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Mediação familiar e processo de mudança adaptativa: impacto das decisões parentais responsáveis na (co) parentalidade, em fase de separação-divórcio Lucinda das Dores Tiago Gomes Orientadora: Prof. Doutora Maria Teresa Meireles Lima da Silveira Rodrigues Ribeiro Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de doutor em Psicologia Clínica na área de especialidade em Psicologia da Família e Intervenção Familiar 2018 UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE PSICOLOGIA

Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

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Mediação familiar e processo de mudança adaptativa: impacto das

decisões parentais responsáveis na (co) parentalidade, em fase de

separação-divórcio

Lucinda das Dores Tiago Gomes

Orientadora: Prof. Doutora Maria Teresa Meireles Lima da Silveira Rodrigues Ribeiro

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de doutor em Psicologia Clínica na área de

especialidade em Psicologia da Família e Intervenção Familiar

2018

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA

EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

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Mediação familiar e processo de mudança adaptativa: impacto das decisões

parentais responsáveis na (co) parentalidade em fase de separação-divórcio

Lucinda das Dores Tiago Gomes

Orientadora: Prof. Doutora Maria Teresa Meireles Lima da Silveira Rodrigues Ribeiro

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de doutor em Psicologia Clínica na área de

especialidade em Psicologia da Família e Intervenção Familiar

Júri:

Presidente:

Doutora Isabel Maria de Santa Bárbara Teixeira Nunes Narciso Davide, Professora Associada e

Vice-Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.

Vogais:

Doutora Margarita García Tome, Professora

Instituto de Ciencias de la Familia da Universidad Pontifícia de Salamanca, Espanha;

Doutora Rita Mafalda Costa Francisco, Professora Auxiliar

Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa;

Doutor Fausto José Robalo Amaro, Professor Catedrático

Escola Universitária de Ciências Empresariais, Saúde, Tecnologias e Engenharia da

Universidade Atlântica;

Doutora Maria Madalena dos Santos Torres Veiga de Carvalho, Professora Auxiliar

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra;

Doutora Maria Teresa Meireles Lima da Silveira Rodrigues Ribeiro, Professora Associada

Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Orientadora.

2018

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA

EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE DE

LISBOA

FACULDADE DE

PSICOLOGIA

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Esta tese é dedicada,

À minha doce e forte mãe. Pelo amor infinito por mim.

Ao meu pai pela luz do seu amor. Pela poesia (que só nós dois sabemos).

À minha filha, por ser o meu amor maior. Por sempre acreditar (exageradamente) nas

minhas qualidades intelectuais.

Ao meu marido, pelo amor total. Pela generosidade sem limite.

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AGRADECIMENTOS

Esta tese é o resultado de um longo e enriquecedor percurso que não teria sido

possível sem o contributo e apoio de muitas pessoas a quem deixo do fundo do coração o

meu agradecimento.

Em primeiro lugar, à minha orientadora, a Professora Doutora Maria Teresa

Ribeiro, pela excelência da sua orientação científica, pelo apoio incondicional, pelas

sugestões, reflexões e ensinamentos de qualidade impar. Mas, também pelas suas

qualidades humanas exemplares, pelo carinho e sensibilidade sempre demonstrados. Por

ter confiado em mim e me ter incentivado desde o primeiro momento.

À Professora Doutora Isabel Narciso por me ter acompanhado neste percurso

desde o início e por ter acreditado nele. Pelas suas aulas brilhantes de metodologias

qualitativas, no programa de doutoramento, às quais sempre regressava quando precisava

de me centrar nos conceitos essenciais.

À Maria José Eusébio e à Elsa Carapito pelo tempo despendido e a ajuda concreta

como assistentes na realização dos focus groups. À Elsa pela segurança e doçura que a

sua amizade me transmite e à Maria José pela presença constante e carinhosa.

À Marta Pedro e à Rita Francisco pela prontidão e empatia com que responderam

aos meus pedidos de ajuda e pela forma positiva e serena com que sempre me animaram.

Um agradecimento especial aos professores do Programa de Doutoramento

Interuniversitário em Psicologia Clínica (FPUL- FPCEUC) pela excelência dos

conhecimentos que me transmitiram sem os quais não teria sido possível realizar este

projeto, mas também pela simpatia e carinho incomparáveis.

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Agradeço também aos colegas de doutoramento pelo apoio genuíno, pelo carinho

e inúmeras partilhas sempre enriquecedoras, em Lisboa, Ana Pego, Ana Prioste, Ana

Vedes e Luana Cunha Ferreira; em Coimbra, Ana Fonseca, Alda Portugal, Diamantino

Santos, Dora Pereira, Francisco Simões, Isabel Silva, Luciana Sotero e Luís Franklin.

À Direção Geral de Política de Justiça, Ministério da Justiça e ao Instituto da

Segurança Social, IP (ISS) pela colaboração prestada autorizando o acesso à recolha dos

dados imprescindíveis à concretização deste trabalho.

A cada um dos mediadores/as familiares e dos assessores/as do ISS que, de forma

tão generosa, se dispuseram a participar nos focus groups compartilhando os seus

preciosos conhecimentos tornando possível o estudo 1. A cada um dos pais e das mães

que amavelmente se dispuseram a realizar as entrevistas necessárias ao estudo 2, por

vezes com sacrifícios pessoais para o seu dia-a-dia. A todos o meu profundo

agradecimento pois sem a vossa colaboração esta tese não teria sido possível.

A todos os meus queridos amigos/as que me incentivaram e apoiaram durante

todos estes anos. Com um especial carinho à Luisa Aboim Inglez e à Paula Trindade

Rodrigues, amigas de tantos anos, pela forma como profissionalmente sempre me

inspiraram e acreditaram em mim. À Laura Teles Barros, pela pureza da sua amizade.

À minha mãe por todo o orgulho que sempre sentiu por mim. Ao António e à Inês

pela bondade e amor indescritíveis, pelas birras e tensões que conseguiram desculpar. Por

tudo.

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RESUMO

Nas últimas duas décadas, a mediação familiar tem alcançado uma crescente

expressão legal, tanto interna como externa, ao mesmo tempo que o reconhecimento sua

eficácia prática tem contribuído para dar suporte à sua institucionalização e expansão.

Verifica-se que os estudos científicos existentes, especialmente, em Portugal, além de

limitados quanto aos assuntos abordados são ainda muito escassos. Por outro lado, a

mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as

crianças ficam expostas em consequência da SD dos pais, quer à promoção de

coparentalidade positiva e de relações autoritativas pais-filhos. Deste modo, pretende-se

com esta tese - incidente na regulação do exercício das responsabilidades parentais, em

contexto de mediação familiar, na transição para a separação/divórcio (SD) - contribuir

para explorar, analisar e aprofundar a compreensão do processo de tomada de decisões

(co)parentais responsáveis e protetoras do bem-estar e do interesse superior dos filhos.

Optou-se por uma investigação de matriz qualitativa completada por um miniestudo

quantitativo e enquadrada pelo paradigma Pós Positivista.

Numa primeira fase desta investigação, desenvolveu-se o estudo 1, para explorar

características sobre o conflito familiar, examinar e identificar fatores de proteção e

fatores de risco associados à transição para a SD e investigar quais as estratégias e os

modelos de mediação familiar percecionados pelos participantes como sendo os mais

eficazes. O estudo 1 foi conduzido segundo o método de focus group tendo sido realizados

três focus groups com mediadores familiares (N=13) do Sistema de Mediação Familiar

(SMF), Ministério da Justiça e dois focus groups com técnicos do Instituto da Segurança

Social, IP (ISS), (N=11) procedentes das equipas de assessoria aos Tribunais de Família

e Menores, na área tutelar cível. Os instrumentos elaborados e utilizados consistiram no

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guião de focus group e no questionário sociodemográfico. Posteriormente, procedeu-se à

análise de conteúdo dos focus groups.

Numa segunda fase desta investigação, realizou-se o estudo 2 com o propósito de

delimitar características definidoras de decisões parentais responsáveis em contexto de

SD, investigar as dimensões de maior influência no processo de tomada de decisões (co)

parentais, bem como, identificar e analisar fatores de proteção e fatores de risco e o

impacto da mediação familiar na promoção de mudança adaptativa para os pais e para as

crianças, na transição para SD. Os instrumentos elaborados e utilizados consistiram em

numa entrevista semiestruturada e no questionário sociodemográfico. O estudo 2, foi

desenvolvido segundo a estratégia metodológica de Grounded Theory tendo sido

realizadas entrevistas semiestruturadas a uma amostra composta por 29 pais e mães que

passaram por um processo de mediação familiar, no SMF, no contexto de regulação das

responsabilidades parentais. Posteriormente, procedeu-se à análise categorial do conteúdo

das entrevistas realizadas.

Os participantes do estudo 2 responderam também ao Questionário da

Coparentalidade (QC) (Margolin, Gordis & John, 2001, versão portuguesa de Pedro &

Ribeiro, 2012), (N=30), com vista à concretização do miniestudo quantitativo.

De um modo geral, os resultados dos estudos realizados permitem concluir que o

processo de mediação familiar tem efeitos positivos na adaptação dos pais e das crianças,

na transição para a SD e apoiam a necessidade de implementar métodos de mediação

familiar preventiva e pré judicial, especialmente quando esteja em causa a regulação das

responsabilidades parentais e a proteção do superior interesse da criança.

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Os resultados do estudo 1 suportam a conclusão de que os mediadores familiares

optam pelo uso de um leque de estratégias diversificadas não compagináveis com o uso

de modelos estritos de mediação familiar. A análise realizada permitiu ainda obter um

quadro sistematizado e funcional de estratégias de mediação familiar de forma a

aprofundar a sua compreensão teórica e aplicação prática.

Os resultados do estudo 2 sustentam a conclusão de que os fatores de proteção e

os fatores de risco, têm um impacto forte nas relações parentais, (co)parentais e na

criança, na transição para a SD. A presente investigação permitiu concluir que os

resultados dos três estudos são consistentes com a necessidade da prevenção dos efeitos

negativos da SD para as crianças e para os pais, concretamente: do conflito elevado, da

coparentalidade negativa e da severidade do período de separação/divórcio.

Os estudos qualitativos 1 e 2, em conjugação, permitem delimitar o conceito de

‘decisões parentais responsáveis’ através das suas características definidoras e permitiram

a análise emergente mediante a respetiva comparação categorial.

O miniestudo estudo 3 permitiu encontrar uma associação significativa entre as

dimensões da coparentalidade aferidas pelo instrumento, as variáveis sociodemográficas

e variáveis processuais como a voluntariedade e a origem do processo de mediação.

O miniestudo quantitativo apoia os resultados dos estudos qualitativos 1 e 2,

suportando a conclusão de que as probabilidades de terminar o processo de mediação

familiar sem acordo são mais elevadas nas situações de mediação familiar com origem

no curso do processo judicial e mais baixas nos casos em que a mediação familiar tem

origem espontânea/extrajudicial. Este estudo permitiu também encontrar uma associação

significativa entre duas dimensões da coparentalidade aferidas pelo instrumento (QC) e

as variáveis sociodemográficas, de tal forma que, a cooperação é mais baixa nos processos

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de mediação familiar com origem judicial e a triangulação mais elevada

comparativamente com os processos de mediação familiar com origem

espontânea/extrajudicial, embora a subescala do conflito não apresente diferença

significativa. Assim, os resultados obtidos no miniestudo quantitativo apoiam e enfatizam

os resultados emergentes dos estudos qualitativos relativamente às categorias de análise

‘dimensões de influência no processo de decisão’ e ‘Fatores de Proteção e Fatores de

Risco’, na transição para a SD.

Esta tese abre diversas pistas para o desenvolvimento de outros estudos,

especificamente, sobre mediação familiar preventiva, sobre instrumentos para realização

de triagem prévia e obrigatória antes do início de qualquer processo judicial que envolva

crianças, assim como, para o desenvolvimento de investigações e práticas de

envolvimento seguro das crianças em processos de mediação familiar.

Palavras-chave: coparentalidade, mediação familiar, fatores de proteção, fatores

de risco, responsabilidades parentais

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ABSTRACT

In the last two decades, family mediation has reached a growing legal expression,

both internal and external, while acknowledging its practical effectiveness has

contributed to support its institutionalization and expansion. It is verified that the existent

scientific studies, especially in Portugal, besides being limited in the subjects covered are

still very scarce.

On the other hand, family mediation has been associated either to a reduction of

stress factors to which children are exposed because of parents’ SD, or the promotion of

positive coparenting and authoritative parent-child relationships. In this way, this thesis

is intended to regulate the exercise of parental responsibilities, in the context of family

mediation, in the transition to separation /divorce (SD) - to contribute to explore, analyze

and deepen the understanding of the decision-making process of (co)parental decisions

that are responsible and protective of children’s well-being and the best interests. We

chose a research of qualitative matrix completed by a quantitative mini-study and framed

by the Post Positivist paradigm.

In a first phase of this investigation, study 1 was developed to explore

characteristics about family conflict, to examine and identify protective factors and risk

factors associated with the transition to SD, and to investigate the strategies and models

of family mediation perceived by participants as being the most effective. Study 1 was

conducted according to the focus group

method, with three focus groups with family mediators (N = 13) from the Family

Mediation System (FMS), Ministry of Justice and two focus groups with technicians from

the Institute of Social Security, IP (ISS) (N = 11) from the advisory teams to the Family

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and Juvenile Courts, in the civil tutelar area. The instruments elaborated and used

consisted of the focus group script and the sociodemographic questionnaire.

Subsequently, we analyzed the content of the focus groups.

In a second phase of this investigation, study 2 was carried out with the purpose

of delimiting defining characteristics of responsible parental decisions in the SD context,

investigating the dimensions of greater influence in the (co)parental decision making

process, as well as identifying and analyze protective factors and risk factors, and the

impact of family mediation on promoting adaptive change for parents and children in the

transition to SD. The instruments developed and used consisted of a semi-structured

interview and the sociodemographic questionnaire. Study 2 was developed according to

the Grounded Theory methodological strategy and semi-structured interviews were

conducted with a sample composed of 29 parents and mothers who have gone through a

family mediation process in the SMF in the context of parental responsibility regulation.

Subsequently, the content of the interviews was categorized.

The participants of study 2 also answered the Coparenting Questionnaire (CQ)

(Margolin, Gordis & John, 2001, Portuguese version of Pedro & Ribeiro, 2014), (N = 30),

with a view to the accomplishment of the quantitative study.

In general, the results of the studies show that the family mediation process has

positive effects on the adaptation of parents and children, on the transition to SD, and

support the need to implement preventive and pre-judicial family mediation methods,

especially when it comes to regulating parental responsibilities and protecting the best

interest of the child.

The results of study 1 support the conclusion that family mediators choose to use

a range of diversified strategies that can not be combined with the use of strict family

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mediation models. The analysis made it possible to obtain a systematized and functional

framework of family mediation strategies in order deepen their theoretical understanding

and practical application.

The results of study 2 support the conclusion that protective factors and risk

factors have a strong impact on parental (co) and child relationships in the transition to

SD. The present investigation allowed us to conclude that the results of the three studies

are consistent with the need to prevent the negative effects of SD on children and parents,

namely: high conflict, negative coparenting and severity of the separation/divorce period.

The qualitative studies 1 and 2, in conjunction, allow to delimit the concept of

'responsible parental decisions' through their defining characteristics and allowed the

emergent analysis through the respective categorial comparison.

The mini-study 3 allowed us to find a significant association between the

dimensions of coparenting ascertained by the instrument, sociodemographic variables and

procedural variables such as voluntariness and the origin of the mediation process.

The quantitative mini-study supports the results of qualitative studies 1 and 2,

supporting the conclusion that the probabilities of terminating the process of family

mediation without agreement are higher in family mediation situations originating in the

course of the judicial process and lower in the cases in which that family mediation has a

spontaneous / extrajudicial origin. This study also allowed us to find a significant

association between two dimensions of coparentality as measured by the instrument (CQ)

and sociodemographic variables, so that cooperation is lower in family mediation

processes with judicial origin and higher triangulation compared to family mediation

processes with spontaneous/extrajudicial origin, although the conflict subscale presents

no significant difference. Thus, the results obtained in the quantitative study support and

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emphasize the emerging results of the qualitative studies regarding the categories of

analysis 'dimensions of influence in the decision process' and 'Factors of Protection and

Risk Factors' in the transition to SD.

This thesis opens several clues for the development of other studies, specifically

on preventive family mediation, instruments for prior and mandatory screening before the

beginning of any judicial process involving children, as well as the development of

investigations on models and practices of involvement insurance in family mediation

processes.

Key words: coparenting, family mediation, protective factors, risk factors,

parental responsibilities

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ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO 1

1. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA MEDIAÇÃO FAMILIAR 4

1.1 Contexto inicial da mediação familiar 5

1.2. Enquadramento histórico 7

1.2.1 Portugal 12

1.3 O Conflito 15

1.3.1 Perspetivas da mediação familiar sobre o conflito na transição para a SD 16

1.3.2 Elevado conflito 18

1.4 Modelos de mediação familiar 22

1.4.1 Mediação familiar terapêutica 28

1.4.2 Direito colaborativo 31

1.5 Parentalidade: um conceito com alcance jurídico e psicológico 32

1.5.1 Estilos parentais 35

1.5.2 Coparentalidade 37

1.6 Resumo do capítulo 40

2. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E METODOLÓGICO 42

2.1 Resumo do capítulo 43

2.2 Enquadramento conceptual 43

2.3 Enquadramento da investigação qualitativa 44

2.3.1 Contexto histórico da investigação qualitativa 46

2.3.2 Paradigmas da investigação 49

2.3.3 Características da investigação qualitativa 55

2.3.3.1 Olhares e metáforas sobre a investigação qualitativa 56

2.3.5 A questão da validade na Investigação Qualitativa 60

2.4 Enquadramento metodológico 64

2.4.1 Questão de partida 66

2.4.2 Mapa conceptual 66

2.5 Objetivos 68

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2.5.1 Objetivos gerais 68

2.5.2 Objetivos específicos 69

2.5.3 Objetivos específicos do mini estudo quantitativo 69

2.6 Procedimentos de recolha de dados 69

2.6.1 Os focus groups 71

2.6.2 A entrevista semiestruturada 76

2.6.3 Análise dos dados 78

2.6.3.1 A Grounded Theory 79

2.6.3.2 A análise quantitativa 81

2.6.3.2.1 Instrumentos 81

2.6.3.2.2 Questionário da Coparentalidade 82

2.7 Síntese do capítulo 83

3. ESTUDO EMPÍRICO 1: FOCUS GROUPS – FATORES, PROCESSOS E

CONTEXTOS DE INFLUÊNCIA NA RESPONSABILIDADE DE DECISÃO

PARENTAL 85

3.1 Resumo do capítulo 86

3.2 Metodologia 86

3.3 Objetivos 87

3.3.1 Objetivos gerais do estudo 1 88

3.3.1.1 Objetivos específicos 88

3.3.2 Questões de investigação 89

3.3.3 Seleção da amostra 90

3.3.4 Número, tamanho, tempo e setting dos focus groups 93

3.3.5 Instrumentos 94

3.3.5.1 Guião da entrevista dos focus groups 94

3.3.5.2 Questionário sociodemográfico 96

3.3.5.3 Procedimentos, preparação e realização dos focus groups 97

3.3.5.4 A equipa de Moderação dos focus groups 98

3.3.5.5 Realização dos focus group 99

3.3.5.6 Preparação dos dados 101

3.3.6 Análise dos dados 102

3.3.6.1 Caracterização da amostra 102

3.3.6.2 Processo de codificação 104

3.3.7 Apresentação e discussão dos resultados 106

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3.3.8 Conflitos identificados pelos participantes de acordo com as respetivas causas

106

3.3.8.1 Conflitos estruturais 111

3.3.8.2 Conflitos de valores 113

3.3.8.3 Conflitos de relação 114

3.3.8.4 Conflitos de interesses 115

3.3.8.5 Conflitos de informação 116

3.3.8.6 Fatores de influência no conflito 120

3.3.8.6.1 Fatores ativadores 122

3.3.8.6.2 Fatores Pacificadores 127

3.3.9 Estratégias de mediação familiar 131

3.3.9.1 Estratégias de gestão do conflito 133

3.3.9.1.1 Estratégias de comunicação 133

3.3.9.1.2 Estratégias de Relação 140

3.3.9.2 Estratégias de gestão do processo 146

3.3.9.2.1 Estratégias focalizadas no contexto 146

3.3.9.2.2 Estratégias de organização 149

3.4 Modelos de mediação familiar 156

3.4.1 Sessão inicial informativa obrigatória de mediação familiar 159

3.5 Coparentalidade no contexto da SD 162

3.5.1 Fatores de proteção 163

3.5.2 Fatores de risco 170

3.5.3 Fatores de influência nas decisões responsáveis dos pais 180

3.6 Perceções sobre o enquadramento prévio ao processo de mediação familiar 197

3.6.1 Perceções sobre o uso de conhecimentos jurídicos 198

3.6.2 Perceções sobre condições prévias para mediação familiar 200

3.6.3 Perceções sobre o sucesso da MF durante o processo judicial 207

3.7 Síntese do capítulo 209

4. ESTUDO EMPÍRICO 2 - FATORES DE IMPACTO NA PARENTALIDADE NA

TRANSIÇÃO PARA A SD E O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO SOBRE

RESPONSABILIDADES PARENTAIS, NO CONTEXTO DE MEDIAÇÃO

FAMILIAR 211

4.1 Resumo do capítulo 212

4.2 Metodologia 212

Page 20: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

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4.3 Objetivos 213

4.3.1 Objetivos específicos 213

4.3.2 Questões de investigação 214

4.3.3 Critérios e circunstâncias de seleção da amostra 216

4.3.3.1 Estratégia de amostragem 216

4.3.3.2 Número, duração e setting das entrevistas 218

4.3.3.3 Entrevista semiestruturada 218

4.3.3.4 Questionário sociodemográfico 219

4.3.3.5 Procedimentos, preparação e realização das entrevistas 220

4.3.3.6 Realização das entrevistas semiestruturadas 220

4.3.3.7 Preparação dos dados 221

4.3.4 Análise dos dados 221

4.3.4.1 Caracterização da amostra 221

4.3.4.2 Processo de codificação 224

4.4 Modelos e abordagens gerais do processo de tomada de decisão 226

4.5 Apresentação e discussão dos resultados 236

4.5.1 Caracterização das decisões dos pais na transição para a SD, no âmbito da

mediação familiar 236

4.5.2 Características das DPR 238

4.5.2.1 Autonomia 239

4.5.2.2 Centradas no interesse dos filhos 239

4.5.2.3 Tempo para pensar 241

4.5.2.4 Conjuntas 242

4.5.2.5 Exequíveis 244

4.5.2.6 Gratificantes 245

4.5.2.7 Inclusivas 245

4.5.2.8 Informadas 246

4.5.2.9 Refletidas 247

4.5.3 Obstáculos às decisões responsáveis 249

4.5.3.1 Debate insuficiente 250

4.5.3.2 Desconfiança relativa ao cumprimento do acordo 250

4.5.3.3 Desconforto com as decisões assumidas 251

4.5.3.4 Informação Insuficiente 252

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4.5.4 Potencialidades da mediação familiar para a composição de decisões

responsáveis 253

4.5.4.1 O estimulo à cooperação 254

4.5.4.2 A prevenção da conflitualidade 255

4.5.4.3 Promoção de decisões refletidas 256

4.5.5 Domínios de influência implicados no processo de tomada de decisão dos pais,

relativamente à regulação das responsabilidades parentais, na fase de SD 258

4.5.5.1 Comunicação 260

4.5.5.1.1 Comunicação disfuncional 262

4.5.5.1.2 Comunicação funcional 262

4.5.5.2 Mudanças positivas na comunicação 265

4.5.5.3 Contexto da mediação familiar 268

4.5.5.4 Emotividade 283

4.5.5.5 Promoção da mudança em contexto de mediação familiar 295

4.5.5.6 Relação interpessoal 301

4.5.6 Fatores de Proteção e Fatores de Risco associados à SD 308

4.5.6.1 Fatores de Proteção 312

4.5.6.2 Fatores de Risco 319

4.5.7 Impacto do tempo no conflito 331

4.5.8 Sensibilidade Parental 332

4.5.8.1 Perceções dos pais sobre a relação de coparentalidade atual e futura 335

4.5.8.2 Perceção dos pais relativamente à adaptação dos filhos à SD 336

4.5.9 Integração do direito da criança a participar no processo de mediação familiar

337

4.5.9.1 Requisitos para a inclusão das crianças na mediação 340

4.5.10 Satisfação com a mediação familiar 341

4.6 Integração de variáveis quantitativas 342

4.6.1 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade e a origem do processo de mediação familiar bem

como o resultado do processo de mediação familiar 343

4.6.2 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de mediação familiar –

voluntária ou judicial 343

Page 22: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

xxii

4.6.3 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo de mediação familiar –

com acordo ou sem acordo 345

4.6.4 Análise da possível relação entre a variável origem do processo de mediação

familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do processo de mediação

familiar (com acordo ou sem acordo) 347

4.7 Síntese do capítulo 349

5. CONCLUSÕES 351

352

352

354

355

356

357

358

5.1 Conclusões

5.2 A especificidade dos conflitos familiares

5.3 Modelos de mediação familiar

5.4 Domínios de influência no processo de mediação familiar

5.5 Fatores de proteção e fatores de risco, na transição para a SD

5.6 Implicações práticas

5.7 Limites e pistas para futuras investigações

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APÊNDICES

361

Page 23: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

xxiii

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Paradigmas de investigação científica

Tabela 2 - Desenvolvimento da investigação empírica

Tabela 3 - Categorização das questões para focus group

Tabela 4 - Caracterização sociodemográfica da amostra do estudo 1

Tabela 5 - Tipos de conflitos identificados pelos participantes nos 5 focus

groups

Tabela 6 - Comparação entre o estilo de pensamento intuitivo, experimental,

analítico e racional.

Tabela 7 - Caracterização geral das decisões dos pais relativamente a

responsabilidades parentais, durante a SD.

Tabela 8 - Características das DPR identificadas pelos pais/participantes

Tabela 9 - Obstáculos à composição de DPR

Tabela 10 - Características da mediação familiar que contribuem para o

processamento de DPR

Tabela 11 - Domínios de influência no processo de decisão dos pais, no

âmbito da regulação das responsabilidades parentais

Tabela 12 - Características da comunicação na transição para a SD

Tabela 13 - Categoria Contexto da mediação familiar e respetivas

subcategorias

Tabela 14 - Categoria Emotividade e as respetivas subcategorias

Tabela 15 - Subcategoria de Análise: Estratégias e contextos que potenciam

mudanças

Tabela 16 - Fatores de proteção para a família (crianças e pais), durante a fase

de transição para a SD

Tabela 17 - Subcategoria de Análise: Coparentalidade positiva como fator de

proteção durante a SD

Tabela 18 - Fatores de risco para a família (crianças e pais), durante a fase de

transição para a SD

49

68

92

100

109

231

234

236

247

252

257

258

266

283

293

310

313

317

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Tabela 19 - Subcategoria de Análise: Coparentalidade negativa como fator de

risco durante a SD

Tabela 20 - Subcategoria de Análise: elevado conflito

Tabela 21 - Impacto do decorrer do tempo no desenvolvimento do conflito

319

323

329

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xxv

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa conceptual com indicação dos estudos que integram a tese

Figura 2 - Etapas de conceção e desenvolvimento dos focus groups

Figura 3 - Tipos de conflitos mais referidos pelos participantes nos focus

groups

Figura 4 - Principais objetivos do mediador familiar na fase inicial da

mediação familiar

Figura 5- Fatores de influência no conflito referidos pelos participantes nos

focus groups

Figura 6 - Fatores ativadores do conflito

Figura 7 - Fatores Pacificadores do Conflito

Figura 8 - Tipos de estratégias utilizadas no âmbito da mediação familiar

Figura 9 - Estratégias focadas na “comunicação” identificadas nos cinco focus

groups realizados

Figura 10 - Estratégias focadas na comunicação identificadas nos focus

groups realizados com mediadores familiares

Figura 11 - Estratégias focadas na comunicação identificadas nos focus

groups realizados com os assessores aos TFM, FG-ISS

Figura 12 - Estratégias focadas na “relação” identificadas nos cinco focus

groups realizados

Figura 13 - Estratégias focadas na relação identificadas nos focus groups

realizados com os mediadores familiares (FG – MF)

Figura 14 - Estratégias focadas na “relação” identificadas nos focus groups

realizados com os técnicos do ISS (FG-ISS)

Figura 15 - Estratégias de gestão do processo de mediação familiar focadas no

contexto identificadas nos focus groups com mediadores familiares (FG-MF)

Figura 16 - Estratégias de gestão do processo de mediação familiar focadas no

contexto identificadas nos focus groups com assessores do ISS (FG-ISS)

108

72

107

117

119

120

125

130

132

132

133

139

139

140

145

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xxvi

Figura 17 - Categorias de organização do processo de mediação nos 5 focus

groups realizados

Figura 18 - Estratégias de gestão processo de mediação familiar relativas a

organização da mediação identificadas nos focus groups com mediadores

familiares (FG-MF)

Figura 19 - Estratégias de gestão do processo de mediação familiar

direcionadas para a organização identificadas nos focus groups com

assessores do ISS aos TFM (FG-ISS)

Figura 20 - Modelos de mediação familiar identificados pelos participantes

Figura 21 - Número de FG-MF comparativamente dos FG-ISS em que foram

referidos os vários modelos de mediação familiar

Figura 22 - Sessão informativa obrigatória antes do inicio do processo judicial

ou administrativo na Conservatória do Registo Civil

Figura 23 - Fatores de proteção referidos pelos participantes nos focus groups

Figura 24 - Fatores de risco referidos pelos participantes nos focus groups

Figura 25 - Fatores de influencia negativa na responsabilidade dos pais

Figura 26 - Fatores de influência positiva na responsabilidade dos pais

Figura 27 - Necessidade de os mediadores familiares terem conhecimentos

jurídicos

Figura 28 - Mapa temático do estudo 2

Figura 29 - Comparação entre as categorias “comunicação funcional” e

“comunicação disfuncional” e o resultado da mediação familiar (com acordo

ou sem acordo)

Figura 30 - Mudanças positivas na comunicação relativamente aos casos em

que a mediação familiar terminou com acordo ou sem acordo

Figura 31 - Impacto da participação dos advogados na mediação familiar

Figura 32 - Clima da mediação familiar

Figura 33 - Perceções relativas ao espaço físico onde decorre a mediação

familiar

Figura 34 - Motivação voluntária para a mediação familiar e motivação

voluntária condicionada

148

149

149

155

157

158

162

179

187

196

223

262

265

158

268

269

270

272

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Figura 35 - Tipos de voluntariedade (de acordo com as motivações

subjacentes) e conclusão do processo de mediação familiar (com acordo/sem,

acordo)

Figura 36 - Perceções referentes ao desenvolvimento do processo

Figura 37 - Obstáculos processuais identificados no contexto do processo de

mediação familiar

Figura 38 - Atributos positivos para o contexto de mediação familiar relativos

à postura do mediador

Figura 39 - Atributos negativos para o contexto de mediação familiar

relativos à postura do mediador

Figura 40 - Caracterização das emoções como positivas e negativas durante a

mediação familiar

Figura 41 - Conclusão da mediação familiar com acordo e sem acordo em

função do nº de participantes que referenciaram a existência de emotividade

negativa

Figura 42 - Conclusão da mediação familiar com acordo e sem acordo em

função do nº de participantes que referenciaram a existência de emotividade

positiva

Figura 43 - Perceção dos participantes relativamente às suas próprias emoções

e às emoções sentidas outro pai/mãe

Figura 44 - Tipos de relação interpessoal perante o conflito durante o

processo de mediação familiar

Figura 45 - Relação interpessoal face à detenção e ao uso do poder

Figura 46 - Indicadores de sensibilidade parental, na transição para a SD

Figura 47 - Comparação entre a perceção dos pais sobre a sua relação de

coparentalidade no presente e a forma como a perspetivam para o futuro

Figura 48 - Perceção dos pais relativamente à adaptação dos filhos à SD

Figura 49 - Perspetivas dos pais relativamente à inclusão das crianças no

processo de mediação familiar

Figura 50 - Satisfação/insatisfação/indiferença dos participantes no estudo

relativamente ao processo de mediação familiar

273

274

277

278

279

285

288

289

291

300

303

331

333

335

337

339

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xxviii

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1

INTRODUÇÃO

A presente tese insere-se na área científica da Psicologia da Família. Nesse sentido, tem

como base metateórica a Teoria dos Sistemas (Bertalanffy, 1950), a teoria da

complexidade (Morin, 2008) e a teoria ecológica do desenvolvimento humano

(Bronfenbrenner, 1977, 1995) e os trabalhos concretizados por Bateson (1996) e por

Watzlawick, Beavin e Jackson (1993) sobre os efeitos pragmáticos da comunicação

humana. A Psicologia da Família tem como o principal foco de compreensão o território

relacional da família, na qual cada um dos respetivos membros constitui parte do processo

que cria, mantém e regula os padrões de comportamento humano (Magnavita, 2012;

Minuchin, 1985).

Tendo presente a existência de escassos estudos sobre mediação familiar pretende-

se com esta tese, entre outros aspetos, contribuir para o seu desenvolvimento científico e

para uma reflexão integrada e interdisciplinar entre a Psicologia da Família e o Direito da

Família e da criança de modo a promover a consistência da sua prática no âmbito da

resolução extrajudicial de conflitos familiares.

Assim, no capítulo I procedeu-se ao enquadramento histórico da mediação

familiar, à abordagem dos principais modelos de mediação familiar e à especificidade do

conflito familiar aludindo-se ainda à parentalidade.

No capítulo II pretendeu-se situar historicamente a investigação qualitativa

aludindo aos momentos mais marcantes. Referiram-se os principais paradigmas de

investigação científica e sustentou-se a nossa opção pelo paradigma Pós-positivista.

Delinearam-se os contornos metodológicos desta investigação referindo os

procedimentos e métodos de recolha e de análise de dados. Foram, também, abordadas as

metodologias de focus groups e entrevista semiestruturada, bem como a estratégia

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2

metodológica Grounded Theory. Por fim, refletiu-se sobre a importância das

metodologias mistas não só como forma de aumentar a validade da investigação, mas

também como forma de ampliar o campo de observação da realidade que se pretende

estudar.

No capítulo III procedeu-se à análise do sistema hierárquico de categorias obtido

a partir do conteúdo dos focus groups realizados com mediadores familiares e técnicos

do Instituto da Segurança Social, IP (ISS). Começou-se por examinar as tipologias de

conflito familiares e os fatores de ativação e de pacificação dos mesmos. Seguidamente,

procedeu-se à análise das estratégias que os participantes no estudo utilizam com mais

frequência e consideram mais eficientes, tentando corelacioná-las com os modelos de

mediação familiar. Foram ainda analisadas categorias emergentes sobre a coparentalidade

e os fatores de proteção e os fatores de risco para as crianças na transição da SD dos pais.

No capítulo IV realizou-se a análise do sistema categorial do estudo empírico 2,

realizado com pais e mães que passaram por um processo de mediação familiar. Neste

estudo caracterizaram-se as decisões parentais responsáveis, e identificaram-se os

domínios de influência no processo de tomada de decisão no contexto da mediação

familiar. Investigaram-se os fatores de proteção e os fatores de risco na fase de transição

para a SD integrando os resultados na literatura e estudou-se a sensibilidade parental

enquanto fator de promotor de vantagens para as crianças. Examinou-se de que forma o

direito de participação das crianças nos assuntos que as afetam é levado em consideração

pelos pais e quais os critérios que devem ser observados para a sua inclusão no processo

de mediação familiar. Finalmente, analisou-se a perceção positiva/negativa, que os pais-

mães/mediados têm sobre a sua experiência em mediação familiar.

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3

No capítulo V apresentam-se as conclusões integradas dos dois estudos empíricos

realizados, as implicações práticas e as pistas para futuras investigações.

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4

CAPÍTULO I

1. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA MEDIAÇÃO

FAMILIAR

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5

1.1 Contexto inicial da mediação familiar

Como sabemos a mediação familiar insere-se no âmbito dos meios

complementares e alternativos de resolução de conflitos familiares, podendo ocorrer

antes, durante ou após um processo judicial, muito embora os mecanismos jurídicos

informativos sobre mediação familiar antes do inicio de qualquer processo judicial ou

administrativo (e.g. Conservatórias do Registo Civil) se tenham mostrados pouco eficazes

para a prevenção do conflito mediante recurso a mediação familiar.

