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Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

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Maximiliano Beschoren:

o explorador do

Alto Uruguai

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Universidade Regional Integrada do Alto

Uruguai e das Missões REITOR Luiz Mario Silveira Spinelli PRÓ-REITOR DE ENSINO Arnaldo Nogaro PRÓ-REITOR DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO Giovani Palma Bastos PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO Nestor Henrique de Cesaro CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN Diretora Geral Silvia Regina Canan Diretora Acadêmica Elisabete Cerutti Diretor Administrativo Clóvis Quadros Hempel CÂMPUS DE ERECHIM Diretor Geral Paulo José Sponchiado Diretora Acadêmica Elisabete Maria Zanin Diretor Administrativo Paulo Roberto Giollo CÂMPUS DE SANTO ÂNGELO Diretor Geral Gilberto Pacheco Diretor Acadêmico Marcelo Paulo Stracke Diretora Administrativa Berenice Beatriz Rossner Wbatuba CÂMPUS DE SANTIAGO Diretor Geral Francisco de Assis Górski Diretora Acadêmica Michele Noal Beltrão Diretor Administrativo Jorge Padilha Santos CÂMPUS DE SÃO LUIZ GONZAGA Diretora Geral Dinara Bortoli Tomasi CÂMPUS DE CERRO LARGO Diretor Geral Edson Bolzan

CONSELHO EDITORIAL DA URI Presidente Denise Almeida Silva (URI) Comitê Editorial Acir Dias da Silva (UNIOESTE/ UNESPAR) Alessandro Augusto de Azevedo (UFRN) Alexandre Marino Costa (UFSC) Antonio Carlos Moreira (URI/FW) Cláudia Ribeiro Bellochio (UFSM) Edite Maria Sudbrack (URI/FW) Elton Luiz Nardi (UNOESC) José Alberto Correa (Universidade do Porto, Portugal/UNESP) Leonel Piovezana (Unochapeco) Liliana Locatelli (URI/FW) Lisiane Ilha Librelotto (UFSC) Lizandro Carlos Calegari (UFSM) Lourdes Kaminski Alves (UNIOESTE) Luiz Fernando Framil Fernandes (FEEVALE) Mauro José Gaglietti (URI/Santo Ângelo/ANHANGUERA) Miguel Ângelo Silva da Costa (UNOCHAPE-CO) Noemi Boer (URI/Santo Ângelo) Paulo Vanderlei Vargas Groff (UERGS) Rosângela Angelin (URI/Santo Ângelo) Tania Maria Esperon Porto (UFPEL) Vicente de Paula Almeida Junior (UFFS) Walter Frantz (UNIJUI) Consultores Attico Inacio Chassot (Centro Universitário Metodista) Júlio Cesar Godoy Bertolin (UPF) Barbara Estevão Clasen (UERGS) Breno Antonio Sponchiado (URI/FW) Claudia Battestin (URI/FW) Cledimar Rogério Lourenzi (UFSC) Daniel Pulcherio Fensterseifer (URI/FW) Gelson Pelegrini (URI/FW) Gustavo Brunetto (UFSM) Luis Pedro Hillesheim (URI/FW) Patrícia Binkowski (UERGS) Rosa Maria Locatelli Kalil (UPF) Sibila Luft (URI/Santiago)

Page 4: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Breno A. Sponchiado Organizador

Maximiliano Beschoren:

o explorador do Alto Uruguai

SÉRIE CEDOPH - VOLUME 4 - CENTENÁRIO DA COLÔNIA GUARITA (1917-2017) -

Frederico Westphalen

2016

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Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-

NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/.

Organização: Breno A. Sponchiado Digitação: Raquel Listkovski Franco Revisão Linguística: Wilson Cadoná Revisão metodológica: Diego Bonatti Capa/Arte: Laís Giovenardi da Rocha Projeto gráfico: Tani Gobbi dos Reis

O conteúdo dos textos é de responsabilidade exclusiva dos(as) autores(as).

Permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

Catalogação na Fonte elaborada pela Biblioteca Central URI/FW

M419

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai [recurso eletrônico] /

Organizador Breno A. Sponchiado. – Frederico Westphalen : URI – Frederico Westph, 2016.

160 p. – (Série CEDOPH. v.4. (Coleção Centenário da Colônia Guarita (1917-2017)).

ISBN 978-85-7796-191-7 Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader

Modo de acesso: www.fw.uri.br/site/publicacoes 1. Maximiliano Beschoren – biografia e bibliografia. 2. Colonização – Província do Rio Grande do Sul. I. Sponchiado, Breno A. Título.

CDU 94(816.5)

Bibliotecária Gabriela de Oliveira Vieira

URI – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões

Prédio 9 Campus de Frederico Westphalen:

Rua Assis Brasil, 709 – CEP 98400-000 Tel.: 55 3744 9223 – Fax: 55 3744-9265

E-mail: [email protected], [email protected]

Impresso no Brasil Printed in Brazil

Page 6: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Sumário

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 8

BRENO A. SPONCHIADO

PARTE I

MAXIMILIANO BESCHOREN: BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA .......................... 10

BRENO A. SPONCHIADO

UMA SINA: DAS ACADEMIAS DA PRÚSSIA PARA OS SERTÕES DO ALTO URUGUAI .............................................................................................................. 11

UM TRÁGICO FIM................................................................................................ 18

ATUAÇÃO PROFISSIONAL DE MAXIMILIANO BESCHOREN .................... 22

A PERCEPÇÃO DE BESCHOREN SOBRE A COLONIZAÇÃO ....................... 56

MEDIÇÕES E AGRIMENSURA ........................................................................... 59

O ESCRITOR E DIVULGADOR DO ALTO URUGUAI ..................................... 67

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 79

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

7

PARTE II

TEXTOS DE MAX BESCHOREN ............................................................................. 82

TEXTO I - RELATÓRIO SOBRE A EXPLORAÇÃO DE UMA PICADA QUE

SEGUE O RINCÃO DA FORTALEZA PAR A O RIO URUGUAY ......................... 83

TEXTO II - RESUMO DOS DADOS E RESULTADOS COLHIDOS NA

EXPLORAÇÃO E ABERTURA DA PICADA. QUE, PARTINDO DO “RINCÃO DA

FORTALEZA”, SEGUE ATÉ O “PASSO DA BOA ESPERANÇA”, NA MARGEM

ESQUERDA DO RIO URUGUAY, N’UMA EXTENSÃO DE 38 QUILÔMETROS E

330 METROS. .......................................................................................................... 105

TEXTO III - O TERRITÓRIO DO ALTO URUGUAY ........................................... 112

TEXTO IV - NOTA EXPLICATIVA SOBRE A PLANTA DO MUNICÍPIO DE

SANTO ANTÔNIO DA PALMEIRA COM O DISTRICTO DE NONOHAY, PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL – 1887. ..................... 127

TEXTO V - RELAÇÃO DAS POSSES E CONCESSÕES LEGITIMADAS E

LEGALIZADAS NO MUNICÍPIO DE STº ANTÔNIO DA PALMEIRA E NO

DISTRITO DE NONOHAY (MUN. DE PASSO FUNDO). .................................... 144

POSFÁCIO ............................................................................................................... 158

BRENO A. SPONCHIADO

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 161

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Apresentação

Breno A. Sponchiado

Dando sequência à Série CEDOPH de publicações que o Centro de

Documentação e Pesquisas Históricas, pertencente à URI-FW, por conta da passagem

do Centenário da Colônia Guarita, comemorado em 2017, estamos lançando esta

primeira obra, abrindo a coleção Centenário da Colônia Guarita.

Entendemos que nada mais justo em estrear com um estudo que evidencie o

significado da vida e da obra do engenheiro alemão Maximiliano Beschoren, que por

décadas recruzou o território do Alto Uruguai, quando inexplorado, tanto

cientificamente quanto economicamente, levando ao público e às academias suas

potencialidades.

São unânimes os historiadores e biógrafos que se ativeram a dimensionar o

pioneirismo e empreendedorismo de Beschoren em enaltecer sua figura e admitir que

não fora ainda suficientemente reconhecido pela historiografia e pela região que ele

tanto procurou tirar do ostracismo. Motivado pela aventura, e desejo de descobrir

novos lugares, abandonou uma zona de conforto na Prússia para conhecer regiões

interioranas, com todas as suas vicissitudes. Cremos, pois, que com esta modesta

publicação, estamos pagando parte desta dívida.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Procuramos, na primeira parte deste estudo, trazer os dados biográficos que nos

chegaram de Max Beschoren. Descrevemos algumas facetas mais representativas da

sua obra profissional, enquanto cientista e engenheiro-agrimensor. Frisamos a sua

diversificada atuação como meteorologista, topógrafo, cartógrafo, agrimensor... Mas

nos atemos a analisar a sua preocupação maior: a colonização. Procuramos

contextualizar o período da segunda metade do século XIX, quanto às percepções

sobre os projetos colonizatórios na Província do Rio Grande do Sul. Percebe-se que

Beschoren fazia parte de um grupo de intelectuais, empresários e políticos, quase todos

de origem alemã, que defendiam um povoamento sistemático, baseado numa

agricultura moderna dos sertões do Alto Uruguai, preferentemente com europeus.

Usavam com habilidade os meios de comunicação, como jornais e a tribuna, como

instrumentos de convencimento e de propaganda para seus empreendimentos.

É nesse processo que se deve situar a obra e as publicações de Beschoren.

Transcrevemos aqui alguns trabalhos de Beschoren que buscamos nos Arquivos do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que foram parcialmente utilizados por Pe.

Arlindo Rubert em seu livro A diocese de Frederico Westphalen. Outras encontramos

de segunda mão, na obra Notícia Descritiva da Região Missioneira, de Evaristo

Afonso de Castro e nos Anuários de Graciano de Azambuja.

Oxalá estes textos contribuam para conhecermos ainda mais esta terra para

torná-la mais promissora, como ardentemente obrou e sonhou Beschoren.

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Parte I

Maximiliano Beschoren:

biografia e bibliografia

Breno A. Sponchiado

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UMA SINA: DAS ACADEMIAS DA PRÚSSIA PARA OS SERTÕES DO ALTO URUGUAI

As informações que nos chegam sobre a procedência de Max Beschoren

foram elaboradas pelo seu amigo - e podemos, a julgar pelo profundo

conhecimento dos sentimentos de nosso biografado - um seu confidente C. V.

Koseritz. Muito em comum, aliás, tinham eles: homens da Ciência, gosto pela

ilustração em seu sentido genuíno derivado de Iluminismo; dedicação à

investigação e sua ampla publicização; desejo de levar o progresso para as

regiões mais recônditas, que oportunizasse às populações, tanto autóctones

quanto, as vantagens da técnica e da modernidade racionalista que acreditavam

apanágio de todos os males; motivava-os uma viva preocupação com os seus

patrícios teutos que vislumbravam dias melhores na América. Mas as

semelhanças param aí. Ao passo que Koseritz ganhou notoriedade e fortuna pela

atuação política partidária, empreendedorismo na imprensa e jornalismo

combativo na capital, Beschoren limitou-se a uma vida interiorana, sumido nas

obscuras selvas da Província, sujeitando a si e sua família aos parcos recursos

advindos dos trabalhos de agrimensura. Um morre na fama e rico. O outro nada.

Quiçá a militância de Koseritz e o convívio com políticos o tornaram

“abrasileirado” (por exemplo, foi Liberal e Conservador!)1, ao passo que

Beschoren não perdeu seu modus prussiano?

1 “Com o passar do tempo - diz Weizenmann - a realidade social, política e econômica, aos olhos de Koseritz, não era mais compreendida pelas concepções de um recém-chegado imigrante, mas de alguém que soube compreender as especificidades da terra, também em transformação, que o acolhera–um cidadão brasileiro. (WEIZENMANN, 2015, p. 201).

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Koseritz elabora o Necrológio de Beschoren para sua publicação no

Annuario da Província do Rio Grande do Sul, dirigido pelo também amigo

Graciano de Azambuja. O líder da comunidade teuto-brasileira não economiza

palavras para enaltecer a figura do engenheiro. Chama-0 de “meu illustrado

amigo Maximiliano Beschoren um dos seus distinctos colaboradores, o qual

deixa vácuo diffícil de preencher-se porque em sua especialidade de meteorólogo

e observador, não contava muitos rivaes na província. Accedendo ao pedido do

digno director do Annuario, cumpro um dever, dedicando algumas linhas á

memoria do meu finado amigo e fiel companheiro de trabalhos”. (KOSERITZ, in

ANNUARIO 1890, p. 143-146). Sobre a família e estudos, nos informa:

Maximiliano Beschoren nasceu em 6 de Julho de 1847 em Eisleben2 na província prussiana da Saxonia, onde seu pai era conceituado negociante. Maximiliano cursou a escola elementar em Meissen e o gymnasio em Zwickau, para onde fora removido o seu pai, na qualidade de director de minas. Destinando-se ao commercio entrou Maximiliano aos 14 annos como aprendiz na livraria de Kichter em Zwickau e passou depois a servir na grande livraria de F. A. Brockhaus em Leipzig3. Max. Beschoren não nascera para o commercio e á medida que n'aquella livraria colossal, familiarisava-se com a litteratura, sentiu nascer o desejo de percorrer longínquas terras, não como simples touriste, mas como pontoneiro da sciencia. Mas antes de tudo era necessário preencher as lacunas em sua educação scientifica e por isto seguiu para Annaberg afim de cursar as aulas superiores do respectivo gymnasio. Tal era a sua applicação, tal o fervor e o talento com que se atirou aos commettimentos litterarios, que ainda alumno, já occupava lugar na imprensa scientifica. Depois de feitos os seus exames de preparatorios, seguiu para Dresden onde cursou com máximo proveito a escola polytechnica. Tirado o curso d'ella, frequentou ainda a Universidade de Halle e terminados os seus estudos deixou os amantes pais e a patria querida, afim de visitar a terra dos seus sonhos, este Brazil tão protegido pela natureza e ainda tão pouco explorado pela sciencia. Em 1868 embarcou Beschoren directamente para esta provincia, que escolhera para alvo de sua digressão scientifica (KOSERITZ in ANNUARIO, 1890, p. 143-146).

Henri Lange, no prefácio da obra Beiträge, acrescenta que o pai de

Beschoren era gerente de uma mineração em Zwickau. E que “Aos catorze anos

dedicou-se ao comércio de livros, porém sua inclinação pela leitura era maior do

que comercializá-los. Foi através da literatura que passou por suas mãos, que se

tornou um entusiasta pela investigação científica” (BESCHOREN, 1989, p. 7).

2 No prefácio de H. Lange na obra Beiträge, cita como cidade natal Sachsen, Província prussiana (BESCHOREN, 1989, p. 7). 3 Foi afamada editora, onde foi publicada a “melhor enciclopédia da língua alemã”, segundo Júlia S. Teixeira (BESCHOREN, 1989, p. 11).

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Nas suas crônicas que enviava para publicação em jornais na Alemanha e

no Deustche Zaitung de Porto Alegre, Beschoren memoriza as dificuldades dos

primeiros tempos no Brasil:

Vindo da Alemanha, cheguei a Porto Alegre, em 15 de fevereiro de 1869. Como a maioria dos jovens que viajam para um país estranho, cuja língua não entendem, onde tudo é desconhecido, também passei por uma difícil experiência. Somente em junho de 1871, consegui uma ocupação de meu agrado, relacionada com a agrimensura, na Colônia Santa Cruz (BESCHOREN, 1989, p. 14).

Veja-se que ele não menciona a estreia no magistério, talvez por não ser

do seu agrado? Pois Barreto afirma sua primeira colocação profissional foi como

professor, onde atuou por pouco tempo, pois “aceitou o convite para passar a

agrimensor em várias colônias alemãs” (BARRETO, 1975, p. 132). Novamente

Koseritz revela que contraiu núpcias no Mundo Novo, “com uma gentil filha do

meu honrado amigo Sr. Guilherme Koerndoerffer”; Barreto fala em Taquara-RS.

Mozart Pereira Soares informa sobre a descendência de Beschoren. Do seu

casamento com Isabel Koerndorffer nasceram um filho, que faleceu na infância e

mais 4 filhas. Do paradeiro de cada um, damos a palavra a Soares, lembrando

que datam de 1974:

Margarida, solteira, viveu em Cruz Alta; Melina, casada com Guilherme Blauth; Julia, casada com Hugo Schülz e a caçula Gabriela, casada com Álvaro Reis, Professora em Cruz Alta. Vive presentemente [1974] nesta última cidade, Otto Beschoren, neto adotivo de Maximiliano, criado por Gabriela, que o adotou após ter enviuvado sem filhos, quando ele tinha dois meses de idade. Cabe-lhe, assim, guardar o nome do ilustre engenheiro. (SOARES, 1974, p. 321).

Sobre a atividade profissional de Beschoren, lemos no citado necrológio:

Depois, mudou-se para Santa Cruz e ahi trabalhou como agrimensor, dedicando-se sempre a estudos de naturalista e fazendo desde então observações meteorológicas constantes e de verdadeiro valor scientifico. Já então collaborava activamente no jornal Deutsche Zeitung, então de minha redacção e até o dia de sua morte continuou a ser meu collaborador, escrevendo magnificas cartas de viagem, cheias de valiosas pesquizas scientificas (KOSERITZ in ANNUARIO, 1890, p. 143-146).

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Deste primeiro período temos um testemunho. Franz Reckziegel, em suas

memórias cita o engenheiro, quando se estabelecia em Linha Emília, município

de Venâncio Aires, em 1873. A impressão deixada por Beschoren no pioneiro é

favorável:

Cada um dos imigrantes adquiriu uma colônia por 600 Mil réis que deveriam ser pagos em cinco anos. Como não havia suficiente terra medida e demarcada, o nosso diretor Richter nos mandou o agrimensor Max Beschoren, um homem muito bom. Então aqueles que ainda não haviam recebido a sua colônia, tiveram que ajudar na medição. Por causa da medição e da constante chuva, somente muito tarde nos foi possível iniciar a derrubada do mato.4

Mas o sonho de aventura e novos voos falaram mais alto e Beschoren

tinha que se encontrar com o Alto Uruguai.

Embora me sentisse muito bem nessa Colônia [Santa Cruz], centro das colônias alemãs, havia dias em que o desejo de conhecer o interior da Grande Província, na Região Montanhosa, da Campanha, tornava-se cada vez mais intenso. Inesperadamente, no início do mês de setembro de 1874, surgiu uma oportunidade para a realização do meu desejo: uma colocação em levantamento topográficos, de vários concessionários de terras no Alto Uruguai, estabelecidos pelo Governo Central à algumas Companhias. O propósito exigido era o de seguir viagem imediatamente (BESCHOREN, 1989, p. 14).

Em 19 de setembro de 1874 recebe o Eng. Schmitt, a quem o governo

entregara a Direção Geral das Medições e que já trabalhava na Serra e ultimaram

os preparativo. Parte dia 21 com tropa de burros para o transporte em cangalhas

das bagagens. A comitiva era formada por Beschoren, Schmitt e seu amigo

Carlos Trein Filho (administrador da Colônia, que iria até a fronteira), um velho

caboclo “Juco”, seu filhinho Isidro, mais 4 companheiros alemães. As peripécias

da viagem ocupam páginas de seu Beiträge.

4 Traduzido do alemão por Wolfgang Collischonn – “Os austríacos do Vale do Sampaio”. O Informativo - Edição 8081.

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Figura 01: Passo Fundo – Rua do Comércio em 1882.

Fonte: Desenho de Maximiliano Beschoren que ilustra a capa da obra Beiträge e em sua tradução Impressões, em 1989.

Colocou-se em Passo Fundo, trabalhando alguns meses na zona sul do

município e no de Soledade. Em junho de 1875 fez viagem a Nonoai, onde teve

longos contatos com os indígenas Coroados, hoje chamados Kaingang, que

descreve seu modo de vida em suas crônicas. Reconheceu o Rio Uruguai no vale

do Goyo-En, lugar de passagem das tropas de mulas para a Província do Paraná.

Realizou medições, ao que parece no triângulo Nonoai-Rio Peperi-Guaçu e Rio

Chapecó (SC), que veremos mais adiante.

A distância de Passo Reiúno [Goio-En], até a foz do Rio Chapecó (Província do Paraná), onde há pouco se descobriu uma fonte de águas medicinais, importa em dez e meia léguas. Quando as águas estão no nível médio, podem ser percorridas num dia. Até a foz do Peperi-Guassu, o rio que estabelece o limite entre Corrientes e a Província do Paraná, é de trinta e sete e meia léguas. (...) Estende-se um sertão inóspito, num comprimento de trinta e cinco léguas até o “Salto de Mucunã” [hoje chamado de Salto do Iucumã]. (BESCHOREN, 1989, p. 48).

Em março de 1876 viajou para Campo Novo, ao que parece para ver a

zona de fronteira, onde o Governo podia fazer concessões de terras para

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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colonização e havia interessados. Mas estas motivações o engenheiro não

explicita em suas descrições, preferindo narrar acidentes geográficos e

acontecimentos históricos, talvez pra cair no gosto dos leitores.

A “Picada do Pari” é muito importante. Forma a fronteira leste do Alto Uruguai, dando concessão à colonização. A picada foi aberta por uma comissão, nos anos cinquenta, sob a ordem do governo, cujo objetivo era reconhecer até onde se formava a fronteira entre o rio Uruguai e Corrientes (Argentina) (BESCHOREN, 1989, p. 58).

Após demorar-se três meses em Campo Novo ruma para as Missões, até o

Passo de São Xavier, província de Missiones. Em junho de 1876 retorna a Santa

Cruz e Porto Alegre para descansar.

Porém, poucos meses depois, fui convidado pelo Engenheiro Schmitt para novamente ir até o Alto Uruguai, com a finalidade de acompanhar a “Comissão Russa”, que percorria, como representante de uma população emigrante de meio milhão de almas (alemães-russos do Volga), por conta do governo central, para nas Províncias do Sul, escolher terras apropriadas para seus conterrâneos. Aceitei com alegria o convite e assim eis-me novamente no “far oeste” [sic] (BESCHOREN, 1989, p. 66).

Em Cerro Pelado, atual Porto Xavier, faz excursões, “para que o Sr.

Müller e Meier (?) se familiarizassem com a região”. Vadearam o rio Uruguai e

chegaram a Corrientes, e visitam as ruinas jesuíticas de São Francisco Xavier.

Em janeiro de 1877 encontra-se pela quarta vez nas Missões, em Santo

Ângelo. Fascina-se com as monumentais ruínas. Atravessou o rio Juhi Guassú,

acima do Passo da Colônia. Chega a São Nicolau, São Luiz, São Lourenço, São

Miguel e São João. Em Santo Ângelo presenciou a festa do Divino Espírito

Santo, cuja cerimonia que inclui novenas, fogos, cavalhadas, bailes, descreve.

Beschoren se diz agnóstico:

O espírito de religiosidade e devoção, no meu entender não estão presentes nestas festas, que como “Festas populares” são bonitas e divertidas, mas como “Festas religiosas”, são um tanto mundanas. Contudo: “Cada terra com seu uso. Cada roca com seu fuso”. (...) Nós achamos tudo isso bem ridículo, consideramos uma idolatria. Porém o povo não pensa assim. É o “Espírito Santo” que entra em suas casas, trazendo sorte e prosperidade (BESCHOREN, 1989, p. 73).

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Percebe-se que o engenheiro tem dificuldade de compreender o sentido

religioso da população e rebaixa as manifestações como mero folclore. Mas

respeita e tolera o outro diferente.

Em meados de fevereiro de 1877 está na Vilinha da Palmeira,

acompanhado do eng. Schmitt, por dois meses. “Agora estou quase naturalizado

e desejo e espero ainda por muito tempo ser um morador provisório da região”

(BESCHOREN, 1989, p. 78). Acha que pode viver ali muito bem, não fosse a

competição partidária. Faz medições na margem esquerda do rio Inhacorá.

Descreve a seca e grande incêndio que devastou florestas, ervais, roças, até

Campo Novo.

Numa descrição do Rincão de Inhacorá, Beschoren revela para quem

trabalhava. “Apenas a menor parte desse afluente do rio Uruguai, cai na

concessão de Pereira & Duval. A projeção da linha de demarcação desses

terrenos em direção a leste passarão, aproximadamente, uma légua acima de sua

foz. (...) O Rincão é pouco habitado e pertence em grande parte à fazenda

Mont’Alvão, propriedade do Barão do Ibicuí (BESCHOREN, 1989, p. 81-82).

Permaneceu em Palmeira até outubro de 1880, e de janeiro de 1882 até

janeiro de 1884. Ai armou seu “Wigwan” (barraca, cabana), servindo de base

para determinar a altitude de uma série de pontos da região. Em excursão ao rio

Fortaleza, confirmando que não deságua no Rio Uruguai, como era confundido

com o Rio Pardo. Elogia a fertilidade de seu solo e a qualidade da erva-mate.

“No entanto, a população é pobre, pobre junto aos recursos que não se esgotam.

O município está muito distante dos grandes centros comerciais, isolado e

abandonado no longínquo noroeste da Província” (BESCHOREN, 1989, p. 87).

Em março de 1879 fez uma viagem de estudos pela selva até o rio Uruguai

para procurar um caminho que tornasse mais próximo com a Província do

Paraná. O Relatório minucioso dessa devassa encontra-se nesta obra. O Capítulo

VII de Beiträge é todo dedicado à “Viagem de pesquisa pela selva do Rio

Uruguai (Município de Palmeira)” (BESCHOREN, 1989, p. 97-114), com

variantes da versão reproduzida na obra de Evaristo Afonso de Castro. Outra

crônica de Beschoren ocupa-se de uma das três viagens de Palmeira até Santa

Cruz, em julho de 1877 (BESCHOREN, 1989, p. 89).

Tantas andanças deixaram Beschoren expert em viagens: “Mais de 2.000

léguas percorri até setembro de 1874, e 900 léguas até maio de 1876, só em

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viagens e excursões. Atravessei a Serra Geral dezesseis vezes, em sete pontos

diferentes, assim que trechos de 100 léguas não me preocupam mais. Não faço

grandes preparativos, estou pronto para a partida em 24 horas” (BESCHOREN,

1989, p. 11).

Outro périplo deu-se em fevereiro de 1883. Estando em Passo Fundo

recebeu um emissário de Santo Ângelo convidando-o para uma divisão de uma

grande fazenda no Passo de Garruchos no rio Uruguai. Na cidade fez as atas da

medição. Revisitou sete anos depois as ruínas das Missões. Lá chegando, o juiz

municipal resolveu adiar a medição. O engenheiro retorna em maio com um

acompanhante e o seu companheiro preto, “de muitos anos, o “Sexta-feira” – que

por mim foi alforriado, como recompensa pela sua lealdade e afeição”

(BESCHOREN, 1989, p. 121-122). Júlia S. Teixeira na publicação traduzida do

Beiträge informa:

O preto, por ele alforriado, recebeu o nome de Carlos Beschoren, e sempre o acompanhou pelas suas andanças. Mas Beschoren comprou o escravo numa feira onde deixou-se penalizar pelo negrote. (BESCHOREN, 1989, p. 122, nota rodapé.).

Percebe-se que nosso biografado não se revela um antiescravagista, mas o

fez na prática, mostrando sua capacidade de inculturar-se.

UM TRÁGICO FIM

Mas a vida lhe reservava momentos difíceis, que não menciona em seus

escritos. “Lutando contra a miséria, já com poucas medições, a vida ia-se lhe

tornando cada vez mais difícil. E são esses revezes financeiros que o levam a

uma profunda neurastenia e finalmente ao suicídio, em 1887”, (KOSERITZ in

ANNUARIO, 1890, p. 143-146), informa o citado biógrafo.

Mas em meio de todos estes trabalhos scientificos, que nada lhe rendiam e aos quaes dava entretanto o melhor do seu tempo e de sua intelligencia, corria-lhe difficillima a vida com uma já numerosa família. E' duro dizel-o, mas é real: Maximiliano Beschoren luctou constantemente contra a miséria e para reunir o grande material scientifico, que ahi jaz hoje desaproveitado, porque falta-lhes a mente, que devia construir com elle admirável obra, impôz-se innumeras privações a si e á sua familia. Recrudesceram as contrariedades nos últimos a n n o s : Os filhos cresciam e precisavam de educação, mas o trabalho diminuía; não havia quasi medições a fazer e em vão

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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esforçava-se Beschoren (e esforçavam-se os seus amigos) para obter algum emprego, que lhe desse os necessários meios de vida. Finalmente parecia ter conseguido o seu fim: o Sr. barão de Capanema, o empregara nos trabalhos da commissão de limites e, terminados elles, promettêra-lhe outro emprego. Mas a fatalidade desencadeara-se sobre a cabeça do meu infeliz amigo; não sei o que foi que tão profundamente desnorteou-o. Mas é certo que em um estado de sobreexcitação nervosa, que já o privara do uso da razão, pôz termo á sua existência, deixando em grande pobreza a família, que idolatrava e em abandono todo o grande material scientifico que reunira em 19 annos de não interrompido trabalho. Eis, pois, o homem que por uma verdadeira fatalidade foi roubado á sciencia e que com seu longo e acurado trabalho prestou tantos serviços á província. A revista do Dr. Umlauft publicou uma biographia do finado e estampou o seu trabalho, tecendo os mais merecidos elogios ao meu pobre amigo. A provincia perdeu n'elle um dos seus homens mais úteis e eu cumpro um dever prestando-lhe esta ultima homenagem (KOSERITZ in ANNUARIO, 1890, p. 143-146).

Doutra parte, o historiador palmeirense Mozart Pereira Soares em sua obra

Santo Antônio da Palmeira, reproduz a versão acima da morte de nosso

biografado:

Empobrecido, endividado e doente, caiu numa profunda melancolia que o levaria ao suicídio, em Palmeira, no fim do ano de 1887, aos 40 anos de idade. Na região se conhece, em sua memória, apenas uma rua em Nonoai (SOARES, 1974, p. 322).

E acrescenta um depoimento de um familiar, provavelmente em forma

escrita:

Uma versão familiar do suicídio de Beschoren, narrada por seu Neto adotivo: “Aproximava-se o inverno de 87. Os nevoeiros intensos da região do Alto Uruguai onde trabalhava, não lhe permitiam ultimar os trabalhos que havia contratado com o Barão de Capanema. Preferiu a morte à falta de cumprimento da palavra empenhada” (SOARES, 1974, p. 322).

Sílvio Marcus de Souza Correa chega a aventar certo mistério sobre a

morte de Beschoren, sem dizer de onde partem os indícios dessa versão:

Sobre sua morte, ainda pairam dúvidas. Devido ao seu serviço de agrimensura é muito provável que indígenas desconfiassem de um projeto colonizador em Nonoai, aliás, local de sua morte e de uma reserva indígena. A tensão era grande nessa região, e Beschoren fez referência em seu diário sobre inamistosos contatos com indígenas. (CORREA, 2005, p. 237).

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Pereira Soares, historiador palmeirense também menciona o parco espólio

deixado por Beschoren; e uma curiosidade:

Foi seu testamenteiro em Palmeira e tutor das filhas menores, Guilherme Fetter. Em seu inventário verifica-se o endividamento para com João Issler, de Passo Fundo. Os escassos bens deixados, estão quase todos comprometidos com essa dívida. Este documento (Arquivo público do Estado, Feito 180, maço n. 6, Estante 60) relaciona os livros deixados por Beschoren. Abrem a lista 30 volumes encadernados das “Obras completas do grande Poeta Alemão Goethe” (SOARES, 1974, p. 322).

Na edição brasileira de sua Beiträge, encontramos: Beschoren, com apenas

40 anos de idade, pôs termo a existência. Foi encontrado morto na barraca de

serviço, em Nonoai, no dia 22 de setembro de 1887, quando fazia a demarcação

do Triangulo, no trecho Nonoai, Peperi e Chapecó (BESCHOREN, 1989, 1ª

orelha).

Já o historiador eclesiástico Pe. Arlindo Rubert, em sua obra A Diocese de

Frederico Westphalen, muito utilizou do material deixado por Beschoren, do qual

tirou fotocópias no Arquivo Histórico e Geográfico Brasileiro no Rio de Janeiro.

Abre a primeira parte do livro com “um mapa inédito do abalizado agrimensor

alemão Maximiliano Beschoren, com as preciosas anotações que ele nos deixou

sobre a região de que nos ocuparemos” (RUBERT, 1972, p. 13). Situa a planta

anterior ao ano de 1887, “pois terminou as anotações em janeiro desse ano”.

Sobre a Nota Explicativa que acompanha o mapa, diz “que trai o espírito

pioneiro de seu autor, prendado de verdadeira capacidade profissional”.

(RUBERT, 1972, p. 13). E passa a citar o material preexistente que o engenheiro

lançou mão para a confecção do histórico mapa (que pode ser visto no texto desta

mesma publicação).

Interessante que Rubert, em nota de rodapé, traça um perfil biográfico de

Beschoren, “graças às informações cedidas, gentilmente, pelo amigo Dr.

Abeillard Barreto, em obra de sua autoria ainda inédita”. E ao final, opina:

O dia em que forem coligidos seus artigos, esparsos em periódicos do Brasil e da Europa, e aproveitadas as anotações de sua pesquisa científica, teremos excelente material histórico sobre as origens e situação geográfica de diversas regiões do nosso Estado. Mas teremos também substrato para melhor avaliar sua vigorosa personalidade (RUBERT, 1972, nota p. 13).

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Após reproduzir ipsis literis partes e mais partes dos estudos Beschoren,

Pe. Rubert conclui: “Impressiona lermos, após quase um século, uma descrição

tão bem feita sobre a região do Médio Alto Uruguai, cujo potencial econômico

foi previsto pelo ilustrado agrimensor. Hoje está plenamente confirmada sua

previsão das coisas, pois a região que ele descreve é uma das mais ricas e

produtivas de todo o Estado, galardoada pelo Criador com belíssima natureza,

com clima saudável e com elemento humano de excelentes qualidades”

(RUBERT, 1972, p. 22).

E finaliza dizendo “Pena que tão ilustre pioneiro tenha sido esquecido e

não haja iniciativa de lhe perpetuar o nome e o mérito!” E puxa a nota de rodapé:

Somos da opinião que Maximiliano Beschoren bem merece que seu nome figure em alguma rua de Palmeira, em alguma estrada do Alto Uruguai, em alguma escola... Têm a palavra as autoridades! (RUBERT, 1972, p. 23).

Mozart P. Soares cita esta passagem (ele que não trata diretamente da

presença da igreja católica na história da região): “Concordamos com ele. É

tempo de tirarmos este nome para Abeillard Barreto comparável ao de Saint

Hilaire, do injusto esquecimento” (SOARES, 1973, p. 320).

A descendente de Beschoren Júlia Schütz Teixeira procurou divulgar o

nome e a presença de seu antepassado. Em 1986, no 7º Simpósio da Imigração e

Colonização Alemã no Rio Grande do Sul, em São Leopoldo, apresentou

trabalho com traços biográficos e atividades do engenheiro, que foi publicado em

seus Anais (BESCHOREN, 1989, p. 12). É dela também a iniciativa de publicar

a tradução de Beiträge no seu centenário, em 1989, resgatando a versão original

no Instituto Ibero-Americano de Berlin, cuja biblioteca detém todas as

publicações de Max Beschoren. Colaboraram na tradução a professora Ernestine

Marie Bergamann e o Cônego Wiro Rauber.

