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Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, vol. 38, nº 4, e4302 (2016) www.scielo.br/rbef DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0092 Artigos Gerais cbnd Licenc ¸a Creative Commons Mecanismos de alargamento de linhas espectrais atˆomicas Line broadening mechanisms of atomic spectral lines C. Valverde 1,2 , B. Baseia 3,4 , V. S. Bagnato *5 1 Campus Henrique Santillo, Universidade Estadual de Goi´ as, An´ apolis, GO, Brasil 2 Universidade Paulista, Goiˆ ania, GO, Brasil 3 Instituto de F´ ısica, Universidade Federal de Goi´ as, Goiˆ ania, GO, Brasil 4 Departamento de F´ ısica, Universidade Federal da Para´ ıba, Jo˜ ao Pessoa, PB, Brasil 5 Instituto de F´ ısica de S˜ ao Carlos, Universidade de S˜ ao Paulo, S˜ ao Carlos, SP, Brasil Recebido em 14 de abril de 2016. Aceito em 22 de maio de 2016 Os espectros de energia de ´ atomos idealizados (isolados, parados e em temperatura 0K) s˜ ao constitu´ ıdos por um conjunto de linhas muito estreitas. Contudo, no mundo real, verifica-se que cada uma destas linhas s˜ao alargadas pela a¸c˜ao de v´arios tipos de influˆ encias externas. Uma discuss˜ao simplificada ´ e apresentada sobre seus mecanismos e como cada um deles atua isoladamente sobre as linhas espectrais. O caso de dois ou mais mecanismos atuando juntos ´ e tamb´ em considerado. T´ ecnicas de afinamento de linha para relevantes aplica¸ oes s˜ ao mencionadas, incluindo algumas que usam o controle da largura e da forma da linha laser. Palavras-chave: alargamento de linha, afinamento de linha, linha do laser. The energy spectra of idealized atoms (isolated, at rest and temperature 0K) are constituted by a set of very narrow lines. However, in the real world one verifies that each of these lines are enlarged by the action of various types of external influences. A simplified discussion is presented about their mechanisms and how each type of them acts isolated upon a thin spectral line. The case of two or more types of these mechanisms acting conjunctly is also considered. Line narrowing techniques for relevant applications are mentioned, including others using the control of the widths and the shapes of a laser line. Keywords: line broadening, line narrowing, laser line. 1. Introdu¸ ao Nos cursos de gradua¸c˜ao em F´ ısica, Engenharia e Qu´ ımica o estudo das ondas eletromagn´ eticas tem grande importˆ ancia em vista do enorme n´ umero de suas aplica¸ oes. Dentre elas podemos citar: i) a uti- liza¸ ao na ´ area de telefonia m´ ovel, r´ adio e TV, onde as transmiss˜ oes s˜ ao realizadas atrav´ es de propaga¸ ao n˜ao guiada (via satelites e antenas) ou propaga¸c˜ao guiada (sistemas baseados em fibras ´ opticas) [110]; ii) na ´ area da sa´ ude, onde s˜ ao amplamente emprega- das no tratamento do cˆ ancer e na oftalmologia, com o uso dos lasers; iii) na ´area militar, etc. Os sinais eletromagn´ eticos s˜ao emitidos por grandes antenas e captados por antenas receptoras de radios ou TVs. * Endere¸ co de correspondˆ encia: [email protected]. No caso de ondas luminosas (10 14 - 10 15 Hz ), os emissores s˜ ao antenas min´ usculas, microsc´ opicas: os ´atomos. Neste trabalho cuidaremos dos aspectos e conceitos b´asicos relacionados ao alargamento da frequˆ encia dos sinais emitidos pelos ´ atomos, de modo simplificado facilitando o entendimento. Tamb´ em usaremos um tratamento matem´ atico necess´ ario na descri¸c˜ao dos conceitos e efeitos envolvidos. Trata- se de um t´opico importante e pouco explorado em sua generalidade nos cursos de gradua¸c˜ao e p´os- gradua¸c˜ ao. 2. Espectro Atˆ omico O espectro atˆomico resulta do conjunto de n´ ıveis energ´ eticos que todo ´atomo possui, variando de Copyright by Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil.

Mecanismos de alargamento de linhas espectrais atˆomicaslinha para relevantes aplica¸c˜oes s˜ao mencionadas, incluindo algumas que usam o controle da largura e da forma da linha

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Revista Brasileira de Ensino de Fısica, vol. 38, nº 4, e4302 (2016)www.scielo.br/rbefDOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0092

Artigos Geraiscbnd

Licenca Creative Commons

Mecanismos de alargamento de linhas espectrais atomicasLine broadening mechanisms of atomic spectral lines

C. Valverde1,2, B. Baseia3,4, V. S. Bagnato∗5

1Campus Henrique Santillo, Universidade Estadual de Goias, Anapolis, GO, Brasil2Universidade Paulista, Goiania, GO, Brasil

3Instituto de Fısica, Universidade Federal de Goias, Goiania, GO, Brasil4Departamento de Fısica, Universidade Federal da Paraıba, Joao Pessoa, PB, Brasil

5Instituto de Fısica de Sao Carlos, Universidade de Sao Paulo, Sao Carlos, SP, Brasil

Recebido em 14 de abril de 2016. Aceito em 22 de maio de 2016

Os espectros de energia de atomos idealizados (isolados, parados e em temperatura 0K) sao constituıdospor um conjunto de linhas muito estreitas. Contudo, no mundo real, verifica-se que cada uma destaslinhas sao alargadas pela acao de varios tipos de influencias externas. Uma discussao simplificada eapresentada sobre seus mecanismos e como cada um deles atua isoladamente sobre as linhas espectrais.O caso de dois ou mais mecanismos atuando juntos e tambem considerado. Tecnicas de afinamento delinha para relevantes aplicacoes sao mencionadas, incluindo algumas que usam o controle da largura e daforma da linha laser.Palavras-chave: alargamento de linha, afinamento de linha, linha do laser.