Importa notar que a mediação familiar contemporânea surge na sequência das

impactantes mutações sociais, culturais e familiares iniciadas nas décadas de 60, 70 e

seguintes do século passado, cujos efeitos têm repercussões a vários níveis. O sistema

jurídico (e judicial) alicerçado em leis orientadas para a regulação de relações jurídicas

familiares relativamente estáveis é confrontada, num espaço de tempo relativamente

pequeno, com uma complexidade de problemas e de conflitos familiares que requerem

abertura, inovação legislativa e rapidez de adaptação da sua estrutura e organização. No

entanto, estas tensões são ao mesmo tempo a condição básica para a emergência de

soluções inovadoras e para o desenvolvimento de movimentos de mudança na sociedade

e na família. De facto, foi esta conjuntura que permitiu a (re) invenção do processo de

mediação familiar como método extrajudicial de resolução de conflitos familiares

centrado na autonomia, na capacidade de auto-organização e no respeito pela reserva da

vida privada da família no plano dos procedimentos inerentes à regulação das

responsabilidades parentais na transição para a SD (e.g. Eusébio, 2014; Severino, 2012).

A presente tese incide num período particular do desenvolvimento familiar

correspondente à fase de transição para a SD. Esta fase, inicia-se a partir do momento em

que um dos cônjuges desencadeia o processo de rutura conjugal, mas o seu final pode

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6

durar meses ou anos dependendo, nomeadamente, das condições pessoais envolvidas no

processo de ajustamento emocional e das forças integradoras e mobilizadas em torno da

reorganização familiar, bem como da eficácia dos meios judiciais e extrajudiciais

implementados.

Os atuais desenvolvimentos da mediação familiar e os estudos existentes ainda

não responderam de forma ampla e totalmente consistente a uma variedade de questões

que se colocam relativamente ao processo subjacente à tomada de decisões parentais

responsáveis. Nesta perspetiva, pretende-se analisar as potencialidades dos vários

modelos de mediação familiar para o processo de tomada de decisões parentais

responsáveis, procurando compreender os aspetos que influenciam positiva e

negativamente as decisões parentais e o impacto destas na concretização efetiva do

superior interesse da criança.

Das questões que se colocam a propósito da abordagem dos modelos de mediação

familiar (Bush & Folger, 2005; Haynes, 1993; Parkinson, 2008; Winslade, 2006) como a

da sua maior proximidade ao Direito e/ou à Terapia, a adequação dos seus modelos

teóricos aos diversos tipos de conflito ou as questões relacionadas com a eficácia,

destacamos no âmbito da parentalidade, o processo de decisão e de codecisão parental

que se desenvolve na transição familiar para SD, bem como o impacto das decisões

parentais responsáveis na efetivação do núcleo essencial do conceito de superior interesse

da criança (artigo 3º, Convenção sobre os Direitos da Criança - CDC).

Não obstante, o crescente desenvolvimento teórico e prático da mediação familiar

e as vantagens que representa para as famílias em conflito, no contexto de SD, a sua

identidade e autonomia ainda não se encontram suficientemente consolidadas e validadas

(Beck & Sales, 2001). Ao perspetivar-se a natureza da mediação familiar, no plano do

Direito, considera-se que tem natureza extrajudicial, complementar e/ou alternativa ao

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7

sistema judicial (Farinha & Lavadinho, 1997). Mas, se se considerarem as metodologias

e estratégias de gestão do conflito utilizadas no processo de mediação familiar

observamos que a sua aplicação se inspira em bases teóricas e práticas adaptadas da área

da Psicologia. Assim, a dificuldade de delimitação em torno da identidade da mediação

familiar não se encontra totalmente resolvida, sendo certo que o corpo de conhecimentos

que a integram foi progredindo a partir de contributos vários, nomeadamente a partir de

três campos do conhecimento já estabelecidos: a Psicologia, o Direito e o Serviço Social.

De facto, foi face ao crescente aumento de divórcios e demais conflitos familiares, que se

constatou a necessidade de incorporar conhecimentos, quer do domínio do Direito, quer

ao domínio da Psicologia, de modo a encontrar a abordagem mais apropriada para

enfrentar os problemas das famílias que passam pela experiência do divórcio ou da

separação. Então, nos Estados Unidos da América, alguns profissionais de mediação

começaram a desenvolver projetos de mediação familiar baseados na interação entre estas

duas disciplinas, iniciando-se assim um percurso de interdisciplinaridade. De salientar,

que, se por um lado, foram criados modelos de mediação com uma notória inspiração da

Psicologia (e.g. modelo Transformativo e modelo Circular Narrativo, mediação familiar

terapêutica), por outro lado, a mediação familiar tem evoluído em ligação e em articulação

com o sistema legal e judicial. Neste contexto, considera-se que a intersecção de

conhecimentos entre a Psicologia, o Direito e outras Ciências Sociais deveria, cada vez

mais, tender para a construção de uma unidade estruturada de conhecimentos de mediação

familiar, autónoma e própria, apoiada pela investigação científica (Beck & Sales, 2001).

1.2. Enquadramento histórico

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8

Assim como o conflito faz parte da interação humana, também a busca de formas

adequadas à sua gestão ou resolução se tem revelado uma necessidade generalizada. As

tradições Judaica, Cristã, Hindu, Islâmica, Budista e diversas culturas indígenas têm

recorrido, em diferentes regiões do mundo, desde tempos remotos, a ações mediadoras

como forma de dirimir os conflitos civis, políticos, religiosos, comunitários e familiares

(Moore, 2003; Parkinson, 2008).

Nesta perspetiva, a mediação, em sentido amplo, está enraizada na própria cultura

humana e no desenvolvimento de uma ética democrática, informada, imbuída de respeito

pela diversidade e orientada para o bem comum.

A prática contemporânea da mediação, como modalidade extrajudicial de

resolução e de gestão de conflitos, conheceu um claro desenvolvimento nos Estados

Unidos da América a partir da década de 1970 (Cohen, 2006; Hedeen, 2004; Moore,

2003). A especificidade e o aumento da litigância familiar provocam alguma entropia no

sistema judicial que, conjugada com uma certa insatisfação por parte de cidadãos e de

vários advogados (Cohen, 2006), propiciam um ambiente favorável ao desenvolvimento

e implantação da mediação familiar, tanto pública como privada.

Verificou-se, então, uma proliferação de programas de mediação orientados para

a abordagem de conflitos quer interpessoais quer organizacionais. Em meados de 1970,

o governo federal dos Estados Unidos da América fundou o Centro de Justiça de

Vizinhança (NJCs) destinado a resolver conflitos entre vizinhos; seguiram-se muitos

outros programas de mediação, designadamente, no campo laboral, escolar, étnico,

comercial e criminal (Hedeen, 2004; Moore, 2003). Também na área dos conflitos

relativos à família e ao divórcio, surgiram diversos programas direcionados para a

resolução de litígios familiares, os quais, tinham então características muito distintas dos

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9

atuais conflitos familiares, o que explica que algumas das estratégias de mediação familiar

então utilizadas nos parecem agora inapropriadas (Saposnek, 2004).

Relativamente aos países europeus, especificamente, no quadro da União

Europeia (EU), o interesse pela mediação familiar encontra-se ligado a fatores sociais

políticos e jurídicos. A convicção de que o afeto tem um papel central no casamento e na

educação das crianças, a secularização, a permissão legislativa e a paridade entre homens

e mulheres, indiciam mudanças de paradigma no sentido de uma menor relevância das

relações contratuais para uma maior relevância das relações afetivas na família.

A nível jurídico e político os movimentos de desjudicialização e a ideia de justiça

de proximidade foram-se difundindo pela maioria dos países europeus, dando lugar a

vários mecanismos de resolução de litígios por via consensual, com especial destaque

para a mediação familiar.

Em termos gerais a mediação de conflitos encontra-se definida no artigo 2.º da Lei

nº 29 de 2013, de 19 de abril como sendo uma “forma de resolução alternativa de litígios,

realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em

litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de

conflitos”, seguindo-se nos artigos seguintes da referida lei a estatuição dos princípios

estruturantes comuns aos diferentes sistemas de mediação de conflitos.

Tomé (2008, p. 43), afirma que a mediação familiar é um “método de resolução

de conflitos, alternativo ou complementar ao sistema judicial que visa alcançar um acordo

conjunto, melhorar a comunicação, reduzir a área de conflito e tomar decisões

autónomas”. Por sua vez, Parkinson (2008, p.16) define mediação familiar como sendo

um processo “no qual duas ou mais partes em litígio são ajudadas por uma ou mais

terceiras partes imparciais (mediadores) com o fim de comunicarem entre elas e de

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10

chegarem à sua própria solução, mutuamente aceite, acerca da forma como resolver os

problemas em disputa”.

Nas últimas duas décadas, no contexto da União Europeia, têm sido produzidos

diversos documentos e diplomas legislativos sobre mediação familiar, com vista ao

reconhecimento de projetos já implementados pelos Estados-Membros e ao incentivo da

prática da mediação numa perspetiva de harmonização processual e legislativa entre os

Estados-Membros. De destacar, a importância da adoção por parte do Comité de

Ministros do Conselho da Europa da Recomendação nº R (98) 1 aos Estados Membros

da União Europeia, na qual, se materializam os princípios estruturantes sobre o processo

de mediação familiar, as orientações sobre o seu campo de aplicação, organização,

promoção, acesso e validação jurídica dos acordos obtidos através mediação familiar.

Posteriormente, a diretiva 2008/52/CE, de 21 de maio de 2008, do Parlamento

Europeu e do Conselho, Relativa a Mediação em Certos Aspetos em Matéria Civil e

Comercial, corporizou um passo importante no sentido da criação de um quadro legal de

referência comum aos Estados-Membros. Esta diretiva, entretanto, transposta para o

ordenamento jurídico português através da Lei nº 29 de 19 de abril de 2013, estabelece

os princípios a observar no campo da mediação (artigos 3º e seguintes), especificamente,

os princípios da voluntariedade, da autonomia das partes, da imparcialidade, da

confidencialidade e o dever de os tribunais informarem as partes sobre a possibilidade de

recurso a mediação.

Perante os desafios dos conflitos familiares emergentes da sociedade

contemporânea o sistema judicial - enquadrado por uma lógica, por vezes, demasiado

tecnicista e assente num quadro formal e legal pré-determinado -, confronta-se com a

necessidade de promover abordagens eficientes do conflito familiar e de conjugar

métodos complementares como a mediação familiar para melhorar as intervenções,

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11

sobretudo nos processos que envolvem crianças. No entanto, não raras vezes, é

impossível evitar os elevados custos económicos, familiares e pessoais resultantes da

relitigância. Neste contexto, a mediação familiar tem vindo a afirmar um reconhecimento

crescente, nomeadamente, em resultado da consolidação do seu quadro teórico e da sua

evolução prática e institucional, com efeitos positivos ao nível da prevenção e da gestão

do conflito.

De salientar, o esforço desenvolvido pelos vários países europeus no sentido de

regular a mediação familiar e de a inserir nas respectivas legislações nacionais, durante a

primeira década deste século (Casals, 2005). Mas, independentemente do maior ou menor

impulso dado à mediação em geral e à mediação familiar em particular, pela U.E., as suas

potencialidades começaram a ser experimentadas e valorizadas desde a década de 1990

um pouco por toda a Europa. O Reino Unido, em meados de 1980, começou a pôr em

prática iniciativas locais de mediação familiar (Parkinson, 2008) tendo-se constituído a

Associação Nacional de Mediação Familiar (NFM) sem fins lucrativos e a Associação de

Mediadores Familiares (FMA) de natureza privada (Roberts, 2005), ambas dedicadas à

formação e prática da mediação familiar, apesar da ausência de qualquer regulamentação.

Em 1996, oficializou-se o Colégio de Mediadores do Reino Unido com o

propósito de promover a mediação e assegurar um bom nível de formação e de supervisão

(Roberts, 2005). Ainda, nesse mesmo ano, foi publicada a Lei da Família (Family Law

Act 1996), a qual encoraja o recurso à mediação e lhe confere um papel central no âmbito

do processo de divórcio (Roberts, 2005). Em 1999 foi publicado o Código de Conduta de

Mediadores Familiares do Reino Unido.

Marian Roberts (2005), no seu trabalho sobre o quadro de regulamentação da

mediação familiar no Reino Unido, enfatiza várias questões relacionadas com a evolução

da mediação familiar, que, de certa maneira, traduzem preocupações comuns existentes

Page 40: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

12

em vários países europeus, incluindo Portugal, como a questão de saber se o

financiamento público da mediação familiar não poderá de algum modo pôr em causa a

independência e autonomia da mediação familiar ou mesmo a criatividade e flexibilidade

inerentes à sua prática.

Em França, através da Lei 2002-305, de 4 de março de 2002, relativa a autoridade

parental, o juiz pode propor aos pais o recurso a mediação familiar relativamente ao

exercício das responsabilidades parentais (Casals, 2005). Nos dois anos seguintes a esta

publicação, sucederam-se-lhe outras duas importantes alterações legislativas: A Lei de

reforma do divórcio, 2004-439, de 26 de maio de 2004, que alterou o Código Civil e a

Lei 2004-1158, de 29 de outubro de 2004, que modificou o Código de Processo Civil,

com vista à articulação da mediação familiar no quadro do sistema de justiça. Em França

as atribuições relativas à prática, formação e supervisão encontram-se cometidas às

associações de mediação familiar, as quais, se encontram congregadas na Confederarão

Nacional de Mediação Familiar (FENAMEFA).

Em Espanha, é também clara a adesão à mediação familiar sobretudo a partir de

1990. De notar, que neste país a regulamentação da mediação familiar não é

necessariamente uniforme tendo em consideração o sistema de autonomia legislativa das

várias comunidades autónomas.

1.2.1 Portugal

Em 1994, realizou-se, em Portugal, o primeiro curso de mediadores familiares,

promovido pelo Instituto Português de Mediação Familiar e com o apoio do Centro de

Estudos Judiciários. Três anos mais tarde, em 1997, por iniciativa de um grupo de

mediadores familiares formados no primeiro curso de Mediação Familiar-1994/95, criou-

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se, uma associação de mediadores familiares - a Associação Nacional para a Mediação

Familiar – Portugal (ANMF), com o objetivo de formar novos mediadores familiares e

de promover e divulgar a mediação familiar.

A mediação familiar, em Portugal, começou por ter um acolhimento muito

favorável com a congregação de esforços do Centro de Estudos Judiciários, da Ordem

dos Advogados e do Ministério da Justiça, sendo que, o primeiro serviço público de

mediação familiar decorreu de um protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e a

Ordem dos Advogados (Protocolo de Colaboração entre o Ministério da Justiça e a Ordem

dos Advogados no Âmbito do Projeto “Mediação Familiar em Conflito Parental”, 16 de

Maio de 1997). Com o decorrer do tempo, a cooperação inicial foi decaindo e dando lugar

a uma certa inércia institucional e ao surgimento de naturais tensões entre a advocacia e

a mediação familiar, a primeira, reclamando o campo da família como sendo

tradicionalmente da sua competência e a segunda, tentando delimitar um espaço próprio

de intervenção diferenciada – a mediação familiar.

O Despacho nº 12368/97, de 28 de agosto de 1997, criou o Gabinete de Mediação

Familiar de Lisboa (GMF), com competência geográfica limitada à cidade de Lisboa e

com competência material circunscrita à regulação, alteração ou incumprimento das

responsabilidades parentais, o qual, entrou em funcionamento em setembro de 1999.

Neste contexto, a Lei nº 133/99, de 28 de agosto de 1999, estabeleceu no art.º

147D a possibilidade de recurso à mediação pública ou privada, oficiosamente ou a

requerimento, mediante consentimento dos interessados.

Posteriormente, em 2002, foi alargada a competência territorial do Gabinete de

Mediação Familiar, (GMF) à região da grande Lisboa, através do Despacho nº 1091/2002,

de 16 de janeiro de 2002.

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De notar, que os meios de resolução alternativa de litígios (RAL) expandiram-se

de forma decisiva a partir de 2000, altura em que o Governo de Portugal criou a Direcção-

Geral da Administração Extrajudicial, que antecedeu o atual Gabinete para a Resolução

Alternativa de Litígios - GRAL. Em 2001, através da Lei nº 78/2001, de 13 de julho de

2001, foram criados os tribunais de justiça de proximidade denominados Julgados de Paz,

orientados para privilegiar a resolução de litígios relativamente a matérias cíveis (artigo

9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho de 2001) por via consensual, através de mediação e

de conciliação.

Atualmente, os Julgados de Paz encontram-se implantados em grande parte do

país e são alvo de relativo interesse político pelos sucessivos governos e pelos municípios,

apesar do benefício que representam para os cidadãos que a eles podem recorrer de forma

simples, direta e económica, entre outros aspetos.

Em 2006/2007, o governo de Portugal criou os sistemas de mediação pública,

laboral (SML), penal (SMP) e familiar (SMF). O SMF foi regulado pelo Despacho nº

18778/2007, de 22 de agosto de 2007, através do qual se introduziram duas importantes

alterações em relação ao quadro legal anterior: uma dessas alterações decorreu do

alargamento da competência territorial a todo o país, e a outra alteração respeitou ao

alargamento da competência material, tendo passado a ser possível abordar um conjunto

de matérias e de conflitos familiares por meio de mediação familiar (e.g. questões

relativas ao divórcio, pensão de alimentos entre cônjuges e filhos maiores, entre outros

conflitos de natureza familiar).

O SMF coordena os serviços de mediação familiar a nível nacional a partir do

Gabinete para a Resolução de Litígios, na dependência do Ministério da Justiça. Os

gabinetes de mediação familiar instalados em vários locais do país decorrem, em regra,

de protocolos celebrados entre os Municípios e o Ministério da justiça. O recrutamento

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dos mediadores que integram a lista nacional de mediadores familiares a prestar serviços

de mediação familiar publica, no âmbito do SMF, são recrutados através de concurso

público sendo o respetivo pagamento de honorários da responsabilidade do Ministério da

Justiça.

1.3 O Conflito

Em geral, a gestão ou a resolução dos vários conflitos com que as pessoas se

confrontam são objetivos centrais da atividade dos mediadores, por isso, o conflito é

frequentemente objeto de uma abordagem plural e abrangente (Cunha & Leitão, 2011).

O conflito familiar é um processo dinâmico e sequencial, caracterizado pela interação,

pela interdependência e pela incompatibilidade de objetivos entre as pessoas envolvidas

(Williams, 2011). Compreende, assim, um sistema complexo de intrincadas interações

que, num determinado contexto, se cruzam e desenvolvem numa dinâmica não linear

(Brack, Lassiter, Hill, & Moore, 2011). De salientar, o contributo da teoria dos sistemas

(Anderson, Anderson, Palmer, Mutchler & Baker, 2011).; Haddad, Phillips & Bone,

2016) e da teoria da Complexidade Ecossistémica do Conflito (Brack, et al., 2011) para

a compreensão e abordagem do conflito não no prisma de patologia, mas como parte do

processo familiar. Brack, et al. (2011) propõe uma visão do conflito com base em cinco

premissas fundamentais: 1) as dinâmicas humanas não são lineares; 2) as dinâmicas

humanas desenvolvem-se em múltiplos níveis sociais que contêm diversos fatores que

afetam a origem, desenvolvimento e resolução dos conflitos; 3) as dinâmicas humanas

são imprevisíveis e difíceis de controlar; 4) apesar da imprevisibilidade do conflito há

padrões que emergem e oferecem oportunidades de mudança; 5) As intervenções não

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devem ser centradas no conflito, mas sim orientadas para a adaptação das pessoas à

mudança e para a obtenção de soluções mutuamente aceitáveis

1.3.1 Perspetivas da mediação familiar sobre o conflito na transição para a SD

Durante a transição para a SD, o círculo do conflito compreende um conjunto

complexo de elementos, objetivos, atitudes, perceções e padrões de comunicação ou de

interação suscetíveis de obstruir o desenvolvimento de relações positivas e de soluções

construtivas entre as partes (Bush & Folger, 2005; Moore, 2003). Como sabemos o

conflito é uma realidade complexa que apresenta, por um lado, potencialidades negativas

e destrutivas, ao mesmo tempo que, por outro lado, é uma força indispensável para a

mudança, renovação e desenvolvimento dos sistemas vivos impedindo assim a sua

estagnação e o seu desaparecimento. De notar, que no decorrer da SD o foco do conflito

manifesta-se principalmente em torno de questões da coparentalidade (Sbarra, & Emery,

2005), cujo impacto negativo no bem-estar dos filhos se encontra amplamente

documentado na literatura (e. g. Cummings & Davies, 2002; Weaver & Schofield, 2014).

Segundo Parkinson (2008), o conflito traduz um estado de turbulência, no qual,

pequenos remoinhos no interior de grandes remoinhos geram estados de confusão e de

desordem capazes de bloquear os esforços tendentes à estabilidade. Por sua vez, Bush e

Folger (2005) referem-se a um conjunto de teorias frequentemente referidas na literatura

tais como: a teoria do poder, a teoria dos direitos e a teoria das necessidades. Assim, os

mediadores familiares de acordo com a teoria do conflito adotada tenderiam a atuar

segundo um modelo avaliativo, facilitativo ou interventivo. De facto, Bush e Folger

(2005) perfilham a teoria transformativa do conflito, cuja premissa fundamental é a de

que a crise interacional procede do significado que a experiência do conflito tem para as

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pessoas, sustentando que a respetiva vivência é geralmente interiorizada como sendo

negativa. De facto, estudos revelaram que as pessoas ao serem inquiridas sobre as suas

interações conflituosas as representaram através de imagens e de metáforas negativas,

assim como expressaram sentimentos de impotência e de alienação (McCorkle & Mills,

1992, cit. por Bush e Folger 2005). Desta forma, o conflito enquanto fenómeno social,

não respeita somente a interesses, direitos, ou ao poder sendo, pois, um fenómeno mais

complexo engendrado na interação entre seres humanos (Bush e Folger, 2005).

O conflito é motivado por múltiplas causas e manifesta-se de várias formas,

especificamente através de padrões de comunicação disfuncional patentes na interação

que criam ambiguidade e confusão (e.g. Brack, et al., 2011; Bush & Folger, 2005; Irving

& Benjamin, 2005; Moore, 2003; Parkinson, 2008; Winslade, 2006), dificultando, assim,

os processos de tomada de decisão. De facto, a SD, tem consequências significativas para

a generalidade das famílias, a nível jurídico, socioeconómico e psicológico (Braver,

Shapiro & Goodman, 2006; Sayer, 2006), consequências estas, frequentemente

mescladas por conflitos e experiencias emocionais fortes, de raiva, dor, ansiedade e stress,

entre outras, (des) adaptativas para a reorganização da família.

Assim, é crucial que os mediadores familiares utilizem estratégias orientadas para

o enfrentamento dos desafios em presença, para que consigam ajudar os pais/ex-casal a

lidar com o stress e a melhorarem a sua capacidade de autorregulação emocional

promovendo, desse modo, disposições mentais apropriadas à tomada das decisões,

respeitantes à vida dos filhos e à sua própria vida pessoal. É igualmente fulcral planificar

as sessões de forma a desenvolver uma abordagem de acordo com as especificidades do

conflito com que os intervenientes na mediação familiar se confrontam. Para tal, afigura-

se essencial que se verifique um nexo de adequação entre as causas do conflito e os

métodos e estratégias potencialmente mais eficazes para a sua gestão ou eventual

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resolução. Neste sentido, Moore (2003) refere três momentos essenciais relativamente à

gestão do conflito: 1) identificação das fontes centrais do conflito; 2) formulação de

conjeturas ou hipóteses sobre as causas prováveis do conflito; 3) testar as hipóteses

formuladas introduzindo estratégias de prevenção e de intervenção.

1.3.2 Elevado conflito

A forma como o conflito se manifesta durante a SD é, geralmente, a consequência

de padrões de interação anteriormente estabelecidos durante o período em que o casal se

mantinha unido. Através de diversos estudos com casais Gottman (1993) identificou

cinco tipos de casais que designou por casais envolvidos, voláteis, validadores, hostis e

hostis/separados. O autor comparando esta tipologia de casais com a tipologia

identificada por Fitzpatrick’s (1988, cit. por Gottman, 1993) que, consiste em casais

tradicionais, independentes e separados, observou que às características dos casais

tradicionais equivalem os casais validadores; aos casais voláteis correspondem os casais

independentes e os casais separados coincidem com os casais hostis.

De destacar, que da tipologia formulada por Gottman (1993) sobressaem dois

tipos de casais a que correspondem formas de elevado conflito – os casais voláteis e os

casais hostis/separados (Anderson, et. al., 2011). Segundo Gottman (1993), os

relacionamentos voláteis caracterizam-se pela instabilidade das interações com muito

envolvimento na expressão emocional e com coexistência de afetos positivos e negativos,

bem como, mensagens recíprocas em que cada um tenta persuadir o outro que está errado;

por sua vez, nos conflitos hostis/separados, as pessoas não têm envolvimento emocional,

sendo comuns generalizações e ataques recíprocos por motivos frequentemente triviais e

com escuta exclusivamente direcionada para a defensividade.

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De acordo com a tipologia de casais enunciada por Gottman (1993) os casais

voláteis e hostis espelham interações de elevado conflito, em que prevalecem os quatro

cavaleiros de discórdia referidos pelo autor: criticismo, defensividade, desprezo e

obstrução, os quais, se expandem rapidamente e são exacerbados aquando da SD

(Anderson, et. al., 2011).

Certamente que o conflito, em regra, não é uma catástrofe, contudo o elevado

conflito tem frequentemente efeitos devastadores para as pessoas envolvidas (e.g. pais,

crianças, a família, relações de amizade).

Haddad, et. al., (2016) definem elevado conflito como sendo um processo com

duração superior a dois anos, caracterizado por um alto grau de raiva, hostilidade,

desconfiança, intensa litigação sobre a regulação das responsabilidades parentais e

dificuldades de comunicação apresentando taxas mais elevadas que o normal de

incumprimento da prestação de alimentos.

Anderson, et. al. (2011) refere que as situações de elevado conflito refletem um

processo crónico, com um grau alto de reatividade, de protestos, de maledicência e de

incapacidade para assumir a responsabilidade pelo respetivo papel no conflito.

De salientar, que o alto nível de conflito entre os pais frequentemente desenvolve-

se em torno do tema das responsabilidades parentais, durante ou após a SD, tem um

impacto significativo, nas crianças, designadamente ao nível do stress, depressão,

isolamento social, dificuldades académicas e auto estima, assim como, no seu

desenvolvimento e funcionamento psicológico (e.g. Beck & Sales 2001; Haddad, et al.

2016; Kelly & Emery, 2003).

Por outro lado, o conflito elevado tem sido relacionado em alguns estudos com

alienação parental e com desordens da personalidade, especificamente com personalidade

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borderline (Anderson, et. al. 2011; Haddad, et. al., 2016). Assim, é forçoso questionar a

eficácia dos modelos comuns de mediação familiar, concretamente o modelo Linear de

Harvard para abordar os casos de SD com elevado conflito, considerando, entre outros

aspetos, os fatores de risco a que as crianças ficam expostas, os quais, também dependem

da duração e da forma como o conflito elevado é abordado ou resolvido (Haddad, et

al.2016).

Anderson et. al. (2011), com base em trabalho clinico com população com elevado

conflito e numa abrangente revisão de literatura em vários campos, forneceu uma

definição conceptual de elevado conflito que compreende dois clusters que descrevem as

características interacionais, emocionais e intrapessoais de elevado conflito: cluster 1)

Pervasividade e intercâmbios negativos; cluster 2) hostilidade, insegurança e ambiente

emocional.

Segundo Anderson et. al., a pervasividade compreende a característica nuclear do

cluster 1, a qual, consiste numa invasão penetrante e entrincheirada do conflito, com

escalada rápida para comunicação destrutiva e persistente, não raras vezes, materializada

em litigância judicial prolongada durante dois a três anos de (Beck & Sales, 2001). As

interações defensivas, as agressões, as atribuições negativas e a escalada do conflito,

completam o conjunto de características em presença neste cluster. Por sua vez, o cluster

2, caracteriza-se através da presença de fortes afetos negativos; reatividade; insegurança

emocional, desconfiança mutua e triangulação.

Assim, a definição de elevado conflito, se observada pelos mediadores familiares,

permite-lhes considerar indicadores extremamente úteis, concretamente em duas áreas

específicas da mediação familiar, que são: a determinação do grau de agressão e a

triangulação.

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No que concerne à determinação do grau de agressão importa considerar a

distinção entre violência severa física e psicológica e agressão em casos de elevado

conflito. A agressão ou violência em caso de elevado conflito caracteriza-se por

apresentar um grau não percetível de controlo, intimidação, medo e manipulação, assim

como, é situacional, bilateral e encaixa-se na interação conflituosa, enquanto a violência

grave se caracteriza por ser unilateral e por apresentar padrões de comportamento, de

controlo, manipulação e dominação perpetrados contra a vitima de forma severa e

frequente.

Por sua vez, a triangulação ocorre quando a atmosfera do conflito entre duas

pessoas é tão tensa e insuportável que uma das partes para aliviar a ansiedade trás uma

terceira pessoa para a relação a quem se lamenta, pede conselhos, etc. (Anderson et.al.

2011). Consiste numa dimensão chave que impõe a necessidade de compreender como é

que ambas as partes triangulam advogados, família, profissionais do tribunal, terapeutas,

escola e os seus filhos no conflito (Anderson et.al. 2011). O processo de triangulação

verifica-se quando os pais têm dificuldade em diferenciar as suas próprias necessidades

das necessidades dos seus filhos confundindo-as com as suas, o que permite a passagem

das suas emoções negativas e distress para as crianças que, desta forma, ficam

desprotegidas. Tais situações ocorrem, nomeadamente quando os pais utilizam os filhos

como mensageiros ou espiões e nos casos de alienação parental em que um dos pais cria

obstáculos aos convívios, exagera as falhas do outro ou denigre a sua imagem perante a

criança. De salientar, ainda que a triangulação do sistema de justiça ocorre mediante o

recurso aos tribunais com o objetivo de controlar, punir ou obter a condenação pública do

outro.

Por outro lado, embora os casos de SD com conflito elevado serem

estatisticamente minoritários, são os mais dispendiosos em termos de tempo de tribunal,

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de recursos profissionais e financeiros (e.g. Andersen, et. al. 2011; Haddad, et. al.2016).

De facto, é crucial compreender as características e implicações práticas da definição de

elevado conflito de forma a otimizar o processo de Mediação Familiar e fornecer um

apoio eficiente às famílias que, no curso da SD, ficam enredadas e presas nas teias da

dinâmica do conflito elevado, tendo em conta a proteção das crianças relativamente ao

impacto devastador deste género de conflito sobre o seu bem-estar (Haddad, et. al.2016).

As áreas de foco evidenciadas por Anderson et.al. (2011) relativamente a

situações de elevado conflito fornecem aos mediadores familiares indicações que podem

ajudar a determinar quais são estratégias mais apropriadas para intervir em tais situações.

Assim, nas situações do cluster 1, em que surgem atribuições negativas e pensamentos

contraditórios, o uso de estratégias narrativas, de aceitação individual e recíproca e de

responsabilização pela mudança podem ser apropriadas; mas se o conflito se apresenta

em desenvolvimento do cluster 1 para o cluster 2, é útil utilizar, entre outras, estratégias

destinadas a gerir a excitação emocional e a auxiliar as pessoas a se serenarem,

nomeadamente através de pausas durante as sessões, Andersen, et. al.(2011). Desta

forma, a definição de elevado conflito, entre outros aspetos, fornece indicações guia para

a intervenção em mediação familiar.

1.4 Modelos de mediação familiar

Ao considerarmos os modelos de mediação familiar, importa referir que, estes

compreendem um conjunto de orientações teóricas e de estratégias que permitem a

abordagem do conflito a partir de um esquema de trabalho sistemático e coerente. Beck

e Sales (2001) referem que um modelo teórico se traduz “num processo sistemático de

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formulação e organização de ideias com vista à compreensão de um fenómeno particular”

(pp.184).

Da generalidade de modelos de mediação familiar podemos agrupá-los em

modelos de mediação familiar não terapêuticos e modelos de mediação familiar

terapêuticos (Gomes & Ribeiro, 2011; 2014). Dos modelos de mediação familiar não

terapêuticos, destacamos quatro modelos: o modelo Tradicional Linear (Haynes, 1993;

Fisher & Ury, 2007), o modelo Transformativo (Bush & Folger, 2005), o modelo

Ecossistémico (Parkinson, 2008) e o modelo Circular Narrativo (Rifkin, Millen, Cobb,

1991; Winslade, 2006). De entre os modelos terapêuticos, importa referir o modelo de

mediação familiar terapêutica adotado por Irving e Benjamin (2005).

O modelo Linear (Harvard), (Haynes, 1993; Fisher & Ury, 2007), teve as suas

origens na mediação comercial e civil de onde foi adaptado para a mediação familiar

(Parkinson, 2008). O mediador deve ser um facilitador da comunicação que é entendida

em sentido linear, de causa efeito (Suares, 2002). Do ponto de vista do método os

defensores deste modelo rejeitam a discussão das posições das partes em conflito, sendo

que, o mediador deverá conduzir o processo de mediação com neutralidade e objetivar o

mais possível as questões, para que as pessoas possam descobrir e identificar os interesses

subjacentes às respectivas posições de maneira a que possam surgir da discussão opções

consensuais que permitam alcançar o acordo que, é considerado por estes autores, o

objetivo da mediação.

Este modelo de mediação apresentado inicialmente por Haynes (1993) tem sido

criticado por se centrar demasiado no conteúdo verbal sem considerar as relações entre

as pessoas ou o contexto em que estas se desenvolvem (Suares, 2002; Parkinson, 2008).

Apesar de se concordar com estas críticas, importa considerar que este modelo é útil

quando se pretende negociar determinadas questões em litígio ou objetivar, por exemplo,

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os gastos com os filhos. É mais fácil negociar um acordo depois de as pessoas

especificarem os gastos, do que a partir de um valor que pode ser visto, pelo outro, como

irrealista.

O modelo transformativo de Bush e Folger (2005) tem por base a premissa de

que, é inerente ao próprio ser humano um impulso social ou moral de mudança suscetível

de ativar as capacidades de decisão e de responsividade dos seres humanos e reverter a

negatividade dos conflitos. O modelo centra-se na causalidade circular e inspira-se nas

novas teorias da comunicação com o propósito de transformar as relações entre as pessoas

(Suares, 2002).

O objetivo da mediação familiar é, então, o de reverter as componentes, negativas,

destrutivas, alienantes e perversas do conflito em componentes positivas, construtivas, de

conexão e humanizantes (Bush & Folger, 2005).

Estes autores defendem que a mediação familiar tem como objetivo transformar a

dinâmica do conflito através da reversão do círculo vulnerabilidade/auto-absorção para o

círculo responsividade/decisão. Os mediadores familiares devem promover,

gradualmente, a regeneração do conflito através do empoderamento e da recognição

(Bush & Folger 2005). O empoderamento consiste na tomada de consciência dos próprios

recursos e da própria capacidade e poder de decisão; a recognição, por sua vez, traduz-se

no reconhecimento do próprio protagonismo e do protagonismo do outro, i. é., do

coprotagonismo.

O modelo transformativo não tem como objetivo imediato o acordo, o que leva a

que possa ser considerado como pouco realista no plano legal, pois, normalmente as

pessoas solicitam a mediação porque querem resolver problemas (Beck & Sales, 2001).

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Parkinson (2008) refere que Bush e Folger não explicam suficientemente se o

objetivo da teoria é modificar as pessoas, a relação entre elas ou a visão que elas têm do

conflito e, na mesma linha, Gayner’s (citado por Bush & Folger, 2005) alude a

dificuldades em avaliar os efeitos do modelo na prática.

De sublinhar, a pertinência do modelo transformativo para a ativação e

fortalecimento dos potenciais recursos das famílias que, na fase da SD, estão

particularmente postos à prova. Por outro lado, reconhece-se como sendo pouco claro o

propósito de Bush e Folger sobre o que pretendem realmente alterar ou transformar, se é

as pessoas ou as respectivas relações. Assim, o modelo transformativo ao potenciar a

tomada de consciência das qualidades e capacidades que as pessoas em resultado do

conflito ou por outros motivos deixaram de reconhecer ou não tinham ainda identificado

em si próprias, promove efeitos construtivos, nomeadamente, na forma como as pessoas

passam a gerir os conflitos que protagonizam.

