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FATORES DETERMINANTES NA VALORIZAÇÃO DA CACHAÇA - UM ESTUDO DE CASO COM A SELETA E BOAZINHA LTDA 1. RESUMO Este artigo apresenta um estudo, conceitual e empírico, que procura verificar os fatores ambientais que influenciaram o crescimento e desenvolvimento do setor de cachaça no Brasil. A partir de uma revisão bibliográfica e de uma pesquisa empírica exploratória, operacionalizada com um estudo de caso, investigou-se os fatores econômicos, políticos, tecnológicos, culturais, naturais e demográficos que colaboraram para o desenvolvimento do setor cachaceiro. A análise do caso da Seleta e Boazinha LTDA evidenciou que foram determinantes para o processo de valorização da cachaça as modificações nos ambientes político e cultural. 2. INTRODUÇÃO A história da cachaça coincide com a chegada da cana-de-açúcar no período colonial brasileiro. Nesta época, a cachaça era apenas um subproduto da indústria açucareira. Entretanto, ao longo do tempo, a produção de cachaça cresceu, teve altos e baixos, e apresentou importância ímpar em diversos períodos: desde o aquecimento dos mineiros na fria Serra do Espinhaço durante o Ciclo do Ouro; passando pelo símbolo de resistência à dominação portuguesa, na Inconfidência Mineira; até a ascensão a símbolo nacional, juntamente com o samba e a feijoada, na Semana de Arte Moderna de 1922. (CASCUDO, 2006; FERRAZ, 2003). Apesar disso, somente no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante a comemoração de 500 anos de Descobrimento do Brasil, é que o produto, popular e desgastado, passou a ganhar status, uma imagem sofisticada e um notável crescimento nas vendas, a partir do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça (PBDAC), que contribuiu para a criação da marca-país e para a exportação do produto. (MAUERBERG, 2006). Hoje, a produção de cachaça encontra-se em um momento muito especial pela sua valorização, tanto no mercado externo, quanto no mercado interno. No mundo, a cachaça está entre as bebidas destiladas mais consumidas, ocupando o terceiro lugar e perdendo apenas para a vodca e o soju - bebida coreana feita com arroz e batata doce. (MAPA, 2007) No Brasil, a cachaça é o destilado mais vendido com aproximadamente 88% de market-share. (ABRABE, 2009). Desta maneira, torna-se

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FATORES DETERMINANTES NA VALORIZAÇÃO DA CACHAÇA - UM ESTUDO

DE CASO COM A SELETA E BOAZINHA LTDA

1. RESUMO

Este artigo apresenta um estudo, conceitual e empírico, que procura verificar os

fatores ambientais que influenciaram o crescimento e desenvolvimento do setor de

cachaça no Brasil. A partir de uma revisão bibliográfica e de uma pesquisa empírica

exploratória, operacionalizada com um estudo de caso, investigou-se os fatores

econômicos, políticos, tecnológicos, culturais, naturais e demográficos que

colaboraram para o desenvolvimento do setor cachaceiro. A análise do caso da

Seleta e Boazinha LTDA evidenciou que foram determinantes para o processo de

valorização da cachaça as modificações nos ambientes político e cultural.

2. INTRODUÇÃO

A história da cachaça coincide com a chegada da cana-de-açúcar no período

colonial brasileiro. Nesta época, a cachaça era apenas um subproduto da indústria

açucareira. Entretanto, ao longo do tempo, a produção de cachaça cresceu, teve

altos e baixos, e apresentou importância ímpar em diversos períodos: desde o

aquecimento dos mineiros na fria Serra do Espinhaço durante o Ciclo do Ouro;

passando pelo símbolo de resistência à dominação portuguesa, na Inconfidência

Mineira; até a ascensão a símbolo nacional, juntamente com o samba e a feijoada,

na Semana de Arte Moderna de 1922. (CASCUDO, 2006; FERRAZ, 2003).

Apesar disso, somente no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante a

comemoração de 500 anos de Descobrimento do Brasil, é que o produto, popular e

desgastado, passou a ganhar status, uma imagem sofisticada e um notável

crescimento nas vendas, a partir do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da

Cachaça (PBDAC), que contribuiu para a criação da marca-país e para a exportação

do produto. (MAUERBERG, 2006).

