[1]

“Essa inesperada reação, depois de longo período de baixa, despertou no

seio das classes interessadas novas energias e facilitou o crédito bancário,

possibilitando o levantamento de vultuosos capitais que, de seguida, foram

empregados na agricultura e nas indústrias”.46

Na capital e no interior, as indústrias pareciam ganhar novo fôlego, e a fim de

atender à demanda das encomendas, puseram-se a aplicar suas reservas em

estoques de matérias-primas, entrando em intenso regime de trabalho. O futuro

anunciava uma fase de prosperidade, não fosse o reaparecimento de novos

obstáculos produzidos pela guerra.

As restrições impostas à livre navegação do Atlântico pelos países do Eixo,

somadas à carência de combustíveis, imobilizaram a produção nos paióis e nas

fábricas impedindo a exportação das mercadorias encomendadas, a importação de

gêneros de consumo obrigatórios (faltavam peças para a indústria e ferramentas

para a lavoura) e a circulação de capital.

A assinatura de um acordo, ajustado pelo Governo brasileiro com os E.U.A.

no sentido de facilitar o comércio de amêndoas e de óleo de babaçu, trouxe ânimo

às classes produtoras, para resistirem mais algum tempo à paralisação do

intercâmbio com o exterior. No entanto, a execução do convênio não fora tão rápida

quanto às circunstâncias exigiam, o que acabou resultando em prolongada retenção

dos estoques de babaçu nos armazéns de São Luís.

Encontrava-se novamente conturbada a economia maranhense e visando

resolver, em parte, a questão dos utensílios agrícolas, que segundo o Relatório

46 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1943, p.59.

39

Page 40: Marize He[1]

daquele ano “estava a reclamar cuidados mais urgentes 47 , foi solicitada a

cooperação da Comissão Brasileira Americana de Produção de Gêneros

Alimentícios e do Commodity Credit Corporation que fizeram vir, gratuitamente, dos

Estados Unidos 10 mil enxadas, 6 mil machados e mil foices para que fossem

entregues aos pequenos lavradores do Estado. 48

A execução de tais medidas parece não ter surtido o efeito esperado e o

progressivo encarecimento do custo de vida refletia a inquietação econômica.

Segundo Meireles, 1942 e 1943 foram para o Maranhão “os anos mais difíceis”. 49

O agravamento progressivo da situação em 1943 não permitiu que a

agricultura e a indústria superassem as cotas de produção dos anos anteriores.

Ainda assim, nos setores da indústria e comércio, destacavam-se naquele momento

em São Luís algumas Companhias como a “Lages & Cia” (armazém de tecidos

grossos, brins de linho, estivas, miudezas, armarinhos, ferramentas grossas,

babaçu, tucum, mamona, gergelim e arroz), “Martins e Irmão” (fábrica de algodão

medicinal e de sabão), “Chames Aboud” (importadora de fazendas e miudezas e

exportadora de algodão, babaçu, arroz, óleo de babaçu, farelo de babaçu, borra de

caroço de algodão, mamona, gergelim, caroço de algodão, etc. e proprietária da

“Fábrica Albertina” de sabão, óleos vegetais e beneficiamento de arroz), “Cotonifício

Cândido Ribeiro Ltda.” (fábrica de brins), “Fiação e Tecidos do Rio Anil” (fábrica de

47 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1944, p.55.

48 Em sua obra História do Comércio do Maranhão. São Luís: Associação Comercial do Maranhão, Lithograf, p.63, Mário Martins Meireles esclarece que o controle da importação do babaçu nos Estados Unidos era concentrado na Commodity Credit Corporation e a doação dos 17 mil instrumentos agrícolas havia sido feita por intermédio da Comissão Brasileira Americana de Produção. 49 MEIRELES, Mário M.. História do Comércio do Maranhão. Op. cit. p. 63.p.

40

Page 41: Marize He[1]

tecidos, tecelagem e alvejamento de algodão), “Tecidos Santa Izabel S/A” (antiga

“Cia. Fabril Maranhense”, fábrica de brins, riscados, zefires, lonas, xadrezes,

mesclas, gangas, domésticos, fios, sacos e telas) e outras como a “Cunha e

Santos”, “Chagas e Penha”, “Pinheiro Gomes” e “Francisco Aguiar”. 50

Com o fim da II Guerra, a queda de Getúlio e o afastamento de Paulo Ramos

em 1945, tornavam-se cada vez mais freqüentes as discussões sobre as

providências “que se fariam imperiosas e urgentes para que se normalizasse a vida

econômica do país e se regularizassem as finanças públicas.”51

Com relação, especificamente, às têxteis maranhenses nada mais se podia

fazer senão assistir à asfixia e morte das unidades, frente à acirrada e crescente

concorrência com as modernas fábricas do sul do país.

Chegava o Maranhão em 1946 com apenas 8 têxteis52 e, a par do

desmantelamento das fábricas de tecidos, o processo de industrialização da

amêndoa do babaçu tornava-se mais sistemático e eficiente.

Segundo Feitosa “é possível que na medida em que a crise se aprofunda no

setor têxtil parte dos capitalistas vinculados a esse ramo e às atividades

agroexportadoras busque, como alternativa, realocar seus capitais no novo setor

industrial nascente: fábricas produtoras de óleo bruto, óleo refinado comestível, torta

de babaçu e produtos químicos (sabão, velas, glicerinas, etc.).”53

Os anúncios da Revista da Associação Comercial do Maranhão e alguns

jornais de grande circulação na época como “O Globo”, “O Imparcial” e o “Diário do

Norte” demonstravam o investimento no produto. Destacavam-se: “Indústria Wilson

50 Revista da Associação Comercial do Maranhão. Janeiro de 1943, ano XIX, n°211.51 MEIRELES, Mário Martins. História do Comércio do Maranhão. Op. cit. p. 69.52 MELO, Maria Cristina Pereira de. O Bater dos panos. Op. cit. p. 27.53 FEITOSA, Raimundo Moacir M.. O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. Op. cit. p. 238.

41

Page 42: Marize He[1]

Ltda.” (fábrica e indústria de produtos químicos: sabão de andiroba “ABC”, óleos de

algodão, andiroba, babaçu, rícino, saponáceo “ABC”), “Narciso, Machado & Cia”

(exportadores de cera de carnaúba, babaçu, tucum, mamona, couros de boi,

algodão, crinas, jaborandi, polvilho e demais gêneros), “Fábrica de Tecidos Camboa”

(compradores e exportadores de babaçu, mamona, gergelim, couros de boi

(salgados e espichados) e de veado, algodão, cera de carnaúba, tucum, farinha de

mandioca, arroz, tapioca de goma, peles silvestres, etc.), “Lauro Pereira da Silva “

(compradores e exportadores de tecidos, estivas – algodão, babaçu, arroz, mamona,

gergelim etc., ferragens e miudezas) e “J. D. Filho” (compradores e exportadores de

babaçu, mamona, fibras e tucum). Outras como “Lages & Cia” (armazéns de tecidos

e miudezas, ferramentas, babaçu etc.), “Martins e Irmão” (fábrica de algodão

medicinal e de sabão) e “ Companhia Chames Aboud” (importadora de fazendas e

miudezas e exportadora de algodão, babaçu, arroz, óleo de babaçu, farelo de

babaçu, borra de caroço de algodão, mamona, gergelim, caroço de algodão, etc. e

proprietária da “Fábrica Albertina” de sabão, óleos vegetais e beneficiamento de

arroz) já participavam do ramo desde 1943.54

Ao aglutinar atividades, aquelas Companhias reconstituíam o papel do capital

mercantil agroexportador como principal fonte de financiamento bem como

rearticulavam campo e cidade em um duplo processo55. Isso porque, na realidade

urbana a indústria do babaçu, e seus derivados, permitia a continuidade do fluxo

54 Ver Revista da Associação Comercial do Maranhão, ano XXI, n°235, Janeiro de 1945; jornal “O Imparcial de 28 de Julho de 1947 e 14 de Setembro de 1947; jornal “O Globo” de 8 de Outubro de 1947”. 55 Utilizou-se como referência, o pensamento de Maria Isaura Pereira de Queirós que em Cultura, sociedade rural, sociedade urbana: ensaios. RJ: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978. p.51, afirma: “...o meio rural não pode nunca ser estudado em si mesmo, mas deve ser encarado como parte de um conjunto social mais amplo, do qual faz parte juntamente com a cidade.”

42

Page 43: Marize He[1]

migratório e na realidade rural absorvia o trabalho de famílias na coleta e quebra do

coco, mas igualmente dinamizava a ida de mulheres para as cidades, em função do

baixo preço que pagavam pelas amêndoas.56

Assim, o lócus urbano e as indústrias tornavam-se, paulatinamente, o refúgio

de grande parte dos camponeses despossuídos que passavam a formar, com outras

pessoas, novos núcleos de convívio, transformando o cenário da cidade e suas

preocupações.

É do que se tratará agora.

Tecendo a ordem: urbanização, leis e meretrício na capital São Luís

Na virada do XIX, ainda que conservasse o aspecto colonial, traduzido nos

suntuosos casarões azulejados de eiras, beiras, mirantes e pinhas de porcelanas,

56 Sobre os valores pagos aos trabalhadores do babaçu, Raimundo Moacir Feitosa em seu trabalho “O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. Op. cit. p. 238-239 esclarece que “ os coletores e quebradores de coco babaçu tornam-se presença marcantes no cenário da economia maranhense no trabalho de complementação da renda familiar agrícola. O processo de exploração desses coletores e quebradores de coco pela estrutura dominante é a mesma do arroz, pois o agente que adquire a produção de amêndoa, quando não é o mesmo que adquire a produção de arroz, pratica o mesmo esquema de fixação dos preços. Através da aquisição por um preço baixo, ao sobreavaliar as mercadorias capitalistas que vende (querosene, sabão, açúcar, roupa, sandálias, sapatos, etc.), lança o fruto desse quebrador de coco a uma margem de valor tão ínfima que fica abaixo da possibilidade de contribuição para o melhoramento das suas condições de reprodução.”

43

Page 44: Marize He[1]

nos becos e ruas estreitas e tortuosas, a cidade de São Luís modificava-se em

função do surto industrial. 57

No redesenhar dos espaços, as casas-de-cômodo, hospedarias, hotéis,

pensões e cortiços passavam a servir de morada aos indivíduos que chegavam.

Acompanhando aquele remodelamento, criavam-se Leis, Decretos e outras

tantas normas que visavam à disciplina e à higiene social do novo viver urbano.

“Avizinhavam-se novos tempos”. 58 Tempos de medicalização da sociedade, de

saneamento moral e social, de codificação de condutas, de controle da ordem, de

inspeção de corpos e locais de convívio (habitações e lazer)... Enfim tempos

“maquínicos” 59, “civilizados”, modernos e assépticos.

São Luís, 4 de Abril de1919. Imbuído dos, tão em voga, propósitos de ordem

e limpeza o governador Urbano Santos da Costa Araújo promulgava a Lei n°862 que

objetivava conhecer quem eram as pessoas hospedadas na cidade e controlar

desordens e crimes, tornando obrigatório aos donos de hotéis, pensões e similares

da cidade, fornecer semanalmente à Secretaria da Justiça e Segurança, um boletim

com esclarecimentos sobre as pessoas que neles se hospedassem. 60

57 Sobre este processo de mudanças diz Maria Isaura Pereira de Queiroz em Cultura, sociedade rural, sociedade urbana: ensaios. RJ: Livros Técnicos e Científicos; SP: Edusp, 1978, p. 57, “A industrialização e urbanização no mundo ocidental implicaram na transformação do gênero de vida urbano...”. 58 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma cidade na transição Santos: 1870-1913. Op. cit. p. 83.59 Sobre a chamada “sociedade maquínica”, ver: SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. SP: Cia. das Letras, 1992. SILVA, Zélia Lopes da. Imagens do Trabalhador Brasileiro Nos Anos 30. In: Revista História, SP: Edunesp, v.12, 1993, p.275. 60 Situação semelhante nos apresenta Sidney Chaloub em Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. SP: Cia das Letras, 1996, p. 30. Segundo o autor, em 1853 no Rio de Janeiro a Comissão de Posturas da Câmara analisou o projeto denominado “Regulamento dos Estalajadeiros” julgando-o de “urgente utilidade pública”. O artigo primeiro definia como estalajadeiro “o indivíduo que der agasalho ou pousada por dinheiro, qualquer que seja a denominação da casa em que a der – estalagem, hospedaria, cortiço ou hotel”. Também havia a obrigatoriedade de o estalajadeiro possuir um Livro de Controle de Entrada e Saída dos hospedes e moradores ou moradores, com criteriosa identificação de cada um. Os subdelegados deveriam visitar freqüentemente as habitações coletivas, certificando-se de que lá não se encontravam vadios, estrangeiros em situação irregular e pessoas

44

Page 45: Marize He[1]

Trazia o Artigo 1°:

“Ficam os donos de hotéis, pensões, casas de pastos e estabelecimentos

congêneres existentes nesta capital e seus subúrbios, ou seus representantes,

obrigados a fornecer semanalmente à Secretaria da Justiça e Segurança, um

boletim contendo idade, sexo, estado civil, sua permanência no estabelecimento

naturalidade, procedência, destino e signaes característicos das pessôas que

receberem e hospedarem, bem assim e a conducta de cada uma, durante a sua

permanência no estabelecimento.

Artigo 2°: Ficam igualmente obrigadas a notificar a mencionada Secretaria a

retirada das mesmas pessôas, com antecedência de 24 horas, ou, não sendo isso

possível, no próprio dia em que tal se verificar.

Artigo 3° Ficam ainda obrigadas a ter um livro, aberto, rubricado e numerado

pela autoridade policial do districto, ou outra qualquer, designada pelo Secretario da

Justiça e Segurança no qual devem ser registradas as entradas e sahidas dos

hospedes, com declaração do dia, hora, procedência e destino, por qual via, ou meio

de transporte.

Esse livro será exhibido à autoridade policial, sempre que por esta fôr

exigido.”

Naquele mesmo ano, chegaria ao Maranhão a Gripe Espanhola. A doença se

alastrava e a urgência em resolver os problemas de salubridade urbana levou o

Governo da União a criar, pelo Decreto 13.538 de 09 de Abril de 1919, o Serviço de

Profilaxia, com representações em todos os Estados. Em 23 de Maio, portanto um

“suspeitas” ou que causassem “desconfianças e receios”.

45

Page 46: Marize He[1]

mês depois, já estaria funcionando a unidade do Maranhão, sob a chefia do Dr. Raul

de Almeida Magalhães. 61

Outra medida profilática, de Urbano Santos, foi o convênio com a norte

americana Rockfeller Foundation, para que fosse executada no território

maranhense, especialmente na capital, uma campanha para a erradicação da

malária.

Quando Godofredo Mendes Viana (1922/26) assumiu o poder no Estado,

tinha como metas prosseguir, diagnosticando os problemas e prescrevendo as

soluções para múltiplos males que acometiam São Luís62.

Contraiu, então, um empréstimo com a Ulen & Company de Nova York, no

valor de US$1.500.000,00 para a implantação na cidade de serviços de água,

esgoto, luz e tração elétrica. 63

São Luís entraria o ano de 1925 com o novo serviço de abastecimento de

água.

Mas, mesmo com todo empenho verificado no sentido da melhoria das

condições da saúde pública, o Maranhão não foi poupado de um novo surto de

varíola em 1926. A epidemia fora controlada pela filial do Instituto Oswaldo Cruz, por

meio de uma larga vacinação das pessoas ainda não contaminadas e do

61 MEIRELES, Mário Martins. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994 (Coleção Documentos Maranhenses) p. 243.62 No estudo “Coisa Pública: Serviços Públicos e Cidadania”. São Luís, IPES, 1998, p.219, sobre serviços públicos em São Luís, (em Mary Angélica p. 29) o médico Raimundo Palhano, autor do trabalho, analisa a realidade daquele momento afirmando que “... em 1922 Urbano Santos concluiu que o Estado teria como empreender, às suas custas, os serviços de água e esgotos exigidos pela cidade, o que estendia para os demais serviços. Efetivamente tomava vulto o Projeto Ulen Company. Parecia enfim, ao governo, que, por ali finalmente, se enxergaria a luz no fim do túnel. Afinal a situação dos serviços urbanos se agravava dia-a-dia. Pode-se afirmar que àquela época, São Luís, além de não ter esgotos possuía péssimos serviços de luz, de bondes, de limpeza pública e a água consumida era, além de insuficiente, portadora de elevado grau de contaminação, a ponto de ser um dos agentes poderosos da febre tifóide na cidade”. 63 MEIRELES, Mário M.. Dez estudos históricos. Op. cit. p.244.

46

Page 47: Marize He[1]

encaminhamento das doentes para o isolamento do Lira (ver localização nas plantas

da cidade em anexo).64

Os sintomas da chamada cidade doente eram diagnosticados ao mesmo

tempo em que eram disseminadas idéias de que os males possuíam várias ordens e

matizes, incluindo o comportamento social. Assim, ao saneamento urbano de São

Luís atrelavam-se interesses de saneamento moral, muitas vezes presentes na

imprensa como a carta publicada em 3 de Junho de 1927 no Jornal “A Hora”. Sob o

título de “O caftismo no Maranhão” e assinado por diversos leitores, dizia:

“Exmo. Sr. Redactor da Hora,

...existe, Sr. Redactor, ali na rua 28 de Julho n°10, entre a travessa do

Commercio e a rua Cunha Machado, uma casa de commodos onde o caftismo é

uma barreira. Esse collegio como elles denominam, pertence ao estrangeiro

Sebastião Pereira de commandita com a vaporosa Maria (vulgo Rainha de Sabá).

Supomos Sr. Redactor que seria uma falta de patriotismo de nossa parte se não

procurássemos esclarecer esse facto. Durante a noite estabelecem uma algazarra

infernal, chegando ao ponto de não poder transitar pela rua nenhuma familia, devido

ao amontoado de palavrões indecorosas pronunciadas pelos frequentadores do tal

collegio. Uma vizita do cel. Zenobio aos dominios do reinado da Rainha de Sabá

(Maria) verificará todas as verdades que aqui escrevemos. ”65

64 Sobre a fundação da filial do Instituto Oswaldo Cruz em São Luís do Maranhão, ver o que explica Mário Meireles em Dez estudos históricos. Op. cit. p. 243. “E o Governo do Estado, então em mãos do Dr. Urbano Santos da Costa Araújo (1918/22), criaria também um Serviço de Profilaxia Rural e Urbana, transformaria o Hospital Regimental em Hospital de Moléstias Rurais e conseguiria do Governo Federal ( Decreto n°13.527 de 26/03/1919) que fosse criada em São Luís, uma filial do antigo Instituto de Manguinhos, já então batizado de Instituto Oswaldo Cruz, para cuja direção foi nomeado o médico bacteriologista Dr. Cássio Miranda, que aqui teria a assistência de seu colega, o Dr. Luis Lobato Viana, e do laboratorista Benedito Laurindo de Morais, cedido pelo Instituto Vital Brasil, de Niterói”.65 Jornal “A Hora”. São Luís – Maranhão: 3 de Junho de 1927, p.1.

47

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Com a chegada do carnaval de 1929 em São Luís, o Jornal “A Hora” de 09 de

Fevereiro de 1929 trouxe a matéria “Sustenta o teu!” que dizia:

“A cidade hoje entrará no domínio do deus da loucura. A população do juiso

virado entrega se no fervilhar do enthusiasmo.

A quadra do carnaval é bonita pela sua riquesa de alegria mas ao mesmo

tempo torna se triste porque depois da Quarta feira de cinzas, commeçam se a

revelar casos deprimentes ao principio da moral.

Entre os maiores flagelos da temporada delirante do carnaval figura a

prostituição.

Esse pernicioso mal é um dos problemas mais difficil a ser resolvido pela

policia.

A policia infelizmente não se acha aparelhada para garantir propriedade do

pudor.

Talvez com a figuração dos nomes dos magnatas nas columnas dos diarios,

esses miseraveis que vegetam no globo para jogarem na lama do meretricio

milhares de ingenuas creaturas se recolhem às suas mesquinhas posições.”66

Na defesa de procedimentos disciplinares, condutas e hábitos “civilizados”

várias reclamações recaíam sobre os órgãos responsáveis pela ordem no convívio

social.

Bradando contra o que chamava “descaso da polícia no cumprimento de seus

deveres” a coluna E’cos do jornal Folha do Povo, de 10 de Setembro de 1929,

reforçava as concepções de controle da vida urbana. Dizia que,

66 Jornal “A Hora”. São Luís – Maranhão: 09 de Fevereiro de 1929.

48

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“... em certas zonas da cidade, onde, quando não é a garôtada infrene, a

jogar futebol, são carregadores ataviados de caixas, cofos e grandes embrulhos,

empatando o transito. Também as meretrizes perturbam o socêgo publico, como

agora, está acontecendo na Rua da Manga.

Os seus moradores trouxeram ao nosso conhecimento que alli, quasi ao sahir

na Fonte das Pedras, existem algumas mundanas que não respeitam as famílias,

fazendo grande algazarra, especialmente à noite, quando os que trabalham durante

o dia querem conciliar o somno.”

A mesma coluna dava continuidade a severas denúncias de caráter

moralizante e civilizatório. Responsabilizando a ineficaz ação da polícia, ressaltavam

o “descalabro” vivido em São Luís onde, a par da “obra satânica dos Dom Juans”,

campeava “infrene a prostituição” .67

Com o mesmo intuito, em 24 de Outubro de 1929, o jornal “Folha do Povo”

estampava em sua primeira página o seguinte artigo:

“Um facto lamentável, é a falta de respeito às nossas famílias, em virtude dos

taes cortiços existentes em pleno coração da nossa cidade”.

Não são poucas as occasiões em que essas respeitáveis famílias, quando

cercadas do carinho de seus filhinhos, são arrebatadas do seu enlêvo maternal,

pelos palavrões e quiçá outros inconvenientes de tal estado de cousas. Daqui

esperamos que as autoridades encarregadas de zelar pela moral, cooperem, afim de

que não se reproduzam taes scenas, que offendem o pudor publico.”68

67 Jornal “Folha do Povo”. São Luís – Maranhão: Terça-feira, 07 de Outubro de 1929, p.1.68 Jornal “Folha do Povo”. São Luís – Maranhão: 24 de Outubro de 1929, p.1.

49

Page 50: Marize He[1]

Os intentos em banir formas “incivilizadas” de viver, sujeira, doenças,

promiscuidade, falatórios, palavrões, arruaças etc., acenavam para a cidade a

imposição de padrões opostos aos que se afiguravam. Com efeito, foi no pós

Revolução que aquele ideário ganhou força.

A construção da legitimidade varguista guiava-se por um discurso em que às

contraposições entre moderno e arcaico, civilizado e incivilizado, higiênico e sujo,

ordem e desordem, trabalhador e vadio, eram utilizadas como mecanismo de

reordenamento social, de uma nova brasilidade.

No Maranhão, em 31 de Julho de 1931, o então Interventor Federal, Padre

Astolfo de Barros Serra, lançou o Decreto n°152 pelo qual alterava a divisão policial

em São Luís, fornecendo claros indícios de que a cidade passava a ter intensificada

a vigilância. Ficava estabelecido logo no Artigo 1° que o município da capital ficaria

“dividido em trêis districtos policiais, cada um dos quais com uma delegacia de

polícia e tantas subdelegacias quanto exigir o serviço de policiamento”.

Os passos da cidade eram controlados e nas ruas de grande movimentação e

de concentração de casas-de-pensão, casas-de-cômodos e hospedarias de

meretrizes eram feitos “giros” diurnos e noturnos, pela Guarda Civil. De acordo com

as escalas dos dias 10, 12 e 15 de Setembro de 1931, recebiam atenção especial os

seguintes locais:

“Giro Diurno 1, de 10 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Mercado

Público, Rampa Campos Mello, Rua da Estrella, Rua 28 de Julho, Rua Sant Yago,

Rua Cajaseiras, Praça da Alegria, Praça da Misericórdia, Cemitério, Codosinho e

Praia do Cajú”.

50

Page 51: Marize He[1]

Giro Diurno 2, de 10 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rampa

Campos Mello, Rua da Estrella e 28 de Julho, Desterro, Portinho e Fonte das

Pedras, Sant Yago e Cajaseiras, Praça da Alegria e Misericórdia, Cemiterio e

Codosinho e Praia do Cajú.

Giro Noturno 1, de 10 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rua Oswaldo

Cruz, Rua Affonso Penna, Rua Portugal, Avenida Beira Mar, Praça da Alegria e

Misericórdia, Sant Yago e Cajaseiras, Desterro, Portinho e Fonte das Pedras,

Estrella e 28 de Julho, Cemitério e Codosinho.

Giro Noturno 2, de 10 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rua Oswaldo

Cruz, Rua Affonso Penna, Rua Portugal, Rua de Sant Anna, Rua de São Pantaleão,

Sant Yago e Cajaseiras, Desterro, Portinho e Fonte das Pedras e Banco do Brasil.

Giro Diurno 1, de 12 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Mercado

Publico, Rampa Campos Mello, Rua da Estrella e 28 de Julho, Sant Yago e

Cajaseiras, Praça da Alegria e Misericordia, Cemiterio e Codosinho e Praia do Caju.

Giro Diurno 2, de 12 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rampa

Campos Mello, Codosinho e Fonte das Pedras...(documento danificado).

Giro Noturno 1, de 12 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rua Oswaldo

Cruz, Rua Affonso Penna, Rua Portugal, Avenida Beira Mar, Praça da Alegria e

Misericordia, Sant Yago e Cjaseiras, Desterro, Portinho e Fonte das Pedras, Estrella

e 28 de Julho, Cemiterio e Codosinho, Rua da Alegria e Coqueiro.

Giro Diurno 1, de 15 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Mercado

Publico, Rampa Campos Mello, Estrella e 28 de Julho, Sant Yago e Cajaseiras,

Praça da Alegria e Misericordia, Cemiterio e Codosinho e Praia do Caju.

51

Page 52: Marize He[1]

Giro Diurno 2, de 15 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rampa

Campos Mello, Estrella e 28 de Julho.

Giro Noturno 1, de 15 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rua Oswaldo

Cruz, Rua Affonso Penna, Rua Portugal, Avenida Beira Mar, Praça da Alegria e

Misericórdia, Sant Yago e Cajaseiras, Desterro, Portinho e Fonte das Pedras,

Estrella e 28 de Julho, Cemiterio e Codosinho, Rua da Alegria e Coqueiro.

Giro Noturno 2, de 15 de setembro de 1931: Praça João Lisboa...(documento

danificado).”69

A conjuntura política ia tornando crescente a intervenção do Estado sobre o

espaço público e sua regulamentação. A profilaxia física e social era, no entender

daqueles que a defendiam, a forma de defesa da sociedade contra os inúmeros

“focos de infecção”. “Caberia então intervir e sanear tanto o espaço quanto os

habitantes”. 70

Apontado como um símbolo de ameaças, físicas e morais, o meretrício era

pouco a pouco envolvido em projetos segregadores e de organização da urbes.

“Tratava-se de afastar dos olhos aqueles diferentes com quem, inevitavelmente,

dadas as condições de produção e reprodução do capitalismo, este espaço urbano

tinha que ser compartilhado.”71

Em São Luís, as interferências foram, a princípio, verificadas na imposição de

limites aos horários de circulação das meretrizes pelo território da cidade. 72

69 Documentos avulsos localizados no Arquivo Público do Estado do Maranhão. 70 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma cidade na transição Santos: 1870-1913. op. cit. p.24. 71 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma Cidade Na Transição Santos: 1870-1913. São Paulo-Santos: Editora Hucitec e Prefeitura Municipal de Santos, 1996, p. 20.72 Para Irving Goffman, Estigma, op. cit. p.155, “os desviantes sociais nos quais a prostituta está inserida são uma espécie de negação coletiva da ordem social.”

52

Page 53: Marize He[1]

Na sexta-feira, 11 de Setembro de 1931, o jornal “Tribuna” noticiava que, por

determinação do delegado, as meretrizes só poderiam freqüentar os botequins a

partir das 23 horas73.

“Desde hontem, o Sr. Alfredo Pimenta Gnone, delegado do 1° districto,

adoptou a medida de que as meretrizes só poderão andar livres pelas ruas e

frequentarem os botequins das 23 horas em diante”.

As meretrizes que quizerem sahir antes dessas horas devem se fazer

acompanhar de um cavalheiro, sob pena de serem convidadas para irem ao

Districto, onde serão admoestadas pela auctoridade de plantão e em caso de

reincidência detidas.