Em termos de coerência e de parcimónia a teoria tem sido considerado vaga. Do

ponto de vista da coerência, Bush e Folger não definem claramente o que se deve entender

por baixo e elevado desenvolvimento moral nem a forma de se lhe aceder, por outro lado,

ao nível da parcimónia, o modelo também tem sido considerado difícil de avaliar

(Menkel, Meadow 1995 citados por Beck & Sales., 2001).

O modelo Circular Narrativo (Rifkin et al., 1991) desenvolvido por alguns

mediadores familiares como Suares (2002) e Winslade, (2006). Este modelo de mediação

familiar baseia-se na causalidade circular e tem as suas raízes na teoria sistémica e na

teoria da comunicação desenvolvida por Bateson e Watzlawick. Neste sentido, Winslade

(2006) realizou o estudo - “Mediation with a focus on Discursive Positioning” -, a

propósito da prática da mediação familiar sobre as bases da teoria do construtivismo

social, no qual, analisou o poder das relações que são construídas no discurso e a

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importância de compreender como é que as narrativas e o discurso funcionam para

construir as decisões das pessoas.

Este aspeto mostra-se pertinente para o desenvolvimento do presente trabalho, na

medida em que nos propomos contribuir para a compreensão do processo subjacente à

tomada de decisões, especificamente, as decisões parentais responsáveis e seu impacto

nas relações entre os pais e nas relações pai/mãe-filho. As características dos

protagonistas, a forma e o contexto em que as decisões são tomadas, no decurso da

mediação familiar, têm implicações relevantes para a investigação sobre mediação

familiar e para a ponderação da eficácia de futuras ações e medidas a adotar no domínio

da família e, especialmente, no âmbito da proteção da criança.

No contexto do modelo circular narrativo, as decisões dos participantes vão sendo

elaboradas a partir de narrativas (histórias) que, ao longo da mediação, se vão alterando

com vista à construção de uma história comum, composta por decisões mutuamente

aceites.

A perspetiva circular narrativa, representa uma visão distinta da que é preconizada

pelos outros modelos de mediação familiar, em especial, o modelo Linear de Harvard.

Partindo das histórias que as pessoas contam e que são geralmente apresentadas de forma

solidamente ordenada e coerente, mas, que por isso mesmo, dificultam a flexibilização e

a geração de alternativas. Assim, importa que o mediador familiar intente promover a

desestabilização das histórias das pessoas para possibilitar momentos e focos de mudança

passíveis de alterar os significados das histórias e assim se ir dissolvendo o diferendo. Do

ponto de vista da avaliação teórica, Beck e Sales (2001), consideram que este modelo se

mostra consistente, embora não esteja devidamente operacionalizado nem

suficientemente testado empiricamente.

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O modelo ecossistémico de mediação familiar centra-se na família como um todo.

A família extensa e os filhos estão implicados direta ou indiretamente na mediação

familiar (Parkinson, 2008). O modelo foi desenvolvido por (Berubé e Parkinson, 2002

citados por Parkinkon, 2008) e tem as suas raízes em teorias do conflito e de negociação

e, também, nas teorias dos sistemas e da vinculação.

As principais características-chave deste modelo, para além da abordagem da

família como um todo, consistem na visão interdisciplinar resultante do cruzamento das

áreas jurídica, social e psicológica e na assunção de que a mediação familiar tem valores

que devem ser assumidos e clarificados, ao invés, de permanecerem implícitos

(Parkinson, 2008). A utilização do ecograma é utilizada como base de trabalho desde o

início da mediação familiar.

Considerar a família como um todo é, também, incluir a voz das crianças na

mediação familiar enquanto titular de direitos e não como objeto de posse dos pais (artigo

12º da Convenção sobre os Direitos da Criança). Por outro lado, o direito da criança à

participação direta ou indireta na mediação familiar quando estiverem em causa assuntos

que a afetam, vai ao encontro de uma perspetiva necessária de interdisciplinaridade que

se projeta nesta tese. De facto, apresenta-se pertinente interligar os contributos que

convergem de outras áreas de conhecimento para o campo da mediação familiar e

delimitar do núcleo teórico e de um maior aprofundamento terminológico.

Neste contexto, importa sublinhar a forma como a mediação familiar tem

evoluído em duas diferentes áreas: o sector legislativo e institucional e o campo de

aplicação dos seus modelos. De notar, que tanto o Direito como a Psicologia têm,

especificamente contribuído para uma convergência de conhecimento que tem ajudado a

impulsionar e a melhorar a sua atividade prática (Gomes & Ribeiro, 2014).

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28

1.4.1 Mediação familiar terapêutica

Após a análise do grupo de modelos teóricos não terapêuticos, importa abordar o

modelo de mediação familiar terapêutica (MFT) proposto por Irving e Benjamin (2005).

Segundo os autores da MFT, existe uma relação entre o nível de disfuncionalidade

familiar e o nível elevado de conflito familiar, por isso, considera-se pouco adequado

partir do pressuposto de que todos os intervenientes na MFT dispõem da necessária

capacidade de autocontrolo emocional para atuarem com o discernimento e a

responsabilidade que o bem-estar e a segurança das crianças exigem (Irving & Benjamin,

2005; Saposnek, 2004). Em consequência, este modelo tem por base o princípio de que o

processo de MFT deverá basear-se e definir-se de maneira a assegurar o desenvolvimento

e a efetivação de uma coparentalidade responsável.

Um aspeto crucial da MFT é a organização e a duração da pré-mediação, a qual,

é composta por três sessões com cada um dos intervenientes, com vista à realização da

triagem e avaliação das situações solicitadas para MFT (Irving & Benjamin, 2005;

Saposnek, 2004). De facto, a avaliação dos casos que são adequados para mediação,

revela-se de primordial importância, porquanto é possível identificar situações em que a

mediação familiar poderá não ser a intervenção mais ajustada podendo mesmo funcionar

como reforço do conflito aumentando-o e/ou atrasando a sua resolução (Saposnek 2004).

De notar ainda, a importância que as informações recolhidas na pré-mediação têm para o

mediador familiar poder delinear a sua estratégia para a fase subsequente de mediação

(Irving & Benjamin 2005).

Segundo a abordagem de MFT o mediador familiar deve intervir para anular ou

mudar os comportamentos disfuncionais dos participantes que sejam suscetíveis de

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29

diminuir as suas capacidades para poderem exercer uma relação parental responsável.

Para atingir este objetivo, os autores, preconizam uma estratégia de reenquadramento

específica: o quadro mediador que é composto por sete etapas previamente definidas.

Uma das críticas ao modelo da MFT, encontra-se relacionada com a questão de os

seus autores considerarem como essencial para a prossecução eficaz da MFT a

necessidade de os participantes modificarem os seus padrões de interação com vista ao

melhoramento da dinâmica familiar. Segundo Parkinson (2008) a mediação familiar tem

natureza interdisciplinar e, por isso, não deve ter objetivos terapêuticos, ainda que, dela

possam decorrer efeitos terapêuticos. Por sua vez, Suares (2003) refere que do ponto de

vista ideológico a mediação familiar assenta num conjunto de crenças, valores e ideias,

cuja base é a convicção de que os seres humanos são capazes de resolver, por si próprios,

os conflitos em que se encontram envolvidos. Desta forma, a MFT ao focalizar-se na

terapia e ao deixar de lado a moldura legal em que, inevitavelmente, se insere a mediação

familiar e com a qual se devem conformar os acordos alcançados, especialmente as

decisões relativas às responsabilidades parentais, evidencia uma lacuna substancial.

Neste contexto, considera-se que é especialmente pertinente estabelecer ligações

conceptuais entre o Direito, a Psicologia e outras áreas das ciências humanas, para

melhorar a consistência e a aplicação prática desta área de conhecimento que é a mediação

familiar, mas não se deixa de sublinhar que em casos de intenso conflito e

consequentemente de risco para os filhos a MFT pode ser a forma mais apropriada para

alcançar um acordo - acordo este juridicamente relevante –ao incidir nos direitos e

interesses das crianças (Gomes & Ribeiro, 2011; 2014).

Por sua vez, (Parkinson, 2008), salienta que as pessoas são titulares de direitos

com capacidade de decisão e, por isso, têm a faculdade de não se submeterem a

intervenções terapêuticas. De notar, que o conceito de quadro mediador proposto por

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30

Irving e Benjamin (2005), assenta num conjunto de orientações com expressão valorativa

que se impõem a priori, como princípios a observar e como metas a atingir através da

MFT. Neste sentido, espera-se que com a intervenção do mediador familiar os

participantes venham a transformar ou a anular as interações disfuncionais com vista a

uma adequada funcionalização da separação parental. Coloca-se, pois, a questão de saber

se o conjunto de valores subjacentes ao quadro mediador é passível de conciliação com

os princípios estruturantes da mediação familiar (e.g. dever de imparcialidade do

mediador e o princípio da voluntariedade). Apesar do interesse programático do quadro

mediador, a harmonização do seu conteúdo com os princípios-base da responsabilidade

dos intervenientes pela resolução dos próprios conflitos e da autodeterminação das

pessoas tende a comprometer a base identitária alicerçada nos princípios de mediação

familiar. Por exemplo, um dos princípios do quadro mediador é o de que os pais têm

responsabilidades partilhadas, no entanto, importa não excluir totalmente a possibilidade

do exercício exclusivo das responsabilidades parentais, logo, qualquer pré-orientação do

mediador familiar coloca inevitavelmente em causa a sua imparcialidade e eventualmente

a capacidade de autodeterminação dos intervenientes, uma vez que à partida, poder-se-ia

entender que existia uma valoração prévia sobre o que seria melhor para determinada

família sendo que, um dos objetivos da mediação familiar é, precisamente, proporcionar

o contexto adequado para que os pais possam, por si próprios, tomar as decisões relativas

aos seus filhos e, consequentemente, assumirem a respetiva responsabilidade.

Neste contexto, salienta-se a pertinência da caracterização das decisões parentais

responsáveis e o seu impacto no exercício da parentalidade no decurso e após o divórcio

- tanto para a clarificação do conceito de decisão parental responsável como para a

caracterização dos fatores que influenciam o maior ou menor grau de responsabilidade

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das decisões parentais no quadro de uma reflexão sobre as fronteiras da mediação

familiar.

Consequentemente, considera-se de primacial interesse a interação dialógica entre

o Direito, a Psicologia e as Ciências Sociais em geral para a elaboração de uma

terminologia mais rica e rigorosa da mediação familiar.

1.4.2 Direito colaborativo

A emergência do Direito Colaborativo, por um lado, ocorreu em resultado da

insatisfação de um conjunto de advogados relativamente ao desfecho, frequentemente,

negativo dos litígios familiares e, por outro lado, devido à complexidade e especificidade

dos conflitos de natureza familiar e aos custos pessoais e económicos que os litígios

comportam para as famílias (Cohen, 2006).

O Direito Colaborativo surgiu no início deste século, nos Estados Unidos da

América, no Canadá, no Reino Unido, na Irlanda e na Escócia (Deutsch, 2008). O modelo

foi concebido primeiro Stu Web e, depois, desenvolvido por Tessler e Thompson (2006)

(citados por Deutsch, 2008). Este modelo visa fomentar a colaboração entre o campo da

saúde mental e o sistema legal. Consiste numa abordagem especializada com o objetivo

de preservar os recursos económicos e emocionais das pessoas que são representadas

pelos seus advogados nas reuniões em que estes negoceiam as pretensões dos seus clientes

com o objetivo de resolver o problema sem recorrer ao processo judicial (Cohen, 2006).

Além dos advogados, intervêm nestes processos outros especialistas, na área financeira,

em psicologia infantil e mediadores familiares. Como existe a possibilidade de as crianças

serem acompanhadas por especialistas da área de saúde infantil quando tal se justificar

poderá ter lugar a uma intervenção terapêutica (Deutsch, 2008).

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Esta abordagem poderá ser adequada para casos que se revistam de especial

complexidade no plano económico, psicológico ou outro, uma vez que explora de forma

flexível, mas abrangente as circunstâncias em torno do divórcio e as questões relativas à

parentalidade.

O Direito Colaborativo, tem sido operacionalizado nos Estados Unidos da

América e no Canadá mediante uma intervenção designada de Coordenação Parental que

funciona no contexto do tribunal da família. O coordenador parental, promove uma

intervenção estruturada em que ajuda os pais a lidar com o conflito e lhes faculta educação

parental, com vista à realização do acordo sobre as responsabilidades parentais. Quando

autorizado pelo tribunal em que exerce funções, o coordenador parental pode tomar

decisões pelos pais quando estes se mostrem incapazes de o fazer e, se necessário deverá

emitir recomendações ao tribunal (Deutsch, 2008).

1.5 Parentalidade: um conceito com alcance jurídico e psicológico

A família pode ser considerada sob distintas perspetivas que, por sua vez, mostram

diferentes faces de uma mesma realidade. Assim, Lima e Varela no Código Civil Anotado

escrevem que “as relações familiares revestem uma tal complexidade, principalmente no

que toca aos direitos e deveres pessoais que a sua disciplina tem muitas vezes de ser

desencantada, mais nos quadros vitais da instituição familiar, por intuição do julgador,

embora guiada pelo direito, do que no arrazoado descritivo da lei” (pp. 14). De notar, a

importância de ter presente a inadequação da aplicação cega e tecnicista do Direito às

relações jurídicas familiares tendo em conta a sua complexidade e diversidade. Por esta

razão se constata uma proliferação de conceitos indeterminados no Direito da Família. A

opção do legislador por esta técnica legislativa em que se delineia o núcleo central da

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norma e se reserva todo um conjunto de questões para serem determinadas caso a caso

(e.g. interesse de criança, questões de particular importância, orientações educativas mais

relevantes, etc.).

Deste modo, ao estabelecer-se o conceito de superior interesse da criança,

recorreu-se, precisamente a um conceito indeterminado, ou seja, a norma jurídica não se

encontra totalmente preenchida, o legislador prescreve o seu núcleo substancial, mas

deixa o círculo envolvente para ser concretizado caso a caso, em primeira linha, pelos

pais, e nos casos em que tal não é possível, pelo próprio juiz. O conceito de superior

interesse da criança é incontornável e está subjacente a qualquer decisão que envolva a

criança, mas não se esgota na norma jurídica, vai além dela ao encontro das necessidades

de cada criança em concreto.

Por sua vez, a semelhança de forma e de conteúdo dos acordos relativos à

regulação do exercício das responsabilidades parentais associada à quantidade

considerável de incumprimentos e de pedidos de alteração dos mesmos evidencia, de

certo modo, o sentimento de urgência do ex-casal/pais em ativar procedimentos

institucionais (e.g. Conservatórias do Registo Civil), precipitando, não raras vezes,

decisões sobre as responsabilidades parentas menos refletidas e pouco realistas ou

delegando no sistema judicial o seu poder e dever decisório. Desta forma, a mediação

familiar permite uma abordagem complementar ao sistema judicial e administrativo com

claras vantagens para todos os intervenientes.

No que respeita aos aspetos que condicionam as decisões parentais no âmbito da

SD, destacam-se duas questões essenciais. A primeira, diz respeito à dimensão temporal

e à dimensão espacial do desenvolvimento da família (Alarcão, 2006), que na fase de

transição para o divórcio podem funcionar como fatores de pressão prejudicando,

nomeadamente, a flexibilidade para a exploração de opções, a reflexão e o discernimento

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necessário à formulação do acordo relativo à regulação do exercício das

responsabilidades parentais. Em segundo lugar, note-se o facto de concorrerem para o

aumento de tensão em torno das decisões parentais a turbulência emocional dos pais nas

suas múltiplas facetas, nomeadamente, a frustração e o desânimo pelo desabar de um

projeto, a raiva, a insegurança ou a vingança.

Não obstante, os diferentes olhares que a família suscita, importa sublinhar que,

esta, ao atravessar o divórcio não deixa de ser uma família (Sbarra & Emery, 2008) e, por

isso, continua a ser o espaço privilegiado de socialização o que, em parte, condiciona

aquilo que a pessoa vai ser e o que poderá realizar, à medida que vai crescendo (Narciso

& Ribeiro, 2009).

Não há maior expressão da nossa humanidade do que cuidar um ser que é nosso

e, contudo, é ele. Ser pai e ser mãe, é então a maior responsabilidade. Assim, de acordo

com os objetivos gerais deste estudo, importa compreender o significado da expressão

parentalidade. Evelyne Sullerot (citada por Relvas & Alarcão, 2007) define parentalidade

“como sendo a designação para a relação pai/filho e coparentalidade como sendo a relação

entre os dois pais (pai e mãe), a fim de partilharem, do modo que entenderem, os cuidados

práticos, a educação e os carinhos a dar aos filhos” (pp.266). É igualmente oportuno para

a uma melhor compreensão do subsistema parental perceber quem toma as decisões

relativas à gestão familiar e à preparação das gerações mais novas (Alarcão, 2006). Os

pais têm uma função modeladora (Narciso & Ribeiro 2009), na medida em que é com

eles que os filhos aprendem “o sentido da autoridade, a forma de negociar e de lidar com

o conflito no contexto de uma relação vertical” (Alarcão, 2006), (pp.55).

Correlativamente, o ordenamento jurídico, enquanto sistema regulador dos

valores que num dado momento a sociedade revela e cuja dignidade reconhece, tem como

função estabelecer as fronteiras legais e imperativas que balizam os direitos e os deveres

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dos pais, no momento em que a dissolução do casal pode trazer maior instabilidade ou

risco para os filhos. De acordo com o artigo 1906 do Código Civil, as balizas legais dizem

respeito: 1) ao exercício conjunto das responsabilidades parentais, isto é, recai sobre o pai

e mãe a responsabilidade de tomarem, em conjunto, as decisões de particular importância

para a vida dos filhos (e.g. saúde, educação, segurança, etc.), salvo se circunstâncias

ponderosas o desaconselharem e mediante decisão fundamentada do juiz; 2) Residência

dos filhos; 3) Direito de visita, ou seja, à maneira como os pais organizam os contactos

da criança com cada um dos pais; 4) Pensão de alimentos, ou responsabilidade económica

pelas despesas dos filhos. Em termos pragmáticos os pais ao construírem o acordo sobre

as responsabilidades parentais estão, simultaneamente, a conferir uma nova organização

ao sistema familiar pondo em marcha uma nova redefinição familiar.

1.5.1 Estilos parentais

Integrando o objeto do nosso estudo, as decisões parentais responsáveis, no

contexto de SD, impõe-se considerar os estilos parentais educativos, uma vez que a forma

como os pais exercem o poder afirmativo ou o tipo de controlo relativamente aos filhos

(Barber & Mingzhu, 2013; Baumrind, 2013; Henry & Hubbs-Tait, 2013 Lamborn,

Mounts, Steinberg & Dornbusch, 1991; Robinson, Mandleco, Olsen & Hart, 1995) são

passíveis de influenciar o processo de tomada de decisões relativamente a

responsabilidades parentais e a forma como os pais promovem um novo funcionamento

familiar na transição para o divórcio.

Baumrind (1971) realizou três estudos com o objetivo de estudar como é que os

padrões parentais influíam nas características das crianças. Como resultado dessas

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investigações, a autora propôs três estilos parentais distintos: autoritário, autoritativo e

permissivo.

De acordo com Baumrind, 1971), os pais autoritários caracterizam-se por

educarem os filhos segundo um conjunto de regras estritas, por valorizarem a obediência

e por mostrarem fraca recetividade à argumentação dos filhos. Podem recorrer à punição

ou mesmo à força para fazer acatar as suas diretrizes educativas.

Os pais com estilo Autoritativo, ao educar os filhos, atuam com racionalidade e

diálogo sendo firmes e exigentes. Explicam a razão de ser da necessidade de respeitar as

regras e valorizam a ajuda dos filhos para o funcionamento familiar. Assumem os seus

valores e impõem claramente os limites. Educam os filhos num clima afetivo.

Os pais Permissivos evitam a confrontação procurando orientar os filhos através

de conversas e explicações. Exercem pouco controlo e têm dificuldade em fazer respeitar

as regras e em estabelecer limites, por isso, os filhos desenvolvem grande margem de

autonomia e de expressão individual.

Baumrind (1971) considera que o principal objetivo da função parental é a

socialização dos filhos, isto é, a promoção da sua adaptação às exigências dos outros

mantendo a sua integridade pessoal.

Darling e Steinberg (1993) definem estilo parental, como sendo uma constelação

de atributos que criam o contexto emocional, no qual, ocorrem as interações entre pais e

filhos com vista à socialização destes. Estes autores caracterizam a parentalidade a partir

de três aspetos distintos: os objetivos e valores dos pais relativamente à orientação da

socialização, a prática parental e o estilo parental. A prática parental traduz-se no conjunto

de comportamentos dos pais que visam a socialização dos filhos, ou seja, os pais tentam

motivar nos filhos para a adoção de comportamentos adequados e tentam bloquear

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comportamentos inadequados, enquanto o conceito de estilo parental, enfatiza o contexto

emocional em que o filho é educado, o qual, inclui as práticas parentais conjuntamente

com outros aspetos da interação pais-filhos, como sejam os aspetos não verbais da

comunicação

Os estilos parentais têm sido associados a diferentes níveis de competências

sociais e cognitivas na fase pré-escolar, a meio da infância e na adolescência. Os filhos

de pais autoritativos têm sido associados a uma maior orientação para o sucesso, a

melhores resultados escolares e a uma melhor capacidade de cooperação, bem como a

uma menor propensão para a depressão, ansiedade e dependência (Lisi & Lisi, 2007).

1.5.2 Coparentalidade

Em resultado das alterações familiares decorrentes da SD, as relações entre os dois

pais e o filho passam a ser entre mãe-filho e pai-filho, dada a existência de um único

educador que coabita com os filhos (Relvas & Alarcão, 2007). De sublinhar, a

importância da relação dos pais relativamente aos filhos para a compreensão das questões

que se colocam em torno das decisões parentais, enquanto unidades integrantes

coparentalidade. Van Egeren e Hawkins (2004) definem coparentalidade, como sendo

qualquer relacionamento entre pelo menos duas pessoas que de acordo com as normas

sociais ou por mútuo acordo, assumem a responsabilidade pelo bem-estar de uma criança.

Desta noção depreende-se uma distinção clara entre e relação conjugal e a relação

parental, podendo haver conflito interpessoal entre o casal e, simultaneamente uma boa

relação parental centrada no bem-estar da criança.

Do ponto de vista legal importa referir que o regime regra de exercício das

responsabilidades parentais (artigo 1906 do Código Civil), em relação às questões de

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particular importância da vida do filho (e.g. educação, saúde, educação religiosa,

segurança), é o de exercício conjunto das responsabilidades parentais, consequentemente,

o dever de chegar a um consenso sobre os aspetos estruturantes da vida da criança recai

sobre os dois pais. Por outro lado, torna-se necessário ainda considerar que as

responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho devem ser

exercidas pelo pai ou pela mãe, consoante, a criança estiver com um ou com o outro. No

que se refere às orientações educativas do filho, estabeleceu-se o critério básico do acordo

entre os pais, no entanto, com o objetivo de prevenir eventuais divergências entre os pais

e atendendo a que as orientações educativas relativamente à vida dos filhos se traduzem

em múltiplos atos da vida corrente do filho (e.g. trabalhos de casa, horário de deitar, regras

de etiqueta, arrumar o quarto, escolha dos programas de televisão, uso de internet)

determinou-se que em caso de desacordo dos pais em relação à educação do filho deverão

prevalecer as orientações educativas do pai/mãe com quem a criança reside.

De sublinhar, as alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008 de 31 de outubro ao

enfatizarem o papel do afeto nas relações de parentalidade e a valorização do acordo entre

os pais relativamente à regulação ou alteração do regime do exercício das

responsabilidades parentais (e.g. dever de informação do Tribunal da Conservatória do

Registo Civil, sobre a possibilidade de recurso a mediação familiar) considerando-se,

inclusivamente a possibilidade de o juiz atribuir a residência da criança ao pai ou à mãe

que apresentar melhores condições para promover relações de grande proximidade entre

os dois pais. A par com estes avanços nas leis da família estudos científicos revelam

vantagens para as crianças que mantêm boas relações com os seus pais divorciados,

nomeadamente o estudo realizado por Ahrons (2007) que, após 20 anos de divórcio dos

pais, revela que existem benefícios para os filhos em manterem relações positivas com os

dois pais.

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De destacar, ainda, as alterações terminológicas introduzidas pela Lei nº 61/2008

de 31 de outubro quanto à substituição das expressões poder paternal por responsabilidade

parental, de menor por filho, de guarda (física) por residência. De facto, o legislador

intentou sublinhar a importância da participação dos dois pais na vida dos filhos e na sua

educação e visou sublinhar a responsabilidade de ambos os pais pelos cuidados e despesas

relativamente a tudo o que diz respeito às crianças. Assim, surge reforçada a noção de

criança como sujeito de direitos e não como objeto de poder dos pais.

Por sua vez, a investigação científica tem demostrado que o grau de conflito dos

pais e a incapacidade de o resolverem afeta muitas áreas do desenvolvimento da criança

prejudicando seriamente o seu superior interesse (Deutsch, 2008; Kelly, 2006),

encontrando-se bem estabelecida pela investigação a associação entre a exposição ao

conflito e efeitos negativos no ajustamento das crianças ao nível escolar, da comunidade

e da saúde física e psicológica (Deutsch, 2008).

Durante a fase de SD os pais enfrentam um período marcado por mudanças de

considerável magnitude (Wallerstein, Lewis & Rosenthal, 2013) caracterizado,

frequentemente, pelo emaranhamento do conflito conjugal no conflito parental e pela

incapacidade de delimitar cada um destas dimensões relacionais surgindo, não raras

vezes, o conflito em relação aos filhos como sendo uma forma de contestar o fim da

relação conjugal (Sbarra & Emery, 2008).

A investigação tem mostrado o impacto positivo da mediação familiar sobre o

nível de conflito entre os pais (Amato, 2001; Kelly, 2006; Sbarra & Emery, 2008), a

qualidade da parentalidade em relação aos dois pais e os fatores de stress a que as crianças

são expostas (Amato, 2001).

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O desafio emocional e económico, entre outros, resultantes da SD e a necessidade

de conformidade com o Direito, especificamente com o Direito da Família, é de

assinalável complexidade para os pais, cujas decisões parentais se impõem com a natural

urgência das situações de vida.

Etimologicamente a palavra decidir deriva do latim decidere que significa cortar.

De facto, quando os pais ativam o sistema legal ou a mediação familiar visam estabelecer

uma nova organização familiar, isto é, poem em movimento a cisão com a organização

familiar existente durante o casamento ou a união que, não raras vezes, encerra um

doloroso processo.

Assim, neste contexto o processo de decidir sobre responsabilidades parentais

pode ser entendido como um conjunto de ações, que num contexto de mudança, são

orientadas para mudar a estrutura existente conferindo-lhe um novo sentido e

organização. Esta noção geral de processo de decisão permite um esboço inicial e um

ponto de partida para este trabalho – as decisões parentais responsáveis, enquanto

componentes de um acordo sobre as responsabilidades parentais.

Consequentemente, importa considerar a centralidade da coparentalidade

(Margolin, Gordis & John, 2001) na modelagem das decisões sobre as responsabilidades

parentais. Acresce aprofundar a compreensão sobre o impacto do nível de conflito, o tipo

de envolvimento e de participação da criança na mediação familiar e a forma como a

informação jurídica (ou outra) é transmitida e a perceção sobre o bem-estar da criança.

1.6 Resumo do capítulo

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41

A revisão de literatura evidencia, entre outros aspetos, a evolução da formulação de

modelos teóricos da mediação, a crescente institucionalização da mediação familiar, a

pertinência em formular ligações teóricas interdisciplinares que fundamentem a sua

identidade, bem como, a necessidade de definir as características de decisões parentais

responsáveis e a interligação entre a mediação familiar e a coparentalidade na transição

para a SD.

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CAPÍTULO II

2. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E METODOLÓGICO

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2.1 Resumo do capítulo

Neste capítulo desenvolvem-se os traços essenciais da investigação qualitativa em

Ciências Sociais referindo-se a sua congruência com a investigação em Psicologia da

Família e, especificamente com o tema da dissertação. Expõe-se a evolução da

investigação qualitativa, a qual, permite contextualizar e compreender a emergência da

complexa rede de conceitos que a caracterizam. Demarcam-se os contornos

metodológicos da investigação referindo-se os métodos e procedimentos de recolha de

dados (quantitativos e qualitativos) e as estratégias utilizadas para a sua análise. Sublinha-

se a posição não neutral do investigador em todo o processo de produção de conhecimento

e desenvolvem-se várias estratégias de validação da investigação qualitativa que

contribuem para a sua fiabilidade.

2.2 Enquadramento conceptual

O presente projeto de investigação científica pretende contribuir para a

compreensão do processo de tomada de decisão sobre responsabilidades parentais,

especificamente em contexto de Mediação Familiar e para identificar fatores associados

ao desenvolvimento de uma parentalidade harmoniosa na fase de transição para a

separação/divórcio (SD), assim como, para esclarecer o impacto do processo de Mediação

Familiar no que respeita à efetiva proteção dos interesses das crianças no quadro das

relações jurídicas familiares. Esta tese insere-se no âmbito da Psicologia da Família e tem

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como horizonte metateórico a Teoria dos Sistemas (Bertalanffy, 1950), a teoria da

complexidade (Morin, 2008) e a teoria ecológica do desenvolvimento humano

(Bronfenbrenner, 1995, 1997). Também, os estudos sobre os efeitos pragmáticos

(comportamentais) da comunicação humana realizados por Bateson (1996) e por

Watzlawick, Beavin e Jackson (1993) complementam os contornos conceptuais deste

trabalho.

Considerando a matriz jurídica desta tese propomo-nos, sempre que se revele

adequado, estabelecer um diálogo interdisciplinar com a perspetiva da Psicologia da

Família e a do Direito da Família. De facto, em termos pragmáticos, a Mediação Familiar

tem vindo a afirmar-se através da combinação integrada do pensamento e das abordagens

jurídicas as da Psicologia, pois, ambas partilham um terreno comum que é o universo dos

comportamentos humanos e as relações familiares. Assim, o Direito da Família

compreende um sistema de normas jurídicas reguladoras das relações jurídicas familiares.

Por seu lado, a Psicologia da Família orientada pelas lentes sistémicas, entende a família

como o principal foco de compreensão do comportamento humano ao considerá-la o

território relacional, no qual, cada um dos respetivos membros constitui parte do processo

que cria, mantém e regula os padrões de comportamento humano (Magnavita, 2012;

Minuchin, 1985).

A partir de este quadro conceptual importa refletir sobre a evolução e as

características principais da investigação qualitativa.

2.3 Enquadramento da investigação qualitativa

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45

A investigação qualitativa sendo amplamente utilizada em várias campos de

investigação científica no âmbito das Ciências Sociais e numa multiplicidade de temas,

compreende uma rede de conceitos, pressupostos e termos que integram vários métodos

como o estudo de caso, a entrevista, os métodos visuais e a análise interpretativa, os quais,

de acordo com as questões de investigação colocadas e com os objetivos delineados,

visam desenvolver a reflexão do investigador a partir do próprio processo de investigação

(Denzin & Lincoln, 2008; Flick, 2005). Segundo Creswell (2007) a investigação

qualitativa é comparável a uma fábrica ou um tear em que se misturam, combinam e

processam muitas sequências temporais, texturas e cores, com vista à produção de uma

obra que é gradualmente tecida e criada a partir um quadro de trabalho regulado e

moldado por diversas lentes e estratégias de investigação, nomeadamente a Grounded

Theory (GT), o estudo de caso ou a fenomenologia.

De notar, que desde o início do séc. XX até á Segunda Guerra Mundial, a

investigação científica em Ciências Sociais e em Psicologia desenvolveu-se sob o

primado do uso de métodos quantitativos, exatos e padronizados. Em contrapartida, os

métodos qualitativos que, até então, detinham uma significativa tradição no campo das

relações sociais foram constantemente discutidos, tendo sido questionada a sua validade,

fiabilidade e objetividade (Denzin & Lincoln, 2003; Flick, 2005). Atualmente, a

qualidade da investigação qualitativa encontra-se amplamente legitimada, sendo cada vez

maior o número de estudos qualitativos realizados e mais notória a sua evolução

metodológica, nomeadamente através da interdisciplinaridade, da complexidade e

interconexão de conceitos, termos e pressupostos, enquanto realidades produtoras de

diferentes visões e significados, de acordo com o momento e a situação histórica em que

são formuladas (Denzin & Lincoln 2008).

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46

2.3.1 Contexto histórico da investigação qualitativa

No plano histórico1, Denzin e Lincoln (2008) consideram sete momentos de

desenvolvimento da investigação qualitativa: 1) O período Tradicional, compreendido

entre o início do séc. XX e a II Guerra Mundial, caracteriza-se pelo desejo de explicar e

de conferir validade, fiabilidade e objetividade na interpretação da realidade. O interesse

por novas culturas, pelo conhecimento do outro, do estrangeiro e pelo que é desconhecido

são, igualmente, motivações que se refletem na investigação qualitativa, durante este

período, como indiciam os estudos etnográficos realizados na Nova Guiné por

Malinowski (1967, citado por Denzin & Lincoln, 2008) e os estudos da Escola de Chicago

na área da Sociologia. Os dados obtidos através das experiências de campo eram, então

examinados segundo a lógica do facto científico, a qual, assenta em estratégias destinadas

a separar e isolar porções da realidade, identifica-las e caracterizá-las 2) O período

Modernista, também denominado de “Idade de Ouro” estende-se de 1950 a 1970. Esta

fase caracteriza-se pelo aparecimento de diversos trabalhos dedicados à formalização

rigorosa da investigação qualitativa, como é patente através das várias obras então

publicadas e cuja marca perdura até à atualidade (Denzin & Lincoln, 2008; Flick 2005).

Também, neste período, surgem novas teorias interpretativas como a etnometodologia, a

fenomenologia, a teoria crítica e as ideologias emancipatórias como o feminismo. Nesta

fase pós-positivismo é o paradigma preponderante; 3) Segue-se um terceiro momento,

situado entre 1970 e 1986, é conhecido como o período da Confusão de Géneros. Este

período caracteriza-se pela coexistência de uma multiplicidade de métodos e teorias: o

interacionismo simbólico, o positivismo, o pós-positivismo, o feminismo, o

estruturalismo, a fenomenologia e a teoria neomarxista. Também é nesta altura que se

1 Estes momentos traduzem marcos evolutivos da investigação qualitativa nos E.U.A. De notar que

diferentes gradações temporais e temáticas podem ser identificadas em outros países, como Flick (2005,

p.8-9) salienta relativamente à história da investigação qualitativa na Alemanha.

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diversificam as estratégias de recolha e de análise de dados como a GT e o estudo de caso.

Os paradigmas naturalista, pós-positivista e o construtivismo afirmam-se particularmente

durante este período; 4) Nos meados da década de 80, surge um quarto momento

designado de Crise de Representação. Esta fase caracteriza-se pelo relevo que o processo

de apresentação do conhecimento assume no âmbito da investigação qualitativa, a qual,

é então encarada como sendo um processo contínuo em que variadas interpretações da

realidade são possíveis (Denzin & Lincoln, 2008; Flick, 2005). Por exemplo, uma mesma

entrevista pode gerar múltiplas versões conforme as motivações particulares do

investigador e do entrevistado. Neste contexto, as questões metodológicas assumem

redobrado interesse na medida em que permitem e fomentam várias interrogações sobre

a validade dos métodos tradicionais e sobre a necessidade de encontrar novas

formulações; 5) Segue-se o período Pós-Moderno situado entre 1990 e 1995, o qual, se

caracteriza pela verificação de uma tripla crise: crise de representação, de legitimação e

pragmática. A crise de representação está relacionada, por um lado, com a ideia de que

as teorias e narrativas devem refletir as situações e realidades históricas e, por outro, com

a incontornável dificuldade em captar a experiência vivida. A crise de legitimação prende-

se com a necessidade de repensar os critérios de validação e de interpretação em

investigação qualitativa. Em consequência, os significados das expressões validação,

generalização e fiabilidade anteriormente revistos pelo Pós-Positivismo são de novo

problematizados. Por sua vez, esta dupla crise vai somar-se à crise pragmática respeitante

ao questionamento sobre o alcance prático da investigação qualitativa; 6) Na fase Pós-

Experimental que medeia entre 1995 e 2000, a investigação qualitativa reflete a busca por

novas formas de exprimir a experiência humana, designadamente em termos visuais,

autobiográficos, conversacionais permitindo que múltiplas vozes possam ter lugar; 7)

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48

Durante o sétimo momento, situado entre 2000 e 2004, a investigação qualitativa

caracterizou-se -se pela existência de uma certa tensão e controvérsia metodológica.

