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Não se trata de doação, diz economista sobre empréstimo do BNDES em Cuba Flickr Daniel Feldmann, da FESPSP, critica o capitalismo brasileiro e afirma que “não haverá desenvolvimento efetivo do Brasil sem desenvolvimento latino-americano” 05/02/2014 Por Bruno Pavan, A presidenta Dilma Rousseff visitou Cuba na semana passada e, na sua agenda haviam dois compromissos: participar da II Cúpula da Comunidade de Países Latino-americanos e do Caribe (Celac) e inaugurar o Porto de Mariel, um dos mais modernos do Caribe que obteve R$ 682 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) para a construção. Arrepiando os cabelos dos setores mais conservadores da mídia e da sociedade brasileira, Dilma foi acusada e de ter feito uma “doação” aos cubanos com o empréstimo, além de ouvir críticas de que o Brasil deveria investir em obras em território nacional e não em terras estrangeiras.

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Não se trata de doação, diz economista sobre empréstimo do BNDES em Cuba

Flickr

Daniel Feldmann, da FESPSP, critica o capitalismo brasileiro e afirma que “não haverá desenvolvimento efetivo do Brasil sem desenvolvimento latino-americano”

05/02/2014

Por Bruno Pavan,

A presidenta Dilma Rousseff visitou Cuba na semana passada e, na sua agenda haviam dois compromissos: participar da II Cúpula da Comunidade de Países Latino-americanos e do Caribe (Celac) e inaugurar o Porto de Mariel, um dos mais modernos do Caribe que obteve R$ 682 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) para a construção. Arrepiando os cabelos dos setores mais conservadores da mídia e da sociedade brasileira, Dilma foi acusada e de ter feito uma “doação” aos cubanos com o empréstimo, além de ouvir críticas de que o Brasil deveria investir em obras em território nacional e não em terras estrangeiras.

Sobre o assunto, o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, Daniel Feldmann, falou com exclusividade ao Brasil de Fato. Segundo ele, embora o negócio do governo brasileiro com Cuba esteja longe de ser “doação”, a política do BNDES precisa ser modificada para o capitalismo brasileiro deixar de ser “baseado no privilégio de poucos grupos econômicos”.

Confira a entrevista: Cuba é atingida há décadas pelo embargo econômico norte-americano, mas os países latino-americanos com governos mais voltados para a esquerda estão se aproximando cada vez mais da Ilha. Isso pode ser uma forma de Cuba se abrir aos poucos para o mundo? São duas coisas combinadas... De um lado, alguns governos mais identificados com esquerda têm laços ideológicos sim com Cuba. Dilma acaba de criticar mais uma vez o embargo estadunidense. E, ao mesmo tempo, Raul Castro tem dado sinais de que pretende abrir mais a economia cubana à lógica de mercado e aos investimentos externos. No caso específico de Mariel, o governo cubano vai permitir uma legislação trabalhista diferenciada, por exemplo. Em sendo assim, é natural que um país como o Brasil, pelo seu peso no continente e pelas suas afinidades com Cuba, seja um candidato natural à cooperação. Sobre o empréstimo do BNDES para a construção do Porto de Mariel, muitos abordam a questão como se o Brasil estivesse “doando” dinheiro a Cuba. Como foi feito o acordo? Podemos ter diferentes opiniões sobre a política em geral do BNDES, assim como diferentes opiniões sobre a abertura ao mercado em Cuba e sua possível adesão ao capitalismo. Não entro nesse mérito. Mas nada autoriza, a meu ver, a acusação de “doação”. Trata-se de um empréstimo, que o governo cubano deverá pagar com juros, como todos os outros que o BNDES faz. Além disso, do gasto total de US$ 957 milhões da obra, das quais US$ 682 milhões são financiados pelo BNDES, haverá uma contrapartida de gastos cubanos da ordem de US$ 802 milhões para gastos com bens de empresas brasileiras. Assim é um empréstimo ao governo cubano, com contrapartida de compras do país de mercadorias produzidas no Brasil. É o mesmo que os EUA tanto fizeram com seu Eximbank, ao longo da história.

