Upload
letruc
View
225
Download
7
Embed Size (px)
Citation preview
IX PRÊMIO SEAE– 2014 Tema 1. Defesa da Concorrência
Inscrição: 37
� CLASSIFICAÇÃO: MENÇÃO HONROSA Título da Monografia: Mecanismos de Proteção ao programa de Leniência Brasileiro: um estudo sobre a confidêncialidade dos documentos e a responsabilidade civil à luz do direito europeu
Nayara Mendonça Silva e Souza (23 anos)
Belo Horizonte - MG
Graduada em Direito – UFMG
Assistente - CADE
MECANISMOS DE PROTEÇÃO AO PROGRAMA DE LENIÊNCIA
BRASILEIRO
Um estudo sobre a confidencialidade dos documentos e a responsabilidade
civil à luz do direito europeu
Resumo
Este trabalho tem como objeto a análise prospectiva do programa de
leniência brasileiro sob seus aspectos de maior relevo na atualidade: a
responsabilidade civil do signatário de leniência e a confidencialidade dos
documentos por ele fornecidos. Estes aspectos também encontram-se em
discussão na União Europeia por conta de um projeto de Diretiva sobre ações
de reparação de danos no domínio antitruste. Esta pesquisa realizou uma
análise de direito comparado, subsidiada por entrevistas realizadas com
integrantes e ex-integrantes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e
de advogados que atuam na seara, verificou-se que propostas e iniciativas
europeias podem ser transpostas ao ordenamento brasileiro, com as devidas
adaptações ao quadro nacional. Propõe-se, em conclusão, que o direito
nacional seja aprimorado nos seguintes tópicos: (i) limitação da
responsabilidade civil do signatário de leniência aos danos causados somente
a seus adquirentes ou fornecedores diretos ou indiretos; (ii) exclusão da
responsabilidade solidária do signatário de leniência; (iii) promoção de cursos
de atualização em direito antitruste para juízes; (iv) restrição absoluta do
acesso aos documentos de leniência e impossibilidade de requisição judicial
destes no bojo de processo de reparação civil. Destarte, o enforcement privado
jusconcorrencial brasileiro terá uma evolução em direção a seus pares
estrangeiros.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Antitruste. Leniência. Reparação civil.
IX PRÊMIO SEAE - 2014
TEMA 1: DEFESA DA CONCORRÊNCIA
MECANISMOS DE PROTEÇÃO AO PROGRAMA DE LENIÊNCIA
BRASILEIRO
Um estudo sobre a confidencialidade dos documentos e a
responsabilidade civil à luz do direito europeu
2
Resumo
Este trabalho tem como objeto a análise prospectiva do programa de
leniência brasileiro sob seus aspectos de maior relevo na atualidade: a
responsabilidade civil do signatário de leniência e a confidencialidade dos
documentos por ele fornecidos. Estes aspectos também encontram-se em
discussão na União Europeia por conta de um projeto de Diretiva sobre ações
de reparação de danos no domínio antitruste. Esta pesquisa realizou uma
análise de direito comparado, subsidiada por entrevistas realizadas com
integrantes e ex-integrantes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e
de advogados que atuam na seara, verificou-se que propostas e iniciativas
europeias podem ser transpostas ao ordenamento brasileiro, com as devidas
adaptações ao quadro nacional. Propõe-se, em conclusão, que o direito
nacional seja aprimorado nos seguintes tópicos: (i) limitação da
responsabilidade civil do signatário de leniência aos danos causados somente
a seus adquirentes ou fornecedores diretos ou indiretos; (ii) exclusão da
responsabilidade solidária do signatário de leniência; (iii) promoção de cursos
de atualização em direito antitruste para juízes; (iv) restrição absoluta do
acesso aos documentos de leniência e impossibilidade de requisição judicial
destes no bojo de processo de reparação civil. Destarte, o enforcement privado
jusconcorrencial brasileiro terá uma evolução em direção a seus pares
estrangeiros.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Antitruste. Leniência. Reparação civil.
3
Sumário
Resumo ............................................ ............................................................ 2
Introdução ........................................ ........................................................... 5
Capítulo 1. A tensão entre a proteção da eficácia dos programas de
leniência e a efetividade do direito à reparação das vítimas de c artel na
União Europeia .................................... ............................................................. 6
I. A responsabilidade civil do beneficiário de imunidade na União
Europeia ......................................................................................................... 7
II. Em busca de uma uniformização do direito europeu para o
tratamento do beneficiário de acordo de leniência ....................................... 17
Capítulo 2. A responsabilidade civil do beneficiári o de acordo de
leniência no Brasil: estado da arte e propostas de aprimoramento .......... 22
I. Debates doutrinários sobre o instituto da leniência no Brasil ........... 29
II. Diagnóstico das fragilidades do programa de leniência brasileiro:
risco de vazamento de informações e ações complementares de indenização
31
A. Risco perverso de vazamento de informações relativas à leniência
Erro! Indicador não definido.
B. O perigo das ações complementaresErro! Indicador não
definido.
Capítulo 3. Sugestões de advocacy em direção ao fortalecimento do
programa de leniência brasileiro .................. ................................................ 37
I. Emergência de mudanças estruturais .............................................. 37
4
II. Promoção de alterações interpretativas: um papel da advocacia da
concorrência ................................................................................................. 42
CONCLUSÃO ......................................... .................................................... 47
ANEXO A - ENTREVISTA COM INTEGRANTES E EX-INTEGRANT ES DO
CADE ............................................................................................................... 49
Bibliografia ...................................... .......................................................... 75
5
Introdução
Este estudo visa identificar quais são os mecanismos que podem ser
buscados pelo Brasil no direito europeu para melhorar seu programa de
leniência no tocante à confidencialidade e à responsabilidade civil do
beneficiário de imunidade1.
Tanto na Europa2 quanto no Brasil3, existe o risco de o beneficiário de
imunidade responder a uma ação civil de reparação de danos pelo cartel
(follow-on actions ou ações complementares4). Se for o primeiro membro do
conluio revelado, o beneficiário torna-se alvo mais frágil a este tipo de
processo. Ademais, os documentos oferecidos pela empresa em troca do
benefício podem ser demandados para fins de instrução do processo de
reparação de danos.
O programa de leniência brasileiro é recente se comparado àquele das
autoridades mais maduras em disciplina da concorrência, e somente três casos
1 Neste trabalho, o termo “beneficiário de leniência” será utilizado para designar quem
recebeu imunidade ou redução de punição administrativa e de isenção de responsabilidade penal por força de lei, após acordo com autoridade antitruste. Há divergência doutrinária quanto ao uso do termo “leniente”, corrente no âmbito do direito antitruste brasileiro. Segundo Martinez (2013, p. 259-260), “leniente”, pelo significado do termo, é o Estado brasileiro que assina o acordo com um delator. Por esse motivo, optamos por também não utilizar o termo “leniente” para designar o candidato à leniência.
2 Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certas regras que regem as ações de indenização no âmbito do direito nacional por infrações às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia (2013).
3 Nos Estados Unidos, os beneficiários de leniência ainda podem contar com a limitação de sua responsabilidade civil (civil leniency) caso cooperarem com o requerente em sua demanda de reparação de danos concorrenciais. Caso isso ocorra, o signatário de leniência pode contar com a detriplicação (detrebling) da indenização devida. Isto porque os EUA trabalham com a possibilidade do pagamento de danos punitivos (punitive damages), que no caso de infrações à concorrência é calculado em triplo (treble damages). Para maiores detalhes, veja Mahr e Lange (2010).
4 Na Proposta de Diretiva da União Europeia, a tradução utilizada para follow-on action foi ação de acompanhamento. No entanto, consideramos o termo “ação complementar” mais didático, por remeter claramente à complementaridade entre o processo na esfera administrativa e o processo civil de reparação de danos.
6
de leniência foram julgados pelo CADE5. Esta razão e a recente cultura de
reparação de danos concorrenciais justificam a falta de discussão quanto às
ações complementares. A lei brasileira não trata da (im)possibilidade de
divulgação dos documentos obtidos por leniência em caso de solicitação
judicial. Outrossim, as falhas de confidencialidade demonstram que nosso
sistema jurídico concorrencial precisa de aperfeiçoamento.
Para iniciar as reflexões no Brasil sobre o tema, este trabalho apresenta a
perspectiva europeia e faz um diagnóstico das fragilidades do programa de
leniência brasileiro. Em conclusão, são apresentadas propostas para que seja
fortalecida a persecução de cartéis no país.
Capítulo 1. A tensão entre a proteção da eficácia dos programas de
leniência e a efetividade do direito à reparação das vítimas de c artel na
União Europeia
O sistema brasileiro de responsabilidade civil por danos concorrenciais
(private enforcement) guarda maiores semelhanças com o sistema europeu
continental, sobretudo pela influência do direito romano, do que com o sistema
anglo-saxão, que reconhece os danos punitivos como forma de dissuasão da
conduta causadora do dano. Como exemplo, tem-se o direito civil francês, em
que os requisitos para uma ação de responsabilidade civil são os mesmos
exigidos no direito civil brasileiro (a saber, ato ilícito, dano e nexo causal).
5 Trata-se do cartel dos vigilantes, dos peróxidos e das cargas aéreas. Essa informação
pode ser verificada ao checar a jurisprudência do Conselho por meio do site: www.cade.gov.br/jurisprudencia.
7
Ademais, como o direito da concorrência brasileiro ainda centra suas
preocupações no public enforcement6, como pareceu ser a tendência do
modelo europeu7 até o início dos estudos das ações privadas, este trabalho se
dedicará a estudar com maior profundidade as discussões europeias sobre a
responsabilidade civil do signatário de leniência e seus desdobramentos.
Para tanto, é preciso apresentar o estado atual da responsabilidade civil por
ilícito concorrencial na União Europeia em caso de leniência e, em seguida,
verificar quais problemas dela já decorreram. A partir dessa apresentação
geral, será possível analisar as proposições oficiais europeias para solucionar
os problemas supracitados e as soluções paralelas nacionais que vigoram à
espera de uma uniformização do direito europeu nesse sentido.
I. A responsabilidade civil do beneficiário de imun idade na União
Europeia
Em direito europeu da concorrência, o fato de uma empresa beneficiar-se
de leniência não a protege das consequências na esfera civil pela infração ao
artigo 101 do Tratado de Funcionamento da União Europeia. (UNIÃO
EUROPEIA, 2006, item 39)
Por conta da falta de regulamentação específica sobre a responsabilidade
civil do signatário de acordo de leniência no direito europeu, esta segue a regra
geral de dever de reparação civil dos danos causados pelo infrator às regras
6 Neste trabalho public enforcement será traduzido, à inspiração de Amaro (2012), como
contencioso público, ou seja, aquele conduzido pelas autoridades de concorrência. Por conseguinte, o private enforcement será tido como contencioso privado.
7 Ainda não existe um regulamento vinculante de ações privadas no âmbito concorrencial (o que deve ser modificado, ainda em 2014, com a adoção da Diretiva). Este trabalho trata, de maneira geral, como modelo europeu, as proposições dos Livros Branco e Verde e certas tendências observadas nos modelos nacionais ao longo desta pesquisa.
8
europeias de concorrência8. Cabe aos tribunais nacionais permitir o acesso das
vítimas à reparação civil9.
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) não é competente para
apreciar ações de reparação de danos, exceto nos casos de questões
prejudiciais. Dessa maneira, é dos tribunais nacionais europeus o dever de
aplicar as sanções civis no domínio antitruste (COMISSÃO DAS
COMUNIDADES EUROPEIAS, 2005, p. 4).
Conforme as decisões10 do TJUE, qualquer pessoa tem o direito de
reclamar uma indenização por danos causados por uma prática
anticoncorrencial.
As especificidades que regem a matéria estão dispostas no direito civil
nacional. Disso decorre, no caso de condutas anticoncorrenciais que abranjam
mais de um Estado europeu, o risco de forum shopping, ou seja, de que o
titular do direito à reparação civil por dano concorrencial escolha, para entrar
com um pedido judicial de indenização, um direito nacional mais favorável à
8 Notadamente, os artigos 101 e 102 do Tratado de Funcionamento da União Europeia
(TFUE). Os tribunais nacionais são competentes para aplicar esses artigos do TFUE referentes ao direito da concorrência, conforme o art. 6º do Regulamento(CE) n.º 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81 e 82 [101 e 102] do Tratado.
9“Contudo, na ausência de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito direto do direito comunitário, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das ações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade) (v. acórdão de 10 de Julho de 1997, Palmisani, C-261/95, Colect., p. I-4025, n.° 27)”. (Acórdão Courage v Creham, C-435/99, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, parágrafo 92).
10 Decisões Courage (idem) e Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, Colect., p. I‑6619, de 13 de Julho de 2006, parágrafos 59 e 61.
9
sua demanda. Na UE, os países mais favoráveis ao demandante de reparação
de danos concorrenciais são Holanda e Dinamarca (informação verbal)11.
Uma vez que não há, no direito europeu, regra que exclua a
responsabilidade civil do beneficiário de leniência, esse membro do cartel
encontra-se sujeito a uma demanda consecutiva de reparação de danos.
O principal objetivo do programa de leniência é o de descortinar uma
conduta ilícita ainda não conhecida pela autoridade de concorrência,
permitindo-a agir para resguardar a competitividade do mercado. Para tanto, o
signatário do acordo assume sua participação e apresenta à autoridade de
concorrência provas suficientes para a caracterização da conduta.
Sua posição como colaborador da autoridade de concorrência demanda
que ele entregue os documentos relativos à conduta que possua e descreva
detalhadamente como participou da prática. Nesses documentos, estarão
contidos certamente segredos de negócios, a data exata de início e fim da
prática pela empresa candidata ao benefício da leniência, a quantidade de
lucros gerada, entre outros. Esses dados não serão necessariamente obtidos
pela autoridade de concorrência com tanta precisão em casos em que não há
acordo de leniência. Nesses casos em que não houve colaboração de um
participante do conluio, a obtenção de documentos decisivos e detalhados
sobre a conduta estará condicionada a diversos elementos, tais como uma
busca e apreensão bem feitas, a colaboração da empresa investigada e a
competência da autoridade de concorrência na preparação do inquérito. Disso
decorre que, numa ação de reparação de danos em que se demande o acesso
11 Informação fornecida por Jean-Christophe Grall e Martine Behar-Touchais, em sua
palestra “L’action de groupe aux niveaux français et européen”, apresentada no “Atelier de la DGCCRF – La réparation : un outil au service de la politique de concurrence”, em Paris, no dia 4 de fevereiro de 2014. Disponível para acesso em: http://www.economie.gouv.fr/dgccrf/atelier-dgccrf-reparation-outil-au-service-politique-concurrence.
10
aos documentos do processo administrativo relacionado, os dados do
signatário do acordo de leniência estarão mais vulneráveis que os dos outros
participantes da colusão. Por esse motivo, a quantificação dos danos
concorrenciais causados pelo beneficiário de leniência será, geralmente, mais
simples que o cálculo referente aos outros participantes da conduta.
A base dos programas de leniência deve residir na confiança da empresa
de que os documentos fornecidos para se beneficiar da imunidade não serão
utilizados de forma que ele fique em desvantagem com relação aos demais
cartelizados. Caso os documentos possam ser irrestritamente acessados por
terceiros que desejam propor ações de reparação civil contra os membros do
cartel, a leniência pode ser desencorajada. Esse quadro, no entender da
maioria da doutrina12, fragiliza o programa de leniência, uma vez que a
empresa candidata poderia ver-se intimidada a participar do programa pelo
risco de sofrer um impacto certeiro das demandas consecutivas de
responsabilidade civil. Além do mais, os documentos fornecidos pela empresa
tornariam mais precisa a complexa13 determinação do montante a ser pago por
ela àqueles que sofreram os reflexos de sua conduta anticoncorrencial.
Este dilema foi apresentado ao TJUE em um pedido de decisão prejudicial
no caso Pfleiderer14. O Tribunal de Bonn (Alemanha) questionou ao Tribunal de
Justiça da União Europeia se os dispositivos de direito europeu da
concorrência com relação a cartéis vedariam às vítimas que desejam obter
12 Com esta opinião, temos Idot e Zivy, Livros Verde e Branco da Comissão Europeia e
International Competition Network. Em oposição a esta ideia, tem-se o autor canadense Edward M. Iacobucci em seu artigo “Cartel class actions and immunity programmes”.
13 Sobre a complexidade da determinação do montante de danos concorrenciais, ver Comunicação da Comissão sobre a quantificação dos danos nas ações de indenização que tenham por fundamento as infrações aos artigos 101 e 102 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
14 TJUE (Grande Câmara), 14 de junho de 2011, Pfleiderer v. Bundeskartellamt, caso C-360/09, Rec., p. I-5161.
11
reparação do prejuízo o acesso aos documentos obtidos sobre o seu caso no
quadro de um programa de leniência à autoridade de concorrência.