Desde 2004 até ao presente, a difusão da investigação qualitativa em Psicologia

foi dando lugar a uma explosão de criatividade metodológica. A lógica tradicional da

investigação qualitativa e a hegemonia dos métodos quantitativos passam a ser

ponderados a partir de uma perspetiva mais holística, rica e complexa. Nesta perspetiva

Wertz (2014) caracteriza a investigação qualitativa atual como “uma floresta em

expansão com muitas árvores de várias idades e diferentes distâncias umas das outras,

com crescimento em simbiose, algumas competindo por luz solar, enquanto outras

ascendendo ao isolamento, à medida que sobem a partir de um sistema de raízes

subterrâneas que se misturam numa comunidade em que vários tipos de nutrientes

coexistem no solo”, (p. 4).

Neste contexto, para além dos momentos históricos anteriormente referidos (e.g.

Denzin & Lincoln 2008; Flick, 2005), pareceu-nos pertinente considerar um oitavo

período correspondente à investigação qualitativa contemporânea em Psicologia. Este

oitavo período caracteriza-se, desde logo, pelo cessar dos posicionamentos extremados

entre métodos quantitativos e qualitativos que marcaram as décadas anteriores (Wertz,

2014). Efetivamente, a integração de metodologias múltiplas permite aumentar

consideravelmente o valor da investigação, na medida em que os métodos qualitativos

podem contribuir para validar os resultados quantitativos e, inversamente, os dados

quantitativos podem ajudar a explicitar os resultados qualitativos ou a gerar amostras

qualitativas (Fetters, Curry, & Creswell 2013). Outros autores referem uma mudança

subtil nas perspetivas dos investigadores qualitativos, cujas motivações, porventura

superam o fim científico da compreensão da subjetividade humana no propósito de

contribuírem com os seus trabalhos para o desenvolvimento de universos humanizantes

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e apreciativos entre grupos, culturas, raças, religiões, orientação sexual, etc. (Gergen,

Josselson e Freeman , 2015). Segundo Wertz, (2014) o processo de investigação é hoje

em dia não só criativo, mas também subversivo, ora impulsionando a investigação em

novas direções, ora produzindo cortes com a ciência estabelecida. Desta forma, o

momento atual da investigação qualitativa apresenta-se desafiante, inclusivo,

transformador e aberto, concretamente quanto à participação do investigador e dos

investigados nas várias fases do processo de investigação, enquanto as fronteiras entre a

produção de conhecimento e a sua práxis se vão desvanecendo.

Assim, de acordo com os momentos históricos anteriormente referidos o

desenvolvimento teórico e metodológico da investigação qualitativa ao longo do tempo é

dinâmico e está em permanente construção. Denzin e Lincoln (2008) referem que,

genericamente, a investigação qualitativa pode ser compreendida como sendo uma

atividade que inclui o investigador no mundo que ele próprio pretende interpretar,

particularmente através um conjunto de práticas que visam, não só torná-lo visível a partir

de diferentes ângulos, mas, também transformá-lo.

2.3.2 Paradigmas da investigação

A presente tese ambiciona contribuir para a compreensão de significados, de

experiências e de processos numa perspetiva interdisciplinar, por isso, optámos por um

tipo de investigação eminentemente qualitativa apesar de complementada com dois

estudos de tipo quantitativo. Por outro lado, esta decisão relaciona-se, igualmente, com o

facto de o tema em estudo ser relativamente recente e pouco investigado.

Qualquer projeto de investigação qualitativa implica o confronto com um conjunto

de questões sobre a natureza do ser humano (ontologia), sobre a natureza do

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conhecimento e das relações entre o investigador e o conhecimento (epistemologia) e

sobre a forma como o conhecimento sobre o mundo pode ser alcançado (metodologia).

Estas formulações primeiras compreendem um conjunto de crenças e de sentimentos

acerca do mundo que configuram o quadro interpretativo que orienta o investigador

quanto às decisões a tomar ao longo da sua pesquisa (Guba & Lincoln, 1994).

Assim, a noção de paradigma científico ou de mapa conceptual compreende um

conjunto de princípios extremamente abstratos que refletem uma determinada visão do

mundo, da sua natureza e da forma como os indivíduos nele se posicionam e com ele se

relacionam. Desta forma, um paradigma científico tem por base um sistema de crenças,

pressupostos e sentimentos que norteiam o investigador ao longo do processo de

investigação (Creswell, 2007; Guba & Lincoln, 1994). Assim, o conceito de paradigma

pode ser resumido a partir das respostas dadas às questões ontológica, epistemológica e

metodológica. (Guba & Lincoln, 1994).

A expressão ontologia deriva da conjugação dos termos gregos ontos (ente) e

logos (ciência), designando a ciência que estuda o ser enquanto tal. Assim, o domínio da

ontologia insere-se no campo da reflexão e da especulação sobre a essência do real,

intentando penetrar no conhecimento do que é e como é o fundamento e o sentido do real,

apesar de ser sabido que a resposta a esta interrogação primacial não poder ser alcançada

mediante um conceito definível do ser, uma vez que a sua essência última não pode ser

compreendida mediante categorias indutivas de nível mais elevado nem por recurso a

conceitos dedutivos de nível mais baixo – a realidade é o que é - independentemente das

relações entre os objetos reais e o investigador.

A origem etimológica da palavra epistemologia radica nas expressões gregas

episteme e logos que significam teoria do conhecimento. Compreende outro nível de

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reflexão meta-teórica que se ocupa das questões subjacentes à forma como o investigador

se relaciona com a realidade. Assim, ao realizar qualquer empreendimento científico é de

crucial importância definir a posição epistemológica que irá nortear o tipo de relação que

se estabelece entre o investigador e o objeto de conhecimento.

A génese etimológica do termo metodologia é, além do mais, muito sugestiva ao

significar “o caminho do conhecimento”. As questões do método científico respeitam ao

conjunto organizado e sistemático de regras e procedimentos que visam guiar o

investigador através do trilho traçado para a averiguação dos temas que pretende

investigar.

Deste modo, um paradigma científico é na sua essência uma forma de encarar o

mundo, uma metafísica fundada num conjunto de princípios primeiros, cuja veracidade

final não pode ser comprovada, mas deve ser fundamentada (Guba & Lincoln, 1994).

Assim sendo, a visão que o investigador tem do mundo resulta da maneira como ele se

posiciona em relação às perspetivas ontológica, epistemológica e metodológica.

Tabela 1

Paradigmas de investigação científica

Posição

Ontológica

Posição

Epistemológica

Posição

Metodológica

Coerência/ Tipo de

investigação

Positivismo Realismo

ingénuo

Dualismo/

Objetividade

Experimental

manipulativa

Quantitativa

Pós -Positivismo Realismo

crítico

Objetividade/

Dualismo

modificado

Experimental

manipulativo

modificado

Qualitativa/Quantitativa

Teoria Crítica Realismo

histórico

Interacional/

Subjetivista

Dialógica e

dialética

Qualitativa

Construcionista Relativista Interacional/

Subjetivista

Hermenêutica

Qualitativa

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Conforme se esquematiza através da tabela 1 a conexão entre os principais

paradigmas científicos e os argumentos e respostas encontradas para as questões

ontológicas, epistemológicas e metodológicas tem, por sua vez, claras implicações na

decisão do investigador quanto ao tipo de investigação a desenvolver (quantitativa e/ou

qualitativa).

Relativamente à forma como a investigação qualitativa é estruturada, Guba e

Lincoln (1994) consideram quatro paradigmas científicos primordiais: o Paradigma

Positivista, o Paradigma Pós-Positivista, a Teoria Crítica e o Paradigma Construcionista.

O paradigma Positivista funda-se ontologicamente na noção de realismo ingénuo

(Denzin & Lincoln, 2008), ou seja, na ideia de que o conhecimento é uma versão exata

da realidade. Em termos epistemológicos considera-se que o observador e a realidade

observada são entidades autónomas e que o real pode ser apreendido tal como existe

independentemente de quem o descreve e observa, portanto, de forma objetiva. Assim, os

defensores do Positivismo apresentam uma perspetiva depreciativa da metafisica

declarando-a uma ilusão inútil sustentando que os conhecimentos a priori e as

interpretações subjetivas não passam de obstruções gnosiológicas. Desta forma, o critério

de cientificidade deve basear-se na verificação de hipóteses sendo, por isso, os métodos

quantitativos os que melhor se enquadram no pensamento positivista ao comtemplarem

processos de medição, generalização e de previsão que se encontram associados à

“imagem” fotográfica que os teóricos positivistas têm do mundo.

O paradigma Pós-Positivista enquadra-se, em sentido ontológico, no realismo

crítico ao considerar que a realidade é “real”, mas só pode ser apreendida de uma forma

probabilística e imperfeita (Guba & Lincoln, 1994, 2008). Em termos epistemológicos, a

relação entre o investigador e a realidade é pautada por um dualismo mitigado ou

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modificado ao sublinhar a existência da interação entre o observador e a realidade

observada. Karl Popper (1974) criticou energicamente as conceções positivistas, tendo

defendido que o requisito de demarcação em ciência não deve ser o critério da verificação,

mas o critério da falseabilidade, na medida em que uma qualquer teoria encerra em si

mesma a potencialidade de vir a ser refutada, porquanto expõe uma conjetura sobre a

realidade e não a verificação de uma verdade absoluta. Neste sentido, a teoria Pós

Positivista problematiza o método indutivo puro, comumente designado por “problema

da indução” (Guba & Lincoln, 2008), e, defende um realismo crítico sustentado na

constatação de que os dados estão impregnados pelas perspetivas teóricas que lhes dão

forma e são controlados pelos métodos selecionados pelo investigador. De notar, que a

objeção Pós-Positivista quanto ao primado absoluto dos métodos quantificadores em

ciências sociais não determina qualquer desvalorização das vantagens da aplicação de

métodos mistos em investigação científica, pelo contrário, a pertinência da associação

entre métodos quantitativos e qualitativos é perfeitamente conciliável e até desejável

(Flick, 2005). De facto, o posicionamento Pós-Positivista configura as relações entre o

investigador e a realidade como entidades que comunicam informação entre si e se afetam

mutuamente - são entidades distintas e autónomas, mas não mundos neutros e separados

entre si. Em consequência, as diferenças essenciais entre o Positivismo e o Pós

Positivismo inscrevem-se claramente a título ontológico, epistemológico e metodológico,

ao mesmo tempo que são preservadas referências comuns quanto aos critérios de

qualidade do processo de investigação (e.g. validade interna e externa, a fiabilidade e

objetividade) (Denzin & Lincoln, 2008).

A Teoria Crítica tem como por base ontológica o realismo histórico em

contraposição com os paradigmas ditos tradicionais (Positivismo e Pós-Positivismo)

rejeitando, desta forma, qualquer separação entre o sujeito e a realidade. O real é a

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expressão da partilha de valores políticos, sociais, económicos ou relativos ao género,

sedimentados ao longo do tempo, mas, também patentes em cada momento histórico. Em

sentido epistemológico a natureza do conhecimento decorre da intersubjetividade

produzida no contexto de social e, tem como objetivo primordial a transformação e a

emancipação individual e coletiva2, mediante o desenvolvimento da reflexão critica e do

método da dialética, as quais, proporcionam ao investigador um quadro de análise que

suplanta a pura realidade empírica. De notar, que os princípios subjacentes à teoria crítica

se mostram ideologicamente centrados na natureza política de todo o processo de

investigação como é característico dos investigadores feministas e neomarxistas.

O paradigma Construcionista tem como base ontológica o princípio da

relatividade do real ao considerar que a realidade é uma co-construção não sujeita a leis

rígidas e imutáveis e em que múltiplas realidades são continuamente reconstituídas pela

mente humana. A realidade é dinâmica e alterável podendo ser apreendida de múltiplas

formas em função da idiossincrasia e da subjetividade individual ou de grupo. Em sentido

epistemológico, a posição do investigador reflete um compromisso entre o investigador e

o sujeito que é investigado, no qual, ambos se encontram interligados através do método

hermenêutico e dialético tentando, dessa forma, desenvolver níveis de compreensão cada

vez mais informados e sofisticados (Denzin & Lincoln, 2008).

Atentando nas características desta dissertação, nomeadamente a preponderância

da sua componente qualitativa, considerámos o paradigma Pós Positivista como o mais

adequado aos nossos objetivos claramente direcionados para a compreensão de processos,

pesquisa de experiencias e fatores de influência e descoberta de padrões.

2 A transformação social e coletiva afirma-se através do valor da formação, pelo empenho na erosão da

ignorância e através do ativismo, da intervenção e do estímulo à ação (Denzin & Lincoln, 2008).

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2.3.3 Características da investigação qualitativa

A investigação qualitativa atravessa diversas áreas de estudo, mas é especialmente

relevante no âmbito das Ciências Sociais, tendo em conta a complexidade e a variedade

dos contextos de vida (Bogdan, & Biklen; 2010). Denzin & Lincoln, 2008; Flick, 2005).

Por outro lado, a investigação qualitativa envolve um conjunto de termos e conceitos

conectados com diversas perspetivas de investigação, métodos e interpretações, cujos

significados emergem dos diferentes patamares evolutivos do seu percurso histórico

(Denzin & Lincoln, 2008). A pesquisa qualitativa concebe e situa a atividade do

investigador no mundo, isto é, em interação com a realidade a que pretende dar

visibilidade. Assim, o acesso à realidade que se pretende estudar desenvolve-se através

de múltiplos processos de recolha de materiais empíricos (e.g. entrevistas, estudo de caso,

fotografias, memorandos, etc.) e mediante recurso a várias estratégias interpretativas,

frequentemente combinadas num mesmo estudo. Flick (2005) sintetiza as principais

características da investigação qualitativa em quatro aspetos fundamentais: 1) o método

deve ser adequado à complexidade e ao contexto do objeto a estudar; 2) os pontos de vista

dos participantes são considerados na sua diversidade e no seu contexto; 3) a reflexão do

investigador, nomeadamente sobre os seus próprios comportamentos, observações ou

impressões relativamente ao estudo, fazem parte do processo de produção de

conhecimento; 4) prevalência de multiplicidade de abordagens e de métodos e rejeição

de qualquer propósito de unicidade teórica e metodológica.

Neste contexto, a investigação qualitativa compreende um complexo teórico

constituído por um conjunto de termos e de conceitos inter-relacionados (Denzin &

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56

Lincoln, 2008), que diversos autores têm ilustrado a partir de vários prismas e através de

interessantes metáforas.

2.3.3.1 Olhares e metáforas sobre a investigação qualitativa

1) O bricoleur: A comparação do investigador qualitativo com um bricoleur

(Denzin & Lincoln, 2008) sugere que, aquele pode ser visto como alguém semelhante a

um construtor que vai tecendo com as suas habilidades, métodos e técnicas de

representação uma determinada obra encastelada na sua sensibilidade interpretativa e

estética. O processo interpretativo ocorre como um rasgo integrado numa sequência, mas

não sequencial (Denzin & Lincoln, 2008). Assim, a investigação qualitativa pode ser

caracterizada como sendo um processo organizado que se desenrola provocando e

produzindo ecos múltiplos, padrões, vozes e olhares, ora previsíveis, ora inesperados. A

interdependência entre as várias fases da investigação qualitativa e a não linearidade do

processo de investigação são uma marca distintiva da investigação qualitativa face à

investigação quantitativa (Corbin & Strauss, 2008; Flick, 2005).

2) O puzzle: elegemos a noção de puzzle para nos referirmos, especificamente a

uma das características mais marcantes da investigação qualitativa que é a que comtempla

a necessidade de adequação recíproca entre o método e o objeto da investigação. As

aceleradas mudanças sociais, a diversidade de “universos de vida” (Flick, 2005, p.2), de

perspetivas e de áreas de estudo, têm vindo a proporcionar variadas reflexões

metodológicas, designadamente, no que se refere à questão de o método quantitativo ser

instruído a partir de uma epistemologia austera, reducionista e objetiva da realidade,

arriscando-se, assim, a subestimar a originalidade e a significância dos processos de

mudança inerentes à complexidade das situações objeto de estudo. Flick (2005) sublinha

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a pertinência de ponderar cuidadosamente as questões da adequação entre o método e a

teoria, salientando a importância da escolha do método adequado e que pode ser

empregue no estudo das questões de investigação visadas de entre o conjunto de métodos

disponíveis e aceites. Se o objeto da investigação consiste em estudar fenómenos

complexos em que múltiplas causas concorrem para a sua compreensão os métodos mais

convenientes são os que se prefiguram abertos e variados por forma a englobar a

diversidade, o contexto e as interações onde se produzem as situações da vida. De facto,

o investigador ao confrontar-se com a novidade e a especificidade de contextos sociais

em mutação acelerada encontra dificuldades, na discriminação dos conteúdos e dos

padrões interpretativos, se pretender apoiar-se apenas em critérios académicos abstratos,

na razão dedutiva e na prova empírica das respetivas hipóteses teóricas. Neste quadro o

recurso à indução e à sensitividade teórica são estratégias finas para a familiarização com

os assuntos em estudo e para a descoberta de teorias enraizadas (Flick, 2005). A

investigação qualitativa compreende uma moldura conceptual que permite considerar a

multiplicidade de olhares e de pontos de vista que emergem do contexto social e

desenvolver a análise dos fenómenos com profundidade. Ao contrário, a investigação

quantitativa ao lidar com grandes quantidades de dados não apresenta uma tendência tão

marcada para o desenvolvimento da sensitividade teórica e para o exame focalizado de

aspetos específicos da investigação.

3) O triângulo: esta expressão visa representar a combinação de diferentes

métodos, equipas de investigadores, contextos de espaço e de tempo e distintas

perspetivas teóricas no estudo de um determinado fenómeno (Flick, 2005). Trata-se de

uma estratégia largamente utilizada, seja, como forma de superar o viés resultante da

subjetividade do investigador e de aplacar as críticas sobre a natureza light da

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investigação qualitativa ou como maneira de aumentar o foco a partir do qual a realidade

pode ser estudada e compreendida (Bloomberg & Volpe, 2008).

O conceito de triangulação não é uma estratégia de validação da investigação,

mas, contribui para acrescentar rigor, amplitude, profundidade e complexidade a qualquer

projeto científico (Denzin & Lincoln, 2008; Flick, 2005) podendo, por isso, ser

considerada como uma opção para a validação. A conjugação no mesmo estudo de

diferentes materiais empíricos, perspetivas e observações justifica-se essencialmente por

dois aspetos. O primeiro respeita à circunstância de que a realidade em sentido objetivo

não pode ser capturada na sua completa integridade, o segundo aspeto, decorre do

primeiro e determina que o real apenas pode ser conhecido através da representação das

suas múltiplas facetas.

4) O cristal: Richardson (2000) contrapõe à figura do triângulo a imagem do

cristal ao entender que a figuração central da investigação qualitativa fica melhor

elucidada através das propriedades do cristal do que mediante as características do

triângulo, defendendo assim que os cristais são prismas que refletem externalidades e

refratam para si próprios uma multiplicidade de formas, alterações, mudanças, cores,

direções e padrões (Richardson, 2000) à semelhança das características que são

endereçadas à investigação qualitativa. De facto, esta pode ser entendida como sendo

comparável a uma estrutura cristalina agregadora de um conjunto de propriedades

resultantes da forma como os seus componentes, espacialmente, se organizam. O

investigador qualitativo ordena e filtra através dos sentidos, perceções, sentimentos e

múltiplas versões suscitadas pelo entendimento humano, tentando, no contexto de um

processo reflexivo e expansivo, alcançar um nível científico complexo, transparente e

cintilante como o que nos é dado observar no cristal.

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Para Richardson (2000) o cristal é uma imagem mais abrangente e rica do que o

triângulo quando pretendermos ilustrar as potencialidades da investigação qualitativa. O

triângulo é um objeto, rígido, estático e bidimensional, enquanto, o cristal harmoniza

essência e simetria com uma infinidade de formas, substâncias, transmutações, múltiplas

dimensões, e pontos de vista, os cristais não são amorfos, desenvolvem-se, mudam e

alteram-se (Richardson 2000). O processo de triangulação envolvendo o uso de diferentes

métodos - entrevistas, dados estatísticos, documentos - parte de um ponto fixo

(Richardson 2000), diversamente o processo de cristalização implica reconhecer o

distanciamento dos três lados a partir dos quais o mundo pode ser encarado e, conjeturar

um mundo altamente complexo, multifacetado em que o devir está sempre à espera de ser

desvendado.

5) A Sensitividade: A noção de sensitividade tem por base dois entendimentos

essenciais: o primeiro diz respeito à natureza não uniforme dos fenómenos, cujos

significados são diferentes consoante o contexto em que se inserem (Silverman, 2000), o

segundo, relaciona-se com o facto ineludível do investigador perpassar para a

investigação os seus conhecimentos, experiência, perspetivas e características da sua

personalidade imprimindo, desta forma, uma marca subjetiva no processo de produção de

conhecimento em contraste com os pressupostos clássicos de objetividade em ciência

(Corbin & Strauss 2008). Portanto, a sensitividade caracteriza-se pela apetência indutiva

para promover insights a partir do jogo mental entre o investigador e os dados e, bem

assim, pela capacidade para identificar, extrair e exibir a visão dos participantes na

investigação através das mensagens imersas nos dados (Corbin & Strauss 2008). Desta

forma, a sensitividade desenvolve-se através do intercâmbio entre os dados, a análise, a

experiência, o contexto e o conhecimento de que o investigador é detentor (Corbin &

Strauss 2008; Silverman, 2000). Por outro lado, o desenvolvimento da sensitividade

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estimula a capacidade mental do investigador para captar, compreender e explicar as

mensagens encerradas nos dados e contribui para desanuviar as obscuridades contidas nas

massas de dados que integram qualquer investigação científica. A sensitividade confere

energia criativa à investigação qualitativa, todavia é necessário considerar que um certo

grau de influência da individualidade e da subjetividade do investigador se encontram

implicados, sendo que, quanto menor for a consciência deste envolvimento subjetivo na

recolha e análise dos dados mais aumentam as probabilidades de o investigador poder vir

a influenciar as interpretações desenvolvidas no curso da investigação. Por conseguinte,

o autoquestionamento sobre como é que podemos estar a afetar o processamento dos

dados e, bem assim, sobre a forma como as nossas convicções, conhecimentos e

experiência pessoal e profissional podem interferir na compreensão e na atribuição de

significações é crucial para que a sensitividade funcione como estratégia indutora de

explicações finas e não como meio de enviesamento do processo de investigação. A

comparação constante entre o conhecimento, a experiência e os dados ajuda o

investigador a controlar o seu próprio envolvimento subjetivo e a gerir adequadamente

das suas próprias capacidades indutivas.

2.3.5 A questão da validade na Investigação Qualitativa

A composição de uma definição sobre a avaliação da investigação qualitativa não

se apresenta como sendo uma tarefa simples e fácil (Corbin & Strauss, 2008; Flick, 2005;

Silverman, 2000), uma vez que, o tema continua a suscitar controvérsia entre os diversos

autores, os quais, ainda não acharam a “chave de ouro” para resolver o problema

(Silverman, 2000). Na senda de critérios orientadores, Whitttemore, Chase e Mandle

(2001, cit. por Corbin & Strauss 2008) consideram que a avaliação da investigação

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61

qualitativa envolve uma forma de pensamento elegante que compreende a apresentação

da evidência dos seus resultados e a crítica dos seus métodos.

Corbin e Strauss (2008) observam que qualidade e validade da investigação

qualitativa são noções substancialmente diversas explicitando que, a neutralidade e o

distanciamento do investigador podem, por um lado, contribuir para aumentar a

“validade” do estudo, mas, por outro lado, podem constituir um fator de corrosão da

credibilidade da própria investigação, na medida em que, impedem o investigador de

desenvolver empatia, sensitividade, apreciação e o respeito necessários para capturar o

ponto de vista dos participantes. Assim, a qualidade da investigação qualitativa deve ser

alcançada através da verificação das suas propriedades essenciais, isto é: deve ter insight,

ser clara, lógica, estimulante para o leitor, mostrar sensivitidade e substância e combinar

conceptualização e precisão descritiva, por forma a exibir os aspetos e as qualidades que

permitem revelar a sua credibilidade (Corbin e Strauss, 2008). Por sua vez, o tipo de

abordagem que se elege para o estudo, investigação narrativa, Grounded Theory (GT),

fenomenológica, estudo de caso ou etnográfica (Creswell, 2007) são, também, condições

de promoção da qualidade da investigação qualitativa (Corbin & Strauss, 2008).

Outros autores (e.g. Flick, 2005; Glaser & Strauss 2008) salientam que a questão

central sobre a validade da investigação qualitativa se coloca essencialmente em termos

de saber se os dados, os resultados e a investigação que os produziu são transparentes e

apresentam um nível adequado de credibilidade, de rigor, fidedignidade e autenticidade.

A qualidade da investigação qualitativa está assim relacionada com a nitidez da relação

entre as edificações científicas do investigador, o respetivo enraizamento nos fenómenos

estudados e a forma como essas construções são transparentes para os leitores (Flick,

2005). Neste contexto, o autor, refere três princípios gerais de validade da investigação

qualitativa: 1) princípio de que o próprio conceito de validade não tem carácter absoluto,

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uma vez que só pode aferido mediante o grau de credibilidade e de plausibilidade que

conseguir alcançar; 2) os fenómenos existem independentemente das nossas posições ou

pontos de vista sobre os mesmos; 3) reconhecimento de que realidade não é acessível por

uma única via de conhecimento, mas através de diferentes formas.

Assim, os investigadores qualitativos têm vindo a considerar diversas estratégias

de validação das suas pesquisas qualitativas, nomeadamente: a triangulação; o método da

comparação constante; a auditoria de procedimentos e a utilização de software adequado.

No que concerne ao conceito de triangulação, este, aponta para o uso de múltiplas e

distintas fontes, métodos, grupos de investigadores, perspetivas teóricas com vista a

corroborar a evidência através de diferentes focos de observação ou como forma de

aclarar um determinado tema ou perspetiva (Creswell, 2007; Flick, 2005; Silverman,

2000). Desta forma, a triangulação pode ser utilizada em relação aos dados, ao

investigador, ser teórica ou metodológica (Flick, 2005). Por sua vez, O método de

comparação constante consiste num processo de evolução contínua, circular e sistemática

que, combinado com a amostragem teórica e a saturação teórica impulsiona o processo

de investigação de uma fase para outra, ao mesmo tempo que as etapas anteriores vão

sendo integradas nos passos posteriores de codificação e de análise (Corbin & Strauss,

2008; Flick, 2005; Silverman, 2000). Por seu lado, a auditoria de procedimento implica a

participação de um auditor externo sem conexão com estudo (Creswell, 2007) e tem como

principal objetivo assegurar o controlo da racionalidade dos procedimentos a partir de um

guião de qualidade que visa autenticar aspetos cruciais do processo de investigação,

designadamente, se a amostra é a apropriada, se as descobertas estão enraizadas nos

dados, se a estrutura das categorias é adequada, se as inferências têm lógica, se foram

corretamente aplicadas as estratégias de análise e consideradas explicações opcionais e

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se eventuais vieses foram devidamente ponderados e clarificados (Creswell; 2007; Flick,

2005).

A verificação da credibilidade e autenticidade dos estudos qualitativos pode ser

igualmente realizada através do recurso à densidade e riqueza dos dados recolhidos que,

entre outros aspetos, permite robustecer a transferibilidade dos resultados para outras

situações, bem como, a utilização de software, o uso de tabelas, mapas e a análise de casos

negativos em que não se verifica a evidência e o recurso a revisão entre pares para

proporcionar um questionamento intenso sobre as interpretações e os significados

emergentes nos estudos ou a possibilidade de revisitação dos participantes para verificar

a fidedignidade das interpretações (Corbin & Strauss, 2008; Creswell, 2007; Flick, 2005,

Glaser & Strauss, 2008; Silverman, 2000). Ademais a validade da investigação qualitativa

também pode ser cultivada e conseguida a partir do envolvimento do investigador na

própria avaliação, através da autenticidade e do cuidado com que as questões morais e

éticas são tratadas no curso da investigação (Glaser, & Strauss; 1967; Glaser & Strauss,

2008) e, bem assim, como propõe Richardson (1994,1997, citado por Denzin & Lincoln,

2008) ao considerar que, a validade se verifica pela cristalinidade do processo de

investigação, pelo seu nível de transparência e de reflexão ética.

Segundo Flick (2005), apesar do empenho dos investigadores na formulação de

critérios de validade alternativas para resolver o problema da validade da investigação

qualitativa, esta questão ainda não se encontra plenamente solucionada. Todavia, o autor

refere que a questão central sobre a qualidade da investigação qualitativa coloca-se

sobretudo ao nível do planeamento e da gestão da qualidade do processo de investigação,

em que as questões principais estão relacionadas com a escolha dos métodos mais

adequados para abordar a problemática concreta que se pretende investigar.

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2.4 Enquadramento metodológico

Considerando os contornos da presente dissertação orientada essencialmente para

a investigação de processos e para a descoberta de padrões, relações e significações, o

paradigma pós-positivista é o que melhor se harmoniza com a natureza dos fenómenos

que pretendemos conhecer, o que nos leva a declinar as perspetivas epistemológicas mais

radicais, quer dualistas, quer monistas, na medida em que não defendemos nem uma

independência absoluta entre o mapa e o território nem a fusão entre ambos.

A presente tese é alicerçada com base no pensamento sistémico (Bertalanffy,

1950), cujo pressuposto central consiste na noção de que o todo é maior do que a soma

das partes, logo, não pode ser conhecido através do isolamento das partes que o compõem.

Este princípio explicativo tem como principais corolários: 1) a causalidade circular; 2) a

ênfase na compreensão de processos, padrões e significados; 3) a problematização da

informação com base no pressuposto de que o resultado da observação é sempre uma

construção emergente da dinâmica que se estabelece entre o que observa e o que é

observado.

O desenvolvimento do diálogo interdisciplinar entre a Psicologia da Família, o

Direito da Família e a Mediação Familiar enquadrado pelas lentes sistémicas, constitui o

estilo cognitivo de partida para tentar responder às questões de investigação do presente

projeto científico.

Por volta da década de 70 – período em que as taxas de divórcio começaram a

disparar-, a atenção dedicada às consequências do sofrimento dos filhos cujos pais

vivenciaram uma separação ou divórcio conflituosos, foi colonizando os sistemas

sociojurídicos que intervêm neste domínio num esforço de desenvolver abordagens

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judiciais e extrajudiciais mais adequadas e benéficas às problemáticas decorrentes da SD.

Neste contexto, a Mediação Familiar3 tem contribuído para desenvolver modelos de

intervenção construtivos e vocacionados para amenizar a crispação e aumentar a

serenidade parental, ao mesmo tempo, que tem contribuído para edificar a ponte que liga

a família, os pais e a criança ao tribunal numa perspetiva harmonizadora. O

reconhecimento social e institucional da Mediação Familiar e a importância individual,

familiar e social dos seus resultados positivos são um facto incontestável, mas, importa,

contudo salientar que neste domínio muitos temas exigem ainda maior compreensão,

aprofundamento e rigor científico, designadamente, no que se refere: 1) ao nível da

fundamentação teórica; 2) da demarcação e do reconhecimento da autonomia e

especificidade da intervenção; 3) da necessidade de melhorar aspetos da prática de

Mediação Familiar; 4) do diálogo institucional.

Assim, atendendo ao nosso posicionamento ontológico, epistemológico e

metodológico, e à opção por uma estratégia de investigação em que a componente

qualitativa é dominante face à dimensão do estudo quantitativo, e tendo em conta o

limitado número de estudos estrangeiros e nacionais sobre Mediação Familiar e à

interação disciplinar subjacente aos temas em foco, a formulação das questões de partida

teve como base alguns conceitos sensitivos (Blumer, cit. por Charmaz, 2006)

relacionados, em grande parte, com a nossa experiência na área da Mediação Familiar,

tais como, processo de decisões parental, responsabilidade, decisões parentais

responsáveis, entre outros. Estes conceitos fornecem-nos maneiras de olhar, de

interpretar, de organizar e de compreender a experiência, são pontos de partida para

construir a análise, mas não são definitivos pois carecem de especificação dos seus

3 Vários autores conceptualizaram e operacionalizaram diversos modelos de Mediação Familiar, conforme

referido no Capítulo I, dos quais se destacam: Modelo Linear de Harvard, Modelo Eco sistémico, Modelo

Circular Narrativo e Modelo de Mediação Familiar Terapêutica.

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atributos (Bowen, 2006; Charmaz, 2006). Com base neste enquadramento formulámos a

seguinte questão de partida.

2.4.1 Questão de partida

Que fatores de influência estão associados à tomada de decisões parentais

responsáveis na fase de transição para a SD e que variáveis tem impacto na (co)

parentalidade na transição da separação/divórcio? De forma é que a Mediação Familiar

constitui um contexto adaptado à família e às crianças?

2.4.2 Mapa conceptual

O mapa conceptual a seguir representado é uma reprodução gráfica dos principais

dimensões e constructos do estudo.

Estudo qualitativo 1 – Focus Group Dimensões

Estudo qualitativo 2 –

Entrevistas Pais e Mães Mini Estudo – 3

Quantitativo

Focus Group:

Técnicos ISS

Focus Group:

MediadoresSMF

Conflito Modelos de MF

Estratégias de MF

Coparentalidade

na SD

F. Proteção

F. Risco

F. influência na

responsabilidade

Perceções sobre

adequação da

MF/caso

Fatores de influência no

processo de decisão parental

(MF)

Decisões Parentais Responsáveis

Satisfação/Insatisfação MF

Impacto da MF na adaptação

familiar na SD

Fatores de proteção

Fatores de risco

Sensibilidade parental

Questionário da

Coparentalidade

Quadro Jurídico de referência

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67

Figura 1. Mapa conceptual com indicação dos estudos que integram a tese.

Assim, na elaboração do desenho metodológico concebemos dois estudos

qualitativos, o primeiro (estudo 1), com base na metodologia de focus groups, o segundo

(estudo 2), alicerçado na abordagem da Grounded Theory (GT), e um terceiro estudo

(miniestudo 3), composto por um estudo quantitativo que complementam o estudo 2. O

estudo 1, visa explorar perceções e significações dos mediadores familiares do serviço

público, Sistema de Mediação Familiar (SMF) e dos técnicos da área TC do ISS

relativamente a quatro aspetos principais: 1) Fatores relacionados com a parentalidade;

2) fatores relacionados com o processo de decisão parental aquando da SD no âmbito do

processo de Mediação Familiar; 3) Explorar aspetos relativos ao conflito (ex)

conjugal/parental e aos modelos e estratégias de Mediação Familiar empregues pelos

participantes no estudo. O estudo 2 informado pelas conclusões do estudo 1 pretende

examinar e refinar as questões exploradas e identificadas a partir dos dados recolhidos e

analisados no estudo 1 e, bem assim, conhecer e aprofundar outros temas, tais como: 1)

fatores pessoais e contextuais de influência no processo de Mediação Familiar; 2) fatores

de proteção e de risco para a parentalidade na SD; 3) fatores relacionados com a

satisfação/insatisfação com a Mediação Familiar, entre outros. Por sua vez, o miniestudo

3 interliga-se tematicamente e sequencialmente com os dois estudos 1 e 2, mas,

circunscreve-se ao tema da parentalidade e à amostra do estudo 2 incidindo, assim, sobre

uma vertente crucial da parentalidade: a coparentalidade. Desta forma, os três estudos que

constituem a presente tese encontram-se interligados de forma estrutural, dialógica e

interativa. Acresce, ainda salientar a importância da conexão da matriz jurídica com todo

o estudo, enquanto pano de fundo onde vários constructos são entretecidos.