Essa medida também foi imitada pelo tenente Justino Lopes da Cunha,

delegado do 2° Districto74, e visa tão somente atender as famílias que se dizem sem

o direito de passeiarem até mais tarde, devido o número de mulheres de vida alegre

que sahem dos seus rebanhos para se exporem às vistas publicas e palestrarem

nas portas dos cafés. ”75 73 Segundo Nickie Roberts, A Prostituição Através Dos Tempos Na Sociedade Ocidental. Lisboa: Editorial Presença, 1996, p. 216 já na Itália de 1860 podem ser observadas proibições e regulamentações de horários e locais permitidos às prostitutas, “... estavam proibidas de <<perder tempo>> nas ruas e nas praças ou de vaguear nos seus próprios bairros; não podiam sair <<sem justa causa>> depois das oito horas da noite no inverno e das dez no verão. Quando saíam das case chiuse tinham que se comportar <<decentemente>> e com decoro, vestir-se de forma modesta, evitar seguir quem passasse, não abordar homens nem ir ao teatro.” 74 O segundo parágrafo do Decreto n°152, de 31 de Julho de 1931, trazia as áreas de competência do 2° Distrito, onde foram dadas muitas das queixas com que temos trabalhado, comprovando a concentração de meretrizes no local. “ § 2º - O 2º Distrito, com séde nesta Capital compreende a parte sul da mesma, na conformidade da divisão constante do Regulamento, baixado com o aludido decreto nº1. 025 de 5 de março de 1926, até o túnel da referida E. de F. S. Luís-Teresina, seguindo esta ao encontro da linha telegráfica que servirá de divisão até o Batatan e, por esse rio ao estuario do Bacanga, segue a divisão do igarapé do Furo e depois em uma reta ao igarapé Arapapai compreendendo a Vila Maranhão, até a baía de São Marcos, incluindo as ilhas Garapirá, Duas Irmãs e Medo. Nesse distrito haverá duas sub-delegacias separadas da Capital pelo Bacanga, sendo uma em Boqueirão, compreendendo Cantagalo, Guia, Bonfim, Tamancão, Itapecaraiba, Itaqui e as ilhas referidas, e a outra na Vila Maranhão, compreendendo Buenos Aires, Conceição, São Raimundo, Alcantara, Arraia, Pindoba, Telha e Santa Rita.” 75 Jornal “Tribuna”. São Luís – MA: sexta-feira, 11 de Setembro de 1931, p.1.

53

Page 54: Marize He[1]

No Domingo, 13 de Setembro, a “Tribuna”, continuando o assunto,

comunicava que

“O Dr. José Brugger Vilela, Chefe de Polícia do Maranhão, não

compreendendo que possa existir pensões e casas de meretrizes de visitas, entre

famílias, está decidido a crear a zona do meretrício.

Para isso, conta com o apoio dos delegados auxiliares e espera o auxilio da

imprensa.

O fim da creação da zona só trará benefício às famílias, que reclamam não

poder fazer o “footing” nas Avenidas, devido a adhesão de mulheres de vida fácil.

E para que as famílias deixem de sofrer desgosto a zona será creada e nella

será mantida a liberdade com restricção e um policiamento exacto.

As primeiras medidas:

Para que as famílias posam livremente freqüentar os “bars” e cafés, a polícia

prohibiu terminantemente que qualquer meretriz penetre nesses estabelecimentos

antes das 23 horas.

Como no Maranhão o transito familiar termine sempre às 23 horas, os

delegados dessas horas em diante, darão liberdade para as mulheres de vida alegre

frequentar os botequins e andarem livremente pela cidade, desde que não pratiquem

escandalos e nem desordem.

No 1°Districto ellas poderão sahir acompanhadas.

O Sr. Pimenta Gnone, delegado do 1° districto, em hypotese alguma,

permitirá que as mulheres transitem pelas ruas que estiverem sob sua fiscalização,

sem serem acompanhadas.

54

Page 55: Marize He[1]

Das 23 horas em diante permitte que estejam à vontade e só serão

incommodadas se perturbarem o socêgo publico.

No 2° Districto a volta não é tão cruel.

O tenente Justino Lopes da Cunha determinou aos seus subordinados que

prohibam a entrada das mulheres nos “bars”, cafés e botequins antes das 23 horas.

Mas, desde que as mulheres, em número no máximo de duas, juntas,

transitem pela rua, em procura de uma pharmacia, de um negócio urgente, em

ordem sem pararem nas esquinas não podem ser admoestadas.

Elas não estão privadas de dansar. Não é intuito da polícia privar as

diversões das prostitutas.

A polícia aos sábados e domingos dará licença para os grêmios “Radiante”,

“Espoca”, “PP”, “Primavera e “Ideal”, realizarem bailes para as mulheres mais

humildes. Os clubs “Comercial” e “Palace” funcionarão para as mulheres da

aristocracia.” 76

O tema prosseguia na Imprensa local enquanto as concepções de ordem

cristalizavam-se como sinônimo de civilidade.

Nos projetos políticos o que se via era uma diferenciação, explícita, do

tratamento dispensado àqueles indivíduos considerados potencialmente perigosos e

os “outros” elementos da sociedade. Locais como bares, clubes de dança e casas

de meretrizes rapidamente ganhavam especial vigilância77.

76 Jornal “Tribuna”. São Luís – MA: domingo, 13 de Setembro de 1931, p. 02.77 Sobre as convivências e conflitos da cidade, Henri Lefebvre em O direito à cidade. SP: Editora Documentos Ltda., 1969, p. 20 faz a seguinte colocação, “a vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos ( inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos “padrões” que coexistem na cidade”.

55

Page 56: Marize He[1]

Avalizando a política normatizadora, o periódico “Folha do Povo” apresentou,

na segunda-feira 14 de Setembro de 1931, à população de São Luís a matéria

intitulada “A polícia e o meretrício”, na qual dizia:

“A nossa atual policia dando solução a um problema que a muito vinha

pedindo atenção dos poderes competentes acaba de tomar várias medidas no intuito

de refrear o meretrício desta capital que, como é sabido, já se tornava um afronta à

nossa sociedade. Assim é que ficou proibido, d’ora em diante as “maripozas”

freqüentarem os botequins e cafés antes das 23 horas. Para que as meretrizes

tranzitem no perímetro urbano, antes das 23 horas é necessário que se façam

acompanhar de outra pessôa e se portem com todo respeito.

Essa medida, que verificamos bôa, no 2° districto só será adotada em parte,

por determinação do delegado tenente Justino Lopes, que permite às meretrizes o

livre tranzito, uma vez que se mantenham com o devido respeito.

Quanto aos bailes públicos poderão elas freqüentar, verificando-se, porém,

um policiamento às alturas.

Nos “footings” e reuniões populares as meretrizes só poderão freqüentar

quando acompanhadas. ”78

Nas discussões sobre a prostituição salientavam, também, desejos pela

criação de espaços específicos para aquela atividade. No dia 20 de Setembro de

1931 a “Tribuna” inseria, no artigo “As mulheres da vida fácil”, dois itens sintomáticos

da ideologia que se impunha: a localização do meretrício e o funcionamento de

clubes de danças.

78 Jornal “Folha do Povo”. São Luís – MA: Segunda-feira, 14 de Setembro de 1931, p.01.

56

Page 57: Marize He[1]

“O Sr. Dulcídio Pimentel, delegado de polícia da Capital, irá finalmente

resolver o problema da localisação do meretrício em São Luíz. Nesse sentido vae se

entender, hoje, com vários commerciantes e proprietários de casas para, de pleno

accordo, decidir esse caso que tem sido o commentario da cidade.

Tendo alguns proprietários de clubs requerido, hontem licença para fazerem

funccionar, hoje, os seus clubs de dansas para meretrizes, o 2° delegado indeferiu

as mesmas lincenças, por se tratar de logares frequentados por gente suspeita a

quem a polícia pretende manter a máxima fiscalização.” 79

Nas estratégias de construção da cidade higienizada, enfatizavam os

problemas e as formas de intervenção. No espaço urbano recortado seus habitantes

são conhecidos, diagnosticados, classificados. 80

Assim, a partir de 18 de Setembro de 1931, por ordem do delegado do 2° e 3°

distritos, todas as meretrizes da capital, incluindo as donas das Casas, passariam a

ser identificadas com uma caderneta.

As mulheres deveriam deixar uma fotografia na polícia, pagar a taxa de

10$000 ao Tesouro Público do Estado e receber a caderneta comprovando seu

registro81. Tal valor fora criado especialmente para o que denominavam “pessoal

sem profissão”.

79 Jornal “Tribuna” São Luís – MA: Sexta-feira, 18 de Setembro de 1931, p.08. 80 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma cidade na transição Santos: 1870-1913. op. cit. p.26. 81 Dez anos mais tarde, a prática de registrar as meretrizes na polícia ainda estava em voga como mostra a lista de fichas individuais no livro de registro de hóspedes da pensão “Oliveira”. Constam na listagem vários nomes de meretrizes e seus respectivos “números” na Polícia. Eram elas: Maria G. G., ficha individual 79; Regina G. dos S., ficha individual 74; Ricardina C. f.i. 81; Raymunda F. S., f.i. 75; Rufina R., f.i. 78, Raymunda M., f.i. 77; Maria Madalena C., f.i. 445 e Amanda dos A., f.i. 266.

57

Page 58: Marize He[1]

Segundo o jornal “Tribuna”, tão logo fosse terminado o serviço de

identificação, seria iniciada a inspeção médica82 de todas as meretrizes registradas

na polícia. 83

No caso do meretrício estabeleciam vínculos com a proliferação de doenças,

em especial a sífilis. Ao associar a doença a um comportamento social concebido

como inadequado, reforçavam os referenciais “assépticos” que englobavam posturas

sociais e sexuais.

Em São Luís, o editorial da “Tribuna”, de 26 de Setembro de 1931,

demonstrava como a ideologia da higiene era utilizada no sentido de reconhecer os

focos de doença/desordem e introduzi-los em uma outra lógica.

Seu conteúdo era enfático quanto aos perigos morais e sociais da

prostituição, todavia, revelava vozes dissonantes quanto à prática dos projetos.

“Logo no início da investidura, andou o chefe de polícia a adoptar medidas

relativas à regulamentação da prophylaxia social do meretrício. O rigor com que

eram tomadas as providências policiaes, si, em parte, não podem ter a sancção dos

princípios legaes assecuratórios da liberdade individual, denunciava, todavia, os

82 Podemos verificar semelhanças entre a realidade de São Luís e Paris da Belle Époque, apresentada por Michelle Perrot em Mulheres Públicas. SP: Unesp, 1998, p. 27, onde diz que “fichadas as mulheres públicas recebem visitas médicas regulares e são quando preciso encerradas nos hospitais-prisões, cujo protótipo em Paris é Saint-Lazare.” Nickie Roberts, A Prostituição Através Dos Tempos, op. cit. p.210 também destaca a relação entre a polícia parisiense e a prostituição, no início do século XIX, indicando elementos que igualmente identificamos no caso ludovicense. Segundo a autora, “logo em 1810 a polícia parisiense respondeu à preocupação burguesa, organizando uma brigada especial, a police des moeurs, cuja função era supervisionar a inscrição num registro central. Uma vez registradas, as prostitutas parisienses tinham que se apresentar mensalmente para uma inspecção vaginal levada a cabo por um médico da polícia; este privilégio custava-lhes três francos de cada vez que lá iam. Se estivessem infectadas com alguma doença venérea, as mulheres eram confinadas num hospital-prisão (em Paris, o infernal St. Lazare. Em São Luís, as mulheres também foram rigorosamente fichadas pela polícia e os casos de doenças infecto contagiosas eram em sua maioria detectados pelas inspeções sanitárias e encaminhados para o Hospital Geral. Os Diários Oficiais do Maranhão forneciam diariamente dados sobre as referidas doenças, indicando que o maior número era a sífilis, seguida pela lepra. 83 Jornal “Tribuna”. São Luís – MA: Sexta-feira, 18 de Setembro de 1931, p.08.

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Page 59: Marize He[1]

louváveis propósitos da autoridade pública em melhorar as nossas condições

sanitárias grandemente comprometidas pela syphilis e suas ruinosas

conseqüências.

Até agora não sabemos as providencias que a policia promettia tomar para o

fim de pôr óbice aos effeitos devastadores da avaria. As difficuldades, que,

naturalmente, se teriam erguido deante da humanitária iniciativa policial, não

poderiam absolutamente ser de molde a lhe adiar ou entibiar as providências. As

estatísticas sanitárias sobre a prophylaxia da lues constituem o melhor e o mais

convincente argumento contra os que combatem a regulamentação da prostituição.

Onde ella é devida e cuidadosamente regulamentada, vem se notando o constante

decréscimo do número dos contaminados, em benefício da saúde da raça e da

própria dignidade da espécie.

Nos Estados Unidos da América do Norte, o meretrício não se acha sob a

acção directa de um regulamento legal. Mas, este facto não pode ser invocado pelos

que constituem a corrente que oppõe, neste assumpto, às providências da

autoridade policial. Ali, na grande república, o estranho facto tem a sua natural

explicação: o governo não reconhece a prostituição, seja qual for o modo de sua

manifestação. Não a reconhece, mas persegue a quem a pratica, impondo-lhe a

pena com que pune o crime de vagabundagem. Isto, porem, não tem sido bastante.

Persistem os seus effeitos desastrosos. Tem tomado intenso incremento a industria

criminosa dos abortos provocados, a diminuição da natalidade e os casamentos

precoces.

A polícia deve levar a effeito medidas tendentes a restringir a propagação das

moléstias venéreas, entre nós entrando, para esse fim, em immediato entendimento

59

Page 60: Marize He[1]

com as autoridades sanitárias ou executando leis especialmente decretadas pela

interventoria.

A propósito, passamos para as nossas columnas um facto relatado pala

imprensa do Recife, referente ao assumpto em apreço:

<<A equipagem dos vasos de guerra italianos estacionados em nosso porto,

depois de ter passado pelos portos de Buenos-Ayres e de Montevidéo, depois de ter

percorrido meia parte do mundo, veiu quasi toda ella contaminar-se em Recife,

entre o meretrício não regulamentado e não localizado da culta, hygienizada e

policiada capital pernambucana. >>”84

No sentido de garantir a civilidade, a ordem, a saúde e a limpeza, médicos,

juristas e a polícia plasmavam teorias e práticas mais elaboradas. Pontuando a ação

policial, o Diário Oficial do Estado do Maranhão, de 4 de Abril de 1932, apresentava

o Decreto 259 de 30 de Março, no qual constava o novo Regulamento para a

Chefatura de Polícia do Estado. Tratava-se de uma releitura daquele de 1919,

acrescentando como dados, nacionalidade e profissão.

A mesma preocupação em “conhecer” os indivíduos era revigorada pela

ideologia varguista de valorização do trabalho e controle de estrangeiros em

território nacional.

Veja-se o capítulo III, “Das atribuições da polícia”, particularmente os artigos:

“13°- Compete às autoridades policiais:

I. Proceder a inquérito e todas as diligencias necessárias ao descobrimento

dos fatos criminosos e suas circunstancias, inclusive o corpo de delito.

84 Jornal “Tribuna”. São Luís – MA: Sábado, 26 de Setembro de 1931, p.1.

60

Page 61: Marize He[1]

XXIV. Dissolver os ajuntamentos ilícitos ou sediosos.

XXVII. Fiscalizar os hotéis, albergues, hospedarias e quaisquer outros

estabelecimentos onde entrem e saiam, diariamente, hóspedes, obrigando os

proprietários, procuradores ou encarregados a ter um livro devidamente aberto e

rubricado pelo Chefe de Polícia ou pelo funcionário por ele designado, em que sejam

inscritos os nomes dos hóspedes, sua nacionalidade, idade, estado civil, profissão,

domicílio, procedência, destino, datas de entrada e saída e sinais característicos.

14°- Para o fim de que trata o n. XXVII do artigo precedente, os proprietários

de hotéis, casas de pensão, casas de cômodos e outras a estas equiparadas, são

obrigados a fornecer, semanalmente, à Delegacia Geral de Polícia da Capital , um

mapa do movimento de entradas e saídas de todos os seus hóspedes e destinos,

durante a semana finda, sob pena de multa de 100$000.

Parágrafo único – A Delegacia Geral de Polícia fornecerá mapas devidamente

vizados e rubricados pelo Delegado nos quais serão inscritos os nomes dos

hóspedes, sua nacionalidade, idade, estado civil, profissão, domicílio, procedência,

datas de entrada e saída e sinais característicos, de acordo com o estabelecido no

citado n. XXVII do art. 13°.”

Até os giros pelas ruas mereceram atenção especial. O capítulo XI do mesmo

Decreto fora todo dedicado a esmiuçar as funções de novos elementos responsáveis

pela ordem, os “Inspetores de Quarteirão”, pessoas comuns escolhidas pela polícia

para exercerem papéis de zeladores da “boa conduta social”.

“Artigo 50°- Aos Inspetores de Quarteirão incumbe:

61

Page 62: Marize He[1]

I. Conter os ébrios85 e turbulentos, que, por palavras ou ações, ofendam

a tranqüilidade pública.

II. Informar à autoridade policial sobre as infrações, contravenções e

crimes que forem cometidos, assim como sobre suspeitos, vadios, mendigos,

vagabundos, gatunos, caftens e criminosos que se acharem no quarteirão.

III. Prender em casos de flagrante delito.

IV. Prender os pronunciados não afiançados e os condemnados à prisão,

quando tiverem ordem da autoridade policial.

V. Invocar o auxílio de cidadãos para efetuar prisões, quando não seja

possível requisitar da autoridade nem chegar em tempo, a força necessária

VI. Mostrar-se conhecedor das pessôas residentes do respectivo

quarteirão e do movimento das casas de pensões, hospedarias e estalagens.

VII. Observar as ordens e instruções das autoridades policiais.

VIII. Participar, semanalmente, aos subdelegados de policia, tudo que

houverem praticado no desempenho de suas funções.

Vagabundagem e condutas nocivas das mais diversas ordens mas,

principalmente o meretrício, continuavam fortemente reprimidas e nesse sentido

outro Decreto, o n°520 de 6 de Novembro de 1933, acentuava os contornos e as

práticas do controle social em São Luís.

Seu conteúdo, que autorizava o Chefe de Polícia a tomar medidas

“acauteladoras da moralidade pública”, dizia:

85 Sobre a “questão do alcoolismo” e as representações da figura do ébrio no período de 1890 a 1940 ver o artigo de Matos, Maria Izilda Santos de. O Lar e o Botequim. In; Cadernos CERU, série 2, n. 11, 2000.

62

Page 63: Marize He[1]

“...attendendo ao que lhe foi representado pelo Chefe de Polícia do Estado

quanto a conveniência e necessidade de serem tomadas, com urgência, medidas

que, embora não previstas no Regulamento Policial vigente, estão a exigir prompta

execução, afim de attender os interesses e a moralidade da sociedade; e tendo em

vista que as famílias maranhenses não podem continuar prejudicadas com a falta de

respeito que repetidamente se vem traduzindo em actos e factos desabonadores da

moralidade publica, especialmente ao modo irregular como é exercido o meretrício

nesta capital, cuja fiscalização e actos preventivos se impõe sejam desde já postos

em execução, DECRETA:

Artigo Único – Fica desde já, o Chefe de Polícia auctorizado a promover as

medidas que julgar opportunas afim de que a moralidade, o respeito e a ordem não

mais sejam prejudicadas por actos ou práticas às mesmas attentorias, podendo para

isso baixar instrucções, impondo as penalidades que se tornarem precisas.”

O controle dos livros fora levado a cabo pelas autoridades policiais. Os vistos,

assim como anotações de não entrega de mapas, eram registrados em uma

listagem mensal onde constavam o número da casa e seu respectivo “proprietário”,

responsável.

Com a aproximação do golpe de 37 a fiscalização estatal sobre as condutas,

costumes e posturas na sociedade tornava-se mais enérgica. As medidas

passavam a incorporar o pagamento de multa de 200$000 réis e detenção por 24h

para aquele que em público, praticasse “actos immoraes” proferisse “palavras

obcenas” ou se comportasse de modo “deshonesto, offensivo ao pudor, que

pudesse ser visto ou ouvido pelos transeuntes ou vezinhos”. 86

86 Diário Oficial do Estado do Maranhão, sexta-feira 16 de Abril de 1937, p.07.

63

Page 64: Marize He[1]

Reforçavam-se, insistentemente, os mecanismos de controle e

domesticação87 dos comportamentos e espaços, levando os locais concebidos como

focos de desordens a tornarem-se, cada vez mais, alvo de “preocupações” por parte

do Estado.

Observando a morfologia urbana de São Luís, nas primeiras décadas do

século XX, depara-se, com uma bem definida representação de um daqueles locais,

o espaço sexuado88 da cidade.

Circunscritas nas ruas da Palma, 14 de Julho, Joaquim Távora, 28 de Julho,

Nova, do Sol, Cândido Mendes, da Passagem, do Teatro, Luzia Bruce, Maranhão

Sobrinho, da Manga, da Saúde, da Lapa, Afonso Pena, Henriques Leal, Nina

Rodrigues, Tarquínio Lopes, 7 de Setembro, Regente Bráulio, Santa Rita..., Avenida

Pedro II, Fonte das Pedras, Praça João Lisboa... em meio a armazéns de louças e

vidros, de ferragens, de secos e molhados, de estivas e cereais, de inflamáveis, de

galas e funerais, de materiais de construção, ferreiros, marceneiros, alfaiates,

despachantes, sapateiros, dentistas, barbeiros, médicos, joalheiros, ourives,

consertadores de pianos, guarda-livros, tipografias, oficinas de encadernação, de

fotografias, de malas, de violões, livrarias, papelarias, cinematógrafos, farmácias,

mercearias, padarias, serrarias, colchoarias, lojas de fazendas, de quinquilharias, de

calçados, de miudezas, de perfumes, de chapéus, de artigos para automóvel, de

victrolas, fábricas de chapéos de sol, de móveis, de perfumes, de lenços, de sabão,

de vinagre, de tecidos, de óleos, de algodão medicinal, de gelo, de chocolates, de

massas alimentícias, de cigarros e pomadas, tavernas, clubes de diversões,

87 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma Cidade Na Transição. Op. cit.p.73. 88 PERROT, Michelle. Mulheres Públicas. SP: Unesp, 1998, p. 08.

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tabacarias e botequins estavam as casas-de-cômodo, pensões e hospedarias de

meretrizes.89

Era ali o espaço geográfico das madamas, raparigas, borboletas, maripozas,

decahidas e horizontaes90...e tal visibilidade, pela concentração em locais de limites

bem definidos, certamente facilitou as ações da polícia91.

89 Diário Oficial do Estado do Maranhão, Terça-feira, 17 de Janeiro de 1933, p. 07.90 Outras expressões utilizadas, na época, como significado da palavra meretriz foram encontradas no Dicionário de Sinônimos e Locuções da Língua Portuguesa. Agenor Costa (org.). 1945. Biblioteca Pública do Estado do Maranhão “Benedito Leite”. São elas: acreana, alcouceira, andorinha, arruadeira, bagaceira, bagaço, bagaxa, bandarra, barca, bebena, biraia, bisca, biscaia, boi, bruaca, cação, cadela, canhão, cantoneira, carcaio, catraia, china, clori, coia, cocote, cortesã, concubina, cróia, culatra, culatrão, curta, dama, égua, ervoeira, fadista, fêmea, femeaço, findinga, fornicária, frega, frete, frincha, bubana, fusa, ganapa, gança, jereba, laís, lôba, loureira, lumia, manceba, marafona, marafantona, marca, marota, merreca, messalina, michela, miraia, moça, moça do fado, mulher da comédia, mulher à toa, mulher dama, mulher da rótula, mulher da rua, mulher de má nota, mulher de ponta de rua, mulher desgraçada, mulher da vida, mulher perdida, mulher do fado, mulher do fandango, mulher do pala aberto, mulher errada, mulher solteira, mulher vadia, mundana, mundária, murixaba, pécora, perdida, perua, pinóia, polaca, pôlha, porca, prostituta, puta, quenga, rameira, rascoa, reboque, rongó, solteira, sutrão, tapada, tolerada, tronga, vadia, vaquete e vertena. Zoina – de baixa classe. Boi, catraia – de soldado. Patrajona – elegante. Cortesã – estrangeira. Poloca – fina. Horizontal – imunda. Cagaçal – reles. Velha e reles – bagaço. Reles, muito reles – culatra, culatrão, culatrona, galdrapinha. Que anda pelos cantos das ruas – cantoneira. Que anda em cabana – cabaneira. Que vagueia – borboleta. Laure Adler em, A Vida Nos Bordéis De França, 1830-1930. Lisboa: Terramar, 1990, p. 8-9, indica o mesmo para as prostitutas francesas, “chamam-nas de mulheres de prazer, mulheres da noite, mulheres da vida airada, mulheres da farra, amiguinhas, mulheres de giro, mulheres de barreira, mulheres de beuglant, pedregosas, papa-ceias, andarilhas, cocottes, heteras, horizontais, pedestres, visitadoras de artistas, lorettes, frisettes, cabriolas, polvas, aquáticas, demi-castors, celibatárias prazenteiras, vénus crapulosas. Em As prostitutas de Roma. In: Amor e Sexualidade no Ocidente. Lisboa: Terramar, 1991, p.89, Catherine Salles resgata as origens dos termos hetaira e meretriz, “enquanto os Gregos haviam achado o elegante termo hetaires (companheiras) para designar as suas prostitutas, os Romanos dão às suas o nome trivial de meretrix (<<a que tira dinheiro do seu corpo>>). Noutros tempos, as prostitutas serão <<impuras>>, <<mulheres perdidas>> ou <<pecadoras>>. Em Roma, elas são <<aves de rapina>> ou <<vampiros>>!”91 Em São Luís a área ocupada pela prostituição, ao contrário de muitas outras cidades, não era periférica, mas integrava o espaço comercial e administrativo da cidade. Houve uma afluência de pessoas que se instalavam em grande parte na área central e não na periferia da cidade. As habitações de operários, pedreiros, catraeiros, meretrizes e outros, eram os antigos prédios que no século XIX, pertenceram aos senhores do algodão e ricos comerciantes. Segundo Maria José Penha dos Santos, Urbanização de São Luís – MA. Universidade Federal do Maranhão: Monografia de conclusão do curso de Ciências Imobiliárias, 1998. P.14, “A década de 20 (vinte) a 40 (quarenta) marca o investimento na infra-estrutura trazendo melhorias: saúde, transporte, energia, educação; devido ao declínio econômico na década de 30(trinta) e 40(quarenta) as transformações se refletem na expansão espacial da cidade, determinando o deslocamento da população para o Monte Castelo, dando início a desvalorização do Centro que passa a ser ocupado pela população pobre, dando formação aos cortiços os quais permanecem até os dias atuais”. No Relatório de 1940, p. 62 Paulo Ramos indica as obras que resultaram naquela modificação. “A construção da Avenida Getúlio Vargas, antigo Caminho Grande, a que acima fiz referência, merece também especial atenção.

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Quando a Interventoria do Estado foi assumida por Paulo Ramos, a polícia

sofreu forte remanejamento. O posto de 1° delegado fora entregue a Flávio Nunes

Bezerra que breve assumiria a chefia de polícia. 92

No mesmo Relatório, apresentado em 193793 ao Interventor, o Tenente

Coronel José Faustino dos Santos e Silva, ainda Chefe de Polícia, demonstrara

especial atenção para as informações sobre os indivíduos que circulavam pela

capital ludovicense, principalmente nos hotéis, pensões, casas de cômodos e

hospedarias.

Constava na Seção de Ordem Política e Social, o registro de legalização de 5

hotéis, 11 pensões familiares, 21 de rapazes solteiros, 10 pensões “alegres” e 28

casas de cômodos e estalagens.

O levantamento do número de pessoas que transitaram por aqueles

estabelecimentos pôde ser feito a partir dos Livros de Registro de Hóspedes e

apenas no período de 12 de Julho a 15 de Setembro de 1937, calculou-se um total

de 2.474 hóspedes, 881 homens e 1.593 mulheres94 sendo que, 265 eram de

nacionalidade estrangeira95.

Iniciadas as obras da aludida via pública em 1939, foi, contudo, em 1940 que elas avançaram, a ponto de se encontrarem hoje próximas de seu têrmo. Esta avenida, pavimentada a concreto, com canteiros centrais, em planos salientes, e duas largas superfícies de rolamento, transformou a zona suburbana, por onde se estende, num dos melhores e mais modernizados trechos da Capital”. De acordo com os dados de funcionamento de Casas de Pensões e Cômodos acreditamos que tal fenômeno tenha se iniciado já na década de 20. 92 Sobre este assunto ver o Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Governador do Estado, Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, pelo Tte. Cel. Chefe de Polícia, Dr. José Faustino dos Santos e Silva. São Luís do Maranhão. RJ: Typ. Do Jornal do Commercio. Rodrigues & C. 1937, p. 25.93 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Governador do Estado, Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, pelo Tte. Cel. Chefe de Polícia, Dr. José Faustino dos Santos e Silva. Op. cit. p.31.94 Observa-se por este dado o processo de coagulação da mão de obra feminina, donde resulta em grande parte o meretrício.95 Pelo Decreto-Lei n°897 de 2 de Setembro de 1944, foi criada em São Luís, em caráter de emergência, a Delegacia Especial de Segurança Política e Social e de Estrangeiros. Subordinada à Chefatura de Polícia tinha como finalidade específica fiscalizar a entrada e saída de estrangeiros em território nacional, investigar atividades contrárias à legislação, promover registro, naturalização ou expulsão.

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A rigorosa política de controle social seguia estendendo assim “seus

tentáculos aos mais variados setores da sociedade”. 96

O pensamento e imposição da ordem criavam repetidas e sucessivas

medidas para coagir qualquer tipo de manifestação ou atitudes contrárias ao

estabelecido pelo governo.

Assim, outro campo de ataque foram as festas populares. Em particular o

carnaval, que se desregrado e sem a vigilância das autoridades policiais poderia,

para a política que alicerçava o governo, colocar em risco a moral e os bons

costumes da sociedade.

Foi pela ocasião do carnaval de 1940 em São Luís que a Chefatura de

Polícia, já na pessoa de Flávio Bezerra, lançou um elenco de normas que deveriam

ser seguidas durante o período das brincadeiras. Entre outras resolvia que:

“4°- Os bailes de entrada paga e os cabarés não poderão funcionar sem

previa licença da Polícia;

5°- Essas licenças serão dadas mediante requerimento sellado, de um

responsável, ao Chefe de Polícia, do qual constará a denominação do grupo, o

nome e a residência de cada um dos seus componentes ou, no caso de de bailes

públicos e cabarés, a declaração da rua e número do prédio onde vae funccionar;

6° - Todas essas licenças serão pagas em sellos adhesivos do Estado,

de accordo com a tabella da Polícia;

7° - A entrada dos bailes públicos e cabarés, será feito pela Polícia o

reconhecimento das pessôas mascaradas;

96 SOIHET, Rachel. A INTERDIÇÃO E O TRANSBORDAMENTO DO DESEJO: Mulher e Carnaval no Rio de Janeiro (1890-1945). In; Espaço Feminino, v.1/2, Ano 2, Jan./Dez. 1995. Universidade Federal de Uberlândia, Departamento de História, CDHIS, NEGUEM.