Neste processo, Pfleiderer, uma empresa adquirente de um cartel de papéis
decorativos condenado pelo Bundeskartellamt (autoridade de concorrência
alemã) em 2008, solicitou administrativamente o acesso aos documentos
recebidos pela autoridade no âmbito de uma negociação de leniência para
instruir um processo de pedido de reparação de danos concorrenciais.
O Bundeskartellamt, por sua vez, utilizando-se da prerrogativa legal de
negar o acesso das vítimas de condutas anticoncorrenciais em caso de
oposição de “interesses dignos de protecção, seja do arguido ou de outras
pessoas”, permitiu ao procurador de Pfleiderer o acesso somente a uma parte
do processo que condenou o cartel, notadamente as cartas de condenação das
empresas em versão anônima e uma lista dos meios de prova obtidos. Foram
excluídos os documentos referentes aos segredos de negócios dos cartelistas,
os documentos internos do Bundeskartellamt, todos os documentos recebidos
em razão do programa de leniência, e os documentos do processo
considerados confidenciais.
A empresa recorreu dessa decisão da autoridade de concorrência ao
Tribunal de Bonn, solicitando o acesso a todos os documentos obtidos para
que fossem utilizados em sua demanda de reparação de danos concorrenciais
contra os participantes do cartel em questão. O Tribunal de Bonn pediu
esclarecimento ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para verificar
se sua decisão estava de acordo com o direito europeu. No aguardo da
resposta à sua questão prejudicial perante o TJUE, o Tribunal de Bonn
suspendeu a execução de sua decisão que permitia a divulgação dos
12
documentos (exceto dos documentos internos e da correspondência redigida
no seio da Rede Europeia da Concorrência).
A Corte disse que, na falta de um documento vinculativo em vigor na União
Europeia sobre o assunto, cabe ao juiz nacional contrabalancear a efetividade
do programa de leniência e o direito à reparação civil segundo o caso concreto.
Depois do julgamento da questão prejudicial pelo TJUE em 2011, o
processo retornou ao Tribunal de Bonn para julgamento. Em 2012, este
Tribunal decidiu favoravelmente ao Bundeskartellamt e negou o acesso de
Pfleiderer aos documentos relacionados à leniência. O tribunal alemão alegou
que a autoridade germânica de concorrência havia prometido confidencialidade
ao signatário de acordo de leniência. Além disso, invocou o direito de a
empresa não produzir provas contra si mesma e de autodeterminação
informacional. Por fim, salientou que o direito à reparação de Pfleiderer não
seria subjugado, uma vez que o juiz tem um grande poder discricionário para
determinar o montante da indenização (BIEN, 2012, p. 175).
Ainda na Alemanha, no mesmo ano, outro caso teve solução parecida. O
Tribunal de Düsseldorf também negou acesso aos documentos obtidos pelo
Bundeskartellamt por meio de leniência a uma vítima de práticas
anticoncorrenciais. O argumento desta Corte foi de que o comunicado da
autoridade de concorrência alemã sobre seu programa de leniência promete
confidencialidade aos seus beneficiários. Caso essa confidencialidade fosse
quebrada pelo acesso das vítimas do cartel aos documentos fornecidos pelo
beneficiário de leniência, seriam afetadas não só a relação deste com a
autoridade, mas de todo o programa de leniência alemão (BIEN, 2012, p. 182).
13
No plano europeu, outro caso avançou a concepção neste sentido. Trata-se
do caso Donau Chemie15, que chegou ao TJUE com fundamento parecido ao
Pfleiderer.
Uma união de empresas, Verband Druck & Medientechnik (“VDMT”),
solicitou ao tribunal da concorrência austríaco (Oberlandesgericht Wien) o
acesso a documentos do processo judicial intentado pela autoridade de
concorrência austríaca (Bundeswettbewerbsbehörde, a seguir, “BWB”) que
condenou a empresa Donau Chemie e outras por sua participação em um
cartel de produtos químicos para impressão gráfica. A VDMT foi criada para
defender o interesse dos seus membros, empresas de impressão gráfica,
vítimas do cartel.
Conforme a lei, a VDMT formulou o pedido de acesso aos documentos do
processo BWB v. Donau Chemie e outras com o fito de obter informações que
permitissem o cálculo do prejuízo causado pelo cartel à união de empresas, de
forma a preparar uma ação de indenização. Segundo o direito austríaco, o
acesso por terceiros a documentos relativos a processo perante o tribunal da
concorrência só pode se dar com o consentimento das partes envolvidas. O
tribunal da concorrência austríaco salientou que nem mesmo o juiz poderia
suplantar essa regra, uma vez que o ordenamento jurídico já teria feito a
ponderação dos valores envolvidos, decidindo pela confidencialidade dos
documentos.
Diante da oposição dessa regra do direito austríaco com a decisão tomada
no acórdão Pfleiderer (C-360/09) supramencionado, o Oberlandesgericht Wien
questionou ao TJUE se o direito da UE opõe-se a uma disposição nacional em
15 TJUE, 6 de junho de 2013, Donau Chemie , caso C-536/11.
14
matéria de carteis que condiciona a concessão do acesso aos autos a terceiros
que visem instruir ações de reparação de danos à anuência de todas as partes
no processo de cartel. O TJUE respondeu que o direito de reparação conferido
às vítimas do cartel perderia seu efeito útil caso houvesse uma norma nacional
que vedasse de maneira absoluta seu acesso aos documentos que
comprovariam o dano sofrido. Desse modo, como já sustentado pelo TJUE no
acordão Pfleiderer, respondeu que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais
ponderar os interesses em causa quando do pedido de acesso aos
documentos de um processo que condenou um cartel. Portanto, os
documentos obtidos por meio de leniência seriam protegidos de maneira
casuística, com base em interesse superior, e o direito de reparação das
vítimas de um cartel não seria impedido sem a ponderação entre os interesses
envolvidos, que deve ser feita caso a caso.
Recentemente, em fevereiro de 2014, o Tribunal de Justiça da União
Europeia manifestou-se, mais uma vez, sobre o tema do acesso aos
documentos. No caso, a empresa de distribuição de energia EnBW16 requereu
a Comissão Europeia o acesso, com base no Regulamento n. 1049/2001, aos
documentos que embasaram a decisão que condenou em 2007 um cartel no
ramo de comutadores com isolamento a gás. Esse pedido foi negado pela
Comissão, pois estes documentos enquadrar-se-iam nas exceções previstas
no Regulamento n. 1049/2001, artigo 4º, n. 2. 17 O TJUE entendeu que não
16 TJUE, Decisão C-365/12 P, de 27 de fevereiro de 2014. 17 “[...] 2. As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse
prejudicar a proteção de: – interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade
intelectual, – processos judiciais e consultas jurídicas, – objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.
15
basta uma negativa geral da Comissão como apresentada, mas que ela
deveria ser motivada tendo em vista o prejuízo que a divulgação poderia
causar a interesse protegido tratado no artigo. Acrescentou que compete ao
requerente das informações provar a necessidade de obtê-las para a instrução
de seu processo, para que se constitua interesse público superior digno de
permitir o acesso a documentos em princípio confidenciais. No caso, decidiu
que a EnBW não teria provado essa necessidade e
(...) limitou-se a afirmar que estava «imperativamente dependente»
do acesso aos documentos do processo em causa, sem demonstrar
que o acesso a esses documentos lhe teria permitido dispor dos
elementos necessários para fundamentar o seu pedido de
indenização, uma vez que não dispunha de nenhuma outra
possibilidade de obter esses elementos de prova. (TJUE, EnBW, C-
365/12, 27 de fevereiro de 2014, párágrafo 132)
O pedido da EnBW foi, portanto, julgado improcedente18. Desse caso,
apesar da improcedência do pedido da vítima, extrai-se que pedidos bem
fundamentados de acesso a documentos feitos por vítimas de cartel são uma
questão de interesse público no direito europeu, e que as ações de reparação
de danos concorrenciais não configuram interesse privado, conforme o Tribunal
Geral da União Europeia havia decidido anteriormente no caso Royaume des
Pays Bas v. Commission (T-380/08). (SAVOV, 2014, p. 2)
Em 05 de junho de 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu
mais uma decisão (C 557/12) relativa a ações de indenização contra 3. O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela
recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo de decisão da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação”. (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43) artigo 4º.
18 Pontos 132 e 133 do acórdão.
16
beneficiário de leniência. Trata-se de decisão prejudicial relativa ao caso
austríaco de reparação de danos, em que a empresa ÖBB Infrastruktur AG (a
seguir, “ÖBB”) opôs-se às empresas membros de um cartel Kone AG, Otis
GmbH, Schindler Aufzüge und Fahrtreppen GmbH, Schindler
Liegenschaftsverwaltung GmbH e ThyssenKrupp Aufzüge GmbH (esta última
beneficiária de leniência), demandando a reparação dos danos causados por
este cartel. A questão que foi posta ao Tribunal europeu foi de saber se a ÖBB
teria legitimidade ativa para demandar a reparação do dano causado pelo
sobrepreço pago por ela a uma empresa que não participou do cartel, mas
beneficiou-se do aumento dos preços dos concorrentes para subir também o
seu preço (fenômeno chamado de umbrella pricing ou umbrella effect). Isto
porque o direito austríaco não permite esse tipo de indenização, por não
considerar que haja nexo causal entre o ato ilícito e o dano. As recorrentes
utilizaram, além do argumento da jurisprudência austríaca, também a
fundamentação de que tal pedido de indenização poderia dissuadir possíveis
candidatos a leniência.
Nenhum dos argumentos foi aceito pelo TJUE, que considerou que a ÖBB
poderia obter a reparação do dano sofrido, mesmo sem vínculo contratual com
as empresas cartelizadas, desde que sejam cumpridos os seguintes requisitos:
“que esse cartel, de acordo com as circunstâncias do caso concreto
e, especialmente, com as especificidades do mercado em causa,
podia ter como consequência a aplicação de um preço de proteção
por terceiros agindo de maneira autônoma e que essas circunstâncias
e especificidades não podiam ser ignoradas pelos membros do dito
cartel”.
17
Quanto à proteção do programa de leniência, o TJUE ressaltou que este
“não pode privar os indivíduos do direito de obterem uma indenização, nos
tribunais nacionais, pelo dano sofrido por causa de uma violação do artigo
101.° TFUE”.
II. Em busca de uma uniformização do direito europe u para o
tratamento do beneficiário de acordo de leniência
Os casos citados acima, apesar de clarificarem em certa medida a questão
da responsabilidade civil do beneficiário de acordo de leniência, sobretudo no
que tange ao acesso aos documentos entregues por ele à autoridade de
concorrência, não oferecem soluções bem delimitadas, deixando a cargo do
juiz o cálculo de proporcionalidade dos interesses protegidos. Por esse motivo,
permanece a dúvida sobre qual deve ser a abordagem dos sistemas nacionais
de concorrência europeus para a manutenção da eficácia de seus programas
de leniência em equilíbrio com o sucesso das demandas de reparação civil.
A iniciativa europeia de tentativa de uniformização da aplicação das ações
privadas para reparação de danos concorrenciais data de 2005. Trata-se do
Livro Verde “Ações de indenização devido à violação das regras comunitárias
no domínio antitruste”, lançado pela Comissão Europeia. Seu objetivo foi de
identificar os principais obstáculos a um sistema mais eficaz para as
ações de indenização e apresentar diferentes pistas de reflexão e de
possível intervenção para melhorar o funcionamento das ações de
indenização, quer se trate de ações de seguimento (ou seja, casos
de instauração de uma ação civil na sequência da declaração de uma
infração por parte de uma autoridade de concorrência), quer de
ações independentes (ou seja, ações que não vêm na sequência de
uma decisão anterior de uma autoridade de concorrência relativa a
18
uma infração ao direito da concorrência). (COMISSÃO DAS
COMUNIDADES EUROPEIAS, 2005, p. 4) (grifo nosso).
No que tange à coordenação entre a aplicação da legislação concorrencial
pelo poder público e pelos particulares, o Livro Verde fez três proposições.
Quanto ao acesso aos documentos relacionados a pedidos de leniência, foi
proposta sua confidencialidade absoluta nos casos em que a confissão tenha
sido feita por escrito e a empresa possua uma cópia. Seu documento de
trabalho ressalta que a proteção aos documentos fornecidos pela empresa não
deve abranger os documentos que a autoridade de concorrência possuía antes
da demanda (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2005, p. 80).
Em termos de responsabilidade civil, foi proposta a redução da indenização a
ser paga pelo beneficiário de leniência e a exceção a eles da regra geral de
responsabilidade solidária em caso de reparação de danos, de forma que
seriam responsáveis pelo pagamento de indenização proporcional à sua
participação de mercado no cartel condenado. (COMISSÃO DAS
COMUNIDADES EUROPEIAS, 2005, p. opções 28-30).
Em 2008, a União Europeia lançou um Livro Branco sobre as ações de
indenização por descumprimento das regras comunitárias no domínio
antitruste, no qual trata da interação entre os programas de leniência e as
ações de indenização. O Livro Branco propõe a proteção de todas as
declarações de empresas apresentadas à Comissão Europeia ou às
autoridades nacionais da Rede Europeia de Concorrência (“REC”) por qualquer
candidato à leniência, seja o pedido aceito ou não. Além disso, o Livro Branco
propôs a limitação da responsabilidade civil do beneficiário de leniência à
indenização de seus parceiros contratuais diretos e indiretos (empresas à
jusante da cadeia de produção). (COMISSÃO DAS COMUNIDADES
19
EUROPEIAS, 2008, p. 13). No exemplo citado pelo Documento de Trabalho
deste Livro Branco, se somente 30% dos produtos comprados por uma vítima
direta de um cartel viesse do signatário de acordo de leniência, sua
responsabilidade seria de 30% do dano total sofrido pela vítima pelo aumento
de preço do produto advindo do cartel. (COMISSÃO DAS COMUNIDADES
EUROPEIAS, 2008, p. 88).
Como resposta ao caso Pfleiderer, e sem uma resposta legislativa europeia
a caminho, a Rede Europeia de Concorrência (“REC”) adotou, em 23 de maio
de 2012, uma Resolução sobre a “proteção de material de leniência no
contexto de ações de indenização”. 19 A Rede Europeia de Concorrência, por
meio desta Resolução, firmou o compromisso de proteger o material de
leniência o máximo possível para garantir a efetividade dos programas de
concessão de imunidades, sem no entanto restringir o direito das vítimas dos
cartéis de obter reparação civil. (EUROPEAN COMPETITION NETWORK,
2012, p. 3).
Para fechar o ciclo de propostas e estudos sobre a reparação civil de danos
concorrenciais, a Comissão Europeia lançou, em 11 de junho de 2013, uma
“Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certas
regras que regem as ações de indenização no âmbito do direito nacional por
infrações às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da
União Europeia”. A proposta seguiu para análise do Parlamento Europeu, que
a adotou, com algumas modificações, em 17 de abril de 2014.
19 Tradução livre, Resolution of the Meeting of Heads of the European Competition
Authorities of 23 May 2012.
20
Com relação à responsabilidade civil do beneficiário de imunidade, a
proposta abrange dois aspectos: (i) a proteção dos documentos provenientes
de acordos de leniência e (ii) a limitação da sua responsabilidade civil.
Quanto à proteção dos documentos, o artigo 6º, 6, veda, em qualquer
hipótese, a autorização pelos tribunais nacionais de divulgação das
declarações das empresas em matéria de leniência e de propostas de
transação. A única hipótese em que poderia haver acesso aos documentos de
leniência pelos tribunais nacionais seria para verificar se os documentos
considerados confidenciais pelas autoridades de concorrência cumprem as
definições estabelecidas pela Diretiva para serem colocados nessa categoria.
De qualquer maneira, mesmo que os tribunais tenham acesso a esses
documentos, as partes ou terceiros jamais o teriam.
A Diretiva aborda a responsabilidade civil do beneficiário de acordo de
leniência no artigo 11, 4. A regra geral imposta pelo artigo para aqueles que
cometeram infrações à concorrência é de responsabilidade solidária para os
participantes do ilícito. Portanto, a parte lesada teria o direito de exigir a
reparação integral dos danos sofridos de qualquer dos envolvidos num cartel
que a prejudicou, por exemplo. Em caso de beneficiários de imunidade, o dever
de reparação por responsabilidade solidária englobaria somente os adquirentes
ou fornecedores diretos ou indiretos. (UNIÃO EUROPEIA, 2014, p. art. 11,3,a).
A responsabilidade solidária do signatário do acordo de leniência só atingiria as
outras partes lesadas caso não possa ser obtida reparação integral das outras
empresas envolvidas na mesma infração. (UNIÃO EUROPEIA, 2014, art.
11,3,b).
21
Ademais, quanto ao montante de recuperação de uma empresa infratora
que pagou a indenização, o beneficiário de leniência também terá vantagem.
