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ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 31, P.24-39, JAN./JUN. DE 2012
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
E-ISSN 2317-4161
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HISTRIA, TEORIA E MTODO EM GEOGRAFIA
DA RELIGIO
ZENY ROSENDAHL
Resumo: Este artigo visa ressaltar como abordagem diversas caminham juntas na pesquisa da religio na cincia geogrfica. O artigo
est estruturado em duas partes de reflexes: a primeira se preocupa com a histria da temtica e os procedimentos terico-
metodolgicos da investigao . Na segunda parte dedicada aos exemplos empricos. Os exemplos relatados so contribuies ao
entendimento das reflexes contidas na primeira parte. A motivao religiosa do homem, no espao e no tempo, e sua
(re)organizao espacial representam o ponto central da anlise.
Palavras-chave: Geografia da Religio. Sagrado. F
Todo campo do conhecimento
caracteriza-se por ter a sua prpria histria, que faz
parte da Histria Geral do Conhecimento
Cientfico, na qual as reflexes foram construdas a
respeito dos objetos de anlise e tambm suas
metodologias exclusivas ao campo de investigao,
contribuindo, assim, para que o conhecimento
possa ser aprofundado.
Este artigo visa a contribuir para o debate
da temtica: Histria, Teoria e Mtodo em
Geografia da Religio. Acreditamos que o tema
apresenta vises distintas, que entretanto
caminham juntas na construo do saber cientfico.
Iremos destac-las para o aprofundamento terico
com desejo de colocar em evidencia as reflexes
de cada item. Assim, o texto divide-se em duas
partes que se integram entre si. Na primeira,
faremos uma breve analise da histria e dos
procedimentos terico-metodolgicos dedicados
espacialidade da religio. Na segunda parte
apresentaremos dois exemplos empricos como
contribuio conectada s reflexes da relao
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 31, P.24-39, JAN./JUN. DE 2012
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espao e religio. A paisagem simblica como
descrio da personalidade do lugar: A Certido
de Nascimento do Brasil e a Ressurreio da
Catedral de Cristo Salvador em Moscou como
dois exemplos empricos capazes de contribuir
para as reflexes sobre a relao entre o espao e a
religio.
A abordagem da religio na geografia vem
impondo reflexes sobre a experincia religiosa
dos indivduos e dos grupos sociais na construo
de espaos fortemente vinculados ao sagrado.
Como investigar o sagrado em sua dimenso
espacial?
A Geografia da Religio deve ser
compreendida como o estudo da ao
desempenhada pela motivao religiosa do homem
em sua criao e sucessivas transformaes
espaciais. Supe-se a existncia de um impulso
religioso no homem que o leva a agir sobre seu
ambiente, qualificando-o com formas espaciais que
esto diretamente relacionadas com as suas
necessidades. So marcas simblicas que
respondem aos desejos do devoto em suas prticas
espaciais conforme apontam os estudos de Issac
(1959-60), Sopher (1960), Bttner (1985), Kong
(1990, 1999 e 2000) e Rosendahl (1996, 2003,
2009, 2012) entre outros pesquisadores.
A histria dos estudos dedicados
espacialidade da religio nos remete ao gegrafo
alemo Gottlieb. Vrios estudiosos acreditam que
o termo geografia da religio foi usado pela
primeira vez numa publicao de Gottlieb, no ano
de 1795, na Alemanha (Bttner, 1990). Os
caminhos da construo terica da investigao da
religio pela abordagem geogrfica permanecem ao
longo dos sculos XVIII e XIX, as anlises feitas
por gegrafos nesse perodo privilegiam a
geografia histrica dos tempos bblicos. A
literatura existente ressalta que, na primeira
metade do sculo XX, a abordagem da religio na
geografia esteve alijada dos estudos tericos
publicados na cincia geogrfica, mas obras
dedicadas geografia e religio devem ser
mencionadas, pois fornecem o caminho inicial dos
estudos tericos de religio entre os gegrafos.
Paul Fickeler (1947), Pierre Defontaines (1948),
Max Sorre (1957), David Sopher (1967) e Maria
C. Frana (1972) mencionam o estudo da religio
em seus estudos.
A dcada de 1970 marca novas reflexes
de pesquisa da religio em geografia e representa o
inicio do perodo em que novas e variadas
abordagens de investigaes surgem conforme os
estudos de Tanaka (1981), Bonnemaisom (1981),
Sopher (1984), Rinschede (1985) e Claval (1992)
entre outros.