The energy spectra of idealized atoms (isolated, at rest and temperature 0K) are constituted by aset of very narrow lines. However, in the real world one verifies that each of these lines are enlargedby the action of various types of external influences. A simplified discussion is presented about theirmechanisms and how each type of them acts isolated upon a thin spectral line. The case of two or moretypes of these mechanisms acting conjunctly is also considered. Line narrowing techniques for relevantapplications are mentioned, including others using the control of the widths and the shapes of a laserline.Keywords: line broadening, line narrowing, laser line.

1. Introducao

Nos cursos de graduacao em Fısica, Engenharia eQuımica o estudo das ondas eletromagneticas temgrande importancia em vista do enorme numero desuas aplicacoes. Dentre elas podemos citar: i) a uti-lizacao na area de telefonia movel, radio e TV, ondeas transmissoes sao realizadas atraves de propagacaonao guiada (via satelites e antenas) ou propagacaoguiada (sistemas baseados em fibras opticas) [1–10];ii) na area da saude, onde sao amplamente emprega-das no tratamento do cancer e na oftalmologia, como uso dos lasers; iii) na area militar, etc. Os sinaiseletromagneticos sao emitidos por grandes antenase captados por antenas receptoras de radios ou TVs.

∗Endereco de correspondencia: [email protected].

No caso de ondas luminosas (∼ 1014 − 1015Hz), osemissores sao antenas minusculas, microscopicas: osatomos. Neste trabalho cuidaremos dos aspectos econceitos basicos relacionados ao alargamento dafrequencia dos sinais emitidos pelos atomos, de modosimplificado facilitando o entendimento. Tambemusaremos um tratamento matematico necessario nadescricao dos conceitos e efeitos envolvidos. Trata-se de um topico importante e pouco explorado emsua generalidade nos cursos de graduacao e pos-graduacao.

2. Espectro Atomico

O espectro atomico resulta do conjunto de nıveisenergeticos que todo atomo possui, variando de

Copyright by Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

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e4302-2 Mecanismos de alargamento de linhas espectrais atomicas

atomo para atomo. Os atomos excitados se com-portam como antenas emissoras de ondas eletro-magneticas. E dos nıveis de energia atomicos queuma variedade de radiacoes sao emitidas, tanto naforma de luz visıvel (∼ 1014Hz) quanto invisıvel:ultra-violeta (∼ 1015Hz), Raio-X (∼ 1016−1018Hz),infra-vermelho (∼ 1013Hz), infra-vermelho distante(∼ 1012Hz), etc. Nos livros textos de fısica basicaessas radiacoes emitidas pelos atomos aparecem dese-nhadas como se fossem emitidas por atomos parados,sem interacao uns com os outros, em temperaturaabsoluta T = 0K, isolados do resto do universo,assim protegidos de influencias externas. Essa seriaa situacao ideal, a mais simples para tratar o pro-blema. A representacao dessa situacao ideal e dotipo mostrado na Fig. (1) para o caso do atomo deHidrogenio, o mais simples da natureza: um protone um eletron.

Conforme o tıtulo deste trabalho de divulgacao,o que chamamos de alargamento de linha esta ilus-trado na passagem da Fig. (2a) para a Fig. (2b):e quando uma linha fina, ‘monocromatica’ na Fig.(2a) transforma-se em uma banda de linhas repre-sentando frequencias, distribuidas sob uma funcao‘envelope’ que passa por um maximo em ω = ω0,mostrado na Fig. (2b).

Enquanto a Fig. (2a) indica o atomo ideal tendolinhas finıssimas, emitindo luz ‘monocromatica’ defrequencia (ou cor) bem definida, a Fig. (2b) indicao atomo real tendo a linha alargada, uma banda de

Figura 1: Diagrama de nıveis atomicos de energia do atomode Hidrogenio.

Figura 2: Passagem da linha fina em (2a) para linha alar-gada em (2b)

linhas representando frequencias, as mais provaveisestando na vizinhanca do maximo ω0 dessa banda. Oalargamento da linha emitida pelo atomo e causadopela acao de varios efeitos externos sobre ele, comoveremos.

Como a Mecanica Classica de Isaac Newton naofunciona na escala atomica, os fısicos recorrem aMecanica Quantica. Assim, em vez de usarem aequacao ~F = m~a, ou ~F = d~p

dt , eles usam a equacaode Schrodinger [11],

i∂ψ

∂t= Hψ, (1)

onde H e operador Hamiltoniano. Se H nao dependede t temos o regime estacionario e podemos escrevera funcao de onda ψ = ψ(~r, t) na forma ψ(~r, t) =e−itE/~Ψ(~r) para obter,

HΨ = EΨ, (2)

e explicitando um pouco mais o operador H ao casoatomico levamos a Eq. (2) a forma,

HΨ = 12m(∂

2Ψ∂x2 + ∂2Ψ

∂y2 + ∂2Ψ∂z2 ) + K

rΨ, (3)

onde ~r = x~i+y~j+z~k, indica a posicao do eletron noatomo, r = |~r| da a distancia do eletron ao nucleoatomico e K

r e o potencial coulombiano, o qualtraduz a atuacao (atrativa) do proton sobre o eletron.Resolvendo a Eq.(3) na condicao ideal especificada(atomos parados, isolados e temperatura T = 0),obtemos as energias dos nıveis atomicos na expressaomatematica,

En = −13, 6n2 (eV ), n = 1, 2, 3, ... (4)

onde n = 1 representa a energia do primeiro nıvel(estado fundamental), E1 = −13, 6 eV ; para o se-gundo nıvel (1o estado excitado), n = 2, E2 =

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−3, 4 eV ; para n = 3, E3 = −1, 51 eV ; etc., ondeeV representa unidade de energia em eletron-Volt:1eV ' 1, 6×10−19J, (J = Joule). Para valores gran-des de n, n > 35, a energia En se aproxima de zeroe o eletron tende a se soltar do atomo, mesmo seprovocado por pequenas perturbacoes. Para cadavalor n temos uma energia que corresponde a umacerta frequencia ωn = En

~ . Essa frequencia, se nabanda visıvel, confere a cor da luz que o atomo emitequando um eletron salta para nıvel atomico inferior.