O montante de sua contribuição ao valor da indenização será correspondente
exclusivamente ao montante dos danos que a empresa que beneficiou-se da
leniência tenha causado a seus próprios adquirentes ou fornecedores diretos
ou indiretos. (UNIÃO EUROPEIA, 2014, art. 11,4).
Com relação às outras pessoas lesadas pela infração concorrencial que não
tenham sido adquirentes ou fornecedores diretos ou indiretos das empresas
infratoras, o beneficiário de imunidade somente terá obrigação de reparar o
dano proporcionalmente à sua responsabilidade relativa aos danos causados a
essas vítimas. (UNIÃO EUROPEIA, 2014, art. 11,5).
A Diretiva encontra-se em fase final de aprovação. Resta o acordo do
Conselho de Ministros da União Europeia para que seja considerada um texto
cogente. Após sua adoção, os Estados-Membros terão dois anos para
implementar os dispositivos da Diretiva em sua ordem jurídica interna.
(COMISSÃO EUROPEIA, 2014).
Para fortalecer seus programas nacionais de leniência, alguns países
europeus vislumbraram a proteção do acesso aos documentos provenientes
deste tipo de acordo como a melhor alternativa.
A Alemanha, apesar de uma proposta de mudança na legislação, preferiu
deixar a cargo de seus juízes a proteção desses documentos. Em 10 de
novembro de 2011, o Ministério Federal da Justiça alemão apresentou um
projeto de revisão da lei de concorrência do país, que incluía um artigo que
impossibilitava o acesso ao material proveniente dos programas de leniência.
Todavia, essa ideia foi abandonada pelo projeto publicado pelo Governo
22
Federal alemão em 28 de março de 2012, que preferiu deixar a cargo dos
juízes a ponderação sobre a necessidade de acesso aos documentos de
leniência e sua proporcionalidade relativa à eficácia das ações privadas de
reparação de danos concorrenciais. (BIEN, 2012, p. 176).
Na França, a lei n° 78-753, de 17 de julho de 1978, que trata das relações
entre a Administração e o público, foi modificada para proteger os documentos
de leniência. O artigo 6, 1°, da lei aponta que não são comunicáveis “os
documentos elaborados pela Autorité de la concurrence no âmbito do exercício
de seus poderes de inquérito, instrução e decisão”20. O dispositivo comportou
críticas da doutrina na medida em que (i) não cita explicitamente os
documentos de leniência como sendo excluídos de divulgação e (ii) impõe à
Autorité de la concurrence uma tarefa árdua na avaliação de quais documentos
podem ou não ser revelados. (LEMAIRE, 2011, p. 184).
Em Portugal, o diploma concorrencial prevê a confidencialidade dos
documentos de leniência, que só podem ser obtidos por terceiros mediante
expressa autorização do demandante21. (TAVARES, 2013, p. 40).
Capítulo 2. A responsabilidade civil do beneficiári o de acordo de leniência
no Brasil: estado da arte e propostas de aprimorame nto
O programa de leniência brasileiro foi instituído em 2000, com a lei n.
10.149, de 21 de dezembro, que incluiu, entre outros, os artigos 35-B e 35-C na
lei n. 8.884/94 (lei antitruste então em vigor no Brasil). O primeiro acordo de
leniência realizado no Brasil, por sua vez, é datado de 2003, e desde então o
20 Tradução livre, Loi n° 78-753 du 17 juillet 1978 portant diverses mesures d'amélioration
des relations entre l'administration et le public et diverses dispositions d'ordre administratif, social et fiscal, França.
21 “O acesso de terceiros aos pedidos, documentos e informações apresentados pelo requerente, para efeitos da dispensa ou redução da multa, carece de autorização deste”. Artigo 81 n. 3 da Lei n. 19, de 8 de maio de 2012.
23
programa de leniência brasileiro vem se desenvolvendo. Três casos de cartel
descobertos por leniência já foram julgados pelo Tribunal do CADE, e
constituem uma rica fonte de pesquisa para desmitificar esse instituto do direito
concorrencial22 que ainda enseja desconfiança e estranheza.
Até 2011, na vigência da lei antiga, foram celebrados 23 acordos de
leniência. Só no ano de 2012, foram celebrados dez acordos. (CONSELHO
ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA., 2014). O gráfico abaixo
ilustra, segundo informações fornecidas pelo CADE (2014), a evolução do
número de acordos assinados no bojo do Programa de Leniência:
Gráfico 1 – A evolução dos acordos de leniência no Brasil (Fonte: Conselho Administrativo
de Defesa Econômica - CADE)
Em sua origem, o Programa de Leniência concedia imunidade
administrativa e penal aos beneficiários que trouxessem à então existente
Secretaria de Direito Econômico – SDE, informações e provas contundentes
sobre uma conduta desconhecida pela SDE.
Os requisitos para a celebração do acordo de leniência, nos termos da Lei
n. 8.884/1994, eram os seguintes: (i) a empresa deveria cessar a conduta
desde o momento da propositura do acordo; (ii) colaborar com a caracterização
22 Sobre a análise econômica da detecção de cartéis e acordo de leniência, ver Azevedo
(2012), p. 275-279.
0
5
10
15
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
(até
maio)
Nú
me
ro d
e a
cord
os
ass
ina
do
s
Ano
Evolução do Programa de Leniência
brasileiro
24
da conduta e durante toda a investigação; (iii) deveria ser a primeira a delatar o
cartel; (iv) não poderia ser a líder do cartel; (v) os membros do cartel devem ser
identificados pelo delator e este deve fornecer documentos que comprovem o
cartel e o envolvimento das outras empresas e pessoas físicas, (vi) no
momento da propositura do acordo, a SDE não poderia ter informações
suficientes sobre o cartel para condená-lo (SECRETARIA DE DIREITO
ECONÔMICO, 2009, p. 20).
Ainda que não fosse a primeira a delatar determinado cartel, uma empresa
poderia beneficiar-se de redução de penalidade em uma conduta investigada
por fruto de leniência, desde que revelasse novo cartel. Trata-se da chamada
leniência plus, que persistiu após a edição da nova lei de defesa da
concorrência. (CORDOVIL, 2011, p. 192).
A negociação do acordo era realizada pelo Secretário de Direito Econômico
e por seu chefe de gabinete, e os outros órgãos do Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência (“SBDC”) não tomavam conhecimento do acordo nem
de seus termos, por conta de seu caráter sigiloso. Caso a leniência não fosse
concedida, o SBDC ainda poderia, desde que de maneira independente do
acordo de leniência proposto, investigar e julgar o cartel.
Por força do diploma antitruste em vigor, os beneficiários do acordo de
leniência possuíam dois tipos de imunidade ou redução de penalidade:
administrativa e penal. No caso das pessoas jurídicas, que não são
condenadas pelo crime de cartel, poderia haver a isenção total da multa
imposta pelo CADE, caso a conduta revelada fosse desconhecida pelo SBDC,
ou a redução do valor da condenação, caso a conduta delatada já estivesse em
investigação (sem provas conclusivas) pela SDE. As pessoas jurídicas, por seu
25
turno, possuíam o mesmo benefício administrativo que as pessoas jurídicas, e
também a imunidade na esfera penal quanto aos crimes contra a ordem
econômica previstos na Lei 8.137/1990. Essa imunidade, nos termos do artigo
35-C da Lei n. 8.884/1994, correspondia à suspensão do curso do prazo
prescricional do crime praticado e impedia o oferecimento da denúncia relativa
a ele. Não abrangia os crimes previstos na Lei n. 8.666/1993, relacionados a
cartéis em licitações e em contratos públicos, nem ao artigo 288 do Código
Penal (crime de quadrilha ou bando).
Atualmente, o acordo de leniência está previsto nos artigos 86 e 87 da Lei
n. 12.529/2011, e nos artigos 197 a 210 do Regimento Interno do CADE
(Resolução CADE n. 01/2012 – “RICADE”).
Poucas mudanças ocorreram no programa de leniência brasileiro após a
nova lei do CADE. Dentre as mudanças a serem elencadas, destaque-se a
nova comissão de negociação, que agora é formada por uma equipe da
Superintendência Geral do CADE e inclui o Superintendente-Geral, o
Superintendente-Geral Adjunto especializado em condutas, o chefe de
gabinete da Superintendência-Geral e alguns servidores do CADE designados
especialmente para a função.
Além disso, foi alargada a possibilidade de candidatura ao Programa:
também o líder de um cartel pode participar. Foi também expandida a
imunidade criminal abrangida pela assinatura do acordo: com a nova lei,
haverá imunidade também para os crimes previstos pela Lei n. 8.666/1993 e
para o crime de quadrilha ou bando (art. 288 do Código Penal).
Importante salientar que, conforme salienta a Procuradoria Geral do CADE
(2007) no despacho relativo ao cartel dos vigilantes, não cabe ao CADE
26
“qualquer análise a respeito da validade, cabimento e oportunidade na
celebração do acordo de leniência”23. O Tribunal deve ser encarregado
somente de aplicar a pena relativa à infração à ordem econômica.
A seguir, serão analisados os casos de cartel envolvendo leniência que já
foram julgados pelo CADE, para que sejam observadas as evoluções
interpretativas ao longo dos dez anos entre a primeira assinatura de acordo de
leniência e o último caso julgado.
Tabela 1 – Leniências julgadas no Brasil
Caso Período do cartel
Prazo de julgamento
Signatário de acordo de leniência / TCC
Busca e apreensão
Cartel internacional
Envolvimento do MP
Condenação aproximada
Judicialização
Vigilantes/ PA n. 08012.001826/2003-10
1990-2003 (13 anos)
2003-2007 (4 anos)
Vigilância Antares e pessoas físicas / sem TCC
2004 Não Não R$ 40mi
Sim
Peróxidos/ PA n. 08012.004702/2004-77
1995-2004 (10 anos)
2004-2012 (8 anos)
Degussa Brasil/ sem TCC
2004 Não MPF e MP-SP
R$ 150mi
Não
Cargas aéreas/ PA n. 08012.011027/2006-02
2003 a 2005 (3 anos)
2006- 2013 (7 anos)
Deutsche Lufthansa, subsidiárias e pessoas físicas / TCC: Air France-KLM (R$ 14mi)
2007 Sim MPF e MP-SP
R$ 293mi
Sim
O cartel dos vigilantes (Processo Administrativo n. 08012.001826/2003-10)
foi o primeiro caso descoberto por leniência julgado no Brasil. Trata-se de um
cartel organizado para fraudar licitações públicas e privadas destinadas à
contratação de serviços de vigilância no Estado do Rio Grande do Sul.
23 CADE. Processo n. 08012.001826/2003-10. Procurador-Geral Gilvandro Vasconcelos de
Araújo.
27
Os delatores da conduta, em 2003, foram o proprietário e um funcionário da
empresa de vigilância Antares, que também se beneficiou da leniência como
pessoa jurídica. A busca e apreensão, realizada em 2004, abrangeu CADE,
Ministério Público e Polícia Federal e envolveu 80 pessoas desses órgãos
(SECRETARIA DE DIREITO ECONOMICO, 2009, p. 19).
O acordo celebrado entre CADE, Antares e pessoas físicas não contou com
a participação do Ministério Público e deu origem a inúmeros processos
judiciais questionando a legitimidade do procedimento de busca e apreensão. A
organização do cartel funcionou durante treze anos, e o valor aproximado da
condenação das empresas envolvidas foi de R$ 40 milhões.
O segundo caso de cartel descoberto por meio de leniência foi o cartel dos
peróxidos (Processo Administrativo n. 08012.004702/2004-77), julgado pelo
CADE em 2012. O caso tramitou pelo SBDC durante oito anos, enquanto o
cartel condenado teve duração de dez anos. Trata-se de um cartel que envolvia
o mercado de peróxido de hidrogênio (água oxigenada).
Ao contrário do cartel dos vigilantes, o acordo de leniência celebrado no
cartel dos peróxidos teve a assinatura, como intervenientes anuentes, do
Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público Federal.
Ademais, algumas das partes envolvidas foram investigadas pelas autoridades
antitruste da União Europeia e dos Estados Unidos.
Questões que atualmente são mais aceitas pela comunidade jurídica foram
questionadas como preliminares no processo administrativo, tais como: a
interveniência do Ministério Público no acordo; a participação de funcionários
da empresa Degussa do Brasil (beneficiária da leniência) como signatários no
instrumento contratual de leniência; o fato de os beneficiários da leniência
28
terem sido considerados como testemunhas; e a juntada dos documentos de
leniência aos autos.
No que concerne à juntada dos documentos provenientes do acordo de
leniência aos autos, houve questionamento das empresas denunciadas, que
alegaram que o acesso ao acordo de leniência assinado - confidencial até
mesmo para elas - seria essencial para garantir sua ampla defesa. O relator do
caso, o então Conselheiro Carlos Emannuel Joppert Ragazzo, refutou as
alegações com o argumento de que os termos do acordo de leniência contêm
“previsão de informações burocráticas que disciplinam a relação dos
beneficiários com a administração pública, em respeito às regras dos artigos
35-B e 35-C da Lei nº 8.884/94”. Acrescentou que o acordo de leniência não
foi revelado às empresas condenadas por não ser relevante para a defesa. Em
sua visão, o documento que seria relevante para a formação da defesa das
representadas seria o histórico de infrações juntado aos autos.
Até o presente momento, o cartel das cargas aéreas24 (PA n.
08012.011027/2006-02) representa o julgamento mais recente do CADE de
conduta denunciada por acordo de leniência. Julgado em 2013, tendo como
relator o então Conselheiro Ricardo Ruiz, o cartel era formado por companhias
aéreas que discutiam o sobrepreço a ser aplicado a seus clientes com o auxílio
de uma empresa de consultoria.
Os beneficiários da leniência foram a empresa Deutsche Lufthansa AG,
suas subsidiárias Deutsche Lufthansa Cargo AG e Swiss International Airlines,
e outras cinco pessoas físicas. Foi questionada a legalidade do acordo
celebrado, pois, segundo as empresas denunciadas, os beneficiários da 24 O mesmo cartel foi condenado na Europa e teve – antes da condenação pela Comissão
Europeia - uma ação de reparação de danos proposta na Holanda contra as empresas Air France-KLM e Martinair (GABAN e DOMINGUES, 2012, p. 816).
29
leniência teriam sido os líderes do cartel, o que era expressamente vedado
pela Lei n. 8.884/94, em vigor quando da instauração da investigação. A
preliminar foi refutada pelo Conselheiro relator, que apontou indícios de que a
conduta teria tido liderança compartilhada entre os participantes do cartel.
O cartel das cargas aéreas ensejou a maior condenação por crime de cartel
no Brasil. Além da condenação penal de um gerente de carga internacional da
empresa Varig a dez anos e três meses de reclusão, o empregado foi
condenado com base no art. 387, IV, do Código de Processo Penal a reparar
os danos causados pelo cartel em 378,9 milhões de reais25. Essa decisão
apresenta aspectos positivos, como a contribuição para o enforcement de
crimes de cartel no Brasil e a preocupação com a reparação civil. Todavia, tem
a característica de ter condenado a indenizar um funcionário da empresa, que
certamente não recebeu a quantia estipulada na indenização como lucro pela
prática anticompetitiva: quem deveria pagar a indenização milionária seria a
empresa que dela beneficiou-se.
I. Debates doutrinários sobre o instituto da leniên cia no Brasil
A possibilidade de haver imunidade penal26 garantida pela lei aos
signatários do acordo é um dos itens de maior debate doutrinário no Brasil.
Como o inquérito penal por crimes contra a ordem econômica, previstos na Lei
n. 8.137/90, é instaurado pelo Ministério Público, que tem suas funções
determinadas pela Constituição Federal nos artigos 127 e seguintes, houve (e
muitas vezes ainda persiste) a discussão sobre se a imunidade penal conferida
pela lei aos beneficiários do acordo de leniência seria de fato legítima.
25 Sentença proferida em 29 de janeiro de 2014 pela juíza Fernanda Afonso de Almeida, da
27ª Vara Criminal de São Paulo. 26 Para uma discussão mais detalhada sobre a interface da leniência com a esfera penal,
ver Martinez (2013, p. 182-243).
30
Com vistas a dirimir essa polêmica, ou ao menos minimizá-la, o SBDC
engendrou esforços para unir-se ao Ministério Público no combate aos cartéis.
No caso dos acordos de leniência, um representante do Ministério Público
(Estadual, Federal, ou ambos, a depender da abrangência do caso) passou a
ser convidado para assiná-los, comprometendo-se a não denunciar as pessoas
físicas pelos crimes em que a responsabilidade é eximida por conta do acordo
de leniência. Todavia, como os membros do Ministério Público gozam de
completa autonomia entre si, existe a possibilidade de um membro diferente
daquele que concordou com o acordo de leniência, denunciar o beneficiário de
leniência quanto aos crimes contra a ordem econômica relatados no acordo.