A experincia da f na pesquisa geogrfica
apresentada nos estudos ps 1990 enfatiza a
perspectiva cultural do individuo e/ou do grupo
social escolhido para anlise. Os estudos
exemplificam as relaes entre espao e religio,
nas quais dois pontos so fundamentais na
interpretao: sagrado e profano. a manifestao
material do sagrado no espao que favorece o
desenvolver da religio nos estudos em geografia.
Examina-se como a prtica de ver e sentir o
sagrado relaciona-se com a sociedade e o espao.
(ROSENDAHL, 1994, 2003, 2009, 2010 e 2012).
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Os estudos realizados tendo com base
nessas categorias de anlise ratificam a
aplicabilidade de uma metodologia que destaque
duas perspectivas. A primeira sugere caminhos
amplos de anlise e est, na maioria dos casos,
relacionada com as orientaes gerais da pesquisa.
A segunda ao metodolgica aponta para os
procedimentos operacionais prticos por meio dos
quais um conhecimento ser produzido. O
caminho da investigao est delineado e na
tentativa de impor o ponto de partida das reflexes
em geografia da religio, o gegrafo Bttner
(1985) retoma suas orientaes metodolgicas em
trs campos de investigao: (a) o primeiro reflete
uma orientao geogrfica crescentemente social,
em oposio inclinao geogrfica claramente
cultural. O gegrafo orientado pela nova geografia
social inicia sua investigao pela comunidade
religiosa ou religionskorper. Nessa metodologia, o
principal interesse da pesquisa reconhecer sua
estrutura espacial, as atividades que do origem a
suas formas espaciais construdas, suas atitudes
mentais e os processos de mudana associada ao
comportamento do homem; (b) o segundo trata da
experincia religiosa individual. O gegrafo, como
um estudioso da religio, ser capaz de oferecer
contribuies efetivas e inovadoras ao estudo da
manifestao espacial do sagrado; (c) o terceiro
considera a dialtica entre religio e ambiente.
Acreditamos, juntamente com Bttner (1985 e
1987), Sopher (1967 e 1981) e outros estudiosos,
na importncia dos aspectos da vida religiosa, pois
a temtica permite a investigao de outras
categorias de anlise, como imagem e simbolismo,
valor e significado e outros. Os gegrafos Kasche
(1985), Bttner (1985), Kong (1990) e Withers
(1996) argumentam que necessrio mostrar a
influncia da religio sobre o homem, reconhecer a
ao religiosa nos hbitos e costumes e tambm as
estratgias contidas em suas territorialidades na
gesto de seus territrios. Por outro lado, tambm
devem ser mencionadas as influncias externas que
levam modificao da religio considerada no
estudo. O aspecto especfico religioso em
geografia abrange a Metadisciplinaridade. O
processo dialtico enfatiza a ligao entre os vrios
componentes do sistema religioso.
Os procedimentos terico-metodolgicos
de investigao das relaes entre religio e
geografia verificam-se em mltiplas escalas
geogrficas, e em cada uma a interpretao
caracteriza-se por especficos processos de ao
decisiva entre religio e espao, bem como as
estratgias de poder e a forma de sua organizao
espacial. Selecionamos para a escala nacional e a
escala do lugar. Na escala nacional, a difuso
espacial de uma crena e as reas territoriais do
poder religioso se diferenciam entre si em virtude
de funes distintas que exercem com as igrejas,
os templos, as mesquitas, as sinagogas, os prdios
administrativos e outras formas espaciais religiosas
Na escala do lugar, a construo do espao sagrado
e sua rea de abrangncia so demarcadas pelos
itinerrios simblicos, pelos lugares em que
ocorrem as prticas devocionais e pelos espaos
das atividades religiosas. necessrio lembrar que
o lugar favorece o exerccio da f e da identidade
religiosa do devoto (ROSENDAHL, 2005 e
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2010). A pesquisa de campo deve ser incentivada
como instrumento metodolgico, pois permite ao
pesquisador uma maneira privilegiada de obteno
de dados etnogrficos confiveis da religiosidade
do crente em suas manifestaes na paisagem
religiosa e no lugar sagrado.
As reflexes interpretativas das diferentes
sociedades em suas complexas ligaes da religio
com as outras dimenses da vida tm atualmente
como tema a importncia do sagrado e sua
espacialidade. A teoria resultante tem sua
expresso mxima no conjunto de quatro temas
nos quais a espacialidade da religio posta em
evidncia e submetida anlise, a saber, (a) f,
espao e tempo: difuso e rea de abrangncia; (b)
centros de convergncia religiosa e irradiao; (c)
religio, territrio e territorialidade; e (d) espao e
lugar sagrado: vivncia, percepo e simbolismo.
