Marize Helena de Campos
“Maripozas e Pensões: um estudo da
prostituição em
São Luís do Maranhão na primeira metade do
século XX”
Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Área de concentração: História Social
Orientadora: PROFª.DRª. Eni de Mesquita Samara
São Paulo, Fevereiro de 2001.
E de repente uma voz de mulher, por cima do muro do cais:
_ Ó Cabelo de Fogo, tens aí um cigarro?
Ele ergueu o olhar, deu com uma figura miúda, morena, muito pintada, os cabelos apanhados
para trás, dois brincos pendentes das orelhas descobertas, os seios fartos querendo saltar do decote
da blusa. Logo reconheceu a Loló Maresia, que à noite recolhia os seus homens na calçadas do cais,
só se deitando com barqueiros, marinheiros e pescadores. E quando chegou lá no alto, subindo de
dois em dois os degraus da escada, com o maço de cigarros na mão, viu-a rir alto, atirando para trás
o busto franzino.
_ Cigarro eu já tenho e estou fumando. O que eu queria era que tu subisses. Já me deitei
com teu pai, agora quero me deitar contigo. Anda, vem comigo, Cabelo de Fogo.
Embora já se haja passado mais de sessenta anos desse encontro, Mestre Severino como
que ainda sente o seio rijo de Loló Maresia roçar-lhe o braço, e vai andando com ela, levado pela
calçada estreita, e contorna o velho mercado, e sobe devagar a ladeira escura. Revê a sala apertada,
o sofá de palhinha, uma porta aberta para o quarto contíguo, a cama de ferro que range alto como se
fosse partir. A luz de uma lamparina vem do quarto para a sala, e ele dá por si no espelho oval da
parede, em mangas de camisa, os pés nas alpercatas de couro, as calças de mescla. O suor lhe
desce da testa, seu coração parece que lhe vem à boca. Ao fundo da casa, Loló canta baixinho, como
num acalanto de mãe com o seu menino, e a água do chuveiro cai forte sobre seu corpo. E é ainda
molhada, só com a toalha de felpo passada na cintura, que ela reaparece no vão da porta e chama
por ele.
Quase uma hora depois, quando Severino começou a vestir-se com uma ponta de pressa, ela
lhe disse, ainda nua, espreguiçando-se na cama rangente:
_ Não precisa correr, Cabelo de Fogo. Teu pai sabe que tu veio comigo. E não precisa me
pagar que ele já pagou, e pagou bem. 1
1 MONTELLO, Josué. Cais da Sagração. RJ: Nova Fronteira, 1981, p. 234-235.
2
Summary
By the end of the 19th and at the beginning of the 20th century, the city of São
Luis went through changes due to the industrial growth which was a consequence of
the grave crisis in the countryside.
The city and the recently founded factories attracted, and became the shelter
of a great part of the dispossessed rural population.
We could highlight, during this migratory movement the considerable increase
in the number of women working in the textile industry – approximately 70% of the
workforce was composed by them.
In this sense, this research has the objective of analyzing, on one hand, the
relationship between the places from where rural people were expelled and the
growth of brothels, and, on other hand, how the politics of social prophylactic
measures which has accompanied the urbanization process soon began to
implement laws and decrees and made speeches that aimed at creating a civilized,
organized, clean and controlled society and mainly notice, though the historical
demography, who those women were.
3
Resumo
Na virada do século XIX para o XX, a cidade de São Luís modificou-se em
função do surto industrial, decorrente da crise que se agravara no campo.
O lócus urbano e as fábricas, recém implantadas, tornavam-se o refúgio de
grande parte dos camponeses despossuídos.
No desenrolar do movimento migratório destacava-se o significativo número
de mulheres, certamente atraídas pelo aceno das têxteis onde 70% da mão-de-obra
empregada era feminina. Nesse sentido, a pesquisa tem como objetivo: observar as
relações entre os pontos de expulsão no campo e o crescimento das casas-de-
meretrizes: identificar como a política de profilaxia social, que acompanhava os
processos de urbanização, colocou em prática leis, decretos e veiculou seus
discursos na busca de uma sociedade “civilizada”, organizada, limpa e controlada; e,
principalmente, perceber, através da demografia histórica, quem eram aquelas
mulheres.
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Sumário
Introdução
Parte I – “Engano d’alma ledo e cego que a fortuna não deixa durar
muito”2
Farrapos de algodão: observações acerca da economia maranhense na primeira metade do
século XX
Tecendo a ordem: urbanização, leis e meretrício na capital São Luís
Parte II – Decahidas e Horizontaes: os olhares da História
Histórias de meretrizes: observações sobre a historiografia da prostituição
Cabarés e Navalhas: o cotidiano das meretrizes ludovicenses nos registros de queixas
e ocorrências
Parte III – Francisca P., Honorina C., Lolita L. e outras damas de São Luís
do Maranhão.
Adentrando os espaços de convívio: pensões, hospedarias e casas-de-cômodo.
Ilusórias chaminés: demografia da prostituição
2 MEIRELES, Mário M.. História do Maranhão. São Luís-MA: Fundação Cultural do Maranhão, 1980, p. 351.
5
Considerações finais... Amanheceu
Fontes
Bibliografia
Anexos
Agradecimentos
À professora Eni de Mesquita Samara, que de forma competente e carinhosa
me conduziu neste trabalho.
Aos professores Nicolau Sevcenko e Raquel Glezer pelas valiosas sugestões
à pesquisa.
Aos meus pais Josemir Ferraz de Campos e Yvone Mendes Pinto Campos,
educadores que me possibilitaram trilhar pelas veredas da História.
Ao meu filho Renato de Campos, que na sabedoria de seu mundo de criança
foi a grande força que me fez chegar ao fim.
Ao amigo Manoel de Jesus Barros Martins, reponsável pelo meu encontro
com as “Maripozas”.
A Maria de Jesus Almeida Costa e ao Senhor “Orlando Silva” (Ferdinando
Viegas), cujas vidas pertencem ao universo das “Maripozas e Pensões”.
A Hulda Medeiros Teixeira, sem a qual importantes informações ainda
estariam encerradas nos jornais, amarelados e quebradiços, do início do século.
A amiga Profª. Iracy Malheiros, leitora rigorosa e atenta que em sua “oficina”
lapidou meu bruto português.
6
Aos funcionários e amigos do Centro de Demografia Histórica da América
Latina, CEDHAL, por todo apoio nestes anos de convivência em especial à Vilma
Laurentino Paes e Geni Emília de Souza.
Aos funcionários da Biblioteca Pública “Benedito Leite” e do Arquivo Público
do Estado do Maranhão meu muito obrigado, em especial à Mundinha Araújo pelo
desvelo dispensado a esta pesquisa.
Ao Dr. Filipe Andrés, pela atenção em desfazer minhas incompreensões
sobre esta cidade.
A União Brasileira de Mulheres, UBM, onde as vozes em defesa da mulher
jamais se calarão.
A Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -
CAPES, órgão financiador deste trabalho, sem a qual sua realização ver-se-ia
seriamente comprometida.
Aos alunos da faculdade de História da Universidade Federal do Maranhão,
fiéis na luta em defesa da ciência e da Universidade Pública.
Aos colegas do Departamento de História da Universidade Federal do
Maranhão, por terem aceitado o acúmulo de tarefas a fim de possibilitar minha vinda
para a USP. Minha profunda gratidão a cada um de vocês.
7
Introdução
Anas, Bárbaras, Catarinas, Firminas, Marias, Tetés...
Após décadas, atados a uma narrativa pouco comprometida com a
história de seu povo, os estudos sobre a História do Maranhão vêm nos últimos
anos contemplando aqueles anônimos e recuperando-lhes os papéis históricos.
A História, até então vista de cima, passou a caminhar por novas trilhas,
sinalizadas por outras leituras e olhares.
Especificamente sobre as mulheres surgiram trabalhos, dentre monografias e
dissertações3, confirmando a mudança de ótica. Não obstante a importância das
pesquisas permanecem, ainda, elementos não “vistos”, não estudados,
3 Destacamos: CORREIA, Maria da Glória G.. NOS FIOS DA TRAMA: Cotidiano e Trabalho do Operariado Feminino em São Luís na Virada do Século. Dissertação de Mestrado. Centro de Estudos Gerais. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Curso de História. Universidade Federal Fluminense. Niterói. 1998. / SILVA, Dalmiran Colaço. Pensões e Casas de Cômodos: observações acerca da prostituição em São Luís no período de 1940-1947. Monografia de Conclusão de Curso. Centro de Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade Federal do Maranhão. 1999. / MORAIS, Eva A. de. A dissolução dos laços matrimoniais: conflitos e tensões na família maranhense no século XIX. . Monografia de Conclusão de Curso. Centro de Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade Federal do Maranhão. 2000 / SILVA, Rosiana F. A família possível: relações concubinárias no Maranhão setecentista (1740-1800). Monografia de Conclusão de Curso. Centro de Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade Federal do Maranhão. 2000 / SILVA, Maria Lucilene da. O amor que mata: violência contra a mulher em São Luís do Maranhão. . Monografia de Conclusão de Curso. Centro de Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade Federal do Maranhão. 2000
8
especialmente as “insubmissas”, as negadoras de papéis impostos, as famintas e
silenciadas.
Pouco se sabe, para citar alguns exemplos, sobre Bárbara de Brito,
provavelmente a primeira mulher, no Maranhão, a pedir divórcio. Seu processo,
datado do início do XVIII é, até o momento, o mais antigo já localizado no Arquivo
Público do Estado do Maranhão, onde se encontra grande parte deles.
Sobre negra forra Catarina Rosa de Jesus, “Catarina Mina”, por muitos
chamada “Chica da Silva do Maranhão” e que, hoje, dá nome ao beco onde residia
e negociava em rico casarão, também existem poucas linhas e nenhum estudo
sobre a sua importância no contexto escravocrata ludovicense.
Já sobre Ana Joaquina Pereira Jansen, mulher que viveu no século XIX
e ocupou importante papel no cenário político e econômico do Maranhão, há alguns
estudos4. Sente-se, porém, necessidade de outras análises que feitas à luz da
História possam refletir sobre suas posturas frente à sociedade andrógena, na qual
estava inserida, contribuindo para a desmistificação da imagem de mulher cruel e
mesquinha, em que a mesma fora transformada.
Além disso, reflete-se acerca da inexistência de produções
historiográficas sobre participação das mulheres na Balaiada, sobre as noviches e
nochês dos raros terreiros de mina, sobre as representações femininas no tambor-
de-crioula, sobre Maria Firmina dos Reis, membro do círculo literário ludovicense no
século XIX e sobre as prostitutas que povoaram as casas e pensões da Praia
4 Ver: MORAES, Jomar. (org.) Ana Jansen, Rainha do Maranhão. São Luís-MA: Edições da Academia Maranhense de Letras, 1989. / JANOTTI, Maria de Lourdes M.. Três Mulheres da Elite Maranhense. In: Revista ANPUH, SP: Contexto, vol. 16, n° 31 e 32, 1996.
9
Grande em São Luís na primeira metade do século XX. Na busca de adentrar estes
“porões” este trabalho se justifica.
Sobre o tema
Pensada como uma contribuição aos estudos da História Social do Maranhão
esta pesquisa tem como objetivo recuperar vivências e interpretações de vidas
encobertas no mundo urbano-industrial-boêmio ludovicense, enfocando como
elemento central as meretrizes.
A idéia é mergulhar na São Luís da primeira metade do século passado e
remontar seu cenário, a fim de entender o processo de chegada das mulheres, a
transformação do espaço urbano ( dos casarões solarengos, que abrigavam os
senhores do algodão, para os cabarés) e a utilização de discursos definidores dos
papéis e lugares sociais.
O que estimulou o movimento migratório das mulheres que vieram em tão
significativo número para a cidade, como foi desenhado o espaço destinado ao
meretrício, como o Estado intervinha no seu cotidiano e quais os elementos que
pautavam seus discursos são algumas das questões sobre as quais o trabalho se
debruça.
10
Embora o recorte histórico tenha privilegiado a primeira metade do século XX,
a maior parte do corpo documental data do primeiro período varguista.
Procurou-se, assim, o entendimento das raízes da ideologia, então, em voga.
Isso porque, marcadamente no pós-30, o Estado, corporificado na figura de
Getúlio Vargas, voltou-se para a formação de uma consciência nacional onde a
família, o trabalho e a Pátria eram os pilares. Recuperavam-se valores e conceitos
ligados à religião católica, à nacionalidade, à disciplina e à moral, que aplicados às
representações dos papéis femininos contrapunham a esposa-mãe-católica à
meretriz.
Nos discursos acerca da prostituta o pensamento médico assumia especial
papel e a partir de sua reconstituição, observam-se elementos que compunham a
chamada “profilaxia social”, impulsionada nos fins do XIX.
Através das abordagens voltadas para a chamada “cidade doente”, na qual a
prostituição era apontada como uma das suas faces, discutiam formas de
higienização e normatização do espaço urbano5.
Em São Luís, aquele processo teve início em 1919 quando, resultado das
mudanças econômicas verificadas no campo e na cidade, o Governo impôs um
minucioso cadastro, controlado pela polícia, das pessoas que chegavam e se
hospedavam em pensões, casas-de-cômodos e similares.
Tal movimento refletia os efeitos, fortemente sentidos no final do século XIX,
da falência da agroindústria algodoeira e açucareira, e da implantação das têxteis.
5 ENGEL, Magali G.. Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). SP. Brasiliense. 1989.
11
Por outro lado, a utilização nas indústrias de 70% de mão-de-obra feminina e
o significativo número de pensões, casas-de-cômodos e hospedarias de meretrizes
que ocupavam o bairro da Praia Grande e Desterro indicavam que grande parte
daqueles que vinham para a cidade, atraídos pelo ilusório aceno das fábricas, eram
mulheres.
À medida que a cidade inchava, intensificavam-se as regulamentações que
objetivavam a ordem pública. Preocupava-se, cada vez mais, o Governo em
identificar as pessoas que circulavam pela urbes tanto que, em 4 de Abril de 1932, o
Diário Oficial do Estado do Maranhão fez publicar o Decreto de 30 de março no qual
constava o novo Regulamento para a Chefatura de Polícia do Estado.
Seguiram-se medidas acauteladoras da moralidade pública e uma infinidade
de discursos na imprensa acerca da higienização social e urbana.
Nos projetos políticos, que se apresentavam, os conceitos de modernização,
civilização e desenvolvimento eram norteados pelos padrões europeus e, uma vez
esquadrinhada a cidade, eram imprimidas, aos locais, características específicas
que deles revelavam os problemas a solucionar.
Em meio às tabernas, charutarias, vendas de secos e molhados, botequins
etc., estavam as inúmeras casas, pensões e hospedarias de meretrizes. Tal
concentração, em limites bem definidos, certamente facilitou sua vigilância.
Vigilância de um cotidiano, em parte, revelado nos livros de registros de queixas e
que tornaram possível percorrer o cenário por onde as meretrizes se movimentavam
ouvir suas vozes, conhecer seus codinomes, posturas e as violências praticadas e
sofridas.
12
Assim, ao localizar a área destinada ao meretrício, no espaço físico da
cidade, o que se pretende é compreender como ela foi construída e codificada e
como os órgãos do Governo, principalmente a Polícia, concretizavam suas ações e
estabeleciam suas relações.
Corpo Documental
O enfoque desta pesquisa faz-se a partir da coleta de dados encontrados em
5 conjuntos principais: livros de registros hóspedes de casas-de-cômodo,
hospedarias e pensões; livros de registros de meretrizes; livros de registros de
queixas e ocorrências; coleção de leis e decretos-lei do Brasil e do Maranhão; e
jornais.
Com exceção dos jornais, que se encontram no setor de obras raras da
Biblioteca Pública do Estado do Maranhão, os outros documentos pertencem ao
Arquivo Público do Estado do Maranhão. Estes foram localizados no setor dos
códices, série registros da Delegacia de Polícia do 2° Distrito da Capital, em bom
estado de conservação, bem organizados e acondicionados em local adequado.
Os jornais carecem de urgentes cuidados. Amarelados, quebradiços, com
fungos, mofos e muita poeira, se não tratados, correm sério risco de inutilizarem-se
em curto espaço de tempo.
Inicialmente, foram trabalhados 28 livros de registros hóspedes de casas-de-
cômodo, pensões e hospedarias de meretrizes onde pôde-se observar um intenso
fluxo migratório de mulheres, principalmente vindas do campo, para a cidade de São
13
Luís. Quatro elementos ali se evidenciam: a falência da economia agroexportadora,
as precárias condições de vida que se apresentaram a partir de então, a criação de
um parque têxtil concentrado em São Luís (cuja mão de obra feminina representava
70% dos trabalhadores) e a localização central da zona portuária (que confirmava a
manutenção do caráter comercial daquele espaço).
Nos livros de registros de hóspedes encontram-se os registros mensais, que
eram regularmente vistoriados pela polícia. Constam listas nominativas das
prostitutas (centenas de mulheres e algumas dezenas de homens, muitos seguidos
por apelidos); naturalidade (pela qual foi localizada uma estrangeira, sendo as
demais brasileiras); idade (que tornou possível traçar um quadro das faixas etárias
predominantes entre as meretrizes); estado civil (o que demonstra não ter sido raro
a existência de meretrizes casadas); profissão (aparecem indicações de domésticas,
mundanas ou meretrizes); domicílio (onde consta o endereço do estabelecimento);
procedência (indica a cidade de origem da meretriz facilitando a localização e
incidência dos pontos de expulsão); destino (aparecem tanto cidades quanto
pensões para onde se dirigia a meretriz quando de sua saída da casa) favorecendo
um quadro da mobilidade daquelas mulheres; data de entrada e saída
(proporcionam informações sobre o tempo de permanência das pessoas) e, por
vezes, sinais característicos (embora raros, quando aparecem tecem uma
minuciosa descrição do tipo físico da pessoa).
O livro de registro de pensões e estabelecimentos congêneres traz dados
sobre impostos, não encontrados nos demais. Neles estão indicadas a quantia paga
ao mês pela pensão, a qual classe pertencia (1ª, 2ª ou 3ª) bem como pensões que
tiveram sua licença suspensa por não haverem pago o referido tributo. Ao conhecer
14
os encargos de cada casa, pensão ou hospedaria tem-se um demonstrativo da
lucratividade daqueles estabelecimentos também para o Estado.
As casas dividiam o mesmo espaço urbano. As pensões e casas-de-cômodos
mais luxuosas, pertencentes à 1ª ou 2ª classes, tinham como moradoras mulheres
que trabalhavam como meretrizes e a “Madame”. Raras eram as pensões que
apresentavam homens na lista de “hóspedes”, todavia o livro dedicado à pensão
“Santos” indica que conviviam no mesmo espaço de moradia, meretrizes e outros
trabalhadores.
As hospedarias tinham, por vezes, outros moradores além das meretrizes,
eram mais simples que as pensões, pertenciam geralmente à 2ª e 3ª classes e, não
raro, encontravam-se homens as gerenciando.
As casas-de-cômodo, como indicava o nome, quando da 3ª classe, em muito
se assemelhava a um cortiço6. Nelas mesclavam-se, com freqüência, meretrizes e
outros trabalhadores.
Destacaram-se alguns expressivos elementos filigranescos como: a indicação
“familiar” para a casa-de-cômodo de Raimundo M., uma casa inserida na categoria
de casa de meretrizes e os registros da pensão “Uberaba” que apontam
detalhadamente os sinais particulares de cada um dos seus hóspedes que eram,
dentre outros, mendigos e meretrizes.
Foram levantados, ainda no livro de registro dos mapas semanais e vistos e
no livro de registro de mapas quinzenais, 20 “mapas” de ruas, casas e
“proprietários”, dentre os quais, 15 semanais e 5 quinzenais, ambos contemplando
6 Existem casos de casa-de-cômodo de 1° classe, como a de Honorina Canavieira.
15
os anos de 1933 e 1934. Ao indicarem as ruas, número das casas, e “proprietários”,
permitiram conhecer o espaço físico onde se concentravam as pensões de
meretrizes, o número de mulheres e homens que as gerenciava e a localização dos
estabelecimentos.
Livro de registro da hospedaria “Justina”. O livro traz um elemento não
verificado nos outros. Os codinomes das meretrizes: Chiba, Iracema, Maria Fuzarca,
Didi, Noca e Maria Rosa. Através destes, atravessam-se as fronteiras do formalismo
do nome onde se puderam tatear mais elementos do espaço privado daquelas
mulheres e penetrar mais fundo naquilo que se traduzia em suas particularidades a
partir de seus perfis físicos e, por que não, psicológicos.
Livro de registro da hospedaria “Ferreira”, de Luiz M. F. (1923-1924).
Este é o mais antigo livro localizado. Demonstra ser mais um daqueles a que
se tem chamado de “domicílios alternativos”. Fruto da Lei de 24 de Março de 1919
traz informações sobre seus vários moradores.
Livro de registro de meretrizes existentes no 2°distrito. Constam de 2 livros
semelhantes a uma espécie de fichário já que constam por volta de 250 nomes de
meretrizes, seus dados pessoais, residência e um número de registro.
Livro de registro de várias hospedarias, (intitulado “livro de registro de
ocorrências da 2°Delegacia Auxiliar de Polícia”. Os registros encontram-se em um
único livro onde cada página foi dedicada a uma hospedaria. Apenas 2 pensões
aparecem nele registradas: pensão “Lolita” e pensão “Carneiro”. O livro inicialmente
dedicado a ocorrências, acrescenta informações sobre a organização daqueles
espaços de convivência e das 22 hospedarias registradas 1 traz a denominação
“domésticas”, para o campo profissão; 2 não possuem quaisquer registros; 8
16
apontam moradia de meretrizes e outros trabalhadores, e 11 exclusivamente de
meretrizes. Indica também hospedarias que não constam naquele conjunto de 28
livros ampliando o raio de conhecimento sobre os espaços do meretrício
ludovicense.
Ruas. A preocupação em levantar fontes que falem sobre as ruas, reside no
fato de não haver equívocos quanto à localização dos estabelecimentos já que em
São Luís do Maranhão é muito comum que a mesma rua se apresente com dois
nomes diferentes. 7 (ver planilha em anexo)
Registro de Queixas. Os livros de queixas apresentam, de forma mais detida,
aspectos do cotidiano das meretrizes. Traçam um panorama da ação policial sobre
as prostitutas, a partir de um elenco de motivos pelos quais as mesmas eram
presas ou intimadas permitindo que se conheçam os meandros das relações
polícia/meretrizes, meretrizes/meretrizes e madames, meretrizes/clientes, amantes,
gerentes de casas, “chefes de família”, meretrizes/ “senhoras”.
Dos jornais foram retirados importantes subsídios para a compreensão do
tema, haja vista trazerem informações não encontradas nas outras fontes.
Recuperando elementos da história do meretrício em São Luís, a imprensa serviu de
canal de expressão dos partidários da profilaxia social e urbana. É onde fluem os
discursos e são percebidos os mecanismos de construção de papéis e lugares
sociais.
7 Cidade de São Luís: ruas, avenidas praças, travessas e becos de São Luís com suas denominações antigas e modernas. In; Indicador Maranhense. L. Borba Santos. Associação Comercial do Maranhão, 1947.
17
Foram utilizados os Jornais “O Globo”, “ Tribuna do Povo”, “A Hora”, “O
Imparcial” e “Diário do Norte”. Todos da imprensa ludovicense no período estudado.8
A fim de se poder traçar um panorama das ações concretas do Estado foram
selecionados, do Conjunto de Leis e Decretos do Maranhão, aqueles que diziam
respeito a práticas de normatização e higienização da cidade e da sociedade.
Desse modo, ainda que por entre mitos e estereótipos, distorções e
preconceitos da documentação oficial do Estado, reconstituíram-se vidas e
recuperaram-se histórias e vozes de pessoas presentes e não vistas. E, ao fornecer
dados sobre mulheres da região nordeste, contribuiu para que parte de suas
trajetórias fossem resgatadas: trajetórias ainda tão pouco conhecidas.
Metodologia
Este estudo pode ser caracterizado como uma interface da história das
mulheres com a demografia. Com vista a alargar o campo de observações, trata de
mulheres prostitutas em perspectiva demográfica, colocando juntas as realidades
que se apresentam paralelas e ritmadas em suas vivências, quais sejam, econômica
e social.
Embora não se trate de registros de nascimentos, casamentos ou óbitos,
inventários ou testamentos, seguiram-se as orientações metodólogicas dos
trabalhos de Demografia Histórica, em razão de como as fontes apresentam os
dados ( as meretrizes aparecem praticamente recenseadas).
8 É importante ressaltar que todas as transcrições documentais seguiram fielmente o original. Nenhuma alteração fora realizada para que as formas e essências dos discursos fossem conhecidas em sua totalidade.
18
Mês a mês o “proprietário” do estabelecimento apresentava, no rigor dos
detalhes, a lista de hóspedes. Ao serem levantadas estatísticas de quantos anos
tinham, de que cidades vinham, se eram solteiras, casadas, viúvas, etc., como
registravam sua “profissão”9 (domésticas, meretrizes ou mundanas) e quanto tempo
passaram na casa, pôde-se resgatar, quem eram aquelas mulheres.
As listas nominativas precisam amostragens de fluxos migratórios para a
cidade de São Luís, confirmando uma grande mobilidade populacional, intra e extra-
regional ocorrida durante as 4 primeiras décadas do XX e possibilitando o
relacionamento daqueles movimentos com as transformações históricas que se
verificavam.
Após a construção de tabelas de contagens do número de mulheres e
homens em cada casa, as naturalidades, idades, estado civil, profissões,
procedências, datas de entrada e saída, fez-se um cruzamento com os pontos de
expulsão a fim de estabelecer uma correspondência.
Desse modo, o método com que se tem trabalhado consiste em extrair dos
livros informações quantitativas bem como qualitativas.
Tornar-se-ia muito difícil esboçar e dimensionar o quadro do êxodo rural, das
mulheres maranhenses, em direção a São Luís no início do século passado não
fossem as informações dos livros. Todavia, o confronto dos dados com as mudanças
estruturais na economia só foi possível feito sob o viés demográfico, pois a
importância daqueles fluxos reside diretamente no impacto sobre a vida urbana.
9 Nos documentos a atividade feminina é sempre descrita mas, como em muitos casos a profissão indicada é doméstica, e o domicílio é de meretrizes, supõe-se um mecanismo dissimulador já que o meretrício era alvo da polícia.
19
A industrialização consolidou-se sobre a base urbana já existente, mas
terminou por acelerar seu crescimento10 e é muito em função da chegada das
pessoas, do aumento populacional e das novas formas de organização de moradias
que a intervenção estatal viu-se fortalecida e com ela todo um controle de condutas
e posturas.
Os Capítulos
Os três capítulos, que compõem o estudo, abordam a prostituição em São
Luís entre os anos de 1924 a 1947 e são dedicados a conhecer este aspecto ainda
pouco conhecido da história social ludovicense que envolve: a demarcação do
espaço urbano, as relações com o Estado e o cotidiano das meretrizes.
Mesclando pescadores, estivadores, trapicheiros, operários, pedreiros,
marítimos, intelectuais entre outros, a prática do meretrício espalhou-se pelas ruas
da área central da cidade indicando modos de vida, diferentes daqueles
apresentados pelos “modelares” discursos higienistas e normatizadores.
Analisando os livros de registros, vê-se que as pessoas envolvidas com o
meretrício eram controladas pelo Estado a partir dos locais de moradia. Ao indicar
nome, idade, profissão, estado civil, procedência, destino, data de entrada e saída
bem como sinais característicos, de cada um dos moradores, deixavam entrever o
empenho da fiscalização social.
10 Martine, George. As migrações de origem rural no Brasil: uma perspectiva Histórica. In: Congresso sobre a História da População da América Latina / [organização Sérgio ODILON Nadalin, Maria Luiza Marcílio, Altiva Pillati Balhana]. SP: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, 1990. Publicação editada conjuntamente pela ABEP, IUSSP e CELADE, reunindo trabalhos apresentados no Congresso sobre a História da População da América Latina, Ouro-Preto, MG de 02 a 06 de Julho de 1989.
20
Assim, a perspectiva adotada para este trabalho, pretende estabelecer
uma análise onde estejam imbricados, economia, estruturação do espaço físico do
meretrício, o papel do Estado e o dia-a-dia daquelas mulheres.
O primeiro capítulo, “Engano d´alma ledo e cego que a fortuna não deixa
durar muito”, dedica-se a trabalhar a economia e sociedade maranhense, rastreando
as transformações por que passou a cidade de São Luís na primeira metade do
século. Explorando os aspectos econômicos, políticos e urbanos, destacam-se o
processo de formação do espaço dedicado ao meretrício, as leis e os discursos que
para ele se voltaram.
O primeiro subcapítulo:
Farrapos de Algodão: observações acerca da economia maranhense na
primeira metade do século XX apresenta as condições que se impuseram no campo
após a falência da economia algodoeira e açucareira e como estas transformações
interferiram na vida urbana. Isso porque, no imediato declínio daquela, foram
implantadas fábricas concentradas na cidade de São Luís, onde nas têxteis, a
utilização da mão-de-obra, chegava a ser 70% feminina o que certamente serviu de
chamariz para muitas mulheres que no campo passavam por severas dificuldades
econômicas. O afluxo de mulheres, maior do que a oferta de empregos, gerou uma
massa excluída que pode explicar o alto número de casas de meretrizes.
Tecendo a ordem: urbanização, leis e meretrício na capital São Luís, o
segundo subcapítulo, busca analisar a ação do Estado quanto à normatização do
espaço reservado ao meretrício verificando como conviviam no cotidiano, ordem e
desordem e perceber como se engendravam as relações sociais e políticas entre
Estado e meretrizes.
21
Aponta que com o movimento migratório que toma vulto no início do século, a
cidade vê seu contingente populacional crescer e as formas de convívio se
alterarem, principalmente com relação às formas de morar, levando a política de
profilaxia social que acompanhava os processos de urbanização a colocar em
prática leis, decretos e a veicular seus discursos.
Naquele contexto, entendido como focos de doença, moral e física, o
meretrício tornava-se um dos principais alvos dos que bradavam a favor de uma
sociedade “civilizada”, “organizada”, “limpa” e “controlada”.
Em síntese, mostra a formação da identidade social pautada em categorizar
pessoas e os ambientes sociais a que pertencem. 11
O segundo capítulo Decahidas e Horizontaes: os olhares da História também
é apresentado em dois subcapítulos:
Histórias de Meretrizes dedica-se a recuperar os percursos das produções
historiográficas mais importantes da história da prostituição, tanto internacional como
nacional e verificar como a pesquisa “Maripozas” nela está inserida. Pretende, ainda,
observar os elos e rupturas entre as perspectivas da historiografia brasileira e deste
trabalho.
Cabarés e Navalhas: o cotidiano das meretrizes ludovicenses nos registros de
queixas e ocorrências faz fluir as histórias das meretrizes a partir dos registros de
queixas e ocorrências. Neste subcapítulo, o cotidiano emerge desnudando vivências
e revelando inúmeros elementos participantes da vida das meretrizes como a
violência, o cenário em que viviam, as pessoas com as quais se relacionavam, o que
11 GOFFMAN, Ervirg. Estigma. RJ: Ed. Guanabara, 1988.
22
possuíam, falas, formas de vestir, etc. As queixas e ocorrências permitem capturar
fragmentos que revelam o pulsar da vida nas casas.
No terceiro e último capítulo, Francisca P., Honorina C., Lolita L. e outras
damas de São Luís do Maranhão o enfoque privilegia os livros de registros,
traçando um perfil demográfico das mulheres e descrevendo as casas onde
moravam.
O primeiro subcapítulo, Pensões, Hospedarias e Casas de Cômodos...
Adentrando os espaços de convívio trata das configurações das casas e
hospedarias, destacando suas localizações, diferenças, níveis, moradores etc.
O subcapítulo Ilusórias chaminés, analisa os livros de registros de casas de
pensão, cômodos e hospedarias de meretrizes, dissecando as informações que
trazem e compondo os quadros demográficos.
23
...Quanto do algodão
teceu tua glória,
fios que hoje são
cortina ilusória
que o vento esfiapa
e te põe despido,
fora do teu mapa
e posto no olvido.
E quanto igualmente
de açúcar fez doce
a amarga semente
que a vida trouxe.
Quanto verde havia
nos canaviais,
esperança guia
de ventos gerais
e doçura amiga
que vinha adoçar
a tua fadiga
de chão e de mar.
Quanto tu colheste
da terra e do sonho,
para hoje ter este
destino tristonho.
Chão da Praia Grande
deixa que, em poeira,
teu tempo desande
até onde queira
e que teu passado
não fique senão
como um pó dourado
sobre a solidão.12
12 CHAGAS, José. Chão da Praia Grande. In: Apanhados do chão. São Luís: EDUFMA, 1994, p. 48-49.
24
(José Chagas)
Parte I. “Engano d’alma ledo e cego que a fortuna não deixa durar
muito”13
1.1. Farrapos de algodão: observações acerca da economia maranhense na
primeira metade do século XX
Ao iniciar o século XX, São Luís era uma cidade onde o fausto e a riqueza
econômica ecoavam de um passado não distante.
O algodão (e em menor escala o arroz)14, que durante décadas no século XIX,
representara fontes de lucros, tornara-se o grande responsável pelo desequilíbrio
econômico maranhense15. Sua qualidade, resultado da precária tecnologia
13 MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. São Luís-Maranhão. Op. cit. 1980, p. 351.14 O surgimento da grande lavoura algodoeira maranhense foi assim descrita por Celso Furtado. Formação econômica do Brasil. SP: Cia Ed. Nacional, 1980, 17. ed. p.91. “Tão importante quanto a ajuda financeira, entretanto, foi a modificação no mercado mundial de produtos tropicais provocada pela guerra de independência dos EUA e logo em seguida pela revolução industrial inglesa. Os dirigentes da companhia perceberam desde o início que o algodão era o produto tropical cuja procura estava crescendo com mais intensidade, e que o arroz produzido nas colônias inglesas e principalmente consumido no sul da Europa não sofria restrição de nenhum pacto colonial. Os recursos da companhia foram assim concentrados na produção desses dois artigos. Quando os principais frutos começaram a surgir, ocorreu, demais, que o grande centro produtor de arroz foi excluído temporariamente do mercado mundial em razão da guerra de independência das colônias inglesas da América do Norte. A produção maranhense encontrou, assim, condições altamente propícias para desenvolver-se e capitalizar-se adequadamente. A pequena colônia, em cujo porto entravam um ou dois navios por ano e cujos habitantes dependiam do trabalho de algum índio escravo para sobreviver, conheceu excepcional prosperidade no fim da época colonial, recebendo em seu porto de cem a cento e cinqüenta navios por ano e chegando a exportar um milhão de libras. Excluído o núcleo maranhense, todo o resto da economia colonial atravessou uma etapa de séria prostração nos últimos decênio do século”. 15 A abolição da escravatura tem sido apontada pelos principais estudiosos do tema como, José de Ribamar Chaves Caldeira. Origens da indústria no sistema agro-exportador maranhense (1875-1895). Tese de Doutoramento, FFLCH / USP, 1988 e Mudanças sociais no Maranhão. Revista Ciência e Cultura, 32 (6), 1980; Maria Cristina Pereira de Melo. O Bater dos Panos; um estudo das relações de trabalho na indústria têxtil do Maranhão (1940-1960). São Luís, SIOGE, 1990; Mário Martins Meireles. História do Maranhão. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1980 e Raimundo Moacir Mendes Feitosa. O processo sócio econômico do Maranhão: história e desenvolvimento. Dissertação de
25
empregada, revelava-se aquém dos outros produtores, incentivando a queda dos
preços no mercado internacional.
Certo é que, antes mesmo da metade do XIX, o sistema vinha apresentando
sinais de esgotamento16 e nesse sentido duas alternativas foram implementadas a
fim de evitar que a débaclê fosse mais grave: a primeira, a partir de 1850, através da
dinamização do cultivo da cana e da implantação de engenhos e a segunda, vinte e
cinco anos mais tarde, com as fábricas têxteis. Nos dois casos, porém, os reveses
não tardaram a aparecer.
Apesar de ter possuído 500 engenhos, onde mais da metade era movida a
vapor, a força hidráulica e a tração animal, e de ter se aproximado dos patamares da
economia algodoeira17, o açúcar não respondeu aos anseios de seus investidores.
Além de demandar o uso do trabalho escravo, num momento em que as
campanhas abolicionistas caminhavam a largos passos, encontrava seus preços
numa das mais baixas cotações da história.