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Figura 02: Capa do livro Impressões de

viagem na Província do Rio Grande do Sul,

organizado por Júlia S. Teixeira, em 1989.

Foto: Livro disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW

ATUAÇÃO PROFISSIONAL DE MAXIMILIANO BESCHOREN

Quanto à atuação como profissional e cientista na região do Alto Uruguai,

podemos dividir a ação de Beschoren em três momentos ou perspectivas

distintas, embora estivessem em tempos simultâneos: o estudioso da geofísica, o

propugnador da colonização do Alto Uruguai e o trabalho de divulgador da

região.

Contribuição à climatologia

Barreto frisa a presença de Beschoren pela sua colaboração ao surgimento

da climatologia no Rio Grande do Sul.

Ciência sempre descuidada, demandando observações constantes e metódicas, somente a perseverança de alguns particulares é que supriam de informações a incipiente climatologia, de que a Áustria era

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o paradigma na segunda metade do século XIX. Começam também no RGS, com os estrangeiros aí chegados, as observações meteorológicas. Além das escassas informações nos diários das duas demarcações de limites, quem primeiro concatena dados num período mais longo é Friedrich Sellow, que deixa um registro dos anos 1823-1827 recolhido ao “Museum für Naturheilkunde”, de Berlim. Depois, de 1831 a 1852, há a coletânea de Aimé Bonpland, dispersa em Paris e Buenos Aires. Mas é somente com Max Beschoren que começa uma pesquisa cientifica a respeito, servida já com instrumentação mais ou menos adequada. (BARRETO, 1975, p. 134).

Ainda o autor de Bibliografia Rio-grandense enaltece a figura de

Beschoren mostrando os seguidores de sua obra no estado gaúcho:

Antes mesmo do desaparecimento prematuro desse vulto singular, seu exemplo frutificara com as contribuições de Karsten, Draenert, Lange e Breintenbach, seguidos mais tarde por Minssen, Wetzel, Voss e outros mais e, principalmente, com a instituição da Inspetoria de Praticagem da Barra do Rio Grande, em 1877, que começa suas observações continuadas pela Comissão de Melhoramentos das Obras da Barra instalada em substituição àquela. O antigo Liceu Rio-Grandense de Agronomia, de Pelotas, passa também a elaborar seus quadros meteorológicos, acionado por Minssen, mas é sobretudo o Dr. Graciano de Azambuja – um dos maiores espíritos que já produziu o Rio Grande do Sul – quem dá ênfase e método à investigação climática, divulgando a partir de 1888, no “Anuário”, os elementos colhidos primeiramente no Rio Grande, depois em Pelotas, S. Francisco de Paula, Santa Cruz e Porto Alegre, o que resultaria na fundação do Instituto Coussirat de Araujo. (BARRETO, 1975, p. 134).

Pode parecer estranho a ação de uma sistemática coleta de dados, como

temperatura, chuvas, relevo, altitude, latitude... que exigia um esforço constante e

metódico. Mas, destes dados resultam as constatações que servem de base de

novas pesquisas, estudos de grande relevância para a sociedade.

João Lima Sant’Anna Neto, em seu estudo sobre a história da

climatologia5 no Brasil, analisa as primeiras obras que trataram do clima e do

tempo, lembra que entre os pioneiros nos estudos atmosféricos nessa época havia

5 Frederico Draenert, assim definiu o que constituiria o campo de estudo da climatologia: “Demonstrar como o período de um anno se revela nos phenomenos da vida sobre a terra, sob as formas do movimento e repouso, da evolução prodigiosa e do retrahimento acanhado, do nascimento e da morte; como az zonas de latitude se distinguem nas suas multiplas sub-divisões pela evolução peculiar das mesmas e de diversas formas de vida, constitue o assumpto da climatologia”. (DRAENERT, Frederico M. O clima do Brazil. Rio de Janeiro: Typographia Carlos Schmidt, 1896. 63 p., aqui p. 5, citado por SANT’ANNA, 2001, p. 9).

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uma complementariedade entre meteorologistas, politécnicos e geógrafos.6

Sant’Anna Neto (2001, p. 6) cita Ferraz:

No Brasil, as primeiras actividades meteorologicas, como seria de esperar, restringiram-se às observações climatológicas fundamentaes. Pequenas series aqui e acolá, sem grande uniformidade de methodos e de equipamentos, porém, conduzidas, algumas, com notável esmero e carinho. No último quartel do século passado e no começo do actual, apontam as primeiras organisações meteorológicas, sempre com o mesmo objectivo limitado da climatologia, cujas séries maiores já são manipuladas pelos grandes mestres estrangeiros, interessados nos estudos mundiaes”. E acrescenta em seguida “A não ser uma ou outra pesquisa especial conduzida no Observatório Astronômico do Castello, a cuja brilhante plêiade de scientistas muito deve a meteorologia brasileira, todas as atenções estavam viradas para a climatologia” (FERRAZ, 1934, p. 20 apud SANT’ANNA, 2001, p. 6).

No Quadro 3, constante de sua tese, Séries temporais de dados

meteorológicos conhecidos no Brasil nos Séculos XVIII e XIX, Sant’Anna Neto

(2001, p. 68) menciona a contribuição de Beschoren.

1869 - Rio Grande do Sul Max Beschoren Dados diários de temperatura

Coube a Graciano de Azambuja a dar a maior divulgação aos estudos

climáticos de Beschoren em solo gaúcho, através do seu Annuario da Provincia

do Rio Grande do Sul. No Annuario para o ano de 1885 escreveu “Elementos

para o estudo e determinação do clima no Rio Grande do Sul” (p. 218-230).7

Nele, emerge a figura de Beschoren como um pioneiro na climatologia. As ideias

estampadas nos ajudam a compreender o estado da arte daquela ciência.

Azambuja procura didaticamente explicar aos seus leitores as razões de inserir

listas de observações meteorológicas em seu Anuário:

Considero importantíssimo o conhecimento do clima de qualquer paiz ou região para aquelles que nelle habitam. Sem tal conhecimento é impossivel estudar com vantagem as suas necessidades agrícolas e hygienicas, os progressos possiveis na industria e na vitalidade ou torça da população. As culturas e as acclimatações dependem do clima. Os phenomenos athmosphericos ou climatericos determinam uma grande parte das condições vitaes em que se desenvolvem as plantas, os

6 SANT’ANNA NETO, João Lima. História da Climatologia no Brasil: gênese, paradigmas e a construção de uma Geografia do Clima. Tese de Livre-Docência. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2001. 7 Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul para o Anno de 1885 - Publicado sob a Direcção de Graciano A. De Azambuja. Porto Alegre: Editores: Gundlach Cia, Livreiros, 1884, p. 218-230.

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animaes e o homem. Si a physiologia, a pathologia e a psychologia rio-grandenses dependem por um lado da natureza do solo e dos antecedentes característicos das raças que o occupam, não, se pode negar que são, por outro lado, essencialmente influenciadas pela atmosfera que as cerca. Desde que a atmosphera fornece elementos necessários á vida não se deve fechar os olhos ao seu estudo a menos que se não queira desconhecer as condições em que se vive. A importância da meteorologia – a sciencia da atmosfera – é hoje geralmente reconhecida por todos os que estudam com um espirito verdadeiramente scientifico, porque, sem fallar em outras razões de utilidade practica, se generaliza cada vez mais a convicção de que a meteorologia é que poderá dizer a ultima palavra sobre muitos phenomenos e problemas physicos. (AZAMBUJA, 1884, p. 218-230).

A seguir, o autor lamenta o atraso em que se encontrava a meteorologia

em relação a outros países, pela falta de observações numerosas simultaneamente

feitas em muitos lugares diversos. “O Brazil quase nada tem feito em favor do

progresso da meteorologia. Nem ao menos tem procurado conhecer a sua

climatologia, os climas de suas varias zonas e províncias” (AZAMBUJA, 1884,

p. 219).

Lembra que quando em 1881 escreveu o Catalogo da Exposição

Brazileira-Allemã e se deparou com o memorial e quadros de observações

meteorológicas realizadas pelo Dr. H. Blumenau na colônia do mesmo nome, na

província de Santa Catarina, entendeu que “seria utilíssimo para atrair a

immigração estrangeira, a quem esse catalogo é também dedicado, dar uma idéa

ligeira, porém exacta, do clima do Rio Grande do Sul” (AZAMBUJA, 1884, p.

219).

Parcos, pois, eram os dados disponíveis que o diretor passou a publicar em

seu Annuario da Provincia: observações meteorológicas feitas na cidade do Rio

Grande no sextenio de 1877 a 1882 pelo serviço da Conservação do Porto da

mesma cidade sob a direção do engenheiro Dr. Lopo Netto, “e na villa do Passo

Fundo no anno decorrido de novembro de 1880 a outubro de 1881 pelo Sr.

Maximiliano Beschoren, cujo amor por estas couzas não pode ser assaz louvado”

(AZAMBUJA, 1884, 1890, p. 220).

Reproduzimos os três quadros das observações do Dr. Maximiliano

Beschoren, quando residente em Passo Fundo, do Annuario Azambuja. Os três

últimos referem-se á um ponto no centro da zona septentrional e são deduzidos

das observações diurnas de um só anno. Os últimos registram apenas a

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temperatura do ar, pressão atmosférica e aspectos do céu, com indicação dos dias

de chuva e de trovoadas.

Beschoren reclama dos poucos dados disponíveis para fazer uma descrição

climática da região, e repete Azambuja, ao dizer que “Ainda não temos no Brasil,

uma rede de estações meteorológicas organizadas e financiadas pelo governo,

que se estenda por todo o Império” (BESCHOREN, 1989, p. 179).

Refere-se ao Barão de Capanema, quando diretor do Serviço Telegráfico,

em 1874 mandou instalar equipamentos meteorológicos, no que resultou na

Província somente em uma estação em Porto Alegre.

Melhorou a situação quando a Comissão de Melhoramentos da Barra do

Rio Grande distribuiu os instrumentos mais imprescindíveis e coube a Beschoren

três que complementou o seu equipamento em sua estação: um pluviômetro, um

máximo e um mini-termômentro e um aneroide.

Mostra do profissionalismo de Beschoren nas suas pesquisas

meteorológicas encontramos neste trecho:

Quero acentuar que as pesquisas de temperatura realizada em Passo Fundo, São Luiz Gonzaga e Palmeira (1879-1887) foram feitas com um bom termômetro, completamente protegido contra a incidência direta ou indireta dos raios solares. Para a observação da pressão atmosférica empreguei um aneroide de Feiglstock, Viena (n. 50.806) regulado no Instituto Central em Viena. Em 1886, iniciei as observações com intervalos de 2 horas. (BESCHOREN, 1989, p. 181)

As figuras abaixo (03, 04 e 05) apresentam os quadros de Beschoren,

contendo suas observações meteorológicas, realizadas em Santo Antônio da

Palmeira, nos anos de 1879, 1880, 1881, 1886 e 1887.

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Figura 03: Quadro de observações meteorológicas de Beschoren, realizadas em Santo Antônio da

Palmeira (1879-1880; 1886-1887).

Fonte: Livro Beiträge e reproduzidas em Beschoren (1989, p. 185).

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Figura 04: Quadro de observações meteorológicas que compila informações do período de 1880, 1881,

1886 e 1887 (parte I).

Fonte: Livro Beiträge e reproduzidas em Beschoren (1989, p. 186).

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Figura 05: Quadro de observações meteorológicas que compila informações do período de 1880, 1881,

1886 e 1887 (parte II).

Fonte: Livro Beiträge e reproduzidas em Beschoren (1989, p. 187).

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No quadro 06, observamos os dados meteorológicos coletados por

Maximiliano Beschoren em Passo Fundo nos anos de 1880 e 1881.

Figura 06: Dados meteorológicos, de Passo Fundo, nos anos de 1880 e 1881

Fonte: Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul. (AZAMBUJA, 1884, p. 228).

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Figura 07: Quadros de observações de Beschoren, da temperatura em Passo Fundo, nos anos

1880 e 1881.

Fonte: Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul (AZAMBUJA, 1884, p. 229).

Figura 08: Quadros de observações meteorológicas de Beschoren, pressão atmosférica em

Passo Fundo, nos anos de 1880 e 1881.

Fonte: Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul. (AZAMBUJA, 1884, p. 230).

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Fica-nos evidente, pelas indicações de Azambuja, que a intenção

primordial de Beschoren na coleta de dados atmosféricos e climáticos era o de

fornecer subsídios, que permitissem a conclusão que o clima da região que

analisava apresentava boas condições para a fixação de colônias formadas por

alemães, portanto com um clima semelhante ao da Europa, que permitiria uma

fácil adaptação e assimilação da população transplantada.8 Queria provar e

convencer também que o meio físico do Alto Uruguai pesquisado era favorável

para a saúde pública, a salubridade. O que estava em jogo, no fundo, era a

questão da imigração e colonização, temas vitais e da ordem do dia do

engenheiro. O pensador alemão Friedrich Ratzel (1844-1904), o precursor desta

teoria do determinismo geográfico, dizia que o homem seria produto do meio, ou

seja, as condições naturais é que determinam a vida em sociedade. O homem

seria escravo do seu próprio espaço. Assim, não faltava quem apregoasse

preconceitos do “mal dos trópicos” e da natural “superioridade” do homem do

mundo temperado. Como observa Sant’Anna:

Afrânio Peixoto, médico carioca que sempre foi intransigente contra esta postura preconceituosa em relação aos trópicos. Em uma de suas obras, “Les Maladies Mentales dans les Climats Tropicaux”, publicada em 1905, em coautoria com Juliano Moreira, demonstrou a inexistência de qualquer dependência entre as variações meteorológicas e os números de casos de alienação e demência, como se afirmava na Europa e nos Estados Unidos, considerando os aspectos sazonais do clima do Rio de Janeiro. (SANT’ANNA, 2001, p. 12).

Como se vê pela citação na época, estava instalado um debate sobre o

“determinismo geográfico”, ou seja, a influência dos climas nas características

dos povos. Beschoren esforça-se para provar a excelência do clima e do relevo

do Alto Uruguai para a instalação de propriedades agrícolas e pecuárias.

8 À frente do Serviço de Meteorologia da Secretaria de Agricultura de São Paulo, Belfort de Mattos, em 1910, publicou uma polêmica nota “Em defesa do clima de São Paulo”, quando procurava, de forma bastante engajada com a política de imigração do governo estadual, demonstrar as vantagens do clima paulista para o estabelecimento de imigrantes europeus e para o desenvolvimento da agricultura. Neste artigo, comparava o clima de São Paulo com o de Palermo – na Itália – argumentando que as médias anuais da capital paulista oscilavam entre 17,5oC e 18oC e, por isso, configurava-se como um clima “quase” europeu (SANT’ANNA, 2001, p. 16).

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Propugnador da colonização

Outra faceta de Beschoren é uma pessoa decididamente interessada em

povoar regiões inóspitas que ele via como um Eldorado para quem se propusesse

a produzir, criar, desenvolver. E ainda Koseritz que nos lança luzes sobre um

desses empreendimentos:

Quando iniciou-se n'esta capital a mallograda empreza da colonisação das Missões (de José Innocencio Pereira, Duval & Comp.), seguiu Maximiliano Beschoren com a commissão d'engenheiros dirigida por meu amigo Dr. Gustavo Schmitt e desde então começou uma nova epocha de sua vida, fértil em grandes resultados para a sciencia. Maximiliano, ardente admirador d'aquella incomparável natureza é alma de poeta, apaixonou-se por essa região ainda desconhecida e tornou-se o seu melhor e mais habilitado explorador scientifico. Vivendo primeiro em Passo-Fundo e posteriormente na Palmeira, vivia das medições que fazia por conta de particulares, e empregava todo o resto do seu tempo em explorações scientificas, E’ assim que explorou todo o sertão do curso superior do Uruguay, tomando-se o seu melhor conhecedor (KOSERITZ, in AZAMBUJA, Annuário do ano de 1890).

Já se denota que tanto Beschoren, Koseritz, cientistas, intelectuais e outros

empresários, brasileiros e alemães, formavam um grupo de interessados na

colonização de regiões do Rio Grande do Sul ainda não povoadas (por não

índios) no final do século XIX. Importa aqui, pois, analisar quem formava este

grupo de empresários com foco em colonização de terras novas e qual era a sua

percepção quanto ao modelo de colônia proposto. Para tanto, na inexistência de

uma mais ampla exposição do que as rápidas passagens em que Beschoren se

refere ao tema (e que podemos ver nos seus escritos), recorremos ao pensamento

mais explícito de Koseritz, certos que havia uma comunhão de ideias, pois, como

veremos, obravam em conjunto.

Koseritz dava muita importância às questões sobre colonização, que

constituíam um tema de relevante dentro de suas atividades profissionais e seu

programa político.9 Vinculado à colonização estava a questão étnica, ou o

processo de integração do elemento teuto em solo brasileiro. Koseritz vai ocupar,

9 Valiosa fonte para conhecer o pensamento de Kosertitz sobre imiração e colonização sào os seus relatórios apresentados ao Presidente da Província quando ocupou o cargo de Agente Intérprete e de de Diretor Geral das Colônias Provinciais, entre 1867 e ..... WEIZENMANN, Tiago. “Sou, como sabem...” : Karl von Koseritz e a imprensa em Porto Alegre no século XIX (1864-1890). Tese (Doutorado) – PUCRS – Porto Alegre, 2015. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/2524/1/467187.pdf. >

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como colaborador e depois como redator, o Deutsche Zeitung e depois outros

jornais seus para defender suas ideias nesse aspecto. Para ele, o elemento alemão,

confiante em si mesmo, deveria fazer-se respeitar, como qualquer outro povo,

tornando-o capaz de representar o “vértice e a base da pirâmide social da

germanidade na província”. Afirmava que os “interesses do Brasil são hoje os

nossos, é nossa segunda, mas é dos nossos filhos a única pátria.”

(WEIZENMANN, 2015, p. 108). Essa postura lhe granjeou a confiança da

colônia germânica que o guindou a deputado da Assembleia Provincial (em

1883). Sua luta era a de dar cidadania aos estrangeiros aqui fixados, ou seja,

garantir-lhes não só o direito a seu modus vivendi (cultura) original, mas a

efetiva participação política.

Mesmo naturalizados, encontravam-se protegidos, mas sem direito. Era necessário, portanto, reinventar o papel dos imigrantes no Brasil, pela via da integração política. Nesse processo, como declarava o Deutsche Zeitung, os Brummer tiveram papel importante na tarefa de fortalecer o elemento alemão e atribuir-lhe mais inteligência, como se fazia ver, por exemplo, na presença de uma classe de agricultores mais instruídos. Pelo engajamento dito espontâneo no campo dos direitos e na imprensa livre, homens como Koseritz pleiteavam pela igualdade de direitos entre os brasileiros católicos e os imigrantes. (WEIZENMANN, 2015, p. 115).

O mesmo autor entende que Koseritz mantinha uma perspectiva histórica

para o processo, composta por três fases, das quais a última é a que estamos

analisando:

A primeira colonização havia sido concretizada pelo Império, com a criação dos núcleos coloniais existentes no 1º Distrito. A segunda, efetivava-se sob responsabilidade da província, o que deu origem a núcleos como o de Santa Cruz, Santo Ângelo, Nova Petrópolis e Monte Alverne. E havia uma terceira fase, cuja ação se dera por conta da iniciativa particular. Sendo assim, Koseritz valia-se de discursos inflamados para dar cabo a uma quarta etapa, que julgava que seria a mais propícia fase de colonização, concretizada pela utilização de capital estrangeiro para comprar terras e nelas fundar colônias [grifo nosso]. Ao olhar para todo o processo de colonização das décadas anteriores, compreendia que importantes entidades haviam contribuído para que a imigração alemã alcançasse os bons resultados que até a década de 1880 ela atingia. Lembrava-se de tempos difíceis para a colonização, quando propagandas contra o Brasil circulavam na Alemanha ou quando um decreto oficial prussiano restringia a emigração para o Brasil, em 1859. (WEIZENMANN, 2015, p. 147).

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Relevante nessa análise é ver a rede internacional e de diferentes grupos

(políticos, empresários, intelectuais) em que participava. Destaque à Sociedade

Central de Geografia Comercial de Berlim, responsável por criar o seu órgão

impresso, o Export, pelo qual se lançava uma forte divulgação do Brasil na

Europa, além de organizar exposições internacionais inter-brasileiras e alemães,

permitindo uma aproximação entre os dois países. Koseritz entendia que seu

trabalho de divulgação também antecipava esse mesmo rumo, fato que incluía o

trabalho que desenvolvia em seus próprios jornais (WEIZENMANN, 2015, p.

148).

Outra era a Deutscher Kolonialverein – Sociedade Colonial Alemã, que

paralelamente à Sociedade de Berlim, desenvolvera-se, chegando, conforme suas

palavras, ao número de mais de quinze mil sócios. Prossegue Koseritz:

[...] capitais de muitos milhões de Reichsmark e que tem a sua frente um dos mais considerados membros do Reichstag alemão e da casa alta do parlamento alemão, o príncipe de Hohenlohe Langenburg, esta associação, digo, entendeu que não bastava tratar diretamente das questões de colonização, que era também necessário promover de forma prática a colonização em terras estrangeiras, enviando então os seus emissários a visitar diferentes países. (WEIZENMANN, 2015, p. 149).

Interessante que a Sociedade Central de Imigração (criada em

28.11.1883), agregava entre seus objetivos que incluíam o debate sobre a

imigração europeia ao Brasil, a criação de representações provinciais da

sociedade, as condições dos colonos, a nomeação de representantes para cada

colônia, a elaboração de planos para criação de colônias em áreas devolutas. Em

5 de outubro de 1884 surge a Sociedade Central de Imigração de Porto Alegre,

passando a ter obrigações que passavam a priorizar as demandas imigratórias

provinciais, da qual também Koseritz passava a ter importante atuação.

Como se vê, Koseritz propagandeava em favor de uma colonização que

previsse uma participação de capitais estrangeiros, o que, certamente, fez com

que a Sociedade Colonial viesse a investir em uma colônia, também com

indicações de Hermann von Ihering.10

10 Koseritz, segundo Weizenmann, citava Hermann von Ihering como amigo, um ilustre naturalista, que há tempos já vivia no Rio Grande do Sul, e que publicou na Europa uma importante obra sobre esta mesma província.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Em 1885, inicia-se a colonização da colônia Provincial de São Feliciano,

adquirida pela Sociedade Hermann, ligada à Sociedade Colonial de Berlim, e da

qual Koseritz era representante no Rio Grande do Sul, onde esperava que ela

tornar-se-ia uma região produtiva. Contudo surgem na imprensa de língua alemã

em Porto Alegre e na Alemanha fortes oposições condenando o empreendimento.

E o projeto fracassou.

Evaristo Affonso de Castro11, em 1887, foi outro grande propagandista da

colonização da região missioneira. Em sua Noticia descritiva da região

missioneira coloca suas esperanças nas ramificações que o projeto incluía:

Temos fundadas esperanças de que a colonização do Uruguai se realizará num futuro próximo; porque a Sociedade de Geografia Comercial de Berlim tem tomado interesse em que a ideia se traduza num fato. O incansável propugnador de nossos interesses e progresso, o Sr. Carlos von Koseritz, não se descuida um só momento de ativar os meios de que podem trazer-nos os melhoramentos materiais e intelectuais, e em Berlim, onde atualmente se acha, impulsiona e procura conseguir os meios para que a colonização 153 alemã se estenda pelas margens do Uruguai e muito tem já conseguido para este fim. (CASTRO, 1887, p. 299).

Ele mesmo empreendeu no ramo comercial de colonização.

Estabeleceu em Cruz Alta um comércio de venda, especialmente a partir da a erva-mate. Com a ajuda do irmão, fez o negócio crescer e espalhar credibilidade por toda a região, possibilitando também o início de seus investimentos no ramo das empresas de colonização das terras devolutas da região. Desta forma, fundou a empresa colonizadora Castro e Silva LTDA, em sociedade com Francisco Claro da Silva e adquiriu uma colônia de terras localizada na divisa dos municípios de Cruz Alta e Passo Fundo. Para a ocupação de tal colônia, divulgou os lotes aos colonos vindos das colônias velhas. A ação de colonização ora descrita, não tem apenas relação com sua vida econômica de próspero investidor, mas se complementa com as características políticas que fazem parte de sua trajetória. (STREIT, 2011, p.4).

11 Evaristo de Afonso Castro era promotor público no município de Cruz Alta. Publicou nas duas últimas décadas do século XIX: Notícia descritiva na região missioneira, Gigante missioneiro, 3 ed. Cruz Alta: Serrana, 1951, História de um crime emocionante (descreve o assassinato de Otto Kliemann, acontecido na colônia Saldanha Marinho) e Histórico do Club Literário Aurora da Serra, Typografia do Commercial de Cruz Alta, 1887. Nasceu na Freguesia de Santa Maria de Âncora, Distrito de Braga, Província de Minho, litoral de Portugal, em 17.10.1852. Com 12 anos chega ao porto de Rio Grande, onde tratou de seus estudos num internato de uma ordem religiosa católica nesta mesma cidade durante alguns anos. Em 1884, casou com Veridiana da Silva Prado, na cidade de Cruz Alta, deixando quatro filhos; faleceu em 21.09.1910, na colônia Saldanha Marinho. Em Cruz Alta, Evaristo, juntamente com um grupo de apoio, funda, em 1882, o Clube Literário Aurora da Serra (ROCHA, 1980, p. 30). Participou na Revoluçào de 1893 ao lado das forças.

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Figura 09: Mapa constante da obra de Evaristo Affonso de Castro Notícia descritiva da região missioneira.

Fonte: O Mergulho no Seculum: exploração, conquista e organização espacial. Por Artur Henrique Franco Barcelos. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=nqgYAgAAQBAJ&printsec=frontcover&dq=inauthor:%22Artur+Henrique+Franco+Barcelos%22&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiR-9OxsejLAhUCDJAKHYvBBJMQ6AEIHTAA#v=onepage&q&f=false.

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Figura 10: Mapa de los yerbales de las reducciones orientales, possivelmente elaborado pelo padre Joseph Tolu, no final do séc. XVII.

Fonte: O Mergulho no Seculum: exploração, conquista e organização espacial. Por Artur Henrique Franco Barcelos. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=nqgYAgAAQBAJ&printsec=frontcover&dq=inauthor:%22Artur+Henrique+Franco+Barcelos%22&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiR-9OxsejLAhUCDJAKHYvBBJMQ6AEIHTAA#v=onepage&q&f=false.

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No modelo de colonização particular implementado no final do império e

inícios da república, podemos identificar grupos com funções distintas. Um braço

era o econômico, que alocava recursos financeiros para o empreendimento,

estrangeiros e/ou nacionais, quase sempre em vistas de lucros. Encontramos, em

tempos mais remotos, Blumenau, a Sociedade Herman von Ihering, José

Innocencio Pereira, Duval & Comp., Herman Mayer12 (Panambi, Xingu e Erval

Seco), Luce Rosa & Cia. (região de Erechim)... Houve vezes que a gleba foi

adquirida por indenização por parte do governo, como Antônio Teixeira do

Amaral (área na foz do Rio Fortaleza no rio Guarita). Outros empreendimentos

foram patrocinados por Associações criadas para o fim de colonização, como foi

a Wolksfarrein, que colonizou Cerro Azul e Porto Novo, hoje Itapiranga-SC.

Temos outo modelo na Companhia Jewish Colonization Association, bancado

com dinheiro do banqueiro judeu Barão Hirsch, com sede na Inglaterra,

organizou-se para promover a imigração de hebreus de vários pontos da Europa e

Ásia para diferentes regiões da América. Fundou a Colônia Philipson em Santa

Maria e Fazenda Quatro Irmãos (1909), próximo a Erexim. Há quem quer ver

uma motivação humanitária neste empreendimento.

A gleba da Colônia Xingu foi a primeira aquisição que Meyer fez no

Estado, através de seu agente Carlos Dhein, sediado em Cruz Alta. O nome

Xingu deve-se foi dada por este em homenagem a lembrança à região do Mato

Grosso, para onde fizera três expedições. A compra se efetivou em novembro de

1897, sendo vendedora a viúva Maria Rita do Espírito Santo. A carta em que

Dhein noticia seu chefe da aquisição nos é reveladora:

(...) de Palmeira fui seguindo a estrada que vai para o Paraná, nas margens do rio da Várzea, ali onde foi planejada para passar a estrada de ferro. (...) Ali comprei uma posse de uma senhora por 15.500 mil

12 Herrmann Meyer nasceu em 1871 em Hidburghausen, Alemanha. Seu avô fundara na cidade Gotha um periódico que evoluiu no Instituto Bibliográfico, onde destaca-se uma enciclopédia de projeção universal. Além do tino comercial, Herrmann detinha pendor a pesquisas sobre povos aborígenes primitivos. Daí sua vinda ao Brasil em 1896, passando por Porto Alegre, seguindo para Pinhal (próximo a Santa Maria) para contratar Carlos Dhein para seu capataz em sua planejada expedição às cabeceiras do Rio Xingu, com o objetivo de pesquisas geológicas, botânicas, zoológicas e etnográficas. Neste encontro nasceu o plano de montarem um empresa colonizadora no sul do Brasil. Esteve visitando suas posses em Panambi em 1898 e 1900. Interessante anotar que Meyer em 1900 rescindiu o contrato da Sociedade de Capital e Indústria que fizera em 1898 com Dhein. O prof. Lietzig – profundo conhecedor do assunto e responsável pelo arquivo histórico do município de Panambi - nos confidenciou que a motivação teria sido o mau gerenciamento do dinheiro por Dhein, o que o levou a apossar-se da casa da empresa na Colônia Xingu.

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réis. (...) A escritura dessas Terras foi feita em seu nome. A área é de 18.182.812 m2. Conforme os preços das terras praticados por aí, a área comprada parece cara. Mas é que não podia esperar mais. Minha casa já está sendo assediada de interessados compradores. Se eu começar a vender os lotes coloniais, já haverá retorno do dinheiro. Prometi vender as primeiras colônias por 700 mil réis. E quando tiver vendido de 10 a 15 colônias, pretendo aumentar o preço para 1.000 mil réis, subindo depois gradativamente. (...) Pretendo mandar dividir as terras em lotes de 48 hectares. Vai dar umas 40 colônias. Em volta dessa área ainda existem terras particulares e para alguns já fiz proposta de compara. Mas aquela gente ainda não quer vender à primeira vista. Mas eu agora tenho tempo. Posso pressioná-los, tomar chimarrão com eles e fazer propostas. (...) Por enquanto nem vou divulgar tanto, até que eu disponha de algumas centenas de colônias. (...) Investi meu dinheiro todo em animais: mulas, cavalos e outras coisas necessárias para tocas os nossos negócios. Pretendo reaver esse dinheiro e comprar terras.13

Estas linhas são suficientes para evidenciar que as transações de terras

tinham um objetivo precipuamente financeiro. Ou teria alguma filantropia? Ou

um patriotismo germânico? Ou, ainda, um misticismo ou espírito exótico? Pois,

se sabe, que ambos os empresários tinham um gosto acentuado por coisas

“exóticas”. Na mesma carta em parte transcrita, Dhein, informa Meyer que

depois da próxima viagem mandaria notícias dos “índios coroados” – Kaingáng –

seus vizinhos na Colônia em fundação. Da mesma forma, informa que estava

encaminhando um texto de seu diário na expedição ao Xingu – MT. Seria

publicado no Almanaque Kozeritz (novamente este nome!)14.

No que se refere à Colônia Xingu, importa dizer que seu desenvolvimento

foi um tanto moroso e sem muita expressão, talvez porque em fins de 1897 e

começo de 1898, Carlos Dhein ainda sonhava com núcleos de colonização na

costa do Uruguai e, também porque a partir deste ano os parceiros viriam a

concentrar sua atenção na área da futura Neu-Wuerttemberg – Panambi. Cabe

recordar, igualmente, que Dhein se equivoca ao achar que a estrada de ferro fosse

passar próxima à sua gleba.

Outro ramo era o político, cuja função era levar os interesses de

colonização até os agentes públicos e convencê-los dos benefícios da empreitada.

Agiam também após o povoamento, demandando verbas para a viabilidade e

13 Carta de 17.11.1897, de Cruz Alta para Dr. Herrmann Meyer. Anais do Arquivo Histórico. Nº 152, tradução de Eugen Leitzke – diretor do Museu Municipal de Panambi, onde se encontra farta documentação derivada do Escritório de Meyer. A série de cartas em questão são muito elucidativas para entender os reais interesses em jogo nestas negociatas de terras. 14 Trata-se do Koseritz Deutscher Volskalender, de Porto Alegre, o histórico foi publicado na edição de 1898. Leitzke traduziu-o e publicou em periódico de Panambi.

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desenvolvimento da obra colonizadora, como estradas, escolas. Atuavam nas três

esferas, como deputados ou vereadores. Koseritz é o tipo clássico; Haensel,

deputado provincial. Temos na Câmara Municipal de Cruz Alta Antônio Pinheiro

Machado e Hemetério Velloso da Silveira15; em Palmeira das Missões o Cônego

Teodósio de Almeida Leme. As associações com fins de colonização podem ser

colocadas nesse grupo, pois detinham poder “intelectual” e material de intervir a

favor dos projetos16. Caso da Sociedade Central de Imigração, acima citada.

O terceiro braço era formado pelos publicitários da causa, os que faziam a

função de divulgação e propaganda da colonização, procurando mostrar as

vantagens da aquisição de lotes. Através de pesquisas de campo queriam

demonstrar a excelência do solo e clima para determinadas culturas e de fácil

adaptação para a população transposta, caso típico de Maximiliano Beschoren.

Outros produziam peças de convite, diríamos hoje marqueteiros. Homens de

imprensa e de academias. Aqui encontramos Koseritz que usava o Deutsche

Zeitung e depois seu Koseritz Deutscher Volskalender de Porto Alegre. Faziam

ligações com divulgadores da causa na Europa, como Avè Lallement17. Também

Azambuja com seu Annuario da Provincia do RS e Evaristo Affonso de Castro.