Esse conjunto de temas, que em si constituem
parte do temrio da geografia humana, pode e
deve ser introduzido na geografia da religio. As
pesquisas encaminhadas nessas temticas, no
sculo XXI, estimulam anlises sistemticas e
comparativas entre as diversas religies e suas
respectivas dimenses espaciais. Esses estudos
visam tanto a encontrar analogias como a formular
princpios na /da diversidade religiosa no espao.
A literatura aponta forte continuidade ao
estudo do sagrado e do profano em trs dimenses
de anlise, a saber, (a) a dimenso econmica que
abrange a mercantilizao dos bens simblicos e o
lugar religioso; (b) a dimenso poltica na qual
reconhece as estratgias poltico-religiosas das
instituies possuem a gesto do sagrado; e (c) a
dimenso do lugar simblico que trata do
significado das prticas religiosas na diversidade da
difuso da f e na pluralidade de identidades
religiosas. A figura abaixo demonstra possveis
desmembramentos de cada item citado
anteriormente.
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 30, P.36-54, JUL./DEZ. DE 2011
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Numerosos estudos em cincias sociais
realizados atualmente tm como objetivo central a
prtica da religio e sua importncia na sociedade.
Alguns assinalam com destaque o papel poltico
particularmente desempenhado pela Igreja
Catlica em diferentes contextos espaciais. A
partir dos anos 1960, a abordagem poltica nos
estudos realizados deixa de se ater apenas aos
dados espaciais posto que sua nfase est alm das
realidades territoriais. A inteno analisar a
dimenso espacial das relaes sociais que colocam
em jogo efeitos do poder. Outra perspectiva de
interpretao foi apresentada h trs dcadas.
Amplamente inspirada em Michel
Foucault, ela se v como crtica e insiste, de modo
mais especial, no papel de determinadas tcnicas
espaciais no desenvolvimento de formas simblicas
de poder e de dominao. As relaes entre
poltica, religio e espao manifestam-se de
diferentes modos e suas manifestaes espaciais
tambm o fazem; um deles sendo os territrios
poltico-administrativos com limites rigidamente
estabelecidos, configurando municpios, estados e
pases. Para assegurar a unidade de comando
necessria para uma ao coletiva, o poder
exercido por agentes e em seus territrios
administrativos. Os territrios religiosos, dioceses
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e parquias da Igreja Catlica Apostlica Romana
so manifestaes em que a Instituio Religiosa
define fronteiras e faz com que seus vizinhos as
respeitem, o que implica uma organizao
hierrquica com unidade de comando em Roma, o
Territrio-Estado da Instituio Religiosa Catlica
Apostlica Romana.
H diferentes maneiras de conhecer as
relaes entre poltica, religio e espao. Na
perspectiva da geografia, possvel pensar essas
relaes a partir de alguns temas eminentemente
geogrficos. Isso no implica abandonar temas
especificamente associados religio, mas, ao
contrrio, incorpor-los s temticas geogrficas na
crena de que a espacialidade, que define o olhar
da geografia, se faz presente em toda a ao
humana. A geografia cultural ps-1970,
denominada de nova geografia cultural e/ou
geografia cultural renovada, est amplamente
preocupada com a identidade cultural, com o
conceito de lugar e o simbolismo de coisas e
objetos na paisagem. Os gegrafos focalizam a
maneira como os grupos culturais criam paisagens
e, por sua vez, tm sua identidade cultural
reforada por essa paisagem. O conceito de
paisagem, na geografia cultural renovada, enfatiza
as caractersticas materiais e imateriais da cultura.
Nas relaes entre poltica, religio e
espao, as prticas espaciais so colocadas em ao
por agentes sociais vinculados diretamente ou no
a uma dada religio. Prticas espaciais so um
conjunto de aes atuando diretamente sobre o
espao visando a alcanar algum fim. As prticas
espaciais religiosas tm por finalidade organizar a
vida dos indivduos e de lhes dar um sentido no
mago da comunidade de crentes de que participa
(STODDARD ET PROPOK, 2003). A ideia de
que o homem religioso significa dizer que o
homem motivado pela f em sua experincia de
vida. Essa noo permite a leitura da dimenso
poltico-espacial da religio em suas mltiplas
estratgias espaciais. O estudo da territorialidade
tem forte significado tanto para as sociedades
modernas quanto para aquelas que permanecem
tradicionais (ROSENDAHL, 2005), O espao
assume uma dimenso simblica e cultural onde se
enrazam seus valores e atravs do qual se afirma a
sua identidade (BONNEMAISON, 2002[1981],
p. 249). Ao mesmo tempo, as estratgias espaciais
acentuam o domnio poltico de grupos nacionais
civis que possuem autoridade quase religiosa.