Mestrado. Belém: Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Curso Internacional de Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento, 1994, como o elemento decisivo na desarticulação da grande lavoura local. Meireles, História do Maranhão op. cit. p.350 descreve como desastrosos os resultados do 13 de Maio. “... Foram-se por terra, praticamente de um só golpe, todas as nossas lavouras de algodão, arroz e cana-de-açúcar, com elas nossas indústrias açucareiras e nosso comércio exportador, tudo levado no arrastão do impacto da libertação em massa do trabalhador servil, agravado isso com o não se indenizarem os proprietários que, na aquisição do braço escravo, haviam investido grandes capitais. A Associação Comercial do Maranhão conclamou seus sócios para o estudo do problema que se criara, mas sem nenhuma solução, mesmo de emergência foi encontrada. Então, o pouco que se pode salvar do desastre, vendendo-se as propriedades agrícolas por 10% de seu valor, foi aplicado na loucura industrial que se apoderou de nossos homens de negócio, na ânsia de se agarrarem à primeira tábua de salvação que se lhes apresentou”. 16 Sobre a crise da economia agroexportadora na grande propriedade rural maranhense ver a observação de Raimundo Moacir M. Feitosa, O processo sócio econômico do Maranhão: história e desenvolvimento. Op. cit. p. 193. “Cessados os conflitos da Independência norte-americana, os conflitos provocados pelas guerras napoleônicas e restabelecido o fornecimento de algodão pelos Estados Unidos à Inglaterra, bem como a entrada da produção indiana de boa qualidade no mercado internacional os preços caem, de modo que já por volta de 1822 a atividade produtiva de algodão no Maranhão dá sinais de esgotamento...”.17 CALDEIRA, José de Ribamar C.. Mudanças sociais no Maranhão. Op. cit. p.707.
26
Jerônimo de Viveiros aponta que em 1882 a produção açucareira
maranhense foi cerca de 16.100.000 quilos de açúcar, baixando em mais de 50% no
ano da abolição. Para o autor, o caso do Engenho Central implantado na localidade
de São Pedro, hoje município de Pindaré, às margens do rio Pindaré-Mirim, ilustra
com clareza os efeitos do 13 de Maio na desmobilização daquela economia
aristocrática, rural e escravista.
“Se levarmos o nosso estudo comparativo às safras do Engenho Central São
Pedro, que era a maior usina açucareira do Estado, verificaremos que lá onde se
fabricou em 1887 _ 2.200.000 quilos, em 1888 _ 1.120.000, em 1889 _ 1.098.000,
em 1890 _ 1.700.000, em 1891 _ 1.125.000, em 1892 _ 1.120, em 1893 _ 855.000,
se descia a produção, em 1894 para 634.000, em 1902 _ 501.000, em 1903 _
517.000, em 1904 _ 371.000, em 1905 _ 106.000, em 1906 _ 135.000 quilos, e
convenhamos que, com efeito, a indústria açucareira caminhava para a sua extinção
completa no Maranhão. E assim aconteceu. Em 1917, já importávamos 60% do que
consumíamos e desde 30 que essa importância passou a ser quase total”.18
Por outro lado, frente ao esfacelamento da economia algodoeira e açucareira,
a implantação de indústrias surgia como um meio de assegurar a parca riqueza que
restava.
Mas ao contrário do que se verificou no sudeste, onde o excedente do capital
agroexportador deslocou-se para o capital industrial19, o estabelecimento do parque 18 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão, 1896+1934. São Luís: Lithograf, 1992, p.2-3.
19 Das diferenças entre as iniciativas de industrialização em São Paulo e Maranhão, observar o que diz Raimundo Moacir M. Feitosa. O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. op. cit. p.216. “A atividade cafeeira, que a partir da primeira década do século XIX (1810) se instala passa a substituir as culturas dos produtos tradicionais de exportação (cana de açúcar, em particular), gera excedente suficiente capaz de financiar todas as importações de bens de capital e de outros meios de produção,
27
fabril maranhense só foi possível devido à articulação entre frações da aristocracia
rural e burguesia comercial e da reunião de seus capitais. 20
A implantação das fábricas deu-se em importantes núcleos urbanos, como
Caxias e Codó, todavia, motivado pela presença do porto marítimo, o nascente
parque manufatureiro concentrou-se em São Luís.
Segundo Viveiros, “desiludidos com a lavoura, quiseram substituí-la como
elemento básico da nossa economia, pela indústria têxtil. Sonhou-se transformar
São Luís numa Manchester.”21
Em 1895, o conjunto das indústrias maranhenses era “composto por 17
fábricas pertencentes a sociedades anônimas e 10 que eram de particulares, sendo
10 de fiação e tecidos de algodão, 1 de fiar algodão, 1 de tecido de cânhamo, 1 de
tecido de lã, 1 de meias, 1 de fósforos, 1 de chumbo e pregos, 1 de calçados, 1 de
produtos cerâmicos, 4 de pilar arroz, 2 de pilar arroz e fazer sabão, 1 de sabão e 2
de açúcar e aguardente.”22
Todavia a indústria têxtil ganhava destaque23, principalmente após os êxitos
obtidos pela primeira fábrica de tecidos de algodão do Maranhão, a “Companhia
Industrial Caxiense”. Muitos capitalistas viam-se estimulados a investir no mesmo
ramo de atividade e em 1888 organizava-se a “Fábrica da Câmboa”.
além evidentemente, da força de trabalho livre, ou seja, facilita a mobilização e concentração dos capitais necessários à instalação da grande indústria de bens de consumo assalariado.” 20 CALDEIRA, José de Ribamar C.. Mudanças sociais no Maranhão. op. cit. p. 708.21 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão, 1896+1934. op. cit. p. 7 22 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão, 1612+1895. São Luís, Edição da Associação Comercial do Maranhão, 2° Vol.p.558-559. 23 É preciso não perder de vista que o fato das lavouras algodoeiras terem declinado vertiginosamente suas cotas de produção não significa que a mesma tenha cessado. Segundo Maria Cristina Pereira de Melo em O Bater dos panos. Op. cit. p.104. “... mesmo dentro dessa nova organização, o algodão continuou a ser cultivado e as casas de exportação permaneceram na intermediação comercial do produto, agora canalizada, em grande parte, para o consumo interno fabril”.
28
Com a febre de negócios manifestada através do Encilhamento, foram
organizadas outras companhias no Maranhão24. Fundaram-se fábricas de tecidos
como a “Companhia Fabril Maranhense”; a “Companhia de Fiação e Tecidos do Rio
Anil”, que montou a fábrica de morins à margem direita do rio de mesmo nome; a
“Progresso de São Luiz”; a fábrica de Codó “Companhia Manufatureira Agrícola do
Maranhão”, cuja primeira sede foi no Rio de Janeiro e a “Companhia de Fiação e
Tecelagem São Luiz”. 25
Mas o fracasso daquela política econômica logo foi denunciado pela
diminuição dos negócios e retraimento dos compradores, justamente quando
começava haver uma superprodução local de tecidos de algodão.
A conseqüente necessidade da venda dos estoques levou os produtores a
recorrerem a outros Estados, onde as transações eram efetuadas à força de
abatimento nos preços.
Àqueles primeiros anos de prosperidade fabril, seguiu-se um longo período de
depressão e ruína de várias empresas.
A fábrica “Progresso” fora vendida e seu maquinário remetido para
Pernambuco; a “São Luiz” e a “Companhia Lanifícios”, já não tinham os mesmos
24 These VII, apresentada pelo Sr. Candido José Ribeiro ao Congresso de Lavradores e Criadores, reunido em 1920, por iniciativa da Sociedade Maranhense de Agricultura. In; Revista da Associação Comercial do Maranhão, anno 1, Julho de 1925, número 1.25 Sobre a expansão das fronteiras da cidade e a formação de bairros operários, em decorrência da implantação das fábricas, observar as colocações de Raimundo Moacir M. Feitosa em Tendências da economia mundial e ajustes nacionais e regionais. São Luís: Mestrado em Políticas Públicas da UFMA, 1998, p. 44. “Há exemplos de fábricas, como foi o caso da Rio-Anil que, no início do século XX, chegou a empregar mais de mil operários. Em torno dessas fábricas surgiram diversos bairros operários: o Anil em torno da Companhia de Fiação e Tecidos do Rio Anil; o Camboa, em torno da Companhia de Fiação e Tecidos Maranhenses ; o Fabril, em torno da Companhia Fabril Maranhense; o Madre Deus, em torno da Companhia de Fiação e Tecidos de Cânhamo, entre outros como o Cândido Ribeiro e São Pantaleão, que se localizaram nas imediações da Fábrica Santa Amélia, da Companhia Progresso de São Luís, da Companhia de Fiação e Tecelagem São Luís e da Companhia de Lanifícios Maranhenses”
29
donos, sendo que a última teve modificado inclusive o nome passando a chamar-se
“Santa Amélia”; pouco faltou para a “Companhia de Fiação e Tecidos de Cânhamo”,
também fundada à época do Encilhamento, fechar as portas.
Com a Primeira Guerra Mundial, as indústrias de tecidos de algodão
maranhense sinalizaram melhores condições. Em 1918, todas estavam em atividade
e contavam com investimentos superiores a 15.000 contos de réis. 26
Até mesmo o algodão, matéria-prima provara novamente um período de
valorização nos preços. Como atesta Viveiros, “... galgou de 922$000 em 1913 a
1.050$000 em 1915, a 2.214$000 em 1916, a 2.540$000 em 1917, a 3.739$000 em
1918. Era uma alta galopante que chegou a 5.200$000”27.
Conquanto por uma trajetória de oscilações, a indústria maranhense nos
primeiros vinte e cinco anos do século XX experimentou uma relativa expansão em
sua capacidade produtiva. Os teares aumentaram em 31,7% e a força de trabalho
utilizada nas unidades fabris passou de 2.634 operários, no início do século, para
3.397 em 1921. 28
A força de trabalho empregada, era com freqüência proveniente da camada
urbana empobrecida ou de pessoas deslocadas do campo e, “conforme as
estatísticas disponíveis, em cerca de 70% eram representados pelas mulheres e
crianças, o que impõe uma grande convicção de que a imensa maioria dos homens
26 These VII, apresentada pelo Sr. Cândido José Ribeiro ao Congresso de Lavradores e Criadores, reunido em 1920, por iniciativa da Sociedade Maranhense de Agricultura. op. cit.27 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão, 1896+1934. São Luís: Lithograf, 1992, p.217.28 MELO, Maria Cristina Pereira de. O Bater dos Panos; um estudo das relações de trabalho na indústria têxtil do Maranhão (1940-1960). São Luís, SIOGE, 1990, p. 42.
30
preferiam dedicar-se a outras atividades, tais como o dos cultivos agrícolas na
unidade de produção familiar camponesa em processo de consolidação”.29
Havia, então, um movimento migratório do campo, para São Luís, em que se
destacava a presença feminina.
Observando mais detidamente a realidade que se construiu e se impôs no
campo, percebe-se que, com a quebradeira verificada nas lavouras produtoras de
algodão e o processo de libertação do trabalho escravo, entrou em cena uma grande
quantidade de pessoas pobres, que vivendo autonomamente, acabou por dinamizar
as unidades familiares de produção agrícola.
Segundo Feitosa,
“... a história econômica dos homens e mulheres do Maranhão desenha e
projeta um outro vir a ser para as suas sobrevivências. Numa espécie de hiato que
se processa entre o final do século XIX ao final da década de 60 passa-se de uma
agricultura mercantil de grandes proporções para um sistema de pequenas
produções que embora ligados à cotonicultura, possuem marcantes características
de produção para a subsistência, dada a exígua acumulação que ela promovia na
esfera agrícola”. 30
Derivando daquela reordenação econômica, pôde-se observar um
deslocamento da população para a Zona do Itapecuru, Mearim, Grajaú e Pindaré
pólos nos quais ganhava impulso a produção de arroz; para as áreas de extração do
babaçu na Baixada Ocidental Maranhense e para as cidades onde as fábricas
29 É bem provável que este fato apresentado por Raimundo Moacir M. Feitosa em O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. Op. cit. p. 221 esteja interligado ao número de mulheres que chegavam a São Luís em busca de trabalho nas fábricas (que não absorviam tal demanda) e “acabavam”, sem alternativa, nas Casas de Meretrício. 30 FEITOSA, Raimundo Moacir M.. Tendências da economia... Op. cit. p. 52.
31
têxteis apareciam como uma oportunidade de emprego e renda, principalmente São
Luís. 31
A cidade aparecia como um centro absorvedor de uma massa excluída32 e a
indústria, ao privilegiar a força de trabalho de mulheres e menores, estimulava a
imigração de uma significativa parcela feminina que nos campos enfrentava, com a
família, difícil situação econômica. 33
Mas, a partir de 1925, os níveis de produção, que se afiguravam como os
grandes chamarizes de trabalho, passaram a declinar. A imponência e os
descalabros administrativos das fábricas34 aceleravam o desequilíbrio entre o volume
da produção e a real procura do mercado, resultando em queda nos preços dos
produtos e no comprometimento das margens de lucro.
Além disso, a melhor qualidade dos tecidos vindos de fábricas da Bahia e São
Paulo acirrava a concorrência com os maranhenses, fabricados em máquinas
obsoletas e precárias, agravando assim os problemas do setor têxtil local. 35
31 FEITOSA, Raimundo Moacir M.. Tendências da economia... Op. cit. p. 42-52.32 Ver mais sobre este assunto em Ribeiro Júnior, José Reinaldo. Formação do espaço urbano de São Luís. São Luís: Edições FUNC, 1999. 33 Segundo Maria Izilda Santos de Matos em “O Lar e o Botequim”, Cadernos CERU, série 2, n.11, 2.000, p. 13. “o trabalho fabril provocava a indignação dos médicos, revestida, na maior parte das vezes, de preocupações morais, sendo condenado, considerando-o prejudicial à saúde, à prole e à moralidade. Apontavam as suas conseqüências nocivas: tuberculose, prostituição, abandono das crianças e do lar e o alcoolismo. O trabalho fabril era visto como um desperdício físico de energias femininas e como fator de dissolução da saúde e da capacidade de desempenho das funções de esposa e mãe, além de elemento nocivo à moralidade, comprometendo a dignidade feminina, culpado pela mortalidade infantil e responsável por desordens sociais. Desta forma, percebe-se que o discurso protetor continha um outro – o da condenação. Quando esse trabalho era indispensável, o discurso médico procurou normatizá-lo. Buscam-se melhores condições no processo de trabalho, denunciando e defendendo a licença-maternidade e aleitamento, questionando o trabalho noturno”. 34 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio no Maranhão. 3° vol. op. cit., p. 49.35 A precariedade dos tecidos maranhenses decorria, em grande parte, da má qualidade do algodão que utilizavam procedente das lavouras locais. Ver mais sobre este assunto em O processo sócio econômico do Maranhão: história e desenvolvimento. Op. cit p.221; Tendências da Economia Mundial e Ajustes... Op. cit. p. 45 de Raimundo Moacir M. Feitosa e nas entrevistas concedidas à Revista da Associação Comercial do Maranhão, das quais destacam-se a do Sr. Joaquim Ignácio de Almeida, sócio das empresas comerciais Marcellino Gomes de Almeida & Cia, em Julho de 1925 onde, expressando o pensamento corrente dos comerciantes e industriais da época, dizia: “ Quanto ao nosso algodão , devido sua péssima preparação, sujo, com caroço, quasi não encontra venda nos
32
Para a classe industrial, as elevadas tarifas alfandegárias, a exorbitância nos
preços dos fretes, as grandes despesas com o beneficiamento dos gêneros, a
ausência de imigrantes, os inúmeros feriados que reduziam o trabalho e, portanto a
produção, as dificuldades de comunicações, a falta de estradas carroçáveis,
carência de Banco Agrícola - Industrial e de funcionários públicos, a restrição do
Banco do Brasil em conceder crédito sobre gêneros armazenados em depósitos
públicos, entre outros, eram também elementos desfavoráveis ao quadro
maranhense36.
Conjugando-se a isso, a Revista da Associação Comercial trouxe, em seu
primeiro número do ano de 1926, uma entrevista com o diretor da Companhia de
Fiação e Tecidos do Rio Anil, Sr. José Gonçalves Pereira, na qual afirmava que a
“situação de retraimento em que se encontravam as indústrias, o comércio e a
lavoura era motivada pela falta de estabilidade cambial e pelos escorchantes
impostos, quer estaduais, quer federais”. 37
Quando em 1930 eclodiu o movimento revolucionário, o panorama econômico
daqueles três setores permanecia em desalento. Sofrendo ainda os efeitos do
mercados do Rio e São Paulo nem nos estrangeiros. Nas Bolsas daquelles Estados elle não foi admitido. Digo-lhe mais: —si o Governo do Estado não tomar sérias providências para que o nosso algodão acompanhe ao menos a classificação do dos outros Estados, será uma lavoura morta para o futuro. É pensamento geral no mercado do algodão preferirem-se as qualidades limpas, não só porque a quebra é menor como também não maltrata tanto o operário incumbido de seu beneficiamento com a poeira que conduz , portadora em taes casos do micróbio da tuberculose. Hoje, meu caro senhor, as fábricas do sul, não se interessam pelo algodão do Maranhão.” Resultado daqueles debates e reclamações acerca das condições do algodão maranhense foi lançado em 27 de Abril de 1927 o Decreto n°1.149 do Governo do Estado que criava o “Serviço do Algodão”, cuja função era a melhoria do produto.36 Ver a entrevista “O mercado dos tecidos”, concedida por Manoel Satyro Lopes de Carvalho, sócio da firma maranhense “Carvalho, Coutinho & Companhia”, à Revista da Associação Comercial do Maranhão e publicada em Agosto de 1925 (ano 1, Agosto de 1925, n°2). 37 A indústria dos tecidos; A subida do câmbio e a indústria têxtil. –A baixa do algodão e o preço dos tecidos. –a lei das oito horas de trabalho. In; Revista da Associação Comercial do Maranhão, n°1, Janeiro de 1926.
33
crash de 29, a própria máquina estatal contava com um orçamento reduzido e
deficitário.
O algodão continuava pautando os debates sobre sua não aceitação nos
mercados de outros Estados e países e, no intuito de conseguir a revalorização do
“ouro branco”, produtores e industriais vinham a público fornecer explicações e
lançar seus apelos.
Para eles, as deficiências do beneficiamento podiam ser constatadas nos
rudimentares processos utilizados pelas usinas, em grande número incompletas ou
em situação lastimável. Dos defeitos apontavam, ora as “costelas” e as “escovas” ,
ora as serras gastas e mal ajustadas. Outras vezes, a força motriz não era
compatível à capacidade da instalação.
Afirmavam decorrer daqueles, os “pingos” (sementes verdes ou fragmentos
de sementes arrastadas no descaroçamento), os “novelos e fibras cortadas”
(provenientes da alimentação rápida ou forçada do descaroçador e do seu mau
estado, e da presença de fibras verdes. As fibras cortadas apresentavam-se em
feixes e tranças em forma de v, dando um aspecto grosseiro), o “algodão espichado”
(algodão defeituoso resultante do descaroçamento do algodão molhado, ou, pelo
mal ajustamento das escovas que retiravam as fibras das serras) e as “sementes
cortadas” (conseqüência do excesso de velocidade do descaroçador com o rolo de
superfície áspera, pelos dentes quebrados ou tortos das serras, que batiam nos
pentes divisórios).
Um relatório enviado de Manchester à Superintendência do Serviço do
Algodão, ainda naquele ano, afirmava que “a cauza única e excluziva do nosso
34
algodão não atinjir as cotações dos demais algodões estranjeiros, é tão somente
devido ao nosso mau beneficiamento e péssimo enfardamento”. 38
Os cinco anos subseqüentes parecem não ter oferecido melhores condições
como atesta o ofício de 6 de Março de 1936, encaminhado pela Associação
Comercial ao Governador e à Assembléia, onde a vida econômica do Maranhão era
caracterizada como “caótica e em ruínas”. 39
Por outro lado, as eleições dariam trégua na longa fase de disputas políticas
do Estado. Após ser eleito por voto indireto, assumiu o governo, como Interventor,
Paulo Martins de Sousa Ramos, cargo que manteve durante todo o período do
Estado Novo.
A política econômico-financeira por ele implantada priorizava os problemas
dos transportes e da agricultura (algodão e babaçu40) e, embora a considerasse
incipiente, reconhecia, diante dos sintomas de falência das têxteis, voltar a ser a
principal fonte de receita para os cofres estatais.
Em sua avaliação, “o sertão maranhense, opulento nas suas rezervas, jazia
abandonado e esquecido, à falta de vias de comunicação e transporte fácil,
38 CRUZ, Heitor Fróes da. O Algodão. In: Revista da Associação Comercial do Maranhão. Ano VI n°64, Outubro de 1930.39 Revista da Associação Comercial do Maranhão, n°129, Ano XII, Março de 1936.40 Sobre a economia do babaçu no Maranhão, Alfredo Wagner Berno de Almeida esclarece em seu estudo Quebradeiras de Côco Babaçu: Identidade e Mobilização. São Luís: III Encontro Estadual das Quebradeiras de Côco Babaçú: 1995, Estação Publicidade & Marketing Ltda. e Terre des Hommes – Schweiz, p.15-16, “Entre 1911 e 1935 praticamente não se registra intervenção dos aparatos de Estado. Constata-se tão somente um único dispositivo legal taxando a maquinaria destinada ao beneficiamento. Vigem os preceitos do liberalismo, notadamente até a chamada “grande depressão” de 1929. A queda dos preços dos produtos agrícolas e das matérias-primas, provocada pelo grande aumento da produção, deteriorou os termos de intercâmbio entre os países que dependiam da exportação destes bens e os países industrializados. Todas as unidades fabris de beneficiamento do babaçu, instaladas no Maranhão após a I Grande Guerra por empresas francesas, belgas, norte-americanas e norueguesas abriram falência no final dos anos 20. A partir de 1935 o Estado redefine sua ação. Estabelece acordos comerciais a nível internacional, adotando uma política de cotas, e busca disciplinar o acesso aos babaçuais, lidos como reservatórios naturais estratégicos de matérias- primas.”
35
estiolando, assim, as atividades fecundas do que rezultava o decréscimo da
produção e, consequentemente, da nossa exportação.”41
Quanto ao que chamou “efêmero surto industrial”, destacou elementos
poucas vezes apontados como causas basilares do fracasso industrial ressaltando
que,
“... o emprego de barcos motores na navegação do rio Tocantins,
assegurando transporte relativamente rápido e pouco dispendioso, atraiu, de logo,
para a praça de Belém, o comércio do sertão maranhense e do norte de Goiaz. Por
outro lado, o comércio piauiense, passando a negociar, diretamente, com as praças
do Sul do Paiz e da Europa, longe de continuar a se abastecer na nossa praça, entro
a competir com ela nos centros produtores e comerciais da zona maranhense
limitada pelo rio Parnaíba.
A praça de S. Luiz, perdendo, por esse modo, a parte mais importante e mais
extensa do seu campo de operações, sofreu ao mesmo tempo, o vultuoso prejuízo
dos capitais que possuía em poder de seus antigos freguezes da região sertaneja e
do norte goiano, os quais, passando a corresponder-se com outros mercados, não
liquidaram com ela as suas contas.
Várias firmas foram, em conseqüência desse fato, compelidas à falência. As
emprezas de navegação, linhas atraz referidas, a braços com dificuldades oriundas
de várias causas, notadamente a da perda, por naufrágio da maioria dos seus
barcos, entraram pouco depois, em liquidação.
41 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. Imprensa Oficial, 1939, p.6.
36
As próprias companhias organizadas para exploração da indústria de fiação e
tecelagem, tiveram dentro de poucos anos, suas ações desvalorizadas e os
respectivos diretores as adquiriram por preço vil, na maioria dos casos, inferior à
décima parte do capital por elas representado.
Esse profundo golpe desferido na economia popular, de boa fé empregada,
num momento de entusiasmo pelo futuro do Maranhão, na indústria em referencia ,
preveniu o espírito público contra as sociedades por ações, fadando assim, de
antemão, ao insucesso, qualquer tentativa de organização de novas companhias”. 42
Contudo, os produtos maranhenses de exportação, que em 1937 haviam
alcançado cotações razoáveis, voltavam em 1938 a sofrer baixas nos mercados do
sul do país e no exterior. 43
Na tentativa de reverter o pânico instalado nas praças econômicas do Estado,
entregou, em 1939, 4.367 km de estradas carroçáveis, ligando vários dos principais
centros de lavoura à ferrovia São-Luís/Teresina, cujo objetivo era facilitar o acesso à
capital e a outros centros onde os produtos, que antes apodreciam nos paióis,
pudessem ser exportados. Mas, a depressão econômica provocada pelo início da
guerra européia reduzira, de maneira drástica, a capacidade contribuitiva do
comércio e da lavoura, fontes principais e quase únicas da receita do Estado.
Assim, ao findar 1940, o Relatório da Interventoria demonstrava que,
decorrente daquele ano financeiro, a situação do erário era de fragilidade.
42 Relatório de 1939. Op. cit. p.1443 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1941, p.16
37
No mesmo documento, Paulo Ramos referia-se ao anacronismo dos
processos de aproveitamento agrícolas como fator prejudicial no quadro geral das
exportações e, novamente, na angústia de atenuar a crise em que se viam
mergulhados, propôs uma urgente reforma dos meios de produção bem como a
industrialização dos produtos que exerciam maior influência no sistema comercial do
Estado.
Em 1941, estimulado pela guerra, que utilizava seus derivados, o babaçu
consolidava-se como importante pilar da economia maranhense. 44 Em contrapartida,
o algodão continuava a sofrer com a falta de crédito agrícola, com a má qualidade
das sementes empregadas (impedindo a produção de tipos valorizados que
pudessem alcançar preços compensadores) e com a carência de transportes fáceis
e baratos para os centros de consumo.
Dessa conjugação de fatores, as colheitas entraram de tal modo em declínio
que em 1939 o algodão que representava 9,85% das exportações, em 1940 desceu
para 3,73% chegando em 1941 com apenas 1,84%.45
Nos primeiros meses de 1942, os produtos maranhenses tiveram um súbito
aumento de procura e de preços, tanto nos mercados nacionais como nos
estrangeiros.
44 Segundo Raimundo Moacir M. Feitosa, em seu estudo, O Processo Sócio Econômico do Maranhão. Op. cit. p. 238, “a amêndoa do babaçu, primitivamente utilizada como produto destinado ao auto consumo da população antes de 1914, a partir da primeira Guerra Mundial (1914-1918) torna-se mercadoria importante na pauta de exportação da economia do Maranhão. Passou a se constituir numa matéria-prima de grande valia para o setor industrial que não andava bem das pernas desde a derrocada das fábricas têxteis, abrindo assim possibilidades de implantação para indústrias químicas e alimentar desenvolvidas, a princípio, fora do país e no centro-sul brasileiro.” 45 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1942, p.29.
38
“Essa inesperada reação, depois de longo período de baixa, despertou no
seio das classes interessadas novas energias e facilitou o crédito bancário,
possibilitando o levantamento de vultuosos capitais que, de seguida, foram
empregados na agricultura e nas indústrias”.46
Na capital e no interior, as indústrias pareciam ganhar novo fôlego, e a fim de
atender à demanda das encomendas, puseram-se a aplicar suas reservas em
estoques de matérias-primas, entrando em intenso regime de trabalho. O futuro
anunciava uma fase de prosperidade, não fosse o reaparecimento de novos
obstáculos produzidos pela guerra.
As restrições impostas à livre navegação do Atlântico pelos países do Eixo,
somadas à carência de combustíveis, imobilizaram a produção nos paióis e nas
fábricas impedindo a exportação das mercadorias encomendadas, a importação de
gêneros de consumo obrigatórios (faltavam peças para a indústria e ferramentas
para a lavoura) e a circulação de capital.
A assinatura de um acordo, ajustado pelo Governo brasileiro com os E.U.A.
no sentido de facilitar o comércio de amêndoas e de óleo de babaçu, trouxe ânimo
às classes produtoras, para resistirem mais algum tempo à paralisação do
intercâmbio com o exterior. No entanto, a execução do convênio não fora tão rápida
quanto às circunstâncias exigiam, o que acabou resultando em prolongada retenção
dos estoques de babaçu nos armazéns de São Luís.
Encontrava-se novamente conturbada a economia maranhense e visando
resolver, em parte, a questão dos utensílios agrícolas, que segundo o Relatório
46 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1943, p.59.
39
daquele ano “estava a reclamar cuidados mais urgentes 47 , foi solicitada a
cooperação da Comissão Brasileira Americana de Produção de Gêneros
Alimentícios e do Commodity Credit Corporation que fizeram vir, gratuitamente, dos
Estados Unidos 10 mil enxadas, 6 mil machados e mil foices para que fossem
entregues aos pequenos lavradores do Estado. 48
A execução de tais medidas parece não ter surtido o efeito esperado e o
progressivo encarecimento do custo de vida refletia a inquietação econômica.
Segundo Meireles, 1942 e 1943 foram para o Maranhão “os anos mais difíceis”. 49
O agravamento progressivo da situação em 1943 não permitiu que a
agricultura e a indústria superassem as cotas de produção dos anos anteriores.
Ainda assim, nos setores da indústria e comércio, destacavam-se naquele momento
em São Luís algumas Companhias como a “Lages & Cia” (armazém de tecidos
grossos, brins de linho, estivas, miudezas, armarinhos, ferramentas grossas,
babaçu, tucum, mamona, gergelim e arroz), “Martins e Irmão” (fábrica de algodão
medicinal e de sabão), “Chames Aboud” (importadora de fazendas e miudezas e
exportadora de algodão, babaçu, arroz, óleo de babaçu, farelo de babaçu, borra de
caroço de algodão, mamona, gergelim, caroço de algodão, etc. e proprietária da
“Fábrica Albertina” de sabão, óleos vegetais e beneficiamento de arroz), “Cotonifício
Cândido Ribeiro Ltda.” (fábrica de brins), “Fiação e Tecidos do Rio Anil” (fábrica de
47 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1944, p.55.
48 Em sua obra História do Comércio do Maranhão. São Luís: Associação Comercial do Maranhão, Lithograf, p.63, Mário Martins Meireles esclarece que o controle da importação do babaçu nos Estados Unidos era concentrado na Commodity Credit Corporation e a doação dos 17 mil instrumentos agrícolas havia sido feita por intermédio da Comissão Brasileira Americana de Produção. 49 MEIRELES, Mário M.. História do Comércio do Maranhão. Op. cit. p. 63.p.
40
tecidos, tecelagem e alvejamento de algodão), “Tecidos Santa Izabel S/A” (antiga
“Cia. Fabril Maranhense”, fábrica de brins, riscados, zefires, lonas, xadrezes,
mesclas, gangas, domésticos, fios, sacos e telas) e outras como a “Cunha e
Santos”, “Chagas e Penha”, “Pinheiro Gomes” e “Francisco Aguiar”. 50
Com o fim da II Guerra, a queda de Getúlio e o afastamento de Paulo Ramos
em 1945, tornavam-se cada vez mais freqüentes as discussões sobre as
providências “que se fariam imperiosas e urgentes para que se normalizasse a vida
econômica do país e se regularizassem as finanças públicas.”51
Com relação, especificamente, às têxteis maranhenses nada mais se podia
fazer senão assistir à asfixia e morte das unidades, frente à acirrada e crescente
concorrência com as modernas fábricas do sul do país.
Chegava o Maranhão em 1946 com apenas 8 têxteis52 e, a par do
desmantelamento das fábricas de tecidos, o processo de industrialização da
amêndoa do babaçu tornava-se mais sistemático e eficiente.
Segundo Feitosa “é possível que na medida em que a crise se aprofunda no
setor têxtil parte dos capitalistas vinculados a esse ramo e às atividades
agroexportadoras busque, como alternativa, realocar seus capitais no novo setor
industrial nascente: fábricas produtoras de óleo bruto, óleo refinado comestível, torta
de babaçu e produtos químicos (sabão, velas, glicerinas, etc.).”53
Os anúncios da Revista da Associação Comercial do Maranhão e alguns
jornais de grande circulação na época como “O Globo”, “O Imparcial” e o “Diário do
Norte” demonstravam o investimento no produto. Destacavam-se: “Indústria Wilson
50 Revista da Associação Comercial do Maranhão. Janeiro de 1943, ano XIX, n°211.51 MEIRELES, Mário Martins. História do Comércio do Maranhão. Op. cit. p. 69.52 MELO, Maria Cristina Pereira de. O Bater dos panos. Op. cit. p. 27.53 FEITOSA, Raimundo Moacir M.. O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. Op. cit. p. 238.
41
Ltda.” (fábrica e indústria de produtos químicos: sabão de andiroba “ABC”, óleos de
algodão, andiroba, babaçu, rícino, saponáceo “ABC”), “Narciso, Machado & Cia”
(exportadores de cera de carnaúba, babaçu, tucum, mamona, couros de boi,
algodão, crinas, jaborandi, polvilho e demais gêneros), “Fábrica de Tecidos Camboa”
(compradores e exportadores de babaçu, mamona, gergelim, couros de boi
(salgados e espichados) e de veado, algodão, cera de carnaúba, tucum, farinha de
mandioca, arroz, tapioca de goma, peles silvestres, etc.), “Lauro Pereira da Silva “
(compradores e exportadores de tecidos, estivas – algodão, babaçu, arroz, mamona,
gergelim etc., ferragens e miudezas) e “J. D. Filho” (compradores e exportadores de
babaçu, mamona, fibras e tucum). Outras como “Lages & Cia” (armazéns de tecidos
e miudezas, ferramentas, babaçu etc.), “Martins e Irmão” (fábrica de algodão
medicinal e de sabão) e “ Companhia Chames Aboud” (importadora de fazendas e
miudezas e exportadora de algodão, babaçu, arroz, óleo de babaçu, farelo de
babaçu, borra de caroço de algodão, mamona, gergelim, caroço de algodão, etc. e
proprietária da “Fábrica Albertina” de sabão, óleos vegetais e beneficiamento de
arroz) já participavam do ramo desde 1943.54
Ao aglutinar atividades, aquelas Companhias reconstituíam o papel do capital
mercantil agroexportador como principal fonte de financiamento bem como
rearticulavam campo e cidade em um duplo processo55. Isso porque, na realidade
urbana a indústria do babaçu, e seus derivados, permitia a continuidade do fluxo
54 Ver Revista da Associação Comercial do Maranhão, ano XXI, n°235, Janeiro de 1945; jornal “O Imparcial de 28 de Julho de 1947 e 14 de Setembro de 1947; jornal “O Globo” de 8 de Outubro de 1947”. 55 Utilizou-se como referência, o pensamento de Maria Isaura Pereira de Queirós que em Cultura, sociedade rural, sociedade urbana: ensaios. RJ: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978. p.51, afirma: “...o meio rural não pode nunca ser estudado em si mesmo, mas deve ser encarado como parte de um conjunto social mais amplo, do qual faz parte juntamente com a cidade.”
42
migratório e na realidade rural absorvia o trabalho de famílias na coleta e quebra do
coco, mas igualmente dinamizava a ida de mulheres para as cidades, em função do
baixo preço que pagavam pelas amêndoas.56
Assim, o lócus urbano e as indústrias tornavam-se, paulatinamente, o refúgio
de grande parte dos camponeses despossuídos que passavam a formar, com outras
pessoas, novos núcleos de convívio, transformando o cenário da cidade e suas
preocupações.
É do que se tratará agora.
Tecendo a ordem: urbanização, leis e meretrício na capital São Luís
Na virada do XIX, ainda que conservasse o aspecto colonial, traduzido nos
suntuosos casarões azulejados de eiras, beiras, mirantes e pinhas de porcelanas,
56 Sobre os valores pagos aos trabalhadores do babaçu, Raimundo Moacir Feitosa em seu trabalho “O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. Op. cit. p. 238-239 esclarece que “ os coletores e quebradores de coco babaçu tornam-se presença marcantes no cenário da economia maranhense no trabalho de complementação da renda familiar agrícola. O processo de exploração desses coletores e quebradores de coco pela estrutura dominante é a mesma do arroz, pois o agente que adquire a produção de amêndoa, quando não é o mesmo que adquire a produção de arroz, pratica o mesmo esquema de fixação dos preços. Através da aquisição por um preço baixo, ao sobreavaliar as mercadorias capitalistas que vende (querosene, sabão, açúcar, roupa, sandálias, sapatos, etc.), lança o fruto desse quebrador de coco a uma margem de valor tão ínfima que fica abaixo da possibilidade de contribuição para o melhoramento das suas condições de reprodução.”
43
nos becos e ruas estreitas e tortuosas, a cidade de São Luís modificava-se em
função do surto industrial. 57
No redesenhar dos espaços, as casas-de-cômodo, hospedarias, hotéis,
pensões e cortiços passavam a servir de morada aos indivíduos que chegavam.
Acompanhando aquele remodelamento, criavam-se Leis, Decretos e outras
tantas normas que visavam à disciplina e à higiene social do novo viver urbano.
“Avizinhavam-se novos tempos”. 58 Tempos de medicalização da sociedade, de
saneamento moral e social, de codificação de condutas, de controle da ordem, de
inspeção de corpos e locais de convívio (habitações e lazer)... Enfim tempos
“maquínicos” 59, “civilizados”, modernos e assépticos.