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Page 68: Marize He[1]

8°- Não serão permittidas as phantasias transparentes e máscaras de crítica

ou allusivas aos membros dos poderes públicos, às autoridades em geral, ao clero,

bem assim as que tenham emblemas, distinctivos, bonés, fitas, golas, botões e

galões semelhantes aos adoptados pelas classes armadas do País;

11°- Fica prohibido o ingresso de menores nos bailes carnavalescos,

principalmente nos de entrada paga e cabarés;

14° - Os donos dos bailes e cabarés serão responsáveis pela ordem e

moralidade nos mesmos;

16° - Nos bailes públicos e cabarés haverá número sufficiente de

investigadores e policiaes para a fiscalização e execução das presentes instrucções.

Mesmo após o surgimento do rádio, os jornais continuavam poderosos

instrumentos de divulgação das idéias, projetos e ações do governo.

No Estado Novo, as questões centrais para o Estado, corporificado na figura

de Getúlio Vargas, voltavam-se para uma consciência nacional onde, a família, o

trabalho e a Pátria eram os pilares.

Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro, “criavam-se novos mitos e fortaleceram-

se velhos símbolos, dando-lhes uma roupagem oficial e, muitas vezes, científica.

Recuperaram-se valores dentre os quais o culto aos heróis, líderes e símbolos da

pátria; à nacionalidade, à disciplina, à moral, ao trabalho e aos valores do

catolicismo tradicional.”97

Não por outro motivo, a data de 7 de Setembro de 1940 fora escolhida para

publicar no Jornal “O Globo” de São Luís uma ampla matéria com o “sugestivo” título

97 Carneiro, Maria Luiza Tucci. O Anti-Semitismo na Era Vargas (1930-1945). SP: Brasiliense, 1995, p.124.

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de “A polícia civil do Maranhão: um departamento modelar na vida administrativa do

Estado”.

Destacando a atuação de Flávio Bezerra na prevenção das perturbações da

ordem e na preservação do público “da influência nociva dos inimigos da sociedade”,

salientou a questão do meretrício emoldurada nos conceitos estadonovistas.

Incluindo o meretrício no conjunto de “quistos sociais” e “indesejáveis”98

afirmava,

“Chaga social sobre a qual se tem escripto páginas as mais vivas, o

meretrício é um desses muitos males contra o qual a repressão não pode ser feita

violentamente, taes os complexos problemas que encerra. A acção policial nesse

sector, tem que ser antes de tudo, preventiva e acauteladora do decoro público. Em

todas as grandes capitaes a localização do meretrício é medida que se impõe. É um

isolamento necessário de grande valor social. O Dr. Flávio Bezerra, technico perfeito

na arte de policiar os costumes, zelador do decoro publico, em dia com a evolução

dos methodos scientíficos de polícia, fez na capital esta coisa que a tantos parecia

difficilima: isolou do organismo social esse campo corroído, localisou o meretrício e

fez mais: iniciou o combate às casas de “rendez-vous”. ”99

Os limites do permitido, do conveniente, do limpo, do sadio, do moderno e em

última instância, congregando todos os outros, do civilizado, eram traçados com

matizes mais fortes. Para além ficavam as práticas e manifestações de “selvageria”

e atraso.

98 Carneiro, Maria Luiza. O Anti-Semitismo na Era Vargas. op. cit. p. 179. 99 Jornal “O Globo”, 7 de Setembro de 1940, p. 1.

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Page 70: Marize He[1]

Naquele contexto, as imagens de “progresso” eram estendidas às estruturas

físicas da cidade e nas intenções em transformar o espaço urbano destaca-se o

episódio que envolveu, em 1937, o então prefeito de São Luís, engenheiro Otacílio

Sabóia Ribeiro.

Segundo Mário Meireles, o “jovem urbanista, pensou em plano, talvez

mirabolante, que lhe desse maior fama, qual foi o de transformar a velha capital

maranhense, de perfil colonial com seus vetustos sobradões de fachadas de azulejo

e sacada de ferro, com suas ruas tortuosas, em uma cidade de feição moderna, de

retilíneas avenidas e ruas espaçosas e em que o encanto dos mirantes bisbilhoteiros

cedesse lugar à dureza retilínea dos arranha-céus.

Para isso sem dúvida que seriam necessários largos recursos e ele,

preparando-se para dar a arrancada inicial na execução de seu plano, apresentou à

Câmara Municipal uma mensagem que abria um crédito especial de Rs. 8.000:

000$000, muitas vezes superior às possibilidades do erário da comuna. No quanto

de ameaça nisso se poderia antever para os bolsos dos munícipes, ainda mais

quando suas atitudes autoritárias já haviam criado um clima de confronto que

obrigara muitas empresas a recorrer ao Poder Judiciário, provocou um movimento

de resistência a que ele, na mensagem, se antecipou em violenta reação, ofensiva e

grosseira contra toda a comunidade e, em especial, contra a Associação Comercial.

(...) Desse seu plano, de tão graves conseqüências, e que em uma mínima

parte seria executado por seu sucessor, o Dr. Pedro Neiva de Santana, são a

triplicação, em largura, da Rua do Egito desde o Largo do Carmo, rumo norte, até a

Avenida Beira-Mar, fazendo desaparecer o pequeno Largo do Rosário e

sobrepassando, no fim, o estreito e tortuoso Beco do Machado, e a abertura da larga

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Avenida Magalhães de Almeida, rasgada em diagonal, rumo sul, desde o chamado

Canto Grande, na esquina da Rua Formosa com o Largo do Carmo, até onde

terminava a Praia da Olaria que, então aterrada, servia de chão para os alicerces do

novo Mercado Municipal, que substituiu aquele outro, já famoso pela imundície de

suas instalações, situada entre o Beco Escuro e a Rua da Fonte das Pedras, de uma

parte, e a Rua Nova e a Travessa do Pontal, da outra. 100

De modo análogo, Paulo Ramos dava continuidade à execução de planos de

reformistas.

“Velhas praças, de construção centenária, desniveladas e mal calçadas,

tornaram-se apraziveis logradouros; ruas estreitas e tortuosas, traçadas ainda nos

tempos coloniais, foram alargadas ou transformadas em modernas avenidas; o

antigo Caminho Grande, única via de acesso ao interior da ilha e que nunca tinha

merecido os cuidados da administração local, começou a receber magnífica

pavimentação e está sendo cuidadosamente arborizado. A cidade passou, em suma,

a ostentar uma nova fisionomia, bem diferente daquela que lhe imprimiram os

colonizadores e que conservava até há bem pouco tempo.”101

Por outro lado, os jornais prosseguiam publicando as contemplações dos

intentos para uma sociedade polida. A ordem, concebida como pré-requisito para o

progresso, indicava a permanência de teorias européias como o evolucionismo

social, o positivismo, o naturalismo e o darwinismo social.

Emblema dos valores morais adequados à aquela idéia de nação, o

casamento e a honra eram (re)colocados como essenciais e à mulher destinavam-se

100 MEIRELES, Mário M.. História do Comércio do Maranhão. Op. cit. p. 36-37. 101 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1941, p.61

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comportamentos modelares, voltados à maternidade e à família. Assim,

estereótipos eram impressos contrapondo os conceitos da boa-mãe / boa-esposa e

da meretriz. Segundo Rachel Soihet,

“A medicina social assegurava como características femininas, por razões

biológicas: a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as

intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal .As características

atribuídas às mulheres eram suficientes para justificar que se exigisse delas uma

atitude de submissão, um comportamento que não maculasse sua honra. Estavam

impedidas do exercício da sexualidade antes de casarem e, depois, deviam restringi-

la ao âmbito desse casamento. Aquelas dotadas de erotismo intenso e forte

inteligência seriam despidas do sentimento de maternidade, característica inata da

mulher normal, e consideradas extremamente perigosas. Constituíam-se nas

criminosas natas, nas prostitutas e nas, loucas que deveriam ser afastadas do

convívio social.”102

Nesse sentido, menções constantes, nas páginas da imprensa diária, de

temas a respeito da prostituição, confirmavam a permanência de seu corpo físico e

social no cenário urbano ludovicense103.

Expressando o discurso de exaltação do trabalho, da família e da fé católica e

referendando as delimitações de papéis que contrapunham a prostituta à esposa-

mãe-católica, o jornal “O Globo” de São Luís, publicou na quarta-feira, 7 de Julho de

102 SOIHET, Rachel. Mulheres Pobres e Violência no Brasil Urbano. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997.103 Roberto Machado, na introdução do livro Microfísica do Poder. RJ: Graal, 2000, p. XI, de Michel Foucault, abserva que para o filósofo é evidente “a existência de formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele articuladas de maneiras variadas e que são indispensáveis inclusive a sua sustentação e atuação eficaz”.

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1943 o artigo “O drama de uma civilização derrocada” no qual destrinchava, sob a

luz dos conceitos pregados, a questão do meretrício.

Apresentado na coluna “Os Bastidores da Cidade”, configurava de imediato

uma idéia de lado escuro, oculto, encoberto, sem visibilidade e desconhecido do

assunto cuja menção recobraria, de forma enfática, a identidade do câncer social.

Diagnosticada como um mal que ameaçava a saúde física, moral e social da

população urbana, definia a prostituição “como fonte da doença social em dois

sentidos básicos: seja enquanto espaço de reprodução da miséria, seja enquanto

lugar de produção do luxo ilícito.”104

Refletindo a lógica da “medicalização social”, elementos como sujeira,

infelicidade, doenças, frustrações, psicopatias, pecados e crimes apareciam

identificados com a atividade.

Dizia, entre outros:

“Descendo a rua 28 e subindo a rua da Palma, o repórter encontrou, nos

velhos sobradões coloniais, desses trêchos da cidade, as que se perderam um dia e

mergulharam na lama. Pobres maripôsas que queimaram as azas a luz dos fogos

fátuos, se me permitem a frase literária. Jovens ainda vindas de todos os recantos

do Estado ou mesmo dos subúrbios da cidade, elas vivem a mais desgraçada das

vidas, mercadejando o corpo, vendendo prazer e luxúria, ganhando em troca sífilis e

tuberculose, não raras vezes , lepra e loucura, enriquecendo com esse comércio

infame as gordas e austeras “madames”.

104 ENGEL, Magali. Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro(1840-1890). SP: Brasiliense, 1988, p.98. Embora falando da realidade verificada em fins dos oitocentos na cidade do Rio de Janeiro, Engel nos apresenta um quadro de significativas similitudes com São Luís da primeira metade do XX.

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A princípio ingênuas, em menos de um mês tornam-se verdadeiras “vampas”

fazendo a miséria de milhares de homens, conhecendo todos os artifícios da arte

das messalinas. Aparentemente são felizes, no íntimo, porém, são todas

desgraçadas.

Quando a cidade dorme, elas acordam para a vida “alegre” dos lupanares105.

Semi-nuas, dentro dos luxuosos “soirées”, dansam, bebem, jogam e fumam,

descendo a cada dia mais um degrau da degenerêscencia humana.

A custa dos corpos dessas infelizes, gordas e austeras mulheres, fazem

fortuna com rapidez. Compram sítios, palacetes, sobrados, caminhões, etc.. É o

mais rendoso dos negócios, segundo a palavra de uma das madames em conversa

com o repórter quando da sua primeira visita ao bairro das mulheres de ninguém.

Primeira visita, meus senhores por esta luz que nos alumia. Para os espíritos bem

formados uma visita a esse recanto da cidade, só é motivo para comiseração.

Aquele borburinho de mulheres, algumas de beleza rara, só inspira piedade e

vergonha. Vergonha ante a degradação humana que se vê. Criaturas sem futuro,

atiradas ao mais negro dos abandonos, cuja perspectiva ou é um sanatório ou um

leprosário ou um manicômio. Olha-las de perto e ter em mente o destino que

auguramos para as nossas filhas e irmãs, toca-nos o coração o sentimento de

piedade. Elas também sonharam com o príncipe encantado, tiveram lindos sonhos

105 Segundo Catherine Salles em, As prostitutas de Roma. op. cit. p.87, o termo lupanar tem sua origem vinculada à história romana. “Roma deve sua fundação a uma loba. As moedas ou as esculturas reproduziram persistentemente este símbolo nacional: a imagem insólita do animal selvagem a amamentar Rómulo e Remo. No entanto desde a Antiguidade, os historiadores empenharam-se em racionalizar este mito para descobrir, subjacente a ele, uma realidade muito mais trivial: os bebés abandonados não ficaram a dever a sua salvação ao leite de uma loba compassiva, mas sim à caridade de uma mulher, a quem chamavam Lupa (loba) os pastores com quem ela se prostituía _ aliás, uma alcunha que, segundo os Antigos, ligava a obscenidade proverbial, o cheiro e a avidez do animal às prostitutas. Seja fantasia ou não esta etimologia, a prostituta continuou a ser, para os Romanos, a <<loba>> à espreita da sua presa, no seu antro, o lupanar.”

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de noivado, algumas tiveram bonecas na infância e pensaram ser mães, um dia.

Hoje vivem como monturos, enganando a um e a outro, mentindo de amor ao

primeiro que lhe pague uma cerveja e lhe dê um cigarro. E enquanto isso, as

“respeitáveis Madames” vão enchendo as arcas dos seus tesouros.

...Observando, atentamente, aqui e ali, esteve presente, em cincoenta

“pensões”, aproximadamente, desde a mais grã-fina a mais baixa onde vivem as

mulheres do vício e pecado, miséria e amargura. Tanto na Monte-Cristo, como na

Elite, ou no “Mata-Home”, mergulhadas na lama do Portinho, o grito de protesto é

um só. Há, todavia, exceções, como as há em todas as regras. Existem mulheres

que vivem satisfeitas com a vida que levam ali, conforme pôde o repórter observar.

Deixá-las, porém, entregues ao sabor dos imprevistos, isso é um crime. O vício que

campêa nos lupanares da cidade semelha aqueles transes em que se encontraram

no determinismo histórico, certas civilizações antigas. Citar exemplos seria

“snobismo”. Qualquer segundo anista ginazial é conhecedor do assunto. A

prostituição prolifera e os bordéis recebem a cada dia mais vítimas da maldade dos

homens ou das inexperiências da vida que norteiam os cérebros femininos de

quatorze anos. Reconhecemos que o problema que o problema é árduo e difícil de

resolver. Roma não se fez num dia. E extinguir a prostituição, corrigir um erro

histórico não é tarefa fácil.

...Porque os nossos poderes constituídos pela soberania da vontade popular

não voltam os olhos para os prostíbulos e, nesta época de tantas realizações, não

lançam, naquela zona, a pedra fundamental de um hospital venéreo?

Médicos especialistas, enfermeiros competentes, num ambiente hospitalar,

onde exista o que de mais moderno possue a ciência, dariam, remunerados pelo

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Estado, assistência às “mulheres da vida”, evitando assim o contágio permanente, já

que não se pode debelar o mal. Seria uma obra humanitária que levaria às páginas

da História qualquer governante, que tomasse a si a iniciativa. Dentro em pouco as

estatísticas viriam mostrar o grande alcance da obra. Seria menor o número de

tuberculosos e diminuiria, consideravelmente, o número das leprosas e psicopatas.

...Enquanto não se resolve também o problema da alimentação

(positivamente o Brasil é o país dos problemas), dando margem a que os menos

afortunados, como as messalinas, por exemplo, levem uma melhor vida, que se urge

a construção do hospital, a que nos referimos linhas acima. Delas, em maior parte,

depende a eugenia da raça. Para uma pátria forte são precisos homens sãos. E os

pais de família que descem até as ruas da Palma e 28 levam para os seus lares,

borbulhando em suas velas, os germens da sífilis. E a sífilis, meus senhores, nunca

fez homens fortes106.

Antro de crimes e de perdição a “zona”, com seus bordéis e lupanares,

constitue uma nódoa para nossos fóros de povo civilizado e se apresenta, aos

nossos olhos como o teatro onde se apresenta aos nossos como o teatro onde se

desenrola o drama de uma civilização derrocada. ”107

Em tais discursos, higiênicos e disciplinantes, as repetidas associações do

meretrício com a propagação de doenças infecto-contagiosas reforçavam as ações

106 Ver o que diz sobre este mesmo assunto, Margareth Rago, Trabalho Feminino e Sexualidade. In: DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997, p. 591. “De modo geral, no momento em que a industrializaçào absorveu várias das atividades outrora exercidas na unidade doméstica – a fabricação de tecidos, pão, manteiga, doces, vela, fósforo – desvalorizou os serviços relacionados ao lar. Ao mesmo tempo, a ideologia da maternidade foi revigorada pelo discurso masculino: ser mãe, mais do que nunca, tornou-se a principal missão da mulher num mundo em que se procurava estabelecer rígidas fronteiras entre a esfera pública, definida como essencialmente masculina, e a privada, vista como lugar natural da esposa – mãe – dona de casa e de seus filhos.” 107 O Globo. São Luís, quarta-feira, 7 de Julho de 1943, p. 1.

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sanitárias. Como afirma Margareth Rago, “de ponta a ponta, recorre-se à mesma

operação conceitual que vincula pobreza-saúde-imoralidade.”108

A par disto verificamos, nos Diários Oficiais do Estado do Maranhão109, a

existência de um setor dedicado aos registros de moléstias infecto-contagiosas,

referentes às internações feitas no Hospital Central, dentre as quais a sífilis

apresentava maior índice de doentes, seguida pela lepra.

Em 28 de Outubro de 1948, o jornal “O Imparcial”, trouxe uma grande matéria

intitulada “Será interditada a zona do meretrício”. Seu conteúdo, uma palestra feita

pelo “leprólogo maranhense”, Achiles Lisboa, indicava as medidas a serem tomadas

pelo Serviço de Higiene Estadual no combate à lepra, dentre as quais a

necessidade da interdição da zona do meretrício, na visão do médico um dos

principais vetores da doença.

Dizia o periódico,

“O cientista Achiles Lisbôa pronunciou, na Assembléia Legislativa do Estado,

importantíssima palestra sobre o problema da lepra no Maranhão. O orador como o

Imparcial divulgou com abundância de detalhes, teceu considerações de ordem

geral sobre a moléstia em todo o mundo, particularisando o caso especial de São

Luís que, segundo revelou, sofre a terrível ameaça de transformar-se em um futuro

leprosário.

Profligou o Dr. Achiles Lisbôa o fato dos terrenos próximos ao

Cemitério do Gavião, onde até bem pouco tempo habitaram os leprosos, estar sendo

108 RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Paz e Terra, 1985, p.189.109 Anos de 1924 a 1930.

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utilisado para construção de casas. O contacto com aqueles terrenos, diz o cientista,

facilita o contagio da moléstia de maneira a mais alarmante.

A conferencia do grande leprologo maranhense pode-se dizer que foi um grito

de alerta e a sua repercussão nós a teremos muito em breve através das

providencias que a Assembléia certamente sugerirá ao governo do Estado, dentre

as quais se fazem sentir com maior urgência são a interdição e incineração dos

terrenos do Gavião e o exame na zona do meretrício.

O Dr. Achiles Lisbôa, em seu fundamentado relatório combate tenazmente

essa doutrina, citando casos inúmeros de pessoas que adqueriram a moléstia pela

moradia em casas anteriormente habitadas por leprosos e uso de objetos a esses

pertencentes.

O Dr. Achiles Lisbôa cita, igualmente, o professor brasileiro Adolfe Lutz que

sustentava que os bacilos da tuberculose como da lepra podem existir sem mostrar

a forma clássica do seu vírus e tem nas suas granulações o elemento infectante e

resistente, capaz de regenerá-las em dadas condições.

E prosseguindo na ordem de considerações, assim se manifesta o Dr.

Achiles Lisbôa:

_Ora, é justamente essa forma granular que ali está a impregnar o terreno do

Gavião, conservando-se naquele saprofitismo perigoso para, em qualquer tempo

infectar os que forem revolvê-lo para construção de casas de moradia.

E diz ainda o Dr. Achiles Lisbôa, ferindo um ponto que nos parece

profundamente importante:

_No mesmo decreto que o Legislativo obrigara o Serviço de Higiene Estadual

a vigilância rigorosa e continuada da zona do meretrício que deverá ser também

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interditada até rigorosa desinfecção nos trechos em que se apurem os casos de

lepra suspeita. Deverá a mesma Higiene pelo que apurar da inspeção feita pelas

visitadoras, tomar providencias para o isolamento dos casos que encontrar e

interdição das moradias onde se observarem, até que as medidas de desinfecção

rigorosíssima se possam praticar, sendo preciso notar que, em tais medidas de

desinfecção o expurgo deve ser absoluto e demorado.

_A brilhante palestra sobre a lepra, pronunciada na Assembléia Legislativa,

pelo eminente cientista patrício Dr. Achiles Lisbôa, expressa os seus profundos

conhecimentos sobre o terrível mal de Hansen e que urge combater sem tréguas,

para felicidade da humanidade e, em particular do Brasil, nossa pátria estremecida”.

_O assunto é de importância transcendental e ao que tudo indica, resolve um

dos mais importantes problemas de nossa cidade. Todas as providências

preconizadas para que alcancemos a finalidade a que se propõe o cientista Achiles

Lisbôa serão aceitas pela maioria, pois se trata de interesse do povo”. 110

A medicalização da sociedade era revelada pela interferência do saber

médico na definição e busca de soluções para os problemas da cidade, como

mostra o artigo. Todavia a ânsia em identificar e combater as ameaças

representadas pela prostituição ou, a dimensão de seu perigo, não estava restrita ao

campo da medicina.

As fronteiras entre o sadio e o doente alcançavam dimensões maiores.

110 Jornal Imparcial. São Luís, quinta-feira 28 de Outubro de 1948, p.8 e 2 (conclusão). É importante ressaltar que já em 1933, pelo Decreto n°544 de 27 de Dezembro, foram estabelecidas normas para o estabelecimento de um recenseamento sanitário na capital do Maranhão que forneceria às pessoas recenseadas uma caderneta sanitária.

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Os freqüentes artigos da imprensa ludovicense atestavam a ênfase da

codificação dos papéis sociais, onde a representação das meretrizes girava em

torno de imagens contrapostas à da boa mãe.

Contudo, acredita-se que por trás da identidade, forjada por um discurso

higienista-conservador, de loucas, instáveis, vadias, sedutoras, doentes, frívolas,

imaturas, etc., estavam mulheres que atraídas pelos potenciais (ilusórios) do

mercado de trabalho urbano, vieram para São Luís e acabaram presas, pela perda

de alternativas, em uma situação que as bloqueava na sua expectativa de produção

e evolução social.

Parte II - Decahidas e Horizontaes111: os olhares da história

Histórias de Meretrizes: observações sobre a historiografia da prostituição 112

Resultado de um processo iniciado em 1929, com a fundação da Escola dos

Annales, a década de 70 representou para a historiografia um grande momento de

mudanças. Temas, até então considerados secundários para a compreensão das

sociedades, passaram a fazer parte das pesquisas e os silêncios da história eram

enfim interrogados. Infância, a morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira e a

limpeza, os gestos, o corpo, a feminilidade, a leitura, a família, as mulheres... 113

111 Se o termo “decaída” nos alude a questão religiosa do pecado, o “horizontal” nos remete à sociedade maquínica, dinâmica e geométrica que se instala em fins do XIX. 112 Sem pretender esgotar as obras sobre o tema, apresentam-se as mais significativas na construção desta pesquisa.113 BURKE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas. SP: Ed. Universidade Paulista, 1992.

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passavam a ser contemplados, ampliando o leque de investigações e o

entendimento sobre os momentos históricos.

Naquele contexto, a história das mulheres e as possibilidades de linhas de

pesquisa que apresentava, atrairam diversos historiadores, dentre as quais o estudo

sobre a prostituição.

O que se verifica, porém é que, em grande parte das abordagens, o tema

encontra-se inserido em análises mais abrangentes como casamento, sexualidade,

urbanização e industrialização.

A historiografia internacional.

Falar da prostituição é falar do corpo, do sexo, dos prazeres, de doenças, de

cenários urbanos...

Em “O Cavaleiro, a Mulher e o Padre”114, Georges Duby percorreu a história

do casamento europeu no século XIII, mostrando o processo de subserviência da

mulher em relação ao homem.

Naquele momento, a Igreja católica ampliava seus poderes tornando mais

rígidos seus princípios.

Os laços matrimoniais passavam a ser considerados indissolúveis, baseados

nas leis divinas e por elas abençoados. Por outro lado, à medida que se ampliava o

culto à Virgem Maria, honra, fidelidade, castidade, passividade e obediência à

114 DUBY, Georges. O Cavaleiro, A Mulher E O Padre; o casamento na França feudal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1988.

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autoridade do homem afiguravam-se, tenazes símbolos esponsais enquanto orgias,

devassidão e prostituição eram castigadas com doenças.

Na obra, Duby resgatou a gênese daqueles modelos impostos às mulheres,

muitos dos quais atravessaram vários séculos.

Segundo o historiador, “certos excertos de São Jerônimo convidam à

castidade: <<no casamento, fazer o amor voluptuosa e imoderadamente é

adultério>>; o que é o illicitus concubitus, o que é abusar-se da sua esposa? É usar

das partes do corpo dela que não se destinam à procriação. Ora é óbvio que a

luxúria, no casal, vem da mulher; logo esta deve ser rigorosamente reprimida.

Acumulam-se as alusões a Ambrósio, a Agostinho, que a colocam sob a dominação

(dominium) do seu homem: << se houver discórdia entre marido e mulher, que o

marido dome a mulher e que a mulher domada seja submissa ao homem. A mulher

submissa ao homem, é a paz dentro de casa.>> E visto que Adão foi induzido em

tentação por Eva e não Eva por Adão, é justo que o homem assuma o governo da

mulher>>; <<o homem deve comandar (imperare), a mulher obedecer

(obtemperare)>>; <<a ordem natural é que a mulher sirva o homem>>115

Pensando a desconfiança em relação ao sexo, expressada por pastores e

doutores ao longo da História, Marcel Bernos, Philippe Lécrivain, Charles de La

Roncière e Jean Guinon lançaram em 1985 o livro “O Fruto Proibido”116.

Indicaram como as teorias e práticas acerca da sexualidade, pregadas pela

Igreja, foram heranças da Antigüidade e resumiram-se, quase até os dias atuais, à

115 DUBY, Georges. O Cavaleiro, A Mulher E O Padre; o casamento na França feudal. op. cit. p.118-119.116 BERNOS, Marcel; DE LA RONCIÈRE, Charles; GUINON, Jean & LÉCRIVAIN, Philippe. O Fruto Proibido. Lisboa: Edições 70, 1985.

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sexualidade conjugal sacramentada. Esta, muitas vezes, reduzida quase

exclusivamente à função da produção de filhos.

A violação das prescrições eclesiásticas traduzia-se no pecado, que como tal

era reprimido. Sobre a meretriz, algumas esparsas colocações são feitas.

No que denomina “Os amores em pecado”, Lécrivain mostra que, “bem

diferente é a situação da sedutora que perdeu a consideração ao multiplicar as

aventuras. Tudo depende da vindicta popular. Se esta é fraca, a rapariga ainda pode

esperar encontrar um partido num prazo mais ou menos breve. Se, pelo contrário, é

forte, a rapariga-mãe é excluída da aldeia sob a categoria de mulher da má vida, ou

pelo menos de costumes fáceis, em que a insaciabilidade sexual, real ou imaginária,

provoca o receio e a atracção. (...) Tudo o que pode perturbar a ordem social e

económica da comunidade, como o casamento de um viúvo com uma rapariga da

região, é coberto de vergonha em nome da defesa dos herdeiros do primeiro

casamento, do respeito dos mortos ou da reserva endogâmica.”117

Mas a obra vai além, ao pretender um enfoque dos cristãos e da sexualidade

e não da Igreja e da sexualidade o que significa uma observação mais aproximada

das posturas dos indivíduos frente aos ideais pregados.

Se para a Igreja o sexo era (é?) entendido como “fruto proibido”, seria isto

válido para os cristãos como um todo?

Também centrado no cenário medieval do século XIII, Jacques Rossiaud,

publicou “La Prostitución en el Medievo”118.

117 BERNOS, Marcel; DE LA RONCIÈRE, Charles; GUINON, Jean & LÉCRIVAIN, Philippe. op. cit. p. 239-240.118 ROSSIAUD, Jacques. La Prostitución en el Medievo. Barcelona: Editorial Ariel, S. A., 1986.

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Na obra, mostrou que o estudo da prostituição possui uma amplitude e

significado que ultrapassam os limites da sexualidade.

Para o autor, compreender a prostituição eqüivale a defini-la em função das

estruturas demográficas e matrimoniais, da normalidade ou dos desvios sexuais, dos

valores culturais e das mentalidades coletivas dos grupos sociais que a toleram ou

reprimem. Podendo ser considerada uma tarefa ambiciosa é, a seu ver, a única que

permite explorar a vasta zona obscura que separa os dois níveis: o das ideologias e

a moral e o dos comportamentos demográficos.