Apesar dessa possibilidade, a divergência de opiniões entre os membros da
mesma instituição, em que de plano houve anuência com relação ao acordo
celebrado por outra autoridade pública, reforça a qualidade e a necessidade do
acordo aos olhos do magistrado que for encarregado de analisar a causa.
Outra questão polêmica é a da confissão da conduta e o convencimento do
investigador. Ao procurar a autoridade concorrencial brasileira para delatar uma
prática de cartel, o candidato à leniência recebe um marker. Este constitui um
instrumento utilizado para garantir o lugar na fila obtido pelo candidato. Após o
período de negociações, caso o acordo de leniência não seja celebrado, a
empresa ainda pode ser investigada pela prática de cartel que tentou
denunciar. A proposta de acordo rejeitada “não importará em confissão quanto
à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada”, e
permanece confidencial, nos termos do § 10 do artigo 86 da Lei n.
12.529/2012. Entretanto, como as informações sobre a materialidade da
conduta são fornecidas a servidores da Superintendência-Geral, nada impede
31
que essas pessoas utilizem as informações recebidas para iniciar
investigações, independentemente da celebração do acordo. A empresa
poderá, portanto, vir a ser condenada pela conduta delatada em decorrência da
autodenúncia, do que decorre que os candidatos à leniência devam confiar na
autoridade de concorrência para iniciar com ela uma negociação. (MARTINEZ,
2013, p. 266).
O artigo 86, II, da Lei 12.529/2011, requer a cessação da conduta
investigada, por parte da empresa signatária, até a propositura do acordo. No
entanto, o artigo não é claro quanto ao momento de propositura do acordo de
leniência: resta a dúvida se a cessação da prática deve ocorrer a partir da
denúncia da conduta, ou do fechamento do acordo. (CORDOVIL, CARVALHO,
et al., 2012, p. 191). Nesse ponto, o RICADE, em seu artigo 198, determina
somente poderem ser proponentes de acordo de leniência autores de infração
à ordem econômica aqueles que “cesse[m] sua participação na infração
noticiada ou sob investigação”. Destarte, entende-se que, no momento em que
propuser o acordo, o membro do cartel já deve ter deixado de participar dele.
Esse pressuposto está em consonância com a Súmula n. 145 do STF, em
que se desconsidera o crime detectado por flagrante preparado. (ANDERS,
PAGOTTO e BAGNOLI, 2012, p. 266).
II. Diagnóstico das fragilidades do programa de len iência
brasileiro: risco de vazamento de informações e açõ es
complementares de indenização
À luz dos entendimentos europeus e dos recentes deslizes ocorridos no
Brasil, verificou-se a necessidade de aperfeiçoamento da leniência no Brasil no
tocante à confidencialidade dos documentos, ameaçada pelo risco de
32
vazamento de informações, e à responsabilidade civil do signatário do acordo
de leniência, que desestimula possíveis arrependidos a delatarem sua conduta
pelo temor das ações complementares de indenização.
O ordenamento jurídico brasileiro não confere proteção exaustiva aos
documentos provenientes de leniência, por apresentar respostas abertas à
interpretação judicial quanto à sua confidencialidade. Isto porque, conforme a
Constituição Federal, todos os atos processuais são públicos (art. 93, IX), salvo
em casos de defesa da intimidade ou interesse público (artigo 5º, LV). Já
segundo o Código de Processo Civil, o Judiciário pode, a pedido, abrir a
confidencialidade dos documentos provenientes da leniência. Outrossim, por
conta do princípio da publicidade dos atos da Administração Pública, refletido
na Lei n. 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), os documentos referentes
à atividade do CADE são, em regra, de acesso público. Contudo, em virtude da
mesma lei, é possível que seja conferido acesso restrito a determinadas
informações quando sua divulgação “comprometer atividades de inteligência,
bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a
prevenção ou repressão de infrações”27. Dessa maneira, e também por força
da confidencialidade conferida ao acordo de leniência pela Lei n.
12.529/201128, é dever do Estado zelar pela sua preservação29. Infelizmente,
esse zelo tem tido alguns percalços divulgados na mídia.
Foi o caso do suposto cartel do metrô de São Paulo, em que o juiz federal
entendeu que a confidencialidade dos autos da medida cautelar de busca e
apreensão era devida até o momento de sua efetivação. Após o cumprimento
27 Artigo 23, VIII da Lei 12.527/2011. 28 A identidade do signatário e os documentos obtidos por meio do acordo de leniência são
sigilosos até o julgamento do processo em questão, conforme regulamentado pelo CADE. Regimento Interno do CADE, art. 207.
29 Art. 25 da Lei 12.527/2011.
33
da diligência, foi revogado o sigilo total dos autos, permanecendo confidenciais
somente os documentos provenientes de busca e apreensão, sob o argumento
de que o sigilo seria uma exceção constitucional que não mais se fazia
presente no caso. O juiz considerou que deveria ser aplicada a regra geral da
Constituição, uma vez que a busca e apreensão realizada já havia sido
noticiada no site do CADE e o nome da empresa signatária do acordo de
leniência (Siemens) já teria sido revelado na imprensa30.
Após este incidente, a identidade de outro signatário de leniência (Grupo
Reichhold) foi exposta em publicação do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região de 27 de maio de 2014, cinco dias após a realização de busca e
apreensão pelo CADE. Apesar do processo ter sido mantido em segredo de
justiça pelo magistrado31, a revelação parece ter ocorrido por descuido da
Secretaria do Tribunal, que não atentou para a necessidade do sigilo.
Estes fatos revelam o despreparo de alguns servidores da Justiça Federal32
na condução de processos cujo tema abarca o direito da concorrência, o que
prejudica o instituto da leniência, baseado primordialmente no sigilo da
identidade do arrependido.
Além dos dois últimos casos revelados, mais um signatário de leniência
veio à tona no dia 02 de setembro de 2014. Trata-se da empresa Bosch, que
delatou um cartel no mercado de produção de velas de ignição. Nesse caso,
30 Sentença proferida em 09 de agosto de 2013 nos autos do processo n.
0004196.2013.4.03.6114, pelo juiz federal Antônio André Muniz Mascarenhas de Souza, da 3ª Vara Federal em São Bernardo do Campo.
31O deslize foi percebido pela imprensa internacional, que publicou matéria revelando a identidade do leniente em 02 de junho de 2014 (PARR, 2014). Após, o Grupo Reichhold, em 04 de junho de 2014, resolveu tornar pública sua participação por meio de comunicado no site da empresa (disponível em https://www.reichhold.com/news-detail.aspx?newsID=111, acesso em 24 de agosto de 2014).
32 Conforme a tese de Doutorado (em fase de elaboração) de Gilvandro Araújo, o concurso de juiz federal só passou a exigir conhecimentos de direito da concorrência em 2008, pela Resolução n. 41 do Conselho de Justiça Federal.
34
ainda não foi possível identificar de onde surgiu o vazamento. (O ESTADO DE
S.PAULO, 2014)
A quebra da confidencialidade pode ensejar diversos danos aos signatários
e revela os fatores de inibição a possíveis candidaturas de leniência. Esses
fatores incluem, além do prejuízo à imagem dos delatores, a possibilidade
(apesar de reduzida) de ações de indenização no Brasil, e a precipitação de
ações de reparação nos Estados Unidos e em outros países cujo private
enforcement seja mais ágil e desenvolvido33. Daí a necessidade de que a
importância da confidencialidade dos documentos de leniência no Brasil seja
disseminada.
Os artigos 86 e 87, caput, da lei n. 12.529/2011 dispõem que a colaboração
do beneficiário de leniência resulta em extinção (ou redução, a depender do
prévio conhecimento da prática pelo CADE) da ação punitiva da administração
pública e suspende o prazo prescricional, além de impedir o oferecimento da
denúncia relativa aos crimes relacionados à prática de cartel.
No entanto, não há na lei nenhuma menção à responsabilidade civil do
signatário do acordo de leniência. Tampouco há, na norma que autoriza o
direito de indenização das vítimas de uma conduta anticoncorrencial, qualquer
isenção de responsabilidade. Por esse motivo, depreende-se que o beneficiário
de leniência ainda pode ser alvo de ações de ressarcimento dos danos
causados pelo cartel delatado.
Ademais, conforme o artigo 60 da lei antitruste brasileira, as decisões do
CADE constituem título executivo extrajudicial. Entende-se que os acordos de
leniência e os Termos de Compromisso de Cessação celebrados pelo CADE
33 Os advogados entrevistados neste trabalho (Anexo A) apontaram este fator.
35
também produzam os mesmos efeitos do título executivo, dispensando a
necessidade, numa ação de reparação de danos, da propositura de ação de
conhecimento para identificação dos pressupostos da responsabilidade civil
(autoria, ato ilícito, dano e nexo de causalidade), o que agilizaria o recebimento
de indenização (GABAN e DOMINGUES, 2012, p. 828).
No Brasil, esse problema esteve latente durante dez anos. Entre 2003 e
2013, os três casos de leniência julgados não ensejaram nenhuma ação de
indenização. Por esse motivo, ainda que no guia da SDE houvesse
expressamente a menção à possibilidade de que a empresa signatária ser alvo
de ações de indenização por conta da conduta que delatou, não tinha havido
qualquer propositura de ação originada de acordo de leniência. (SECRETARIA
DE DIREITO ECONOMICO, 2009, p. 31) É provável que os propositores de
acordo de leniência contabilizassem grande probabilidade de ação desse
gênero no cálculo do custo-benefício em propor tal acordo34.
Um marco nesse sentido foi o escândalo político ocasionado pela quebra do
sigilo do acordo de leniência referente ao cartel do metrô. O suposto
envolvimento de políticos do partido opositor ao da atual Presidência da
República na facilitação o cartel em licitações deu ampla divulgação à quebra
de sigilo da ação cautelar de busca e apreensão efetuada pelo juiz de São
Bernardo do Campo. 35
Como resposta, o governo de São Paulo foi responsável pelo primeiro
processo judicial com pedido de ressarcimento de danos a um beneficiário de
34 Segundo Gaban e Domingues (2012), no acordo de leniência “existe então uma troca: a
empresa fornece as informações e recebe benefícios em compensação”. 35 Processo n. 00041962820134036114, 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo, Juiz
Federal Substituto Antônio André Muniz Mascarenhas de Souza.
36
leniência que possibilitou a descoberta do cartel em questão no Brasil36. A ação
contra a empresa Siemens não foi aceita, uma vez que somente a empresa foi
incluída no polo passivo, e que um processo que investigue os danos causados
por um cartel deve ser formado por seus outros membros. (CARVALHO e
CREDENDIO, 2013). Esse fato reforça a afirmação da União Europeia referida
no primeiro capítulo deste trabalho de que o beneficiário de imunidade
proveniente de acordo de leniência é o primeiro alvo do contencioso
complementar às condenações por cartel.
Além da ação proposta pelo Estado de São Paulo, o Ministério Público
Estadual, por meio do promotor Marcelo Camargo Milani, também propôs ação
de reparação de danos contra os onze membros do cartel do metrô de São
Paulo. Segundo o Jornal da Globo, em notícia de 26 de maio de 2014, a
extensão do valor do dano estimado pelo promotor é de 2,5 bilhões de reais.
(GLOBO, JORNAL DA., 2014).
Após esses acontecimentos, os advogados de potenciais signatários de
leniência passaram a alertar com mais vigor seus clientes dos maiores riscos
de virem a ser alvo de ações de reparação de danos concorrenciais tanto no
Brasil quanto no exterior, decorrente de divulgação precipitada de acordo de
leniência37.
No próximo capítulo, serão apresentadas soluções possíveis para a
superação das fragilidades encontradas no programa de leniência brasileiro, de
modo a se buscar mecanismos para seu fortalecimento.
36 Mais de vinte ações de indenização por danos concorrenciais já foram propostas no
Brasil. No entanto, até o presente momento, não houvera nenhuma ação de reparação de danos concorrenciais nos casos em que houve leniência. Sobre as ações de responsabilidade civil por danos concorrenciais no Brasil, veja Carvalho, 2011, p. 52-74.
37 Todos os advogados entrevistados nesta pesquisa confirmaram a afirmação.
37
Capítulo 3. Sugestões de advocacy em direção ao fortalecimento do
programa de leniência brasileiro
I. Emergência de mudanças estruturais
Mesmo antes dos problemas relatados no capítulo anterior, a Consulta
Pública n. 17/2011 lançada pela SDE apresentou propostas de modificação da
lei concorrencial no tocante às ações de indenização por danos concorrenciais.
Uma Consulta Pública lançada pela Secretaria de Direito Econômico em 2011
apresentou propostas de modificação da lei concorrencial de 199438 no tocante
às ações de indenização por danos concorrenciais. A proposta modificava o
artigo 2939 da Lei n. 8.884/1994 para determinar que o ressarcimento dos
danos concorrenciais deveria ser realizado em dobro, salvo pelos signatários
de acordo de leniência. Além disso, o projeto tornava a decisão condenatória
do CADE um título executivo extrajudicial40, que permitiria aos consumidores o
recebimento de indenização por danos concorrenciais sem a necessidade de
propositura de ação judicial.
Entretanto, o projeto de lei não prosperou, e não houve modificações do
sistema de responsabilidade civil concorrencial, nem mesmo com o advento da
38 A Consulta Pública n. 17, de 28 de setembro de 2011, foi assinada pelo Secretário de
Direito Econômico, Vinícius Marques de Carvalho. 39 “Art. 29. Os prejudicados e os legitimados previstos no art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de
setembro, de 1990, poderão propor ação para obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica; o recebimento de indenização por perdas e danos e a execução da decisão prevista no art. 28-A.
§ 1º A propositura de ação judicial não suspenderá o curso de processo administrativo em tramitação junto ao CADE.
§ 2º Os prejudicados terão direito ao ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos em razão de infrações à ordem econômica, sem prejuízo das eventuais sanções aplicadas na esfera administrativa e penal.
§3º Não se aplica o disposto no §1º aos co-autores de infração à ordem econômica que tenham assinado acordo de leniência cujo cumprimento tenha sido declarado pelo CADE, os quais responderão somente pelos prejuízos causados aos prejudicados”.
40 “Art. 28-A. A decisão de condenação proferida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE obrigará a empresa a indenizar as vítimas pelos prejuízos causados.
Parágrafo único. A decisão prevista no caput terá caráter executivo em relação aos consumidores prejudicados”.
38
nova lei antitruste brasileira. Persistem as dificuldades enfrentadas no
tratamento do tema, e por esse motivo urge a necessidade de estudo de
soluções que ponham fim às questões debatidas.
Uma dessas questões é a responsabilidade solidária do beneficiário de
leniência, indicada na regra contida no artigo 32 do diploma concorrencial41. A
primeira proposta que pode ser enfrentada como solução legislativa ao tema
está presente na Consulta Pública citada, de inclusão de pagamento de
indenização em dobro em casos de prática anticoncorrencial, salvo nos casos
de leniência. Critique-se que a reparação civil em dobro pode ser considerada
como um pagamento com função punitiva, questão que não é uníssona no
direito brasileiro42.
Outras soluções que poderiam ser adotadas pelo Brasil decorrem da
experiência dos Estados Unidos43 e da União Europeia44: a limitação da
responsabilidade civil do signatário de acordo de leniência.
A transposição do modelo estadunidense, em que os praticantes de um
cartel devem repor em triplo o dano causado, passaria pela discussão
levantada sobre a aplicabilidade dos danos punitivos no Brasil e implicaria em
mudança legislativa que os aceitasse e pusesse fim à discussão. Caso
houvesse esta possibilidade, uma segunda mudança de lei deveria ocorrer
para que o Brasil, à luz do direito estadunidense, reconheça ao signatário de
41 Conforme aponta Martinez (2013, p. 275), a regra geral prevista nos artigos 275 e 942
do Código Civil brasileiro também é aplicada ao direito concorrencial. 42Para um estudo sobre a função punitiva no direito brasileiro, vide Martins-Costa e
Pargendler (2005). Ressalte-se que a proposta de Diretiva europeia (Considerando 12) não admitiu a indenização punitiva.
43 Uma breve explicação da leniência civil nos Estados Unidos foi realizada em nota de rodapé na Introdução deste trabalho. Para maiores detalhes, veja Mahr e Lange (2010).
44 Conforme abordado no Capítulo 2 desta pesquisa, o sistema jurídico em vigor na União Europeia ainda aceita a responsabilidade civil do leniente. Todavia, está em fase final de aprovação um projeto de Diretiva que reduzirá a responsabilidade civil do leniente, como forma de incentivar a leniência nos países europeus.
39
acordo de leniência a “detriplicação” do pagamento do dano causado. Contudo,
essas mudanças levariam a duas desvantagens verificadas pelo ex-
Conselheiro Mauro Grimberg: a valorização da vítima do cartel em detrimento
de outras vítimas que possam demandar reparação de danos (como a vítima
de um acidente aéreo); e, considerando somente as vítimas do mesmo cartel, a
desvantagem do consumidor lesado pelo beneficiário de acordo de leniência
com relação àquelas vítimas que consumiram de outros membros do cartel.