São Luís, 4 de Abril de1919. Imbuído dos, tão em voga, propósitos de ordem
e limpeza o governador Urbano Santos da Costa Araújo promulgava a Lei n°862 que
objetivava conhecer quem eram as pessoas hospedadas na cidade e controlar
desordens e crimes, tornando obrigatório aos donos de hotéis, pensões e similares
da cidade, fornecer semanalmente à Secretaria da Justiça e Segurança, um boletim
com esclarecimentos sobre as pessoas que neles se hospedassem. 60
57 Sobre este processo de mudanças diz Maria Isaura Pereira de Queiroz em Cultura, sociedade rural, sociedade urbana: ensaios. RJ: Livros Técnicos e Científicos; SP: Edusp, 1978, p. 57, “A industrialização e urbanização no mundo ocidental implicaram na transformação do gênero de vida urbano...”. 58 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma cidade na transição Santos: 1870-1913. Op. cit. p. 83.59 Sobre a chamada “sociedade maquínica”, ver: SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. SP: Cia. das Letras, 1992. SILVA, Zélia Lopes da. Imagens do Trabalhador Brasileiro Nos Anos 30. In: Revista História, SP: Edunesp, v.12, 1993, p.275. 60 Situação semelhante nos apresenta Sidney Chaloub em Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. SP: Cia das Letras, 1996, p. 30. Segundo o autor, em 1853 no Rio de Janeiro a Comissão de Posturas da Câmara analisou o projeto denominado “Regulamento dos Estalajadeiros” julgando-o de “urgente utilidade pública”. O artigo primeiro definia como estalajadeiro “o indivíduo que der agasalho ou pousada por dinheiro, qualquer que seja a denominação da casa em que a der – estalagem, hospedaria, cortiço ou hotel”. Também havia a obrigatoriedade de o estalajadeiro possuir um Livro de Controle de Entrada e Saída dos hospedes e moradores ou moradores, com criteriosa identificação de cada um. Os subdelegados deveriam visitar freqüentemente as habitações coletivas, certificando-se de que lá não se encontravam vadios, estrangeiros em situação irregular e pessoas
44
Trazia o Artigo 1°:
“Ficam os donos de hotéis, pensões, casas de pastos e estabelecimentos
congêneres existentes nesta capital e seus subúrbios, ou seus representantes,
obrigados a fornecer semanalmente à Secretaria da Justiça e Segurança, um
boletim contendo idade, sexo, estado civil, sua permanência no estabelecimento
naturalidade, procedência, destino e signaes característicos das pessôas que
receberem e hospedarem, bem assim e a conducta de cada uma, durante a sua
permanência no estabelecimento.
Artigo 2°: Ficam igualmente obrigadas a notificar a mencionada Secretaria a
retirada das mesmas pessôas, com antecedência de 24 horas, ou, não sendo isso
possível, no próprio dia em que tal se verificar.
Artigo 3° Ficam ainda obrigadas a ter um livro, aberto, rubricado e numerado
pela autoridade policial do districto, ou outra qualquer, designada pelo Secretario da
Justiça e Segurança no qual devem ser registradas as entradas e sahidas dos
hospedes, com declaração do dia, hora, procedência e destino, por qual via, ou meio
de transporte.
Esse livro será exhibido à autoridade policial, sempre que por esta fôr
exigido.”
Naquele mesmo ano, chegaria ao Maranhão a Gripe Espanhola. A doença se
alastrava e a urgência em resolver os problemas de salubridade urbana levou o
Governo da União a criar, pelo Decreto 13.538 de 09 de Abril de 1919, o Serviço de
Profilaxia, com representações em todos os Estados. Em 23 de Maio, portanto um
“suspeitas” ou que causassem “desconfianças e receios”.
45
mês depois, já estaria funcionando a unidade do Maranhão, sob a chefia do Dr. Raul
de Almeida Magalhães. 61
Outra medida profilática, de Urbano Santos, foi o convênio com a norte
americana Rockfeller Foundation, para que fosse executada no território
maranhense, especialmente na capital, uma campanha para a erradicação da
malária.
Quando Godofredo Mendes Viana (1922/26) assumiu o poder no Estado,
tinha como metas prosseguir, diagnosticando os problemas e prescrevendo as
soluções para múltiplos males que acometiam São Luís62.
Contraiu, então, um empréstimo com a Ulen & Company de Nova York, no
valor de US$1.500.000,00 para a implantação na cidade de serviços de água,
esgoto, luz e tração elétrica. 63
São Luís entraria o ano de 1925 com o novo serviço de abastecimento de
água.
Mas, mesmo com todo empenho verificado no sentido da melhoria das
condições da saúde pública, o Maranhão não foi poupado de um novo surto de
varíola em 1926. A epidemia fora controlada pela filial do Instituto Oswaldo Cruz, por
meio de uma larga vacinação das pessoas ainda não contaminadas e do
61 MEIRELES, Mário Martins. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994 (Coleção Documentos Maranhenses) p. 243.62 No estudo “Coisa Pública: Serviços Públicos e Cidadania”. São Luís, IPES, 1998, p.219, sobre serviços públicos em São Luís, (em Mary Angélica p. 29) o médico Raimundo Palhano, autor do trabalho, analisa a realidade daquele momento afirmando que “... em 1922 Urbano Santos concluiu que o Estado teria como empreender, às suas custas, os serviços de água e esgotos exigidos pela cidade, o que estendia para os demais serviços. Efetivamente tomava vulto o Projeto Ulen Company. Parecia enfim, ao governo, que, por ali finalmente, se enxergaria a luz no fim do túnel. Afinal a situação dos serviços urbanos se agravava dia-a-dia. Pode-se afirmar que àquela época, São Luís, além de não ter esgotos possuía péssimos serviços de luz, de bondes, de limpeza pública e a água consumida era, além de insuficiente, portadora de elevado grau de contaminação, a ponto de ser um dos agentes poderosos da febre tifóide na cidade”. 63 MEIRELES, Mário M.. Dez estudos históricos. Op. cit. p.244.
46
encaminhamento das doentes para o isolamento do Lira (ver localização nas plantas
da cidade em anexo).64
Os sintomas da chamada cidade doente eram diagnosticados ao mesmo
tempo em que eram disseminadas idéias de que os males possuíam várias ordens e
matizes, incluindo o comportamento social. Assim, ao saneamento urbano de São
Luís atrelavam-se interesses de saneamento moral, muitas vezes presentes na
imprensa como a carta publicada em 3 de Junho de 1927 no Jornal “A Hora”. Sob o
título de “O caftismo no Maranhão” e assinado por diversos leitores, dizia:
“Exmo. Sr. Redactor da Hora,
...existe, Sr. Redactor, ali na rua 28 de Julho n°10, entre a travessa do
Commercio e a rua Cunha Machado, uma casa de commodos onde o caftismo é
uma barreira. Esse collegio como elles denominam, pertence ao estrangeiro
Sebastião Pereira de commandita com a vaporosa Maria (vulgo Rainha de Sabá).
Supomos Sr. Redactor que seria uma falta de patriotismo de nossa parte se não
procurássemos esclarecer esse facto. Durante a noite estabelecem uma algazarra
infernal, chegando ao ponto de não poder transitar pela rua nenhuma familia, devido
ao amontoado de palavrões indecorosas pronunciadas pelos frequentadores do tal
collegio. Uma vizita do cel. Zenobio aos dominios do reinado da Rainha de Sabá
(Maria) verificará todas as verdades que aqui escrevemos. ”65
64 Sobre a fundação da filial do Instituto Oswaldo Cruz em São Luís do Maranhão, ver o que explica Mário Meireles em Dez estudos históricos. Op. cit. p. 243. “E o Governo do Estado, então em mãos do Dr. Urbano Santos da Costa Araújo (1918/22), criaria também um Serviço de Profilaxia Rural e Urbana, transformaria o Hospital Regimental em Hospital de Moléstias Rurais e conseguiria do Governo Federal ( Decreto n°13.527 de 26/03/1919) que fosse criada em São Luís, uma filial do antigo Instituto de Manguinhos, já então batizado de Instituto Oswaldo Cruz, para cuja direção foi nomeado o médico bacteriologista Dr. Cássio Miranda, que aqui teria a assistência de seu colega, o Dr. Luis Lobato Viana, e do laboratorista Benedito Laurindo de Morais, cedido pelo Instituto Vital Brasil, de Niterói”.65 Jornal “A Hora”. São Luís – Maranhão: 3 de Junho de 1927, p.1.
47
Com a chegada do carnaval de 1929 em São Luís, o Jornal “A Hora” de 09 de
Fevereiro de 1929 trouxe a matéria “Sustenta o teu!” que dizia:
“A cidade hoje entrará no domínio do deus da loucura. A população do juiso
virado entrega se no fervilhar do enthusiasmo.
A quadra do carnaval é bonita pela sua riquesa de alegria mas ao mesmo
tempo torna se triste porque depois da Quarta feira de cinzas, commeçam se a
revelar casos deprimentes ao principio da moral.
Entre os maiores flagelos da temporada delirante do carnaval figura a
prostituição.
Esse pernicioso mal é um dos problemas mais difficil a ser resolvido pela
policia.
A policia infelizmente não se acha aparelhada para garantir propriedade do
pudor.
Talvez com a figuração dos nomes dos magnatas nas columnas dos diarios,
esses miseraveis que vegetam no globo para jogarem na lama do meretricio
milhares de ingenuas creaturas se recolhem às suas mesquinhas posições.”66
Na defesa de procedimentos disciplinares, condutas e hábitos “civilizados”
várias reclamações recaíam sobre os órgãos responsáveis pela ordem no convívio
social.
Bradando contra o que chamava “descaso da polícia no cumprimento de seus
deveres” a coluna E’cos do jornal Folha do Povo, de 10 de Setembro de 1929,
reforçava as concepções de controle da vida urbana. Dizia que,
66 Jornal “A Hora”. São Luís – Maranhão: 09 de Fevereiro de 1929.
48
“... em certas zonas da cidade, onde, quando não é a garôtada infrene, a
jogar futebol, são carregadores ataviados de caixas, cofos e grandes embrulhos,
empatando o transito. Também as meretrizes perturbam o socêgo publico, como
agora, está acontecendo na Rua da Manga.
Os seus moradores trouxeram ao nosso conhecimento que alli, quasi ao sahir
na Fonte das Pedras, existem algumas mundanas que não respeitam as famílias,
fazendo grande algazarra, especialmente à noite, quando os que trabalham durante
o dia querem conciliar o somno.”
A mesma coluna dava continuidade a severas denúncias de caráter
moralizante e civilizatório. Responsabilizando a ineficaz ação da polícia, ressaltavam
o “descalabro” vivido em São Luís onde, a par da “obra satânica dos Dom Juans”,
campeava “infrene a prostituição” .67
Com o mesmo intuito, em 24 de Outubro de 1929, o jornal “Folha do Povo”
estampava em sua primeira página o seguinte artigo:
“Um facto lamentável, é a falta de respeito às nossas famílias, em virtude dos
taes cortiços existentes em pleno coração da nossa cidade”.
Não são poucas as occasiões em que essas respeitáveis famílias, quando
cercadas do carinho de seus filhinhos, são arrebatadas do seu enlêvo maternal,
pelos palavrões e quiçá outros inconvenientes de tal estado de cousas. Daqui
esperamos que as autoridades encarregadas de zelar pela moral, cooperem, afim de
que não se reproduzam taes scenas, que offendem o pudor publico.”68
67 Jornal “Folha do Povo”. São Luís – Maranhão: Terça-feira, 07 de Outubro de 1929, p.1.68 Jornal “Folha do Povo”. São Luís – Maranhão: 24 de Outubro de 1929, p.1.
49
Os intentos em banir formas “incivilizadas” de viver, sujeira, doenças,
promiscuidade, falatórios, palavrões, arruaças etc., acenavam para a cidade a
imposição de padrões opostos aos que se afiguravam. Com efeito, foi no pós
Revolução que aquele ideário ganhou força.
A construção da legitimidade varguista guiava-se por um discurso em que às
contraposições entre moderno e arcaico, civilizado e incivilizado, higiênico e sujo,
ordem e desordem, trabalhador e vadio, eram utilizadas como mecanismo de
reordenamento social, de uma nova brasilidade.
No Maranhão, em 31 de Julho de 1931, o então Interventor Federal, Padre
Astolfo de Barros Serra, lançou o Decreto n°152 pelo qual alterava a divisão policial
em São Luís, fornecendo claros indícios de que a cidade passava a ter intensificada
a vigilância. Ficava estabelecido logo no Artigo 1° que o município da capital ficaria
“dividido em trêis districtos policiais, cada um dos quais com uma delegacia de
polícia e tantas subdelegacias quanto exigir o serviço de policiamento”.
Os passos da cidade eram controlados e nas ruas de grande movimentação e
de concentração de casas-de-pensão, casas-de-cômodos e hospedarias de
meretrizes eram feitos “giros” diurnos e noturnos, pela Guarda Civil. De acordo com
as escalas dos dias 10, 12 e 15 de Setembro de 1931, recebiam atenção especial os
seguintes locais:
“Giro Diurno 1, de 10 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Mercado
Público, Rampa Campos Mello, Rua da Estrella, Rua 28 de Julho, Rua Sant Yago,
Rua Cajaseiras, Praça da Alegria, Praça da Misericórdia, Cemitério, Codosinho e
Praia do Cajú”.
50
Giro Diurno 2, de 10 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rampa
Campos Mello, Rua da Estrella e 28 de Julho, Desterro, Portinho e Fonte das
Pedras, Sant Yago e Cajaseiras, Praça da Alegria e Misericórdia, Cemiterio e
Codosinho e Praia do Cajú.
Giro Noturno 1, de 10 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rua Oswaldo
Cruz, Rua Affonso Penna, Rua Portugal, Avenida Beira Mar, Praça da Alegria e
Misericórdia, Sant Yago e Cajaseiras, Desterro, Portinho e Fonte das Pedras,
Estrella e 28 de Julho, Cemitério e Codosinho.
Giro Noturno 2, de 10 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rua Oswaldo
Cruz, Rua Affonso Penna, Rua Portugal, Rua de Sant Anna, Rua de São Pantaleão,
Sant Yago e Cajaseiras, Desterro, Portinho e Fonte das Pedras e Banco do Brasil.
Giro Diurno 1, de 12 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Mercado
Publico, Rampa Campos Mello, Rua da Estrella e 28 de Julho, Sant Yago e
Cajaseiras, Praça da Alegria e Misericordia, Cemiterio e Codosinho e Praia do Caju.
Giro Diurno 2, de 12 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rampa
Campos Mello, Codosinho e Fonte das Pedras...(documento danificado).
Giro Noturno 1, de 12 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rua Oswaldo
Cruz, Rua Affonso Penna, Rua Portugal, Avenida Beira Mar, Praça da Alegria e
Misericordia, Sant Yago e Cjaseiras, Desterro, Portinho e Fonte das Pedras, Estrella
e 28 de Julho, Cemiterio e Codosinho, Rua da Alegria e Coqueiro.
Giro Diurno 1, de 15 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Mercado
Publico, Rampa Campos Mello, Estrella e 28 de Julho, Sant Yago e Cajaseiras,
Praça da Alegria e Misericordia, Cemiterio e Codosinho e Praia do Caju.
51
Giro Diurno 2, de 15 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rampa
Campos Mello, Estrella e 28 de Julho.
Giro Noturno 1, de 15 de setembro de 1931: Praça João Lisboa, Rua Oswaldo
Cruz, Rua Affonso Penna, Rua Portugal, Avenida Beira Mar, Praça da Alegria e
Misericórdia, Sant Yago e Cajaseiras, Desterro, Portinho e Fonte das Pedras,
Estrella e 28 de Julho, Cemiterio e Codosinho, Rua da Alegria e Coqueiro.
Giro Noturno 2, de 15 de setembro de 1931: Praça João Lisboa...(documento
danificado).”69
A conjuntura política ia tornando crescente a intervenção do Estado sobre o
espaço público e sua regulamentação. A profilaxia física e social era, no entender
daqueles que a defendiam, a forma de defesa da sociedade contra os inúmeros
“focos de infecção”. “Caberia então intervir e sanear tanto o espaço quanto os
habitantes”. 70
Apontado como um símbolo de ameaças, físicas e morais, o meretrício era
pouco a pouco envolvido em projetos segregadores e de organização da urbes.
“Tratava-se de afastar dos olhos aqueles diferentes com quem, inevitavelmente,
dadas as condições de produção e reprodução do capitalismo, este espaço urbano
tinha que ser compartilhado.”71
Em São Luís, as interferências foram, a princípio, verificadas na imposição de
limites aos horários de circulação das meretrizes pelo território da cidade. 72
69 Documentos avulsos localizados no Arquivo Público do Estado do Maranhão. 70 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma cidade na transição Santos: 1870-1913. op. cit. p.24. 71 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma Cidade Na Transição Santos: 1870-1913. São Paulo-Santos: Editora Hucitec e Prefeitura Municipal de Santos, 1996, p. 20.72 Para Irving Goffman, Estigma, op. cit. p.155, “os desviantes sociais nos quais a prostituta está inserida são uma espécie de negação coletiva da ordem social.”
52
Na sexta-feira, 11 de Setembro de 1931, o jornal “Tribuna” noticiava que, por
determinação do delegado, as meretrizes só poderiam freqüentar os botequins a
partir das 23 horas73.
“Desde hontem, o Sr. Alfredo Pimenta Gnone, delegado do 1° districto,
adoptou a medida de que as meretrizes só poderão andar livres pelas ruas e
frequentarem os botequins das 23 horas em diante”.
As meretrizes que quizerem sahir antes dessas horas devem se fazer
acompanhar de um cavalheiro, sob pena de serem convidadas para irem ao
Districto, onde serão admoestadas pela auctoridade de plantão e em caso de
reincidência detidas.
Essa medida também foi imitada pelo tenente Justino Lopes da Cunha,
delegado do 2° Districto74, e visa tão somente atender as famílias que se dizem sem
o direito de passeiarem até mais tarde, devido o número de mulheres de vida alegre
que sahem dos seus rebanhos para se exporem às vistas publicas e palestrarem
nas portas dos cafés. ”75 73 Segundo Nickie Roberts, A Prostituição Através Dos Tempos Na Sociedade Ocidental. Lisboa: Editorial Presença, 1996, p. 216 já na Itália de 1860 podem ser observadas proibições e regulamentações de horários e locais permitidos às prostitutas, “... estavam proibidas de <<perder tempo>> nas ruas e nas praças ou de vaguear nos seus próprios bairros; não podiam sair <<sem justa causa>> depois das oito horas da noite no inverno e das dez no verão. Quando saíam das case chiuse tinham que se comportar <<decentemente>> e com decoro, vestir-se de forma modesta, evitar seguir quem passasse, não abordar homens nem ir ao teatro.” 74 O segundo parágrafo do Decreto n°152, de 31 de Julho de 1931, trazia as áreas de competência do 2° Distrito, onde foram dadas muitas das queixas com que temos trabalhado, comprovando a concentração de meretrizes no local. “ § 2º - O 2º Distrito, com séde nesta Capital compreende a parte sul da mesma, na conformidade da divisão constante do Regulamento, baixado com o aludido decreto nº1. 025 de 5 de março de 1926, até o túnel da referida E. de F. S. Luís-Teresina, seguindo esta ao encontro da linha telegráfica que servirá de divisão até o Batatan e, por esse rio ao estuario do Bacanga, segue a divisão do igarapé do Furo e depois em uma reta ao igarapé Arapapai compreendendo a Vila Maranhão, até a baía de São Marcos, incluindo as ilhas Garapirá, Duas Irmãs e Medo. Nesse distrito haverá duas sub-delegacias separadas da Capital pelo Bacanga, sendo uma em Boqueirão, compreendendo Cantagalo, Guia, Bonfim, Tamancão, Itapecaraiba, Itaqui e as ilhas referidas, e a outra na Vila Maranhão, compreendendo Buenos Aires, Conceição, São Raimundo, Alcantara, Arraia, Pindoba, Telha e Santa Rita.” 75 Jornal “Tribuna”. São Luís – MA: sexta-feira, 11 de Setembro de 1931, p.1.
53
No Domingo, 13 de Setembro, a “Tribuna”, continuando o assunto,
comunicava que
“O Dr. José Brugger Vilela, Chefe de Polícia do Maranhão, não
compreendendo que possa existir pensões e casas de meretrizes de visitas, entre
famílias, está decidido a crear a zona do meretrício.
Para isso, conta com o apoio dos delegados auxiliares e espera o auxilio da
imprensa.
O fim da creação da zona só trará benefício às famílias, que reclamam não
poder fazer o “footing” nas Avenidas, devido a adhesão de mulheres de vida fácil.
E para que as famílias deixem de sofrer desgosto a zona será creada e nella
será mantida a liberdade com restricção e um policiamento exacto.
As primeiras medidas:
Para que as famílias posam livremente freqüentar os “bars” e cafés, a polícia
prohibiu terminantemente que qualquer meretriz penetre nesses estabelecimentos
antes das 23 horas.
Como no Maranhão o transito familiar termine sempre às 23 horas, os
delegados dessas horas em diante, darão liberdade para as mulheres de vida alegre
frequentar os botequins e andarem livremente pela cidade, desde que não pratiquem
escandalos e nem desordem.
No 1°Districto ellas poderão sahir acompanhadas.
O Sr. Pimenta Gnone, delegado do 1° districto, em hypotese alguma,
permitirá que as mulheres transitem pelas ruas que estiverem sob sua fiscalização,
sem serem acompanhadas.
54
Das 23 horas em diante permitte que estejam à vontade e só serão
incommodadas se perturbarem o socêgo publico.
No 2° Districto a volta não é tão cruel.
O tenente Justino Lopes da Cunha determinou aos seus subordinados que
prohibam a entrada das mulheres nos “bars”, cafés e botequins antes das 23 horas.
Mas, desde que as mulheres, em número no máximo de duas, juntas,
transitem pela rua, em procura de uma pharmacia, de um negócio urgente, em
ordem sem pararem nas esquinas não podem ser admoestadas.
Elas não estão privadas de dansar. Não é intuito da polícia privar as
diversões das prostitutas.
A polícia aos sábados e domingos dará licença para os grêmios “Radiante”,
“Espoca”, “PP”, “Primavera e “Ideal”, realizarem bailes para as mulheres mais
humildes. Os clubs “Comercial” e “Palace” funcionarão para as mulheres da
aristocracia.” 76
O tema prosseguia na Imprensa local enquanto as concepções de ordem
cristalizavam-se como sinônimo de civilidade.
Nos projetos políticos o que se via era uma diferenciação, explícita, do
tratamento dispensado àqueles indivíduos considerados potencialmente perigosos e
os “outros” elementos da sociedade. Locais como bares, clubes de dança e casas
de meretrizes rapidamente ganhavam especial vigilância77.
76 Jornal “Tribuna”. São Luís – MA: domingo, 13 de Setembro de 1931, p. 02.77 Sobre as convivências e conflitos da cidade, Henri Lefebvre em O direito à cidade. SP: Editora Documentos Ltda., 1969, p. 20 faz a seguinte colocação, “a vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos ( inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos “padrões” que coexistem na cidade”.
55
Avalizando a política normatizadora, o periódico “Folha do Povo” apresentou,
na segunda-feira 14 de Setembro de 1931, à população de São Luís a matéria
intitulada “A polícia e o meretrício”, na qual dizia:
“A nossa atual policia dando solução a um problema que a muito vinha
pedindo atenção dos poderes competentes acaba de tomar várias medidas no intuito
de refrear o meretrício desta capital que, como é sabido, já se tornava um afronta à
nossa sociedade. Assim é que ficou proibido, d’ora em diante as “maripozas”
freqüentarem os botequins e cafés antes das 23 horas. Para que as meretrizes
tranzitem no perímetro urbano, antes das 23 horas é necessário que se façam
acompanhar de outra pessôa e se portem com todo respeito.
Essa medida, que verificamos bôa, no 2° districto só será adotada em parte,
por determinação do delegado tenente Justino Lopes, que permite às meretrizes o
livre tranzito, uma vez que se mantenham com o devido respeito.
Quanto aos bailes públicos poderão elas freqüentar, verificando-se, porém,
um policiamento às alturas.
Nos “footings” e reuniões populares as meretrizes só poderão freqüentar
quando acompanhadas. ”78
Nas discussões sobre a prostituição salientavam, também, desejos pela
criação de espaços específicos para aquela atividade. No dia 20 de Setembro de
1931 a “Tribuna” inseria, no artigo “As mulheres da vida fácil”, dois itens sintomáticos
da ideologia que se impunha: a localização do meretrício e o funcionamento de
clubes de danças.
78 Jornal “Folha do Povo”. São Luís – MA: Segunda-feira, 14 de Setembro de 1931, p.01.
56
“O Sr. Dulcídio Pimentel, delegado de polícia da Capital, irá finalmente
resolver o problema da localisação do meretrício em São Luíz. Nesse sentido vae se
entender, hoje, com vários commerciantes e proprietários de casas para, de pleno
accordo, decidir esse caso que tem sido o commentario da cidade.
Tendo alguns proprietários de clubs requerido, hontem licença para fazerem
funccionar, hoje, os seus clubs de dansas para meretrizes, o 2° delegado indeferiu
as mesmas lincenças, por se tratar de logares frequentados por gente suspeita a
quem a polícia pretende manter a máxima fiscalização.” 79
Nas estratégias de construção da cidade higienizada, enfatizavam os
problemas e as formas de intervenção. No espaço urbano recortado seus habitantes
são conhecidos, diagnosticados, classificados. 80
Assim, a partir de 18 de Setembro de 1931, por ordem do delegado do 2° e 3°
distritos, todas as meretrizes da capital, incluindo as donas das Casas, passariam a
ser identificadas com uma caderneta.
As mulheres deveriam deixar uma fotografia na polícia, pagar a taxa de
10$000 ao Tesouro Público do Estado e receber a caderneta comprovando seu
registro81. Tal valor fora criado especialmente para o que denominavam “pessoal
sem profissão”.
79 Jornal “Tribuna” São Luís – MA: Sexta-feira, 18 de Setembro de 1931, p.08. 80 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma cidade na transição Santos: 1870-1913. op. cit. p.26. 81 Dez anos mais tarde, a prática de registrar as meretrizes na polícia ainda estava em voga como mostra a lista de fichas individuais no livro de registro de hóspedes da pensão “Oliveira”. Constam na listagem vários nomes de meretrizes e seus respectivos “números” na Polícia. Eram elas: Maria G. G., ficha individual 79; Regina G. dos S., ficha individual 74; Ricardina C. f.i. 81; Raymunda F. S., f.i. 75; Rufina R., f.i. 78, Raymunda M., f.i. 77; Maria Madalena C., f.i. 445 e Amanda dos A., f.i. 266.
57
Segundo o jornal “Tribuna”, tão logo fosse terminado o serviço de
identificação, seria iniciada a inspeção médica82 de todas as meretrizes registradas
na polícia. 83
No caso do meretrício estabeleciam vínculos com a proliferação de doenças,
em especial a sífilis. Ao associar a doença a um comportamento social concebido
como inadequado, reforçavam os referenciais “assépticos” que englobavam posturas
sociais e sexuais.
Em São Luís, o editorial da “Tribuna”, de 26 de Setembro de 1931,
demonstrava como a ideologia da higiene era utilizada no sentido de reconhecer os
focos de doença/desordem e introduzi-los em uma outra lógica.
Seu conteúdo era enfático quanto aos perigos morais e sociais da
prostituição, todavia, revelava vozes dissonantes quanto à prática dos projetos.
“Logo no início da investidura, andou o chefe de polícia a adoptar medidas
relativas à regulamentação da prophylaxia social do meretrício. O rigor com que
eram tomadas as providências policiaes, si, em parte, não podem ter a sancção dos
princípios legaes assecuratórios da liberdade individual, denunciava, todavia, os
82 Podemos verificar semelhanças entre a realidade de São Luís e Paris da Belle Époque, apresentada por Michelle Perrot em Mulheres Públicas. SP: Unesp, 1998, p. 27, onde diz que “fichadas as mulheres públicas recebem visitas médicas regulares e são quando preciso encerradas nos hospitais-prisões, cujo protótipo em Paris é Saint-Lazare.” Nickie Roberts, A Prostituição Através Dos Tempos, op. cit. p.210 também destaca a relação entre a polícia parisiense e a prostituição, no início do século XIX, indicando elementos que igualmente identificamos no caso ludovicense. Segundo a autora, “logo em 1810 a polícia parisiense respondeu à preocupação burguesa, organizando uma brigada especial, a police des moeurs, cuja função era supervisionar a inscrição num registro central. Uma vez registradas, as prostitutas parisienses tinham que se apresentar mensalmente para uma inspecção vaginal levada a cabo por um médico da polícia; este privilégio custava-lhes três francos de cada vez que lá iam. Se estivessem infectadas com alguma doença venérea, as mulheres eram confinadas num hospital-prisão (em Paris, o infernal St. Lazare. Em São Luís, as mulheres também foram rigorosamente fichadas pela polícia e os casos de doenças infecto contagiosas eram em sua maioria detectados pelas inspeções sanitárias e encaminhados para o Hospital Geral. Os Diários Oficiais do Maranhão forneciam diariamente dados sobre as referidas doenças, indicando que o maior número era a sífilis, seguida pela lepra. 83 Jornal “Tribuna”. São Luís – MA: Sexta-feira, 18 de Setembro de 1931, p.08.
58
louváveis propósitos da autoridade pública em melhorar as nossas condições
sanitárias grandemente comprometidas pela syphilis e suas ruinosas
conseqüências.
Até agora não sabemos as providencias que a policia promettia tomar para o
fim de pôr óbice aos effeitos devastadores da avaria. As difficuldades, que,
naturalmente, se teriam erguido deante da humanitária iniciativa policial, não
poderiam absolutamente ser de molde a lhe adiar ou entibiar as providências. As
estatísticas sanitárias sobre a prophylaxia da lues constituem o melhor e o mais
convincente argumento contra os que combatem a regulamentação da prostituição.
Onde ella é devida e cuidadosamente regulamentada, vem se notando o constante
decréscimo do número dos contaminados, em benefício da saúde da raça e da
própria dignidade da espécie.
Nos Estados Unidos da América do Norte, o meretrício não se acha sob a
acção directa de um regulamento legal. Mas, este facto não pode ser invocado pelos
que constituem a corrente que oppõe, neste assumpto, às providências da
autoridade policial. Ali, na grande república, o estranho facto tem a sua natural
explicação: o governo não reconhece a prostituição, seja qual for o modo de sua
manifestação. Não a reconhece, mas persegue a quem a pratica, impondo-lhe a
pena com que pune o crime de vagabundagem. Isto, porem, não tem sido bastante.
Persistem os seus effeitos desastrosos. Tem tomado intenso incremento a industria
criminosa dos abortos provocados, a diminuição da natalidade e os casamentos
precoces.
A polícia deve levar a effeito medidas tendentes a restringir a propagação das
moléstias venéreas, entre nós entrando, para esse fim, em immediato entendimento
59
com as autoridades sanitárias ou executando leis especialmente decretadas pela
interventoria.
A propósito, passamos para as nossas columnas um facto relatado pala
imprensa do Recife, referente ao assumpto em apreço:
<<A equipagem dos vasos de guerra italianos estacionados em nosso porto,
depois de ter passado pelos portos de Buenos-Ayres e de Montevidéo, depois de ter
percorrido meia parte do mundo, veiu quasi toda ella contaminar-se em Recife,
entre o meretrício não regulamentado e não localizado da culta, hygienizada e
policiada capital pernambucana. >>”84
No sentido de garantir a civilidade, a ordem, a saúde e a limpeza, médicos,
juristas e a polícia plasmavam teorias e práticas mais elaboradas. Pontuando a ação
policial, o Diário Oficial do Estado do Maranhão, de 4 de Abril de 1932, apresentava
o Decreto 259 de 30 de Março, no qual constava o novo Regulamento para a
Chefatura de Polícia do Estado. Tratava-se de uma releitura daquele de 1919,
acrescentando como dados, nacionalidade e profissão.
A mesma preocupação em “conhecer” os indivíduos era revigorada pela
ideologia varguista de valorização do trabalho e controle de estrangeiros em
território nacional.
Veja-se o capítulo III, “Das atribuições da polícia”, particularmente os artigos:
“13°- Compete às autoridades policiais:
I. Proceder a inquérito e todas as diligencias necessárias ao descobrimento
dos fatos criminosos e suas circunstancias, inclusive o corpo de delito.
84 Jornal “Tribuna”. São Luís – MA: Sábado, 26 de Setembro de 1931, p.1.
60
XXIV. Dissolver os ajuntamentos ilícitos ou sediosos.
XXVII. Fiscalizar os hotéis, albergues, hospedarias e quaisquer outros
estabelecimentos onde entrem e saiam, diariamente, hóspedes, obrigando os
proprietários, procuradores ou encarregados a ter um livro devidamente aberto e
rubricado pelo Chefe de Polícia ou pelo funcionário por ele designado, em que sejam
inscritos os nomes dos hóspedes, sua nacionalidade, idade, estado civil, profissão,
domicílio, procedência, destino, datas de entrada e saída e sinais característicos.
14°- Para o fim de que trata o n. XXVII do artigo precedente, os proprietários
de hotéis, casas de pensão, casas de cômodos e outras a estas equiparadas, são
obrigados a fornecer, semanalmente, à Delegacia Geral de Polícia da Capital , um
mapa do movimento de entradas e saídas de todos os seus hóspedes e destinos,
durante a semana finda, sob pena de multa de 100$000.
Parágrafo único – A Delegacia Geral de Polícia fornecerá mapas devidamente
vizados e rubricados pelo Delegado nos quais serão inscritos os nomes dos
hóspedes, sua nacionalidade, idade, estado civil, profissão, domicílio, procedência,
datas de entrada e saída e sinais característicos, de acordo com o estabelecido no
citado n. XXVII do art. 13°.”
Até os giros pelas ruas mereceram atenção especial. O capítulo XI do mesmo
Decreto fora todo dedicado a esmiuçar as funções de novos elementos responsáveis
pela ordem, os “Inspetores de Quarteirão”, pessoas comuns escolhidas pela polícia
para exercerem papéis de zeladores da “boa conduta social”.
“Artigo 50°- Aos Inspetores de Quarteirão incumbe:
61
I. Conter os ébrios85 e turbulentos, que, por palavras ou ações, ofendam
a tranqüilidade pública.
II. Informar à autoridade policial sobre as infrações, contravenções e
crimes que forem cometidos, assim como sobre suspeitos, vadios, mendigos,
vagabundos, gatunos, caftens e criminosos que se acharem no quarteirão.
III. Prender em casos de flagrante delito.
IV. Prender os pronunciados não afiançados e os condemnados à prisão,
quando tiverem ordem da autoridade policial.
V. Invocar o auxílio de cidadãos para efetuar prisões, quando não seja
possível requisitar da autoridade nem chegar em tempo, a força necessária
VI. Mostrar-se conhecedor das pessôas residentes do respectivo
quarteirão e do movimento das casas de pensões, hospedarias e estalagens.
VII. Observar as ordens e instruções das autoridades policiais.
VIII. Participar, semanalmente, aos subdelegados de policia, tudo que
houverem praticado no desempenho de suas funções.
Vagabundagem e condutas nocivas das mais diversas ordens mas,
principalmente o meretrício, continuavam fortemente reprimidas e nesse sentido
outro Decreto, o n°520 de 6 de Novembro de 1933, acentuava os contornos e as
práticas do controle social em São Luís.
Seu conteúdo, que autorizava o Chefe de Polícia a tomar medidas
“acauteladoras da moralidade pública”, dizia:
85 Sobre a “questão do alcoolismo” e as representações da figura do ébrio no período de 1890 a 1940 ver o artigo de Matos, Maria Izilda Santos de. O Lar e o Botequim. In; Cadernos CERU, série 2, n. 11, 2000.
62
“...attendendo ao que lhe foi representado pelo Chefe de Polícia do Estado
quanto a conveniência e necessidade de serem tomadas, com urgência, medidas
que, embora não previstas no Regulamento Policial vigente, estão a exigir prompta
execução, afim de attender os interesses e a moralidade da sociedade; e tendo em
vista que as famílias maranhenses não podem continuar prejudicadas com a falta de
respeito que repetidamente se vem traduzindo em actos e factos desabonadores da
moralidade publica, especialmente ao modo irregular como é exercido o meretrício
nesta capital, cuja fiscalização e actos preventivos se impõe sejam desde já postos
em execução, DECRETA:
Artigo Único – Fica desde já, o Chefe de Polícia auctorizado a promover as
medidas que julgar opportunas afim de que a moralidade, o respeito e a ordem não
mais sejam prejudicadas por actos ou práticas às mesmas attentorias, podendo para
isso baixar instrucções, impondo as penalidades que se tornarem precisas.”
O controle dos livros fora levado a cabo pelas autoridades policiais. Os vistos,
assim como anotações de não entrega de mapas, eram registrados em uma
listagem mensal onde constavam o número da casa e seu respectivo “proprietário”,
responsável.
Com a aproximação do golpe de 37 a fiscalização estatal sobre as condutas,
costumes e posturas na sociedade tornava-se mais enérgica. As medidas
passavam a incorporar o pagamento de multa de 200$000 réis e detenção por 24h
para aquele que em público, praticasse “actos immoraes” proferisse “palavras
obcenas” ou se comportasse de modo “deshonesto, offensivo ao pudor, que
pudesse ser visto ou ouvido pelos transeuntes ou vezinhos”. 86
86 Diário Oficial do Estado do Maranhão, sexta-feira 16 de Abril de 1937, p.07.
63
Reforçavam-se, insistentemente, os mecanismos de controle e
domesticação87 dos comportamentos e espaços, levando os locais concebidos como
focos de desordens a tornarem-se, cada vez mais, alvo de “preocupações” por parte
do Estado.