Tomando como exemplo a rede de cidades ribeirinhas do sudeste de

Borgonha a Provença, observou que todos os bairros, próximos Ródano, contavam

com prostíbulos. Neste sentido, destacou a importância de se conhecer a

prostituição urbana observando nas condições econômicas locais e nos

comportamentos sexuais, elementos fundamentais na análise.

No centro das indagações Rossiaud refletiu se a prostituição seria, ao menos

nas fronteiras da comunidade urbana, um comércio, como tantos outros, destinado

principalmente aos forasteiros ou seria uma criação da coletividade para suas

próprias necessidades.

Igualmente na perspectiva dos questionamentos, Michelle Perrot, em 1988,

dedicou o capítulo “Mulheres” do livro “Os Excluídos da História”119 ao entendimento

dos poderes e opressões femininos.

Segundo a autora, no século XIX, as mulheres quando não omitidas nas

produções historiográficas, em função do caráter masculino que as rege, apareciam

em imagens dicotômicas.

119 PERROT, Michelle. Os excluídos da História. RJ: Paz e Terra, 1988.

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Tarefa dos estudos, o que importa para a autora é reencontrar “as mulheres

em ação, inovando em suas práticas, mulheres dotadas de vida, e não

absolutamente como autômatas, mas criando elas mesmas o movimento da

história”120.

Dedicado exclusivamente ao estudo da prostituição na França de 1830 a

1930, “A Vida nos Bordéis de França”121, de Laure Adler destaca-se por ter sido um

dos primeiros da historiografia.

Recortando a atividade no XIX e início do XX na França, esmiuçou suas

formas, locais e cotidiano permitindo que fossem conhecidos elementos e pessoas

que compunham as relações daquelas mulheres cuja história poucas vezes havia

sido percebida.

Segundo a autora, no século XIX, a prostituição sofreu uma mudança de

estatuto, ou de natureza, pois inquietou todos que se julgavam responsáveis pela

missão de zelar pela boa ordem social.

A lógica higienista que se instalava nas grandes cidades associava-se à

preocupação com a disseminação de doenças. O medo da sífilis, da tuberculose,

entre outras criavam serviços de vigilância sanitária levando regularmente as

meretrizes a hospitais.

Outros elementos cuidadosamente examinados por Adler foram os nomes,

formas de vestir, de se comportar, de conduzir a atividade, de morar, de adoecer, de

curar e de tratar com a polícia.

120 PERROT, Michelle. Os excluídos da História. op. cit. p.187.121 ADLER, Laure. A Vida nos Bordéis de França; 1830-1930. Lisboa: Terramar, 1990.

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Percorrendo o histórico das prostitutas de Roma122, Catherine Salles fez uma

breve, porém minuciosa análise do meretrício naquele contexto.

Dissecando o mito da fundação de Roma mostrou que a “loba”, responsável

pela salvação dos bebês abandonados era “Lupa”, uma mulher que se prostituía

com os pastores.

A partir de então discorreu sobre o “lupanar” e a “meretrix” mostrando a

familiaridade da figura da prostituta em Roma, seus níveis ( de Súbur e do Grande

Circo), formas da atividade, modos de vestir e as diferenças e semelhanças com as

hetairas gregas.

Também ressaltou como as prostitutas distinguiam-se das “outras” mulheres

que circulavam pelas ruas da Roma antiga: proibidas de usar vestidos compridos,

destinados às matronas e esposas legítimas, deveriam usar uma toga castanha a

fim de dissimular as roupas exóticas, transparentes ou de cores fortes.

Outro detalhe interessante era a prática de regimes alimentares para evitar

que engordassem. Também eram comuns as pinturas nos rostos onde procuravam

realçar as “maçãs”, os cílios e as sobrancelhas. Os cabelos, por sua vez, eram

pintados de vermelho ou louro e o corpo adornado com pulseiras, anéis, colares e

tornozeleiras.

Apontando as prostitutas como parte integrante da vida urbana na Idade

Média, Jeffrey Richards, lançou em 1991 “Sex, Dissidence and Damnation” 123.

122 SALLES, Catherine. As prostitutas de Roma. In: Amor e Sexualidade no Ocidente. Lisboa: Terramar, 1991. 123 RICHARDS, Jeffrey. Sex, Dissidence and Damnation; Minority Groups in the Middle Ages. London; NY: Routledge, 1990.

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Figuras familiares nos poemas, histórias, músicas e crônicas as prostitutas

eram solicitadas nas tavernas, avenidas, banhos-públicos e até em igrejas mas,

sobretudo estavam nos bairros da “luz vermelha”.

Segundo estatísticas levantadas por Richards, muitas eram as razões que

levavam mulheres de várias idades a se prostituírem: pobreza, inclinação natural,

perda de status social, distúrbios, experiência de violência ou incesto familiar.

Assinalou o papel da Madame já como elemento de autoridade e gerência

das atividades e para o autor, provavelmente grande parte dos clientes das

meretrizes na Europa Medieval eram de jovens homens solteiros e que comumente

utilizavam o jargão “to pluck a rose” para se referir à cópula com uma prostituta.

Richards verificou a idéia da prostituição como “mal necessário” para a

estabilidade sexual da sociedade e inspirados na Bíblia os códigos de conduta

obrigavam o uso de diferentes cores para os vestidos das meretrizes como símbolo

de infâmia, diretamente equivalente, para o autor, à estrela usada pelos judeus e os

guizos pelos dos leprosos. Também apontou os limites de ruas e horas do dia em

que as meretrizes podiam sair bem como a área especial para a prática da atividade,

as “hot streets”.

Partindo de testemunhos escritos por homens e as imagens que oferecem

das mulheres, também no medievo, Georges Duby escreveu “Heloísa, Isolda e

outras damas no século XII”124.

124 DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII: uma investigação. SP: Companhia das Letras, 1995.

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Destaca-se o capítulo dedicado à Maria Madalena que, segundo o autor,

embora fosse vista pelos pregadores como a “mulher pública arrependida”, tinha sua

imagem utilizada como a anti - mulher.

“Nem virgem nem esposa, nem viúva, Madalena permanecia a própria

marginalidade, e a mais inquietante, por todos os pecados que seu ser se deixou

cativar durante muito tempo. Peccatrix, meretrix”125.

Nos sermões, as cenas de, “perfumes e óleos espalhados, ornamentos

lascivos, as doçuras de um corpo de mulher, nu entre as pedras ásperas, a carne

advinhada sob os cabelos em desalinho, a carne mortificada e no entanto

resplandecente e tentadora”126 sinalizavam a imagem ambígua e perturbadora da

Madalena. Ao mesmo tempo meretriz, passível de castigo, e arrependida em

lágrimas, o que lhe garantiu a salvação.

Duby ressaltou que,

“todos os dirigentes da Igreja estavam de acordo, não obstante, em que era

preciso impedir a mulher de causar algum dano. Que era preciso portanto enquadrá-

la. Casando-a. A mulher perfeita – sob esse aspecto a atitude de Madalena era

exemplar – é de fato a que espera tudo de seu senhor, que o adora, mas que

sobretudo o teme. E o serve. A mulher, enfim, que chora e que não fala, que

obedece, prosternada diante de seu homem. Por conseguinte desde a puberdade a

jovem deve tornar-se esposa. Esposa de um mestre que irá refreá-la. Ou então

esposa de Cristo, encerrada num convento. Caso contrário ela corre o sério risco de

tornar-se meretriz”.127

125 DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII: uma investigação. Op. cit. p.53.126 DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII: uma investigação. Op. cit. p.54.127 DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII: uma investigação. Op. cit. p.50.

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Muitos daquelas leituras e classificações, que as julgavam perigosas e

frágeis, atravessaram os séculos moldando e sustentando as falas normatizadoras.

Resultado de minuciosa pesquisa, “A Prostituição Através Dos Tempos Na

Sociedade Ocidental”128 é outra obra a estudar especificamente a prostituição.

Tecendo uma análise histórica a partir do capítulo “Origens: a Deusa e a

Prostituta” até o século XX em “A Libertação do Estigma: as Prostitutas

Contemporâneas e a Criação de um Movimento”, a autora Nickie Roberts, observou

a gênese da estigmatização na origem da propriedade privada e no patriarcado.

Mostrou como as, antes sagradas, atividades sexuais passaram a ser

utilizadas na distinção entre mulheres casadas, que se limitavam a um homem e,

portanto podiam ser controladas, e as “outras”.

No capítulo “Madonas e Madalenas: o estigma da prostituta no século XIX”

abordou as teorias “científicas” encabeçadas por Cesare Lombroso, H. Lippert,

Pauline Tarnowsky e Parent Duchâtelet que defendiam estar a prostituta no primeiro

estágio da evolução humana: “mentalmente subdesenvolvida, fisicamente

deformada e sub-humana”129.

H. Lippert defendia, em 1848, que “pela prática diária da sua profissão de

muitos anos os olhos ganham uma expressão penetrante e ondulante; são

invulgarmente proeminentes em conseqüência da tensão continuada dos músculos

oculares, uma vez que os olhos são utilizados principalmente para descobrir e atrair

clientes. Em muitas, os órgãos da mastigação estão fortemente desenvolvidos; a

boca em contínua actividade, seja a comer ou a beijar, é protuberante; a fronte é

128 ROBERTS, Nickie. A Prostituição Através dos Tempos na Sociedade Ocidental. Lisboa: Editorial Presença, 1996.129 ROBERTS, Nickie. A Prostituição Através dos Tempos na Sociedade Ocidental. op. cit. p. 236-237.

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freqüentemente chata; a região occipital é por vezes extremamente proeminente; o

cabelo é freqüentemente escasso na cabeça – de facto, muitas acabam por ficar

mesmo carecas. Para tal não faltam razões: acima de tudo, o modo de vida agitado;

a correria constante na rua e sob todas as condições meteorológicas, por vezes de

cabeça descoberta...o escovar incessante, a manipulação, o acto de frisar e a

brilhantina que aplicam no cabelo; e entre as prostitutas de classe baixa, o consumo

de aguardente. A voz rouca é outra característica fisiológica da mulher que perdeu

as suas funções próprias – as de mãe.”130

Segundo Lombroso, todas as prostitutas, sem exceção, tinham as seguintes

características físicas “uma fronte recuada ou estreita, ossos nasais anormais e

enormes queixadas” enquanto a região genital “tantas vezes examinada, 2% das

prostitutas mostravam um crescimento <<exagerado>> dos pêlos púbicos, 16%

hipertrofia dos lábios vaginais e 13% tinham <<enormes>> clitóris.”131

Cabe ressaltar que, muitos médicos e juristas brasileiros dedicados a análises

da prostituição, em fins do XIX até o período de Vargas, tinham dentre suas fontes

teóricas leituras daquelas teses. 132

Sob a forma de um diálogo com Jean Lebrun, Michelle Perrot lançou em 1998

o livro “Mulheres Públicas”133. Partindo da constatação da existência de diferentes

significados de homem público e mulher pública percorreu o que chamou “Imagens

de mulheres”, “Lugares de mulheres”, “Palavras de mulheres”, “Frentes de Luta das

mulheres” e “Resistência às mulheres”.

130 ROBERTS, Nickie. A Prostituição Através dos Tempos na Sociedade Ocidental. op. cit. p. 236.131 ROBERTS, Nickie. A Prostituição Através dos Tempos na Sociedade Ocidental. Op. cit. p. 237.132 Ver como Irving Goffman, Estigma, op. cit. p. 11, explica a utilização dos sinais corporais já na Grécia, como forma de evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. 133 PERROT, Michelle. Mulheres públicas. SP: Fundação Editora da UNESP, 1998. (Prismas)

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Como procupação central, Perrot observa que ao se falar em “homem

público”, a imagem que se forma é a encarnação da honra e virtude, ”investido de

uma função oficial, o homem público desempenha um papel importante e

reconhecido”. Por sua vez, a mulher pública carrega a representação da “mulher da

noite”, “depravada, debochada, lúbrica, venal, rapariga, pertencente a todos”.

Com a publicação da série História da Vida Privada134 e História das Mulheres

no Ocidente135, dirigida por Philippe Ariés e Georges Duby, os estudos sobre

mulheres ganharam vigor definitivo.

Historiografia brasileira

No Brasil as mudanças promovidas, pela década de 70, nos terrenos da

historiografia mundial foram também sentidas, onde estudos foram retomados ou

surgiram com novas leituras. Dentre eles a história das mulheres marcada pelo

lançamento em 1969 do livro “A mulher na sociedade de classes: mito e

realidade”136.

A obra suscitou uma profunda reflexão sobre a posição da mulher na

sociedade capitalista e inserindo o problema em contextos mais amplos, focalizou as

construções ideológicas destinadas à dominação do universo masculino sobre o

feminino.

Além disso, buscando penetrar as raízes do problema econômico-social,

lançou questionamentos acerca das limitações da economia de mercado e seus

134 ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada. SP: Companhia das Letras, 1990.135 DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das mulheres no ocidente. Porto: Afrontamento, 1990.136 SAFFIOTI, Heleieth I. B.. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1969.

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resultados, como a marginalização de contingentes femininos servindo assim de

inspiração para o crescimento de uma produção historiográfica nacional sobre

mulheres vinculada às transformações sociais.

Com a declaração do “Ano Internacional da Mulher”, emergenciaram-se lutas

por cidadania, contracepção, jornadas de trabalho, etc.

Paralelamente, o crescimento da produção científica sobre mulheres

estabeleceu um forte “bombardeio” na noção de poder, contribuindo para o repensar

da literatura que colocava a mulher como ociosa e conformada, vítima ou heroína.

Confirmando as tendências, publicou-se “A Mulher no Brasil”137. Sob a forma

de textos, reunidos e anotados, June E. Hahner traçou um panorama histórico das

mudanças nos papéis femininos, tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais.

Ali as referências sobre o meretrício já se faziam notar. No III capítulo, “O

século XX”, Hahner destacou a vida das prostitutas no Rio de Janeiro, através de um

enfoque sobre a “Zona do Mangue” e sua história.

Também em fins da década de 1970, a Fundação Carlos Chagas promoveu o

I Concurso de Estudos sobre a Mulher, escolhendo o projeto “A Condição Feminina

no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros”138, o

qual sob a organização de Miriam Lifchitz Moreira Leite seria transformado em livro,

em 1984.

Utilizando textos produzidos por viajantes no Rio de Janeiro, de 1801 a 1900,

trouxe ao conhecimento a situação de mulheres brancas, negras e mulatas, livres e

escravas.

137 HAHNER, June Edith. A mulher no Brasil. RJ: Civilização Brasileira, 1978. (Coleção Retratos do Brasil; v.112).138 LEITE, Míriam. A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros. SP: Hucitec/ Edusp/ INL, Fundação Pró-Memória, 1984. (Estudos Históricos).

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Os testemunhos retratavam cenas do cotidiano a partir de relatos sobre

formas de parentesco e de convívio, bailes, carnaval, passeios e atividades

exercidas por aguadeiras, amas-de-leite, comerciantes, fabricantes de flores, irmãs

de caridade, jornalistas, lavadeiras, modistas, “mulheres públicas”, operárias,

parteiras, professoras, escritoras, abolicionistas ente outras. Nos relatos sobre as

“mulheres públicas” faz referência às prostitutas, fornecendo riquíssimas

informações sobre tipos físicos, vestuários, formas de abordagem e mobiliário dos

prostíbulos.

Construía-se o entendimento das modificações sofridas pela identidade

feminina no desenrolar dos processos históricos e a primeira obra de destaque

dedicada ao estudo da prostituição no Brasil foi “Do Cabaré ao Lar: a utopia da

cidade disciplinar (Brasil 1890 – 1930)”139.

Seu conteúdo mostrou como, nos primórdios da industrialização brasileira,

ocorreram as intenções de moralização da classe operária e suas famílias. Processo

que incluía a chamada “redefinição da família”, dentro do qual a instauração de um

modelo ideal de mulher, dedicada ao lar e aos filhos, ganhava força.

Apresentou, também, os mecanismos de resistência verificados nas fábricas,

escolas, famílias, bairros e ruas e, ao tratar da “desodorização do espaço urbano”

mostrou como as habitações coletivas, entendidas como locais insalubres tornaram-

se alvo de inspeções e normas reguladoras.

Em 1986, foi organizado por Ronaldo Vainfas uma coletânea de artigos sobre

idéias e comportamentos no campo sexual e familiar brasileiro do século XVI ao

139 RAGO, Margareth. Do Cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890-1930). RJ: Paz e Terra, 1985. (Coleção Estudos Brasileiros, v.90)

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início do XX. Sob o título “História e Sexualidade no Brasil”, trouxe dois artigos

voltados para a prostituição, “Da necessidade do bordel higienizado: tentativas de

controle da prostituição carioca no século XIX“ de Luiz Carlos Soares e “O médico, a

prostituta e os significados do corpo doente”, de Magali Engel.

As reflexões pautaram-se nas ligações entre discursos higienistas e papeis

sociais, cujos resultados bipolarizavam ociosidade X trabalho, miséria-atraso X

progresso, doença X saúde, prostituição X casamento-maternidade.

No intuito de pensar a construção dos preconceitos sobre a prostituta e a

utilização de sua imagem como a antítese da mulher pura, Mary Del Priore escreveu

o artigo “Mulheres de Trato Ilícito”: A Prostituição na São Paulo do século XVIII140.

No texto, mostrou como muitos elementos das nossas conceituações sobre a

prostituta estão vinculadas a discursos montados e veiculados pela Igreja católica no

período colonial.

Em 1988, foi publicado outro marco nos estudos de prostituição no Brasil,

“Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-

1890)”141.

A partir de textos médicos sobre a prostituição, o ponto central de discussão

recaiu sobre o discurso normatizador do espaço e dos corpos.

Para a autora, assistia-se a um processo de medicalização e normatização do

espaço e sociedade, o que revelava uma crescente interferência do saber científico

na definição e busca de soluções para os problemas da cidade.

140 DEL PRIORE, Mary L.. Mulheres de Trato Ilícito: A Prostituição na São Paulo do século XVIII. In: Anais do Museu Paulista. SP: Universidade de São Paulo, tomo XXXV, 1986-1987. 141 ENGEL, Magali G. Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). SP: Brasiliense, 1988.

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Page 95: Marize He[1]

Concebida como uma das faces da dita “cidade doente”, a prostituição passou

a ser temática comum nos textos médicos produzidos no Rio de Janeiro. Textos

profundamente marcados pelas concepções da medicina social européia.

Ainda naquele ano o número 1 da Revista de Historia da Universidade

Federal de Uberlândia, “Historia e Perspectivas”142, trouxe de Maria Clara Tomaz

Machado o artigo “Prostituição, além da moral burguesa: um misto de resistência e

conformismo”, onde analisou, inclusive destacando a questão do “mal necessário”,

a prostituição no mundo capitalista de Uberlândia no período de 1978 a 1981.

A constatação da possibilidade em se “fazer” uma História das Mulheres fez

multiplicar os trabalhos dedicados ao tema e, em fins da década de 80, a Revista

Brasileira de História lançou o número “A Mulher e o Espaço Público”.

A pluralidade das linhas de pesquisa, confirmava o crescimento dos estudos

revelando variadas formas de atuação e mecanismos de estigmatização feminina.

Destacaram-se na temática da prostituição os artigos “Nos Bastidores da Imigração:

o tráfico das escravas brancas”143, de Margareth Rago, e “Imagens Femininas em

Romances Naturalistas Brasileiros (1881-1903)144, de Magali Engel.

No artigo de Rago, a atenção voltou-se para a dinâmica do tráfico das

“escravas brancas” no início do século. Russas, austríacas, polonesas, francesas e

italianas eram chamadas “polacas” e destinadas a suprir o mercado da prostituição

de países, dentre os quais o Brasil. Muitas mulheres viajavam de seus países de

origem sem saber ao certo a atividade que as esperava. Os grupos de traficantes,

142 143 RAGO, Margareth. Nos Bastidores da Imigração: o tráfico das escravas brancas. In: Revista Brasileira de História n°18. SP: Marco Zero, 1989.144 ENGEL, Magali. Imagens femininas em romances naturalistas brasileiros (1881-1903). In: Revista Brasileira de História n°18. SP: Marco Zero, 1989.

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Page 96: Marize He[1]

cáftens, detinham amplo controle sobre as rotas internacionais do comércio de

prostitutas e dos bordéis.

O segundo artigo referiu-se a imagens femininas representadas nos

romances naturalistas de fins do século XIX e início do XX, de acordo com a cor e a

condição social. Destacou a utilização das teorias científicas européias no processo

de medicalização e normatização do espaço social urbano.

Ao focalizar as construções das imagens femininas, a partir daquelas teorias,

observou as concepções médicas acerca da mulher “normal” e verificou que muitos

dos romances publicados naquele momento traziam as mulheres marcadas por

comportamentos histéricos. Os diagnósticos feitos, associando nervosismo à falta de

homem; periculosidade a ardis sexuais, sexualidade livre à mulher perigosa;

sexualidade sublime à moça de família reforçavam a imagem da mulher ideal como

aquela capaz de controlar seus instintos animalescos através do casamento, onde

ao exercer o papel de esposa-mãe, circunscrita ao lar, sua sexualidade deixaria de

representar perigo. A sublimação completa residiria na geração de filhos saudáveis,

futuros “cidadãos da Pátria”, discurso amplamente difundido no período do Estado

Novo.

Também no ano de 1989 foi lançado o livro “Trópico dos Pecados” escrito por

Ronaldo Vainfas onde apontou como a colônia vivia seus padrões e papeis sociais,

e dentre outras, a conotação depreciativa sobre a prostituta em termos como mulher

solteira, mulher pública e sua associação com a mulher índia.

Os anos 90 continuaram alargando os debates sobre a temática feminina. Em

1991 o Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa classificou em 2° lugar o trabalho “Os

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Page 97: Marize He[1]

estrangeiros e o comércio do prazer nas ruas do Rio de Janeiro (1890-1930)”145, de

Lená Medeiros de Menezes.

Desdobramento de sua tese de doutorado, analisou a partir de 189 processos

movidos a cáftens estrangeiros, Relatórios do Ministério da Justiça, relatos de

viajantes e de cronistas, teses de época e periódicos a participação estrangeira no

universo da prostituição carioca.

Os processos foram as fontes mais importantes, por trazerem várias

meretrizes como testemunhas, as quais contavam suas próprias experiências.

Segundo a autora, a meretriz mercadoria e “profissional do prazer” foi

comercializada na lógica do imperialismo. O cáften, novo “homem de negócios”,

institucionalizou-se enquanto “profissional marginal” e no Rio de Janeiro, a exemplo

de outras cidades influenciadas por modismos europeus, “freqüentar estrangeiras”

tornou-se símbolo de modernidade.

Outra produção, também de 1991, obrigatória aos pesquisadores do assunto

é “Os prazeres da noite; prostituição e códigos da sexualidade feminina em São

Paulo (1890-1930)”146.

A obra abordou a progressiva inserção e participação da mulher nos espaços

públicos, de trabalho e lazer destacando a redefinição de suas funções sociais.

Mostrou ainda como o ritmo acelerado das transformações pareceu

desestabilizar as referências sociais e sexuais tradicionais, ou seja, os modelos de

feminilidade e masculinidade e as relações entre os sexos.

145 MENEZES, Lená Medeiros de. Os estrangeiros e o comércio do prazer nas ruas do Rio de Janeiro (1890-1930). RJ: Arquivo Nacional, 1992.146 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite; prostituição e códigos de sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. RJ: Paz e Terra, 1991.

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Page 98: Marize He[1]

As discussões se aprofundaram com a publicação de “Rameiras, Ilhoas,

Polacas... A Prostituição no Rio de Janeiro do século XIX”. 147

Analisando aspectos do desenvolvimento econômico, urbano e populacional

no Rio oitocentista mostrou o discurso médico-higienista e a dimensão do universo

mental e moral, verificados nos homens ligados ao exercício do poder, como Chefes

de Polícia.

“O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no

século XVIII”148, lançado também no ano de 1993, aprofundou os conhecimentos

sobre as funções econômicas e sociais das mulheres no Brasil.

Ao adentrar o cotidiano da economia mineradora, mostrou como a tão

cantada opulência das minas setecentistas tinha à sua margem um significativo

contingente de desclassificados sociais.

Analisou especialmente como as mulheres enfrentaram as formas de

exclusão criando mecanismos de participação no mundo do trabalho, atuando como

membro de irmandades, carregando gamelas de minérios, chefiando famílias e as

sustentando com o comércio de quitutes, como agricultoras ou se entregando à

prostituição.

O capítulo II, “Prostituição e Desordem” dissecou a trajetória das meretrizes

mineiras nos setecentos, apontando a freqüente ligação entre comércio e

prostituição, onde muitas vendeiras e estalajadeiras atuavam como alcoviteiras, e

mostrando que muitas mulheres prostituíam-se para poder comer e pagar os

pesados impostos cobrados pela Coroa.

147 SOARES, Luis Carlos. Rameiras, Ilhoas, Polacas... A Prostituição no Rio de Janeiro do século XIX. SP: Ática, 1992. 148 FIGUEIREDO, Luciano. O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. RJ: José Olympio; Brasília, DF: Edunb, 1993.

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Page 99: Marize He[1]

“Ao Sul do Corpo”149, outra valiosa contribuição para a História das Mulheres

no Brasil, tratou a condição feminina na colônia evidenciando como os discursos

normatizadores de confessores, teólogos, médicos e moralistas construíram e

delimitaram os papéis das mulheres, contrapondo a mulher perigosa, sem

qualidades, da rua com santa mãezinha, do lar.

As imagens do trabalhador e mulher ideal para uma Nação forte sobressaem

nos artigos “Imagens do trabalhador brasileiro nos anos 30”150 e “Homens pobres,

homens perigosos. A repressão à vadiagem no primeiro governo de Vargas.”151

O primeiro assinalou o empenho do Governo de Vargas nas reordenações

sociais, notoriamente nas relações de trabalho, almejando um “homem novo”,

higienizado, disciplinado e comprometido com o trabalho e crescimento do país.

No mesmo viés, o segundo artigo fez um detalhado levantamento sobre os

mecanismos de construção dos papéis sociais primeiro período varguista. Segundo

a autora, o Código Penal, base do controle social nas décadas de 30 e 40, tinha

raízes nas práticas repressivas do início do século. Mostrou também como no

decorrer das primeiras décadas do XX, a repressão à vadiagem recolheu à prisão

mendigos, bêbados, jogadores, prostitutas e todos aqueles classificados como

avessos ao trabalho. O combate à ociosidade implicava o chamado “saneamento

moral e social” criando várias delegacias especializadas como a Delegacia de

Repressão à Vadiagem e a Delegacia de Vigilância e Captura.

149 DEL PRIORE, Mary L.. Ao Sul do Corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia. RJ: José Olympio; Brasília, DF: Edunb, 1993. 150 SILVA, Zélia Lopes da. Imagens do Trabalhador Brasileiro nos anos 30. In: Revista História. SP; Assis: Editora Unesp, V.12, 1993.151 MARTINS, Silvia Helena Zanirato. Homens pobres, homens perigosos. A repressão à vadiagem no primeiro governo de Vargas”. In: Revista História. SP; Assis: Editora Unesp, V.12, 1993.

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Page 100: Marize He[1]

Dentre os locais suspeitos e, portanto passível de vigilância, estava a zona do

meretrício.

Por outro lado, a Constituição de 1937152 reforçou aquelas medidas, definindo

o trabalho como um dever social, colocando a ociosidade como a mais nociva

instigadora do delito. Para definir “cientificamente” o vagabundo profissional do

vagabundo acidental lembrou que foi criado em 1939 o Serviço de Biotipologia

Criminal.

Lançado pelo IFCH da Unicamp, o n°1 dos Cadernos Pagu153 trouxe o

significativo artigo “Imagens da Belle Époque Paulistana”, assinado por Margareth

Rago.

Nele, a autora teceu um debate sobre a redefinição dos códigos de

sociabilidade feminina na cidade, no início do século XX, presentes nas revistas

direcionadas às mulheres, demonstrando, particularmente importante, a discussão

travada em torno da prostituição, a partir da qual reforçaram-se os conceitos sobre a

casta e a devassa.

Rago assinalou, porém, que em meio a atributos estigmatizantes a prostituta

passava a simbolizar a modernidade, o mundo urbano, a liberalização dos costumes

e a desconexão com os vínculos sociais tradicionais, ou seja, o início do século

construiu imagens polarizadas inclusive da prostituta.

Em outra produção, “As Mulheres na Historiografia Brasileira”154 onde

considerando o alargamento das abordagens sobre as mulheres, teceu indicações

152 Constituições Brasileiras: 1937 / - Costa Porto, Walter – Brasília: Ministério da Ciência e

Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999. (Coleção, Constituições Brasileiras; v.4)153 Cadernos Pagu. De Trajetórias e Sentimentos. Campinas: Unicamp / IFCH, n°1, 1993. 154 RAGO, Margareth. As Mulheres na Historiografia Brasileira. In: Cultura histórica em debate. SP: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.

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Page 101: Marize He[1]

sobre as possibilidades metodológicas de trabalhos centrados na prostituição e

destacou a importância das análises integradas.

Observou serem informações da maior importância para a história das

meretrizes, dados de como “viviam e definiam-se; o cotidiano nos bordéis e fora da

zona de meretrício; se eram casadas, amancebadas, solteiras; se tinham filhos,

irmãos, parentes; se trabalhavam em outros empregos; sua idade, nacionalidade,

procedência etc.”

Em 1996, outros artigos sobre a prostituição foram escritos.

Abordando “O impasse da escravatura: prostitutas escravas, suas senhoras e

a lei brasileira de 1871”155, Sandra Lauderdale Graham resgatou relatos feitos por

escravos e senhores que indicaram a prática da prostituição forçada no século XIX.

