6
Mecânica Newtoniana * Antonio Roque Março 2020 O objetivo deste curso não é que o aluno aprenda mecânica newtoniana. Isso já deve ter sido visto em outros cursos. O objetivo central é que o aluno aprenda as formulações lagrangiana e hamiltoniana da mecânica clássica. Portanto, o trata- mento da mecânica newtoniana nesta aula se restringirá apenas ao estritamente necessário para que possamos seguir adiante com os formalismos lagrangiano e hamiltoniano nas próximas aulas. O conceito mais importante na formulaçào newtoniana da mecânica é o de força. A força é algo que altera o momento de um objeto: d~ p dt = ~ F. (1) Esta é a 2 a lei de Newton. em palavras: A taxa com que o momento de um objeto muda no tempo é igual à força atuando sobre ele. A fórmula de Newton (equação 1) nos permite prever como qualquer objeto se moverá começando de alguma posição e velocidade especificadas (condições iniciais). A definição de força dada aqui é extremamente geral. nas aulas anteriores, vimos dois exemplos simples de forças: Força que uma mola exerce sobre uma massa presa a ela: F (x)= -kx, onde k é uma constante chamada de constante da mola, pois caracteriza a mola em questão. Força gravitacional que a terra exerce sobre um objeto jogado no ar: F (x)= mg, onde m é a massa do objeto e g 9, 81 m/s 2 é uma constante (aceleração da gravidade). Esses exemplos são bastante simples porque os objetos se movem em uma direção, de maneira que não necessitamos de vetores para descrever as forças. * O material destas notas de aula, assim como das demais deste curso, está fortemente baseado no livro de Jakob Schwichtenberg: No-Nonsense Classical Mechanics, No-Nosense Books, 2020. 1

Mecânica Newtoniana

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Mecânica Newtoniana

Mecânica Newtoniana∗

Antonio Roque

Março 2020

O objetivo deste curso não é que o aluno aprenda mecânica newtoniana. Isso jádeve ter sido visto em outros cursos. O objetivo central é que o aluno aprenda asformulações lagrangiana e hamiltoniana da mecânica clássica. Portanto, o trata-mento da mecânica newtoniana nesta aula se restringirá apenas ao estritamentenecessário para que possamos seguir adiante com os formalismos lagrangiano ehamiltoniano nas próximas aulas.

O conceito mais importante na formulaçào newtoniana da mecânica é o deforça. A força é algo que altera o momento de um objeto:

d~p

dt= ~F. (1)

Esta é a 2a lei de Newton. em palavras:

A taxa com que o momento de um objeto muda no tempoé igual à força atuando sobre ele.

A fórmula de Newton (equação 1) nos permite prever como qualquer objetose moverá começando de alguma posição e velocidade especificadas (condiçõesiniciais).

A definição de força dada aqui é extremamente geral. nas aulas anteriores,vimos dois exemplos simples de forças:

• Força que uma mola exerce sobre uma massa presa a ela: F (x) = −kx,onde k é uma constante chamada de constante da mola, pois caracterizaa mola em questão.

• Força gravitacional que a terra exerce sobre um objeto jogado no ar:F (x) = mg, onde m é a massa do objeto e g ≈ 9, 81 m/s2 é uma constante(aceleração da gravidade).

Esses exemplos são bastante simples porque os objetos se movem em umadireção, de maneira que não necessitamos de vetores para descrever as forças.

∗O material destas notas de aula, assim como das demais deste curso, está fortementebaseado no livro de Jakob Schwichtenberg: No-Nonsense Classical Mechanics, No-NosenseBooks, 2020.

1

Page 2: Mecânica Newtoniana

5910255 - Mecânica Teórica Aula 1

Historicamente, essas fórmulas (e praticamente todas as fórmulas que usamosna mecânica clássica para descrever forças) foram descobertas empiricamente.Nós as usamos porque sabemos que, quando substituídas na 2a lei de Newton,elas nos levam às equações de movimento corretas.

Em geral, precisamos encontrar todas as forças ~F1, ~F2, . . . que atuam sobreum corpo para obter a força total:

~F (~q) =

n∑i=1

~Fi(~q) = ~F1(~q) + ~F2(~q) + . . . (2)

Por exemplo, para um corpo preso a uma mola na vertical temos que usar pelomenos duas forças: a feita pela mola e a força gravitacional.

Substituindo (2) em (1) temos:

d

dt(m~̇q) = ~F1(~q) + ~F2(~q) + . . . . (3)

Esse procedimento parece simples, mas pode tornar-se bastante complicado.Além de termos que conhecer todas as forças, precisamos decompô-las nas vá-rias direções do espaço físico. Ademais, a solução das equações diferenciaisresultantes para sistemas realistas é bastante complicada.

Essas são algumas das razões pelas quais muitos preferem usar outras for-mulações da mecânica clássica.

Caso a massa do corpo seja constante, a 2a lei torna-se

md

dt~̇q = ~F ou m~̈q = ~F. (4)

Em palavras: sempre que há uma aceleração diferente de zero em um corpo,ela é diretamente proporcional à força total atuando sobre o corpo. A constantede proporcionalidade é o que chamamos de massa do corpo.