No entanto, o atomo geralmente esta fora da si-tuacao ideal (nem parado, nem isolado e geralmentelonge da temperatura T = 0K). Nesse caso real cadauma das linhas atomicas de energia En se transformaem uma banda contınua de energia. Assim, a n-esimalinha de frequencia, dada por ωn = En

~ no caso ideal,se transforma em uma banda de frequencias no casoreal. A largura de cada banda pode depender davelocidade do atomo que esta emitindo radiacao,da temperatura do gas de atomos, da pressao dogas e de outras influencias externas sobre o atomo.Quando o atomo esta fora do caso ideal, o espectroatomico deixa de ter linhas discretas (linhas finasseparadas entre si, ver Fig. (1) ) e passa a ser umabanda de linhas debaixo de uma curva envolvente(ver a passagem da Fig. (2 a) para a Fig. (2 b)),transformando-se em espectro continuo se o numerode perturbacoes sobre o atomo aumentam. E o queacontece com a luz do Sol no efeito arco-iris, ondenao percebemos separacao nıtida entre as cores: apassagem de uma cor (frequencia) para outra ocorrecontinuamente. ‘Arco-iris’ tambem ocorre fazendo aluz que vem do Sol atravessar um prisma - como fezIsaac Newton em 1663. O mesmo e obtido usandoluz branca produzida por lampadas comuns.

Os astrofısicos descobrem que tipos de atomoscompoem uma estrela observando a radiacao queela emite. A primeira observacao em laboratorio deespectro atomico em gases ocorreu em 1885: a seriede linhas de Johann Balmer, na banda visıvel; asegunda serie foi observada por Theodore Lyman,em 1906, na banda ultravioleta; a terceira serie,de Friedrich Pashen, em 1908, no infravermelho.Enquanto a serie de Balmer consiste em emissoesde radiacoes em saltos do eletron do nıvel n ≥ 3para n′ = 2, a serie de Lyman ocorre de n ≥ 2 paran′ = 1 e a serie de Pashen de n ≥ 4 para n′ = 3; verFig. (3).

Todas essas linhas atomicas discretas, isto e, sepa-radas entre si, emitidas por atomos parados, isolados,em temperatura T = 0K, referem-se ao caso ideal.

Figura 3: Espectros de emissao do atomo de Hidrogenio

No que segue veremos o que ocorre na realidade,no caso de atomos em movimento em um gas, ouchocando entre si, ou atomo de rede cristalina in-fluenciado pela proximidade dos atomos vizinhos.O resultado disso e que deparamos com diversosmecanismos que alargam as linhas atomicas, trans-formando cada linha fina do espectro atomico emuma banda de linhas ou frequencias.

3. Alargamentos de linha atomica

Os mais conhecidos tipos de mecanismos alargado-res de linha atomica sao: (i) de alargamento natural(ou espontaneo), (ii) alargamento Doppler, (iii) alar-gamento colisional e (iv) alargamento de campocristalino. Alem disso, serao tambem consideradosos casos onde dois ou mais desses mecanismos sesuperpoem, incluindo o caso onde o alargamentoe intencional, programado. No que segue, tratare-mos os mecanismos atuando isoladamente, na ordemacima.

3.1. Alargamento Natural (EmissaoEspontanea)

Atomos excitados, mesmo parados, ‘isolados’, emtemperatura absoluta T = 0, tambem emitem ra-diacao; o efeito e chamado emissao “natural”, es-pontanea, sendo atribuido ao principio de incertezade W. Heisenberg, sendo uma das causas do alar-gamento de linha atomica. Antes vamos tratar aforma do alargamento de linha nesse caso. Para issovamos considerar a transformada de Fourier =[f(ω)]de uma funcao espectral f(ω) = 1

πλ

(ω−ω0)2+λ2 tendoessa forma lorentziana1 em funcao da frequencia ω,

1O grafico da funcao espectral lorentziana tem o mesmo as-pecto da funcao espectral gaussiana; mas as duas num mesmografico mostram suas diferencas.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0092 Revista Brasileira de Ensino de Fısica, vol. 38, nº 4, e4302, 2016

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e4302-4 Mecanismos de alargamento de linhas espectrais atomicas

centrada em ω0 e de largura λ. Temos,

=[f(ω)] = =[ 1π

λ

(ω − ω0)2 + λ2

]=

∫ +∞

−∞eiωt[ 1

π

λ

(ω − ω0)2 + λ2 ]dω

=(λ

π

)eiω0t

∫ +∞

−∞

eiΩt

Ω2 + λ2dΩ, (5)

onde Ω = ω − ω0 e dΩ = d (ω − ω0) = dω. Fazendoa integral acima pelo o metodo dos resıduos, con-siderando que 1

Ω2+λ2 = 1(Ω+iλ)(Ω−iλ) tem polos em

Ω = ±iλ resulta,∫ +∞

−∞

eiΩt

Ω2 + λ2dΩ = 2πi∑i

(Resıduos)

= 2πi(e±λt

2iλ ) = π

λe±λt. (6)

Entao, para t > 0 a convergencia da integral paratempos grandes exige usar o sinal negativo na expo-nencial acima. Substituindo a Eq. (6) com o sinalnegativo em (5) resulta o decaimento exponencial,

=[f(ω)] =(λ

π

)eiω0t

λ

)e−λt

= eiω0te−λt = f(t), t > 0. (7)

Se fizermos a Fourier inversa desta Fourier acima, re-cairemos na funcao lorentziana f(ω) = 1

πλ

(ω−ω0)2+λ2

, como esperado, porque a Fourier inversa sempreexiste e retorna a funcao original. Agora, como erasabido que a emissao atomica espontanea produz umdecaimento exponencial tipo e−λt, o calculo acimamostra que este decaimento temporal correspondea um alargamento de linha lorentziano.

