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ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 31, P.24-39, JAN./JUN. DE 2012 http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/ E-ISSN 2317-4161 24 24 HISTÓRIA, TEORIA E MÉTODO EM GEOGRAFIA DA RELIGIÃO ZENY ROSENDAHL Resumo: Este artigo visa ressaltar como abordagem diversas caminham juntas na pesquisa da religião na ciência geográfica. O artigo está estruturado em duas partes de reflexões: a primeira se preocupa com a história da temática e os procedimentos teórico- metodológicos da investigação . Na segunda parte é dedicada aos exemplos empíricos. Os exemplos relatados são contribuições ao entendimento das reflexões contidas na primeira parte. A motivação religiosa do homem, no espaço e no tempo, e sua (re)organização espacial representam o ponto central da análise. Palavras-chave: Geografia da Religião. Sagrado. Fé Todo campo do conhecimento caracteriza-se por ter a sua própria história, que faz parte da História Geral do Conhecimento Científico, na qual as reflexões foram construídas a respeito dos objetos de análise e também suas metodologias exclusivas ao campo de investigação, contribuindo, assim, para que o conhecimento possa ser aprofundado. Este artigo visa a contribuir para o debate da temática: História, Teoria e Método em Geografia da Religião. Acreditamos que o tema apresenta visões distintas, que entretanto caminham juntas na construção do saber científico. Iremos destacá-las para o aprofundamento teórico com desejo de colocar em evidencia as reflexões de cada item. Assim, o texto divide-se em duas partes que se integram entre si. Na primeira, faremos uma breve analise da história e dos procedimentos teórico-metodológicos dedicados à espacialidade da religião. Na segunda parte apresentaremos dois exemplos empíricos como contribuição conectada às reflexões da relação

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    http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/

    E-ISSN 2317-4161

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    HISTRIA, TEORIA E MTODO EM GEOGRAFIA

    DA RELIGIO

    ZENY ROSENDAHL

    Resumo: Este artigo visa ressaltar como abordagem diversas caminham juntas na pesquisa da religio na cincia geogrfica. O artigo

    est estruturado em duas partes de reflexes: a primeira se preocupa com a histria da temtica e os procedimentos terico-

    metodolgicos da investigao . Na segunda parte dedicada aos exemplos empricos. Os exemplos relatados so contribuies ao

    entendimento das reflexes contidas na primeira parte. A motivao religiosa do homem, no espao e no tempo, e sua

    (re)organizao espacial representam o ponto central da anlise.

    Palavras-chave: Geografia da Religio. Sagrado. F

    Todo campo do conhecimento

    caracteriza-se por ter a sua prpria histria, que faz

    parte da Histria Geral do Conhecimento

    Cientfico, na qual as reflexes foram construdas a

    respeito dos objetos de anlise e tambm suas

    metodologias exclusivas ao campo de investigao,

    contribuindo, assim, para que o conhecimento

    possa ser aprofundado.

    Este artigo visa a contribuir para o debate

    da temtica: Histria, Teoria e Mtodo em

    Geografia da Religio. Acreditamos que o tema

    apresenta vises distintas, que entretanto

    caminham juntas na construo do saber cientfico.

    Iremos destac-las para o aprofundamento terico

    com desejo de colocar em evidencia as reflexes

    de cada item. Assim, o texto divide-se em duas

    partes que se integram entre si. Na primeira,

    faremos uma breve analise da histria e dos

    procedimentos terico-metodolgicos dedicados

    espacialidade da religio. Na segunda parte

    apresentaremos dois exemplos empricos como

    contribuio conectada s reflexes da relao

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    espao e religio. A paisagem simblica como

    descrio da personalidade do lugar: A Certido

    de Nascimento do Brasil e a Ressurreio da

    Catedral de Cristo Salvador em Moscou como

    dois exemplos empricos capazes de contribuir

    para as reflexes sobre a relao entre o espao e a

    religio.

    A abordagem da religio na geografia vem

    impondo reflexes sobre a experincia religiosa

    dos indivduos e dos grupos sociais na construo

    de espaos fortemente vinculados ao sagrado.

    Como investigar o sagrado em sua dimenso

    espacial?

    A Geografia da Religio deve ser

    compreendida como o estudo da ao

    desempenhada pela motivao religiosa do homem

    em sua criao e sucessivas transformaes

    espaciais. Supe-se a existncia de um impulso

    religioso no homem que o leva a agir sobre seu

    ambiente, qualificando-o com formas espaciais que

    esto diretamente relacionadas com as suas

    necessidades. So marcas simblicas que

    respondem aos desejos do devoto em suas prticas

    espaciais conforme apontam os estudos de Issac

    (1959-60), Sopher (1960), Bttner (1985), Kong

    (1990, 1999 e 2000) e Rosendahl (1996, 2003,

    2009, 2012) entre outros pesquisadores.