Maltratadas e adoecidas pelas condições que se lhes impunham, muitas

vezes, levavam os casos aos tribunais. Os autos do processo formaram a base do

estudo permitindo que pudessem ser observadas suas vivências de escravas-

prostitutas.

Voltando-se para o caftismo internacional impulsionado no início do século,

marcadamente em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, Beatriz Kushnir

propôs-se a estudar em “As polacas cariocas: mulheres judias prostitutas e suas

associações de ajuda mútua”156, um conjunto de prostitutas e cafetinas judias por

intermédio de suas associações de ajuda mútua, na perspectiva de observar não as

visões externas, mas as visões do grupo sobre si.

155 GRAHAM, Sandra Lauderdale. O Impasse da escravatura: prostitutas escravas, suas senhoras e a lei brasileira de 1871. In: Revista Acervo; Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v.9, n°1-2, jan/dez 1996.156 KUSHNIR, Beatriz. As polacas cariocas: mulheres judias prostitutas e suas associações de ajuda mútua. In: Revista Acervo; Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v.9, n°1-2, jan/dez 1996.

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Também em 1996, a Revista Brasileira de História157 trouxe um importante

artigo sobre as construções de perfis femininos. Escrito por Maria Izilda Santos de

Matos em parceria com Fernando A. Faria, o artigo “No cotidiano da boemia. O

feminino, o masculino e suas relações em Lupicínio Rodrigues” percorreu letras de

músicas feitas nas décadas de 30, 40 e 50 mostrando as múltiplas imagens

femininas que continham: a dama da noite, a dona do bar, a rainha do lar, marcadas

pela volubilidade, potencialmente infiéis e tecendo observações sobre a associação

da vida boêmia com a desordem e o indevido.

A coletânea “História das Mulheres no Brasil”158, organizada em 1997,

reforçava o enfoque da mulher como ser social. O artigo de Luciano Figueiredo

“Mulheres nas Minas Gerais” analisou como a prostituição atingiu proporções mais

elevadas naquelas partes da colônia. Mostrando que “no interior das vilas e cidades

mineiras os prostíbulos, mais conhecidos à época pelo termo casas de alcouce,

instalavam-se indistintamente, aproximando-se de residências familiares ou de

autoridades locais”. 159

Para o autor ficou claro que a pobreza vivenciada por aquelas mulheres

explica a recorrência à atividade que chegava inclusive a “invadir o tecido familiar”.

Na mesma coletânea Rachel Soihet fez uma abordagem, em “Mulheres

Pobres e Violência no Brasil Urbano”, sobre o elo entre modernização - higienização

das cidades e a imposição de papéis sociais e padrões comportamentais.

157 Revista Brasileira de História. Confrontos e Perspectivas. SP: ANPUH/Contexto. V.16, n°31/32, 1996.158 DEL PRIORE, Mary L.. (org.) História das mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997. 159 FIGUEIREDO, Luciano. Mulheres nas Minas Gerais. In: História das mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997, p. 157.

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Page 103: Marize He[1]

Soihet atentou para a absorção dos paradigmas científicos europeus do

momento onde “a medicina social assegurava como características, por razões

biológicas: a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as

intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal”. 160

Ainda em 1997, significativas referências sobre a prostituição colonial foram

tecidas por Ronaldo Vainfas no capítulo “Moralidades brasílicas: deleites sexuais e

linguagem erótica na sociedade escravista” do livro “História da Vida Privada no

Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa”161 interessando a esta

pesquisa as linhas dedicadas à abordagem sobre as práticas de alcovitagem e a

existência das casas de alcouce.162

A leitura destes trabalhos suscitou novas interrogações, proporcionou pistas e

sugestões nos encaminhamentos desta dissertação, mas o que se pôde notar é que

os estudos sobre prostituição ainda se fazem tímidos nos campos da História.

Poucos são os que privilegiam o assunto em toda uma obra. Grande parte são

menções dentro de outra discussão.

Na historiografia internacional aqueles que se propõem a um estudo de

recuperar a trajetória histórica da prostituição demonstram como preocupação

central mostrar a imposição e o distanciamento de papéis sociais, enfatizar a

formação de conceitos bipolares sobre as mulheres e como se compõe seus

mecanismos de divulgação e consolidação.

160 SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: História das mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997, p.363.161 História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa / organização Laura de Mello e Souza. _ São Paulo: Cia. das Letras, 1997.162 VAINFAS, Ronaldo. Moralidades brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade escravista. In: História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 254-255.

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Page 104: Marize He[1]

Concentrando o maior número de pesquisas na área, os medievalistas, via de

regra, focalizam o tema no quadro dos discursos eclesiásticos e as representações

que daquelas se fez.

Dentre os trabalhos nacionais os enfoques dividem-se entre os séculos XVIII,

XIX e XX respectivamente concentrados em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São

Paulo.

Os eixos das análises, sempre cuidadosas, constituem abordagens onde o

interesse dominante também é a construção e forma dos discursos sobre os papéis,

como e quais são as imagens ideais de mulher e seu inverso e os limites que as

separam.

Este trabalho tem como ponto de convergência com os demais a observação

de quem eram aquelas mulheres no discurso normatizador. Mas o interesse central

é investigar a engrenagem econômico-social da qual faziam parte, refletir como, de

onde e por que se deslocaram para a cidade, conhecer suas idades, saber se eram

casadas, solteiras, viúvas, desquitadas. Em suma, olhar o meretrício ludovicense

através de lentes demográficas.

Cabarés e Navalhas: o cotidiano das meretrizes ludovicenses nos Registros

de Queixas e Ocorrências

À medida que a industrialização se consolidava, um contingente significativo

de mulheres adentrava o espaço urbano em busca de melhores condições de vida.

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Page 105: Marize He[1]

No entanto o desnível entre oferta e demanda de trabalho configurava um quadro

onde o “reservatório de mão-de-obra fora uma constante em todo o período.”163

Excluídas do mercado e sem alternativas, muitas daquelas mulheres

voltaram-se para a prostituição, encontrando naquela condição uma possibilidade de

sobrevivência.

Lotavam-se as casas-de-pensão, casas-de-cômodos e hospedarias, que

passavam a ser identificadas como locais permeados pela promiscuidade e

desordem. Por outro lado, nos ideais de uma urbes higienizada, moderna e

civilizada, a moral pública e o controle social eram configurados como um dos

principais pontos de intervenção do Estado.

Assim, definindo e mapeando tipos e locais de perigo, a polícia agia vigiando,

censurando, admoestando e prendendo os indivíduos. 164

Paradoxalmente, a prostituição tornava-se um braço auxiliar da ação

repressora policial, um elemento crucial para o controle social, pois permitia à

polícia saber onde estavam os homens, o que faziam, falavam, traziam, etc.,

fornecendo um “rx” da sociedade.

No cotidiano daquelas mulheres, as relações eram constantemente

permeadas pela violência. Nas estratégias de sua sobrevivência os laços de

solidariedade dissolviam-se, dando lugar a rivalidades, agressões, negações,

questionamentos, deboches e defesas.

Queixavam-se das meretrizes, todavia, elas próprias aparecem dando

queixas contra outros. Os motivos eram inúmeros e a cada “episódio” vivenciado, a

163 RIBEIRO JÚNIOR, José Reinaldo Barros. Formação do espaço urbano de São Luís. op. cit. p. 73.164 Embora a violência no cotidiano daquelas meretrizes fosse constante, há que se destacar que a prostituição em São Luís não se constituía em rede ligada ao crime. Havia poucas estrangeiras não havendo, portanto tráfico de mulheres.

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Page 106: Marize He[1]

percepção dos territórios públicos e privados por onde as meretrizes se

movimentavam dos sentimentos experimentados, dos corpos, das falas, dos gestos,

das formas de vestir e de habitar, tornava-se mais aguda.

Modelava-se, a partir do que se poderia pensar fragmentário, um cenário

representado por suas condutas, pelas violências sofridas e praticadas, pelas

humilhações, pelas relações estabelecidas com homens e outras mulheres, por suas

posses, seus objetos, por seus codinomes (que faz imaginar como eram) e nos

nomes com que eram referidas.

Camaleônicas. Chamadas com freqüência por nomes que não eram os seus.

Ora por outros, ora por codinomes que pareciam corresponder a atributos físicos165.

“Bensinho, Bico de Brasa, Bolacha Fofa, Bolacha Fogosa, Canganha, Canuta,

Curupinha, Lambisgóia, Lupu, Maria Roxinha, Macole, Pao Ferro, Pao de Fogo, Pao

Não Cessa, Papo Rouxo, Pé de Pato, Pirulito, Pitoruba, Poço Fundo, Rabecão,

Raspa, Riacho Sujo, Santa, Vara Pau, Vatapá, Velocipe, Venta de Fole, Venta de

Porco, Xiri Pistola” eram algumas identidades apresentadas nas queixas e

ocorrências.

165 Margareth Rago no livro, Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. Op. cit. p. 238, apresenta o processo de reidentificação em SP afirmando que, “reterritorializada, pelo edifício da prostituição em São Paulo desde a passagem do século, a mulher que entrava para esse universo passava por todo um ritual de iniação. Mudava de nome, adotando apelidos simples e afrancesados , como Mimi, Lulu, Vivi, Suely, Maria Cabaret, Jeannete, Lili das “Jóias”, Nenê Romano etc. O significado simbólico desse transferência de identidade é forte, pois ela vem acompanhada, de um lado, pela perda do sobrenome que vincula à família e, de outro, por toda uma metamorfose de sua identidade corporal. Trocando de nome, a prostituta mudava também a cor do cabelo, encurtava e decotava as roupas, passava a se maquilar com mais extravagância, enfeitava-se com jóias que revelavam seu status, produzia marcas no corpo, como tatuagens. Além disso, devia aprender toda uma nova maneira de falar, conhecer as gírias desse meio, assim como as modalidades diversificadas de conduta que eram mais valorizadas”. Sobre o mesmo assunto Laure Adler em, A Vida nos Bordéis de França, 1830-1930. Op. cit. p. 8, diz sobre as prostitutas francesas, “usam nomes como Divine, Élisa, Marie en Tête, Marie Coups de Sabre, Marguerite, Aglaé, Caca, Bijou, Olympia, Pepe la Panthère, Poil Ras, Poil Long, Crucifix, Irma, Amanda, Octavie, Belle Cuisse, Titine, Pieds Fins, Paulette, la Grimpée, Gina, Nana, Fernande, Rosa... . Em São Luís, vinculados muito mais ao sexo sem floreios, o bucolismo daqueles codinomes cedeu lugar ao realismo do cotidiano.

106

Page 107: Marize He[1]

Nas fronteiras do público e do privado, das ruas e das casas, outros

endereços surgiram alargando o conhecimento das áreas ocupadas pelas casas de

maretrizes, outros estabelecimentos também surgiram. Exemplo disto são os locais

antes por nós desconhecidos como, o Club “Espoca”, Club “Recreio das Divas”,

Frege “Orion”, Pensão “Fumaça” e Pensão “Fuzarca”.

Somados a outros, abrigavam em seus quartos meretrizes com suas bolsas,

camas, cofres, cordões, lápis, lençóis, malas, mesas, navalhas, quadros, redes,

revólver, retratos, sapatos, sombrinhas, tábuas de gomar, tesouras, toalhas e

vestidos...

As formas de falar e vestir aparecem nos casos de insultos por palavras

ofensivas, obscenas, impropérios, pilhérias carregadas, nomes que a moral manda

se calar e nos trajes ofensivos à moral pública ou, os quase de Eva.

Apresentam-se a seguir as Queixas e Ocorrências levantadas, para que as

observações acerca da vida e trajetórias daquelas mulheres possam ser observadas

com mais proximidade.

Queixas das Meretrizes:

Constatou-se, como se verá a seguir, que agressões, ameaças de morte,

arrombamentos de mala, apreensões de objetos, atos libidinosos, desrespeitos,

espancamentos, expulsões da pensão, golpes de navalha, invasões de domicílio,

não pagamento de cópula, promessa de casamento não cumprida, provocações,

roubos de dinheiro e roubos de objetos pessoais eram os principais motivos que

levavam as meretrizes a reclamar.

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Page 108: Marize He[1]

Apreensão de objetos

Queixa de Celina. R. de S. residente na rua de Nazareth n30 contra João. F.

dono de uma pensão onde reside a queixosa, por ter o mesmo lhe espancado e

tomado cama e uma bolça e expulsado-a da dita Pensão. 4/1/29

Queixa de Ernestina. N. contra João. F. residente a rua n30, “de Nazareth”

dono da Pensão Glória, por ter expedido da queixosa da referida Pensão e tomando

– lhe toda bagagem pertencente a mesma. 10/1/29

Zilda P. de C., residente a rua 7 de Setembro n “Radiante”, queixa-se de que

tendo vivido com o individuo de nome Antonio C. rezidente a rua da Estrella, carpina,

que tendo vivido com o mesmo 14 dias este quer lhe tomar uma rede que lhe deu

sem lhe dar mais nada. Intimado 5.3.32 as 11 horas. 5/3/32

Merantine L., residente à rua Affonso Penna “sobrado Espoca” apresentou

queixa contra José. M. da S., operário da oficina mechanica de Guimarães, à

mesma rua 460, pelo facto de não mais querido viver com este indivíduo e ele ter se

mudado levando a rede da queixosa. Intime-se para 2 horas. 1/2/33

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Page 109: Marize He[1]

Maria J. da C., residente no “Couro Grosso” queixou-se contra Nilsa de Tal,

encarregada do mesmo couro “grosso” por ter esta lhe aprehendido um par de

sapatos e recusa se a entregar-lhe. Resolvido Tenente Reis. 6/3/33

Leontina G. de C., residente à R. Candido Mendes, n571, veio queixar-se

contra “Uberaba” encarregado do sobrado Uberaba por ter aprehendido uma sua

mala, tres mesas e um quadro desde o mês de novembro quando lá morou e agora

não quer lhe entregar. Resolvido Valfredo Comissario. 23/5/33

Sergia C., residente à Pensão Chicó, a rua... queixou-se de Isolino P.,

residente à rua da Estrela defronte da Alfandega, por ter ficado com as roupas e

malas da queixosa. Intime-se para 9 as 3 horas. Capitão Mochel. 9/4/34

Albina P. F., residente à rua da Palma, 446 “Casa Maria Augusta” queixou-se

de que a dona da caza, prendeu os objetos de seu uso, não o querendo entregar.

Capitão Mochel. 27/4/34

Teodora de J. B., residente em uma pensão de meretrizes à rua 28 de Julho

n393 de propriedade de Vitória C., compareceu a esta Permanencia, onde

apresentou queixa contra aquela proprietária, pelo fato de ter apreendido diversos

objetos pertencentes a queixosa, em virtude desta querer mudar-se daquela pensão

e lhe ser devedora da quantia de 235$500. Solução: De ordem do Sr. Dr. Chefe de

Polícia a acusada fez entrega dos objetos, tendo a queixosa comprometendo-se a

pagar a quantia de 235$500, em prestações de 20$000 semanais. 1.11.1940 (6077)

109

Page 110: Marize He[1]

Agressões

Raymunda L., Rua 7 de Setembro, 73 contra Antonio C., ignorado o paradeiro

por ter entrado em sua casa e portado-se muitissimo mal esbordoando um menor

seu irmão. A queixosa é meretriz, mas somente à noite recebe visitas pois em caza

tem moças. 3/10/29

Maria da G. “vulgo Maria José de Mattos” rua Estrella, 571, contra Victor I. de

P., mesma caza, seu amazio, que por ciumes esbordoara-lhe tirando da cabeça da

queixosa muito sangue, e pondo rôxo o olho direito. 21/10/29

Regina L., moradora à rua Regente Braulio, n208 apresentou queixa contra

José. M., empregado da Estação de Bondes por ter aggredido as duas inquilinas de

nomes S. e M. de L.. 1/10/30

Anna R. residente à Travessa Feliz n502 “Espoca” queixa de que o barbeiro

de nome Ary de tal que trabalha na praia do desterro deu-lhe um golpe em uma das

mãos com uma navalha. Preso, Ary está no posto. 7/3/32

Hortencia B. de A., residente no Sobrado “Couro Grosso” veio queixar-se

contra seu ex amante, Manoel J., residente em João Paulo, por haver tentado tirar-

110

Page 111: Marize He[1]

lhe sua vida e a ameaçar de espancamento. Resolvido Valfredo Vale Comissario.

29/5/33

Lucilia A. F., rezidente à rua 28 de Julho n476 compareceu a esta delegacia

queixando-se contra Otacilia de tal, residente a mesma casa, por esta ter agredido a

queixosa com palavras offencivas. A acusada foi intimada a comparecer a prezença

do 2 delegado 14.4. as 3 hs. 14/4/37

Raimunda S. residente em uma Pensão de Meretriz à rua Affonso Pena

n373, compareceu a esta Permanência as 6.00 horas, a fim de queixar-se contra

uma outra meretriz de nome Maria do E. rezidente na rua da Palma, pelo fato da

referida meretriz ter invadido a referida Pensão e espancado com um salto de

sapato. Solução: De ordem de Sr. Dr. Chefe de Polícia, a acuzada foi intimada afim

de responder pela queixa hoje as 9 horas. 24/10/1940 (5952)

Arrombamentos e roubos

Maria L. de J., moradora à rua Henrique Leal n140 queixou-se que ao chegar

em casa encontrou a porta de seu quarto aberto e sua mala arrombada sem cofre e

roubado a importancia de 60$ presumindo ser Otilia S., que há tempos morou à

mesma casa. 23/10/29

111

Page 112: Marize He[1]

Maria de L. S. ou Joanna M. da S., rua Nova, 118, contra a encarregada do

sobrado a rua Candido Mendes,458, por terem no referido sobrado, roubado da

queixosa, um cofre com dinheiro. 18/12/29

Angelita M. de A. moradora a rua Nova 11 queixa-se de que R., empregado

do frege “Orion” roubou-lhe 5$ em dinheiro e um lapis de dentro da malla da

queixosa. 9/12/31

D. Victória L., rezidente a rua Candido Mendes 353 vem queixar-se de que o

Sr. Tenelon Cavalcanti de Albuquerque, foi a sua rezidencia e de tal carregou um

relogio uma corrente um revolver e 168$ em dinheiro sem mais dar satisfação.

Tenelon que é escriturário do departamento municipal, alem de tudo isso vive a

debochar com a queixosa. Intimado para 2.5.32 as 10 ½. 30/4/32.

Ignez R. do A., rua de São Pantaleão, 504 queixou-se da mulher conhecida

por Bensinho, residente na rua Jacintho Maya, 299, pelo fato de ter furtado da mala

da queixosa, 1 retrato, 1 lençoes, 1 toalha e 1 tesoura. Intime-se já. Parecer: Ficou

provado, não ter fundamento a presente queixa. 1/12/32

Francisca M. residente na rua Candido Ribeiro 435 queixou-se à Polícia

contra o indivíduo Raymundo, digo, Manoel A. R. “vulgo Manoel Galinha”, pelo fato

de ter referido indivíduo roubado do quintal de sua casa 4 toalhas de rendas

diversas, no dia 4 do corrente. As pessoas que compraram são as seguintes:- Maria

112

Page 113: Marize He[1]

Augusta residente à rua da Palma, 446, comprou duas; Mercedes C. e Maria A.,

ambas da Pensão Chicó . Mercedes C., não entregou ainda. 16/12/32

Maria do C. P. da S., residente a Rua da Estrela, sobrado do P., veio queixar-

se contra Raymundo L. P. por ter entrado em seu quarto, à noite apagando a luz e

roubou-lhe a importancia de 5$000 Lindoso foi recolhido ao xadrez depois de ter

ficado provado ser o culpado. Resolvido Almeida Comissário. 18/5/33

Julieta F. de B., veio a esta Delegacia, queixar-se de que domingo último foi

roubada de seu quarto da caza de comodo “Maria Ferreira” à rua Affonso Penna

n486: 1 rede branca de linho, 2 vestidos de côr, 1 lençol de cama e uma sombrinha.

Providenciado. 17/6/36

Pagamentos e empréstimos

Thomasia de M., residente no Club Espoca, a rua Affonso Penna, apresentou

queixa contra os indivíduos Benedicto L. dos R. residente em Barreirinhas e

Desidério A. F. “vulgo Didi” residente no Rosario por ter o primeiro copulado com

sigo e não lh’o querer pagar e o segundo intervido a s/ favôr. Em 3/12/30

Maria dos A., residente a rua dos Craveiros, entre Sol e [...], veio a esta

Delegacia queixar-se contra Venancia R., residente a Rua Ribeirão “Pensão

Fumaça” por ter a queixosa emprestado a esta um cordão de ouro, no valor de cento

e vinte mil reis há dois annos e até agora não lhe foi restituido. Autoridade mandou

113

Page 114: Marize He[1]

entender-se com V. a qual já havia empenhado dito cordão a outra pessôa, a praia

do caju, onde foi aprehendido e entregue a legitima donna, pelo Investigador Dias.

31/7/36

Celina de Tal, proprietaria da Pensão, à rua Herculano Parga n220, veio a

esta Delegacia queixar-se contra sua hospede Raymunda S. por esta ter fugido da

sua pensão, sem que a proprietaria saiba do seu paradeiro, ficando Raymunda

devendo 205$000. 25/10/36

Desrespeitos insultos, provocações e ameaças

Francisca R. S. residente a rua Cândido Mendes, 585, apresenta queixa

contra Pedro A. que vive a desrespeita-la . Intima-se as 3 horas. 1 /2/32

Dna. Maria J. S. V. moradora a rua da Estrella s/n deu queixa contra o

conhecido arruaceiro conhecido por “Encoraçado” pelo facto delle ter ido

continuadamente a caza da queixoza varias vezes para ter relações e como tenha

sido sempre repelido, insultou-a devemente prometendo ainda mata-la . Por este

motivo, pede providencias a Policia. Intime-se para amanhã 3 horas da tarde.

19/2/32

Honorina C., moradora à rua 14 de Julho, apresentou queixa contra Carlos T.,

residente à rua Oswaldo Cruz, n por motivo de querer, à viva força, desacatar a

114

Page 115: Marize He[1]

queixosa, injuriando-a e procurando desse modo, prejudicar o negócio que a mesma

explora nesta Capital. Intime-se para amanhã, às 9 horas. 30/12/32

Promessas e abusos

Odeth S. M., residente na Rua 28 n445, apresentou queixa apresentou

queixa contra o Sr. Ledis M., morador no Quebra-Costa s/n dizendo que este Sr. a

tres mezes e dias li tirara de caza de ondi vivia onestamenti com sua tia com

promessa di cazamento e não cumprindo a sua promessa acontesendo porem que

ultimamente a esburduara e expulsou-a de casa. 4/1/31

Margarida S., residente no “Espoca”, queixa-se a esta Delegacia, que Cacia

de tal todos, as vezes que a encontra corre-lhe a mão, como hoje por exemplo se a

queixosa não tivesse calsa teria ficado nua. 7/4/32

Ameaças

Apolônia C. M., residente a rua 28 de Julho, n. 445, queixa-se contra Isaurina

M. S., que prometeu matar a queixosa. Intime-se para às 10 horas do dia 3.

Resolvido pelo Tenente Reis. 2/2/33

Brigida M. dos R., residente a rua Cândido Mendes no Sobrado de Uberaba,

veio queixar-se contra Mercedes de tal residente à rua do Ribeirão n pegado a

115

Page 116: Marize He[1]

Pensão Fumaça, pelo fato desta andar lhe ameassando e insultando com palavras

ofensivas. 20/6/33

Queixas das “senhoras”

Se para as meretrizes os motivos das queixas estavam mais no nível do

concreto como, agressões, espancamentos, navalhadas, roubos etc... . para as

“senhoras”, esposas – mães, a questão residia muito mais no plano da moral.

Desrespeito às famílias, insultos, ofensas à moral, insultos as sras. casadas e não

pagamento de encomendas eram os elementos que justificavam suas queixas como

se mostra nos próximos casos.

Desrespeito e insultos

Raymunda S., residente a rua do Gavião, 87, contra as meretrizes Carmina

de tal e Maria P. “vulgo Maria Roxinha” residente à mesma rua, 97, por andarem

dirigindo palavras obsenas publicamente contra a queixosa desrespeitando assim as

famílias residentes no perímetro d’aquela rua. Intime-se. Foram admoestadas.

17/10/29

Brazileira O. moradora à rua Sant’anna 126, offereceu queixa contra a

decaida Domingas P. moradora à rua “ignorada” por lhe haver lhe dirigido insultos.

26/10/29

116

Page 117: Marize He[1]

Maria A. C., rezidente a rua da Mangueira, digo rua Oswaldo Cruz, 594 vem

queixar-se de que a meretriz Neuza S. já muito conhecida do cadastro policial e

acompanhada pelo seu amante Sigmano N. conductor n34 da companhia de bonds

elétricos foram a sua rezidencia agredindo-a com insultos e offensas a moral e como

não conheça essa mulher achou estranho o seu proccidimento e vem pedir

providencias para o caso, tendo mais a acrescentar que soube que essa mulher

tinha estado na policia ouvindo a voz autorizada da autoridade sem no entanto ouvir

os seus conselhos. Intimada para 12/2/32 as 11 horas. 12/2/32

Neuza da S., residente no Beco Feliz, baixos do sobrado do árabe João F.,

queixou-se da meretriz Perolina de Tal, residente no Espoca, pelo facto de ter

referida mulher lhe dirigido pesados insultos. Intime-se para 2 horas. Parecer: Pela

autoridade P., foi reprehendida. 23/12/32

Em 30 de Setembro de 1930, Isabel L. do N. apresentou à esta Delegacia

uma queixa contra Brigida de tal ambas meretrises moradoras a primeira à rua

Jacintho Maia a segunda no Couro Grosso. 30/9/30

Pagamentos

Victória L., rezidente a rua de Sanctanna n 143, vem queixar-se de que

Camita (Canuta) de tal residente na pensão de Zulino a rua Cândido Mendes

defronte da Alfândega não quer lhe pagar phantasias que mandou fazer pelo

117

Page 118: Marize He[1]

carnaval, além de quando é cobrada quer brigar. Intimada para 25/4/32 as 3

horas.23/4/32

Veio a esta delegacia Dona Candida da S. B., residente a rua 28 de Julho

n305, queixar-se de que sendo empregada de Madame Guedes, a rua Oswaldo

Cruz, a rasão de trinta mil réis mensaes trabalhando durante 14 dias, tendo a

mesma senhora lhe pago apenas dez mil reis. 16/8/33

Francisca R. C., residente no Codosinho “S. Raymundo”, 115, apresentou

queixa contra Jacintha de Tal “vulgo Santa” residente no S. Raymundo s/n pelo facto

de ter referida meretriz dirigindo pesados insultos à queixosa, que é casada. Intime-

se para 12 as 9 horas. 11/1/33

Das ocorrências:

Muitos registros dão conta das admoestações sofridas pelas meretrizes. A

concepção de perigo para a ordem e a tranqüilidade social refletia-se em punições

mais brandas, todavia eram consideradas suficientes para cercear seu possível

desdobramento, o crime. 166

Ao serem chamadas à presença do delegado ou da autoridade policial, eram

repreendidas e muitas vezes presas sendo que seus nomes, ou codinomes, quase

166 Este assunto pode ser visto com mais detalhes no artigo de Silvia Helena Zanirato Martins, Homens pobres, homens perigosos. A repressão à vadiagem no primeiro governo de Vargas. Op. cit. p. 289.

118

Page 119: Marize He[1]

sempre vinham acompanhados dos, estigmatizantes, termos “decaídas” ou

“horizontais”.

Nos casos a seguir apresentam-se algumas das razões pelas quais poderiam

ser presas ou admoestadas. Destacava-se o “fazer ajuntamento” na rua, provocar

transeuntes, uso de linguagens e vestimentas “inadequadas”, escândalos, ameaças,

brigas, espancamentos, injúrias, perturbação do sossego público, desacatos à

senhoras, falta de respeito com a vizinhança, sedução de menores, roubos, etc.

Falta de sossego público

Foram chamadas a Delegacia afim de serem admoestadas, por haverem

perturbado o sossego público as meretrizes: Raymunda A., vulgo bico de braza,

Lucia M. vulgo “velocipe” moradores no cortiço à rua de Sant’ana n94. 4/10/29

Foram chamadas ao policia e admoestadas por não se darem ao respeito

perturbando o socego publico, as decaidas Anna F., Raymunda B., Maria S. e Maria

J. C. bem como o encarregado Domingo C. S. todos moradores à rua Jacintho Maia

299 e Maria da C. da rua de Sant’anna 147. 14/10/29

Foram chamadas a policia e admoestadas por perturbarem o socego publico

as decaidas Honorina F., Benigna N. e Benedicto S. à Rua Antonio Rayol n74.

17/10/29

119

Page 120: Marize He[1]

Foi chamada a policia e admoestada a horizontal Raymunda S., por andar

altas horas da noite perturbando o socego publico. 21/10/29

Foram chamadas a policia e admoestadas Maria da N. A., Maria P., Maria de

N. e M. J. L. moradoras à Travessa do Monteiro n165 e 169 por perturbarem o

sucego publico. 28/10/29

Foram chamadas a polícia e ditidas por haverem perturbado o socego publico

as decaidas do cortiço Couro Grosso: tendo como encarregados: H. B. . Maria J.

“vulgo pitoruba”, Balbina M. P. vulgo Bolacha Fogosa. Angela N. da S., Brigida M.

do R. vulgo “xiri pistola” , Joaquina M., Neide L. P. vulgo Bolacha fôfa, Thomazinha

F. dos S., Josepha M. de A . e Catharina R. dos A .. 16/12/29

Foram chamadas a policia as decaidas Maria J. vulgo curupinha, Luiza da S.