As relaes entre poltica, religio e
espao verificam-se em mltiplas escalas, cada uma
caracterizando-se por especficos processos, aes
estratgicas e formas espaciais. Essas mltiplas
escalas, por outro lado, esto no mbito de cada
religio institucional que confere unidade funcional
e poltica religio. As mltiplas escalas decorrem
em razo de a religio constituir-se em instituies
pontuais diferenciadas entre si, como tambm
formas em rea. As primeiras, pontuais,
diferenciam-se entre si em virtude de funes
distintas que exercem, a exemplo de templos,
prdios administrativos, cemitrios religiosos, e
outras, como pela hierarquia que, no mbito de
cada funo, podem exercer. As formas em rea
constituem os territrios paroquiais e diocesanos
ou ainda territrios especficos. As formas pontuais
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e em rea esto inter-relacionadas e originam
escalas espaciais de ao da religio.
A anlise da dinmica do poder e da sua
ao em diferentes escalas assinala a multiplicidade
de estratgias imaginadas para fazer com que os
grupos religiosos sobrevivam e para estabelecer
seu domnio no espao. possvel diferenciar dois
grandes tipos de sociedade:
(a) a sociedade e/ou grupo tnico-religioso em que
o poder est imbricado nos sistemas de relaes
cuja finalidade mltipla e onde o poder religioso
apenas um ingrediente;
(b) as sociedades onde uma parte das formas do
poder se autonomiza (CASTRO, 2009; CLAVAL,
1992, 2010). por meio dessa complexidade da
natureza territorial, mais que um mero espao de
controle ou escala de mando (CASTRO, 2009, p.
586), que a Instituio Religiosa se mantm.
Nesse sentido, possvel acrescentar que pela
existncia de uma religio que se cria um territrio
e pelo territrio que se fortalecem as
experincias religiosas coletivas e individuais. H
necessidade, em nvel terico, de explorar a
experincia da f no lugar em que ela ocorre. A
religio pode ser compreendida hoje como uma
viso de mundo (GEERTZ, 1989). A
interpretao dos valores cognitivos representa o
princpio sobre o qual o homem jogado na
natureza encontra respostas e chega a
compreender o sentido de sua presena neste
mundo. Como uma dada sociedade realiza essa
relao com uma cosmologia para atender a
demanda do crente, pois sabido que cada grupo
social possui diferentes e variados caminhos de
difuso da f em sua continuao relao com o
lugar e/ ou territrio religioso.
A difuso da f e a escala de atuao de
uma dada comunidade podem ser agora abordadas.
Esse texto visa a iluminar as relaes entre as
estratgias territoriais religiosas e a dimenso do
lugar. A eficcia de uma dada estratgia implanta
marcas e matrizes no lugar, na paisagem.
A literatura, ps-1970 aponta inmeras
pesquisas na interpretao da identidade no lugar e
do lugar. Os gegrafos focalizam a maneira como
os grupos culturais criam paisagens e, por sua vez,
tm sua identidade cultural reforada por essa
paisagem. O conceito de paisagem, na geografia
cultural renovada, enfatiza as caractersticas
materiais e imateriais da cultura.
Ao longo do sculo XX, o conceito de
paisagem, um dos mais antigos da geografia,
repensado com inmeras abordagens e com fortes
debates acadmicos entre os gegrafos. O
conceito de paisagem, nesse texto, privilegiar a
analise na perspectiva cultural. De acordo com
Corra (2003), a nova geografia cultural resgata e
amplia as bases epistemolgicas desenvolvidas pela
geografia cultural de Sauer e dos gegrafos
europeus. Para o autor, a simbologia da paisagem
analisada por meio de obras literrias, pintura,
musica e cinema, considerada a sua representao a
partir da tica de diferentes grupos sociais.
Paisagem e simbolismo representam palavras-chave
nos estudos recentes. O gegrafo Denis Cosgrove
(1998), em suas anlises da paisagem e seus
significados, indica novas teorias na interpretao
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da paisagem, do imaginrio e do simbolismo da
ao do homem em sua reproduo espacial.