    A histria dos estudos dedicados

    espacialidade da religio nos remete ao gegrafo

    alemo Gottlieb. Vrios estudiosos acreditam que

    o termo geografia da religio foi usado pela

    primeira vez numa publicao de Gottlieb, no ano

    de 1795, na Alemanha (Bttner, 1990). Os

    caminhos da construo terica da investigao da

    religio pela abordagem geogrfica permanecem ao

    longo dos sculos XVIII e XIX, as anlises feitas

    por gegrafos nesse perodo privilegiam a

    geografia histrica dos tempos bblicos. A

    literatura existente ressalta que, na primeira

    metade do sculo XX, a abordagem da religio na

    geografia esteve alijada dos estudos tericos

    publicados na cincia geogrfica, mas obras

    dedicadas geografia e religio devem ser

    mencionadas, pois fornecem o caminho inicial dos

    estudos tericos de religio entre os gegrafos.

    Paul Fickeler (1947), Pierre Defontaines (1948),

    Max Sorre (1957), David Sopher (1967) e Maria

    C. Frana (1972) mencionam o estudo da religio

    em seus estudos.

    A dcada de 1970 marca novas reflexes

    de pesquisa da religio em geografia e representa o

    inicio do perodo em que novas e variadas

    abordagens de investigaes surgem conforme os

    estudos de Tanaka (1981), Bonnemaisom (1981),

    Sopher (1984), Rinschede (1985) e Claval (1992)

    entre outros.

    A experincia da f na pesquisa geogrfica

    apresentada nos estudos ps 1990 enfatiza a

    perspectiva cultural do individuo e/ou do grupo

    social escolhido para anlise. Os estudos

    exemplificam as relaes entre espao e religio,

    nas quais dois pontos so fundamentais na

    interpretao: sagrado e profano. a manifestao

    material do sagrado no espao que favorece o

    desenvolver da religio nos estudos em geografia.

    Examina-se como a prtica de ver e sentir o

    sagrado relaciona-se com a sociedade e o espao.

    (ROSENDAHL, 1994, 2003, 2009, 2010 e 2012).

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    Os estudos realizados tendo com base

    nessas categorias de anlise ratificam a

    aplicabilidade de uma metodologia que destaque

    duas perspectivas. A primeira sugere caminhos

    amplos de anlise e est, na maioria dos casos,

    relacionada com as orientaes gerais da pesquisa.

    A segunda ao metodolgica aponta para os

    procedimentos operacionais prticos por meio dos

    quais um conhecimento ser produzido. O

    caminho da investigao est delineado e na

    tentativa de impor o ponto de partida das reflexes

    em geografia da religio, o gegrafo Bttner

    (1985) retoma suas orientaes metodolgicas em

    trs campos de investigao: (a) o primeiro reflete

    uma orientao geogrfica crescentemente social,

    em oposio inclinao geogrfica claramente

    cultural. O gegrafo orientado pela nova geografia

    social inicia sua investigao pela comunidade

    religiosa ou religionskorper. Nessa metodologia, o

    principal interesse da pesquisa reconhecer sua

    estrutura espacial, as atividades que do origem a

    suas formas espaciais construdas, suas atitudes

    mentais e os processos de mudana associada ao

    comportamento do homem; (b) o segundo trata da

    experincia religiosa individual. O gegrafo, como

    um estudioso da religio, ser capaz de oferecer

    contribuies efetivas e inovadoras ao estudo da

    manifestao espacial do sagrado; (c) o terceiro

    considera a dialtica entre religio e ambiente.

    Acreditamos, juntamente com Bttner (1985 e

    1987), Sopher (1967 e 1981) e outros estudiosos,

    na importncia dos aspectos da vida religiosa, pois

    a temtica permite a investigao de outras

    categorias de anlise, como imagem e simbolismo,

    valor e significado e outros. Os gegrafos Kasche

    (1985), Bttner (1985), Kong (1990) e Withers

    (1996) argumentam que necessrio mostrar a

    influncia da religio sobre o homem, reconhecer a

    ao religiosa nos hbitos e costumes e tambm as

    estratgias contidas em suas territorialidades na

    gesto de seus territrios. Por outro lado, tambm

    devem ser mencionadas as influncias externas que

    levam modificao da religio considerada no

    estudo. O aspecto especfico religioso em

    geografia abrange a Metadisciplinaridade. O

    processo dialtico enfatiza a ligao entre os vrios

    componentes do sistema religioso.