Sabia-se tambem que a largura energetica ∆Enatural (devido a emissao espontanea) de uma linhaespectral atomica e dada pelo ‘tempo de vida’ τ doeletron em estado excitado, conforme o princıpio daincerteza de Heisenberg: ao considerar um atomoem um estado excitado, o perıodo de tempo ∆t = τem media, em que ele permanece excitado, esta rela-cionado com a largura ou incerteza ∆E na energiadesse estado: quanto menor for o tempo de per-manencia τ , mais larga sera a banda energetica ∆Ee quanto maior for τ , mais estreita sera a banda ∆E.Quando esta banda e muito estreita, chamam essenıvel atomico de metaestavel. (Um nıvel metaestaveldo atomo Cr inserido no cristal de Rubi foi exploradoem 1960 para fazer o primeiro laser.) Tempos de

vida de atomos radiativos sao geralmente proximosde τ = 10−8s [12]. Como o decaimento temporalnatural foi antes observado ser do tipo exponencial,a emissao de radiacao na frequencia ω0 e amplitudeE0 seria do tipo E(t) = E0eiω0t×e−λt = E0e(iω0−λ)t

e, fazendo as contas, sua Fourier transformada re-sultava na forma,

f(ω) = =[f(t)] = 1π

λ

(ω − ω0)2 + λ2 , (8)

que e a distribuicao espectral lorentziana, ja mencio-nada. Esse tipo de alargamento de linha atomica foichamado natural, porque seria inerente ao atomo,nao havendo como impedir seu efeito, que o atomodecai por si. Depois interpretaram que esse tipo dedecaimento ocorre por influencia de flutuacoes dovacuo quantico, portanto seria tambem o efeito deuma acao externa ao atomo, contrariando o entendi-mento anterior de que o atomo decai por si, ‘esponta-neamente’. Uma das provas disso baseia-se em argu-mento simples de Enrico Fermi, assim resumido: “Oestado quantico descrevendo um atomo excitado |e〉 ,interagindo com o estado do vacuo quantico |0〉 , edenotado matematicamente por |ψ〉 = |e, 0〉, que naoe auto-estado da Hamiltoniana H = ~λ(a†σ−+ aσ+)descrevendo essa interacao”. De fato temos,

H |ψ〉 = ~λ(a†σ− + aσ+) |e, 0〉= ~λ (0 + |g, 1〉) 6= η|g, 0〉, (9)

onde usamos aσ+ |e, 0〉 = 0 e a†σ− |e, 0〉 = |g, 1〉onde os operadores a e a† operam no estado |0〉 en-quanto σ− e σ+ operam no estado |e〉; |g〉 e o estadoatomico desexcitado pela acao de σ− sobre |e〉 e |1〉e o estado de 1 foton pela atuacao de a† no estado|0〉. Assim vemos que um sistema em estado quenao e auto-estado da sua Hamiltoniana nao perma-nece nesse estado, significando que o estado atomicoexcitado |e〉 na presenca do estado de vacuo |0〉 einstavel, sendo essa a razao do decaimento “natural”.Em resumo, o decaimento “espontaneo” do eletronno atomo, de um nıvel para outro inferior, e do tipoe−λt, exponencial. Como mostrado acima esse decai-mento transforma uma linha fina, monocromatica,em uma banda de linhas f(ω) tendo forma lorentzi-ana dada pela Eq. (8).

3.2. Alargamento Doppler

O alargamento Doppler nas linhas do espectro atomicoe devido a velocidade dos atomos no gas, a qual e

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Figura 4: Atomo no nıvel 2, energia E2 e velocidade ~v2,passa a ter energia E1 e velocidade ~v1 ao emitir foton deEnergia ω e momento ~k.

causada pela temperatura absoluta T do gas serdiferente de zero. Quanto maior a temperatura,maior a velocidade media dos atomos no gas. Afrequencia da radiacao que o atomo emite quandoviaja aproximando-se do observador, e percebidapor este como sendo maior que aquela emitida peloatomo parado, ω0; o inverso ocorre se o atomoviaja afastando-se do observador: diminuicao nafrequencia. Entao, o observador vai perceber umaporcao de frequencias maiores e menores que afrequencia central ω0 emitida por atomos parados.Este e o efeito Doppler, que tambem ocorre comondas sonoras. Como a distribuicao de velocidadesdos atomos em um gas tem uma forma gaussiana,conforme mostrado por J.C. Maxwell em 1860, issoacarreta distribuicao gaussiana nas frequencias, emtorno da frequencia central ω0. Vejamos isso mate-maticamente. Suponhamos um gas diluido, portantodesprezamos colisoes entre seus atomos. Em tempe-raturas T 6= 0 eles adquirem velocidades devido aagitacao termica. Quando um desses atomos emiteradiacoes eletromagneticas, comparando seus mo-mentos lineares e suas energias antes e depois daemissao e lembrando ainda que momento linear eenergia se conservam em sistemas fechados, temosrespectivamente,

m~υ2 = m~υ1 + ~k, (10)

E2 + 12m~υ

22 = E1 + 1

2m~υ21 + ω, (11)

onde ~ki = ~pi e ωi = Ei sao respectivamente omomento linear e energia da luz (foton), i = 1, 2, me a massa do atomo, tanto antes quanto depois daemissao, ~υ2 e ~υ1 sao as velocidades antes e depoisda emissao e E2 e E1 sao as energias internas totaisdo atomo, antes e depois da emissao - ver Fig. (4).

Chamando E2−E1 = ω0 as duas equacoes acimaresultam respectivamente na forma,

~υ1 = ~υ2 −~km, (12)

ω0 + 12m~υ

22 = 1

2m~υ21 + ω. (13)

Combinando as Eqs.(12) e 13 temos,

ω0 + 12m~υ

22 = 1

2m~υ22 + 2k2

2m − ~k · ~υ2 + ω, (14)

que se simplifica na forma,

ω0 = −~k · ~υ2 + 2k2

2m + ω. (15)

Podemos simplificar mais tomando o eixo z nadirecao do foton emitido, isto e, ~k = |~k|z = (ωc )z =kz, para obter,

ω0 = ω[1− υ2zc

+ ω2mc2 ]. (16)

Porem, sendo nesse caso υ2zc ≈ 10−6 e 2k2

2m ≈ 10−9

podemos desprezar o ultimo termo (devido ao recuodo atomo) para obter,

ω0 ∼= ω(1− υ2zc

), (17)

e portanto,

ω = ω0(1− υ2z

c ) = ω0(1− υ2zc

)−1. (18)

Como as velocidades de moleculas em gases saomuito menores que a velocidade c da luz temos,υ2zc << 1; podemos usar a aproximacao binomial

(de Newton) para velocidades υ2z nao relativısticas,υ2zc = x << 1 para obter,

(1 + x)n ∼= 1 + nx. (19)

Aplicando Eq.(19) na Eq.(18) obtemos o efeito Dop-pler na frequencia para velocidades atomicas naorelativısticas na forma,

