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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ DOUGLAS BRANCO PESSANHA LOPES MAX WEBER: ENTRE A LIBERDADE E O NACIONALISMO CURITIBA 2008

MAX WEBER: ENTRE A LIBERDADE E O … · principalmente seu pai era uma pessoa preocupada com a política e o destino ... onde a sociedade industrial cada vez mais se expandia para

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

DOUGLAS BRANCO PESSANHA LOPES

MAX WEBER: ENTRE A LIBERDADE E O NACIONALISMO

CURITIBA 2008

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DOUGLAS BRANCO PESSANHA LOPES

MAX WEBER: ENTRE A LIBERDADE E O NACIONALISMO

Monografia apresentada ao curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Alexandro Dantas Trindade

CURITIBA

2008

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meus pais pelo imenso apoio dado em toda minha graduação, sem eles este

trabalho nunca teria sido concluído.

... ao meu orientador Alexandro Dantas Trindade pela compreensão, apoio e conselhos que

foram de fundamental importância no desenvolvimento deste trabalho.

... à minha companheira Giovana Carla Bonamim Polli pelas infindáveis discussões, que

certamente contribuíram para esse trabalho, e pela paciência para me ouvir sempre que

necessário.

... ao meu grande amigo Julio César Gonçalves da Silva pelas variadas conversas sobre

questões da teoria social e sobre política que certamente foram importantes não apenas para

esse trabalho.

...a todos meus amigos que estiveram presentes no decorrer da minha formação.

Os erros deste trabalho são de minha inteira responsabilidade.

iv

Á Sandra Regina Branco Lopes e Edson

Pessanha Lopes.

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RESUMO

Este trabalho se propõe a refletir sobre o pensamento político de Max Weber, em suas

considerações sobre uma série de eventos ocorridos na Alemanha e Rússia de sua época.

Deste modo, não nos prendemos aos seus conceitos propriamente científicos, tais como

Estado, Burocracia, Poder, dentre outros, mas buscamos localizar quais foram suas

interpretações e anseios em relação à política alemã. Assim, percorremos seus textos em

busca de uma melhor compreensão acerca de alguns temas, tais como a excessiva

centralização da Era Bismarck e seus efeitos sobre um parlamento sem capacidade de

decisão; sua concepção de democracia como correlata à idéia de fortalecimento da política

parlamentar e formação de lideranças; sua interpretação sobre o contexto revolucionário

russo de 1905 e 1917 e suas possíveis conseqüências para os destinos da Alemanha e,

finalmente, suas idéias acerca da burocracia e liberdade na sociedade moderna. No decorrer

do trabalho procuramos refletir sobre a forma como Weber busca equacionar a questão da

liberdade ao seu nacionalismo.

Palavras-chave: Max Weber, sociologia do conhecimento, parlamentarismo, burocracia,

liberdade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I Parlamentarismo e Política na Alemanha 12 CAPÍTULO II Capitalismo e Liberdade na Rússia 29 CONCLUSÃO 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49

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INTRODUÇÃO

No decorrer da infância de Max Weber, as discussões políticas eram comuns em

sua casa, e tanto seu pai como sua mãe possuíam formação intelectual ampla e

principalmente seu pai era uma pessoa preocupada com a política e o destino da

Alemanha. Dentro deste ambiente de discussão e comprometimento com o destino

alemão Max Weber cresceu e viveu sua infância e adolescência.

Jacob Peter Meyer (1985) descreve a grande influencia do pai de Max Weber

nos questionamentos políticos e no interesse pela política no decorrer de sua obra. O

ambiente familiar, a grande necessidade de se discutir com urgência as questões

políticas do país são fatos marcantes da juventude do autor.

A formação intelectual erudita de Weber teve repercussão em seu pensamento

político, possibilitando-lhe a, desde jovem, conjugar uma análise política com uma

rigidez intelectual bastante profícua, e podemos dizer que o ambiente familiar

possibilitava o surgimento de um grande intelectual.

A particularidade da Alemanha, com um processo de industrialização e

unificação tardio se comparado a outros países da Europa, também possibilitavam um

ambiente econômico e cultural particular se comparado a outros países europeus. Na

Alemanha havia uma estranha comunhão entre uma poderosa indústria e uma estrutura

social quase feudal, uma estranha conciliação entra uma sociedade já bastante

ultrapassada, e o moderno capitalismo.

O pai de Weber pertencia ao Partido Social Liberal, que era base de sustentação

de Bismarck até 1878, quando este acabou eliminando o partido. A política alemã

girava em torno de Bismarck, ele era o “grande homem da nação”. A posição do pai de

Weber sobre Bismarck era um tanto dúbia, ora defendia, ora era contrário. O que não

podemos deixar de perceber é que a posição sobre as posturas políticas do chanceler e

suas conseqüências para a Alemanha eram centrais nas discussões políticas do círculo

da família Weber.

“Bismarck e sua política constituíam provavelmente o principal tópico recorrente de conversação na casa paterna de Weber. As lições dessas discussões deixaram impressão permanente na mente política de Weber” (Mayer, 1985 p. 28)

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A posição de Bismarck era algo que possivelmente deixou profundo

enraizamento na mente de Max Weber, uma figura que por tantos anos dominou a

política alemã, que era objeto de preocupação familiar em sua juventude, não foi

abandonada pelo autor. São enormes as quantidades de textos que Weber escreve sobre

política e poder, e a postura dessa elite dominante, dos mecanismos do poder e do

Estado nunca deixaram de habitar o pensamento deste autor. A figura de Bismarck e da

política alemã são fundamentais na formação intelectual de Weber e está presente nos

problemas sociológicos mais tarde levantados por ele.

Dentro deste contexto intelectual, Weber parte de seus estudos iniciais na área da

economia para a sociologia, e sua primeira obra nesta área é “A ética protestante e o

espírito do capitalismo"(1985), escrita em 1902, e em 1906 escreve uma extensa obra

sobre metodologia das ciências sociais.

O Estado e o poder são temas recorrentes em sua obra, tratados na maioria das

vezes como conceitos científicos. Desta forma há uma clara definição, dentro da suas

proposta científica do que são estes.

Como já mencionamos, a política era tema comum na vida de Weber desde sua

infância e este tema é corrente em sua obra. Neste trabalho, nos preocuparemos em

fazer uma análise mais acurada dos textos propriamente políticos, ou de intervenção

política, do autor, e embora seus textos científicos sejam fundamentais para a plena

interpretação do pensamento weberiano, estes ficarão em segundo plano em nosso

trabalho. Weber propôs uma rígida divisão entre ciência e política, e enquanto a

primeira interpreta o mundo de forma racional, a segunda estava intrinsecamente ligada

aos valores. Análises científicas não podem ser prescritivas, enquanto textos políticos o

são, necessariamente.

As análises políticas nos permitem observar as opiniões pessoais do autor de

forma bastante clara e observar quais seriam suas propostas e desejos pessoais para a

política da época.

Weber escreveu sobre o Estado Alemão, a política bismarckiana, sobre o

parlamento daquele país, política internacional, dentre outros. Neste trabalho nos

centraremos nos textos sobre o parlamento alemão, para buscarmos compreender o

modelo de parlamento desejado pelo autor. Também será focado neste trabalho suas

análises das instituições políticas russas, objetivando compreender como o autor

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observava o papel do parlamento e de outras instituições políticas num país em que

estas se encontravam de uma maneira distinta daquela existente na Alemanha.

Com base nos escritos sobre o parlamento alemão de Weber procuraremos

descrever mais minuciosamente sua concepção política, objetivando relacioná-la com

seus conceitos teóricos e observar a relação entre a teoria sociológica e suas análises de

caráter político.

Nosso trabalho se insere na sociologia do conhecimento, pois se propõe a pensar

o processo de produção do conhecimento. Deste modo, não analisaremos a obra de

Weber em si, mas também o processo de produção de suas idéias principais. Embora

utilizamos constantemente conceitos políticos do autor, nosso objetivo não é apenas

empreender uma análise destes conceitos ou uma descrição metodológica, mas observar

o processo de produção destes.

Consideramos Max Weber um intelectual, e isto implica em reconhecê-lo como

pertencente a um grupo com características específicas. Os intelectuais devem ser

pensados não como uma classe, mas como uma categoria social, que possui história

própria, especificidades, dinâmica e lutas internas, mas de maneira alguma são grupos

autônomos, deslocados do resto da sociedade. É possível caracterizar os intelectuais

como um grupo autônomo que esteja além dos conflitos sociais, uma intelligentsia,

como classifica Manheinn(1976), embora nosso trabalho não partilhe desta visão, pois

pensamos existirem profundas ligações entre os intelectuais e o mundo em que estão

inseridos. Não descartamos a importância da formação intelectual, o acúmulo teórico

necessário à formação deste grupo, mas, ao ressaltar o caráter social do conhecimento,

reconhecemos sua ligação intrínseca com a realidade social.

Nossa análise, devido aos limites desta monografia, se centralizará nos textos do

próprio Max Weber. Utilizaremos comentadores de forma secundária e procuraremos

contextualizar sua obra a partir de seus próprios escritos e do trabalho de comentadores,

embora isto não seja central em nosso trabalho. A partir da maneira como seus

conceitos evoluem, como este responde a problemas colocados pelas transformações de

sua época, poderemos observar como este encarava os problemas e procurava as

maneiras mais corretas para explicá-los.

A obra de Weber surge num momento bastante específico da história européia,

onde a sociedade industrial cada vez mais se expandia para o resto do mundo e o Estado

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moderno destruía as antigas formas de Estado existentes na Europa. É superficial um

trabalho sobre a obra de Weber que não leve em consideração estes fatos.

Diversos autores procuraram dar respostas às transformações ocorridas na

Europa no século XIX e início do século XX, provenientes das mais variadas correntes

filosóficas. A sociologia weberiana não pode ser pensada sem observarmos que tanto a

filosofia, quanto a nascente sociologia buscavam respostas às transformações sociais e

aos problemas que a modernidade colocava.

Os textos políticos analisados nesta neste trabalho nos permitem observar a

concepção de Weber da modernidade, além de nos ajudarem a compreender quais

seriam as implicações e possíveis continuidades que o mundo moderno possibilitava na

opinião deste autor. Nos permitem também uma maior compreensão da visão de mundo

do autor e suas posições sobre questões colocadas em sua época.

Poderemos traçar uma relação mais nítida entre alguns de seus conceitos teóricos

e como eles se operam em práticas políticas concretas. Conceitos que parecem bastante

abstratos, como racionalização e burocracia, podem ser observados de uma maneira

mais clara em análises políticas do autor.

Não faremos uma descrição completa da situação político-econômica da época,

dadas as próprias limitações que uma monografia nos impõe. Faremos isso a partir dos

comentadores sem uma discussão mais profunda sobre o período.

A monografia está estruturada em 2 capítulos. No primeiro serão analisados

diversos textos sobre a situação política e parlamentar alemã. No segundo serão

analisados textos de Weber sobre a situação da Rússia.

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CAPÍTULO 1

PARLAMENTARISMO E POLÍTICA NA ALEMANHA

Neste primeiro capítulo discorreremos sobre alguns textos escritos por Weber

entre os anos de 1917 e 1918. Trataremos de textos políticos que expressavam a posição

do autor sobre a política alemã e os rumos que a Alemanha tomava ao fim da Primeira

Guerra mundial. Por serem textos políticos, são prescritivos, e embora o autor utilize

algumas de suas análises científicas como ponto de partida, as prescrições são

valorativas, sendo a opinião do autor claramente manifesta neste ponto.

A Alemanha saiu derrotada na primeira guerra mundial, e no início de 1918 a

derrota já era iminente e acarretaria uma série de ônus para a Alemanha. Suas

pretensões de se tornar uma potência na Europa continental estavam seriamente

ameaçadas e o prejuízo com a guerra eram enormes. Os textos que escolhemos para

análise têm como contexto histórico essa situação específica da Alemanha. Weber então

faz uma reflexão sobre a maneira como a política alemã funcionou desde o governo de

Bismarck até o fim da guerra e quais os rumos que aquele país deveria tomar.

Em “Domínio dos Burocratas e Liderança Política” (1993), publicado no

periódico alemão Frankfurter Zeitung em 1917, o autor discorre sobre o poder da

burocracia nas sociedades modernas, para a partir disto discorrer sobre o papel da

burocracia na sociedade alemã. O problema reside no fato de um burocrata ocupar um

posto extremamente especializado em fazer algo, sem conseguir ter uma visão mais

global ou o poder de tomar decisões. Quando as decisões importantes são tomadas por

alguém que ocupe este posto, e na qualidade de burocrata, ocorre a impossibilidade de

mudanças e um aprisionamento da sociedade pela burocracia.