A paisagem sempre esteve intimamente
ligada, na geografia humana, com a cultura e com a
ideia de formas visveis sobre a terra e suas
composies. A paisagem, de fato, uma maneira
de ver, uma maneira de compor e harmonizar o
mundo externo em uma cena, em uma unidade
visvel. Assim, a paisagem h muito vem sendo
associada cultura. A geografia est em toda a
parte, evidenciando que h forte simbolismo na
composio das paisagens humanas. Tal premissa
representa uma analise da abordagem cultural nos
estudos sobre a paisagem. Tais ideias esto no livro
Paisagem, tempo e cultura, da Coleo Geografia
Cultural, da EdUERJ, de 1998.
Os estudos realizados nos ltimos dez anos tm
interpretado a criao de formas simblicas
sacralizadas que reforam a construo de
identidade nacional no grupo religioso selecionado
para anlise. No desejo de exemplificar tais
pesquisas, selecionamos dois exemplos. O
primeiro aborda a estratgica poltico-religiosa dos
portugueses, em 1500, ao chegarem no Brasil, e
em nossa anlise ser abordada com a
interpretao da paisagem simblica contida na
tela A Primeira Missa no Brasil de Ivo Meirelles.
O segundo exemplo refere-se dinmica do lugar
sagrado em seus diferentes momentos histricos.
O artigo Siderov (2000) intitulado O Renascer da
Igreja Ortodoxa Russa, na cidade de Moscou,
Rssia , obra de Vitor Meirelles (1860).
A certido de nascimento do Brasil, como
primeira exemplificao, retrata a motivao dos
portugueses no contexto da poca. Os historiados
Hoornaert (1983) e Azzi (2005, p. 15) bem como
outros autores registraram a finalidade nica dos
lusos catlicos em territrio brasileiro: a expanso
da f catlica ao povo autctone e o sucesso do
povoamento e do comrcio. Os reis de Portugal
possuam a convico bastante clara de que cabia a
eles a misso de evangelizar as novas terras
descobertas. A representao religiosa e poltica se
aglutinaram na conquista, posse e ocupao do
territrio. Esse poder no emanava da qualidade
do ser humano, sendo exercida por privilgio da
escolha divina. No reino lusitano, toda a
concepo teolgica da Cristandade surgiu
solidamente ancorada na ideia da fundao divina
da fundao divina da monarquia (AZZI, 2005
p.25). Portanto, o poder real assim considerado
como um dom, uma graa divina, e o monarca
impregnado da graa divina, deve, enfim, ocupar a
chefia poltica e religiosa sobre o seu povo no
territrio e nas novas terras descobertas. Durante
os sculos XVI e XVII, os portugueses estiveram
fortemente marcados na unidade da f catlica e
no poder do imprio. Caberia ao povo portugus
conservar e expandir a f, pois era o povo eleito,
isto , Deus havia declarado sua opo pelos
portugueses. No apenas a dinastia lusitana fora
escolhida, mas o povo portugus fora eleito para
essa misso. Sendo um povo escolhido por Deus,
os portugueses tinham a misso poltico-religiosa
de expanso da f e do reino de Cristo. No
pensamento de Azzi (2005) e de outros
historiadores, o resultado desse carter sacral se
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expandiu nas primeiras dcadas do sculo XVI.
Com o inicio dos grandes descobrimentos, os
portugueses firmavam a sua posio de bons
navegadores e de eleito de sua vocao messinica.
O reino de Portugal adquiri a sua identidade de
reino de Deus em marcha Hoonaert (1983) e Azzi
(2005) afirmam essa ideia.
Na tentativa de interpretar a paisagem simblica
contida na tela A Primeira Missa no Brasil, de
Vitor Meirelles, e em comunho com as reflexes
do / professor Amandio Miguel dos Santos em sua
aulas no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de
Janeiro a tela em questo pode ser chamada de a
certido de nascimento do Brasil , pois indica
primeiramente a tentativa de reconhecer a gneses
do pais, na paisagem contida na apresentao da
tela. Essa escolha, na abordagem geogrfica, no
ser empregada no sentido da paisagem como cena
real vista por um observador. O gegrafo, ao
descrever a paisagem, exerce suas observaes na
busca de decodificar seus elementos simblicos e
de, continuadamente, tirar concluses e
estabelecer relaes com os materiais visveis na
paisagem. Em comunho com Denis Cosgrove,
temos a paisagem da cultura dominante, por
definio a de um grupo com poder sobre outro.