ω = ω0(1 + υ2zc

). (20)

Agora, lembramos que em temperatura T 6= 0temos uma distribuicao p(υ) de velocidades dosatomos no gas; essa distribuicao, foi descoberta porMaxwell, ja dissemos acima, sendo da forma, comN = cte,

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e4302-6 Mecanismos de alargamento de linhas espectrais atomicas

p(υ) = Ne−(βm2 )υ2. (21)

Adaptando esses resulados ao nosso caso, levamosυ em υ2z como feito acima, e usando a Eq.(20) quefornece υ2z = c

ω0(ω−ω0) levamos p(υ) em p(ω) para

obter,

p(ω) = Ne−(βm2 )[ cωo

(ω−ω0)]2 , (22)onde a exponencial tem forma gaussiana em (ω−ω0).O fator N e de normalizacao: ele garante que aprobabilidade total de encontrar todas as frequenciasna distribuicao p(ω) e 100%, isto e:

∫∞−∞ p(ω)dω = 1.

Denotando ω0c√βm

= σ e (ω − ω0) = Ω temos oresultado na forma,

p(ω) = N(σ)e−Ω22σ2 , (23)

onde identificamos σ como a medida do alargamentoproduzido na linha fina que se transformou em umabanda gaussiana. Esse e o chamado “efeito Dop-pler”, causando em cada linha espectral dos atomosem movimento um alargamento do tipo gaussiano.Podemos observar no resultado acima que: a) se atemperatura T aumenta, o alargamento σ aumenta,pois σ = ω0

c√βm

= ω0c

√kTm ∝

√T ; b) se a massa

m do atomo aumenta, o alargamento diminui, poisσ ∝ 1√

m. Lembramos que ω0 e a frequencia central

na banda, na qual o atomo emitia radiacoes quandoestava isolado, parado, em T = 0K, antes de a linhase alargar - ver Fig. (5).

3.3. Alargamento Colisional

Em um gas os nıveis de energia de um atomo saoperturbados por atomos vizinhos do mesmo tipo ou

σ

ω

P(ω)

ω0

Figura 5: Banda gaussiana produzida pelo efeito Doppler

outro. E que para T 6= 0 os atomos estao em movi-mento, com diversas velocidades direcoes e sentidosdevido a agitacao termica e pressao sobre eles. Sesupomos o gas nao muito diluido, ao contrario doitem anterior, precisamos considerar colisoes entreos atomos. Colisoes causam nos atomos decaimentode eletrons dos nıveis excitados para nıveis inferio-res: esse e tambem um mecanismo de alargamentodas linhas espectrais, efeito que geralmente superao alargamento natural mencionado na Seccao (3.1).Ja mencionamos que reducao de tempo de vida τem um nıvel atomico causa aumento na incerteza∆E da energia nesse nıvel e sendo ∆E = ~∆ω re-sulta um aumento ∆ω de incerteza na frequenciaω da radiacao que o atomo emite. Mostra-se que oaumento da largura ∆ω = ω − ω0 e uma funcao dadensidade ou pressao do gas: quanto maior a pressao,maior a densidade do gas, aumentando o numero decolisoes. Alem da pressao do gas, a temperatura e ou-tro fator que contribui para aumentar o numero dechoques e portanto o alargamento de linha atomica.O alargamento colisional, assim como o alargamentoDoppler, e dependente da temperatura. A Fig. (6)representa um trecho em ‘zigue-zague’ percorridopor um dos atomos do gas.

Na Fig. (6), o parametro τ0 representa o tempoque dura o choque do i-esimo atomo com outro,enquanto τi e o chamado tempo de voo livre doi-esimo atomo, isto e, o tempo que este atomo viajasem se chocar. Esse tempo varia de um choque paraoutro. Nos calculos realizados e reproduzidos abaixo,costumam assumir como boa aproximacao a relacaoτi >> τ0. Significa assumir que os choques sao muitomais rapidos que o tempo de voo livre. Vejamos como

Figura 6: Movimento de colisoes dos atomos.

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se da esse alargamento de linha causado por colisoes.O campo E(t), com amplitude E0 e frequencia ω0,irradiado por um atomo que emite isoladamente,sem interacoes, como se fosse uma antena isolada, eescrito para o i-esimo atomo,

E(t) = E0e−iω0t. (24)

A transformada de Fourier de E(t), =[E(t)], e cal-culada, usando Ω = ω − ω0,

=[E(t)] = E(ω) = 1√2π

∫ t0+τi

t0(E0e

−iω0t)eiωtdt,

= E0eiΩt0(e

iΩτi − 1iΩ ), (25)

de onde obtemos a intensidade do campo I(ω). Aposincluir a obvia dependencia de I(ω) com τi temos

I(ω, τi) ∝ |E(ω, τi)|2 = 4 |E0|2sen2(Ωτi

2 )(Ω

2 )2 . (26)

Na ultima passagem usamos a relacao

(eiΦ − 1) = eiΦ2 (ei

Φ2 − e−i

Φ2 )

= 2ieiΦ2 sin(Φ

2 ), (27)

onde Φ = Ωτi = (ω−ω0)τi e despresamos a fase eiΦ2

ao tomar o modulo ao quadrado, pois |eiΦ2 |2 = 1.

Agora, se o tempo de voo livre τi →∞ a Eq. (26)resulta em I(ω, τi) ∼ δ(ω − ω0), que e a “funcao”delta de Dirac indicando que a linha e muito fina,“monocromatica”. Significa que a linha atomica naose alarga se o atomo emite radiacao livremente,sem nunca se chocar. Porem, se considerarmos 3hipoteses: que ocorrem choques e portanto τi e fi-nito; que o gas tem grande numero N de atomos,N >> 1; que a temperatura nao nula produz umadistribuicao aleatoria dos atomos no gas, isso tudoacarreta uma distribuicao caotica dos tempos de voolivre τi. Pois bem, a teoria cinetica dos gases nos for-nece a probabilidade de encontrar o i-esimo atomochocando com outro apos viajar durante tempo τina forma [13],

p(τi) = 1〈τi〉

e−τi/〈τi〉, (28)

onde 〈τi〉 = 14〈d〉2n

√βmπ e o tempo de voo livre medio,

m e a massa do atomo, β = 1KT , d e o livre caminho

medio e n = NV e o numero de atomos por unidade de

volume. Agora, a intensidade I(ω, τi) ∝ |E(ω, τi)|2quando totalizada para todos os tempos de vooslivres resulta,