Essa organização burocrática, juntamente com a máquina sem vida, trabalha para montar o sustentáculo da dominação do futuro. Nele, talvez as pessoas sejam forçadas a submeter-se, como os felás do antigo Egito, a uma administração e a um sistema de segurança social bom apenas tecnicamente, isto é, somente racional, e dominado por funcionários, sistema esse promovido a último e único valor, acima mesmo dos princípios de cada um. Pois a burocracia presta este tipo de serviço, de forma incomparavelmente mais eficiente do que qualquer outra estrutura de dominação. (Weber, 1993 p. 53)

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Segundo Weber, por um lado temos a “máquina” que, com seu ritmo, aprisiona

o trabalhador e o transforma praticamente em um objeto externo a ela; por outro temos a

burocracia que presta serviços apenas técnicos, uma forma de dominação

inquestionável, pois baseia-se unicamente na eficácia, tornando-se uma poderosa forma

de dominação. Está presente aqui uma característica fundamental na modernidade para

Weber: a racionalização. Dentro da sociedade moderna há uma tendência de se produzir

processos cada vez mais racionais, a divisão do trabalho e a especialização são inerentes

à modernidade e não estão restritos apenas as fábricas. Anthony Giddens, sobre essa

questão, afirma o seguinte:

Em vez de generalizar a partir do econômico para o político [Giddens se refere aqui ao marxismo], Weber generalizava a partir do político para o econômico: a especialização burocrática das tarefas (que era a primeira e mais importante do Estado racional-legal) foi tratada como o mais integral dos feitos do capitalismo. (1998, p. 47).

A forma de dominação do Estado moderno (racional-legal) estende-se por toda a

sociedade. O aprisionamento a uma lógica organizacional extremamente racional existe

tanto na economia quanto no Estado. A maneira tipicamente moderna ou capitalista de

dominação é esta.

Dentro disto Weber questiona-se: “Como será possível salvar qualquer

resquício de liberdade individual face a esse predomínio de tendência a

burocratização?” (1993, p. 61). Temos aqui uma pergunta filosófica: como tornar-se

livre em uma sociedade onde tudo é calculado; qual seria a escapatória dentro da

sociedade moderna? A resposta a esta pergunta está em se buscar um poder que se

contraponha à burocracia, e neste ponto entra a política.

A política é o campo em que a burocracia pode ser contrabalanceada, em que

pode haver espaço para a liberdade. Podemos conceber uma disputa entre a sociedade e

a burocracia, entre a liberdade de se procurar soluções novas e a rotinização da vida, daí

a importância da política, pois ela seria a responsável para limitar os poderes da

burocracia.

O Estado pode ser comparado a uma Empresa capitalista, pois tanto um quanto

outro são rotinizados e a importância do técnico para seu funcionamento é crucial: saber

executar tarefas com perfeição e contribuir para que ambos continuem funcionado.

Sempre é feito um cálculo racional sobre os procedimentos necessários e seguidos à

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risca; enfim a semelhança entre o processo de ambos é imensa. Todavia na empresa

existe a figura intermediaria entre o proprietário e os trabalhadores, composta por

agentes que também recebem salário, cumprem determinados horários, mas que deles se

espera outra coisa que a simples observância à rotina: a capacidade de tomar decisões.

Tais agentes não estão no mesmo patamar do empregado, eles são dirigentes. O mesmo

se espera do político: não alguém que faça aquilo que está pré-determinado, mas que

ouse ter soluções criativas.

A diferença está no tipo de responsabilidade de um e de outro, e esse, aliás, é o ponto de partida para se determinar o tipo de exigências a serem feitas a um e a outro. Um funcionário que receba uma ordem que considere errada pode, e deve, expor seu ponto de vista. Se a instância superior insistir na ordem, é não somente sua obrigação, mas até ponto de honra executá-la com se ela correspondesse à sua própria convicção e, assim, mostrar que seu senso de obrigação está acima de suas convicções pessoais[...]. Um dirigente político que se conduzisse assim mereceria desprezo. Ele será freqüentemente necessário para negociar, isto é, para sacrificar o menos importante ao mais importante (Weber, 1993, p. 55-56).

Tanto os mecanismos do Estado como os de uma empresa capitalista são

racionalizados, todas as suas práticas são calculadas com o objetivo da melhor prestação

de serviços. Weber não quer dizer que todos os Estados sejam completamente

racionalizados, nem que toda a produção seja feita em fábricas, mas estas características

são predominantes na sociedade moderna, de tal forma que tentar negá-las ou impedi-

las seria um contra-senso histórico. A racionalização na modernidade atinge todas as

áreas da vida, e não cabe mais espaço para outra forma de organização social. Os

indivíduos estão aprisionados numa lógica de racionalidade e previsibilidade. Contudo,

pode haver espaços em que uma prática racionalizada não seja imposta, mas isso não é

uma relação estruturante da modernidade e cabe saber como viver neste mundo e

localizar espaços para a liberdade, sendo os mais importantes destes, como já dissemos

anteriormente, a política contra a burocracia e o chefe contra a rotinização da fábrica.

A monarquia e o parlamento são apresentados por Weber como possíveis

contrapoderes à burocracia na sociedade alemã. Devido à formação política do monarca

se dar em torno de bajulações e pouquíssimos espaços de discussões, este não tem

condições de se tornar um bom político: “acima de tudo, porém, é isto que nos importa

aqui, ele nunca se forma politicamente no bojo do embate partidário ou na vida

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diplomática” (Ibd. p. 58), a sua coroa foi herdada, não é resultado da conquista a partir

de lutas políticas, e o monarca não está acostumado com “as brutalidades” das disputas

políticas. A política não é tarefa de monarcas, estes não são políticos, não sabem agir

como políticos; ainda que possa haver algumas raras exceções de monarcas habilidosos,

não se deve contar com a sorte do surgimento de indivíduos habilidosos para tornarem-

se políticos e se contraporem ao poder da burocracia. “Atualmente, o monarca que não

tiver um parlamento forte a seu lado para controlar o desempenho dos burocratas,

dependerá, para isso, de relatórios de outros burocratas” (Ibd. p.65) Quando o monarca

pensa que governa, na realidade quem governa é a burocracia, pois este é totalmente

dependente dela, a solução então para diminuição do poder burocrático está nos

parlamentos.

Não é qualquer tipo de político que pode se contrapor à burocracia, pois o

monarca como vimos, não pode. Somente um político treinado na luta política tem essa

possibilidade. O local central para a contraposição ao poder burocrático está no

parlamento, mas não qualquer tipo de parlamento. Weber estabelece dois tipos de

parlamento: o primeiro é o “passivo”: dependente exclusivamente do executivo,

funcionado meramente para aprovar ou negar aquilo que o executivo propõe, tem um

papel muito mais fiscalizador e denunciador do que o de exercer efetivamente o poder.

A tendência é deste ser visto pelo povo como parasita, pois não age ativamente, mas

apenas à sombra do poder executivo. Em suma, suas ações não são propositivas.

O segundo tipo, o parlamento “ativo”, é aquele propositivo, que faz efetivamente

a política e controla o poder executivo. Sua função não se limita às vontades do chefe

do executivo, mas atua no sentido de organizar e controlar o Estado.

A forma ativa do parlamento para Weber é a ideal, pois desloca as relações de

poder para um espaço de constantes disputas e impede a burocratização do Estado pela

razão de ser uma escola de líderes, formando indivíduos capazes de tomarem decisões

Em um parlamento com reais poderes, o ambiente de discussão e de disputas de

propostas favorecem o surgimento destas mentes habilidosas que saibam tomar

decisões. No parlamento passivo não há espaço para o surgimento destas pessoas, de

políticos no sentido que o autor propõe. Nesse sentido, o problema alemão se resume

para Weber desta maneira: como o parlamento é extremamente fraco e o monarca

possui intenções de tomar as rédeas do Estado, não há espaço efetivo para o surgimento

de líderes, de propostas políticas, de tomada de decisões, e o resultado disso é que quem

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domina efetivamente é a burocracia. A solução seria o fortalecimento do parlamento

para que este seja de fato uma escola de líderes, capazes de propor políticas, e também

que atraia pessoas com este perfil para suas cadeiras.

A atuação nos parlamentos, todavia, é feita por partidos políticos, os quais

também vivem sob o risco de se burocratizarem internamente. Acabam sendo, na maior

parte das vezes, mecanismos de disputa por cargos na estrutura do Estado, uma busca de

lucros econômicos de seus militantes e prestígio social pela ocupação de cargos

importantes. Weber não nega a carga ideológica que alguns partidos têm, pois na

realidade a característica ideológica e a financeira unem-se na maior parte desses

partidos. Embora tal característica em si não represente um problema para Weber, torna-

se um quando não há espaço para disputas políticas e o surgimento de líderes, quando a

política torna-se uma disputa pelos espólios do Estado.

Na leitura que Weber faz do Estado alemão, está presente uma visão, ao nosso

ver, patrimonialista1. Weber não pretende com isso dizer que todos os Estado modernos

são patrimonialistas, mas é algo que pode acontecer em determinadas circunstâncias. No

início do século XX, a política alemã era excessivamente paternalista, ou seja, os

partidos políticos usavam o aparelho estatal em benefício dos seus membros e não eram

intrinsecamente ligados a grupo algum. Esta “casta” que ocupava determinada posição

no Estado alemão não estava ali para defender ideais ligados a classes ou grupos de

pressão, mas governavam em benefício próprio. Não havia propostas políticas claras

que os partidos defendessem.

O surgimento de partidos voltados para propostas políticas na Alemanha

encontrava empecilhos na própria Constituição, a qual interditava o acesso de membros

do parlamento aos cargos diretivos. A disputa parlamentar acabava tornando-se uma

mera disputa por cargos, pois as pessoas que faziam parte do parlamento não poderiam

almejar o controle político da nação. Os líderes “natos” não se interessavam em disputar

o parlamento pela ausência de poder deste e o parlamento não possibilitava o

surgimento de novos líderes. Os partidos não se preocupavam em disputas políticas,

pois elas eram secundárias no parlamento, não havendo, portanto, ambiente necessário

para o surgimento de líderes.

1 Weber não usa o conceito de patrimonialismo neste artigo, todavia podemos considerar que há bastante semelhança entre a maneira como Weber trata o assunto e o conceito de patrimonialismo desenvolvido por Raimundo Faoro (1979). Assim, parte dos políticos alemães consideravam o Estado como extensão dos seus interesses privados, unicamente uma fonte de renda e prestígio, sem fazer distinção entre o público e o privado.

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A concepção de democracia de Weber não é de inspiração rousseauniana, isto é,

ela não é o terreno da participação de todos, onde a livre discussão levaria ao melhor

para todos, ao consenso daquilo que seria o melhor para a nação. A democracia para

Weber é apenas o melhor terreno para se obter a construção de um país, para buscar o

melhor, no caso, para a Alemanha. Uma democracia que levasse ao surgimento de

vários líderes capazes seria o ideal. Não cabe a Weber questões típicas dos partidos de

esquerda, de como aumentar a participação popular, ou sobre o caráter de classe do

Estado. Este é sempre uma forma de poder, mas um poder não necessariamente de

classes, mas um poder dentro da sociedade moderna, necessário e dificilmente

revogável. A política é controlada por uma elite, isso é inevitável.

A grande massa de parlamentares funciona somente como liberados desse ou poucos líderes que formam o ministério e lhes obedece cegamente, enquanto tiverem sucesso. E assim deve ser. A negociação política é regida pelo “princípio das minorias”, isto é, pela capacidade de manobra política superior de pequenos grupos dirigentes. Essa característica elitista é inevitável em sociedades de massa. (Weber, 1993 p.68).

O caráter elitista da política é, para Weber, uma característica da sociedade de

massas. Modificá-las seria tarefa impossível, o mais viável seria criar um ambiente

propício para o surgimento destes líderes, algo que não teria acontecido na Alemanha

desde a época de Bismarck.