Como todo empréstimo do BNDES, trata-se, certamente, de dinheiro público. Na medida em que empréstimos do BNDES são subsidiados, eles têm um custo para o público. Mais precisamente: como o Tesouro Nacional tem financiado muitas operações do BNDES, e como este

mesmo Tesouro capta no mercado recursos a uma taxa de juros mais alta do que taxa que o BNDES oferta crédito, há aí algum grau de prejuízo ao setor público como um todo. Todavia, isto vale para todas as operações do BNDES. Como o financiamento de longo prazo no Brasil é historicamente difícil com fontes privadas, os governos sempre endossaram política de juros relativamente subsidiados pelo Banco.

Também pode-se contra-argumentar com justeza o fato de que a Odebrecht, responsável pela obra, e que exerce um virtual monopólio com financiamento do BNDES em diversos projetos, mais uma vez será contemplada e concentrará para si grande parte dos benefícios. Todos sabem a força lobista do conglomerado Odebrecht que se espraia por diversos setores da economia brasileira. Trata-se aqui de mais vez da prova de que vivemos no Brasil um capitalismo baseado no privilégio de poucos grupos econômicos, e que neste caso é mais uma vez endossado pelo governo. Qual a importância para o Brasil em investir nesse empreendimento em Cuba? Muitos questionam se essa obra deveria ter a participação do BNDES e se não seria melhor que se investisse nos portos brasileiros. Como você enxerga esse ponto? Dentro de uma lógica estritamente macroeconômica e capitalista, penso que o governo vislumbra os empregos e geração de renda que tais exportações para Cuba podem reverter para o Brasil. Ao mesmo tempo, há a contrapartida da ajuda de Cuba no campo da saúde, e também o interesse geopolítico de se estreitar relações com a ilha. O argumento “investir no Brasil versus investir no exterior” é falacioso. Não haverá desenvolvimento efetivo do Brasil sem desenvolvimento latino-americano. Ademais, aqueles que se aferram a este argumento, na maioria dos casos, não consideram os verdadeiros elementos que emperram o financiamento público para melhoria da infraestrutura brasileira: as pressões do mercado financeiro por juros altos e aperto no superávit primário e uma estrutura tributária regressiva. Desde o ano passado, o governo diz que a política que por muitos anos foi a centro do BNDES no governo Lula, a de criar “grandes campeões nacionais”, foi abortada. Com isso, qual o papel que o banco terá daqui pra frente?

A política de campeões nacionais por certo deu em água. A meu ver ela superestimou a potencialidade de grupos econômicos ligados ao setor primário quando do boom de preços que se deu em boa parte em função do efeito China. Agora, além disso, existem as pressões do mercado em torno da credibilidade da dívida pública,e, portanto, contra o aumento de

créditos subsidiados via BNDES. De toda forma, não penso ser condenável em si a participação do BNDES no exterior, muito pelo contrário, mas, todo o nosso dilema no Brasil a é a ausência de um verdadeiro projeto desenvolvimento que contemple uma transformação qualitativa da vida e das relações sociais no país. O BNDES está presente em muitos negócios pelo mundo, em diversos países, porque o negócio com Cuba gera mais desconfiança por parte da mídia e de investidores?

É evidente que o negócio em Cuba é mais condenado pelo significado político da ilha. Ao mesmo tempo, as eleições aqui também atiçam mídia e oposição. Não custa lembrar que o governo FHC financiou a Odebrecht para realizar obras na Venezuela de Chávez, e esse fato é hoje sutilmente esquecido. É conhecido o fato, por exemplo, de que a Friboi tem expandido sua atuação nos EUA. Tendo não apenas financiamento como também participação acionária do BNDES.