I(ω, τi)total =∑i

I(ω, τi)p(τi)

→∫ ∞

0I(ω, τ)p(τ)dτ

= N∫ ∞

0|E(ω, τ)|2 I(ω, τ)p(τ)dτ

= N′∫ ∞

0

sen2(Ωτi2 )

(Ω2 )2 e

− τi〈τi〉dτ

= N′λ

(Ω)2 + (λ)2 , (29)

onde N′ e o fator de normalizacao e λ = 1〈τi〉 e a

largura da banda de frequencias, resultante do alar-gamento da linha atomica considerada. Este resul-tado mostra que o mecanismo colisional transformacada linha atomica fina em uma banda lorentzianade linhas, tal como no caso do mecanismo “natural”.

3.4. Alargamento de Campo Cristalino

Para explicar como este mecanismo alarga linhasatomicas, vamos recorrer a seguinte analogia: ima-ginemos varios pendulos iguais, digamos 3 pendulos,separados, isolados, todos oscilando na sua frequenciapropria ω0 =

√lg , podendo estar com mesma fase

ou defasados. Agora, se o pendulo central for ligadoaos pendulos vizinhos atraves de fracas molas, alemda frequencia propria ω0 em que eles podem oscilarjuntos, em fase, eles podem tambem oscilar em ou-tras duas frequencias. Notemos na Fig. (7) que alemde todos poderem oscilar com mesma frequenciaω1 = ω0 =

√lg , teremos ainda a situacao em que,

os que oscilam, o fazem com mesma frequencia ω2,sendo ω2 > ω1 e tambem todos podem oscilar commesma frequencia ω3, com ω3 > ω2 > ω1. Dizemosentao que 3 pendulos acoplados iguais tem 3 modosnormais de oscilacao. E generalizando: N pendulosiguais acoplados por molas fracas terao N modosnormais de oscilacao. Modo normal de oscilacao eo modo de vibrar em que todos os pendulos queoscilam o fazem com mesma frequencia: ω1 ou ω2 ouω3 ...ou ωN.. Vale lembrar que um modo de vibracaode um sistema que nao e modo normal, pode serescrito como superposicao dos modos normais dosistema. Em mecanica quantica temos um resultadosimilar: um estado solucao que nao e auto-estado da

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(a) (b) (c)

Figura 7: Esboco ilustrativo dos 3 modos normais deoscilacao de 3 pendulos acoplados.

Hamiltoniana H do sistema, pode ser escrito comosuperposicao dos auto-estados dessa Hamiltoniana.

A Fig. (7) mostra os modos normais para o casodos 3 pendulos.

Pois bem, quando o numero N de osciladorese grande, temos uma analogia dos pendulos comos atomos de um cristal, no qual cada atomo temum grande numero de atomos vizinhos; nos livroschamam de “alargamento de campo cristalino” oque ocorre na linha espectral de atomo do cristaldevido a influencia dos seus atomos vizinhos. Nessecaso acontece algo que tambem ocorre nos pendulosacoplados, para muitos pendulos: temos os vizinhosmais proximos causando alargamento na frequenciade oscilacao, depois a camada dos vizinhos seguin-tes, menos proximos que os primeiros, depois osseguintes vizinhos menos proximos ainda, e assimpor diante. O resultado dessas influencias todas eproduzir uma banda continua de frequencias dis-tintas, em vez das frequencias discretas ω1, ω2 eω3 do caso dos 3 pendulos. Isso tudo explica por-que a radiacao emitida por atomos de cristais in-candescentes se da em bandas continuas, juntas,como no “arco-iris”, em vez de bandas separadasentre si. Os mecanismos alargadores de linhas es-pectrais sao catalogados em 2 tipos: os homogeneos,quando todos emissores (atomos ou moleculas) irra-diam com igual probabilidade; os nao-homogeneos,quando isso nao ocorre. Os alargamentos natural(“espontaneo”) e colisional sao do tipo homogeneos;os alargamentos tipo Doppler e de campo cristalinosao do tipo nao-homogeneos. Alguns autores costu-mam chamar o efeito Zeeman, originado na acao decampo magnetico sobre atomos, sendo um outro me-canismo de alargamento de linha espectral. Porem,esse efeito consiste apenas em separar duas ou maislinhas atomicas de mesma energia, linhas espectrais

degeneradas: a acao do campo magnetico produzuma separacao entre componentes, removendo a de-generescencia, conferindo energias distintas, paracima e para baixo, a cada componente degenerada.Nao se trata de uma linha que se alarga, mas delinhas juntas, ‘coladas’ entre si, que se separam pelaacao do campo magnetico.

3.5. Superposicao de MecanismosAlargadores de Linha Atomica

Nos varios tipos de alargamentos de linha atomicapode ocorrer tambem que dois mecanismos de alar-gamento, distintos e independentes, estejam atu-ando [14]. Nesse caso, o efeito global de ambos saocalculados assim: chamemos f1(ω) e f2(ω) esses doistipos; como eles sao distintos e independentes, oefeito global e dado por uma funcao f(ω) que levaem conta a acao de f2(ω) atuando depois da acaode f1(ω), ou vice versa, tanto faz, porque eles saoindependentes. Como o resultado nao depende dessaordem, a acao conjunta e expressa matematicamentepor um produto das acoes de ambos; mas esse pro-duto e convolutivo, por causa do resultado naodepender de qual mecanismo atuou antes ou de-pois, ou juntos. Imaginando um qualquer alargandoa linha que o outro ja alargou ou esta alargando,temos

f(ω) =∫ ∞−∞

f1(ω′)f2(ω − ω′)dω′

=∫ ∞−∞

f2(ω′)f1(ω − ω′)dω′. (30)

Vamos aplicar esse procedimento ao caso de doismecanismos lorentzianos f1(ω) = η1

λ1(∆ω)2+λ2

1e

f2(ω) = η2λ2

(∆ω)2+λ22, onde η1 e η2 sao fatores de

normalizacao, ∆ω = ω − ω0, ω0 sendo a frequenciacentral da linha atomica antes das acoes alargadorasde f1(ω) e f2(ω), ω sendo uma das frequencias quecompoe a banda resultante, descrita por f(ω). Deacordo com o “teorema da convolucao”2 a transfor-mada de Fourier = do produto convolutivo acima,

=[f(ω)] = f(t) = =[∫ ∞−∞

f1(ω′)f1(ω − ω′)dω′],(31)

2A transformada de Fourier de um produto, nao e igual aoproduto das transformadas de Fourier dos fatores. Mas atranformada de Fourier de um produto convolutivo, f ∗ g, eigual ao produto das transformadas de Fourier, f · g.