A figura de Bismarck foi central na política alemã durante a segunda metade do

século XIX: sob a tutela do chanceler, a Alemanha se industrializou e seus territórios

foram unificados politicamente. Para Weber, Bismarck foi alguém brilhante:

Do ponto de vista da alta política de suas qualidades intelectuais, naturalmente, eles [os governantes de outros países europeus] não podem ser comparados a Bismarck, em relação ao qual, mesmo seus melhores quadros são medianos, como o são de fato, todos os outros políticos nacionais e a maioria de outros países. Um gênio só aparece, e com muita sorte, a cada século. (idem, p.102)

Para Weber, houve uma série de acertos políticos por parte de Bismarck, desde a

maneira como conduziu a economia, com a industrialização acelerada, bem como o

processo de unificação. Ambos os processos contribuíram para o fortalecimento da

Alemanha, no entanto, a questão colocada por Weber é em que reside então a herança

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de Bismarck para a política alemã. Seria possível uma figura tão genial como Bismarck

não beneficiar seu país a longo prazo?

É importante ressaltar aqui a concordância de Weber com a atuação política e

econômica de Bismarck, entendida como benéfica para a transformação de seu país

numa potência capitalista. Portanto não foi apenas bom, como também desejável, o que

Bismarck fez com a Alemanha. Neste sentido Weber faz coro aos liberais alemães, pois

não há caminho melhor para um país que o de se tornar uma grande potência capitalista,

ou seja, de ser um país em que a produção esteja toda baseada na indústria capitalista

amplamente desenvolvida. Podemos encontrar aqui um critério para medir a eficácia de

um governo, que é como esse possibilita o desenvolvimento do capitalismo. Por mais

que haja críticas de Weber à modernidade, há uma defesa central em sua obra do

desenvolvimento capitalista.

Apesar disso, Weber aponta aspectos altamente problemáticos na herança

bismarckiana: a excessiva centralização estatal em torno de sua figura teriam impedido

o surgimento de novos líderes políticos. Se gênios como o chanceler surgem uma vez a

cada século, quem poderia conduzir os rumos da nação após sua morte? Era necessário

o favorecimento de um ambiente propício ao surgimento de líderes, e esse foi o grande

erro do chanceler:

Os nacionais liberais não puderam cumprir as suas tarefas políticas e se desintegraram, em última instância, não por motivos objetivos, mas porque Bismarck não tolerava a seu lado nenhum poder, de qualquer natureza, que tivesse uma ação independente, isto é, que atuasse com responsabilidade própria. (idem. p. 105)

Ao fim do governo de Bismarck a Alemanha ficou órfã de sua grande referência

e foi entregue às mãos de pessoas medíocres. “Ele nos legou uma nação sem qualquer

formação política e muito abaixo do nível que alcançara vinte anos antes”. (ibd. p. 107)

Para governar é preciso, segundo Weber, uma grande capacidade política, que

não está presente em qualquer pessoa. Qualquer país precisa de grandes líderes, de

pessoas capazes e quando estas não se formam, uma nação corre grandes riscos de não

se desenvolver. Isso, contudo não significa que o poder deva ser centralizado, como foi

na época de Bismarck.

Há uma defesa da democracia nesta análise sobre Bismarck, mas não pelas

razões normalmente usadas para defendê-la, visto que a democracia, para o autor, não é

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o governo de todos, e sequer o povo efetivamente participa das tomadas das decisões.

Weber tampouco questiona se o povo é ou não preparado para isso; possivelmente não,

se partirmos do ponto de vista do autor sobre a existência dos líderes; a democracia

somente é boa porque nela é possível que surjam mais líderes se a compararmos a um

governo centralizado, e apenas por essa razão a democracia é melhor que outras formas

de governo.

A falta de lideres na era pós-Bismarck levou a Alemanha ao caos, pois sem a

educação política feita na prática parlamentar dificilmente surgiriam novas lideranças.

Era necessária uma reformulação do parlamento neste sentido “Depois da guerra,

porém, será necessário que o parlamento seja reformulado com esse intuito ou

voltaremos ao caos anterior”(ibd. p.70). A falta tão grande de líderes devido ao péssimo

legado de Bismarck poderia levar a Alemanha à esperança do surgimento de um novo

grande líder. Mesmo sendo simplista explicar o surgimento do nazismo por esse viés,

isso soa quase como uma profecia.

A forma para se construir uma Alemanha poderosa é a existência de um

parlamento forte, se quisermos partidos disputando propostas políticas reais, devemos

dar condições para que estes existam em parlamentos que controlem a nação. Quem

levou a Alemanha à guerra e a todas às conseqüências de uma derrota teriam sido estes

inábeis políticos, incapazes de controlar a nação.

Um problema, a nosso ver, reside no fato da noção de político hábil, usada por

Weber durante várias vezes, ser extremamente vaga. Afinal, hábil para que? A

referência que temos de político hábil é Bismarck, que unificou a Alemanha e

contribuiu para sua industrialização com mãos de ferro e deu os passos iniciais para o

imperialismo alemão. O único critério para se julgar que um governo é hábil, que seus

políticos são hábeis, é como estes favorecem o desenvolvimento capitalista em

determinada nação. Caso saiamos de um ponto de vista estritamente nacional, como era

o de Weber e pensarmos em termos mundiais, caso todos os países possuíssem políticos

hábeis, como se dariam as disputas no plano internacional, como se decidiriam conflitos

com relação a zonas de influência, busca por recursos energéticos e outras questões

reais da política. Somente faz sentido falar em políticos hábeis e nações fortes se

pensarmos que sempre haverá nações fracas. Há um grande comprometimento de

Weber nessas suas análises no papel da Alemanha no cenário internacional, numa séria

necessidade da construção de uma potência capitalista. Caso a Alemanha saísse

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vitoriosa da I Guerra Mundial, Weber discordaria tanto assim? Seria justificável a

guerra visando a elevação de um país ao status de potência da política alemã? Em suma,

para se elevar um país ao nível de potência, é válido fazer uma guerra? Esses

questionamentos não foram respondidos por Weber, mas podemos dizer que ao lado do

“medo” da excessiva burocratização, existe o forte comprometimento com a Alemanha

potência, além de uma questão filosófica de liberdade, haveria também o receio quanto

a uma indesejável situação de subalternidade internacional da Alemanha.

A partir das análises feitas até aqui, podemos observar algo bastante pertinente à

ótica weberiana, o mecanismo de funcionamento do Estado nas sociedades modernas.

Este não pode ser pensado a partir das relações e conflitos existentes na sociedade, uma

vez que ele se coloca acima desta no sentido de não haver um controle direto da

sociedade pelo Estado. Dependendo de quais sejam os indivíduos que ocupem o Estado,

de suas habilidades em levar a cabo determinados projetos políticos, o Estado

implementa a política destes determinados indivíduos. A priori, o Estado não representa

grupo algum, apenas se coloca como a instituição que detém o monopólio do uso

legitimo da força, podendo ser mobilizado por aqueles que o controlam. Se Bismarck

implementou uma determinada política para a Alemanha que beneficiava determinados

grupos e facilitava o desenvolvimento industrial, este fato poderia ter sido

completamente diferente caso outras pessoas exercessem o controle do Estado. O único

problema colocado pelo autor em termos políticos, em função desta autonomia do

Estado em relação à sociedade, reside no fato de que se o Estado não é controlado por

pessoas hábeis a burocracia o controlará e não haverá espaço algum para transformações

sociais mais profundas, mas tão somente uma eterna repetição de fórmulas prontas, a

estagnação total de uma sociedade.

Há um duplo aprisionamento existente na sociedade moderna, por um lado o

mundo da produção fabril, com sua eterna repetição do mesmo na busca pelo lucro; por

outro lado a burocracia, na sua eterna repetição do mesmo. Não há na visão de Weber,

uma saída palpável para estes dilemas, muito menos saídas coletivas. Ao contrário,

como seres racionais, nos resignamos quanto ao fato de sermos controlados por esses

mecanismos, sendo a rotinização um elemento intrínseco ao cotidiano da sociedade

moderna. Quando Weber aponta para a saída política para o problema da

burocratização, esta se coloca como uma saída produzida por poucos, por alguns

indivíduos habilmente treinados na disputa política que poderiam modificar os rumos

21

sociais; mas mesmo assim, a massa da população seria conduzida por essas pessoas,

pois não há espaço para decisões coletivas, nem transformações profundas. O Estado é

controlado por poucos, e caso esses poucos não sejam bem treinados não há espaço para

viabilizar a liberdade na modernidade.

Em uma palestra ministrada na Universidade de Munique em 1918, ano do fim

da guerra, Weber faz ponderações importantes sobre suas concepções políticas e o do

papel dos políticos. (Weber, 2004). A nosso ver este texto é fundamental porque aponta

as características dos políticos profissionais de uma forma mais sistematizada, e em

língua portuguesa ficou conhecido como “Política como Vocação”.

O caráter elitista da política é novamente ressaltado, há interesse dos cidadãos

comuns pela política, mas quem realmente age na política são pouquíssimas pessoas,

sendo o quadro de lideranças bastante limitado. Aquela palestra esteve condicionada

pela preocupação do fim da Guerra e pela derrota, em todos os sentidos possíveis,

sofrida pela Alemanha. Mesmo assim não há uma preocupação com o aumento de

participação popular nos rumos da nação, sendo todo o problema da Guerra e seus

prejuízos para seu país, mais uma vez vistos como problemas causados pela elite

política.

A maior participação na política não ocorre por falta de vontade da população,

mas sim pelo fato de alguns setores não disporem de condições para participar

ativamente da política. O trabalhador e o empresário não são figuras que normalmente

ingressam na política institucional por questões financeiras e indisponibilidade de

tempo hábil. A política normalmente é feita por setores dispensáveis da sociedade,

pessoas que possuem tempo livre e na maioria das vezes uma quantidade de dinheiro

suficiente para se manter. Os grupos extra-parlamentares acabam participando

ocasionalmente, pressionando os parlamentares em torno dos seus interesses, mas estes

não formulam políticas. Grupos importantes, fundamentais na sociedade capitalista não

estão diretamente envolvidos na política. De uma lado não há, para Weber, um partido

propriamente proletário, embora haja partidos que almejem representar os proletários, e

mesmo que não formulem políticas propriamente ditas instrumentalizam o proletariado

como grupo de pressão em alguns momentos. De outro lado, os grandes empresários

também não participam ou formulam políticas na maior parte das vezes, embora

pressionem no sentido de terem seus interesses atendidos. Somente quem formula

políticas, quem direciona os rumos de um partido pode ser considerado um político

22

propriamente dito, e a estas pessoas cabe o controle do partido e uma eficiência maior

no controle da nação. Quando tudo vai mal no país, como a derrota na Guerra, a culpa é

destas pessoas.

Devemos ter em mente que Weber se refere aqui sempre ao Estado moderno,

os políticos profissionais pertencem a essa forma histórica de organização do Estado,

não a qualquer forma de Estado.

[...] o Estado moderno é uma organização compulsória que organiza a dominação. Teve êxito ao buscar monopolizar o uso legitimo da força física como meio de domínio dentro de um território. Com essa finalidade, o Estado combinou os meios materiais de organização nas mãos de seus líderes, e expropriou todos os funcionários autônomos dos estamentos, que antes controlavam esses meios por direito próprio. O Estado tomou-lhes as posições e agora se coloca no lugar mais elevado [...]. Durante esse processo de expropriação política, ocorrido com variado êxito em todos os países da Terra, surgiram os “político profissionais”, noutro sentido. (2004, p. 81)

O Estado moderno organiza a dominação, que a priori não pode ser definida

como a dominação de algum grupo, mas se caracteriza como a dominação do próprio

Estado sobre a sociedade, daí destacando a importância de quem ocupa o aparelho do

Estado, pois este grupo efetivamente detêm o poder, as capacidades de dominação de

controle social. Os políticos profissionais possuem um poder que anteriormente foi dos

funcionários autônomos dos estamentos ligados à figura do príncipe, tratava-se de um

poder privado ligado ao prestígio e posição social de quem o possuía. Já com o

surgimento do Estado moderno, esse poder passa às mãos dos políticos profissionais,

indivíduos que não ocupam estes cargos pela sua posição dentro da rígida estrutura

estamental, mas por uma luta incessante para adentrarem a política, para viverem dela.