Hoje, a produção de cachaça encontra-se em um momento muito especial pela sua

valorização, tanto no mercado externo, quanto no mercado interno. No mundo, a

cachaça está entre as bebidas destiladas mais consumidas, ocupando o terceiro

lugar e perdendo apenas para a vodca e o soju - bebida coreana feita com arroz e

batata doce. (MAPA, 2007) No Brasil, a cachaça é o destilado mais vendido com

aproximadamente 88% de market-share. (ABRABE, 2009). Desta maneira, torna-se

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indispensável uma avaliação relativa às mudanças que ocorreram no ambiente e

que provocaram a aceleração do desenvolvimento de um produto existente há mais

de 400 anos. Para o país é de extrema importância a identificação dos fatores

capazes de influenciar o desenvolvimento de um produto nacional, dado que a

sistematização desses fatores pode gerar conhecimentos replicáveis a outros

setores e até mesmo conhecimentos que intensifiquem o desenvolvimento do setor

em questão. Além disso, o exame dos fatores ambientais influenciadores também

auxilia na elaboração de prognósticos do que poderá vir a acontecer, aumentando a

probabilidade de obter vantagens no mercado e superar situações desfavoráveis.

3. OBJETIVOS

A cachaça, inicialmente considerada um produto secundário da indústria açucareira,

hoje é um produto nacional e de conhecimento global: como o whisky está para

Escócia ou a champagne está para a França, a cachaça está para o Brasil. Por se

tratar de um produto nacional inserido em um cenário repleto de recentes avanços,

mudanças e oportunidades, este estudo tem como propósito verificar quais são os

elementos do ambiente de marketing que propiciaram a expansão da produção,

consumo e exportação de um produto nacional, secular e popular: a cachaça.

4. METODOLOGIA

Para alcançar o objetivo proposto, buscou-se, a partir da literatura de marketing,

levantar, descrever e examinar as estruturas e os elementos considerados em uma

análise ambiental; assim como, verificar sua influência na prática, através de um

estudo de caso. Portanto, a pesquisa empírica é do tipo qualitativa exploratória e

teve por foco o caso da empresa Seleta e Boazinha LTDA. Segundo Gil (1989), a

pesquisa exploratória tem, entre outras, a função de proporcionar maior familiaridade

com o fenômeno, com vistas a torná-lo mais explicito ou a construir hipóteses. Por

se tratar de um estudo que procura investigar os determinantes ambientais para a

expansão de um setor, justifica-se a abordagem exploratória.

Como estratégia do método de pesquisa optou-se pelo estudo de caso - um estudo

empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto real a partir de

múltiplas fontes de evidências. (YIN, 2006) Dessa forma, os dados secundários

foram coletados em documentações e registros, incluindo artigos publicados na

mídia e material cedido pela empresa. Os dados primários, por sua vez, foram

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coletados através de uma entrevista em profundidade com o Presidente e fundador

da empresa, o Sr. Antonio Eustáquio Rodrigues. Na entrevista utilizou-se uma forma

de comunicação semi-estruturada e não disfarçada. Com relação aos procedimentos

analíticos, neste estudo, recorreu-se à estratégia analítica de descrição crítica do

caso. O critério de análise foi o modelo de correspondência, com o objetivo de

comparar o padrão conceitual descrito na literatura com a realidade da empresa

estudada no caso.

5. DESENVOLVIMENTO

A análise ambiental é uma etapa imprescindível no processo de planejamento de

marketing e compreende o estudo de todos os fatores externos que influenciam

diretamente ou indiretamente às decisões empresariais. (MATTAR, 2009) Segundo

Kotler e Armstrong (2007), todas as empresas operam em um macroambiente de

forças e tendências constituídas por variáveis incontroláveis que dão forma a

oportunidades e impõem ameaças às quais as empresas precisam monitorar e

responder. Essas forças ambientais geralmente são classificadas em categorias,

com o intuito de facilitar seu exame e entendimento. Para Kotler (2000), as forças

ambientais subdividem-se em seis ambientes: demográfico, econômico, político-

legal, tecnológico, natural e cultural.

O ambiente demográfico é o primeiro fator ambiental observado. Por demografia

entendem-se os estudos estatísticos da população humana com o objetivo de

mapear suas características e variações. (JACQUARD, 1988; ZELINSKY, 1974) É

de extrema relevância o monitoramento das alterações demográficas, uma vez que

os mercados são formados em grande parte por consumidores finais. Aspectos

examinados no ambiente demográfico incluem: o tamanho e a taxa de crescimento

da população de diferentes cidades, estados e países; as distribuições das faixas

etárias e dos gêneros; a composição étnica; os níveis de instrução; e a ocupação.

(KOTLER; ARMSTRONG, 2007).