O grupo dominante na sociedade, de acordo com
seus prprios valores e suas ao de poder
mantido e reproduzido, em grande medida, pela
sua capacidade de projetar e comunicar. Mas h a
tipologia das paisagens alternativas. Tais paisagens,
por sua natureza, esto menos visveis nas
paisagens do que as dominantes, apesar de que,
com uma mudana na escala de observao, poder
parecer dominante uma cultura subordinada ou
alternativa. Esse artigo privilegiar a paisagem da
cultura dominante no contexto poltico-cultural do
ano de 1500 no Brasil, e hoje uma paisagem de
muitos elementos do passado e seus fortes
significados contemporneos.
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A primeira missa no Brasil, 1861. Museu Nacional de Belas Artes
O primeiro exemplo selecionado uma
possvel interpretao da paisagem contida na tela
A Primeira Missa no Brasil, do pintor Vitor
Meirelles, datada de 1860 e hoje acervo do Museu
Nacional de Belas Artes na cidade de So
Sebastio do Rio de Janeiro. A representao
simblica da Primeira Missa rezada em solo
brasileiro no ano de 1500 retrata o ritual religioso
do poder luso-catlico sobre os nativos. A tela
representa a certido de nascimento do Brasil na
construo da Amrica Portuguesa. A cruz,
smbolo das conquistas lusitanas e do domnio
cristo sobre os nos cristos, aparece em destaque
na pintura. O ritual de celebrao da missa, com o
altar, a Bblia, o clice e a Hstia, fixado no seu
momento de maior sacralidade: a consagrao do
po e do vinho como Corpo e Sangue do Senhor
Jesus, revelando claramente que o pas nascia luso-
catlico, com forte devoo ao sagrado. Era a
manifestao patente de que o Estado tinha um
carter sacral, e especificamente catlico. [...] a
Eucaristia era um sinal peculiar da religio catlica,
em oposio ao islamismo, ao judasmo e ao
prprio protestantismo (AZZI, 2005 p.268). A
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tela de Vitor Meirelles reafirma, no sculo XIX, a
dominao espiritual da f crist.
O smbolo religioso da cruz colocado na
pintura, a cruz de cada dia, est vinculado ao
evangelho de Lucas (Cap 14, 25-32) ao nos
recordar a prova do verdadeiro amor entre os
cristos que significa: tomar a prpria cruz e seguir
os passos de Jesus. Carregar a prpria cruz no
significa andar pela vida buscando o sofrimento. A
cruz vinculada imaginao religiosa est
relacionada com a espada do imperador
Constantino e suas conquistas, no sculo III (d.C)
. A cruz como representao metafrica da
comunidade crist. Um dos caminhos de que
estou partindo para a anlise o de que a verdade
de nossas crenas revelada na histria.
Constantino foi quem iniciou o impacto poltico
sobre o cristianismo e a atuao do imperador
amplamente reconhecida. A literatura relata que os
cristos latinos tm preferido mant-lo como o
divisor de guas entre o sagrado e o profano.
Eusbio de Cesrea (260-339), ao escrever sua
biografia, denominou-o de pai da Historia da
Igreja. Acrescente-se que, antes de Constantino,
a cruz no tinha significado religioso e simblico.
O apstolo Paulo havia tornado a crucificao
essencial para a salvao obtida pela morte de
Cristo; ser crucificado com Cristo era uma
implicao da aceitao da f; a cruz no concorria,
por exemplo, com as guas do batismo. A cruz, na
imaginao crist, ganhou forte simbolismo com o
imperador Constantino. A histria narra que na
vspera da batalha da Ponte Melvin, Constantino
viu no cu o trofu de uma cruz, acima do sol,
tendo a inscrio com isto vencers. Baseado
nessa viso, Constantino reuniu seu exrcito e
deu-lhe um novo estandarte para ser levado na
batalha. Esse novo estandarte representava uma
longa lana vestida de ouro formando a figura da
cruz Carrol, (2002, p. 363).
O sucesso nas batalhas aps o uso do novo
estandarte permitiu que o imperador Constantino
se utilizasse desse sinal de salvao como
salvaguarda contra todo o poder adverso e hostil.