Observando a morfologia urbana de São Luís, nas primeiras décadas do
século XX, depara-se, com uma bem definida representação de um daqueles locais,
o espaço sexuado88 da cidade.
Circunscritas nas ruas da Palma, 14 de Julho, Joaquim Távora, 28 de Julho,
Nova, do Sol, Cândido Mendes, da Passagem, do Teatro, Luzia Bruce, Maranhão
Sobrinho, da Manga, da Saúde, da Lapa, Afonso Pena, Henriques Leal, Nina
Rodrigues, Tarquínio Lopes, 7 de Setembro, Regente Bráulio, Santa Rita..., Avenida
Pedro II, Fonte das Pedras, Praça João Lisboa... em meio a armazéns de louças e
vidros, de ferragens, de secos e molhados, de estivas e cereais, de inflamáveis, de
galas e funerais, de materiais de construção, ferreiros, marceneiros, alfaiates,
despachantes, sapateiros, dentistas, barbeiros, médicos, joalheiros, ourives,
consertadores de pianos, guarda-livros, tipografias, oficinas de encadernação, de
fotografias, de malas, de violões, livrarias, papelarias, cinematógrafos, farmácias,
mercearias, padarias, serrarias, colchoarias, lojas de fazendas, de quinquilharias, de
calçados, de miudezas, de perfumes, de chapéus, de artigos para automóvel, de
victrolas, fábricas de chapéos de sol, de móveis, de perfumes, de lenços, de sabão,
de vinagre, de tecidos, de óleos, de algodão medicinal, de gelo, de chocolates, de
massas alimentícias, de cigarros e pomadas, tavernas, clubes de diversões,
87 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma Cidade Na Transição. Op. cit.p.73. 88 PERROT, Michelle. Mulheres Públicas. SP: Unesp, 1998, p. 08.
64
tabacarias e botequins estavam as casas-de-cômodo, pensões e hospedarias de
meretrizes.89
Era ali o espaço geográfico das madamas, raparigas, borboletas, maripozas,
decahidas e horizontaes90...e tal visibilidade, pela concentração em locais de limites
bem definidos, certamente facilitou as ações da polícia91.
89 Diário Oficial do Estado do Maranhão, Terça-feira, 17 de Janeiro de 1933, p. 07.90 Outras expressões utilizadas, na época, como significado da palavra meretriz foram encontradas no Dicionário de Sinônimos e Locuções da Língua Portuguesa. Agenor Costa (org.). 1945. Biblioteca Pública do Estado do Maranhão “Benedito Leite”. São elas: acreana, alcouceira, andorinha, arruadeira, bagaceira, bagaço, bagaxa, bandarra, barca, bebena, biraia, bisca, biscaia, boi, bruaca, cação, cadela, canhão, cantoneira, carcaio, catraia, china, clori, coia, cocote, cortesã, concubina, cróia, culatra, culatrão, curta, dama, égua, ervoeira, fadista, fêmea, femeaço, findinga, fornicária, frega, frete, frincha, bubana, fusa, ganapa, gança, jereba, laís, lôba, loureira, lumia, manceba, marafona, marafantona, marca, marota, merreca, messalina, michela, miraia, moça, moça do fado, mulher da comédia, mulher à toa, mulher dama, mulher da rótula, mulher da rua, mulher de má nota, mulher de ponta de rua, mulher desgraçada, mulher da vida, mulher perdida, mulher do fado, mulher do fandango, mulher do pala aberto, mulher errada, mulher solteira, mulher vadia, mundana, mundária, murixaba, pécora, perdida, perua, pinóia, polaca, pôlha, porca, prostituta, puta, quenga, rameira, rascoa, reboque, rongó, solteira, sutrão, tapada, tolerada, tronga, vadia, vaquete e vertena. Zoina – de baixa classe. Boi, catraia – de soldado. Patrajona – elegante. Cortesã – estrangeira. Poloca – fina. Horizontal – imunda. Cagaçal – reles. Velha e reles – bagaço. Reles, muito reles – culatra, culatrão, culatrona, galdrapinha. Que anda pelos cantos das ruas – cantoneira. Que anda em cabana – cabaneira. Que vagueia – borboleta. Laure Adler em, A Vida Nos Bordéis De França, 1830-1930. Lisboa: Terramar, 1990, p. 8-9, indica o mesmo para as prostitutas francesas, “chamam-nas de mulheres de prazer, mulheres da noite, mulheres da vida airada, mulheres da farra, amiguinhas, mulheres de giro, mulheres de barreira, mulheres de beuglant, pedregosas, papa-ceias, andarilhas, cocottes, heteras, horizontais, pedestres, visitadoras de artistas, lorettes, frisettes, cabriolas, polvas, aquáticas, demi-castors, celibatárias prazenteiras, vénus crapulosas. Em As prostitutas de Roma. In: Amor e Sexualidade no Ocidente. Lisboa: Terramar, 1991, p.89, Catherine Salles resgata as origens dos termos hetaira e meretriz, “enquanto os Gregos haviam achado o elegante termo hetaires (companheiras) para designar as suas prostitutas, os Romanos dão às suas o nome trivial de meretrix (<<a que tira dinheiro do seu corpo>>). Noutros tempos, as prostitutas serão <<impuras>>, <<mulheres perdidas>> ou <<pecadoras>>. Em Roma, elas são <<aves de rapina>> ou <<vampiros>>!”91 Em São Luís a área ocupada pela prostituição, ao contrário de muitas outras cidades, não era periférica, mas integrava o espaço comercial e administrativo da cidade. Houve uma afluência de pessoas que se instalavam em grande parte na área central e não na periferia da cidade. As habitações de operários, pedreiros, catraeiros, meretrizes e outros, eram os antigos prédios que no século XIX, pertenceram aos senhores do algodão e ricos comerciantes. Segundo Maria José Penha dos Santos, Urbanização de São Luís – MA. Universidade Federal do Maranhão: Monografia de conclusão do curso de Ciências Imobiliárias, 1998. P.14, “A década de 20 (vinte) a 40 (quarenta) marca o investimento na infra-estrutura trazendo melhorias: saúde, transporte, energia, educação; devido ao declínio econômico na década de 30(trinta) e 40(quarenta) as transformações se refletem na expansão espacial da cidade, determinando o deslocamento da população para o Monte Castelo, dando início a desvalorização do Centro que passa a ser ocupado pela população pobre, dando formação aos cortiços os quais permanecem até os dias atuais”. No Relatório de 1940, p. 62 Paulo Ramos indica as obras que resultaram naquela modificação. “A construção da Avenida Getúlio Vargas, antigo Caminho Grande, a que acima fiz referência, merece também especial atenção.
65
Quando a Interventoria do Estado foi assumida por Paulo Ramos, a polícia
sofreu forte remanejamento. O posto de 1° delegado fora entregue a Flávio Nunes
Bezerra que breve assumiria a chefia de polícia. 92
No mesmo Relatório, apresentado em 193793 ao Interventor, o Tenente
Coronel José Faustino dos Santos e Silva, ainda Chefe de Polícia, demonstrara
especial atenção para as informações sobre os indivíduos que circulavam pela
capital ludovicense, principalmente nos hotéis, pensões, casas de cômodos e
hospedarias.
Constava na Seção de Ordem Política e Social, o registro de legalização de 5
hotéis, 11 pensões familiares, 21 de rapazes solteiros, 10 pensões “alegres” e 28
casas de cômodos e estalagens.
O levantamento do número de pessoas que transitaram por aqueles
estabelecimentos pôde ser feito a partir dos Livros de Registro de Hóspedes e
apenas no período de 12 de Julho a 15 de Setembro de 1937, calculou-se um total
de 2.474 hóspedes, 881 homens e 1.593 mulheres94 sendo que, 265 eram de
nacionalidade estrangeira95.
Iniciadas as obras da aludida via pública em 1939, foi, contudo, em 1940 que elas avançaram, a ponto de se encontrarem hoje próximas de seu têrmo. Esta avenida, pavimentada a concreto, com canteiros centrais, em planos salientes, e duas largas superfícies de rolamento, transformou a zona suburbana, por onde se estende, num dos melhores e mais modernizados trechos da Capital”. De acordo com os dados de funcionamento de Casas de Pensões e Cômodos acreditamos que tal fenômeno tenha se iniciado já na década de 20. 92 Sobre este assunto ver o Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Governador do Estado, Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, pelo Tte. Cel. Chefe de Polícia, Dr. José Faustino dos Santos e Silva. São Luís do Maranhão. RJ: Typ. Do Jornal do Commercio. Rodrigues & C. 1937, p. 25.93 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Governador do Estado, Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, pelo Tte. Cel. Chefe de Polícia, Dr. José Faustino dos Santos e Silva. Op. cit. p.31.94 Observa-se por este dado o processo de coagulação da mão de obra feminina, donde resulta em grande parte o meretrício.95 Pelo Decreto-Lei n°897 de 2 de Setembro de 1944, foi criada em São Luís, em caráter de emergência, a Delegacia Especial de Segurança Política e Social e de Estrangeiros. Subordinada à Chefatura de Polícia tinha como finalidade específica fiscalizar a entrada e saída de estrangeiros em território nacional, investigar atividades contrárias à legislação, promover registro, naturalização ou expulsão.
66
A rigorosa política de controle social seguia estendendo assim “seus
tentáculos aos mais variados setores da sociedade”. 96
O pensamento e imposição da ordem criavam repetidas e sucessivas
medidas para coagir qualquer tipo de manifestação ou atitudes contrárias ao
estabelecido pelo governo.
Assim, outro campo de ataque foram as festas populares. Em particular o
carnaval, que se desregrado e sem a vigilância das autoridades policiais poderia,
para a política que alicerçava o governo, colocar em risco a moral e os bons
costumes da sociedade.
Foi pela ocasião do carnaval de 1940 em São Luís que a Chefatura de
Polícia, já na pessoa de Flávio Bezerra, lançou um elenco de normas que deveriam
ser seguidas durante o período das brincadeiras. Entre outras resolvia que:
“4°- Os bailes de entrada paga e os cabarés não poderão funcionar sem
previa licença da Polícia;
5°- Essas licenças serão dadas mediante requerimento sellado, de um
responsável, ao Chefe de Polícia, do qual constará a denominação do grupo, o
nome e a residência de cada um dos seus componentes ou, no caso de de bailes
públicos e cabarés, a declaração da rua e número do prédio onde vae funccionar;
6° - Todas essas licenças serão pagas em sellos adhesivos do Estado,
de accordo com a tabella da Polícia;
7° - A entrada dos bailes públicos e cabarés, será feito pela Polícia o
reconhecimento das pessôas mascaradas;
96 SOIHET, Rachel. A INTERDIÇÃO E O TRANSBORDAMENTO DO DESEJO: Mulher e Carnaval no Rio de Janeiro (1890-1945). In; Espaço Feminino, v.1/2, Ano 2, Jan./Dez. 1995. Universidade Federal de Uberlândia, Departamento de História, CDHIS, NEGUEM.
67
8°- Não serão permittidas as phantasias transparentes e máscaras de crítica
ou allusivas aos membros dos poderes públicos, às autoridades em geral, ao clero,
bem assim as que tenham emblemas, distinctivos, bonés, fitas, golas, botões e
galões semelhantes aos adoptados pelas classes armadas do País;
11°- Fica prohibido o ingresso de menores nos bailes carnavalescos,
principalmente nos de entrada paga e cabarés;
14° - Os donos dos bailes e cabarés serão responsáveis pela ordem e
moralidade nos mesmos;
16° - Nos bailes públicos e cabarés haverá número sufficiente de
investigadores e policiaes para a fiscalização e execução das presentes instrucções.
Mesmo após o surgimento do rádio, os jornais continuavam poderosos
instrumentos de divulgação das idéias, projetos e ações do governo.
No Estado Novo, as questões centrais para o Estado, corporificado na figura
de Getúlio Vargas, voltavam-se para uma consciência nacional onde, a família, o
trabalho e a Pátria eram os pilares.
Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro, “criavam-se novos mitos e fortaleceram-
se velhos símbolos, dando-lhes uma roupagem oficial e, muitas vezes, científica.
Recuperaram-se valores dentre os quais o culto aos heróis, líderes e símbolos da
pátria; à nacionalidade, à disciplina, à moral, ao trabalho e aos valores do
catolicismo tradicional.”97
Não por outro motivo, a data de 7 de Setembro de 1940 fora escolhida para
publicar no Jornal “O Globo” de São Luís uma ampla matéria com o “sugestivo” título
97 Carneiro, Maria Luiza Tucci. O Anti-Semitismo na Era Vargas (1930-1945). SP: Brasiliense, 1995, p.124.
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de “A polícia civil do Maranhão: um departamento modelar na vida administrativa do
Estado”.
Destacando a atuação de Flávio Bezerra na prevenção das perturbações da
ordem e na preservação do público “da influência nociva dos inimigos da sociedade”,
salientou a questão do meretrício emoldurada nos conceitos estadonovistas.
Incluindo o meretrício no conjunto de “quistos sociais” e “indesejáveis”98
afirmava,
“Chaga social sobre a qual se tem escripto páginas as mais vivas, o
meretrício é um desses muitos males contra o qual a repressão não pode ser feita
violentamente, taes os complexos problemas que encerra. A acção policial nesse
sector, tem que ser antes de tudo, preventiva e acauteladora do decoro público. Em
todas as grandes capitaes a localização do meretrício é medida que se impõe. É um
isolamento necessário de grande valor social. O Dr. Flávio Bezerra, technico perfeito
na arte de policiar os costumes, zelador do decoro publico, em dia com a evolução
dos methodos scientíficos de polícia, fez na capital esta coisa que a tantos parecia
difficilima: isolou do organismo social esse campo corroído, localisou o meretrício e
fez mais: iniciou o combate às casas de “rendez-vous”. ”99
Os limites do permitido, do conveniente, do limpo, do sadio, do moderno e em
última instância, congregando todos os outros, do civilizado, eram traçados com
matizes mais fortes. Para além ficavam as práticas e manifestações de “selvageria”
e atraso.
98 Carneiro, Maria Luiza. O Anti-Semitismo na Era Vargas. op. cit. p. 179. 99 Jornal “O Globo”, 7 de Setembro de 1940, p. 1.
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Naquele contexto, as imagens de “progresso” eram estendidas às estruturas
físicas da cidade e nas intenções em transformar o espaço urbano destaca-se o
episódio que envolveu, em 1937, o então prefeito de São Luís, engenheiro Otacílio
Sabóia Ribeiro.
Segundo Mário Meireles, o “jovem urbanista, pensou em plano, talvez
mirabolante, que lhe desse maior fama, qual foi o de transformar a velha capital
maranhense, de perfil colonial com seus vetustos sobradões de fachadas de azulejo
e sacada de ferro, com suas ruas tortuosas, em uma cidade de feição moderna, de
retilíneas avenidas e ruas espaçosas e em que o encanto dos mirantes bisbilhoteiros
cedesse lugar à dureza retilínea dos arranha-céus.
Para isso sem dúvida que seriam necessários largos recursos e ele,
preparando-se para dar a arrancada inicial na execução de seu plano, apresentou à
Câmara Municipal uma mensagem que abria um crédito especial de Rs. 8.000:
000$000, muitas vezes superior às possibilidades do erário da comuna. No quanto
de ameaça nisso se poderia antever para os bolsos dos munícipes, ainda mais
quando suas atitudes autoritárias já haviam criado um clima de confronto que
obrigara muitas empresas a recorrer ao Poder Judiciário, provocou um movimento
de resistência a que ele, na mensagem, se antecipou em violenta reação, ofensiva e
grosseira contra toda a comunidade e, em especial, contra a Associação Comercial.
(...) Desse seu plano, de tão graves conseqüências, e que em uma mínima
parte seria executado por seu sucessor, o Dr. Pedro Neiva de Santana, são a
triplicação, em largura, da Rua do Egito desde o Largo do Carmo, rumo norte, até a
Avenida Beira-Mar, fazendo desaparecer o pequeno Largo do Rosário e
sobrepassando, no fim, o estreito e tortuoso Beco do Machado, e a abertura da larga
70
Avenida Magalhães de Almeida, rasgada em diagonal, rumo sul, desde o chamado
Canto Grande, na esquina da Rua Formosa com o Largo do Carmo, até onde
terminava a Praia da Olaria que, então aterrada, servia de chão para os alicerces do
novo Mercado Municipal, que substituiu aquele outro, já famoso pela imundície de
suas instalações, situada entre o Beco Escuro e a Rua da Fonte das Pedras, de uma
parte, e a Rua Nova e a Travessa do Pontal, da outra. 100
De modo análogo, Paulo Ramos dava continuidade à execução de planos de
reformistas.
“Velhas praças, de construção centenária, desniveladas e mal calçadas,
tornaram-se apraziveis logradouros; ruas estreitas e tortuosas, traçadas ainda nos
tempos coloniais, foram alargadas ou transformadas em modernas avenidas; o
antigo Caminho Grande, única via de acesso ao interior da ilha e que nunca tinha
merecido os cuidados da administração local, começou a receber magnífica
pavimentação e está sendo cuidadosamente arborizado. A cidade passou, em suma,
a ostentar uma nova fisionomia, bem diferente daquela que lhe imprimiram os
colonizadores e que conservava até há bem pouco tempo.”101
Por outro lado, os jornais prosseguiam publicando as contemplações dos
intentos para uma sociedade polida. A ordem, concebida como pré-requisito para o
progresso, indicava a permanência de teorias européias como o evolucionismo
social, o positivismo, o naturalismo e o darwinismo social.
Emblema dos valores morais adequados à aquela idéia de nação, o
casamento e a honra eram (re)colocados como essenciais e à mulher destinavam-se
100 MEIRELES, Mário M.. História do Comércio do Maranhão. Op. cit. p. 36-37. 101 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Dr. Paulo Martins de Souza Ramos, Interventor Federal no Estado do Maranhão. D.E.I.P. 1941, p.61
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comportamentos modelares, voltados à maternidade e à família. Assim,
estereótipos eram impressos contrapondo os conceitos da boa-mãe / boa-esposa e
da meretriz. Segundo Rachel Soihet,
“A medicina social assegurava como características femininas, por razões
biológicas: a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as
intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal .As características
atribuídas às mulheres eram suficientes para justificar que se exigisse delas uma
atitude de submissão, um comportamento que não maculasse sua honra. Estavam
impedidas do exercício da sexualidade antes de casarem e, depois, deviam restringi-
la ao âmbito desse casamento. Aquelas dotadas de erotismo intenso e forte
inteligência seriam despidas do sentimento de maternidade, característica inata da
mulher normal, e consideradas extremamente perigosas. Constituíam-se nas
criminosas natas, nas prostitutas e nas, loucas que deveriam ser afastadas do
convívio social.”102
Nesse sentido, menções constantes, nas páginas da imprensa diária, de
temas a respeito da prostituição, confirmavam a permanência de seu corpo físico e
social no cenário urbano ludovicense103.
Expressando o discurso de exaltação do trabalho, da família e da fé católica e
referendando as delimitações de papéis que contrapunham a prostituta à esposa-
mãe-católica, o jornal “O Globo” de São Luís, publicou na quarta-feira, 7 de Julho de
102 SOIHET, Rachel. Mulheres Pobres e Violência no Brasil Urbano. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997.103 Roberto Machado, na introdução do livro Microfísica do Poder. RJ: Graal, 2000, p. XI, de Michel Foucault, abserva que para o filósofo é evidente “a existência de formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele articuladas de maneiras variadas e que são indispensáveis inclusive a sua sustentação e atuação eficaz”.
72
1943 o artigo “O drama de uma civilização derrocada” no qual destrinchava, sob a
luz dos conceitos pregados, a questão do meretrício.
Apresentado na coluna “Os Bastidores da Cidade”, configurava de imediato
uma idéia de lado escuro, oculto, encoberto, sem visibilidade e desconhecido do
assunto cuja menção recobraria, de forma enfática, a identidade do câncer social.
Diagnosticada como um mal que ameaçava a saúde física, moral e social da
população urbana, definia a prostituição “como fonte da doença social em dois
sentidos básicos: seja enquanto espaço de reprodução da miséria, seja enquanto
lugar de produção do luxo ilícito.”104
Refletindo a lógica da “medicalização social”, elementos como sujeira,
infelicidade, doenças, frustrações, psicopatias, pecados e crimes apareciam
identificados com a atividade.
Dizia, entre outros:
“Descendo a rua 28 e subindo a rua da Palma, o repórter encontrou, nos
velhos sobradões coloniais, desses trêchos da cidade, as que se perderam um dia e
mergulharam na lama. Pobres maripôsas que queimaram as azas a luz dos fogos
fátuos, se me permitem a frase literária. Jovens ainda vindas de todos os recantos
do Estado ou mesmo dos subúrbios da cidade, elas vivem a mais desgraçada das
vidas, mercadejando o corpo, vendendo prazer e luxúria, ganhando em troca sífilis e
tuberculose, não raras vezes , lepra e loucura, enriquecendo com esse comércio
infame as gordas e austeras “madames”.
104 ENGEL, Magali. Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro(1840-1890). SP: Brasiliense, 1988, p.98. Embora falando da realidade verificada em fins dos oitocentos na cidade do Rio de Janeiro, Engel nos apresenta um quadro de significativas similitudes com São Luís da primeira metade do XX.
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A princípio ingênuas, em menos de um mês tornam-se verdadeiras “vampas”
fazendo a miséria de milhares de homens, conhecendo todos os artifícios da arte
das messalinas. Aparentemente são felizes, no íntimo, porém, são todas
desgraçadas.
Quando a cidade dorme, elas acordam para a vida “alegre” dos lupanares105.
Semi-nuas, dentro dos luxuosos “soirées”, dansam, bebem, jogam e fumam,
descendo a cada dia mais um degrau da degenerêscencia humana.
A custa dos corpos dessas infelizes, gordas e austeras mulheres, fazem
fortuna com rapidez. Compram sítios, palacetes, sobrados, caminhões, etc.. É o
mais rendoso dos negócios, segundo a palavra de uma das madames em conversa
com o repórter quando da sua primeira visita ao bairro das mulheres de ninguém.
Primeira visita, meus senhores por esta luz que nos alumia. Para os espíritos bem
formados uma visita a esse recanto da cidade, só é motivo para comiseração.
Aquele borburinho de mulheres, algumas de beleza rara, só inspira piedade e
vergonha. Vergonha ante a degradação humana que se vê. Criaturas sem futuro,
atiradas ao mais negro dos abandonos, cuja perspectiva ou é um sanatório ou um
leprosário ou um manicômio. Olha-las de perto e ter em mente o destino que
auguramos para as nossas filhas e irmãs, toca-nos o coração o sentimento de
piedade. Elas também sonharam com o príncipe encantado, tiveram lindos sonhos
105 Segundo Catherine Salles em, As prostitutas de Roma. op. cit. p.87, o termo lupanar tem sua origem vinculada à história romana. “Roma deve sua fundação a uma loba. As moedas ou as esculturas reproduziram persistentemente este símbolo nacional: a imagem insólita do animal selvagem a amamentar Rómulo e Remo. No entanto desde a Antiguidade, os historiadores empenharam-se em racionalizar este mito para descobrir, subjacente a ele, uma realidade muito mais trivial: os bebés abandonados não ficaram a dever a sua salvação ao leite de uma loba compassiva, mas sim à caridade de uma mulher, a quem chamavam Lupa (loba) os pastores com quem ela se prostituía _ aliás, uma alcunha que, segundo os Antigos, ligava a obscenidade proverbial, o cheiro e a avidez do animal às prostitutas. Seja fantasia ou não esta etimologia, a prostituta continuou a ser, para os Romanos, a <<loba>> à espreita da sua presa, no seu antro, o lupanar.”
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de noivado, algumas tiveram bonecas na infância e pensaram ser mães, um dia.
Hoje vivem como monturos, enganando a um e a outro, mentindo de amor ao
primeiro que lhe pague uma cerveja e lhe dê um cigarro. E enquanto isso, as
“respeitáveis Madames” vão enchendo as arcas dos seus tesouros.
...Observando, atentamente, aqui e ali, esteve presente, em cincoenta
“pensões”, aproximadamente, desde a mais grã-fina a mais baixa onde vivem as
mulheres do vício e pecado, miséria e amargura. Tanto na Monte-Cristo, como na
Elite, ou no “Mata-Home”, mergulhadas na lama do Portinho, o grito de protesto é
um só. Há, todavia, exceções, como as há em todas as regras. Existem mulheres
que vivem satisfeitas com a vida que levam ali, conforme pôde o repórter observar.
Deixá-las, porém, entregues ao sabor dos imprevistos, isso é um crime. O vício que
campêa nos lupanares da cidade semelha aqueles transes em que se encontraram
no determinismo histórico, certas civilizações antigas. Citar exemplos seria
“snobismo”. Qualquer segundo anista ginazial é conhecedor do assunto. A
prostituição prolifera e os bordéis recebem a cada dia mais vítimas da maldade dos
homens ou das inexperiências da vida que norteiam os cérebros femininos de
quatorze anos. Reconhecemos que o problema que o problema é árduo e difícil de
resolver. Roma não se fez num dia. E extinguir a prostituição, corrigir um erro
histórico não é tarefa fácil.
...Porque os nossos poderes constituídos pela soberania da vontade popular
não voltam os olhos para os prostíbulos e, nesta época de tantas realizações, não
lançam, naquela zona, a pedra fundamental de um hospital venéreo?
Médicos especialistas, enfermeiros competentes, num ambiente hospitalar,
onde exista o que de mais moderno possue a ciência, dariam, remunerados pelo
75
Estado, assistência às “mulheres da vida”, evitando assim o contágio permanente, já
que não se pode debelar o mal. Seria uma obra humanitária que levaria às páginas
da História qualquer governante, que tomasse a si a iniciativa. Dentro em pouco as
estatísticas viriam mostrar o grande alcance da obra. Seria menor o número de
tuberculosos e diminuiria, consideravelmente, o número das leprosas e psicopatas.
...Enquanto não se resolve também o problema da alimentação
(positivamente o Brasil é o país dos problemas), dando margem a que os menos
afortunados, como as messalinas, por exemplo, levem uma melhor vida, que se urge
a construção do hospital, a que nos referimos linhas acima. Delas, em maior parte,
depende a eugenia da raça. Para uma pátria forte são precisos homens sãos. E os
pais de família que descem até as ruas da Palma e 28 levam para os seus lares,
borbulhando em suas velas, os germens da sífilis. E a sífilis, meus senhores, nunca
fez homens fortes106.
Antro de crimes e de perdição a “zona”, com seus bordéis e lupanares,
constitue uma nódoa para nossos fóros de povo civilizado e se apresenta, aos
nossos olhos como o teatro onde se apresenta aos nossos como o teatro onde se
desenrola o drama de uma civilização derrocada. ”107
Em tais discursos, higiênicos e disciplinantes, as repetidas associações do
meretrício com a propagação de doenças infecto-contagiosas reforçavam as ações
106 Ver o que diz sobre este mesmo assunto, Margareth Rago, Trabalho Feminino e Sexualidade. In: DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997, p. 591. “De modo geral, no momento em que a industrializaçào absorveu várias das atividades outrora exercidas na unidade doméstica – a fabricação de tecidos, pão, manteiga, doces, vela, fósforo – desvalorizou os serviços relacionados ao lar. Ao mesmo tempo, a ideologia da maternidade foi revigorada pelo discurso masculino: ser mãe, mais do que nunca, tornou-se a principal missão da mulher num mundo em que se procurava estabelecer rígidas fronteiras entre a esfera pública, definida como essencialmente masculina, e a privada, vista como lugar natural da esposa – mãe – dona de casa e de seus filhos.” 107 O Globo. São Luís, quarta-feira, 7 de Julho de 1943, p. 1.
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sanitárias. Como afirma Margareth Rago, “de ponta a ponta, recorre-se à mesma
operação conceitual que vincula pobreza-saúde-imoralidade.”108
A par disto verificamos, nos Diários Oficiais do Estado do Maranhão109, a
existência de um setor dedicado aos registros de moléstias infecto-contagiosas,
referentes às internações feitas no Hospital Central, dentre as quais a sífilis
apresentava maior índice de doentes, seguida pela lepra.
Em 28 de Outubro de 1948, o jornal “O Imparcial”, trouxe uma grande matéria
intitulada “Será interditada a zona do meretrício”. Seu conteúdo, uma palestra feita
pelo “leprólogo maranhense”, Achiles Lisboa, indicava as medidas a serem tomadas
pelo Serviço de Higiene Estadual no combate à lepra, dentre as quais a
necessidade da interdição da zona do meretrício, na visão do médico um dos
principais vetores da doença.
Dizia o periódico,
“O cientista Achiles Lisbôa pronunciou, na Assembléia Legislativa do Estado,
importantíssima palestra sobre o problema da lepra no Maranhão. O orador como o
Imparcial divulgou com abundância de detalhes, teceu considerações de ordem
geral sobre a moléstia em todo o mundo, particularisando o caso especial de São
Luís que, segundo revelou, sofre a terrível ameaça de transformar-se em um futuro
leprosário.
Profligou o Dr. Achiles Lisbôa o fato dos terrenos próximos ao
Cemitério do Gavião, onde até bem pouco tempo habitaram os leprosos, estar sendo
108 RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Paz e Terra, 1985, p.189.109 Anos de 1924 a 1930.
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utilisado para construção de casas. O contacto com aqueles terrenos, diz o cientista,
facilita o contagio da moléstia de maneira a mais alarmante.
A conferencia do grande leprologo maranhense pode-se dizer que foi um grito
de alerta e a sua repercussão nós a teremos muito em breve através das
providencias que a Assembléia certamente sugerirá ao governo do Estado, dentre
as quais se fazem sentir com maior urgência são a interdição e incineração dos
terrenos do Gavião e o exame na zona do meretrício.
O Dr. Achiles Lisbôa, em seu fundamentado relatório combate tenazmente
essa doutrina, citando casos inúmeros de pessoas que adqueriram a moléstia pela
moradia em casas anteriormente habitadas por leprosos e uso de objetos a esses
pertencentes.
O Dr. Achiles Lisbôa cita, igualmente, o professor brasileiro Adolfe Lutz que
sustentava que os bacilos da tuberculose como da lepra podem existir sem mostrar
a forma clássica do seu vírus e tem nas suas granulações o elemento infectante e
resistente, capaz de regenerá-las em dadas condições.
E prosseguindo na ordem de considerações, assim se manifesta o Dr.
Achiles Lisbôa:
_Ora, é justamente essa forma granular que ali está a impregnar o terreno do
Gavião, conservando-se naquele saprofitismo perigoso para, em qualquer tempo
infectar os que forem revolvê-lo para construção de casas de moradia.
E diz ainda o Dr. Achiles Lisbôa, ferindo um ponto que nos parece
profundamente importante:
_No mesmo decreto que o Legislativo obrigara o Serviço de Higiene Estadual
a vigilância rigorosa e continuada da zona do meretrício que deverá ser também
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interditada até rigorosa desinfecção nos trechos em que se apurem os casos de
lepra suspeita. Deverá a mesma Higiene pelo que apurar da inspeção feita pelas
visitadoras, tomar providencias para o isolamento dos casos que encontrar e
interdição das moradias onde se observarem, até que as medidas de desinfecção
rigorosíssima se possam praticar, sendo preciso notar que, em tais medidas de
desinfecção o expurgo deve ser absoluto e demorado.
_A brilhante palestra sobre a lepra, pronunciada na Assembléia Legislativa,
pelo eminente cientista patrício Dr. Achiles Lisbôa, expressa os seus profundos
conhecimentos sobre o terrível mal de Hansen e que urge combater sem tréguas,
para felicidade da humanidade e, em particular do Brasil, nossa pátria estremecida”.
_O assunto é de importância transcendental e ao que tudo indica, resolve um
dos mais importantes problemas de nossa cidade. Todas as providências
preconizadas para que alcancemos a finalidade a que se propõe o cientista Achiles
Lisbôa serão aceitas pela maioria, pois se trata de interesse do povo”. 110
A medicalização da sociedade era revelada pela interferência do saber
médico na definição e busca de soluções para os problemas da cidade, como
mostra o artigo. Todavia a ânsia em identificar e combater as ameaças
representadas pela prostituição ou, a dimensão de seu perigo, não estava restrita ao
campo da medicina.
As fronteiras entre o sadio e o doente alcançavam dimensões maiores.
110 Jornal Imparcial. São Luís, quinta-feira 28 de Outubro de 1948, p.8 e 2 (conclusão). É importante ressaltar que já em 1933, pelo Decreto n°544 de 27 de Dezembro, foram estabelecidas normas para o estabelecimento de um recenseamento sanitário na capital do Maranhão que forneceria às pessoas recenseadas uma caderneta sanitária.
79
Os freqüentes artigos da imprensa ludovicense atestavam a ênfase da
codificação dos papéis sociais, onde a representação das meretrizes girava em
torno de imagens contrapostas à da boa mãe.
Contudo, acredita-se que por trás da identidade, forjada por um discurso
higienista-conservador, de loucas, instáveis, vadias, sedutoras, doentes, frívolas,
imaturas, etc., estavam mulheres que atraídas pelos potenciais (ilusórios) do
mercado de trabalho urbano, vieram para São Luís e acabaram presas, pela perda
de alternativas, em uma situação que as bloqueava na sua expectativa de produção
e evolução social.
Parte II - Decahidas e Horizontaes111: os olhares da história
Histórias de Meretrizes: observações sobre a historiografia da prostituição 112
Resultado de um processo iniciado em 1929, com a fundação da Escola dos
Annales, a década de 70 representou para a historiografia um grande momento de
mudanças. Temas, até então considerados secundários para a compreensão das
sociedades, passaram a fazer parte das pesquisas e os silêncios da história eram
enfim interrogados. Infância, a morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira e a
limpeza, os gestos, o corpo, a feminilidade, a leitura, a família, as mulheres... 113
111 Se o termo “decaída” nos alude a questão religiosa do pecado, o “horizontal” nos remete à sociedade maquínica, dinâmica e geométrica que se instala em fins do XIX. 112 Sem pretender esgotar as obras sobre o tema, apresentam-se as mais significativas na construção desta pesquisa.113 BURKE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas. SP: Ed. Universidade Paulista, 1992.
80
passavam a ser contemplados, ampliando o leque de investigações e o
entendimento sobre os momentos históricos.
Naquele contexto, a história das mulheres e as possibilidades de linhas de
pesquisa que apresentava, atrairam diversos historiadores, dentre as quais o estudo
sobre a prostituição.
O que se verifica, porém é que, em grande parte das abordagens, o tema
encontra-se inserido em análises mais abrangentes como casamento, sexualidade,
urbanização e industrialização.
A historiografia internacional.
Falar da prostituição é falar do corpo, do sexo, dos prazeres, de doenças, de
cenários urbanos...
Em “O Cavaleiro, a Mulher e o Padre”114, Georges Duby percorreu a história
do casamento europeu no século XIII, mostrando o processo de subserviência da
mulher em relação ao homem.
Naquele momento, a Igreja católica ampliava seus poderes tornando mais
rígidos seus princípios.
Os laços matrimoniais passavam a ser considerados indissolúveis, baseados
nas leis divinas e por elas abençoados. Por outro lado, à medida que se ampliava o
culto à Virgem Maria, honra, fidelidade, castidade, passividade e obediência à
114 DUBY, Georges. O Cavaleiro, A Mulher E O Padre; o casamento na França feudal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1988.
81
autoridade do homem afiguravam-se, tenazes símbolos esponsais enquanto orgias,
devassidão e prostituição eram castigadas com doenças.
Na obra, Duby resgatou a gênese daqueles modelos impostos às mulheres,
muitos dos quais atravessaram vários séculos.
Segundo o historiador, “certos excertos de São Jerônimo convidam à
castidade: <<no casamento, fazer o amor voluptuosa e imoderadamente é
adultério>>; o que é o illicitus concubitus, o que é abusar-se da sua esposa? É usar
das partes do corpo dela que não se destinam à procriação. Ora é óbvio que a
luxúria, no casal, vem da mulher; logo esta deve ser rigorosamente reprimida.
Acumulam-se as alusões a Ambrósio, a Agostinho, que a colocam sob a dominação
(dominium) do seu homem: << se houver discórdia entre marido e mulher, que o
marido dome a mulher e que a mulher domada seja submissa ao homem. A mulher
submissa ao homem, é a paz dentro de casa.>> E visto que Adão foi induzido em
tentação por Eva e não Eva por Adão, é justo que o homem assuma o governo da
mulher>>; <<o homem deve comandar (imperare), a mulher obedecer
(obtemperare)>>; <<a ordem natural é que a mulher sirva o homem>>115
Pensando a desconfiança em relação ao sexo, expressada por pastores e
doutores ao longo da História, Marcel Bernos, Philippe Lécrivain, Charles de La
Roncière e Jean Guinon lançaram em 1985 o livro “O Fruto Proibido”116.