Outra opção seria o Brasil adotar dispositivo semelhante ao europeu45, em
que o beneficiário de leniência só seria obrigado a reparar o dano que causou a
seus “adquirentes ou fornecedores diretos e indiretos”, e não teria
responsabilidade solidária dos danos causados pelos outros membros do
cartel46.
As críticas da doutrina civilista apontadas por Amaro (2012, p. 412) sobre a
proposta de leniência civil na Europa podem ser replicadas ao Brasil: (i) a
fragilidade normativa dos textos de suporte (sobretudo o Código de Processo
Civil no que tange ao acesso às provas47); (ii) os riscos da instrumentalização
da leniência pelo líder do cartel, que poderia organizá-lo tão somente para
45 Art. 11, 4 – “Os Estados-Membros asseguram que a empresa infratora possa recuperar
uma contribuição de qualquer outra empresa infratora, cujo montante será determinado em função da relativa responsabilidade pelos danos causados pela violação do direito da concorrência. O montante da contribuição de uma empresa a qual foi concedida imunidade de coimas por uma autoridade da concorrência no âmbito de um programa de leniência não excederá o montante dos danos que ela causou aos seus próprios adquirentes ou fornecedores diretos ou indiretos”.
46 No mesmo sentido da exclusão da responsabilidade solidária do leniente, veja Martinez (2013, p. 304). A autora propõe a inclusão de um §4º ao artigo 47 da Lei n. 12.529/2011, nos seguintes termos:
“Os signatários de acordo de leniência, nos termos desta Lei, não são solidariamente responsáveis com os demais coautores pelo ressarcimento das perdas e danos causados pelos demais, a menos que o CADE declare o não cumprimento do acordo por parte dos signatários”. Convergem Carvalho e Lima (2012, p. 246), para quem a questão do afastamento da responsabilidade solidária como recompensa negativa ao leniente é uma das possibilidades que deveriam ser verificadas para efetividade do sistema de reparação de danos no Brasil.
47 Na França, Amaro aponta o artigo 11 do Código de Processo Civil francês, que determina que o juiz pode determinar a uma parte que produza, sob pena de multa, um elemento de prova que a parte contrária não disponha e tenha solicitado.
40
prejudicar seus concorrentes por meio de sua denúncia, que ficaria impune; (iii)
a eficácia discutível (e diferida) que a correção do mercado fornece ao
consumidor, enquanto a responsabilidade civil é uma garantia de reparação
mais imediata; (iv) os obstáculos constitucionais à modulação da reparação,
que excluiriam a aplicação dos princípios da igualdade perante a lei e de
reparação integral.
Outra adequação que poderia ser feita ao direito nacional seria compelir o
signatário de acordo de leniência a reparar apenas os danos individuais
causados pelo cartel do qual fez parte, e eximí-lo (a exemplo do que ocorre na
esfera administrativa) da reparação dos danos difusos (que já ocorreria por
meio da multa aplicada pelo CADE). Essa sugestão, apontada por Badin48,
representaria uma adequação, ao direito concorrencial brasileiro, da modulação
dos princípios defendida por Amaro no direito francês.
A alteração legislativa também parece a melhor solução para o tratamento
da confidencialidade do acordo de leniência no Brasil, e pode ser realizada das
maneiras tratadas a seguir.
A primeira delas estava presente na Consulta Pública da SDE n. 17/2011,
citada no tópico anterior, e propunha que a divulgação do acordo de leniência
sem justa causa fosse considerada crime, com pena de detenção e multa49.
Esse dispositivo, porém, tem um limitado poder de resolver a fragilidade
apontada, quando se estivesse diante de um pedido em juízo no sentido da
48 Entrevista no Anexo A deste estudo. 49 “Art. 35-D. Divulgar, sem justa causa, informações confidenciais relativas a acordo de
leniência, assim definidas por órgão do CADE. Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
41
divulgação dos documentos: é que seria difícil compreender que uma decisão
judicial devidamente fundamentada caracterizasse “justa causa” 50.
Uma segunda opção refere-se a uma alteração legislativa independente das
mudanças referentes à responsabilidade civil do beneficiário de leniência. É
possível que o acesso aos documentos provenientes de acordo de leniência
seja impedido por força de lei, como determinado pelo projeto de Diretiva da
União Europeia51, e que mesmo assim o beneficiário seja obrigado a indenizar
os prejudicados por sua conduta anticompetitiva. Desse modo, a Lei
12.529/2011 deveria conter um dispositivo que retirasse o poder do juiz de
determinar a divulgação de informações relativas a acordo de leniência que
fossem solicitadas por prejudicado ou seu substituto processual em ação de
reparação de danos.
Nesse caso, seria mais justo com o beneficiário de leniência que os
documentos por ele fornecidos não o auto-incriminassem, colocando-o em
igualdade de condições com os demais participantes do cartel. Desse modo, os
documentos fornecidos pelo beneficiário de leniência seriam excluídos do
cálculo do dano por ele causado, o que não acarretaria uma desproporção
entre a sua condenação e a dos demais cartelizados.
50 Martinez (2013, p. 306) concorda com a desnecessidade da criação de um tipo penal
para divulgação de documentos provenientes de leniência. Propõe a imposição de sanção administrativa pelo CADE, no valor entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) de acordo com a gravidade dos fatos e a situação econômica do infrator.
51 Art. 6º, 6 – “Os Estados-Membros asseguram que, para efeitos de ações de indenização, os tribunais nacionais não podem nunca ordenar a uma parte ou a um terceiro a divulgação das seguintes categorias de informação:
a) as declarações de empresa em matéria de leniência, e b) as propostas de transação”.
42
No entanto, como aponta o Conselheiro Gilvandro Araújo, o acesso aos
documentos de leniência deve ser realizado no Brasil para “verificar elementos
da leniência para autorizar medidas invasivas, tais como buscas (solicitadas
pelo CADE), interceptações (solicitadas pelo MP)”.
II. Promoção de alterações interpretativas: um pape l da advocacia
da concorrência
A advocacia da concorrência é uma missão, dada pela lei antitruste ao
CADE e à Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), que pode
trazer benefícios consideráveis ao fortalecimento do programa de leniência. É
necessário que haja uma campanha de aproximação do direito concorrencial
das esferas civil e penal, nela contidos tanto os magistrados quanto o Ministério
Público que lidem com o tema.
A maneira mais utilizada no Brasil de conscientização dos juízes é o contato
direto dos procuradores federais junto ao CADE, com o fim de despachar
assuntos relativos a processos específicos em matéria concorrencial,
sobretudo em casos de busca e apreensão. Nesses casos, após a solicitação
da medida cautelar de busca e apreensão, o procurador federal responsável
encarrega-se de, representando a Superintendência-Geral, explicar ao juiz a
necessidade do deferimento da medida nos termos do artigo 13, VI, d, da Lei
12.529/2011. Já foram realizados também eventos para discussão do tema52 e
publicada uma Cartilha da SDE e do CADE (2010) cujo título é “Defesa da
52 Foi realizado nos dias 28 e 29 de agosto de 2014, em São Paulo, o seminário
“Compliance e a Defesa da Concorrência” com o apoio da Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região – Emag e da Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe. Em 03 e 04 de junho de 2013, um evento chamado “Defesa da Concorrência e o Poder Judiciário” foi realizado no auditório do Conselho da Justiça Federal. Essa iniciativa poderia ser replicada e aperfeiçoada a exemplo europeu.
43
Concorrência no Judiciário”53 com o mesmo objetivo de aproximar os juízes do
enfoque jusconcorrencial.
Na União Europeia, existe um grande esforço para treinar os juízes
nacionais para julgamento de casos que envolvam o direito antitruste, como
parte da política de defesa da concorrência. Um programa de formação dos
juízes é patrocinado pelo bloco e em 2014 envolverá diversas atividades,
presenciais e online (UNIÃO EUROPEIA, 2014).
Seguindo o exemplo europeu, o Fundo de Direitos Difusos brasileiro poderia
ser utilizado como parte de um projeto para treinar os juízes que tratam ou
podem vir a tratar do tema em seus processos. A familiaridade com o assunto
aumentaria as chances de que o juiz tome uma decisão acertada em processos
de cunho tão técnico, e possa alertar suas Secretarias para a importância da
confidencialidade. Um problema que poderia advir dessa solução seria o de
saber quais juízes deveriam ser treinados, uma vez que a competência para
julgamento das questões concorrenciais enfrenta discussões ainda não
superadas54.
Uma outra maneira de encarar o problema seria a sugestão aos juízes de
uma nova interpretação do Código Civil no que diz respeito à indenização a ser
paga pelo signatário de acordo de leniência.
O artigo 944, do Código Civil de 2002, determina que a indenização seja
medida pela extensão do dano. Disso decorreria que, no caso do beneficiário
53 Para uma análise aprofundada da interface entre Direito da Concorrência e o Judiciário,
ver “O Direito da Concorrência e o Poder Judiciário”, de Amanda Flávio de Oliveira (2002). 54 Decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 627709, de 20 de agosto de 2014, definiu
que cabe ao autor optar pelo foro em que ajuizará demanda contra o CADE. Desse modo, o julgamento de casos em que a autarquia está no polo passivo pode ser realizada em qualquer comarca brasileira. Este aspecto fragiliza ainda mais o julgamento de questões concorrenciais, vez que dificulta a especialização dos juízes de todo país. Veja mais discussões sobre a competência de julgamento das questões concorrenciais em Cravo (2010, p. 604) e Carvalho, L. (2011, p. 26-27).
44
de leniência, a indenização deveria ser equivalente ao dano causado por ele à
vítima do cartel do qual fez parte. Entretanto, conforme preceitua o parágrafo
único do mesmo artigo, o juiz tem discricionariedade para reduzir, de maneira
equitativa, a indenização, caso haja “excessiva desproporção entre a gravidade
da culpa e o dano”. Nesse passo, o próprio juiz que analisar o processo de
reparação de danos poderia reduzir o valor da indenização a ser paga pelo
beneficiário de leniência ao considerar que a gravidade de sua culpa – pelo fato
de ter sido o delator da prática - seria inferior à dos demais membros do cartel.
Essa abordagem dependeria do livre convencimento motivado de cada juiz e,
por esse motivo, pode ser de difícil aplicação prática em grande escala. Para
tanto, o trabalho de conscientização a ser feito com os juízes deveria ser
bastante extenso e respaldado por pareceres técnicos. Some-se a isto a
ressalva de que mesmo que o signatário de acordo de leniência tenha
confessado a prática anticoncorrencial, a reprovabilidade da conduta
continuaria existindo, bem como os danos dela decorrentes. Este argumento
poderia convencer alguns juízes da impossibilidade de diminuição da
indenização, mesmo que estejam conscientes dos benefícios do programa de
leniência. Por fim, deve ser acrescido à discussão da aplicação do parágrafo
único do artigo 944 o fato de que a responsabilidade civil concorrencial é
considerada pela maioria dos especialistas uma responsabilidade civil
objetiva.55 Por esse motivo, não poderia ser aplicado o raciocínio acima, já que
a culpa não poderia ser discutida no processo de reparação de danos.
55 GÂNDARA, L. Responsabilidade civil concorrencial: elementos de responsabilização civil
e análise crítica dos problemas enfrentados pelos tribunais brasileiros. Revista do IBRAC, São Paulo, n. 21, p. 331-350, jan-jun 2012.
45
O envolvimento do Ministério Público56 nos casos em que haja leniência
pode ocorrer nos seguintes momentos: (i) na assinatura do acordo, que o
membro do Ministério Público pode assinar como interveniente anuente57; (ii)
na propositura de ação criminal contra os acusados, excluídos os beneficiários
da leniência; (iii) na promoção de ação civil pública contra os condenados pelo
cartel para obtenção de reparação dos danos por ela ocasionados.
No último caso, segundo a legislação em vigor, também o beneficiário de
acordo de leniência deverá indenizar os prejudicados por sua prática
anticoncorrencial. O papel do Ministério Público, legitimado para a propositura
de ação civil pública58, seria de demandar judicialmente a reparação dos danos
que o signatário de leniência causou à população de determinada região
brasileira. Porém, conforme abordado nesta pesquisa, este é um fator
desestimulante para possíveis candidatos a celebrar um acordo de leniência.
Sobretudo por conta do acesso que algum membro Ministério Público terá das
provas relacionadas ao cartel, fica mais simples para o órgão a instrução da
ação civil pública.
Uma solução possível para a questão seria, como aponta Milagres, ele
próprio um membro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, a
celebração de Termos de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público e
os signatários de acordo de leniência. É possível que se estabeleçam estes
instrumentos de forma o signatário de acordo de leniência se comprometa a
56 Para a relação do Ministério Público e a Defesa da Concorrência, veja MILAGRES
(2005). Para a aplicação privada do direito concorrencial na defesa dos interesses dos consumidores em juízo, veja CAIXETA (2013). Em geral, a assinatura dos acordos de leniência tem a participação de um membro do Ministério Público Federal e do Ministério Público do estado em que a conduta ocorreu.
57 Quatro dos seis acordos de leniência públicos tiveram certamente a intervenção do MP: peróxidos, cargas aéreas, metrô de SP e velas de ignição. Presume-se que também tenha havido no cartel das resinas, pela tendência observada nos acordos mais recentes.
58 A competência do Ministério Público para a propositura de ação civil pública está prevista no art. 5º na Lei 7.347/1985.
46
colaborar com o fornecimento de provas para mensuração da extensão do
dano, e em troca pague um valor inferior ao dano concorrencial ocasionado por
sua participação na conduta.
Em verdade, as instâncias administrativa, criminal e civil são
relativamente independentes, podendo, por exemplo, a celebração de
acordo de leniência, nos termos do art. 35-B da Lei n. 8.884/94,
impedir o oferecimento da denúncia-crime, mas tal ato negocial não
apresenta o efeito de prejudicialidade absoluta de outras possíveis
medidas ou respostas jurídicas. O acordo de leniência é um
instrumento que, mediante determinadas condições legais, atribui
benefícios ao agente econômico que confessa sua participação no
ilícito concorrencial e coopera, plena e permanentemente, com as
investigações.
A propósito, uma prática ilícita de cartel pode ser objeto do referido
acordo, impedindo a promoção, quanto aos infratores beneficiários,
da persecução penal. Contudo, ainda que o CADE não aplique
qualquer penalidade administrativa, cumpre ao Ministério Público a
promoção de termo de ajustamento da conduta ou mesmo de ação
civil pública, em razão da responsabilidade civil dos danos causados
a consumidores, pela prática dessa restrição horizontal do mercado,
e, para tanto, impende o estudo da análise econômica, para melhor
fundamentar sua pretensão e comprovação da materialidade do
indigitado ilícito e seu alcance. (MILAGRES, 2005, p. 201).
Importante destacar a dificuldade de quantificação do dano concorrencial, o
que poderia ser um obstáculo à assinatura deste tipo de termo, uma vez que a
mensuração dependeria de um cálculo complexo a ser realizado pelo Ministério
Público, e que poderia ter a legitimidade contestada.
47
CONCLUSÃO
Este trabalho verificou quais são os novos mecanismos de proteção à
leniência na Europa e sua possível adequação ao ordenamento jurídico
brasileiro, que se concluiu pertinente.
Com relação à responsabilidade civil do signatário de acordo de leniência, o
novo modelo europeu nos parece adequado, com o fim da responsabilidade
solidária do delator. Ademais, a mudança legislativa deveria ser acrescida de
uma política de incentivo à leniência que teria duas vertentes. A primeira,
encabeçada pelo Ministério Público, visaria mitigar pagamento de indenização
civil pelo signatário de leniência ao Fundo de Direitos Difusos (por meio de
Termo de Ajustamento de Conduta, com anuência da Secretaria Nacional do
Consumidor ou do Procon da região que sofreu com a prática
anticoncorrencial). A segunda vertente, liderada pelo Ministério da Justiça, com
o auxílio do CADE e da SEAE, seria de advocacia da concorrência, com a
promoção de cursos de atualização sobre o direito concorrencial e a leniência
para juízes federais e dos estados que possuem demandas relativas à matéria.
Sobre a confidencialidade, uma alteração legislativa que impeça o acesso aos
documentos de leniência no âmbito dos processos de reparação civil deveria
ser adotada pelo Brasil. Somada à conscientização judicial (que poderia ser
incentivada por meio dos cursos de atualização em antitruste para juízes do
Ministério da Justiça), essa iniciativa poderia acabar com os fatores de inibição
à leniência.
Conclui-se que os mecanismos atuais de proteção à leniência no Brasil
estão desatualizados, e que o país precisa dedicar-se a evoluí-los a exemplo
48
do recente engajamento europeu em um novo projeto de Diretiva apresentado
nesta pesquisa.