Uma ação prática e relevante de Koseritz e companheiros pró-imigração

de alemães, foi a criação da Sociedade Central de Imigração – Centralverein für

Einwanderung -, em 1883, junto com Herrmann Blumenau e Hugo Gruber. Era

composta, de forma geral, por líderes da sociedade cujas ideias gozavam de

grande notoriedade nos círculos políticos e intelectuais do século XIX. Seus

15 Hemetério José Velloso da Silveira por muitos anos ocupou o posto de vereador e presidente da Câmara do município de Cruz Alta. (SILVEIRA, 1909, p. 326). 16 Por exemplo, temos uma “pretensão da Companhia Hamburg Sudamerikanisch Dampfchiffahrts Gesellchaft e da Associação Colonisadora Hamburgueza de 1849 [1894, cremos], requerendo, por seu representante Arnold von Zanthier, terras no Alto Uruguai, a fim de colonizar, sem ônus para o Estado. Respondeu, em junho de 1896, que faria a concessão, porém, não no Alto Uruguai, mas à margem do Rio Pelotas” conforme consta no Relatório dos Negócios das Obras Públicas, de 1896 (BESCHOREN, 1989). Diz ainda, que em 1860 uma Comissão Russa, após percorrer as três províncias do Sul do Império, disse no seu Relatório ao ministro da Agricultura: “O território melhor para nós, tanto pelo clima, como pela uberdade das terras, é na província do Rio Grande do Sul, na região entre os rios Piratini e Nhacorá” (BESCHOREN, 1989). - Fala, outrossim, de um tal de Sr Sellin, como um interessado pela colonização da mesma região (BESCHOREN, 1989). 17 Evaristo Afonso de Castro, refere-se a Roberto Avè Lallemant, que escreveu em 1874 a Kozeritz, de que o governo brasileiro devia reaver toda a região do Alto Uruguai e fundar estabelecimento coloniais ... (CASTRO, 1887, p. 343). Também em uma conferência feita a 11 de dezembro de 1878, na Sociedade Central de Geografia em Berlim, “que o governo devia tratar de reaver todo o distrito da margem do Uruguai, fundando assim o seu projeto de colonização” (CASTRO, 1887, p. 344).

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membros reivindicavam ser uma nova força na vida brasileira: “um grupo de

classe média consciente de seus interesses próprios e donos de uma crítica

coerente e cabal da sociedade tradicional brasileira”.18 No dia 5 de outubro de

1883 os três líderes citados publicaram um manifesto às classes dirigentes do

país nos seguintes termos:

A crise de desemprego que atinge o país, convence-nos de que é chegada a hora de dar primazia de atendimento à pequena propriedade em detrimento do latifúndio. Só pela pequena propriedade se consegue extrair da terra toda a sua riqueza. Somos forçados a olhar para a América do Norte que, em situação idêntica, chamou para seu território grandes massas de imigrantes, pois lá imperava a convicção de que só com elas seria possível levar o país ao desenvolvimento, o que realmente aconteceu. O mesmo programa poderá ser executado no Império, desde que sejam removidos alguns obstáculos que ora impedem sua concretização, quais sejam, os entraves para a grande naturalização, para o casamento civil, para a igualdade civil e a regularização dos direitos eleitorais dos naturalizados. A iniciativa privada deve intervir na imigração de europeus, notadamente na capital do Império, e a colaboração dos jornalistas, capitalistas, deputados e estatísticos é indispensável. (Koseritz Deutsche Zeitung, 8/11/1883. Tradução de Steyer. Cf. STEYER, Aspirações da população de origem alemã..., op. cit., p. 23-24. apud WESNMMAN, 2015, p. 129).

Koseritz argumentava que seria inevitável a subdivisão das grandes

propriedades de terras, diante do que denominava como transição inerente à

substituição natural da indústria pastoril pela agrícola, época de transição

necessária, infalível, pela qual haviam passado todos os povos, fazendo vingar a

pequena propriedade rural. Seria o trabalho do lavrador responsável por “encher

de ouro o erário público, é ele que fornece os alimentos a todos, é ele ainda, [...],

quem levanta o nosso comércio e dá-lhe vida e existência”.

Weizenmann faz ver que Koseritz na sua luta a favor da imigração e

colonização e defesa das demandas das colônias enfrentava acirrado debate com

deputados que pensavam diferente e/ou tinham uma pauta para outras

representações (WEIZENMANN, 2015, p.154). Enquanto o político defensor das

comunidades teuto-brasileiras acusava a “segregação destes núcleos pela

ignorância absoluta do idioma do país”, outros alegavam que seus projetos

tinham por resultado sobrecarregar as forças orçamentárias da província.

18 Hall citado por WEIZENMANN. HALL, Michael M. Reformadores de classe média no Império brasileiro: a Sociedade Central de imigração. Revista de História, São Paulo, n. 175, p. 147-171, 1976, p. 153.

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Estabelece-se, pois, uma polarização étnica na assembleia, colonialistas X

nativistas ou entre teuto-brasileiros e luso-brasileiros:

Assim, encontramos presente no debate que se fez entre José Bernardino da Cunha Bittencourt, Koseritz, Haensel e outros deputados, em sessão do dia 25 de abril de 1884, iniciada a respeito do pronunciamento em favor da petição enviada por Bittencourt em benefícios aos habitantes de Passo Fundo, observando que parte da província ocupada por “brasileiros”, especialmente localizados na Serra, era mal servida de vias de comunicação. O contrário, segundo ele, podia ser observado nas colônias alemãs, onde os governos imperial e provincial demandavam maior atenção. (Conforme Anais da Assembleia da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, 1884, p. 117, in WEIZENMANN, 2015, p. 119).

Bittencourt levantou outros problemas que reivindicava serem resolvidos

pelo governo da província: falta de instrução, bem como a recusa por parte dos

colonos alemães, em falar a língua vernácula ou ainda pela defesa da pronta

naturalização, no momento da chegada do imigrante, para que fosse, de fato, um

brasileiro.

Quanto à fixação de colônias na parte extrema do Norte do Estado,

Koseritz se posicionava contrário e inviáveis, pelo menos naquele momento, o

ano de 1867. Em seu Relatório deste ano, ao Presidente da Província, na

condição de Agente Intérprete da Colonização e Diretor Central das Colônias da

Província do Rio Grande do Sul, coloca sua opinião:

Outras 2 colônias, creadas pela Lei n. 407 de 19 de Novembro de 1859, na Serra de S. Francisco de Assis e nas margens do Uruguay, ainda não forão levadas à efeito, e talvez não o sejão tão cedo, pela razão muito justa das extremas dificuldades de communicação, que encontrarão os colonos n’esssas matas virgens do Alto Uruguai; enquanto tivermos terras disponíveis em lugares menos afastados dos centros commerciaes, será uma injustiça colocar-se colonos em aquellas alturas (KOSERITZ, 1867, p. 14).

O pragmatismo de Koseritz, como se vê, contrastava com o idealismo e

voluntarismo de Beschoren, como veremos.

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Figura 11: Carl von Koseritz.

Fonte: WEIZENMANN, 2015, p. 9.

Uma tentativa de colonização malograda

Nesta parte vamos analisar uma tentativa de colonização no Alto Uruguai

que malgrado não tenha saído do papel nos permite verificarmos como se

processaria o empreendimento de povoação. Em texto de Beschoren publicado na

Alemanha em 1880, referido por Barreto (1975), com o título Das Waldgebiet

des oberen Rio Uruguy in der brasilianischen Provinz São Pedro do Rio Grande

do Sul. Von Max Beschoren. (Mit einer Karte und Profil, Taf. IV), in “Zeitschrift

der Gessellschaft für Erkunde zu Berlin”. 1880, Bd. 15, p. 195-210, Tf. IV,

traduzido e editado no livro de Evaristo Affonso de Castro, encontramos essa

passagem que fala do empreendimento em que esteve envolvido e que não

frutificou.

Já duas vezes tentou-se a colonização dos terrenos do Uruguay. Em 1850, foram medidos e demarcados na barra do Ijuhy-Grande diversos prazos coloniais, porem nunca foram povoados, não só por haver n’aquella epocha, na Serra-Geral, lugar para milhares de colonos, como pela má direção dada ao serviço.

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Há annos foi concedida a sociedade Pereira & Cª., 100 leguas de terras para o estabelecimento de colônias, á esta sociedade pertenciam influencias alemãs, porem nada fizeram. Intrigas politicas fizeram abortar este grandioso projecto, porque mais tarde o governo decidio que eram 4 e não cem léguas, a concessão feita, e a sociedade abandonou seu projecto protelando-se desta forma por muitos annos a colonização do Uruguay. (CASTRO, 1887, p. 356).

Koseritz também faz alusão ao malfadado projeto, do qual deve ter

tomado parte. Necrológio de Beschoren afirma:

Quando iniciou-se n'esta capital a mallograda empreza da colonisação das Missões (de José Innocencio Pereira, Duval & Comp.), seguiu Maximiliano Beschoren com a commissão d'engenheiros dirigida por meu amigo Dr. Gustavo Schmitt e desde então começou uma nova epocha de sua vida, fértil em grandes resultados para a sciencia. Maximiliano, ardente admirador d'aquella incomparável natureza é alma de poeta, apaixonou-se por essa região ainda desconhecida e tornou-se o seu melhor e mais habilitado explorador scientifico. Vivendo primeiro em Passo-Fundo e posteriormente na Palmeira, vivia das medições que fazia por conta de particulares, e empregava todo o resto do seu tempo em explorações scientificas, E’ assim que explorou todo o sertão do curso superior do Uruguay, tomando-se o seu melhor conhecedor (KOSERITZ in Annuario 1890, p. 143-144).

As informações que nos chegam sobre a tentativa de implantar uma

colonização no Alto Uruguai em 1874 nos chegam do Jornal A Nação, da capital

do Império, na seção Parlamento - Câmara dos deputados, sob o título

“Concessão de Terras no Alto-Uruguay”. A razão da matéria foi uma celeuma

surgida quando Silveira Martins fez “grave censura ao honrado ex-ministro da

agricultura por ter autorizado a concessão de 10 léguas em quadro de terras

devolutas na fronteira do Alto-Uruguay”, ao passo que asseguram ser apenas 4. E

o periódico, para provar, publicou a íntegra do aviso de 19 de fevereiro de 1874,

no qual, é “autorisada a concessão de terras gratuitas no Alto Uruguay a vários

cidadãos que o haviam requerido, se estabelecera não excederem as conceções a

que fora dada à Ed. Serwank por aviso de 3 de dezembro 1873 e esta limitara-se

a 4 legoas quadradas” (Jornal A Nação, 1875, p. 2) .

O assunto ganha a imprensa rio-grandense, e enquanto o jornal A

Reforma, de Porto Alegre,

fundava-se no aviso por nós publicado para censurar o honrado ex-administrador do Rio-Grande do Sul por haver concedido 10 e não 4 léguas em quadro a José Innocencio Pereira e Friderico Duval, o Rio-Grandense, ponderando com razão que não somos governo,

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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argumentou para defender o acto da administração com os termos do aviso existente na secretaria do governo. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2).

No discurso do ex-ministro da agricultura e conselheiro Costa Pereira,

prestado no parlamento e transcrito no jornal lemos:

Tendo alguns cidadãos residentes nessa provincia requerido, em fins de 1873, ao governo imperial, terras devolutas nas fronteiras do Alto Uruguay, de conformidade com a 2ª parte do art. 1º da lei de 18 de setembro de 1850, e art. 85 do regulamento de 30 de janeiro de 1854, para nellas estabelecerem immigrantes, expedi aviso á presidencia da mesma provincia, em data de 19 de fevereiro do anno passado, autorisando a conceder as terras requeridas aquelles de entre os peticionários que quizessem effectivamente colonisal-as, contanto que fossem observadas as condições constantes do aviso do 13 de dezembro 1873, que deferira a Eduardo Serwank, proponente a igual empreza no município de Taquary e a que as conceções não excedessem as que foram feita ao mesmo Serwbank. Eis aqui os termos do aviso, que aliás o nobre deputado pelo Rio Grande do Sul acabou de ler. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2).

E transcreve o aviso:

Directoria central. — Ministério dos negócios da agricultura, commercio e obras publicas, 19 de fevereiro de 1874. —Illm. e Exm. Sr. Attendendo ao que me requereram José Innocencio Pereira, Frederico Duval, José Felizardo & C., José Ladisláo de Barros Figueiredo e a Francisco Pereira da Silva Lisboa, para que lhes sejam concedidas terras gratuitas nessa provincia, afim de colonisal-as, resolveu o governo imperial, á vista das informações prestadas por V. Ex. em oficio de 27 de setembro e 28 de outubro ultimo, a autorisa-lo a conceder aquelles dentre os supplicantes, que queiram effectivamente promover a colonisação Das terras requeridas, sendo observadas as condições expressas no aviso de 3 de dezembro findo, sob n. 14, em relação a Eduardo Serwank, do que tudo se lavrará termo com as formalidades legaes; não excedendo as concessões á que foi feita ao mesmo Serwank. - Deus guarde V. Ex. etc. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2).

Segue dizendo que houve um engano no aviso: “foi expedido em vez das

palavras: não excedendo as concessões à que foi feita a Eduardo Serwank, as

seguintes: não excedendo as condições à que foi feita ao dito Serwank”. E cita o

aviso para provar que se trata de 4 léguas quadradas.

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Reproduzimos a seguir o aviso enviado ao Presidente da Província, onde

encontramos as condições e os detalhes da concessão das terras e o projeto de

colonização:

Aviso ao presidente da província do Rio-Grande do Sul. - N. 14 - Em 3 de dezembro de 1873. Illm. Exm. Sr. Attendendo ao que requereu Eduardo Servank, resolveu o governo imperial que o preço das terras sitas no município do Taquary, a que se refere a informação contida em officio dessa presidência, de 29 de novembro do anno passado, seja pago pelo mencionado Serwank na razão de meio real por braça quadrada e o prazo de 5 annos, observadas, porém, as seguidas condições, do que tudo se lavrará termo com as formalidades legaes. I. - Serão as ditas terras colonisadas pelo comprador dividindo-as em lotes de 387,200 metros quadrados e vendendo-o medidos e demarcadas esses lotes, com casa provisoria, immigrantes morigerados e laboriosos, por preço nunca excedente a seis réis por braça quadrada, comprehendidas as despezas da demarcação e preparo dos mesmos lotes. II.- Obriga-se o concessionário a importar, no periodo de 5 annos, 200 familias de nacionalidade belga, agricultores, podendo ser 10 % do numero total de profissões diversas que entendam com as necessidades da lavoura. III.- No transporte dos immigrantes serão observadas as disposições do decreto n. 2,168 de 1 de maio de 1858, sob pena de não se contar a expedição em que forem transgredidas. IV - A procedência, idoneidade e a nacionalidade dos immigrantes, serão justificadas por documentos passados pelas autoridades civis dos logares de sua residência, autenticadas pelo respectivo tabellião, reconhecidos pelo agente consular brasileiro ahi residente e ratificados pelo agente do governo nos portos da província do Rio Grande do Sul, onde desembarcarem. V - Antes de embarcarem, os immigrantes assignarão perante o agente consular brasileiro, e na sua falta perante a autoridade local, declararão em duplicata de terem conhecimento das condições dos contratos que celebrarem com o concessionario para a sua importação no Império, com cláusula expressa de não virem por conta do governo imperial, do qual em tempo algum e sob qualquer pretexto, nada poderão reclamar além da protecção que as leis garantem aos estrangeiros laboriosos e morigerados. VI - Os contractos que o concessionario celebrar com os immigrantes serão authenticados por tabelião ou notario publico, e reconhecidos pelo cônsul ou agente consular brasileiro na localidade do contrato. Este agente representará ao governo quando os referidos contratos comprehenderem cláusulas onerosas ao Estado ou contrarias aos interesses geruos da colonização ou immigração, e o governo resolverá si deverão ou não ser modificadas depois de ouvido o concessionário. VII - Pela dívida que o immigrante contrahir, proveniente da compra do prazo colonial e dos adiantamentos que lhe forem feitos para passagem, transporte de bagagem e sustento, quer durante a viagem quer depois de seu estabelecimento, não poderá o conceccionário exigir juros nos dous primeiros anos, nem findo esse prazo, cobrar mais do que 6% anualmente, nem reclamar o seu embolso antes de 5 annos anos, contados da data do estabelecimento do immigrante.

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VIII.- No prazo declarado o concessionário deve construir á sua custa, no logar que fôr designado para centro da povoação, capella ou casa de oração, segundo a communhão a que pertencerem os colonos; e casas para escolas destinadas ao ensino de primeiras letras na lingua nacional aos meninos de um e outro sexo, contratando capellão, pastor e professores; bem como terá enfermaria para os doentes, dirigida por medico competentemente habilitado e provida de pharmacia. IX - A venda de lotes de terras aos colonos, a prazo de cinco annos, será feita mediante titulo provisório que será substituído por outro definitivo de propriedade, quando a sua importância estiver paga. X - O pagamento do preço dos lotes não se poderá tornar effectivo senão depois de ter o concessionário entrado para a thesouraria de fazenda com o valor das terras, e obtido o competente titulo de domínio, sob pena de considerar-se nulla a transação feita. XI - Si findos os 5 annos prefixados para o pagamento das terras, o concessionário não tiver effectuado a introducçao das 200 famílias na forma estipulada, pagará a preço de 6 rs. por braça quadrada a porção de terra que faltar á razão de 80,000 braças por familia que deixar de introduzir. XII - Si decorridos três annos, não tiver o concessionário importado e estabelecido 150 famílias, pelo menos, considerar-se-ha caduca esta concessão, volvendo as quatro léguas quadradas ao domínio do Estado, por conta do qual se arrecadará a importância dos lotes ocupados pelos colonos, não cabendo ao concessionário direito de indemnização alguma e sob qualquer titulo ou fundamento. XIII - Julgar-se-ha também rescindido, si o concessionário não tiver pago o preço das quatro léguas quadradas um mez depois de extincto o prazo de cinco annos, ou si deixar de cumprir a obrigação das clausulas 5, 6, 8,11, e a que se refere ao preço pelo qual o concessionário não poderá exigir dos immigrantes mais de 6 rs. pelos lotes coloniaes medidos e preparados. Deus guarde a V. Ex. José Fernandes da Costa Pereira Junior. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2-3).

A presidência da província do Rio-Grande do Sul deferiu a dois dos

peticionários, o comendador José Inocêncio Pereira e Frederico Duval,

concedendo-lhes dez léguas em quadro de terras no Alto Uruguay, extensão a

que se refere o regulamento de 1854. Com efeito, no seu art. 85, em relação ao

que dispõe a 2ª parte do art. 1º da lei de 18 de setembro de 1850, autoriza nas

fronteiras a concessão de terras, cuja área seja equivalente a 10 léguas em quadro

sendo para cultura, isto para cada colônia de 1.600 pessoas; além de um subsidio

para auxilio da empresa, regulado conforme as dificuldades que essa oferecer.19

Em inicios de 1875, a presidência da província comunica o Ministro de

uma representação da respectiva Assembleia Legislativa, em que pedia

providencias a respeito da medição das terras concedidas a Pereira e Duval, na

extensão das dez léguas em quadro, “por julgal-a prejudicial á população local, 19 RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Agricultura. Coletânea – Legislação das Terras Públicas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Secretaria da Agricultura, 1961.

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privando-a de hervaes e campos de uso comum”. O ministro respondeu em

junho, declarando que o governo imperial, mantendo sua resolução, quanto às

concessões, recomendava que as medições “fossem feitas de maneira que se não

offendessem direitos de terceiros; devendo ser legitimadas as posses ali

existentes que estivessem nas condições legaes e preferidos, para compra das

terras, os que as ocupassem, attendendo-se quanto possível às razões de equidade

que houvesse em favor dos posseiros”. E busca amparo na legislação:

A respeito de hervaes o que consta é que, por aviso n. 2 de 20 de maio de 1861, o governo imperial, em virtude de representação da assembléa legislativa do RGS, declarou permitir a concessão de pequenos lotes de 250.000, 125.000 e 62.000 braças quadras, conforme as forças de cada família, aos cultivadores de herva mate, na zona das fronteiras, devendo a presidência da provincia organisar um regulamento para semelhantes concessões, sujeitando-o, porém, previamente a approvação do governo, o que não foi cumprido até hoje. Si os campos de que se trata são de uso commum e estão comprehendidos nas disposições do § 4º do art. 5° da lei de 18 de setembro de 1850, é bem de ver que serão respeitados, pois que o meu aviso determina que as medições sejam feitas sem offensa de direitos de terceiro.

Assim, vemos que o ministro acompanhou o entendimento do deputado

Silveira Martins “no desejo que S. Ex. manifesta de serem devidamente

attendidos e honrados os bravos voluntários da pátria que tão alto ergueram o

pavilhão nacional nos campos de batalha”. Não podemos averiguar nesta

proposição qual a relação entre os ervateiros e os ditos heróis. E lembra a causa

da colonização:

Mas S. Ex. me ha de permittir que, comparticipando deste seu sentimento, não deixe de considerar também de muita utilidade e dignas de toda a protecção do governo as tentativas sérias que se fizerem para povoação das terras existentes no Alto Uruguay. São obvias as vantagens que podem resultar para a provincia e para todo o Imperio desta empreza, nao sendo das que menos se devem esperar as que se referem á segurança daquella nossa importante fronteira. Ora, os concessionários comendador José Innocencio Pereira e Frederico Duval, com quem aliás não tenho a satisfação de entreter relações são pessoas que se acham em condições muito favoráveis para realisação da empresa.

Neste momento do pronunciamento, Silveira Martins faz um aparte: —

“As pessoas são boas, não contesto”. Ao que Costa Pereira corrobora:

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O primeiro é um dos mais importantes capitalistas e proprietários da cidade de Porto Alegre, e pessoa de distinctos créditos; e o segundo é também vantajosamente estabelecido e conceituado no commercio da mesma cidade. Isto posto, devo dizer francamente que as 4 léguas quadradas a que se referiu o meu aviso de 10 de fevereiro de 1874 me parecem insuficientes, uma vez que os emprezarios tenham de estabelecer nas longinquas regiões do Alto Uruguay, não as 200 famílias, ou cerca de 1,000 immigrantes, numero fixado na concessão Serwank, e sim 1,600, nos termos do art. 85 do regulamento de 30 de janeiro de 1854, sendo que não recebem subvenções, e é da acquisiçao, das sobras das terras que podem tirar remuneração para os trabalhos e dispendios da empreza. O Sr. Silveira Martins: O que devia ter sido então considerado. O Sr. Costa Pereira: Refiro-me ao maior numero de immigrantes que tenha de ser estabelecido, e bem ponderadas as dificuldades da empresa em tão remotas regiões. Eis, Sr. presidente, as explicações que devo dar acerca do objeto do requerimento do nobre deputado pela provincia do Rio Grande do Sul. O Sr. Silveira Martins: Explicou muito bem. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2).

Importa anotar que essa colonização fracassou, pelo menos parcialmente,

como não fluiu a que Beschoren estava envolvido e depositava muita confiança,

não sabemos se foi somente a redução da área de 10 para 4 léguas em quadro.

Eduardo Serwank traspassou o titulo de propriedade das quatro léguas de terras

no município de Taquari a ele concedidas para colonização, em aviso de 6 de

Setembro de 1878 a José Francisco dos Santos Pinto, e com a sua morte foi

solicitada a transferência para sua esposa D. Margarida Carolina dos Santos

Pinto. E não podendo realizar esse fim da concessão, quis ficar proprietária

dessas terras sem os ónus que lhe foram impostos. O Ministério da Guerra, pelo

Tenente Antônio José Ferreira Júnior, assim despachou:

Já estariam de certo povoadas essas terras por colonos á vista da sua excellencia, se o Estado não as tivesse cedido tão descuidamente aos antecessores da supplicante e a ella, que não só embaraçaram aos colonos a acquisição delias, como declararam-se impossibilitados de cumpriras obrigações que contrahiram. É esta mais uma prova de ser pernicioso a systema seguido de ceder, terras publicas a particulares para colonisa-las, demonstrando-se mais uma vez, que ao governo é que incumbe preparar as terras publicas melhor situadas para accommodação dos colonos. Indefiro o presente requerimento. Expeça-se aviso ao presidente da província do Rio Grande do Sul para mandar passar á supplicante titulo de propriedade, tão somente dos 155 lotes coloniaes ocupados pelas 142 familias que nelles estão estabelecidas, reservando para o Estado os demais terrenos, livres de todo o compromisso e sem direito a qualquer indemnisação. Procedimento este que, deve guardar para com todos os outros possuidores de terras em idênticas circumstancias, devendo para este

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fim mandar examinar o estado de todas as concessões feitas pelo governo imperial naquella província, com toda a urgência. — Tenente Antonio José Ferreira Júnior. Selle o memorial. (Revista de Engenharia, 1883, p. 34).

Beschoren, resignado, lamenta o fracasso desse empreendimento, que

depositava muita esperança:

Há anos foi concedida a sociedade Pereira & Cª., 100 léguas de terras para o estabelecimento de colônias, a esta sociedade pertenciam influencias alemãs, porém nada fizeram. Intrigas políticas fizeram abortar este grandioso projeto, porque mais tarde o governo decidiu que eram 4 e não cem léguas, a concessão feita, e a sociedade abandonou seu projeto protelando-se desta forma por muitos anos a colonização do Uruguay. (CASTRO, 1887, p. 356).

Contribuição na cartografia

Outra faceta das atividades profissional de Beschoren foi a de cartógrafo,

na coleta de dados e elaboração de mapas. Aqui sua contribuição foi deveras

relevante, situando com precisão pontos até então desconhecidos ou erradamente

marcados. E critica este atraso:

O naturalista Dr. Reinhold Hansel visitou a Província em 1865, e revendo as provas cartográficas sobre a região montanhosa, no arquivo de Porto Alegre, chegou à conclusão: ser melhor elaborar um mapa com base nas informações dos tropeiros (BESCHOREN, 1989, p. 169).

Admite a existência de dois mapas na Província chamados “oficiais”, mas

“ambos – escreve – são incompletos, inexatos, porque o material existente, se

limitava à orla marítima e à região colonial” (BESCHOREN, 1989, p. 168). No

tocante à cartografia da região norte, onde mais dedicou seus estudos, observa:

Para a confecção do primeiro mapa [na escala de 1:720.000, 1857-1868], foi empreendida uma exploração do rio Uruguai, com a abertura da Picada do Parí, no município de Palmeira, sob a direção do tenente-coronel José Maria. (...) Aquela expedição custou centenas de contos de réis. No referido mapa oficial, os dados foram aproveitados tão levianamente, que aparecem diferenças de 4 a 10 minutos. Creio que isto dispensa qualquer comentário e determina o valor do mapa (BESCHOREN, 1989, p. 168).

Para Beschoren as circunstâncias melhoraram nos anos seguintes, quando

conseguiu material abrangente e seguro para o mapeamento da região

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montanhosa. As informações seguintes dão conta de como se processou a

discriminação das terras do Alto Uruguai no período imperial. Recordando que

por centenas de vezes participou destes trâmites, como se vê pela listagem de

propriedades em que levantou a área, determinando o que era campo e mata:

Esse material, rico em conteúdos, se deve ao cumprimento firme da “Lei” de 1854, que exigia a legitimação das propriedades privadas e a delimitação das terras devolutas. Ninguém deu atenção a essa lei, que foi recebida com desagrado pelos grandes latifundiários, e com desconfiança pelos pequenos, embora ela só possa regular a situação da posse de terras. Mas, com o impulso da colonização, e a valorização da terra, os proprietários reconheceram a necessidade da demarcação e as vantagens decorrentes da lei. O pessoal técnico encarregado de executar a obra, pelo menos na região montanhosa, constava só de alemães, ao lado do juiz-comissário, que examinava os direitos dos posseiros e vizinhos e lavrava as atas da medição (BESCHOREN, 1989, p. 169).

O grupo de engenheiros teutos que monopolizavam as medições de terras

nas colônias antigas da Serra e na região missioneira contava com o Beschoren, o

Eng. Schmidt (trabalhou, inclusive com Beschoren, em Passo Fundo, desde o

Passa Sete, limite com Rio Pardo – até Nonoai; em 1876 fez medições em

concessões no Alto Uruguai), Carlos Trein e Bartholomy.

A figura a seguir apresenta posições astronômicas de diversos municípios

que Beschoren utilizou na confecção do seu Originalkarte, de 1886. O

consciencioso engenheiro fez constar os observadores responsáveis: M. P. Cunha

Reis, Comissão do Tte. Cel. José Maria e Félix do Amaral.

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Figura 12: Relação de posições astronômicas de diversos municípios que

Beschoren utilizou na confecção do seu Originalkarte, de 1886.

Fonte: O quadro consta no Beiträge de 1889 e na tradução Impressões (1989, 170).

Os mapas elaborados por Beschoren, segundo Abeillard Baretto são:

1 – Zur Geographie der Provinz Rio Grande do Sul, aus einem Schreiben

na Dr. Henry Lange von M. Beschoren, in “Zeitschrift der Gesellschaft für

Erkunde zu Berlin”, 1878, Bd. 13, p. 417-431.

A carta foi datada de Santo Antônio da Palmeira, junho de 1878. O autor faz referencia à cartografia citada por Reinhold Hensel, mas alude a seu pouco valor quanto ao interior do R.G.S. Reporta-se a uma missão geodésica encarregada de traçar uma “carta itinerária” do Império que dois anos antes, chefiada pelo Dr. Weinelt, havia começado seus trabalhos no R.G.S., mas que 1 ½ anos após regressara ao Rio de Janeiro sem divulgação qualquer, por fatores estratégicos. Informa que o engenheiro Schimitt já há 6 anos (e com quem trabalhara em 1874-1875) fazia levantamentos no município de Passo Fundo e reunira abundante material, assim como, juntamente com o

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engenheiro Trein, colecionara um rico documentário sobre as colônias alemães. Descrição de Rio Pardo, Cachoeira e Santa Cruz. (BARRETO, 1975, p. 137).

2 – Planta dos terrenos legitimados no Campo novo, Guaryta e Herval

Secco, Município de Sto. Antº da Palmeira, Província de São Pedro do Rio

Grande do Sul. Organizada e desenhada pelo agrimensor Maximiliano

Beschoren, 1886. Mss., colorida. 0,m446 x 0,m556. Acha-se no Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Mapoteca 3, 1, 18. Diz Baretto

“Trabalho minucioso, em que se aprecia o levantamento metódico de toda a zona

cartografada”.

3 – Planta do Município de Stº Antº da Palmeira com o Districto de

Nonohay, Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Organizada e desenhada

por Maximiliano Beschoren. 1886. Manuscrita, colorida, original (com assinatura

autografa), 0.m,621 x 0.m,655. Acha-se no IHGB, Mapoteca 3, 1, 24.

Anexo a este mapa, existe um manuscrito de Beschoren, do qual observa

Baretto:

Em autógrafo de 13 pgs. escritas, assinado no fim: “Santo Antônio da Palmeira, janeiro de 1887. Maximiliano Beschoren, agrimensor”, existe no arquivo do mesmo IHGB (lata 133, doc. 14) uma “Nota explicativa sobre a Planta no Município...”, que complementa esta carta, com várias coordenadas, histórico das colônias, alturas, dados meteorológicos, apontamentos geográficos etc. É, talvez, o último trabalho elaborado por Beschoren antes do suicídio e a letra do manuscrito parece demonstrar a neurastenia de que já estava possuído. (BARRETO, 1975, p. 136).

Este documento é transcrito na segunda parte desta obra.

4 – Originalkarte des nordwestlichen Teiles der brasilianischen Provinz

São Pedro do Rio Grande do Sul. Nach den neuesten Materialien und mit

Benutzung eigener Aufnahme entworfen und gezeichnet von Max Bechoren.

1886.

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Figura 13: Detalhe do Mapa constante da obra “Beiträge...” com a região do Alto Uruguai.

Fonte: Anexo do livro Impressões de Viagem na Província do Rio Grande do Sul, 1989.

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A PERCEPÇÃO DE BESCHOREN SOBRE A COLONIZAÇÃO

Pinçamos algumas passagens de seus escritos que revelam seu

entendimento quanto ao povoamento da região. Lembrando que outros são

encontrados nos textos transcritos nesta obra.

Quando Beschoren sobe pela primeira vez o “Cima da Serra”, em 1874, na

localidade serrana de Lagoão (longe 9 léguas de Soledade), toma contato com a

população, e constatou uma inaptidão à agricultura:

Durante minha permanência na região montanhosa, notei nos moradores certa versão e desprezo pela agricultura. (...) Pelo fato da Província do Rio Grande sempre se dedicar somente a criação de gado, houve um atraso em relação à agricultura. Devido à expansão da colonização, aos poucos se valorizou o solo, fazendo-se notar também o desenvolvimento da indústria, como consequência natural por determinadas culturas. Só criando gado, nunca teremos indústrias. O nosso campeiro, “verdadeiro rei da coxilha”, nunca será um indústria. (BESCHOREN, 1989, p. 28-29).

Vê-se que o viajante analisa a realidade sob certos pressupostos como o

determinismo, onde uma cultura é apta a tal cultura e outra não. Assim também

como a apologia à agricultura e lides ligadas ao solo, que explicam per si a vinda

da indústria. E a indústria frigorífica? E segue falando de sua proposta,

lembrando que a escrita é posterior aos fatos narrados (após 1883, 34):

O meu ponto de vista, na ocasião muito contestado, é que o Município de Soledade e o distrito de Lagoão terão grande desenvolvimento se forem colonizador por alemães. Não estou pensando em fundar colônias, Deus guarde!! Penso que, aos poucos, acontecerá o estabelecimento isolado de famílias coloniais. Serão os precursores e pioneiros na cultura do solo. Acharão boas terras, por preços baixos, e alcançarão ótimos resultados. “Lançada a primeira pedra”, pelos colonos, o resto virá por si. (...) Melhorando os meios de comunicação com a região baixa, poderá mudar-se a ideia generalizada de que a região de “Cima da Serra” se localiza no fim do mundo, coberta de campos e pinheiros, habitada por alguns maus elementos. O progresso da região será imediato, se houver participação mais adequada no setor agrícola. (BESCHOREN, 1989, p. 29)

Repete-se a mentalidade que vê na agricultura a panaceia de todos os

males; a redenção ou o ingresso do progresso fatal e infindável da região

dependeria, nesta visão de mundo, unicamente da opção pela lavoura em

detrimento da pecuária, tida como causadora do atraso.

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Talvez na cabeça do engenheiro a dinâmica da história era de que acabara

o ciclo da pecuária e alvorecia no seu lugar o ciclo da agricultura. O estancieiro

cedia o protagonismo ao lavoureiro. Em sua viagem de Passo Fundo a Campo

Novo, em março de 1876, nos deixou além da paisagem essa inconsciente noção:

Passamos por diversas estâncias, que por suas dimensões se parecem com “uma moradia senhorial”. As grandes estruturas, hoje estão em ruínas. A prosperidade passou. Extinguiu-se uma antiga e orgulhosa geração de estancieiros. (...) Assim como a casa, toda a redondeza está em ruínas. A mangueira, que pelo tamanho, deveria comportar grande numero de animais, transformou-se parcialmente, em gramado, prova de que poucas vezes é utilizada. (...) Pergunta-se pelos tempos de prosperidade e os motivos da decadência das estâncias? Sabe-se então que a tempestade da “Revolução Farroupilha”, durante dez longos anos, devastou a Província e a todos trouxe o naufrágio (BESCHOREN, 1989, p. 57).

Evidencia-se também no texto anterior que o autor não tem uma leitura

ingênua da economia. Ele via que sem a existência de boas vias de comunicação

com os centros maiores de consumo – a chamada região baixa -, a região estaria

fadada ao ostracismo.