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e igual ao produto das transformadas de Fourier,isto e,

=[f(ω)] = f1(t) f2(t)= η3e

−(λ1+λ2)t

= f(t). (32)

Aplicando agora a transformada de Fourier in-versa =−1[=[f(ω)]] = f(ω) = =−1[f(t)] retornamosa funcao f(ω) = η3

λ12(4ω)2+λ2

12, com λ12 = λ1 + λ2.

Esse resultado mostra que os alargamentos λ1e λ2 produzidos por cada um dos mecanismos lo-rentzianos f1(ω) e f2(ω) se somam. Notemos queteorema da convolucao facilitou o calculo (exato)de f(ω) atraves das transformadas f1(t) e f2(t).No caso de dois mecanismos gaussianos teriamos:f1(ω) = η1 exp[− (∆ω)2

2λ21

] e f2(ω) = η2 exp[− (∆ω)2

2λ22

] eum procedimento similar ao anterior fornece o alar-gamento total: f(ω) = =−1[f(t)] = η12 exp[− (∆ω)2

2λ212

]

onde agora a largura total resulta λ12 =√λ2

1 + λ22,

nao sendo mais a soma das larguras λ1 + λ2. Porexemplo, no caso de dois alargamentos iguais, λ1 =λ2 = λ, temos λ12 = 2λ no caso lorentziano, en-quanto teremos λ12 =

√2λ no caso gaussiano. Por

outro lado, se o mecanismo f1(ω) e lorentziano ef2(ω) e gaussiano, o calculo e mais complicado quenos casos de mecanismos iguais; a mistura de tiposdistintos produz uma convolucao que leva a umabanda f(ω) com perfil “voigtiano” [15], nome de-vido a Woldemar Voigt, descobridor do efeito Voigtem 1902, sobre birrefringencia magnetica, similar aoefeito Faraday, de 1845: enquanto este efeito e linearno valor do campo magnetico ~B aplicado na direcaode propagacao da luz, aquele e quadratico em | ~B|, ocampo ~B sendo aplicado perperdicular a direcao depropagacao da luz. Agora, como a voigtiana e umacomposicao de duas formas de linhas que tem perfissimilares, os calculos mostram ela tendo a forma delinha das componentes.

Uma situacao especial pode ser resolvida em boaaproximacao. Ocorre quando uma das funcoes, f1(ω)ou f2(ω), e muito mais larga que a outra, variandosuavemente em relacao a ela, ver Fig. (8). Nesse casocomo se espera a forma de linha resultante e definidapelo mecanismo alargador de linha dominante.

Figura 8: Esboco mostrando funcoes f1(ω) gaussi-ana (estreita), f2(ω) lorentziana (larga), normalizadas(∫∞

0 fi(ω)dω = 1, i = 1, 2).

3.6. Alargamento Programado

O fato de linhas atomicas perderem sua monocroma-ticidade, transformando-se em bandas de frequencias,causava grande limitacao nas pesquisas espectrosco-picas, as quais requerem boa definicao de frequencia.Os espectroscopistas tentavam entao reduzir esseproblema usando filtros de frequencias, como pris-mas, redes de difracao, interferometros, etc. Issopermitia usar parte selecionada da banda, proximada linha central ω0. Mas a partir de 1960 as pes-quisas espectroscopicas sofreram um fantastico pro-gresso com a descoberta do laser, uma radiacao comlargura de linha milhares de vezes mais finas queaquelas das radiacoes antes disponıveis, da epocaem que a raia-D do Sodio era o “coqueluche” doslaboratorios de optica. A medida que novos lasersiam sendo descobertos os pesquisadores passarama dispor de radiacao cada vez mais proxima da luzmonocromatica, em comparacao com as radiacoesproduzidas por fontes de luz comuns, de naturezatermica ou caoticas, tanto as incandescentes (fila-mentos) quantos as frias (fluorescentes).

Ate aqui focalizamos os mecanismos alargadoresde linhas espectrais dificultando a espectroscopiaatomica e molecular. Porem, ao inventar o laser,inventou-se tambem, para alem dos filtros, prismas,e redes de difracao, um novo e revolucionario meca-nismo de afinamento de linha espectral. Na verdadeo afinamento ocorre dentro do laser: na propriageracao da radiacao ela ja emerge ‘monocromatica’.Com isso, a mencionada dificuldade dos espectros-copistas foi amplamente superada, com a sucessiva

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invencao de lasers mais sofisticados na “monocro-maticidade” e tambem na coerencia. Entao, pelamesma epoca, 1994 e 1996, em duas experienciasmuito criativas foi mostrado que era possıvel alar-gar controladamente linhas “monocromaticas” deum feixe laser, tanto levando sua linha fina parauma banda tendo forma gaussiana, como lorentzi-ana. Esse procedimento ia na contra-mao do laser,pois este era um dispositivo que afinava a linha,quando bombeado acima do seu limiar de operacao.Fısicos e quımicos viram nessas duas experiencias apossibilidade de investigar como essa variacao con-trolada da forma e da largura de linha do feixe laserpoderia influenciar reacoes quımicas, tanto quandoo alargamento controlado ia para a forma gaussiana,ou para a forma lorentziana, ou de outro tipo.

Nesse contexto, a Fig. (9) mostra um arranjo queusa radiacao “monocromatica” laser incidindo emsolucao aquosa contendo partıculas em suspensao,em movimento browniano, gerando radiacao espa-lhada tendo forma lorentziana, com largura con-trolavel; a largura da lorentziana e definida pelatemperatura da suspensao [16].