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2.5 Objetivos

Como anteriormente referimos, com esta dissertação pretendemos, entre outros

aspetos, contribuir para preencher algumas lacunas existentes na investigação em

mediação familiar e concorrer para o seu desenvolvimento e aprofundamento científico,

nomeadamente no que concerne à identificação de fatores de influência no processo de

decisão aquando da regulação do exercício das responsabilidades parentais na fase de SD,

assim como, pesquisar quanto ao impacto da Mediação Familiar na qualidade das relações

parentais e paterno-filiais e, desta forma, ajudar a clarificar a relevância do processo de

Mediação Familiar para a concretização dos direitos da família e, especificamente, das

crianças, cujos pais vivenciam uma situação de SD.

Assim, definimos os seguintes objetivos gerais e específicos relativamente ao

presente projeto científico considerado na sua globalidade:

2.5.1 Objetivos gerais

1) identificar as características fundamentais das DPR no âmbito da regulação do

exercício das responsabilidades parentais;

2) investigar fatores de impacto (e.g. fatores de proteção e fatores de risco) associadas

à parentalidade na fase de SD;

3) identificar os principais domínios influência no processo de decisão parental, no

âmbito do processo de Mediação Familiar;

4) Compreender de que forma (s) é que o processo de Mediação Familiar contribui

para melhorar a adaptação dos pais e dos filhos à SD e consequentemente para a

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concretização dos direitos das crianças especificamente do seu superior interesse da

criança e demais direitos consagrados no plano do Direito interno e externo.

5) compreender a influência do quadro legal de referência no processo de decisão

parental.

2.5.2 Objetivos específicos4

2.5.3 Objetivos específicos do mini estudo quantitativo

No que se refere ao estudo formulámos um objetivo específico:

1) investigar relações possíveis entre os dados qualitativos e os dados

quantitativos quanto a dimensões da coparentalidade (Margolin et al. 2001);

2.6 Procedimentos de recolha de dados

Numa primeira fase foi realizado um estudo qualitativo 1, com metodologia de

focus groups, através do qual se pretendeu obter dados com vista a uma compreensão

exploratória do tema central do projeto, mediante discussão e comparação de diferentes

experiências e interpretações. Para o efeito foram realizados três focus groups com

mediadores familiares do serviço público, Sistema de Mediação Familiar (SMF) e dois

focus groups com técnicos da assessoria técnica aos tribunais de Família e Menores, do

Instituto da Segurança Social – ISS, IP. Numa segunda fase do projeto realizou-se o

4 Para evitar repetições optámos por mencionar os objetivos específicos relativos ao estudo 1 e ao estudo

2, respetivamente, no capítulo III e no capítulo IV.

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estudo qualitativo 2 com a participação de pais e de mães que passaram por um processo

de mediação familiar no âmbito da regulação/alteração/incumprimento do exercício das

responsabilidades parentais, visando conhecer experiências, significações e identificar

fatores de influência e contributos para a compreensão do porquê e do como é que a

mudança parental adaptativa ocorre (ou não) no cerne do processo de mediação familiar

e a partir da voz de quem nele participou: os pais e as mães. A etapa final consistiu num

miniestudo quantitativo complementar (miniestudo 3), aplicado aos participantes do

estudo 2.

De acordo com a pertinência dos dados a recolher e atendendo também às

características das respectivas amostras a cada um dos estudos foram aplicados distintos

questionários sociodemográficos (QSD). A tabela 2 representa o desenrolar do processo

de investigação empírica.

Tabela 2

Desenvolvimento da investigação empírica

Estudos

Metodologia

Participantes

Instrumentos

Estudo 1 Qualitativa

Focus Group

Mediadores

Familiares

N=13

Técnicos

do ISS

N=11

Guião

semiestruturado de

focus groups

QSD

Estudo 2 Qualitativa

Grounded Theory

Pais e mães que passaram

por um processo de MF

N=29

Entrevista

semiestruturada

QSD

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Estudo 3 Quantitativa Pais e mães que passaram

por um processo de MF

N=29

Q.

Coparentalidade

QSD

Os objetivos específicos relativos ao estudo 1 visam proporcionar uma exploração

ampla dos assuntos em foco enquanto os objetivos específicos referentes ao estudo 2, em

parte sustentados nas conclusões obtidas no estudo 1, envolvem uma maior densidade e

intensidade analítica embora se mantenha uma base exploratória comum em atenção à

natureza dos temas em estudo. Por sua vez, o estudo 3 tem como objetivos específicos a

comparação e a análise de dados sobre as dimensões específicas da parentalidade na

transição para SD, com base na conjugação de duas metodologias distintas: quantitativa

e qualitativa.

2.6.1 Os focus groups

A metodologia de recolha de dados para os focus groups sendo “planeada e

estruturada é também uma estratégia flexível de encorajamento da interação entre os

participantes para discutirem acerca dos tópicos chave” (Vaughn, Schumm & Sinagub,

1996, p.15).Trata-se, pois, de uma metodologia claramente compatível com os

pressupostos básicos da investigação qualitativa (Brotherson, 1994 cit. por Vaughn, et.

al., 1996) e congruente com o paradigma de investigação pós-positivista que perfilhamos

no presente projeto científico. O método de focus groups, de facto é concordante com os

princípios pós positivistas baseados na convicção de que a realidade é passível de

múltiplas visões e que a interação entre o investigador e os participantes é um facto

indeclinável. Em suma, a conversação interativa que os focus groups proporcionam é um

meio privilegiado para aprofundar e compreender perceções, crenças, atitudes e

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experiências a partir de uma variedade de pontos de vista (Vaughn, et al., 1996) num

contexto metodologicamente legitimado.

Segundo Krueger (1998) a entrevista de focus groups consiste “numa experiência

social em que são colocadas questões para conversação, por forma a criar e manter um

ambiente informal” (p.3). Do mesmo modo, Vaughn, Schumm e Sinagub (1996)

observam que a entrevista de focus group tem como alvo principal a criação de uma

conversação solta e centrada no aprofundamento de determinados tópicos. O método de

focus group configura, assim, um enquadramento apropriado para a exploração de ideias,

perceções e experiências dos participantes num clima dinâmico e profícuo

proporcionando ao investigador uma espécie de imersão empírica nos temas da

investigação e um alargamento do perímetro dos seus pontos de partida para a

investigação.

Independentemente da forma como os autores definem o focus group subsistem

elementos comuns caracterizadores (Byers & Wilcox, 1991; Krueger, 1998; Vaughn, et

al., 1996) nomeadamente: 1) a criação e manutenção de um clima informal; 2) a formação

de cada grupo é constituída por um número reduzido de membros, sensivelmente, entre 4

a 12 pessoas; 3) o treino e a preparação do moderador são cruciais ao sucesso do focus

group; 4) o objetivo principal é suscitar perceções, opiniões e ideias sobre os temas

propostos para conversação; 5) os resultados do focus group não visam proporcionar

informação quantitativa sobre uma extensa faixa da população, contudo permitem

predizer resultados, na medida em que se atinja a saturação teórica (Vaughn, et al., 1996).

A estratégia de focus-group apresenta-se, também, vantajosa ao permitir a verificação de

presunções a priori e de preconceitos e crenças decorrentes de possíveis vivências e

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interpretações prévias particulares e profissionais do investigador (Byers & Wilcox,1991;

Vaughn, et. al., 1996).

O planeamento dos focus groups envolve um conjunto de passos que observámos

aquando da sua conceção, desenvolvimento e concretização. Tendo por base as etapas de

desenvolvimento e a preparação de entrevistas de focus groups referidos por Vaughn, et

al., (1996), desenvolvemos as etapas representadas na figura 2, as quais, pautaram a

evolução e a concretização deste estudo 1.

Figura 2. Etapas de conceção e desenvolvimento dos focus groups.

A estratégia de amostragem com base em focus group obedeceu, em primeiro

lugar ao critério dos “bons informantes” o que se justifica, não só por este ser o tipo de

amostragem que melhor se coaduna com os objetivos eminentemente exploratórios desta

investigação, mas também, pelo facto de a Mediação Familiar ser um tema relativamente

recente que se encontra longe de estar exaustivamente estudado. Assim, considerámos

crucial recolher os dados a partir de duas fontes diferentes por forma a captar distintos

olhares sobre a realidade em estudo. Esta decisão teve a vantagem de nos permitir

FASE 1

Clarificar os objetivos

Definir os objetivos

Refinar a informação que se pretende captar

Selecionar os

participantes

FASE 2

Preparação do moderador

Determinar o número

de focus groups

Elaborar o guião do

focus group

FASE 3

Preparar o ambiente

do focus group

Conduzir o focus group

Analisar os dados do focus group

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questionar e enriquecer as nossas ideias e objetivos iniciais e de contribuir para aumentar

o suporte de conhecimentos que serviram de base à construção da entrevista

semiestruturada administrada aos participantes do estudo 2.

Neste sentido, a recolha dos dados para os focus groups foi intencional tendo

obedecido a três critérios principais: 1) a expertise dos participantes; 2) os participantes

pertencerem a instituições públicas diferentes; 3) os participantes desenvolverem a sua

atividade no âmbito da regulação/alteração/incumprimento das responsabilidades

parentais.

Relativamente ao primeiro critério optámos por constituir uma amostra

homogénea no que se refere à experiência dos participantes: mediadores familiares

pertencentes ao SMF e, de entre estes, mediadores familiares que desenvolvem a sua

atividade na zona geográfica da grande Lisboa. Entendemos que a obtenção de dados a

partir de peritos representava, neste projeto concreto, uma vantagem para captar

informação relevante relativamente aos assuntos e objetivos visados pelo estudo. Assim

circunscrevemos a amostra aos mediadores familiares que integram os serviços de

Mediação Familiar pública na região geográfica da grande Lisboa em função da

considerável experiência que foram desenvolvendo, desde 1999, data da instituição da

Mediação Familiar na região de Lisboa, diferentemente do que sucedeu nas restantes

regiões do país em que a Mediação Familiar onde só foi implementada a partir de 2007,

como já referimos anteriormente, no capítulo 1. No entanto, importa notar que nesta

decisão também foram levadas em conta as contingências e dificuldades inerentes à

organização dos focus groups com mediadores familiares não residentes na zona

geográfica de Lisboa, nomeadamente a dispersão geográfica quanto à localização dos

mediadores no país e as dificuldades da sua deslocação. Por sua vez, os participantes que

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compõem a amostra de técnicos do ISS, IP foram selecionados, em colaboração com os

serviços centrais do ISS, I.P. tendo em atenção a respetiva experiência e disponibilidade.

No que concerne ao segundo critério referido, considerou-se pertinente gerar uma

certa heterogeneidade mediante a inclusão de perspetivas de colaboradores pertencentes

a instituições diversas, enquadrados em ambientes sociojurídicos distintos e com vínculos

laborais diferenciados. Os mediadores familiares são profissionais liberais que operam na

dependência do Ministério da Justiça enquanto os técnicos do ISS IP são funcionários

públicos do Ministério da Segurança Social. Desta forma, optámos por constituir uma

amostra mais heterogénea (Vaughn, et al., 1996), de modo a gerar uma mais ampla

diversidade de perceções, perspetivas e opiniões de acordo com a natureza exploratória

do estudo 1.

No que se refere ao terceiro critério considerou-se que a composição da amostra

deveria integrar peritos cuja atividade se relacionasse com a temática das

responsabilidades parentais na sequência de SD, embora em contextos processuais

diferentes e com distintas ligações ao tribunal: os mediadores familiares atuam em

contexto extrajudicial e de forma independente, conduzindo o processo de decisão

parental com o objetivo de ajudar os pais a estabelecer os respetivos acordos sobre

responsabilidades parentais com vista a posterior homologação judicial; por sua vez, os

assessores do ISS IP têm a incumbência de, mediante solicitação judicial, realizar

entrevistas aos pais com vista a elucidar o juiz sobre os aspetos que este julgue pertinentes

e necessários à fundamentação das respetivas decisões judiciais. Em suma, quer os

mediadores familiares, quer os assessores do ISS IP atuam junto dos pais ao nível do

conflito parental e em situações de rutura do casal, mas em contextos diferentes.

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O sucesso das entrevistas de focus groups depende em larga medida da preparação

da equipa constituída pelo moderador e pelo assistente. Este além de se mostrar “sensitivo

e responsivo” (Vaughn, et. al., 1996, p. 91) em relação aos participantes no focus group

deve, também, conhecer convenientemente o tema e ser capaz de criar um clima informal

e gerador de confiança para que os participantes se sintam confortáveis para expressar as

suas opiniões e sentimentos sendo, assim, indispensável que o moderador seja empático

e hábil na promoção de uma escuta de qualidade direcionada para a compreensão das

perspetivas dos participantes e isenta de expressões valorativas (Krueger, 1998); O

moderador conduz o focus group coadjuvado pelo assistente devendo ambos formar uma

equipa em que cada um desempenha um papel específico e complementar. É conveniente

que o moderador não tome muitas notas para não se dispersar da administração da

conversação enquanto o assistente deve ajudar a gerir questões pontuais (e.g. atrasos dos

participantes, interrupções, gestão do tempo, uso do gravador), ao mesmo tempo que toma

notas abrangentes sobre o desenrolar da entrevista podendo, preferencialmente, no final

da discussão colocar alguma questão que considere pertinente.

2.6.2 A entrevista semiestruturada

De acordo com a posição epistemológica anteriormente defendida é de suma

importância considerar a natureza multifacetada, multisignificativa e pouco estudada das

questões que pretendemos examinar. Por isso, a procura da diversidade de experiências e

de perspetivas implica que os dados sejam recolhidos a partir de diferentes participantes

e contextos. Assim, na sequência do estudo 1 em que a recolha de dados recaiu sobre

especialistas (mediadores familiares e técnicos do ISS IP), através da recolha de dados

para o estudo 2 visamos conhecer o ponto de vista dos pais e das mães que regularam ou

alteraram o exercício das responsabilidades parentais no âmbito do processo de Mediação

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Familiar na sequência da SD. Para o efeito, o contexto da entrevista semiestruturada

mostrou-se o método de recolha de dados mais vantajoso comparativamente com outras

abordagens como as entrevistas abertas, estruturadas ou os questionários, no sentido em

que, o nosso objetivo era o de aceder às perspetivas e vivências dos mediados (Flick,

2005).

De facto, a entrevista tem a virtualidade de ajudar a manter o foco nas questões

centrais da investigação, mas, também, possibilita o aprofundamento e o detalhe de

dimensões, processos e matizes significativas que os participantes experimentaram na

fase de transição para a SD.

A entrevista não é um instrumento apropriado para testar hipóteses, a chave do

seu interesse reside nas potencialidades que integra quando se visa explorar, aprofundar

ou completar pistas de investigação, compreender processos e descobrir os significados

que as pessoas atribuem às suas experiências (Seidman 2006). De facto, a entrevista pode

ser entendida como sendo um mecanismo promotor de criação de dados em que, num

contexto de interação dinâmica entre o entrevistador e o respondente o primeiro encoraja

o segundo a desvelar o sentido das suas reflexões e a interpretar as suas experiências, o

que, só por si, leva a considerar que a entrevista semiestruturada não deve ser encarada

como um modelo de recolha de dados neutro (Fontana & Frey, 2003), tanto mais, que, ao

ser aplicada e desenvolvida conduz à construção ou reconstrução de uma determinada

realidade (Charmaz 2006).

Charmaz (2006, p.25) alude à entrevista de investigação salientando que esta

“permite um exame meticuloso de um tópico, com uma pessoa que tenha tido uma

experiência relevante”, isto é, representa uma forma privilegiada de gerar material

empírico a partir das vivências das pessoas (Fontana & Frey, 2003). Por outro lado, a

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congruência da coligação entre os métodos da GT e a entrevista semiestruturada requer,

flexibilidade e orientação, mas também um apropriado enquadramento formal, no qual, a

habilidade para perguntar e para escutar possa produzir dados ricos.

Assim, considerámos a entrevista semiestruturada o método de recolha mais

vantajoso e adequado para responder às questões de investigação propostas neste estudo.

Ao eleger este método de recolha de dados, em que a interação entre o investigador e o

participante faz parte do setting da entrevista, é imprescindível, nomeadamente por razões

de fiabilidade do procedimento, dispensar cuidado e atenção com os comportamentos,

pensamentos e sentimentos que o próprio investigador vai vivenciando e exprimindo ao

longo da realização da entrevista para não afetar ou afetar o menos possível o entrevistado

com a sua experiência e visão do mundo.

A questão dos procedimentos da GT é abordada por Corbin, e Strauss (2008) de

uma forma sistemática em que cada um dos passos obedece a uma disciplina bem

definida. A recolha dos dados é realizada habitualmente por meio de 20 a 30 entrevistas5

por forma a obter a saturação teórica das categorias ou unidades de informação. Os dados

são recolhidos segundo uma trajetória em ziguezague em que, o investigador se desloca

entre a recolha dos dados e a sua análise, questionando os dados e desenvolvendo o

método de comparação constante entre incidentes, categorias e intracategorias, de forma

a discriminar semelhanças e diferenças.

2.6.3 Análise dos dados

5 A recolha pode consistir também em observações, vídeos, documentos ou outras fontes que o investigador

considere pertinentes para o estudo.

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2.6.3.1 A Grounded Theory

O processo de categorização delineado por Corbin e Strauss (2008) progride por

fases inter-relacionadas. Inicia-se com a codificação aberta, prosseguindo com a

codificação axial e a codificação seletiva.

A codificação aberta é uma análise inicial e minuciosa do material recolhido,

palavra a palavra, linha a linha ou incidente a incidente com o objetivo de facilitar a

compreensão das questões que são colocadas nas entrevistas. Pretende-se dimensionar os

dados segmentando-os para formar categorias de informação.

A codificação axial consiste na fixação da categoria nuclear do evento “core

category”. O cerne da codificação axial compreende a exploração: 1) das condições

causais (fatores que causaram o fenómeno); 2) das estratégias (ações, interações e

emoções individuais ou em grupo) desencadeadas para responder aos problemas,

situações, acontecimentos e eventos que constituem o cerno do fenómeno; 3) as condições

intervenientes (contexto e condições em sentido restrito ou amplo que influenciaram as

estratégias); 4) as consequências (resultados decorrentes das ações, interações ou

emoções).

A codificação seletiva ocorre quando o investigador pode compor uma história

relacional das categorias ou quando tem possibilidade de especificar as suas proposições

e hipóteses. No termo do processo é possível desenvolver uma matriz visual (matriz

condicional/consequencial) que consiste num instrumento analítico organizado por

círculos concêntricos que se expandem a partir do nível micro para o nível macro. O

resultado final do processo de recolha e análise é depois completado com o acervo dos

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memorandos6 que foram sendo criados ao longo do estudo, de forma a atingir o nível

substantivo em que a teoria emerge (Creswell 2007, Corbin & Strauss, 2008).

Vários autores (e.g. Charmaz, 2006; Corbin & Strauss, 2008) referem um conjunto

de procedimentos de recolha e de análise dos dados indispensáveis ao processo de análise

com a GT. No entanto, Charmaz (2006) desenvolve a GT numa perspetiva construtivista

em que, múltiplas realidades e complexidades, visões, ações e particularidades são

incluídas e enfatizadas, em contrapartida Corbin e Strauss (2008) restringem o campo de

estudo a um único processo espelhado numa categoria nuclear única (Creswell 2007). Em

suma, Corbin e Strauss (2008) estilizam fortemente os procedimentos circunscrevendo o

processo a um esquema sistemático de apuramento da teoria enquanto Charmaz (2006)

reclama a perspetiva do investigador no processo em que se encontra envolvido, enquanto

titular de ideologias, valores, sentimentos, aprendizagens, decisões e interpretações, de

tal maneira que a teoria desenvolvida surge repassada da perspetiva do investigador.

Em regra, nos estudos desenvolvidos com a GT, os participantes são selecionados

segundo a modalidade de amostra teórica, ou seja, em função da relevância da sua

contribuição para desenvolver a teoria emergente. A amostra é utilizada para focar e

desenvolver as propriedades e as dimensões das categorias até que não surjam novas

categorias relevantes e assim se obtenha a saturação teórica (Charmaz (2006).

A análise de conteúdo das entrevistas que integram este trabalho foi realizada com

base no software Qualitative Solutions Research (QSR) NVivo 11 for Windows. De notar

que a utilização de computadores tem cada vez mais influência na investigação qualitativa

proporcionando instrumentos de análise cada vez mais sofisticados e eficientes e, dessa

6 A elaboração de memorandos é uma tarefa intermédia entre a recolha dos dados e a e análise e redação

final do estudo que visa, entre outros aspetos, ajudar o investigador a refletir sobre os dados, a desenvolver

ideias novas, a criar novos conceitos e conexões entre as categorias e entre estas e os dados.

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forma, contribuindo para garantir o rigor do processo de análise e ajudando o investigador

a engajar-se no trabalho de uma forma mais metódica, minuciosa e atenta (Bazeley,

2010).

2.6.3.2 A análise quantitativa

Incidindo este estudo, especialmente sobre o processo, os contextos e as variáveis

associadas à tomada de decisões parentais na transição para a SD e o seu impacto na

proteção efetiva do interesse da criança, pretende-se averiguar, através de um estudo

quantitativo complementares ao estudo qualitativo 2, a repercussão dos estilos parentais

e da coparentalidade na forma como os pais gerem o processo de decisão sobre

responsabilidades parentais e o espetro de mudanças inerentes à SD. Também nos

interessou pesquisar possíveis conexões destes constructos com a abordagem das

responsabilidades parentais em contexto de mediação familiar.

2.6.3.2.1 Instrumentos

Para recolher os dados quantitativos foram aplicados os seguintes instrumentos a

cada um dos participantes no estudo 2: 1) Questionário sociodemográfico aplicado aos

participantes nas entrevistas semiestruturadas (vide Apêndice G); 2) Questionário da

Coparentalidade – QC (Margolin, Gordis & John, 2001 (Apêndice H); tradução e

adaptação portuguesa: Pedro & Ribeiro, 2014).

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2.6.3.2.2 Questionário da Coparentalidade

É geralmente consensual considerar-se a coparentalidade como sendo um

constructo multidimensional (Feinberg, 2003), se bem que os vários modelos de

coparentalidade divirjam quanto ao conceito e ao número de dimensões (e. g. Margolin,

et al., 2001; Van Egeren & Hawkins, 2004).

No presente estudo optou-se pelo modelo de coparentalidade exposto por

Margolin et al. (2001), o qual, compreende três dimensões principais. A primeira

dimensão, alude ao conflito entre as figuras parentais, incluindo a frequência e severidade

das divergências acerca da educação dos filhos ou as tentativas de sabotar ou debilitar a

relação parental do outro pai (ou mãe). A segunda dimensão, consiste na cooperação

parental, mensurando o respeito, valorização apoio e partilha que os pais reciprocamente

manifestam nas suas funções parentais. A terceira dimensão, reflete as situações de

triangulação que têm lugar quando se verifica uma coligação entre um dos pais e o filho

que ao pertencerem a diferentes níveis hierárquicos determinam uma distorção das

fronteiras entre os subsistemas coparental e paterno-filial. Esta situação tem como

consequência o enfraquecimento, depreciação ou mesmo a exclusão de uma das figuras

parentais da vida da criança. Vários estudos referem que a dinâmica de triangulação está

frequentemente associada à SD e a um desajustamento emocional da criança.

O modelo de coparentalidade desenvolvido por Margolin et al. (2001) apresenta

um interesse acrescido quando se visa compreender o universo de influências e os

sistemas de decisão parental no intercurso da transição para a SD ou, ainda quando se

ambiciona perspetivar de que forma a Mediação Familiar pode funcionar

preventivamente no atual sistema social e jurídico. Assim, a aplicação e análise dos dados

recolhidos com do Questionário da Coparentalidade às díades parentais do estudo 2 tem

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o mérito de facultar uma visão de tipo estandardizada que nos permita esmerar e

complementar a análise qualitativa do estudo 2.

O Questionário da Coparentalidade (Margolin, Gordis & John, 2001; tradução e

adaptação portuguesa: Pedro & Ribeiro, 2014) é um questionário que foi concebido para

avaliar a perceção que os pais têm um do outro enquanto pais com base em três dimensões

distintas. O questionário, comparativamente com outros instrumentos congéneres,

mostra-se bastante mais completo permitindo, medir dimensões positivas e negativas ao

mesmo tempo que possibilita a avaliação de dinâmicas de triangulação. Por outro lado,

as respostas dadas por cada um dos pais correspondem à perceção que os próprios têm

sobre o comportamento do outro pai ou mãe na relação coparental o que, entre outros

aspetos, contribui para reduzir a elevada desejabilidade social que os instrumentos de

autorrelato e o próprio tema da parentalidade comportam.

O QC é um questionário de hétero-relato composto por três subescalas

(Cooperação: itens 1 a 5; Conflito: itens 10 a 14 e Triangulação: itens 6 a 9) que, no

conjunto, totalizam 14 itens, cujas respostas aos mesmos são fornecidas por uma escala

de Likert de cinco pontos, variando de (1) Nunca a (5) Sempre (Margolin, et al., 2001).

Os níveis de consistência interna nas três subescalas do QC são bastante satisfatórios

(alphas de Cronbach entre 0.80 e 0.94) sendo o item 13 invertido, de acordo com

instruções dos autores originais (Margolin, et al., 2001 adaptação Pedro & Ribeiro 2014).

2.7 Síntese do capítulo

Neste capítulo começou-se por enquadrar o estudo, na sua vertente conceptual, a

partir das principais lentes teóricas que nortearam o processo de investigação. Pretendeu-

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se situar historicamente a investigação qualitativa referindo-se os sete momentos

tradicionalmente referidos por vários autores tendo-se, no entanto, acrescentado um

oitavo momento, em que se pretendeu atualizar as principais tendências da investigação

qualitativa na atualidade. Por outro lado, aludimos aos principais paradigmas de

investigação salientando as motivações da nossa opção pelo paradigma Pós-positivista.

Foi, também, ensaiado um quadro de reflexão, com base em metáforas, pensamentos e

olhares de diversos autores sobre as características essenciais da investigação qualitativa.

Desenvolvemos ainda o tema da avaliação da investigação qualitativas ponderando as

principais estratégias de validação.

Seguidamente, delinearam-se os contornos metodológicos da investigação e

explanaram-se os procedimentos e métodos de recolha e de análise de dados, sobretudo

os que foram utilizados neste estudo. Foram, também, abordadas a metodologia de focus

groups e a GT. Foram referidas as perspetivas comumente discutidas relativamente ao

posicionamento do investigador no âmbito do processo de produção e de apresentação do

conhecimento. Por fim, expusemos os fundamentos teóricos e metodológicos para o

estudo quantitativo, assim como, referimos o instrumento (QC) utilizado. Sublinha-se, a

importância das metodologias múltiplas não só como forma de aumentar a validade da

investigação, mas também como forma de ampliar o campo de observação.

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CAPÍTULO III

____________________________________________________________

3. ESTUDO EMPÍRICO 1: FOCUS GROUPS – FATORES,

PROCESSOS E CONTEXTOS DE INFLUÊNCIA NA

RESPONSABILIDADE DE DECISÃO PARENTAL

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3.1 Resumo do capítulo

Enquadrando-se a presente investigação na área da mediação familiar, cuja prática

profissional em termos estruturados é manifestamente recente optámos, neste primeiro

estudo, de carácter exploratório, por pesquisar e apreender as abordagens, perspetivas,

estratégias, potencialidades e contingências do processo de mediação familiar no contexto

temático da regulação das responsabilidades parentais com base nas experiências dos

mediadores familiares e dos assessores técnicos aos TFM, cuja atividade no âmbito do

Instituto da Segurança Social, IP (ISS) se relaciona como assunto em estudo. De facto, a

mediação familiar, em Portugal, tem vindo a expandir-se desde finais da década de 90,

sem que tenham surgido, entretanto, investigações científicas significativas sobre o tema.

Assim, este estudo justifica-se pela sua oportunidade, necessidade e pertinência tendo em

atenção, entre outros aspetos, o crescente interesse que a mediação familiar tem vindo a

suscitar, nomeadamente no quadro jurisdicional em que esta intervenção é cada vez mais

visada para a resolução de vários litígios familiares7.

3.2 Metodologia

Neste estudo, considerámos de particular interesse investigar a experiência

concreta dos mediadores familiares, designadamente as suas perceções sobre a sua

própria experiência e sobre a experiência dos participantes no processo de mediação

7 Neste sentido veja-se, por exemplo, o artigo nº 21, nº 1-b) da Lei nº 41/2015, de 8 de setembro e o artigo nº 23, nº 5 da Portaria nº 139/2013, de 2 de abril.

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familiar (pais e mães), relativamente às estratégias e aos modelos aplicados no contexto

do processo de mediação familiar e no que respeita à forma como concebem e integram

as dimensões jurídica e psicológica enquanto ramos das Ciências Sociais e Humanas

implicados na mediação familiar desde a sua génese e, como tal, integrando a sua

estrutura identitária. Assim, a partir destas ideias de partida concebemos este estudo 1, de

natureza exploratória e alicerçado no método de focus group. Esta metodologia sendo

versátil, flexível e interativa harmoniza-se com os pressupostos da investigação

qualitativa ao reconhecer, por um lado, que a natureza do real é não una, mas sim

multiversa e expansível em múltiplas versões da realidade e, por outro lado, ao considerar

a influência das relações entre o investigador e os participantes no processo de produção

de conhecimento (Krueger 1998; Vaughn, et al. 1996;).

3.3 Objetivos

Salientam-se as vantagens de realizar entrevistas com focus groups quando nos

pretendemos debruçar sobre uma realidade pouco explorada como é a mediação familiar,

em que no espaço de uma relação de complementaridade judicial e institucional se cruzam

diferentes tipos de intervenientes (e.g. pais, mediadores familiares e técnicos de assessoria

aos TFM). Não obstante, a prossecução de um objetivo comum como é o da salvaguarda

do interesse da criança, os diversos intervenientes desempenham distintas funções e

papéis no desenrolar do processo de decisão parental decorrente da S/D que importa

sublinhar. Assim, a realização de focus groups visa fomentar num contexto interativo e

de estímulo à discussão de questões propostas, a partilha de pontos de vista, opiniões e

perceções numa atmosfera facilitadora de espontaneidade, genuinidade e sinceridade

(Vaughn, et al.,1996) que permita expressar, aprofundar e ampliar a visão de todos e de

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cada um dos participantes em consonância com a premissa sistémica de que o todo é

maior do que a soma das partes.

3.3.1 Objetivos gerais do estudo 1

Este estudo compreende três objetivos gerais definidos da seguinte forma:

1) identificar as perceções e opiniões dos participantes nos focus groups sobre o

conflito na fase de transição para a SD e sobre os modelos e as estratégias mais eficientes

para o abordar, no âmbito do processo de mediação familiar.

2) conhecer o ponto de vista dos participantes nos focus groups sobre as suas

experiências, sentimentos e perceções relativamente a aspetos implicados na (co)

parentalidade, no âmbito das responsabilidades parentais das famílias, na transição para

a SD.

3) investigar as perceções dos participantes no estudo sobre os indicadores de

adequação ou de inadequação da mediação familiar ao caso concreto.

3.3.1.1 Objetivos específicos

Neste estudo considerámos os seguintes objetivos específicos:

1) identificar as características do conflito entre os pais na fase de transição para a SD;

2) conhecer as estratégias utilizadas no contexto de mediação familiar;

3) caracterizar os modelos de mediação familiar utilizados pelos participantes no estudo;

4) explorar fatores de influência no conflito;

5) identificar fatores protetores e os fatores de risco para a coparentalidade, durante a

fase de SD;

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6) explorar as perceções dos participantes nos focus groups sobre a eventual importância

do conhecimento das leis sobre a família e sobre as crianças por parte dos mediadores

familiares;

7) investigar variáveis relativas à parentalidade implicadas no processo de decisão

parental, na fase de SD;

8) explorar e desenvolver ideias, questões e formulações com vista à preparação e

concretização do estudo qualitativo 2.

3.3.2 Questões de investigação

Em função dos objetivos gerais e específicos enunciados formulámos as seguintes

questões de investigação:

Q1. Quais são as tipologias do conflito identificadas pelos participantes?

Q2. Quais são as estratégias de mediação familiar identificadas pelos participantes?

Q3. Quais os modelos de mediação familiar utilizados pelos participantes?

Q4. Quais são os fatores de influência ativadora e pacificadora do conflito?

Q5. Quais são os fatores protetores e os fatores de risco para a coparentalidade, durante a

fase de SD?

Q6. Quais são os fatores que os participantes no estudo consideram como sendo os que

têm maior influência positiva e negativa na capacidade e interiorização da

responsabilidade parental, na transição para a SD?

Q7. Que perceções têm os participantes no estudo sobre o esclarecimento dos pais

relativamente aos conceitos jurídicos básicos sobre responsabilidades parentais?

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Q8. Quais são as perceções dos participantes no estudo sobre o enquadramento jurídico

prévio do processo de mediação familiar?

3.3.3 Seleção da amostra

Os critérios de seleção da amostra adotados neste trabalho foram desenvolvidos

no capítulo 2, importando apenas rememorar que a seleção da amostra foi primacialmente

determinada em função da experiência e dos conhecimentos dos participantes, uma vez

que pretendíamos recolher informação rica, mas também específica. As questões de

investigação foram formuladas sobretudo em resultado da revisão de literatura realizada

e a partir da nossa própria experiência profissional, por isso, considerámos essencial

ampliar o nosso campo de visão através da escolha de um formato grupal propício ao

surgimento de novas perspetivas, à partilha de experiências e suscetível de nos interpelar

relativamente às ideias que transportávamos da nossa própria atividade profissional. De

notar, que a inexistência de grupos organizados de supervisão ou de intervisão no

contexto da mediação familiar pública tem como consequência o isolamento dos

profissionais, o que dificulta a partilha de reflexões sobre as experiências de cada um. Tal

situação, mostrou-se facilitadora da adesão dos mediadores familiares às entrevistas de

focus group, uma vez que as consideraram uma oportunidade para debater e trocar ideias

sobre assuntos que os interessavam e preocupavam.

No que se refere ao formato das entrevistas, entendemos que a forma aberta de

focus group não é o mais adequado quando há a intenção de explorar e aprofundar temas-

chave de forma a refinar o desenho de estudos subsequentes. Por outro lado, o formato

estruturado com questões fechadas também não é indicado quando o objetivo é o de

fomentar novas ideias, perceções e significações. Em consequência, optámos por um

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formato semiestruturado de forma a podermos direcionar a discussão para os temas chave

de acordo com os objetivos preconizados, mas ao mesmo tempo, não deixando de manter

a abertura necessária. Assim, a amostra foi selecionada numa perspetiva exploratória

visando, por um lado, o contacto com o “mundo real” e, por outro, a obtenção de

resultados para o desenvolvimento do estudo qualitativo subsequente.

Como referimos anteriormente, pareceu-nos decisivo para a concretização dos

objetivos deste projeto de investigação, aceder às experiências dos mediadores familiares

e dos técnicos do ISS, de assessoria aos TFM. Para tal, iniciamos diversos procedimentos

junto das entidades que tutelam cada um dos segmentos dos participantes no estudo.

Começamos por enviar uma carta ao Senhor Diretor do Gabinete para a Resolução

Alternativa de Litígios (GRAL), Ministério da Justiça, solicitando a realização de uma

reunião a fim de expormos as nossas motivações, a pertinência do estudo e os

procedimentos éticos a aplicar numa investigação deste tipo, de forma a apresentarmos

os elementos necessários à obtenção da autorização para o acesso aos participantes. Neste

contexto, após apresentação e explicação do projeto de investigação, foi-nos concedida

então a necessária autorização para o acesso aos contactos dos mediadores familiares e

aos contactos dos utentes do SMF (pais e mães) a utilizar no estudo 2. De forma a garantir

a realização de pelo menos três focus groups com os mediadores familiares mais

experientes optámos por incluir a totalidade dos mediadores familiares do SMF da região

de Lisboa como potenciais participantes nas entrevistas.

Com o mesmo propósito de obter autorização para acesso à amostra foram

efetuados procedimentos similares junto do ISS, tendo este organismo permitido que os

técnicos de assessoria na área tutelar cível participassem neste estudo, e que tal

participação pudesse ocorrer dentro do seu horário de trabalho, de forma a facilitar a sua

adesão aos focus groups. Os critérios de seleção dos técnicos da assessoria aos TFM para

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este segmento da amostra foram os seguintes: a) conhecimento e experiência na

realização de entrevistas aos pais e mães no âmbito de processos judiciais de regulação,

alteração ou incumprimento das responsabilidades parentais; b) técnicos de ambos os

sexos; c) diferentes qualificações académicas; d) número de anos de experiência

profissional variável; f) pertença a equipas diferentes.