Noutra passagem transparece a mentalidade iluminista, numa crença

absoluta na civilização. Ao visitar as ruínas de São Francisco Xavier, em 1876,

Beschoren narra nas crônicas que enviava para o jornal alemão Deustche

Zeitung, de Porto Alegre, a contenda que terminou com a destruição daquele

Pueblo. Lamenta a decadência do lugar, onde uma grande população trabalhava

pacificamente, e foi arrebatada pelo barbarismo. Por quatro vezes percorreu as

Missões. E profetiza:

Porém, as missões renascerão, rejuvenescidas, levantar-se-ão de suas ruínas. Uma vida nova, espiritual, radiante e animada ver-se-á por toda a parte. No lugar das igrejas e colégio de pedras, das construções jesuíticas e da teocracia absoluta, que aqui subjugou um grande povo, surgirão lugarejos aptos à industrialização. Homens livres, trabalhadores, em poucos anos dominarão a imensa selva, fazendo surgir uma nova e forte geração, educada na luz do esclarecimento (BESCHOREN, 1989, p. 69).

Nota-se que o autor não desmerece o trabalho dos jesuítas, pelo contrário

enaltece seus feitos e sobretudo as esplêndidas construções. Critica a postura

agressiva e destruidora dos portugueses e brasileiros, que fez cessar uma

proposta de desenvolvimento. Propõe, no entanto, como na lenda de Fênix, que

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seja retomada a senda do progresso, mas em outras bases: não animada pela fé,

mas pela razão; não dirigida pelos jesuítas e baseada no trabalho servil, mas sim

pelo trabalho livre.

De Passo Fundo, ocupa-se em descrever a presença teuta, que

compreendia, segundo seus cálculos, em um terço de seus 1200 habitantes de

famílias alemãs e outro terço de “famílias brasileiras de origem alemã”; isso em

1883:

O elemento alemão, é portanto, fortemente representado, e possui em qualquer tipo de negócio, seja de profissão ou indústria, uma posição dominadora e de destaque. A colônia brasileira, de origem alemã, é uma das mais favorecidas dentro da cultura germânica na Província. Felizmente essa cultura não está perdida, mesmo que em alguns aspectos poderia ser aperfeiçoada. Com raras exceções, o que falta aos alemães é o espírito comunitário, o interesse pelo geral. Somente em ocasiões muito especiais, os amáveis camponeses são levados a um entrosamento comum. (BESCHOREN, 1989, p. 35).

Percebe-se claramente o pangermanismo nas palavras de Beschoren,

ufana-se em destacar a ascendência dos seus patrícios às demais etnias. Infere-se

igualmente que o engenheiro defendia a preservação do modus germânico de ser,

mesmo em terra estrangeiras. Como se vê ao lamentar a perda do espírito

comunitário por parte dos teuto-brasileiros. Mas devemos reter que o autor

escreve diretamente para leitores da Alemanha, onde esperava convencer e

recrutar imigrantes para a região.

O escrito segue mostrando a preocupação com a falta de escolas públicas e

a incapacidade de os professores particulares atenderem as 200 crianças, por que

“sofriam com a predominância da verbalização alemã”. O que fez Beschoren

enviar um artigo ao Export em 1882, que provocou interesse na terra natal.

Recebeu resposta por parte da Associação das Escolas Alemãs, mas já tinha

deixado Passo Fundo. Mais tarde o cenário mudara:

Atualmente, duas escolas públicas foram abertas, mas o ensino limita-se ao estritamente necessário e está abaixo do que a nossa juventude precisa. Sempre lamentei que não conseguissem um professor alemão competente, que saiba lecionar o português, para que a aplicação e a energia dessa crescente geração não se percam. (BESCHOREN, 1989, p. 35).

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Outras notas sobre a compreensão da região quanto a sua vocação agrícola

e do seu empenho em povoá-la, encontramos no relatório sobre a produção do

solo que Beschoren redigiu para a Exposição alemão-brasileira em Porto Alegre

em 1881, da qual fez parte como presidente de uma delegação de alemães de

Passo Fundo. Viu a “oportunidade de tornar conhecidas as preciosidades naturais

e as riquezas do município, chamando a atenção da Província, para este afastado

e desconhecido pedaço de terra” (BESCHOREN, 1989, p. 38). No seu Relatório,

Beschoren dá atenção especial para o vale do Goyo-En, no Rio Uruguai: “É o

lugar mais privilegiado da natureza, não só pela fertilidade da terra. Mas também

pelo excelente clima”. Onde, segundo ele, produz-se cana-de-açúcar, “capaz de

abastecer toda a província com açúcar”; o café, arroz, farrinha de mandioca,

trigo. E “produtos florestais”, citando sassafrás, casca de Goimbé, fibras da

Urtiga brava, mamona, algodão, linho, frutas, fumo e pedras ágatas. Descreve

essas espécies e suas utilidades. Cita a “indústria dos índios é representada por

peneiras, cestos, chapéus de Criciúma, arcos e flechas feitos de Taquara e

Goimbé”! (BESCHOREN, 1989, p. 40).

Pode nos causar estranheza hoje as últimas referências de Beschoren para

uma exposição, organizada pela Associação Comercial e Geográfica de Berlim e

filial de Porto Alegre, mas devemos situar que o autor com seu veio científico

sabia que esses artigos exóticos chamavam a atenção de um público de

acadêmicos, naturalista, etnólogos e cientistas interessados em novas espécies e

objetos de culturas ditas “primitivas”. Aliás, é de se observar que Beschoren,

sendo geógrafo, não detinha um olhar mais acurado sobre a zoologia e mesmo a

botânica, o que lhe renderia muitas descobertas. Quarenta anos depois o Padre

Jesuíta de naturalidade austríaca Johannes Evangelista Rick, considerado “pai da

micologia brasileira”, faria essa exploração no que se refere a fungos.

MEDIÇÕES E AGRIMENSURA

Já dissemos que logo após a chegada ao Brasil, Beschoren aceitou um

convite para passar a agrimensor em várias colônias alemãs. Nessa qualidade,

informa Barreto, percorreu mais de 3.000 léguas em 18 anos, no NE e no NO do

R. G. S. Acrescenta Barreto:

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Com a possibilidade de melhoras econômicas, aceita uma comissão oferecida pelo seu admirador Barão de Capanema20 na zona da serra, o que por outro lado, lhe proporciona maior contato com a natureza em área pouco explorada. No desempenho das novas funções; segue para Passo Fundo e, logo, após para Palmeira das Missões, encarregado de triangular as terras de Nonoai, Peperi e Chapecó. Diz o seu citado biográfico que “enquanto ia reunindo preciosíssimo material cartográfico e geodésico, determinava as alturas de toda a serra, estudava-lhe a vegetação, as condições geológicas, a história e os dados etnológicos, reunindo assim um imenso e valiosíssimo arquivo científico, reforçado por suas constantes e perfeitas observações meteorológicas, que eram publicadas tanto na Europa como no Brasil. (BARRETO, 1975, p. 133)

Já Lange enfatiza a participação nesta empreitada como causadora do seu

trágico fim.

Participação no Litígio Territorial em torno de Palmas

Em 1876, quando ainda não estavam fechadas as cicatrizes do duro enfrentamento diplomático entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, decorrente da recusa brasileira em apoiar a Argentina na sua reivindicação sobre o Chaco Boreal, fracassou a tentativa de retomar as negociações sobre a definição de limites. Esse resultado decorreu da recusa do governo imperial em aceitar a proposta argentina, por não respeitar o uti possidetis e “tendia a levar a fronteira pelos rios Chapecó e Chopim”7 Na realidade, o governo argentino manifestava dúvidas sobre a localização dos rios Pepiriguaçu e Santo Antônio e, em 1881, “colocou em questão a localização exata dos rios Pepiri-Guaçu e Santo Antônio, Chapecó ou Pepiri-Guaçu e Chopim ou Santo Antônio Guaçu, no território que o governo argentino considerava litigioso com o Brasil”. Surgia, assim, a questão chamada de Palmas pelo brasileiro e de Missões pelo lado argentino, em que estava em jogo 30.621 quilômetros quadrados. (DORATIOTO, 2012, p. 40-41).

20 Guilherme Schüch, Barão de Capanema, Naturalista, Engenheiro e Físico (* Ouro Preto, MG (17/01/1824 - + Rio de Janeiro, RJ (26/08/1908) foi responsável pela instalação da primeira linha telegráfica do Brasil. Recebeu o título de Barão em 26 de fevereiro de 1881 por decreto de D.Pedro II. O engenheiro Schüch comandou a instalação das primeiras redes telegráficas do norte do Brasil. Posteriormente, em homenagem à sua mediação no conflito entre Brasil e Argentina pela posse região do Rio Iguaçu, uma localidade do Paraná recebeu o nome de Capanema.

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Figura 14: Mapa da área litigada.

Fonte: In Obras do Barão do Rio Branco I: Questões de Limites República Argentina (Introdução): Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/969-Obras_do_Barao_do_Rio_Branco_I_Questoes_de_Limites_-_RepUblica_Argentina.pdf.

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Figura 15: Mapa da Comarca de Palmas.

Fonte: In Obras do Barão do Rio Branco I: Questões de Limites República Argentina (Introdução): Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/969-Obras_do_Barao_do_Rio_Branco_I_Questoes_de_Limites_-_RepUblica_Argentina.pdf.

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Importa anotar, para a compreensão da formação e colonização do

território do Alto Uruguai em seu cenário mais amplo que em 1859 o governo

imperial criara duas colônias militares com o objetivo de intensifica o

povoamento da província do Paraná, mas somente em outubro de 1880 foram

nomeadas duas comissões para explorar os Campos de Palmas e propor locais

para a instalação dessas colônias. Em 14.03.1882, é fundada a Colônia Militar de

Chapecó nas margens do rio de mesmo nome e a Chopin a 27.12.1882, perto da

confluência do rio anônimo na sua confluência com o rio Iguaçu. A presença

castelhana afrontava os planos geopolíticos do império do Brasil:

A atenção dada pelo Império à região de Palmas se explica, de um lado, porque o espaço territorial é requisito para a existência do Estado e este, em condições normais, não abre mão sequer de uma porção dele. Por outro lado, a ideia da consolidar como espaço nacional brasileiro o território herdado da expansão colonial portuguesa era elemento de construção do entendimento intraelites. Por último, os Campos de Palmas de posse argentina criaria uma vulnerabilidade militar para o Império do Brasil, pois representaria uma cunha, quase alcançando litoral atlântico, praticamente separando o sul do sudeste do Brasil. Os militares brasileiros e argentinos trabalhavam com a hipótese de guerra entre os dois países e, com a posse de Palmas, as tropas da Argentina poderiam cortar rapidamente a ligação terrestre entre essas duas regiões, ao ocupar o estreito corredor litorâneo que ficara de posse do Brasil, o que levaria à queda do Rio Grande do Sul na mão dos “invasores”. Ademais, o eixo Rio de Janeiro – São Paulo, centro político e econômico do país, estaria ameaçado pelo “inimigo argentino”, afetando a segurança do Império. Manter a soberania sobre o território de Palmas era, portanto, na perspectiva do Estado monárquico, vital para sua segurança. (id. 41-42). Em 28 de setembro de 1885, os representantes dos governos do Império e da Argentina, respectivamente Leonel M. de Alencar e Francisco J. Ortiz, assinaram, em Buenos Aires, um tratado para esclarecer a real localização de rios em Palmas e explorar o território litigioso, cujas ratificações foram trocadas no Rio de Janeiro, em 4 de março de 1886. Cada parte nomearia três comissários e três ajudantes, acompanhados de escoltas com igual número de soldados, comandados por oficiais com patente idêntica ou equivalente. A tarefa dos comissários era fazer o “reconhecimento ou exploração dos dois rios 43 brasileiros, dos dois argentinos e do território entre eles compreendido” e a isso “devem limitar-se, sem entrar em questões de direitos ou de preferência”, o que caberia ser feito pelos dois governos, para evitar equívocos ou incompreensões. Os três membros da Comissão brasileira eram o barão de Capanema (1o comissário), o capitão-de-fragata José Cândido Gillobel (2o comissário) e o tenente-coronel do Corpo de Engenharia Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira (3o Comissário). (DORATIOTO, 2012, p. 43).

Importa concluir que os trabalhos da comissão não tiveram resultados

satisfatórios na solução da contenda. Mais tarde:

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Os governos argentino e brasileiro concordaram em implementar o Tratado de 1889, tendo como árbitro o presidente Cleveland, dos EUA. A missão enviada a Washington para defender a posição brasileira era composta por dois delegados, um consultor técnico e dois diplomatas de apoio. O delegado principal era o experiente diplomata barão Aguiar de Andrada; o segundo delegado era o general Dionísio Cerqueira, profundo conhecedor do território disputado; já o consultor técnico era o contra-almirante José Candido Guillobel; e os dois diplomatas eram os segundo-secretários Olyntho de Magalhães e Domingos Olimpio. Aguiar de Andrada faleceu em 25 de março de 1893 e, para substituí-lo, o marechal Floriano Peixoto; à frente da presidência da República, nomeou José Maria Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco. (DORATIOTO, 2012, p. 45).

Agora vejamos a participação efetiva de Beschoren nesse episódio. O

Barão de Capanema convidou o eng. M. Beschoren para fazer parte da comissão

de demarcação. Como assinala Koseritz “Finalmente parecia ter conseguido o

seu fim: o Sr. Barão de Capanema o empregara nos trabalhos da comissão de

limites e, terminados ele, prometera-lhe outro emprego” (ANNUARIO, 1890, p.

144-145). Já Abeillard Barreto acrescenta que Beschoren “aceita uma comissão

oferecida pelo seu admirador Barão de Capanema na zona da serra” (BARRETO,

1975, p. 133). Interessante que podemos encontrar uma conjunção de amizades

que explicaria a presença do engenheiro nessa questão.

Doratioto ocupa-se em apurar as razões que pesaram no ânimo do

marechal Floriano Peixoto para a nomeação de Rio Branco para defender a causa

brasileira em Washington. Cita Araújo Jorge que apresentou duas versões

explicativas,

sendo a primeira a de que o barão foi indicado por Serzedelo Correia, ministro das Relações Exteriores de fevereiro a junho de 1892, a Floriano Peixoto o qual, por sua vez, também teria ouvido o nome de Graciano Alves de Azambuja [grifo nosso], amigo de Rio Branco, assim como pelo conselheiro Sousa Dantas, presidente do Banco do Brasil, que acatou a indicação proposta anteriormente por Joaquim Nabuco. A segunda versão, “menos aceitável”, é de que a indicação do nome de Rio Branco foi feita pelo representante brasileiro em Londres, conselheiro Sousa Correia, que declinara de convite para essa função. (DORATIOTO, 2012, p. 45).

Já vimos sobre a amizade e comunhão de pensamento e interesses entre

Beschoren e Azambuja. Não teria sido o diretor do Annuario da Província do RS

quem indicou ao Barão de Capanema o engenheiro Beschoren (?) ou ao próprio

Barão do Rio Branco?

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Quanto aos trabalhos de Beschoren, parece-nos que ficaram mais adstritos

ao estudo da Bacia do Rio Uruguai, onde havia muita confusão de nomes e

imprecisão de posições geográficas. Para termos uma ideia do que representava

estes serviços de demarcação em termos de esforços, vemos no Protocolo de

1900 do Tratado de 1898 na mesma Questão de Palmas, instruindo os objetivos e

os trabalhos da nova comissão mista demarcatória:

(...) farão a demarcação da parte da fronteira não demarcada, levantando plantas circunstanciadas dos rios Uruguai e Iguaçú. Mais adiante deliberava que: “(...) cada engenheiro de uma das comissões deverá ter como companheiro de serviço topográfico, geodésico ou astronômico um e engenheiro da outra e as notas das cadernetas de serviço deverão ser conferidas, a fim de não haver diferença nos elementos do cálculo. (CARDOSO, 2011, p. 5-6).

Para Golin, como um trabalho de campo, podemos assinalar também que a

fixação dos limites das fronteiras acarretava o aperfeiçoamento de uma “ciência

da demarcação” (GOLIN, 2002, p. 11 apud CARDOSO, 2011, p. 7).

Dada a sua complexidade, envolvia pessoal técnico especializado, muitas

vezes removidos de suas funções, bem como a utilização de diversos

instrumentos científicos topográficos e geodésicos.

A metodologia empregada envolvia a aplicação do processo e métodos de triangulação, caminhamento e poligonização, da utilização de instrumentos técnico-científicos, tais como o podômetro, a bússola e o aneróide, além do registro diário do itinerário percorrido. Havia uma estreita relação entre vários saberes e os trabalhos de delimitação, como a aplicação da astronomia de posição. A este exemplo, na localização de um ponto terrestre, a cartografia valia-se do conhecimento astronômico por meio do sistema de coordenadas de latitude e de longitude (VERGARA, 2006 apud CARDOSO, 2011, p. 7).

Sobre o papel desempenhado pelo demarcador de fronteiras, segundo o

sócio da Sociedade de Geografia, o engenheiro Luiz Felipe Castilhos Goycochea:

(...) O demarcador de fronteiras desempenha papel complexo singular, misto de conhecimentos vários resultados de sabedoria universal. Tem, por isso, de possuir o destino do batedor dos sertões, a estratégia do soldado de ofício, o instinto do pioneiro, cultura cientifica generalizada, capacidade para comandar e para dirigir, a habilidade de um diplomata de carreira. Ele não é somente sertanista que intenta varar terras desconhecidas, numa ou noutra função, nem o explorador que tem em mira apenas conhecer ou reconhecer sítios ínvios, paragens perdidas, assinalando-lhes as posições, marcando-lhes as

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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características essenciais (GOYCOCHEA, 1943, p. 103 apud CARDOSO, 2011, p. 7).

O que é certo é que esta empreitada significou uma opção para Beschoren

que implicaria em seu trágico desfecho. E parece que o engenheiro anteviu essa

temeridade. Como observa H. Lange no prefácio à obra do colaborador Beiträge,

em 1889:

Conservou-se um hábil técnico, tanto que o chefe da Comissão da Fronteira no Uruguai [equivoco, pois trata-se da Argentina], Sr. Barão de Capanema, em meados de junho de 1887, o encarregou da demarcação do Triangulo, no trecho Nonoai, Peperí e Chapecó; um trabalho que Beschoren teria depreciado ao se engajar, devido às dificuldades do terreno. Seis meses decorreram sem conseguir concluir o extenuante trabalho nas densas matas do terreno montanhoso, sob temperatura extrema. A triangulação planejada, que deveria ser realizada por Emil Odebrecht21 e pelo Tenente da Marinha Vicente Moubes, não se concretizou. Um dia encontrou-se Beschoren morto em sua cabana de serviço. (BESCHOREN, 1989, p. 8).

Observa-se como o geógrafo na Alemanha acompanhava nos detalhes a

obra de Beschoren. Provavelmente o Necrológio de Koseritz no Annuario para o

ano de 1890 tenha sido calcado sobre o prefácio de Lange, que foi publicado um

ano antes.

Quanto ao citado Odebrecht – tido como o “Rondon do Sul” -, sabe-se, via

Wikipédia, que era muito ligado à Blumenau e ao Barão de Capanema. Torna-se

em 1884 a primeira pessoa a fazer o reconhecimento da foz do Rio

Periperiguaçu. Faz o levantamento geográfico do Rio Uruguai, desde a foz do

Rio Passo Fundo até e Salto Manomá e a expedição da foz do Rio Ivaí, Guaíra,

Foz do Piquiri, foz do São Francisco e do Iguaçu. Em 1887 é nomeado auxiliar

de Capanema na Comissão de Limites Brasil – Argentina para por fim à Questão

de Palmas.

21 Emil Odebrecht (1835-1912) engenheiro-geodésico e cartógrafo que emigrou de Greifswald, Pomerânia, no norte da Alemanha em 1856, e se estabeleceu na Colônia São Paulo de Blumenau, onde se tornou uma das mais destacadas figuras da história regional.

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O ESCRITOR E DIVULGADOR DO ALTO URUGUAI

Informa Koseritz no necrológio de Beschoren:

Ao passo que ia reunindo preciosíssimo material cartographico e geodetico, determinava as alturas de toda a serra, estudava-lhe a vegetação, as condições geológicas, a história e os dados etimoló-gicos, reunindo assim um immenso e preciosíssimo material scien-tifico, reforçado por suas constantes e perfeitas observações meteo-rológicas, que eram publicadas na “Deutsche Eundschau für Geographie und Statistik” do professor Umlauff em Vienna. Para o meu jornal escreveu a matéria de diversos volumes, em que ia depositando os fructos de seus estudos e explorações e este trabalho não está perdido, porque está sendo editado em volume na Allemanha. Elle virá a ser precioso auxilio para a sciencia. Na Revista de nossa Sociedade de Geographia em Berlim, publicou Beschoren duas importantes monographias: “A colonia Santa Cruz na provincia brazileira do Rio Grande do Sul (acompanhada de um mappa geographico)” e “A região florestal do curso superior do Uruguay na provincia brazileira do Rio Grande do Sul (também acompanhada de mappa geographico)”, dous trabalhos de grande fôlego e importância scientiíica. No “Export”, órgão da Sociedade de Geographia Commercial em Berlim, escreveu o meu finado amigo larga série de artigos sobre assumptos missioneiros e sobre a colonisação do Alto Uruguay que era o seu sonho dourado. Ao mesmo tempo prestava-se a importantes trabalhos para a câmara da Cruz-Alta e fornecia apontamentos para o livro sobre as Missões, recentemente publicado pelo Sr. Affonso de Castro.

Note-se o círculo de vínculos que o engenheiro detinha, incluindo o

escritor Evaristo Affonso de Castro, no qual encontramos alguns de seus textos.

O geógrafo alemão Henry Lange também vai reconhecer a

excepcionalidade e elogiar o lado literário de Beschoren ao prefaciar sua obra

póstuma Beiträge, em 1889 em Berlin: “Entre os muitos agrimensores e

engenheiros alemães, que há trinta anos atuam no campo da topografia no sul do

Brasil, poucos se manifestaram como escritores. Depois de árduo trabalho na

selva e no campo, supõe-se não ser fácil encontrar tempo disponível para

escrever sobre os acontecimentos e conhecimentos adquiridos.” (BESCHOREN,

1989, p. 7).

Observa ainda que “a inclinação para a carreira de escritor, manifestou-se

quando ainda era estudante” (BESCHOREN, 1989, p. 7). Refere-se ao fato de

aos 14 anos ter se dedicado ao comércio de livros e depois optou em não só

vender mas produzir: “Foi através da literatura que passou por suas mãos, que se

tornou um entusiasta pela investigação científica”.

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Adiante lista as contribuições do engenheiro em tornar o território em que

trabalhava conhecido no além-mar:

Beschoren tornou-se conhecido na Europa, através de artigos e tratados na “Revista Geográfica de Berlin”, na “Export” (Exportação), “Órgão da Associação Central para Geografia Econômica & Cia” e outros. Em Porto Alegre, fornecia ricas contribuições para o “Deutsche Zeituns” (jornal alemão) e “Von Koseritz Zeitung. Eu pessoalmente, devo agradecer ao autor as inúmeras notas de grande utilidade, para minha obra sobre o sul do Brasil. Prontamente concordei com o convite do Sr. Professor Dr. Supan em ordenar e preparar os manuscritos deixados por Beschoren, após sua trágica morte. (LANGE in BESCHOREN, 1989, p. 7).

As observações biográficas e historiográficas de Graciano A. de

Azambuja, que dirigia o Anuário mostram novas facetas de Beschoren.

Azambuja, no suplemento ao necrológio elaborado por Koseritz, volta-se para a

questão da publicização póstuma da produção do engenheiro, que ele conhecia

muito bem e sabia que estava ainda restrita ao público leitor do Zaitung, do seu

Annuario e na Alemanha. Ele aproveita o ensejo para dirigir um pedido, “em

nome da província”. “De cartas – diz Azambuja - que recebi do finado Max.

Beschoren se deprehende que elle tinha dous livros a publicar sobre esta

província: I) Contribuição para o conhecimento da parte noroeste do Rio Grande

do Sul. II) Impressões de viagem na província do Rio Grande do Sul”.

(AZAMBUJA, 1888, p. 145).

E reproduz o teor da uma correspondência de Beschoren de 8 de julho de

1886, que descrevia seus projetos literários:

Fico-lhe obrigado pelo juizo favorável que V. emittio a respeito do meu livro, no qual ainda estou trabalhando. O seu titulo será somente - Contribuição para o conhecimento da parte noroeste do Rio Grande do Sul - para que não prometta mais do que pôde dar. Uma descripção exacta, que satisfaça todas as exigencias, julgo por hora impossível. Qualquer trabalho que appareça não ha de ser mais do que uma pedra para a construcção do edifício. “O livro vai ser acompanhado dos perfis que representam a estrada que segue do Campo do Meio para o Povo de S. Xavier (Uruguay), Leste-Oeste, e a estrada que segue de Villa-Rica para Palmeira até o passo da Boa Esperança (Uruguay), o ponto final da minha picada de exploração, na direcção geral Sul-Norte, dando assim uma idéa geral da topographia da parte noroeste da provincia pelos cortes principaes S-N e L-O. Sei muito bem que determinações de alturas pelo barómetro não correspondem a uma rigorosa exactidão scientifica, porém n'um paiz novo como o nosso, onde tudo e tudo ainda está por explorar e por estudar, creio que hão de ter sempre um certo valor.

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São trabalhos estes da ordem d'aquelles para os quaes é necessário ter-se gosto e inclinação enthusiasta, porque resultado pecuniario ou alguma outra vantagem não se pode e nem se deve esperar. “Acompanharão o livro um mappa original na escala de 1/1.000.000 e as vistas das grandiosas ruinas do templo de S. Miguel. Já mandei para Allemanha o manuscripto de 11 capítulos, faltando agora a remessa de mais 6 capítulos, cujo manuscripto, porém, já está prompto em sua maior parte.” (AZAMBUJA, 1888, p. 145-146).

Pouco tempo depois, em carta de 10 de outubro do mesmo ano, Beschoren

envia nova missiva, revelando detalhes de outra publicação:

Animado por duos geógrafos, que são capacidades, o Dr. H. Lange (de Berlim) e o Dr. Bateis (de Munic.) estou tratando de publicar em um volume as Impressões de viagem que durante anos escrevi para a Deutsche Zeitung. Resumindo n'umas partes, augmentando n'outras esforçar-me-hei por dar uma descripção tão completa quanto permitte o material que existe e que colligi. Conhecendo só a parte septentrional da provincia, é só dessa parte que se occupam as Viagens e estudos. (AZAMBUJA, 1888, p. 146).

Azambuja mostra-se preocupado em não deixar-se perder esse valioso

material e apela ao amigo Koseritz e os patrícios do engenheiro:

Parece pois claro que se trata de dous livros que quando Maximiliano morreu já deviam estar ambos promptos, e que em consequência da sua morte pódem deixar de ser publicados. Ao nosso amigo C. von Koseritz pedimos para intervir junto ás suas numerosas relações na Allemanha, taes como o Dr. Lange, os principaes socios da Sociedade de Geographia Commercial em Berlim e outros, afim de que façam editar e publicar os citados livros que muito contribuirão para augmentar, na Allemanha, o conhecimento das condições agrícolas e sociaes da provincia do Rio Grande do Sul. As conscienciosas observações meteorológicas de Beschoren sabemos também que eram regularmente publicadas na revista allemã Zeitschrift fiir Meteorologie, de Vienna. Quando o Sr. Robert H. Scott, secretario da repartição meteorológica de Inglaterra, pedindo-me a remessa do Annuario, offereceu-me a sua Memoria sobre o estado das observações meteorológicas na superficie do globo em 1884, por elle escripta quando presidente da Sociedade Real Meteorológica de Londres, tive o pezar de ver que pouco ou quasi nada se sabe na Europa sobre a meteorologia do Brazil, figurando no emtanto como mais conhecida a meteorologia da nossa provincia, graças á actividade e dedicação de Maximiliano Beschoren, por quem foram divulgados naquella parte do mundo os resultados das suas observações e das observações de outros amadores, que pôde colligir. (AZAMBUJA, 1888, p. 146).

E encerra com uma espécie de epitáfio: “É realmente deplorável e

vergonhoso para nós que um homem nas condições de Maximiliano Beschoren

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tivesse morrido por assim dizer desempregado, desaproveitado e pobríssimo”

(AZAMBUJA, 1888, p. 146).

Com efeito, é graças ao interesse Koseritz, em conjunção com o Dr. Henry

Lange, que este consegue concatenar e editar um volume póstumo de Beschoren,

com estratos das narrações aparecidas no periódico porto-alegrense, em 1889.

Reeditada no centenário por esforço de Julia Schütz Teixeira

Correa observa que Beschoren “direcionou seus escritos para aquilo que

os alemães chamam de Erdkunde” (CORREA, 2005, p. 237). O destinatário do

seu livro era, portanto, o leitor alemão, notadamente geógrafos e “amigos da

geografia”, como indicou Henri Lange no prefácio da obra (CORREA, 2005, p.

237).

Quanto aos escritos de Beschoren, mostram um estilo ameno, sem muitos

rebusqueios, embora constem passagens mais sofisticadas. Cientista, procura

revelar com precisão as suas pesquisas, dentro do método das ciências exatas.

Como narrativa de viagens, usa uma linguagem na primeira pessoa. Uma

passagem de suas Impressões revela que costumava fazer anotações num diário:

“As reportagens escritas no decorrer de alguns anos, sobre ‘Impressões de

viagem’, conforme a elaboração do diário, reuni em três segmentos que enviei

para o jornal alemão” (BESCHOREN, 1989, p. 66).

Gosta de usar termos próprios do povo da região e dos indígenas,

colocando o significado dos termos e frases indígenas denominam algum local,

chegando a compor um vocabulário indígena. Quanto aos Kaingáng, diga-se que

os textos revelam relações amistosas, mas de mútuo respeito:

Encontrei-os muitas vezes na floresta [em Nonoai] e com eles fiz amizade (...). Uma característica dos selvagens é a desconfiança com os estranhos. Quando se quer saber alguma coisa sobre hábitos, passado, pareceres religiosos, etc. tem que se agir com muita diplomacia, para não acontecer como ao Vigário de Santo Ângelo. (BESCHOREN, 1989, p. 44; 64).

Denota um homem que sabia ouvir para captar o pensamento dos

interlocutores. Buscava na medida do possível informações para se inteirar sobre

as origens e fatos do passado dos lugares por onde passava. Quando as

encontrava, fazia questão de citar seus nomes. Um exemplo é da figura do Barão

de Antonina, que descobriu os campos do Bugre Morto e morreu aos 92 anos.

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Aliás, Beschoren parece nutrir uma admiração. “Mais adiante terei oportunidade

de me referir a esse personagem notável, a respeito de ousadas expedições, no

início do século, e das quais tomei conhecimento através de um irmão do

falecido Barão.” (BESCHOREN, 1989, p. 41).

Podemos perceber uma identificação entre o Barão e Beschoren, enquanto

disseminadores da civilização e fascinados por aventuras e desvendar novos

lugares. Quiçá não foi inspirado em que Beschoren se decidiu a abrir a picada

ligando os Campos de Fortaleza ao Rio Uruguai, numa verdadeira epopeia?

Por vezes, talvez já mais familiarizado com a região, arrisca alguma

dedução, como no caso da origem da Vilinha da Palmeira: “Não encontrei, em

nenhuma crônica, apontamentos sobre a fundação do povoado, porém, posso

muito bem imaginar como sucedeu”. (BESCHOREN, 1989, p. 83).

Mas não deixava de consultar a bibliografia existente. As indicações no

texto dão conta que possuía uma vasta biblioteca: de Dr. Reinhold Hensel

(BESCHOREN, 1989, 40); sobre a presença jesuítica no Paraguai, cita os autores

alemães Avé-Lallement e Waldemar Schultz. Mas conhece autores do século

XVII e XVIII, os autores de língua francesa Orbigni e Martin de Moussy; em

português prefere a obra do Cônego Gay. Sobre as escaramuças das Missões traz

longas transcrições, inclusive do Pe. Sepp. Extraiu também informes dos “Anais

da Província de São Pedro” (Paris, 1839), citando relatos do Visconde de São

Leopoldo.

Relação das publicações de Beschoren

Por fim elencamos as obras do engenheiro com alguns comentários de

Abeillard Barreto22. Para o estudioso, as observações meteorológicas de

Beschoren, publicadas todas em revistas europeias, são as de maior apreço,

porque conduzidas com grande método e por estarem vinculadas e outros gêneros

de investigações realizadas igualmente nos vinte anos de convívio conosco.

1872 – (Zur Klimatologie der Ostküste von Süd-Amerika) in

“Zeitüschrift der österreichischen Gesellschaft für Meteorogie”, Wien,

1872, Bd. VII, pp. 296-298. 22 Abeillard Barreto. Bibliografia. Sul – Riograndense. (A contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul). Volume I. A – J. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro, 1975.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Observações feitas de novembro de 1869 a maio de 1871, em

Taquara e S. Leopoldo.

1874a – Beitrag zur Klimatologie der Provinz São Paulo do Rio

Grande do Sul (Süd-brasilien). Von Max Beschoren, in “Zeitschrift der

österreichishen Gessellschaft für Meteorologie”, Wien, 1874, Bd. IX, pp.

21-24.

Observações em Santa Cruz desde Agosto de 1872 a outubro de

1873, com outros dados sobre a localidade.

1874b – Relatório duma série de Observações meteorológicas feitas

na região das colônias alemães ao norte do Rio Jacuhy, província de São

Pedro do Rio Grande do Sul. Apresentado aos Illmos. e Exmos. Sres.

Membros do Instituto Geográfico do Rio de Janeiro por Maximiliano

Beschoren. Santa Cruz 1874. Mss., com capa desenhada pelo autor, 3 pgs.

descritivas, tab. I-VIII e mapas gráficos I e II, em 12 pgs. IHGB, Arquivo

lata 67, doc. 2.

Reúne dados de novembro de 1869 a agosto de 1874, da

temperatura em Santa Cruz do Sul e Porto Alegre.

1876a – (Zum Klima von Südbrasilien) in “Zeitschrift der

österreichischen Gesellschaft für Meteorologie”, Wien, 1876, Bd. 11, pp.

39-42.

Faz referencia a observações feitas em Pelotas por um amigo,

observações essas (janeiro a junho de 1875) publicadas no “Deutsche

Zeitung”, de Porto Alegre. Menciona que o governo central instalara uma

estação meteorológica em julho de 1873 na capital da província, anexa à

estação telegráfica. Trata algumas considerações sobre a pluviometria e

fornece os dados colhidos em Santa Cruz (outubro de 1873 a agosto de

1874) e Porto Alegre (setembro de 1873 e abril de 1874).

1876b – Uruguay-Colonisation. Von, Max Beschoren (mit Karte) in

“Koseritz deustscher Volkskalender für die Provinz Rio Grande do Sul auf

das Jahr 1877”. Porto Alegre, 1876, Jg. IV, pp. 177-186, 1 mapa.