Os estudos construdos em torno do mito
ressaltam que o novo estandarte denominado a
lana e a barra transversa foi o estandarte militar
elaborado no Conclio de Nicia baseado na viso
de Constantino (CARROL, 2002). No ano de
312, um smbolo unificador e universalizante
poderia servir ao objetivo do imperador. A cruz,
apesar da associao com a morte de Jesus Cristo,
o emblema perfeito para o uso de Constantino
em suas batalhas. A forma obtida com a juno dos
eixos na horizontal e na vertical, acrescida da sua
evocao das quatro direes - o norte, o sul, o
leste, e o oeste - agrega forte valor simblico. O
significado da cruz no imaginrio religioso est
impregnado do poder do sagrado.
A exposio pblica da cruz como um
smbolo religioso, em especial traduzida na sua
confeco em ouro e em joias em geral, foi o
primeiro momento de uso de imagens sagradas em
local no sagrado. Marca o afastamento da
proibio do uso de objetos sagrados fora dos
espaos sagrados. A imaginao crist mudaria
aps a inovao do imperador Constantino que,
com uma iconografia elaborada, permitiu que o
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cristianismo permanecesse para sempre separado
do judasmo. A criao do simbolismo das glrias
associado imagem da cruz foi, sem dvida,
ratificada na ao poderosa de Constantino ao
elevar a cruz ao reino sagrado e ao abolir a
crucificao como norma romana da pena de
morte. Assim, o valor simblico estava em torno
dos pescoos, como colar; nos extremos dos
rosrios; nas paredes das igrejas; e na maioria dos
projetos arquitetnicos das prprias igrejas crists.
A cruz se tornaria um objeto de adorao
e um meio de afastar qualquer mal e os seus
efeitos. Carrol (2002) relata que os iconoclastas
bizantinos, no perodo aps Constantino, ao
eliminarem as imagens de f, tiveram a
preocupao de manter a cruz. Fizeram uma
exceo, pois aceitavam a cruz e seu valor
simblico como o sinal sob o qual eles, tambm,
buscavam vencer. A cruz, em nossa anlise, na
certido de nascimento do Brasil, marca o
territrio de chegada. A cultura lusa venceu a
viagem e venceu a conquista religiosa. As letras
IHS apresentadas em vestimentas religiosas, tais
como toalhas do altar e em outros objetos, so as
letras inicias da palavra grega para o nome Jesus,
mas depois do imperador Constantino, essas
inicias passaram a significar In Hoc Signo (vinces),
com referncia viso que Constantino teve. Esse
significado se mantm firme na memria catlica,
um sinal de que o mito da converso de
Constantino ainda permanece.
A tela da Primeira Missa no Brasil possui
como representao simblica da manifestao do
sagrado, a hierofania realizada durante a missa, no
momento da consagrao. Esse momento qualifica
o ritual de repetio do ocorrido, em sua primeira
vez, por Jesus Cristo, no alto do Glgota, em
celebrao de graa divina como um dom divino.
Esse ritual de forte poder religioso era exercido
pela monarquia portuguesa da poca, que ocupava
a chefia poltica e religiosa sobre o seu povo em
territrio portugus e nos novos territrios
descobertos. As pesquisas realizadas demonstram
que, durante os sculos XVI e XVII, o povo
portugus esteve marcado fortemente pela unidade
da f, pois era o povo eleito, isto , Deus havia
declarado sua opo pelos portugueses. Beozzo
(1983, p. 19) reflete o pensamento da Coroa
Portuguesa quanto propagao da f e
converso dos nativos no Brasil. o principal fim
que se manda povoar o Brasil a reduo do
gentio f catlica [...] e convm atra-los paz.
Para fim da propagao da f e o aumento da
povoao e do comercio. Foi sob essa estratgia
do colonizador que a sociedade colonial brasileira
nasceu. A dinmica da ao missionria no
propunha opo religiosa diversa, e sim, impunha
um novo caminho de comportamento religioso, o
comportamento catlico portugus.
Os nativos foram os primeiros convertidos
no territrio brasileiro e no tiveram outra opo
de escolha. A converso acarretou a perda de sua
identidade cultural, a renncia aos seus cultos e s
suas tradies religiosas. A tela da Certido de
Nascimento do Brasil retrata os nativos na parte
inferior da pintura, porm esses personagens no
so os nativos do Brasil na poca do
descobrimento do pas.
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O artista Vitor Meirelles, por no ter
referncia do nativo brasileiro, optou por pintar os
nativos da Amrica Central. A tela reafirma no
sculo XIX a dominao espiritual da f crist.