Na definição da amostra do ISS, foi ponderado tanto o critério da homogeneidade

ao pretendermos selecionar participantes experientes, cuja atividade profissional incidisse

na área das responsabilidades parentais no âmbito da SD, em contexto de tribunal, como

o critério da heterogeneidade em razão da idade, do sexo, do número de anos de

experiência profissional e das qualificações, de modo a fomentar uma interação e

discussão enriquecidas pela diversidade de pontos de vista (Vaughn et al., 1996).

No que concerne aos participantes da área da mediação familiar, conforme

anteriormente referido, verificou-se que eram os mediadores familiares que integravam o

SMF da região de Lisboa os que melhor satisfaziam o requisito de “bons informantes”,

quer pelo facto de a mediação familiar privada ser ainda pouco expressiva em Portugal,

quer pelo facto de o alargamento de âmbito nacional da mediação familiar ser ainda

relativamente recente. Assim, considerou-se que deveria ser priorizado o recrutamento de

mediadores familiares com bastante experiência para explorar de forma aprofundada

aspetos específicos de mediação familiar, o que implica que, neste aspeto a amostra reflita

homogeneidade. Por sua vez, a heterogeneidade relativamente aos mediadores familiares

foi, de certo modo, alcançada através da conjugação de características diferenciadoras,

tais como, diferentes idades, distintas habilitações académicas e distintas correntes de

formação em mediação familiar. De notar, contudo, que como as profissões dos

participantes no estudo são largamente exercidas por pessoas do sexo feminino, não foi

possível neste aspeto obter o nível de heterogeneidade desejável.

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3.3.4 Número, tamanho, tempo e setting dos focus groups

A determinação rigorosa do número de entrevistas a efetuar depende da obtenção

de saturação teórica de conteúdos obtidos na amostra, de eventuais dificuldades de

recrutamento e das metas estabelecidas para o estudo, contudo, considera-se adequado

que se realizem entre dois a quatro focus groups (Vaughn et al., 1996). Nesta investigação

realizámos cinco focus groups: dois com técnicos do ISS e três com mediadores

familiares, tendo a composição dos grupos variado entre quatro a sete participantes, com

a duração entre 1 hora e meia a 2 horas cada um. Na escolha do local para a realização

dos focus groups devem ser prevenidos e contornados constrangimentos desnecessários.

Por isso, é conveniente assegurar: 1) se o tamanho da sala é adequado à acomodação dos

participantes; 2) se a sala é confortável e está equipada com o mobiliário necessário; 3)

se o equipamento a utilizar está operacional; 4) se o local é central e fácil de identificar.

Neste sentido, procurámos acautelar possíveis constrangimentos de forma a proporcionar

as condições mais adequadas possível à realização das entrevistas num clima sereno e

confortável. Os focus groups com mediadores familiares foram realizados nas instalações

do GRAL, na Avenida Duque de Loulé, nº 72, Lisboa. De facto, a realização das

entrevistas neste local foi uma exigência do GRAL implicada na autorização para o acesso

à amostra, mas que se mostrou vantajosa por ser um local acessível, central e conhecido

de todos os participantes. No que se refere aos dois focus groups em que participaram os

técnicos do ISS, o primeiro, decorreu numa sala preparada para o efeito na Faculdade de

Psicologia da UL e, o segundo realizou-se nas instalações do ISS, em Oeiras, a pedido

dos participantes.

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3.3.5 Instrumentos

3.3.5.1 Guião da entrevista dos focus groups

A preparação do guião de entrevista de focus group é fundamental para o sucesso

do método, porque as “boas” respostas dependem em larga medida da maneira como se

formulam as questões. Desta forma, o investigador deve conhecer bem o tema e estar

familiarizado com os conceitos principais. A inventariação dos tópicos que se pretendem

aprofundar e a delimitação dos aspetos que se querem afastar da discussão (Vaughn et

al.& Sinagub, 1996) contribuem para clarificar (e.g. pretendíamos conhecer o ponto de

vista dos mediadores familiares sobre a influência da emotividade no desenrolar do

processo de mediação familiar, mas, não visamos aprofundar a sua perceção sobre o

impacto das emoções experienciadas pelos pais nos filhos). Assim, tendo refinado os

objetivos nucleares do estudo, importava considerar as ideias-chave e a forma mais

adequada de as explorar através dos focus groups.

O guião de focus group compreende diferentes categorias de questões organizadas

em períodos de tempo específicos de acordo com o nível de importância da questão e a

intensidade de análise pretendida. Krueger (1998) menciona cinco categorias de questões,

as quais, têm diferentes funções ao longo da entrevista, conforme se ilustra através do

quadro a seguir apresentado:

Tabela 3

Categorização das questões para focus group

Categorização das Questões

Tipo de

Questão

Objetivo Características Exemplo

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Abertura

Quebrar o gelo; pôr os

participantes em conexão.

Resposta rápida, fácil,

sobre factualidade comum

aos participantes.

O que mais vos cativou na

atividade de mediação

familiar?

Introdutória

Dar pistas sobre o tópico

geral do estudo;

evidenciar explanações.

Questão aberta-fechada.

Exploratória.

Com base na vossa

experiência (…) como

descrevem o

comportamento dos pais

na fase da SD?

[questão 1 do Guião FG-

Mediadores]

Transição

Ligar as questões

introdutórias às questões

chaves e os participantes

com o foco do estudo.

Questão aberta-fechada.

Penetrante e fluida.

(…) é possível

identificarem tipos de

conflito em que as

estratégias por vós

utilizadas foram

eficientes?

[questão 2 do Guião FG-

Mediadores]

Chave

Obter insight sobre o

núcleo central do estudo.

Uso de técnicas de pausa e

de questões de prova.

Que elementos identificam

como potenciadores de

responsabilidade

relativamente à

emotividade vivenciada

(…)?

[questão 7 do Guião FG -

Mediadores]

Finalização

Concluir o focus group Pode ser de três tipos:

1. Despedida e

agradecimentos;

2. Realizar uma síntese

sobre o focus group e

perguntar se está correta;

3. Perguntar se há alguma

questão que possa ter

faltado.

Há algum aspeto de que

queiram falar além dos

que aqui abordamos?

[questão 14 do Guião FG-

Mediadores]

Na construção do nosso guião de entrevistas, seguimos as orientações de Krueger

Krueger (1998) percorrendo uma rota com seis etapas essenciais. Num primeiro momento

realizámos uma revisão de literatura para alargar o nosso campo de visão de certa forma

circunscrito e influenciado pela nossa experiência profissional, quer em mediação

familiar, quer em Direito da Família. Seguiu-se um segundo momento em que nos

dedicámos a traçar os primeiros esboços das questões procurando, simultaneamente,

discernir o que é importante do que não o é, e tendo em conta as funções das perguntas e

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96

a forma como podemos utilizá-las com eficiência nos focus group (e.g. evitar o porquê,

colocar questões simples e claras, ser cauteloso com o uso de exemplos, enraizar os

participantes na realidade, nomeadamente, pedindo-lhes exemplos ou para pensarem no

passado). A elaboração refletida e criteriosa das questões permite aumentar o rigor e a

fiabilidade de qualquer investigação. A um terceiro momento corresponde a sequenciação

das questões partindo do geral para o particular ou do mais positivo para o mais negativo,

de forma a que o fluxo das perguntas se mova mediante uma lógica de afunilamento em

direção às questões chaves. Na quarta etapa é necessário estimar o tempo destinado a cada

pergunta considerando: a complexidade e o tipo de questões (e.g. questões introdutórias,

questões-chave), o nível de profundidade pretendido ou os conhecimentos dos

participantes. Na quinta etapa, diligenciámos no sentido de obter feedback de

especialistas sobre o tema em estudo de modo a verificar se as questões estavam bem

construídas, se eram claras e facilmente compreendidas. Seguidamente procedemos a

uma última revisão de todo o texto do guião. Por fim, na sexta etapa, realizámos um pré-

teste com uma mediadora familiar experiente, mas não participante nos focus groups, com

vista à reelaboração da versão final do guião da entrevista dos focus groups, o qual é

composto por 14 questões semiabertas.8

3.3.5.2 Questionário sociodemográfico

O Questionário sociodemográfico9 é composto por seis questões de resposta

rápida e foi elaborado com o objetivo de recolher informação acerca da caracterização

sociodemográfica dos participantes designadamente a idade, o sexo, a licenciatura de

base, a formação em mediação familiar e a duração da experiência profissional. Para além

8 Apêndice A: Guião de entrevista dos focus groups 9 Apêndice B - Questionário sociodemográfico dos focus groups

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97

da recolha destes elementos, com este questionário pretendemos também obter

informação quanto à existência de reconhecimento oficial do curso de formação em

mediação familiar dos participantes, e se a atividade quando exercida decorre no âmbito

de serviço público ou privado.

3.3.5.3 Procedimentos, preparação e realização dos focus groups

A preparação dos focus groups deve ser cuidadosamente planeada para que o

recrutamento dos participantes e a preparação das entrevistas decorram de uma forma

previsível e produtiva.

O recrutamento dos participantes para as entrevistas com mediadores familiares

do SMF foi realizado a partir da lista de mediadores familiares do SMF. Do total dos

mediadores familiares foram recrutados todos os que mostraram disponibilidade para

participar. Contactámos os mediadores familiares, por telefone, começando por explicar

o objetivo do estudo e o porquê da relevância da sua participação, combinando-se ainda

o local, a data e a hora mais convenientes para cada um, a partir de três propostas de

agendamento possíveis. Relativamente aos participantes do ISS, estes, foram recrutados

pelos responsáveis daquele organismo, em conformidade com os elementos informativos

e os critérios de seleção anteriormente referidos, neste capítulo.

No que respeita aos aspetos materiais utilizámos os seguintes dispositivos:

gravador, plano de intervenção do moderador e guião de entrevista, uma pasta para cada

participante contendo o questionário sociodemográfico, o consentimento informado e o

documento de justificação de falta. Sobre a mesa, colocámos também alguns bolinhos

miniatura; água; copos e guardanapos.

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98

3.3.5.4 A equipa de Moderação dos focus groups

O moderador conduz os focus groups coadjuvado pelo assistente. Ambos formam

uma equipa com funções distintas e previamente acordadas. No presente estudo,

participaram duas assistentes em diferentes focus groups, ambas com formação em

mediação familiar e familiarizadas com o método de focus groups, o que se mostrou útil,

não só pela sintonia conseguida entre a assistente e a moderadora, mas, também por esse

aspeto ter contribuído para criar um ambiente confiável e empático para a partilha de

experiências e de perspetivas por parte dos participantes.

A preparação da equipa de focus groups entre a moderadora e a assistente consistiu,

especificamente nos seguintes aspetos:

1) Partilha de informações e de conhecimentos sobre o objetivo e o guião de focus

groups;

2) Troca de ideias e colocação de dúvidas sobre o tema e sobre as funções que cada

uma iria desempenhar;

3) Receção aos participantes que eventualmente se atrasassem;

4) Apoio aos participantes que, por algum motivo, necessitassem de se ausentar

temporariamente da sala ou de sair antes do final do focus groups;

5) Desenvolvimento de estratégias para a gestão do tempo reservado a cada questão

(e.g. a assistente muda a posição do relógio deslocando-o para a frente da

moderadora e, em caso de necessidade escreve numa folha o tempo que falta para

terminar a entrevista);

6) Observação e anotação de aspetos não-verbais da comunicação;

7) No final, elaboração de uma breve síntese sobre o focus groups ou colocação de

uma questão por parte da assistente.

Page 127: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

99

O papel do moderador tem importância crucial para o sucesso dos focus groups.

Salienta-se, a necessidade de o moderador ter uma atitude empática, escutando para

compreender e não para avaliar, gerindo a emotividade de forma a manter a discussão

sobre o foco do estudo e reconduzindo, se necessário, os participantes na direção

pretendida. De notar, que o envolvimento do moderador na interação deve ser prudente e

atento, nomeadamente para identificar participantes que, por serem mais tímidos, estão a

participar pouco ou para conter aqueles que se mostram dominantes. É também

fundamental detetar respostas intelectualizadas, vagas ou de senso comum e aplicar

estratégias de pausa ou de prova para fiabilizar o estudo embrenhando as opiniões

manifestadas nas experiências e vivências das pessoas.

De notar, que os conhecimentos jurídicos da moderadora e os conhecimentos

complementares das assistentes dos focus groups se revelaram uma vantagem, na medida

em que o domínio adequado de alguns dos temas em discussão foi positivo para o

processamento de uma moderação fluida e perspicaz das entrevistas.

3.3.5.5 Realização dos focus group

A moderadora e a assistente encontraram-se meia hora antes da hora agendada

para a realização do focus groups com o objetivo de reverem o protocolo antecipadamente

estabelecido e de prepararem a sala destinada à realização dos focus groups. Importa

verificar se tudo está em ordem na sala, se existem cadeiras em número suficiente para

acomodar todos os participantes e se o gravador se encontra em perfeitas condições. De

notar, que quando os participantes começam a chegar tudo deve estar preparado e

adequadamente disposto sobre a mesa, nomeadamente as pastas com o material para os

participantes, o lanche e o gravador.

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100

Os participantes foram recebidos na entrada do edifício onde se iam realizar os

focus groups (Faculdade de Psicologia, GRAL, Ministério da Justiça e ISS em Oeiras)

sendo encaminhados para a sala destinada às entrevistas. O acolhimento deve decorrer de

forma a criar um enquadramento semi-informal. De acordo com Krueger (1998) é

essencial deixar transparecer, logo nos primeiros quatro minutos, que o contexto é

estruturado, mas ao mesmo tempo, confortável. Este aspeto é central para a administração

de todo o focus group, na medida em que delimita os contornos da interação ao tentar

manter o nível de concentração dos participantes nos tópicos sem, contudo, os inibir.

Reunidos os participantes e asseguradas as condições necessárias, iniciaram-se

então as sessões de focus groups.

Após nos termos assegurado de que todos os participantes estavam devidamente

informados sobre a necessidade de gravar as entrevistas e de termos obtido de cada um o

consentimento informado, começamos por colocar a primeira questão, a qual, segundo

Krueger, 1998) deve poder ser respondida em 30 segundos, por isso é importante que seja

uma pergunta simples, não evocativa de memórias, e sem exigir especial reflexão. No

presente estudo, a primeira questão colocada pareceu-nos cumprir esse objetivo, na

medida em que, os participantes responderam facilmente e de imediato caracterizando,

em geral, o conflito como negativo (1ª questão do guião de focus group).

Prosseguimos com a aplicação das diversas questões do questionário

semiestruturado tentando, simultaneamente, dispensar a máxima atenção ao tipo de

respostas dadas, de forma a viabilizar a sua concretização quando necessária, ou a prova

dos relatos, e bem assim, estimulando os respondentes para que nos contassem mais sobre

determinada experiência ou nos dessem mais explicações que ajudassem a compreender

melhor o significado das suas experiências e posições. De salientar, que nos focus groups

realizados, os participantes mostraram à vontade e desenvoltura no debate, expressando

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101

os seus pensamentos, as suas ideias e experiências de forma fluente. De facto, se, por um

lado, as questões não eram invasivas em termos pessoais ou íntimos, por outro, os

participantes já eram conhecidos uns dos outros. Em geral, no fim das entrevistas,

referiram que apreciaram a partilha de ideias emergente do focus group e que também

tinha sido um espaço de reflexão importante para eles próprios.

No final do focus group a moderadora compunha um breve resumo realçando os

aspetos mais marcantes da sessão e disponibilizando-se para acolher qualquer impressão

que desejassem transmitir.

3.3.5.6 Preparação dos dados

Antes de se partir para a interpretação e análise das entrevistas é necessário

transcrevê-los e prepará-los para a sua utilização informática. Bazeley (2010) refere um

conjunto de regras pragmáticas para assegurar a consistência do processo de transcrição

das gravações, tais como:

1) Transcrição completa pela investigadora o mais fiel possível da conversação,

incluindo aspetos verbais e para-verbais como repetições, mmms, ums, etc... Estes

aspetos podem comunicar emoções, convicções, hesitações ou simplesmente

padrões de conversação que importa registar;

2) Assinalar as frases incompletas. Estas podem expressar um vocabulário limitado

ou simplesmente uma certa maneira de falar, mas são dados importantes para

compreender o estilo do entrevistado;

3) Registar perturbações na conversação tais como barulho inesperado, e

interrupções, suscetíveis de influenciar o sentido da comunicação;

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102

4) Transcrever aspetos não-verbais tais como, pausas, risos, tossicar, passíveis de

transmitir informações emocionais;

5) Mencionar as interrupções intrusivas de outros respondentes e notar digressões de

um tópico para outro são alguns dos aspetos a que convém assinalar ao transcrever

as gravações.

Observámos ainda outros aspetos relativos ao procedimento de transcrição, tais como,

codificar os nomes dos participantes de forma a garantir o anonimato, a definição do estilo

de letra e a formatação dos documentos para assim facilitar a legibilidade e a análise

informática e interpretativa do material (Flick, 2005). De notar que, enquanto

procedíamos às transcrições, íamos comparando e consultando as observações registadas

pela assistente no decurso da realização dos focus groups.

3.3.6 Análise dos dados

Terminados os procedimentos de recolha e de preparação dos dados procedemos

à sua análise.

3.3.6.1 Caracterização da amostra

Esta amostra é composta por 11 assessores técnicos do ISS aos TFM e 13

mediadores familiares do SMF (N=24), cujas características sociodemográficas se

encontram seguidamente apresentadas, na tabela 4.

Tabela 4

Caracterização sociodemográfica da amostra do estudo 1

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103

Nota* Compreende 1 licenciatura em Relações Internacionais; 1 licenciatura em Ciências Educação; 1 Licenciatura em Política Social

e 1 licenciatura em Reabilitação e Reinserção Social.

Assim do total dos participantes, 18 são do sexo feminino e 6 são do sexo

masculino e as suas idades estão compreendidas entre os 29 anos e os 60 anos (M=40,6).

No que se refere ao local onde os participantes exercem a sua atividade profissional

verifica-se que 11 são assessores do ISS aos TFM (45,8%) e exercem as suas funções no

âmbito das equipas multidisciplinares na área tutelar cível no ISS, IP, Ministério do

Emprego e da Segurança Social, e 13 dos participantes (54,2 %) são mediadores

familiares que exercem a sua atividade no SMF, Ministério da Justiça.

Todos os participantes têm formação superior pois trata-se de um requisito

obrigatório, quer para o acesso às funções de mediador familiar, quer para o desempenho

das suas funções técnicas. Da totalidade dos participantes, a maioria é licenciada em

Direito (33,3%), seguindo-se os licenciados em Psicologia (29,2%) e em Serviço Social

Atributos Frequência

(N)

Percentagem

(%)

Sexo

Feminino 18 75

Masculino 6 25

Idade

29 - 60

Local de trabalho

ISS 11 45,8

SMF 13 54,2

Licenciatura

Direito 8 33,3

Psicologia 7 29,2

Serviço Social 5 20,8

Outras Licenciaturas* 4 16,7

Curso de Mediação

Sim 18 75

Não 6 25

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104

(20,8%), os restantes quatro participantes têm licenciaturas diversas na área das Ciências

Sociais e Humanas (16,7%).

Assim, considerando o total da amostra, a maioria de participantes é detentora de

um curso de mediação familiar acreditado pelo Ministério da Justiça (75%). Os

participantes do ISS, embora não conduzam processos de mediação familiar,

consideraram-na uma mais-valia para o desempenho das suas funções, especificamente

para a realização de entrevistas10 com os pais, no âmbito das avaliações parentais

compulsadas pelos magistrados do TFM.

Desta forma, do total da amostra, apenas seis participantes (25%) não possuem

formação em mediação familiar.

3.3.6.2 Processo de codificação

Como anteriormente referimos a presente investigação empírica assenta na

abordagem da GT e a análise dos dados foi feita com recurso ao software Qualitative

Solutions Research (QSR) NVivo 10 for Windows (Bazeley, 2010). Para tal, procedemos

à análise do conteúdo dos cinco focus groups através do desenvolvimento de sistema

hierárquico de categorias iniciado a partir de categorias prévias (construídas a partir da

revisão de literatura conjugada com a experiência profissional da investigadora) e com

base no surgimento de novas categorias e subcategorias que os dados e as questões

emergentes foram suscitando.

Conforme os focus groups foram sendo realizados os dados foram sendo tratados,

os textos das entrevistas seccionados em unidades de sentido de acordo com os objetivos

10 Após as alterações introduzidas pela Lei nº 141/2015, de 8 de setembro, que aprovou o Regime Geral do

Processo Tutelar Cível (RGPTC), a intervenção dos técnicos do ISS, no âmbito tutelar cível, passou a

denominar-se por “audiência técnica especializada.

Page 133: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

105

gerais e específicos, as questões de investigação e o guião de entrevista, ao mesmo tempo

que alguns fragmentos, aparentemente sem interesse, foram guardados numa categoria

específica para eventual posterior (re) análise.

O processo de codificação e a criação de categorias é um processo criativo,

evolutivo e sistemático. Com base nas transcrições das entrevistas desenvolvemos a

codificação inicial que, entre outros aspetos, ajuda a questionar ideias preestabelecidas

ou intelectualizadas através da revisão de literatura efetuada. É importante ter o espírito

aberto e disponível para captar ideias e visões novas que os dados fornecem. À medida

que o processo de codificação avança, as categorias iniciais são revistas, reformuladas e

apuradas sendo simultaneamente integradas as categorias emergentes no sistema

categorial. Os domínios categoriais são assim sintetizados e organizadas as diversas

categorias mediante uma dinâmica recursiva que permite aceder a níveis de abstração

cada vez mais estritos (Bazeley, 2010; Charmaz, 2006). O ponto forte da codificação é a

codificação axial através da qual se visa obter um sistema categorial especificado, de tal

forma que, cada categoria discrimine as propriedades e as dimensões que lhe são

intrínsecas e em que as categorias e as subcategorias vão surgindo de forma interligada e

coerente.

No processo de construção das categorias e das subcategorias considerou-se o

critério da mútua exclusividade operacional, ou seja, a mesma referência pode ser

codificada em mais do que uma categoria desde que esteja patente a distinção funcional

entre as mesmas, quando tal não suceda deverá prevalecer a regra da mútua exclusividade.

Por outro lado, tivemos o cuidado de garantir que todo o conteúdo do documento

transcrito fosse codificado e que os segmentos de texto não codificados no sistema de

categorias principal fossem guardados, à parte, em categorias livres criadas para este

efeito. Criou-se assim uma categoria específica para guardar os extratos de texto

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106

desprovidos de nexo, irrelevantes ou repetitivos, a qual permite, entre outros aspetos,

proceder a uma análise posterior, como atrás referimos.

3.3.7 Apresentação e discussão dos resultados

No final do processo de categorização obtivemos a árvore hierárquica de

categorias11, composta por cinco categorias principais: 1) conflito; 2) modelos de

mediação familiar; 3) estratégias de mediação familiar; 4) (Co) parentalidade na transição

para a SD; 5) perceções sobre os critérios de adequação da mediação familiar ao caso

concreto.

3.3.8 Conflitos identificados pelos participantes de acordo com as respetivas causas

Como sabemos a fase de SD é geralmente marcada por tensões e conflitos.

Algumas destas situações têm a sua génese algum tempo antes de despoletada a SD e são

determinadas por diversos fatores que se manifestam de múltiplas formas. A convivência

familiar é por natureza geradora de tensões, desafios e mudanças, que, requerem

permanente coordenação e cooperação de forma a integrar e equilibrar distintas forças e

características diferenciadoras e comuns aos membros da família. Assim, afigura-se

crucial iniciar este estudo, tentando investigar e identificar as características mais

frequentes dos conflitos conjugais/parentais que, frequentemente, surgem na fase de SD,

relativamente aos quais são chamados a intervir profissionalmente, quer os mediadores

familiares, quer e os técnicos do ISS. Por outro lado, é igualmente importante

compreender as causas dos conflitos mais comuns e a maneira como tendem a manifestar-

11 Apêndice C.

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107

se. Sublinha-se, o carácter exploratório deste trabalho ao pretender penetrar os temas em

foco através do olhar dos mediadores familiares e dos técnicos do ISS, tentando (des)

cobrir possíveis padrões e significações relativamente a uma realidade tão emaranhada

como é o conflito entre o ex-casal/pais, na transição para a SD.

Tendo em conta a experiência e a proximidade dos participantes no estudo com o

tema do conflito, estes apresentam-se numa posição ímpar quando nos propomos

identificar as principais características das interações conflituosas entre os pais (ex-

casais), tais como: assuntos, contextos, padrões emocionais e de comunicação. De facto,

a compreensão do conflito é essencial, quer para a eficiência da atividade desenvolvida

pelos técnicos do ISS junto dos TFM, quer para a preparação e condução das várias

sessões do processo de mediação familiar. Assim, a caracterização e compreensão de um

determinado conflito em presença no início da mediação familiar fornece aos mediadores

familiares elementos e informações indispensáveis para o planeamento dos métodos e

estratégias mais adequados à abordagem e gestão construtiva das sessões que compõem

o processo de mediação familiar.

A desarmonia e as divergências inerentes a qualquer conflito abalam as relações

interpessoais, mas no contexto da SD estes aspetos negativos são geralmente muito

visíveis, frequentes e potencialmente devastadores. Consequentemente, a análise e a

avaliação crítica das situações em litígio e a sua caracterização remetem para as causas

do conflito. Estas causas manifestam-se na interação inter-partes, comumente de uma

maneira nublosa e obscura cabendo aos mediadores familiares promover a sua

visibilidade (Moore, 2003). Assim, como anteriormente referido no capítulo 1, impõe-se

aos mediadores desenvolver as estratégias necessárias à clarificação das fontes do

conflito, especificamente gerando conjeturas e hipóteses sobre as suas causas, de forma a

encontrar conjuntamente com as partes desavindas (mediados) os recursos disponíveis

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108

(e.g. recursos da própria família, contexto da mediação) e possíveis de ativar para a

reposição de uma harmonia desejável em qualquer relação familiar.

Assim, a necessidade de compreender a formação e o desenvolvimento do conflito

familiar, nomeadamente no contexto da SD é crucial para uma condução criteriosa do

processo de mediação familiar (Moore, 2003). Então, neste trabalho, considerou-se uma

perspetiva do conflito a partir das suas fontes ou causas, as quais, podem ser agrupadas

em cinco categoriais principais:

Conflitos de informação: consistem em conflitos que têm como causa a falta ou a

insuficiência de informações relevantes para a respetiva compreensão e abordagem. Tais

conflitos podem residir em interpretações dissemelhantes sobre certos dados e sobre

informações disponíveis, bem como, diferentes conotações ou avaliações quanto aos

procedimentos legais ou extrajudiciais implementados por qualquer dos intervenientes.

Conflitos de interesses: traduzem conflitos causados por interesses substantivos e

concretos, mas incompatíveis entre si. Geram um confronto de vontades que se vai

desenvolvendo numa dinâmica competitiva entre os intervenientes que se debatem pela

vitória das suas posições. À medida que o conflito se desenvolve a relação entre as partes

vai sendo afetada negativamente.

Conflitos de relação: são causados por perceções erróneas e emoções fortes. Geralmente,

encontram-se relacionados com ideias estereotipadas, clichés, comunicação confusa,

empobrecida e por padrões negativos de comportamento. Em suma, estes conflitos

envolvem situações desencadeadas por comunicação disfuncional e por quadros

emocionais intensos.

Conflitos de valores: têm como causa diferentes critérios e avaliação de ideias, atitudes e

comportamentos, assim como, diferentes ideologias, religiões ou visões da vida.

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109

Conflitos estruturais: consistem em padrões destrutivos de interação, podem estar

relacionados por desigualdades de património ou de distribuição dos recursos entre os

intervenientes e por desequilíbrios de poder, podendo também estar associados a fatores

geográficos e a restrições de tempo e de partilha de tarefas familiares que dificultam ou

impedem a cooperação. Alguns dos conflitos incluídos nesta categoria podem agregar na

sua estrutura comportamentos criminosos.

Figura 3. Tipos de conflitos mais referidos pelos participantes nos focus groups

realizados com mediadores familiares e assessores do ISS (nº de referências).

De acordo com os dados exibidos na figura 3 os conflitos de relação são os que

mais se destacam apresentando 19 referências e sendo identificados, quer nos focus

groups realizados com mediadores familiares, quer nos focus groups realizados com

assessores do ISS (FG1-MF, FG2-MF, FG3-MF, FG4-ISS e FG5-ISS). Os conflitos

estruturais apresentam 9 referências sendo identificados pelos mediadores familiares e

pelos técnicos do ISS, embora surjam com maior saliência nos focus groups do ISS (6

referências) do que no grupo dos focus groups com mediadores, o que pode justificar-se

tendo em conta uma maior probabilidade de concentração deste tipo de conflitualidade,

mais dura, no contexto judicial, em cujo raio de ação os técnicos do ISS desenvolvem a

3 2 54411 8

194 2

6

3 6

9

FG - MF FG - ISS Total: FG -MF + FG - ISS

5 : Conflitosestruturais

4 : Conflitos devalores

3 : Conflitos derelação

2 : Conflitos deinteresses

1 : Conflitos deinformação

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110

sua intervenção, ao invés dos mediadores familiares que desenvolvem a sua atividade

num âmbito mais amplo em que concorrem não só processos provenientes de tribunal,

mas, também processos em que a iniciativa inicial de recorrer a mediação familiar é

despoletada voluntariamente pelos interessados. Os conflitos de valores são referidos 6

vezes em 4 dos cinco focus groups realizados (FG1, FG3, FG4 e FG 5). Os conflitos de

informação são identificados em 4 focus groups (FG1, FG2, FG3 e FG4) sendo referidos

5 vezes. Finalmente, os conflitos de interesses são referidos 4 vezes, apenas pelos

participantes dos focus groups do ISS.

A análise da figura 3 permite-nos constatar que no âmbito dos conflitos familiares

decorrentes de SD os conflitos de relação são claramente os mais referidos sendo

identificados em todos os focus groups independentemente da atividade exercida pelos

participantes no estudo. Este resultado, é assim concordante com um potencial aumento

de toxicidade emocional e com padrões disfuncionais de comunicação que o despoletar

do processo de SD reitera.

O tópico do conflito começou por ser examinado através de uma categoria inicial

procedente do guião de focus groups. Com o desenvolvimento do processo de codificação

esta categoria foi sendo revista e refinada visando a construção de unidades conceptuais

cada vez mais estritas. Deste processo resultou a subsunção dos dados assim obtidos na

teoria existente inserta na tipologia das causas do conflito propostas por Moore (2003).

Ainda com base nos dados expostos no Figura 1 importa expor sinteticamente as

causas mais frequentes que caracterizam os conflitos familiares evidenciados na fase de

SD.

Tabela 5

Tipos de conflitos identificados pelos participantes nos cinco focus groups

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111

A tabela 5 apresenta o nº total de referências (43) indicadas pelo conjunto dos

participantes nos focus groups (24) e o nº de referências e de participantes que nomearam

cada um dos cinco tipos de conflito.

3.3.8.1 Conflitos estruturais

Os conflitos estruturais ilustrados pelos participantes comprovaram interações

conjugais/parentais com impacto potencialmente nocivo e, por isso, suscetíveis de vir a

colocar em causa o bem-estar físico e/ou psíquico da criança conforme o nível de

gravidade e de perigosidade presente ou latente nas condutas envolvidas.

Uma abordagem multidisciplinar destes conflitos poderá contribuir para a

eficiência do processo de mediação familiar, tendo em conta a necessidade de integrar

diferentes conhecimentos (e.g. jurídicos, psicologia) e o impacto potencialmente negativo

para as pessoas envolvidas neste tipo de conflito.

De acordo com a tabela 2, categoria conflitos estruturais foi referida 9 vezes, por

6 participantes do total dos 24 participantes no estudo.

Nº de participantes

(24)

Nº de referências

(43)

Conflitos estruturais 6 9

Conflitos de valores 5 6

Conflitos de relação 12 19

Conflitos de interesses 3 4

Conflitos de informação 5 5

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112

A análise da categoria “conflitos estruturais” permite discriminar dois grupos de

conflitos estruturais: 1) os conflitos que integram situações que configuram factos

tipificados na lei como crimes; 2) conflitos que compreendem situações não tipificados

legalmente como crimes.

Os participantes referiram situações de conflito que claramente integram condutas

qualificadas como crimes, tais como: violência doméstica; pedofilia, subtração de

menores. Um dos mediadores referiu a dificuldade de abordar este tipo de conflitos

através de mediação familiar tendo referido: “Noutro dia recebi um caso de pedofilia.

Não há mediação que valha, nem se consegue muitas vezes.” (FS2M). Alguns conflitos

estruturais comportam situações graves para as crianças e/ou para outras pessoas

envolvidas que confrontam os mediadores familiares com questões de elevada

especificidade técnica e exigência ética. Um dos participantes do ISS relembra uma

situação de subtração de menor de idade referindo, “Lembro-me, foi no verão passado,

foi um caso de um pai que subtraiu a criança, portanto, num dos fins de semana, a criança

foi visitar e num dos convívios com o pai e nunca mais o pai devolveu a criança à mãe.

É claro que a mãe ficou muito preocupada, isto passou-se há muito tempo. Quando o

processo chegou aqui a criança já estava com o pai há um ano e a mãe não sabia onde

morava o pai nem tinha qualquer contacto da escola da criança” (M2S).

No segundo grupo de conflitos estruturais, incluem-se conflitos que sendo nocivos

não integram factos tipificados como crime. Os participantes referem conflitos que são

potencialmente nefastos por complexificarem e endurecerem as relações entre os

intervenientes e, consequentemente dificultarem o ajustamento dos pais e das crianças à

fase de SD, na medida em que obstam à reorganização e a redefinição familiar. Traduzem

situações caracterizadas pela rigidez e pelo desequilíbrio e condições de negociação, tais

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113

como, “Era na questão habitacional, era na questão económica! Eles dependiam dos

avós da menor. (FF1S).

3.3.8.2 Conflitos de valores

Os conflitos de valores têm como causa diferentes critérios e maneiras de

avaliação de ideias, atitudes ou comportamentos. Radicam em diferentes ideologias,

religiões ou visões da vida.

De acordo com a tabela 2, categoria conflitos de valores foi referida 6 vezes, por

5 participantes do total dos 24 participantes no estudo.

Tendo em conta, que nos conflitos de valores estão em causa diferentes culturas,

religiões, visões de vida ou comportamentos, é frequente verificar-se neste tipo de

conflitos, alguma forma de colisão entre maneiras de pensar e de viver, sendo que cada

um dos protagonistas do conflito tem a convicção profunda da superioridade das suas

ideias, opiniões ou crenças face às do outro, tal como sucede, por exemplo, relativamente

à prática do nudismo ou quanto à alimentação vegetariana. Neste sentido, é referido que,

“Tive o mesmo problema com pais nudistas. Ficou resolvido que o pai quando está com

a criança não vai para a praia dos nudistas, mas foi tão difícil chegar a isto.” (FF1M);

outro participante recorda, “Estou a lembrar-me de uma situação em que o pai era

vegetariano e a mãe não, e era muito complicado, porque o filho não ia comer carne e

ia comer comidas diferentes das que ela preparava. Foi um bocadinho complicado gerir

isso. “(FS1M). Outros conflitos radicam em questões religiosas e culturais como ilustra

um dos participantes ao expor que, “(…) foi um casal, namoravam e, entretanto, ela

engravidou, teve a criança, mas eles nunca viveram juntos, portanto, cada um vivia na

sua casa, e ele disse: eu sempre disse que não queria filhos, não quero! Nem durante a

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114

gravidez esteve com ela, ela ficou extremamente magoada, mas resolveu ir para a frente

com a gravidez, ela é de origem indiana e religiosa também. “(FC2S)

Deste modo, os conflitos de valores são sustentados por argumentos e pelas

convicções profundas de cada uma das partes, por isso, são na sua essência ideológicos e

enraizados nas tradições familiares, na sociedade e na cultura. Configuram, pois,

situações que requerem dos mediadores familiares o uso de estratégias específicas que

promovam a compreensão, a flexibilidade e a criatividade conforme os participantes nos

focus groups comprovaram. Neste sentido, os mediadores familiares quando

confrontados com este tipo de conflitos tentam diversas abordagens conforme os

contornos do caso, nomeadamente reorientando o debate para um valor supra-individual

convergente (e.g. amor aos filhos; opinião dos filhos, etc.) ou promovendo um

questionamento com vista à ampliação do campo de reflexão criando, pois, condições que

ajudem as pessoas a pôr em perspetiva as suas convicções iniciais.