F. vulgo venta de porco e Izabel vulgo pé de pato moradoras à rua da Manga n49

por terem perturbado o socego publico, cerca de 2 horas da manhã. 26/12/29

Foram chamadas a policia e admoestadas as horizontais do “Couro Grosso”

Josepha P., Maria J. S., Benedicta da S. F., vulgo venta de fole e Angela M. da S.

por perturbação do socego publico. 3/2/30

Foi chamada a policia e detida a decahida Antonia C. vulgo 7 moradora no

“Couro Grosso” por ter promovido distúrbio a rua Fonte das Pedras hontem a noite.

3/2/30

120

Page 121: Marize He[1]

Foram chamadas a policia e admoestadas as decahidas Nydes C., Clarinda

M. da C. e Joanna C. a moradora à rua digo, Travessa do Monteiro n47 por terem

procurado uma republica próxima provendo algazarra. 29/9/30

Foram chamadas a policia e ditadas as horisontais Octacíla R., Benedita M.

da S., Senhorinha S., Celestina A., Isaura F. por falta de ordem “Fusarca” a rua da

Saude canto com Palma e mais Maria R. R. / Mila de M. “Riacho sujo”, Lucia C.

“Poço Fundo”, Alexandrina F. dos S. “vulgo pao não cessa”, Isabel D. de A., Beatriz

G. “vulgo pao de fôgo”, Maria S. “vulgo Canganha, Maria S. S., Catharina da S..

10/3/30

Admoestações

Foram chamadas afim de serem admoestadas, as decahidas da rua da

Estrella 54 do nomes:_ Maria A. L., Raymunda F., Anna F., Benedita R. e Maria de

L.. 4/10/29

Em o mesmo dia, as da rua da Estrella, 452 de nomes: _ Marcelina B., Maria

do C. S., Anna A. de A., Raymunda M. da C., Júlia F. da S. e Aldenora R..

___Mesma rua 442___ Anna N., Maria E., Sebastianna M. e Eva S. e

Jovenilia B. e Vitorina de Tal.

Na mesma rua. Agostinha M., Laura P. de A ., Josepha M. A .

121

Page 122: Marize He[1]

Foram chamadas a policia admoestadas as decaidas moradoras _ na Fuzarca

à Rua Affonso Penna 84. Joanna dos P. C., Luzia da C. F., Maria H., Silvina,

Josepha P., Antonia F., Francisca A., Francisca M. L. e encarregados Maria R. de L.,

Rosa J. L. da S..

__Rua da Manga 44__Encarregado Martinho R., Margarida S., Rosaria R.,

Octávia S., Margarida M., Maria R. e Maria J..

__Rua Afonso Penna 47__Faustina L., Luisa P., Antonia A , Raymunda S. e

Julia S.. Encarregado Samoel de tal.

___Rua Maranhão Sobrinho 88___Ozias. Maria I., Joaquina G., Maria P. e

Agostinha A. .

__Rua Afonso Penna 49__Francisca tal., Catarina R., Matilde N., Militina de

Tal, Joaquina V., Benedita N., Maria das D., Joanna M., Marciana de J., Antonia M. e

Maria M..

Radiante: Antonia de Tal, Balbina M., Maria A ., Rosa S ., Marcolina M. e

Luiza C..

Rua da Estrella 585 ___ Eugenia M. S., Celestina A., Teresa S., Raymunda

R., Rosilda M., Benedita dos A., Laudelina M., Isolina M. e Raymunda de Tal.

5/10/29

Foram chamadas e admoestadas as meretrises a rua de Santa Ana, 69, a

encarregada Justina S. e suas. As meretrizes são:- Zila A., Cantonila P. da S. e

Maria da G. F.. 7/10/29

Luiz F. encarregado da caza a rua João Vital de Mattos, 36 com as

meretrises:- Maria de N., Antonia P. e Francisca P.. 7/10

122

Page 123: Marize He[1]

Foram chamadas a policia e admoestadas as decaidas: Deoclecia P. e Maria

C.. 14/10/29

Foram chamadas a policia e admoestadas as decahidas: Maria M. da C.,

Antonia S., Joanna O. da C. e Joanna C. por offensa a moral. 29/1/30

Casas e cafetinas

San L., chinez, alugador de caza para meretrizes e fora intimado a deixar

apenas duas __as mulheres suas locatárias são: Rosa L. de C., Joanna P. e Joanna

O. __6 dias. 7/10/29.

Foi chamada a Delegacia a horizontal Lolita L. por ter chegado ao

conhecimento deste Delegado haver a mesma fundado uma Pensão de mulheres,

tendo recebido todas o praso (?) para terminar e no caso de não haver ainda

fundado desistir de tal intensão por que este Delegado manterá vigilância e tomará

as enérgicas providencias no sentido sensar esse verdadeiro cancro social.

14/12/29

Foram chamadas a esta delegacia a caftina Minervina P., que declarou alugar

a casa de ordem de José de S. G. a rua da Estrella 458 e tem presentemente as

meretrises:- Maria de S. B., Maria G. de O., Galdina R. da S., Martinha O. L., Elvira

O., Antonia M. de O., Aldenora R., Raymunda B., Esmeralda C. N., Maria do R. B.,

123

Page 124: Marize He[1]

Anna F., Justina D. de O., Raymunda, Maria da C., Sebastianna S., Adélia S.,

Zuleide G. e Adalgisa S. __Ao todo 18. 12/3/30

Idem, idem, idem __Direita 156. Francisca M. da C., Maria de N. L., Petronila

R. e Antonia F. B. . Ao todo 4.

Ofensa à moral

Foram chamadas a policia e detidas por serem reincidentes em offender a

moral publica as decaidas Neide C., Maria F. moradoras à rua de Sant’anna 149.

23/10/29

Foram chamadas a policia e admoestadas as horizontal M. J. do E. S. vulgo

D. Engracia e Nydes C. moradora a travessa do Monteiro n27 e 47 por terem

desobediencias procuradas não obstante offender a moral pública. 1/2/30

Foi chamada a policia e admoestada por desobediencia a decahida Maria S.

moradora da rua da Mangueira n371. 18/3/30

Desacatos

Foram chamadas a policia e detidas as decaidas Victoria G. por terem

desacatado uma senhora casada sua visinha moradoras à rua Cezar Marques.

15/10/29

124

Page 125: Marize He[1]

Desrespeito

Foi chamada a policia e admoestada por falta de respeito e quando chamada

a attenção pelo rondante pelo seu modo incorrecto dirigiu-lhe impropérios a decaída

Filomena C., moradora à rua das Cajazeiras n96. 24/10/29

Foi chamada a policia e detida a decaida Laura P. de A. por falta de respeito

para com a vizinhança. 5/11/29

Foi chamada a policia e admoestada a decaida Enedina C. por ter

desrespeitado uma família defronte a sua casa , à rua da Saúde n113. 4/12/29

Devido as constantes queixas apresentadas a esta Delegacia relativamente

ao modo desrespeitoso de algumas meretrizes, ficou apurado em virtude das

diligencias feitas a veracidade sendo detida as decaidas abaixos reincidentes e

assíduas freqüentadoras da policia por offensa à moral. Maria Q., Albertina P. da S.,

Maria C. de A., Josepha C. e Antonia R. “vulgo Pirulito”. 12/12/29

Foi chamada a policia e admoestada a decahida Nydes C. L. por ter faltado

com o devido respeito para com as familias de sua vizinhança à rua de Santanna

n149. 6/1/30

125

Page 126: Marize He[1]

Pelo investigador Leozildo Fontoura, foi aprezentado a esta permanência, as

22,30 horas de hoje a meretriz de nome Maria F. A. , pelo fato da mesma ter sido

encontrada perambulando na zona, desrespeitando o investigador no momento que

lhe chamava a atenção: Solução: De ordem do Sr. Dr. Chefe de Polícia a meretriz

em apreço foi recolhida ao xadrez as mesmas horas. 29/10/1940 (6049)

De ordem do Sr. Dr. Chefe de Policia, foi recolhida ao xadrez aos 30 minutos,

a meretriz Eduvirgens M. de S., pelo fato de ser desacatado no Club de Meretrizes,

denominado “Recreio das Divas” à rua Candido Mendes, o soldado da Força Policial

do Estado, n589. Solução: De ordem da mesma autoridade, a referida meretriz foi

auferida para a Penitenciária do Estado, em virtude de ter portado-se mal, nesta

policia. 2/11/1940 (6094)

Brigas

Elvira P., “vulgo pé de pato”, Maria do R. vulgo Bico de braza, Esmeralda C.

N. “vara pau”, Izabel S. ( venta de porco), Zuleide F., “lambisgoia” foram detidas por

se haverem empenhadas em lucta de box. 7/11/29

Trajes

126

Page 127: Marize He[1]

Foram chamadas a policia e detidos por desrespeito Nydes C.. Maisa F. como

tambem por andarem em trajes que offendem a moral publica. 19/11/29

Foram chamadas a policia e detidas por faserem ajuntamento à porta da rua

em trajes, quase de Eva e perturbarem o sucego publico: Adelaide C., Maria da C.,

Clara R. L. “vulgo vatapá”, Maria M. “vulgo Pao Ferro” e Belmira A. “vulgo papo

rouxo”. 20/11/29.

Foram chamadas a policia e admoestadas por falta de decoro, as

horisontaes:- Maria B., Antonia S., Maria E. L., Martinha A. B., Sinézia P. L.,

Maria P. de S., Almerinda F., Porfíria M. da C., Anna A. de A., Alexandrina B., todas

residentes a rua Cândido Mendes___ 386. 20/6/30.

Desordem

Pelos Investigadores Flávio Ribeiro e Leozildo Fontoura, foram aprezentados

a esta Permanencia, aos 30 minutos de hoje, as meretrizes de nome Alvina P. e

Antonia L., pelo fato de se ter sido encontrada promovendo desordem na rua

Afonso Pena. Solução: De ordem do Sr. Dr. Chefe de Polícia, as mulheres em

apreço foram recolhidas ao xadrez as mesmas horas. 24/10/ 1940 (5951)

127

Page 128: Marize He[1]

Pelos investigadores Edmilson Carvalho Branco, foram apresentadas a esta

Permanencia as 14,45 horas, as mulheres Nila M., Amalia P. S. e Adelina R., prêsas

à ordem do Sr. Dr. Chefe de Polícia, pelo fato de terem promovido desordem em

uma pensão de meretrizes, à rua Afonso na Pena. Solução: De ordem de mesma

autoridade, as mulheres em aprêço foram recolhidas ao xadrez. 28/10/1940 (6023)

Pelos soldados da Força Policial do Estado n761, 889, foram apresentadas a

esta Permanencia, as meretrizes Maria do C. e Amalia F., pelo fato das referidas

meretrizes terem promovido desordem à rua Afonso Pena. Solução: De ordem do

Sr. Dr. Chefe de Polícia, as mulheres em apreço foram recolhidas ao xadrez as

23:20 horas. 31/10/1940 (6069)

De ordem do Sr. Dr. Chefe de Policia, foram recolhidas ao xadrez às 3,20

horas de hoje, as meretrizes Francisca P. C. e Edith S. do N., pelo fato de terem

promovido dezordem no Club “Recreio das Divas”. 31/10/1940 (6072)

Menores

M. J. dos S., maranhense, solteira, de 18 annos de idade, residente á

Travessa da Felicidade (Baixinha) compareceu nesta Delegacia para declarar que

apezar de ser menor, é meretriz, e por isso não quer viver na companhia dos seus

paes A. D. dos S. e F. D. dos S., que maltratam-na, dando-lhe pancadas. O 2

Delegado resolveu mandar apresentar a declarante ao Juiz de Menores para

resolver o caso da melhor forma possível. 16/11/36

128

Page 129: Marize He[1]

O Sargento Pedro Martins, da Força Policial do Estado, comunicou a esta

Permanência, que em uma casa de meretrizes na Rua da Lapa, existe uma menor

vivendo com sua genitora. Solução: O Sr. Dr. Chefe de Polícia tomou conhecimento

da Comunicação de determinando as providências que o caso requer. 27/10/1940

(6009)

Queixas dos homens

Nas queixas feitas pelos homens são ouvidas falas do poder, reveladoras dos

discursos da “ordem”, dos padrões impostos e da ideologia dominante. Vozes de

amantes, clientes, cafetões e daqueles que em nome de suas esposas e filhas

reclamavam das atitudes das meretrizes.

As causas alegadas giravam em torno de agressões, desrespeito, insultos,

ofensas e provocações à família, mães, esposas e filhas, invasão de domicílio, não

pagamento de encomendas, perturbações do sossego público, roubos de dinheiro e

objetos pessoais, sedução e prostituição de menores.

Perturbação do sossego público

Queixa de Dorotheu J. R. residente a rua Nova n5 contra as meretrizes que

moram na casa n7 a mesma rua por pirtubarem o sucego publico, com fortes

algazarras e nomes que a moral manda-se calar. 18/1/29

129

Page 130: Marize He[1]

Sedução de menores

João L. e Joana L. moradora à rua da Lapa n152 e 188 offereceram queixas

contra a decaida Hilda de tal vulgo Raspa por andar seduzindo os meninos B. L. e

M. L. de 12 e 10 anos respectivamente para pratica de actos libidinozos e entrega de

dinheiro. 23/11/29

Ofensas e insultos

Venancio A., morador à rua Henrique Leal, n292 queixou-se contra as

decahidas, Bertha de Tal e Feliça de Tal, por trem offendido a sua progenitora

obscenas. Moradoras à rua Henrique Leal n286. 19/3/30

Protasio P. da S. residente a rua Regente Braulio, antigo 77, queixou-se

contra a meretris Maria de Tal, residente à rua Fonte das Pedras, por andar dirigindo

insultos não só a si como à sua família. Intime-se. 9/12/30

Aldenor F., residente Codosinho “São Raymundo” apresentou queixa contra a

meretriz Maria P. residente no correr de sua caza s/n, por ter insultado a sua

esposa. Intime-se. 13/1/31

Francisco A., residente no Largo da Madre Deus, 17 queixou-se da meretriz

Josina de Tal, residente defronte da caza do queixoso, pelo facto de viver insultando

uma sua filha que é amiga da esposa de José de Tal “vulgo Zé Orelha”. _ [por ser a

130

Page 131: Marize He[1]

mesma amiga] obs: o que está entre parenteses no texto está rasurado. Josina era

amante de José Orelha. Intime-se para 4 às 9 horas. 3/8/34

Desrespeito

Francisco T. residente à rua Ribeirão, 382 apresentou queixa contra a

meretriz residente a Travessa 5 de Outubro, n por ter a mesma desrespeitado a

sua família. Prenda-se. 19/11/31

Benedito F., residente à rua do Mocambo, 326, apresentou queixa contra a

meretriz Nila de Tal, residente a rua do Rancho, 27, por ter desrespeitado sua

senhora. 10/1/33

Manoel S. rezidente a rua Cezar Marques n/8 queixa-se de que umas

mulheres rezidentes a rua Antonio Rayol n/143 todas as vezes que o queixoso

passa dirigem-lhe pilheras carregadas. Intimadas para 14/12/31 as 2

horas.12/12/931

Compareceu a este Posto o Soldado Musico do Exersito, (reformado), onde

apresentou queixa contra a meretriz Maria de Tal, residente a rua de S. Pantaleão,

n504, visinha do queixoso, por esta viver constantemente dirigindo palavras

obsenas ao queixoso e sua esposa. Foi feita a intimação da acusada para vir a

presença do Sr. 2 Deleg. Amanhã às 10 horas, a fim de dar esplicações sobre o

facto. 23/6/37

131

Page 132: Marize He[1]

Intrigas

Elenterio P. C., residente à rua de S. Pantaleão defronte do Canhamo,

queixa-se contra a meretris Maria J. amasiada com o alfaiate Inis de tal, e residente

junto a “Radiante” a qual vive promovendo desvenças na sua família, chegando a

ponto de querer intrigar o queixoso com sua esposa. Intimados para amanhã, às 10

horas da manhã. 29/2/32

Menores

Pedro da C. T., queixou-se contra Agripina de M., funccionaria da saude

publica por ter prostituido a uma sobrinha do queixoso que conta 15 annos de idade

de nome A. da C. P.. Prenda-se. 19/11/31

Pagamentos

Otaviano F. A., rezidente a rua da Manga 38, queixa-se de que D. Dadá

rezidente no sobrado denominado “Espoca” , a rua Affonso Penna 502, mandou o

queixoso fazer um par de sapatos e depois de posse dos mesmos não quer pagar o

resto da emportancia que são 2$000 pois os mesmos foram contratados por 30$ e

só deu 10$. Intimada para 25.1.32 as 13 horas. 25/1/32

132

Page 133: Marize He[1]

José F. S., residente à Rua do Norte n124, queixou-se Lolita de Tal, residente

à Rua da Palma n por ter, a irmã do queixoso com uma inquilina da Lolita, o feitio de

2 peças de bordado para ser entregue a mesma Lolita e esta, agora, se recusa a

efetuar o pagamento. 27/3/33

João B. da C., residente à rua São Raymundo” (Codosinho) n80, queixou-se

de Dona Regina L., proprietária da “Pensão Regina” a rua 28 de Julho, 46, pelo facto

de tê-lo mandado pelo carnaval buscar no Café Operário, 30 garrafas de cerveja

fiado e agora anda dizendo lhe haver dado o dinheiro. Intime-se para 2 feira as 14 ½

. Resolvido 25.3.35. 23/3/35

Apreensões, furtos e roubos

Olavo B., residente no [?], compareceu a esta Permanencia onde apresentou

queixa contra a mulher Nair de tal, residente à Rua 28 de Julho pelo fato de ter se

apoderado de uma rêde pertencente ao queixôso, a qual se encontrava em um

quarto, uma pensão de meretrizes, à Rua Herculano Parga n489, onde a queixosa

anteriormente residia. Solução: De ordem do Sr. Dr. Chefe de Policia, a acusada foi

intimada, afim de responder pela queixa amanhã as 10 horas. 30/10/1940 (6053)

Teodomiro M. V., residente à rua Direita, 232, apresentou queixa contra a

meretriz Maria J., ex amante do queixoso, residente à rua da Saúde, operário de um

restaurante, pelo facto de ter referida meretriz ficado com sua rede de dormir. Intime-

se para 2 ½ horas. 25/1/33

133

Page 134: Marize He[1]

Ambrósio B. da S., residente no Desterro, queixou-se contra Joana F.,

residente no “Minas Geraes”, que tendo lhe dado para guardar um seu brusa [sic] e

uma bolça contendo um par de meias de sêda _ um cinto e um espelho pequeno;

que indo receber ditos objetos. J. se recusa entregar disendo terem sido roubados.

3/2/33

Alipio dos Santos, residente no Caminho Grande, veio queixar-se contra

Horácia de tal, residente no Sobrado Couro Grosso por ter recebido do queixoso, a

quantia de 40$000 para entra à sua mãe Dona Raymunda P., verificou agora que

Horácia só queria iludi-lhe com a referida quantia. Resolvido A . Almeida

Comissaria.4/5/33

José M. rezidente na Rua do Passeio 550 quexou-se contra uma

prostituta que reside na Rua de Santana por este quexou-se ter levado um loção

para vender, e ella queria 7000 mil que despareceu da casa. Resolvido. 27/4/35

Joào E. P., residente a Travessa do Monteiro n34, compareceu a esta

permanencia, onde queixou-se que foi vítima do furto de um relógio de pulso,

niquelado, com pulseira de metal branco, suspeitando da mulher Maria dos R. A. F.,

vulgo “Macole”, residente a rua José Euzébio, em uma pensão de meretriz. Solução:

De ordem do Sr. Dr. Chefe de Policia, foi designado o investigador José Lopes para

investigar a suspeita. 3/11/1940

134

Page 135: Marize He[1]

Hamilton B., residente à rua da Inveja, n232 queixou-se de M. de tal “vulgo

Lupu” residente na rua da Estrela, “Pensão I.”__ pelo facto de ter hontem tirado do

seu bolso, a importancia de 20$000. Intime-se para 23 as 9 horas. 22/2/32

José M. dos S., de Caxias, “em transito”, queixou-se de que passando a noite

de hontem na Pensão de Maria Augusta, à rua da Palma pelo facto de terem

subtraído do bolso do seu dolman, um relogio de algibeira marca Germinal; que

estivera a noite no quarto da meretriz Benedita de Tal. 30/12/32

Sr. Djalma F. de O., residente à rua 28 de Julho, 468, queixou-se de que a

mulher de nome J. de tal residente na Pensão Maria Augusta, foi a sua casa, em sua

ausencia, arrombou a porta da mesma, levando 28$000, em dinheiro. Intime-se para

23 às 10 horas. Apurou-se foi arrombada a porta porem não roubou dinheiro

nenhum. 21/5/34

Agressões

José S., residente à rua do Ribeirão, n12, apresentou queixa contra a

meretriz Enesina de Tal, residente a rua da Cruz, 902, pelo facto de ter hontem a

noite, cortado o queixoso no braço esquerdo, com uma navalha que a mesma trasia.

Intime-se para 2 as 2 horas. Parecer: O Delegado determinou a abertura de

inquérito. 2/1/33

135

Page 136: Marize He[1]

João P. de S., rezidente a rua Jacintho Maia n511 de que L. R. rezidente no

sobrado do Espoca a rua Affonso Penna n por ter lhe dado uma bofetada. 27/4/35

Os registros indicam, ainda, outros elementos vinculados ao meretrício.

A concepção de “cancro social”, como mostra a ocorrência de 14/12/29,

permeava os discursos policiais configurando os “quistos” ou, os grupos

“indesejáveis”.

Pode-se também perceber pistas sobre a posse do imóvel utilizado para o

meretrício. As ocorrências de 7/10/1929 e 12/03/1930 indicam o aluguel dos

sobrados, fato que demonstra a especulação imobiliária de uma área que

progressivamente deixava de ser a residência das classes mais abastadas.

Nas relações das meretrizes muitas vezes um homem ocupava papel de

amante167 como mostram as queixas efetuadas nos dias 12 /02/1932, 29/02/32,

25/01/33, 1/2/33.

Igualmente a definição de papéis levou algumas mulheres a reclamarem por

suas imagens. Como atestam as queixas abaixo, a contraposição donzela-moça de

família ou mãe-esposa X meretriz, foi motivo de queixas que demarcavam as

fronteiras sociais.

2/1/33

Gregória G. residente na rua O. Cruz, 8, queixou-se de Dona Joana de Tal

residente na rua Affonso Penna, “Espoca” pelo facto de ter referida mulher dito

167 É bem provável que muitos daqueles “amantes” assumissem o papel de cafetões, principalmente nos casos onde as mulheres tinham sua atividade “independente” de laços com a “madame” .

136

Page 137: Marize He[1]

hontem a noite que a queixosa não era mais donsela. Intime-se para 3 as 9 horas.

Ficou resolvido a queixosa, não frequentar bailes de Joanna.

14/12/36

Simplicia S., residente à rua São Pantaleão n715 vem a esta Delegacia dar

queixa contra Aguida S., residente na Berila(?) no fim da rua, pelo facto de insultar

Martinha S. a quem chamou a prostituta. Martinha submettera a exame.

Desnudando vivências, os boletins de queixas e ocorrências fazem fluir

situações, formas de resistência, jogos e tramas de poderes.

As dores, amarguras e humilhações, assim como a força e a coragem, vindas

dos espancamentos, dos socos e navalhadas que lhes tiravam sangue, dos insultos,

das expulsões da pensão, da “surpresa” ao encontrar a porta do quarto, a mala e o

cofre arrombados, de ter que exigir o pagamento pelo prazer fornecido, das

ameaças de morte e das provocações não poderão nunca ser transmitidas em sua

totalidade, mas certamente lá estavam, compondo com toda sua crueza aqueles

quadros diários.

137

Page 138: Marize He[1]

Ó chão do Desterro,

- solidão de Deus -

onde está o erro

dos caminhos teus?

E onde o instante alto

da pureza mansa

que ao nascer do asfalto

cresce na esperança?

Até onde elevas,

sem nenhum aviso,

os adões e as evas

de teu paraíso?

E até onde baixas

teus xangôs impuros,

nas imundas faixas

de teus negros muros?

Oh, quantas perguntas

sobre ti se adensam,

chão que trazes juntas

maldição e benção

chão de meretrizes

que enfeitaram ruas:

tristes ou felizes

todas foram tuas.

Chão de velha igreja,

chão que ainda abençoa

tudo quanto seja

coisa má ou boa.168

168 CHAGAS, José. Chão da Praia Grande. In: Apanhados do chão. São Luís: EDUFMA, 1994, p.111.

138

Page 139: Marize He[1]

(José Chagas)

Parte III – Francisca P., Honorina C., Lolita L. e outras damas de São Luís

do Maranhão. 169

Pensões, Hospedarias e Casas de Cômodos... Adentrando os espaços

de convívio

São Luís início do século XX.

As portas da cidade se abriam e descortinavam um cenário marcado, entre

outros, por novas formas de habitar. Locais antes ocupados pelos ricos

comerciantes e senhores do algodão eram transformados em moradias coletivas170

da grande massa que ali chegava e se concentrava.

169 Este tema foi inspirado no livro Heloísa, Isolda e outra damas no século XII. de Georges Duby. Acredita-se, desta forma, estar fazendo uma dupla homenagem, uma a esse brilhante historiador, que tantas páginas dedicou à história das mulheres, e outra àquelas dignas meretrizes.170 Segundo o estudo de Olavo Pereira da Silva F. Arquitetura Luso-Brasileira no Maranhão. Belo Horizonte: Formato, 1998 (Projeto Documenta Maranhão 97), p.46. dentre os tipos de casas e sobrados característicos no Maranhão e que vimos resignificados nas Pensões, Casas-de-Cômodos e Hospedarias, destacam-se a meia-morada; ¾ de morada; morada inteira; morada e meia; dois pavimentos; dois pavimentos e mirante e dois pavimentos e porão.

139

Page 140: Marize He[1]

O soberbo espaço da Praia Grande171 reconfigurava-se, imprimindo feições

populares e misturando em seu território trabalhadores das mais diversas ocupações

172.

Pouco a pouco a cidade avolumava-se.

De acordo com o recenseamento, em 1900 São Luís contava com uma

população de 36.798 habitantes. Em 1920, o número havia saltado para 52.929 e

em 1940 para 85.583. 173

Nas fachadas dos imponentes casarões oitocentistas, onde tantas donzelas

suspiraram nos balcões de cantaria, o que se viam eram placas de Pensões,

Hospedarias ou Casas de Cômodos para alugar.

Segundo Mário Meirelles,

171 Sobre a Praia Grande, explica Mário Meireles em seu estudo O Bairro Da Praia Grande E O Palácio do Comércio. Os Prêmios Martinus Hoyer e João Pedro Ribeiro. In; História do Comércio do Maranhão. Op. cit. p. 48 : “...com o fluir dos anos, esse apelido de Praia Grande, que da praia propriamente dita se transferiria ao aterro nela feito, estender-se-ia também ao mais antigo perímetro urbano, velho de duzentos anos; àquele, à margem do Bacanga, que era formado pelas ruas da Estrela, do Giz, da Palma e Formosa, as quais corriam paralelas, de norte a sul, e cortadas pelas de Nazaré, dos Barbeiros (Vira-Mundo), do Quebra-Costa, da Relação (Sant’Ana), Direita, da Saúde e da Cascata, até os largos das Mercês e do Desterro.172 Em São Luís ocorre uma nítida substituição dos moradores dos grandes casarões. Com a falência do sistema agroexportador algodoeiro e açucareiro e a subsequente implantação de indústrias, a área central da cidade foi reocupada pela presença maciça de trabalhadores e meretrizes. O local passava por um processo de revalorização e reutilização transformando o que no século XIX era símbolo de poder econômico em moradias de pessoas das mais variadas origens e atividades. Nesta perspectiva Henri Lefebvre em, O direito à cidade. SP: Ed. Documentos, 1969, p. 12, tece o seguinte comentário: “a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização de uso”. 173 Ver Meireles, Mário. Dez estudos históricos. Op. cit. p. 242. Ver também citação de José Reinaldo Barros Ribeiro Júnior, Formação do espaço urbano de São Luís: 1612-1991. op. cit. p. 73, 74, 75. “entre 1872 e 1900, fase de instalação do conjunto industrial ludovicense, a taxa de crescimento demográfico médio anual fora de 0,85%. ... Para o intervalo 1900-1920, a situação pouco se modificou, pois a taxa de crescimento geométrico anual no vintênio foi de apenas 1,83%, bem abaixo ao ocorrido noutros aglomerados urbanos brasileiros como: São Paulo, 4,58%; Recife, 3,81% e Fortaleza 2,45%. Explicação também para o baixo índice de crescimento da população são-luisense entre 1872 e 1920 (1, 08%aa) pode ser encontrada no alto índice de mortalidade infantil em decorrência do elevado grau de insalubridade da cidade. Os serviços públicos foram sempre insuficientes e ineficientes no combate aos problemas de saúde que afetavam a população da capital timbirense, o que inclusive facilitava surtos epidêmicos como peste bubônica e febre tifóide.