Indicaram como as teorias e práticas acerca da sexualidade, pregadas pela
Igreja, foram heranças da Antigüidade e resumiram-se, quase até os dias atuais, à
115 DUBY, Georges. O Cavaleiro, A Mulher E O Padre; o casamento na França feudal. op. cit. p.118-119.116 BERNOS, Marcel; DE LA RONCIÈRE, Charles; GUINON, Jean & LÉCRIVAIN, Philippe. O Fruto Proibido. Lisboa: Edições 70, 1985.
82
sexualidade conjugal sacramentada. Esta, muitas vezes, reduzida quase
exclusivamente à função da produção de filhos.
A violação das prescrições eclesiásticas traduzia-se no pecado, que como tal
era reprimido. Sobre a meretriz, algumas esparsas colocações são feitas.
No que denomina “Os amores em pecado”, Lécrivain mostra que, “bem
diferente é a situação da sedutora que perdeu a consideração ao multiplicar as
aventuras. Tudo depende da vindicta popular. Se esta é fraca, a rapariga ainda pode
esperar encontrar um partido num prazo mais ou menos breve. Se, pelo contrário, é
forte, a rapariga-mãe é excluída da aldeia sob a categoria de mulher da má vida, ou
pelo menos de costumes fáceis, em que a insaciabilidade sexual, real ou imaginária,
provoca o receio e a atracção. (...) Tudo o que pode perturbar a ordem social e
económica da comunidade, como o casamento de um viúvo com uma rapariga da
região, é coberto de vergonha em nome da defesa dos herdeiros do primeiro
casamento, do respeito dos mortos ou da reserva endogâmica.”117
Mas a obra vai além, ao pretender um enfoque dos cristãos e da sexualidade
e não da Igreja e da sexualidade o que significa uma observação mais aproximada
das posturas dos indivíduos frente aos ideais pregados.
Se para a Igreja o sexo era (é?) entendido como “fruto proibido”, seria isto
válido para os cristãos como um todo?
Também centrado no cenário medieval do século XIII, Jacques Rossiaud,
publicou “La Prostitución en el Medievo”118.
117 BERNOS, Marcel; DE LA RONCIÈRE, Charles; GUINON, Jean & LÉCRIVAIN, Philippe. op. cit. p. 239-240.118 ROSSIAUD, Jacques. La Prostitución en el Medievo. Barcelona: Editorial Ariel, S. A., 1986.
83
Na obra, mostrou que o estudo da prostituição possui uma amplitude e
significado que ultrapassam os limites da sexualidade.
Para o autor, compreender a prostituição eqüivale a defini-la em função das
estruturas demográficas e matrimoniais, da normalidade ou dos desvios sexuais, dos
valores culturais e das mentalidades coletivas dos grupos sociais que a toleram ou
reprimem. Podendo ser considerada uma tarefa ambiciosa é, a seu ver, a única que
permite explorar a vasta zona obscura que separa os dois níveis: o das ideologias e
a moral e o dos comportamentos demográficos.
Tomando como exemplo a rede de cidades ribeirinhas do sudeste de
Borgonha a Provença, observou que todos os bairros, próximos Ródano, contavam
com prostíbulos. Neste sentido, destacou a importância de se conhecer a
prostituição urbana observando nas condições econômicas locais e nos
comportamentos sexuais, elementos fundamentais na análise.
No centro das indagações Rossiaud refletiu se a prostituição seria, ao menos
nas fronteiras da comunidade urbana, um comércio, como tantos outros, destinado
principalmente aos forasteiros ou seria uma criação da coletividade para suas
próprias necessidades.
Igualmente na perspectiva dos questionamentos, Michelle Perrot, em 1988,
dedicou o capítulo “Mulheres” do livro “Os Excluídos da História”119 ao entendimento
dos poderes e opressões femininos.
Segundo a autora, no século XIX, as mulheres quando não omitidas nas
produções historiográficas, em função do caráter masculino que as rege, apareciam
em imagens dicotômicas.
119 PERROT, Michelle. Os excluídos da História. RJ: Paz e Terra, 1988.
84
Tarefa dos estudos, o que importa para a autora é reencontrar “as mulheres
em ação, inovando em suas práticas, mulheres dotadas de vida, e não
absolutamente como autômatas, mas criando elas mesmas o movimento da
história”120.
Dedicado exclusivamente ao estudo da prostituição na França de 1830 a
1930, “A Vida nos Bordéis de França”121, de Laure Adler destaca-se por ter sido um
dos primeiros da historiografia.
Recortando a atividade no XIX e início do XX na França, esmiuçou suas
formas, locais e cotidiano permitindo que fossem conhecidos elementos e pessoas
que compunham as relações daquelas mulheres cuja história poucas vezes havia
sido percebida.
Segundo a autora, no século XIX, a prostituição sofreu uma mudança de
estatuto, ou de natureza, pois inquietou todos que se julgavam responsáveis pela
missão de zelar pela boa ordem social.
A lógica higienista que se instalava nas grandes cidades associava-se à
preocupação com a disseminação de doenças. O medo da sífilis, da tuberculose,
entre outras criavam serviços de vigilância sanitária levando regularmente as
meretrizes a hospitais.
Outros elementos cuidadosamente examinados por Adler foram os nomes,
formas de vestir, de se comportar, de conduzir a atividade, de morar, de adoecer, de
curar e de tratar com a polícia.
120 PERROT, Michelle. Os excluídos da História. op. cit. p.187.121 ADLER, Laure. A Vida nos Bordéis de França; 1830-1930. Lisboa: Terramar, 1990.
85
Percorrendo o histórico das prostitutas de Roma122, Catherine Salles fez uma
breve, porém minuciosa análise do meretrício naquele contexto.
Dissecando o mito da fundação de Roma mostrou que a “loba”, responsável
pela salvação dos bebês abandonados era “Lupa”, uma mulher que se prostituía
com os pastores.
A partir de então discorreu sobre o “lupanar” e a “meretrix” mostrando a
familiaridade da figura da prostituta em Roma, seus níveis ( de Súbur e do Grande
Circo), formas da atividade, modos de vestir e as diferenças e semelhanças com as
hetairas gregas.
Também ressaltou como as prostitutas distinguiam-se das “outras” mulheres
que circulavam pelas ruas da Roma antiga: proibidas de usar vestidos compridos,
destinados às matronas e esposas legítimas, deveriam usar uma toga castanha a
fim de dissimular as roupas exóticas, transparentes ou de cores fortes.
Outro detalhe interessante era a prática de regimes alimentares para evitar
que engordassem. Também eram comuns as pinturas nos rostos onde procuravam
realçar as “maçãs”, os cílios e as sobrancelhas. Os cabelos, por sua vez, eram
pintados de vermelho ou louro e o corpo adornado com pulseiras, anéis, colares e
tornozeleiras.
Apontando as prostitutas como parte integrante da vida urbana na Idade
Média, Jeffrey Richards, lançou em 1991 “Sex, Dissidence and Damnation” 123.
122 SALLES, Catherine. As prostitutas de Roma. In: Amor e Sexualidade no Ocidente. Lisboa: Terramar, 1991. 123 RICHARDS, Jeffrey. Sex, Dissidence and Damnation; Minority Groups in the Middle Ages. London; NY: Routledge, 1990.
86
Figuras familiares nos poemas, histórias, músicas e crônicas as prostitutas
eram solicitadas nas tavernas, avenidas, banhos-públicos e até em igrejas mas,
sobretudo estavam nos bairros da “luz vermelha”.
Segundo estatísticas levantadas por Richards, muitas eram as razões que
levavam mulheres de várias idades a se prostituírem: pobreza, inclinação natural,
perda de status social, distúrbios, experiência de violência ou incesto familiar.
Assinalou o papel da Madame já como elemento de autoridade e gerência
das atividades e para o autor, provavelmente grande parte dos clientes das
meretrizes na Europa Medieval eram de jovens homens solteiros e que comumente
utilizavam o jargão “to pluck a rose” para se referir à cópula com uma prostituta.
Richards verificou a idéia da prostituição como “mal necessário” para a
estabilidade sexual da sociedade e inspirados na Bíblia os códigos de conduta
obrigavam o uso de diferentes cores para os vestidos das meretrizes como símbolo
de infâmia, diretamente equivalente, para o autor, à estrela usada pelos judeus e os
guizos pelos dos leprosos. Também apontou os limites de ruas e horas do dia em
que as meretrizes podiam sair bem como a área especial para a prática da atividade,
as “hot streets”.
Partindo de testemunhos escritos por homens e as imagens que oferecem
das mulheres, também no medievo, Georges Duby escreveu “Heloísa, Isolda e
outras damas no século XII”124.
124 DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII: uma investigação. SP: Companhia das Letras, 1995.
87
Destaca-se o capítulo dedicado à Maria Madalena que, segundo o autor,
embora fosse vista pelos pregadores como a “mulher pública arrependida”, tinha sua
imagem utilizada como a anti - mulher.
“Nem virgem nem esposa, nem viúva, Madalena permanecia a própria
marginalidade, e a mais inquietante, por todos os pecados que seu ser se deixou
cativar durante muito tempo. Peccatrix, meretrix”125.
Nos sermões, as cenas de, “perfumes e óleos espalhados, ornamentos
lascivos, as doçuras de um corpo de mulher, nu entre as pedras ásperas, a carne
advinhada sob os cabelos em desalinho, a carne mortificada e no entanto
resplandecente e tentadora”126 sinalizavam a imagem ambígua e perturbadora da
Madalena. Ao mesmo tempo meretriz, passível de castigo, e arrependida em
lágrimas, o que lhe garantiu a salvação.
Duby ressaltou que,
“todos os dirigentes da Igreja estavam de acordo, não obstante, em que era
preciso impedir a mulher de causar algum dano. Que era preciso portanto enquadrá-
la. Casando-a. A mulher perfeita – sob esse aspecto a atitude de Madalena era
exemplar – é de fato a que espera tudo de seu senhor, que o adora, mas que
sobretudo o teme. E o serve. A mulher, enfim, que chora e que não fala, que
obedece, prosternada diante de seu homem. Por conseguinte desde a puberdade a
jovem deve tornar-se esposa. Esposa de um mestre que irá refreá-la. Ou então
esposa de Cristo, encerrada num convento. Caso contrário ela corre o sério risco de
tornar-se meretriz”.127
125 DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII: uma investigação. Op. cit. p.53.126 DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII: uma investigação. Op. cit. p.54.127 DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII: uma investigação. Op. cit. p.50.
88
Muitos daquelas leituras e classificações, que as julgavam perigosas e
frágeis, atravessaram os séculos moldando e sustentando as falas normatizadoras.
Resultado de minuciosa pesquisa, “A Prostituição Através Dos Tempos Na
Sociedade Ocidental”128 é outra obra a estudar especificamente a prostituição.
Tecendo uma análise histórica a partir do capítulo “Origens: a Deusa e a
Prostituta” até o século XX em “A Libertação do Estigma: as Prostitutas
Contemporâneas e a Criação de um Movimento”, a autora Nickie Roberts, observou
a gênese da estigmatização na origem da propriedade privada e no patriarcado.
Mostrou como as, antes sagradas, atividades sexuais passaram a ser
utilizadas na distinção entre mulheres casadas, que se limitavam a um homem e,
portanto podiam ser controladas, e as “outras”.
No capítulo “Madonas e Madalenas: o estigma da prostituta no século XIX”
abordou as teorias “científicas” encabeçadas por Cesare Lombroso, H. Lippert,
Pauline Tarnowsky e Parent Duchâtelet que defendiam estar a prostituta no primeiro
estágio da evolução humana: “mentalmente subdesenvolvida, fisicamente
deformada e sub-humana”129.
H. Lippert defendia, em 1848, que “pela prática diária da sua profissão de
muitos anos os olhos ganham uma expressão penetrante e ondulante; são
invulgarmente proeminentes em conseqüência da tensão continuada dos músculos
oculares, uma vez que os olhos são utilizados principalmente para descobrir e atrair
clientes. Em muitas, os órgãos da mastigação estão fortemente desenvolvidos; a
boca em contínua actividade, seja a comer ou a beijar, é protuberante; a fronte é
128 ROBERTS, Nickie. A Prostituição Através dos Tempos na Sociedade Ocidental. Lisboa: Editorial Presença, 1996.129 ROBERTS, Nickie. A Prostituição Através dos Tempos na Sociedade Ocidental. op. cit. p. 236-237.
89
freqüentemente chata; a região occipital é por vezes extremamente proeminente; o
cabelo é freqüentemente escasso na cabeça – de facto, muitas acabam por ficar
mesmo carecas. Para tal não faltam razões: acima de tudo, o modo de vida agitado;
a correria constante na rua e sob todas as condições meteorológicas, por vezes de
cabeça descoberta...o escovar incessante, a manipulação, o acto de frisar e a
brilhantina que aplicam no cabelo; e entre as prostitutas de classe baixa, o consumo
de aguardente. A voz rouca é outra característica fisiológica da mulher que perdeu
as suas funções próprias – as de mãe.”130
Segundo Lombroso, todas as prostitutas, sem exceção, tinham as seguintes
características físicas “uma fronte recuada ou estreita, ossos nasais anormais e
enormes queixadas” enquanto a região genital “tantas vezes examinada, 2% das
prostitutas mostravam um crescimento <<exagerado>> dos pêlos púbicos, 16%
hipertrofia dos lábios vaginais e 13% tinham <<enormes>> clitóris.”131
Cabe ressaltar que, muitos médicos e juristas brasileiros dedicados a análises
da prostituição, em fins do XIX até o período de Vargas, tinham dentre suas fontes
teóricas leituras daquelas teses. 132
Sob a forma de um diálogo com Jean Lebrun, Michelle Perrot lançou em 1998
o livro “Mulheres Públicas”133. Partindo da constatação da existência de diferentes
significados de homem público e mulher pública percorreu o que chamou “Imagens
de mulheres”, “Lugares de mulheres”, “Palavras de mulheres”, “Frentes de Luta das
mulheres” e “Resistência às mulheres”.
130 ROBERTS, Nickie. A Prostituição Através dos Tempos na Sociedade Ocidental. op. cit. p. 236.131 ROBERTS, Nickie. A Prostituição Através dos Tempos na Sociedade Ocidental. Op. cit. p. 237.132 Ver como Irving Goffman, Estigma, op. cit. p. 11, explica a utilização dos sinais corporais já na Grécia, como forma de evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. 133 PERROT, Michelle. Mulheres públicas. SP: Fundação Editora da UNESP, 1998. (Prismas)
90
Como procupação central, Perrot observa que ao se falar em “homem
público”, a imagem que se forma é a encarnação da honra e virtude, ”investido de
uma função oficial, o homem público desempenha um papel importante e
reconhecido”. Por sua vez, a mulher pública carrega a representação da “mulher da
noite”, “depravada, debochada, lúbrica, venal, rapariga, pertencente a todos”.
Com a publicação da série História da Vida Privada134 e História das Mulheres
no Ocidente135, dirigida por Philippe Ariés e Georges Duby, os estudos sobre
mulheres ganharam vigor definitivo.
Historiografia brasileira
No Brasil as mudanças promovidas, pela década de 70, nos terrenos da
historiografia mundial foram também sentidas, onde estudos foram retomados ou
surgiram com novas leituras. Dentre eles a história das mulheres marcada pelo
lançamento em 1969 do livro “A mulher na sociedade de classes: mito e
realidade”136.
A obra suscitou uma profunda reflexão sobre a posição da mulher na
sociedade capitalista e inserindo o problema em contextos mais amplos, focalizou as
construções ideológicas destinadas à dominação do universo masculino sobre o
feminino.
Além disso, buscando penetrar as raízes do problema econômico-social,
lançou questionamentos acerca das limitações da economia de mercado e seus
134 ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada. SP: Companhia das Letras, 1990.135 DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das mulheres no ocidente. Porto: Afrontamento, 1990.136 SAFFIOTI, Heleieth I. B.. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1969.
91
resultados, como a marginalização de contingentes femininos servindo assim de
inspiração para o crescimento de uma produção historiográfica nacional sobre
mulheres vinculada às transformações sociais.
Com a declaração do “Ano Internacional da Mulher”, emergenciaram-se lutas
por cidadania, contracepção, jornadas de trabalho, etc.
Paralelamente, o crescimento da produção científica sobre mulheres
estabeleceu um forte “bombardeio” na noção de poder, contribuindo para o repensar
da literatura que colocava a mulher como ociosa e conformada, vítima ou heroína.
Confirmando as tendências, publicou-se “A Mulher no Brasil”137. Sob a forma
de textos, reunidos e anotados, June E. Hahner traçou um panorama histórico das
mudanças nos papéis femininos, tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais.
Ali as referências sobre o meretrício já se faziam notar. No III capítulo, “O
século XX”, Hahner destacou a vida das prostitutas no Rio de Janeiro, através de um
enfoque sobre a “Zona do Mangue” e sua história.
Também em fins da década de 1970, a Fundação Carlos Chagas promoveu o
I Concurso de Estudos sobre a Mulher, escolhendo o projeto “A Condição Feminina
no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros”138, o
qual sob a organização de Miriam Lifchitz Moreira Leite seria transformado em livro,
em 1984.
Utilizando textos produzidos por viajantes no Rio de Janeiro, de 1801 a 1900,
trouxe ao conhecimento a situação de mulheres brancas, negras e mulatas, livres e
escravas.
137 HAHNER, June Edith. A mulher no Brasil. RJ: Civilização Brasileira, 1978. (Coleção Retratos do Brasil; v.112).138 LEITE, Míriam. A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros. SP: Hucitec/ Edusp/ INL, Fundação Pró-Memória, 1984. (Estudos Históricos).
92
Os testemunhos retratavam cenas do cotidiano a partir de relatos sobre
formas de parentesco e de convívio, bailes, carnaval, passeios e atividades
exercidas por aguadeiras, amas-de-leite, comerciantes, fabricantes de flores, irmãs
de caridade, jornalistas, lavadeiras, modistas, “mulheres públicas”, operárias,
parteiras, professoras, escritoras, abolicionistas ente outras. Nos relatos sobre as
“mulheres públicas” faz referência às prostitutas, fornecendo riquíssimas
informações sobre tipos físicos, vestuários, formas de abordagem e mobiliário dos
prostíbulos.
Construía-se o entendimento das modificações sofridas pela identidade
feminina no desenrolar dos processos históricos e a primeira obra de destaque
dedicada ao estudo da prostituição no Brasil foi “Do Cabaré ao Lar: a utopia da
cidade disciplinar (Brasil 1890 – 1930)”139.
Seu conteúdo mostrou como, nos primórdios da industrialização brasileira,
ocorreram as intenções de moralização da classe operária e suas famílias. Processo
que incluía a chamada “redefinição da família”, dentro do qual a instauração de um
modelo ideal de mulher, dedicada ao lar e aos filhos, ganhava força.
Apresentou, também, os mecanismos de resistência verificados nas fábricas,
escolas, famílias, bairros e ruas e, ao tratar da “desodorização do espaço urbano”
mostrou como as habitações coletivas, entendidas como locais insalubres tornaram-
se alvo de inspeções e normas reguladoras.
Em 1986, foi organizado por Ronaldo Vainfas uma coletânea de artigos sobre
idéias e comportamentos no campo sexual e familiar brasileiro do século XVI ao
139 RAGO, Margareth. Do Cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890-1930). RJ: Paz e Terra, 1985. (Coleção Estudos Brasileiros, v.90)
93
início do XX. Sob o título “História e Sexualidade no Brasil”, trouxe dois artigos
voltados para a prostituição, “Da necessidade do bordel higienizado: tentativas de
controle da prostituição carioca no século XIX“ de Luiz Carlos Soares e “O médico, a
prostituta e os significados do corpo doente”, de Magali Engel.
As reflexões pautaram-se nas ligações entre discursos higienistas e papeis
sociais, cujos resultados bipolarizavam ociosidade X trabalho, miséria-atraso X
progresso, doença X saúde, prostituição X casamento-maternidade.
No intuito de pensar a construção dos preconceitos sobre a prostituta e a
utilização de sua imagem como a antítese da mulher pura, Mary Del Priore escreveu
o artigo “Mulheres de Trato Ilícito”: A Prostituição na São Paulo do século XVIII140.
No texto, mostrou como muitos elementos das nossas conceituações sobre a
prostituta estão vinculadas a discursos montados e veiculados pela Igreja católica no
período colonial.
Em 1988, foi publicado outro marco nos estudos de prostituição no Brasil,
“Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-
1890)”141.
A partir de textos médicos sobre a prostituição, o ponto central de discussão
recaiu sobre o discurso normatizador do espaço e dos corpos.
Para a autora, assistia-se a um processo de medicalização e normatização do
espaço e sociedade, o que revelava uma crescente interferência do saber científico
na definição e busca de soluções para os problemas da cidade.
140 DEL PRIORE, Mary L.. Mulheres de Trato Ilícito: A Prostituição na São Paulo do século XVIII. In: Anais do Museu Paulista. SP: Universidade de São Paulo, tomo XXXV, 1986-1987. 141 ENGEL, Magali G. Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). SP: Brasiliense, 1988.
94
Concebida como uma das faces da dita “cidade doente”, a prostituição passou
a ser temática comum nos textos médicos produzidos no Rio de Janeiro. Textos
profundamente marcados pelas concepções da medicina social européia.
Ainda naquele ano o número 1 da Revista de Historia da Universidade
Federal de Uberlândia, “Historia e Perspectivas”142, trouxe de Maria Clara Tomaz
Machado o artigo “Prostituição, além da moral burguesa: um misto de resistência e
conformismo”, onde analisou, inclusive destacando a questão do “mal necessário”,
a prostituição no mundo capitalista de Uberlândia no período de 1978 a 1981.
A constatação da possibilidade em se “fazer” uma História das Mulheres fez
multiplicar os trabalhos dedicados ao tema e, em fins da década de 80, a Revista
Brasileira de História lançou o número “A Mulher e o Espaço Público”.
A pluralidade das linhas de pesquisa, confirmava o crescimento dos estudos
revelando variadas formas de atuação e mecanismos de estigmatização feminina.
Destacaram-se na temática da prostituição os artigos “Nos Bastidores da Imigração:
o tráfico das escravas brancas”143, de Margareth Rago, e “Imagens Femininas em
Romances Naturalistas Brasileiros (1881-1903)144, de Magali Engel.
No artigo de Rago, a atenção voltou-se para a dinâmica do tráfico das
“escravas brancas” no início do século. Russas, austríacas, polonesas, francesas e
italianas eram chamadas “polacas” e destinadas a suprir o mercado da prostituição
de países, dentre os quais o Brasil. Muitas mulheres viajavam de seus países de
origem sem saber ao certo a atividade que as esperava. Os grupos de traficantes,
142 143 RAGO, Margareth. Nos Bastidores da Imigração: o tráfico das escravas brancas. In: Revista Brasileira de História n°18. SP: Marco Zero, 1989.144 ENGEL, Magali. Imagens femininas em romances naturalistas brasileiros (1881-1903). In: Revista Brasileira de História n°18. SP: Marco Zero, 1989.
95
cáftens, detinham amplo controle sobre as rotas internacionais do comércio de
prostitutas e dos bordéis.
O segundo artigo referiu-se a imagens femininas representadas nos
romances naturalistas de fins do século XIX e início do XX, de acordo com a cor e a
condição social. Destacou a utilização das teorias científicas européias no processo
de medicalização e normatização do espaço social urbano.
Ao focalizar as construções das imagens femininas, a partir daquelas teorias,
observou as concepções médicas acerca da mulher “normal” e verificou que muitos
dos romances publicados naquele momento traziam as mulheres marcadas por
comportamentos histéricos. Os diagnósticos feitos, associando nervosismo à falta de
homem; periculosidade a ardis sexuais, sexualidade livre à mulher perigosa;
sexualidade sublime à moça de família reforçavam a imagem da mulher ideal como
aquela capaz de controlar seus instintos animalescos através do casamento, onde
ao exercer o papel de esposa-mãe, circunscrita ao lar, sua sexualidade deixaria de
representar perigo. A sublimação completa residiria na geração de filhos saudáveis,
futuros “cidadãos da Pátria”, discurso amplamente difundido no período do Estado
Novo.
Também no ano de 1989 foi lançado o livro “Trópico dos Pecados” escrito por
Ronaldo Vainfas onde apontou como a colônia vivia seus padrões e papeis sociais,
e dentre outras, a conotação depreciativa sobre a prostituta em termos como mulher
solteira, mulher pública e sua associação com a mulher índia.
Os anos 90 continuaram alargando os debates sobre a temática feminina. Em
1991 o Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa classificou em 2° lugar o trabalho “Os
96
estrangeiros e o comércio do prazer nas ruas do Rio de Janeiro (1890-1930)”145, de
Lená Medeiros de Menezes.
Desdobramento de sua tese de doutorado, analisou a partir de 189 processos
movidos a cáftens estrangeiros, Relatórios do Ministério da Justiça, relatos de
viajantes e de cronistas, teses de época e periódicos a participação estrangeira no
universo da prostituição carioca.
Os processos foram as fontes mais importantes, por trazerem várias
meretrizes como testemunhas, as quais contavam suas próprias experiências.
Segundo a autora, a meretriz mercadoria e “profissional do prazer” foi
comercializada na lógica do imperialismo. O cáften, novo “homem de negócios”,
institucionalizou-se enquanto “profissional marginal” e no Rio de Janeiro, a exemplo
de outras cidades influenciadas por modismos europeus, “freqüentar estrangeiras”
tornou-se símbolo de modernidade.
Outra produção, também de 1991, obrigatória aos pesquisadores do assunto
é “Os prazeres da noite; prostituição e códigos da sexualidade feminina em São
Paulo (1890-1930)”146.
A obra abordou a progressiva inserção e participação da mulher nos espaços
públicos, de trabalho e lazer destacando a redefinição de suas funções sociais.
Mostrou ainda como o ritmo acelerado das transformações pareceu
desestabilizar as referências sociais e sexuais tradicionais, ou seja, os modelos de
feminilidade e masculinidade e as relações entre os sexos.
145 MENEZES, Lená Medeiros de. Os estrangeiros e o comércio do prazer nas ruas do Rio de Janeiro (1890-1930). RJ: Arquivo Nacional, 1992.146 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite; prostituição e códigos de sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. RJ: Paz e Terra, 1991.
97
As discussões se aprofundaram com a publicação de “Rameiras, Ilhoas,
Polacas... A Prostituição no Rio de Janeiro do século XIX”. 147
Analisando aspectos do desenvolvimento econômico, urbano e populacional
no Rio oitocentista mostrou o discurso médico-higienista e a dimensão do universo
mental e moral, verificados nos homens ligados ao exercício do poder, como Chefes
de Polícia.
“O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no
século XVIII”148, lançado também no ano de 1993, aprofundou os conhecimentos
sobre as funções econômicas e sociais das mulheres no Brasil.
Ao adentrar o cotidiano da economia mineradora, mostrou como a tão
cantada opulência das minas setecentistas tinha à sua margem um significativo
contingente de desclassificados sociais.
Analisou especialmente como as mulheres enfrentaram as formas de
exclusão criando mecanismos de participação no mundo do trabalho, atuando como
membro de irmandades, carregando gamelas de minérios, chefiando famílias e as
sustentando com o comércio de quitutes, como agricultoras ou se entregando à
prostituição.
O capítulo II, “Prostituição e Desordem” dissecou a trajetória das meretrizes
mineiras nos setecentos, apontando a freqüente ligação entre comércio e
prostituição, onde muitas vendeiras e estalajadeiras atuavam como alcoviteiras, e
mostrando que muitas mulheres prostituíam-se para poder comer e pagar os
pesados impostos cobrados pela Coroa.
147 SOARES, Luis Carlos. Rameiras, Ilhoas, Polacas... A Prostituição no Rio de Janeiro do século XIX. SP: Ática, 1992. 148 FIGUEIREDO, Luciano. O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. RJ: José Olympio; Brasília, DF: Edunb, 1993.
98
“Ao Sul do Corpo”149, outra valiosa contribuição para a História das Mulheres
no Brasil, tratou a condição feminina na colônia evidenciando como os discursos
normatizadores de confessores, teólogos, médicos e moralistas construíram e
delimitaram os papéis das mulheres, contrapondo a mulher perigosa, sem
qualidades, da rua com santa mãezinha, do lar.
As imagens do trabalhador e mulher ideal para uma Nação forte sobressaem
nos artigos “Imagens do trabalhador brasileiro nos anos 30”150 e “Homens pobres,
homens perigosos. A repressão à vadiagem no primeiro governo de Vargas.”151
O primeiro assinalou o empenho do Governo de Vargas nas reordenações
sociais, notoriamente nas relações de trabalho, almejando um “homem novo”,
higienizado, disciplinado e comprometido com o trabalho e crescimento do país.
No mesmo viés, o segundo artigo fez um detalhado levantamento sobre os
mecanismos de construção dos papéis sociais primeiro período varguista. Segundo
a autora, o Código Penal, base do controle social nas décadas de 30 e 40, tinha
raízes nas práticas repressivas do início do século. Mostrou também como no
decorrer das primeiras décadas do XX, a repressão à vadiagem recolheu à prisão
mendigos, bêbados, jogadores, prostitutas e todos aqueles classificados como
avessos ao trabalho. O combate à ociosidade implicava o chamado “saneamento
moral e social” criando várias delegacias especializadas como a Delegacia de
Repressão à Vadiagem e a Delegacia de Vigilância e Captura.
149 DEL PRIORE, Mary L.. Ao Sul do Corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia. RJ: José Olympio; Brasília, DF: Edunb, 1993. 150 SILVA, Zélia Lopes da. Imagens do Trabalhador Brasileiro nos anos 30. In: Revista História. SP; Assis: Editora Unesp, V.12, 1993.151 MARTINS, Silvia Helena Zanirato. Homens pobres, homens perigosos. A repressão à vadiagem no primeiro governo de Vargas”. In: Revista História. SP; Assis: Editora Unesp, V.12, 1993.
99
Dentre os locais suspeitos e, portanto passível de vigilância, estava a zona do
meretrício.
Por outro lado, a Constituição de 1937152 reforçou aquelas medidas, definindo
o trabalho como um dever social, colocando a ociosidade como a mais nociva
instigadora do delito. Para definir “cientificamente” o vagabundo profissional do
vagabundo acidental lembrou que foi criado em 1939 o Serviço de Biotipologia
Criminal.
Lançado pelo IFCH da Unicamp, o n°1 dos Cadernos Pagu153 trouxe o
significativo artigo “Imagens da Belle Époque Paulistana”, assinado por Margareth
Rago.
Nele, a autora teceu um debate sobre a redefinição dos códigos de
sociabilidade feminina na cidade, no início do século XX, presentes nas revistas
direcionadas às mulheres, demonstrando, particularmente importante, a discussão
travada em torno da prostituição, a partir da qual reforçaram-se os conceitos sobre a
casta e a devassa.
Rago assinalou, porém, que em meio a atributos estigmatizantes a prostituta
passava a simbolizar a modernidade, o mundo urbano, a liberalização dos costumes
e a desconexão com os vínculos sociais tradicionais, ou seja, o início do século
construiu imagens polarizadas inclusive da prostituta.
Em outra produção, “As Mulheres na Historiografia Brasileira”154 onde
considerando o alargamento das abordagens sobre as mulheres, teceu indicações
152 Constituições Brasileiras: 1937 / - Costa Porto, Walter – Brasília: Ministério da Ciência e
Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999. (Coleção, Constituições Brasileiras; v.4)153 Cadernos Pagu. De Trajetórias e Sentimentos. Campinas: Unicamp / IFCH, n°1, 1993. 154 RAGO, Margareth. As Mulheres na Historiografia Brasileira. In: Cultura histórica em debate. SP: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.
100
sobre as possibilidades metodológicas de trabalhos centrados na prostituição e
destacou a importância das análises integradas.
Observou serem informações da maior importância para a história das
meretrizes, dados de como “viviam e definiam-se; o cotidiano nos bordéis e fora da
zona de meretrício; se eram casadas, amancebadas, solteiras; se tinham filhos,
irmãos, parentes; se trabalhavam em outros empregos; sua idade, nacionalidade,
procedência etc.”
Em 1996, outros artigos sobre a prostituição foram escritos.
Abordando “O impasse da escravatura: prostitutas escravas, suas senhoras e
a lei brasileira de 1871”155, Sandra Lauderdale Graham resgatou relatos feitos por
escravos e senhores que indicaram a prática da prostituição forçada no século XIX.
Maltratadas e adoecidas pelas condições que se lhes impunham, muitas
vezes, levavam os casos aos tribunais. Os autos do processo formaram a base do
estudo permitindo que pudessem ser observadas suas vivências de escravas-
prostitutas.
Voltando-se para o caftismo internacional impulsionado no início do século,
marcadamente em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, Beatriz Kushnir
propôs-se a estudar em “As polacas cariocas: mulheres judias prostitutas e suas
associações de ajuda mútua”156, um conjunto de prostitutas e cafetinas judias por
intermédio de suas associações de ajuda mútua, na perspectiva de observar não as
visões externas, mas as visões do grupo sobre si.
155 GRAHAM, Sandra Lauderdale. O Impasse da escravatura: prostitutas escravas, suas senhoras e a lei brasileira de 1871. In: Revista Acervo; Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v.9, n°1-2, jan/dez 1996.156 KUSHNIR, Beatriz. As polacas cariocas: mulheres judias prostitutas e suas associações de ajuda mútua. In: Revista Acervo; Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v.9, n°1-2, jan/dez 1996.
101
Também em 1996, a Revista Brasileira de História157 trouxe um importante
artigo sobre as construções de perfis femininos. Escrito por Maria Izilda Santos de
Matos em parceria com Fernando A. Faria, o artigo “No cotidiano da boemia. O
feminino, o masculino e suas relações em Lupicínio Rodrigues” percorreu letras de
músicas feitas nas décadas de 30, 40 e 50 mostrando as múltiplas imagens
femininas que continham: a dama da noite, a dona do bar, a rainha do lar, marcadas
pela volubilidade, potencialmente infiéis e tecendo observações sobre a associação
da vida boêmia com a desordem e o indevido.
A coletânea “História das Mulheres no Brasil”158, organizada em 1997,
reforçava o enfoque da mulher como ser social. O artigo de Luciano Figueiredo
“Mulheres nas Minas Gerais” analisou como a prostituição atingiu proporções mais
elevadas naquelas partes da colônia. Mostrando que “no interior das vilas e cidades
mineiras os prostíbulos, mais conhecidos à época pelo termo casas de alcouce,
instalavam-se indistintamente, aproximando-se de residências familiares ou de
autoridades locais”. 159
Para o autor ficou claro que a pobreza vivenciada por aquelas mulheres
explica a recorrência à atividade que chegava inclusive a “invadir o tecido familiar”.
Na mesma coletânea Rachel Soihet fez uma abordagem, em “Mulheres
Pobres e Violência no Brasil Urbano”, sobre o elo entre modernização - higienização
das cidades e a imposição de papéis sociais e padrões comportamentais.
157 Revista Brasileira de História. Confrontos e Perspectivas. SP: ANPUH/Contexto. V.16, n°31/32, 1996.158 DEL PRIORE, Mary L.. (org.) História das mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997. 159 FIGUEIREDO, Luciano. Mulheres nas Minas Gerais. In: História das mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997, p. 157.
102
Soihet atentou para a absorção dos paradigmas científicos europeus do
momento onde “a medicina social assegurava como características, por razões
biológicas: a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as
intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal”. 160
Ainda em 1997, significativas referências sobre a prostituição colonial foram
tecidas por Ronaldo Vainfas no capítulo “Moralidades brasílicas: deleites sexuais e
linguagem erótica na sociedade escravista” do livro “História da Vida Privada no
Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa”161 interessando a esta
pesquisa as linhas dedicadas à abordagem sobre as práticas de alcovitagem e a
existência das casas de alcouce.162
A leitura destes trabalhos suscitou novas interrogações, proporcionou pistas e
sugestões nos encaminhamentos desta dissertação, mas o que se pôde notar é que
os estudos sobre prostituição ainda se fazem tímidos nos campos da História.
Poucos são os que privilegiam o assunto em toda uma obra. Grande parte são
menções dentro de outra discussão.
Na historiografia internacional aqueles que se propõem a um estudo de
recuperar a trajetória histórica da prostituição demonstram como preocupação
central mostrar a imposição e o distanciamento de papéis sociais, enfatizar a
formação de conceitos bipolares sobre as mulheres e como se compõe seus
mecanismos de divulgação e consolidação.
160 SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: História das mulheres no Brasil. SP: Contexto, 1997, p.363.161 História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa / organização Laura de Mello e Souza. _ São Paulo: Cia. das Letras, 1997.162 VAINFAS, Ronaldo. Moralidades brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade escravista. In: História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 254-255.
103
Concentrando o maior número de pesquisas na área, os medievalistas, via de
regra, focalizam o tema no quadro dos discursos eclesiásticos e as representações
que daquelas se fez.
Dentre os trabalhos nacionais os enfoques dividem-se entre os séculos XVIII,
XIX e XX respectivamente concentrados em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo.