3.3.8.3 Conflitos de relação

No que concerne à categoria “conflitos de relação” compete frisar que de acordo

com a tabela 2, este tipo de conflitos é o mais saliente tendo sido referid1 19 vezes, por

12 participantes do total dos 24 participantes no estudo; por outro lado, os conflitos de

relação foram ainda referidos em todos os focus groups realizados conforme também se

extrai do Figura 1.

Os conflitos de relação estão associados com emotividade intensa e com padrões

de comunicação disfuncional, conforme os participantes nos focus groups exprimiram ao

referirem que os protagonistas no conflito “Estavam muito presos ao emocional, se

calhar por não terem muito ou não terem nada da visão do outro sobre a mesma

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115

realidade.” (FJ1M). Por sua vez, o clima emocional negativo também contribui para a

manifestação de padrões disfuncionais de comunicação como refere um dos mediadores

familiares, “Ela vivia numa parte da casa, ele vivia noutra parte da casa, foi muito difícil,

porque eles ainda gostavam um do outro, ela gritava que o amava, ele gritava que a

amava. ‘Mas o quê que vocês querem?’ Tive que conter o conflito, clarificar o quê que

cada um queria e, se efetivamente queriam mesmo se divorciar.” (FS2M). De notar, que

as estratégias apontadas para gerir o conflito como “conter” e “clarificar” podem

contribuir para ajudar a lidar com as causas, eventualmente, ocultas ou manifestas do

conflito, mas é especialmente importante planear a condução do processo de mediação

familiar de acordo com as estratégias e as metodologias mais apropriadas a uma

abordagem eficiente do conflito. Neste sentido, Moore (2003) salienta a importância de

os mediadores familiares terem como ponto de partida um “mapa de conflito” que lhe

permita nortear a sua intervenção de forma produtiva.

3.3.8.4 Conflitos de interesses

Do total dos 24 participantes 3 deles identificaram conflitos de interesses

conforme indicado na tabela 2. Por sua vez, dos 5 focus groups realizados os conflitos de

interesses apenas foram mencionados nos 2 focus groups com assessores do ISS sendo

que nenhum mediador familiar os referenciou.

Os conflitos de interesse têm na sua génese dinâmicas competitivas que dificultam

o consenso entre os mediados, “portanto, há desacordo relativamente às posições das

partes, não apenas relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, mas

também, sobretudo tem-nos aparecido muitos casos relativamente à divisão das questões

patrimoniais.” (FM2S). Frequentemente, as posições defendidas pelos mediados

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116

aparentam ser despropositadas em relação ao conflito objetivamente considerado e à

energia com ele despendida, contudo os conflitos de relação estão enraizados em

emoções, padrões de comportamento e motivações mais profundas que importa

compreender. Para tal, é crucial delimitar a matriz dos conflitos de interesses e perceber

de que forma este tipo de conflito se apresenta emaranhado com outro género de questões

relativas à comunicação, a aspetos emocionais, ou contextuais que são endereçadas a

fontes de conflitos relacionais. Esta constatação permite-nos, assim, admitir que os

mediadores familiares subsumiram os conflitos de interesses - uma vez que os não

identificaram como um tipo de conflito autónomo - na complexidade intrínseca a outras

tipologias de conflito, nomeadamente os conflitos de relação e os conflitos estruturais,

que são os mais frequentes nas relações familiares em geral e, especificamente na fase de

SD.

3.3.8.5 Conflitos de informação

Do total dos 24 participantes 5 deles referiram a categoria “conflitos de

informação” 5 vezes, conforme os dados apresentados na tabela 2. Em contrapartida, nos

5 focus groups os conflitos de informação são assinalados em 4 dos focus groups

realizados.

Os mediados podem sentir-se imersos numa quantidade de preocupações e

informações suscetíveis de bloquear ou diminuir a sua capacidade de reflexão e de decisão

de forma a que, “muitas vezes, não conseguem avançar porque eles estão muito tensos,

porque estão a mexer, na criança, no dinheiro, na outra família que lá está e muitas vezes

é preciso parar, vão pensar, vão fazer contas, vão esfriar os ânimos e refletir. (FV3M).

Esta acumulação de situações e de preocupações gera confusão e ambiguidade, o que

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117

potencia ainda mais o stress emocional associado à fase de SD, podendo dificultar ou

bloquear a capacidade para refletir, avaliar e decidir. A quantidade de preocupações e de

informações, por vezes, dispersas e díspares são aspetos comuns durante o processo de

SD que nutrem negativamente o conflito sendo, por isso, crucial delimitar o tempo e o

espaço indispensáveis para a construção do clima colaborativo, de reflexão, clarificação

e autodeterminação, adequado à tomada de decisões responsáveis que o processo de

mediação familiar almeja proporcionar a quem dele faz uso. De facto, muitos conflitos

propagam-se e degeneram em dinâmicas endurecidas pela lógica judicial, onde,

claramente falha a mediação familiar pré-judicial de matriz preventiva. Neste sentido um

mediador familiar participante neste estudo refere que, “Há uma confusão mental, no

sentido em que eu já não sei o que fazer para resolver isto, o quê que é melhor o quê que

não é, toda a gente diz o quê que é melhor o quê que não é. E, quando são chamados a

eles próprios decidirem, obviamente não estão habituados e há uma reação de bom eu

não sei… eles próprios são umas crianças nalgum sentido face ao conflito. “(FC2M).

Assim, o conhecimento das causas que energizam o conflito mostra-se

extremamente útil para o planeamento das sessões de mediação familiar, na medida em

que fornece ao mediador familiar pistas e informações cruciais sobre a forma como as

partes se encontram enredadas no conflito. A recolha destes elementos visa permitir ao

mediador familiar preparar as sessões e desenvolver as estratégias mais ajustadas à

abordagem da situação.

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118

Figura 4. Principais objetivos do mediador familiar na fase inicial da mediação familiar.

Elaborámos a figura 4 com o intuito de ilustrar as etapas e as intervenções a

desenvolver durante o processo a mediação familiar. De acordo com o exposto o resultado

do processo de mediação familiar está relacionado com uma multiplicidade de fatores,

que são abordados através de estratégias e instrumentos específicos decorrentes do quadro

teórico e metodológico adotado pelo mediador familiar, os quais, visam criar um contexto

colaborativo baseado na empatia, responsividade e aliança profissional conforme se

representa na figura 4. O contexto colaborativo permite ao mediador familiar desenvolver

duas tarefas principais: 1) identificar as causas e mapear o conflito de forma a desenhar

um plano para a sessão; 2) identificar situações impeditivas ou não adequadas para a

mediação familiar, isto é, proceder à triagem do caso.

O conflito entre os pais é considerado de forma consistente pela investigação

científica como sendo um evento adverso para as crianças e os adolescentes antes e

durante a separação (Amato, 2000; Cummings & Davies, 2002; Kelly & Emery, 2003),

bem como, após a separação ou o divórcio (Weaver & Schofield, 2015). Por isso, a

abordagem do conflito é para os mediadores familiares um desafio, cuja complexidade

requer inteleção teórica, sensitividade e responsividade.

Med

iador

Sin

ton

izad

o, re

spo

nsi

vo

, re

flex

ivo

, em

pát

ico

Identificar as fontes do conflito

Mapa do conflito

Desenhar intervenções

Contexto colaborativo

Avaliar situações criticas Identificar barreiras e limites à Mediação

Familiar

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119

As causas específicas que caracterizam e permitem identificar tipologias de

conflitos familiares são diversas, mas é a relação entre o ex-casal/pais que surge como

sendo o foco do qual procede a história (im) previsível de cada família na transição para

SD. Deste modo, o processo de mediação familiar incide, também, em torno da relação

do ex-casal para que os acordos legais exprimam conteúdo prático e sejam uma forma de

desenvolvimento positivo da relação de coparentalidade para além da SD. O conflito é a

maneira humana de exprimir os significados que a crise na interação tem para as pessoas

(Bush & Folger 2005),3assim como, fornece a energia que proporciona mudança (social,

familiar, individual, etc.) por isso, importa aos mediadores familiares direcionar tal

potencial criativo para melhorar a qualidade dos ambientes nas famílias separadas ou

divorciadas, sendo que, a forma positiva ou negativa como os membros de subsistemas

interdependentes conseguem lidar com o conflito emerge, precisamente, da fratura

produzida pela quebra dos padrões antigos e pelo esforço de ajustamento a novos padrões,

cujo impacto na reorganização do processo de adaptação à SD é inegável.

Assim, no presente estudo, a análise das categorias emergentes do tema “conflito”

permitiu comprovar que as causas mais prominentes do conflito, durante a SD,

assinaladas por Moore (2003) foram identificadas pelos participantes nos focus groups.

No entanto, como é tangível foram os “conflitos de relação” os mais proeminentes, dado

que, na teia dos vínculos familiares, o conflito tende a expandir-se provocando ondas de

choque que alteram a forma como as pessoas se organizam e comunicam entre si e entre

os subsistemas familiares. De notar, que o comportamento e a comunicação entre as

pessoas são geralmente afetados em consequência do conflito, independentemente da

presença de causas concretas que permitam indiciar uma tipologia de conflito diversa do

conflito estritamente relacional. Assim, os “conflitos de relação” aparentam ser

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120

transversais e concomitantes com outras tipologias de conflito familiar

independentemente das suas causas. Assim, salienta-se a pertinência para a condução do

processo de mediação familiar, em discernir a forma como as causas tipológicas do

conflito se entrelaçam ou não na interação/relação entre os protagonistas do conflito.

O desenvolvimento do processo de exploração do tema conflito e de categorização

permitiu ainda examinar e conceptualizar um domínio de fatores que aparentam influir

no conflito ativando-o ou pacificando-o, os quais decorrem hierarquicamente da categoria

principal, intitulada “fatores de influência no conflito”.

3.3.8.6 Fatores de influência no conflito

Os fatores de influência no conflito compreendem num conjunto de eventos que

ocorrem no contexto do conflito e que se apresentam como sendo potencialmente

impactantes no rumo do conflito ao longo do tempo. Assim, distinguem-se das causas do

conflito por consistirem em eventos de natureza exógena ao núcleo genético e fulcral de

um conflito pré-existente.

A análise desta categoria – fatores de influência do conflito – permitiu discriminar

dois grupos de fatores com impacto na dinâmica do conflito, que denominámos de: os

fatores ativadores e de fatores pacificadores do conflito.

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121

Figura 5. Fatores de influência no conflito referidos pelos participantes nos focus groups

(nº de referências).

Na figura 5 encontram-se agrupados, na coluna 1, os três focus groups realizados

com mediadores familiares (FG-MF) e na coluna 2, os dois focus groups efetuados com

assessores do ISS aos TFM (FG-ISS). É assim possível observar a frequência com que os

fatores ativadores e os fatores pacificadores do conflito foram referidos pelos dois grupos

de participantes. Os fatores ativadores foram referidos 38 vezes e os fatores pacificadores

16 vezes, no total dos cinco focus groups. Salienta-se a frequência mais elevada, quer dos

fatores ativadores com 26 referências, quer dos fatores pacificadores com 10 referências,

revelada nos FG-ISS, comparativamente com os FG-MF que referiam os fatores

ativadores 12 vezes e os fatores pacificadores 6 vezes. Estes fatores parecem assim ser

mais facilmente tangíveis e identificáveis pelos assessores do ISS que intervêm

unicamente em processos judiciais. Por outro lado, o tipo de intervenção dos assessores

e dos mediadores familiares, sendo diferente, também pode influir na valorização e

perceção que cada um destes grupos de profissionais atribui a certos aspetos relacionados

com o conflito.

12

266

10

F G - M F F G - I S S

Fatorespacificadores

Fatoresativadores

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122

3.3.8.6.1 Fatores ativadores

Os fatores ativadores do conflito consistem em situações contextuais que

estimulam e nutrem o conflito entre as partes.

Figura 6. Fatores ativadores do conflito.

Como se extrai da observação da figura 6, a partir da análise da categoria “fatores

ativadores” emergiram quatro subcategorias: 1) classe social, com 3 referências; 2)

interferência de terceiros, com 19 referências; 3) sistema judicial, com 12 referências; 4)

tempo do conflito, com 5 referências. De notar que as categorias “interferência de

terceiros” e “sistema judicial” foram as mais referidas, quer pelos participantes nos FG-

MF, quer pelos participantes nos FG-ISS.

Classe social elevada

A categoria “classe social elevada” - referida apenas pelos assessores do ISS -,

foi identificada como sendo um fator promotor do conflito, designadamente, porque a

6 63

13

6

5

A : Classe socialelevada

B : Interferencia deterceiros

C : Sistema Judicial D : Tempo deconflito

FG - ISS

FG - MF

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123

ausência de condicionamentos financeiros permite o acesso a especialistas influentes e

reconhecidos no circuito judiciário onde o conflito se desenrola, conforme um

participante nos focus groups descreve, “eu, às vezes, penso: ‘porquê que isto acontece?’

Mas, depois isto liga-se com os advogados, porque os estratos sociais mais elevados têm

possibilidade de contratar advogados, chamados da praça, que não amenizam de

maneira alguma o conflito e agravam-no. (…) São maus tratos psicológicos em que não

é aberto processo de promoção e proteção, exatamente porque eles são de classes altas,

isto são factos que têm que ser analisados e perceber porquê. (FA2S). De notar, que o

poder económico das pessoas envolvidas no conflito permite proporcionar recursos

jurisdicionais passíveis de incrementar a adversariedade, nomeadamente requerimentos,

recursos, processos ou outros expedientes judiciais; por outro lado, também o estatuto

social dos litigantes pode ter influência, ainda que subtil, em determinadas decisões

institucionais e dar aso a que possam vir a ser desvalorizados comportamentos nocivos

para as crianças ou até suscetíveis de justificar a abertura de um “processo de promoção

e proteção”.

Deste modo, quando não existem constrangimentos financeiros há menor

preocupação com os gastos associados ao prolongamento dos processos judiciais e as

questões patrimoniais, culturais e sociais tendem a complexificar-se nas classes mais

elevadas potenciando, por isso, a propagação e o aumento do conflito.

Interferência de terceiros

A categoria “interferência de terceiros” compreende dois tipos de intervenientes,

cuja influência desadequada pode ser ativadora de conflito e prejudicial para o

desenvolvimento do processo de mediação familiar: 1) os advogados; 2) família extensa.

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Os advogados têm influência nas decisões dos seus clientes, comumente estes

confiam naqueles. Por outro lado, o advogado tem para com o seu cliente o dever de

parcialidade devendo empenhar-se para que os seus direitos e interesses prevaleçam sobre

os da outra parte de forma a ganhar a causa. Contudo, esta triangulação de interesses entre

o advogado o cliente e o contexto de decisão parental (Tribunal ou mediação familiar) é

referenciada pelos participantes nos focus groups como sendo um fator gerador de tensão

e uma barreira à consensualidade, “Sinto que nós estamos aqui em duas linguagens e dois

objetivos diferentes, enquanto, nós, é claro, queremos é proteger o miúdo e queremos é

que a solução seja o melhor possível para a criança - nem sempre eu sinto isso, nem

sempre! Não sinto em todas as situações. Sinto, mais do outro lado, o puxar a brasa à

sua sardinha: ‘ok! Vamos ver se o meu cliente ganha isto!’” (FC2S). Salienta-se,

também, o fomento e a reativação do conflito através da implicação dos advogados na

morosidade dos processos judiciais e na replicação de incidentes, nomeadamente,

quando, (…) o advogado de um põe uma ação e o advogado do outro põe outra ação e

prolongam estes processos no tempo prejudicando as crianças de uma forma que eu

penso – ‘como é possível?!’” (FA2S).

A interferência de membros da família extensa no conflito entre os mediados é

mencionada indicada como sendo outro fator que alimenta e mantém o diferendo ativo.

Por vezes, (…) “a conflitualidade quase que não é entre os pais, mas sim entre as

famílias, os avós, isso, por vezes acontece muito” (FH1S), ocorrendo situações em que,

“o conflito não era entre os progenitores da menina, mas sim entre as famílias, entre a

família alargada e eles. Conseguiram trocar telefones, combinaram a partir de ali

encontrarem-se sem os respetivos pais saberem.” FH1S, assim como, “às vezes, a

entrada de um terceiro elemento na vida, de um ou de outro, pode ser perturbador (…)”

(FS2M) provocando tensão e novos conflitos.

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125

Sistema judicial

A análise da categoria sistema judicial permite evidenciar os efeitos negativos que

o contexto de tribunal comporta para a resolução dos conflitos familiares, especialmente

os conflitos emergentes da SD que envolvem os filhos. A colocação de uma ação judicial

é geralmente sentida pela pessoa a quem a mesma se dirige como sendo, por um lado,

uma investida e uma afronta e, por outro, como sendo uma declaração formal de

antagonismo e de desistência de diálogo. Consequentemente a existência de um processo

judicial ao ter impacto negativo no conflito inter-partes tem também repercussão no

desenvolvimento construtivo do processo de mediação familiar, uma vez que, “se é

processo de Tribunal a interação é sempre péssima, vêm sempre zangadíssimos com o

conflito aceso, é muito difícil a interação, da minha experiencia dos processos de tribunal

não consigo chegar a bom porto (…) “(FS2M). Desta forma, o processo de tomada de

decisão parental, nomeadamente no âmbito da mediação familiar, corre o risco de se

tornar inviável, pois, “como é que podemos estar a falar de Responsabilidades Parentais,

quando aqueles seres humanos, independentemente de serem pais ou mães, têm todo um

caos nas suas vidas pessoais e individuais como os que vêm de tribunal, é que, depois,

aquilo é uma escalada de tal maneira, que ia dizer uma loucura, no sentido não técnico.”

(FS2M). De notar, que o esquema lógico12 em que assenta todo o sistema judicial é

propício ao progresso do conflito, como refere um dos participantes neste trabalho “Eu

penso é que o próprio sistema reforça o conflito, porque do ponto de vista do nosso

sistema judicial (…) é quase como se houvesse um culpado e um não culpado, não há a

12 Importa clarificar que este estudo foi realizado antes da publicação da Lei nº 41 de 2015, de 8 de setembro (RGPTC), a qual, introduz alterações, nomeadamente, quanto ao princípio da oralidade, audição técnica especializada e Mediação Familiar.

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questão do acordo, parece que tem que haver um vencedor e um perdedor e é essa a

linha, por mais que se tente mediar.” (FH1S).

Tempo do conflito

A categoria “Tempo do Conflito” apresenta 5 referências, verificando-se que o

facto de o conflito ser mais recente ou menos recente não é, por si só, um fator ativador

do conflito, uma vez que, quer a subcategoria bastante tempo de conflito13, com 3

referências, quer a subcategoria pouco tempo de conflito14, com 2 referências, indiciam

uma repercussão negativa sobre o conflito. Assim, a ativação do conflito em função da

quantidade de tempo decorrido não é clara, pois “se apanhamos o processo muito no

início do divórcio a litigância é enorme, as coisas estão ali muito latentes e, portanto, em

termos do conflito, para mim, é muito mais difícil de gerir a situação. (FF1S), mas, por

outro lado há casos em que (…) não é um caso recente, mas o luto, quanto a mim, não

está feito de forma nenhuma. (FL1S). Desta forma, a análise desta categoria permite

depreender que o “tempo de conflito” quando conjugado com fatores pessoais e

contextuais (e.g. choque emotivo face à declaração de separação do outro ou a notificação

inesperada para audição num processo judicial que se encontrava parado há muito tempo)

apresenta-se como sendo um fator com influência no curso e na expressão do conflito.

Assim, a análise dos resultados da categoria “fatores ativadores” permite

comprovar que o conflito é uma realidade dinâmica, complexa e multideterminada, cuja

evolução é marcada por eventos, não raras vezes, impercetíveis e imprevisíveis.

13 Esta subcategoria e os resultados respetivos apresenta-se com maior detalhe no apêndice C – Sistema

Hierárquico de Categorias – focus groups. 14 Esta subcategoria e os resultados respetivos apresenta-se com maior detalhe no apêndice C – Sistema

Hierárquico de Categorias – focus groups.

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127

3.3.8.6.2 Fatores Pacificadores

Os fatores pacificadores consistem em aspetos que têm uma influência

amenizadora sobre a interação conflituosa.

Figura 7. Fatores Pacificadores do Conflito.

Como se expõe na figura 7, a análise dos 5 focus groups realizados permitiu

identificar duas categorias de fatores pacificadores do conflito: motivação para a

mediação e tempo do conflito. A categoria motivação para o diálogo apresenta 2

referências nos FG-ISS e 4 referências nos FG-MF, com um total de 6 referências nos 5

focus groups realizados. Por sua vez, a categoria “tempo do conflito” apresenta um total

de 10 referências, das quais, 7 respeitam aos FG-ISS e 3 referências aos FG-MF.

Motivação para a mediação

A categoria “motivação para a mediação” caracteriza-se pela preferência

voluntária e autónoma pela mediação familiar, pelo interesse pelo diálogo e pela

predisposição para a reflexão sobre os assuntos em que há divergência de pontos de vista.

A natureza apaziguadora que caracteriza a personalidade de algumas pessoas

parecer indiciar uma influência benéfica na interação conflituosa, porquanto, “Nós,

43

2

7

A : Motivação para odiálogo

B : Tempo de conflito

FG - ISS

FG - MF

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128

também apanhamos muitos tipos de processos e muitos tipos de casais, e acho que um

fator muito importante também é a personalidade porque há pessoas que quase que não

estão em conflito. (FL1S). Também, a possibilidade de usufruir de um contexto adequado

à reflexão sobre os vários assuntos e problemas que, no momento, preocupam os pais,

otimiza a vivência construtiva da SD e previne eventuais desentendimentos, considerando

que, “(…) há alguns casos em que os pais procuravam mais um espaço de reflexão na

mediação do que propriamente um espaço para… digamos, para exteriorizarem

qualquer conflito (…). (FJ3M). Acresce, que a iniciativa pessoal, voluntária e livre de

constrangimentos de quem recorre a mediação familiar mostra-se um fator predisponente

para o diálogo construtivo influenciando, assim, positivamente o desenvolvimento da

dinâmica interpessoal do conflito e, consequentemente, o processo de mediação familiar,

uma vez que, “quando eles nos aparecem aqui diretamente, quando contactam o SMF

(…), quando é um deles a pedir o outro vem um bocadinho por arrasto, depende da

situação, mas nunca tive assim aqueles conflitos acesos semelhantes aos do tribunal.

(FS2M).

Importa notar, que nos casos em que o processo de mediação familiar é

desencadeado no contexto de um processo judicial, os intervenientes tendem a aceitar a

mediação familiar independentemente de se sentirem motivadas para tal, podendo existir

apenas uma aparente voluntariedade assente na suposta conveniência em não contestar o

juiz que sugeriu a mediação familiar, por isso, é essencial confirmar a voluntariedade da

adesão ao processo de mediação familiar.

No que concerne à análise da categoria Tempo de Conflito, verificamos que a

subcategoria “bastante tempo de conflito” totaliza 7 referências enquanto a subcategoria

“pouco tempo de conflito” apresenta apenas 2 referências 15 o que revela, que o decurso

15 Conforme Apêndice C –Sistema Hierárquico de Categorias.

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do tempo sobre o estalar do conflito tem um impacto positivo e pacificador da interação

conflitual.

Por outro lado, salienta-se que o fator pacificador tempo de conflito foi mais

expressivamente identificado nos FG-ISS (7 referências) do que nos FG-MF (2

referências). O contacto exclusivo com pais envolvidos em processos judiciais por parte

dos assessores do ISS pode ajudar a explicar a perceção mais aguda destes profissionais

relativamente à influência benéfica da passagem do tempo sobre o desencadear da

dinâmica conflituosa.

Assim, a passagem de tempo sobre o conflito emerge claramente como sendo um

fator pacificador da dinâmica do mesmo, o que, curiosamente não sucede com a influência

do decurso do tempo relativamente aos “fatores ativadores” do conflito. Neste ultimo

caso, a passagem de “bastante tempo” ou de “pouco tempo” não aparenta ser um fator

que, isoladamente, ative a expressão do conflito, diferentemente do que sucede quando

consideramos o fator tempo em função da sua influência pacificadora no conflito.

De notar, que o ex-casal em processo de SD precisa de tempo para fazer o luto

pela desintegração do projeto de vida em comum e para edificar novas bases da

parentalidade futura, portanto, “nos casos em que já passou um ano ou dois que o

processo nos chega [ao ISS], pela primeira vez, eu acho é que, a pessoa já teve tempo de

fazer um certo luto da relação, um certo distanciamento e consegue objetivar melhor as

coisas. “(FF1S), por isso, “quanto mais tempo decorreu, mais esbatido está o conflito

(…)” (FL1S). Por outro lado, o processo de aceitação e de reestruturação das emoções

experimentadas pelas pessoas em situação de SD necessita de tempo para que numa nova

visão interna da realidade possa ser integrada, então, “em algumas situações eles

acalmam quando já está mais digerida a situação.” (FP1S).

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130

Em resumo, a análise do conteúdo dos cinco focus groups realizados permitiu

extrair a categoria principal “Conflito”, tendo-se identificado, por um lado, as causas

mais frequentes de conflitos familiares na fase de SD e, por outro lado, os principais

fatores de influência no progresso do conflito

A identificação dos tipos de conflito com base nas suas causas permite considerar

as suas características principais, o seu encadeamento e a sua história, possibilitando,

assim, o seu mapeamento e a preparação dos métodos e estratégias a utilizar na sua

abordagem. Concomitantemente, o mediador familiar deve promover progressivamente

a busca de esclarecimento relativamente a fatores contextuais que possam envolver o

núcleo do conflito ativando-o ou pacificando-o. Segundo, Brack, et al. (2011) os

mediadores familiares são semelhantes a cientistas práticos orientados pela perspetiva da

Grounded Theory, no sentido em que ambos buscam a ordem no meio do caos. Assim, a

determinação das causas do conflito e a compreensão do impacto de fatores contextuais

na sua dinâmica apresentam-se como sendo dimensões cuja influencia recíproca deve ser

analisada, com especial pertinência na primeira fase da mediação familiar.

A análise dos resultados emergentes das categorias tipos de conflitos e fatores de

influência no conflito permite comprovar a pertinência para a prática da mediação familiar

a observação de uma perspetiva do conflito como realidade ecologicamente

multideterminada e complexa , a qual, é formada por uma teia de relações dissonantes

entre o ex-casal/pais que ocorrem no núcleo microssistémico, incisivo e preciso, mas

evoluem numa relação de interdependência com múltiplos fatores ambientais relativos ao

mesossistema (e.g. família extensa, amigos, etc.), e ao macrossistema (e.g. sistema

judicial, cultura, etc.), (Brack, et al.,2011).

Não raras vezes, as causas latentes do conflito e os padrões de comportamento não

são conscientes para as pessoas, por isso, os mediadores familiares que adotam estilos de

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131

mediação interventivos e transformativos, surgem, à partida, melhor posicionados para

desenvolver uma abordagem do conflito complexa e ecológica do que os mediadores

familiares que se revêm em estilos avaliativos ou facilitativos assentes na causalidade

linear e no pressuposto que de as opções das pessoas são geralmente lógicas e objetivas

(Kressel, 2007).

3.3.9 Estratégias de mediação familiar

Um dos objetivos deste trabalho consiste em conhecer as estratégias que os

mediadores familiares e os técnicos do ISS utilizavam no âmbito das suas intervenções

(mediação familiar e assessoria técnica aos TFM). Para tal, incluímos este tópico-chave

– “estratégias” – no guião de focus groups que aplicámos aos participantes neste estudo,

cujos resultados iremos seguidamente apresentar.

Importa, portanto, referir que a categoria “estratégias”, consiste no conjunto de

procedimentos, estruturados, conscientes, reflexivos e criativos desenvolvidos pelo

mediador familiar, na interação com as partes, com o objetivo de as ajudar a (re) construir

e a produzir soluções adaptativas para elas e para os filhos, na transição para a SD.

A partir desta categoria nuclear surgiram duas categorias principais

conceptualizadas com base na função que desempenham na condução do processo de

mediação familiar: a categoria gestão do conflito e a categoria “organização do

processo” de mediação familiar.

A categoria gestão do conflito subdivide-se em duas outras categorias:

comunicação e relação, as quais respeitam, respetivamente, ao conjunto de estratégias

relacionadas com a gestão dos aspetos da comunicação e ao conjunto de estratégias

direcionadas para as várias formas de intervir na relação entre os mediados. A categoria

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132

“comunicação” respeita ao conjunto de estratégias desenvolvidas pelo mediador familiar

com o objetivo de produzir alterações positivas nos padrões disfuncionais de

comunicação (e.g. escalada simétrica, complementaridade rígida). A categoria “relação”

compreende o conjunto de estratégias direcionadas para facilitar e apoiar as mudanças

afetivas e os ajustamentos necessários às novas configurações relacionais.

Por sua vez, a categoria organização do processo, compreende os vários

procedimentos desenvolvidos ao longo da mediação que sustentam a estrutura, a

organização e o funcionamento do processo de mediação familiar. Em síntese, a figura 8

exibe os resultados decorrentes da análise da categoria estratégias e das subcategorias

gestão do conflito e gestão do processo.

Figura 8. Tipos de estratégias utilizadas no âmbito da mediação familiar.

Como se extrai da figura 8, a análise dos cinco focus groups permite concluir que

as estratégias relativas à gestão do conflito incluem 94 referências relativas aos FG -MF

e 40 referências referentes aos FG-ISS, totalizando 148 referências no conjunto dos FG-

MF e dos FG – ISS. Por sua vez, as estratégias referentes à” gestão do processo”,

apresentam 47 referências nos FG-MF e 11 referências nos FG-ISS, totalizando 58

9454

148

40

11

51

Gestão do conflito Gestão doprocesso

Total

FG-ISS

FG-MF

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133

referências no conjunto dos FG-MF e dos FG-ISS. De salientar, que os técnicos do ISS

comparativamente com os mediadores familiares manifestaram menor facilidade em

identificar estratégias de mediação, especificamente, no que respeita às estratégias de

“gestão do processo”, o que, poderá estar relacionado, com as diferenças próprias de cada

uma das abordagens.

3.3.9.1 Estratégias de gestão do conflito

Das estratégias direcionadas para a gestão do conflito emergiram duas

subcategorias: a categoria relativa às estratégias baseadas na comunicação com 98

referências e a categoria respeitante às estratégias centradas na relação referida 58 vezes

pelo conjunto dos participantes dos focus group.

3.3.9.1.1 Estratégias de comunicação

O terceiro nível de análise categorial revelou as 7 subcategorias mais frequentes

de estratégias de comunicação, utilizadas pelos participantes no estudo, no âmbito da

atividade que desenvolvem.

1620 20

117

148

Estratégias de comunicação

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134

Figura 9. Estratégias focadas na “comunicação” identificadas nos cinco focus groups

realizados (nº de referências).

Como se retira da observação da figura 9 foram identificadas 7 categorias de

estratégias de comunicação: clarificação; focalização; formulação de questões;

identificação de convergências; ilustrações; orientação para o futuro e reforço positivo,

variando entre as 7 e as 20 referências.

Assim, a partir do conjunto das estratégias identificadas nos cinco focus groups

realizados tentámos averiguar se se verificam diferenças relativamente às estratégias mais

frequentes utilizadas pelos mediadores familiares comparativamente com as estratégias

mais referidas pelos assessores do ISS.

Figura 10. Estratégias focadas na comunicação identificadas nos focus groups realizados

com mediadores familiares (FG-MF), (nº de referências e percentagens).

De acordo com a figura 10, constata-se que, a categoria formulação de questões

surge como sendo uma estratégia central na condução do processo de mediação familiar

7; 12%

8; 14%

16; 28%4; 7%

7; 12%

14; 24%

2; 3%

Clarificação

Focalização

Fazer questões

Ident.convergências

Ilustrações

Orientação parao futuro

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135

apresentando 16 referências (28%) do total das estratégias de comunicação mencionadas

pelos mediadores familiares, assim como, a categoria orientação para o futuro que

revelou 14 referências (24%). De notar, que as categorias “focalização”, com 8 referência

(14%), clarificação, com 7 referências (12%) e o uso de ilustrações, com 8 referências

(12%) constituem, um segundo grupo de estratégias que os mediadores familiares

também referiram com assinalável frequência, enquanto as categorias identificação de

convergências, com 4 referências (7%) e o reforço positivo, com 2 referências (3%) foram

assinaladas de forma menos evidente. Tal discrepância denota, assim, uma menor

perceção de eficácia das estratégias, menos referidas, relativamente ao processo de

mediação familiar globalmente considerado.

Figura 11. Estratégias focadas na comunicação identificadas nos focus groups realizados

com os assessores aos TFM, FG-ISS (nº de referências e percentagens).

A Figura 11 permite observar as estratégias que os assessores do ISS

9; 24%

12; 32%

4; 10%

7; 18%

6; 16%

Clarificação

Focalização

Fazer questões

Ident.convergências

Reforçopositivo

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136

identificaram 16, tendo sido a “focalização”, com 12 referências do total das estratégias

referidas (32%), a estratégia percecionada como sendo a mais adequada e eficaz. A

“clarificação”, com 9 referências (24%), a “identificação de convergências” com 7

referências (18%) e o “reforço positivo”, com 6 referências (16%) constituem,

igualmente, um conjunto de estratégias claramente valorizadas por estes participantes no

estudo. A estratégia “formular questões”, com 4 referências (10%) é o recurso menos

aludido pelos assessores do ISS.

As estratégias de comunicação são comummente referidas em todos os modelos

teóricos de mediação familiar como sendo instrumentos indispensáveis para a condução

do processo de mediação familiar (e.g. Bush & Folger, 2005; Emery, 2012; Moore, 2003;

Parkinson, 2008; Suares, 2003).

Assim, importa comparar os aspetos mais proeminentes relativos aos resultados

obtidos nos exibidos FG-MF com os resultados emergentes dos FG-ISS, salientando-se,

os seguintes pontos: 1) os mediadores familiares identificaram mais duas estratégias do

que os assessores do ISS – as ilustrações e a orientação para o futuro; 2) os assessores

do ISS identificaram estratégias destinadas a centrar os intervenientes em assuntos e

objetivos concretos, assim como valorizaram estratégias destinadas a demarcar consensos

e a estimular a clarificação; em contrapartida, os mediadores familiares valorizaram as

estratégias que giram em torno da disponibilização de informação e da funcionalização

da comunicação, bem como, da orientação dos mediados para o futuro e para o uso de

competências criativas como a utilização de ilustrações.

As diferentes perceções e valorizações das estratégias consideradas mais

adequadas para intervir em contextos de consensualização e mediação no domínio da SD

relativamente aos dois grupos de participantes neste estudo (FG - ISS e FG - MF)

16 Recordamos que, apesar de a maioria dos participantes do ISS possuírem formação em mediação familiar,

desenvolvem a sua intervenção em articulação direta com os TFM.

Page 165: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

137

materializam, nomeadamente as diferenças intrínsecas aos processos e aos objetivos das

respetivas intervenções de mediação familiar e no contexto da assessoria técnica aos

TFM.

Assim, como se verifica que os assessores do ISS usam estratégias direcionadas

para a focalização dos interlocutores nos assuntos que pretendem averiguar e clarificar,

conforme nos diz uma participante da assessoria do ISS, “portanto, tento envolver a

pessoa, responsabilizá-la naquilo que for dizer, portanto na investigação e, isso resulta,

porque se eu não fizer isso, que normalmente são para aí cinco/ dez minutos, o ponto da

situação do processo, o quê que nós pretendemos com este processo? Focalizar qual é o

objetivo concreto, porquê que o tribunal pede isto e isso ajuda, também, a outra pessoa

a assumir, às vezes, uma posição mais definitiva, já me aconteceu isso.” (FM2S); ao

passo que, os mediadores familiares visam conduzir o processo de mediação – estruturado

no tempo de forma diferente da intervenção realizada pelos assessores do ISS -, por forma

a possibilitar a mudança de uma comunicação tendencialmente disfuncional para formas

de comunicação funcional, ao mesmo tempo que, necessitam de organizar o conteúdo das

sessões, gerir e impulsionar o processo de mudança dos mediados intervindo, para tanto,

de diversas formas como nos refere uma mediadora familiar do SMF, “quando íamos

fazendo os resumos, quando íamos falando, dizendo, coloca-se na posição dele, todas

essas técnicas, as pessoas vão caminhando e vão mudando os seus comportamentos

perante o conflito, e a mediação vai fluindo e vê-se que as técnicas funcionam, é

maravilhoso quando acontece.” (FV3M).