    Os procedimentos terico-metodolgicos

    de investigao das relaes entre religio e

    geografia verificam-se em mltiplas escalas

    geogrficas, e em cada uma a interpretao

    caracteriza-se por especficos processos de ao

    decisiva entre religio e espao, bem como as

    estratgias de poder e a forma de sua organizao

    espacial. Selecionamos para a escala nacional e a

    escala do lugar. Na escala nacional, a difuso

    espacial de uma crena e as reas territoriais do

    poder religioso se diferenciam entre si em virtude

    de funes distintas que exercem com as igrejas,

    os templos, as mesquitas, as sinagogas, os prdios

    administrativos e outras formas espaciais religiosas

    Na escala do lugar, a construo do espao sagrado

    e sua rea de abrangncia so demarcadas pelos

    itinerrios simblicos, pelos lugares em que

    ocorrem as prticas devocionais e pelos espaos

    das atividades religiosas. necessrio lembrar que

    o lugar favorece o exerccio da f e da identidade

    religiosa do devoto (ROSENDAHL, 2005 e

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    2010). A pesquisa de campo deve ser incentivada

    como instrumento metodolgico, pois permite ao

    pesquisador uma maneira privilegiada de obteno

    de dados etnogrficos confiveis da religiosidade

    do crente em suas manifestaes na paisagem

    religiosa e no lugar sagrado.

    As reflexes interpretativas das diferentes

    sociedades em suas complexas ligaes da religio

    com as outras dimenses da vida tm atualmente

    como tema a importncia do sagrado e sua

    espacialidade. A teoria resultante tem sua

    expresso mxima no conjunto de quatro temas

    nos quais a espacialidade da religio posta em

    evidncia e submetida anlise, a saber, (a) f,

    espao e tempo: difuso e rea de abrangncia; (b)

    centros de convergncia religiosa e irradiao; (c)

    religio, territrio e territorialidade; e (d) espao e

    lugar sagrado: vivncia, percepo e simbolismo.

    Esse conjunto de temas, que em si constituem

    parte do temrio da geografia humana, pode e

    deve ser introduzido na geografia da religio. As

    pesquisas encaminhadas nessas temticas, no

    sculo XXI, estimulam anlises sistemticas e

    comparativas entre as diversas religies e suas

    respectivas dimenses espaciais. Esses estudos

    visam tanto a encontrar analogias como a formular

    princpios na /da diversidade religiosa no espao.

    A literatura aponta forte continuidade ao

    estudo do sagrado e do profano em trs dimenses

    de anlise, a saber, (a) a dimenso econmica que

    abrange a mercantilizao dos bens simblicos e o

    lugar religioso; (b) a dimenso poltica na qual

    reconhece as estratgias poltico-religiosas das

    instituies possuem a gesto do sagrado; e (c) a

    dimenso do lugar simblico que trata do

    significado das prticas religiosas na diversidade da

    difuso da f e na pluralidade de identidades

    religiosas. A figura abaixo demonstra possveis

    desmembramentos de cada item citado

    anteriormente.

  • ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 30, P.36-54, JUL./DEZ. DE 2011

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    Numerosos estudos em cincias sociais

    realizados atualmente tm como objetivo central a

    prtica da religio e sua importncia na sociedade.

    Alguns assinalam com destaque o papel poltico

    particularmente desempenhado pela Igreja

    Catlica em diferentes contextos espaciais. A

    partir dos anos 1960, a abordagem poltica nos

    estudos realizados deixa de se ater apenas aos

    dados espaciais posto que sua nfase est alm das

    realidades territoriais. A inteno analisar a

    dimenso espacial das relaes sociais que colocam

    em jogo efeitos do poder. Outra perspectiva de

    interpretao foi apresentada h trs dcadas.

    Amplamente inspirada em Michel

    Foucault, ela se v como crtica e insiste, de modo

    mais especial, no papel de determinadas tcnicas

    espaciais no desenvolvimento de formas simblicas

    de poder e de dominao. As relaes entre

    poltica, religio e espao manifestam-se de

    diferentes modos e suas manifestaes espaciais

    tambm o fazem; um deles sendo os territrios

    poltico-administrativos com limites rigidamente

    estabelecidos, configurando municpios, estados e

    pases. Para assegurar a unidade de comando

    necessria para uma ao coletiva, o poder

    exercido por agentes e em seus territrios

    administrativos. Os territrios religiosos, dioceses

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    e parquias da Igreja Catlica Apostlica Romana

    so manifestaes em que a Instituio Religiosa

    define fronteiras e faz com que seus vizinhos as

    respeitem, o que implica uma organizao

    hierrquica com unidade de comando em Roma, o

    Territrio-Estado da Instituio Religiosa Catlica

    Apostlica Romana.

    H diferentes maneiras de conhecer as

    relaes entre poltica, religio e espao. Na

    perspectiva da geografia, possvel pensar essas

    relaes a partir de alguns temas eminentemente

    geogrficos. Isso no implica abandonar temas

    especificamente associados religio, mas, ao

    contrrio, incorpor-los s temticas geogrficas na

    crena de que a espacialidade, que define o olhar

    da geografia, se faz presente em toda a ao

    humana. A geografia cultural ps-1970,

    denominada de nova geografia cultural e/ou

    geografia cultural renovada, est amplamente

    preocupada com a identidade cultural, com o

    conceito de lugar e o simbolismo de coisas e

    objetos na paisagem. Os gegrafos focalizam a

    maneira como os grupos culturais criam paisagens

    e, por sua vez, tm sua identidade cultural

    reforada por essa paisagem. O conceito de

    paisagem, na geografia cultural renovada, enfatiza

    as caractersticas materiais e imateriais da cultura.