Trabalho verdadeiramente precursor sobre a colonização do Alto

Uruguai, cremos ser o primeiro dado à luz pelo ilustre agrimensor a

respeito deste assunto, que foi constante nos últimos anos de sua vida.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

73

1876c – Nonohay und Goyoen, von Mas Beschoren, in

“Mittheilungen der Kais, und Kön, geographischen Gesellschaft in Wien”,

Wien, 1876, Bd. 19. (N. F. DB. IX), pp. 624-638.

Transcreve o relatório publicado ao “Deutsche Zeitung”, de Porto

Alegre.

Beschoren se havia dirigido em outubro de 1875 ao extremo

noroeste da província. Traça o histórico administrativo da zona e os

primórdios de sua colonização, assim como a vida dos índios no seu

aldeamento. Além da soma de valiosos informes, refere-se a um relatório

sobre o Alto Uruguai publicado em 1875 no mesmo jornal (Deustschte

Zeitung) e escrito por Bartholomay.

1878 a – Zur Geographie der Provinz Rio Grande do Sul, aus einem

Schreiben na Dr. Henry Lange von M. Beschoren, in “Zeitschrift der

Gesellschaft für Erkunde zu Berlin”, 1878, Bd. 13, pp. 417-431.

A carta foi datada de Santo Antônio da Palmeira, junho de 1878. O

autor faz referencia à cartografia citada por Reinhold Hensel, mas alude a

seu pouco valor quanto ao interior do R.G.S. Reporta-se a uma missão

geodésica encarregada de traçar uma “carta itinerária: do Império que dois

anos antes, chefiada pelo Dr. Weinelt, havia começado seus trabalhos no

R.G.S., mas que 1 ½ anos após regressara ao Rio de Janeiro sem

divulgação qualquer, por fatores estratégicos. Informa que o engenheiro

Schimitt já há 6 anos (e com quem trabalhara em 1874-1875) fazia

levantamentos no município de Passo Fundo e reunira abundante material,

assim como, juntamente com o engenheiro Trein, colecionara um rico

documentário sobre as colônias alemãs. Descrição de Rio Pardo,

Cachoeira e Santa Cruz.

1878b – (Zun Klima von Südbrasilien) in “Zeitschrift der

österreichischen Gesellschaft für Meteorologie”. Wien, 1878, Bd. 13, pp.

78-79.

Fornece dados climatológicos gerais, de Pelotas, de janeiro a

dezembro de 1875.

1880a – Das Waldgebiet des oberen Rio Uruguy in der

brasilianischen Provinz São Pedro do Rio Grande do Sul, von Max

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

74

Beschoren. (Mit einer Karte und Profil, Taf. IV), in “Zeitschrift der

Gessellschaft für Erkunde zu Berlin”. 1880, Bd. 15, pp. 195-210, Tf. IV.

O autor faz referencia a uma carta escrita, em 16-1-1874, de

Lübeck, pelo Dr. Robert Avé-Lallement, a Koseritz, com um plano de

colonização da bacia do rio Uruguai e cita o relatório de 1876 da comissão

russa que veio estudar as três províncias meridionais do Brasil para

emigração, a qual, em relatório ao Ministro da Agricultura, concluíra por

escolher o Alto Uruguai como zona ideal para a iniciativa. Menciona uma

palestra de Sellin, de 11-12-1878, na Central-Verein für

Handelsgeographie, em Berlim, e um livro de Lange e passa a descrever a

“Waldgebiet”, entre os rios Passo Fundo e Ijuí-guaçú e entre esses e o

Piratinim.

O mapa que ilustra esse trabalho se intitula:

1880b – Karte des oberen Rio Uruguay mit den angrenzenden

Theilen der Municipien Passo Fundo, Palmeira und Sto. Angelo, Provinz

Rio Grande do Sul, von Max Beschoren. 1879.

1880c – (Zur Meteorologie von Südbracilien) in “Zeitschrift der

österreichischen Gesellschaft für Metereologie”, Wien, 1880, Bd. 45, pp.

404-407.

Observações em Palmeira, de janeiro a dezembro de 1879, com

uma série de informações climatológicas do Estado, referindo-se a

observações feitas em Nova Petrópolis pelo Dr. F. Heinsen.

1881 – (Zur Klima von Südbrasilien) in “Zeitschrift der

österreichischen Gesellschaft für Meteorologie”, Wien, 1881, Bd. 16, p.

202.

Dados gerais, de Palmeira, de janeiro a agosto de 1880.

1883a – (Zun Klima von Südbrasilien) in “Zeitschrift der

österreichischen Gesellschaft für Meteorologie”, Wien, 1883, Bd. 16, p.

301.

Divulga observações feitas em Passo Fundo de novembro de 1880 a

outubro de 1881, bem como a média da temperatura em Nova Petrópolis,

em 1880, levantada pelo Dr. Heinsen.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

75

1883b – Höhenmessungen na der Nordgrenze der Provinz Rio

Grande (Brasilien), in “Das Ausland”, München, 1883, (26, II.), Nr. 9, pp.

178-179.

Reproduz da “Gazeta de Porto Alegre” as altitudes verificadas no

norte do R. G. S., acrescidas de outras observações do autor.

1885 – “Zur Lage in der brasilianischen Provinz Rio Grande do

Sul”, in “Export”, Berlin, 8-9-1885, Jg. VII, Nr. 36, pp. 629-361.

Artigo anônimo, que atribuímos a Beschoren, então incursionando

no território do Alto Uruguai, em função de seu cargo na Comissão

Capanema, de estudos sobre a bacia desse rio. Corrobora essa impressão o

fato de ser o artigo datado de S. Luís de Gonzaga e referir-se logo de

inicio ao projeto do Dr. Pinheiro (?) de desmembramento de uma parte do

R.G.S. para constituir a Província do Alto Uruguai. A soma de

conhecimentos que o autor demonstra, justifica igualmente a atribuição de

autoria. Além disso, contém o trabalho uma boa descrição da então vila de

S. Luís de Gonzaga.

1886a – Planta dos terrenos legitimados no Campo novo, Guaryta e

Herval secco, Município de Sto. Antº da Palmeira, Província de São Pedro

do Rio Grande do Sul. Organizada e desenhada pelo agrimensor

Maximiliano Beschoren, 1886. Mss., colorida. 0,m446 x 0,m556.

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,

Mapoteca 3, 1, 18.

Trabalho minucioso, em que se aprecia o levantamento metódico de

toda a zona cartografada.

1886b – Planta do Município de Stº Antº da Palmeira com o

Districto de Nonohay, Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul.

Organizada e desenhada por Maximiliano Beschoren. 1886. Manuscrita,

colorida, original (com assinatura autografa), 0.m,621 x 0.m,655. IHGB,

Mapoteca 3, 1, 24.

Em autógrafo de 13 páginas escritas, assinado no fim: “Santo

Antônio da Palmeira, janeiro de 1887. Maximiliano Beschoren,

agrimensor”, existe no arquivo do mesmo IHGB (lata 133, doc. 14) uma

“Nota explicativa sobre a Planta no Município...”, que complementa esta

carta, com várias coordenadas, histórico das colônias, alturas, dados

Page 76: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

76

meteorológicos, apontamentos geográficos etc. É, talvez, o último trabalho

elaborado por Beschoren antes do suicídio e a letra do manuscrito parece

demonstrar a neurastenia de que já estava possuído.

1887 – Determinação da altura sobre o nível do mar de diversas

localidades na parte noroeste da Província do Rio Grande do Sul. Por

Maximiliano Beschoren, sócio da Sociedade de Geographia do Rio de

Janeiro, in “Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro”, tomo

III, ano de 1887, Rio de Janeiro, 1887, pp. 113-119.

O autor comunica as alturas que encontrou, em várias viagens, de

91 localidades do RGS. É muito mais amplo do que o idêntico aqui

registrado como 1883b.

1889a – Beiträge zur nähern Kenntnis der brasilianischen Provinz

São Pedro do Rio Grande do Sul. Reissen und Beobachtungen während

der Jahre 1875-1887 von Max Beschoren. Mit einer Originalmente.

(Ergänzungsheft Nr. 96 zu “Petermanns Mitteilungen”), Gotha, Justus

Perthes, 1889, IV-91 pgs., 1 mapa.

Além do prefácio de Henry Lange, com uma ligeira biografia do

autor e o esquema de suas andanças, os 15 capítulos compreendem as

observações feitas naqueles doze anos, crescidas de notas históricas,

topográficas, cartográficas, meteorológicas, estatísticas, econômicas etc.

As “Beiträge...”, que foram colecionadas pelo prefaciador, é um

dos mais importantes trabalhos até hoje publicados sobre extensa área do

R.G.S., tanto no aspecto cientifico, como no informativo de caráter geral.

Page 77: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

77

Figura 16: Capa da obra Beiträge, publicado na

Alemanha em 1889, reproduzida na versão em

português.

Fonte: BESCHOREN, 1989, p. 6.

Page 78: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

1907 – Topographia da região missionaria, por Max Beschoren.

(Traduzido do alemão por A.C.), in “Annuario do Estado do Rio Grande do Sul

para o ano de 1908”. Porto Alegre, 1907, p. 122-134.

Constituem traduções, respectivamente, de um trecho e do cap. XI da

obra 1889 a. (Referencias em Canstatt (Oscar), 1876g; Castro (Evaristo Affonso

de) 1887; Hann; Lange 1876, 1880 b, 1888 a; Zitlow).

A obra Beiträge zur nähern Kenntnis der brasilianischen Provinz São

Pedro do Rio Grande do Sul. Reissen und Beobachtungen während der Jahre

1875-1887 von Max Beschoren. Mit einer Originalmente. (Ergänzungsheft Nr.

96 zu “Petermanns Mitteilungen”), Gotha, Justus Perthes, 1889, IV-91 p., 1

mapa. Foi traduzida e publicada.

Page 79: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

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Parte II

Textos de Max Beschoren

Figura 17: Maximiliano Beschoren: engenheiro alemão naturalizado brasileiro, explorador do Alto Uruguai, primeiro grande estudioso da natureza palmeirense.

Fonte: Consta na primeira orelha da obra Impressões (1989).

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TEXTO I

RELATÓRIO SOBRE A EXPLORAÇÃO DE UMA PICADA QUE SEGUE O

RINCÃO DA FORTALEZA PAR A O RIO URUGUAY23

APRESENTADO A ILLUSTRISSIMA CAMARA MUNICIPAL DE

SANTO ANTÔNIO DA PALMEIRA24 PELO AGRIMENSOR MAXIMILIANO BESCHOREN.

INTRODUÇÃO

Nos últimos cinco anos25 os trabalhos da minha profissão levaram-

me diversas vezes a diferentes pontos do vale do rio Uruguay, do maior

rio da nossa província, e tive ocasiões de conhecer a extraordinária

23 Este texto é extraído da obra de Evaristo Affonso de Castro, Notícia descritiva da Região Missioneira, Tipografia do Commerrcial, Cruz Alta, 1887. Artigo VII, p. 300-318. O autor, à pg. 299, informa que o trabalho lhe foi enviado por Beschoren para fazer parte de sua publicação (mais em p. 357). Uma versão com outros detalhes foi enviada para a Alemanha que constam na obra póstuma Beiträge..., que foi traduzida e publicada em 1989, com o título Impressões... Constitui o capítulo VII “Viagem de Pesquisa pela selva do Rio Uruguai (Município de Palmeira)”, p. 97-114. 24

As atas da Câmara Municipal de Palmeira do último quartel do século 19 atestam a viva preocupação do legislativo em abrir comunicações com o interior selvático da comuna. Por exemplo, na prestação de contas enviada ao Governo provincial consta um orçamento, para o ano de 1877, de 13:531$000 (Treze contos, quinhentos e trinta e um mil réis) para o conserto na estrada de Campo Novo, quatrocentos para a picada do Rio da Várzea e quatrocentos para melhoramentos para a picada da Fortaleza ao Rio Uruguai. O historiador palmeirense Mozart Pereira Soares acrescenta sobre essa suposta vereda que nos interessa nesse estudo. “Esse pique permitia, apenas, a passagem de homens montados, em geral em lombo de muares. A mataria, à época, praticamente intacta, oferecia somente essa estreita vereda, numa extensão de mais de trinta quilômetros para se atingir ao Rio da Várzea, e deste, o Uruguai... Seria, mais tarde, o caminho trilhado pelos primeiros povoadores e banhistas das águas termais do Iraí” (Santo Antonio da Palmeira, p. 158). - Infere-se que a exploração levada a efeito pelo Eng. Beschoren na mesma região em 1879, ou não percebeu esse pique, o que é pouco provável, dada sua marcante honestidade intelectual, visível nos seus escritos, ou, como insiste o engenheiro, havia apenas entradas “perdidas”. Esta quantia constante do orçamento de 1876 é a mesma que Beschoren aceitou? Muito provavelmente si. Beschoren nos dá uma informação que parece resolver o impasse. Le-se em seu Relatório que ele escolheu para a entrada no sertão um ponto “que fica um pouco mais para o Norte do ponto por onde, há dois anos, penetrou a Comissão que no fim de 32 dias de internado no sertão, retirou-se sem resultados algum” (dia 28.02). Se fosse dois anos antes, nos dá o ano de 1877. Como não houve sucesso, não preenchendo a cláusula do edital, é de se supor que não percebeu soma alguma. - No Relatório da Câmara de Palmeira, enviado à Assembleia Provincial com a justificativa da receita e despesa para o ano de 1877, constante do “Ofício da Câmara de Vereadores da Vila de Santo Antônio da Palmeira ao Governo da Província” (AHRGS), em 26 de junho de 1877, é novamente pleiteado recursos para a abertura de uma picada que comunique a Fortaleza com o Rio Uruguai (SOARES, 1974, p. 159). 25 Entre 1875 e 1879, após percorrer as regiões de Passo Fundo e Soledade, realizou em junho de 1875 a viagem até Nonoai, “há muito planejada” (BESCHOREN, 1989, p. 41). Em março de 1876 rumou para Campo Novo (BESCHOREN, 1989, p. 53).

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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fertilidade das terras banhadas por esse majestoso rio e de todos os seus

tributários; fiquei convencido da grande importância que, n’um futuro

não muito remoto, terão as ditas terras. Sou testemunha ocular d’esse

paraizo adjacente às margens do Goyo-En26, onde os moradores, com

pouco trabalho, fazem uma fortuna só com o cultivo da cana que, nesse

lugar abençoado pela natureza, vegeta de uma maneira extraordinária27;

vi ali, pela primeira vez em minha vida, cafeeiros tão desenvolvidos que

asseguram um resultado certo, logo que sejam convenientemente

cultivados28; admirei plantações abundantes de todas as espécies, tanto

das que são próprias da zona tropical, como das temperadas, ostentando

tanta vida como em nenhuma outra parte da província.

Contemplei cheio de admiração essas matas que orlam o Alto

Uruguay, cuja vegetação gigantesca extasia o observador: e que

desconhecem inteiramente a potencia do braço humano erguendo-se para

lançá-las em terra; são representantes de uma vegetação secular e mais;

são matas ainda virgens.

Todos esses terrenos fertilizados pelo rio Uruguay compreendidos

entre este e as ditas matas, na sua margem, possuem naturalmente todos

os elementos essenciais para um brilhante futuro. Se a navegabilidade do

Alto Uruguay opõe muito obstáculos, não podendo ser ela franca e

desembaraçada, todavia esses obstáculos desaparecem durante nove

meses no ano, pelas cheias; permitindo em parte a navegação durante os

três meses restantes. A fertilidade de suas terras é já tão conhecida que

desnecessário é torná-la saliente; seu clima é mais suave e saudável que

qualquer outro da província.

O futuro dos municípios de Santo Ângelo das Missões e de Santo

Antônio da Palmeira, cujas divisas abrangem a maior parte do território

de que trato, não pode deixar de ser grandioso, e serão os mais ricos da

região que se denomina “Cima da Serra” logo que o Governo reconheça

esta verdade, e para eles chame a sua atenção, desenvolvendo os 26 Palavra indígena que significa “grande água”. O engenheiro trabalhou oito semanas aí nas margens do rio o Uruguai (BESCHOREN, 1989, p. 47). 27 Nas Impressões o autor reafirma que a principal plantação no Vale do Goyo-En é a cana-de-açúcar. Era usada para fazer cachaça, melado e rapadura. 28 “No vale, há plantações de café, que dão grande lucro aos moradores”. O primeiro cafeeiro plantado no vale do Rio Uruguai foi em terras do município em 1861 (Annaes. OLIVEIRA, 1990, p. 22).

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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elementos naturais que possui, e atraindo assim a população da província

para estes pontos tão ricos naturalmente quanto esquecidos e descurados

do Governo.

Franquie-se à civilização e ao progresso o vasto sertão do Alto

Uruguay; abram-se as portas à cultura dos campos que a colonização será

consequente e espontaneamente, quer de nacionais quer de estrangeiros.29

A parte desse sertão, limitada pelo rio da Guaryta e pelo rio da

Várzea, pertencente ao município de Santo Antônio da Palmeira, só pelos

indígenas tem sido explorada30. Demandando o rio Uruguay, por diversas

vezes se tem feito estradas no fundo do Rincão da Fortaleza, porém sem

resultado algum, pois não tem sido possível alcançá-lo.

No orçamento da Câmara Municipal d’esta vila, para este ano

[1879], foi votada uma verba de quatrocentos mil réis para o

melhoramento do pique que segue do Rincão da Fortaleza, para o rio

Uruguay; verba esta criada sem fundamento algum, porque tal pique não

existe e como melhorá-lo?!

Todas as entradas feitas em demanda da margem do Uruguay

foram perdidas, como já o disse.

Influído desde a primeira vez que vi o rio Uruguay, tencionei

ajudar, por minha parte, o quanto me fosse possível os trabalhos

necessários para fazer conhecida a importância desse rio, e as riquezas de

seu sertão; resolvi-me a fazer, em consequência do edital publicado pela

Câmara Municipal a minha proposta: se houvesse já um pique, obrigava-

me a melhorá-lo, mediante a quantia de quatrocentos mil réis, segundo o

edital; foi esta a minha proposta, pois sem auxilio não podia eu

29 O texto até aqui foi reproduzido por Beschoren na seu manuscrito “Nota explicativa sobre a planta do Município de Santo Antônio da Palmeira... 1987”, que transcrevemos adiante. 30 Com efeito, numa crônica que Beschorem remeteu ao conhecido Carlos von Koseritz publicar em seu Deutsche Zeitung: “A extensa área é quase sem caminhos e atalhos. Quando muito encontra-se antigos caminhos, pouco usados, trilhados pelos índios, para chegarem aos lugares de caça e pesca. Os índios observam rigorosamente uma marcha dentro da floresta, um atrás do outro, motivo que esses atalhos são bem estreitos, mas como atalhos silvestres são bem marcados”. (BESCHOREN, 1989, p. 103). Aliás, também foram os indígenas os informantes para o agrimensor. Nos relatos, no dia 16.03, ele se refere aos índios que lhe tinham dito que o Rio da Fortaleza não desaguava no Uruguai... Igualmente nas “Impressões”, informa que “Os índios me afirmaram que o Rio Fortaleza...”, (BESCHOREN, 1989, p. 108). Outra passagem que mostra explorador em busca de auxílio dos indígenas consta na descrição da excursão pelo Rio Uruguai (27.03) onde reconheceu o “Passo do Vau”, onde “os índios, em tempos remotos, atravessavam o rio e do qual Fongue muitas vezes me falou” (BESCHOREN, 1989, p. 111; 156).

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

86

empreender tal exploração. Não existindo então pique algum; não tendo

certeza da distância e da direção; ignorando os obstáculos à vencer,

previa que a verba determinada pela Câmara não equilibrava-se com as

despesas a fazer, e muito menos para compensar, em parte, o meu árduo

trabalho e perda de tempo, sem resultado pecuniário; contudo resolvi-me

a fazer o trabalho tendo em vista o serviço que prestava ao município, e

em geral a Região Missioneira; deixando que dessem ao meu trabalho o

valor que ele merecesse pelo difícil de sua execução.

Não me limitei a abrir um pique de medição que só permitisse

trânsito à cargueiros; levantei a planta competente e fiz o nivelamento de

toda a estrada percorrida. Para este fim trouxe de Santa Cruz, dois

barômetros e aneroides, que tinham sido empregados com bom resultado

em diversos serviços pelos meus amigos, os ilustrados Engenheiro

Carlos Trein Filho e Frederico Guilherme Bartholomay; estes dois

instrumentos estão marcados com os números 50803 e 50806, e foram

certificados e confrontados com os barômetros normais do Instituto

central para magnetismo terrestre e meteorológico em Viena. Limito-me

apenas a nomear os instrumentos que empreguei, por não ser esta a

ocasião de expor as observações que fiz, e os complicados cálculos que

resolvi.

Não quis limitar a minha exploração somente a esta picada, no

sertão entre o Rincão da Fortaleza e o Rio Uruguay, fui mais além, fiz

também o reconhecimento do grande rio da Várzea a respeito de sua e

navegabilidade. Nenhuma exploração se tinha ainda deste importante rio,

ninguém havia ido até a sua barra com o Uruguay, e por isso julguei de

interesse geral fazê-lo, contratei o Sr. Frederico Gomes, e mais dois

companheiros para descerem n’uma canoa grande, o rio da Várzea e o

Uruguay até encontrar-nos, para depois subirmos até o Passo da Estrada

que desta Vila segue para a freguesia de Nossa Senhora da Luz de

Nonohay.

No dia 25 de Fevereiro do corrente ano segui desta Villa para o

Rincão da Fortaleza a fim de fazer aí os preparativos necessários para tão

penoso serviço. Julguei deparar aí com todos os recursos de que

necessitava; porque diziam os moradores, que tomavam o maior interesse

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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pela exploração, que trar-lhes-ia uma nova via de comunicação e de

comércio, e sendo assim, mais facilidade em adquirir trabalhadores,

mantimentos e o mais necessário, contando encontrar aí auxiliares que de

boa vontade se prestassem e facilitassem a execução de meu plano, por

eles tão almejado. Fui completamente iludido na minha ideia, só deparei

com homens que só os move o interesse e que prevalecem-se da ocasião

para demonstrarem o quanto são inúteis a si e a sociedade; que só visam

o lucro e esse gordo. Com grande custo pude reunir pessoas

indispensáveis para o serviço; pois que não podia sujeitar-me a grandes

salários. Tive em resposta muitas vezes o seguinte: É o nosso dinheiro

mesmo, o nosso suor; são os direitos que pagamos e agora é ocasião de

ganhá-lo! Se avaliassem o alcance e importância do trabalho e o

comparassem com a exiguidade da quantia concedida, tal não diriam;

porém infelizmente, entre nós, poucos pensam com a retidão e boa fé,

que só pode surgir da boa educação e da indispensável instrução. Não

compreendiam ou faziam não compreender que grande parte do dinheiro

que tinha de dispender saía do meu bolso, por isso que a quantia votada

estava muito aquém da necessária, e se insistia a levar a efeito a

exploração era porque ia prestar um serviço ao município. Só uma

exceção encontrei na pessoa do Sr. Martins Ayres, que,

desinteressadamente, foi incansável em empregar os meios para reunir os

trabalhadores precisos, remover todas as necessidades e dificuldades.

Ordena a gratidão e o dever que torne bem saliente o meu

reconhecimento pela maneira nobre e patriótica, com que desfez todas as

dificuldades que se apresentavam para a realização da exploração. Meu

eterno agradecimento a tão distinto cidadão. Temos no Sr. Martins Ayres

o antídoto contra a indolência e o indiferentismo que caracteriza uma

grande parte do nosso povo.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Figura 18: Mapa do Município de Santo Antônio da Palmeira e Distrito de

Nonoai, datado pós 1900, ano da fundação da Colônia New Wüttemberg (atual

Panambi, no quadro em destaque), de propriedade de Hermann Meyer, que

organizaram o mapa, calcada sobre a “Planta” do Agrimensor Beschoren, de 1886.

Destaque para a “Picada da Exploração”, que parte de Fortaleza (atual Seberi) até o

Rio Uruguai, aberta em 1879. - Veem-se também as denominações de localidades e

rios, além de grandes proprietários.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Figura 18: Mapa do Município de Santo Antônio da Palmeira e Distrito de Nonoai, datado pós 1900

Fonte: Centro de Documentação e Pesquisas Históricas. CEDOPH.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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A 28 de Fevereiro, depois de ter ultimado os preparativos

indispensáveis para a exploração, acampei no fundo do Rincão da

Fortaleza, a tarde fiz ainda uma diligência para o último fundo do

mencionado Rincão a fim de fazer um reconhecimento, e determinar o

ponto da entrada no sertão, que fica um pouco mais para o norte do ponto

por onde, há dois anos, penetrou a comissão que no fim de 32 dias de

internada no sertão, retirou-se sem resultado algum.

Do mapa da província, organizado pelo ilustrado engenheiro, Dr.

Eleutherio de Camargo, atualmente membro da Assembleia Geral

Legislativa, e de outro mais moderno (1876), organizado pelo Ministro

da Agricultura, como de diversos roteiros que tenho em meu poder, e as

informações que colhi, há alguns anos, combinei um rumo geral, que me

conduziria pelo caminho mais curto, a meu desejado fim, acompanhando,

mais ou menos, a coxilha mestra, evitando os terrenos dobrados nas

caídas para o rio da Várzea e o da Fortaleza. Segui o rumo de 18º para

Noroeste magnético, e foi tão acertado que o poderia seguir na extensão

de mais de 20 quilômetros.

No 1º de Março entrei no sertão com 8 pessoas, 4 cargueiros e um

cavalo encilhado. Abrimos n’esse dia 2.100 metros em terreno favorável,

tendo apenas, logo na entrada uma descida meia forte, que se inclina para

um pequeno arroio, denominado Arroio da Entrada, que deságua no rio

da Fortaleza; do outro lado o terreno sobe um pouco, formando em

seguida um chapadão, que desce suavemente para um banhado que

deságua para Oeste, subimos depois uma pequena elevação de terreno

descampado até 1.450 metros, para outro banhado, que forma cabeceiras

tanto para Leste como para Oeste.

Determinei nesse dia, por meio do Aneroide nº 50.806 a altura de

5 pontos, isto é, a altura sobre o nível imaginário, onde a pressão

atmosférica é 762 mm., para depois confrontar estes resultados com os

correspondentes feitos no meu observatório em Santo Antônio da

Palmeira; calcular a diferença de altura desses pontos com este nível.

No dia seguinte abrimos, sempre no mesmo rumo de 18º Noroeste

magnético, 2.100 metros, cruzando cinco vertentes que deságuam todas

para o N. E., o que prova que o rumo seguiu muito bem pela coxilha

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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mestra. O terreno era pouco ondulado, com declives mais fortes, porém

unicamente para os lados das vertentes. São estas caídas do terreno

favorecidas pelo xaxim de espinhos uma Monocotylidom, que se

encontra em toda a província.

O mato é branco, misturado com pinheiros, Araucaria braziliensis.

Determinei a altura de doze pontos para a construção do nivelamento

geral do traço percorrido.

No dia 3 de Março abrimos em terreno mais dobrado do que os

anteriores, somente 1.600 metros, porque a tarde a chuva impediu o

trabalho. Cruzamos uma vertente que nasce de uma lagoa grande, que

fica em um chapadão, pouco a esquerda da picada e depois de termos

passado mais dois coxilhões descemos para um lajeado, que corre para

Leste, subindo em seguida uma coxilha, denominada Coxilha do

Macaco.

Fizemos pouso nesse dia do lado direito do mencionado lajeado,

que denominado Lajeado dos Tigres, por ter muitos rastos destes animais

nas suas imediações. Neste dia desapareceram os pinheiros: e o mato é

muito branco, muito forte e levantado e fechado de taquaras e taquaras-

assú de uma grossura enorme. A jabuticaba, da família das mirtáceas,

Eugenia canliflora encontram-se em diversas manchas; as terras são

todas boas para qualquer cultura, e nos chapadões encontra-se urtigas

bravas, de um crescimento que não se dá igual em outra parte; prova de

que as geadas nesse lugar não fazem mal a vegetação, pois que esta

planta é muito sensível aos efeitos d’este inimigo capital do reino

vegetal. Determinei n’esse dia a altura de 7 pontos.

O dia 4 foi para nós muito trabalhoso e sem resultado equivalente

a nossos esforços; só abrimos 1.350 metros porque tivemos que

atravessar por uma derrubada feito pelo vento e cheio de Criciúma ou

taquara-póca, que dificultou muito o serviço. Determinei a altura de 7

pontos, e acampamos nas cabeceiras de uma vertente muito barrancosa,

que denominei Sanga-feia.

O dia seguinte, 5 de Março, foi-nos também muito desfavorável,

porque a Criciúma era tão basta que, com muito custo, abrimos 1.550

metros. Determinei a altura de 8 pontos. Passamos nesse dia uma sanga e

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um lajeado, que corre para Oeste; a descida para esse lajeado é muito

suave, e suas margens apresentam uma várzea alegre e bonita; foi

denominado Lajeado alegre.

No dia 6 de Março, seguindo sempre o mesmo rumo de Noroeste

e 18º magnético, abriu-se 2.250 metros em terras pouco ondulosas e

matos brancos, favorável. Chegamos, logo ao princípio, em um lajeado,

que corre para Leste, e subindo depois 250 metros, chegamos no alto de

um chapadão, onde deparamos com uma grande lagoa “Lagoa da

Jabuticaba”; d’aí, seguimos sempre pelo chapadão mais 500 metros até

outra lagoa “Lagoa das Antas” onde completamos 1 ½ légua de entrada

no mato. Denominou-se esta coxilha “Coxilha das lagoas”. Descendo

este chapadão encontramos uma sanga não muito profunda e mais umas

cabeceirazinhas, que todas desaguam para Oeste; abrindo nesse dia a

picada até o alto de uma coxilha pequena.

Fomos mais felizes no dia 8, encontrando terreno muito limpo e

grandes porções de uma espécie de capoeira alta em terreno pouco

onduloso. Atravessamos nesses dias dois lajeados: o dos “Palmitos” e o

dos Saltinhos, que correm para N.O., e circulam a coxilha dos Palmitos,

o chapadão mais lindo que encontramos. Não se pode deparar com um

lugar mais aprazível para habitação do homem: a alegria da natureza, a

fertilidade do solo, abundancia d’agua, em fim tudo quanto precisa o

homem laborioso para a sua felicidade e prosperidade, aí depositou a

natureza. N’esse dia com a abertura de 2.400 metros completamos as

duas léguas. Determinei a altura de 7 pontos para a construção do

nivelamento; pontos principais.

Continuamos o serviço no dia 8 de Março, varando uma vertente

logo no princípio, que se dirige para Oeste e subindo uma coxilha,

chegamos a um chapadão estreito, no qual, bem no cimo, mandei a um

dos trabalhadores trepar num pau, bastante elevado, para observar o

terreno; podendo-se assim reconhecer que à esquerda seguia-se uma

canhada muito funda paralela a nossa picada, e a pouca distância o

canhadão do “Lajeado do Saltinho”, cruzado por nós no dia anterior; que

o terreno em nossa frente abaixava-se para formar a canhada, que se

juntava com a primeira um pouco à esquerda da direção de nossa picada;

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que do outro lado d’essa canhada, bem na nossa frente, parecia que se

estendia um chapadão muito comprido, porque não se avistava mais

coxilha alguma, que só muito longe, talvez na distância de três léguas,

aparecia um serro muito alto, ficando esse serro um pouco à esquerda da

direção de nossa picada; julguei que esse serro estaria nas proximidades

do Uruguay, deste ou do outro lado. Demos á esta coxilha o nome de

“Coxilha da Boa Vista”. Deste alto, o terreno desce muito suavemente

até um lajeado, que toma a direção de Oeste; dando-lhe a denominação

de “Lajeado das Tunas” por haver nesse lugar grande quantidade destas.

Aqui acampamos por alguns dias, porque foi-nos preciso mandar uma

parte da gente com cargueiros para o campo afim de prover-nos de mais

mantimentos, que se achavam no nosso depósito, pela impossibilidade de

os podermos fazer quando nos internássemos mais. Descasamos o dia

seguinte, que era um Domingo; divertindo-se o pessoal na caça e em

melar, e não foram baldados os seus esforços: logo abaixo do nosso

acampamento o lajeado forma dois grandes saltos, e daí em diante suas

margens são guarnecidas em grande extensão de altos paredões de pedra.

À tarde e durante a noite caiu copiosa chuva: apesar de estar o mato

muito molhado continuamos no outro dia a nossa exploração, porém

fomos obrigados a parar, pela copiosa chuva que caiu ao meio-dia,

voltando para o acampamento, molhados e fatigados. O mau tempo não

permitiu que voltassem os companheiros que tinham ido buscar

mantimentos; e tendo adoecido dois dos nossos, resolvi demorar-me

neste acampamento o dia seguinte 11 de Março.

No dia 12 prosseguimos no nosso serviço de abrir a picada,

trabalhando num solo pouco dobrado e em matos favoráveis, passando

diversas vertentes que se dirigem todas para Oeste, e que sem dúvida são

afluentes do rio Guaryta, que nesta altura faz confluência com o rio

Fortaleza. Completamos n’esse dia 18 quilômetros de picada. Voltando

para o acampamento encontramos com os companheiros, que se achavam

de volta do campo, com os quatro cargueiros carregados de mantimentos.

No dia seguinte levantamos o acampamento, que já ficava muito

distante do lugar em que estava o serviço.

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Estabelecemos ele num lajeado bonito, que corre para Oeste.

Demos-lhe o nome de “Lajeado dos Tigres” porém esse nome foi logo

substituído por outro, como depois narrarei o fato. A tarde continuamos a

abertura da picada até o tope da “Coxilha Alta” onde fincou-se a estaca

que marca 3 léguas de extensão. No dia seguinte quando nos

dispúnhamos para continuar os trabalhos, vi-me obrigado a repreender

um dos companheiros, por não querer sujeitar-se à disciplina

indispensável num serviço desta ordem e no sertão; ele manifestou-se

ofendido, desejando regressar, sendo com ele concordes mais 3

companheiros, que sem dúvida já se achavam possuídos de cansaço e

procuravam motivo para despedirem-se!! Não posso deixar de declinar o

nome destes quatro trabalhadores que já tinham patenteado a sua má fé,

por isso que logo no terceiro dia de exploração, queriam forçar-me a

elevar o jornal, que comigo tinham ajustado, quando nos achávamos

ainda no campo, e nessa ocasião ficando concordes, discordavam agora

que tínhamo-nos internado no mato. Vendo eles que me não sujeitava a

imposições, ameaçaram-me. Para não interromper o trabalho, apenas

iniciado, tinha-lhes prometido uma gratificação, além do salário, quando

chegássemos no Uruguay, à qual eles tinham perdido o direito a vista do

procedimento irregular que haviam tido. Os seus nomes são: João

Antônio de Oliveira, Claudino Ponço [Poncio], um filho deste, José

Ponço [Poncio], e mais um neto, todos moradores do Rincão da

Fortaleza. Disse-lhe que decididamente não me sujeitava à imposições,

que a picada estava franca e que podiam retirar-se. Com esta minha firme

resolução abandonaram o serviço, retirando-se.