140

Page 141: Marize He[1]

“... já a esse tempo nenhuma família continuava residindo nos sobradões da

Rua do Trapiche, que apenas serviam de sede a armazéns, lojas e escritórios, e que

muitas, e das melhores, já moravam naquelas ruas da cidade alta inclusive na

distante rua dos Remédios em que se transformara a estrada que, em 1775, fora

aberta para levar do fim da Rua Grande para o Largo dos Amores, na Ponta do

Romeu, à margem do Anil; porque não tardaria muito que a cidade baixa perdesse

metade de sua área, desde quando a Polícia cedo nela confinou, para além da Rua

Direita, a zona do meretrício, dela afugentando as famílias e desvalorizando-lhes os

imóveis; porque com a execução do Plano Rodoviário, aprovado pelo Governo, e

que interligaria o Maranhão, por terra, com o resto do país seria fatal o

enfraquecimento do forte comércio atacadista que ali se concentrava e de onde

mantinha, sob tutela, a lavoura e o comércio do interior; porque o próprio

engenheiro-chefe dos Portos do Maranhão acabara de publicar um longo estudo,

datado de 26/12/1939, dizendo das razões por que se deve preferir a enseada do

Itaqui, ao Bacanga, o que, se concretizado, seria talvez a última pá de cal que se

atiraria sobre a Praia Grande.”174

Dividindo as mesmas ruas, havia “Casas” de vários “níveis” as quais

contavam com significativo número de meretrizes e pela Lei n°453, de 31 de maio

de 1930 175 a Prefeitura Municipal de São Luís indicava a tabela de categorias

correspondentes às taxas de impostos.

174 MEIRELLES, Mário. História do Comércio do Maranhão. op. cit. p. 50.175 Diário Oficial do Estado do Maranhão, 23 de Junho de 1930, p. 8, 9, 10 e 11 e 24 de Julho de 1930, p. 10 e 11.

141

Page 142: Marize He[1]

Cabaret ou club semelhante 2 a 7 (2:400$000 a 1:000$000). Casa de Pensão

5 a 16 (1:400$000 a 100$000). Hortelão 17 a 22 (80$000 a 10$000). Hospedaria 11

a 16 (500$000 a 100$000). Hotel 3 a 12 (2:000$000 a 400$000).

Com base nos valores indicados, o Diário Oficial do Estado do Maranhão

publicou em julho de 1930, uma relação de indústrias e profissões sujeitas ao

pagamento onde estavam incluídas:

na Rua José Euzébio (antiga Saúde),

84, Hospedaria de Deolindo A., que considerada na 26ª classe deveria pagar 100$.

Rua Nina Rodrigues,

23, Pensão de Júlia Q., 25ª classe, 150$.

Rua Regente Bráulio,

208, Hospedaria de Regina F., 25ª classe, 150$.

445, Hospedaria de Lolita L., 24ª classe, 250$.176

Identificam-se, ainda, registros, de 1932, que indicavam a quantia exata de

imposto que a Pensão, Hospedaria ou Casa pagava ao mês e a qual classe

pertencia; 1°, 2° ou 3° bem como as que tiveram sua licença suspensa por não

haverem pagado o referido tributo177.

Isso leva a considerar a rentabilidade econômica do meretrício para o Estado.

O Registro de Pensões de 1931-1935, feito pela 1ª Delegacia Auxiliar de Polícia de

São Luís, demonstra que ao estarem registradas e sob a vigilância da polícia

conjugavam-se a atmosfera higienista-moralizante e a captação de rendas.

Veja-se:

1° Delegacia Auxiliar de Polícia desta Capital. "Registro de Pensões”. 1932-1935

176 Estas duas últimas continham a seguinte informação: “hospedaria com fiscalização da polícia”.177 Ver o caso das hospedarias “XXX”, de Deolindo A. e “Glória”, de Maria Rita da C., interditadas pelo chefe de polícia em 1/6/34 em razão do não pagamento de impostos.

142

Page 143: Marize He[1]

Proprietário Estabelecimento Endereço Classe Imposto

R.F.L. Pensão

Regina/Meretrizes

R. 28 de Julho, 46 18/4/32 1classe $5.200 mensais

L.L. Pensão

Lolita/Meretrizes

R. Herculano Parga, 445 21/4/32 1classe $5.200 mensais

F. de O. Pensão da Chicó R. Joaquim Távora, 218 1 classe $5.200 mensais

A. F. Pensão Rancho

Fundo/Meretrizes

R. Herculano Parga, 114 18/4/32 1classe $5.200 mensais

A. R. L. Pensão Anna

Rosa/Meretrizes

R. José A. Correa, 43 23/4/32 3 classe $2.200 mensais

R.B.T. Pensão de

Meretrizes

R. Luzia Bruce, 109 18/4/32 3 classe $2.200 mensais

L.E. Pensão de

Meretrizes

R. Affonso Penna, 486 14/4/32 2 classe $3.200 mensais

H.C. Casa de Cômodos

Honorina/Meretrizes

R. 14 de Julho, 104 26/4/32 1 classe $5.200 mensais

M.C. Casa de Cômodos

Marcília/Meretrizes

R. Cândido Mendes, 64 30/4/932 2 classe $3.200 mensais

A. F. de O. Casa de Cômodos

Radiante/Meretrizes

R. 7 de Setembro, 852 20/4/32 2 classe $3.200 mensais

E.C. Casa de Cômodos

Elvira/ Meretrizes

R. 5 de Outubro, 360 32 3 classe $2.200 mensais

R.M.S. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. José Bonifácio, 169 23/5/32 3 classe $2.200 mensais

D.A . Pensão

XXX/Meretrizes

R. da Saúde, 84 20/4/32 não consta não consta

L.F.S. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. Herculano Parga, 674 07 3 classe $2.200 mensais

M. A. T. Pensão Maria

Augusta/Meretrizes

R. Herculano Parga, 446 24/11/32 2 classe $3.200 mensais

L. A. S. Casa de

Cômodos/Meretrizes

Tv. do Teatro, 19 3 classe $2.200 mensais

A. N. Casa de R. José A. Corrêa, 30 26/4/32 3 classe $2.200 mensais

143

Page 144: Marize He[1]

Cômodos/Meretrizes

M. R. C. Hospedaria

Glória/Meretriz

Rua da Manga, 162 não consta não consta

R. S. Hospedaria

Sousa/Meretrizes

R. 28 de Julho, 421 19/4/32 não consta não consta

S. A. Casa de Cômodo

Sempre Viva/Meretrizes

R. Paula Duarte, 140 9/5/931 3 classe $2.200 mensais

M. P. L. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. Mário Carpenter,225 3 classe $2.200 mensais

J. A . L. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. da Lapa, 157 e Affonso

Penna, 353

3 classe $4.400 mensais

M. dos S. Pensão R. Cândido Mendes, 592 3 classe $2.200 mensais

F. M. Casa de Cômodos

de Meretrizes

R. 28 de Julho, 34 1 classe $5.200 mensais

M.M. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. M. Sobrinho, 518 2/6/934 3 classe $2.200 mensais

P.S. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. Nova, 11 2 classe $ 3.200 mensais

A. M. J. Casa de Cômodos

Jesus

R. 28 de Julho, 158 não consta não consta

P. O. Casa de Cômodos

Oliveira

R.28 de Julho, 476 26/5/34 3 classe $2.200 mensais

R. C. M. Hospedaria Belinha R. 5 de Outubro, 360 23/10/34 3 classe $2.200 mensais

S. F. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. 28 de Julho s/n 15/12/34 3 classe $2.200 mensais

M. P. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. 28 de Julho s/n 10/1/935 1 classe $5.200 mensais

M. C. S. Hospedaria/

Meretrizes

R. José A. Corrêa, 315 26/1/35 3 classe $2.200 mensais

M.F.S. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. Luzia Bruce, 48 3 classe $2.200 mensais

E. das S. N. Casa de Cômodos

Neves/Meretrizes

R. José A. Corrêa,37 14/2/35 3 classe $2.200 mensais

J.F. Casa de Cômodos

Minas Geraes/Meretrizes

R. Affonso Penna, 500 22/2/35 não consta não consta

144

Page 145: Marize He[1]

D.A . Hospedaria

Internacional

R. José Euzébio, 94 não consta 1 classe $5.200 mensais

M. R. N. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. Santo Antônio, 235 25/5/935 2 classe $3.200 mensais

L. F. Casa de

Cômodos/Meretrizes

Pça do Mercado,74 18/06/935 2 classe $3.200 mensais

C.B. Casa de Cômodos

Celina/ Meretrizes

R. Herculano Parga, 6 19/06/35 3 classe $2.200 mensais

F.C. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. José Bonifácio, 170 19/06/35 3 classe $2.200 mensais

M. J. S. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. Affonso Pena, 399 19/06/35 3 classe $2.200 mensais

M. A . Casa de

Cômodos/Meretrizes

Pça do Mercado, 211 19/6/35 3 classe $2.200 mensais

F. A . Hospedaria

Felícia/Meretrizes

R. do Ribeirão, 140 27/6/35 3 classe $2.200 mensais

V. da S. N. Casa de

Cômodos/Meretrizes

R. Dr. Herculano Parga, 583 não consta 3 classe $2.200 mensais

Minuciosos levantamentos das Casas que funcionavam como Pensão,

Hospedaria ou aluguel de cômodos eram sistematicamente elaborados resultando

em um esquadrinhamento de pessoas e endereços. Semanalmente, quinzenalmente

ou mensalmente eram feitos Mapas de Pensões, Casas de Cômodos, Hotéis e

Hospedarias sujeitos ao pagamento de selos, impostos ao município.

Além da localização, traziam informações sobre a existência ou não do Livro

de Hóspedes e se o selo havia ou não sido pago. Quando não, o agente da Guarda

Civil lançava uma nota no Livro dos Mapas e dava um prazo, geralmente de um

mês, para regularização do estabelecimento.

145

Page 146: Marize He[1]

Quando do fechamento do local era obrigatório um pedido de baixa que

deveria ser feito no livro dos mapas.

Os mapas permitem a visualização de parte dos estabelecimentos onde

moravam e trabalhavam muitas meretrizes. Entre 1933 e 1934, foram registrados 82

estabelecimentos, dos quais 38 administrados por mulheres.

Observe-se:

Mapas de 1933 e 1934 / Nomes das Ruas, números, proprietários.

14 de Julho, 104, Honorina C.

28 de Julho 421, Raymundo S.

28 de Julho, 129, Raymunda M.

28 de Julho, 34, Justina S.

28 de Julho, 445, Raymundo S.

28 de Julho, 46, Regina L.

28 de Julho, 476, José A.

7 de Setembro, 812/852 (?), Álvaro O.

Afonso Pena, 261, Virgínia F.

Afonso Pena, 339, Pedro C. C.

Afonso Pena, 353, José G. M.

Afonso Pena, 488, Luiz E. S.

Afonso Pena, 502, Joanna F. A.

Afonso Pena, 535, José G. T.

Afonso Pena, 800, Estevam M. S.

Av. Pedro II, 179, Alexandre de Tal

Av. Pedro II, 179, Grande Hotel

Av. Pedro II, 179, Viúva Quintans

Av. Pedro II, 237, João S. S.

Av. Pedro II, 264, Manoel B. P.

146

Page 147: Marize He[1]

Calçada, 132, Suzana A.

Cândido M. 442, Joaquim

Cândido Mendes, 277, Izolino S. P.

Cândido Mendes, 281, Maria P. L.

Cândido Mendes, 386, Alexandre F.

Cândido Mendes, 442, Joaquim S. F.

Cândido Mendes, 458, João E. S.

Cândido Mendes, 471, Manoel A. S.

Cândido Mendes, 508, Cardozo S.

Cândido Mendes, 518, Joaquim R. M.

Cândido Mendes, 535, Cardozo S.

Cândido Mendes, 535, Cardozo S.

Cândido Mendes, 547, José A. L.

Cândido Mendes, 559, Estevam M. S.

Cândido Mendes, 578, Raymundo S.

Cândido Mendes, 585, Francisca R..

Cândido Mendes, 64, Maria C.

Cândido Mendes, 370, Godofredo M.

Direita, 128, Paulo S.

Henriques Leal, 128, Herculano C. B.

Henriques Leal, 232, Maria José T.

João Lisboa, 37, Rosa M. da S.

João Lisboa, 432, Adélia P.

Joaquim Távora, 19A, Apolonio E. N.

Joaquim Távora, 217, Izabel B.L.

Joaquim Távora, 218, Francisca O.

Joaquim Távora, 258, Hugo B.

Joaquim Távora, 342, Maranhão Hotel.

147

Page 148: Marize He[1]

Joaquim Távora, 186, Amélia M. do V. S.

José Augusto Correa, 30, Alexandrina N.

José Augusto Correa, 43, Anna R. L.

José Bonifácio, 169, Rosa M. S.

José Bonifácio, 33, Sizina C.

Lapa, 157, José A. L.

Luzia Bruce, 103, Raymunda B. T.

Manga, 162, Maria Ritta da C.

Maranhão Sobrinho, 518, Maria M.

Nina Rodrigues, 128, Manoel M.

Nova, 11, Pedro S.

Nova, 41, Suzana A.

Palma, 114, Antonia F.

Palma, 208, Paula Joanna, G.

Palma, 445, Lolita L.

Palma, 446, Maria A.

Palma, 47, Antonio C.

Palma, 674, Libânio T. S.

Paula Duarte, 252, Maria P. L.

Santana, 43, Ana Rosa L.

Santo Antônio, 223, Maria P. L.

Saúde, 84, Deolindo A.

Sol, 128, Manoel M.

Sol, 23, Júlia Q.

Tarquínio Lopes, 123 Benedicta L.

Tarquínio Lopes, 233 Francisca A. de S.

Tenório Carpenter, 225, Maria P. L.

Travessa 5 de Outubro, 344, Domingos P.

148

Page 149: Marize He[1]

Travessa 5 de Outubro, 360, Elvira C.

Travessa da Passagem, 8, Cícero A. C.

Travessa do Comércio, 164, Vicente G.

Travessa do Teatro, 19, Liduina S.

Tal variedade de casas refletia a diversidade do convívio, da procura e a

origem social dos freqüentadores178 que se dividiam entre operários, soldados,

marinheiros, pedreiros, estivadores etc... e elementos de classes mais abastadas.

As pensões e algumas casas-de-cômodo eram luxuosas, quase sempre

pertencentes às 1ª e 2ª classes, tinham como moradores essencialmente mulheres,

que trabalhavam como meretrizes, e a “madame”179 que gerenciava a atividade e os

ganhos daquelas180.

Em alguns casos, uma mesma pessoa administrava mais de um

estabelecimento, todavia não temos dados para afirmar se o imóvel era de fato

propriedade do gerente do estabelecimento ou se era alugado. Algumas pistas

178 A diferença das “Casas” nos faz refletir sobre as mulheres que lá trabalhavam. Separadas pelo luxo e a simplicidade uniam-se na origem camponesa marcada pela fome e privações econômicas. Em São Luís não se percebe a presença de estrangeiras, como as “polacas” do RJ e SP.? A figura da “madame” apresentada, Laure Adler em A Vida nos Bordéis de França. Op. cit. p. 69, 70, em muito se assemelha à de São Luís. Segundo a autora, “ser <<dona de casa>> é, de resto, uma profissão que merece e granjeia consideração. As <<madames>>são pessoas autoritárias, equilibradas, que falam com palavras escolhidas e detestam a vulgaridade, além de que, como a patroa da casa Tellier de Maupassant, não se consideram geralmente como fazendo parte da comunidade das pensionistas, não são <<uvas da mesma cepa>>. Abrir um bordel não é nenhuma frioleira . 179

180 Sobre as “madames” encontramos referências sobre seu papel já na Europa Medieval. Segundo Nickie Roberts em, A Prostituição Através dos Tempos Na Sociedade Ocidental. Lisboa. Editorial Presença, 1996, p. 83, 84. “Algumas mulheres foram bem sucedidas e suficientemente empreendedoras a ponto de chegarem a dirigir seus próprios bórdeis, estalagens ou tabernas, onde funcionavam como <<madames>> da cultura urbana medieval.

149

Page 150: Marize He[1]

como as queixas e os livros de impostos indicam que muito provavelmente era de

um terceiro. 181

Havia, porém, casas de cômodos e pensões que ao contrário das citadas

assemelhavam-se a um cortiço e tal como nas hospedarias, as relações com o

proprietário davam-se por conta do pagamento do aluguel do quarto, não sendo

configurados laços de dependência como nas pensões de meretrizes cuja gestora

era a “Madame”.

Mesclavam-se naquelas moradias, meretrizes e outros trabalhadores

traçando um tipo diferenciado de organização domiciliar. Em outras formas de

habitar conviviam e partilhavam de ambientes cuja fisionomia em nada se

assemelhava àqueles das famílias nucleares, como se pode ver no elenco abaixo:

Casa-de-cômodo de Honorina C. (1932-1937). R. 14 de Julho, 104 (antiga de Santana).

Apenas domésticas182.

Casa-de-cômodo “Rancho Fundo” de Antônia F.. (1932-1938). R. Dr. Herculano Parga

(antiga da Palma), 114. Domésticas e mundanas

Casa-de-cômodo “Radiante” de Álvaro F. de O. (1932-1938). R. 7 de Setembro (antiga Rua

da Cruz), 812 / 852(?). Domésticas, mundanas, operários e mercadores.

Casa-de-cômodo de Maria M. (1936-1938). R. Cândido Mendes (antiga R. da Estrela), 370.

Mundanas.

Casa-de-cômodo de Sizina F. (1936-1938). R. Jacinto Maia, 289. Domésticas e mundanas.

181 O único Livro encontrado com informações sobre a propriedade de imóveis foi o de Impostos e Registros de Décimas, Imposto Predial e Territorial, 1926-1927, pertencente aos Arquivos da SEPLAN / PRODETUR, São Luís - MA. Nele apenas três endereços aparecem posteriormente na listagem das Casas de Pensão, Cômodos e Hospedarias, Rua Cândido Mendes n°64, proprietário Joaquim M. Rodrigues Netto, valor 1:020$000; Rua 28 de Julho n° 34, Gertrudes Cavalcante Fernandes, 600$000 e n°46, Antônio C. Pinto, 1:920$000. 182 Há vários livros de Pensão de Meretrizes, registrados na polícia e com um grande número de mulheres que indicavam no campo profissão, “doméstica”. Seria uma forma de “esfumaçar” a verdadeira função das casas ou era uma manifestação de que a prostituição não era uma profissão?

150

Page 151: Marize He[1]

Casa-de-cômodo “Barroso” de Carlos de O. (1938-1939). R. Cândido Mendes, 578.

Meretrizes, serviços domésticos, estivadores, carpinteiros, trapicheiros, barbeiros, catraeiros, serviços

braçais, operários, marceneiros, pescadores, marítimos, carregadores, carpinas, pedreiros,

remadores, serviços de transportes terrestres.

Casa-de-cômodo de Minervina P. (1940). R. 28 de Julho 421. Domésticas e mundanas.

Casa-de-cômodo de Raimundo M. (1941). Travessa Marcelino de Almeida (antigo Beco da

Alfândega), 27. Carregadores, domésticas, carvoeiros, ourives e comerciários.

Casa-de-cômodo de Sebastiana M. P. (1941-1942). R. 28 de Julho, 458. Domésticas.

Casa-de-cômodo de Cândida M. F. / Ciríaca dos S. G. (1942-1947). R. Afonso Pena (antiga

Formosa), 341. Domésticas.

Casa-de-cômodo de Ivete R. P. (1941-1944). R. Herculano Parga, 474. Domésticas.

Pensão “Regina”, de Regina F. L. (1932-1937). R. 28 de Julho, 46. Domésticas e mundanas.

Pensão de Lolita L. (1930-1938). R. Dr. Herculano Parga, 445. Domésticas, meretrizes e

mundanas.

Pensão “Chicó”, de Francisca P. (1938). R. Joaquim Távora (antiga R. de Nazaré), 218.

Domésticas.

Pensão “Carvalho”, de Hermínio C. (1938-1939). R. Afonso Pena, 500. Meretrizes.

Pensão “Victória”, de Victória C. L. (1938-1940). R. 28 de Julho, 461. Meretrizes.

Pensão “Mariah”, de Mariah T. C. (1939). R. Herculano Parga, 480. Meretrizes e Domésticas.

Pensão “Lina”, de Lina A. M. (1939-1940). R. Herculano Parga, 486. Domésticas.

Pensão de Maria M. / “Chuva de Prata” de Leocádia S. (1940-1942). R. Afonso Pena, 373.

Domésticas.

Pensão de Lavínia A. (1940-1947). R. 28 de Julho, 380. Meretrizes e Domésticas.

Pensão “Taco de Ouro”, de Antônia Andrade (1940-1944). R. Herculano Parga, 446.

Domésticas.

Pensão “Lopes” de Maria L. (1939-1941). R. José Eusébio (antiga Saúde), s/n°. Domésticas.

Pensão “Sonho Azul” de Raymundo M. (1941-1942). R. Afonso Pena, 335. Domésticas.

151

Page 152: Marize He[1]

Pensão de Marta F. P. (1940-1942). R. Dr. Herculano Parga, 674. Funcionários Públicos,

remadores, gomadeiras, lavadeiras, marítimos, costureiras, calafates, trabalhadores braçais,

engraxates, caldeireiros, sapateiros, alfaiates e domésticas.

Pensão “Uberaba”, de Manoel A. da Silva (1941-1945). R. Cândido Mendes, 471. Mendigos,

meretrizes, trabalhadores braçais, lavadeiras, marítimos, barraqueiros, carpinas, carregadores,

estivadores e pintores.

Pensão “Oliveira” de Martinha O. L. (1941-1947). R. Afonso Pena, 389. Domésticas.

Pensão “Nenê” de Matilde T. (1943-1947). R. Dr. Herculano Parga, 468. Domésticas.

Pensão de Regina N. (1945-1947). R. Dr. Herculano Parga, 375. Domésticas.

Hospedaria “Torquato”, de Torquato de S. (1920-1930). R. Henrique Leal (antiga Direita), 140.

Meretrizes, carregadores, estivadores, pedreiros, marítimos, charuteiros, ambulantes, alfaiates,

operários.

Hospedaria “Souza”, de Raymundo S. (1922-1930). R. 28 de Julho, 421. Pintores,

taverneiros, carregadores, trabalhadores, pedreiros e meretrizes.

Hospedaria “Ferreira”, de Luiz M. F. (1923-1924). R. do Quebra-Costa, 2. Domésticas,

ourives, barbeiros, agricultores, carregadores, maleiros, negociantes e operários.

Hospedaria “Fernandes”, de Francisco F. (1929-1930). R. Cândido Mendes, 386. Meretrizes e

auxiliares de comércio.

Hospedaria “Justina”, de Justina M. dos S. (1929-1930). R. José Augusto Corrêa s/ n°.

Meretrizes.

Hospedaria “Radiante”, de Álvaro F. de O. (1929-1930). R. 7 de Setembro, 852. Meretriz.

Hospedaria “Saleno de Azul” de João L. (1929-1930). R. Afonso Pena, 488. Meretrizes,

carreiros, pescadores e carregadores.

Hospedaria “Couro Grosso” de Raymundo – (1930). R. da Lapa, 157. Meretrizes e

trabalhadores.

Hospedaria “Hang Leo” de Hang L. (1930). R. Afonso Pena, 86. Meretrizes.

Hospedaria “Júlio”, de Júlio F. (1930). R. Cândido Mendes, 442. Meretrizes.

Hospedaria “Oliveira”, de Manoel J. P. (1930). R. Cândido Mendes, 57. Meretrizes.

152

Page 153: Marize He[1]

Hospedaria “Dionísio”, de Dionísio da C. (1930). R. 28 de Julho, 476. Domésticas, operários e

carroceiros.

Hospedaria “XXX”, de Diolindo A. do A. (1930). R. da Saúde, 84. Meretrizes.

Hospedaria “Ferreira Lima”, de Antônia F. L. (1930). R. Nova, 33. Meretrizes.

Hospedaria “Marcos”, de Marcos M. (1930). R. Nova, 53. Meretrizes.

Hospedaria “Portuguesa”, de Antonio R. (1930). R. Afonso Pena, 424. Meretrizes,

ambulantes, modistas.

Hospedaria “Paulino”, de Paulino P. da S. (1930). R. 28 de Julho, 476. Militares, operários e

meretrizes.

Hospedaria “P.P.”, de Pedro S. (1930). R. Nova, 11. Meretrizes.

Hospedaria “Pombal”, de M. J. P. (s/ data). R. Cândido Mendes, 535 Meretrizes. Artistas,

marítimos, operários, pintores, militares, estivadores.

Hospedaria “Rachel”, de Rachel A. da S.. (1930). R. Cândido Mendes, 559. Meretriz

Hospedaria “Pereira”, de Raymundo P. de S.. (1930). R. 28 de Julho, 445. Meretrizes,

carteiros, comerciantes, chauffeurs, estivadores, marceneiros, sapateiros e pedreiros.

Hospedaria “Justina”, de Justina M. dos S.. (1930-1932). R. José Augusto Corrêa, 259 / 28

de Julho, 34. Domésticas e Artistas.

Hospedaria de Amélia P. / Hospedaria de Lydia R. N. / Pensão “Cincinato” de Olival de

Sousa (1930-1931). R. Portugal, 129. Mecânicos, artistas, artistas de circo, comerciantes, lavradores,

marinheiros, barbeiros, cozinheiras, negociantes, auxiliares de comércio e serviços domésticos.

Hospedaria Nemézio / Pedro M. S. (1932-1938). R. Dr. Leôncio Rodrigues (antiga R. Nova),

11. Domésticas e mundanas.

Em meio a ruas, becos, travessas e escadarias de pedras, em ladeiras e vias

tortuosas as pensões, casas e hospedarias configuravam múltiplos espaços sociais,

onde se encontravam meretrizes e outros trabalhadores, moradores e viajantes,

153

Page 154: Marize He[1]

homens ricos e pobres, em dias e noites marcados pelo trabalho e boemia, prazeres

e violências.

Testemunhas silenciosas da história da cidade183 guardam o calor dos corpos

unidos em troca de pagamento, o som de choros, músicas e risos, os beijos e

navalhadas, as decepções, êxtases, dores e alegrias.

Foi no século passado

que a Praia Grande apareceu

entre secos e molhados

a varejo e atacado

floresceu lá no cais

sob a luz das lamparinas

e os caixeiros viajantes

tinham sonhos delirantes

com a nega catarina.

E as meretrizes

nesse monumento imortal

são relíquias do passado

e hoje vivem nos sobrados do tempo colonial.

183 PINHEIRO, Érika. Restaurados ou em ruínas eles são testemunhas da história. Artigo. In; Jornal O Estado do Maranhão, sexta-feira, 8 de Setembro de 2.000, p. 4.

154

Page 155: Marize He[1]

E os pregoeiros,

Que sempre vivem no mundo da lua

vendendo frutas e verduras

vão gritando pela rua

é hoje só, é hoje só

tem caranguejo, farinha d’água e bobó...

(Os Pregoeiros,1981

César Teixeira)

Ilusórias chaminés: demografia da prostituição

Da preocupação em implantar na cidade um modelo de convivência social,

baseado na ordem e no trabalho, criaram-se mecanismos de controle,

especialmente de locais e indivíduos considerados perigosos.

Marcadamente opostas às formas de convívio e ao cotidiano das famílias

nucleares, as casas de pensão, de cômodo e hospedarias, assim como as pessoas

que lá se encontravam, foram alvos da vigilância estatal. Neste sentido, penetrando

os lugares e exercendo seu poder controlador, o sistema de cadastramento e

regulamentação dos estabelecimentos e hóspedes permitiu ao Governo mapear as

áreas e obter informações contínuas sobre as pessoas.

155

Page 156: Marize He[1]

Os donos, gerentes ou “madames” eram obrigados a possuir um livro de

registro184, com termos de abertura e encerramento feitos pela polícia, onde nome,

procedência, naturalidade, profissão, dia de entrada, saída e destino de cada

hóspede deveriam ser atualizados mês a mês. O não cumprimento da lei poderia

significar a suspensão da licença de funcionamento.

Localizado no Arquivo Público do Estado do Maranhão, o livro da hospedaria

“Ferreira”, datado de 1923 foi o mais próximo da lei de 1919 que obrigava o registro

das pessoas. Os últimos pertencem ao ano de 1947.

Convém ressaltar que as datas de entrada do hóspede no estabelecimento

muitas vezes apontavam para anos como 1916, 1920,1922 mostrando que o

funcionamento do local era anterior ao ano de registro.

Nos livros verificou-se que o número de mulheres hospedadas era muitas

vezes superior ao de homens evidenciando o fenômeno de convergência de

mulheres de vários pontos do Estado e de Estados próximos para a cidade de São

Luís. Elas chegavam de locais variados, inclusive de bairros afastados do centro da

ilha e o que estava por trás de tal movimento daquelas mulheres, constatado pelo

locais de procedência era, no caso maranhense um campo falido e uma

conseqüente penúria econômica, e nas demais regiões, principalmente Ceará e

Piauí, muito provavelmente os efeitos da seca. Por outro lado, como já foi dito,

estava a possibilidade de fazer parte dos 70% de mão-de-obra, feminina, das

têxteis.

184 Em A representação do eu na vida cotidiana, Petrópolis; Vozes, 1985, p. 11, Irving Goffman mostra que “a informação a respeito do indivíduo serve para definir a situação tornando os outros capazes de conhecer antecipadamente o que ele esperará deles e o que dele podem esperar.” Assim, os livros de registros seriam em suas palavras os veículos de indícios.

156

Page 157: Marize He[1]

Migrava-se fundamentalmente em resposta às hostis condições de vida no

campo, e na intersecção dos determinantes e resultados daqueles movimentos

construía-se uma teia de trajetórias em que muitos dos fios acabavam por se

encontrar na prostituição. Mesmo que em número inferior ao das mulheres, a vinda

de homens para São Luís também surgia como forma de sobrevivência frente às

penúrias da área rural.

Existia assim uma profunda conexão entre as condições materiais e de vida

daquelas pessoas. Daí a necessidade em se observar as transformações

econômicas.