Com relação ao ambiente econômico, fatores relevantes associam-se a quantia que

os consumidores gastam e aquilo que eles compram. Em épocas de prosperidade,

os gastos do consumidor se mantêm em um ritmo acelerado, já em períodos de

recessão, os consumidores geralmente mudam seus padrões de compra para

enfatizar produtos mais básicos e funcionais. (BOONE; KURTZ, 2009) Indicadores

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da condição econômica incluem: inflação, níveis de emprego e renda, taxas de juros,

impostos, restrições comerciais, tarifas etc. (FERREL; HARTLINE, 2008).

O ambiente político-legal afeta fortemente a capacidade de uma empresa competir

no mercado e constitui-se de órgãos governamentais, leis, decretos e regulamentos

que influenciam e limitam às empresas e os indivíduos. Algumas leis que afetam a

atividade de marketing das empresas incluem as leis que regulamentam o ambiente

competitivo, as leis que protegem os consumidores e as leis que regulamentam

setores específicos. A ignorância quanto à legislação ou o não cumprimento dela

pode resultar em multas, publicidade negativa e processos jurídicos para as

empresas. (KOTLER, 2000; KOTLER; ARMSTRONG, 2007).

O ambiente tecnológico é um importante propulsor de oportunidades e ameaças

para as empresas. De acordo com Ferrell e Hartline (2008), a tecnologia refere-se

ao modo como as tarefas específicas são realizadas e aos processos usados para

criar coisas novas. Segundo Boone e Kurtz (2009), a tecnologia gera novos produtos

e serviços para os consumidores, melhora os produtos existentes, oferece melhor

serviço ao cliente e frequentemente reduz os preços por meio de novos métodos de

produção e distribuição. Dessa forma, o ambiente tecnológico pode rapidamente

tornar os produtos obsoletos ou proporcionar novas oportunidades no mercado.

O ambiente natural envolve os recursos naturais que são usados como insumos

pelas organizações e que são afetados pela atividade empresarial. Um importante

aspecto relacionado ao ambiente natural é a crescente preocupação com a

deterioração do meio ambiente. Sendo assim, tendências como a escassez de

matérias-primas, o custo mais elevado da energia e os níveis de poluição devem ser

monitorados constantemente. (KOTLER; ARMSTRONG, 2007).

O último ambiente considerado neste artigo é o ambiente cultural. Para analisar o

ambiente cultural é necessário entender que o mesmo refere-se às crenças, valores

e práticas de uma determinada sociedade, diferentemente do conceito proposto pela

antropologia ou pela filosofia, que entendem cultura como, respectivamente, formas

de viver de comuns e manifestações artísticas. (KEEGAN, 2005; REIS, 2003;

KOTLER, 2000) A análise do ambiente cultural é capaz de evidenciar mudanças em

atitudes, crenças, normas, costumes e estilos de vida, aspectos que afetam

profundamente o modo como as pessoas vivem e ajudam a determinar o que, onde,

como e quando o consumo se efetiva. (FERRELL; HARTLINE, 2008).

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Como é possível observar, o ambiente externo compreende um amplo conjunto de

fatores importantes que devem ser analisados para identificar e interpretar

tendências potenciais. É fato que nem sempre as empresas conseguem agir sobre o

ambiente externo, porém, um monitoramento cuidadoso e criterioso das variáveis

ambientais pode auxiliar na previsão de ameaças e oportunidades e na conseqüente

elaboração de estratégias. (MATTAR, 2009) Além disso, a determinação de fatores

ambientais relevantes para setores específicos pode servir como modelo, auxiliando

no crescimento e desenvolvimento das empresas pertencentes ao setor e também

das empresas inseridas na cadeia produtiva relacionada ao setor.

6. RESULTADOS

Características do setor

A cachaça, como é denominada pela legislação brasileira, é uma bebida destilada a

partir da cana-de-açúcar com graduação alcoólica entre 38% a 48% a uma

temperatura de 20ºC. Seu processo produtivo, embora compreenda diversas

etapas, é bastante simples, conforme a figura abaixo:

Fornecedores Destilarias Envasadoras Distribuidores

Supermercados

Bares

Consumidores

Agricultura Produtor Indústria Atacado

Varejo

Fornecedores Destilarias Envasadoras Distribuidores

Supermercados

Bares

Consumidores

Agricultura Produtor Indústria Atacado

Varejo

Ilustração 1 - Processo produtivo da cachaça FONTE: MARTINELLI et al., 2000.

Uma característica marcante do setor é a heterogeneidade na sua formação, que

agrega fabricantes, engarrafadoras, empresas com grande escala de produção e

micro fabricantes. Apesar da heterogeneidade, existe uma concentração geográfica

das maiores indústrias do setor nas regiões Sudeste e Nordeste do país, próximas

as principais áreas de cultivo da cana-de-açúcar.