Comungo com as ideias de James Caroll
(2002). A minha interpretao no visa a negar ou
a estabelecer a autenticidade do que relatei, mas
caminhar na reflexo dos elementos contidos na
paisagem retratada. Reconhecer, com vocs, a
viso da cruz como o mito fundador do Estado-
Igreja, da Igreja e do Estado que perdura ao longo
da histria. Enfatizar, tambm, o apelo da cruz
como smbolo universal, particularmente nessa
pintura que representa a Primeira Missa na ilha de
Vera Cruz e Terra de Santa Cruz. Denominaes
que so bem imaginativas e no uma bela
coincidncia.
A tela de Vitor Meirelles nossa Certido
de Nascimento. Nosso idioma o Portugus e a
nossa identidade social e jurdica est impregnada
de valores cristos. A contribuio do gegrafo no
estudo de uma determinada paisagem deve
priorizar dois fatos fundamentais para o
entendermos a realidade: o sentir e o saber. O
saber explicado na literatura geogrfica e o sentir
presente no af de conhecer as prticas espaciais
simblicas contidas na ao humana.
O segundo exemplo emprico visa a
ressaltar a dinmica de lugares simblicos com
fortes caractersticas econmicas e polticas. Tais
dimenses motivaram a criao e a transformao
de formas simblicas espaciais, pela ocupao
humana, em processos diferenciados e contnuos
ao longo do tempo. A Ressurreio da Catedral de
Cristo Salvador, na cidade de Moscou, ser nosso
exemplo. O estudo contempla as novas
identidades e os novos comportamentos de vida
moldados pela religio ortodoxa russa. Deseja-se
refletir sobre o conceito de lugar no sentido de
pertencimento, numa tentativa de esclarecer as
maneiras como so construdas as identidades de
lugares e de pessoas, como indivduos e membros
de grupos, considerando que h uma relao
recproca entre essas identidades (ROSENDAHL,
2005 e 2008). O exemplo contempla a ressurreio
do lugar religioso como potencial fonte de conflito
e inclui a anlise de que os lugares no so
simplesmente os resultados no intencionais de
processos econmicos, sociais, polticos e
religiosos da sociedade (NORTON, 2000).
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Elaborado por Rosendahl (2001), baseado em Sidorov (2000)
Siderov (2000) argumenta que a
reconstruo da Catedral do Cristo Salvador
representa um recrudescimento da religio
ortodoxa e da histria do povo russo. Ambas esto
relacionadas s vitorias militares acontecidas em
seu pas. A conscincia nacional russa e a religio
ortodoxa enfatizam os elos entre a religio, a
comunidade e o lugar. A ressurreio da Catedral
de Cristo Salvador, no ano de 1993, rene a f no
lugar com elementos materiais e imateriais
impregnados de valor simblico. A igreja um
smbolo poderoso do rompimento com o tempo
passado sovitico e o tempo presente da era
poltico-religiosa da sociedade russa. As sucessivas
transformaes ocorridas no lugar esto colocadas
em um esquema para ressaltar as formas
Quadro 1: Ressureies da Catedral de Cristo Salvador * Moscou
Forma Simblica
Espacial
Contexto/Ideologia Funo
Convento de Alexius
(1360/1514 e 1837)
Russa Ortodoxa Poltico-Religiosa
Catedral de Vitberg
(1817-1825)
Liderana espiritual ps-napolenica Memorial de Guerra
Igreja Ecumnica
Palcio dos Soviticos
(1937-1941)
Stalin (no incio) * Comunismo
(URSS)
Monumento Poltico
Fosso
(1941-1960)
Stalin (no final) _
Piscina de Moscou
(1960-1994)
Krushchev/Perestroika Recreao
Catedral de Cristo
Salvador Restaurada
(1994/1997-2001)
Poltica de Gorbachev Religiosa - Memorial
Histrica
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resultantes. A preocupao, ao elaborar o quadro-
esquema, foi destacar em trs colunas os seguintes
itens: a forma espacial construda, o contexto
poltico-social e/ou ideologia no perodo
escolhido, e a funo exercida pela forma espacial
selecionada na primeira coluna.
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HISTORY, THEORY AND METHOD IN GEOGRAPHY OF RELIGION
Abstract: This article intends to stick out as a boarding many which walk together in the search of religion inside geographical science.
The article is structured in two reflection parts : the first one worries about the thematic history and the theoretical-methodological
proceedings of investigation. The second part is dedicated to the empiric examples . This mentioned examples are contributions for the
understanding of reflexions contained in the first part. The mans religious motivation , in the space and time, and his spat ial
(re)organization represents the focus of this analysis.
Keywords: Geography of religion. Sacred . Faith