As pessoas que lutam para viver da política e não para a política, ou seja, aqueles

que buscam a política como fonte de renda e não por algum interesse particular ou

coletivo não econômico, estes são os políticos profissionais. É necessário, para se viver

para a política, uma condição econômica bastante favorável para que a atividade política

não seja remunerada, nas mais diversas formas de organização Estatal que existiram na

história da humanidade. Esta era a regra: para ser político era necessário uma renda

suficiente para viver sem o recebimento de salário, obviamente existiram pessoas que

viveram da política em outras épocas, mas isso é bem menor se comparado aos Estados

23

modernos, uma vez que o recrutamento de políticos em outras épocas era meramente

plutocrático.

Uma característica do político, tanto o moderno quanto o antigo, é a necessidade

de ser dispensável, ou seja, sua atividade além da política deve poder ser feita por outra

pessoa para que este se dedique primordialmente à política; o empresário está

intimamente ligado a sua empresa “Em geral, é muito difícil ao empresário ser

representado em sua empresa por alguma outra pessoa” (ibd. p. 66), assim exclui-se

normalmente da política. Outros setores, como os médicos, também possuem para

Weber dificuldade para se desligarem-se de suas profissões, acabando por não

dedicarem-se integralmente à política. Excluem-se também os operários, como já

dissemos anteriormente, por não possuírem tempo para participar. Restam apenas

pequenos grupos que possam participar da política.

O pequeno grupo que pode então viver da política, que se interessa por ela, luta

pelo controle do Estado e pela distribuição dos cargos no Estado e no partido.

Em troca de serviços leais, hoje, os líderes partidários distribuem cargos de todos os tipos – nos partidos, jornais, sociedades, cooperativas, companhias de seguros, municipalidades, bem como no Estado. Todas a lutas partidárias são lutas para o controle de cargos. [...] Na Alemanha, todas as lutas entre os proponentes do governo central e local se centralizam na questão dos poderes que controlarão os cargos, quer em Berlim, Munique, Karlsruhe ou Dresden. As restrições na participação da distribuição de cargos são mais sérias para os partidos do que qualquer ação contra suas metas objetivas. (ibd. p. 61)

Weber parte de uma análise racional da política: o caráter elitista desta deve-se à

própria maneira como a sociedade se organiza, a exclusão das pessoas e a falta de

interesse pela política ocorre devido a função que as pessoas ocupam no mundo do

trabalho; além disso, aqueles que vivem da política necessitam de uma remuneração.

Deste modo os partidos, os responsáveis pelas proposições, acabam por preocupar-se

muito mais pela distribuição de cargos, por buscar recursos para seus militantes.

Esse discurso assume o mesmo tom pessimista daquele do ano anterior (de

1917), e Weber apenas aprofunda a análise do recrutamento político e a maneira como

os partidos se comportam. Mesmo apontando para a necessidade do surgimento de

líderes, parece haver uma descrença da política na modernidade, na possibilidade dos

interesses nacionais suplantarem os meros interesses privados dos partidos. Para a

24

pequena participação na política por parte da população, Weber não apresenta nenhuma

solução; já para o dilema da burocratização, a solução está na formação de lideranças

parlamentares. O que não podemos medir, é até que ponto o autor realmente acredita

que esses líderes possam se desenvolver na Alemanha, ou se realmente existe saída na

modernidade.

Quando o autor descreve o desenvolvimento dos Estados modernos, não está se

referindo apenas a Alemanha, mas a todos os Estados modernos. A única diferença é

que em seu país a solução parlamentar não se apresentou eficaz contra a burocracia, esta

última subalternizou a primeira. A centralização do poder em torno do Estado, o

monopólio do uso da força por parte deste e uma burocracia treinada são as

características centrais da organização política moderna, representando uma camisa de

força em que a modernidade está presa e qualquer tentativa de fuga deste modelo

parece, aos olhos de Weber, bastante utópicas.

Para Weber, um ambiente institucional que favoreça o surgimento de líderes é a

única forma de haver um pouco de mudanças e para que os rumos corretos da sociedade

alemã sejam seguidos. A saída revolucionária que a Alemanha tomava após a primeira

guerra não parecia levar a mudanças profundas, a palavra revolução não significava

muito, por mais que se houvesse a intenção de construir o socialismo, ou uma sociedade

amplamente democrática, isto parecia inviável pelas características das modernas

sociedades de massas. O melhor que se poderia fazer era criar condições para que, com

um parlamento forte, novos líderes surgissem.

Todo o ônus da derrota da guerra está presente no profundo pessimismo

demonstrado por Weber em “Política como Vocação”; nesse sentido, o texto torna-se

bastante prescritivo ao final, pois a situação em que a Alemanha vivia clamava por

respostas urgentes para os reais problemas e para os sonhos de um país

internacionalmente importante. Por fim Weber descreve minuciosamente as

características éticas desses líderes.

Em primeiro lugar a carreira da política proporciona uma sensação de poder. Saber que influencia homens, que participa no poder sobre eles e, acima de tudo, o sentimento de que tem na mão uma fibra nervosa de acontecimentos historicamente importantes, pode elevar o político profissional acima da rotina cotidiana, mesmo quando ele ocupa posições formalmente modestas. Mas a questão do momento para ele é: através de que qualidade possa esperar fazer justiça a essa força (por mais limitada que seja, no caso

25

individual)? Como pode ele esperar fazer justiça à responsabilidade que o poder lhe impõe? Com isso, ingressamos no setor das indagações éticas, pois aí se situa o problema: que tipo de homem se deve ser para que se possa colocar a mão no leme da história. (ibd. p. 89)

As razões para a busca da política são individuais, financeiras, mas, além disso,

pela sensação de poder, de se controlar os rumos da história. Os homens que querem

fazer política são embrenhados dessa sensação subjetiva de controlar a história, de

possuírem poder sobre a vida de milhões. O problema está na postura ética que essas

pessoas devem ter, como se portar frente a esta imensa responsabilidade que possuem.

Notoriamente aqui a ética é individual, como determinados indivíduos que possuem

como característica o controle político da sociedade devem se portar, exige-se uma

forma de comportamento para que as decisões tomadas por estes sejam corretas. Todo o

ônus de construir uma nação poderosa resulta da capacidade de alguns de possuírem

determinadas características.

“Podemos dizer que três qualidades destacadas são decisivas para o político:

paixão, senso de responsabilidade e senso de proporções” (ibd. 98) A paixão é o amor

por uma causa, o desejo de fazer algo pela história, de buscar os seus ideais, é a noção

da importância das suas ações políticas na história; mas a paixão em si não faz um bom

político, junto a ela é necessário um senso de proporção, uma noção da realidade que

não permite tomar decisões inconseqüentes, que se tenha em mente uma fria análise da

realidade e da conseqüência dos seus atos. Junta-se a isso o senso de responsabilidade,

como fazer o correto, como não se mover apenas pela vaidade de controlar os rumos da

história, de deter o poder, mas pensar nas conseqüências de seus atos políticos. A

grande questão é como unir todas essas características num único indivíduo.

O político precisa unir todas essas qualidades para que com isso seja objetivo,

não ficando apenas em discussões abstratas, pois pela própria característica de sua

função deve tomar atitudes rápidas, mas com o devido senso de proporção dos seus

atos, deve conhecer a realidade para que aja da maneira mais correta possível. Aqui

vemos a importância da ciência na política, uma vez toda a sobriedade das análises

científicas, à maneira que Weber propõe, podem ter por finalidade gerar esse senso de

proporção necessário ao político: conhecer o mundo é fundamental para que se possa

agir nele, e sobre ele, sem paixões irracionais que acabariam por levar a situações

calamitosas.

26

A partir disto, Weber inicia uma discussão sobre a ética na política. Numa clara

alusão a uma ética socialista, que para Weber está mais preocupada com os fins, o

questionamento é sobre até que ponto deve-se utilizar meios tidos como ruins para se

alcançar fins justos. O principal argumento contra uma ética com relação a fins está no

fato desta ética muitas vezes levar a fins completamente diferentes daqueles

inicialmente propostos, além dos gastos de vidas humanas no decorrer do processo

revolucionário.

Em 1918 a Alemanha passava por um forte levante popular, a crise decorrente

da guerra levava a população a buscar soluções urgentes para seus problemas; além

disso, um ano antes a Rússia passara por uma revolução de caráter socialista. Ao

discorrer sobre ética, mais do que uma discussão filosófica, o que estava em jogo para

Weber era a possibilidade de uma revolução socialista na Alemanha. Os riscos de uma

revolução eram muito grandes e dificilmente se encontraria uma forma de organização

estatal diferente das já existentes. Para Weber seria utópico acabar com o Estado, pois

suas funções não poderiam ser absorvidas pela sociedade.

A política é imprevisível, irracional. A aposta em um futuro em que a

humanidade seja emancipada numa liberdade geral é algo extremamente vago e

arriscado. O político precisa lidar com a realidade objetiva e tentar fazer o melhor para a

sua sociedade sem utopias, pesando a todo tempo quais são as conseqüências dos seus

atos, mesmo sem ter certeza das conseqüências deles. A isto Weber chama de ética de

responsabilidade, uma ética não preocupada com fins absolutos, mas com os meios

necessários para alcançar fins.

Um bom político seria aquele que tivesse todas essas características, que

soubesse se comportar frente à irracionalidade do mundo. Weber termina a palestra com

as seguintes palavras.

A política é como a perfuração lenta de tábuas duras. Exige tanto paixão como perspectiva. Certamente, toda experiência histórica confirma a verdade – que o homem não teria alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse tentado o impossível. Mas para isso, o homem deve ser um líder, e não apenas um líder, mas também um herói, num sentido muito sóbrio da palavra. E mesmo os que não são líderes nem heróis devem armar-se com a fortaleza de coração que pode enfrentar até mesmo o desmoronar de todas as esperanças. Isso é necessário neste momento mesmo, ou os homens não poderão alcançar nem mesmo aquilo que é possível hoje. Somente quem tem a vocação da política terá a certeza de não desmoronar quando o mundo, do

27

seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso pode dizer “Apesar de tudo!” tem a vocação para a política. (2004 p. 89)

Para se resolver os problemas da Alemanha é necessário que esse tipo de pessoa

surja - um “herói” nas palavras do próprio Weber. Há uma esperança no surgimento

deste tipo de pessoa, mas caso ela não surgisse a Alemanha estaria fadada ao caos, ao

controle da burocracia. As características do político apontadas por Weber são quase

sobre-humanas: afinal, quem poderia reunir todas essas características, todo esse senso

ético e habilidades de ação? É muito difícil responder a esta pergunta, pois o próprio

Weber não a responde, a única coisa que diz é que o ambiente parlamentar pode fazer

surgir esse tipo liderança, mas quando este não é favorável, indivíduos munidos das

características que possibilitam sua atuação política exercitarão suas habilidades em

outras instâncias. As características são sempre individuais na concepção de Weber e

ele não explica sociologicamente com surgem esses líderes, apenas discorre sobre quais

estratos sociais são mais propícios para o surgimento de políticos, sem explicar porque

determinados indivíduos desenvolvem estas características.

A idéia do grande líder, capaz de controlar a política está presente na visão de

mundo de Weber. Toda sua descrição do mundo político está enraizada nesta idéia. A

inevitabilidade de que poucos cheguem à política nunca é questionada. Dentro deste

quadro somente cabe esperar o surgimento destas pessoas, que na descrição acima feita

estão mais para líderes messiânicos ou carismáticos. Por trás de tudo isso está a idéia de

que a política deve ser conduzida por pessoas com capacidades acima da média. Deve-

se criar o espaço necessário para que essas pessoas surjam, mas não há como fazer nada

além disso.

A modernidade levou o indivíduo a tal aprisionamento, a sociedade a uma

condição de imutabilidade, em que somente alguns grandes homens são capazes de

modificar isso; o terreno da liberdade é tarefa de poucos políticos, que levam em suas

costas o destino de toda a humanidade.

A noção de líder político é pouco formulada em Weber, pois não há uma

explicação de como eles surgem e o porquê de outras pessoas não poderem tomar os

rumos da sociedade. Toda a descrição da não participação da política nos parece sólida

e bem argumentada, todavia, levar isso às ultimas consequências, nos parece

extremamente problemático: afinal como seria uma sociedade em que as decisões

28

políticas fossem mais democráticas, em que o cidadão comum tivesse condições de

participar diariamente da política? Seriam as tarefas do Estado tão complexas que

nenhuma outra pessoa poderia fazê-las além daqueles funcionários altamente treinados?

Weber toma a resposta a estas questões como dadas, são pressupostos de sua

argumentação e por isso levam-no a desejar que surjam líderes qualificados para

conduzir os rumos da Alemanha, eis a única solução.