Nesse sentido, a análise demográfica da presença de meretrizes na capital

do Maranhão tem início com os locais de procedência. A partir dos dados indicados

nos livros de registros de hóspedes observou-se um êxodo rural em direção à

cidade de São Luís e o mapeamento dos pólos camponeses, elaborado por

Feitosa185, permitiu maior visibilidade e alcance geográfico dos pontos de expulsão,

destacando-se:

Pólos de produção de algodão e arroz na grande propriedade rural

Vale do Itapecuru - algodão

Caxias, Codó, Rosário e Santa Rita

Baixada Ocidental- arroz

185 FEITOSA, Raymundo M.. O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. Op. cit. p . 13

157

Page 158: Marize He[1]

Anajatuba, Arari, Itapecuru, Matinha, Palmeirândia, Penalva, Peri-Mirim,

Pinheiro, Presidente Vargas, Rosário, Santa Helena, São Bento, São Vicente Ferrer,

Viana e Vitória do Mearim.

Ilha de São Luís - produção de arroz

Paço do Lumiar, São José de Ribamar e São Luís

Pólos têxteis

Caxias, Codó e São Luís

Pólos de pequenas produções de arroz - Médio Munim

Dom Pedro, Graça Aranha, Gonçalves Dias, Governador Archer, Governador

Eugênio Barros

Alto Mearim e Grajaú

Barra do Corda, Grajaú, Sítio Novo

Região do Mearim

Bacabal, Esperantinópolis, Igarapé Grande, Joelândia, Lago do Junco, Lima

Campos, Lima Verde, Olho D’ Água das Cunhãs, Pedreiras, Pio XII, Rio das Pedras,

Santo Antônio dos Lopes, São Luís Gonzaga do Maranhão, São Mateus e São

Pedro.

Região do Itapecuru e Alto Itapecuru

Buriti Bravo, Caxias, Codó, Colinas, Coroatá, Fortuna, Itapecuru, Panarama,

Passagem Franca e Presidente Vargas

Região do Pindaré

Altamira do Maranhão, Cajapió, Lago da Pedra, Monção, Paulo Ramos,

Pindaré, Santa Inês, Santa Luzia, Silva Jardim e Vitorino Freire.

Pólos de produção e extração de coco babaçu

158

Page 159: Marize He[1]

Alcântara, Anajatuba, Arari, Bacuri, Bequimão, Cajapió, Cedral, Cururupú,

Guimarães, Matinha, Mirinzal, Palmeirândia, Penalva, Peri-Mirim, Pinheiro, Santa-

Helena, São João Batista, São Vicente Ferrer, Viana e Vitória do Mearim.

Destas cidades maranhenses, das quais se destacam Anajatuba, Caxias,

Cururupu, Guimarães, Miritiba, Rosário, Pedreiras e Viana, migraram muitas das

mulheres que encontaram no meretrício ludovicense a forma de sobreviver.

As causas e fins desse movimento, bem como o que dele decorreu,

interligavam-se e completavam-se gerando uma teia de relações que a observação

da tabela contribui para compreender.

Quadro de procedências / 1923 - 1947

Homens

Mulheres

Alcântara 2 9Amarante - 10

Amazonas - 9

Anajatuba - 20

Anapurus - 1

Anil - 8

Arari 2 6

Arayoses 1 6

Areinha (bairro) 1 5

Av. Getúlio Vargas - 6

Axixá - 7

Bacabal - 15

Bacanga - 7

Bahia - 9

Barra do Corda 1 8

Barreirinhas - 25

Batalha - 6

Belém 1 30

Belira (bairro) - 6

159

Page 160: Marize He[1]

Bom Jesus - 6

Brejo - 7

Cajapió 2 11

Cajuá - 1

Camboa (bairro) - 6

Campo Maior - 6

Carolina - 7

Carutapera - 6

Caxias 4 80

Ceará - 50

Codó - 20

Coroatá 2 27

Cururupú 4 35

Engenho Central 1 11

Estiva - 8

Flores - 11

Floriano - 6

Fortaleza 4 13

Gameleira - 1

Goiás - 1

Grajaú - 7

Guimarães - 55

Humberto de Campos - 6

Icatú - 6

Itapecuru 1 7

Itapecurú-Mirim - 6

Jaicó - 1

Jenipaúba - 1

João Paulo (bairro) - 5

Lagoa Bonita - 6

Lisboa 1 -

Livramento - 1

Macapá - 6

Madri - 1

Manaus - 9

Mangas - 1

Marabá - 5

Maranhão - 11

Miritiba 1 20

Miritiua - 7

Monção - 1

Morros - 1

Munim 2 5

160

Page 161: Marize He[1]

Não consta - 21

Natal - 6

Nova Iorque - MA - 3

Olinda - -

Pará 2 40

Paraíba 2 4

Parnaíba - 40

Pastos Bons - 2

Pedreiras - 30

Penalva - 2

Pensão Chicó - 5

Pensão Lolita - 7

Pensão Maroca - 1

Pensão Micaela - 2

Pensão Yayá - 1

Pernambuco - 10

Piauí - 50

Picos - 30

Pinheiro - 11

Porto (Portugal) 2 -

Porto Alegre - 1

Porto Gabarra - 2

Primeira Cruz - 2

Recife - 3

Rio de Janeiro - 4

Rio Grande do Norte 5 -

Rio são João - 2

Rosário - 40

Rua 28 de Julho - 5

Rua Afonso Pena - 1

Rua Cândido Mendes - 1

Rua Cândido Ribeiro - 1

Rua Herculano Parga - 4

Rua de São João - 4

Rua dos Afogados - 1

Rua da Palma - 1

Rua da Lapa - 2

Rua do Egito - 10

Santa Helena - 1

S. Antônio das Almas - 2

S. Antônio de Balsas - 3

São Bento 8 10

São Bernardo - 2

161

Page 162: Marize He[1]

São Francisco (bairro) - 2

São João Batista - 2

São José - 1

S. J. de Ribamar - 9

S. J. dos Matões - 2

São Lourenço - 1

São Luís 30 60

São Luís Gonzaga - -

São Raimundo - 1

S.Vicente Ferrer - 9

Senador Pompeu - 3

Síria 2 -

Sobral 2 -

Teresina 5 60

Tibiri - 1

Tiro - 1

Tubarão - 1

Tucum - 1

Turiaçú - 6

Turú (bairro) - 3

Tutóia - 12

V. do Poço - 1

Vargem Grande - 4

Viana 8 35

Vitória - 2

Ao grande número de meretrizes estabelecidas em São Luís, alguns

elementos estavam associados. Um deles era a suposta “liberdade” que a fazia

“mulher de todos”.

Porém o que mostram os campos referentes ao estado civil dos livros de

registros é que, no conjunto das meretrizes, muitas eram casadas.

Tais dados contribuem para a desarticulação das afirmativas acerca de uma

inclinação natural de determinadas mulheres para a atividade. Isso porque além de

testemunhar que pertenciam a quadros familiares, sublinha as precárias condições

econômicas como determinantes de sua forma de viver.

162

Page 163: Marize He[1]

Não obstante, as solteiras representavam maior parcela e com relação aos

homens, o número de casados quase se igualava ao de solteiros como se pode ver

no quadro abaixo.

Quadro de Estado Civil / 1923 - 1947

Homens Mulheres

Solteiro(a) 142 1605Casado(a) 60 235

Viúvo(a) 5 15

Se a maior parte daquelas pessoas era solteira as profissões apresentavam-

se dentro de uma variedade em que, entre os homens, destacavam-se os

autônomos, principalmente ligados ao comércio e serviços186, e entre as mulheres,

via de regra, as meretrizes, domésticas, artistas, lavadeiras, cozinheiras, costureiras,

gomadeiras e manicures. A presença destas últimas indica a organização da casa

em função da necessária beleza e asseio das moradoras, principalmente das

pensões.

Chama atenção o fato de não haver nenhum registro de operárias nos

estabelecimentos, quando se sabe o peso da população feminina trabalhadora na

indústria. 187

Deve-se destacar a existência de uma clara distinção entre os

estabelecimentos “de meretrizes” e os “familiares”. Verificou-se, porém, que no caso

dos primeiros as nomenclaturas dadas à atividade das mulheres era diferenciada.

Utilizavam como termos: meretriz, mundana ou “doméstica”. A julgar pelo registro do

186 Outras profissões podem ser observadas no livro de registro do Hotel Central, no período de 1919 – 1920 e 1934-1940, nos quais é surpreendente o número de engenheiros e médicos que circulam por São Luís, muitos dos quais eram estrangeiros.187 É provável que muitas operárias fossem moradoras dos estabelecimentos “familiares”, que embora tivessem livros de registros de hóspedes, não sofriam intervenções policiais.

163

Page 164: Marize He[1]

estabelecimento na polícia, como “casa ou pensão de meretrizes”, o termo

doméstica aglutinava inúmeros significados, dentre os quais meretriz.

Como se observa na tabela abaixo, havia inúmeras atividades masculinas e

poucas femininas, sendo que a semelhança comum a elas era o fato de não serem

empregos fixos.

Quadro de profissões / 1923 - 1947

Homens Mulheres

Agricultor 1 -Alfaiate 5 -

Ambulante 2 -

Armazenista 1 -

Artista 2 1

Auxiliar de carpina 2 -

Auxiliar de comércio 3 -

Barbeiro 2 -

Barqueiro 2 -

Caixeiro mercador 1 -

Calafate 1 -

Caldeireiro 2 -

Carpina 6 -

Carpinteiro 2 -

Carregador 10 -

Carreiro 3 -

Carroceiro 2 -

Catraeiro 2 -

Charuteiro 3 -

Chauffeur 1 -

Comandante 2 -

Costureira 3 -

Doméstica - 1158

Embarcação 1 -

Encarregado de comércio

2 -

Engraxate 3 -

Estivador 7 -

Foguista 1 -

Funcionário público 2 -

Gomadeira 4 -

164

Page 165: Marize He[1]

Lavadeira 3 -

Maleiro 1 -

Manicure - 5

Marceneiro 6 -

Marítimo 24 -

Mendigo 10 -

Meretriz - 510

Militar 3 -

Modista - 1

Mundana - 320

Negociante 6 -

Nenhuma 10 -

Operário 27 -

Ourives 1 -

P. mercador 3 -

Pedreiro 10 -

Pescador 3 -

Pintor 5 -

Remador 4 -

Sapateiro 3 -

Serviços braçais 3 -

Serviços domésticos 1 -

Taberneiro 2 -

Trabalhador 5 -

Trabalhador braçal 33 -

Transporte de caminhão 3 -

Trapicheiro 5 -

Como se pode notar era uma população em atividade e tal dado se confirma

quando foi observada a estrutura etária dos hóspedes das pensões, casa – de –

cômodos e hospedarias.

Os registros indicam que a faixa média girava em torno de 20 a 30 anos. A

idade dos homens era ligeiramente superior à das mulheres, 30 a 40 homens / 20 a

30 mulheres e se a presença de idosas era incomum, algumas tinham idades que

variavam de 15 a 17 anos.

Quadro médio de idades / 1923 - 1947

165

Page 166: Marize He[1]

Homens Mulheres

30 anos 23 anos

Controladas, as pensões e hospedarias registravam seus hóspedes nos livros

tal como obrigava a lei de 1932, embora nem sempre cumprissem a exigência mês

a mês.

Em alguns, a ocorrência de registros esparsos mostra que nos meses onde a

listagem de hóspedes era feita, a polícia ali incluía vários carimbos de vistos com

datas dos meses suprimidos. Estaria a regularização, e consequentemente o

funcionamento normal do estabelecimento vinculada a práticas de suborno?

Algumas casas, porém, como a de Lolita L., tinham registros e eram

vistoriados assiduamente pelas autoridades policiais o que leva a questionar se

havia um controle maior em determinadas casas.

Confirmando o número superior de mulheres em relação aos homens, os

estabelecimentos tinham como média mensal de 5 a 15 hóspedes, meretrizes.

Ao contrário dos casos observados no Rio de Janeiro e São Paulo, no mesmo

período no Maranhão eram raros os casos de hóspedes vindos do exterior 188. De

1923 a 1947 registram-se apenas 5 casos de estrangeiros, respectivamente 3

portugueses, 1 sírio e 1 espanhola.

No que se refere ao tempo de permanência das pessoas nas casas calculou-

se o período com base nas datas de entrada e saída. Como os registros deste

campo mostraram-se freqüentemente falhos não foi possível um levantamento de

188 Registros de estrangeiros em São Luís podem ser observados no livro de hóspedes do Hotel Central, ,localizado no Arquivo do Estado do Maranhão e datado de 1919-1934, no qual constam a presença de inúmeras profissões e procedências, das quais se destacam engenheiros e artistas vindos da França e Inglaterra. Tal livro não fora utilizado nesta pesquisa por não constar do controle policial e não trazer mulheres cujas profissões fossem domésticas ou meretrizes.

166

Page 167: Marize He[1]

todos os estabelecimentos, todavia, do que se apurou destaca-se, além do

contingente muito maior de mulheres, um tempo de hospedagem que girava em

torno de 1 a 2 meses. E em função de muitos nomes não terem sido localizados em

outras casas ou pensões, e seu destino posto como “ignorado”, supõe-se terem

voltado ao lugar de origem com a finalidade de levar dinheiro. No entanto quando

estes campos eram preenchidos possibilitavam ver que voltavam para seu local de

origem ou se mudavam para outro estabelecimento de igual função.

Considerações finais

As últimas décadas do século XX promoveram não apenas a ampliação dos

eixos temáticos, mas uma intensa transformação na ótica analítica da história,

ampliando sobremaneira seu conhecimento.

Ao romperem com o conhecido e desmontarem o passado criado,

possibilitaram a emergência de novos campos, resgatando do silêncio e das esferas

invisíveis sujeitos anônimos, que nesta pesquisa se apresentam nas meretrizes.

É verdade que a prostituição sempre existiu e, desde a antigüidade, teve os

mais diversos historiadores e leituras. Não há como negar que “desde sempre”,

desde que o homem é homem, por assim dizer, mulheres e homens têm vendido

seus corpos, todavia, como sentencia Laure Adler189, para a França, e em cujo

aspecto muito se assemelhou o Brasil, no século XIX a prostituição sofreu uma

mudança de estatuto, ou de natureza, em que as opiniões foram unanimemente

189 Adler, Laure. A Vida Nos Bordéis de França, 1830-1930. op. cit. pp. 09 -10.

167

Page 168: Marize He[1]

partilhadas por médicos, moralistas, policiais, advogados e todos que se julgavam

responsáveis pela missão de zelar pela “boa ordem social”.

Embora no mesmo contexto dos inquietantes discursos e práticas profiláticas,

o Maranhão diferenciou-se de locais como Rio de Janeiro e São Paulo. Nestes, a

prostituição via-se muitas vezes ligada a redes internacionais de tráfico de mulheres,

já no caso maranhense a trajetória das meretrizes, na primeira metade do século

XX, esteve diretamente atrelada às alterações econômicas do campo.

A crise da agroindústria algodoeira e açucareira, evidenciada em fins do XIX,

encontrava na implantação das têxteis, a alternativa frente ao desastre econômico

que se anunciava. Instaladas nos principais núcleos urbanos maranhenses

utilizavam, nas estratégias de lucratividade, cerca de 70% de mão-de-obra feminina,

que não tardou chegar na cidade de São Luís em número fatalmente superior àquele

demandado pelas fábricas.

O contingente populacional era dilatado, de modo especial nos bairros da

Praia Grande e Desterro, acelerando modificações nas formas de habitar e conviver.

Os casarões, antes morada de ricos senhores do algodão e comerciantes,

passavam a servir de casas-de-cômodo, hospedarias, hotéis, pensões e cortiços às

pessoas que chegavam, sendo que grande parte dos estabelecimentos voltavam-se

para a prática do meretrício.

A par daquele movimento, intensificavam-se os argumentos em defesa da

modernização, civilização e desenvolvimento, onde a ordem pública era o objetivo a

ser alcançado.

No esquadrinhamento da cidade e na detecção de seus “territórios doentes”,

os locais de concentração de pessoas logo foram apontados como foco de

168

Page 169: Marize He[1]

problemas. Leis, decretos, notas em jornais entre outros, tudo concorria para a

construção da cidade higienizada onde o meretrício, entendido como ponto de

infecções físicas e morais, era um dos principais alvos das políticas normatizadoras.

Nesse sentido, em princípio de 1919 o Governo maranhense impôs a lei

n°862 cujo objetivo era o conhecimento e controle das pessoas que chegavam e se

hospedavam nas pensões, casas-de-cômodos e similares.

Outras medidas se seguiram com o intuito de assegurar a “moralidade

pública”, assim a partir de 18 de Setembro de 1931, por ordem do delegado do 2° e

3° distritos, todas as meretrizes de São Luís, incluindo as donas das casas,

passariam a ser identificadas com uma caderneta cujo número indicava seu registro

na polícia.

Foi com o Decreto de 4 de Abril de 1932 que os contornos e práticas do

controle social ludovicense viram-se acentuados. A preocupação em conhecer os

indivíduos que transitavam pela cidade era revigorada pela ideologia varguista de

valorização do trabalho.

A vigilância aos livros de registros de hóspedes também fora intensificado

pelas autoridades policiais, que periodicamente vistoriavam os “mapas” dos

respectivos estabelecimentos.

Às pensões, casas-de-cômodo e hospedarias onde viviam aquelas mulheres,

eram atribuídas classes, e de acordo com estas, os valores dos impostos eram

cobrados e se não pagos tinham a licença de funcionamento suspensa. Isso leva a

considerar inclusive a rentabilidade econômica do meretrício para o Estado.

Ainda que inúmeras casas fossem exclusivamente de meretrizes, em outras

tantas misturavam-se a elas gomadeiras, lavadeiras, costureiras, marítimos,

169

Page 170: Marize He[1]

funcionários públicos, remadores, engraxates, caldeireiros, sapateiros, alfaiates,

barqueiros, carpinas, estivadores, pintores, mendigos, carregadores, pedreiros,

operários, ambulantes, charuteiros, negociantes, barbeiros, etc. .

As relações eram constantemente marcadas pela violência como bem

mostraram os livros de registros de queixas. Também foi possível perceber formas

de falar, de tratar, de vestir das meretrizes e identificar alguns objetos comuns de

uso. Igualmente possível foi observar a existência de outros locais dedicados ao

meretrício cujos livros não foram localizados no Arquivo Público do Estado do

Maranhão.

Desse modo, ao se problematizar o tema neste trabalho, foi a história das

mulheres das camadas populares que se buscou enfatizar, pois mesmo quando se

tratava da prostituição de luxo, eram, em grande parte dos casos, as das classes

mais baixas que nela atuavam.

Mas o eixo central em que se ancorou a pesquisa foi a percepção, pelo viés

demográfico, de quem eram aquelas mulheres que migraram para a cidade a partir

das primeiras décadas do XX, por que vieram e como foram pensadas pelos

poderes disciplinares urbanos. Nos livros de registro de hóspedes, o fluxo migratório

revelou-se, permitindo conhecer, pelo menos em parte, quem eram, de onde

vinham, quantos anos tinham, se eram casadas, solteiras, viúvas ou separadas,

onde se instalavam, quanto tempo ficavam, para onde seguiam, etc.190

190 É importante destacar a importância da demografia histórica como norteadora das observações decorrentes dos dados contidos nos livros de registros de pensões e hospedarias.

170

Page 171: Marize He[1]

Assim, ainda que pelas vozes do poder, a significativa e minuciosa

documentação sobre a prostituição em São Luís, possibilitou reconstruir sua história

ou pelo menos, parte dela.

No Brasil, a prostituição e seus sujeitos, perpassaram os momentos históricos

desde a colonização portuguesa e continuam sendo elementos presentes na

sociedade como apontam os dados da Fundação Helsinque de Direitos Humanos191

que coloca esse país no topo do ranking sul-americano de “exportadores de

mulheres para exploração sexual”. Também a crescente prostituição infantil,

principalmente em áreas de fome192; o avanço de Dsts, com destaque para AIDS; os

rotineiros casos de violência contra prostitutas e a disputa de espaços nas casas

noturnas entre as, chamadas, “patricinhas” e as garotas de programas.

Espera-se que a abordagem deste trabalho possa contribuir para o debate e

alargamento dos estudos sobre os papéis sociais femininos, suas arquiteturas,

imagens e condições.

191 Jornal Folha de São Paulo, 29/11/2000, p. A9.

192 Ver a notícia Fim de cestas pode acirrar tensão no NE, Jornal Folha de São Paulo, 28/11/2000, p. A - 5 na qual Sérgio Miranda, prefeito de Panelas (PE), declara que em função do corte no fornecimento de cestas básicas “podem ocorrer aumento da migração, da criminalidade e da prostituição infantil”.

171

Page 172: Marize He[1]

Amanheceu...

apenas a brisa de São Luís faz companhia às ruas, ainda desertas... e

enquanto as luzes das pensões e hospedarias se apagam um novo dia vem

surgindo trazendo outros homens, carícias, navalhadas, sonhos, frustrações,

enfim...outras histórias de meretrizes... .

172

Page 173: Marize He[1]

Marize Helena de Campos.

ANEXOS

Ruas:

Indicador Maranhense. L. Borba Santos. Associação Comercial do Maranhão. 1947.

Cidade de São Luiz: Ruas, Avenidas, Praças, Travessas, e bêcos de São Luiz com suas denominações antigas e modernas.

Antigas ModernasR.Grande R.Osvaldo Cruzda Paz Cel.Colares Moreirado Sol Nina Rodriguesde Santana José Augusto Corrêado RanchoFonte das Pedras Regente Bráuliode Santo Antonio Tte. Mario Carpenterda Misericórdiada Tapada Coelho Netodo Marajá Viana Vazdo Precipícioda Independênciado Quebra-Costa João Vitalda Caela Maranhão Sobrinhodas Minas Dr. Cesar Marquesdas Laranjeiras Dr. Domingos Barbosado DesertoDireita Henriques Lealdo Portão Oscar GalvãoCaminho da Boiada Dr. Manoel J. FerreiraFonte do Bispodas Cajaseiras Dr. José Barretode São Tiagoda Palha Casemiro Juniordo Gavião Av.Municipalda Concórdia Vespasiano Ramos

173

Page 174: Marize He[1]

da Viração Carvalho Brancodos Afogados José BonifácioSenador João Pedroda Cascata Jacinto Maiadas Barrocas Isaac Martinsdo Passeio Rodrigues Fernandesdo Egito Tarquínio Lopesdo Outeiroda Alegria Cel. Manoel Ináciodas Hortas Siqueira CamposSanta Rita Almir NinaSão João Antonio Rayolda Manga José Candido de Moraisda Barraquinha Frederico Figueirada Madre Deus Candido Ribeirode Santaninha Salvador Oliveirado Norte F. Marques Rodriguesdos Remédios Rio Brancoda Palma Herculano Pargado Ribeirão Paula Duartede Santana(cont.) 14 de Julhodo Giz 28 de Julhodo ApicumMajor Colares MoreiraVitor Castrodo Poço do Machadodos Barqueiros Luzia Bruceda Inveja Belarmino de Matosde Nazaré Joaquim Távorado Mucambo José do Patrocínioda Saúde José EusébioTravessa da

PassagemVirgílio Domingues

da Calçada Djalma Dutrada Saavedra Jansen Matosdo Alecrim Euclides Fariada Cotovia João HenriqueNova Dr.Leôncio Rodriguesdas Flores Aluizio Azevedodos Craveiros Percira Regodo Coqueiro Otavio Correada Mangueira Artur AzevedoEstrela Candido Mendesdo Pespontão Teixeira Mendesdo Trapiche PortugalSão Pantaleão Senador Costa Rodriguesda Cruz 7 de SetembroSão João 13 de Maiodo Veado Celso MagalhãesFormosa Afonso Penados Prazeres Silva JardimLargo do Carmo Pça. João Lisboa

Benedito LeitePça de SantaninhaPça 13 de MaioPça da Cadeia da Justiça

174

Page 175: Marize He[1]

Largo de Santo Antonio

Antonio Lobo

Pça da Misericórdia Dr. Afonsodo Quartel da Polícia Luiz DominguesPça do Quartel Pça Deodoroda Alegriado Ribeirãodo DesterroPça dos Remédios Pça Gonçalves Diasde São Pantaleão Damasceno FerreiraLargo do Cemitério da SaudadePça de São JoãoTravessa do CoutoTravessa do SilvaTravessa das

LaranjeirasDomingos Barbosa

da Sé D. Franciscodo Vira Mundo Tv do Comércioda Fluvial Tv da Boaventurado Teatro R. Godofredo Vianado Monteiroda Lapado Palácioda Trindadedo Seminário R. Padre Antonio VieiraCazuza Lopes R. 18 de Novembrodo RanchoAv. Beira-Mar Av. 5 de JulhoMaranhense Pedro IIGomes de CastroSilva MaiaJoão PessoaBeco da Alfândega R. Marcelino AlmeidaBeco EscuroMontanha Russa Newton PradoPraia do GenipapeiroPraia GrandePraia do DiquePraia do DesterroPraia da Madre DeusCampo do Ourique Parque Urbano SantosPque. 21 de AbrilCais da SagraçãoRampa de Campos MeloCunha Santosdo Paláciodas PalmeirasCais da Sagração Av 5 de JulhoMagalhães Almeida 10 de NovembroR. Grande Getúlio Vargas

Gomes de CastroMadre Deus MunicipalLargo do Palácio Pedro II

Silva MaiaPça da Misericórdia Pça Dr. Afonsodo Santo Antonio Antonio Lobo

175

Page 176: Marize He[1]

do Jardim Benedito LeiteClodomir Cardoso

Largo da Cadeia Comte. Castilhosdo Comércio

de São Pantaleão C. Damasceno FerreiraLargo do Quartel Deodoro

do DesterroPça Duque de CaxiasFonte das Pedras

Largo dos Remedios Gonçalves Diasdo Carmo João Lisboado Quartel de Polícia Luiz Domingues

Mercado NovoMercado VelhoOdorico Mendes

Campo d'Ourique Pque. Urbano SantosSantiago 1 de Maio

15 de Novembrodos Remédiosda Repúblicado Ribeirãode Santaninhade São João

do Cemitério da SaudadeFormosa Afonso Penade Santa Rita Almir Ninadas Flores Aluizio Azevedode São João Antonio Rayol

do Apicumda Mangueira Artur Azevedoda Independencia Barão de Itaparyda Inveja Belarmino de Matos

de Campos Meloda Palha Casemiro Juniorda Viração Carvalho Brancoda Estrela Candido Mendesdo Veado Celso MagalhãesBeco das Minas Dr. Cesar MarquesR. da Tapada R. Coelho Netoda Paz Cel. Colares Moreirada Alegria Cel. Manoel Inácio

do Deserto18 de Novembro

da Calçada Djalma DutraTv. das Laranjeiras Tv das LaranjeirasBeco da Sé D. FranciscoRua do Alecrim Euclides Fariado Norte Marques Rodrigues

Fonte do Bispodas Barraquinhas Frederico FigueiraTv.do Teatro Godofredo Viana

Graça AranhaR. Direita Henriques Lealda Palma Herculano Pargadas Barrocas Isaac Martinsda Cascata Jacinto Maia

176

Page 177: Marize He[1]

da Saavedra Jansen Matosda Praia de Santo

AntonioJansen Muller

da Cotovia João Henriquedos Educandos João LuizTv do Quebra- Costa João VitalR. de Nazaré Joaquim Távorade Santana José Augusto Corrêadas Cajaseiras Dr. José Barretodos Afogados José Bonifácioda Manga José Candido de Moraisda Saúde José Eusébiodo Mucambo José do PatrocínioNova Dr. Leôncio RodriguesMisericórdia Lucano dos Reisdos Barqueiros Luzia Brucedo Poço do Machado

Major Colares MoreiraCaminho da Boiada Dr. Manoel J. Ferreirada Caela Maranhão SobrinhoBeco da Alfandega Marcelino Almeidade Santo Antonio Tte. Mario CarpenterTv. da Intendência Newton PradoR. do Sol Nina RodriguesTv. do Portão Oscar GalvãoRua Grande Osvaldo Cruz

do OuteiroTv do Seminário Padre Antônio VieiraRua do Ribeirão Paula Duartedos Craveiros Pereira Regodo Trapiche Portugal

Praia do Desterrodo Precipício

de Santana 14 de Julhodo Rancho

Fonte das Pedras Regente BráulioRibeiro do Amaral

dos Remédios Rio Brancodo Passeio Rodrigues Fernandesde Santaninha Salvador Oliveira

Sant'Iagode São Pantaleão Senador Costa RodriguesSenador João PedroR. da Cruz 7 de Setembrodos Prazeres Silva Jardimdas Hortas Siqueira Camposdo Egito Tarquínio Lopesdo Pespontão Teixeira Mendesde São João 13 de Maioda Concórdia Vespasiano Ramosdo Marajá Viana Vaz

Victor de Castrodo Giz 28 de Julho

28 de Setembro23 de Novembro

Travessa da Virgílio Domingues

177

Page 178: Marize He[1]

PassagemTrav da Fluvial Tv do BoaventuraTv FelizJaúdo Paláciodo Portinhoda Prensado Silvada TrindadeZONA PROLETÁRIAAv.Santa Bárbara Bairro da Madre Deusdo Leopoldo rua 1Bairro do Codozinho rua 2Rua Azul rua 3 Anil rua 4Beija rua 5Belira Pau D'ArcoBranca São JoséCreme Av. Rui BarbosaParda Presidente VargasR. Nova R. Verde1 de Janeiro Camboa do Matos1 de Maio Rua da Camboado Paraíso Camboa do Mato

178

Page 179: Marize He[1]

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