O faturamento do setor está em torno de US$ 500 milhões, gerados por cerca de 5

mil marcas de cachaça produzidas em mais de 30 mil estabelecimentos por mais de

400 mil empregos diretos. (MAPA, 2007) Apesar da expressividade dos números do

setor, estima-se que grande parte dos alambiques atue de forma clandestina,

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procurando livrar-se dos altos tributos, que correspondem a mais de 80% do preço

final da cachaça. (SEBRAE, 2008) O produtor legalizado arca com o IPI, IRPJ,

CSLL, PIS, COFINS, Previdência Social, RAT, SENAR, Salário Educação, INCRA, e

ICMS no nível estadual.

No Brasil, em 2007, foram produzidos 1,4 bilhões de litros de cachaça. Desse total,

70% foram de cachaça industrial e 30% de cachaça de alambique; e somente 15

milhões litros foram exportados. A cachaça é o destilado mais consumido no país e

ocupa o segundo lugar entre as bebidas alcoólicas mais consumidas, com

aproximadamente 7% do mercado, perdendo apenas para a cerveja, com 88% do

mercado. (MAPA, 2007; ABRABE, 2009). De acordo com o Instituto Brasileiro da

Cachaça (IBRAC, 2009), no mercado interno, os principais consumidores estão nos

estados de São Paulo, Paraíba, Rio de Janeiro, Ceará, Bahia e Minas Gerais. Com

relação ao mercado externo, os principais destinos são a Alemanha, Paraguai,

Uruguai, Portugal, Estados Unidos, Argentina e Itália. (MAPA, 2007).

A cachaça, historicamente, é uma bebida mais consumida pelas classes menos

favorecidas. Inclusive, existe uma associação clara entre o produto e pessoas de

baixa renda. (SEBRAE, 2008; MARTINELLI et al., 2000) No entanto, a partir da

década de 1990, esse panorama começou a sofrer modificações. A bebida

sofisticou-se com o desenvolvimento das cachaças artesanais e premium e passou

também a freqüentar as classes A e B. (NUNES, 2006).

A empresa - Seleta e Boazinha LTDA

A empresa objeto de estudo foi a Seleta e Boazinha LTDA, uma produtora de

cachaça artesanal, situada na auto intitulada capital mundial da cachaça, a cidade

de Salinas, em Minas Gerais. Fundada em 1970 e atualmente administrada pelo Sr.

Antonio Eustáquio Rodrigues, Presidente da empresa, a Seleta conta com

instalações que compreendem escritórios, lojas, fazendas, engarrafadora, tanoaria e

galpões de armazenamento, que são operadas por 150 funcionários, tendo uma

capacidade produtiva de aproximadamente 1,5 milhões de litros de cachaça por ano.

A Seleta possui áreas plantadas de cana, responsáveis por parte do abastecimento

de suas fábricas e possui fornecedores terceirizados da matéria-prima. Inclusive, de

acordo com o Presidente da empresa, o subproduto do processo de destilação é

aproveitado como adubo para as plantações de cana da empresa.

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Com relação ao processo de disponibilização, parte da produção é distribuída por

três empresas especializadas, através de representantes de vendas e parte da

produção é comercializada através do canal de televendas. Segundo dados internos

da Seleta, ela é líder no mercado brasileiro de cachaça artesanal com uma

participação em torno de 60%. Nesse mercado, que trabalha com um público-alvo

constituído por consumidores das classes média e alta, a empresa opera com as

marcas Seleta, Boazinha e Saliboa.

Fatores ambientais que influenciaram o setor de cac haça no Brasil

Com relação ao ambiente demográfico, a Seleta acredita que o crescimento do

número de adultos, entre 18 e 30 anos, favoreceu o aumento do consumo de

cachaça. Somado a esse fato, a empresa desfruta de uma localização privilegiada,

central em relação aos maiores mercados consumidores, situados nas regiões

Sudeste e Nordeste, o que propicia um aumento ainda maior no consumo dos

produtos da Seleta e Boazinha LTDA.

De acordo com a empresa, a notável estabilidade econômica pela qual o Brasil está

passando, assim como o aumento do poder aquisitivo da população propiciou um

aumento do consumo. As classes mais altas intensificaram o consumo de produtos

de maior valor agregado, como as cachaças premium, e as classes menos

favorecidas puderam adquirir, muitas vezes pela primeira vez, uma cachaça

artesanal de primeira qualidade. Um fenômeno social lembrado pelo gestor da

Seleta é a inelasticidade do consumo de bebidas alcoólicas - a variação no consumo

é pequena, mesmo em períodos de recessão.