Apesar da descrição das características dos líderes, Weber não apresenta quais

são as políticas mais acertadas para o Estado alemão, apenas o fortalecimento

parlamentar seria importante, para a partir daí encontrar quais são as políticas

necessárias. A negação da possibilidade do socialismo está presente na argumentação do

autor, para quem, em geral, não passa de uma utopia; o comprometimento de Weber é

com uma Alemanha dentro dos marcos capitalistas, por mais que apresente críticas às

sociedades modernas, a única saída plausível está dentro do capitalismo.

29

CAPÍTULO 2

CAPITALISMO E LIBERDADE NA RÚSSIA

Discorreremos agora sobre algumas análises de Weber sobre a Rússia feita em

dois períodos distintos, primeiramente em 1905/06 e depois em 1917. O motivo de nos

prestarmos a uma análise destes artigos deve-se ao fato de Weber realizar uma análise

mais profunda do desenvolvimento de uma democracia liberal em outro país. Podemos

assim fazer uma comparação de como este analisa a política dentro da Alemanha

tomando por referência o caso Russo.

O que levou Weber analisar com bastante afinco o caso Russo? O trabalho sobre

a Rússia de 1905/06 trata-se do primeiro estudo propriamente político de Max Weber,

uma vez que antes disso o autor estava centrado em questões jurídicas e havia iniciado

seus estudos sobre religiões e metodologia das ciências sociais. Havia desta forma uma

mudança nos rumos dos estudos, e tal fato manifesta um particular interesse pela

Rússia.

Como já analisamos anteriormente, há em Weber uma grande preocupação com

os rumos da política alemã, além da importância da busca pela liberdade nas sociedades

modernas. Podemos dizer que no seu interesse pela Rússia estão presentes ambas as

preocupações: por uma lado a Rússia disputa uma zona de influência com a Alemanha,

além de ser uma sociedade que ainda não ingressou totalmente nas modernas formas de

organização estatal, possibilitando a construção de algo novo. Segundo Mauricio

Tragtenberg,

o nacionalismo de Weber foi uma das razões de seu interesse pelos problemas políticos russos. A Rússia preocupava-o por ser o vizinho mais forte e concorrente da Alemanha, cujo desenvolvimento interno poderia afetar o destino político de seu país. Outra razão está na sua visão do processo histórico, notadamente sua visão a respeito dos rumos político do Ocidente. (Weber, 2004 p.10).

Os rumos do Ocidente e a crescente burocratização da sociedade Ocidental,

problema central para Weber, poderiam ocorrer de outra maneira na Rússia. Ao

pesquisar profundamente a realidade russa, Weber pensa na possibilidade de uma outra

forma de organização social. Pela pouca ocidentalização russa, uma nova democracia,

com menor poder por parte da burocracia talvez pudesse ser construída.

30

Aqui podemos encontrar uma severa crítica à modernidade, ou à sociedade

capitalista se usarmos o linguajar marxista. Num mundo onde tudo é calculado, tanto a

produção quanto o trabalho estatal, onde o ritmo desta não é ditado pelo indivíduo, mas

por algo externo a ele e que este não possui interferência, não há liberdade, não há

espaço para o novo. A tendência é vivermos num mundo em que tudo se repete, em que

não há criatividade, onde os indivíduos são meramente reprodutores de práticas que não

pertencem a eles. Somente a política pode trazer liberdade à modernidade, pois nela

existe a tomada de decisões e a possibilidade de surgimento do novo. Ela pode se

contrapor à poderosa rotinização da burocracia, mas cabe aqui uma nova pergunta: à

rotinização da fábrica é possível um contrapoder? Em 1906, Weber discorre sobre a

possibilidade do surgimento de uma democracia liberal na Rússia durante a profunda

agitação política que este país sofreu em 1905/1906.

No primeiro artigo “A situação da democracia burguesa na Rússia” (Weber,

2005) datado de fevereiros de 1906, Weber analisa as instituições existentes na Rússia

naquele período. Não havia, segundo o autor, um grande número de instituições com

uma forte raiz histórica, apenas a Igreja e as comunidades camponesas. As instituições

mais orgânicas que outrora existiram na Rússia haviam sido extintas durante os séculos

XVII e XVIII, fazendo da Rússia um país de certa maneira a-histórico.

Das instituições da vida pública Russa, a que para Weber apresentava mais

vitalidade era a dos zemstovs. Esta funcionava como uma espécie de poder paralelo ao

Estado autocrático Russo, organizada pela própria sociedade civil, exercendo as mais

diversas atividades “desde a fundação de escolas populares, levantamentos estatísticos,

assistência médica e veterinária, construção de estradas, recolhimento de impostos e

ensino de Agronomia, e se estende até o importante setor de abastecimento”. (Weber,

2005, p. 53) Os zemstovs possuíam uma ligação muito maior com a população, além de

exercer tarefas que o Estado não fazia, “por isso é compreensível que o ‘governo

central’, se comparado com os zemstovs, se assemelhe a um parasita que só serve para

manter a atual distribuição do poder político”. (idem p. 53) Não é por acaso que o

Estado Russo impedia a todo custo o aumento de poder por parte dos zemstovs.

Devido à ineficácia do Estado russo, havia um geral descontentamento com

relação a suas ações. Diversos setores da sociedade russa procuravam influir no Estado

para que ocorressem mudanças mais profundas na forma deste funcionar. Se funções

tradicionalmente atribuídas ao Estado eram feitas pelos zemstovs, as críticas ao Estado

31

como um parasita era comum a vários grupos, não apenas pelos zemstovs, e exigia-se

uma reforma política urgente naquele período.

Havia diversas propostas diferentes de reforma política: o partido constitucional-

democrata propunha o sufrágio universal; os grupos mais à direita o voto

discriminatório; enquanto os “eslavofilos”, um governo que tivesse como base os

zemstovs. A união de todos estes grupos se dava em torno da limitação do poder do

czar.

Mesmo com um ponto comum, isto é, a crítica ao czar, havia divergências com

relação às mudanças que deveriam ocorrer. O principal problema girava em torno do

sufrágio, da democratização do voto, que era defendida pelos camponeses. Muitos

grupos eram contrários ao sufrágio universal, usando o argumento que este deixaria as

escolhas da nação nas mãos de camponeses analfabetos. Já os grupos que apoiavam um

regime baseado nos zemstovs, recebiam críticas por entregar o poder político nas mãos

da elite camponesa.

Não cabe aqui fazer um detalhamento do que cada grupo defendia para a

reforma política, mas importa-nos demonstrar como a sociedade russa se mobilizava no

sentido de promover mudanças mais profundas na realidade política, bem como

ressaltar a importância dos camponeses neste processo, a maior classe da Rússia

naquela época. O sufrágio universal garantiria a possibilidade destes elegerem a maior

parte dos representantes do parlamento.

Weber não se posicionou frente à questão do sufrágio. Todavia nada o levava a

crer que uma crescente participação levasse a população a possuir ideais democráticos:

o problema colocado por ele diz respeito à importância de uma tomada de posição

própria da Rússia, que não fosse importada de outro país e que levasse em conta as

tradições da Rússia.

Abstraindo de outras coisas, esse argumento evidentemente subestima a diferença que existe entre um pequeno país (a Bulgária) e uma grande nação que forçosamente tem de participar da política mundial (a Rússia), e subestima ainda mais a diferença entre a posição tradicional do czar, consagrado pela religião e pela pátria, e a figura de um reizinho importado do exterior (Weber, 2005, p. 63).

A Rússia não poderia importar um modelo de democracia pronto, não havia a

possibilidade de comparação da Rússia com a Bulgária ou outros países menores e

32

menos importantes na política internacional, não se poderia subestimar as características

daquele enorme país, a questão do sufrágio deveria ser resolvida ao modo russo e

levando-se em conta a importância geopolítica da Rússia.

Havia uma vocação por parte da Rússia, para Weber, devido a suas dimensões

continentais, de ocupar uma posição de destaque no cenário político internacional. Com

isso sempre em mente, Weber pensa na possibilidade da construção de uma democracia

liberal na Rússia, e seus questionamentos têm como fundamento os rumos que aquele

país poderia tomar nos seus desdobramentos políticos.

Os setores mais liberais da sociedade Russa não possuíam força suficiente para

impor sua agenda. A primeira proposta de Constituição (outubro 1905) – que era

amplamente baseada nos ideais democráticos da Europa Ocidental, previa sufrágio

universal, a existência de um tribunal superior e amplos poderes à Duma (Parlamento

Russo) –, foi rapidamente substituída por propostas mais brandas que acabavam por não

limitar o poder do Czar.

Diversos setores da sociedade Russa tinham uma posição bastante oscilante em

relação às reformas liberais. Não havia uma classe social que defendesse reformas

sociais mais profundas. Weber aponta aqui a grande diferença da época de ouro do

liberalismo com o momento atual, onde uma série de fatores levaram a um

desenvolvimento capitalista concomitante ao desenvolvimento liberal, onde amplos

setores da burguesia apoiavam idéias liberais. Isto ocorreu devido a uma junção de uma

ética religiosa com um momento político propício, fato que possivelmente não se

repetira em nenhum lugar do mundo.

No estágio de desenvolvimento do capitalismo da época de Weber, não havia

razão alguma para se pensar que determinados fatores econômicos levariam a uma

crítica liberal.

Os axiomas individualistas de direito natural não estabelecem bases inequívocas para um programa sócio-economico, da mesma forma como os próprios direitos humanos não fluem inequivocamente como conseqüência das condições econômicas – e menos que tudo das condições econômicas modernas. (ibd. 2005, p. 102)

Revela-se nesta citação uma dupla crítica por parte de Weber: em primeiro lugar

aos liberais, que julgavam que o desenvolvimento capitalista poderia levar ao

33

desenvolvimento de idéias liberais; em segundo, à teoria marxista, que previa estágios

de desenvolvimento econômicos juntamente com idéias relacionas a ela (ideologia).

Para Weber, não há qualquer razão para se pensar que determinadas bases econômicas

pudessem levar a condições de pensamento, na realidade poderia ocorrer o contrario:

um grande desenvolvimento capitalista poderia levar a um governo altamente

autoritário dependendo do momento histórico.

Quais rumos que a Rússia, então, tomaria? Weber não era um pensador de

respostas fáceis, esta pergunta ele não respondeu, todavia era necessário pensar na

complicada questão agrária da Rússia. Os camponeses eram a maior classe econômica,

e junto a isso havia uma grande concentração de terra nas mãos do Estado e,

principalmente, dos senhores de terra. Para se resolver a questão agrária e o problema

da falta de terras não mão dos camponeses era necessária uma série de reformas, que se

fossem levadas a cabo, teriam duas alternativas: expropriação de terra da aristocracia à

força; ou expropriação ao custo de altíssimas indenizações. Ambas eram complicadas,

mas a principal reivindicação dos camponeses era a reforma agrária, e qualquer grupo

que quisesse o apoio desta camada necessitaria resolver este dilema.

Diversos partidos que propunham reformas políticas mais profundas faziam

posicionamentos sobre a questão agrária. A propriedade dos camponeses era comunal,

não havia uma propriedade propriamente capitalista, não existia a idéia de

individualismo na produção. Mesmo os setores mais liberais não pensavam numa saída

capitalista para esse ponto, pois nunca seria aceita pelos camponeses. Os socialistas

tinham uma possibilidade um pouco maior de diálogo com os camponeses, pois suas

idéias de propriedade coletiva poderiam ir ao encontro destes. Weber aponta que

nenhum partido possuía propostas palpáveis para os camponeses, e o problema agrário

exigia soluções originais.

As soluções anárquicas, ou se usarmos outro linguajar, a revolução, não é vista

como uma alternativa para Weber. Saídas muito radicais estavam fadadas ao fracasso

“Alias, a anarquia, dadas as atuais circunstâncias, seria a precursora do recrudescimento

do absolutismo” (Ibd, p.107). Não há uma discordância por parte de Weber da

possibilidade de movimentos revolucionários, mas o autor não via nenhuma

possibilidade de surgir delas uma nova forma de sociedade, uma vez que estavam

fadadas sempre ao fracasso.