A retirada de quatro homens foi com efeito um grave incidente

para a continuação do serviço; porém, preferi lutar mais algum tempo

para conseguir o meu fim, do que perder a força moral, e abrindo assim

um mau exemplo para os outros, que mais tarde fariam o mesmo, tornar-

se-iam também indisciplinados, e colocar-me-iam em sérias

contingências. Cortei a cabeça a hidra, firmei a disciplina e o respeito;

retemperei-me e prossegui na exploração. Denominei a esse lajeado

“Lajeado dos 4 desertores”.

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Fiquei com apenas quatro homens; porém que valiam tanto como

se fossem os oito: decididos a acompanhar-me (expressões deles) até o

fim do mundo. Realmente o pessoal tornou-se insuficiente para um

trabalho tão árduo e fatigante. Por vezes julguei impossível a realização

do meu fim; porém confiando no brio, na coragem e no poder da vontade

que se manifestava nos que ficaram, não desanimei, e pelo contrário

cresceu de ponto a minha resolução de chegar às margens do suntuoso

Uruguay.

Abrimos nesse dia, memorável na história da nossa exploração,

1.250 metros; uma parte no chapadão da mencionada “Coxilha Alta”

onde deixamos a “Lagoa das Palmeiras”, outra parte em descidas fortes e

terreno cheio de obstáculos para o serviço. Para dar passagem a nossos

cargueiros tivemos de abrir um trilho num solo pedregoso; quebrando

pedras e removendo-as. Passamos um lajeado quase seco e fomos fazer

pouso em um outro lajeado muito espraiado, do lado esquerdo, também

com pouca água que se achava depositada em alguns poços.

No dia 15 de Março, deixando o nosso acampamento nesse lugar,

continuamos o pique pelo lado direito do mesmo lagoão; subimos um

coxilhão muito alto e de forte descida; ainda que convencido da

impossibilidade de transitar por esse lugar com cargueiros, prossegui, e

completei 22 quilômetros no alto da coxilha, que denominamos “Coxilha

das Ortigas” pela quantidade e dimensões extraordinárias desses vegetais

nessa coxilha. As caídas desse chapadão são tão bruscas e talhadas tão

perpendicularmente que quase se tornava impossível continuar nelle o

pique; contudo dificilmente descemos até o fundo de uma acanhada

muito estreita, onde existe um lajeado seco. Resolvi seguir por esse

lajeado seco abaixo até o lajeado do nosso acampamento, e abrir a picada

para cargueiros por ele até o acampamento.

No dia seguinte mudamos o acampamento para o novo ponto, com

o intuíto de prosseguir nos trabalhos, depois de descobrir o traçado que

me parecesse melhor adotar. Tínhamos deixado uma parte dos

mantimentos no penúltimo acampamento para facilitar a nossa marcha,

resumindo a bagagem. Este fato deu a esse lajeado o nome de “Lajeado

do depósito”.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Achava-me em dúvida quanto ao “Lajeado de depósito”, isto é,

qual a sua direção, e onde iria desaguar. Observando o rumo geral era-se

levado a crer que ele não desaguava nem no rio da Guaryta nem no da

Fortaleza, porém no Uruguay. Consultando o mapa da província acha-se

acima da barra do rio da Guaryta do rio da Fortaleza, denominado na sua

foz Rio Pardo, porém como os índios e outras muitas pessoas me tinham

dito, o rio da Fortaleza não deságua no Uruguay e sim no Guaryta, de

sorte que a barra de que se trata, do rio Fortaleza ou Pardo, deve ser de

um outro arroio grande, e nesse caso podia ser o “Lajeado de Depósito”

cujo leito é já grande neste lugar, e deverá formar uma barra muito larga.

A verificar-se a minha hipótese, convinha mais seguir por este

lajeado abaixo que transpor uma serra muito alta; e nesse caso mandei

dois homens para procederem a exploração do lajeado. O resultado não

foi muito satisfatório: os exploradores voltaram no dia 17, dizendo-me

que pelo que tinham observado o lajeado deveria fazer barra com o

Uruguay, porém que a sua acanhada tornava-se tão estreita que em

muitos lugares os paredões chegavam até o barranco; que era impossível

abrir por ali a picada. Ao mesmo tempo procedi a exploração do espigão

em nossa frente, e verificando que dava trânsito para cargueiros decidi-

me a seguir outra vez o primeiro rumo de 18º N. O. magnético.

No dia 18 de Março continuamos o serviço, subimos com

facilidade ao alto do espigão e transpondo um comprido chapadão, eis

que de repente abre-se em nossa frente uma canhada muito funda,

guarnecida dos lados de paredões altos, e sem poder descobrir um

desvio. Descemos até um lajeado seco, e seguimos por ele abaixo até a

barra do “Lajeado do Depósito”; lugar este lindíssimo, de ricas pastagens

para animais, e daí voltamos pelo Lajeado acima até o nosso

acampamento.

Crítica tornou-se então a nossa situação, animado pelo grande

desejo de levar a completo fim a nossa exploração, fomos frustrados na

nossa esperança pelos obstáculos que, naturalmente, íamos encontrando,

obstáculos impossíveis de serem removidos por falta de pessoal. Não nos

faltava a força moral; porém a física se tinha abatido diante de tantos dias

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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de pesado trabalho e privações de alguns cômodos que são

indispensáveis à saúde.

Um dos nossos companheiros quase que já não podia mais

caminhar, e ainda assim estava pronto a empregar os últimos esforços, e

dizia repetidas vezes: havemos de chegar a margem do Uruguay, ainda

que lá caíamos mortos de fadiga e privações. O que posso afirmar é que,

com tais companheiros não se desanima, não; morre-se com obrigação e

coragem. Honra e glória a tão fortes espíritos, a tão denodados patriotas.

No dia 19 abrimos o caminho para cargueiros desde o “Lajeado do

Depósito” até a “Barra Alegre”, numa extensão de 1.354 metros,

seguindo diversos rumos, como se pode ver no resumo que se acha junto

a este relatório. Fizemos pois o nosso acampamento nesse ponto “Barra

Alegre”, deixando toda a bagagem, animais, etc. etc, na “Lagoa do

Deposito”; levando apenas os objetos indispensáveis e mantimentos para

quatro dias.

Íamos todos bem carregados, é só quem conhece o trabalho d’esta

ordem é que pode fazer uma ideia do que se passa no sertão, e quais as

privações e fadigas que se suportam.

O brio e a dignidade é tudo, o homem que possui estas qualidades

prefere a morte a mostrar-se indigno do fim social a que foi destinado.

Abrimos nesse dia do rumo Norte 840 metros da picada

fraldeando um serro muito alto, com caídas fortes para Leste, e

pousamos numa pequena vertente.

No dia 20 de Março mudei o rumo para 30º N.O. afim de alcançar

o chapadão do serro, subindo 400 metros por um terreno muito elevado

até que chegamos ao alto, continuando depois o trabalho, abrimos mais

373 metros em terreno pouco inclinado. Para alcançar outra vez a altura

do primeiro rumo 18º N. O. magnético, tomei a direção do Norte

verdadeiro (variação 5º para Leste) abrindo mais de 400 metros em

terreno pouco inclinado. Dificilmente podemos achar um lugar

conveniente para fazer pouso, por que havia muita falta d’água,

denotando não ter havido chuvas, pois até as folhas das árvores do mato

estavam murchas ou secas. Determinei a altura de 6 pontos.

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No dia 20 continuamos pelo chapadão, porém subindo sempre e

no rumo do Norte verdadeiro, percorrendo a distância de 1.700 metros.

Determinei a altura de cinco pontos.

Esse dia trouxe-me muita esperança; porque para mim não havia

dúvida que o grande chapadão em que estávamos não podia deixar de

descambar para o Uruguay.

Continuamos no dia 21 com o serviço, e depois de 350 metros

chegamos ao ponto mais culminante, donde se gozava de uma vista

deliciosa, limitada por um vasto horizonte. Estávamos no cimo da serra

do Uruguay; porque era este o mais alto de todos os espigões que se

avistavam; porém não podíamos bem reconhecer a canhada do Uruguay

– o fim de nossas fadigas! Descemos desse ponto para um lajeadinho que

alcançamos com 1.030 metros; sesteamos servindo-nos do pouco

mantimento que nos restavam e que tão pouco era, que foi-se todo nessa

ocasião.

Com a certeza que tinha que o Uruguay não podia distar muito, e

desejando dar animação aos companheiros, convidei-os a deixar do

serviço e irmos em procura do dito rio; ficando a abertura da picada para

depois de o havermos encontrado e reconhecido.

Seguimos por um lajeadinho que corre para Leste, e depois de

passarmos por dois saltos muito altos, chegamos a um lajeado; seguimos

por ele abaixo, e só encontramos alguns poços com pouca água e alguns

montes de peixes mortos; razão porque foi ele denominado “Lajeado dos

peixes mortos”. A tarde tivemos a felicidade de matar um bugio, que nos

forneceu uma boa ceia, por isso que a não tínhamos melhor; porque,

como já disse, ficamos baldos de mantimentos.

No dia seguinte, Domingo 23 de Março continuamos a marcha

pelo lajeado abaixo, e muito nos alegrou e animou o murmúrio de uma

cachoeira que feria os nossos ouvidos, anunciando-nos que o Uruguay

estava próximo; assim prosseguimos até as 11 horas, quando de repente

ouvimos grande bulha d’água numa volta muito perto; fenômeno este

que só poderia ser produzido pelas águas do Uruguay! Então já não

caminhávamos, corríamos sem respeitar os espinhos e criciúmas que

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cerravam completamente o mato, e assim nos conduzimos até abordar a

margem do Uruguay!!

A nossa alegria foi indescritível. Fizemos ecoar nesse lugar o

ribombo de nossas armas, anunciando a essas matas seculares que

homens civilizados ali se achavam, cheios de júbilo por terem

conseguido o fim de sua exploração, e admirá-los por tantas belezas

naturais, completávamos o grandioso espetáculo que só a mão do Criador

do Universo pode patentear ao homem, na imponente cena em que lhe

descortina o majestoso Uruguay. Se há momentos na vida que o homem

nunca pode esquecê-los, este é um deles!

A animadora presença do Uruguay, o imponente murmúrio de

suas águas e um pouco de sua refrigerante linfa, fizeram-nos esquecer

dos sofrimentos e privações que suportamos durante os 23 dias que

percorremos o sertão em procura d’esse importantíssimo rio; pode dizer-

se que é o Eldorado da Região Missioneira; o futuro celeiro da nossa

província, por que pode produzir para abastecê-la de tudo, e ainda para

exportar.

Como ficou dito estávamos reduzidos a não ter mais o que comer

por haver-se esgotado todo o nosso provimento de comestíveis, e só

apelávamos para as caças, que abundam nesse sertão; porém desde que

nos podemos mirar nas aguas do Uruguay desapareceu todo o nosso

receio de mitigar a fome com a carne de bugio.

Resta-nos ainda um pouco de sal; pescaremos os habitantes destas

águas e com o sal que temos faremos um delicioso prato; tomaremos

depois o nosso mate de folhas de Camboim, com a límpida água do

Uruguay, aquecida na nossa original chaleira de gomos de Taquaruçu, e

a noite dormiremos tranquilos e embalados com o ruído das cachoeiras

que se despenham. Assim dito por mim e aceito pelos companheiros,

depois de descansarmos um pouco, lançamos as linhas n’água e filamos

um Dourado, Coriphono, que pesava quase dezesseis libras!

Para chegarmos ao cúmulo do contentamento só nos faltava

encontrar os companheiros a quem determinei que descessem em uma

canoa pelo rio da Várzea a fazerem junção conosco no lugar em que nos

achávamos. Tinha ciência que o sr. Francisco Gomes, a quem incumbi

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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dessa missão, tinha embarcado no dia 14 de Março com mais dois

companheiros; porém não tinha certeza se puderam efetuar a descida. Os

moradores do Rincão da Fortaleza me tinham dito que essa empresa era

inexequível, por causa de um grande salto, que tem o rio; todavia tal

notícia não me desanimou, o que me fazia duvidar do bom êxito desse

empreendimento era o estado de seca em que se achava o Uruguay,

trazendo muitos óbices à navegação. Cumpria-nos esperar por eles, pelo

menos 8 dias, e se nesse lapso de tempo não tivéssemos o prazer de os

ver e apertar a mão a tão intrépidos navegantes, poderíamos tirar a triste

conclusão de que não puderam vencer as dificuldades; não conseguiram

descer, e só nos restaria a esperança de vê-los no nosso regresso. Neste

acordo mandei a gente necessária ao acampamento da “Barra Alegre”

para conduzir os mantimentos que aí tínhamos deixado, e que

presentemente nos faziam falta.

O tempo que até esse dia tinha-nos favorecido com belos dias e

serenas noites, toldou-se, e à noite choveu abundantemente, causando-

nos um mal estar, porque não tínhamos o abrigo necessário para suportar

copiosas chuvas, e assim é que passamos uma noite bem incômoda;

porém tínhamos conseguido o nosso almejado fim; estávamos satisfeitos

e contentes, e já acostumados aos sofrimentos, encarávamos as

decepções com resignação e coragem.

No dia 24 de Março mandei três pessoas ao acampamento

referido, ficando eu e um companheiro, passamos muito mal esse dia e o

seguinte, pois que continuou o mau tempo e nos estávamos expostos sem

meios de minorar o seu rigor, tendo por alimentação peixe assado

acompanhado do singular mate ou chá de Camboim!

O dia 26 de Março raiou para nós cheio de esperanças, que se

realizaram: ao meio dia chegaram os companheiros com os víveres que

lá se achavam depositados; e aprontamos logo um almoço melhor que os

dois anteriores. Nesse interim avistamos uma canoa! Uma canoa,

exclamaram todos!! É realmente uma canoa! Disse eu. Que agradável

surpresa! A nossa alegria tocou ao extremo do contentamento! Ansiosos,

esperávamos abraçar os companheiros.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

101

A canoa evitando uma corredeira e procurando atalhar uma volta

do rio, dirigiu-se para a margem oposta a em que estávamos, bem em

nossa frente; trocaram-se então as demonstrações de regozijo: nós

atroando os ares com salvas e vivas, que era correspondidos no auge do

entusiasmo pelos tripulantes da canoa. Nestas ocasiões o tempo nos

parece moroso em sua marcha, e o desejo veemente de abraçar aqueles

por quem ansiosamente esperávamos, impeliu a meus companheiros a

abraçar os que tripulavam a canoa, e lançando-se ao rio foram juntar-se a

eles; e em triunfo, com vivas e urras conduziram a canoa ao “Passo da

Boa Esperança” onde desembarcaram. Eram os três intrépidos e ousados

navegantes, que há 13 dias desciam pelo rio em demanda do Uruguay;

eram os três argonautas que depois dos maiores sacrifícios, vencendo

com a coragem, quando se lhes antepunha a seu intento; expondo até a

própria vida, abraçavam os seus companheiros de fadigas e labores, e no

transporte [transborde?] da mais expansiva alegria viam coroado o seu

desejo, e terminada a sua importante e difícil missão!!

A minha satisfação foi completa: consegui e de um modo feliz e

brilhante aquilo que outros não poderão obter, e convenci-me ainda uma

vez o quanto é potente a força de vontade.

Cuidamos logo em levantar um rancho que nos abrigasse das

intempéries do tempo, que parecia querer transtornar-se; fizemos uma

grande limpa, derrubando quanto nos pudesse interceptar a vista, e

ocultar a nossos olhos o memorável “Passo da Boa Esperança”! O Sr.

Gomes, chefe da exploração fluvial, fez-me ver que era impossível subir

o rio pela circunstância da seca, pois que a descida já tinha sido muito

penosa; tendo de, por vezes, arrastar a canoa por sobre as corredeiras, e

muitas vezes por grande extensão. Conversamos sobre a navegabilidade

do rio da Várzea, e é elle de parecer que este rio não tem tantos

obstáculos a vencer-se como o Uruguay; que passaram dois saltos em

que foi preciso descarregar a canoa, para facilitar a passagem; isso

porque o rio achava-se com pouca água, porém que logo que haja água

regular a navegação se faz com muito menos dificuldades do que no

Uruguay. As margens do rio da Várzea, quatro léguas acima da barra são

todas planas, e de terras fertilíssimas, sem uma só serra. Do lado direito

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

102

de suas margens está a maior barra do “Lajeado Grande”, quase igual a

do rio da Várzea, e na margem direita, a do “Arroio do Braga”; quatro

léguas acima da barra com o Uruguay.

Os nossos audazes navegantes gastaram 7 dias de viagem,

compreendidos do dia em que se embarcaram até alcançarem o Uruguay

no “Passo da Boa Esperança”, percorrendo a distância de 16 léguas, e

fazendo pouco mais de 2 léguas por dia (2 2/7 léguas).

Senti ter perdido a ocasião de reconhecer a barra do rio da

Fortaleza, denominado na sua foz “Rio Pardo”, pois deparei com tantos

obstáculos que impossível tornava-se a descida pelas suas águas.

No dia 27 de Março fomos rio acima a distância de ¾ de légua até

um pequeno salto, que julgo ser a corredeira denominada pelos

navegantes, dos “Macacos brancos”, e pelos indígenas o “Passo do vau”.

A seca tinha produzido nesse lugar quadros bem interessantes: O rio

tendo em toda a sua extensão a largura média de 300 metros, estreitara-se

nesse lugar, tendo apenas a largura media 10 metros: formando um

profundo canal pelo qual cursavam suas águas; descortinando ao

observador a base de seu leito, seco em parte e em outros pontos

formando lagos e rochedos.

À margem que limita a província do Paraná existe uma larga

várzea, e mais acima, depois de alguns pequenos saltos, vê-se umas

coxilhas altas, que se inclinam para o rio. O solo é pouco onduloso e em

grande extensão alagadiço, e só na barra do “Passo da Boa Esperança” o

rio muda de direção, dirigindo-se para N. O. descortina-se um alto

espigão que vem morrer nas costas do Uruguay.

No dia 28 do dito mês tratamos da retirada: atamos a canoa num

galho de uma árvore alta; guardamos os remos e mais objetos que não

podíamos transportar, e continuamos a abrir uma picada pelo “Lajeado

despraiado” acima; executando esse trabalho na extensão de 3.030

metros em rumos diversos, como se pode ver do resumo que está junto a

este Relatório. Seguimos sempre o lajeado pela margem esquerda, até a

sua barra como “Lajeado dos Peixes”, e aí fizemos pouso. Os dias

chuvosos e tempestuosos que tínhamos tido anteriormente impediu-nos

de pescar e preparar alguns peixes para o regresso, de maneira que nessa

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

103

noite dormimos sem receio de sermos acometidos por alguma indigestão

ou apoplexia. Preferíamos dormir com o estômago vazio a comer o resto

do arroz que tínhamos com um pouco de sal, lembrando-nos do dia

seguinte. O sono modificaria em parte a nossa fome.

Seguimos no dia 29 do mesmo mês pelo “Lajeado dos Peixes

Mortos” abrindo uma picada de 2.870 metros; matamos felizmente uma

anta, tapirus americanos, que nos forneceu bastante carne para alimentar-

nos. No dia seguinte continuando o mau tempo, e impossibilitando-nos

de abrir a picada, prosseguimos mesmo assim, sem picada até o lajeado

onde tinha parado com a medição no dia 22; e seguindo a picada formos

ter ao acampamento, onde tínhamos todos os recursos.

Encontrei neste lugar dois homens que tinham vindo com o fim de

se contratarem para o serviço, e pouco depois chegaram mais três com o

mesmo fim. Depois da exploração concluída é que apareceram

trabalhadores, que se tivessem vindo 14 dias antes ter-nos-iam poupado

muitos sacrifícios e suavizado o serviço, porque teria sido feito por maior

número de pessoas, e por conseguinte com menos esforços para cada um.

Raiou o dia 1º de Abril com suas peças e petas, e não ficamos

isentos, pois pregou-nos o logro de ficarmos detidos na barraca e nos

ranchos pela torrencial chuva com que nos obsequiou.

No dia 2 concluímos o resto da picada que faltava. Principalmente

o serviço nesse dia do lugar em que havíamos deixado a medição no dia

22 de Março, e medimos em três rumos diversos 1.475 metros,

desviando os fortes paredões que ficaram a nossa direita; passando por

duas vertentes, fomos ter no “Lajeado dos Peixes Mortos”. Nesse mesmo

dia seguimos pelo lajeado baixo 515 metros, e fizemos pouso. À noite

voltou a chuva bastante forte e molhou-os completamente, e neste estado

vimos o amanhecer do dia três. Matamos nessa mesma madrugada um

leão, Felisconlor. Acompanhando o lajeado abrimos nesse dia em 6

rumos diversos 2.337 metros de picada, isto é, até o ponto em que

tínhamos deixado a medição no dia 30 de Março, ficando assim

concluído o serviço. Voltamos nesse mesmo dia para o acampamento,

alcançando-o já perto da noite. No dia quatro de Abril principiamos a

regressar; pousando de noite no “Lajeado das Tunas”, e na tarde do dia 5

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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chegamos, com feliz viagem, no campo do “Rincão da Fortaleza”, depois

de 36 dias de internação pelo mato.

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TEXTO II

RESUMO DOS DADOS E RESULTADOS COLHIDOS NA

EXPLORAÇÃO E ABERTURA DA PICADA. QUE, PARTINDO DO

“RINCÃO DA FORTALEZA”, SEGUE ATÉ O “PASSO DA BOA

ESPERANÇA”, NA MARGEM ESQUERDA DO RIO URUGUAY,

N’UMA EXTENSÃO DE 38 QUILÔMETROS E 330 METROS.

Transcrito da obra Evaristo Affonso de Castro, Notícia descritiva da

Região Missioneira, Tipografia do Commerrcial, Cruz Alta, 1887. Capítulo VII,

p. 319-324.

A picada está aberta pelos rumos seguintes:

1. N. O. 18º magnetico 21.275 metros

2. “ 41º “ 1.161 “ Acompanhando o

Lajeado do

Depósito.

3. S. O. 64º “ 40 “

4. N. O. 62º “ 128 “

5. “ 87º 30’ “ 38 “ “

6. S. O. 81º “ 239 “ “

7. N. O. 77º “ 91 “ “

8. “ 77º “ 204 “ “

9. “ 61º 30’ “ 117 “ “

10. N. O. 69º “ 100 “ “

11. “ 32º “ 37 “ “

12. N. E. 21º 30’ “ 27 “ “

13. N. O. 20º “ 55 “ “

14. “ 88º “ 119 “ “

15. “ 48º “ 159 “ “

16. Norte magnetico 840 “ “

17. N. O. 30º “ 773 “ “

18. “ 5º “ 2.880 “ “

19. N. E. 13º “ 808 “ “

20. “ 42º “ 530 “ “

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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21. “ 51º “ 137 “ “

22. N. E. 11º magnetico 350 metros Acompanhando

23. N. O. 2º “ 165 “ o “Lajeado dos

24. N. E. 48º “ 227 “ Peixes Mortos”

25. N. O. 22º 30’ “ 640 “ “

26. “ 28º 30’ “ 400 “ “

27. N. E. 28º 30’ “ 515 “ “

28. N. O. 17º 30’ “ 228 “ “

29. N. E. 18º 30’ “ 367 “ “

30. N. O. 32º “ 100 “ “

31. N. E. 4º “ 330 “ “

32. “ 37º “ 280 “ “

33. N. O. 24º “ 360 “ “

34. “ 39º “ 300 “ “

35. “ 9º “ 550 “ “

36. “ 16º ” 530 “ “

37. “ 4º “ 420 “ “

38. “ 74º “ 360” “ Acompanhando o

39. Oeste magnetico 250 “ “Lajeado

40. N. O. 82º “ 260 “ Despraiado.”

41. “ 65º “ 380 “ “

42. “ 85º “ 500 “ “

43. S. O. 85º “ 120 “ “

44. “ 72º “ 320 “ “

45. N. O. 66º 30’ “ 340 “ “

46. N. E. 5º “ 220 “ “

47. S. E. 74º “ 170 “ “

48. “ 16º “ 190 Até o Passo da

Boa Esperança.

Para a construção do nivelamento geral do traço percorrido

ou do perfil do terreno, entre “Rincão da Fortaleza” e o “Passo da

Boa Esperança”, foram determinados 97 pontos a respeito da altura;

estas determinações foram feitas com os barômetros holosteriques

50.803 e 50.806, sendo feitas as observações com o primeiro por

pessoas competentemente habilitadas, no meu observatório

meteorológico em Santo Antônio da Palmeira; e as com o outro

foram feitas por mim mesmo, durante a exploração. Estes pontos

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

107

podem ser divididos em duas classes: 1.º: aqueles cujas observações

foram feitas na mesma ocasião (48 pontos); 2.º: aqueles que foram

determinados por uma só observação, cuja observação ficou

reduzida ao ponto anterior da primeira classe; sendo o intervalo

entre as duas observações menor que uma hora (49 pontos). 12

pontos determinei-os por diversas observações correspondentes,

servindo-me esta de base certa para todos os cálculos respectivos.

Reduzido ao nível do meu observatório em Santo Antônio da

Palmeira o ponto 0 de entrada no mato está situado mais baixo

114/3 metros; o ponto 97, no “Passo da Boa Esperança” 436

metros, sendo a diferença entre estes dois pontos principais 321/8

metros.

Tomando por base o ponto final nº 97, o nível do “Passo da

Boa esperança”, como está feito na planta que vai junto, e traço de

nossa picada de exploração tem o ponto mais alto com 387/88 no

chapadão acima da serra do rio Uruguay.

O terreno presta-se nas três primeiras léguas à abertura de

uma estrada, por isso não há obstáculos a vencer, oferecendo

comunicação franca, podendo ela seguir o traço marcado por meu

pique até o ponto 71, isto é, até a descida da “Coxilha Alta”. A

descida do ponto 71 até 74 é forte; porém pode-se vencer esta

descida com facilidade dando algumas voltas, como nós o fizemos

quando por aí transitamos com quatro cargueiros, sem maior

dificuldade. Acompanhando o “Lajeado do Depósito” entre os

pontos 74 e 79, o caminho não precisa ser cruzado tantas vezes

como nós o fizemos com o pique de exploração, o que fizemos

unicamente para facilitar o serviço. O terreno na costa desse lajeado

é quase todo plano e só em alguns lugares se observam fortes

caídas e barrancos.

O terreno menos favorável para uma boa estrada, e que dê

franca comunicação está compreendido entre os pontos 79 á 81 e 90

a 95, isto é, a subida e descida da “Coxilha Alta” denominada

“Cima da Serra do rio Uruguay”. Tanto a subida como a descida

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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não tem obstáculos invencíveis: traçando o caminho mais para

Oeste, para alcançar o “Lajeado dos Peixes Mortos”, mais abaixo.

Achando-se explorado este sertão, que até este trabalho era

completamente desconhecido, é fácil escolher-se nesses lugares

melhores traçados. Não pude fazer mais, por falta de pessoal, como

também por ser esse trabalho feito a minha custa com muito

sacrifícios, perda de tempo, privações e prejuízos.

Quanto a descrição geológica da serra explorada, posso dizer

que é formada de Diorito ou Trappe de Melafite formas plutônicas,

e quanto às rochas das costas do Uruguay são da formação

basáltica. Quanto à fertilidade dos terrenos, é ela demonstrada pelos

caracteres geológicos que apresentam. A decomposição de rochas

graníticas formão terrenos de medíocre fertilidade. Os produzidos

pelo Trapp são riquíssimos. Esta fertilidade extraordinária consta

melhor ainda da vegetação. Comparando os matos das outras partes

da província, principalmente os das colônias alemães na Serra

Geral, os matos de nosso sertão não têm muitos representantes de

espécies novas de vegetais; porém a vegetação aqui é mais cheia de

vida e robusta; a produção mais abundante. Limito somente a tratar

aqui das árvores mais importantes e dignas de serem mencionadas

por sua utilidade, denominando-as com a nomenclatura pelo seu

valor científico.

A família das laurineas e das mirtáceas, são as que têm mais

representantes.

À primeira pertence as canelas, canela do brejo, canela preta

e as diversas qualidade de louros (nictandra corhirsus e nictandra

mollis).

À segunda pertencem: o araçá (psidium araça), a guabiroba

(compomanesia crenata) a jaboticaba (eugenia conliflora), a pitanga

(eugenia pitanga).

Além destas mencionarei: o ipê (tecono ipé), pertencente às

begônias; canela de veado (actinum lanceolatum), pertencente às

euforbiáceas; cedro (cedralia brasiliensis), canjerana (capalia

cangerana), açoita cavalo (lubia grandiflora); e na família das

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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acácias: canafístula, angico, guajuvira, guarapiapunha, cereja e

batinga.

São estas as principaes árvores que, conjuntamente com as

palmeiras, formam o mato que cobre com suas copas, um segundo

mato, quase que impenetrável, de arbustos de todas as espécies,

sobressaindo a infinita variedade de cipós, taquarassus e parasitas.

Unicamente na beira dos campos encontraram-se pinheiros,

(araucaria brasiliensis) xaxim e samambaia, indícios de terra menos

produtiva. Daí até o rio Uruguay, estende-se a região mais

apropriada à agricultura, tanto para os produtos tropicais, como dos

climas temperados, cana, café, algodão, cereais, legumes de toda a

espécie.

Felizmente não encontramos ervais; digo felizmente, porque

julgo que os ervais nacionais, que o povo diz nosso, são a causa da

má preparação da erva-mate, devido ao abandono em que se

conservam tais ervais, tirando deles o povo o maior proveito que

pode, sem cuidar de sua conservação, com a ideia de que pertence a

todos, como se pode ver em todas as partes.

Seja-me permitido dar aqui a minha opinião sobre a melhor

maneira de utilizar o serviço feito por mim, conciliando com a

economia dos cofres municipais e interesse geral.

O município de Santo Antonio da Palmeira precisa para a

sua futura prosperidade de dois motores: desenvolvimento da

agricultura e colonização do sertão do rio Uruguay e de estradas

que facilitem a comunicação com a província do Paraná.

A Ilustríssima Câmara Municipal está autorizada a requerer

um patrimônio, e até hoje não o tem feito, e por conseguinte não

pôde dispor de terreno algum, nem fazer concessões de terras e

muito menos das que estão ocupadas por posse mansa e pacifica.

O serviço, pois, que a Ilustríssima Câmara pode prestar é

requerer o patrimônio, isto é, toda a picada por mim feita, tendo ¼

de légua para cada lado, e depois de dividida em lotes coloniais de

300 metros de frente distribuir a quem quiser estabelecer-se nelas,

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

110

ficando os concessionários obrigados a conservarem a estrada

sempre limpa, dando franco trânsito em uma largura determinada.

É este um meio de fornecer cômodo e trabalho a uma grande

parte dos que não têm propriedade sua e por conseguinte trabalho

próprio. É este o único meio de utilizar e povoar este importante

sertão, que convenientemente povoado por agricultores que no

decorrer do tempo pôr-se-iam em comunicação com a província

vizinha, abrindo uma estrada para por ela transportar o produto de

seu trabalho.

Sei, porque tenho ouvido por muitas vezes dizer, que esses

terrenos foram concedidos ao povo, como julga a Ilustríssima

Câmara Municipal; porém o contrario diz o aviso nº 2 de 20 de

Maio de 1861 que só permitiu distribuir, mediante certas condições,

os matos da Nação na zona de 10 léguas da fronteira da província

de São Pedro do Rio Grande do Sul.

A fronteira termina em frente à barra do Pepery-Guassú ou

até onde desemboca a Picada do Pary, pelo menos 8 léguas abaixo

do Passo da Boa Esperança, abaixo ainda do rio Guaryta, de forma

que os matos de que se trata são muito distantes daquela zona de 10

léguas da fronteira.

Achando-se povoado o sertão do rio Uruguay, e aberta a

comunicação com a província do Paraná, o município de Santo

Antônio da Palmeira há de ser o mais rico da Região Missioneira.

Tenho chegado ao fim de meu trabalho. Fiz quanto pude e

estava ao alcance de minha inteligência, força e do auxílio dos

meus companheiros.

A verba concedida pela Câmara, da quantia de 400$000

gastei-a com as despesas da exploração, tanto terrestre como

fluvial; dispendo além dela mais 300$000 do meu bolso, praticando

assim este trabalho com beneficio do município, sem outro

interesse a não ser o de prestar um serviço. Trinta e seis dias de

internação num sertão desconhecido, exposto aos rigores do tempo

e as privações dos cômodos da vida e entregue a um trabalho

severo e duro, tendo só em mente a prosperidade desta rica região.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Demonstrei que os filhos adotivos também podem ser úteis à

nova pátria que adotaram. Quis patentear ao braço forte do homem

que quer trabalhar, que no sertão do rio Uruguay encontrará ele

tudo quanto precisa para sua prosperidade futura.

Maximiliano Beschoren.

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TEXTO III

O TERRITÓRIO DO ALTO URUGUAY

O próximo texto da autoria de Max Beschoren foi publicado na Alemanha com

o título Das Waldgebiet des oberen Rio Uruguy in der brasilianischen Provinz São

Pedro do Rio Grande do Sul31. Von Max Beschoren. (Mit einer Karte und Profil, Taf.

IV), in “Zeitschrift der Gessellschaft für Erkunde zu Berlin”. 1880, Bd. 15, pp. 195-

210, Tf. IV. Posteriormente foi transcrito em português por Evaristo Afonso de Castro

na sua obra Notícia Descritiva da Região Missioneira, 1887, p. 341, traduzido do

alemão por D. Maria Izabel da Silva. Transcrevemos a seguir a introdução que Castro

fez para o texto.

Como deixamos demonstrado, a pródiga natureza dotou a Região Missioneira com todos os seus dons. São incalculáveis as riquezas tanto do reino animal como vegetal e mineral; porém toda essa opulência natural jaz até o presente quasi que no estado embryonario, por falta de vias de communicação e facilidade de transporte que garantam á colonização industriosa o consumo prompto de seu labor, exportando os productos de sua actividade para os centros consumidores. A extensa região de que nos occupamos no presente livro, atingiria a um gráo de desenvolvimento invejável, se: 1º Uma via férrea, que partindo da cidade de Santa Maria, seguisse á cidade da Cruz Alta, centre de toda a região do norte, e d’ahi ao Salto Grande do Uruguay, procurando entroncar-se na estrada do Paraná. 2º Se estabelecessem núcleos coloniais, com nacionais e estrangeiros, em todos os municípios, ligando-os entre si por estradas de rodagem, para cujo fim são muito favoráveis os terrenos. Ficarão assim com rápida via de communicação todos os municípios centraes, e os que margeam o Uruguay com facíllima communicação pelo mesmo rio. A via férrea, levada até o Salto Grande do Uruguay, tem a dupla vantagem de ser estratégia e o interposto commercial de toda a riquíssima zona que se estende ao Passo do Goyoen ao Salto Grando do Uruguay, porque o Uruguay é navegável desde o dito passo até aquelle salto. Os colonos virão com seu trabalho methodico e aperfeiçoado trazer o estimulo ao nosso povo. 3º O estabelecimento de engenhos centraes, para cujo fim, como deixamos demonstrado, possue a região lugares apropriadíssimos. Concluindo o presente livro, apresentamos em seguida o grandioso projecto de colonisação, publicado na Allemanha, pelo Sr. Maximiliano Beschoren, que o mesmo Sr. Forneceu-nos para fazer parte da presente publicação. (CASTRO, 1887, p. 341).

31 “A área de floresta do Alto Rio Uruguai na província Brasileira de São Pedro do Rio Grande do Sul”.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

113

Um profundo conhecedor do Brasil, Roberto Avé Lallemant, o

qual percorreu no ano de 1858, a província do Rio Grande do Sul,

escreveu de Lubeck, a 16 de Janeiro de 1874, ao Sr. Carlos Kozeritz,

redator do jornal alemão em Porto Alegre, o seguinte:

O governo brasileiro devia reaver toda a região do Alto Uruguay,

e fundar os seguintes estabelecimentos coloniais:

1º A colonização de Quarahy, compreendendo a principal cidade –

Uruguayana.

2º A colonização de Ibicuhy, compreendendo a cidade de Itaquy.

3º A colonização do Camaquã, comprehendendo a cidade de São

Borja.

4º A colonização de Piratini, com a antiga missão de São Nicolau,

como ponto central deste grande distrito. Assim teriam estas colônias o

seu centro comercial, e teriam todos rios navegáveis além do Uruguay,

onde teriam uma comunicação geral entre si.

O que podem ser estes territórios, está demasiadamente

demonstrado pelos jesuítas; eles os povoaram, e neles fundaram seus

estabelecimentos, dando-nos assim uma prova de seus talentos

colonizadores.

As estradas são fáceis de construir-se. Quando eu viajava por

aquelas regiões, apareceu na minha fantasia este grandioso projeto de

colonização.

Uruguaiana é um ponto magnifico, e as outras povoações

prometem grandiosos futuro.

A execução, porém, dum projeto tão grandioso, é de fácil

realização. Examinei bem o plano no mapa e viajei o Uruguay, e ficareis

maravilhados do meu projeto.

Até o rio Ijuhy, comprehendendo Santo Ângelo, que dorme em

suas ruínas, deve estender-se esta colonização, e um povo Pentechv terá

ali se formado.

É provável que publique o meu plano, no vosso jornal, e que

promova à província a colonização do território do Uruguay.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Conheço perfeitamente, tanto o território de que trato, como seus

habitantes. O plano é, não só vantajoso, como de fácil execução.

Dois anos mais tarde a comissão russa, tendo percorrido as três

províncias do Sul do Império, disse no seu relatório ao Ministério da

Agricultura o seguinte:

“O território melhor para nós, tanto pelo clima, como pela

liberdade das terras, é na província do Rio Grande do Sul, na região entre

os rios Piratini e Nhacorá”.

Estas duas opiniões partem de diferentes pontos: a primeira, de

um homem cientifica e conhecido viajante; a segunda de agricultores

práticos, representantes de uma população de agricultores práticos,

representantes de uma população de mais de 500 mil almas, prontas para

imigrarem, cujas opiniões dão a mais favorável ideia das regiões

banhadas pelo majestoso Uruguay; mencionando estas terras como as

mais apropriadas para a futura colonização alemã, nesta província. Citei

estas insuspeitas opiniões para justificar o presente trabalho.

O Dr. Avé Lallemant recomenda, assim como o Sr. Sellin, na sua

conferência feita a 11 de Dezembro de 1878, na sociedade central da

geografia em Berlim, que o governo devia tratar de reaver todo o distrito

da margem do Uruguay, fundando assim o seu projeto de colonização.

A grande despesa a fazer para o governo adquirir estas terras, é

por enquanto desnecessária, porque concluída a estrada de ferro do norte

da província, os grandes proprietários dividirão seus campos, e os

venderão aos imigrantes.

Com o seguinte trabalho pretendemos chamar a atenção dos

leitores para a região do Uruguay, entre seus afluentes, Passo Fundo e

Piratini.

A região de que vamos tratar está situada nos municípios da

Palmeira, Passo Fundo, Santo Ângelo e São Luis, ocupando uma área,

pouco mais ou menos, de 12.000 quilômetros quadrados, enquanto que a

área dos quatro municípios regula por 56.000.

Pelo último recenseamento de 1872, Passo Fundo contava 7.287

habitantes com 1.002 fogos. Palmeira 6.640 habitantes com 1.020 fogos.

Santo Ângelo 10.865 habitantes com 1.682 fogos; a população vive

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

115

concentrada nas vilas e parte vive espalhada nos campos e perto dos

matos, porém estes estão completamente despovoados, tanto que há mais

de 10.000 quilômetros quadrados de matos virgens.

O Sr. Henrique Lange, na sua conhecida obra, faz uma descrição

geral do Uruguay, limitando eu por isso e meu trabalho, somente ao oste

do mesmo rio.

O território de que trato é dividido pelo rio Passo Fundo ou

Uruguay-mirim, que nasce ao Sudoeste da vila do mesmo nome, e corre

geralmente ao Nordeste.

Este rio perto de sua foz, é navegável para canoas, porem é de

pequena profundidade.

Na foz deste rio no Uruguay, que ainda conserva o nome de

Goyo-en, na estrada que segue para o Paraná e São Paulo, acha-se o

passo reúno ou do Goyo-en, cuja passagem é efetuada em barca ou

canoas, porque raras vezes baixa ao ponto de dar vau.

O vale do Uruguay neste lugar é ainda estreito, devido às serras

que o costeiam, sendo os declives muito fortes, quanto mais se vai

descendo, mais se alarga o vale, e a serra vai baixando, afastando-se do

rio.

Quatro léguas abaixo do Passo, aonde cheguei em 1875 com

trabalhos de medições, não encontrei mais vestígios de montanhas nas

duas margens, estendendo-se uma planície fertilíssima.

Até aí as margens são ainda pouco povoadas, e os habitantes

dedicam-se especialmente à cultura da cana de açúcar e em pequena

escada a do café.

O primeiro afluente de importância que deságua no Uruguay, é na

margem direita. O Chapecó, digno de menção, onde foram descobertas,

há poucos anos, em sua barra, fontes termais, e porque os nossos

vizinhos pretendem estender seu domínio até ali, alegando ser ele o

verdadeiro – Pepery-guassú.

O Uruguay, que até aí tem o curso geral de N.O., procura o rumo

de S.O. recebe na margem esquerda, o mais importante afluente, o Rio da

Várzea, curvando-se neste lugar, repentinamente para o Norte.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

116

O rio da Várzea - Uruguay-puitam ou Uruguay vermelho - que

nasce na Coxilha Grande, quando entra no mato é já navegável para

canoas. Na estrada que segue da Palmeira para Nonohay, tem ele a

largura de 88 metros, até aí o seu curso é determinado por diferentes

medições, enquanto que deste ponto para baixo é desconhecido, e até o

princípio deste ano não foi explorado.

Em Fevereiro desse ano, quando fiz uma exploração do sertão,

que se estende na parte setentrional do município da Palmeira, para

procurar um caminho para o Uruguay, levantei o véu do mistério deste

grande território, e como tinha intenção de explorar o dito rio, mandei

três homens embarcar em uma canoa, afim de descer até sua barra no

Uruguay, onde deviam esperar minha chegada.

Juntamo-nos felizmente, porém não pude realizar o meu projeto

relativamente à exploração do rio. Os navegantes declararam que o rio

não oferecia osbstáculos à navegação, com as águas médias.

No seu curso superior a serra aproxima-se formando grande

declive, porém quatro léguas acima da barra desaparece completamente,

e nas margens estendem-se terras fertilíssimas.

A margem esquerda, acima do passo da estrada geral, está

povoada, e os habitantes entregam-se à cultura da cana de açúcar e do

fumo.

Três léguas abaixo do Rio da Várzea, oferece o Uruguay um

grande baixio, que eu visitei na minha exploração. Julgo ser o ponto

onde, em tempos primitivos, os índios transitavam.

Três quartos de légua abaixo, encontra-se o Passo da Boa

Esperança, onde eu aportei acompanhado de quatro homens, no dia 23 de

Março, e alcancei o Uruguay, juntando-me a 26, com os navegantes que

tinham descido pelo rio da Várzea.

Nesse ponto curva-se o rio repentinamente do norte para oeste e

depois para o nordeste.

A largura aí do Uruguay é de 300 metros, o leito é formado de

basalto, contendo grandes baixios e profundos canais.

Seguindo para baixo encontra-se a barra do rio Pardo, confundido

em todos os mapas com o rio Fortaleza; este rio não deságua no

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

117

Uruguay, porém sim, no Guaryta, enquanto que o rio Pardo nasce dentro

do mato.

Acompanhei-os na minha exploração, em certa distância, com a

picada que fiz, abandonando-o devido às fortes ondulações do terreno em

suas margens.

O rio Guaryta, antigamente chamado Albery, depois de receber o

Fortaleza, torna-se um rio importante. Tanto um, como outro, são

navegáveis francamente para canoas, até sua entrada no mato, o resto de

seu curso é ainda desconhecido.

Seguindo o Uruguay, cheguei á barra do Pepery-guassú (rio da cor

de palha amarela) divisa do Brasil com a República Argentina, que

aquela república quer substituir pelo rio Chapecó.

A sua barra está situada aos 27º 9’ Latt. Sul e aos 10º 47’17” do

de Grenvich.

Aqui termina a picada feita no ano de 1860, por uma comissão de

engenheiros, sem ter este trabalho, que custou centenas de contos de réis,

dado resultado algum.

O ponto da entrada da picada chamada Pary, acha-se na parte

nordeste do Rincão da Guaryta; toda a sua extensão regula dez léguas,

hoje se acha intransitável e completamente despovoada.

Uma légua e um quarto abaixo do Pepery-Guassy acha-se o Salto

Grande do Mucunã, aos 27º 8’ 45” Latt. Sul e aos 10º 52’ 47” Long. ao

Oeste do meridiano do Rio de Janeiro.

Sobre a altitude desse salto há diversas opiniões que variam de 2 a

10 metros, todos, porém concordam, que nas cheias descem grande

barcas carregadas com 3.000 e mais arrobas.

Este ponto será por muito tempo um grande obstáculo à

navegação franca, porém não é obstáculo para colonizar-se as

fertilíssimas terras situadas acima dele.

O Uruguay, que até aí corre geralmente ao rumo de Noroeste e

Oeste, toma daí em diante o rumo geral de Sudoeste.

Os afluentes da margem direita são sem importância, devido à

pequena distância em que se acha do Paraná, com o qual corre

paralelamente. O afluente mais importante da margem esquerda é o rio

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Turvo ou Cebolaty (Rio das Cebolas) que nasce da coxilha do rincão da

Guaryta, aos 27º 59’ 8” Lat. Sul e aos 10º 22’ 30”, Longitude ao Oeste

ao meridiano do Rio de Janeiro.

Flanqueia do Este o Campo Novo, onde forma uma ilha de

campos. No ponto onde penetra de novo no mato, é navegável para

grandes canoas; a primeira viagem por este rio foi feita pelo Major

Dumoncel, no anno de 1860.

No seu curso inferior a largura media é de 70 metros.

Duas léguas abaixo de sua foz, acha-se o Passo Grande do

Uruguay na estrada que segue do Campo Novo para Corrientes. A

largura do Uruguay neste ponto regula por 500 metros, e o terreno de

suas margens é muito onduloso.

Neste ponto acha-se presentemente um destacamento de guardas

nacionais e espera-se uma comissão de engenheiros para fundarem a

Colônia Militar do Alto Uruguay. O estabelecimento da colônia no Salto

Grande de Mucuña, seria mais vantajoso aos interesses comerciais,

porque ficaria sendo o centro do comércio dos territórios situados acima

do dito salto.

O arroio Herval Grande, que tem suas nascentes no Campo Novo,

deságua no Uruguay, três léguas abaixo do Passo Grande, este arroio não

tem importância.

O rio Nhacorá, que tem suas cabeceiras na coxilha de São Jacob,

rincão do mesmo nome, deságua, na sua entrada do mato, no rio Buricá,

sendo este, desde esse ponto, navegável em todas as estações para

grandes canoas.

Sobre a margem de um de seus afluentes, encontra-se o

aldeamento do Cacique Major Fongui.

Um importante afluente do Uruguay é o rio Santa Rosa, que tem

sua origem, não muito além das cabeceiras do Buricá; o seu antigo nome

é “Albutiahy”, e é sem duvida o que se encontra nos antigos mapas com

o nome de “Albulahy” (filho da filha). Antes de penetrar no mato é já

navegável, e tornar-se-á uma importante via de comunicação, logo que

sejam colonizadas as suas margens.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

119

O rio Santo Christo ou Pindahy (rio da pesca) e o rio Boa Vista

são, em grande parte navegáveis, assim como o rio Comandahy (rio do

feijão). Em frente a sua barra eleva-se o Serro do Monge, o mais alto da

região, no qual, há anos, vivia um monge italiano.

A uma e meia légua abaixo de sua barra aproxima-se, pela

primeira vez, o Uruguay ao campo, tendo em sua margem esquerda os

campos do Serro Pellado, que acompanham paralelamente o rio Ijuhy-

grande, em uma extensão de dez léguas, até o passo do Quaresma.

Aqui acha-se o Passo de São Xavier, ponto de trânsito pouco

frequentado para Corrientes; deve seu nome ao povo missioneiro, situado

na margem direita, meia légua da margem do Uruguay, cujas ruínas

acham-se cobertas de matos. Aí desaparece o campo na margem

esquerda, e uma orla de matos margeia o Uruguay até a barra do Ijuhy-

grande, o mais importante afluente até aí.

O Ijuhy Grande, sendo a maior arroio Palmeira, que tem suas

cabeceiras aos 28º 9’ 36” Lat. Sul, e aos 10º 9’ 11” Longitude Oeste do

Rio de Janeiro.

O principal afluente do Ijuhy Grande é o Ijuhysinho ou Ijuhy

Mirin, que tem suas nascentes no banhado de Tupaceretan, próximo a

antiga estância dos Jesuítas aos 29º 2’ 47” Lat. Sul e aos 10º 46’ 30”

longitude ao Oeste do meridiano do Rio de Janeiro. Deságua no Ijuhy

Grande ao Sudoeste de Santo Ângelo.

Apesar de muitas corredeiras que tem, o Ijuhy Grande, seria

navegável até Santo Ângelo, se não fosse o grande obstáculo do Salto do

Pirapó, que se acha quatro e meia léguas acima de sua barra. A largura

do rio, que até aqui regula por cem metros, é aí oprimido a menos da

metade e lança-se sobre uma colina muito oblíqua, na extensão de 180

metros.

Este rio tem diversos passos; mencionaremos aqui os seguintes: o

da Capella, do Quaresma e o novo Passo da Colônia.

O Ijuhysinho forma a divisa sul do sertão do Alto Uruguay,

porque os matos que o margeiam, e os que bordam o Uruguay, são

relativamente sem importância.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

120

Da barra do Ijuhy Grande á do Piratinim, tem o Uruguay quatro e

meia léguas, e encontram-se os Passos de Santo Izidoro e Santa Maria.

O rio Piratynim (peixe que ronca) é navegável, desde sua barra,

até a barra do Piraju, (rio do dourado).

Em ilhas e corredeiras, o Uruguay, é riquíssimo, do Salto Grande

para baixo; são digna de menção, a corredeira, na barra do Comandahy,

que tem um quarto de légua de comprimento, a de Santa Maria e Santo

Izidoro, as quais oferecem sérios obstáculos á navegação, porém de

muito fácil remoção, com o estabelecimento da Colônia Militar,

formando um entreposto comercial para a navegação, esta será sempre

possível até Nonohay, mesmo nas águas médias.

Nas enchentes já há uma forte navegação de Nonohay a São Borja

e Itaquy, feita com grandes barcos, que conduzem de uma a três mil

arrobas de carga.

TOPOGRAFIA

Da topografia do território que até hoje está pouco explorado, que

forma o grande Sertão, passo a dar somente uma descrição geral.

O território pertence em parte ao grande planalto do Sul do Brasil,

em suas chiadas para Uruguay e seus afluentes; enquanto que o planalto

da nossa província cai em declives fortes para leste, para o Oceano

Atlântico, e para o Sul para os campos a baixo da Serra, formando aí

campos de várias larguras, descambando depois suavemente para o

Oeste, para os campos de Missões e Uruguay.

As coxilhas, entre os principais afluentes do Uruguay, formam

suaves declives, sendo as fortes ondulações, nas proximidades do leito do

mesmo, que no seu curso superior, é estreito, relativamente ao curso

inferior.

Comparando as circunstâncias topográficas deste território, com

as da Serra geral, onde se acham situadas a maior parte das colônias da

província, são elas muito mais favoráveis, porque o terreno não oferece

verdadeiras serras, e sim somente terrenos ondulados.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

121

Não estão ainda determinadas altitudes acima do nível do mar, do

planalto da província, que nos pudesse servir de base para nossos

cálculos.

Determinei por meio do barômetro, a diferença d’altura de

diversos pontos em relação ao meu observatório meteorológico da

Palmeira. Segundo essas observações, o Passo da Palmeira, acha-se a

103 metros, o ponto da partida de minha exploração do sertão 114

metros, a coxilha acima da Serra do Uruguay 49 metros e o Passo da Boa

Esperança, no Uruguay, 436 metros, abaixo da Palmeira. Sobre a altura

absoluta da Palmeira, não posso dar, pelo enquanto determinação exata.

O resultado de sete observações, deram 712,0 m que corresponde

a uma altura aproximativa de 535 metros.

Quanto a constituição geológica do terreno, cito a opinião de um

entendido na matéria, o Sr. Bartholomay, residente em Santa Cruz, o

qual, em princípio de 1875 percorreu Missões, até o rio Comandahy, diz

o seguinte:

“O leito do Uruguay e todos os seus afluentes, os quais tenho

examinado, é de uma pedra escura, avermelhada e verde, a qual está

salpicada abundantemente, de cristal de Quartzo; esta pedra raras vezes é

solida, porém é de uma beleza extraordinária, e em sua maior parte de

uma porosidade irregular, contendo grandes depósitos de jaspe.”

A maior parte das rochas das margens dos rios, são formadas de

basalto.

As pedras que se encontram sobre as colinas, são de uma cor

escura avermelhada, cinzentas, e verdes escuras, e as vezes brancas, com

uma camada de cristal; se todas estas pedras pertencem ao jaspe,

(Melaphiren) não posso afirmar, porquanto o produto de sua composição

são diversos.

Em muitos lugares, principalmente entre os rios Ijuhy e

Comandahy, encontra-se na superfície do solo, coberta de Chalcedonia,

montanhas de cristal, cascalho de Quartzo e Achaten.

Sellon, afirma que toda a serra do Uruguay e Paraná, Entre Rios,

Missões e todo o cima da Serra, devem sua origem a Erupção de Basalto.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

122

Parece-me um pouco ousada esta afirmativa principalmente,

quanto à Serra do Uruguay, da qual especialmente me ocupo.

As montanhas de basalto se distinguem por sua especial forma,

elãs elevam-se, quase sempre em formas cônicas; e tais montanhas não

se encontram no Uruguay, ou são raras; portanto sou de opinião que o

basalto, aparece em grandes veios, mas raras vezes constituem serras ou

montanhas: com a descrição do Sr. Bartholomay, combinam minhas

observações.

Pelos metais, que por acaso foram achados, demonstram que o

território é abundante dos mesmos.

Não resta dúvida que os jesuítas em tempos primitivos tinham nas

suas missões, ricas minas; tais como as de ouro em São Thomé e São

João, de prata em São Lourenço, e de cobre, nas proximidades de São

Luiz e São Lourenço.

Há anos foi descoberta uma jazida de cobre no Campo-Novo

porém ninguém trata de a explorar.

Quatro anos antes desta descoberta, um morador da Palmeira, com

índios do aldeamento do Cacique Fongui, atravessaram o sertão entre os

rios Turvo e Guaryta, e trouxeram, diversos cristais, e uma regular

quantidade de pó de Ouro, os quais foram examinados na Cruz-Alta.

Entre os cristais foram encontrados dois pequenos diamantes,

assim como o pó de ouro foi reconhecido como tal.

A pessoa que fez o achado, não pôde indicar o lugar em que tinha

encontrado o dito metal, porque os índios tinham-no levado por lugares

que desconhecia.

Empreguei todos os meios de obter dos índios a indicação do

lugar, porém foram sem resultado, respondeu-me ultimamente um deles,

que o segredo pertencia à terra, e a terra devia conservá-lo.

No presente trabalho trataremos só do mato, porém não podemos

deixar de mencionar, os grande rincões de campos, que aparecem dentro

dos mesmos matos.

Entre o rio Passo-Fundo e as matas virgens da Várzea se estendem

os campos do Bugre-Morto, que foram descobertos e povoados em 1820.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

123

Os campos do Bugre-Morto, ligam-se aos de Nonohay, que distam

uma e meia légua do Uruguay, sendo aí o lugar em que o mato mais se

estreita, estendendo-se para o norte.

O Campo Novo é uma extensa campina rodeada de matos, que foi

descoberta em 1830, e cuja posse foi por muito tempo disputada aos

indígenas.

Os campos do Serro Pellado, também são inteiramente isolados;

são pedregosos, porém, de uma fertilidade espantosa, especialmente para

o trigo e cevada. O caráter de todos estes campos, é uniforme, assim

como o mato no qual unicamente, alguns capões, diferem, por serem de

madeiras diversas. Os campos de Passo-Fundo, Palmeira e Nonohay,

estão caracterizados, pelo grande numero de Pinheiros, e coqueiros, que

formoseiam os capões que neles se encontram.

Os campos do Bugre-Morto são, em grande parte, cobertos de

botiaseiros, isto é, uma Palmeira anã, que quanto muito se eleva a altura

de um homem.

Os campos de Nonohay e Campo Novo são cortados, aqui e ali,

por ralas florestas de timbó, entreveradas com o soberbo buruti, única

Palmeira de leque da província.

Os capões, geralmente dos campos missioneiros consistem em pau

ferro, (grundahy).

Duas espécies, porém, de árvores, são características de todo o

planalto do sul do Brasil, o pinheiro (Araucaria brasiliense) e a

Congonha, (Elex paraguaynsis).

A divisa ocidental do desaparecimento dos pinheiros é o rio

Turvo, para baixo da foz do mesmo não encontra mais esta árvore, e os

únicos exemplares, existem nas antigas quintas dos jesuítas

transplantados pelos mesmos.

Além do rio Turvo, formam-se extensas florestas de pinheiros,

que penetram no sertão, e igualmente os ervais, que oferecem à

população a subsistência. Infelizmente a erva-mate, em cujo fabrico se

emprega uma grande parte da população, não compensa o trabalho que

dá, e se esta se entregasse à lavoura seria prodigamente recompensada de

seus labores.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

124

As árvores que formam o sertão, são as mesmas que vegetam por

toda a Serra, tais como (Myrtaceen e Laurineen).

Da primeira há quatro espécies, as quais tanto pelas frutas, como

pela madeira, são apreciáveis, que são a Guabiroba (camponeane

crenata) araçá (psdium araçá) pitanga (eugenia pitanga), jaboticaba

(eugenia centiflora).

Como representantes da begoniaceen, apresenta-se o ipê (tecona

ipé) de diversas qualidades, digna de menção pela rigidez da madeira. Da

família das mimosaceen, aparece o angico, a acácia, em diversas

variedades, da euphorbiaceen, a canella de veado, (atinostemon)

lanceolatus; da malvaceem, o pau rei, (sterculia rex) em língua popular

farinha seca.

Mencionarei ainda, a canjerana (cabralea canjerana) o cedro

(cedrela brasiliensis) pertencente aos cedrelaceen, canna-fistula, ou

Angico branco, (cassia brasiliensis) importante para cortume e a

guajuvira, e grapiapunha.

O pau ferro, ou grundahy, encontra-se principalmente na parte

ocidental. Há duas espécies de palmeiras que são comuns na serra geral,

coqueiro e palmitos, a palmeira de leque, buriti e a palmeira anã,

guariganga, são estas as árvores mais abundantes no território que

descrevemos.

O mato baixo, que geralmente faz com que o sertão se torne

intransitável, é formado de diversas espécies de ervas, bambus, e

parasitas, pequenos representantes das mencionadas famílias.

Temos ainda a mencionar diversas qualidades de urtigas que

atingem à grandes dimensões, liamen ou cipó, de formas admiráveis,

entrelaçam-se nas árvores, os troncos e os galhos, conservam uma

luxuriante vegetação, e produzem as mais extravagantes e mimosas

flores. Das parasitas merece menção especial o Imbé ou Guaimbê que

possui inúmeros liames, que se enlaçam como um manto, nas árvores

onde vivem. Em muitos lugares, especialmente nas declividades e

regatos, o mato toma caráter especial: repentinamente depara-se num

bosquezinho de fato d’altura de um homem e mais. Há aqui duas

qualidades de feto, uma que no corte apresente as mais extravagantes

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

125

figuras, é formado dum tecido de fios lanudos, duma cor parda

aveludada; (xaxim) a outra, tamanbajá, ou xaxim de espinhos, é formado

de folhas, cobrindo uma as outras guarnecidas de espinhos.

Ainda que o mato de que no ocupamos, se pareça no geral como o

da Serra Geral, encontram-se algumas variantes, por ser composto de

árvores mais desenvolvidas e viçosas.

CLIMA

Em relação ao clima, temos duas zonas, inteiramente separadas, o

planalto, e os vales do Uruguay e seus afluentes.

Pelas minhas observações meteorológicas posso dar dados

positivos do clima do planalto da Serra.

Enquanto que ali, no inverno, cai gelo e geada, no Uruguay e seus

afluentes é desconhecida. Os grandes canaviais, das margens dos rios,

nada sofrem, assim como o cafeeiro que é muito sensível à geada.

Influem poderosamente para isso as neblinas, que se conservam

geralmente até 9 e 10 horas da manhã.

A urtiga brava, atinge a uma altura colossal nas margens do

Uruguay, e isto prova que a geada não prejudica aqui a vegetação.

As circunstâncias naturais do clima, são, neste grande território de

que nos ocupamos, mais favoráveis do que em qualquer outra parte da

província, embora em outros pontos, a agricultura, esteja mais

desenvolvida, em nenhum oferece as vantagens que oferecem aqui, nesta

zona privilegiada.

Eu não conheço em toda a província, lugar mais fértil e de mais

abundância, do que o vale do Goy-en em Nonohay, ali nunca há falta dos

produtos da lavoura, porque a terra produz todos os frutos, em qualquer

estação. Como em nenhuma outra parte da província, prosperam aqui, os

produtos tropicais e das zonas temperadas, aqui se vê, o cafeeiro, e a

cana de açúcar, ao lado da mandioca, da batata, do feijão, do fumo, e do

algodão. O que podem ser os vales do majestoso Uruguay e seus

afluentes, pode-se fazer ideia, um imenso território, coberto de mato

virgem, até hoje por explorar. Os índios que consideravam estes sertões

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

126

de sua propriedade, estão hoje reduzidos, a pequenas aldeamentos, em

Nonohay, e outros pontos dedicando-se à lavoura e ao fabrico da erva-

mate. Há anos que todos que conhecem estas terras as apontam como as

mais férteis de toda a província. Está reconhecido que em todo o Império

não há uma zona mais apropriada para a colonização alemã, do que a que

tratamos, não só pela uberdade da terra, como pelo clima.

Já duas vezes tentou-se a colonização dos terrenos do Uruguay.

Em 1850, foram medidos e demarcados na barra do Ijuhy-Grande

diversos prazos coloniais, porém nunca foram povoados, não só por

haver naquela época, na Serra-Geral, lugar para milhares de colonos,

como pela má direção dada ao serviço.

Há anos foi concedida a sociedade Pereira & Cª., 100 léguas de

terras para o estabelecimento de colônias, a esta sociedade pertenciam

influencias alemãs, porém nada fizeram. Intrigas políticas fizeram

abortar este grandioso projeto, porque mais tarde o governo decidiu que

eram 4 e não cem léguas, a concessão feita, e a sociedade abandonou seu

projeto protelando-se desta forma por muitos anos a colonização do

Uruguay.

Concluindo este trabalho afirmo com o Sr. Sellin, que todos que

conhecem este grandioso território, não podem deixar de tomar interesse

pela colonização deste ubérrimo solo, fadado pela natureza para um

brilhante e grandioso futuro; e seria de grande interesse que, a sociedade

de Geografia de Berlim, promovesse e abreviasse a colonização do Alto-

Uruguay, de acordo com o governo Alemão e Brasileiro.

Assim o grandioso projeto que aqui apresentamos seria uma

realidade.

Page 127: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

TEXTO IV

NOTA EXPLICATIVA SOBRE A PLANTA DO MUNICÍPIO DE

SANTO ANTÔNIO DA PALMEIRA COM O DISTRICTO DE

NONOHAY, PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL

– 1887.

O texto a seguir de Maximiliano Beschoren, acompanhou o mapa que

aparece abaixo, foi assinado em Palmeira em Janeiro de 1887. O original

encontra-se no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Lata 133. Documento

14. Sobre este documento, assim escreve Abelard Barretto: “É talvez, o último

trabalho elaborado por Beschoren antes do suicídio e a letra do manuscrito

parece demonstrar a neurastenia de que já estava possuído”. (BARRETO, 1975,

p. 136).

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

128

Figura 19: Mapa do Município de Palmeira e Distrito de Nonoai, elaborado pelo agrimensor M. Beschoren, em 1887.

Fonte: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – RJ. 133, doc. 14.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

129

NOTA EXPLICATIVA SOBRE A PLANTA DO MUNICÍPIO DE

SANTO ANTÔNIO DA PALMEIRA COM O DISTRICTO DE

NONOHAY, PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO

SUL.

A “Planta do Município de Santo Antônio da Palmeira com Distrito

de Nonohay” foi organizado com o material seguinte:

1. Posições geográficas de diversas localidades, determinadas pela

comissão d’engenheiros sob a direção do Tent. Cel. José Maria de

Campos.

2. Plantas de 203 propriedades particulares legitimadas em virtude da

Lei das Terras de 1850.

3. Plantas dos lotes medidos e demarcados na “Colônia Militar do

Alto Uruguay”.

4. Plantas das diversas estradas levantadas por ordem do Governo

Geral ou Provincial ou por ordem da Câmara Municipal.

5. Levantamento “a coup d’oeilles” das outras estradas do município.

6. Carta topográfica da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul,

concluída sob a direção do Dr. A. E. de Camargo, engenheiro da

Província, 1868.

I

Como pontos fixos para a organização da planta servirão as seguintes

posições geográficas:

Villa de Sto. Ant. da Palmeira 27” 53’ 54” S.S. 10” 07” 2” O. R. S.

D.

Foz do Rio Passo Fundo 27 16 9 42

Foz do Rio da Várzea 27 14 10 12

Foz do Rio Pepery Guássu 27 9 23 10 47 17

Foz do Rio da Guarita 27 13 10 42

Salto Iucumã 27 8 19 10 52 47

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

130

II

Desde a publicação da lei das terras até o ano de 1874 no

território, que forma hoje o Município de Palmeira, foram

legitimadas somente 2 propriedades; uma posse de terras

d’agricultura com a área superficial de 8:345, 670 m² e uma

fazenda de criar com a área de 128:779,632 m².

No ano de 1874 o Governo Geral fez a Inocêncio Pereira e

Cia, em Porto Alegre uma concessão de 100 léguas quadradas de

terras devolutas na zona de 10 léguas da fronteira, com a condição

de medir e colonizar as mesmas terras, cuja concessão mais tarde

foi anulada. Então o Governo Provincial nomeou um “Juiz

Comissário ad hoc para a zona de 10 léguas da fronteira”, afim de

descriminar as posses, que se achavam estabelecidas dentro da

mencionada concessão.

Do território do município de Palmeira acha-se

compreendido “na zona das 10 léguas da fronteira” somente a parte

situada entre os Rios Nhacorá e Guarita. Daquele tempo para cá

foram legitimados pelo Juiz Comissário ad hoc ou pelo Juiz

Comissário do município 179 propriedades com a área superficial

de 175.425 hectares 51 ares e 52 m² e, incluindo o Distrito de

Nonohay, (que durante 5 meses fez parte do município e ao qual há

de pertencer outra vez) 203 propriedades com a área superficial de

201.950 h 54 a. e 28 m², sendo 107.636 h. 80 a. 50 m² de mato -

84.313 h. 73 a. 72 m² de campo.

Como mostra a “Planta dos terrenos legitimados no Campo

Novo, Herval Seco – Guarita”, as propriedades descriminadas

formam em parte territórios grandes.

III

A Colônia Militar do Alto Uruguay compreende o terreno

entre o Rio Turvo e o Arroio do Herval grande e limita ao Sul com

os terrenos legitimados de Campo Novo. Não foi levantada ainda a

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

131

planta do Rio Turvo e Arroio do Herval grande e sim somente do

Rio Uruguay, na cuja margem acha-se medida e demarcada a maior

parte dos lotes coloniais.

O atual Diretor, Major Palmeiro, concedeu-me licença de

copiar as plantas respectivas.

IV

Como auxílio grande para a organização da planta serviram-

me os levantamentos de 3 picadas, as quais na sua maior parte

atravessam terrenos incultos e despovoados.

1. Planta da estrada de rodagem de Campo Novo para a Colônia

Militar, cuja estrada foi explorada e construída por ordem do

Governo Geral.

2. Planta da estrada, que segue da Villa de Palmeira para a Freguesia

de Nossa Senhora da Luz do Nonohay, levantada por ordem do

Governo Provincial pelo Engenheiro Coelho no ano de 1876.

3. Planta da picada da exploração aberta por mim do Rincão da

Fortaleza até o Rio Uruguay. Esta picada, que tem a extensão de 38

km 530 m, abri por conta da Câmara municipal no ano de 1879. O

fim que tinha em vista tomar este serviço, foi de explorar aquela

parte grande do nosso município, completamente desconhecida

então, e dar a iniciativa para abrir uma nova via de comunicação

com a Província do Paraná, a qual, comparada com as outras

existentes, havia de oferecer muitas vantagens.

Levantei a planta da picada na escala de 1:20.000; fiz

também um nivelamento geral por meio de observações

barométricas do terreno percorrido e apresentei um relatório

minucioso tanto sobre o serviço como sobre os resultados obtidos à

Câmara Municipal de Palmeira [texto que reproduzimos acima].

Uma cópia deste relatório entreguei, à seu pedido, ao

Engenheiro Dr. Joaquim Saldanha Marinho Filho, quando no mês

de Dezembro de 1885 retirou-se desta Província para a Côrte, para

ser apresentado ao Exmo. Sr. Ministro d’Agricultura.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

132

V

Nas numerosas excursões, que fiz durante dez anos pelo

município, tomei nota tanto das estradas como de outros objetos

topográficos [ilegivel] centenas de rumos e distâncias, cuja exatidão

podia verificar em execuções posteriores. Assim coligi um material

suficiente para a organização do itinerário das mais estradas do

município os detalhes topográficos, que, junto com o material

acima mencionado, era suficiente para a reconstrução do mapa

geral do município.

VI

A “Carta topográfica da Província de S. Pedro do Rio

Grande do Sul” concluída em 1868 pelo Engenheiro Dr. A. E. de

Camargo, aproveitei somente no que diz respeito ao curso do Rio

Uruguay.

Aproveito o ensejo para dar mais alguns resultados dos meus

estudos e observações feitas durante a minha estada neste

município, se queres, julgar ou, não são destituídos de interesses.

I. Alturas sobre os níveis do mar.

Por meio das observações barométricas feitas no mesmo

tempo no meu observatório meteorológico na Vila de Palmeira e no

escritório da “Comissão de melhoramentos da barra do Rio Grande

do Sul” determinei a altura da Vila de Palmeira nuns 565 metros.

Estas notas serviu-me de base para as mais determinações

feitas no município, das quais menciono as seguintes:

Estrada do Passo da Palmeira para o Rincão da Fortaleza.

Passo da Palmeira 460 m

Coxilha do Passo 530 m

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

133

Coxilha do Marques 530 m

Encruzilhada da estrada para o Rincão da Guaryta 515 m

Lagoa do Bueno 505 m

Villa da Palmeira 565 m

Pº. do Rio da Fortaleza 480 m

Casa do Capt. Galvão 515 m

Entrada da minha picada de exploração 450 m

Nesta picada determinei por observações correspondentes a

altura de 97 pontos, dos quais menciono os seguintes:

Coxilha Alta 485 m

Barra Alegre 240 m

Cima da Serra do Rio Uruguay 515 m

Pº. da Boa Esperança no Rio Uruguay 130 m

Estes pontos são o perfil geral na direção do Sul ao Norte.

Para a determinação do perfil na direção geral do Leste ao Oeste

serviram [?] os pontos seguintes.

Cabeceira do Rio Ijuy grande 465 m

Encruzilhada da estrada para o Rincão da Guaryta 515 m

Lajeado do Lourenço 445 m

Coxilha 500 m

Pº. na Guaryta 430 m

Encruzilhada com a estrada geral 485 m

Cabeceiras do Rio Turvo 470 m

No Distrito de Nonohay determinei a altura dos pontos

seguintes:

Freguesia da Nossa Sra. da Luz de Nonohay 545 m

Pº. no Lajeado do Tigre 490 m

Coxilha da Rondinha 555 m

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

134

Última caída para o Rio Uruguay 460 m

Passo do Goyo-En 195 m

II. Condições climáticas; observações meteorológicas.

A respeito do clima distinguem-se 2 zonas: 1. O planalto ou

os terrenos de cima da serra e 2. As caídas para o Rio Uruguay e

seus afluentes.

Em quanto no planalto geadas fortes e neve durante o

inverno são frequentes, são completamente desconhecidas estes

fenômenos nas paragens do Uruguay e seus tributários.

Na Vila da Palmeira tenho feito com regularidade durante

dois anos observações no termômetro e barômetro. No ano passado

foram me enviadas pela “Comissão de melhoramento da barra do

Rio Grande” mais um aneroide, um termômetro de máxima-mínima

e um pluviômetro, achando-me agora habilitado de estender as

observações sobre mais assumptos.

Os resultados obtidos são os seguintes:

Mês Pressão Atmosférica 700 m. Temperatura (G)

(1887) 7h 1h 9h Méd. Máx. Mim. Ampli-

tude.

7h 1h 9h Méd. Máx. Mín.

Janeiro 8,89 7,95 8,24 8,36 12,02 3,99 8.03 - - - 27,6 38,5 15,5

Fevereiro 5,9 6,7 6,5 5,8 - - - 19,3 25,3 21 21,9 28 17

Março 6,9 7,9 8,5 8,4 16,4 5,3 19,5 19,7 23,2 20,4 21,4 31 14

Abril 12,7 10,9 12,1 12,2 16,8 7,1 8,9 13,1 17,9 12 14,3 22 8

Maio 13,9 13,8 13,9 13,7 17 7,8 9,7 12,5 20,1 14,1 15,6 24 5,5

Junho 15,1 10,3 15 14,8 18,5 10,9 7,9 8,5 16,7 10,2 11,8 28 1

Julho 14,8 13,6 14,9 14,3 21,6 9,3 12,3 12,5 19 14 15 26 75

Agosto 14,5 13,6 13,8 14 17,1 8 9,1 11,4 19,6 15,4 15,5 28 1

Setembro 14,2 13,5 13,7 13,8 18 6,1 11,9 11,9 22,3 15,3 16,5 30 1,5

Outubro 12,2 11,9 11,7 11,9 17,9 2,5 15,9 15,3 25,1 19,2 19,9 34 9

Novembro 9,5 8 8,9 8,6 12,1 3,3 9,0 18,3 28,2 20,5 22,2 34 12

Dezembro 8 8,1 8,3 8,1 13,9 2 16,9 19,8 29 21,3 23,1 33 4

Page 135: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

135

Média do

ano

? ? ? ? ? 1 14,8 22,4 16,8 18 34 - 1

No vale do Rio Uruguay e dos seus afluentes a temperatura

alcança um grau maior e principalmente no inverno não baixa tanto

como nas outras partes; os grandes canaviais, plantação de café e de

outras plantas tropicais provam isso.

III. Aspecto Geral

Na parte septentrional e oriental estende-se as grandes matas,

povoadas somente na beira do campo numa extensão de 2 a 3

léguas.

O terreno nesta zona coberta de matas é mais montanhoso do

que na outra parte do município, porém oferecem declives fortes

somente nas caídas para os rios.

Pelas alturas determinadas vê-se que a ondulação do terreno

na direção geral do Sul a Norte, do Passo da Palmeira até o Rincão

da Fortaleza, move-se numa curva compreendida entre as alturas de

450 m a 565 porem daí até o Rio Uruguay entre os de 130 m. e

515m.

IV. Rios

O território é banhado por diversos rios, todos afluentes do

majestoso Rio Uruguay, são os seguintes: Rio Passo Fundo, Rio da

Várzea, Rio Pardo, Rio da Guarita, com o Rio da Fortaleza, Rio

Turvo, Arroio do Herval grande, Rio Nhacorá com o Rio

(Ponneira?), que correm todos na direção geral do SE-NO.

Outro afluente do Uruguay, que forma a divisa meridional

do município, é o Rio Ijuhy grande, cuja cabeceira mais alta é o

Arroio do Passo da Palmeira, ele corre do L. para O. e é sem

importância para o município.

Page 136: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

136

O Rio Passo Fundo (Uruguay mirim) forma a divisa oriental

do Distrito de Nonohay; ele é navegável por canoas grandes, porém

muitas corredeiras oferecem obstáculos à navegação.

O seu vale é estreito e as saídas para ele muito fortes.

Bem na sua foz está o Passo reúno ou Passo do Goyo-En,

muito frequentado pelos viajantes e tropeiros de São Paulo.

O Rio da Várzea (Uruguay puitan, Uruguay vermelho) é no

território de que tratamos, o mais importante afluente do Rio

Uruguay. Ele nasce 1 légua ao Oeste da Villa de Passo Fundo, corre

primeiro no Oeste e depois passo a NO. e N. Onde ele entra no

município já é navegável para canoas grandes e no passo da

estrada, que segue da Palmeira para Nonohay, tem uma largura de

88 m.

No tempo em que explorei os matos entre o campo e o Rio

Uruguay (1879) ainda ninguém tinha descido este rio até a sua foz e

por isso pretendi fazer um reconhecimento do curso dele. Mandei

três pessoas descer numa canoa grande até mais ou menos 4 léguas

abaixo da sua barra no Uruguay, porque calculei que a minha

turma, que ia por terra, havia de alcançar nestas imediações a vista

do rio, como de facto foi. Reunido com os navegantes, com os

quais encontrei um dia depois da nossa chegada no “Passo da Boa

Esperança” tinha de desistir da minha intenção de subir o Uruguay

e Rio da Várzea, porque a baixa das águas tinha chegado ao

extremo. Os navegantes declararam-nos que com águas médias o

Rio da Várzea era completamente navegável com lanchões e

gabaram muito a fertilidade extraordinária da planície que estende-

se nas margens do rio no seu curso de baixo.

O Rio Pardo é insignificante eu menciono-o somente para

corrigir um erro que tem sido transferido de mapa em mapa.

Na “Carta Topográfica” mencionada sob nº 6, está marcado

este rio como “Rio da Fortaleza”, denominado na sua foz Rio

Pardo e o rumo dele na continuação do Rio da Fortaleza, que nasce

na Villa da Palmeira. Porém este não tem barra com o Rio Uruguay

e sim com o Rio Guaryta. O rio Pardo é um lajeado grande, que

Page 137: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

137

nasce dentro do sertão; e na minha exploração acompanhei em

parte um galho dele.

O erro explica-se assim. Em frente da foz deste lajeado tem

uns rochedos dentro e na margem do rio, que os navegantes, que

desciam de Nonoahy, chamam “Fortaleza”, por isso os

demarcadores julgaram que este afluente fosse idêntico com o Rio

da Fortaleza.

O Rio da Guaryta (Albery), junto com o Rio da Fortaleza,

forma um afluente importante, porém o seu curso debaixo é

desconhecido.

O Rio Turvo (Cebolaty) forma no Campo Novo dois saltos

bonitos, dali para baixo a sua largura média é de 70 m. Entre ele e o

Lajeado do Herval Grande está compreendido o território da

Colônia Militar.

2 léguas abaixo da foz do Lajeado do Herval grande

encontra-se a barra do Rio Nhucorá, o qual oferece quase obstáculo

nenhum à navegação; seu vale é largo e fertilíssimo.

V. As matas do Rio Uruguay

No relatório que apresentei no ano de 1879 à Câmara

Municipal da Palmeira diz o seguinte:

“Nos últimos cinco anos nos trabalhos da minha profissão

levaram-me diversas vezes para diferentes pontos do vale do Rio

Uruguay, do Rio maior da nossa Província e nestas ocasiões

conheci a fertilidade enorme das paragens deste rio majestoso e dos

seus tributários, fiquei convencido da importância que hão de ter no

futuro não muito remoto os territórios que ele banha. Eu vi em

Nonoahy aquele paraíso, que se estende nas margens do Goyo-En,

onde os moradores fazem uma fortuna só com plantações de cana,

que lá, naquele lugar abençoado pela natureza, alcança um

desenvolvimento admirável; vi lá pela primeira vez na minha vida

cafezais, se bem que em escala pequena, porém dando boa colheita;

vi lá plantações abundantes de toda a espécie, tanto de plantas

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

138

tropicais, como de florestas da zona temperada, juntas e vem se

desenvolvendo, como não se encontra em uma outra parte da

Província.

Eu tive o prazer imenso de ver aquelas matas na costa do

Alto Uruguay, onde uma vegetação gigantesca faz admirar o

observador, aquelas matas completamente intactas, verdadeiros

“matos virgens”, onde nunca o braço do homem ergueu o machado

para derrubar os representantes duma vegetação de séculos.

Os territórios que banha o Rio Uruguay desde Nonohay até

lá onde acabam os Mattos, até o Serro Pelado, possuem todas as

condições naturais para, porém esperam um grande

desenvolvimento. É verdade que o rio oferece muitos obstáculos à

navegação franca e desembaraçada; porém pelo menos durante 6

meses no ano este obstáculo não existe e durante o resto do tempo

ele sempre permite uma navegação limitada. A fertilidade das terras

do seu vale é tão conhecida que não precisa dizer uma palavra a

respeito disso; o clima também é mais [ameno?] e saudável do que

em qualquer outra parte da Província.

O futuro do município de Santo Ângelo e Santo Antônio da

Palmeira, os quais abrangem a maior parte do território, há de ser

grandioso, eles hão de tornar-se os municípios mais ricos, mais

importantes de toda a região serrana, logo que dirigir-se a atenção

do Governo para estes lugares, ainda tão pouco conhecidos, que se

abra este sertão imenso do Alto Uruguay à colonização e à

civilização, que se colonize as paragens deste rio, seja com

nacionais, seja com estrangeiros!”.

Daquele tempo para cá tenho trabalhado sempre neste

território do Alto Uruguay, tenho feito estudos e observações em

todos os municípios que ele banha: São Borja, São Luis, Sto.

Ângelo, Palmeira e Passo Fundo, e tenho ficado mais convencido

ainda que não pode haver território na Província que oferece tantas

vantagens para a colonização do que este do Alto Uruguay.

O carácter geológico do terreno explorado, tanto como pude

observar, fica determinado pelas formas de diorito ou trapp e do

Page 139: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

139

melaphiro, formas plutônicas, em quando aos rochedos dentro e na

costa do rio pertencem à formação basáltica. À respeito da

fertilidade não pode haver dúvida: enquanto a decomposição das

rochas graníticas fornece terras de fertilidade medíocre, aquelas

produzidas pelo trapp são riquíssimas.

Esta fertilidade consta melhor ainda da vegetação:

Comparando com as matas da região das colônias alemãs na Serra

Geral, as do Alto Uruguay não mostram muitas espécies novas,

porém a vegetação aqui é mais forte e robusta, toda a produção

mais desenvolvida e viçosa. Limito-me de mencionar aqui somente

as árvores mais importantes por sua utilidade:

Cedro (Cedrela brasiliensis), Canjeirana (Cabralia

cangeirana), Araça (Psidium araça), Açouta cavalo (Luber

gramiflora), Canafístula (Cassia brasiliana), Canela do brejo

(Vicetandria), Canela preta (Vesctandra mollis), Canela do viado

(Actinostrem lomorolatum), Farinha Sacra (Sterenha Rex),

Guabiroba (Camponanesia remata), Ipê (Cecoma Ipé), Jabuticaba

(Eugenia cauliflora), Angico (Acacia), Pitanga (Stanicolia Mus),

Guajuvira, Grapiapunha, Cereja, Batinga.

Estas são as árvores principais que formam em parte

misturadas com Palmeiras, os matos as que sobram com as suas

copas um segundo mato menos alto e quase impenetrável composto

de arbustos de todas as espécies de Criciúma, Cipós, Espinhos,

Taquaras e Parasitas as mais diversas.

Só na beira do campo encontra-se o Pinheiro (Araucaria

brasieliensis), Xaxim e Samambaia, sinal de terreno de qualidade

inferior; de lá até o Rio Uruguay estende-se a região que é mais

apropriada para a agricultura, para a cultura de todos produtos,

tanto do fumo, algodão, cana de açúcar e café, como de milho,

feijão e mandioca.

Santo Antônio da Palmeira, Janeiro de 1887

Maximiliano Beschoren, agrimensor.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

140

Figura 20: Fac-símile da primeira capa da “Nota explicativa”, escrita pelo eng.

Beschoren, de 14 folhas.

Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.

Page 141: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

141

Figura 21: Detalhe do Mappa geographico da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul organizado na Commissão do Registro Geral Estatistica des Terras Publicas e Possuidas, sob a Presidencia do Conseilheiro Bernardo Augusto Nascentes de Azambuja, pelos Engenheiros José Ignacio Coimbra e Tenente Coronel Conrado, Jacob de Niemeyer auxiliado pelo Engenheiro Geographo Galdino Alves Monteiro e mandado publicar pelo Ex° Sar. Conseilheiro Thomaz José Coelho de Almeida.

Fonte: Gallica. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b530987029.r=mappa%20geographico%20da%20provincia%20do%20sul%20de%20S.%20Pedro%20do%20Rio%20Grande%20do%20Sul?rk=21459;2>.

Page 142: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

142

Imagem 22: Carta topográfica da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul organizada por A. E. de Camargo, engenheiro da Província, em 1868.

Fonte: Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart325142/cart325142.pdf>.

Page 143: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

143

Imagem 23: Detalhe Carta topográfica da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul organizada por A. E. de Camargo, engenheiro da Província, em 1868.

Fonte: Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart325142/cart325142.pdf>. Observa-se: O Arroio das Ariranhas que desaguam no Rio Uruguai, depois chamado “Rio do Mel”. O equivoco de denominarem “Rio Fortaleza” para o “Rio Pardo”, erro que Beschoren vai corrigir.

Page 144: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

TEXTO V

RELAÇÃO DAS POSSES E CONCESSÕES LEGITIMADAS E

LEGALIZADAS NO MUNICÍPIO DE STº ANTÔNIO DA PALMEIRA E NO

DISTRITO DE NONOHAY (MUN. DE PASSO FUNDO).

PROVÍNCIA DE S. P. DO RIO GRANDE DO SUL

[Documentos localizado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – RJ. Lata

338, doc. 35].

1. CAMPO NOVO

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

Domingos Antº Pereira 7.383.400 m²

Mathias Bohnen 8.818.000 m²

Anacleto Chaves Nogueira 4.923.000 m²

Leonardo Fogaça 1.090.000 m²

Manuel Polyxeno de Souza 8.407.000 m²

João Soares da Silva 5.206.700 m²

José Perié 11.116.000 m²

Pedro Cassel 8.351.000 m²

Felippe Bindé Lassalle 22.141.700 m²

Manuel Babtista dos Santos 18.661.000 m²

Luciano Ferreira Martins 8.640.900 m²

Manuel Luis d’Oliveira 2.021.500 m²

Luís Mathias 6.558.800 m²

Albino Pinto do Amaral 3.785.000 m²

Carlos Lobo 12.880.600 m²

João de Souza Bueno 6.126.750 m²

A. J. Rabelo 7.888.900 m²

17 Propriedades 144.04.250

Page 145: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

145

2. SERRA DO CAMPO NOVO, ENTRE OS RIOS NHACORÁ E

TURVO

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

Francisco Staup 1.540.700 m²

Joaquim Rabelo 576.000 m²

Escolástica Corá de Moura 1.112.580 m²

Joaquim Marcelino Rodrigues 1.357.000 m²

João Antônio Lopes 6.283.080 m²

Jargutho José d’Almeida 13.053.000 m²

Venâncio Mendes Machado 5.079.000 m²

João A. Siqueira 6.013.150 m²

Felippe dos Santos 7.479.200 m²

Candida Maria Lemes 6.534.100 m²

Machado 4.529.400 m²

Manuel Antônio da Silveira 8.404.200 m²

Francisco Th. de Quevedo 10.169.600 m²

José R. dos Santos 6.789.000 m²

Miguel Correa de Paula 21.425.500 m²

Sabino Rosa 5.842.000 m²

Bernardo José de Quadros 6.484.400 m²

Antônio Joaquim do Amaral 4.309.000 m²

Manuel Polixeno de Souza (2) 10.976.000 m²

Antônio R. de Almeida 6.919.800 m²

Pedro Antero Batista 2.512.200 m²

Antônio Alves de Castro 6.919.400 m²

José Soares da Silva 7.025.000 m²

Gabriel dos Santos 6.751.000 m²

Emílio José dos Santos 4.448.000 m²

Monqueiro 5.392.700 m²

Januário Correa 6.016.600 m²

José Perié 8.487.600 m²

Rufino Augusto Barbosa 6.247.800 m²

Reginaldo José dos Santos 5.791.500 m²

Page 146: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

146

Jerônimo Correa (2) 14.563.200 m2

Anacleto Chaves Nogueira 3.080.000 m²

Matias Bohnen (2) 10.080.700 m²

Inácio Bento de Souza 13.254.000 m²

Nunes Sagas 4.513.250 m²

Fazenda de S. Jacó 62.144.000 m² 50.000.000 m²

39 Propriedades 62.149.000 m² 292.523.180 m²

Page 147: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

147

Figura 24: Fac-símile do documento manuscrito de Beschoren.

Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.

Page 148: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

148

Figura 25: Mapa original de uma posse pertencente a Atanagildo Pinto Martins, do punho do

Engenheiro Maximiliano Beschoren.

Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.

Page 149: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

149

3. SERRA DA MARGEM DIREITA DO RIO TURVO

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

Conceição José do Espirito Santo 6.718.400 m²

Catharina M. Gonçalves 7.130.000 m²

Guilherme Shan (2) 7.595.300 m²

Felipe Bindé Lassalle 4.215.000 m²

João Antônio Brisola 13.157.100 m²

Benedito da Anunciação Brisola 14.383.800 m²

Salvador José Pinheiro 15.337.100 m²

Luciano Bueno da Fonseca 4.020.000 m²

José R. de Almeida (2) 20.481.100 m²

Manuel Antônio Gonçalves 7.665.600 m²

Antônio Leite de Miranda 8.484.000 m²

João Isaias de Sousa 1.478.000 m²

Olivério Antunes do Nascimento 12.619.400 m²

José Antônio dos Santos 1.768.460 m²

Maria Josefa dos Santos 6.143.000 m²

Peregrino José Ferreira 6.460.400 m²

Joaquim M. Bueno 9.336.200 m²

Manuel Joaquim Borges 6.493.000 m²

Atanagildo Pinto Martins 18.106.400 m²

José J. de Oliveira 4.871.000 m²

J. Florêncio M. Fagundes 18.461.800 m²

23 Propriedades 190.938.560

4. RINCÃO DA FORTALEZA

4.1 Caídas para o rio da Fortaleza

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

Venâncio Pires de Lima 3.244.800 m²

Francisco Rodrigues da Rosa 1.445.800 m²

Rui Vieira de Sousa 14.658.800 m²

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

150

Domingos Padilha de Camargo 8.692.800 m² 9.027.100 m²

Vicente Antônio de Oliveira 6.470.800 m² 9.786.050 m²

Serafim de Moura Reis 4.784.100 m²

Justino de Sousa Bueno 11.921.500 m²

7 Propriedades 46.528.000 m² 23.503.750 m²

4.2 Cahídas para o Rio da Várzea

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

José Marques Barbosa 2.681.890 m²

Rui Vieira de Sousa 8.061.000 m²

Galvão de Sousa Bueno 3.150.200 m² 4.468.200 m²

Manuel Ferreira Lopes 4.420.000 m ² 10.488.000 m²

Anastácio de Souza Bueno 1.710.600 m²

Laurinho Moreira do Amaral 3.054.200 m²

Francisco Gomes Branco 7.110.200 m²

Jordão de Lima Bueno 8.721.400 m²

Justino de Sousa Bueno 3.858.400 m²

João de Sousa Bueno 5.278.400 m²

10 Propriedades 7.570.200 m² 55.438.280 m²

5. POTREIRO BONITO

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

Isaias José Silveira 730.240 m²

João Paulo de Vargas 1.277.850 m²

Francisco Modesto Franco 6.108.850 m²

Bento Pereira 2.524.200 m²

Miguel Rodrigues Vieira (2) 4.448.250 m²

Joaquim Vicente da Silva 3.513.650 m²

Francisco R. Vieira 7.246.200 m²

João Calisto Tobias 3.295.650 m²

Valentin R. Duarte 9.288.400 m²

Bento Domingos Lemes (2) 3.563.700 m² 3.507.800 m²

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

151

João de Lima e Camara 2.182.750 m²

Nicolau Casseng 2.216.900 m²

Taurino Jarguto da Cunha 819.800 m²

José Hilário Bueno 4.220.100 m²

Vicente Brisola e Irmãos 1.777.540 m²

Rafael José da Rosa 763.900 m²

João Pereira A... 2.750.600 m²

Modesto da Silva Moreira 1.467.000 m²

Santiago Tasco 887.700 m²

João Alberto Correa 9.889.000 m²

Tiburcio da Siqueira Pinto (2) 10.228.600 m²

Antônio Xavier Simões 2.268.700 m²

Francisco Pereira de Vargas 1.618.500 m²

José da Silva Conceição 9.302.900 m²

27 Propriedades 3.563.700 m² 89.431.280

6. BOI PRETO

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

João Bento de Ramos (2) 7.302.200 m²

José Luis de Borba 8.556.300 m²

Marcolino Ribeiro Martins 2.899.500 m²

Antônio Galvão Pereira 9.170.500 m²

Salvador José Pereira 2.930.100 m²

Galvão de Sousa Bueno 42.976.170 m²

7 Propriedades 42.976.170 m² 30.762.600 m²

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

152

7. RINCÃO DA GUARITA E SERRA DO MESMO NOME

8. SERRA DO ERVAL SECO, ENTRE OS RIOS GUARITA E FORTALEZA

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

José Gomes de Medeiros 12.836.000 m²

Manuel Leite de Azevedo 4.647.800 m²

Vicente do Amaral 4.307.200 m²

M. Antônio de Arruda 7.512.000 m²

Silvestre da Silva Gularte (4) 84.587.330 m²

José Mesquita Lobo 8.362.100 m²

Verissimo Alves do Amaral 4.785.100 m²

João A. de Borba 2.962.300 m²

Antônio Dias dos Aires 29.796.000 m²

Laurinda Maria Morais 1.840.220 m²

Policarpo José Prestes 2.726.300 m²

Francisco Machado Frazão 8.345.670 m²

Antônio José de Oliveira 10.314.500 m²

João Balbino Martins 3.862.600 m²

J. M. Pinheiro Toledo 4.950.550 m²

Antônio Joaquim da Silveira 7.030.600 m²

Mariana de Sousa Santos 3.596.940 m²

João Teixeira 4.890.600 m² 2.090.500 m²

21 Propriedades 34.686.600 m² 180.778.680 m²

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

Antônio Novaes Coutinho 128.779.632 m²

Manuel Joaquim Borges 90.000.000 m² 29.876.300 m²

Francisco de Carvalho Leite

Ferreira

18.747.600 m²

Laurindo Ferreira de Lima 6.801.200 m²

João Antônio da Silva 6.648.000 m²

Atanagildo Pinto Martins 11.299.600 m²

6 Propriedades 218.779.632 m² 73.372.740 m²

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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9. PICADA DO RIO DA VÁRZEA PARA NONOAI

Nome do Legitimantes Área Superficial

Campo Mato

Maria Rita do Espírito Santo 3.364.800 m²

Faustino Caldeirão 6.682.000 m²

Serafim de Moura Reis 9.675.150 m²

Manuel Francisco de Moura 7.248.000 m²

Américo S. de Moraes 2.137.400 m²

Vicente Brisola 21.507.300 m²

6 Propriedades 50.454.650 ²

10. SERRA DO RIO IJUÍ

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

Lourenço de Moraes Gomes 19.251.900 m²

Eleutério da Silva Prado 8.693.700 m²

Rita Balbina de Campos 6.387.500 m²

Atanagildo Pinto Martins 5.035.000 m²

Manuel Antunes Pereira 3.483.000 m²

Ana Demétrio Machado 15.269.980 m²

Joaquim de Paula e Sousa 5.871.700 m²

Manuel Inácio da Silva 3.634.700 m²

Antônio Pinheiro dos Santos 17.765.100 m²

João Francisco Almeida 7.456.200 m²

Jeremias Francisco Amado 1.987.300 m²

Basílio R. da Silva 16.959.800 m²

12 Propriedades 105.798.880 m²

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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11. DISTRITO DE NONOHAY

Nome do Legitimante Área Superficial

Campo Mato

Gertrudes Maria de Espírito 5.358.000 m²

Matias Muller 3.437.000 m²

Francisco T. de Oliveira 3.749.800 m²

Antônio João Fernandes 31.190.400 m²

Manuel Honório de Melo 9.758.500 m²

Eugênio Veloso Linhares 5.808.100 m²

José Pedro Sarmento de Melo 4.345.700 m²

José Lopes Vieira 27.610.800 m²

Manuel Joaquim Machado 7.433.400 m²

Inácio José de Oliveira 2.869.800 m²

Faustino José de Oliveira 2.583.600 m²

Flório José Bandeira 433.500 m²

Laurindo Cardoso dos Santos

Menezes

4.356.900 m²

Antônio Alves Pedroso (2) 6.050.800 m² 3.709.700 m²

Maria Lopes Vieira 8.113.350 m²

Joaquim Antunes Vaz 3.633.000 m²

João de Vergueiro 7.493.800 m²

Maria Delfina dos Santos 7.762.900 m²

Antônio José Laguna 10.656.300 m²

João Batista Lajus 3.421.000 m²

Manuel Batista Quevedo 44.472.500 m²

Vieira 39.929.800 m²

Cipriano Rocha Loires 124.872.000 m²

24 Propriedades 282.884.820 m² 82.365.450 m²

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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12. RESUMO

Sessões Propriedades de Campos Propriedades de Matos

n. n.

I 17 144.004.250 m² - -

II 1 62.149.000 m² 36 292.523.180 m²

III - - 23 190.938.560 m²

IV 5 46.528.000 m² 4 23.503.750 m²

V 3 7.570.200 m² 10 55.438.280 m²

VI 1 3.563.700 m² 24 89.431.280 m²

VII 1 42.976.170 m² 5 30.760.600 m²

VIII 2 218.779.632 m² 5 73.372.740 m²

IV 2 34.686.600 m² 17 180.778.680 m²

X - - 6 50.454.650 m²

XI - - 12 105.798.880 m²

XII 7 282.884.820 m² 17 82.365.450 m²

38 843.137.372 m2 165 1.176.368.050 m2

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Figura 26: Mapa parcial do antigo Município de Palmeira das Missões. Detalhes das grandes posses e propriedades (em amarelo), com área e proprietários.

Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Figura 27: Detalhes das grandes posses e propriedades (em amarelo), com área e proprietários.

Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.

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Posfácio

Breno A. Sponchiado

Após percorrermos um rápido itinerário da vida e das ações mais relevantes de

Maximiliano Beschoren em terras gaúchas podemos fixar, como considerações finais,

algumas proposições sob o ponto de vista histórico.

Beschoren pertence ao seleto grupo de intelectuais europeus, muitos alemães,

que no século XIX partem para o Novo Mundo fascinados pelo que vislumbravam de

novidades científicas e possibilidades de vida melhor.

Viajantes ilustrados e cientistas de academia traziam uma bagagem intelectual

da época, marcadamente iluminista, no sentido de crença ilimitada na razão e na

ciência, na capacidade humana do conhecimento da natureza e transformação através

deste do mundo, em benefício da humanidade. Vinham embalados pelo paradigma do

Progresso, na experiência do Velho Mundo da Revolução Industrial, que acreditavam

seria apanágio de todos os males. Nutriam também uma confiança na força do

trabalho, mental e braçal, que permitiria transformar o ambiente natural, hostil e

desumano em paisagens amenas, tirando da terra seu sustento e desenvolvimento.

Professavam, por fim, uma mentalidade tipicamente europeia, um tanto

darwinista, da proeminência racial dos habitantes do velho Continente, acrescido, no

caso de Beschoren e seus patrícios, de um pangermanismo. O que se nota na descrição,

a partir de sua cultura, do outro, o diferente, o indígena, o caboclo.

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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Com esse quadro teórico, podemos melhor avaliar a ação do nosso biografado.

Uma mente aberta ao novo e às aventuras, observador perspicaz e meticuloso.

Abandonando uma zona de conforto repisada pelos seus pares dos grandes centros

econômicos (Porto Alegre, Pelotas, São Leopoldo...), lança-se para terras recônditas,

que apareciam nos mapas como “Sertão incógnito”. Cerca-se de todos os instrumentos

modernos que permitem mensurar, esquadrejar o meio ambiente do Alto Uruguai,

ansioso decifrá-lo, domesticá-lo e por mostrar suas excelentes qualidades para a

implementação da colonização sistemática com adventícios germânicos e outros. Daí

suas facetas de geógrafo, meteorologista, cartógrafo, antropólogo e historiador.

Seu desejo de compartilhar suas peripécias com a Academia e leitores em geral

o faz escrever suas percepções em jornais de língua alemã no Rio Grande do Sul e

enviar crônicas para periódicos da Alemanha. Era seu lado publicisista e de escritor,

cultivada desde a tenra idade. Fazia, assim, um convite para seus patrícios seguirem

suas pegadas.

A maior obsessão de Beschorem, porém, foi a colonização. Preocupação

diuturna. Não admitia centenas de quilômetros de terras ubérrimas inaproveitadas e

multidões, no Brasil e no mundo, passando fome. O que faltava para transformar o

cenário de selvagem em civilização? Talvez uma visão um tanto romântica, ingênua

ou naturalista da realidade fazia Beschoren ignorar que nas questões de colonização

entram em jogo fortíssimos interesses geopolíticos, econômicos, étnicos. Aliás, parece

que o engenheiro não via que uma região afastada de maiores centros consumidores,

sem meios de comunicação, povoada somente por indígenas e parcos caboclos,

dificilmente atrairia a atenção de políticos influentes e de fortunas de investidores. De

tal modo que decênios iriam passar para consolidar a ocupação agrária da região. O

amigo Koseritz notara, a esse respeito, que a situação econômica sofrível de

Beschoren, nos últimos tempos, se devia a sua falta “de mente, que devia construir

com ele [o material científico], admirável obra”!

Por fim, uma palavra sobre a personalidade de Beschoren, o que possa talvez

trazer luzes sobre sua ação e obra. De que adianta dizer que era “prussiano”? Mas

alguns episódios refletem sua personalidade e denotam o que o Pe. Arlindo Rubert

diagnosticou como “vigorosa personalidade”. Quiçá por essa expressão fez referência

a sua tendência ao preciosismo, a um moralismo exacerbado. A ausência de citações

de seus familiares em seus escritos parece denunciar um espírito ensimesmado e

retraído. Um episódio retrata seu caráter inflexível: quando em meio a exploração de

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Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai

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uma picada, em 1879, do Rincão da Fortaleza (hoje Seberi) até o Rio Uruguai, tendo

de enfrentar uma rebelião dos roçadores por aumento de salário, preferiu que

desertassem a perder a força moral. E ufanava-se pelo feito: “Cortei a cabeça a hidra,

firmei a disciplina e o respeito, retemperei-me e prossegui na exploração”. Resta saber

até onde esta teimosia e incapacidade de adaptar-se às novas circunstâncias influíram

na sua decadência financeira, depressão, neurastenia e .... suicídio. Aliás, narrando

esse fato, preconizara: “O brio e a dignidade é tudo, o homem que possui estas

qualidades prefere a morte a mostrar-se indigno do fim social a que foi destinado”.

Page 161: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

Referências

BARRETO, Abeillard. Bibliografia. Sul – Riograndense. (A contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul). Volume I. A – J. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro, 1975. BESCHOREN, Maximiliano. Impressões de viagem na província do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1989. BESCHOREN, Maximiliano. Nota explicativa sobre a planta do município de Santo Antônio da Palmeira com o districto de Nonohay, província de São Pedro do Rio Grande do Sul – 1887. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Manuscrito. Lata 133. Documento 14. BESCHOREN, Maximiliano. Relação das posses e concessões legitimadas e legalizadas no município de Stº Antônio da Palmeira e no distrito de Nonohay (mun. de Passo Fundo). Província de S. P. do Rio Grande do Sul. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – RJ. Manuscrito. Lata 338, doc. 35. CASTRO. Evaristo Affonso de. Notícia Descritiva da Região Missioneira. Cruz Alta, Tipografia do Comercial, 1887. OLIVEIRA, Francisco. Annaes do Municipio de Passo Fundo, v. I, II e III. Passo Fundo, Gráfica e Editora UPF, 1990.

Page 162: Maximiliano Beschoren: Alto Uruguai - URI Câmpus de

A presente edição foi composta pela URI, em caracteres Mongolian Baiti e Courier New,

formato e-book, PDF, em novembro de 2016.