Os eixos das análises, sempre cuidadosas, constituem abordagens onde o
interesse dominante também é a construção e forma dos discursos sobre os papéis,
como e quais são as imagens ideais de mulher e seu inverso e os limites que as
separam.
Este trabalho tem como ponto de convergência com os demais a observação
de quem eram aquelas mulheres no discurso normatizador. Mas o interesse central
é investigar a engrenagem econômico-social da qual faziam parte, refletir como, de
onde e por que se deslocaram para a cidade, conhecer suas idades, saber se eram
casadas, solteiras, viúvas, desquitadas. Em suma, olhar o meretrício ludovicense
através de lentes demográficas.
Cabarés e Navalhas: o cotidiano das meretrizes ludovicenses nos Registros
de Queixas e Ocorrências
À medida que a industrialização se consolidava, um contingente significativo
de mulheres adentrava o espaço urbano em busca de melhores condições de vida.
104
No entanto o desnível entre oferta e demanda de trabalho configurava um quadro
onde o “reservatório de mão-de-obra fora uma constante em todo o período.”163
Excluídas do mercado e sem alternativas, muitas daquelas mulheres
voltaram-se para a prostituição, encontrando naquela condição uma possibilidade de
sobrevivência.
Lotavam-se as casas-de-pensão, casas-de-cômodos e hospedarias, que
passavam a ser identificadas como locais permeados pela promiscuidade e
desordem. Por outro lado, nos ideais de uma urbes higienizada, moderna e
civilizada, a moral pública e o controle social eram configurados como um dos
principais pontos de intervenção do Estado.
Assim, definindo e mapeando tipos e locais de perigo, a polícia agia vigiando,
censurando, admoestando e prendendo os indivíduos. 164
Paradoxalmente, a prostituição tornava-se um braço auxiliar da ação
repressora policial, um elemento crucial para o controle social, pois permitia à
polícia saber onde estavam os homens, o que faziam, falavam, traziam, etc.,
fornecendo um “rx” da sociedade.
No cotidiano daquelas mulheres, as relações eram constantemente
permeadas pela violência. Nas estratégias de sua sobrevivência os laços de
solidariedade dissolviam-se, dando lugar a rivalidades, agressões, negações,
questionamentos, deboches e defesas.
Queixavam-se das meretrizes, todavia, elas próprias aparecem dando
queixas contra outros. Os motivos eram inúmeros e a cada “episódio” vivenciado, a
163 RIBEIRO JÚNIOR, José Reinaldo Barros. Formação do espaço urbano de São Luís. op. cit. p. 73.164 Embora a violência no cotidiano daquelas meretrizes fosse constante, há que se destacar que a prostituição em São Luís não se constituía em rede ligada ao crime. Havia poucas estrangeiras não havendo, portanto tráfico de mulheres.
105
percepção dos territórios públicos e privados por onde as meretrizes se
movimentavam dos sentimentos experimentados, dos corpos, das falas, dos gestos,
das formas de vestir e de habitar, tornava-se mais aguda.
Modelava-se, a partir do que se poderia pensar fragmentário, um cenário
representado por suas condutas, pelas violências sofridas e praticadas, pelas
humilhações, pelas relações estabelecidas com homens e outras mulheres, por suas
posses, seus objetos, por seus codinomes (que faz imaginar como eram) e nos
nomes com que eram referidas.
Camaleônicas. Chamadas com freqüência por nomes que não eram os seus.
Ora por outros, ora por codinomes que pareciam corresponder a atributos físicos165.
“Bensinho, Bico de Brasa, Bolacha Fofa, Bolacha Fogosa, Canganha, Canuta,
Curupinha, Lambisgóia, Lupu, Maria Roxinha, Macole, Pao Ferro, Pao de Fogo, Pao
Não Cessa, Papo Rouxo, Pé de Pato, Pirulito, Pitoruba, Poço Fundo, Rabecão,
Raspa, Riacho Sujo, Santa, Vara Pau, Vatapá, Velocipe, Venta de Fole, Venta de
Porco, Xiri Pistola” eram algumas identidades apresentadas nas queixas e
ocorrências.
165 Margareth Rago no livro, Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. Op. cit. p. 238, apresenta o processo de reidentificação em SP afirmando que, “reterritorializada, pelo edifício da prostituição em São Paulo desde a passagem do século, a mulher que entrava para esse universo passava por todo um ritual de iniação. Mudava de nome, adotando apelidos simples e afrancesados , como Mimi, Lulu, Vivi, Suely, Maria Cabaret, Jeannete, Lili das “Jóias”, Nenê Romano etc. O significado simbólico desse transferência de identidade é forte, pois ela vem acompanhada, de um lado, pela perda do sobrenome que vincula à família e, de outro, por toda uma metamorfose de sua identidade corporal. Trocando de nome, a prostituta mudava também a cor do cabelo, encurtava e decotava as roupas, passava a se maquilar com mais extravagância, enfeitava-se com jóias que revelavam seu status, produzia marcas no corpo, como tatuagens. Além disso, devia aprender toda uma nova maneira de falar, conhecer as gírias desse meio, assim como as modalidades diversificadas de conduta que eram mais valorizadas”. Sobre o mesmo assunto Laure Adler em, A Vida nos Bordéis de França, 1830-1930. Op. cit. p. 8, diz sobre as prostitutas francesas, “usam nomes como Divine, Élisa, Marie en Tête, Marie Coups de Sabre, Marguerite, Aglaé, Caca, Bijou, Olympia, Pepe la Panthère, Poil Ras, Poil Long, Crucifix, Irma, Amanda, Octavie, Belle Cuisse, Titine, Pieds Fins, Paulette, la Grimpée, Gina, Nana, Fernande, Rosa... . Em São Luís, vinculados muito mais ao sexo sem floreios, o bucolismo daqueles codinomes cedeu lugar ao realismo do cotidiano.
106
Nas fronteiras do público e do privado, das ruas e das casas, outros
endereços surgiram alargando o conhecimento das áreas ocupadas pelas casas de
maretrizes, outros estabelecimentos também surgiram. Exemplo disto são os locais
antes por nós desconhecidos como, o Club “Espoca”, Club “Recreio das Divas”,
Frege “Orion”, Pensão “Fumaça” e Pensão “Fuzarca”.
Somados a outros, abrigavam em seus quartos meretrizes com suas bolsas,
camas, cofres, cordões, lápis, lençóis, malas, mesas, navalhas, quadros, redes,
revólver, retratos, sapatos, sombrinhas, tábuas de gomar, tesouras, toalhas e
vestidos...
As formas de falar e vestir aparecem nos casos de insultos por palavras
ofensivas, obscenas, impropérios, pilhérias carregadas, nomes que a moral manda
se calar e nos trajes ofensivos à moral pública ou, os quase de Eva.
Apresentam-se a seguir as Queixas e Ocorrências levantadas, para que as
observações acerca da vida e trajetórias daquelas mulheres possam ser observadas
com mais proximidade.
Queixas das Meretrizes:
Constatou-se, como se verá a seguir, que agressões, ameaças de morte,
arrombamentos de mala, apreensões de objetos, atos libidinosos, desrespeitos,
espancamentos, expulsões da pensão, golpes de navalha, invasões de domicílio,
não pagamento de cópula, promessa de casamento não cumprida, provocações,
roubos de dinheiro e roubos de objetos pessoais eram os principais motivos que
levavam as meretrizes a reclamar.
107
Apreensão de objetos
Queixa de Celina. R. de S. residente na rua de Nazareth n30 contra João. F.
dono de uma pensão onde reside a queixosa, por ter o mesmo lhe espancado e
tomado cama e uma bolça e expulsado-a da dita Pensão. 4/1/29
Queixa de Ernestina. N. contra João. F. residente a rua n30, “de Nazareth”
dono da Pensão Glória, por ter expedido da queixosa da referida Pensão e tomando
– lhe toda bagagem pertencente a mesma. 10/1/29
Zilda P. de C., residente a rua 7 de Setembro n “Radiante”, queixa-se de que
tendo vivido com o individuo de nome Antonio C. rezidente a rua da Estrella, carpina,
que tendo vivido com o mesmo 14 dias este quer lhe tomar uma rede que lhe deu
sem lhe dar mais nada. Intimado 5.3.32 as 11 horas. 5/3/32
Merantine L., residente à rua Affonso Penna “sobrado Espoca” apresentou
queixa contra José. M. da S., operário da oficina mechanica de Guimarães, à
mesma rua 460, pelo facto de não mais querido viver com este indivíduo e ele ter se
mudado levando a rede da queixosa. Intime-se para 2 horas. 1/2/33
108
Maria J. da C., residente no “Couro Grosso” queixou-se contra Nilsa de Tal,
encarregada do mesmo couro “grosso” por ter esta lhe aprehendido um par de
sapatos e recusa se a entregar-lhe. Resolvido Tenente Reis. 6/3/33
Leontina G. de C., residente à R. Candido Mendes, n571, veio queixar-se
contra “Uberaba” encarregado do sobrado Uberaba por ter aprehendido uma sua
mala, tres mesas e um quadro desde o mês de novembro quando lá morou e agora
não quer lhe entregar. Resolvido Valfredo Comissario. 23/5/33
Sergia C., residente à Pensão Chicó, a rua... queixou-se de Isolino P.,
residente à rua da Estrela defronte da Alfandega, por ter ficado com as roupas e
malas da queixosa. Intime-se para 9 as 3 horas. Capitão Mochel. 9/4/34
Albina P. F., residente à rua da Palma, 446 “Casa Maria Augusta” queixou-se
de que a dona da caza, prendeu os objetos de seu uso, não o querendo entregar.
Capitão Mochel. 27/4/34
Teodora de J. B., residente em uma pensão de meretrizes à rua 28 de Julho
n393 de propriedade de Vitória C., compareceu a esta Permanencia, onde
apresentou queixa contra aquela proprietária, pelo fato de ter apreendido diversos
objetos pertencentes a queixosa, em virtude desta querer mudar-se daquela pensão
e lhe ser devedora da quantia de 235$500. Solução: De ordem do Sr. Dr. Chefe de
Polícia a acusada fez entrega dos objetos, tendo a queixosa comprometendo-se a
pagar a quantia de 235$500, em prestações de 20$000 semanais. 1.11.1940 (6077)
109
Agressões
Raymunda L., Rua 7 de Setembro, 73 contra Antonio C., ignorado o paradeiro
por ter entrado em sua casa e portado-se muitissimo mal esbordoando um menor
seu irmão. A queixosa é meretriz, mas somente à noite recebe visitas pois em caza
tem moças. 3/10/29
Maria da G. “vulgo Maria José de Mattos” rua Estrella, 571, contra Victor I. de
P., mesma caza, seu amazio, que por ciumes esbordoara-lhe tirando da cabeça da
queixosa muito sangue, e pondo rôxo o olho direito. 21/10/29
Regina L., moradora à rua Regente Braulio, n208 apresentou queixa contra
José. M., empregado da Estação de Bondes por ter aggredido as duas inquilinas de
nomes S. e M. de L.. 1/10/30
Anna R. residente à Travessa Feliz n502 “Espoca” queixa de que o barbeiro
de nome Ary de tal que trabalha na praia do desterro deu-lhe um golpe em uma das
mãos com uma navalha. Preso, Ary está no posto. 7/3/32
Hortencia B. de A., residente no Sobrado “Couro Grosso” veio queixar-se
contra seu ex amante, Manoel J., residente em João Paulo, por haver tentado tirar-
110
lhe sua vida e a ameaçar de espancamento. Resolvido Valfredo Vale Comissario.
29/5/33
Lucilia A. F., rezidente à rua 28 de Julho n476 compareceu a esta delegacia
queixando-se contra Otacilia de tal, residente a mesma casa, por esta ter agredido a
queixosa com palavras offencivas. A acusada foi intimada a comparecer a prezença
do 2 delegado 14.4. as 3 hs. 14/4/37
Raimunda S. residente em uma Pensão de Meretriz à rua Affonso Pena
n373, compareceu a esta Permanência as 6.00 horas, a fim de queixar-se contra
uma outra meretriz de nome Maria do E. rezidente na rua da Palma, pelo fato da
referida meretriz ter invadido a referida Pensão e espancado com um salto de
sapato. Solução: De ordem de Sr. Dr. Chefe de Polícia, a acuzada foi intimada afim
de responder pela queixa hoje as 9 horas. 24/10/1940 (5952)
Arrombamentos e roubos
Maria L. de J., moradora à rua Henrique Leal n140 queixou-se que ao chegar
em casa encontrou a porta de seu quarto aberto e sua mala arrombada sem cofre e
roubado a importancia de 60$ presumindo ser Otilia S., que há tempos morou à
mesma casa. 23/10/29
111
Maria de L. S. ou Joanna M. da S., rua Nova, 118, contra a encarregada do
sobrado a rua Candido Mendes,458, por terem no referido sobrado, roubado da
queixosa, um cofre com dinheiro. 18/12/29
Angelita M. de A. moradora a rua Nova 11 queixa-se de que R., empregado
do frege “Orion” roubou-lhe 5$ em dinheiro e um lapis de dentro da malla da
queixosa. 9/12/31
D. Victória L., rezidente a rua Candido Mendes 353 vem queixar-se de que o
Sr. Tenelon Cavalcanti de Albuquerque, foi a sua rezidencia e de tal carregou um
relogio uma corrente um revolver e 168$ em dinheiro sem mais dar satisfação.
Tenelon que é escriturário do departamento municipal, alem de tudo isso vive a
debochar com a queixosa. Intimado para 2.5.32 as 10 ½. 30/4/32.
Ignez R. do A., rua de São Pantaleão, 504 queixou-se da mulher conhecida
por Bensinho, residente na rua Jacintho Maya, 299, pelo fato de ter furtado da mala
da queixosa, 1 retrato, 1 lençoes, 1 toalha e 1 tesoura. Intime-se já. Parecer: Ficou
provado, não ter fundamento a presente queixa. 1/12/32
Francisca M. residente na rua Candido Ribeiro 435 queixou-se à Polícia
contra o indivíduo Raymundo, digo, Manoel A. R. “vulgo Manoel Galinha”, pelo fato
de ter referido indivíduo roubado do quintal de sua casa 4 toalhas de rendas
diversas, no dia 4 do corrente. As pessoas que compraram são as seguintes:- Maria
112
Augusta residente à rua da Palma, 446, comprou duas; Mercedes C. e Maria A.,
ambas da Pensão Chicó . Mercedes C., não entregou ainda. 16/12/32
Maria do C. P. da S., residente a Rua da Estrela, sobrado do P., veio queixar-
se contra Raymundo L. P. por ter entrado em seu quarto, à noite apagando a luz e
roubou-lhe a importancia de 5$000 Lindoso foi recolhido ao xadrez depois de ter
ficado provado ser o culpado. Resolvido Almeida Comissário. 18/5/33
Julieta F. de B., veio a esta Delegacia, queixar-se de que domingo último foi
roubada de seu quarto da caza de comodo “Maria Ferreira” à rua Affonso Penna
n486: 1 rede branca de linho, 2 vestidos de côr, 1 lençol de cama e uma sombrinha.
Providenciado. 17/6/36
Pagamentos e empréstimos
Thomasia de M., residente no Club Espoca, a rua Affonso Penna, apresentou
queixa contra os indivíduos Benedicto L. dos R. residente em Barreirinhas e
Desidério A. F. “vulgo Didi” residente no Rosario por ter o primeiro copulado com
sigo e não lh’o querer pagar e o segundo intervido a s/ favôr. Em 3/12/30
Maria dos A., residente a rua dos Craveiros, entre Sol e [...], veio a esta
Delegacia queixar-se contra Venancia R., residente a Rua Ribeirão “Pensão
Fumaça” por ter a queixosa emprestado a esta um cordão de ouro, no valor de cento
e vinte mil reis há dois annos e até agora não lhe foi restituido. Autoridade mandou
113
entender-se com V. a qual já havia empenhado dito cordão a outra pessôa, a praia
do caju, onde foi aprehendido e entregue a legitima donna, pelo Investigador Dias.
31/7/36
Celina de Tal, proprietaria da Pensão, à rua Herculano Parga n220, veio a
esta Delegacia queixar-se contra sua hospede Raymunda S. por esta ter fugido da
sua pensão, sem que a proprietaria saiba do seu paradeiro, ficando Raymunda
devendo 205$000. 25/10/36
Desrespeitos insultos, provocações e ameaças
Francisca R. S. residente a rua Cândido Mendes, 585, apresenta queixa
contra Pedro A. que vive a desrespeita-la . Intima-se as 3 horas. 1 /2/32
Dna. Maria J. S. V. moradora a rua da Estrella s/n deu queixa contra o
conhecido arruaceiro conhecido por “Encoraçado” pelo facto delle ter ido
continuadamente a caza da queixoza varias vezes para ter relações e como tenha
sido sempre repelido, insultou-a devemente prometendo ainda mata-la . Por este
motivo, pede providencias a Policia. Intime-se para amanhã 3 horas da tarde.
19/2/32
Honorina C., moradora à rua 14 de Julho, apresentou queixa contra Carlos T.,
residente à rua Oswaldo Cruz, n por motivo de querer, à viva força, desacatar a
114
queixosa, injuriando-a e procurando desse modo, prejudicar o negócio que a mesma
explora nesta Capital. Intime-se para amanhã, às 9 horas. 30/12/32
Promessas e abusos
Odeth S. M., residente na Rua 28 n445, apresentou queixa apresentou
queixa contra o Sr. Ledis M., morador no Quebra-Costa s/n dizendo que este Sr. a
tres mezes e dias li tirara de caza de ondi vivia onestamenti com sua tia com
promessa di cazamento e não cumprindo a sua promessa acontesendo porem que
ultimamente a esburduara e expulsou-a de casa. 4/1/31
Margarida S., residente no “Espoca”, queixa-se a esta Delegacia, que Cacia
de tal todos, as vezes que a encontra corre-lhe a mão, como hoje por exemplo se a
queixosa não tivesse calsa teria ficado nua. 7/4/32
Ameaças
Apolônia C. M., residente a rua 28 de Julho, n. 445, queixa-se contra Isaurina
M. S., que prometeu matar a queixosa. Intime-se para às 10 horas do dia 3.
Resolvido pelo Tenente Reis. 2/2/33
Brigida M. dos R., residente a rua Cândido Mendes no Sobrado de Uberaba,
veio queixar-se contra Mercedes de tal residente à rua do Ribeirão n pegado a
115
Pensão Fumaça, pelo fato desta andar lhe ameassando e insultando com palavras
ofensivas. 20/6/33
Queixas das “senhoras”
Se para as meretrizes os motivos das queixas estavam mais no nível do
concreto como, agressões, espancamentos, navalhadas, roubos etc... . para as
“senhoras”, esposas – mães, a questão residia muito mais no plano da moral.
Desrespeito às famílias, insultos, ofensas à moral, insultos as sras. casadas e não
pagamento de encomendas eram os elementos que justificavam suas queixas como
se mostra nos próximos casos.
Desrespeito e insultos
Raymunda S., residente a rua do Gavião, 87, contra as meretrizes Carmina
de tal e Maria P. “vulgo Maria Roxinha” residente à mesma rua, 97, por andarem
dirigindo palavras obsenas publicamente contra a queixosa desrespeitando assim as
famílias residentes no perímetro d’aquela rua. Intime-se. Foram admoestadas.
17/10/29
Brazileira O. moradora à rua Sant’anna 126, offereceu queixa contra a
decaida Domingas P. moradora à rua “ignorada” por lhe haver lhe dirigido insultos.
26/10/29
116
Maria A. C., rezidente a rua da Mangueira, digo rua Oswaldo Cruz, 594 vem
queixar-se de que a meretriz Neuza S. já muito conhecida do cadastro policial e
acompanhada pelo seu amante Sigmano N. conductor n34 da companhia de bonds
elétricos foram a sua rezidencia agredindo-a com insultos e offensas a moral e como
não conheça essa mulher achou estranho o seu proccidimento e vem pedir
providencias para o caso, tendo mais a acrescentar que soube que essa mulher
tinha estado na policia ouvindo a voz autorizada da autoridade sem no entanto ouvir
os seus conselhos. Intimada para 12/2/32 as 11 horas. 12/2/32
Neuza da S., residente no Beco Feliz, baixos do sobrado do árabe João F.,
queixou-se da meretriz Perolina de Tal, residente no Espoca, pelo facto de ter
referida mulher lhe dirigido pesados insultos. Intime-se para 2 horas. Parecer: Pela
autoridade P., foi reprehendida. 23/12/32
Em 30 de Setembro de 1930, Isabel L. do N. apresentou à esta Delegacia
uma queixa contra Brigida de tal ambas meretrises moradoras a primeira à rua
Jacintho Maia a segunda no Couro Grosso. 30/9/30
Pagamentos
Victória L., rezidente a rua de Sanctanna n 143, vem queixar-se de que
Camita (Canuta) de tal residente na pensão de Zulino a rua Cândido Mendes
defronte da Alfândega não quer lhe pagar phantasias que mandou fazer pelo
117
carnaval, além de quando é cobrada quer brigar. Intimada para 25/4/32 as 3
horas.23/4/32
Veio a esta delegacia Dona Candida da S. B., residente a rua 28 de Julho
n305, queixar-se de que sendo empregada de Madame Guedes, a rua Oswaldo
Cruz, a rasão de trinta mil réis mensaes trabalhando durante 14 dias, tendo a
mesma senhora lhe pago apenas dez mil reis. 16/8/33
Francisca R. C., residente no Codosinho “S. Raymundo”, 115, apresentou
queixa contra Jacintha de Tal “vulgo Santa” residente no S. Raymundo s/n pelo facto
de ter referida meretriz dirigindo pesados insultos à queixosa, que é casada. Intime-
se para 12 as 9 horas. 11/1/33
Das ocorrências:
Muitos registros dão conta das admoestações sofridas pelas meretrizes. A
concepção de perigo para a ordem e a tranqüilidade social refletia-se em punições
mais brandas, todavia eram consideradas suficientes para cercear seu possível
desdobramento, o crime. 166
Ao serem chamadas à presença do delegado ou da autoridade policial, eram
repreendidas e muitas vezes presas sendo que seus nomes, ou codinomes, quase
166 Este assunto pode ser visto com mais detalhes no artigo de Silvia Helena Zanirato Martins, Homens pobres, homens perigosos. A repressão à vadiagem no primeiro governo de Vargas. Op. cit. p. 289.
118
sempre vinham acompanhados dos, estigmatizantes, termos “decaídas” ou
“horizontais”.
Nos casos a seguir apresentam-se algumas das razões pelas quais poderiam
ser presas ou admoestadas. Destacava-se o “fazer ajuntamento” na rua, provocar
transeuntes, uso de linguagens e vestimentas “inadequadas”, escândalos, ameaças,
brigas, espancamentos, injúrias, perturbação do sossego público, desacatos à
senhoras, falta de respeito com a vizinhança, sedução de menores, roubos, etc.
Falta de sossego público
Foram chamadas a Delegacia afim de serem admoestadas, por haverem
perturbado o sossego público as meretrizes: Raymunda A., vulgo bico de braza,
Lucia M. vulgo “velocipe” moradores no cortiço à rua de Sant’ana n94. 4/10/29
Foram chamadas ao policia e admoestadas por não se darem ao respeito
perturbando o socego publico, as decaidas Anna F., Raymunda B., Maria S. e Maria
J. C. bem como o encarregado Domingo C. S. todos moradores à rua Jacintho Maia
299 e Maria da C. da rua de Sant’anna 147. 14/10/29
Foram chamadas a policia e admoestadas por perturbarem o socego publico
as decaidas Honorina F., Benigna N. e Benedicto S. à Rua Antonio Rayol n74.
17/10/29
119
Foi chamada a policia e admoestada a horizontal Raymunda S., por andar
altas horas da noite perturbando o socego publico. 21/10/29
Foram chamadas a policia e admoestadas Maria da N. A., Maria P., Maria de
N. e M. J. L. moradoras à Travessa do Monteiro n165 e 169 por perturbarem o
sucego publico. 28/10/29
Foram chamadas a polícia e ditidas por haverem perturbado o socego publico
as decaidas do cortiço Couro Grosso: tendo como encarregados: H. B. . Maria J.
“vulgo pitoruba”, Balbina M. P. vulgo Bolacha Fogosa. Angela N. da S., Brigida M.
do R. vulgo “xiri pistola” , Joaquina M., Neide L. P. vulgo Bolacha fôfa, Thomazinha
F. dos S., Josepha M. de A . e Catharina R. dos A .. 16/12/29
Foram chamadas a policia as decaidas Maria J. vulgo curupinha, Luiza da S.
F. vulgo venta de porco e Izabel vulgo pé de pato moradoras à rua da Manga n49
por terem perturbado o socego publico, cerca de 2 horas da manhã. 26/12/29
Foram chamadas a policia e admoestadas as horizontais do “Couro Grosso”
Josepha P., Maria J. S., Benedicta da S. F., vulgo venta de fole e Angela M. da S.
por perturbação do socego publico. 3/2/30
Foi chamada a policia e detida a decahida Antonia C. vulgo 7 moradora no
“Couro Grosso” por ter promovido distúrbio a rua Fonte das Pedras hontem a noite.
3/2/30
120
Foram chamadas a policia e admoestadas as decahidas Nydes C., Clarinda
M. da C. e Joanna C. a moradora à rua digo, Travessa do Monteiro n47 por terem
procurado uma republica próxima provendo algazarra. 29/9/30
Foram chamadas a policia e ditadas as horisontais Octacíla R., Benedita M.
da S., Senhorinha S., Celestina A., Isaura F. por falta de ordem “Fusarca” a rua da
Saude canto com Palma e mais Maria R. R. / Mila de M. “Riacho sujo”, Lucia C.
“Poço Fundo”, Alexandrina F. dos S. “vulgo pao não cessa”, Isabel D. de A., Beatriz
G. “vulgo pao de fôgo”, Maria S. “vulgo Canganha, Maria S. S., Catharina da S..
10/3/30
Admoestações
Foram chamadas afim de serem admoestadas, as decahidas da rua da
Estrella 54 do nomes:_ Maria A. L., Raymunda F., Anna F., Benedita R. e Maria de
L.. 4/10/29
Em o mesmo dia, as da rua da Estrella, 452 de nomes: _ Marcelina B., Maria
do C. S., Anna A. de A., Raymunda M. da C., Júlia F. da S. e Aldenora R..
___Mesma rua 442___ Anna N., Maria E., Sebastianna M. e Eva S. e
Jovenilia B. e Vitorina de Tal.
Na mesma rua. Agostinha M., Laura P. de A ., Josepha M. A .
121
Foram chamadas a policia admoestadas as decaidas moradoras _ na Fuzarca
à Rua Affonso Penna 84. Joanna dos P. C., Luzia da C. F., Maria H., Silvina,
Josepha P., Antonia F., Francisca A., Francisca M. L. e encarregados Maria R. de L.,
Rosa J. L. da S..
__Rua da Manga 44__Encarregado Martinho R., Margarida S., Rosaria R.,
Octávia S., Margarida M., Maria R. e Maria J..
__Rua Afonso Penna 47__Faustina L., Luisa P., Antonia A , Raymunda S. e
Julia S.. Encarregado Samoel de tal.
___Rua Maranhão Sobrinho 88___Ozias. Maria I., Joaquina G., Maria P. e
Agostinha A. .
__Rua Afonso Penna 49__Francisca tal., Catarina R., Matilde N., Militina de
Tal, Joaquina V., Benedita N., Maria das D., Joanna M., Marciana de J., Antonia M. e
Maria M..
Radiante: Antonia de Tal, Balbina M., Maria A ., Rosa S ., Marcolina M. e
Luiza C..
Rua da Estrella 585 ___ Eugenia M. S., Celestina A., Teresa S., Raymunda
R., Rosilda M., Benedita dos A., Laudelina M., Isolina M. e Raymunda de Tal.
5/10/29
Foram chamadas e admoestadas as meretrises a rua de Santa Ana, 69, a
encarregada Justina S. e suas. As meretrizes são:- Zila A., Cantonila P. da S. e
Maria da G. F.. 7/10/29
Luiz F. encarregado da caza a rua João Vital de Mattos, 36 com as
meretrises:- Maria de N., Antonia P. e Francisca P.. 7/10
122
Foram chamadas a policia e admoestadas as decaidas: Deoclecia P. e Maria
C.. 14/10/29
Foram chamadas a policia e admoestadas as decahidas: Maria M. da C.,
Antonia S., Joanna O. da C. e Joanna C. por offensa a moral. 29/1/30
Casas e cafetinas
San L., chinez, alugador de caza para meretrizes e fora intimado a deixar
apenas duas __as mulheres suas locatárias são: Rosa L. de C., Joanna P. e Joanna
O. __6 dias. 7/10/29.
Foi chamada a Delegacia a horizontal Lolita L. por ter chegado ao
conhecimento deste Delegado haver a mesma fundado uma Pensão de mulheres,
tendo recebido todas o praso (?) para terminar e no caso de não haver ainda
fundado desistir de tal intensão por que este Delegado manterá vigilância e tomará
as enérgicas providencias no sentido sensar esse verdadeiro cancro social.
14/12/29
Foram chamadas a esta delegacia a caftina Minervina P., que declarou alugar
a casa de ordem de José de S. G. a rua da Estrella 458 e tem presentemente as
meretrises:- Maria de S. B., Maria G. de O., Galdina R. da S., Martinha O. L., Elvira
O., Antonia M. de O., Aldenora R., Raymunda B., Esmeralda C. N., Maria do R. B.,
123
Anna F., Justina D. de O., Raymunda, Maria da C., Sebastianna S., Adélia S.,
Zuleide G. e Adalgisa S. __Ao todo 18. 12/3/30
Idem, idem, idem __Direita 156. Francisca M. da C., Maria de N. L., Petronila
R. e Antonia F. B. . Ao todo 4.
Ofensa à moral
Foram chamadas a policia e detidas por serem reincidentes em offender a
moral publica as decaidas Neide C., Maria F. moradoras à rua de Sant’anna 149.
23/10/29
Foram chamadas a policia e admoestadas as horizontal M. J. do E. S. vulgo
D. Engracia e Nydes C. moradora a travessa do Monteiro n27 e 47 por terem
desobediencias procuradas não obstante offender a moral pública. 1/2/30
Foi chamada a policia e admoestada por desobediencia a decahida Maria S.
moradora da rua da Mangueira n371. 18/3/30
Desacatos
Foram chamadas a policia e detidas as decaidas Victoria G. por terem
desacatado uma senhora casada sua visinha moradoras à rua Cezar Marques.
15/10/29
124
Desrespeito
Foi chamada a policia e admoestada por falta de respeito e quando chamada
a attenção pelo rondante pelo seu modo incorrecto dirigiu-lhe impropérios a decaída
Filomena C., moradora à rua das Cajazeiras n96. 24/10/29
Foi chamada a policia e detida a decaida Laura P. de A. por falta de respeito
para com a vizinhança. 5/11/29
Foi chamada a policia e admoestada a decaida Enedina C. por ter
desrespeitado uma família defronte a sua casa , à rua da Saúde n113. 4/12/29
Devido as constantes queixas apresentadas a esta Delegacia relativamente
ao modo desrespeitoso de algumas meretrizes, ficou apurado em virtude das
diligencias feitas a veracidade sendo detida as decaidas abaixos reincidentes e
assíduas freqüentadoras da policia por offensa à moral. Maria Q., Albertina P. da S.,
Maria C. de A., Josepha C. e Antonia R. “vulgo Pirulito”. 12/12/29
Foi chamada a policia e admoestada a decahida Nydes C. L. por ter faltado
com o devido respeito para com as familias de sua vizinhança à rua de Santanna
n149. 6/1/30
125
Pelo investigador Leozildo Fontoura, foi aprezentado a esta permanência, as
22,30 horas de hoje a meretriz de nome Maria F. A. , pelo fato da mesma ter sido
encontrada perambulando na zona, desrespeitando o investigador no momento que
lhe chamava a atenção: Solução: De ordem do Sr. Dr. Chefe de Polícia a meretriz
em apreço foi recolhida ao xadrez as mesmas horas. 29/10/1940 (6049)
De ordem do Sr. Dr. Chefe de Policia, foi recolhida ao xadrez aos 30 minutos,
a meretriz Eduvirgens M. de S., pelo fato de ser desacatado no Club de Meretrizes,
denominado “Recreio das Divas” à rua Candido Mendes, o soldado da Força Policial
do Estado, n589. Solução: De ordem da mesma autoridade, a referida meretriz foi
auferida para a Penitenciária do Estado, em virtude de ter portado-se mal, nesta
policia. 2/11/1940 (6094)
Brigas
Elvira P., “vulgo pé de pato”, Maria do R. vulgo Bico de braza, Esmeralda C.
N. “vara pau”, Izabel S. ( venta de porco), Zuleide F., “lambisgoia” foram detidas por
se haverem empenhadas em lucta de box. 7/11/29
Trajes
126
Foram chamadas a policia e detidos por desrespeito Nydes C.. Maisa F. como
tambem por andarem em trajes que offendem a moral publica. 19/11/29
Foram chamadas a policia e detidas por faserem ajuntamento à porta da rua
em trajes, quase de Eva e perturbarem o sucego publico: Adelaide C., Maria da C.,
Clara R. L. “vulgo vatapá”, Maria M. “vulgo Pao Ferro” e Belmira A. “vulgo papo
rouxo”. 20/11/29.
Foram chamadas a policia e admoestadas por falta de decoro, as
horisontaes:- Maria B., Antonia S., Maria E. L., Martinha A. B., Sinézia P. L.,
Maria P. de S., Almerinda F., Porfíria M. da C., Anna A. de A., Alexandrina B., todas
residentes a rua Cândido Mendes___ 386. 20/6/30.
Desordem
Pelos Investigadores Flávio Ribeiro e Leozildo Fontoura, foram aprezentados
a esta Permanencia, aos 30 minutos de hoje, as meretrizes de nome Alvina P. e
Antonia L., pelo fato de se ter sido encontrada promovendo desordem na rua
Afonso Pena. Solução: De ordem do Sr. Dr. Chefe de Polícia, as mulheres em
apreço foram recolhidas ao xadrez as mesmas horas. 24/10/ 1940 (5951)
127
Pelos investigadores Edmilson Carvalho Branco, foram apresentadas a esta
Permanencia as 14,45 horas, as mulheres Nila M., Amalia P. S. e Adelina R., prêsas
à ordem do Sr. Dr. Chefe de Polícia, pelo fato de terem promovido desordem em
uma pensão de meretrizes, à rua Afonso na Pena. Solução: De ordem de mesma
autoridade, as mulheres em aprêço foram recolhidas ao xadrez. 28/10/1940 (6023)
Pelos soldados da Força Policial do Estado n761, 889, foram apresentadas a
esta Permanencia, as meretrizes Maria do C. e Amalia F., pelo fato das referidas
meretrizes terem promovido desordem à rua Afonso Pena. Solução: De ordem do
Sr. Dr. Chefe de Polícia, as mulheres em apreço foram recolhidas ao xadrez as
23:20 horas. 31/10/1940 (6069)
De ordem do Sr. Dr. Chefe de Policia, foram recolhidas ao xadrez às 3,20
horas de hoje, as meretrizes Francisca P. C. e Edith S. do N., pelo fato de terem
promovido dezordem no Club “Recreio das Divas”. 31/10/1940 (6072)
Menores
M. J. dos S., maranhense, solteira, de 18 annos de idade, residente á
Travessa da Felicidade (Baixinha) compareceu nesta Delegacia para declarar que
apezar de ser menor, é meretriz, e por isso não quer viver na companhia dos seus
paes A. D. dos S. e F. D. dos S., que maltratam-na, dando-lhe pancadas. O 2
Delegado resolveu mandar apresentar a declarante ao Juiz de Menores para
resolver o caso da melhor forma possível. 16/11/36
128
O Sargento Pedro Martins, da Força Policial do Estado, comunicou a esta
Permanência, que em uma casa de meretrizes na Rua da Lapa, existe uma menor
vivendo com sua genitora. Solução: O Sr. Dr. Chefe de Polícia tomou conhecimento
da Comunicação de determinando as providências que o caso requer. 27/10/1940
(6009)
Queixas dos homens
Nas queixas feitas pelos homens são ouvidas falas do poder, reveladoras dos
discursos da “ordem”, dos padrões impostos e da ideologia dominante. Vozes de
amantes, clientes, cafetões e daqueles que em nome de suas esposas e filhas
reclamavam das atitudes das meretrizes.
As causas alegadas giravam em torno de agressões, desrespeito, insultos,
ofensas e provocações à família, mães, esposas e filhas, invasão de domicílio, não
pagamento de encomendas, perturbações do sossego público, roubos de dinheiro e
objetos pessoais, sedução e prostituição de menores.