E a 1a lei de Newton?A 1a lei de Newton diz que, pelo menos para um observador específico, um

objeto que se move com velocidade constante continuará para sempre a se movercom velocidade constante a menos que uma força atue sobre ele.

Em particular, isso implica que para esse observador específico, se uma par-tícula estiver em repouso ela permanecerá em repouso para sempre a menos queuma força atue sobre a partícula.

Em outras palavras: nenhum corpo “gosta"de ter o seu estado de movimentoalterado.

Neste sentido, a 1a lei de Newton é chamada de lei da inércia. Pense, porexemplo, quando você está de pé em um ônibus urbano andando a velocidadeconstante. Quando o motorista freia, o seu corpo tende a continuar a se moverpara a frente e você tem que se segurar em um apoio para permanecer no lugar.

A 2a lei de Newton nos diz que forças podem mudar o momento de objetos.A 1a lei nos diz que forças são a única coisa que pode mudar o momento deobjetos.

2

Page 3: Mecânica Newtoniana

5910255 - Mecânica Teórica Aula 1

3

Page 4: Mecânica Newtoniana

5910255 - Mecânica Teórica Aula 1

Note que se você observar um objeto enquanto você estiver acelerando, oobjeto parecerá estar se acelerando como resultado.

Portanto, a 1a lei de Newton é válida somente para observadores bem espe-cíficos. Chamamos esses observadores de observadores inerciais (os referenciaispresos a eles são chamados de referenciais inerciais).

Em outras palavras, um referencial inercial é aquele para o qual um objetosobre o qual a força líquida resultante é nula não sofre aceleração.

A 1a lei de Newton diz que para cada objeto, pelo menos um referencialinercial existe.

A 2a lei de Newton é válida apenas para referenciais inerciais.É por isso que, tecnicamente, a primeira lei tem que ser formulada antes da

segunda: a primeira lei estabele a existência de referenciais inerciais e a segundalei nos diz o que acontece com o momento de um objeto quando uma força atuasobre ele em um referencial inercial.

Em referenciais não inerciais a 2a lei de Newton ainda pode ser usada, desdeque se introduzam as chamadas “forças fictícias”, isto é, forças que aparecemapenas para um observador acelerado.

As forças fictícias são assim chamadas porque são uma consequência do re-ferencial e não da interação. Entretanto, para um observador preso a um refe-rencial não inercial elas são tão reais quanto qualquer outra força. De fato, nãohá maneira de determinar a diferença entre uma força fictícia e uma força reala menos que se olhe para fora do sistema1

A 3a lei de Newton estabelece que “para cada ação existe sempre uma reaçãoigual e contrária.” Em outras palavras, "as ações mútuas de dois corpos umsobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.”

Em termos mais concretos, a 3a lei diz que sempre que um objeto exerceuma força ~F sobre outro objeto, este segundo objeto sempre exerce uma força−~F sobre o primeiro.

Em alguns casos é difícil de acreditar na terceira lei. Por exemplo, quandopulamos a terra exerce uma força gravitacional ~F que nos puxa para baixo.Ao mesmo tempo, porém, puxamos a terra em nossa direção com uma forçaigual e oposta −~F . Como a massa da terra é enorme, o efeito dessa força ébasicamente não mensurável e a alteração que ela provoca na velocidade daterra é desprezível.

A força gravitacional que um objeto de massa M localizado em ~q1 exercesobre um objeto de massa m localizado em ~q2 é dada por

~FM→m = GmM

|~q1 − ~q2|3(~q1 − ~q2), (5)

onde G é uma constante chamada de constante gravitacional universal.Em palavras: a força gravitacional entre dois objetos é diretamente propor-

cional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da1A força fictícia mais famosa é, provavelmente, a força de Coriolis. Ela é necessária porque

a terra é um sistema de referência não inercial.

4

Page 5: Mecânica Newtoniana

5910255 - Mecânica Teórica Aula 1

distância entre elas. A distância entre elas é dada por ~r ≡ |~q1 − ~q2|. Portanto,o módulo da força pode ser escrito como

F = GmM

r2= G

mM

|~q1 − ~q2|2. (6)

O termo extra que aparece na equação (5),

~q1 − ~q2|~q1 − ~q2|

,

corresponde a um vetor unitário que aponta da posição do primeiro objeto àposição do segundo objeto.

Se quisermos calcular a força que o segundo corpo exerce sobre o primeiro,precisamos apenas trocar seus papéis na fórmula: ~q1 ↔ ~q2 e m↔M :

~Fm→M = GMm

|~q2 − ~q1|3(~q2 − ~q1). (7)

Note que a troca m↔M não faz diferença, mas a troca ~q1 ↔ ~q2 muda o sentidodo vetor.

A força ~Fm→M é de mesma magnitude que a força ~FM→m, mas aponta nosentido oposto (a direção é a mesma, a da linha reta que une os centros de massados dois corpos).

5

Page 6: Mecânica Newtoniana

5910255 - Mecânica Teórica Aula 1

6