49
ANEXO A - ENTREVISTA COM INTEGRANTES E EX-INTEGRANT ES DO
CADE
• Responsabilidade civil do beneficiário de leniência
1) Você considera a reparação civil de danos concorrenciais no Brasil
eficaz tal como prevista na lei? Acredita que a lei deve ser alterada de alguma
forma para se atingir maior eficácia no ponto?
2) Em sua opinião, o fato de o signatário de leniência, nos termos da
legislação, poder ser alvo de ações de reparação civil, é um desincentivo à
leniência no Brasil?
3) A Europa tem um projeto de Diretiva59 que diminui a indenização a ser
paga pelo beneficiário de leniência ao dano causado por ele. Em sua opinião,
essa seria uma boa alternativa para o Brasil?
4) Quais outras formas de incentivo à leniência, em sua opinião, deveriam
ser promovidas no Brasil?
• Confidencialidade dos documentos provenientes de le niência
5) Qual seria a melhor forma de tratamento da confidencialidade dos
documentos provenientes de leniência no Brasil?
6) Em sua opinião, a confidencialidade dos documentos fornecidos em
caso de leniência no Brasil alcança a esfera civil, no caso de uma ação de
indenização?
59 Art. 11, 4 – “Os Estados-Membros asseguram que a empresa infratora possa recuperar
uma contribuição de qualquer outra empresa infratora, cujo montante será determinado em função da relativa responsabilidade pelos danos causados pela violação do direito da concorrência. O montante da contribuição de uma empresa a qual foi concedida imunidade de coimas por uma autoridade da concorrência no âmbito de um programa de leniência não excederá o montante dos danos que ela causou aos seus próprios adquirentes ou fornecedores diretos ou indiretos”.
50
7) No projeto de Diretiva europeu mencionado acima, também está prevista
a possibilidade de restrição do acesso aos documentos provenientes de
leniência60, mesmo ao juiz. O senhor considera que essa iniciativa poderia ser
aplicada no país?
A.1. ARTHUR BADIN (Ex-Presidente e ex-Procurador Ge ral do CADE.)
1) Não. A reparação civil dos danos concorrenciais no Brasil ainda é um
tema mal resolvido tanto na doutrina quanto na prática judiciária. Além da falta
de precedentes judiciais e da atuação errática dos Ministérios Públicos (e
omissão dos órgãos de defesa dos consumidores e indivíduos), diversas
questões estão em aberto.
2) Obviamente que sim, porém a lei não poderia dispor de forma diferente,
sob pena de prejudicar terceiros que não integram a relação jurídica do acordo
de leniência. O que a lei poderia fazer é deixar mais claro que a empresa não
pode sofrer ação de reparação por danos difusos após ser condenada pelo
CADE, mas apenas por danos individuais homogêneos. Entendo que a multa
do CADE, além de sancionatória, tem natureza reparatória, tanto que é
recolhida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Por isso, não pode a
empresa ser obrigada a dois recolhimentos ao FDD.
3) Pelo texto transcrito no rodapé, não me entendi que o projeto “diminui a
indenização”.
4) O principal empecilho ao programa não são as reparações civis, mas
sim a persecução penal. A nova lei, ao agravar a sanção dos crimes do art 4 da
60 Art. 6º, 6 – “Os Estados-Membros asseguram que, para efeitos de ações de indenização,
os tribunais nacionais não podem nunca ordenar a uma parte ou a um terceiro a divulgação das seguintes categorias de informação:
a) as declarações de empresa em matéria de leniência, e b) as propostas de transação”.
51
Lei 8147 (“ou” multa para “e” multa) impediu a suspensão condicional do
processo penal, paralelamente ao acordo de leniência.
5) Parece-me óbvio que todos os documentos e informações trazidos pelo
beneficiário do acordo de leniência e que venham a ser usados como prova
contra os acusados devem ser submetidos ao contraditório. Os demais, podem
ser preservados, porém com rígido controle do Ministério Público e do Tribunal
Administrativo.
6) Somente as informações e provas que forem efetivamente usadas
contra o acusado e que por isso, forem submetidas ao contraditório e ampla
defesa podem ser empresadas para o processo penal/civil.
7) Em princípio, não.
A.2. FERNANDO ANTÔNIO ALVES DE OLIVEIRA JÚNIOR (Pro curador
da República. Ex-Procurador Federal junto ao CADE e Coordenador da
Procuradoria do CADE.)
1) Não vejo “a falta de eficácia” da reparação civil de danos decorrentes de
infrações concorrenciais no Brasil como um problema legal. Acredito que a Lei
12.529/2012, assim como a Lei da Ação Civil Pública preveem mecanismos
interessantes para essa reparação. O problema, ao meu ver, está (i) na
dificuldade em mensurar o dano (decorrente da própria natureza difusa do
ilícito) e na (ii) inexistência da cultura da reparação no Brasil, fruto
provavelmente das dificuldades institucionais do Poder Judiciário (excesso de
processos, de recursos etc).
2) Não acho. O importante é que o leniente seja eximido de receber
quaisquer medidas de natureza punitiva (sanções penais ou administrativas).
Entretanto, as medidas reparatórias, embora também legitimadas em um viés
52
punitivo, por visarem justamente à reparação de um dano causado a outrem,
não deveriam ser totalmente afastadas. Talvez pudesse ser criado algum
mecanismo de descontos, em razão da facilidade na reparação decorrente da
própria leniência.
3) Sim. Vide resposta anterior.
4) Ao meu ver, é extremamente importante dar mais segurança ao leniente
de que não será perseguido na esfera penal. A legislação não prevê, para o
acordo de leniência, a participação obrigatória do Ministério Público (embora,
na prática, sempre tenha sido firmado com a sua participação), o que pode
gerar dúvidas para o leniente se, efetivamente, haverá a isenção penal. Atentar
que a Constituição atribuiu ao Ministério Público a exclusividade da ação penal
e. em todo ordenamento jurídico brasileiro, o único instituto que prevê a
isenção penal a partir de uma medida administrativa, sem participação do
Ministério Público, é o acordo de leniência da Lei 12.529/2012. Alguns falam
até, neste ponto, que haveria inconstitucionalidade. Assim, seria um incentivo à
leniência uma reforma legislativa que não apenas previsse a participação do
Ministério Público (segurança jurídica), mas que solucionasse de maneira mais
objetiva o dilema da competência (se federal ou estadual) para os crimes
contra a ordem econômica.
5) Apenas deveria ser dada confidencialidade quando presentes os
requisitos corriqueiros já existentes no ordenamento jurídico (confidencialidade
por sigilo empresarial, em razão da intimidade etc.). Isso deveria ser exceção.
Além disso, essa confidencialidade não poderia ser oposta contra os
investigados, em razão do contraditório/ampla defesa. Ou seja, investigado
apenas poderia ser condenado com espeque em provas que possa ter amplo
53
acesso, seja imediatamente, seja de maneira diferida. Para terceiros, apenas
deveria ser deferido o sigilo nas hipóteses legais, devendo as provas serem
compartilhadas para fins penais/cíveis, obedecido o grau de sigilo no órgão
responsável para a implementação da medida penal ou cível. Ou seja, em
regra, as provas deveriam ser compartilhadas entre Ministério
Público/Judiciário/outros órgãos governamentais para fins diversos.
6) Se a propositura da ação se der por um órgão/ente estatal, não. Se for
por um ente privado, apenas se os fundamentos já previstos no ordenamento
jurídico (exemplo, sigilo empresarial) puderem ser aplicados ao autor. Ainda
assim, deveria ser possível uma ponderação. A regra é que o material
probatório fornecido seja público para ampla condenação dos envolvidos, salvo
em casos excepcionais.
7) Não. O sistema ideal deveria dar total incentivo ao leniente, no sentido
de que este irá se isentar de penalidades administrativas ou penais caso
forneça provas. Entretanto, o material entregue deveria ser utilizado da maneira
mais ampla possível, para punir os demais envolvidos em todas as esferas.
A.3. GILVANDRO VASCONCELOS COELHO DE ARAÚJO (Consel heiro
do CADE. Ex-Procurador Geral junto ao CADE.)
1) A reparação civil no Brasil, seja por aspectos culturais ou mesmo pelas
dificuldades do nosso sistema judicial, não tem efetividade. São poucos os
casos em que o Ministério Público ou terceiro requereram a reparação, e
desconheço qualquer resultado efetivo de reparação. A lei já cumpre o seu
papel de prever a reparação. Agora, é preciso que o prejudicado ou seu
substituto legal sintam-se estimulados a buscar a reparação. Acho que é
necessário: i) melhorar a divulgação da possibilidade de persecução; ii)
54
melhorar os sistemas administrativo e judicial quanto ao prazo de identificação
do ilícito recebimento dos valores da indenização).
2) Pode ser um desincentivo, mas temos o fato concreto de haver incremento
do número de leniência nos últimos anos. Isso significa que se os problemas
levantados na resposta 1 são um problema para a reparação, servem de
incentivo para o leniente celebrar o acordo sem se preocupar com uma
possível ação de reparação.
3) Sem dúvidas aumentaria o incentivo para celebrar a leniência.
4) Tenho refletido muito sobre a descriminalização das condutas
anticoncorrenciais. Ainda não tenho uma posição definitiva. Mas o fato é que o
maior impacto nos incentivos da leniência está na relação criminal que a
infração administrativa tem. Ter que interagir com diversos órgãos (CADE e
MP). E talvez o grande trade off no Brasil seja fazer uma ponderação sobre a
necessidade ou não de haver uma tripla sanção (penal, civil e administrativa),
ou apenas (civil e administrativa), como existe na Europa.
5) Acho que um encaminhamento semelhante ao dado pela Europa me parece
o mais acertado. A confidencialidade outorgada pela Administração ao histórico
da conduta e os seus documentos deve ser rigorosamente preservada. Os
documentos provenientes da busca ou outros documentos percebidos ao longo
do processo podem ser apresentados para terceiros, mas somente se
autorizados pelo Judiciário, e diante de um escrutínio firme que observe: i) a
necessidade de publicização (há outros meios, p. ex?); ii) quais partes são
essenciais (só fornecer trecho ou documentos indispensáveis).
6) Resposta abarcada pela anterior.
55
7) Acho difícil no Brasil, porque o magistrado precisaria verificar elementos da
leniência para autorizar medidas invasivas, tais como buscas (solicitadas pelo
CADE), interceptações (solicitadas pelo MP). Acho que um apelo cultural de
demonstração da importância de se manter o sigilo (advocacy com o Judiciário)
para auxiliar o instituto da leniência pode ser mais efetivo. O que poderia
funcionar é dizer que só o Juiz pode ter acesso... E mais ninguém… Mas ainda
acho que a advocacy pode ter mais efeitos.
A.4. VINÍCIUS MARQUES DE CARVALHO (Presidente e ex- Conselheiro
do CADE. Ex-Secretário de Direito Econômico.)
1) Depende de qual tipo de reparação civil está sendo tratada. No Brasil, temos
dois tipos de ação de reparação civil: ação civil pública e ações de reparação
em sentido estrito, movida por pessoas físicas ou jurídicas diretamente lesadas
pelo cartel. Quanto à ACP, existem dificuldades relacionadas ao rito
processual. Já no caso das ações em sentido estrito, nas situações em que há
grandes consumidores envolvidos (como no cartel dos gases, em que há uma
ação da associação dos hospitais) não vejo muitos problemas, além daqueles
típicos da nossa estrutura judiciária. Ressalto a questão da estimação dos
danos como algo relevante e que deve ser aprimorada. Há também as ações
do Estado em casos de cartel em licitação: nelas, é menos difícil quantificar os
danos, pois o Estado possui técnicos qualificados que avaliam o preço e
podem estimar o valor do dano.
2) É difícil responder a esta questão. Em tese, olhando questões teóricas (de
teoria do incentivo), seria. Um advogado pode ponderar isso com a empresa
que apresentar a ele uma possível leniência. Porém, existem algumas
ressalvas: a primeira é que, na prática, não é possível saber em quantas
56
possíveis leniências houve desistência por esse motivo; a segunda é que se
isso é indiferente para a empresa, ou seja, ou o risco dessas ações seja visto
como baixo, talvez o incentivo hoje seja inverso: a ausência desse tipo de ação
na prática pode estar incentivando a existência de acordos. Isso é algo que
deve ser averiguado numa pesquisa empírica e não em tese. Por fim, há o fato
de que a decisão sobre a existência do cartel é, no primeiro momento,
administrativa, e provavelmente ensejará uma ação judicial que visa anular a
decisão do CADE. Com isso, pode haver um conflito judicial entre a ação de
reparação de danos e aquela de anulação. Existirá a dúvida sobre se o juiz
competente para a ação de reparação de danos poderá fazer juízo de
conhecimento sobre a existência do cartel ou não.
Insisto, diante dessas reflexões, acredito que não seja possível responder a
esta questão de maneira teórica, e sim prática. A pergunta poderia ser
formulada de maneira inversa: a pequena cultura de reparação civil no Brasil
pode ser, ou tem sido, um incentivo à celebração de acordos de leniência?
3) Depende. Em tese, sim, para favorecer o signatário da leniência. Por outro
lado, se a lei prever que o leniente terá que ajudar a estimar e reparar o dano
no próprio acordo de leniência, isso pode ser um desincentivo, pois na ação de
reparação de danos ainda existiria para ele, ao menos em tese, a possibilidade
de questionar a amplitude do dano. Se o problema da efetividade do processo
de reparação de danos não for resolvido, qualquer incentivo pode se tornar
contrário. Se a decisão do CADE fosse final (o que é inconstitucional por conta
do princípio da inafastabilidade da revisão judicial) e desse 30 dias, por
exemplo, para o leniente pagar o dano que causou, e os outros membros do
cartel devessem pagar o dobro do dano no mesmo momento, aí sim poderia
57
ser um incentivo. Para sanar o problema da constitucionalidade, poderia
também existir a possibilidade legislativa de o leniente reparar o dano causado
enquanto os outros membros do cartel o reparassem em dobro, após decisão
transitada em julgado do processo judicial.
Outra discussão que pode surgir é sobre quem seria o consumidor legitimado
para receber a reparação dos danos. Também é possível discutir o seguinte: a
reparação de danos é privada. A leniência faz parte de um enforcement
público. Para mim, a legislação e política antitruste deve se priorizar o
enforcement público ao invés do privado, se houver uma contradição entre
ambos.
4) A leniência pode ter seu maior incentivo com o desenvolvimento de
instrumentos de detecção de cartéis de ofício. Dessa forma, o risco de
detecção dos cartéis aumenta e com isso as empresas percebem a
necessidade de correr para fazer o acordo de leniência. Talvez se hoje o CADE
tivesse mais funcionários, mais recursos administrativos, condições de fazer
um número maior de buscas e apreensões por exemplo, haveria maiores
incentivos para a leniência.
Há também questões paralelas que podem acarretar um incremento à
leniência: decisão sobre qual é o Ministério Público competente para a
persecução penal em caso de cartéis; aperfeiçoar a garantia da
confidencialidade dos documentos; maior comprometimento do Judiciário no
tratamento dos documentos relacionados à leniência.
5) Não houve resposta.
6) Não houve resposta.
7) Seria adequado que isso fosse feito.
58
A.5. PAULO FURQUIM (Ex-Conselheiro do CADE. Economi sta.)
1) Praticamente não há casos de reparação civil de danos concorrenciais
no Brasil, embora haja alguns importantes processos em andamento,
referentes aos cartéis de gases industriais e de laranja, entre outros. Portanto,
embora a reparação civil não tenha representado qualquer papel no Brasil, há
perspectivas positivas de que venha a ser uma peça importante no
enforcement da defesa da concorrência no Brasil. Esse papel nunca será
equivalente ao observado nos EUA, cuja indenização é fixada em triplo do valor
do dano, com o intuito de garantir incentivos fortes para os plaintiffs
reclamarem seus direitos.
2) Sim. Embora a reparação civil ainda não tenha se consolidado no Brasil,
há uma incerteza jurídica sobre quais serão as consequências de um processo
de cartel em início no SBDC, que, pode, ao final, resultar ou não em
reparações substanciais. O problema, nesse momento, é predominantemente
de incerteza jurídica.
3) Creio que sim. Mas é um problema complexo do ponto de vista concreto.
Isso porque não se trata de um direto difuso. Aquele que sofre o dano é
claramente identificado e deve ter direito a ressarcimento. A imunidade de
indenização para o beneficiário da leniência tiraria o direito de indenização dos
clientes desta (lesados pelo cartel), que podem ser diferentes dos clientes dos
demais participantes do cartel. Poderia haver uma situação indesejável, de
alguns lesados serem ressarcidos e outros não (clientes do beneficiário da
leniência).Nos EUA, há um desconto de 1/3 na indenização, que passa a ser
em dobro, em nome da celeridade e certeza do final do processo. Essa é uma
59
proporção que me parece apropriada. Mas certamente não indicaria a plena
imunidade na reparação civil.