A Fig. (10) mostra objetivo similar: incidindoradiacao laser em um cilindro rotatorio, “transpa-rente”, obtemos radiacao espalhada tendo formagaussiana, com largura controlavel; a largura dagaussiana sendo definida pela velocidade de rotacaodo cilindro [17, 18]. Nao temos notıcia sobre queforma de linha teria a radiacao espalhada se o feixelaser incidisse em um cilindro rotatorio contendo

Figura 9: Esboco do arranjo experimental mostrando umfeixe laser “monocromatico” atravessando solucao aquosacontendo partıculas suspensas em movimento browniano. Aluz que emerge espalhada e alargada controladamente naforma lorentziana; Γ representa a largura de linha.

Figura 10: Esboco do arranjo experimental mostrando umfeixe laser “monocromatico” atravessando cilindro rotatoriotransparente. A luz que emerge espalhada e alargada con-troladamente na forma gaussiana; Γ representa a largurade linha.

partıculas em solucao aquosa, em movimento brow-niano; possivelmente a forma voigtiana.

4. Tecnicas de afinamento de linhaespectral atomica

Alem da linha fina que o laser produz, outras tecnicasforam inventadas para situacoes onde ele pode aju-dar no afinamento de linhas espectrais atomicas.Um exemplo ocorre no caso de atomos aprisiona-dos em armadilhas magneticas e magneto-opticas.Nessa e outras situacoes o alargamento de linhasatomicas se torna indesejavel, constituindo-se emgrande obstaculo em medidas de alta precisao. Entao,muitas tecnicas foram desenvolvidas para minimi-zar distorcoes produzidas por bandas largas (defrequencias), dentre as quais consideraremos as maisimportantes.

A espectroscopia atomica e, em sua grande mai-oria, realizada com amostras gasosas do elementode interesse. Nesse cenario temos, inevitavelmente,os efeitos de alargamento Doppler e colisional. Emamostras gasosas, pouco densas, as colisoes dimi-nuem e o efeito Doppler e dominante: a forma deelimina-lo e pela diminuicao direta das velocidadesdos atomos pelo seu freamento, ou atraves de efeitosque compensam as velocidades. Vamos comecar pelasegunda alternativa, recorrendo a espectroscopia desaturacao. Obviamente teremos de usar um feixelaser tendo largura de linha bem menor que a lar-gura da transicao atomica que queremos afinar. A

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ideia e usar dois feixes de lasers contra-propagantesde modo que quando um deles interage com umapequena classe de velocidades na faixa ∆υ = ∆ω

konde ∆ω e a largura da transicao e k = π

λ , enquantoo outro feixe, contra-propagante, deixa de agir. Issoelimina o efeito Doppler e causa afinamento da linhaespectral atomica na amostra gasosa.

Um segundo modo de afinar a linha, mais modernoainda, emprega resfriamento e aprisionamento comluz. Usando o momento transferido pela luz ao serabsorvida por um atomo, este sofre uma forca derecuo que, se adequadamente controlada, pode servirpara diminuir velocidades dos atomos e portantosua efetiva temperatura, causando diminuicao doefeito Doppler e, como consequencia, o afinamentoda linha atomica referente a transicao em jogo. Eimportante mencionar que esse procedimento produztambem reducao do al argamento colisional, pois areducao nas velocidades dos atomos diminui a taxade colisoes entre os mesmos.

Atualmente, as tecnicas de resfriamento por la-sers estao sendo largamente usadas em diversosexperimentos que investigam varias caracterısticasintrınsecas das linhas atomicas. Uma das mais impor-tantes aplicacoes decorrentes nessa area de pesquisae o relogio atomico. Neste dispositivo, a linha finade uma certa transicao e utilizada como padrao defrequencia e tempo. Quanto mais livre de mecanis-mos alargadores de linha, melhor sera o mencionadopadrao. No entanto, especialmente no caso do relogioatomico, tudo que se fez na direcao acima mencio-nada para melhorar o afinamento da linha, aindanao e suficiente. E que ha ainda um outro meca-nismo alargador de linha, agora limitante: ele operavia tempo de observacao, sendo consequencia doprincipio de Heisenberg (∆E ×∆t ' h). Significaque ao operar com intervalos de tempo ∆t cadavez menores e menores, como se exige de relogiosatomicos cada vez melhores, chegamos a uma regiaotemporal onde isso aumenta a imprecisao na energia,∆E, pois ∆E ' h

∆t , o que acarreta, por sua vez,imprecisao na frequencia, pois ∆ω = ∆E

h , resultadoque implica em alargamento na linha - um efeitolimitador na melhoria dos relogios atomicos.

5. Conclusao

Apresentamos no presente texto, em linhas geraise abordagem simplificada, os mais conhecidos me-canismos de alargamento de linhas espectrais de

atomos e moleculas. Trata-se de um topico poucoexplorado em textos de fısica, relativamente ao as-pecto de conjunto, onde varios desses mecanismosexistentes na natureza e em laboratorios sao consi-derados, tanto quando os mecanismos atuam isola-damente ou quando atuam conjuntamente. Comoaplicacoes apresentamos algumas tecnicas de afina-mento de linhas atomicas de atomos e moleculasformando um gas, assim considerados na situacaopropria da pesquisa em espectroscopia; nesse caso,mencionamos seu uso em relogios atomicos (e suaslimitacoes), sendo este um dos pontos altos dessastecnicas e aplicacoes. Ao mencionar o laser comofonte de radiacao tendo as linhas mais finas dentre asdemais fontes, permitindo espetaculares aplicacoesa espectroscopia e outras areas, tratamos tambem asituacao em que sua radiacao pode ser proposital-mente alargada e deformada de modo controlavel,programado, levando sua finıssima radiacao em “en-velopes” tendo formatos lorentzianos, gaussianos,voigtianos, etc. Nesse caso, a aplicacao buscava criarcondicoes ao teste em pesquisa basica para fora daFısica, sobre se esses efeitos pudessem influenciarvelocidades de reacoes em Quımica e evolucoes emBiologia.

Agradecimentos

Os autores agradecem CNPq e FAPEG pelo suporteparcial deste trabalho e a Cristino Jose dos SantosFerreira pelas figuras.

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