Perturbação do sossego público
Queixa de Dorotheu J. R. residente a rua Nova n5 contra as meretrizes que
moram na casa n7 a mesma rua por pirtubarem o sucego publico, com fortes
algazarras e nomes que a moral manda-se calar. 18/1/29
129
Sedução de menores
João L. e Joana L. moradora à rua da Lapa n152 e 188 offereceram queixas
contra a decaida Hilda de tal vulgo Raspa por andar seduzindo os meninos B. L. e
M. L. de 12 e 10 anos respectivamente para pratica de actos libidinozos e entrega de
dinheiro. 23/11/29
Ofensas e insultos
Venancio A., morador à rua Henrique Leal, n292 queixou-se contra as
decahidas, Bertha de Tal e Feliça de Tal, por trem offendido a sua progenitora
obscenas. Moradoras à rua Henrique Leal n286. 19/3/30
Protasio P. da S. residente a rua Regente Braulio, antigo 77, queixou-se
contra a meretris Maria de Tal, residente à rua Fonte das Pedras, por andar dirigindo
insultos não só a si como à sua família. Intime-se. 9/12/30
Aldenor F., residente Codosinho “São Raymundo” apresentou queixa contra a
meretriz Maria P. residente no correr de sua caza s/n, por ter insultado a sua
esposa. Intime-se. 13/1/31
Francisco A., residente no Largo da Madre Deus, 17 queixou-se da meretriz
Josina de Tal, residente defronte da caza do queixoso, pelo facto de viver insultando
uma sua filha que é amiga da esposa de José de Tal “vulgo Zé Orelha”. _ [por ser a
130
mesma amiga] obs: o que está entre parenteses no texto está rasurado. Josina era
amante de José Orelha. Intime-se para 4 às 9 horas. 3/8/34
Desrespeito
Francisco T. residente à rua Ribeirão, 382 apresentou queixa contra a
meretriz residente a Travessa 5 de Outubro, n por ter a mesma desrespeitado a
sua família. Prenda-se. 19/11/31
Benedito F., residente à rua do Mocambo, 326, apresentou queixa contra a
meretriz Nila de Tal, residente a rua do Rancho, 27, por ter desrespeitado sua
senhora. 10/1/33
Manoel S. rezidente a rua Cezar Marques n/8 queixa-se de que umas
mulheres rezidentes a rua Antonio Rayol n/143 todas as vezes que o queixoso
passa dirigem-lhe pilheras carregadas. Intimadas para 14/12/31 as 2
horas.12/12/931
Compareceu a este Posto o Soldado Musico do Exersito, (reformado), onde
apresentou queixa contra a meretriz Maria de Tal, residente a rua de S. Pantaleão,
n504, visinha do queixoso, por esta viver constantemente dirigindo palavras
obsenas ao queixoso e sua esposa. Foi feita a intimação da acusada para vir a
presença do Sr. 2 Deleg. Amanhã às 10 horas, a fim de dar esplicações sobre o
facto. 23/6/37
131
Intrigas
Elenterio P. C., residente à rua de S. Pantaleão defronte do Canhamo,
queixa-se contra a meretris Maria J. amasiada com o alfaiate Inis de tal, e residente
junto a “Radiante” a qual vive promovendo desvenças na sua família, chegando a
ponto de querer intrigar o queixoso com sua esposa. Intimados para amanhã, às 10
horas da manhã. 29/2/32
Menores
Pedro da C. T., queixou-se contra Agripina de M., funccionaria da saude
publica por ter prostituido a uma sobrinha do queixoso que conta 15 annos de idade
de nome A. da C. P.. Prenda-se. 19/11/31
Pagamentos
Otaviano F. A., rezidente a rua da Manga 38, queixa-se de que D. Dadá
rezidente no sobrado denominado “Espoca” , a rua Affonso Penna 502, mandou o
queixoso fazer um par de sapatos e depois de posse dos mesmos não quer pagar o
resto da emportancia que são 2$000 pois os mesmos foram contratados por 30$ e
só deu 10$. Intimada para 25.1.32 as 13 horas. 25/1/32
132
José F. S., residente à Rua do Norte n124, queixou-se Lolita de Tal, residente
à Rua da Palma n por ter, a irmã do queixoso com uma inquilina da Lolita, o feitio de
2 peças de bordado para ser entregue a mesma Lolita e esta, agora, se recusa a
efetuar o pagamento. 27/3/33
João B. da C., residente à rua São Raymundo” (Codosinho) n80, queixou-se
de Dona Regina L., proprietária da “Pensão Regina” a rua 28 de Julho, 46, pelo facto
de tê-lo mandado pelo carnaval buscar no Café Operário, 30 garrafas de cerveja
fiado e agora anda dizendo lhe haver dado o dinheiro. Intime-se para 2 feira as 14 ½
. Resolvido 25.3.35. 23/3/35
Apreensões, furtos e roubos
Olavo B., residente no [?], compareceu a esta Permanencia onde apresentou
queixa contra a mulher Nair de tal, residente à Rua 28 de Julho pelo fato de ter se
apoderado de uma rêde pertencente ao queixôso, a qual se encontrava em um
quarto, uma pensão de meretrizes, à Rua Herculano Parga n489, onde a queixosa
anteriormente residia. Solução: De ordem do Sr. Dr. Chefe de Policia, a acusada foi
intimada, afim de responder pela queixa amanhã as 10 horas. 30/10/1940 (6053)
Teodomiro M. V., residente à rua Direita, 232, apresentou queixa contra a
meretriz Maria J., ex amante do queixoso, residente à rua da Saúde, operário de um
restaurante, pelo facto de ter referida meretriz ficado com sua rede de dormir. Intime-
se para 2 ½ horas. 25/1/33
133
Ambrósio B. da S., residente no Desterro, queixou-se contra Joana F.,
residente no “Minas Geraes”, que tendo lhe dado para guardar um seu brusa [sic] e
uma bolça contendo um par de meias de sêda _ um cinto e um espelho pequeno;
que indo receber ditos objetos. J. se recusa entregar disendo terem sido roubados.
3/2/33
Alipio dos Santos, residente no Caminho Grande, veio queixar-se contra
Horácia de tal, residente no Sobrado Couro Grosso por ter recebido do queixoso, a
quantia de 40$000 para entra à sua mãe Dona Raymunda P., verificou agora que
Horácia só queria iludi-lhe com a referida quantia. Resolvido A . Almeida
Comissaria.4/5/33
José M. rezidente na Rua do Passeio 550 quexou-se contra uma
prostituta que reside na Rua de Santana por este quexou-se ter levado um loção
para vender, e ella queria 7000 mil que despareceu da casa. Resolvido. 27/4/35
Joào E. P., residente a Travessa do Monteiro n34, compareceu a esta
permanencia, onde queixou-se que foi vítima do furto de um relógio de pulso,
niquelado, com pulseira de metal branco, suspeitando da mulher Maria dos R. A. F.,
vulgo “Macole”, residente a rua José Euzébio, em uma pensão de meretriz. Solução:
De ordem do Sr. Dr. Chefe de Policia, foi designado o investigador José Lopes para
investigar a suspeita. 3/11/1940
134
Hamilton B., residente à rua da Inveja, n232 queixou-se de M. de tal “vulgo
Lupu” residente na rua da Estrela, “Pensão I.”__ pelo facto de ter hontem tirado do
seu bolso, a importancia de 20$000. Intime-se para 23 as 9 horas. 22/2/32
José M. dos S., de Caxias, “em transito”, queixou-se de que passando a noite
de hontem na Pensão de Maria Augusta, à rua da Palma pelo facto de terem
subtraído do bolso do seu dolman, um relogio de algibeira marca Germinal; que
estivera a noite no quarto da meretriz Benedita de Tal. 30/12/32
Sr. Djalma F. de O., residente à rua 28 de Julho, 468, queixou-se de que a
mulher de nome J. de tal residente na Pensão Maria Augusta, foi a sua casa, em sua
ausencia, arrombou a porta da mesma, levando 28$000, em dinheiro. Intime-se para
23 às 10 horas. Apurou-se foi arrombada a porta porem não roubou dinheiro
nenhum. 21/5/34
Agressões
José S., residente à rua do Ribeirão, n12, apresentou queixa contra a
meretriz Enesina de Tal, residente a rua da Cruz, 902, pelo facto de ter hontem a
noite, cortado o queixoso no braço esquerdo, com uma navalha que a mesma trasia.
Intime-se para 2 as 2 horas. Parecer: O Delegado determinou a abertura de
inquérito. 2/1/33
135
João P. de S., rezidente a rua Jacintho Maia n511 de que L. R. rezidente no
sobrado do Espoca a rua Affonso Penna n por ter lhe dado uma bofetada. 27/4/35
Os registros indicam, ainda, outros elementos vinculados ao meretrício.
A concepção de “cancro social”, como mostra a ocorrência de 14/12/29,
permeava os discursos policiais configurando os “quistos” ou, os grupos
“indesejáveis”.
Pode-se também perceber pistas sobre a posse do imóvel utilizado para o
meretrício. As ocorrências de 7/10/1929 e 12/03/1930 indicam o aluguel dos
sobrados, fato que demonstra a especulação imobiliária de uma área que
progressivamente deixava de ser a residência das classes mais abastadas.
Nas relações das meretrizes muitas vezes um homem ocupava papel de
amante167 como mostram as queixas efetuadas nos dias 12 /02/1932, 29/02/32,
25/01/33, 1/2/33.
Igualmente a definição de papéis levou algumas mulheres a reclamarem por
suas imagens. Como atestam as queixas abaixo, a contraposição donzela-moça de
família ou mãe-esposa X meretriz, foi motivo de queixas que demarcavam as
fronteiras sociais.
2/1/33
Gregória G. residente na rua O. Cruz, 8, queixou-se de Dona Joana de Tal
residente na rua Affonso Penna, “Espoca” pelo facto de ter referida mulher dito
167 É bem provável que muitos daqueles “amantes” assumissem o papel de cafetões, principalmente nos casos onde as mulheres tinham sua atividade “independente” de laços com a “madame” .
136
hontem a noite que a queixosa não era mais donsela. Intime-se para 3 as 9 horas.
Ficou resolvido a queixosa, não frequentar bailes de Joanna.
14/12/36
Simplicia S., residente à rua São Pantaleão n715 vem a esta Delegacia dar
queixa contra Aguida S., residente na Berila(?) no fim da rua, pelo facto de insultar
Martinha S. a quem chamou a prostituta. Martinha submettera a exame.
Desnudando vivências, os boletins de queixas e ocorrências fazem fluir
situações, formas de resistência, jogos e tramas de poderes.
As dores, amarguras e humilhações, assim como a força e a coragem, vindas
dos espancamentos, dos socos e navalhadas que lhes tiravam sangue, dos insultos,
das expulsões da pensão, da “surpresa” ao encontrar a porta do quarto, a mala e o
cofre arrombados, de ter que exigir o pagamento pelo prazer fornecido, das
ameaças de morte e das provocações não poderão nunca ser transmitidas em sua
totalidade, mas certamente lá estavam, compondo com toda sua crueza aqueles
quadros diários.
137
Ó chão do Desterro,
- solidão de Deus -
onde está o erro
dos caminhos teus?
E onde o instante alto
da pureza mansa
que ao nascer do asfalto
cresce na esperança?
Até onde elevas,
sem nenhum aviso,
os adões e as evas
de teu paraíso?
E até onde baixas
teus xangôs impuros,
nas imundas faixas
de teus negros muros?
Oh, quantas perguntas
sobre ti se adensam,
chão que trazes juntas
maldição e benção
chão de meretrizes
que enfeitaram ruas:
tristes ou felizes
todas foram tuas.
Chão de velha igreja,
chão que ainda abençoa
tudo quanto seja
coisa má ou boa.168
168 CHAGAS, José. Chão da Praia Grande. In: Apanhados do chão. São Luís: EDUFMA, 1994, p.111.
138
(José Chagas)
Parte III – Francisca P., Honorina C., Lolita L. e outras damas de São Luís
do Maranhão. 169
Pensões, Hospedarias e Casas de Cômodos... Adentrando os espaços
de convívio
São Luís início do século XX.
As portas da cidade se abriam e descortinavam um cenário marcado, entre
outros, por novas formas de habitar. Locais antes ocupados pelos ricos
comerciantes e senhores do algodão eram transformados em moradias coletivas170
da grande massa que ali chegava e se concentrava.
169 Este tema foi inspirado no livro Heloísa, Isolda e outra damas no século XII. de Georges Duby. Acredita-se, desta forma, estar fazendo uma dupla homenagem, uma a esse brilhante historiador, que tantas páginas dedicou à história das mulheres, e outra àquelas dignas meretrizes.170 Segundo o estudo de Olavo Pereira da Silva F. Arquitetura Luso-Brasileira no Maranhão. Belo Horizonte: Formato, 1998 (Projeto Documenta Maranhão 97), p.46. dentre os tipos de casas e sobrados característicos no Maranhão e que vimos resignificados nas Pensões, Casas-de-Cômodos e Hospedarias, destacam-se a meia-morada; ¾ de morada; morada inteira; morada e meia; dois pavimentos; dois pavimentos e mirante e dois pavimentos e porão.
139
O soberbo espaço da Praia Grande171 reconfigurava-se, imprimindo feições
populares e misturando em seu território trabalhadores das mais diversas ocupações
172.
Pouco a pouco a cidade avolumava-se.
De acordo com o recenseamento, em 1900 São Luís contava com uma
população de 36.798 habitantes. Em 1920, o número havia saltado para 52.929 e
em 1940 para 85.583. 173
Nas fachadas dos imponentes casarões oitocentistas, onde tantas donzelas
suspiraram nos balcões de cantaria, o que se viam eram placas de Pensões,
Hospedarias ou Casas de Cômodos para alugar.
Segundo Mário Meirelles,
171 Sobre a Praia Grande, explica Mário Meireles em seu estudo O Bairro Da Praia Grande E O Palácio do Comércio. Os Prêmios Martinus Hoyer e João Pedro Ribeiro. In; História do Comércio do Maranhão. Op. cit. p. 48 : “...com o fluir dos anos, esse apelido de Praia Grande, que da praia propriamente dita se transferiria ao aterro nela feito, estender-se-ia também ao mais antigo perímetro urbano, velho de duzentos anos; àquele, à margem do Bacanga, que era formado pelas ruas da Estrela, do Giz, da Palma e Formosa, as quais corriam paralelas, de norte a sul, e cortadas pelas de Nazaré, dos Barbeiros (Vira-Mundo), do Quebra-Costa, da Relação (Sant’Ana), Direita, da Saúde e da Cascata, até os largos das Mercês e do Desterro.172 Em São Luís ocorre uma nítida substituição dos moradores dos grandes casarões. Com a falência do sistema agroexportador algodoeiro e açucareiro e a subsequente implantação de indústrias, a área central da cidade foi reocupada pela presença maciça de trabalhadores e meretrizes. O local passava por um processo de revalorização e reutilização transformando o que no século XIX era símbolo de poder econômico em moradias de pessoas das mais variadas origens e atividades. Nesta perspectiva Henri Lefebvre em, O direito à cidade. SP: Ed. Documentos, 1969, p. 12, tece o seguinte comentário: “a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização de uso”. 173 Ver Meireles, Mário. Dez estudos históricos. Op. cit. p. 242. Ver também citação de José Reinaldo Barros Ribeiro Júnior, Formação do espaço urbano de São Luís: 1612-1991. op. cit. p. 73, 74, 75. “entre 1872 e 1900, fase de instalação do conjunto industrial ludovicense, a taxa de crescimento demográfico médio anual fora de 0,85%. ... Para o intervalo 1900-1920, a situação pouco se modificou, pois a taxa de crescimento geométrico anual no vintênio foi de apenas 1,83%, bem abaixo ao ocorrido noutros aglomerados urbanos brasileiros como: São Paulo, 4,58%; Recife, 3,81% e Fortaleza 2,45%. Explicação também para o baixo índice de crescimento da população são-luisense entre 1872 e 1920 (1, 08%aa) pode ser encontrada no alto índice de mortalidade infantil em decorrência do elevado grau de insalubridade da cidade. Os serviços públicos foram sempre insuficientes e ineficientes no combate aos problemas de saúde que afetavam a população da capital timbirense, o que inclusive facilitava surtos epidêmicos como peste bubônica e febre tifóide.
140
“... já a esse tempo nenhuma família continuava residindo nos sobradões da
Rua do Trapiche, que apenas serviam de sede a armazéns, lojas e escritórios, e que
muitas, e das melhores, já moravam naquelas ruas da cidade alta inclusive na
distante rua dos Remédios em que se transformara a estrada que, em 1775, fora
aberta para levar do fim da Rua Grande para o Largo dos Amores, na Ponta do
Romeu, à margem do Anil; porque não tardaria muito que a cidade baixa perdesse
metade de sua área, desde quando a Polícia cedo nela confinou, para além da Rua
Direita, a zona do meretrício, dela afugentando as famílias e desvalorizando-lhes os
imóveis; porque com a execução do Plano Rodoviário, aprovado pelo Governo, e
que interligaria o Maranhão, por terra, com o resto do país seria fatal o
enfraquecimento do forte comércio atacadista que ali se concentrava e de onde
mantinha, sob tutela, a lavoura e o comércio do interior; porque o próprio
engenheiro-chefe dos Portos do Maranhão acabara de publicar um longo estudo,
datado de 26/12/1939, dizendo das razões por que se deve preferir a enseada do
Itaqui, ao Bacanga, o que, se concretizado, seria talvez a última pá de cal que se
atiraria sobre a Praia Grande.”174
Dividindo as mesmas ruas, havia “Casas” de vários “níveis” as quais
contavam com significativo número de meretrizes e pela Lei n°453, de 31 de maio
de 1930 175 a Prefeitura Municipal de São Luís indicava a tabela de categorias
correspondentes às taxas de impostos.
174 MEIRELLES, Mário. História do Comércio do Maranhão. op. cit. p. 50.175 Diário Oficial do Estado do Maranhão, 23 de Junho de 1930, p. 8, 9, 10 e 11 e 24 de Julho de 1930, p. 10 e 11.
141
Cabaret ou club semelhante 2 a 7 (2:400$000 a 1:000$000). Casa de Pensão
5 a 16 (1:400$000 a 100$000). Hortelão 17 a 22 (80$000 a 10$000). Hospedaria 11
a 16 (500$000 a 100$000). Hotel 3 a 12 (2:000$000 a 400$000).
Com base nos valores indicados, o Diário Oficial do Estado do Maranhão
publicou em julho de 1930, uma relação de indústrias e profissões sujeitas ao
pagamento onde estavam incluídas:
na Rua José Euzébio (antiga Saúde),
84, Hospedaria de Deolindo A., que considerada na 26ª classe deveria pagar 100$.
Rua Nina Rodrigues,
23, Pensão de Júlia Q., 25ª classe, 150$.
Rua Regente Bráulio,
208, Hospedaria de Regina F., 25ª classe, 150$.
445, Hospedaria de Lolita L., 24ª classe, 250$.176
Identificam-se, ainda, registros, de 1932, que indicavam a quantia exata de
imposto que a Pensão, Hospedaria ou Casa pagava ao mês e a qual classe
pertencia; 1°, 2° ou 3° bem como as que tiveram sua licença suspensa por não
haverem pagado o referido tributo177.
Isso leva a considerar a rentabilidade econômica do meretrício para o Estado.
O Registro de Pensões de 1931-1935, feito pela 1ª Delegacia Auxiliar de Polícia de
São Luís, demonstra que ao estarem registradas e sob a vigilância da polícia
conjugavam-se a atmosfera higienista-moralizante e a captação de rendas.
Veja-se:
1° Delegacia Auxiliar de Polícia desta Capital. "Registro de Pensões”. 1932-1935
176 Estas duas últimas continham a seguinte informação: “hospedaria com fiscalização da polícia”.177 Ver o caso das hospedarias “XXX”, de Deolindo A. e “Glória”, de Maria Rita da C., interditadas pelo chefe de polícia em 1/6/34 em razão do não pagamento de impostos.
142
Proprietário Estabelecimento Endereço Classe Imposto
R.F.L. Pensão
Regina/Meretrizes
R. 28 de Julho, 46 18/4/32 1classe $5.200 mensais
L.L. Pensão
Lolita/Meretrizes
R. Herculano Parga, 445 21/4/32 1classe $5.200 mensais
F. de O. Pensão da Chicó R. Joaquim Távora, 218 1 classe $5.200 mensais
A. F. Pensão Rancho
Fundo/Meretrizes
R. Herculano Parga, 114 18/4/32 1classe $5.200 mensais
A. R. L. Pensão Anna
Rosa/Meretrizes
R. José A. Correa, 43 23/4/32 3 classe $2.200 mensais
R.B.T. Pensão de
Meretrizes
R. Luzia Bruce, 109 18/4/32 3 classe $2.200 mensais
L.E. Pensão de
Meretrizes
R. Affonso Penna, 486 14/4/32 2 classe $3.200 mensais
H.C. Casa de Cômodos
Honorina/Meretrizes
R. 14 de Julho, 104 26/4/32 1 classe $5.200 mensais
M.C. Casa de Cômodos
Marcília/Meretrizes
R. Cândido Mendes, 64 30/4/932 2 classe $3.200 mensais
A. F. de O. Casa de Cômodos
Radiante/Meretrizes
R. 7 de Setembro, 852 20/4/32 2 classe $3.200 mensais
E.C. Casa de Cômodos
Elvira/ Meretrizes
R. 5 de Outubro, 360 32 3 classe $2.200 mensais
R.M.S. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. José Bonifácio, 169 23/5/32 3 classe $2.200 mensais
D.A . Pensão
XXX/Meretrizes
R. da Saúde, 84 20/4/32 não consta não consta
L.F.S. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. Herculano Parga, 674 07 3 classe $2.200 mensais
M. A. T. Pensão Maria
Augusta/Meretrizes
R. Herculano Parga, 446 24/11/32 2 classe $3.200 mensais
L. A. S. Casa de
Cômodos/Meretrizes
Tv. do Teatro, 19 3 classe $2.200 mensais
A. N. Casa de R. José A. Corrêa, 30 26/4/32 3 classe $2.200 mensais
143
Cômodos/Meretrizes
M. R. C. Hospedaria
Glória/Meretriz
Rua da Manga, 162 não consta não consta
R. S. Hospedaria
Sousa/Meretrizes
R. 28 de Julho, 421 19/4/32 não consta não consta
S. A. Casa de Cômodo
Sempre Viva/Meretrizes
R. Paula Duarte, 140 9/5/931 3 classe $2.200 mensais
M. P. L. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. Mário Carpenter,225 3 classe $2.200 mensais
J. A . L. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. da Lapa, 157 e Affonso
Penna, 353
3 classe $4.400 mensais
M. dos S. Pensão R. Cândido Mendes, 592 3 classe $2.200 mensais
F. M. Casa de Cômodos
de Meretrizes
R. 28 de Julho, 34 1 classe $5.200 mensais
M.M. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. M. Sobrinho, 518 2/6/934 3 classe $2.200 mensais
P.S. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. Nova, 11 2 classe $ 3.200 mensais
A. M. J. Casa de Cômodos
Jesus
R. 28 de Julho, 158 não consta não consta
P. O. Casa de Cômodos
Oliveira
R.28 de Julho, 476 26/5/34 3 classe $2.200 mensais
R. C. M. Hospedaria Belinha R. 5 de Outubro, 360 23/10/34 3 classe $2.200 mensais
S. F. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. 28 de Julho s/n 15/12/34 3 classe $2.200 mensais
M. P. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. 28 de Julho s/n 10/1/935 1 classe $5.200 mensais
M. C. S. Hospedaria/
Meretrizes
R. José A. Corrêa, 315 26/1/35 3 classe $2.200 mensais
M.F.S. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. Luzia Bruce, 48 3 classe $2.200 mensais
E. das S. N. Casa de Cômodos
Neves/Meretrizes
R. José A. Corrêa,37 14/2/35 3 classe $2.200 mensais
J.F. Casa de Cômodos
Minas Geraes/Meretrizes
R. Affonso Penna, 500 22/2/35 não consta não consta
144
D.A . Hospedaria
Internacional
R. José Euzébio, 94 não consta 1 classe $5.200 mensais
M. R. N. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. Santo Antônio, 235 25/5/935 2 classe $3.200 mensais
L. F. Casa de
Cômodos/Meretrizes
Pça do Mercado,74 18/06/935 2 classe $3.200 mensais
C.B. Casa de Cômodos
Celina/ Meretrizes
R. Herculano Parga, 6 19/06/35 3 classe $2.200 mensais
F.C. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. José Bonifácio, 170 19/06/35 3 classe $2.200 mensais
M. J. S. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. Affonso Pena, 399 19/06/35 3 classe $2.200 mensais
M. A . Casa de
Cômodos/Meretrizes
Pça do Mercado, 211 19/6/35 3 classe $2.200 mensais
F. A . Hospedaria
Felícia/Meretrizes
R. do Ribeirão, 140 27/6/35 3 classe $2.200 mensais
V. da S. N. Casa de
Cômodos/Meretrizes
R. Dr. Herculano Parga, 583 não consta 3 classe $2.200 mensais
Minuciosos levantamentos das Casas que funcionavam como Pensão,
Hospedaria ou aluguel de cômodos eram sistematicamente elaborados resultando
em um esquadrinhamento de pessoas e endereços. Semanalmente, quinzenalmente
ou mensalmente eram feitos Mapas de Pensões, Casas de Cômodos, Hotéis e
Hospedarias sujeitos ao pagamento de selos, impostos ao município.
Além da localização, traziam informações sobre a existência ou não do Livro
de Hóspedes e se o selo havia ou não sido pago. Quando não, o agente da Guarda
Civil lançava uma nota no Livro dos Mapas e dava um prazo, geralmente de um
mês, para regularização do estabelecimento.
145
Quando do fechamento do local era obrigatório um pedido de baixa que
deveria ser feito no livro dos mapas.
Os mapas permitem a visualização de parte dos estabelecimentos onde
moravam e trabalhavam muitas meretrizes. Entre 1933 e 1934, foram registrados 82
estabelecimentos, dos quais 38 administrados por mulheres.
Observe-se:
Mapas de 1933 e 1934 / Nomes das Ruas, números, proprietários.
14 de Julho, 104, Honorina C.
28 de Julho 421, Raymundo S.
28 de Julho, 129, Raymunda M.
28 de Julho, 34, Justina S.
28 de Julho, 445, Raymundo S.
28 de Julho, 46, Regina L.
28 de Julho, 476, José A.
7 de Setembro, 812/852 (?), Álvaro O.
Afonso Pena, 261, Virgínia F.
Afonso Pena, 339, Pedro C. C.
Afonso Pena, 353, José G. M.
Afonso Pena, 488, Luiz E. S.
Afonso Pena, 502, Joanna F. A.
Afonso Pena, 535, José G. T.
Afonso Pena, 800, Estevam M. S.
Av. Pedro II, 179, Alexandre de Tal
Av. Pedro II, 179, Grande Hotel
Av. Pedro II, 179, Viúva Quintans
Av. Pedro II, 237, João S. S.
Av. Pedro II, 264, Manoel B. P.
146
Calçada, 132, Suzana A.
Cândido M. 442, Joaquim
Cândido Mendes, 277, Izolino S. P.
Cândido Mendes, 281, Maria P. L.
Cândido Mendes, 386, Alexandre F.
Cândido Mendes, 442, Joaquim S. F.
Cândido Mendes, 458, João E. S.
Cândido Mendes, 471, Manoel A. S.
Cândido Mendes, 508, Cardozo S.
Cândido Mendes, 518, Joaquim R. M.
Cândido Mendes, 535, Cardozo S.
Cândido Mendes, 535, Cardozo S.
Cândido Mendes, 547, José A. L.
Cândido Mendes, 559, Estevam M. S.
Cândido Mendes, 578, Raymundo S.
Cândido Mendes, 585, Francisca R..
Cândido Mendes, 64, Maria C.
Cândido Mendes, 370, Godofredo M.
Direita, 128, Paulo S.
Henriques Leal, 128, Herculano C. B.
Henriques Leal, 232, Maria José T.
João Lisboa, 37, Rosa M. da S.
João Lisboa, 432, Adélia P.
Joaquim Távora, 19A, Apolonio E. N.
Joaquim Távora, 217, Izabel B.L.
Joaquim Távora, 218, Francisca O.
Joaquim Távora, 258, Hugo B.
Joaquim Távora, 342, Maranhão Hotel.
147
Joaquim Távora, 186, Amélia M. do V. S.
José Augusto Correa, 30, Alexandrina N.
José Augusto Correa, 43, Anna R. L.
José Bonifácio, 169, Rosa M. S.
José Bonifácio, 33, Sizina C.
Lapa, 157, José A. L.
Luzia Bruce, 103, Raymunda B. T.
Manga, 162, Maria Ritta da C.
Maranhão Sobrinho, 518, Maria M.
Nina Rodrigues, 128, Manoel M.
Nova, 11, Pedro S.
Nova, 41, Suzana A.
Palma, 114, Antonia F.
Palma, 208, Paula Joanna, G.
Palma, 445, Lolita L.
Palma, 446, Maria A.
Palma, 47, Antonio C.
Palma, 674, Libânio T. S.
Paula Duarte, 252, Maria P. L.
Santana, 43, Ana Rosa L.
Santo Antônio, 223, Maria P. L.
Saúde, 84, Deolindo A.
Sol, 128, Manoel M.
Sol, 23, Júlia Q.
Tarquínio Lopes, 123 Benedicta L.
Tarquínio Lopes, 233 Francisca A. de S.
Tenório Carpenter, 225, Maria P. L.
Travessa 5 de Outubro, 344, Domingos P.
148
Travessa 5 de Outubro, 360, Elvira C.
Travessa da Passagem, 8, Cícero A. C.
Travessa do Comércio, 164, Vicente G.
Travessa do Teatro, 19, Liduina S.
Tal variedade de casas refletia a diversidade do convívio, da procura e a
origem social dos freqüentadores178 que se dividiam entre operários, soldados,
marinheiros, pedreiros, estivadores etc... e elementos de classes mais abastadas.
As pensões e algumas casas-de-cômodo eram luxuosas, quase sempre
pertencentes às 1ª e 2ª classes, tinham como moradores essencialmente mulheres,
que trabalhavam como meretrizes, e a “madame”179 que gerenciava a atividade e os
ganhos daquelas180.
Em alguns casos, uma mesma pessoa administrava mais de um
estabelecimento, todavia não temos dados para afirmar se o imóvel era de fato
propriedade do gerente do estabelecimento ou se era alugado. Algumas pistas
178 A diferença das “Casas” nos faz refletir sobre as mulheres que lá trabalhavam. Separadas pelo luxo e a simplicidade uniam-se na origem camponesa marcada pela fome e privações econômicas. Em São Luís não se percebe a presença de estrangeiras, como as “polacas” do RJ e SP.? A figura da “madame” apresentada, Laure Adler em A Vida nos Bordéis de França. Op. cit. p. 69, 70, em muito se assemelha à de São Luís. Segundo a autora, “ser <<dona de casa>> é, de resto, uma profissão que merece e granjeia consideração. As <<madames>>são pessoas autoritárias, equilibradas, que falam com palavras escolhidas e detestam a vulgaridade, além de que, como a patroa da casa Tellier de Maupassant, não se consideram geralmente como fazendo parte da comunidade das pensionistas, não são <<uvas da mesma cepa>>. Abrir um bordel não é nenhuma frioleira . 179
180 Sobre as “madames” encontramos referências sobre seu papel já na Europa Medieval. Segundo Nickie Roberts em, A Prostituição Através dos Tempos Na Sociedade Ocidental. Lisboa. Editorial Presença, 1996, p. 83, 84. “Algumas mulheres foram bem sucedidas e suficientemente empreendedoras a ponto de chegarem a dirigir seus próprios bórdeis, estalagens ou tabernas, onde funcionavam como <<madames>> da cultura urbana medieval.
149
como as queixas e os livros de impostos indicam que muito provavelmente era de
um terceiro. 181
Havia, porém, casas de cômodos e pensões que ao contrário das citadas
assemelhavam-se a um cortiço e tal como nas hospedarias, as relações com o
proprietário davam-se por conta do pagamento do aluguel do quarto, não sendo
configurados laços de dependência como nas pensões de meretrizes cuja gestora
era a “Madame”.
Mesclavam-se naquelas moradias, meretrizes e outros trabalhadores
traçando um tipo diferenciado de organização domiciliar. Em outras formas de
habitar conviviam e partilhavam de ambientes cuja fisionomia em nada se
assemelhava àqueles das famílias nucleares, como se pode ver no elenco abaixo:
Casa-de-cômodo de Honorina C. (1932-1937). R. 14 de Julho, 104 (antiga de Santana).
Apenas domésticas182.
Casa-de-cômodo “Rancho Fundo” de Antônia F.. (1932-1938). R. Dr. Herculano Parga
(antiga da Palma), 114. Domésticas e mundanas
Casa-de-cômodo “Radiante” de Álvaro F. de O. (1932-1938). R. 7 de Setembro (antiga Rua
da Cruz), 812 / 852(?). Domésticas, mundanas, operários e mercadores.
Casa-de-cômodo de Maria M. (1936-1938). R. Cândido Mendes (antiga R. da Estrela), 370.
Mundanas.
Casa-de-cômodo de Sizina F. (1936-1938). R. Jacinto Maia, 289. Domésticas e mundanas.
181 O único Livro encontrado com informações sobre a propriedade de imóveis foi o de Impostos e Registros de Décimas, Imposto Predial e Territorial, 1926-1927, pertencente aos Arquivos da SEPLAN / PRODETUR, São Luís - MA. Nele apenas três endereços aparecem posteriormente na listagem das Casas de Pensão, Cômodos e Hospedarias, Rua Cândido Mendes n°64, proprietário Joaquim M. Rodrigues Netto, valor 1:020$000; Rua 28 de Julho n° 34, Gertrudes Cavalcante Fernandes, 600$000 e n°46, Antônio C. Pinto, 1:920$000. 182 Há vários livros de Pensão de Meretrizes, registrados na polícia e com um grande número de mulheres que indicavam no campo profissão, “doméstica”. Seria uma forma de “esfumaçar” a verdadeira função das casas ou era uma manifestação de que a prostituição não era uma profissão?
150
Casa-de-cômodo “Barroso” de Carlos de O. (1938-1939). R. Cândido Mendes, 578.
Meretrizes, serviços domésticos, estivadores, carpinteiros, trapicheiros, barbeiros, catraeiros, serviços
braçais, operários, marceneiros, pescadores, marítimos, carregadores, carpinas, pedreiros,
remadores, serviços de transportes terrestres.
Casa-de-cômodo de Minervina P. (1940). R. 28 de Julho 421. Domésticas e mundanas.
Casa-de-cômodo de Raimundo M. (1941). Travessa Marcelino de Almeida (antigo Beco da
Alfândega), 27. Carregadores, domésticas, carvoeiros, ourives e comerciários.
Casa-de-cômodo de Sebastiana M. P. (1941-1942). R. 28 de Julho, 458. Domésticas.
Casa-de-cômodo de Cândida M. F. / Ciríaca dos S. G. (1942-1947). R. Afonso Pena (antiga
Formosa), 341. Domésticas.
Casa-de-cômodo de Ivete R. P. (1941-1944). R. Herculano Parga, 474. Domésticas.
Pensão “Regina”, de Regina F. L. (1932-1937). R. 28 de Julho, 46. Domésticas e mundanas.
Pensão de Lolita L. (1930-1938). R. Dr. Herculano Parga, 445. Domésticas, meretrizes e
mundanas.
Pensão “Chicó”, de Francisca P. (1938). R. Joaquim Távora (antiga R. de Nazaré), 218.
Domésticas.
Pensão “Carvalho”, de Hermínio C. (1938-1939). R. Afonso Pena, 500. Meretrizes.
Pensão “Victória”, de Victória C. L. (1938-1940). R. 28 de Julho, 461. Meretrizes.
Pensão “Mariah”, de Mariah T. C. (1939). R. Herculano Parga, 480. Meretrizes e Domésticas.
Pensão “Lina”, de Lina A. M. (1939-1940). R. Herculano Parga, 486. Domésticas.
Pensão de Maria M. / “Chuva de Prata” de Leocádia S. (1940-1942). R. Afonso Pena, 373.
Domésticas.
Pensão de Lavínia A. (1940-1947). R. 28 de Julho, 380. Meretrizes e Domésticas.
Pensão “Taco de Ouro”, de Antônia Andrade (1940-1944). R. Herculano Parga, 446.
Domésticas.
Pensão “Lopes” de Maria L. (1939-1941). R. José Eusébio (antiga Saúde), s/n°. Domésticas.
Pensão “Sonho Azul” de Raymundo M. (1941-1942). R. Afonso Pena, 335. Domésticas.
151
Pensão de Marta F. P. (1940-1942). R. Dr. Herculano Parga, 674. Funcionários Públicos,
remadores, gomadeiras, lavadeiras, marítimos, costureiras, calafates, trabalhadores braçais,
engraxates, caldeireiros, sapateiros, alfaiates e domésticas.
Pensão “Uberaba”, de Manoel A. da Silva (1941-1945). R. Cândido Mendes, 471. Mendigos,
meretrizes, trabalhadores braçais, lavadeiras, marítimos, barraqueiros, carpinas, carregadores,
estivadores e pintores.
Pensão “Oliveira” de Martinha O. L. (1941-1947). R. Afonso Pena, 389. Domésticas.
Pensão “Nenê” de Matilde T. (1943-1947). R. Dr. Herculano Parga, 468. Domésticas.