4) Os dois maiores incentivos para a leniência é o cumprimento do contrato
de leniência e, sobretudo, a punição severa aos demais acusados. Em termos
de benefícios de imunidade, os incentivos já são imensos.
* Ponto sem dúvida importante. O beneficiário da leniência deve ser preservado
de exposição pública e prejuízos comerciais que possam decorrer da
investigação. É isto o que chamei, lato sensu, de cumprimento do contrato de
leniência.
6) Esta questão já foge um pouco de minha expertise. Arrisco-me dizendo que
deve-se equilibrar dois princípios, a confidencialidade dos documentos e o
direito a ampla defesa e contraditório dos demais investigados. Some-se um
terceiro princípio, caro ao Cade, a transparência a accountability pela
sociedade. São princípios que podem ser conciliados com um bom desenho
institucional. A fase de investigação deve ser conduzida em pleno sigilo; a fase
de defesa (PA instaurado) deve-se dar plena vista aos representados dos
documentos que lhe dizem respeito. É fácil dizer, mas essa é uma tarefa
bastante complexa. Finalmente, com a decisão, deve ficar absolutamente claro
ao público em geral o motivo da condenação, o papel de cada um dos
participantes do cartel, inclusive do beneficiário da leniência, e a pena aplicada.
Deve-se evitar a divulgação de qualquer informação que não seja necessária
para fundamentar essas decisões (motivo, participação e pena).
7) Considero a separação dos processos administrativo, criminal e de
reparação civil em diferentes esferas um defeito do desenho institucional da
60
política de defesa da concorrência no Brasil. Isso gera diversos tipos de
problema, como empréstimo de prova e confidencialidade de documentos, ao
menos potencialmente. Entendo, como princípio, que a confidencialidade dos
documentos deva ser estendida às ações de reparação civil. Caso contrário, a
confidencialidade em esfera administrativa seria inócua. Mas, dada a
separação de processos, isso gera efeitos práticos que podem ser de difícil
solução.
8) Tenho dúvidas sobre a pertinência da medida. Se a leniência for estendida à
reparação civil, o juiz tem de ter acesso aos documentos. Não parece fazer
sentido um juiz ser privado da informação que fundamenta o cartel e, ao
mesmo tempo, conceder imunidade a um dos representados, apenas porque a
autoridade administrativa decidiu. Situação equivalente aplica-se à revisão
judicial de decisões administrativas. Não me parece concebível privar o juiz de
qualquer documento do processo. Imagine que um procurador do MP ou um
plaintiff considere que o Cade foi excessivamente leniente com os
representados e conteste a decisão do órgão na justiça. Seria, no meu
modesto entendimento de economista, inconcebível o juiz decidir sem acesso à
totalidade dos documentos.
61
A.6. RICARDO MACHADO RUIZ (Ex-Conselheiro do CADE. Economista.)
1) Não visitei extensivamente o assunto, mas durante os anos que estive
no CADE não fui informado de nenhum movimento consistente na reparação
de danos concorrenciais de qualquer natureza. Tenho somente notícias
dispersas sobre tentativas de reparação relacionadas ao caso do cartel de
gases industriais.
A lei já indica esta potencial reparação, mas é necessário difundir na sociedade
a visão da conduta anticoncorrencial como um ilícito. Em geral, as condutas
anticoncorrenciais são vistas como “estilos de negócios” e não como ilícitos, o
que desincentiva a busca de reparações.
Acredito que é necessário informar a sociedade em geral sobre esta
possibilidade de reparação de danos de correntes de condutas
anticoncorrenciais. O Ministério Público poderia ser um importante ator nesta
tarefa.
No que se refere ao leniente, a situação é ainda mais dramática, pois a figura
do leniente é ainda mais distante do conhecimento dos envolvidos
indiretamente no caso, ou seja, não estão no polo passivo e sofreram os efeitos
da conduta.
2) Concordo com a tese. A possibilidade de o leniente ser alvo de ações de
reparação civil é um desincentivo à leniência.
3) Sim. A proposta poderia ser incorporada ao Brasil.
4) Manter a confidencialidade dos envolvidos, dos documentos e dos
depoimentos. Entendo ser este um aspecto básico. Outro aspecto que corre
em paralelo ao instituto da leniência e que considero potencialmente benéfico
seria a conexão da leniência com acordos (TCCs). A nova resolução do CADE
62
sobre TCC foi um passo importante nesta direção, mas esta possibilidade é
muito pouco divulgada e ainda não foi explorada. Além do mais, a
criminizalização das condutas colusivas desincentiva esses acordos, o que faz
com que a leniência fique “isolada” no processo.
5) Acredito que a forma ideal seria ter as decisões sobre o processo
concentrado em um único centro jurídico decisório capaz de definir como e
quais documentos seriam divulgados. A dispersão de documentos em várias
instituições ou instâncias decisórias coloca em risco a confidencialidade.
6) Sem comentários
7) No caso específico da proposta citada, tendo a concordar com a
concentração das informações em um único centro jurídico decisório. A
dispersão de decisões e de informação aumentaria significativamente a
possibilidade de toda sorte de conflitos e de uma variedade quase inimaginável
de critérios de divulgação que poderiam colocar em risco todo o processo.
A.7. CÉSAR MATTOS (Ex-Conselheiro do CADE. Economis ta.)
1) Não tive nenhuma experiência concreta sobre reparação civil. Também
não conheço como funciona a legislação neste aspecto.
2) Não tenho conhecimento jurídico suficiente para saber o alcance do art.
87 da Lei 12.529, de 2011 sobre isto. Não havendo tal proteção, pode
atrapalhar a leniência com certeza.
3) Sim. Afinal, não interessa de onde vem a punição. O potencial leniente
avaliará o valor esperado de sua punição para avaliar se opta ou não pela
leniência.
4) Não sei.
63
5) Associado com a possibilidade de reparações civis de lenientes, a não
confidencialidade seria um golpe de morte no instituto da leniência no Brasil.
Assim, o escopo da confidencialidade deve ser realmente grande na leniência.
A extensão ideal da confidencialidade depende do caso a caso.
6) Não faço ideia.
7) O acesso do juiz é mais uma janela aberta para vazar informações. Ao
mesmo tempo é importante check and balance da ação da autoridade.
Ponderando os dois acredito que o segundo é relativamente mais importante e
NÃO deve haver restrição de acesso para todos os juízes (a depender do caso
em que está).
A.8. MAURO GRIMBERG (Ex-Conselheiro do CADE. Advoga do.)
1. A reparação civil por danos concorrenciais no Brasil reconhecidamente não é
eficaz, como não é eficaz qualquer tipo de reparação de dano no Brasil. A lei
brasileira, como todas as leis do mundo ocidental, prevê a reparação de danos,
sejam eles decorrentes de acidente aéreo, imperícia médica, formulação errada
de medicamentos, prejuízos por cartéis, etc. Todos cabem na vala comum e
não se pode dizer que um é mais grave do que o outro (por exemplo: o
consumidor que pagou mais pela gasolina não pode ser priorizado em relação
à viúva que perdeu o marido em um acidente aéreo). As indenizações passam
pelo Poder Judiciário e só nele podem ser resolvidas. Assim, a única solução é
tornar o Poder Judiciário mais eficiente e rápido.
2. O fato do leniente também poder ser alvo de indenização pode ser um
desincentivo para a leniência porque esta inclui necessariamente a confissão.
Por isso os lenientes devem ter provas sólidas para não serem os únicos a
sofrer ações de indenização.
64
3. A possibilidade de diminuir a indenização paga pelo leniente (que existe
também nos Estados Unidos) é fundamentalmente injusta para com os
credores. O que comprou do leniente terá menos do credor que comprou do
outro participante do mesmo cartel. A injustiça é ainda mais flagrante quando o
cartel inclui a alocação de mercados. Essa diminuição só pode funcionar sem
injustiça se parte da multa devida ao CADE for destinada a complementar a
indenizações ao credor do leniente.
4. Os incentivos à leniência já existem e são bem conhecidos. Um único
incentivo deve ser acrescentado: a atuação eficiente e rápida dos órgãos de
defesa da concorrência.
5. A confidencialidade no Brasil é boa; apenas precisa de mais treinamento
para evitar acidentes de percurso.
6. Nenhuma confidencialidade no Brasil está a salvo de ordem judicial; esta,
contudo, pode ser objeto de pedido de reconsideração e recurso.
7. Qualquer restrição de acesso a dados confidenciais só pode ocorrer por lei
mas assim mesmo as ordens judiciais (que admitem pedido de reconsideração
e recurso) devem ser cumpridas.
A.9. MARCELO CALLIARI (Ex-Conselheiro do CADE. Advo gado.)
1) A premissa básica, por mais que representemos lenientes, é que quem
sofreu um dano tem direito a ser reparado. A outra consideração que o CADE
tem acenado é que a reparação civil é uma vertente de todo um mecanismo de
dissuasão, por aumentar o custo de violar-se a lei.
A lei relacionada à reparação de danos no Brasil hoje não é eficaz, mas em
parte ocorre por desconhecimento. Esse quadro tem mudado: uma série de
65
ações de reparação está em andamento contra empresas condenadas, a
exemplo do cartel dos gases.
O limitador é que o grande motor nos EUA disso são as class actions. A
maioria dos casos é de consumidores, pois uma empresa pode ter dificuldades
de processar sua fornecedora por questões comerciais.
O mecanismo brasileiro, que não tem uma class action, tem um alcance mais
limitado. Na Alemanha, empresas podem inclusive comprar os direitos de ser
reparado por danos concorrenciais.
No Brasil não se sabe quantas ações existem, e há um incentivo para entrar
com ações que não passaram nem no CADE, por não existir a necessidade de
análise administrativa anterior.
Não sou favorável ao modelo americano. Um consumidor lesado no Brasil tem
pouco incentivo para entrar com ação de reparação civil por ela ser muito cara,
o que faz com que o sistema não proteja o consumidor. A ação civil pública no
Brasil não repara os consumidores, pois a indenização é endereçada ao Fundo
de Direitos Difusos, para onde também vão as multas administrativas impostas
pelo CADE. Pode-se discutir o bis in idem, pois a imputação de mais uma multa
ao membro do cartel não afeta a reparação do consumidor. Este é um grande
risco potencial que as empresas devem levar em conta (no caso do cimento,
por exemplo). É um desincentivo para a leniência e não resolve o problema do
dano dos indivíduos. Não há um incentivo mágico sem os problemas que os
EUA enfrentam (a indústria da reparação civil). O Brasil tem também outro
problema a enfrentar: a atuação do Ministério Público em ações de reparação
de danos só piora, e não melhora a ação civil pública.
66
2) Sim, não tem como negar. É uma conta que a empresa faz, e os advogados
passaram a ressaltar esse fator na conta há aproximadamente 3 ou 4 anos. O
caso do metrô deu muita atenção para isso, o que por um lado é saudável e
por outro entra na conta dos aspectos negativos que uma empresa pode
enfrentar ao firmar acordo de leniência, o risco da ação de reparação. Isso tem
ligação direta com a questão da leniência também porque o leniente sabe que
um eventual autor de uma ação de reparação, no Brasil ou no exterior, pode ter
acesso aos documentos fornecidos com muita rapidez.
Há mais tempo a decisão de fazer um acordo de leniência era mais simples.
Porém, temos que lidar com isso pois se queremos que a pessoa tenha direito
à reparação, ela deve ser estimulada.
Quanto à atuação do Judiciário nesse sentido, é difícil que haja previsibilidade.
Como comparação, podemos citar que existem dúvidas sobre como é
calculada a multa do CADE, que foi complicada por conta da questão do ramo
de atividade.
Nesse caso específico, das ações judiciais, não se sabe quão maior é o risco e
como as multas serão calculadas, pois o Judiciário brasileiro é desorganizado.
Não se sabe quanto será a quantificação dos danos, discussão que lá fora é
muito avançada. Aquilo que o CADE faz, de usar o estudo da OCDE (2003) de
que presume o sobrepreço causado por um cartel entre 10-20%, não leva em
conta o caso concreto, o que é temerário. É possível que o juiz use essa
mesma premissa, como o CADE utilizou no caso do cimento. No voto do
Conselheiro Alessandro Octaviani, não foi utilizado nenhum fundamento sólido
para a dosimetria da multa. Se isso for aceito, terá muito impacto no Brasil.
Entendo a preocupação do CADE de fazer isso, mas no mundo ninguém
67
usaria. Óbvio que há muita dificuldade de prova, e a Diretiva europeia tenta
endereçar isso para o juiz. Pode haver uma condenação de cartel em mercado
que o preço tenha caído, pode-se discutir que o preço cairia mais, mas o caso
é que deve ser bem analisado. O standard para quantificar o dano é
complicado. Na falta de legislação, isso será feito jurisprudencialmente, o que
no Brasil é complicado, pois qualquer juiz pode decidir diferente até mesmo das
Cortes Superiores. A incerteza quanto aos parâmetros de demonstração do
dano efetivamente causado e sobre o juiz vai aceitar como prova, algo que
será crucial.
O CADE no primeiro cartel do aço teve uma discussão se o aumento que uma
certa hora foi informado pelas empresas era justificado por um acordo feito
entre elas. Havia um anúncio mais ou menos simultâneo e no mesmo preço
que não era justificável. O CADE fez um estudo sobre isso e viu que os fatores
levantados pelas empresas para aumentar o preço, e o Conselheiro foi
descartando economicamente o but for. Tememos que no Brasil a
quantificação não seja precisa, e o CADE estimulou isso no caso do cimento.
Exigir demonstração mais rigorosa do dano tem efeito de desestimular ações
de reparação. Achar esse equilíbrio é complicado, e a Diretiva tenta endereçar
esta questão. Algum tipo de previsão juris tantum que facilite o cálculo deve
acontecer para reduzir um pouco o ônus para quem entra com a ação de
reparação de danos.
Não houve nenhum caso em que atuei em que a empresa desistiu
especificamente por conta da reparação, pois o risco de encarar este tipo de
ação no Brasil ainda não deixou de ser pequeno.
68
O que houve foi que em 2005 não era uma preocupação. Foi passando a ser
por conta dos raros casos em que ocorreu a propositura de ação de reparação
por danos concorrenciais. Há indicação por conta do caso do metrô de que os
casos que envolvam órgãos públicos haja uma pressão maior para que ações
de reparação sejam propostas.
A mudança da legislação é bastante interessante, pois a incerteza quanto a
esses aspectos é muito problemática.
3) Acredito que seja uma boa alternativa. Tem um problema jurídico, pois o
cliente que comprou da leniente ou de outra empresa do cartel não tem
responsabilidade pela escolha, e não deve ter seu valor reduzido. O caminho
escolhido pelos EUA foi o de agravar a indenização a ser paga pelos outros
membros. Haveria, no limite, um enriquecimento ilícito nesse caso de trebble
damages. Fazer a diferenciação não é muito simples. Permitir que o leniente
tenha uma diminuição é razoável, mas há a questão da reparação integral de
quem vai receber as indenizações.
A solidariedade também é uma questão importante, que os EUA retiraram para
os lenientes.
4) Dois aspectos que motivam o acordo de leniência são a transparência e a
previsibilidade. Um problema que o Brasil tem sempre é a questão criminal. Dar
imunidade criminal para quem faz a leniência é muito importante. Uma questão
complicada é que só se beneficiam do acordo os funcionários das empresas
que o assinaram. Ex-funcionários, que muitas vezes não são contatados para
manter a confidencialidade da busca, ficam fragilizados em relação à
persecução penal. Na maioria dos países, a leniência é um guarda-chuva que
protege as outras pessoas físicas. Esta preocupação o CADE conhece e a SG
69
tem a perspectiva de que com a nova lei poderiam ser incluídas como
beneficiárias de imunidade outras pessoas que não assinaram o acordo de
leniência num primeiro momento.
O metrô é um divisor de águas também neste ponto. É o primeiro caso na
história do Brasil em que promotores foram atrás de estrangeiros residentes no
exterior por conta de crime de cartel. Antes, este risco não era apresentado.
Essas questões de previsibilidade: criminal, do CADE, e de julgamento mais
rápido no Brasil devem ser aprimoradas. Em parte no Brasil o acordo de
leniência demora mais por causa dos indivíduos. Nos outros países, anda mais
rápido pois se acharem outras pessoas físicas que trabalharam com o leniente
depois do acordo celebrado não é um problema. No Canadá, por exemplo, o
acordo de leniência é bem mais rápido. Há também questões processuais: os
indivíduos estrangeiros devem vir ao Brasil para depor? Diretores, por
exemplo? Antigamente nunca acontecia, mas se os Representados pedirem e
a SG negar, pode ser considerado cerceamento de defesa. Há questões
incertas com relação a isso.