34

Entre as massas, é a “correta” social-democracia que dirige o adestramento do povo para o desfile da passarela da mentalidade padronizada. Ao invés de indicar o paraíso “do além” (o qual, no puritanismo, também tinha como apresentar respeitáveis realizações a serviço da “liberdade” terrena), mostra ao povo o paraíso “da terra” e transforma-o numa espécie de vacina para proteger os interesses na ordem vigente. Procura ela habituar seus discípulos à docilidade frente a dogmas e autoridades do partido: procura acostumá-los com o espetáculo de grandes greves fracassadas e com o gozo passivo daquela espécie de alarido raivoso e enervante dos seus propagandistas fanáticos. [...] enfim, procura acostumá-los a um gozo histérico de paixões violentas, que acaba substituindo e eliminando a objetividade do pensamento e a ação política e econômica. (ibd. 2005 p. 106).

Os radicais de esquerda acabavam por desorganizar a população, doutrinar a

massa em um movimento sem efeitos reais. Há uma direta comparação entre a idéia de

socialismo e imagem do céu religioso, pois ambos são completamente utópicos para

Weber, e qualquer movimento sério deveria agir dentro das possibilidades do real, não

em sonhos utópicos. Weber não é contrário a movimentos de esquerda, embora seja

contrário a esse radicalismo que desestimula uma ação objetivamente orientada; para

ele, os ditos representantes proletários deveriam ser mais responsáveis diante de seus

atos e não prometer mundos imaginários.

Os partidos da esquerda Russa, segundo Weber, deveriam se unir aos

representantes da burguesia progressista e liberal, para buscar uma plataforma conjunta

para a Rússia que tivesse como base a real situação daquele país e as possibilidades de

uma democracia liberal, elaborando uma agenda política orientada para a realidade

russa.

Apesar de todos esses problemas apresentados até aqui, e da falta de estratégia

adotada por setores progressistas da sociedade russa, Weber acreditava na possibilidade

da construção de uma sociedade dentro do pilares liberais, com todas as suas

implicações políticas. A defesa dos ideais democráticos é feita de uma maneira bem

clara por ele, mesmo reconhecendo as dificuldades da implementação destes e da não

relação direta com o desenvolvimento capitalista. O tom de entusiasmo deste texto

deve-se ao fato de Weber crer na possibilidade do surgimento de uma nova forma de

sociedade na Rússia, sem os entraves burocráticos contra liberdade apresentada nos

“antigos” países capitalistas.

35

O fato de haver um hiato entre a atualidade e o passado histórico é inevitável em ambos os países e age em conjunto com o aspecto “continental” do cenário geográfico quase que ilimitado onde tais fatos se desenrolam. Mas, o mais importante nessas duas evoluções é que muita coisa depende tanto de uma como de outra. Em certo sentido, estas são as “últimas” oportunidades para construir culturas “livres”, começando pelos “alicerces”. (ibd. 107-108).

Não há uma explicação mais profunda para essa falta de historicidade da Rússia,

apenas temos um caso de desenvolvimento capitalista diferente daquele existente em

outros países da Europa. O otimismo de Weber não tem uma justificativa aprofundada

pelo próprio autor, apenas uma crença pessoal. Weber separa o desenvolvimento de

idéias liberais do desenvolvimento capitalista, todavia não explana sobre quais seriam

as reais conseqüências da implementação do capitalismo na Rússia além das mudanças

econômicas.

A defesa de valores liberais fica clara no decorrer do texto, mas ao nosso ver, há

uma descrença de Weber dentro da Europa Ocidental. Na Rússia talvez pudesse haver

uma alternativa, onde os ideais liberais pudessem ser realmente conquistados. Mesmo

Weber não deixando muito clara sua posição sobre os zemstovs, podemos observar um

certo entusiasmo com relação a estes, entendendo-os como um contrapoder à

burocracia. Sabendo de todo o receio que Weber possuía a respeito da burocracia,

podemos pensar que ele apoiasse formas mais livres de organização social no caso

russo, menos burocráticas, para que a partir daí pudesse ser construída uma Duma

realmente liberal e com reais poderes.

Em agosto de 1906 Weber escreve outro artigo denominado “A transição da

Rússia para um regime pseudoconstitucional” (2005) e como o próprio título diz, é uma

descrição do processo de transição do regime czarista para um regime constitucional,

todavia não para um sistema constitucional verdadeiro, mas um regime onde todo o

autoritarismo czarismo era mantido.

O czar nunca quis realmente que seus poderes fossem limitados, todavia devido

às fortes pressões populares acabou por ceder a reformas democráticas na Rússia.

Mesmo assim, caso pudesse, retomaria o poder na Rússia “É obvio que, pessoalmente, o

czar nunca agiu com sinceridade no sentido de transformar a Rússia em um ‘Estado de

direito’ [...]. Isso transparecia sempre que houvesse uma oportunidade” (ibd. 2005, p.

117). Além das pressões de diversos setores da sociedade russa, também havia

36

interesses do mercado financeiro internacional para que fosse convocada a Duma e

houvesse estabilidade na Rússia.

Com o objetivo de dar aparente estabilidade ao país, o czar convocou eleições e

acabou por aceitar diversas petições do manifesto de 17 de outubro (manifesto feito em

1905 que reivindicava amplas reformas democráticas). Fez isto de uma maneira

aparente, pois a repressão e o não respeito ao parlamento continuaram a persistir. A

anistia aos presos políticos (em sua maioria sem julgamento), não foi efetivada, e este

ponto era central nas reivindicações, dado o número de presos ser expressivo. Além

disto, o czar não reconhecia as decisões do parlamento e acabou por criar uma

democracia de fachada.

Um dos pontos da reforma iniciou-se já no fim de 1905: o Conselho de

Ministros passaria a ser controlado pelos chefes de departamentos, burocratas treinados

apenas na prática burocrática, não na política. A conseqüência disto é o nascimento de

uma moderna burocracia na Rússia, composta por agentes não mais ligados diretamente

ao czar, ou possuidoras de algum título de nobreza, mas sim indivíduos treinadas para

esta prática.

Como o Parlamento era extremamente fraco pelas limitações impostas pelo

próprio czar, bem como pelo fato de todas as decisões feitas pela Duma passarem pelo

conselho de ministros, quem acabava por controlar a política russa era a burocracia

presente no conselho de ministros. Em agosto de 1906 Weber já manifestava total

descrença com relação às possibilidades de uma democracia maior na Rússia. Se no

texto de fevereiro de 1906 acima citado, ele apresentava um maior otimismo com

relação às possibilidades de construção de uma nova sociedade, aqui ele já não revela

mais esse otimismo, o controle burocrático racional já estava se estabelecendo na

Rússia. Ao tentar controlar o poder parlamentar, o czar entregou o poder nas mãos da

burocracia, mas poderia ter sido diferente casos o poder parlamentar tivesse sido

aumentado.

A situação poderia evoluir de um maneira totalmente diversa se o sistema constitucionalista verdadeiro fosse posto em prática com perfeita cobertura legal. Por mais estranho que pareça, este seria o recurso mais seguro para continuar mantendo a burocracia sob seu controle efetivo. Pois, nesse caso, a burocracia ficaria dependendo do monarca em relação e surgiria entre ela e o czar uma comunidade de interesses. (Weber, 2005, p. 133)

37

Realmente havia ocorrido uma grande mudança na Rússia, este país tinha

ingressado de vez na moderna forma de administração das sociedades modernas, ou

seja, um amplo controle de uma burocracia sobre os rumos da política. Nem o Czar,

nem o parlamento, possuíam as condições de frear este domínio burocrático, pois o Czar

havia perdido o poder que anteriormente possuía e o deixado nas mãos da burocracia.

Já discutimos anteriormente sobre as terríveis conseqüências, para Weber, da

dominação da burocracia. As esperanças de Weber, que isto não ocorresse na Rússia,

estavam se revelando frustradas, os rumos daquele país estavam levando-o à mesma

situação política que na Europa existia. Havia uma constante “guerra da sociedade

contra a burocracia” na Rússia, todavia a burocracia até aquele momento tinha

conseguido melhores resultados.

É claro para Weber, que o controle burocrático não possuía base social alguma,

ligada somente à posição ocupada no Estado. O único grupo que possuía algum

interesse na manutenção da burocracia era a dos banqueiros e grandes capitalistas,

“desde que lhes fossem concedidas total liberdade de obtenção de lucros e que fizesse

desaparecer o direito de greve” (ibd. p. 132). Por mais que Weber reconhecesse os

interesses da grande burguesia na manutenção do poder burocrático, não consegue

enxergar nesta classe a manutenção do poder burocrático. Novamente temos a idéia da

não relação direta de uma determinada forma de governo com os interesses diretos de

algumas classes econômicas. Mesmo com o medo dos “vermelhos”, não é a existência

de um movimento operário com reivindicações radicais que leva a mudanças profundas

nas relações do Estado com a sociedade, mas a luta do próprio Estado contra a

sociedade.

Ocorreu na realidade, para Weber, que a extrema esquerda mais atrapalhou que

ajudou na construção de uma sociedade mais democrática, mais livre. Eles pregaram o

boicote às eleições da Duma (mesmo assim, a maior parte dos membros da extrema

esquerda acabou por participar das eleições) e não aceitavam a união com setores

democráticos da sociedade russa. As posições radicais da extrema esquerda acabavam

por fortalecer os setores mais reacionários da sociedade russa que temia imensamente o

perigo comunista.

Como já discorremos anteriormente, para Weber, as relações econômicas não

determinam a forma como o Estado se organiza, e deste modo, as reivindicações

socialistas não seriam por maior liberdade. A luta por uma sociedade mais justa não faz

38

parte do mesmo processo de luta econômica, melhores salários e condições materiais

não trazem necessariamente maior liberdade para a sociedade russa. A idéia de

socialismo é, para Weber, uma idéia ética abstrata, longe da realidade e impossível de se

realizar, assim os proletários lutavam por nada, pois nada poderiam fazer que mudasse a

sociedade capitalista. Quando os socialistas inflamavam os camponeses, não

apresentavam as soluções reais.

Com o grau de temperatura que hoje em dia atingiram as paixões sociais e mesmo as puramente políticas, ao serviço das quais os líderes da extrema esquerda canalizam as esperanças dos camponeses, as possibilidades de executar um trabalho sereno fica totalmente excluída. [...] não deixaria de ser uma auto-ilusão perniciosa julgar que hoje em dia eles já têm capacidade de fazer uma reforma agrária por conta própria (ibd. p.156-157).

Os problemas dos camponeses, como apresentados pelo próprio Weber, eram

bastante graves e imediatos, exigir uma solução serena seria um tanto irrisório para eles.

Se diversos setores da sociedade russa clamavam por respostas mais profundas,

devemos ligar isso à própria situação da sociedade russa. Se a questão da liberdade é

fundamental para Weber, os camponeses e o pequeno proletariado urbano tinham

questões mais pragmáticas para resolver, como a pauperização e a miséria. A solução de

Weber para isso não aparece de uma forma clara, até mesmo porque ele não acreditava

em soluções fáceis; todavia esperar também não seria algo muito fácil para os setores

menos favorecidos. O capitalismo chegaria aos camponeses de uma forma ou de outra, e

se para Weber este não trouxesse a liberdade consigo, também não haveria nada que

pudesse garantir que resolvesse os graves problemas econômicos dos camponeses e

operários.

Se os comunistas se moviam por um imperativo ético, podemos dizer o mesmo

de Weber: seus ideais de liberdade e democracia também são questões éticas

importantes e um desejo dele. Como solução para os problemas russos e para que

surgisse um ambiente propício para que pudesse existir a liberdade, Weber apresenta a

mesma solução que mais tarde prescreveria para a Alemanha, ou seja, a possibilidade de

formação de líderes nascidos da arena política. O único ambiente favorável para a

liberdade é uma nação que não seja controlada por burocratas, onde os líderes possam

buscar soluções inovadoras para seu país.

39

“Apesar de toda a competência de alguns de seus membros e de toda a

sofisticação de sua técnica administrativa, a burocracia é imensamente estúpida no

campo da política” (Weber, 1993 p. 77). Burocratas não são políticos. Apesar dos textos

sobre a Alemanha serem escritos aproximadamente 12 anos depois, a idéia do controle

burocrático ser um controle politicamente ruim já está aqui. As reformas que foram

feitas na Rússia em 1905/1906 levaram este esse tipo de agente ao poder; sem qualquer

capacidade política, era necessário que surgisse espaço para políticos profissionais na

Rússia.

Os burocratas e os revolucionários mais apaixonados eram, para Weber, maus

políticos, e a Rússia, assim como a Alemanha, controlada aparentemente por reis, eram

reféns da burocracia, e nem os revolucionários russos ou alemães poderiam evitar isso.