Com relação à regulamentarização do setor, apesar da alíquota da cachaça

artesanal ser maior do que a da cachaça industrial, o governo assumiu nos últimos

anos um papel fundamental para a valorização da cachaça, tanto industrial quanto

artesanal. Ações efetivas incluem o decreto nº. 4.062/01 que se refere ao

reconhecimento internacional do termo cachaça como produto de procedência

brasileira, e a lei de nº. 8.918/94 que versa sobre as obrigações dos produtores

quanto à qualidade e especificações técnicas da composição do produto. Além da

regulamentação, outras conquistas foram: a criação do Padrão de Identidade da

Cachaça (PIC), o Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça (PBDAC), e

a inclusão da cachaça no Programa Especial de Exportações (PEE) da Agência de

Promoção de Exportações (APEX). Para o Sr. Rodrigues, o bom relacionamento

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com o governo é tão importante quanto a participação em órgãos não

governamentais, mas que exercem pressão em favor do setor. Instituições citadas

pelo Presidente da Seleta incluem a Associação Brasileira de Bebidas (ABRABE) e

o Instituo Brasileiro de Cachaça (IBRAC). Como a Seleta ainda está desenvolvendo

um plano para iniciar as exportações da sua cachaça, ela nunca utilizou o auxilio da

APEX, mas pretende fazê-lo, segundo o Sr. Rodrigues.

O ambiente tecnológico, para o Sr. Rodrigues, está intimamente ligado à tecnologia

de produção da cachaça. Dado que se trata de um processo produtivo relativamente

simples, o investimento deve ser pensado no sentido de melhorar a qualidade dos

produtos ou reduzir os preços. A tecnologia pode também ser utilizada para a

preservação ambiental, a partir do desenvolvimento de novos insumos para a

plantação, aproveitamento de subprodutos e controle da poluição. Atualmente a

Seleta aproveita o liquido que sobra da destilação da cana como adubo para as

plantações da empresa e como combustível para alguns equipamentos da fábrica. A

empresa também afirma não realizar queimadas, prática comum no setor, e não

jogar os resíduos que sobram da produção da cachaça nos rios.

De acordo com o Sr. Rodrigues, culturalmente, a percepção da cachaça pelas

pessoas hoje é totalmente diferente do passado. Até a década de 1990, a cachaça

era marginalizada e associada às classes menos favorecidas, muitas vezes

considerada bebida de escravo ou pobre; e até servia como sinônimo para

alcoólatra: pinguço, cachaceiro etc. Atualmente, no mercado existem cachaças

extremamente sofisticadas - artesanais premium - que custam centenas de reais,

dependendo do envelhecimento, origem, selo de qualidade, embalagem etc. e que

são consumidas majoritariamente pelas classes A e B e pelo mercado externo.

Assim, a melhoria na qualidade e o refinamento do produto, somados à penetração

nas classes mais abastadas e no exterior, levou ao reconhecimento, valorização e

consumo do produto no mercado como um todo.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para atender os objetivos deste artigo, procurou-se identificar os fatores externos

que contribuíram para a valorização e o crescimento do consumo da cachaça, um

produto que se encontrava no estágio de declínio no seu ciclo de vida. A partir da

pesquisa empírica com uma empresa produtora de cachaça artesanal, a Seleta e

Boazinha LTDA, foi possível verificar na prática os fatores que realmente exerceram

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alguma influência no processo, apesar das restrições metodológicas. Como

limitações podem ser citadas a amplitude da aplicação dos resultados, e a própria

empresa investigada: uma produtora de cachaça artesanal, que corresponde a 30%

do mercado total de cachaça.

Embora existam restrições, o artigo contribui ao identificar os fatores capazes de

influenciar o desenvolvimento de um produto nacional. Sendo assim, foi importante a

posição adotada pelo governo, principalmente após o governo do Presidente

Fernando Henrique Cardoso, e também a mudança da percepção das pessoas em

relação ao produto. No ambiente político, a legislação, os órgãos governamentais e

os grupos de pressão tiveram relevância ímpar. A definição de padrões técnicos e

específicos da produção, o desenvolvimento da marca-país e o apoio governamental

para a exportação foram determinantes para modificar a percepção da cachaça no

mercado interno e externo, principalmente em relação à qualidade do produto. No

ambiente cultural, a imagem desgastada do produto tem sido substituída

gradualmente por uma imagem valorizada de produto típico, patrimônio brasileiro, e

freqüenta cada vez mais as mesas nacionais e internacionais.

8. FONTES CONSULTADAS

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