É obvio que, no limite, multas altas são incentivo à leniência, bem como a
possibilidade de haver processo criminal contra diretores por conta do cartel. A
previsibilidade na reparação civil também seria um incentivo à leniência.
5) É um enorme elemento de consideração a confidencialidade para proposta
de acordo de leniência. No início do procedimento, o Brasil tem um sistema
muito bom, que facilita a decisão de pegar o marker e não ter isso usado contra
você. Isso é feito confidencialmente, e caso a leniência não vá pra frente isso
não pode ser usado contra o leniente. O risco de pedir o marker não é grande,
e pode haver desistência.
70
No momento de fornecimento dos documentos, a questão do MP é sempre
uma incógnita, pois ao assinar ele tem acesso ao material também e pode
divulgar. A interação entre CADE e MP deve melhorar. Os documentos da
leniência e da busca são compartilhados, por isso a conscientização do MP
torna-se primordial.
6) A falta de segurança dos documentos apareceu mais com o caso do metrô.
A postura do CADE foi boa quanto a isso, por não ter fornecido qualquer
documento para reparação de danos antes de ter decisão judicial. Ainda assim,
deve haver um tratamento mais claro: vai ser usado? Quando? A minha
preferência é na linha que a Diretiva adotou, que protege o material de
leniência. O ideal seria que não houvesse acesso mesmo depois do acordo,
pois há impacto na reparação civil não só aqui ou lá fora. O cálculo de
reparação civil nos EUA pode aumentar se os documentos daqui forem
acessados.
Se fosse um cartel internacional, o acesso a isso no início da investigação seria
um fator de desincentivo muito grande. O fato é que abrir acesso para
reparação de danos logo no começo impacta não só no Brasil, mas também lá
fora. Do jeito que está hoje, há muita incerteza. O CADE quer proteger o
material, mas se o juiz não ajudar, é complicado. É claro que o caso do metrô
tinha especificidades políticas que podem ter influenciado. Basta que um juiz
em onze que autorizaram a busca e apreensão revele os documentos. O CADE
deve mostrar mais ainda a necessidade da confidencialidade dos documentos.
Isso prejudica a reparação de danos? Mas se houver a condenação do CADE
depois, já há muito pra usar.
71
Ninguém defende que o leniente não pague a reparação, o que não se quer é
que ele seja colocado em posição pior que o resto dos membros do cartel. Isso
ocorreu no metrô, e o desdobramento disso, em que o Estado de São Paulo
entrou contra a Siemens não podia ter acontecido. Esta ação do Estado foi
muito negativa. Esse pensamento não ocorreu ao Estado, mas seria uma
questão de política pública proteger o instituto da leniência. Houve um efeito
muito negativo.
7) Sim. Não é necessário o material de leniência para a instrução da ação de
reparação, basta a condenação do caso pelo CADE.
A.10. MARIA EUGÊNIA NOVIS (advogada)
1) Considero que as ações de responsabilidade por danos causados por
infração da ordem econômica no Brasil sujeitam-se a enormes dificuldades,
decorrentes principalmente da determinação da dimensão do dano, ou seja, da
mensuração os danos emergentes ou os lucros cessantes; de entraves
processuais e da consequente morosidade do Poder Judiciário; e ainda de
questões culturais.
Não me parece que uma alteração da Lei de Defesa da Concorrência poderia
conferir mais eficácia a ações desta natureza. O longo percurso que essas
ações enfrentam no Judiciário continuaria a desencorajar os prejudicados a
buscar a reparação.
2) Sim. Isto ocorre especialmente nos casos de cartel internacional, diante do
risco de que os documentos provenientes de uma leniência no Brasil possam
servir como base para uma ação de reparação civil no exterior, em países onde
tais ações são mais frequentes do que no Brasil.
72
3) Acredito que, para os casos de cartel tipicamente nacional, o incentivo mais
poderoso seria a garantia de imunidade contra ações de reparação civil, que se
somaria à imunidade na esfera na criminal e à imunidade administrativa total ou
parcial. Na ausência de imunidade, o beneficiário da leniência continuaria
teoricamente sujeito a um longo período de discussão do caso em juízo, com
resultados incertos diante da inexperiência de juízes e peritos em lidar com
casos desta natureza.
Em casos de cartel internacional, além da imunidade contra ações de
reparação civil no Brasil, é importante adotar mecanismos que dificultem a
propositura de ações no exterior baseadas no acordo de leniência celebrado no
Brasil e na documentação dele decorrente, como Histórico da Conduta e prova
documental, como mencionado abaixo.
4) A confidencialidade dos documentos provenientes de leniência seria, sem
dúvida, um grande incentivo para que empresas envolvidas em práticas
colusivas buscassem um acordo com as autoridades concorrenciais no Brasil.
5) Acredito que a melhor alternativa seja a limitação de acesso a tais
documentos única e exclusivamente aos representados para fins de defesa no
Processo Administrativo, aliada a uma proibição legal de utilização desses
documentos para fins de ações de reparação civil no Brasil ou no exterior.
6) Desconheço norma legal que de fato proíba, no Brasil, a utilização de
documentos provenientes da leniência para fins de ações de reparação civil.
7) Sem dúvida seria uma medida bastante interessante. Mas é necessário
avaliar em maior profundidade se tal restrição de acesso conflitaria com direitos
assegurados aos litigantes em nosso ordenamento jurídico.
73
A.11. MARIANA TAVARES (advogada e ex-Secretária de Direito
Econômico)
Respostas gerais:
O número de ações privadas no Brasil é baixo, assim como são limitados a
jurisprudência e a doutrina.
O sistema de detecção/dissuasão de cartel inclui a responsabilidade civil.
Temos alguns desafios em relação a isso no Brasil, em especial no Judiciário
(mas a dificuldade com o Judiciário é comum a outras esferas do direito).
A peça central de uma política de repressão a cartéis é a leniência.
As ações de reparação são um desincentivo por entrarem no cálculo do custo
da leniência. Porém, não são um obstáculo, pois ter que pagar indenizações
ainda não é uma realidade: não existe nenhuma decisão final em ação de
reparação de danos concorrenciais.
Um fato que pesa bastante na questão da reparação civil é a solidariedade do
beneficiário de leniência com os outros membros do cartel para pagamento da
indenização. Se o signatário de leniência pagar a indenização por todo o cartel,
a efetivação do seu direito de regresso demorará anos. É importante que seja
corrigida essa falha estrutural no ordenamento jurídico brasileiro.
Ao lado disso, existe a questão da confidencialidade. Apesar do CADE estar
trabalhando para garantir que a identidade do beneficiário de leniência seja
preservada, ainda é um risco que a empresa corre. Os juízes até determinam o
sigilo dos processos de busca e apreensão, mas as secretarias ainda não
estão acostumadas com isto. Esse risco terá um peso maior ou menor a
depender da abrangência do cartel, ou seja, se o acesso aos documentos
ensejará ações de reparação em outros países.
74
No caso de cartéis nacionais, a decisão de se candidatar a um acordo de
leniência é mais simples. Apesar de haver o custo de negociar com os clientes
lesados pelo cartel, do outro lado da balança está a atuação eficiente do CADE
na detecção de cartéis e as altas multas cobradas.
Já para os cartéis internacionais, a questão é mais complexa, pois o risco de
vazamento pode ter como consequência diversas ações de reparação no
exterior, e as indenizações a serem pagas podem ser milionárias (como é o
caso dos EUA, com os trebble damages). Nesses casos, a empresa leva em
conta para fazer o acordo de leniência no Brasil o risco de vazamento de seu
nome; as ações de indenização que podem decorrer no Brasil e também
aquelas que podem existir no exterior, referentes ao mesmo cartel.
75
Bibliografia
AMARO, R. Le contentieux privé des pratiques anticoncurrentie lles .
Paris: Université Paris V (Descartes), 2012.
ANDERS, E. C.; PAGOTTO, L.; BAGNOLI, V. Comentários à Nova Lei de
Defesa da Concorrência - Lei 12.529 de 30 de novemb ro de 2011 . 1ª. ed.
São Paulo: Método, 2012.
AZEVEDO, P. F. D. Análise Econômica da Defesa da Concorrência. In:
TIMM, L. B. (. ). Direito e Economia no Brasil . 1. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
Cap. 11, p. 150-175.
BIEN, F. PROCEDURES – DOMMAGES-INTERETS – PROGRAMME DE
CLEMENCE – ACCES AUX DOCUMENTS DETENUS PAR LES ANC : La
Cour d’appel de Düsseldorf refuse également l’accès aux documents remis au
Bundeskartellamt dans le cadre du programme de clémence (Kaffeeröster).
Revue Concurrences , Paris, v. 4, p. 181-182, 2012.
BIEN, F. PROCEDURES – DOMMAGES-INTERETS – PROGRAMME DE
CLEMENCE – ACCES AUX DOCUMENTS DETENUS PAR LES ANC : Le
Tribunal d’instance de Bonn a validé le refus d’accès aux documents remis au
Bundeskartellamt dans le cadre du programme de clémence. Revue
Concurrences , Paris, v. 2, p. 174-176, 2012.
CAIXETA, D. B. Novas diretrizes da política antitruste brasileira: o
consumidor e a atuação do Ministério Público na defesa de seus interesses.
Revista de Defesa da Concorrência , Brasília, v. 1, p. 71-104, maio 2013.
CARVALHO, L. C. L. G. D. Fundação Getúlio Vargas. Biblioteca Digital
FGV, 2011. Disponivel em:
76
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/10470>. Acesso em: 08
Fevereiro 2014.
CARVALHO, M. C.; CREDENDIO, J. E. Jornal Folha de São Paulo, 2013.
Disponivel em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/11/1367921-justica-
manda-alckmin-refazer-acao-contra-cartel.shtml>. Acesso em: 5 maio 2014.
CARVALHO, V. M. D.; LIMA, T. N. D. C. O novo SBDC e a implementação
da política brasileira de defesa da concorrência na análise de condutas
anticompetitivas. In: FARINA, L. A nova lei do CADE . 1. ed. Ribeirão Preto:
Migalhas, 2012. Cap. 19, p. 256.
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. Commission Staff
working paper . COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. Bruxelas, p.
77-81. 2005.
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. Livro Verde: Acções de
indemnização devido à violação das regras comunitárias no domínio antitrust.
Bruxelas: [s.n.], 2005.
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. COMMISSION STAFF
WORKING PAPER accompanying the WHITE PAPER on Damag es actions
for breach of the EC antitrust rules . Bruxelas: [s.n.], 2008.
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. LIVRO BRANCO sobre
acções de indemnização por incumprimento das regras comunitárias no
domínio antitrust . Bruxelas: [s.n.], 2008.
COMISSÃO EUROPEIA. Actions for Damages. Site da Comissão
Europeia , 2014. Acesso em: 03 maio 2014.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Programa de
Leniência. Site do Conselho Administrativo de Defesa Econômica , 11 Abril
77
2014. Disponivel em:
<http://www.cade.gov.br/Default.aspx?85a566aa71af70ca9ebf94>.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Balanços e
Apresentações. Site do Conselho Administrativo de Defesa Econômica ,
2014. Disponivel em:
<http://www.cade.gov.br/Default.aspx?5fdf20e02fed2e0c2023>. Acesso em: 10
junho 2014.
CORDOVIL, L. et al. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada .
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
CRAVO, D. C. A natureza da intervenção judicial do Cade. In: SEAE V
Prêmio SEAE 2010: Concurso de Monografias sobre os temas Defesa da
Concorrência e Regulação Econômica. Brasília: SEAE, 2010. p. 618.
EUROPEAN COMPETITION NETWORK. Resolution of the Meeting of
Heads of the European Competition Authorities of 23 May 2012. European
Commission , p. 1-3, 2012. Disponivel em:
<http://ec.europa.eu/competition/ecn/leniency_material_protection_en.pdf>.
Acesso em: 04 abril 2014.
FRANCESCHINI, J. I. G. A nova lei do CADE - alguns tópicos de lege
ferenda. In: FARINA, L. A nova lei do CADE . Ribeirão Preto: Migalhas, 2012.
Cap. 6, p. 256.
GABAN, E. M.; DOMINGUES, J. O. Direito Antitruste . 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
GABAN, E. M.; DOMINGUES, J. O. Direito Antitruste . 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
78
GLOBO, JORNAL DA. Empresas denunciadas por cartel podem devolver
R$ 2,5 bilhões, 2014. Disponivel em: <http://g1.globo.com/jornal-da-
globo/noticia/2014/05/empresas-denunciadas-por-cartel-podem-devolver-r-25-
bilhoes.html>. Acesso em: 19 junho 2014.
INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Anti-cartel enforcement
manual. International Competition Network - ICN , Maio 2009. Disponivel em:
<www.internationalcompetitionnetwork.org>. Acesso em: 15 junho 2014.
LEMAIRE, C. ACCES AUX DOCUMENTS – AUTORITE DE LA
CONCURRENCE: Le législateur français déclare non communicables les
documents détenus et élaborés par l’Autorité de la concurrence dans le cadre
de l’exercice de ses pouvoirs d’enquête, d’instruction et de décision. Revue
Concurences , Paris, v. 3, p. 184, 2011.
MAHR, E.; LANGE, P. A. ACPERA — A Glass Half Full. Wilmer Hale , 2010.
Disponivel em:
<http://www.wilmerhale.com/uploadedFiles/WilmerHale_Shared_Content/Files/
Editorial/Publication/ACERPA%20-%20A%20Glass%20Half%20Full.pdf>.
Acesso em: 30 junho 2014.
MARTINEZ, A. P. Repressão a Cartéis: Interface entra Direito
Administrativo e Direito Penal. São Paulo: Singular, 2013.
MARTINS-COSTA, J.; PARGENDLER, M. S. Usos e abusos da função
punitiva : punitive damages e o direito brasileiro. CEJ, Brasília, n. 28, p. 15-32,
janeiro-março 2005.
MILAGRES, M. D. O. O Ministério Público e a Defesa da Concorrência.
Revista Jurídica UNIJUS , Uberaba, v. 8, p. 195-203, 2005.
79
O ESTADO DE S.PAULO. Bosch faz acordo com o Cade e revela cartel. O
ESTADO DE S.PAULO , 2014. Disponivel em:
<http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bosch-faz-acordo-com-o-cade-
e-revela-cartel-imp-,1553373>. Acesso em: 02 Setembro 2014.
OLIVEIRA, A. F. D. O Direito da Concorrência e o Poder Judiciário . 1.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
PARR. Reichhold files for leniency in Brazil in price-fixing cartel. PaRR,
2014. Disponivel em: <http://app.parr-global.com/intelligence/view/1117835>.
Acesso em: 25 agosto 2014.
SAVOV, V. The EU Court of Justice gives a clear indication that sufficiently
substantiated requests for access to documents from cartel victims are a matter
of public interest (EnBW). e-Competitions Bulletin, Revue Concurrences ,
Paris, n. 64571, p. 1-4, Fevereiro 2014.
SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO. Combate a Cartéis e Programa
de Leniência. CADE, Brasília, 2009. Disponivel em:
<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>.
Acesso em: 09 Fevereiro 2014.
SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO. Combate a Cartéis e
Programa de Leniência . 1. ed. Brasília: Publicação Oficial, v. 1, 2009.
TAVARES, M. A proteção dos documentos de leniência no âmbito de ações
de indenização por violação. Revista de Defesa da Concorrência , Brasília, n.
2, p. 32-44, novembro 2013.
UNIÃO EUROPEIA. Comunicação da Comissão Relativa à imunidade
em matéria de coimas e à redução do seu montante no s processos
relativos a cartéis . Bruxelas: [s.n.], 2006.
80
UNIÃO EUROPEIA. ALTERAÇÕES DO PARLAMENTO EUROPEU À
PROPOSTA DE DIRETIVA SOBRE AÇÕES DE INDENIZAÇÃO NO DOMÍNIO
ANTITRUSTE. PARLAMENTO EUROPEU. BRUXELAS, p. 1-63. 2014.
UNIÃO EUROPEIA. European Commission - Competition. Training of
national judges and judicial cooperation in the fie ld of EU competition law ,
2014. Disponivel em: <http://ec.europa.eu/competition/court/training.html>.
Acesso em: 19 junho 2014.
ENTREVISTAS REALIZADAS:
� Arthur Badin, em 27 de junho de 2014.
� Bruno Lana, em 12 de agosto de 2014.
� César Mattos, em 15 de julho de 2014.
� Fernando Antônio Oliveira Júnior, em 1º de julho de 2014.
� Gilvandro Araújo, em 30 de junho de 2014.
� Marcelo Calliari, em 07 de agosto de 2014.
� Maria Eugênia Novis, em 11 de agosto de 2014.
� Mariana Tavares, em 13 de agosto de 2014.
� Mauro Grimberg, em 03 de agosto de 2014.
� Paulo Furquim, em 29 de julho de 2014.
� Ricardo Ruiz, em 10 de julho de 2014.
� Vinícius Carvalho, em 25 de julho de 2014.