Por fim, mesmo considerando todos os problemas russos, Weber não tinha a

menor dúvida de que uma Rússia potência surgiria. Implícita nesta análise está a idéia

de que a Rússia deveria, assim como a Alemanha, ocupar um lugar de destaque na

política internacional, uma vez que os rumos da Rússia estavam intrinsecamente ligados

aos da Alemanha.

Se a Rússia tivesse um regime verdadeiramente constitucional, tornar-se-ia um vizinho bem mais poderoso, sendo que então seria mais sensível ao instinto das massas, seria também um vizinho menos tranqüilo. Mas não adianta querer enganar-se a si próprio: essa Rússia virá, de uma forma ou de outra. (Weber, 2005, p. 185)

Ao longo do texto Weber realiza uma avaliação fria dos rumos da Rússia,

todavia no final há uma clara preocupação política. Quais seriam as conseqüências, caso

a Rússia se tornasse uma potência, para a Alemanha? Esse questionamento é

fundamental para Weber, há uma grande preocupação com os rumos políticos da

Rússia. O confronto entre potências não pode ser evitado na modernidade, e cabe saber

a melhor maneira de solucioná-lo.

Quase doze anos depois, Weber volta a escrever sobre a Rússia, e estas últimas

suas análises são da revolução de fevereiro, após a derrubada do czar em 1917. A

situação era bastante diferente daquela de 1905, pois toda a Europa estava em guerra e

Alemanha e Rússia ocupavam posições diferentes nela. Mesmo com esse contexto

político diferente de 1905, a preocupação de Weber sobre os rumos da democracia na

Rússia e as suas implicações nas relações com a Alemanha se mantinham.

40

No texto “A transição da Rússia à pseudodemocracia”(Weber, 2005) de abril de

1917, Weber reconhece inicialmente a imprevisibilidade dos rumos da revolução, não

sabendo ao certo o que ocorreria com a Rússia, preferindo não se arriscar sobre a

possibilidade da implementação de uma real democracia imediatamente na Rússia.

Podemos observar uma mudança no sentido atribuído à palavra “revolução”: se

anteriormente era colocada entre aspas e tratada como algo impossível, aqui ela é

tratada como algo real. Mesmo assim, não se trata de uma mudança para o socialismo,

todavia podemos observar pela mudança de “tom” no comentário, que a revolução de

fevereiro certamente o impressionou bastante.

Profecias sobre o futuro andamento da revolução seriam impossíveis mesmo para os observadores mais atentos. A derrubada das forças do czar durante a guerra era duvidosa mesmo para as pessoas muito melhores informadas do que eu, e mesmo depois da guerra isso era considerado longínquo. (Weber, ibd. p.187)

Houve então, para Weber, uma mudança inesperada nos rumos da Rússia, algo

bastante novo estava acontecendo naquele país. O czar não estava mais no poder e

existia a real possibilidade de se realizar mudanças na Rússia, embora Weber não

soubesse que rumos tomaria aquele país. Está aqui implícita a idéia de mudança dos

rumos de um país por vias revolucionárias, algo pouco comum nas obras de Weber.

Não há uma teoria da revolução em Weber, nem a explicação sobre em quais

condições históricas isto seria possível, todavia o autor não descartava a possibilidade

desta ocorrer. Condições bastante específicas levaram a Rússia a um momento

revolucionário durante a Guerra Mundial, e esse fato surpreendeu-o bastante, mas não

significava um sucesso garantido para esta. Para que a revolução pudesse ir adiante era

necessário que parte da burguesia aderisse à causa.

Os acontecimentos depois do manifesto constitucional tinham confirmado a experiência feita há pouco por toda parte de que, hoje, revoluções que tenham sucesso mais do que efêmero não podem ser realizadas nem pela burguesia e intelligentsia burguesa sozinhas, nem pela massa proletária e intelligentsia proletária somente. Todas as greves gerais e golpes fracassaram desde o momento em que a burguesia, sobretudo seus componentes mais importantes na Rússia – os círculos de proprietários zemtovs, retiraram sua participação. Mesmo onde massas rebeldes tenham chefes hábeis e pelo menos parcialmente despreendidos, como sem dúvida os há na Rússia, falta-lhe a longo prazo um meio de combate

41

fundamentalmente importante – a capacidade de crédito, da qual a burguesia desfruta. (ibd. p. 191)

Um processo revolucionário, para que fosse levado a cabo, precisava da união

entre a burguesia e o proletariado. Qualquer uma destas classes sozinha não seria capaz

de levar à frente ideais revolucionários. Observamos aqui, mais uma vez, que a

revolução no sentido político da palavra não é a mesma que no plano econômico. A

problemática coloca por Weber não vislumbra a possibilidade de uma classe ascender

ao poder, mas de uma aliança de classes levar a uma maior democratização da Rússia,

sendo que não há uma relação direta entre luta econômica e política.

Mesmo com isso em mente, era fundamental a união da burguesia com as

classes menos abastadas para que isso fosse levado adiante; a burguesia, devido a sua

capacidade de buscar crédito e as classes populares, devido a seu número gigantesco de

pessoas. Parece haver uma contradição entre a análise de Weber e seu elitismo político,

uma vez que aqui claramente o autor coloca a posição de classe na ação política e

destaca a importância das classes nas modernas revoluções. Por não possuir uma teoria

da revolução, não podemos analisar mais profundamente quais seriam as implicações

das classes na revolução em sua teoria política.

Podemos notar em seus escritos que, com o descontentamento causado por uma

política que não beneficiasse determinada classe, esta podia se revoltar contra

determinado governo, e este é o caso da Rússia. Principalmente os camponeses, maior

classe social, e alguns setores da burguesia, não estavam contentes com os rumos da

política russa, pois esta não os beneficiava. As revoltas eram conseqüência direta de

lutas econômicas mais intensas entre esses setores e o Estado czarista. A revolução que

estava acontecendo na Rússia naquele período, não garantiria uma mudança política

profunda, e por mais que as reivindicações fossem contra o Estado czarista, o desejo de

mudanças econômicas não se expressava em um desejo por democracia. A luta

econômica não se expressava em uma luta por liberdade, esta poderia surgir, mas não

era uma relação direta.

A origem deste descontentamento ocorria por equívocos da política do czar, por

mais que a manutenção da guerra e os constantes pedidos de empréstimos

privilegiassem os banqueiros e alguns setores da grande burguesia russa. Pela sua

concepção de autonomia do Estado, Weber não relaciona a manutenção de uma

determinada forma de Estado com o interesse de alguma classe social, mesmo isso

42

sendo nítido na Rússia. O que levou a catástrofe social que a Rússia enfrentava e a

continuação da guerra, era a inabilidade do czar em controlar o país:

O cerne do seu [do czar] erro enraizava-se naquele engano pernicioso de ele próprio querer governar. Isso poderia parecer a um monarca como o czar quando, por acaso, um estadista de talento fora do comum o ajudava a salvar as aparências. O czar já estaria perdido por ocasião da última revolução, após ter demitido Witte por ciúme e vaidade se, contra todas as previsões, não surgisse na pessoa de Stolypin uma personalidade à altura da situação, à qual obedeceria sem reservas. Sem tal apoio, ele permaneceria um diletante, cuja intervenção volúvel e imprevisível tornaria imprevisível qualquer política consistente. (Weber, 2005, p. 193-194)

Mesmo com a ação de classe no sentido de reivindicar mudanças na política

econômica, para Weber, a política é feita por poucas pessoas, uma pessoa sozinha tinha

sido capaz de manter o czar no poder com suas habilidade, primeiramente Witte e

depois Stolypin. Na atual revolução, o czar não podia se manter apenas por seus grandes

equívocos em matéria de política, por permitir uma política extremamente burocrática.

A solução para o atual problema russo seria o surgimento de um parlamento

forte que pudesse dar conta das questões imediatas de uma forma correta. Como já

discorremos anteriormente, em parlamentos fortes existe a possibilidade do surgimento

de líderes capazes para tomar decisões acertadas.

Não era possível a priori encontrar uma solução para o problema das terras dos

camponeses, mas somente grandes líderes que tivessem uma real possibilidade de

governar poderiam modificar os rumos da Rússia e levá-la a um caminho que pudesse

resolver seus problemas. Mesmo com esse sendo um problema de fundo mais

complexo, qualquer liderança acertaria ao retirar os camponeses do front de batalha e

acabar com a guerra. Tal fato, todavia, nem a burocracia que controlou o país depois da

queda do czar, nem os grandes proprietários de terra, juntamente com a grande

burguesia, poderiam fazer, pois não era seu interesse.

Weber nutria um direto interesse pelo fim da guerra devido ao fato dela ser

contra seu próprio país. Diferentemente de 1905, em que ele acreditava que um regime

parlamentar levasse a possíveis conflitos entra Alemanha e Rússia, aqui ele acredita que

a melhor forma de resolver os conflitos da guerra seria com a existência de um forte

parlamento na Rússia.

43

O fim da Guerra era uma decisão acertadíssima, segundo Weber. Somente

políticos conscientes e que soubessem analisar a real situação poderiam tomar essa

decisão. Pode parecer uma contradição à postura de 1905, em que um parlamentarismo

real poderia levar a um confronto entre Rússia e Alemanha e o de 1917 em que poderia

levar a paz, mas não é. Os líderes que surgissem no parlamento tomariam a decisão

mais acertada para a Rússia e seu desenvolvimento, se em determinado momento isso

fosse algo que levasse a um confronto entre os dois países, mas não o era naquele

momento, a guerra somente beneficiava a pequenos setores da sociedade russa.

Podemos observar uma continuidade entre os dois artigos de 1905 e o de 1917.

A necessidade de se criar um parlamento forte e o conseqüente controle da burocracia

estão presentes em ambos os textos. O entusiasmo com relação à Rússia parece

diminuir, e somente no primeiro artigo de 1905, Weber discorre sobre a possibilidade

do surgimento de uma nova forma de organização social, depois essa idéia não aparece

mais.

Tanto quando Weber discorre sobre a política na Alemanha como na Rússia, um

dos temas fundamentais é a burocracia e os malefícios de seu controle social. É muito

claro que estas não devem controlar a política pelas diversas características

anteriormente citadas. É considerado impossível a destruição da burocracia nas

sociedades modernas, pois suas funções não podem ser absorvidas pela sociedade.

Como solução, Weber apresenta a importância de se existir parlamentos fortes, para que

verdadeiros líderes exerçam o poder.

A importância dos parlamentos e líderes está intrinsecamente ligada à concepção

que Weber possui da política na modernidade, nas grandes sociedades. É impossível

uma sociedade em que as decisões sejam tomadas coletivamente, é impossível uma

democracia plena, assim como não é possível uma sociedade sem burocracia. O que se

pode fazer é reconhecer a necessidade da burocracia e controlá-la por políticos aptos,

formados nos parlamentos. “A grande política é sempre feita por pequenos círculos de

pessoas” (Weber, 2005, p.157).

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CONCLUSÃO

Podemos observar dois temas constantemente presentes nos textos políticos de

Weber: a possibilidade de liberdade e a preocupação com os rumos políticos da

Alemanha.

Sobre o primeiro existe uma grande dificuldade para tratarmos dele, pois o

próprio Weber não possui uma definição da liberdade, tratando desta apenas de uma

maneira bastante abstrata. Mas para superarmos esta dificuldade podemos definir a

liberdade para Weber em oposição àquilo que não a é, ou seja, a sociedade moderna

racionalizada e burocrática. A liberdade seria algo diferente da sociedade moderna,

onde houvesse espaço para o não calculado, para ações espontâneas e livres das rotinas

burocratizadas que aprisionam o indivíduo.

Há uma severa crítica à sociedade moderna em Weber, pois esta seria o império

da não liberdade. Este ponto torna-se interessante se levarmos em conta que, para

autores importantes dentro do campo marxista (como Lukács (1981)), estes o têm

considerado um autor caracterizado como um mero ideólogo deste sistema. A postura

de Weber nunca pode ser considerada como a de um mero ideólogo, pois a raiz da

modernidade é construída em oposição à liberdade, o controle possibilitado por esta, a

previsibilidade anulando a criatividade.