Pensão de Regina N. (1945-1947). R. Dr. Herculano Parga, 375. Domésticas.
Hospedaria “Torquato”, de Torquato de S. (1920-1930). R. Henrique Leal (antiga Direita), 140.
Meretrizes, carregadores, estivadores, pedreiros, marítimos, charuteiros, ambulantes, alfaiates,
operários.
Hospedaria “Souza”, de Raymundo S. (1922-1930). R. 28 de Julho, 421. Pintores,
taverneiros, carregadores, trabalhadores, pedreiros e meretrizes.
Hospedaria “Ferreira”, de Luiz M. F. (1923-1924). R. do Quebra-Costa, 2. Domésticas,
ourives, barbeiros, agricultores, carregadores, maleiros, negociantes e operários.
Hospedaria “Fernandes”, de Francisco F. (1929-1930). R. Cândido Mendes, 386. Meretrizes e
auxiliares de comércio.
Hospedaria “Justina”, de Justina M. dos S. (1929-1930). R. José Augusto Corrêa s/ n°.
Meretrizes.
Hospedaria “Radiante”, de Álvaro F. de O. (1929-1930). R. 7 de Setembro, 852. Meretriz.
Hospedaria “Saleno de Azul” de João L. (1929-1930). R. Afonso Pena, 488. Meretrizes,
carreiros, pescadores e carregadores.
Hospedaria “Couro Grosso” de Raymundo – (1930). R. da Lapa, 157. Meretrizes e
trabalhadores.
Hospedaria “Hang Leo” de Hang L. (1930). R. Afonso Pena, 86. Meretrizes.
Hospedaria “Júlio”, de Júlio F. (1930). R. Cândido Mendes, 442. Meretrizes.
Hospedaria “Oliveira”, de Manoel J. P. (1930). R. Cândido Mendes, 57. Meretrizes.
152
Hospedaria “Dionísio”, de Dionísio da C. (1930). R. 28 de Julho, 476. Domésticas, operários e
carroceiros.
Hospedaria “XXX”, de Diolindo A. do A. (1930). R. da Saúde, 84. Meretrizes.
Hospedaria “Ferreira Lima”, de Antônia F. L. (1930). R. Nova, 33. Meretrizes.
Hospedaria “Marcos”, de Marcos M. (1930). R. Nova, 53. Meretrizes.
Hospedaria “Portuguesa”, de Antonio R. (1930). R. Afonso Pena, 424. Meretrizes,
ambulantes, modistas.
Hospedaria “Paulino”, de Paulino P. da S. (1930). R. 28 de Julho, 476. Militares, operários e
meretrizes.
Hospedaria “P.P.”, de Pedro S. (1930). R. Nova, 11. Meretrizes.
Hospedaria “Pombal”, de M. J. P. (s/ data). R. Cândido Mendes, 535 Meretrizes. Artistas,
marítimos, operários, pintores, militares, estivadores.
Hospedaria “Rachel”, de Rachel A. da S.. (1930). R. Cândido Mendes, 559. Meretriz
Hospedaria “Pereira”, de Raymundo P. de S.. (1930). R. 28 de Julho, 445. Meretrizes,
carteiros, comerciantes, chauffeurs, estivadores, marceneiros, sapateiros e pedreiros.
Hospedaria “Justina”, de Justina M. dos S.. (1930-1932). R. José Augusto Corrêa, 259 / 28
de Julho, 34. Domésticas e Artistas.
Hospedaria de Amélia P. / Hospedaria de Lydia R. N. / Pensão “Cincinato” de Olival de
Sousa (1930-1931). R. Portugal, 129. Mecânicos, artistas, artistas de circo, comerciantes, lavradores,
marinheiros, barbeiros, cozinheiras, negociantes, auxiliares de comércio e serviços domésticos.
Hospedaria Nemézio / Pedro M. S. (1932-1938). R. Dr. Leôncio Rodrigues (antiga R. Nova),
11. Domésticas e mundanas.
Em meio a ruas, becos, travessas e escadarias de pedras, em ladeiras e vias
tortuosas as pensões, casas e hospedarias configuravam múltiplos espaços sociais,
onde se encontravam meretrizes e outros trabalhadores, moradores e viajantes,
153
homens ricos e pobres, em dias e noites marcados pelo trabalho e boemia, prazeres
e violências.
Testemunhas silenciosas da história da cidade183 guardam o calor dos corpos
unidos em troca de pagamento, o som de choros, músicas e risos, os beijos e
navalhadas, as decepções, êxtases, dores e alegrias.
Foi no século passado
que a Praia Grande apareceu
entre secos e molhados
a varejo e atacado
floresceu lá no cais
sob a luz das lamparinas
e os caixeiros viajantes
tinham sonhos delirantes
com a nega catarina.
E as meretrizes
nesse monumento imortal
são relíquias do passado
e hoje vivem nos sobrados do tempo colonial.
183 PINHEIRO, Érika. Restaurados ou em ruínas eles são testemunhas da história. Artigo. In; Jornal O Estado do Maranhão, sexta-feira, 8 de Setembro de 2.000, p. 4.
154
E os pregoeiros,
Que sempre vivem no mundo da lua
vendendo frutas e verduras
vão gritando pela rua
é hoje só, é hoje só
tem caranguejo, farinha d’água e bobó...
(Os Pregoeiros,1981
César Teixeira)
Ilusórias chaminés: demografia da prostituição
Da preocupação em implantar na cidade um modelo de convivência social,
baseado na ordem e no trabalho, criaram-se mecanismos de controle,
especialmente de locais e indivíduos considerados perigosos.
Marcadamente opostas às formas de convívio e ao cotidiano das famílias
nucleares, as casas de pensão, de cômodo e hospedarias, assim como as pessoas
que lá se encontravam, foram alvos da vigilância estatal. Neste sentido, penetrando
os lugares e exercendo seu poder controlador, o sistema de cadastramento e
regulamentação dos estabelecimentos e hóspedes permitiu ao Governo mapear as
áreas e obter informações contínuas sobre as pessoas.
155
Os donos, gerentes ou “madames” eram obrigados a possuir um livro de
registro184, com termos de abertura e encerramento feitos pela polícia, onde nome,
procedência, naturalidade, profissão, dia de entrada, saída e destino de cada
hóspede deveriam ser atualizados mês a mês. O não cumprimento da lei poderia
significar a suspensão da licença de funcionamento.
Localizado no Arquivo Público do Estado do Maranhão, o livro da hospedaria
“Ferreira”, datado de 1923 foi o mais próximo da lei de 1919 que obrigava o registro
das pessoas. Os últimos pertencem ao ano de 1947.
Convém ressaltar que as datas de entrada do hóspede no estabelecimento
muitas vezes apontavam para anos como 1916, 1920,1922 mostrando que o
funcionamento do local era anterior ao ano de registro.
Nos livros verificou-se que o número de mulheres hospedadas era muitas
vezes superior ao de homens evidenciando o fenômeno de convergência de
mulheres de vários pontos do Estado e de Estados próximos para a cidade de São
Luís. Elas chegavam de locais variados, inclusive de bairros afastados do centro da
ilha e o que estava por trás de tal movimento daquelas mulheres, constatado pelo
locais de procedência era, no caso maranhense um campo falido e uma
conseqüente penúria econômica, e nas demais regiões, principalmente Ceará e
Piauí, muito provavelmente os efeitos da seca. Por outro lado, como já foi dito,
estava a possibilidade de fazer parte dos 70% de mão-de-obra, feminina, das
têxteis.
184 Em A representação do eu na vida cotidiana, Petrópolis; Vozes, 1985, p. 11, Irving Goffman mostra que “a informação a respeito do indivíduo serve para definir a situação tornando os outros capazes de conhecer antecipadamente o que ele esperará deles e o que dele podem esperar.” Assim, os livros de registros seriam em suas palavras os veículos de indícios.
156
Migrava-se fundamentalmente em resposta às hostis condições de vida no
campo, e na intersecção dos determinantes e resultados daqueles movimentos
construía-se uma teia de trajetórias em que muitos dos fios acabavam por se
encontrar na prostituição. Mesmo que em número inferior ao das mulheres, a vinda
de homens para São Luís também surgia como forma de sobrevivência frente às
penúrias da área rural.
Existia assim uma profunda conexão entre as condições materiais e de vida
daquelas pessoas. Daí a necessidade em se observar as transformações
econômicas.
Nesse sentido, a análise demográfica da presença de meretrizes na capital
do Maranhão tem início com os locais de procedência. A partir dos dados indicados
nos livros de registros de hóspedes observou-se um êxodo rural em direção à
cidade de São Luís e o mapeamento dos pólos camponeses, elaborado por
Feitosa185, permitiu maior visibilidade e alcance geográfico dos pontos de expulsão,
destacando-se:
Pólos de produção de algodão e arroz na grande propriedade rural
Vale do Itapecuru - algodão
Caxias, Codó, Rosário e Santa Rita
Baixada Ocidental- arroz
185 FEITOSA, Raymundo M.. O Processo Sócio-Econômico do Maranhão. Op. cit. p . 13
157
Anajatuba, Arari, Itapecuru, Matinha, Palmeirândia, Penalva, Peri-Mirim,
Pinheiro, Presidente Vargas, Rosário, Santa Helena, São Bento, São Vicente Ferrer,
Viana e Vitória do Mearim.
Ilha de São Luís - produção de arroz
Paço do Lumiar, São José de Ribamar e São Luís
Pólos têxteis
Caxias, Codó e São Luís
Pólos de pequenas produções de arroz - Médio Munim
Dom Pedro, Graça Aranha, Gonçalves Dias, Governador Archer, Governador
Eugênio Barros
Alto Mearim e Grajaú
Barra do Corda, Grajaú, Sítio Novo
Região do Mearim
Bacabal, Esperantinópolis, Igarapé Grande, Joelândia, Lago do Junco, Lima
Campos, Lima Verde, Olho D’ Água das Cunhãs, Pedreiras, Pio XII, Rio das Pedras,
Santo Antônio dos Lopes, São Luís Gonzaga do Maranhão, São Mateus e São
Pedro.
Região do Itapecuru e Alto Itapecuru
Buriti Bravo, Caxias, Codó, Colinas, Coroatá, Fortuna, Itapecuru, Panarama,
Passagem Franca e Presidente Vargas
Região do Pindaré
Altamira do Maranhão, Cajapió, Lago da Pedra, Monção, Paulo Ramos,
Pindaré, Santa Inês, Santa Luzia, Silva Jardim e Vitorino Freire.
Pólos de produção e extração de coco babaçu
158
Alcântara, Anajatuba, Arari, Bacuri, Bequimão, Cajapió, Cedral, Cururupú,
Guimarães, Matinha, Mirinzal, Palmeirândia, Penalva, Peri-Mirim, Pinheiro, Santa-
Helena, São João Batista, São Vicente Ferrer, Viana e Vitória do Mearim.
Destas cidades maranhenses, das quais se destacam Anajatuba, Caxias,
Cururupu, Guimarães, Miritiba, Rosário, Pedreiras e Viana, migraram muitas das
mulheres que encontaram no meretrício ludovicense a forma de sobreviver.
As causas e fins desse movimento, bem como o que dele decorreu,
interligavam-se e completavam-se gerando uma teia de relações que a observação
da tabela contribui para compreender.
Quadro de procedências / 1923 - 1947
Homens
Mulheres
Alcântara 2 9Amarante - 10
Amazonas - 9
Anajatuba - 20
Anapurus - 1
Anil - 8
Arari 2 6
Arayoses 1 6
Areinha (bairro) 1 5
Av. Getúlio Vargas - 6
Axixá - 7
Bacabal - 15
Bacanga - 7
Bahia - 9
Barra do Corda 1 8
Barreirinhas - 25
Batalha - 6
Belém 1 30
Belira (bairro) - 6
159
Bom Jesus - 6
Brejo - 7
Cajapió 2 11
Cajuá - 1
Camboa (bairro) - 6
Campo Maior - 6
Carolina - 7
Carutapera - 6
Caxias 4 80
Ceará - 50
Codó - 20
Coroatá 2 27
Cururupú 4 35
Engenho Central 1 11
Estiva - 8
Flores - 11
Floriano - 6
Fortaleza 4 13
Gameleira - 1
Goiás - 1
Grajaú - 7
Guimarães - 55
Humberto de Campos - 6
Icatú - 6
Itapecuru 1 7
Itapecurú-Mirim - 6
Jaicó - 1
Jenipaúba - 1
João Paulo (bairro) - 5
Lagoa Bonita - 6
Lisboa 1 -
Livramento - 1
Macapá - 6
Madri - 1
Manaus - 9
Mangas - 1
Marabá - 5
Maranhão - 11
Miritiba 1 20
Miritiua - 7
Monção - 1
Morros - 1
Munim 2 5
160
Não consta - 21
Natal - 6
Nova Iorque - MA - 3
Olinda - -
Pará 2 40
Paraíba 2 4
Parnaíba - 40
Pastos Bons - 2
Pedreiras - 30
Penalva - 2
Pensão Chicó - 5
Pensão Lolita - 7
Pensão Maroca - 1
Pensão Micaela - 2
Pensão Yayá - 1
Pernambuco - 10
Piauí - 50
Picos - 30
Pinheiro - 11
Porto (Portugal) 2 -
Porto Alegre - 1
Porto Gabarra - 2
Primeira Cruz - 2
Recife - 3
Rio de Janeiro - 4
Rio Grande do Norte 5 -
Rio são João - 2
Rosário - 40
Rua 28 de Julho - 5
Rua Afonso Pena - 1
Rua Cândido Mendes - 1
Rua Cândido Ribeiro - 1
Rua Herculano Parga - 4
Rua de São João - 4
Rua dos Afogados - 1
Rua da Palma - 1
Rua da Lapa - 2
Rua do Egito - 10
Santa Helena - 1
S. Antônio das Almas - 2
S. Antônio de Balsas - 3
São Bento 8 10
São Bernardo - 2
161
São Francisco (bairro) - 2
São João Batista - 2
São José - 1
S. J. de Ribamar - 9
S. J. dos Matões - 2
São Lourenço - 1
São Luís 30 60
São Luís Gonzaga - -
São Raimundo - 1
S.Vicente Ferrer - 9
Senador Pompeu - 3
Síria 2 -
Sobral 2 -
Teresina 5 60
Tibiri - 1
Tiro - 1
Tubarão - 1
Tucum - 1
Turiaçú - 6
Turú (bairro) - 3
Tutóia - 12
V. do Poço - 1
Vargem Grande - 4
Viana 8 35
Vitória - 2
Ao grande número de meretrizes estabelecidas em São Luís, alguns
elementos estavam associados. Um deles era a suposta “liberdade” que a fazia
“mulher de todos”.
Porém o que mostram os campos referentes ao estado civil dos livros de
registros é que, no conjunto das meretrizes, muitas eram casadas.
Tais dados contribuem para a desarticulação das afirmativas acerca de uma
inclinação natural de determinadas mulheres para a atividade. Isso porque além de
testemunhar que pertenciam a quadros familiares, sublinha as precárias condições
econômicas como determinantes de sua forma de viver.
162
Não obstante, as solteiras representavam maior parcela e com relação aos
homens, o número de casados quase se igualava ao de solteiros como se pode ver
no quadro abaixo.
Quadro de Estado Civil / 1923 - 1947
Homens Mulheres
Solteiro(a) 142 1605Casado(a) 60 235
Viúvo(a) 5 15
Se a maior parte daquelas pessoas era solteira as profissões apresentavam-
se dentro de uma variedade em que, entre os homens, destacavam-se os
autônomos, principalmente ligados ao comércio e serviços186, e entre as mulheres,
via de regra, as meretrizes, domésticas, artistas, lavadeiras, cozinheiras, costureiras,
gomadeiras e manicures. A presença destas últimas indica a organização da casa
em função da necessária beleza e asseio das moradoras, principalmente das
pensões.
Chama atenção o fato de não haver nenhum registro de operárias nos
estabelecimentos, quando se sabe o peso da população feminina trabalhadora na
indústria. 187
Deve-se destacar a existência de uma clara distinção entre os
estabelecimentos “de meretrizes” e os “familiares”. Verificou-se, porém, que no caso
dos primeiros as nomenclaturas dadas à atividade das mulheres era diferenciada.
Utilizavam como termos: meretriz, mundana ou “doméstica”. A julgar pelo registro do
186 Outras profissões podem ser observadas no livro de registro do Hotel Central, no período de 1919 – 1920 e 1934-1940, nos quais é surpreendente o número de engenheiros e médicos que circulam por São Luís, muitos dos quais eram estrangeiros.187 É provável que muitas operárias fossem moradoras dos estabelecimentos “familiares”, que embora tivessem livros de registros de hóspedes, não sofriam intervenções policiais.
163
estabelecimento na polícia, como “casa ou pensão de meretrizes”, o termo
doméstica aglutinava inúmeros significados, dentre os quais meretriz.
Como se observa na tabela abaixo, havia inúmeras atividades masculinas e
poucas femininas, sendo que a semelhança comum a elas era o fato de não serem
empregos fixos.
Quadro de profissões / 1923 - 1947
Homens Mulheres
Agricultor 1 -Alfaiate 5 -
Ambulante 2 -
Armazenista 1 -
Artista 2 1
Auxiliar de carpina 2 -
Auxiliar de comércio 3 -
Barbeiro 2 -
Barqueiro 2 -
Caixeiro mercador 1 -
Calafate 1 -
Caldeireiro 2 -
Carpina 6 -
Carpinteiro 2 -
Carregador 10 -
Carreiro 3 -
Carroceiro 2 -
Catraeiro 2 -
Charuteiro 3 -
Chauffeur 1 -
Comandante 2 -
Costureira 3 -
Doméstica - 1158
Embarcação 1 -
Encarregado de comércio
2 -
Engraxate 3 -
Estivador 7 -
Foguista 1 -
Funcionário público 2 -
Gomadeira 4 -
164
Lavadeira 3 -
Maleiro 1 -
Manicure - 5
Marceneiro 6 -
Marítimo 24 -
Mendigo 10 -
Meretriz - 510
Militar 3 -
Modista - 1
Mundana - 320
Negociante 6 -
Nenhuma 10 -
Operário 27 -
Ourives 1 -
P. mercador 3 -
Pedreiro 10 -
Pescador 3 -
Pintor 5 -
Remador 4 -
Sapateiro 3 -
Serviços braçais 3 -
Serviços domésticos 1 -
Taberneiro 2 -
Trabalhador 5 -
Trabalhador braçal 33 -
Transporte de caminhão 3 -
Trapicheiro 5 -
Como se pode notar era uma população em atividade e tal dado se confirma
quando foi observada a estrutura etária dos hóspedes das pensões, casa – de –
cômodos e hospedarias.
Os registros indicam que a faixa média girava em torno de 20 a 30 anos. A
idade dos homens era ligeiramente superior à das mulheres, 30 a 40 homens / 20 a
30 mulheres e se a presença de idosas era incomum, algumas tinham idades que
variavam de 15 a 17 anos.
Quadro médio de idades / 1923 - 1947
165
Homens Mulheres
30 anos 23 anos
Controladas, as pensões e hospedarias registravam seus hóspedes nos livros
tal como obrigava a lei de 1932, embora nem sempre cumprissem a exigência mês
a mês.
Em alguns, a ocorrência de registros esparsos mostra que nos meses onde a
listagem de hóspedes era feita, a polícia ali incluía vários carimbos de vistos com
datas dos meses suprimidos. Estaria a regularização, e consequentemente o
funcionamento normal do estabelecimento vinculada a práticas de suborno?
Algumas casas, porém, como a de Lolita L., tinham registros e eram
vistoriados assiduamente pelas autoridades policiais o que leva a questionar se
havia um controle maior em determinadas casas.
Confirmando o número superior de mulheres em relação aos homens, os
estabelecimentos tinham como média mensal de 5 a 15 hóspedes, meretrizes.
Ao contrário dos casos observados no Rio de Janeiro e São Paulo, no mesmo
período no Maranhão eram raros os casos de hóspedes vindos do exterior 188. De
1923 a 1947 registram-se apenas 5 casos de estrangeiros, respectivamente 3
portugueses, 1 sírio e 1 espanhola.
No que se refere ao tempo de permanência das pessoas nas casas calculou-
se o período com base nas datas de entrada e saída. Como os registros deste
campo mostraram-se freqüentemente falhos não foi possível um levantamento de
188 Registros de estrangeiros em São Luís podem ser observados no livro de hóspedes do Hotel Central, ,localizado no Arquivo do Estado do Maranhão e datado de 1919-1934, no qual constam a presença de inúmeras profissões e procedências, das quais se destacam engenheiros e artistas vindos da França e Inglaterra. Tal livro não fora utilizado nesta pesquisa por não constar do controle policial e não trazer mulheres cujas profissões fossem domésticas ou meretrizes.
166
todos os estabelecimentos, todavia, do que se apurou destaca-se, além do
contingente muito maior de mulheres, um tempo de hospedagem que girava em
torno de 1 a 2 meses. E em função de muitos nomes não terem sido localizados em
outras casas ou pensões, e seu destino posto como “ignorado”, supõe-se terem
voltado ao lugar de origem com a finalidade de levar dinheiro. No entanto quando
estes campos eram preenchidos possibilitavam ver que voltavam para seu local de
origem ou se mudavam para outro estabelecimento de igual função.
Considerações finais
As últimas décadas do século XX promoveram não apenas a ampliação dos
eixos temáticos, mas uma intensa transformação na ótica analítica da história,
ampliando sobremaneira seu conhecimento.
Ao romperem com o conhecido e desmontarem o passado criado,
possibilitaram a emergência de novos campos, resgatando do silêncio e das esferas
invisíveis sujeitos anônimos, que nesta pesquisa se apresentam nas meretrizes.
É verdade que a prostituição sempre existiu e, desde a antigüidade, teve os
mais diversos historiadores e leituras. Não há como negar que “desde sempre”,
desde que o homem é homem, por assim dizer, mulheres e homens têm vendido
seus corpos, todavia, como sentencia Laure Adler189, para a França, e em cujo
aspecto muito se assemelhou o Brasil, no século XIX a prostituição sofreu uma
mudança de estatuto, ou de natureza, em que as opiniões foram unanimemente
189 Adler, Laure. A Vida Nos Bordéis de França, 1830-1930. op. cit. pp. 09 -10.
167
partilhadas por médicos, moralistas, policiais, advogados e todos que se julgavam
responsáveis pela missão de zelar pela “boa ordem social”.
Embora no mesmo contexto dos inquietantes discursos e práticas profiláticas,
o Maranhão diferenciou-se de locais como Rio de Janeiro e São Paulo. Nestes, a
prostituição via-se muitas vezes ligada a redes internacionais de tráfico de mulheres,
já no caso maranhense a trajetória das meretrizes, na primeira metade do século
XX, esteve diretamente atrelada às alterações econômicas do campo.
A crise da agroindústria algodoeira e açucareira, evidenciada em fins do XIX,
encontrava na implantação das têxteis, a alternativa frente ao desastre econômico
que se anunciava. Instaladas nos principais núcleos urbanos maranhenses
utilizavam, nas estratégias de lucratividade, cerca de 70% de mão-de-obra feminina,
que não tardou chegar na cidade de São Luís em número fatalmente superior àquele
demandado pelas fábricas.
O contingente populacional era dilatado, de modo especial nos bairros da
Praia Grande e Desterro, acelerando modificações nas formas de habitar e conviver.
Os casarões, antes morada de ricos senhores do algodão e comerciantes,
passavam a servir de casas-de-cômodo, hospedarias, hotéis, pensões e cortiços às
pessoas que chegavam, sendo que grande parte dos estabelecimentos voltavam-se
para a prática do meretrício.
A par daquele movimento, intensificavam-se os argumentos em defesa da
modernização, civilização e desenvolvimento, onde a ordem pública era o objetivo a
ser alcançado.
No esquadrinhamento da cidade e na detecção de seus “territórios doentes”,
os locais de concentração de pessoas logo foram apontados como foco de
168
problemas. Leis, decretos, notas em jornais entre outros, tudo concorria para a
construção da cidade higienizada onde o meretrício, entendido como ponto de
infecções físicas e morais, era um dos principais alvos das políticas normatizadoras.
Nesse sentido, em princípio de 1919 o Governo maranhense impôs a lei
n°862 cujo objetivo era o conhecimento e controle das pessoas que chegavam e se
hospedavam nas pensões, casas-de-cômodos e similares.
Outras medidas se seguiram com o intuito de assegurar a “moralidade
pública”, assim a partir de 18 de Setembro de 1931, por ordem do delegado do 2° e
3° distritos, todas as meretrizes de São Luís, incluindo as donas das casas,
passariam a ser identificadas com uma caderneta cujo número indicava seu registro
na polícia.
Foi com o Decreto de 4 de Abril de 1932 que os contornos e práticas do
controle social ludovicense viram-se acentuados. A preocupação em conhecer os
indivíduos que transitavam pela cidade era revigorada pela ideologia varguista de
valorização do trabalho.
A vigilância aos livros de registros de hóspedes também fora intensificado
pelas autoridades policiais, que periodicamente vistoriavam os “mapas” dos
respectivos estabelecimentos.
Às pensões, casas-de-cômodo e hospedarias onde viviam aquelas mulheres,
eram atribuídas classes, e de acordo com estas, os valores dos impostos eram
cobrados e se não pagos tinham a licença de funcionamento suspensa. Isso leva a
considerar inclusive a rentabilidade econômica do meretrício para o Estado.
Ainda que inúmeras casas fossem exclusivamente de meretrizes, em outras
tantas misturavam-se a elas gomadeiras, lavadeiras, costureiras, marítimos,
169
funcionários públicos, remadores, engraxates, caldeireiros, sapateiros, alfaiates,
barqueiros, carpinas, estivadores, pintores, mendigos, carregadores, pedreiros,
operários, ambulantes, charuteiros, negociantes, barbeiros, etc. .
As relações eram constantemente marcadas pela violência como bem
mostraram os livros de registros de queixas. Também foi possível perceber formas
de falar, de tratar, de vestir das meretrizes e identificar alguns objetos comuns de
uso. Igualmente possível foi observar a existência de outros locais dedicados ao
meretrício cujos livros não foram localizados no Arquivo Público do Estado do
Maranhão.
Desse modo, ao se problematizar o tema neste trabalho, foi a história das
mulheres das camadas populares que se buscou enfatizar, pois mesmo quando se
tratava da prostituição de luxo, eram, em grande parte dos casos, as das classes
mais baixas que nela atuavam.
Mas o eixo central em que se ancorou a pesquisa foi a percepção, pelo viés
demográfico, de quem eram aquelas mulheres que migraram para a cidade a partir
das primeiras décadas do XX, por que vieram e como foram pensadas pelos
poderes disciplinares urbanos. Nos livros de registro de hóspedes, o fluxo migratório
revelou-se, permitindo conhecer, pelo menos em parte, quem eram, de onde
vinham, quantos anos tinham, se eram casadas, solteiras, viúvas ou separadas,
onde se instalavam, quanto tempo ficavam, para onde seguiam, etc.190
190 É importante destacar a importância da demografia histórica como norteadora das observações decorrentes dos dados contidos nos livros de registros de pensões e hospedarias.
170
Assim, ainda que pelas vozes do poder, a significativa e minuciosa
documentação sobre a prostituição em São Luís, possibilitou reconstruir sua história
ou pelo menos, parte dela.
No Brasil, a prostituição e seus sujeitos, perpassaram os momentos históricos
desde a colonização portuguesa e continuam sendo elementos presentes na
sociedade como apontam os dados da Fundação Helsinque de Direitos Humanos191
que coloca esse país no topo do ranking sul-americano de “exportadores de
mulheres para exploração sexual”. Também a crescente prostituição infantil,
principalmente em áreas de fome192; o avanço de Dsts, com destaque para AIDS; os
rotineiros casos de violência contra prostitutas e a disputa de espaços nas casas
noturnas entre as, chamadas, “patricinhas” e as garotas de programas.
Espera-se que a abordagem deste trabalho possa contribuir para o debate e
alargamento dos estudos sobre os papéis sociais femininos, suas arquiteturas,
imagens e condições.
191 Jornal Folha de São Paulo, 29/11/2000, p. A9.
192 Ver a notícia Fim de cestas pode acirrar tensão no NE, Jornal Folha de São Paulo, 28/11/2000, p. A - 5 na qual Sérgio Miranda, prefeito de Panelas (PE), declara que em função do corte no fornecimento de cestas básicas “podem ocorrer aumento da migração, da criminalidade e da prostituição infantil”.
171
Amanheceu...
apenas a brisa de São Luís faz companhia às ruas, ainda desertas... e
enquanto as luzes das pensões e hospedarias se apagam um novo dia vem
surgindo trazendo outros homens, carícias, navalhadas, sonhos, frustrações,
enfim...outras histórias de meretrizes... .
172
Marize Helena de Campos.
ANEXOS
Ruas:
Indicador Maranhense. L. Borba Santos. Associação Comercial do Maranhão. 1947.
Cidade de São Luiz: Ruas, Avenidas, Praças, Travessas, e bêcos de São Luiz com suas denominações antigas e modernas.
Antigas ModernasR.Grande R.Osvaldo Cruzda Paz Cel.Colares Moreirado Sol Nina Rodriguesde Santana José Augusto Corrêado RanchoFonte das Pedras Regente Bráuliode Santo Antonio Tte. Mario Carpenterda Misericórdiada Tapada Coelho Netodo Marajá Viana Vazdo Precipícioda Independênciado Quebra-Costa João Vitalda Caela Maranhão Sobrinhodas Minas Dr. Cesar Marquesdas Laranjeiras Dr. Domingos Barbosado DesertoDireita Henriques Lealdo Portão Oscar GalvãoCaminho da Boiada Dr. Manoel J. FerreiraFonte do Bispodas Cajaseiras Dr. José Barretode São Tiagoda Palha Casemiro Juniordo Gavião Av.Municipalda Concórdia Vespasiano Ramos
173
da Viração Carvalho Brancodos Afogados José BonifácioSenador João Pedroda Cascata Jacinto Maiadas Barrocas Isaac Martinsdo Passeio Rodrigues Fernandesdo Egito Tarquínio Lopesdo Outeiroda Alegria Cel. Manoel Ináciodas Hortas Siqueira CamposSanta Rita Almir NinaSão João Antonio Rayolda Manga José Candido de Moraisda Barraquinha Frederico Figueirada Madre Deus Candido Ribeirode Santaninha Salvador Oliveirado Norte F. Marques Rodriguesdos Remédios Rio Brancoda Palma Herculano Pargado Ribeirão Paula Duartede Santana(cont.) 14 de Julhodo Giz 28 de Julhodo ApicumMajor Colares MoreiraVitor Castrodo Poço do Machadodos Barqueiros Luzia Bruceda Inveja Belarmino de Matosde Nazaré Joaquim Távorado Mucambo José do Patrocínioda Saúde José EusébioTravessa da
PassagemVirgílio Domingues
da Calçada Djalma Dutrada Saavedra Jansen Matosdo Alecrim Euclides Fariada Cotovia João HenriqueNova Dr.Leôncio Rodriguesdas Flores Aluizio Azevedodos Craveiros Percira Regodo Coqueiro Otavio Correada Mangueira Artur AzevedoEstrela Candido Mendesdo Pespontão Teixeira Mendesdo Trapiche PortugalSão Pantaleão Senador Costa Rodriguesda Cruz 7 de SetembroSão João 13 de Maiodo Veado Celso MagalhãesFormosa Afonso Penados Prazeres Silva JardimLargo do Carmo Pça. João Lisboa
Benedito LeitePça de SantaninhaPça 13 de MaioPça da Cadeia da Justiça
174
Largo de Santo Antonio
Antonio Lobo
Pça da Misericórdia Dr. Afonsodo Quartel da Polícia Luiz DominguesPça do Quartel Pça Deodoroda Alegriado Ribeirãodo DesterroPça dos Remédios Pça Gonçalves Diasde São Pantaleão Damasceno FerreiraLargo do Cemitério da SaudadePça de São JoãoTravessa do CoutoTravessa do SilvaTravessa das
LaranjeirasDomingos Barbosa
da Sé D. Franciscodo Vira Mundo Tv do Comércioda Fluvial Tv da Boaventurado Teatro R. Godofredo Vianado Monteiroda Lapado Palácioda Trindadedo Seminário R. Padre Antonio VieiraCazuza Lopes R. 18 de Novembrodo RanchoAv. Beira-Mar Av. 5 de JulhoMaranhense Pedro IIGomes de CastroSilva MaiaJoão PessoaBeco da Alfândega R. Marcelino AlmeidaBeco EscuroMontanha Russa Newton PradoPraia do GenipapeiroPraia GrandePraia do DiquePraia do DesterroPraia da Madre DeusCampo do Ourique Parque Urbano SantosPque. 21 de AbrilCais da SagraçãoRampa de Campos MeloCunha Santosdo Paláciodas PalmeirasCais da Sagração Av 5 de JulhoMagalhães Almeida 10 de NovembroR. Grande Getúlio Vargas
Gomes de CastroMadre Deus MunicipalLargo do Palácio Pedro II
Silva MaiaPça da Misericórdia Pça Dr. Afonsodo Santo Antonio Antonio Lobo
175
do Jardim Benedito LeiteClodomir Cardoso
Largo da Cadeia Comte. Castilhosdo Comércio
de São Pantaleão C. Damasceno FerreiraLargo do Quartel Deodoro
do DesterroPça Duque de CaxiasFonte das Pedras
Largo dos Remedios Gonçalves Diasdo Carmo João Lisboado Quartel de Polícia Luiz Domingues
Mercado NovoMercado VelhoOdorico Mendes
Campo d'Ourique Pque. Urbano SantosSantiago 1 de Maio
15 de Novembrodos Remédiosda Repúblicado Ribeirãode Santaninhade São João
do Cemitério da SaudadeFormosa Afonso Penade Santa Rita Almir Ninadas Flores Aluizio Azevedode São João Antonio Rayol
do Apicumda Mangueira Artur Azevedoda Independencia Barão de Itaparyda Inveja Belarmino de Matos
de Campos Meloda Palha Casemiro Juniorda Viração Carvalho Brancoda Estrela Candido Mendesdo Veado Celso MagalhãesBeco das Minas Dr. Cesar MarquesR. da Tapada R. Coelho Netoda Paz Cel. Colares Moreirada Alegria Cel. Manoel Inácio
do Deserto18 de Novembro
da Calçada Djalma DutraTv. das Laranjeiras Tv das LaranjeirasBeco da Sé D. FranciscoRua do Alecrim Euclides Fariado Norte Marques Rodrigues
Fonte do Bispodas Barraquinhas Frederico FigueiraTv.do Teatro Godofredo Viana
Graça AranhaR. Direita Henriques Lealda Palma Herculano Pargadas Barrocas Isaac Martinsda Cascata Jacinto Maia
176
da Saavedra Jansen Matosda Praia de Santo
AntonioJansen Muller
da Cotovia João Henriquedos Educandos João LuizTv do Quebra- Costa João VitalR. de Nazaré Joaquim Távorade Santana José Augusto Corrêadas Cajaseiras Dr. José Barretodos Afogados José Bonifácioda Manga José Candido de Moraisda Saúde José Eusébiodo Mucambo José do PatrocínioNova Dr. Leôncio RodriguesMisericórdia Lucano dos Reisdos Barqueiros Luzia Brucedo Poço do Machado
Major Colares MoreiraCaminho da Boiada Dr. Manoel J. Ferreirada Caela Maranhão SobrinhoBeco da Alfandega Marcelino Almeidade Santo Antonio Tte. Mario CarpenterTv. da Intendência Newton PradoR. do Sol Nina RodriguesTv. do Portão Oscar GalvãoRua Grande Osvaldo Cruz
do OuteiroTv do Seminário Padre Antônio VieiraRua do Ribeirão Paula Duartedos Craveiros Pereira Regodo Trapiche Portugal
Praia do Desterrodo Precipício
de Santana 14 de Julhodo Rancho
Fonte das Pedras Regente BráulioRibeiro do Amaral
dos Remédios Rio Brancodo Passeio Rodrigues Fernandesde Santaninha Salvador Oliveira
Sant'Iagode São Pantaleão Senador Costa RodriguesSenador João PedroR. da Cruz 7 de Setembrodos Prazeres Silva Jardimdas Hortas Siqueira Camposdo Egito Tarquínio Lopesdo Pespontão Teixeira Mendesde São João 13 de Maioda Concórdia Vespasiano Ramosdo Marajá Viana Vaz
Victor de Castrodo Giz 28 de Julho
28 de Setembro23 de Novembro
Travessa da Virgílio Domingues
177
PassagemTrav da Fluvial Tv do BoaventuraTv FelizJaúdo Paláciodo Portinhoda Prensado Silvada TrindadeZONA PROLETÁRIAAv.Santa Bárbara Bairro da Madre Deusdo Leopoldo rua 1Bairro do Codozinho rua 2Rua Azul rua 3 Anil rua 4Beija rua 5Belira Pau D'ArcoBranca São JoséCreme Av. Rui BarbosaParda Presidente VargasR. Nova R. Verde1 de Janeiro Camboa do Matos1 de Maio Rua da Camboado Paraíso Camboa do Mato
178
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