    Nas relaes entre poltica, religio e

    espao, as prticas espaciais so colocadas em ao

    por agentes sociais vinculados diretamente ou no

    a uma dada religio. Prticas espaciais so um

    conjunto de aes atuando diretamente sobre o

    espao visando a alcanar algum fim. As prticas

    espaciais religiosas tm por finalidade organizar a

    vida dos indivduos e de lhes dar um sentido no

    mago da comunidade de crentes de que participa

    (STODDARD ET PROPOK, 2003). A ideia de

    que o homem religioso significa dizer que o

    homem motivado pela f em sua experincia de

    vida. Essa noo permite a leitura da dimenso

    poltico-espacial da religio em suas mltiplas

    estratgias espaciais. O estudo da territorialidade

    tem forte significado tanto para as sociedades

    modernas quanto para aquelas que permanecem

    tradicionais (ROSENDAHL, 2005), O espao

    assume uma dimenso simblica e cultural onde se

    enrazam seus valores e atravs do qual se afirma a

    sua identidade (BONNEMAISON, 2002[1981],

    p. 249). Ao mesmo tempo, as estratgias espaciais

    acentuam o domnio poltico de grupos nacionais

    civis que possuem autoridade quase religiosa.

    As relaes entre poltica, religio e

    espao verificam-se em mltiplas escalas, cada uma

    caracterizando-se por especficos processos, aes

    estratgicas e formas espaciais. Essas mltiplas

    escalas, por outro lado, esto no mbito de cada

    religio institucional que confere unidade funcional

    e poltica religio. As mltiplas escalas decorrem

    em razo de a religio constituir-se em instituies

    pontuais diferenciadas entre si, como tambm

    formas em rea. As primeiras, pontuais,

    diferenciam-se entre si em virtude de funes

    distintas que exercem, a exemplo de templos,

    prdios administrativos, cemitrios religiosos, e

    outras, como pela hierarquia que, no mbito de

    cada funo, podem exercer. As formas em rea

    constituem os territrios paroquiais e diocesanos

    ou ainda territrios especficos. As formas pontuais

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    e em rea esto inter-relacionadas e originam

    escalas espaciais de ao da religio.

    A anlise da dinmica do poder e da sua

    ao em diferentes escalas assinala a multiplicidade

    de estratgias imaginadas para fazer com que os

    grupos religiosos sobrevivam e para estabelecer

    seu domnio no espao. possvel diferenciar dois

    grandes tipos de sociedade:

    (a) a sociedade e/ou grupo tnico-religioso em que

    o poder est imbricado nos sistemas de relaes

    cuja finalidade mltipla e onde o poder religioso

    apenas um ingrediente;

    (b) as sociedades onde uma parte das formas do

    poder se autonomiza (CASTRO, 2009; CLAVAL,

    1992, 2010). por meio dessa complexidade da

    natureza territorial, mais que um mero espao de

    controle ou escala de mando (CASTRO, 2009, p.

    586), que a Instituio Religiosa se mantm.

    Nesse sentido, possvel acrescentar que pela

    existncia de uma religio que se cria um territrio

    e pelo territrio que se fortalecem as

    experincias religiosas coletivas e individuais. H

    necessidade, em nvel terico, de explorar a

    experincia da f no lugar em que ela ocorre. A

    religio pode ser compreendida hoje como uma

    viso de mundo (GEERTZ, 1989). A

    interpretao dos valores cognitivos representa o

    princpio sobre o qual o homem jogado na

    natureza encontra respostas e chega a

    compreender o sentido de sua presena neste

    mundo. Como uma dada sociedade realiza essa

    relao com uma cosmologia para atender a

    demanda do crente, pois sabido que cada grupo

    social possui diferentes e variados caminhos de

    difuso da f em sua continuao relao com o

    lugar e/ ou territrio religioso.

    A difuso da f e a escala de atuao de

    uma dada comunidade podem ser agora abordadas.

    Esse texto visa a iluminar as relaes entre as

    estratgias territoriais religiosas e a dimenso do

    lugar. A eficcia de uma dada estratgia implanta

    marcas e matrizes no lugar, na paisagem.

    A literatura, ps-1970 aponta inmeras

    pesquisas na interpretao da identidade no lugar e

    do lugar. Os gegrafos focalizam a maneira como

    os grupos culturais criam paisagens e, por sua vez,

    tm sua identidade cultural reforada por essa

    paisagem. O conceito de paisagem, na geografia

    cultural renovada, enfatiza as caractersticas

    materiais e imateriais da cultura.

    Ao longo do sculo XX, o conceito de

    paisagem, um dos mais antigos da geografia,

    repensado com inmeras abordagens e com fortes

    debates acadmicos entre os gegrafos. O

    conceito de paisagem, nesse texto, privilegiar a

    analise na perspectiva cultural. De acordo com

    Corra (2003), a nova geografia cultural resgata e

    amplia as bases epistemolgicas desenvolvidas pela

    geografia cultural de Sauer e dos gegrafos

    europeus. Para o autor, a simbologia da paisagem

    analisada por meio de obras literrias, pintura,

    musica e cinema, considerada a sua representao a

    partir da tica de diferentes grupos sociais.

    Paisagem e simbolismo representam palavras-chave

    nos estudos recentes. O gegrafo Denis Cosgrove

    (1998), em suas anlises da paisagem e seus

    significados, indica novas teorias na interpretao

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    da paisagem, do imaginrio e do simbolismo da

    ao do homem em sua reproduo espacial.

    A paisagem sempre esteve intimamente

    ligada, na geografia humana, com a cultura e com a

    ideia de formas visveis sobre a terra e suas

    composies. A paisagem, de fato, uma maneira

    de ver, uma maneira de compor e harmonizar o

    mundo externo em uma cena, em uma unidade

    visvel. Assim, a paisagem h muito vem sendo

    associada cultura. A geografia est em toda a

    parte, evidenciando que h forte simbolismo na

    composio das paisagens humanas. Tal premissa

    representa uma analise da abordagem cultural nos

    estudos sobre a paisagem. Tais ideias esto no livro

    Paisagem, tempo e cultura, da Coleo Geografia

    Cultural, da EdUERJ, de 1998.

    Os estudos realizados nos ltimos dez anos tm

    interpretado a criao de formas simblicas

    sacralizadas que reforam a construo de

    identidade nacional no grupo religioso selecionado

    para anlise. No desejo de exemplificar tais

    pesquisas, selecionamos dois exemplos. O

    primeiro aborda a estratgica poltico-religiosa dos

    portugueses, em 1500, ao chegarem no Brasil, e

    em nossa anlise ser abordada com a

    interpretao da paisagem simblica contida na

    tela A Primeira Missa no Brasil de Ivo Meirelles.

    O segundo exemplo refere-se dinmica do lugar

    sagrado em seus diferentes momentos histricos.

    O artigo Siderov (2000) intitulado O Renascer da

    Igreja Ortodoxa Russa, na cidade de Moscou,

    Rssia , obra de Vitor Meirelles (1860).

    A certido de nascimento do Brasil, como

    primeira exemplificao, retrata a motivao dos

    portugueses no contexto da poca. Os historiados

    Hoornaert (1983) e Azzi (2005, p. 15) bem como

    outros autores registraram a finalidade nica dos

    lusos catlicos em territrio brasileiro: a expanso

    da f catlica ao povo autctone e o sucesso do

    povoamento e do comrcio. Os reis de Portugal

    possuam a convico bastante clara de que cabia a

    eles a misso de evangelizar as novas terras

    descobertas. A representao religiosa e poltica se

    aglutinaram na conquista, posse e ocupao do

    territrio. Esse poder no emanava da qualidade

    do ser humano, sendo exercida por privilgio da

    escolha divina. No reino lusitano, toda a

    concepo teolgica da Cristandade surgiu

    solidamente ancorada na ideia da fundao divina

    da fundao divina da monarquia (AZZI, 2005

    p.25). Portanto, o poder real assim considerado

    como um dom, uma graa divina, e o monarca

    impregnado da graa divina, deve, enfim, ocupar a

    chefia poltica e religiosa sobre o seu povo no

    territrio e nas novas terras descobertas. Durante

    os sculos XVI e XVII, os portugueses estiveram

    fortemente marcados na unidade da f catlica e

    no poder do imprio. Caberia ao povo portugus

    conservar e expandir a f, pois era o povo eleito,

    isto , Deus havia declarado sua opo pelos

    portugueses. No apenas a dinastia lusitana fora

    escolhida, mas o povo portugus fora eleito para

    essa misso. Sendo um povo escolhido por Deus,

    os portugueses tinham a misso poltico-religiosa

    de expanso da f e do reino de Cristo. No

    pensamento de Azzi (2005) e de outros

    historiadores, o resultado desse carter sacral se

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    expandiu nas primeiras dcadas do sculo XVI.

    Com o inicio dos grandes descobrimentos, os

    portugueses firmavam a sua posio de bons

    navegadores e de eleito de sua vocao messinica.

    O reino de Portugal adquiri a sua identidade de

    reino de Deus em marcha Hoonaert (1983) e Azzi

    (2005) afirmam essa ideia.

    Na tentativa de interpretar a paisagem simblica

    contida na tela A Primeira Missa no Brasil, de

    Vitor Meirelles, e em comunho com as reflexes

    do / professor Amandio Miguel dos Santos em sua

    aulas no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de

    Janeiro a tela em questo pode ser chamada de a

    certido de nascimento do Brasil , pois indica

    primeiramente a tentativa de reconhecer a gneses

    do pais, na paisagem contida na apresentao da

    tela. Essa escolha, na abordagem geogrfica, no

    ser empregada no sentido da paisagem como cena

    real vista por um observador. O gegrafo, ao

    descrever a paisagem, exerce suas observaes na

    busca de decodificar seus elementos simblicos e

    de, continuadamente, tirar concluses e

    estabelecer relaes com os materiais visveis na

    paisagem. Em comunho com Denis Cosgrove,

    temos a paisagem da cultura dominante, por

    definio a de um grupo com poder sobre outro.

    O grupo dominante na sociedade, de acordo com

    seus prprios valores e suas ao de poder

    mantido e reproduzido, em grande medida, pela

    sua capacidade de projetar e comunicar. Mas h a

    tipologia das paisagens alternativas. Tais paisagens,

    por sua natureza, esto menos visveis nas

    paisagens do que as dominantes, apesar de que,

    com uma mudana na escala de observao, poder

    parecer dominante uma cultura subordinada ou

    alternativa. Esse artigo privilegiar a paisagem da

    cultura dominante no contexto poltico-cultural do

    ano de 1500 no Brasil, e hoje uma paisagem de

    muitos elementos do passado e seus fortes

    significados contemporneos.

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    A primeira missa no Brasil, 1861. Museu Nacional de Belas Artes

    O primeiro exemplo selecionado uma

    possvel interpretao da paisagem contida na tela

    A Primeira Missa no Brasil, do pintor Vitor

    Meirelles, datada de 1860 e hoje acervo do Museu

    Nacional de Belas Artes na cidade de So

    Sebastio do Rio de Janeiro. A representao

    simblica da Primeira Missa rezada em solo

    brasileiro no ano de 1500 retrata o ritual religioso

    do poder luso-catlico sobre os nativos. A tela

    representa a certido de nascimento do Brasil na

    construo da Amrica Portuguesa. A cruz,

    smbolo das conquistas lusitanas e do domnio

    cristo sobre os nos cristos, aparece em destaque

    na pintura. O ritual de celebrao da missa, com o

    altar, a Bblia, o clice e a Hstia, fixado no seu

    momento de maior sacralidade: a consagrao do

    po e do vinho como Corpo e Sangue do Senhor

    Jesus, revelando claramente que o pas nascia luso-

    catlico, com forte devoo ao sagrado. Era a

    manifestao patente de que o Estado tinha um

    carter sacral, e especificamente catlico. [...] a

    Eucaristia era um sinal peculiar da religio catlica,

    em oposio ao islamismo, ao judasmo e ao

    prprio protestantismo (AZZI, 2005 p.268). A

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    tela de Vitor Meirelles reafirma, no sculo XIX, a

    dominao espiritual da f crist.

    O smbolo religioso da cruz colocado na

    pintura, a cruz de cada dia, est vinculado ao

    evangelho de Lucas (Cap 14, 25-32) ao nos

    recordar a prova do verdadeiro amor entre os

    cristos que significa: tomar a prpria cruz e seguir

    os passos de Jesus. Carregar a prpria cruz no

    significa andar pela vida buscando o sofrimento. A

    cruz vinculada imaginao religiosa est

    relacionada com a espada do imperador

    Constantino e suas conquistas, no sculo III (d.C)

    . A cruz como representao metafrica da

    comunidade crist. Um dos caminhos de que

    estou partindo para a anlise o de que a verdade

    de nossas crenas revelada na histria.

    Constantino foi quem iniciou o impacto poltico

    sobre o cristianismo e a atuao do imperador

    amplamente reconhecida. A literatura relata que os

    cristos latinos tm preferido mant-lo como o

    divisor de guas entre o sagrado e o profano.

    Eusbio de Cesrea (260-339), ao escrever sua

    biografia, denominou-o de pai da Historia da

    Igreja. Acrescente-se que, antes de Constantino,

    a cruz no tinha significado religioso e simblico.

    O apstolo Paulo havia tornado a crucificao

    essencial para a salvao obtida pela morte de

    Cristo; ser crucificado com Cristo era uma

    implicao da aceitao da f; a cruz no concorria,

    por exemplo, com as guas do batismo. A cruz, na

    imaginao crist, ganhou forte simbolismo com o

    imperador Constantino. A histria narra que na

    vspera da batalha da Ponte Melvin, Constantino

    viu no cu o trofu de uma cruz, acima do sol,

    tendo a inscrio com isto vencers. Baseado

    nessa viso, Constantino reuniu seu exrcito e

    deu-lhe um novo estandarte para ser levado na

    batalha. Esse novo estandarte representava uma

    longa lana vestida de ouro formando a figura da

    cruz Carrol, (2002, p. 363).

    O sucesso nas batalhas aps o uso do novo

    estandarte permitiu que o imperador Constantino

    se utilizasse desse sinal de salvao como

    salvaguarda contra todo o poder adverso e hostil.

    Os estudos construdos em torno do mito

    ressaltam que o novo estandarte denominado a

    lana e a barra transversa foi o estandarte militar

    elaborado no Conclio de Nicia baseado na viso

    de Constantino (CARROL, 2002). No ano de

    312, um smbolo unificador e universalizante

    poderia servir ao objetivo do imperador. A cruz,

    apesar da associao com a morte de Jesus Cristo,

    o emblema perfeito para o uso de Constantino

    em suas batalhas. A forma obtida com a juno dos

    eixos na horizontal e na vertical, acrescida da sua

    evocao das quatro direes - o norte, o sul, o

    leste, e o oeste - agrega forte valor simblico. O

    significado da cruz no imaginrio religioso est

    impregnado do poder do sagrado.

    A exposio pblica da cruz como um

    smbolo religioso, em especial traduzida na sua

    confeco em ouro e em joias em geral, foi o

    primeiro momento de uso de imagens sagradas em

    local no sagrado. Marca o afastamento da

    proibio do uso de objetos sagrados fora dos

    espaos sagrados. A imaginao crist mudaria

    aps a inovao do imperador Constantino que,

    com uma iconografia elaborada, permitiu que o

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    cristianismo permanecesse para sempre separado

    do judasmo. A criao do simbolismo das glrias

    associado imagem da cruz foi, sem dvida,

    ratificada na ao poderosa de Constantino ao

    elevar a cruz ao reino sagrado e ao abolir a

    crucificao como norma romana da pena de

    morte. Assim, o valor simblico estava em torno

    dos pescoos, como colar; nos extremos dos

    rosrios; nas paredes das igrejas; e na maioria dos

    projetos arquitetnicos das prprias igrejas crists.

    A cruz se tornaria um objeto de adorao

    e um meio de afastar qualquer mal e os seus

    efeitos. Carrol (2002) relata que os iconoclastas

    bizantinos, no perodo aps Constantino, ao

    eliminarem as imagens de f, tiveram a

    preocupao de manter a cruz. Fizeram uma

    exceo, pois aceitavam a cruz e seu valor

    simblico como o sinal sob o qual eles, tambm,

    buscavam vencer. A cruz, em nossa anlise, na

    certido de nascimento do Brasil, marca o

    territrio de chegada. A cultura lusa venceu a

    viagem e venceu a conquista religiosa. As letras

    IHS apresentadas em vestimentas religiosas, tais

    como toalhas do altar e em outros objetos, so as

    letras inicias da palavra grega para o nome Jesus,

    mas depois do imperador Constantino, essas

    inicias passaram a significar In Hoc Signo (vinces),

    com referncia viso que Constantino teve. Esse

    significado se mantm firme na memria catlica,

    um sinal de que o mito da converso de

    Constantino ainda permanece.

    A tela da Primeira Missa no Brasil possui

    como representao simblica da manifestao do

    sagrado, a hierofania realizada durante a missa, no

    momento da consagrao. Esse momento qualifica

    o ritual de repetio do ocorrido, em sua primeira

    vez, por Jesus Cristo, no alto do Glgota, em

    celebrao de graa divina como um dom divino.

    Esse ritual de forte poder religioso era exercido

    pela monarquia portuguesa da poca, que ocupava

    a chefia poltica e religiosa sobre o seu povo em

    territrio portugus e nos novos territrios

    descobertos. As pesquisas realizadas demonstram

    que, durante os sculos XVI e XVII, o povo

    portugus esteve marcado fortemente pela unidade

    da f, pois era o povo eleito, isto , Deus havia

    declarado sua opo pelos portugueses. Beozzo

    (1983, p. 19) reflete o pensamento da Coroa

    Portuguesa quanto propagao da f e

    converso dos nativos no Brasil. o principal fim

    que se manda povoar o Brasil a reduo do

    gentio f catlica [...] e convm atra-los paz.

    Para fim da propagao da f e o aumento da

    povoao e do comercio. Foi sob essa estratgia

    do colonizador que a sociedade colonial brasileira

    nasceu. A dinmica da ao missionria no

    propunha opo religiosa diversa, e sim, impunha

    um novo caminho de comportamento religioso, o

    comportamento catlico portugus.

    Os nativos foram os primeiros convertidos

    no territrio brasileiro e no tiveram outra opo

    de escolha. A converso acarretou a perda de sua

    identidade cultural, a renncia aos seus cultos e s

    suas tradies religiosas. A tela da Certido de

    Nascimento do Brasil retrata os nativos na parte

    inferior da pintura, porm esses personagens no

    so os nativos do Brasil na poca do

    descobrimento do pas.

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    O artista Vitor Meirelles, por no ter

    referncia do nativo brasileiro, optou por pintar os

    nativos da Amrica Central. A tela reafirma no

    sculo XIX a dominao espiritual da f crist.

    Comungo com as ideias de James Caroll

    (2002). A minha interpretao no visa a negar ou

    a estabelecer a autenticidade do que relatei, mas

    caminhar na reflexo dos elementos contidos na

    paisagem retratada. Reconhecer, com vocs, a

    viso da cruz como o mito fundador do Estado-

    Igreja, da Igreja e do Estado que perdura ao longo

    da histria. Enfatizar, tambm, o apelo da cruz

    como smbolo universal, particularmente nessa

    pintura que representa a Primeira Missa na ilha de

    Vera Cruz e Terra de Santa Cruz. Denominaes

    que so bem imaginativas e no uma bela

    coincidncia.

    A tela de Vitor Meirelles nossa Certido

    de Nascimento. Nosso idioma o Portugus e a

    nossa identidade social e jurdica est impregnada

    de valores cristos. A contribuio do gegrafo no

    estudo de uma determinada paisagem deve

    priorizar dois fatos fundamentais para o

    entendermos a realidade: o sentir e o saber. O

    saber explicado na literatura geogrfica e o sentir

    presente no af de conhecer as prticas espaciais

    simblicas contidas na ao humana.

    O segundo exemplo emprico visa a

    ressaltar a dinmica de lugares simblicos com

    fortes caractersticas econmicas e polticas. Tais

    dimenses motivaram a criao e a transformao

    de formas simblicas espaciais, pela ocupao

    humana, em processos diferenciados e contnuos

    ao longo do tempo. A Ressurreio da Catedral de

    Cristo Salvador, na cidade de Moscou, ser nosso

    exemplo. O estudo contempla as novas

    identidades e os novos comportamentos de vida

    moldados pela religio ortodoxa russa. Deseja-se

    refletir sobre o conceito de lugar no sentido de

    pertencimento, numa tentativa de esclarecer as

    maneiras como so construdas as identidades de

    lugares e de pessoas, como indivduos e membros

    de grupos, considerando que h uma relao

    recproca entre essas identidades (ROSENDAHL,

    2005 e 2008). O exemplo contempla a ressurreio

    do lugar religioso como potencial fonte de conflito

    e inclui a anlise de que os lugares no so

    simplesmente os resultados no intencionais de

    processos econmicos, sociais, polticos e

    religiosos da sociedade (NORTON, 2000).

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    Elaborado por Rosendahl (2001), baseado em Sidorov (2000)

    Siderov (2000) argumenta que a

    reconstruo da Catedral do Cristo Salvador

    representa um recrudescimento da religio

    ortodoxa e da histria do povo russo. Ambas esto

    relacionadas s vitorias militares acontecidas em

    seu pas. A conscincia nacional russa e a religio

    ortodoxa enfatizam os elos entre a religio, a

    comunidade e o lugar. A ressurreio da Catedral

    de Cristo Salvador, no ano de 1993, rene a f no

    lugar com elementos materiais e imateriais

    impregnados de valor simblico. A igreja um

    smbolo poderoso do rompimento com o tempo

    passado sovitico e o tempo presente da era

    poltico-religiosa da sociedade russa. As sucessivas

    transformaes ocorridas no lugar esto colocadas

    em um esquema para ressaltar as formas

    Quadro 1: Ressureies da Catedral de Cristo Salvador * Moscou

    Forma Simblica

    Espacial

    Contexto/Ideologia Funo

    Convento de Alexius

    (1360/1514 e 1837)

    Russa Ortodoxa Poltico-Religiosa

    Catedral de Vitberg

    (1817-1825)

    Liderana espiritual ps-napolenica Memorial de Guerra

    Igreja Ecumnica

    Palcio dos Soviticos

    (1937-1941)

    Stalin (no incio) * Comunismo

    (URSS)

    Monumento Poltico

    Fosso

    (1941-1960)

    Stalin (no final) _

    Piscina de Moscou

    (1960-1994)

    Krushchev/Perestroika Recreao

    Catedral de Cristo

    Salvador Restaurada

    (1994/1997-2001)

    Poltica de Gorbachev Religiosa - Memorial

    Histrica

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    resultantes. A preocupao, ao elaborar o quadro-

    esquema, foi destacar em trs colunas os seguintes

    itens: a forma espacial construda, o contexto

    poltico-social e/ou ideologia no perodo

    escolhido, e a funo exercida pela forma espacial

    selecionada na primeira coluna.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS_____________________________

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    HISTORY, THEORY AND METHOD IN GEOGRAPHY OF RELIGION

    Abstract: This article intends to stick out as a boarding many which walk together in the search of religion inside geographical science.

    The article is structured in two reflection parts : the first one worries about the thematic history and the theoretical-methodological

    proceedings of investigation. The second part is dedicated to the empiric examples . This mentioned examples are contributions for the

    understanding of reflexions contained in the first part. The mans religious motivation , in the space and time, and his spat ial

    (re)organization represents the focus of this analysis.

    Keywords: Geography of religion. Sacred . Faith