O otimismo apresentado por Weber em relação à Rússia e aos Estados Unidos

revelam como este autor ansiava por uma sociedade mais livre, deixando de lado até

mesmo o rigor metodológico de suas análises. Dizer que um país como a Rússia não

possuía instituições tradicionais fora os zemtovs, nos parece bastante superficial e muito

diferente das analises weberianas de outros contextos. Não há uma profunda análise

deste país, mas apenas uma rápida descrição dos zemtovs e uma afirmação da falta de

base para o poder do czar, passando então às possibilidades desta nova sociedade.

A sociedade mais livre não é também descrita, até mesmo porque Weber não

admitia previsões de longo prazo, mas podemos dizer que o autor a desejava e por

algum tempo possuiu esperanças de que esta pudesse surgir nos Estados Unidos e na

Rússia.

Em “Ciência como Vocação”, Weber faz uma comparação entre dois modos de

vida acadêmicos, o americano e o alemão. Nos Estados Unidos:

45

[...] nota-se o surgimento, como aliás em todos os lugares em que se implanta uma empresa capitalista, do fenômeno específico do capitalismo, que é o de “privar o trabalhador dos meios de produção”. O trabalhador – o assistente – não dispõe de outros recursos que não os instrumentos de trabalho que o Estado coloca ao seu alcance; conseqüentemente, ele depende do diretor do instituto tanto quanto o empregado de uma fábrica depende do patrão – pois o diretor do instituto imagina, com inteira boa-fé, que aquele é seu instituto, dirige-o a seu bel-prazer. (Weber 2004, p. 33)

Enquanto na Alemanha havia uma tendência à mudança na universidade:

Não se podem negar as incontáveis vantagens técnicas dessa evolução, que se manifesta em quaisquer empresas que tenham, ao mesmo tempo, características burocráticas e capitalistas. Todavia, o novo espírito é bem diferente da velha atmosfera histórica das universidades alemãs. Há um abismo, tanto visto de fora quanto visto de dentro, entre essa espécie de grande empresa universitária capitalista e o professor titular comum, de velho estilo. (ibd. p. 35)

Nos EUA, Weber aponta que na universidade já ocorria a aplicação do modo

capitalista de produção, racional, e havia a separação entre os proprietários do modo de

produção, o proprietário e/ou administrador da universidade, e o trabalhador, o

professor. Uma lógica produtivista e quantitativista havia se instaurado nas

universidades americanas, o que retirava a liberdade dos professores. Embora o sistema

alemão fosse bastante plutocrático, seus professores não estavam ainda submetidos a

uma lógica capitalista de produção.

A falta de liberdade da modernidade se deve à racionalização das diversas

esferas da vida, a racionalização e a liberdade não caminham juntas. Até mesmo no

sistema universitário, o local de pesquisas supostamente livres, onde o indivíduo

possuía total controle sobre aquilo que fazia, a lógica racionalizante já havia penetrado

nos Estados Unidos e começava a adentrar na Alemanha, revelando o caráter totalizante

da modernidade.

Parece-nos claro até aqui as profundas críticas weberianas, tornando ainda mais

explicitas ao se tratar do caso universitário. Não podemos, todavia considerar que

Weber propusesse uma volta ao feudalismo ou procurasse soluções fáceis para o

problema da modernidade, nos parece muito mais que há no pensamento do autor uma

total falta de saídas.

46

O segundo tema corrente nos textos políticos de Weber é a preocupação com a

questão alemã. Obviamente, por este ser um intelectual de bastante prestígio na

Alemanha, suas opiniões eram bastante solicitadas, mas isso por si não justifica o

interesse do autor pelo tema. Ao escrever textos bastante prescritivos, havia interesse

em influenciar os rumos da política alemã.

No terreno da política, temos um Weber bastante diferente daquele da discussão

sobre a liberdade, aqui há possibilidade da intervenção e da mudança a partir de

indivíduos hábeis, os rumos da Alemanha poderiam ser outros.

Temos como plano de fundo nos dois casos (a liberdade e a política alemã)

características intrínsecas à modernidade: a racionalização e a burocratização. A

diferença está que, quanto mais palpável se torna o tema, mais Weber está preocupado

com a intervenção política. Se com um conceito filosófico estamos condenados, no

campo da política é possível maior liberdade. A política seria o campo aberto da

modernidade.

Em 1906, ao escrever sobre a Rússia, Weber já havia escrito A Ética Protestante

e o Espírito do Capitalismo e Metodologia das Ciências Sociais, e podemos considerar

que já havia uma idéia bem estruturada do que era a sociologia e qual era seu método.

Embora Weber diferencie textos políticos de textos científicos, as análises científicas

são importantes na política, pois podem indicar que rumos determinadas ações podem

levar as sociedades humanas.

Havia um embasamento científico para se pensar na mudança social na

modernidade, que seria a fragilidade das instituições modernas (caso da Russia e dos

Estados Unidos). Temos neste ponto uma diferença fundamental aqui nas concepções de

Marx e Weber. Para Marx, a radicalização da modernidade levaria à sua própria

superação, enquanto para Weber, a radicalização levaria à sua repetição.

Ambos apontam aspectos negativos da modernidade, mas embora possa parecer

um tanto irônico para a visão de certos antagonismos existentes na academia, pois

aquele que possui a visão mais “burguesa” é aquele que observa a anulação do

indivíduo na modernidade, a impossibilidade da agência livre.

Como já dissemos anteriormente, não há um objetivo último na história para

Weber, não é possível encontrar uma teleologia nesta. No discurso datado de 1918

“Ciência como Vocação”, Weber insiste bastante neste ponto, isto é, na falta de

objetivos históricos que a ciência pode apresentar. Isso pode ser encarado de duas

47

maneiras: a construção de um projeto racionalmente orientado, haja visto que com a

ciência podemos prever o efeito de determinados atos, ou uma total insegurança

ontológica, uma vez que o futuro pode nos levar a qualquer lugar.

A nosso ver, Weber oscila entre estas duas possibilidades, as instituições

modernas nos aprisionam e nos levam a rumos que não são necessariamente o que

queremos, mas também existe um certo direcionamento que podemos dar à história pela

política. Todavia, Weber parece estar mais inclinado à primeira opção, à falta de

liberdade moderna.

Há uma certa contradição entre os textos políticos de Weber e sua rígida visão

científica que nos parece bastante clara nos estudo políticos de Weber. Ao se aproximar

mais da Alemanha em suas análises a questão da liberdade deixa de ser importante e

passa a existir uma maior possibilidade de agência, de controle da história para um

determinado fim.

Se no já citado texto de 1918, Weber retira o caráter teleológico da ciência, em

outro do mesmo ano, denominado “Política como Vocação” weber aponta as

características da política. Na política o indivíduo é movido pelo desejo de intervenção

no mundo, de ter em suas mãos os rumos da história, ou seja, há uma capacidade de

intervenção. O político usa os meios necessários para moldar a realidade com base em

seus ideais, e através disso influi em toda a sociedade

Em todas as análises sobre a política alemã, a preocupação com o controle

burocrático está sempre presente, o real poder e o controle que esta possuía sobre a

política está sempre presente. O controle burocrático era forte devido à incompetência

dos políticos alemães e a maneira patrimonial com que estes tratavam o Estado, ou seja,

como uma mera fonte de lucros privados e a divisão dos espólios do Estado com o

partido. Mesmo com a importância e a centralidade burocrática, um homem sozinho

conseguiu domar a burocracia e levar a Alemanha para outros rumos: Bismarck. As

características de um grande líder foram capazes de um direcionamento nos rumos

históricos alemães.

Os textos políticos sobre a Alemanha reforçam a necessidade de um ambiente

favorável ao surgimento de líderes, para que este país ocupasse uma posição central na

política européia, para que não houvesse apenas um indivíduo que centralizasse todo o

poder, mas vários que discutissem o rumo daquele país.

48

O grande erro de Bismarck foi eliminar totalmente a oposição, impedir que

surgissem outros líderes que pudessem participar da política alemã, deixando o país nas

mãos de burocratas após o fim de seu governo.

Estes textos sobre a política alemã tratam a liberdade de uma forma distinta, pois

embora a burocracia represente os perigos do excesso de racionalismo moderno, há uma

clara noção da possibilidade da interferência de grandes líderes na política, está presente

a idéia de que pessoas capazes podem levar o país a rumos diferentes.

Por um lado temos uma profunda crítica à sociedade moderna, por outro temos

uma defesa de um modelo de gestão do Estado moderno que passa pela existência de

grandes líderes.

Os problemas políticos alemães eram decorrentes das pessoas erradas estarem

controlando a política alemã, da equivocada gestão do Estado alemão. A Alemanha se

caracterizava como um Estado subalterno internacionalmente devido à falta de

habilidade, e a respeito disso era possível tomar uma atitude mais correta.

Weber reconhecia a não existência de critérios para julgar se determinada forma

política de observar o mundo era correta ou não, não havia, a priori, nenhuma visão de

mundo correta. Todavia, o político deveria possuir uma ética de responsabilidade com

seus atos, que o levassem a agir da maneira mais responsável possível, prevendo as

conseqüências de seus atos. Deste modo, prolongar uma guerra em prol de uma

revolução não seria uma atitude correta, pois poderia levar a morte de milhões de

pessoas.

Houve um apoio por parte de Weber à Alemanha na Primeira Guerra Mundial,

conforme já apontamos anteriormente. Ao contrário do que possa parecer com o dito no

parágrafo anterior, Weber não era um pacifista, apenas discordava de uma guerra que

não fosse ancorada em fins sólidos. O socialismo não era tido como possível, por isso

uma guerra em seu nome seria irresponsável.

Por mais que Weber fizesse profundas críticas à sociedade moderna, com seu

caráter extremamente racional, temos junto a isso uma defesa de uma forma de gerir

essa sociedade, uma defesa do Estado Alemão capitalista e expansionista. Weber não

discordava que a Alemanha exercesse influência sobre os países vizinhos e que poderia

haver futuros embates com a Rússia por motivos político-econômicos. Além disso,

Weber considerava que o regime parlamentar inglês era superior ao Alemão,

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possibilitava com que a Inglaterra possuísse maior destaque no cenário internacional.

Weber não possuía ressalvas, deste modo a uma Inglaterra imperialista.

Gabriel Cohn (2003) aponta como Weber possuía uma postura crítica e

resignada frente à sociedade moderna. Num mundo sem sentido ou ausência de valores,

aprisionado pela burocracia, Weber criticava essa mundo, mas se resignava em face à

impossibilidade de mudanças.

Além do apontado por Cohn, podemos ressaltar que mesmo com a grande

resignação de Weber, em um ponto ele não era totalmente resignado: na necessidade de

construção da Alemanha. De uma maneira mais geral, a respeito da liberdade num

sentido abstrato, havia uma grande resignação por parte de Weber, a modernidade

pouco podia fazer a respeito da liberdade. De outro modo, ao se aproximar da política e

dos problemas reais alemães, havia maior liberdade de ações por parte de Weber.

Ao escrever sobre a Rússia em 1906, havia, como já dissemos anteriormente, um

tom otimista de sua parte. No texto escrito no ano seguinte, havia desaparecido este

otimismo, e no escrito em 1917, isto também não ocorria.

O pessimismo certamente está presente na obra de Weber, sua resignação frente

à modernidade é patente em sua obra. Junto a isto, havia a grande preocupação do autor

pelos rumos de seu país, e nisso Weber pode ser considerado um nacionalista.

Ao menos, se houvessem instituições que permitissem, alguns homens poderiam

dar alguma direção aos rumos da história alemã. Se a modernidade é completamente

sufocante aos olhos de Weber, existe um pouco de liberdade na política.

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BIBLIOGRAFIA

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COHN, Gabriel (2003). Crítica e Resignação. São Paulo: Editora Martins Fontes. FAORO, Raimundo (1979). Os donos do Poder. Porto Alegre: Editora Globo. GYDDENS, Anthony (1998). Política e sociologia no pensamento de Max Weber. São

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Ática. MANNHEIN, Karl (1976). Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar. MAYER, J. P. (1985). Max Weber e a Política Alemã. Brasília: Editora Universidade de

Brasília. WEBER, Max (1985). A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo:

Editora Cultrix. _______ (1994) Economia e Sociedade. Vol 1. Brasília: Editora Universidade de

Brasília. _______ (2005) Estudos Políticos: Rússia (1905 e 1917). Rio de Janeiro: Editora

Azougue Editorial. _______ (1993). Parlamento e Governo na Alemanha Reordenada. Rio de Janeiro:

Editora Vozes. _______ (2004). Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix.