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  • DRIASAMPAIO

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  • Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho

    Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy RibeiroDurmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

    Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim

    Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

    Alfred Binet | Andrs BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci

    Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin FreinetDomingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim

    Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich

    Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart

    Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset

    Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

    Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco

    Coordenao executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

    Comisso tcnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

    Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle,Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas,

    Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero

    Reviso de contedoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto,Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

    Secretaria executivaAna Elizabete Negreiros Barroso

    Conceio Silva

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  • Marta Maria Chagas de Carvalho

    DRIASAMPAIO

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  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)

    Carvalho, Marta Maria Chagas de. Sampaio Dria / Marta Maria Chagas de Carvalho. Recife:Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 158 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-505-01. Dria, Antonio de Sampaio, 1883-1964. 2. Educao Brasil Histria. I. Ttulo.

    CDU 37(81)

    ISBN 978-85-7019-505-0 2010 Coleo Educadores

    MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana

    Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbitodo Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo acontribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de

    melhoria da equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formale no formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos

    contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no sonecessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao.

    As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicaono implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCOa respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio

    ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

    A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.

    Editora MassanganaAvenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

    www.fundaj.gov.br

    Coleo EducadoresEdio-geralSidney Rocha

    Coordenao editorialSelma Corra

    Assessoria editorialAntonio Laurentino

    Patrcia LimaReviso

    Sygma ComunicaoIlustraes

    Miguel Falco

    Foi feito depsito legalImpresso no Brasil

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  • SUMRIO

    Apresentao, por Fernando Haddad, 7

    Ensaio, por Marta Maria Chagas de Carvalho, 11Antonio de Sampaio Dria. O pedagogo, o educadormilitante e a formao do cidado republicano, 11

    Introduo, 11Antonio de Sampaio Dria: breve biografia, 13Na Liga Nacionalista de So Paulo: Sampaio Dria,militante nacionalista, 23

    O pacto oligrquico e as campanhasdas Ligas Nacionalistas, 23

    Sampaio Dria na Liga Nacionalista de So Paulo, 28O didata militante: dois pequenos livrinhospara ensinar o professor a ensinar, 39Na ctedra da Escola Normal: Sampaio Dria, pedagogo, 44Princpios de pedagogia: a difcil empresade assentar a ao educativa em bases cientficas, 48Educao: a doutrina ensinadana Escola Normal e sua depurao, 70Na diretoria da Instruo Pblica:Sampaio Dria, reformador, 87

    A poltica escolar republicanaem So Paulo e a Reforma Sampaio Dria, 87

    A reforma: o que todo cidado deve saber, 94

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  • A reforma, os perigos do alfabetoe as crticas escola alfabetizante nos anos 1920, 105Consideraes finais, 113Sampaio Dria atual, 120

    Textos selecionados, 123Princpios de pedagogia (trechos escolhidos), 123

    Cronologia, 143

    Bibliografia, 145Obras de Antonio de Sampaio Dria, 145Artigos de Sampaio Dria na imprensa, 147Obras sobre Antonio de Sampaio Dria, 150Outras referncias bibliogrficas, 151

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  • A ideia de organizar uma coleo de livros sobre educadores epensadores da educao surgiu da necessidade de colocar disposi-o dos professores e professoras de todo o pas obras de qualida-de para mostrar o que pensaram e fizeram alguns dos principaisexpoentes da histria educacional e do pensamento pedaggico, nosplanos nacional e internacional. A divulgao e a democratizao deconhecimentos nessa rea constituem um passo importante em di-reo ao propsito de promover o resgate de ideias e contribuiesrelevantes de uma pliade de educadores que, em perodos diferen-tes da nossa evoluo, perceberam a essencialidade da educao epor ela lutaram, como tambm o de alicerar os fundamentos dapoltica e do processo educativo em conhecimentos tericos e pr-ticos considerados indispensveis para a melhoria das escolas.

    Para concretizar esse objetivo, o Ministrio da Educao, pelaPortaria Ministerial n 942, de 27 de abril de 2006, instituiu umaComisso Tcnica, composta por representantes do MEC, de ex-pressivas instituies educacionais, de universidades e da Unesco.Esta Comisso, sob a coordenao do MEC, estabeleceu os crit-rios para a seleo dos educadores e pensadores da educao, emmbito nacional e internacional, para integrar a referida coleo,assim como as orientaes gerais, de modo a balizar a produo ea traduo dos textos com vistas a assegurar a indispensvel quali-dade e a credibilidade.

    APRESENTAO

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  • 8ANTONIO GRAMSCI

    No plano internacional, procurou-se aproveitar a coleo Penseursde lducation, organizada pelo International Bureau of Education (IBE)da Unesco, em Genebra, que rene alguns dos maiores pensadoresda educao de todos os tempos e culturas. Essa coleo, publicadaoriginalmente em ingls, francs e espanhol de suma importncia,sobretudo, para servir de subsdio ao amplo movimento de repen-sar a educao brasileira que se instaurou no pas com vistas a elev-la a uma prioridade permanente do estado.

    A Comisso, aps vrias reunies e discusses que, inclusive,exigiram uma prorrogao do prazo previsto originalmente paraa entrega dos resultados, chegou indicao de sessenta nomes,sendo trinta nacionais e trinta internacionais1. Os critrios para aorganizao dessa lista levaram em conta, no caso dos educadoresnacionais, a relevncia das ideias, o pioneirismo e o impacto nofortalecimento da luta histrica para tornar a educao prioritriano pas. No plano internacional, os educadores e pensadores fo-ram selecionados tanto pela influncia que, direta ou indiretamen-te, tiveram na educao brasileira, quanto ainda pelo alcance e pe-las implicaes pedaggicas de suas reflexes.

    certo que essa lista nem de longe esgota a riqueza de ideiasdo pensamento pedaggico. Muitos educadores e pensadores queforam cogitados e discutidos pela Comisso no constam da lista.Todavia, ao instante em que a poltica educacional brasileira come-a a ser colocada como uma questo de estado, no tenho dvidasde que a coleo ter continuidade de forma a ampliar cada vezmais o acervo de obras relevantes postas disposio dos educa-dores e educadoras de todo o pas.

    Para garantir o xito e a qualidade do empreendimento, almdas entidades representadas na Comisso Tcnica, recorreu-se a pes-quisadores com competncia comprovada tanto no que se refere histria da educao quanto em matria de publicaes do gnero.Assim, foi composto um quadro de especialistas e colaboradores

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  • 9COLEO EDUCADORES

    permanentes, em condies de cumprir um objetivo que consideroindispensvel ao Plano de Desenvolvimento da Educao que estem vigor em todo o pas e que tem a aspirao suprapartidria decontribuir para que o Brasil chegue ao 2 Centenrio de sua Inde-pendncia, em 2022, com um sistema de educao pblica compa-tvel com seus ideais de democracia e justia social.

    Estou convicto de que, ao iniciar a publicao dos volumes daColeo Educadores, o MEC, em parceria com a Unesco e aFundao Joaquim Nabuco, possibilita que um grande e rico acer-vo de referncias sobre a histria das ideias pedaggicas subsidie oaprofundamento das polticas educacionais da Unio, dos estados,do Distrito Federal e dos municpios, e contribua, como queriaPaulo Freire, para a unio indissocivel entre a teoria e a prtica, daqual tanto necessitamos em tempos de transio para cenrios maispromissores.

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  • SAMPAIO DRIA*

    (1883-1964)Marta Maria Chagas de Carvalho

    Antonio de Sampaio Dria. O pedagogo, o educador

    militante e a formao do cidado republicano

    Introduo

    Na historiografia educacional brasileira, a figura de Antoniode Sampaio Dria est intimamente associada talvez mais con-trovertida reforma do sistema escolar paulista. Implantada no es-tado de So Paulo, em 1920, a Reforma Sampaio Dria, comoficou conhecida, inverteu a lgica que vinha orientando a institucio-nalizao e a expanso da escola no estado, ao pr em cena umprograma de incluso escolar das populaes ento marginaliza-das, fundamentalmente comprometido com duas metas princi-pais: a erradicao do analfabetismo e a difuso de um modeloescolar de educao bsica capaz de promover a formao docidado republicano. Sampaio Dria foi o idealizador e o arquite-to da reforma, mas no o seu executor, j que deixou o cargo dediretor da Instruo Pblica Paulista antes mesmo de sua regula-mentao. As reaes negativas e as crticas desencadeadas peloprocesso de discusso do projeto de lei apresentado AssembleiaLegislativa acabaram por retirar de Dria o apoio poltico neces-srio implantao da reforma tal como a havia concebido. As-

    * Nos trechos de autoria de Sampaio Dria reproduzidos nesta obra foi mantida a grafia

    original. (Nota do editor.)

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    ANTONIO GRAMSCI

    sim, acrescido a isso o fato de sua exonerao do cargo de diretorda Instruo Pblica, o programa de erradicao do analfabetismoe de formao do cidado republicano foi abortado. Apesar dis-so, a chamada Reforma Sampaio Dria passou a ser um marcofundamental no debate sobre a democratizao da escola brasilei-ra por todo o sculo XX. Na opinio abalizada de Heldio Antunha,a importncia da sua reforma deve ser aquilatada no

    pelas inovaes introduzidas, nem mesmo pelos seus resultadosprticos, concretos, mas sobretudo pela agitao de ideias queprovocoue pelo impacto que causou no desenvolvimento da his-tria da educao paulista. (Antunha, p. 236, s.d.)

    A importncia que a historiografia educacional brasileira lheconfere decorre do impacto que teve, nos anos de 1920 e 1930, naredefinio do campo do debate sobre poltica educacional queento se processava no pas, no mbito do que se convencionouchamar de movimento de renovao educacional. Considerada por Naglecomo uma das reformas mais incompreendidas por que passouo ensino, na dcada de 1920, a Reforma Sampaio Dria desta-car-se-ia, segundo o autor, por ter quebrado velhos padres depensamento e de realizao, mantendo-se fiel a princpios denatureza democrtica e republicana (Nagle, p. 204, 1976). Na se-gunda metade do sculo XX, a reforma ser um ponto de refe-rncia fundamental nos debates e na produo acadmica sobre aquesto da democratizao do ensino no pas. A longa permann-cia de representaes sobre a reforma nessa produo, mas tam-bm na memria educacional, acabou por sedimentar uma com-preenso reducionista dos objetivos que nortearam a arquiteturade seu projeto original. Reduzida a um intento de priorizar aerradicao do analfabetismo em prejuzo da expanso de umaescola bsica de qualidade, a reforma tornou-se exemplar de umdos plos de um dilema produzido e recorrentemente reproduzi-do no debate sobre a democratizao da escola no pas: ensino dequalidade X expanso quantitativa do ensino.

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    COLEO EDUCADORES

    Este estudo biogrfico foi pautado, fundamentalmente, pelointeresse em compreender o programa poltico e pedaggico deSampaio Dria como reformador da Instruo Pblica paulista.Para tanto, deteve-se longamente na exposio e no entendimentocrtico das concepes pedaggicas de Sampaio Dria, aspecto ne-gligenciado na produo acadmica sobre a reforma de ensino quepromoveu. Tal investimento no se fez como esforo de abstrairtais concepes da situao em que foram elaboradas e professadasna Escola Normal da capital, na posio de professor catedrticoda cadeira de psicologia, pedagogia e educao cvica e damaterialidade dos livros que as puseram em circulao. Ele no sedeu, por isso, como tentativa de articular tais concepes em umsistema coeso de pensamento, de modo a poder melhor classific-las em face de doutrinas e tendncias pedaggicas que lhes foramcontemporneas. No entanto, no dispensou o cuidado de referi-las militncia de Dria na Liga Nacionalista de So Paulo, compreen-dendo, com Medeiros (2005), que essa militncia teve um papel fun-damental no credenciamento de Dria como educador suficiente-mente habilitado e devidamente legitimado para o exerccio do car-go de diretor da Instruo Pblica e para a promoo de uma re-forma escolar comprometida com os objetivos da Liga; mas com-preendendo tambm que, na arquitetura do projeto de reforma,mesclam-se, intrincada e indissociavelmente, as concepes peda-ggicas e as convices cvico-doutrinrias de seu autor.

    Antonio de Sampaio Dria: breve biografia

    Antonio de Sampaio Dria nasce em Belo Monte, provncia deAlagoas, em 25 de maro de 1883. Em 1889, muda-se com a fam-lia para So Paulo, onde termina o curso primrio e faz os estudossecundrios. Em 1904, ingressa na Faculdade de Direito, bachare-lando-se em cincias jurdicas e sociais em 1908. Durante o curso,leciona na Escola de Comrcio lvares Penteado e professor da

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    ANTONIO GRAMSCI

    disciplina psicologia e lgica no antigo Ginsio Macedo Soares. For-mado, muda-se para o Rio de Janeiro, onde exerce por curto per-odo a advocacia, migrando, a seguir, para o jornalismo, na posiode redator-chefe de O Imparcial. Em 1914, retorna a So Paulo epresta concurso para a cadeira de psicologia, pedagogia e educaocvica da Escola Normal Secundria de So Paulo. Aprovado, nomeado professor catedrtico dessa escola. Em 1919, presta novoconcurso, agora na Faculdade de Direito de So Paulo, concorren-do vaga de professor substituto das disciplinas direito pblico econstitucional e direito internacional pblico e privado. Aprovado,concilia suas atividades de professor substituto nesta faculdade como exerccio da docncia na Escola Normal. Em 1925, nomeadoprofessor livre-docente da Faculdade de Direito. Em 1926, ficandovaga a ctedra de direito constitucional, Dria presta novo concursoe nomeado professor catedrtico. vasta a produo de SampaioDria no campo jurdico. Em 1919, publica Problemas de direito pbli-co, tese apresentada no concurso prestado na Faculdade de Direitode So Paulo, para a vaga de professor substituto das disciplinasdireito pblico e constitucional e direito internacional pblico e pri-vado. Em 1926, publica Princpios constitucionais, livro que dedica memria de Rui Barbosa, considerado por ele o maior dos ho-mens no seu tempo. No livro, edita a tese apresentada no concursoque lhe valeu a nomeao como professor livre-docente de direitoconstitucional na Faculdade de Direito. A partir de ento, emboracontinue atuando no campo educacional, o jurista se sobrepe aoeducador, a ponto de projetar esquecimento sobre a figura do anti-go pedagogo e professor da Escola Normal. O interesse do juristapela causa da educao popular nunca foi, entretanto, abandonado.Signatrio do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, em 1932, SampaioDria permaneceu sempre ligado educao. Mais do que isso,segundo o perfil que dele traa um ex-aluno seu, Loureno Filho, ojurista e o educador nele se fundem indissociavelmente:

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    COLEO EDUCADORES

    No equilbrio de toda sua obra de escritor, professor e administradordo ensino, impressiona primeiramente um trao continuo de orien-tao social. Sampaio Dria um pedagogista social ou, mais precisa-mente, um socilogo que se faz pedagogista para, com mais seguranae exatido, pregar ideias de reforma e v-las realizadas, ou realiz-las.Bacharel em cincias jurdicas e sociais, aos vinte e cinco anos deidade, no foi a advocacia nem o estudo da lei positiva que o tentou.O que havia de atra-lo, desde logo, pela feio prpria de esprito eorientao filosfica, seria o estudo dos ramos do direito em quemais de perto se toca a trama profunda do determinismo social: aeconomia poltica, o problema da responsabilidade, os princpiosconstitucionais do estado moderno (). E, em qualquer deles, ha-veria de ver, fortemente acentuado, o papel da educao. (LourenoFilho, p. 5, 1928)

    So as relaes estabelecidas com os colegas de curso, comoaluno da Faculdade de Direito de So Paulo, que marcaro sobre-maneira a trajetria de Dria, como demonstra exaustivamente Va-lria Medeiros em sua tese de doutoramento. a partir das relaesque estabeleceu nessa escola que ele se integra ao grupo de fundadoresda Liga Nacionalista de So Paulo1. Na Liga, integrou, juntamentecom Oscar Thompson, ento diretor geral da Instruo Pblica deSo Paulo, o Conselho Deliberativo; a Comisso de Educao Cvica(1918-1920); e mais tarde, a Comisso de Instruo (1922- 1924)2.No perodo em que integrou a Comisso de Educao Cvica, Driaescreveu e publicou O que o cidado deve saber: manual de educaocvica, a convite da Liga; e, posteriormente, coincidindo, provavel-

    1 Ver, a respeito, o trabalho minucioso de levantamento e anlise dessas relaes

    realizado por Medeiros (2005). Nesse trabalho, a autora est sobretudo interessada em

    reconstituir a rede de relaes que credenciou Dria a ocupar posto de destaque na Liga

    e a atuar como espcie de representante desta em diversas situaes, entre as quais, a

    mais importante, sem dvida, a de reformador da Instruo Pblica em 1920. Sobre essa

    rede de relaes e sobre o projeto poltico dos chamados nacionalistas liberais paulistas,

    ver Aducci (2004).2 Para informaes mais precisas e detalhadas a respeito da insero de Sampaio Dria

    nos rgos dirigentes e nas comisses da Liga, consultar o trabalho de Medeiros(2005),

    captulo 2.

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    ANTONIO GRAMSCI

    mente, com o perodo em que integrou a Comisso de Instruo,publicou Como se ensina e Como se aprende a lngua , pela editora MonteiroLobato & Co., obras de expressiva tiragem e provvel grande circu-lao. No formato original de suas primeiras edies, Como se ensinae Como se aprende a lngua parecem ter tido sua publicao e circulaoassociadas aos objetivos e s estratgias de difuso da educao pri-mria da Liga Nacionalista de So Paulo, pois so editados no mesmoformato e pela mesma editora de O que o cidado deve saber. Trata-se detrs livretos cujo formato editorial, disposio do assunto e contedotm estreita relao com as estratgias de difuso escolar da Liga,espelhando as orientaes dos programas escolares aprovados edifundidos por ela.

    A indissociabilidade entre o jurista e o educador apontada porLoureno Filho autoriza falar de Sampaio Dria como um dosprincipais idelogos da Liga Nacionalista de So Paulo e comoum dos mais combativos propagandistas e doutrinadores dessaagremiao. Se examinarmos sua produo intelectual, o veremosdesenvolvendo teses de valor inestimvel para a sustentao dasiniciativas e das campanhas da Liga. Ele o jurista que teoriza,doutrina e pe em circulao teses sobre questes caras Liga,como as relativas ao papel do estado na instruo; aos direitos edeveres constitucionais; organizao jurdica do estado e da soci-edade; ao voto secreto e sua obrigatoriedade; a questes de repre-sentao e justia; ao estatuto jurdico e cvico-cultural da demo-cracia, da questo social e da ptria. Ele o orador eloquentemobilizado na campanha cvica da Liga pelo voto secreto, pelaalfabetizao, pela cultura cvica e pela educao. Ele o pedagogoque teoriza e doutrina sobre a cultura cvica do cidado, conferin-do-lhe fundamentos que pretende cientficos e definindo os pro-cedimentos adequados a promov-la. Como pedagogo, ele odoutrinador e o propagandista militante que luta pela extino doanalfabetismo; como combatente dessa luta, ele o pedagogo que

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    COLEO EDUCADORES

    concebe e pe em execuo uma das mais polmicas reformas dainstruo pblica paulista. Mas tambm o didata, spenceriana-mente preocupado com os meios para promover a cultura dofsico, da inteligncia e do carter da criana; o militante que fazdo livro uma ferramenta gil e precisa de divulgao do nicomtodo de ensino que entendia capaz de promover a cultura inte-lectual, a cultura profissional e a cultura cvica do povo: o mtodo deintuio analtica.

    a ctedra conquistada na Escola Normal em 1914 queconfere a Dria posio de importncia estratgica no campoeducacional paulista. Segundo Loureno Filho, que foi seu alunonaquele estabelecimento, as lies de pedagogia que ele ministroul, durante dez anos,

    haviam de rasgar () novos horizontes a tal sorte de estudos, sub-metidos, por muito tempo, ao mbito quase exclusivo da tcnicaescolar, ou seja, do aprendizado mecnico de pequeninas regras did-ticas. (Loureno Filho, p. 6, 1928)

    Nos cursos da cadeira de psicologia, pedagogia e educaocvica que ministrou na Escola Normal, suas lies chegavamsempre s normas de uma teoria universal da educao, sem per-der nunca o endereo social de nosso caso, do caso brasileiro(Loureno Filho, p. 7, 1928). Os temas pedaggicos de que tratavaem suas aulas, testemunha Loureno Filho,

    eram encarados partindo da efetividade das instituies republicanasque nos governam, cujos princpios lhe so convico profunda, ()por permitirem a liberdade, condio essencial do desenvolvimentoda natureza humana.

    Por isso, julgava Loureno, na pedagogia professada pelomestre toda educao deveria ser

    por fora, uma educao moral e cvica, ou j no ser educao, poisque educao tem por fim normalizar e superiorizar o homem e ohomem de bem aquele cuja vida se desenvolve na mais rigorosaconformidade com as leis da natureza humana em que esto as dacompreenso da obedincia social. (Loureno Filho, p. 7, 1928)

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    ANTONIO GRAMSCI

    A nfase moral e social de sua pedagogia no implicava, se-gundo ainda Loureno Filho, descaso pela didtica. Ao contrrio,tornar mais completo o aprendizado da arte de ensinar foisempre, segundo ele, um dos objetivos de Dria:

    A didtica adestra na realizao, na efetivao do mtodo, em casosparticulares. Mas para fixar os princpios gerais do mtodo caminhopara um fim preciso que a pedagogia precise e aclare essa finalida-de, tanto quanto o estudo da psicologia fornea elementos com-preenso do ponto de partida, o educando, considerada com umaentidade bio-psquica. Pode-se dizer que Sampaio Dria consolidoua compreenso desse estudo entre ns, dando a todas as escolasnormais um ensino de didtica, parte da pedagogia, como j haviafeito na escola da capital, alguns anos antes, o Dr. Oscar Thompson,e orientando o ensino da pedagogia para uma finalidade de polticanacional de cultura.

    Citando e comentando passagem da Memria3 sobre o ensinode pedagogia que Dria apresentou ao I Congresso Interestadualdo Ensino Primrio, no Rio de Janeiro, Loureno Filho insiste naquesto relativa vinculao entre pedagogia, psicologia e prticapedaggica e na autonomia relativa desta, como arte de ensinar,fazendo de Dria um artfice importante do campo das chama-das cincias da educao, cuja configurao e institucionalizaoestavam em curso no pas:

    Quem quer que conhea de perto o mecanismo de uma escola nor-mal, sabe que a sua espinha dorsal a psicologia e a pedagogia enca-radas luz da cincia. Sabe, no menos, se tiver a intuio penetrantedas coisas, que da pedagogia o captulo mximo a didtica, ametodologia do ensino, a prtica pedaggica. A prtica pedaggica o crebro, o esprito, a alma das escolas normais. Mas a didtica nose aprende seno fazendo, agindo sob a direo do mestre. As dis-sertaes tericas so em pura perda, mais que inteis, contrapro-ducentes. A prtica pedaggica no se divorcia da pedagogia e dapsicologia. A estas duas cincias compete estabelecer os princpios

    3 Como informa Hilsdorf, a Memria apresentada por Dria no I Congresso Interestadualdo Ensino Primrio transcreve e oferece como padro para todas as escolas do pas o

    plano de prtica pedaggica elaborado e aplicado por Loureno Filho, alguns anos antes,

    na Escola Normal de Piracicaba (Hilsdorf, p. 97, 1998).

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    COLEO EDUCADORES

    educativos e as bases do mtodo. A didtica por certo que delasdepende, mas uma tcnica artstica que s se logra pelo exerccio.(Dria apud Loureno Filho, p. 7, 1928)

    Embora a ctedra na Escola Normal e a militncia na LigaNacionalista de So Paulo sejam elementos centrais da trajetriade Sampaio Dria e tenham fundamental importncia para com-preender sua biografia intelectual, no foi como professor da Es-cola Normal ou militante da Liga, como pedagogo ou jurista quea sua figura se incorporou memria educacional, mas sim comoo diretor da Instruo Pblica responsvel por uma das mais im-portantes e controvertidas reformas do ensino paulista. A impor-tncia atribuda reforma , at certo ponto, tributria do modocomo Fernando de Azevedo a constitui como marco inaugural domovimento de renovao educacional no pas:

    O primeiro sinal de alarme que nos colocou francamente no caminhoda renovao escolar foi a reforma empreendida em 1920 por Anto-nio de Sampaio Dria que, chamado a dirigir a instruo pblica emSo Paulo, conduziu uma campanha contra velhos mtodos deensino, vibrando golpes to vigorosamente aplicados frenteconstituda pelos tradicionalistas que panos inteiros do muro daantiga escola deveriam desmoronar. (Azevedo, p. 645, 1973)

    Sampaio Dria exonera-se do cargo de diretor geral da Ins-truo Pblica, em 1922, desagradado com os rumos que a reformavinha tomando, antes mesmo de sua regulamentao. Retorna, ento, sua ctedra na Escola Normal e d continuidade sua militncia.Integra a cpula dirigente da Sociedade Paulista de Educao, aComisso de Instruo da Liga Nacionalista de So Paulo e oConselho Superior do Liceu Franco-Brasileiro. Alm disso, fundaa Faculdade Paulista de Direito, integrada mais tarde PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo e, ao lado de Loureno Filho,Almeida Junior e Roldo Lopes de Barros, entre outros, funda oLiceu Nacional Rio Branco.

    As concepes pedaggicas de Dria foram difundidas porsignificativa produo bibliogrfica, irradiando-se para pblicos

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    muito mais amplos que os das salas de aula e para alm do pero-do em que foi o mestre da Escola Normal. A tese que apresentouno concurso nessa Escola texto do seu primeiro livro, Princpiosde pedagogia, publicado em 1914. Nele, defende o emprego domtodo intuitivo - pea central nas estratgias republicanas deconstituio de um sistema de educao pblica modelar em SoPaulo demonstrando tratar-se de mtodo fundado no princpiode que a educao deveria recapitular, no indivduo, o processo deevoluo da humanidade. Acresce a essa demonstrao a defesado mtodo de intuio analtica cuja adoo Thompson, acabarade tornar oficial em sua recente permanncia frente da diretoriada Instruo Pblica. Em 1915, publica Ensaios, livro de que constatrabalho seu sobre o tema sorteado no mesmo concurso na EscolaNormal O carter em psicologia, em pedagogia e em educao cvica. Porsua vez, os cursos ministrados so publicados em dois livros, Psico-logia e Educao, que saem, inicialmente, pela companhia Grfico-Editora Monteiro Lobato, sendo republicados na srie LivrosDidticos da Biblioteca Pedaggica Brasileira, dirigida por Fernandode Azevedo para a Companhia Editora Nacional.

    A produo bibliogrfica de Dria no campo da educaono se limita a esses trabalhos de pedagogia, didtica e psicologia.Mais vinculados sua militncia poltica, como membro da LigaNacionalista de So Paulo e como reformador da Instruo P-blica em 1920, outros trabalhos devem ser referidos. Alguns deles,como Instruo pelo estado (1922), A questo social (1922), e O espritodas democracias (1924), so intervenes no debate em curso sobrequestes de poltica educacional, envolvendo temas jurdicos, filo-sficos, sociais e econmicos. O esprito das democracias obra demilitncia que rene conferncias de propaganda cvico-doutrin-ria, parte delas proferida como militante da Liga Nacionalista deSo Paulo. Questo social e Instruo pelo estado so obras de perfilmais acadmico. A primeira pretende fixar os princpios quedeveriam inspirar a legislao social no Brasil, entendendo ser

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    preciso reformar, profundamente, a organizao econmica domundo, pois onde quer que o trabalhador viva sem amparoface ao capital a justia no estar segura de sua eficincia. (Dria,p. 378, 1922). Instruo pelo estado texto produzido como resposta questo - Coaduna-se a instruo primria obrigatria com osprincpios que regem a ao social do estado? Neste livro,Sampaio Dria articula a discusso dessa questo ao esclarecimentode algumas das medidas da reforma de 1920. Assim, por exemplo,ele se refere to controvertida medida de implantao da escolade dois anos:

    O que atestaria lamentvel falta de compreenso, seria confundir aescola de dois anos, a elementar, e a mdia, com o ensino exclusivode dois anos, e, ainda, o que atestaria confuso mais tola pensar quea escola de quatro anos, como a tnhamos, h pouco, a cargo de ums professor, o ensino primrio de quatro anos. A salvao dasaparncias, o contentar-se com o rtulo ainda parece tudo, nestestempos de formalismo puro e absorvente.(Dria, p. 78, 1922)

    Na produo bibliogrfica de Sampaio Dria importante aindadestacar Questes de ensino e Educao moral e econmica. O primeiro re-ne cartas, palestras, documentos, conferncias e artigos publicadosem jornais, relacionados reforma de 1920. Nele, o autor traz in-formaes e argumentos que, no seu entender, contribuam parauma melhor compreenso dos princpios que nortearam sua aocomo reformador; de sua participao no processo de concepo,elaborao e implementao da reforma; e das razes que o leva-ram a pedir exonerao do cargo de diretor geral da Instruo P-blica, antes mesmo de sua regulamentao. Com a reunio deles emum nico livro, pretendeu defender os princpios que nortearam averso original do projeto de reforma que elaborou, criticando asdeturpaes que sofreu e respondendo s crticas que recebeu du-rante o seu processo de tramitao. O segundo, Educao moral eeconmica o terceiro volume da coleo Biblioteca de Educao,que Loureno Filho vinha organizando para a Companhia Melhora-mentos de So Paulo. O livro sintetiza e didatiza as proposies do

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    autor sobre o assunto, sendo composto sob encomenda e sob me-dida para integrar a coleo4.

    No campo jurdico, foi ampla a esfera de atuao de SampaioDria como homem pblico. Na primeira metade da dcada de1930, foi muito atuante, ocupando posies de prestgio comomembro da comisso que elaborou o Cdigo Eleitoral (1930);membro do Supremo Tribunal Eleitoral de 1930 a 1934; e coautorde anteprojeto de Constituio Estadual apresentado AssembleiaConstituinte do Estado de So Paulo. Sob o Estado Novo, suacarreira pblica interrompida. Na Faculdade de Direito, Dria serecusa a considerar a Constituio de 1937 como objeto de estudo,definindo-a como carta constitucional de um regime que repre-sentava uma ofensa decncia humana (Santos, 1999:31). Por isso,troca a ctedra de direito Constitucional pela de direito internacionalprivado, j que, como diz Ernesto Leme, um liberal de sua estirpeno poderia expor aos seus alunos os princpios de uma Carta fas-cista (Leme, p. 77, 1965). A troca de ctedra no o protegeu daperseguio estadonovista, no evitando o seu alijamento dos qua-dros da Faculdade de Direito de So Paulo. Em 1939, aposentadocompulsoriamente, por convenincia do regime, juntamente comWaldemar Ferreira e Vicente Ro, acusados de ameaar a estabilida-de poltica do Estado Novo. Em repdio, um grupo de acadmi-cos da faculdade organiza um jantar em homenagem aos professo-res destitudos. A iniciativa leva os organizadores da homenagem priso e ao interrogatrio policial (Santos, p. 31, 1999). A aposenta-doria revogada em 1941, graas interveno do ento diretor daFaculdade de Direito, Sebastio Soares de Faria, junto a Ademar deBarros e a Gustavo Capanema, que acabam convencidos a interce-der em favor dos trs professores destitudos. Em 1941, Dria, Ro

    4 Sobre a funo autoral do organizador de uma coleo, ver Toledo ( 2001). Especifica-

    mente sobre o exerccio dessa funo por Loureno Filho como organizador da Biblioteca

    da Educao, ver Carvalho (2001; 2006); Toledo (2001); Toledo e Carvalho (2006; 2007).

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    e Ferreira so readmitidos (Santos, p. 35, 1999). Em 1942, Driapublica as lies professadas na Faculdade de Direito sob ttuloconjunturalmente provocativo: Os direitos do homem, livro que reeditado em 1946 com novo ttulo: curso de direito constitucional. Findoo Estado Novo, a carreira do jurista liberal ganha novo flego eDria voltar cena pblica. Ser Juiz do Supremo Tribunal Eleitoralem 1945; ministro da Justia e Negcios do Interior na Presidn-cia Jos Linhares; membro da delegao brasileira na VIII Ses-so da Assembleia Geral das Naes Unidas, em 1953. Em 1946,publica duas obras que, no parecer autorizado de Ernesto Leme,so os seus trabalhos definitivos como jurista: A teoria geral doestado (em dois tomos) e Comentrios Constituio Federal de 1946(em trs volumes). Na dcada de 1950, j septuagenrio, vemo--lo proferindo aula inaugural na Faculdade de Direito de SoPaulo sobre o tema A Constituio e a legislao do ensino. Em 1964,alguns anos depois de ter recebido o ttulo de professor emritodessa faculdade, morre o constitucionalista, homem pblico, pro-fessor e pedagogo Sampaio Dria.

    Na Liga Nacionalista de So Paulo: Sampaio Dria,

    militante nacionalista

    O pacto oligrquico e as campanhas das Ligas Nacionalistas

    Fundada em dezembro de 1916 e vinculada a uma sociedadesecreta da Faculdade de Direito de So Paulo, a Sociedade dosPatriotas5 , a Liga Nacionalista de So Paulo tomou vrias inici-ativas de educao popular e teve como plataforma de ao apromoo de campanhas pelo soerguimento moral da naciona-lidade, pelo voto secreto, pelo servio militar obrigatrio, pelocombate ao analfabetismo, pela cultura cvica e pela propagaoda instruo. Com esse perfil, similar a outras organizaes cvicascriadas em vrios pontos do pas, a partir de meados da dcada

    5 Cf. Boto (1990:221-226; 1994/1995, pp. 145-163); e Medeiros(2005), captulo 1.

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    de 1910. As iniciativas de educao popular e as campanhas demobilizao cvica das populaes urbanas promovidas por essasorganizaes articularam-se tendo como lema a luta por representaoe justia. Na interpretao que delas se sedimentou na historiografia,as aes que promoveram especialmente as campanhas de alfabe-tizao, tiveram o objetivo principal de reformular o regime pol-tico vigente, expandindo o corpo de eleitores e tornando o seuvoto esclarecido. Tornando o voto independente da presso edo controle exercidos pelos coronis, essas organizaes espera-vam desmontar o principal elo de sustentao do pacto oligrquicoque vinha regendo a vida republicana.

    Dispositivo de consolidao da ordem republicana, o pactooligrquico havia neutralizado a fora poltica das populaes urba-nas cuja presena se fizera sentir no processo que culminara com aproclamao da Repblica, em 1889. As j clssicas anlises de EmliaViotti da Costa sobre o processo que culminou na mudana deregime poltico insistem na importncia de se distinguir entre o re-gistro das foras polticas que desencadearam e tornaram possvelessa mudana e o daquelas que hegemonizaram o processo de suaimplantao. Se, por um lado, no possvel subestimar o pesopoltico dos novos setores urbanos que emergiram no quadro dasgrandes transformaes sociais e econmicas de meados do sculoXIX, no tambm possvel ignorar que no foram esses setoresque hegemonizaram o processo, determinando a fisionomia da Re-pblica instaurada. Isso porque momentaneamente unidas em tor-no do ideal republicano, as foras que confluram na crtica mo-narquia e s oligarquias tradicionais uma parcela do exrcito, fa-zendeiros do oeste paulista e representantes das classes mdias urba-nas cedo se dividiram. Nos conflitos que abalaram a estabilidadedo regime nascente, considera a autora, a debilidade das classesmdias e do proletariado urbano propiciou a preponderncia dasoligarquias rurais at 1930. (Costa; p. 326, 1979)

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    Sustentado por alianas polticas estribadas, regionalmente, nopoder dos coronis, o pacto oligrquico conhecido como polticados governadores garantia s oligarquias regionais, de acordo como cacife de cada uma, domnio local e participao no poder naci-onal. O pacto estabelecia mecanismos de acomodao dos inte-resses oligrquicos regionais, desqualificando a suspeio sobre alegitimidade dos processos por meio dos quais o poder polticoera conquistado e institucionalizado regional e nacionalmente, soba cobertura do voto. Era por meio do pacto que o Governo Fe-deral respaldava as faces oligrquicas regionais que logravamimpor o seu domnio nos estados, subordinando-as chamadapoltica do caf com leite. Nessa poltica, os estados de So Pauloe de Minas Gerais revezavam-se no poder, tendo os seus canditados Presidncia da Repblica vitria assegurada e legitimada pelosmecanismos previstos no pacto.

    A intrincada engenharia do pacto oligrquico que regeu a vidarepublicana nas primeiras trs dcadas do sculo XX tinha, comoaponta Jos Murilo de Carvalho, seu objetivo claramente formu-lado na frase do presidente Campos Sales: de l (dos estados)que se governa a Repblica por cima das multides que tumultu-am, agitadas, nas ruas da capital da Unio. Consagrado em 1900,no processo de reconhecimento dos diplomas dos deputados queacabavam de ser eleitos nos estados, o pacto foi determinado,segundo Carvalho, pela percepo do perigo representado poruma cidade deliberante (Carvalho, 1984). Isso porque, na lgicaque presidiu o pacto, a cidade

    podia ser caixa de ressonncia, mas no podia ter fora poltica pr-pria porque uma populao urbana mobilizada politicamente, soci-almente heterognea, indisciplinada, dividida por conflitos internos,no podia dar sustentao a um governo que tivesse que representaras foras dominantes do Brasil agrrio. (Carvalho, p. 130, 1983/1985).

    Com o aceleramento do processo de urbanizao, o pactooligrquico, que havia neutralizado a fora poltica das populaes

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    urbanas, comea, segundo Martins, a ser incapaz de fazer face aduas reas potenciais de conflito:

    De um lado, a predominncia do voto rural retirava dos setoresurbanos toda possibilidade de representao poltica condizente comseu crescimento e sua recm adquirida importncia; de outro, retiravados setores oligrquicos dos estados eleitoramente mais fracos todapossibilidade de sobrevivncia em oposio ao poder central. (Martins,1982)

    Segundo o autor, a demanda sintetizada no lema representao ejustia era, sobretudo, demanda de uma nova elite urbana interessa-da em estruturar mecanismos de controle das populaes pobres,no espao da cidade. Tratava-se de reivindicar apenas uma coisa:

    o espao necessrio representao de seus interesses a nvel do siste-ma poltico, de modo a que pudessem e isso que importante estruturar seu esquema de dominao nas cidades. Em outras pala-vras, o processo de expanso e diversificao das populaes urbanas,inclusive por efeito da industrializao, colocava o problema de assegu-rar, ao nvel da cidade aquilo que o coronelismo assegurava ao nvel docampo; problema esse de resoluo indispensvel manuteno dosistema de dominao como um todo e que, por isso mesmo, congre-ga para sua resoluo tanto as elites urbanas quanto as agrrias. (Martins,p. 677, 1982)

    a partir da segunda metade da dcada de 1910 que as cam-panhas promovidas pelas Ligas Nacionalistas ganham visibilidadeno cenrio das principais capitais do pas. No calor dessas campa-nhas cvicas, setores polticos e intelectuais se articulam em tornoda propaganda da educao e de iniciativas de reforma escolar,produzindo o que Jorge Nagle chamou de entusiasmo pela educao6

    (Nagle, 1977, pp. 161-191). Como aponta Nagle, o entusiasmo pelaeducao uma das vertentes do processo de avaliao da Repblicainstituda encetado por intelectuais que, desiludidos, propunham-sea republicanizar a Repblica, movendo-se nos interstcios de umprograma liberal sintetizado no lema representao e justia e

    6 Cf. tambm Nagle (1976) , especialmente pp. 97-124.

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    de um projeto nacionalista de soerguimento moral da sociedade.Quanto essas bandeiras confluem para propostas de disseminaoda instruo popular como seu instrumento principal que, se-gundo Nagle, surge propriamente o entusiasmo pela educaoque teria, em sntese, a seguinte formulao:

    a ignorncia reinante a causa de todas as crises; a educao do povo a base da organizao social, portanto o primeiro problema nacio-nal; a difuso da instruo a chave de todos os problemas sociais,econmicos, polticos e outros. (Nagle, p. 263, 1977)

    A Liga Nacionalista de So Paulo foi, sem dvida, uma dessasorganizaes cvico-nacionalistas em que o entusiasmo pela educaode que fala Nagle foi gestado e ganhou forma.

    As prticas discursivas das organizaes cvico-nacionalistas dasdcadas de 1910 e 1920 mereceram pouca ateno dos historia-dores, tendo sido muitas vezes classificadas como palavrrio va-zio, arremedo de ideologia a indicar a impotncia poltica da bur-guesia7. Com isso, o papel que o discurso cvico desempenhou dado o elevado grau de generalidade que o caracteriza ,relativizando ou mesmo apagando divergncias e inaugurando es-paos de atuao consensual, seja no interior de uma nica organi-zao, seja no espao de confluncia entre entidades congneres,foi tambm subestimado. Mais do que isso, foi minimizada a im-portncia da prtica discursiva dessas organizaes na produode dispositivos de sustentao ideolgica de modelos de ordenaopoltica, social e econmica do pas. Em especial, foi minimizadoo papel desse discurso na produo e validao de prticas autori-trias que constituram a figura do no cidado. Na disperso demovimentos aparentemente dspares, circulam discursos sobre opas que difundem representaes negativas do povo brasileiro;povo cujas deficincias deveriam ser devidamente sanadas pelainterveno corretiva e modelar da educao, de modo a que lhe

    7 Cf. Carone (1978) pp. 162-177.

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    fossem asseguradas as condies de exerccio da cidadania. Tal ocaso da larga circulao que tiveram representaes desse tipo emorganizaes cvicas como a Liga de Defesa Nacional e a LigaNacionalista de So Paulo, desde meados da dcada de 1910; etambm, alguns anos mais tarde, em associaes, como a Socieda-de Brasileira de Higiene, a Liga Brasileira de Higiene Mental e aAssociao Brasileira de Educao.

    Sampaio Dria na Liga Nacionalista de So Paulo

    A participao de Sampaio Dria na Liga Nacionalista de SoPaulo descrita e avaliada por Medeiros (2005), que rastreia,minudentemente, os seus rastros nas fontes disponveis. A tarefaexigiu o levantamento de abundante documentao sobre a orga-nizao e sobre as iniciativas da Liga, de modo a melhor caracteri-zar e dimensionar a participao de Dria na entidade. Uma dasprincipais concluses da autora faz de Sampaio Dria um dos inte-grantes do que chama de grupo dirigente da Liga, ao lado defiguras do porte de Frederico Steidel, Oscar Thompson, AmadeuAmaral, Armando Sales de Oliveira, Ernesto de Souza Campos,Gofredo da Silva Teles, Spencer Wampr, Antonio Francisco dePaula Souza, Arnaldo Vieira de Carvalho, Francisco Morato, NestorRangel Pestana, Plnio Barreto, Prudente de Moraes Neto, WaldemarFerreira, Jos Carlos de Macedo Soares, Julio de Mesquita Filho,entre muitos outros, todos eles articulados em redes de relaesentrecruzadas, cujo ponto irradiador principal, mas no exclusivo, foia Faculdade de Direito de So Paulo8. Explorando exaustivamenteessas redes, que se constituem e se cruzam tambm em outras insti-tuies em que transitava a elite poltica e cultural paulista como aEscola Normal Secundria da capital, o jornal O Estado de So Paulo,a Associao Comercial, a Sociedade de Educao Paulista e a Fa-

    8 Para um exame minucioso da composio da Liga Nacionalista de So Paulo, ver

    Medeiros(2005), captulos 1 e 2.

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    culdade de Medicina - Medeiros busca compreender as credenciaise o capital social e cultural que guindaram Dria posio de inte-grante do grupo dirigente da entidade. Embora eu no tenha sidoconvencida, pelas informaes que Medeiros reune a ttulo de evi-dncias, da participao de Dria no grupo dirigente da entidade,considero que essas informaes apontam para um militante ativoe sintonizado com os ideais propagandeados pela Liga, que se des-tacou devido a uma circunstncia particular: a sua inegvel compe-tncia intelectual em dois campos de fundamental importncia paraa Liga o jurdico e o educacional. Considero que o prestgio quealcanou e a confiana que ganhou junto ao grupo, a meu ver efeti-vamente dirigente da Liga, fez dele, sem dvida, um militante qua-lificado e suficientemente legitimado para atuar como um de seusporta-vozes, em conferncias, publicaes, comisses etc. De qual-quer modo, participante ou no do grupo dirigente da Liga, SampaioDria teve nela importante papel.

    Uma das mais significativas aes de Dria como intelectualprestigiado pelo grupo dirigente da Liga foi sem dvida sua parti-cipao na elaborao do projeto de Estatutos da Sociedade dosPatriotas, como membro de Comisso especialmente constitudacom essa finalidade9. As informaes reunidas por Medeiros (2005)e Boto (1990) permitem aquilatar a importncia dessa participao.Na Justificativa desse projeto de Estatutos consta a informao deque a referida Comisso teria elaborado um plano de

    construir trs agremiaes representando trs peas solidrias, trs r-gos, cada um com funes especiais, formando um s organismo: aSociedade dos Patriotas, a Liga Nacionalista e o Partido Nacionalista.

    Nesse programa, como destaca Medeiros, a Sociedade dosPatriotas era caracterizada como uma sociedade secreta, no aces-svel a qualquer um, diferentemente da Liga Nacionalista que,segundo a mesma Justificativa, seria:

    9 Sobre a Sociedade dos Patriotas e suas relaes com a Liga Nacionalista de So Paulo,

    ver Boto (1990; 1994/1995) e Medeiros(2005).

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    uma sociedade civil, acessvel a todos. Ser um centro de estudos dosproblemas nacionais, onde sero discutidas todas as questes queinteressam nacionalidade brasileira; ser um instrumento de pro-paganda, de agitao intelectual onde elaborar o pensamento, a ori-entao da campanha; ser ainda um aparelho de ao, pois manterescolas primrias e profissionais e cursos pblicos destinados a di-fundir a cultura, o civismo, a compreenso dos deveres, a conscinciada nacionalidade e a promover a educao poltica do povo. (Projetode estatutos apud Medeiros, p. 88, 2005)

    Interessada em agremiar um grande nmero de adeptos e mobiliz-los na cena pblica, a Liga Nacionalista de So Paulo era acessvel participao da populao e a incentivava por meio de aes de pro-paganda. Mas a entidade no era, propriamente, senhora de seus des-tinos. Segundo Medeiros, as atas das reunies do Conselho Deliberativoda entidade evidenciam que Steidel, que sempre presidiu as sesses, ofazia, invariavelmente, comunicando decises j tomadas. Iniciativascomo, por exemplo, a abertura de escolas, a promoo de confe-rncias, ou o incio de campanhas eram simplesmente comunicadas,no cabendo nenhum tipo de discusso sobre a sua pertinncia ouperfil. Desse modo, conclui-se, nenhuma deciso de porte era efetiva-mente deliberada no Conselho. Mais do que isso, Medeiros sustenta ahiptese de que a Sociedade dos Patriotas era o lugar oculto dedecises em relao s funes e atividades da Liga Nacionalista(). Segundo a autora, essa espcie de subordinao da Liga Sociedade est explcita no artigo 41 do projeto dos seus estatutos,que prescreve que a diretoria e o Conselho Deliberativo da Ligaseriam obrigados a agir sempre de acordo com as deliberaes daS.P. (Projeto de estatutos apud Medeiros, p. 45, 2005)

    A rigor, a prpria fundao da Liga estava prevista, comoinforma a autora, em Parecer sobre o projeto de Estatutos daSociedade dos Patriotas elaborado pela comisso encarregada deredigir o referido projeto. Sampaio Dria integrou essa comisso;e, mesmo considerando a hiptese de que na escolha de seu nometenham preponderado critrios de competncia tcnica no campo

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    jurdico e de disponibilidade para o trabalho, no possvelminimizar a importncia do fato.

    O Parecer, apresentado em reunio dessa sociedade em 13 dedezembro de 1916, apenas alguns dias antes, portanto, da funda-o da Liga, propunha a imediata criao da sociedade, estabele-cendo as bases sobre as quais deveria ser assentada e fixando-lheos fins e os meios de ao. Como condio para a realizao dosfins propostos, o Parecer recomendava a imediata fundao daLiga Nacionalista e a criao, em momento oportuno, de umaorganizao eleitoral ou partido, destinado a eleger delegados seuspara cargos de representao no poder pblico. (Idem, ibidem,p. 32). O mesmo Parecer previa que a Liga e o Partido fossem detal modo organizados que sempre neles preponderassem as deci-ses previamente tomadas e fixadas pela sociedade.

    No mesmo Parecer, so fixados os fins da sociedade, que,com poucas alteraes, viriam a ser tambm os fins da Liga Naci-onalista de So Paulo:

    a) desenvolver o sentimento da unidade nacional;b) empreender campanhas pela liberdade, contra atentados civise militares soberania da nao;c)efetivar o voto mediante o registro civil da maioridade cvica,o sistema do sigilo eleitoral, e a obrigatoriedade de compare-cimento s urnas, o feriado nos dias de eleio e as mais efica-zes penalidades fraude;d)difundir a educao geral, profissional e cvica pelas cama-das populares em todos os recantos do pas;e) organizar e desenvolver a defesa nacional pelo escotismo,linhas de tiro e preparo militar. (Parecer sobre o projeto deEstatutos da Sociedade dos Patriotas, apud Medeiros, pp. 32-33, 2005)Segundo informao compilada por Medeiros (2005), o jornal

    O Estado de So Paulo, em edio de 16 de dezembro de 1916 (p. 5),

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    trs dias depois, portanto, da apresentao do Parecer, noticiou afundao da Liga Nacionalista de So Paulo (LNS), atribuindo a seupresidente, Frederico Vergueiro Steidel, a declarao de que os finsda entidade eram:

    1.) empreender campanha pela liberdade contra atentados civis oumilitares soberania nacional;

    2. ) desenvolver o sentimento da unidade nacional;

    3. ) obter a efetividade do voto, mediante o registro civil da maiori-dade cvica, o sistema de sigilo eleitoral, o imposto absteno, oferiado nos dias de eleies e as mais eficazes penalidades fraude;

    4. ) promover a organizao e desenvolvimento da defesa nacionalpelo escotismo, linhas de tiro e preparo militar.

    interessante observar que a notcia, tal como a divulga Medeiros(2005), no coloca a alfabetizao, nem tampouco a educao geral,profissional e cvica entre os objetivos da Liga. A omisso faz pensarem possveis discordncias entre os fundadores da entidade quantoao seu escopo. Ou talvez aponte, apenas, para uma diferena de nfa-se relativamente maior ou menor prioridade concedida por eles acada um desses objetivos. Nessa segunda hiptese, pode mesmo apon-tar para a especificidade do entendimento de Dria sobre os objeti-vos da Liga, abrindo a possibilidade de considerar que ele, ao lado deThompson, tenha sido um dos principais responsveis por fazer dadifuso da educao geral, profissional e cvica pelas camadas popu-lares em todos os recantos do pas, como previa o projeto de Esta-tutos de sua autoria, uma atividade-fim da Liga e no apenas umaatividade-meio para a consecuo de objetivos cvico-patriticos epoltico-partidrios. A hiptese consistente, como se ver, relativa-mente s concepes pedaggicas de Dria e, se compreendida luzdessas concepes, pode trazer novos elementos para a compreensoda Reforma da Instruo pblica paulista que ele ir promover, al-guns poucos anos mais tarde. Ela pode mesmo trazer elementos paraevidenciar questo que ser retomada adiante o equvoco da redu-o de seus intentos reformistas questo da alfabetizao.

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    De qualquer modo, aceitando-se ou no tais hipteses, as questeseducacionais tero um lugar importante nas iniciativas da entidade,como mostra exaustivamente Medeiros (2005), com base em docu-mentao localizada nos Arquivos da Liga e em notcias do jornal OEstado de So Paulo. Elas sero objeto de mltiplas estratgias nocampo da educao poltica e cvica, procurando atingir todos osgrupos sociais, como aponta Medeiros(2005). Para cada um dessesgrupos, segundo a autora, uma estratgia especfica foi acionada:

    Alfabetizao para os operrios; conferncias para professores eprofissionais liberais; artigos no jornal para os leitores do OESP a elitecultural e poltica do pas; cursos de formao para os j alfabetizados;produo e publicao de livros e livretos para distribuio gratuita aosleitores em geral; cartas, moes e ofcios para congressistas estaduais efederais, governadores e presidentes. (Medeiros, p. 87, 2005)

    Integrante da Sociedade e da Liga, Dria sem dvida partici-pou ativamente da formulao e da execuo dessas estratgias,transitando no ncleo do grupo dirigente das duas entidades erealizando tarefas importantes cuja execuo lhe foi delegada, comoa referida participao na Comisso que elaborou o Parecer e aproposta de Estatutos da Sociedade dos Patriotas. Sua condiode scio desta entidade lhe conferiu posio de destaque e poderna Liga e, certamente, o inseriu no rol das figuras prximas aoncleo do poder das duas entidades. Mas no possvel minimizara informao de que, por trs da Sociedade dos Patriotas, aindaexistia uma terceira organizao, mais secreta e mais fechada doque ela, a que s iniciados tinham acesso, que provavelmente ditavaas principais diretrizes das aes da Sociedade e da Liga, a Bucha10.Nada parece indicar que Sampaio Dria tenha sido convidado aparticipar da Bucha e tenha sido iniciado em seu segredo. Mas,ainda assim, por mais que relativizemos a tese de Medeiros, que ositua no interior do grupo dirigente da Liga, no possvel negar aimportncia de sua participao nesta entidade. No fosse por

    10 Ver, a respeito, Bandecchi (1978); Boto (1990; 1994/1995); Medeiros(2005).

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    outra razo, a similaridade entre as campanhas da Liga com asproposies jurdicas e educacionais que sustentou em confernciase em artigos publicados na imprensa peridica especializada e nagrande imprensa, notadamente no jornal O Estado de So Paulo,autoriza apresent-lo como talvez o seu principal idelogo, pro-pagandista e doutrinador como sustentei acima.

    Nessa perspectiva, talvez os traos mais importantes da atuaode Sampaio Dria na Liga Nacionalista de So Paulo tenham sidoas iniciativas editoriais que resultaram na publicao dos livros desua autoria: O que o cidado deve saber; Como se ensina; e Como se aprendea lngua. O primeiro foi publicado no perodo em que Dria inte-grou a Comisso de Educao Cvica e, os dois outros, nos anosem que ele fez parte da Comisso de Instruo da entidade11. Noprimeiro caso, so muitos os indcios, a comear pelas cartas deSteidel e Thompson que abrem a edio, que autorizam considerara publicao do livro uma iniciativa fortemente respaldada pelaLiga, a ponto de justificar trat-lo como uma publicao oficial daentidade. Quanto aos demais, so sem dvida ferramentas geis eeficazes de divulgao do nico mtodo de ensino que ele enten-dia capaz de promover a cultura intelectual, a cultura profissional ea cultura cvica do povo brasileiro. No encontrei evidncias deque a publicao deles tenha sido decidida pela Comisso de Ins-truo da Liga de que Dria era membro, quando se deu suapublicao, como pea de um programa de interveno educativada Liga. Mas pelo menos curiosa essa coincidncia temporal eso eloquentes os indcios, legveis nos dispositivos textuais eeditoriais que configuram materialmente esses livros, que autori-zam a adivinhar o seu destinatrio e os usos que lhes foram pres-critos, como ser examinado adiante.

    Contando com 258 pginas, o livro O que o cidado deve saber(manual de instruo cvica)12 dividido em duas partes e se estrutura

    11 Ver, a respeito, Medeiros(2005), captulo 2.

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    a partir de dois eixos, correspondentes, cada um, a uma delas. Naprimeira, sobretudo informativo a respeito da organizao cons-titucional do Brasil. Na segunda, o livro adquire um carter maisdoutrinrio, argumentativo e prescritivo, no intuito de assentar osprincpios que devem reger uma sociedade.

    O perfil da publicao evidenciado j na pgina de abertura,com a seguinte exortao do autor:

    Uma exhortao

    Vs que abrs este livro:

    Si estaes ao par da nossa Constituio Federal, no percaes tempocom a leitura

    delle.

    Mas si apenas a conheceis de nome, j agora s o deixareis de ler, sifordes mo patriota.

    No encontrareis, nelle, o commentario systematico da ConstituioRepublicana, mas a coordenao de algumas idas cvicas, esparsas naebulio constituinte da poltica brasileira.

    No so originaes. Mas no de originalidades que se formam asqualidades, viris e hericas de um povo.

    A Constituio do Brasil, naquilo que a todos mais releva conhecer ecumprir, se acha textualmente exarada neste Manual.

    Si quereis o prestgio da vossa terra e da vossa gente, lde-o comatteno, para corrigir e praticar as idas que o animam. (Dria, 1919)

    Em relatrio apresentado, em 1919, direo da entidade, ThomazLessa, secretrio geral da Liga, comenta a publicao do livro, afirmandoter ele correspondido aos fins que a Liga tinha em vista, e elogiando acompetncia do autor (Lessa, pp. 47-49, 1919; apud Medeiros, p.106, 2005).

    De modo a atestar e a melhor dimensionar o respaldo que adireo da Liga deu ao livro, reproduzo integralmente, a seguir,

    12 Segundo Medeiros (2005), o livro foi uma encomenda da Liga a Sampaio Dria.

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    o prefcio escrito por Frederico Vergueiro Steidel, presidente daentidade:

    incalculvel o benefcio que, para o desenvolvimento dos ideaes donacionalismo, advir da divulgao deste livro, no qual, em lingua-gem clara, e sem pretenses a um sectarismo doutrinario, exposto o nosso sistema constitucional.

    O povo deve e precisa conhecer a organizao dos poderes polticos,que se constituem em seu nome e como representantes da sua von-tade; e, mais do que isso, deve ter a consciencia dos seus direitos edos seus deveres.

    A realidade, entre ns, que h muito brasileiro, que se presume depatriota, mas que ainda no leu a nossa Constituico Poltica, e queignora idas rudimentares relativas soberania, aos poderes politicose at aos direitos do homem.

    Essa ignorancia a ignorancia de si mesmo, do seu valor, da sua forae dos seus direitos.

    Tenho para mim, e creio que dificilmente se me poder contestar, quea causa de todos os males politicos que afligem o Brasil, est nessaignorancia, a comear pela verdadeira significao do voto nas eleies.

    Mesmo nas classes mais elevadas, nem sempre se encontrar umanoco nitida do jury, do servio militar, do estado de sitio, dos par-tidos politicos etc., sem se falar das idas mais altas da soberania,estado e federao.

    Esses conhecimentos, entretanto, no devem ser privilegio dosletrados, assim como as noces de Hygiene no devem ser apanagiodos medicos.

    A hygiene, essa o povo a pratica instinctivamente, embora de formarudimentar, afastando-se com pavor dos fcos de infeco, abando-nando as regies insalubres, fazendo fogueiras fumarentas em casosde epidemia, afugentando assim os agentes transmissores da molestia.

    Infelizmente a politica no encontra a sua base na conservao daespecie, e indispensavel explicar ao povo os rudimentos dos bonsprincipios, para serem comprehendidos e praticados.

    No conheo livro algum, que, em nosso paiz, se proponha a divul-gao popular dos principios basicos constitucionaes, pois os

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    compendios, comentarios e monographias so accessiveis apenas sintelligencias para elles j preparadas, e s bolsas que supportam oseu elevado preo.

    Foi essa considerao que inspirou ao inexcedivel patriotismo do dr.Sampaio Doria a confeco deste livro, com o qual presta ao nossopaiz um servio, cuja extenso a sua modestia impede de calcular.

    sua qualidade de inteligente educador da mocidade permittiu-lhedar exposio das materias tratadas um cunbo de clareza e conciso,que um expositor doutrinario no poderia conseguir, e os seus co-nhecimentos profundos de direito constitucional se espelham nosmelhores principios, que sustenta.

    Ao lado de todas essas vantagens, nota-se a preocupao, desde aprimeira at a ultima pagina, de avivar, com enthusiasmo e calor, opatriotismo elevado e so em quem o ler, e to sincero esse senti-mento, que os deixamos por elle empolgar, medida que percorre-mos as suas paginas.

    Generosamente o dr. Sampaio Doria accedeu ao convite da LigaNacionalista para escrever um livro de divulgao popular do nossoconstitucionalismo, e ofertou-lhe o seu magnfico trabalho; esta orecebe como uma dadiva preciosissima, e o considera como o maisutil de todos os esforos at hoje realizados pela propaganda dosseus fins, no que diz respeito cultura do civismo.

    So Paulo, fevereiro, 1919.

    F. Vergueiro Steidel.

    A iniciativa de publicao do livro era ainda respaldada pelaincluso, no volume, de carta do diretor geral da Instruo Pblicade So Paulo, Oscar Thompson. Militante da Liga, Thompsonfala, na carta, na posio de alto mandatrio do governo do estado,elidindo sua condio de ativo militante da Liga. A estratgia edi-torial dava forte respaldo ao livro que era autorizadamente elogiadopor uma autoridade pblica como obra de mestre abalizado.Vale a pena, tambm, transcrev-la aqui:

    Carta do Sr. Dr. Oscar Thompson

    Diretor geral da Instruco Publica em So Paulo

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    IlImo. Sr. Dr. A. de Sampaio Doria

    Acabo de ler, em original, o seu Manual de Instruco Cvica, intituladoO que o cidado deve saber - e no me pude furtar ao desejo de mandar-lhe,de prompto, e expontaneamente; as minhas impresses.

    Este livro obra de mestre abalizado - foi a minha primeira excla-mao, ao terminar a sua leitura.

    Embora calcado na Constituio Brasileira, a disposio dosassumptos, a pureza e belleza das idas, o novo e so espirito civico,que vivificam cada uma, das suas paginas, do-lhe uma feio nova.E, pois, neste aspecto, um livro original.

    livro de mestre, e de mestre psychologo, pois que, nelle, todo odesenvolvimento da ma-tria obedece, de preferencia, ordempsychologica, que a que mais favorece a comprehenso do leitor,que mais o interessa, no obstante, no caso vertente, tratar-se de umtrabalho didatico, destinado a moos em preparao para a vida po-ltica do Paiz.

    E preparar-se para a vida poltica do Paiz no , a meu ver, comomuitos pensam, exercer cargo politico - accidente na vida do cidado- mas tomar parte, como cidado eleitor, consciente dos seus direitose deveres, em todas as frmas de actividade da vida nacional.

    Ler o seu Manual no somente conhecer a organizao politica doBrasil, a sua forrma de governo, as leis que regem os cidados, os seusdireitos e deveres - estudar, luz de uma critica inspirada num grandeamor das cousas patrias, a nossa Constituio; conhecer erros da suaapplicao; orientar-se para cummpril-a e fazel-a executar; despertaro desejo de ser eleitor, de tomar, portanto, parte activa na vida politicado Paiz; convencer-se da necessidade da criao de partidos polticos,fora orientadora da opinio pblica. Enfim, ler o livro O que o cidadodeve saber o mesmo que frequentar uma escola de alta cultura civica.

    Do collega e amigo deveras admirador

    Oscar Thompson.

    interessante observar que o elogio feito por Thompson res-salta a qualidade didtica da obra, no seu entender livro de mestre,e de mestre psiclogo, em que o desenvolvimento da matria teriasido norteado pela psicologia, de modo a favorecer o leitor visado,

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    os moos em preparao para a vida poltica do pas. A referncia psicologia remete a uma questo que ser central em toda a pro-duo bibliogrfica de Dria como pedagogo: a total consonnciaentre o mtodo da intuio analtica, tal como o chamava e entendiaDria, e as leis psicolgicas que, segundo ele, regiam o desenvolvi-mento (mais adequadamente, a evoluo) infantil. Pensado como onico mtodo de ensino verdadeiro, j que compreendido como onico em estrita adequao lei de recapitulao abreviada, omtodo da intuio analtica o cerne da pedagogia de Dria, comose ver no prximo subitem deste livro. Ele j havia sido explanado,explicado e defendido por Dria alguns anos antes, na Tese queapresentou no concurso para provimento da cadeira de psicologia,pedagogia e educao cvica da Escola Normal Secundria de SoPaulo, que foi publicada como livro, em 1914, sob o ttulo Princpiosde pedagogia. Didatizado, ele ser objeto de exposio e explicao,alguns anos mais tarde, em Como se ensina, o pequeno livrinho a que jme referi, publicado, ao que tudo indica, em sintonia com as inicia-tivas educacionais da Liga, em 1923, quando Dria integrava a Co-misso de Instruo da entidade. A articulao entre as concepesneles defendidas e a atuao de Sampaio Dria, seja como militanteda Liga Nacionalista de So Paulo, seja como reformador da Ins-truo Pblica paulista, ser um dos objetivos norteadores dos t-picos seguintes deste livro.

    O didata militante: dois pequenos livrinhos

    para ensinar o professor a ensinar

    Em 1923, quando integrava a Comisso de Instruo da LigaNacionalista de So Paulo, Sampaio Dria, como se viu, publicadois pequenos livrinhos Como se ensina; e Como se aprende a lngua.Como j afirmei, no encontrei evidncias de que a publicaodeles tenha sido decidida pela Comisso de Instruo como peade um programa de interveno educativa da Liga. Mas, alm do

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    fato de terem sido publicados no perodo em que Dria integrouessa Comisso, so eloquentes os indcios, legveis nos dispositivostextuais e editoriais que os configuram materialmente, que autori-zam adivinhar o seu destinatrio e os usos que lhes foram prescritos. possvel afirmar que o seu formato editorial, o seu contedopedaggico e o seu gnero didtico tornam pertinente sua leituracomo peas integrantes de uma estratgia de educao popular.So pequenos volumes encadernados com capa dura; impressoscom tipos grandes, pargrafos curtos e linhas bem espaadas; comlinguagem acessvel e estilo didtico. Considerados esses indcios,Como se ensina e Como se aprende a lngua podem ser lidos como peasde um programa de interveno em larga escala na formao(talvez em servio) do professorado. Deliberada ou no oficial-mente pela Liga, iniciativa dela ou de Sampaio Dria individual-mente, a publicao desses livros pode ser considerada como es-tratgia articulada ao programa de educao popular da Liga.Consider-la desse modo pode reforar a hiptese acima levanta-da acerca da especificidade do aporte de Dria ao trabalho daLiga. Porque, convenhamos, investir na formao do professora-do no estratgia poltica que se esgota na imediatez de um ob-jetivo instrumentalmente concebido, como parece ser o caso dascampanhas de alfabetizao atribudas s Ligas Nacionalistas quese institucionalizam no Brasil na dcada de 1910.

    Publicado pela Monteiro Lobato & Cia, Como se ensina teve suaprimeira edio em 1923, com uma primeira tiragem de cincomilheiros. As pginas do pequeno livrinho de capa dura renem umconjunto de orientaes didticas sobre o emprego do mtodo daintuio analtica e sobre os requisitos substanciais de um bom livrodidtico, propondo um padro para esse tipo de material impresso.Com 131 pginas, o livro se estrutura em trs partes: metodologiadidtica; literatura didtica; e Um padro de livro didtico. A primeiraocupa a maior parte do livro, exatamente 96 pginas, e composta

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    por 12 pequenos captulos, cujo cerne a explanao do mtodo daintuio analtica. Os quatro primeiros captulos tm carterintrodutrio, delimitando o assunto (cap. 1); apresentando a concepode mtodo (cap. 2); diferenciando mtodo de ensino de mtodo deinvestigao cientfica (cap. 3); e caracterizando e delimitando as esferasde ao do professor e do aluno na educao (cap. 4). O captuloquarto, o mais extenso do livro, estabelece as bases do mtodo, dis-correndo sobre o Mecanismo das percepes (pp. 25-28); sobre aMarcha aquisitiva das percepes (pp. 28-33); sobre as Leis daanlise (pp. 33-35); sobre a Base intuitiva (pp. 35-36); sobre oMecanismo do raciocnio (pp. 36-38); sobre A premissa maiordos raciocnios (pp. 38-42); sobre a Base intuitiva (pp. 42-43); e,finalmente, sobre a Intuio (pp. 43-45). O sexto captulo Omtodo da intuio analtica ocupa uma nica pgina, em que apresentada a concluso das explanaes e argumentaes expressas,a ttulo de legitimao do mtodo, nos captulos anteriores:

    A verdade sobre o mtodo de ensino ento se impe. A cooperaodo professor, na realizao dos fins educativos, sugerir atividades,com que os educandos se formem, se habilitem e aprendam. Ora, acapacidade humana de conhecer se exerce no contato da intelignciaque percebe, com as coisas que vai conhecer, isto , na intuio cons-tante em analyses. Logo, pela intuio analtica que se h de modelara cooperao educadora do mestre.

    A intuioanaltica o meio supremo, o mtodo nico do ensino.Tudo mais so confuses e aberraes. (Dria, p. 47, 1923)

    O restante do livro vai tratar, por meio de exemplos, dosbons e dos maus usos do mtodo.

    Como se aprende a lngua srie composta por trs volumes, quesegmentam e articulam o curso primrio da lngua em trs grauspor meio de uma exposio pedaggica (e no lgica) dos fatos da lngua.O volume correspondente ao nvel mdio do curso primrio etem sua quinta edio em 1924, com uma tiragem de 35.000 exem-plares. No foi possvel saber qual a data da primeira edio desse

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    volume. Na bibliografia de Medeiros consta a informao sobreuma segunda edio do ttulo em 1922. No foi possvel sabernada sobre as outras edies e sobre os outros volumes. Posterior-mente, j na dcada de 1930, e em novo formato, Como se aprende alngua reeditado, compondo os volumes XI (para o curso prim-rio) e X (para o curso geral), da srie Livros Didticos da Bibliote-ca Pedaggica Brasileira, organizada por Fernando de Azevedopara a Companhia Editora Nacional.

    Em sua quinta edio, o livro Como se aprende a lngua ummanual de ensino da lngua portuguesa cujo ttulo pe nfase nomodo a ser adotado pelo professor para a exposio adequadade categorias e conceitos gramaticais. O autor concebe o ensino dalngua normativamente, segundo o padro da norma culta escrita,podendo-se dizer que um ttulo mais apropriado para a obra seriaComo se aprende a classificao gramatical da lngua.

    No prefcio, o autor lembra que no primeiro volume do seucurso primrio de lngua estudou a sentena simples e suas relaeslgicas, juntamente com classificaes de palavras e suas variaes,desenvolvendo paralelamente a exposio da anlise lgica (hojechamada de anlise sinttica) e da anlise taxionmica (hoje cha-mada de anlise morfolgica). Seu livro d continuidade ao textoescrito no primeiro volume, propondo como objeto de estudo oque chama de sentena complexa (hoje conhecida como pero-do composto) e novas categorias gramaticais.

    Afirmando que a maior complexidade gramatical pressupee exige maior desenvolvimento mental do aluno, especifica o quecaracteriza o manual de estudo da lngua que escreveu para o cursoprimrio apenas o mtodo que o movimenta. Afirma que asubstncia e a doutrina com que explica a lngua so as mesmasdas gramticas, mas que o mtodo didtico inteiramente outro.A nfase no mtodo reenvia o leitor novamente ao ttulo, Como seaprende a lngua, e permite a Dria afirmar que imprprio chamar

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    seus livros apenas de gramticas. Explica que a gramtica umaexposio lgica dos fatos da lngua, donde decorrem suas divises,subdivises, quadros, partes, captulos, pargrafos etc. O gramtico,afirma, pressupe a analogia, estabelecendo semelhanas edessemelhanas dos fatos de lngua para compor a gramtica. Nocaso dos captulos que compem Como se aprende a lngua, afirmano fazer uma exposio propriamente lgica, mas pedaggicados fatos da lngua. A ordem pedaggica mais que a ordemlgica, prope. Enquanto esta se ocupa das semelhanas edessemelhanas dos objetos sobre os quais doutrina, a ordem pe-daggica opera atendendo capacidade e ao preparo dos alunos,como escreve o autor (Dria, p. 6, 1924).

    Sampaio Dria afirma que a mente das crianas tem tendnciasprprias, transitrias e construtivas, distinguindo-se da mente adultapor ser menos capaz e menos culta. Logo, qualquer livro didticodeve pressupor o preparo, o grau de compreenso e as tendnciasmentais dos destinatrios. As gramticas erram, afirma, porque nopressupem tal adequao. Como exemplo, Sampaio Dria propeo captulo que as gramticas reservam aos pronomes. As definies,as espcies, os casos deles so expostos consulta dos leitores. Comoconsulta, nada melhor, afirma. Mas, como ensino, totalmente impr-prio. Como exemplo, Dria cita o pronome conjunctivo (hojechamado de pronome relativo) que os alunos aprendem antes deaprender as conjunes. Nas gramticas, o captulo das conjunesvem depois do captulo sobre os pronomes. Quando o leem, ascrianas aprendem que a conjuno liga oraes. Mas ainda no tive-ram anlise lgica (sinttica) e ainda no tm a mnima ideia doque seja orao. Como ho de compreender uma relao,ignorando os termos relacionados? No h, verdadeiramente, nadamais antipedaggico.

    Como necessrio que a mocidade se inteire dos usos auto-rizados da lngua, seguindo as prescries gramaticais, o que se

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    requer que estes fatos sejam expostos dentro do mais completorespeito natureza da mentalidade infantil. Logo, a ordem peda-ggica se impe como necessria porque, respeitando a lgica dosfatos gramaticais, tambm respeita a psicologia do aluno, opon-do-se ordem puramente lgica, que abre mo ou ignora o pre-paro e o entendimento das crianas.

    Sampaio Dria concebe os usos da lngua normativamente,em termos de certo/errado. Seu livro tem 48 lies expostas se-gundo a ordem psicolgica proposta.

    Na ctedra da Escola Normal: Sampaio Dria, pedagogo

    Prefaciando o livro de Dria, Educao moral e educao econmi-ca, para a coleo Biblioteca da Educao, Loureno Filho destacaa importncia histrica das concepes pedaggicas de seu antigoprofessor na Escola Normal, ressaltando o carter social de suapedagogia. Segundo o seu testemunho de aluno e colaborador, apedagogia no podia, segundo Dria, ser considerada um sis-tema de educao do indivduo isolado, mas a do homem emcomunidade. Tal concepo pedaggica faria com que Dria ori-entasse o ensino de pedagogia para uma finalidade de polticanacional de cultura. Nos cursos que dera na Escola Normal, pordez anos, suas lies chegavam sempre s normas de uma teoriauniversal da educao, sem perder nunca o endereo social de nossocaso, do caso brasileiro. (Loureno Filho, p. 7, 1928)

    com um visvel esforo de enquadramento da pedagogiaprofessada pelo antigo mestre nos moldes que presidiam a orga-nizao da Biblioteca da Educao que Loureno Filho redige oprefcio do livro Educao moral e educao econmica, nele traandoum perfil de Dria e de suas ideias educativas.

    Educao moral e educao econmica, publicado em 1928, , como jafirmei, livro produzido sob encomenda para integrar a coleo Bi-blioteca da Educao, organizada por Loureno Filho para a Com-panhia Melhoramentos de So Paulo. O livro compendia as prelees

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    metodolgicas de Dria no campo em que, segundo o juzo doorganizador da coleo, maior era a importncia e, sobretudo, aatualidade da pedagogia de Dria: seu carter de pedagogia social.Ao prefaciar o livro, traando o perfil do seu autor e fixando balizaspara sua leitura, Loureno Filho pe em relevo o pedagogista social:

    Por um caminho inverso ao dos cultores da sociologia positiva que,partindo do estudo histrico das sociedades mais atrasadas, chegams instituies livres de hoje, para afirmar que nelas a educao opndulo regulador, Sampaio Dria deduz do estado ideal as nor-mas de sua construo. No caso brasileiro, v como passo inicial, anecessidade de alfabetizao do povo. A soberania popular no podeexistir sem ela. A primeira funo do estado , pois, educar.

    Elaborando um sistema de ideias originais, quanto s necessidadesbrasileiras, ele pode assim inscrever-se na corrente idealista alem, emque Natorp culmina. Subscreveria, em tal autor, a noo de pedagogiacomoa obra total de elevao do homem ao mais alto grau de perfeiohumana. Razo porque a pedagogia sempre social e, por isso mes-mo, nunca um sistema de educao do indivduo isolado, mas a dohomem que vive em comunidade. (Loureno Filho, p. 6, 1928)

    Para um leitor atento e informado, ficam evidentes as estratgiastextuais que compem o perfil de Dria e de suas ideias educativas,que Loureno Filho traa no Prefcio, de modo a adequ-lo, nosomente coleo, mas, principalmente, s novas tendncias peda-ggicas que o organizador da mesma acreditava terem suplantadoconvices e teorias como as que Dria ainda professava. A operaopunha em evidncia as concepes julgadas compatveis com as novasdoutrinas pedaggicas e silenciava as demais.

    A simples publicao de um livro de Dria na coleo, comoo seu terceiro volume, quando tinham apenas sido nela publicadosos livros de Henri Pieron, Psicologia experimental e o de Claparde, Aescola e a psicologia experimental indicia o prestgio de que gozava oantigo mestre junto ao organizador da coleo. Figurar na Biblio-teca de Educao, ao lado de dois pedagogos j internacional-mente ilustres, era sem dvida uma honra para Sampaio Dria.

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    Mas a simples leitura dos ttulos dos trs livros dispostos nacontracapa da obra evidencia a ambiguidade da situao. O temadado a Sampaio Dria no deixava de ser de seu interesse e do-mnio. Mas no era, certamente, o tema de sua predileo. Mais doque isso, na territorializao que a coleo promove, fragmentandoos assuntos por volume e destinando cada um deles a um autorescolhido, era o prprio territrio em que Dria costumava semover que lhe era subtrado. A psicologia experimental, peainamovvel desse territrio e tema to recorrente na produo deDria, era assunto destinado a outros autores. No a quaisquerautores, mas a duas das principais autoridades no assunto, interna-cionalmente reconhecidas. Mesmo sem examinar do que tratam,exatamente, esses dois autores nos volumes referidos, possvelinferir que, na coleo, Dria expelido de um territrio antesbastante frequentado: o da pedagogia como cincia. o que sepode concluir, examinando a produo bibliogrfica de Dria nocampo da pedagogia.

    Assim, compreender as concepes e proposies pedaggicasde Sampaio Dria tarefa que exige um olhar atento ao modo comoLoureno Filho faz a apologia do seu antigo professor, conferindo pedagogia por este professada um perfil adequado s suas prpriasconvices e estratgias de reconfigurao do campo dos saberespedaggicos e reservando-lhe um lugar conveniente na novaconfigurao que imprimia a esse campo. Prevenir-se contra tais pro-cedimentos permite perceber de outro modo o perfil e a importnciade Sampaio Dria no campo da histria dos saberes pedaggicosno Brasil. Permite perceber que a sua participao nessa histria foimuito mais complexa e que o seu perfil como pedagogo extrapolaas imagens do pedagogo social e do didata cristalizadas nas palavrasautorizadas com que o pedagogo e editor Loureno Filho, no augede seu prestgio poltico e tcnico, publicava Educao moral e educaoeconmica como volume de sua Biblioteca da Educao.

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    Aquilatar e compreender a importncia e o papel de SampaioDria na configurao do campo dos saberes pedaggicos em SoPaulo implicariam redimensionar o impacto de suas prelees comoprofessor da disciplina psicologia, pedagogia e educao cvica naEscola Normal Secundria da capital e acompanhar o processo decorroso gradativa da crena na lei da recapitulao abreviada, quetanta penetrao havia tido nessa escola, desde o final do sculo XIX,fundamentando as opes didticas em favor do ensino intuitivoe, mais tarde, do mtodo de intuio analtica. Dispositivo deatrelamento da pedagogia ao evolucionismo spenceriano, a lei darecapitulao abreviada havia justificado as reformas empreendidaspor Caetano de Campos nos primeiros anos da Repblica; e tudoleva a crer que tenha sido objeto de explanao e defesa nas aulasministradas por Dria nessa escola, por cerca de dez anos, at meadosda dcada de 1920, uma vez que foi objeto de demonstrao na tesePrincpios de pedagogia, que ele defendeu no concurso que lhe valeu actedra nessa escola. A tese publicada como livro em 1914. Nele, oj ento professor catedrtico da Escola Normal Secundria estavainteressado em defender e justificar o emprego do mtodo de intuioanaltica que reputava pea central nas estratgias republicanas deconstituio de um sistema de educao pblica modelar em SoPaulo demonstrando tratar-se de mtodo fundado no princpio deque a educao deveria recapitular, no indivduo, o processo deevoluo da humanidade.

    O livro Princpios de pedagogia pea documental importants-sima para uma adequada compreenso do perfil de Dria comopedagogo e da importncia histrica de seu papel na configuraodo campo dos saberes pedaggicos no Brasil. Dando publicidade tese que apresentara no referido concurso, Dria pe em cir-culao as concepes sobre educao, pedagogia, psicologia dacriana e cincia que muito certamente balizaram os ensinamentosque ministrou nessa escola ao longo de mais de dez anos. L-lo

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    aqui, no movimento deste texto, operao que se quer compro-metida no apenas com a identificao e caracterizao dos sabe-res pedaggicos e psicolgicos de que ele se apropriou, pondo-osem circulao, mas tambm com a elucidao dos pressupostostericos e doutrinrios que nortearam suas prticas comoreformador da instruo pblica. Por sua vez, Educao, livro pu-blicado quase 20 anos depois, em 1933, tem tambm especial inte-resse, na medida em que, segundo o seu autor, compendia a dou-trina que teria sido professada por ele por mais de dez anos, naEscola Normal da capital.

    Princpios de pedagogia: a difcil empresa

    de assentar a ao educativa em bases cientficas

    Aquilatar a importncia do livro na minguada produo peda-ggica brasileira no tarefa fcil. Ela supe que nos desloquemospara o territrio conceitual movedio em que estava em curso, inter-nacionalmente, desde o final do sculo anterior, a constituio doque entendiam por cincia da educao. O livro de Dria move-senesse territrio, dialogando com autores de distinta extrao disci-plinar, orientao terica muitas vezes incompatvel e de importnciamuito varivel, cujo denominador comum era a larga circulao noperodo. Entre eles, destacam-se alguns, muito conhecidos ainda hoje,como Rousseau, Haeckel, Comte, Spencer, Emerson, Binet, Claparde,Buisson, Compayr, Wundt, William James e Stuart Mill; mas tam-bm, outros, hoje desconhecidos de pblicos no especializados,como Grasset, Le Bon, Flournoy, Berillon, Bezold, Bernnhein, Mossoetc. dialogando com esses autores que Dria se lana ao empre-endimento de fixar os princpios de pedagogia capazes de nortearas polticas educacionais e as prticas de sala de aula. Vai buscar emSpencer o seu ponto de partida, afirmando que o ideal educativodo homem a preparao para a vida completa (Dria, p. 6, 1914)e sustentando que tal preparao requeria

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    primeiro, o desenvolver das energias fsicas e mentais, mediante oexerccio dos jogos e posse ativa de um certo numero de verdades;depois, um cabedal de conhecimentos teis vida em geral e vidaprofissional que abraar; e, por fim, sntese desses dois propsitos, aformao do carter pelo atrofiar de certos instintos e desenvolver deoutros, assimilando certos ideais e adquirindo determinados hbitos,acima dos quais primam o do zelo pelo dever e a devoo verdade.(Idem, ibidem, p. 6)

    Posto assim o objetivo maior da educao, Dria o desdobraem dois:

    grandes problemas, sem cuja soluo de nada valeria a fixao dequalquer ideal cientfico: 1o Que o que se deve ensinar para obter aeducao completa?; 2o Determinadas as matrias a ensinar, comodevem elas ser ensinadas?. (Idem, ibidem, p. 7)

    Depois de discorrer sobre os dois problemas e de desdobr-los em questes relativas a programas de ensino, currculos, mto-dos, perfil e formao dos professores, apresenta o que lhe pareceser a questo central: o conhecimento sobre a criana. EvocandoClaparde e valendo-se da metfora da agricultura, Dria criticaos que se limitam a discutir programas e mtodos de ensino, es-quecendo-se de que o que importa conhecer a criana, objeto daao educacional:

    Organizam-se programas, discutem-se mtodos, e no se conhece aalma da criana, (...) matria plstica aberta a todas as impresses,transformando-se debaixo de certas leis, e para quem o fim principalda sementeira antes cooperar nessa evoluo interior, que prepararuma colheita de puro valor atual. A transmisso dos conhecimentosno visa a criao direta de eruditos, mas estimular o desenvolvimentoortopdico das faculdades intelectuais e morais, formar por inteiro oesprito das crianas. (Idem, ibidem, p. 11)

    Conhecer a criana, mais precisamente, conhecer a alma infantilcom as leis da sua evoluo era, assim, para o pedagogo, a pedrade toque do sucesso da educao infantil. Por isso, o livro se propea expor as linhas gerais que dominam toda a vasta extenso da

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    cincia da infncia, talhando as dedues primeiras da ped