Salienta-se, ainda que a comparação entre os resultados dos FG-MF e os

resultados dos FG-ISS permite verificar que a intervenção dos técnicos do ISS parece

estar conectada com estratégias direcionadas para a clarificação e avaliação de

comportamentos, factos e situações situadas no passado, tanto mais, que os assessores do

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138

ISS não referem qualquer estratégia de orientação para o futuro, ao passo, que para os

mediadores familiares esta estratégia apresenta uma frequência de 24%, sendo a segunda

estratégia mais utilizada. Por outro lado, estes resultados são coerentes com a diferente

natureza do processo judicial, na qual se enquadra a intervenção dos assessores do ISS e

do processo de mediação familiar. O processo judicial, é tutelado pelo juiz e desenvolve-

se, em certa medida, a partir de peças processuais baseadas em factos passados, enquanto

o processo de mediação familiar é conduzido por mediadores familiares independentes,

cuja intervenção não sendo inteiramente alheia ao passado tem como horizonte a

preparação do futuro ao “tentar consolidar que isso [o passado] não está arrumado, mas

que não é um assunto propriamente para aqui e ver o quê que que eles consideram que

fizeram mal e ver o quê que para o futuro podem fazer para que as coisas funcionem.

(FS2M). Pretende-se, pois, através da mediação familiar, a construção colaborativa de

acordos que traduzam efetivamente uma (re) organização funcional da vida familiar, de

forma realista e previsível. Para alcançar tal objetivo é crucial que, ao longo das sessões

de mediação, cada participante possa adaptar-se de acordo com as suas circunstâncias,

recursos e fragilidades, de forma a ir recriando uma nova visão identitária sobre a família

em processo de transição para a SD.

Os resultados, também, refletem e comprovam a essência flexível e criativa da

mediação familiar, nomeadamente através da referência a estratégias imaginativas como

as que integram a categoria “ilustrações”, a qual, engloba diversos aspetos de linguagem

pictórica (e.g. desenhos, metáforas) -, “Desenhar. Não me recordo ao certo…eu lembro-

me da forma como o senhor estava sempre a descrever a situação (…) dava a entender

que estava sempre num beco sem saída (…). O senhor estava a falar e eu comecei a

desenhar, a fazer tipo de… uma autoestrada e tal…e depois, chegava ali a uma altura

em que os dois riscos acabavam ali, fechava ali e a vida dele acabava ali, a vida dele e

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139

a do filho terminava ali daquela maneira: ‘Não saímos daqui a vossa vida acabou aqui

e o senhor…’, aquilo fez-lhe algum sentido. ‘Não! Não! Não!’ Agarrou-me logo na folha

da mão, nunca mais largou a folha e teve o tempo todo a dizer que afunilava, mas que

não havia ali nada a fechar, não acabava, estava era simplesmente a afunilar, estava a

sentir que estava a ser apertado e que não lhe davam espaço para estar com o filho (…)”

(FS1M). Como se verifica através da análise comparativa entre os FG-MF e FG-ISS os

assessores do ISS não referiram o uso de estratégias de tipo mais imaginativo como as

ilustrações, o que, pode ser explicado se atendermos ao enquadramento da sua abordagem

confinada e direcionada para tópicos concretos que pretendem averiguar,

especificamente, a avaliação diagnóstica sobre as competências parentais e a aferição da

disponibilidade das partes envolvidas para um acordo17.

Assim, a análise dos resultados permite ainda constatar que:1) se verificam

diferentes perceções entre os mediadores familiares e os assessores do ISS quanto às

estratégias mais eficazes utilizadas nas respetivas intervenções; 2) as estratégias mais

valorizadas nos FG-ISS e nos FG-MF aparentam estar relacionadas com a diferente

natureza das duas intervenções, os seus objetivos e enquadramento institucional; 3) a

mediação familiar é um processo distinto da assessoria do ISS aos TFM embora ambas

tenham por finalidade a abordagem do conflito no âmbito da SD

De salientar, que perante situações de elevado conflito prolongado no tempo, em

que as partes já passaram e/ou estão a passar por sucessivos processos judiciais e em

alguns casos com processos criminais pendentes, o recurso à mediação familiar deve ser

criteriosamente aferido, na medida em que o nível de toxicidade relacional entre as partes

pode assumir uma dimensão potencialmente patológica e incompatível com a mediação

familiar. Nestes casos, o contexto semiformal da mediação familiar e o facto de o

17 Conforme o nº 2 do artigo nº 23 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º

141/2015 de 8 de setembro.

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140

mediador atuar num contexto confidencial e numa relação hierarquicamente horizontal

relativamente aos mediados, pode comportar um risco de utilização da mediação familiar

pelos intervenientes para fins impróprios, nomeadamente, manipulação parental ou

processual, para continuar a ofender ou a exercer represálias ou abusos contra o outro, o

que apenas reforça o conflito e o aumento da toxicidade nas relações entre o ex-casal/pais.

De notar, também, que a confidencialidade do processo de mediação familiar é

incompatível com a transmissão de informações sobre os mediados para o domínio do

tribunal, exceto em casos de perigo para a vida ou para a integridade física ou psíquica de

alguma pessoa, diferentemente da intervenção realizada pelos dos assessores aos TFM

que, decorrendo em conexão direta com o tribunal, compreende uma abordagem mais

diretiva e judicialmente controlada e, por isso, possivelmente mais vantajosa do que a

mediação familiar, especialmente nos casos mais graves de conflitos estruturais.

3.3.9.1.2 Estratégias de Relação

A categoria “estratégias de relação” compreende o conjunto de competências

direcionadas para facilitar e apoiar as mudanças afetivas e os necessários ajustamentos às

novas configurações relacionais emergentes na fase de SD (e.g. empatia, confiança e

autenticidade).

2

20

6

23

11Total: FG-MF+FGISS

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141

Figura 12. Estratégias focadas na “relação” identificadas nos cinco focus groups

realizados (nº de referências).

Como se observa na figura 12 os participantes neste estudo identificaram 5

categorias de estratégias direcionadas para intervir no plano da relação entre os mediados,

das quais, as mais valorizadas são a escuta e a empatia.

À semelhança da comparação dos resultados obtidos nos FG-MF e nos FG-ISS

quanto às estratégias de comunicação, impõe-se, neste momento, proceder de forma

análoga quanto às estratégias de relação.

Figura 13. Estratégias focadas na relação identificadas nos focus groups realizados com

os mediadores familiares (FG – MF), (nº de referências e percentagens).

A figura 13 apresenta as categorias identificadas nos três focus groups realizados

com mediadores familiares. A categoria “escuta”, com 17 referências (33%) e a categoria

“empatia”, com 15 referências (33%) são as categorias que mais se destacam, o

2; 4%

15; 33%

6; 13%

17; 37%

6; 13%Mapas gráficos

Empatia

Empowerment

Escuta

Recognição

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142

empowerment, com 6 referências (13%) e a recognição, com 6 referências (13%)

apresentam o mesmo valor tendo a estratégia “mapa Figura” um valor residual, com 2

referências (4%), o que, evidencia uma possível falta de familiarização com o uso desta

estratégia.

Figura 14. Estratégias focadas na “relação” identificadas nos focus groups realizados com

os técnicos do ISS (FG-ISS), (nº de referências e percentagens).

Na figura 14 exibem-se as categorias identificadas nos focus groups realizados

com os assessores do ISS. Estes participantes identificaram a categoria “escuta”, com 6

referências (38%), a categoria “empatia”, com 5 referências (31%) e a categoria

“recognição”, com 5 referências (31%).

A comparação entre os resultados FG-MF e os FG-ISS permite constatar que, à

semelhança do que observámos relativamente à categoria estratégias de comunicação,

também quanto à categoria relação os mediadores familiares conseguiram identificar

mais duas estratégias do que os assessores do ISS. De referir, que as subcategorias -

escuta, empatia e recognição, identificadas, quer nos FG-MF, quer nos FG-ISS, são

estratégias de base em qualquer processo alicerçado na confiança, por isso, são essenciais,

5; 31%

6; 38%

5; 31% Empatia

Escuta

Recognição

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143

quer para o desenvolvimento do processo de mediação familiar, quer para abordagem dos

assessores do ISS, conforme os resultados comprovam.

Por sua vez, as categorias empowerment e mapas gráficos não foram referidas

pelos assessores do ISS.

Os “mapas gráficos” como o genograma e o ecomapa consistem numa

representação gráfica da estrutura da família que permite aceder às diversas relações entre

os membros do sistema, tais como, hierarquia, limites, poder, alianças, etc. (Alarcão,

2006). A utilização de estes mapas tem sido considerada útil por mediadores familiares

que têm uma visão sistémica da mediação familiar (e.g. Parkinson, 2008; Suares, 2003).

O “empowerment” visa regenerar a energia negativa do conflito transformando-a

numa dinâmica construtiva e promotora da capacitação das pessoas, em termos de

autoaceitação, autoconfiança e autodeterminação (Bush & Folger, 2005).

De notar, que a regeneração do conflito através do empowerment e da recognição,

constitui a base do modelo de mediação familiar transformativa defendido por Bush e

Folger, (2005). Desta forma, apesar de as intervenções realizadas pelos assessores do ISS

e pelos mediadores familiares incidirem sobre situações de conflito na transição para a

SD, a análise dos resultados obtidos mostra que a base teórica e prática e a estrutura

sequencial e temporal do processo de mediação familiar permite promover sinergias e

desenvolver soluções com base em estratégias que não se encontram implicadas no

trabalho desenvolvido pelos assessores do ISS.

A empatia, a escuta e a recognição constituem um grupo de estratégias que

integram a morfologia da própria mediação familiar contribuindo, nomeadamente para a

eficácia de outras estratégias (e.g. questionamento, o desenvolvimento do sentimento de

segurança e confiança no mediador familiar e no próprio processo, reconhecimento do

protagonismo no conflito e do coprotagonismo no conflito, etc.). Além disso, os

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144

resultados evidenciam que a empatia, a escuta e a recognição são estratégias utilizadas e

úteis, quer pelos mediadores familiares, quer pelos assessores do ISS.

A categoria empatia consiste, por um lado, numa atitude de sintonia com o quadro

de referências internas de outra pessoa, com os seus sentimentos e significados, a qual,

deve ocorrer a partir do ponto de vista do outro e, por outro lado, implica a comunicação

dessa experiência sob várias formas. Trata-se, portanto, de uma experiencia profunda que

implica compreensão emocional (Greenberg & Elliott 1997).

Assim, a empatia revela-se uma experiência que “é um bocado forte, mas sinto-

me um bocado mal, sinto-me como se fosse eu que fecho a porta, aquilo é um ciclo e

somos nós mediadores que ajudamos, no fundo a fechar a porta e a fechar a gaveta –

acabou. Lido um bocadinho mal com isso, porque as pessoas continuam a ter vida, mas,

emocionalmente sinto mesmo que sou eu que fecho a porta, adeus até sempre.” (FS2M).

A atitude empatia implica, pois, uma conexão com os sentimentos e pensamentos de

outrem que é entendida e comunicada aos intervenientes de várias maneiras, como

clarifica uma mediadora familiar dizendo, “(…) no dia de assinarem o acordo, a senhora

saiu duas vezes da sala, entrou e saiu, entrou e saiu, incomodada emocionalmente. Ora,

eu não podia deixar passar aquilo e tive que dizer o que nós falamos sempre em

mediação, usar aquela técnica de acolher o sentimento dela. “FV3M).

A escuta não tem que ser necessariamente empática, visa principalmente escutar

para compreender intelectualmente o conteúdo que está a ser transmitido dando sinais de

que acompanhamos cognitivamente o raciocínio que está a ser desenvolvido. Assim, a

escuta de qualidade pode ser considerada como “a estratégia mais básica e mais

transversal e que não pode nunca falhar é a escuta ativa, para podermos ir

acompanhando os passos que eles vão dando.” (FP1M). Por outro lado, quando o

mediador familiar desenvolve uma escuta cuidada potencia também as possibilidades de

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145

as pessoas presentes se escutarem a si mesmas incluindo a escuta da voz interior da

pessoa que fala, o que facilita o entendimento límpido da situação, uma vez que, “o facto

de ouvi-la e de estar disponível para a ouvir e, por acaso, ela disse que fez aquilo por má

recomendação, por orientação de uma outra pessoa, apesar de ele não ter deixado de ter

a posição que tinha até ali, que é a de que ela só vê o filho mediante vigilância de outra

pessoa, mas, ficou muito mais recetivo,, permitiu à mãe ir a casa dele ver o miúdo, houve

uma maior flexibilidade. (FP2M).

A categoria “recognição” envolve a promoção do enfrentamento, a abertura e a

criatividade relativamente a padrões, crenças, perceções e atribuições que, podem

bloquear uma atitude de consciencialização do seu papel e do papel do outro no conflito

e, consequentemente a descoberta de soluções para os problemas com que se defrontam

(e.g. Bush & Folger, 2005).

Desta forma, a recognição ajuda a evidenciar padrões da interação viabilizando

alterações adaptativas, nomeadamente “(…) quando nós passamos as coisas para o

quadro, eles ficaram, assim, perplexos do quê que era o conflito deles, eles estavam ali,

falaram e começaram a ter noção da sua posição e como é que reagiam.” (FV3M), por

outro lado, facilita a manifestação de novas reavaliações sobre perceções interiorizadas,

tais como, “naquele caso, era a consciencialização que tinha um filho, realmente eu tenho

um filho com 14 anos! E, ele não me conhece - neste caso foi pela negativa - confrontou-

se com a sua própria negligência.” FG1S, ou potenciando uma reconfiguração do

conflito através da compreensão de que, “no fundo, foi ambas as partes terem

reconhecido que o conflito não era tanto deles, mas mais centrado na família alargada,

eles depois passaram a ter essa consciência e o reconhecimento de cada um na vida da

filha. (FF1S).

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146

3.3.9.2 Estratégias de gestão do processo

A categoria gestão do processo, compreende os vários procedimentos

desenvolvidos que sustentam a estrutura, a organização e o funcionamento do processo

de mediação familiar.

Relativamente à categoria gestão do processo, os assessores do ISS referiram um

número relativamente pequeno de referências em comparação com os mediadores

familiares, o que é compreensível se tivermos em conta as diferenças inerentes aos

procedimentos desenvolvidos por cada grupo profissional.

O desenvolvimento da análise dos dados permitiu delimitar a categoria principal

gestão do processo, da qual emergiram mais duas subcategorias: a categoria referente às

estratégias focadas no contexto e a categoria inerente às estratégias destinadas à

organização do processo. A categoria referente a estratégias focalizadas no contexto

apresenta 29 referências e a categoria organização compreende, igualmente, 29

referências. De seguida, apresentam-se os resultados correspondentes a cada uma destas

subcategorias tentando comparar os resultados obtidos nos FG-MF com os resultados

alcançados nos FG-ISS.

3.3.9.2.1 Estratégias focalizadas no contexto

A categoria estratégias focalizadas no contexto respeita ao conjunto de estratégias

direcionadas para criar uma atmosfera colaborativa, participativa e consistente ao longo

do processo de mediação familiar.

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147

Figura 15. Estratégias de gestão do processo de mediação familiar focadas no contexto

identificadas nos focus groups com mediadores familiares (FG-MF), (nº de referências e

percentagens).

A figura 15 permite verificar quais as categorias reconhecidas nos focus groups

pelos mediadores familiares como sendo relevantes para a adequada condução do

processo de mediação familiar, traduzidas nos procedimentos de receção aos mediados

ou acolhimento (e.g. Parkinson, 2008), com 16 referências (73%) e nas estratégias

promotoras de flexibilidade relacional, com 6 referências (27%).

Figura 16. Estratégias de gestão do processo de mediação familiar focadas no contexto

identificadas nos focus groups com assessores do ISS (FG-ISS), (nº de referências e

percentagens).

16; 73%

6; 27%Acolhimento

Flexibilidade

6; 86%

1; 14%

Acolhimento

Flexibilidade

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148

Como se extraí da figura 16 para os assessores do ISS o acolhimento, constitui

uma estratégia percecionada como sendo eficaz, com 6 referências (86%), enquanto a

promoção de flexibilidade de posições foi apenas mencionada 1 vez, (14%).

Assim, os resultados comprovam uma discrepância quanto à perceção sobre as

estratégias mais eficazes para criar um contexto adequado à condução do processo de

mediação familiar entre os dois grupos de participantes nos focus groups. De facto,

embora 75% dos assessores do ISS possua curso de mediação familiar e de a sua atividade

incidir junto do ex-casal/pais no âmbito da SD, é manifesto que demonstraram menor

sensibilidade para detetar estas categorias de estratégias, o que possivelmente se deve ao

facto de as abordagens e os objetivos da assessoria aos TFM e dos mediadores familiares

serem diferentes.

A categoria acolhimento, consiste num conjunto de atitudes e comportamentos em

que o mediador familiar, de forma atenciosa, valoriza e demonstra consideração pela

pessoa e pelos seus problemas, de modo a criar um ambiente tranquilizador e de conforto

físico e emocional. Assim, a primeira sessão de mediação é crucial para estabelecer o

ambiente relacional propício e para ajudar as pessoas a sentirem-se à vontade (e.g. Moore,

2003; Parkinson, 2008)

Neste sentido, “lembro. Eles sentiram-se muito confortáveis e agradados com a

mediação e pareceu que se sentiam muito confortáveis com os mediadores, com o

ambiente, com o espaço em si, e, isso, de certa forma, até me pareceu desencadear

alguma sensação de segurança nos dois (…)”. (FJ1M). De notar, que o espaço onde

decorrem as sessões deve ser cuidado e conter todos os equipamentos e condições

necessárias ao desenvolvimento das atividades da mediação, de maneira a evitar

interrupções, assim como, a receção inicial deve ser preparada, pois pode causar uma

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149

impressão decisiva, ou seja,” (…) eu penso que a forma como nós os abordamos, a

primeira abordagem acho que é fundamental, como somos, como nos mostramos, como

… o primeiro impacto é muito importante ... toda a estratégia que vamos tendo ao longo

da entrevista. (FL3M). É também de importância crucial levar em consideração e dar

valor às diferentes posições dos mediados ao “tentar que as posturas de ambos sejam

acolhidas na sessão, mesmo que o outro tenha um ar mais enfadado ou que não aceite

tanto, tentar que na sessão essa posição seja integrada e seja acolhida.” (FP2M).

A análise categorial permitiu caracterizar a flexibilidade como sendo a capacidade

para adequar as diferentes estratégias de mediação, às idiossincrasias, problemáticas e aos

papéis desempenhados pelas diversas pessoas envolvidas no processo de mediação

familiar (e.g. mediadores, mediados, advogados, crianças).

Assim, a flexibilidade envolve o desenvolvimento de uma atitude integradora com

respeito pelas diferentes perspetivas e papéis desempenhados pelos intervenientes, a qual,

exige sensibilidade, aceitação e criatividade, “Lá está! A flexibilidade, a grande

criatividade do mediador (…) era um caso em que isso foi visível, no fundo também se

fez mediação entre os dois advogados (…)” (FU3M). A preocupação do mediador

familiar deve ser a de conduzir as sessões em permanente equilíbrio entre a necessidade

de fazer observar as regras e os limites formais do processo e uma atitude de abertura e

de cooperação, ou seja, “acho que o fim, sendo sempre o mesmo, os caminhos vão sendo

diferentes consoante as pessoas e a questão e o momento que elas atravessam.” (FV3M).

3.3.9.2.2 Estratégias de organização

A categoria “estratégias de organização” compreende os procedimentos, regras e

habilidades usadas pelo mediador familiar de forma a conduzir o processo de mediação

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150

familiar de forma adequada e produtiva.

Figura 17. Categorias de organização do processo de mediação nos 5 focus groups

realizados (nº de referências).

Conforme se verifica através da figura 17 a análise da categoria estratégias de

organização permitiu destacar com base numa observação mais sensível as subcategorias:

“agenda”, referida 10 vezes; a categoria “reuniões individuais”, com 11 referências e a

categoria “triagem” com 8 referências.

Na mesma linha do que se tem vindo a verificar, os resultados obtidos nos focus

groups realizados com os mediadores familiares continuam a manifestar diferenças

substanciais relativamente aos resultados alcançados com os assessores do ISS, como se

comprova pela análise dos Figuras que a seguir se apresentam.

10 118

Estratégias deOrganização

10; 40%

9; 36%

6; 24%

Agenda

Reuniõesindividuais

Triagem

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151

Figura 18. Estratégias de gestão processo de mediação familiar relativas a organização

da mediação identificadas nos focus groups com mediadores familiares (FG-MF), (nº de

referências e percentagens).

Conforme é patente na figura 18, os mediadores familiares identificaram 3 tipos

de categorias de “organização”, ou seja: agenda, com 10 referências (40%), as reuniões

individuais com 9 referências (36 %) e a triagem com 6 referências (24%). De salientar,

que a categoria agenda não foi referida pelos assessores do ISS.

Figura 19. Estratégias de gestão do processo de mediação familiar direcionadas para a

organização identificadas nos focus groups com assessores do ISS aos TFM (FG-ISS),

(nº de referências e percentagens).

Por sua vez, como se verifica através da figura 19, os participantes do ISS

mostraram fraca perceção relativamente às estratégias de organização do processo de

mediação familiar, o que se justifica atendendo a que a intervenção dos assessores do ISS

apresenta uma certa proximidade à mediação familiar, mas não é, de facto, mediação

2; 50%2; 50%

Reuniõesindividuais

Triagem

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152

familiar. Assim, a perceção sobre as estratégias mais eficazes de organização do processo

de mediação familiar só do ponto de vista meramente teórico poderia ser alcançada. Não

obstante, os assessores do ISS referiram a categoria “triagem”, com 2 referências (50%)

e “reuniões individuais”, com 2 referências (50%) como sendo úteis para organizar o

processo de mediação familiar.

A agenda

A elaboração da “agenda” traduz-se na identificação sequencial das áreas e

questões que os mediados pretendem ver tratadas no processo de mediação familiar

(Moore, 2005; Suares, 2003). Consiste numa atividade dinâmica e reflexiva que se inicia

na primeira fase de mediação familiar.

A criação da agenda da mediação não se esgota no momento em que o mediador

familiar anota os tópicos iniciais que se pretendem abordar, pelo contrário, vai sendo

atualizada com novos assuntos, problemas, motivações e adaptada a eventualidades que

possam surgir, tais como, a necessidade de proporcionar o tempo necessário às pessoas

para refletirem, para recolherem elementos necessários às negociações ou para

experimentarem e avaliarem a viabilidade dos acordos que foram sendo realizados no

curso do processo. Por outro lado, “a agenda” também é útil para dar sentido às

experiências das pessoas, ao sequenciar e ordenar eventos relevantes, assim como, é

vantajosa para calendarizar e situar as pessoas face aos progressos conseguidos e em

relação às metas ainda não alcançadas. Desta forma, a agenda tem diversas funções,

nomeadamente a de centrar as pessoas face à globalidade das questões a abordar, assim,

“Para mim é fundamental fazer-se uma agenda onde constem não apenas os temas

[básicos] onde conste: temas, as necessidades e motivações daquelas pessoas e que

limitações é que estão presentes que dificultam que esses interesses possam ser

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153

atendidos. “(FP1M); ajuda também a desenvolver um ambiente de cooperação,

contribuindo para, “(…) elencar, o quê que pensam sobre isso… Isto é um processo que

está sempre em evolução, o acordo que vocês vão fazer … “. (FV3M); e favorece a

reflexão sobre os assuntos a acordar, “Este é o ponto de partida para decisões

conscientes. A técnica da agenda é aquela que considero essencial para que surja uma

solução em que todos possam sair satisfeitos. “(FP1M).

A triagem

A categoria triagem consiste numa averiguação do mediador familiar em

articulação com os mediados relativamente às condições de adequabilidade da situação

concreta ao processo de mediação familiar (e.g. Salem, 2009).

A realização de triagem permite despistar situações incompatíveis com a

mediação familiar em que a capacidade de autodeterminação das pessoas envolvidas pode

estar comprometida (e.g. abuso de substância tóxicas, perturbação psicológica, prática de

crimes graves). Por outro lado, são ainda de considerar as perdas de tempo e de recursos

financeiros ou de eventual reforço do conflito, nomeadamente em situações de conflito

crónico, porque, “Eu acho que esta triagem tinha que ser feita, porque é muito vulgar

ouvir-se do lado da mediação, das situações que chegam vindas do tribunal não são

mediáveis. Porquê? Porque, naturalmente são as mais conflituosas e, que há sempre um

que quer uma decisão de um terceiro, não quer resolver a situação por si. (FL3M), assim

como, quando as pessoas não estão preparadas para, naquele momento, avançarem para

um processo de mediação familiar, apesar de que, “Eu, também tendo um bocadinho a

achar que, em última análise, todas as pessoas são mediáveis ou, pelo menos, podem já

ter sido ou podem ainda vir a ser e quer dizer… é evidente que é uma frustração e que é

uma perda de tempo uma intervenção quando naquele momento as pessoas não estão

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154

preparadas para ela (…). (FU3M).

Reuniões individuais

A categoria reuniões individuais consiste num encontro com cada um dos

intervenientes que visa facilitar a expressão das emoções, desenvolver a aliança

profissional, explorar os problemas ou possibilidades de acordo (e.g. Emery, 2012;

Moore, 2003). Estas reuniões (caucus) podem ocorrer no início ou durante o processo de

mediação familiar.

Assim, o mediador familiar pode ter em vista explorar e despistar aspetos

delicados e difíceis de partilhar na presença do outro , nomeadamente, “Eu aqui faço um

bocadinho um mix do que é a minha experiência de assessoria técnica e de mediação –

‘o que disseste faz todo o sentido para mim’ -, porque nós na assessoria tentamos sempre

perceber qual é que é o grau de conflito, perceber se há violência doméstica ou se houve

violência doméstica, abuso sexual, por aí, por aí, por aí fora!...E, portanto, temos sempre

muito cuidado na primeira aproximação entre aquele homem e aquela mulher. “(FL3M).

Por outro lado, as reuniões individuais podem contribuir para aumentar a proximidade,

diminuir o constrangimento, e aprofundar a compreensão entre as pessoas envolvidas

ajudando a quebrar impasses, “(…) mas, até a mim me surpreendeu, não porque tivesse

resultado muito mais informação do que aquela que já tínhamos, eu acho que foi mais o

que sentiam sem estar na presença um do outro e, de facto, marcou-me muito por isto

(estava uma colega também comigo) e ficámos … bom… o quê que se passa aqui?…

Depois do ‘caucus’, marcámos outra sessão e passamos em revista o que tinha

acontecido e havia um regime de aproximação do pai à filha.” (FC2M).

Em síntese, conforme anteriormente referimos relativamente à pertinência em

identificar as causas dos conflitos familiares (Moore, 2003) e em contextualizá-las numa

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155

perspetiva de complexidade ecológica, identificaram-se fatores contextuais de influência

no conflito (Brack, et al., 2011), assim como, as estratégias que os participantes nos focus

groups consideram mais eficientes para abordar o conflito entre os pais no âmbito da SD.

Assim, examinámos os vários níveis hierárquicos de categorias e de subcategorias

emergentes de duas categorias principais de estratégias: as estratégias de gestão do

conflito e as estratégias de gestão do processo. Os resultados assim obtidos permitiram

evidenciar que os participantes no estudo utilizam várias estratégias de “gestão do

conflito” (subcategorias: comunicação e de relação) e de gestão do processo e que

procuram adequar as estratégias ao tipo de intervenção que realizam, conforme

verificámos através da comparação entre as estratégias mais utilizadas pelos mediadores

familiares e pelos assessores do ISS.

De salientar, a importância dada pelos participantes nos focus groups à realização

de “triagem”, a ter lugar, preferencialmente, antes do processo dar entrada em tribunal

ou, pelo menos, quando o caso é direcionado para assessoria técnica, para mediação

familiar ou para outro tipo de intervenção. A adoção da técnica de triagem, no âmbito

dos TFM, permitiria então uma gestão criteriosa e diferenciada de processos de acordo

com as necessidades de cada família (Salem, 2009). Desta forma, seriam preservados

recursos materiais e profissionais, assim como, seria aliviada a sobrecarga de processos e

de intervenções em famílias que não apresentando indicação para determinado tipo de

processo o sucesso do mesmo seria improvável.

A análise deste tema permitiu assim identificar e categorizar uma ampla variedade

de estratégias de mediação familiar utilizadas pelos mediadores familiares e pelos

assessores do ISS, no entanto, foi impossível esclarecer se numa situação concreta a

escolha de uma determinada estratégia é feita intuitivamente ou se essa opção se enquadra

numa perspetiva teórica de mediação familiar, na medida em que, tais escolhas podem

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156

estar relacionadas, tanto com a proximidade teórica a determinado modelo de mediação

familiar, como podem resultar da avaliação do conflito concreto e do contexto específico

que se apresenta ao mediador familiar numa determinada sessão.

3.4 Modelos de mediação familiar

Os modelos de mediação têm por base um conjunto de ideias teóricas e de

estratégias que visam a abordagem coerente e sistemática de conflitos de natureza

familiar. Assim, à exceção do modelo Linear de Harvard que se desenvolveu a partir da

mediação comercial, os modelos de mediação familiar comummente mais utilizados e

conhecidos foram edificados com maior ou menor enfoque num conjunto de construções

teóricas, das quais rememoramos a Teoria dos Sistemas, e as Teorias da Comunicação

desenvolvidas, em Palo Alto, na Califórnia, por Watzlawick e colaboradores (1993). De

notar, que apesar de uma certa base teórica comum, os vários modelos caracterizam-se e

distinguem-se pelas estratégias específicas que utilizam18. Assim, no presente estudo

pretendemos conhecer quais os modelos que os mediadores familiares aplicam

considerando, especificamente, as indicações fornecidas a respeito das estratégias que

empregam e como as aplicam na sua atividade profissional.

18 Os conceitos teóricos centrais dos modelos de Mediação Familiar a que neste ponto aludimos encontram-

se desenvolvidos no capítulo I, por isso, abstemo-nos de aqui os desenvolver com maior detalhe.

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157

Figura 20. Modelos de mediação familiar identificados pelos participantes (nº de

referências e percentagens)

Como se retira da observação da figura 20, de entre os vários modelos, o mais

mencionado foi o modelo Circular Narrativo, com 7 referências (23%); o modelo

Transformativo apresentou 2 referências tal como o modelo Ecossistémico que foi

igualmente referido 2 vezes (6%); o modelo Linear de Harvard não foi nomeado por

nenhum dos participantes no estudo, em contrapartida, a categoria respeitante a modelos

indiferenciados destaca-se claramente com 24 referências (65 %) do total.

Sublinha-se, que tendo em vista os resultados exibidos relativamente aos modelos

Transformativo e Ecossistémico, apenas podemos extrair pistas subtis de que os

mediadores familiares na sua prática de mediação familiar utilizam estratégias reportadas

àqueles modelos não sendo, contudo, possível concluir que tais modelos sejam aplicados

de forma consistente ao longo de todas as sessões do processo de mediação. Por sua vez,

a inexistência de referências associadas ao modelo Linear de Harvard permite afirmar que

o mesmo não é aplicado pelos mediadores familiares.

No que concerne à categoria “Modelo Circular Narrativo”, ao ser apontada a

importância de se auxiliar os intervenientes a (re)construírem uma história comum,

7; 23%

2; 6%

20; 65%

2; 6%

ModeloCircularNarrativo

ModeloEcosistemico

ModelosIndiferenciados

ModelosTransformativo

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158

evidenciam-se conhecimentos sobre este modelo teórico de mediação familiar,

nomeadamente, quando é referido que, “na prática, é ir à história para que eles possam

também tomar consciência que aquilo que são hoje é produto daquilo que construíram

conjuntamente.” (FP2M) e, também, quando se salienta, (…) que muitas vezes é

importante ter esta linha do tempo onde vamos colocando quando ocorreram os factos e

ir construindo, desta forma, uma história comum entre eles.” (FP1M).

Por seu lado, a categoria “modelos indiferenciados” emergiu da análise dos dados

e revelou ser a categoria mais proeminente e comprovou que os mediadores familiares,

em vez de seguirem um único modelo teórico de mediação familiar com princípios,

metodologia e estrutura definida, preferem optar pelas estratégias que, em cada caso

concreto, tipo de conflito, fase do processo ou momento específico da sessão consideram

ser as mais oportunas. Os resultados corroboram assim que os mediadores familiares não

seguem modelos puros de mediação familiar, uma vez que, “(…) não há grande

homogeneidade, porque cada situação, cada processo é único, por isso, é que cada um

vai adaptando as estratégias em função de cada situação. Neste processo que tive do

tribunal, eles disseram: - ‘tivemos aqui quase duas horas e só falámos de nós os dois’.”

(FS2M), por isso, a configuração do conflito, as características da família e das pessoas

envolvidas constituem fatores de peso nas opções metodológicas dos mediadores

familiares, atendendo a que, “desde saber se o conflito está muito entranhado ao ponto

de os ter que ouvir, numa primeira fase, de forma separada, que de alguma forma se

compreenda se é possível trabalhar com eles juntos ou não, ou se terei de esperar mais

algum tempo. Portanto lá está! – tudo isto tem de ser adequado à realidade de cada

família ou de cada casal, não é?” (FJ3M).

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159

Figura 21. Número de FG-MF comparativamente dos FG-ISS em que foram referidos os

vários modelos de mediação familiar (nº de participantes).

De salientar que apenas os mediadores familiares conseguiram identificar

estratégias consentâneas com os modelos de mediação familiar como, aliás, era provável

tendo em conta que os técnicos do ISS embora desempenhem funções próximas de

mediação familiar não a exercem de facto.

3.4.1 Sessão inicial informativa obrigatória de mediação familiar

A análise dos dados no que concerne aos modelos de mediação familiar, permitiu

identificar a categoria “sessão inicial informativa obrigatória de mediação familiar “. Esta

categoria, muito embora não se enquadre num específico modelo de mediação familiar

permitiu explorar as perceções dos participantes no estudo sobre um tema extremamente

pertinente e atual, que é o do desenvolvimento de práticas extrajudiciais para uma justiça

adaptada às crianças e de proteção da família antes do inicio do processo judicial. A

obrigatoriedade de uma sessão inicial informativa de mediação familiar antes do início

2

1

0

2

11

FG MF FG ISS

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160

do respetivo processo judicial ou administrativo na Conservatória do Registo Civil é, de

facto, fundamental para a prevenção efetiva do conflito conjugal e parental e,

consequentemente, para a proteção do interesse superior da criança.

Esta categoria consiste na realização de uma sessão de mediação familiar, com

carácter obrigatório, antes de iniciar o processo judicial, na qual, o mediador familiar

forneceria informação sobre mediação familiar e avaliaria conjuntamente com os

intervenientes a viabilidade do processo de mediação familiar, tendo em conta, entre

outros aspetos, o tipo de conflito e as áreas em desacordo e a vontade e a disponibilidade

dos intervenientes para o processo.

Figura 22. Sessão informativa obrigatória antes do inicio do processo judicial ou

administrativo na Conservatória do Registo Civil (nº de referências e percentagens).

De acordo com os resultados expostos na figura 22, os mediadores familiares (FG-

MF) referiram 8 vezes (80%) a categoria “sessão inicial informativa obrigatória de

mediação familiar” e os assessores do ISS (FG-ISS) nomearam 2 vezes esta categoria

(20%) nos cinco focus groups.

De facto, a necessidade de uma sessão obrigatória de mediação familiar justifica-

8; 80%

2; 20%FG-MF

FG-ISS

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161

se, desde logo, porque uma larga maioria de pessoas não detêm a informação necessária

e adequada sobre mediação familiar de modo a poderem tomar uma decisão consciente

sobre o processo a adotar para resolver o diferendo. Desta forma, poderia ser vantajoso o

recurso pré-judicial a uma sessão de mediação familiar, porque “(…) ainda não existe,

ainda que a lei diga que as Conservatórias agora têm esse papel e por aí fora… eu acho

que devia ser muito mais incisivo, devia haver espaços de informação. “(FL3M); em

outros casos tal informação chega aos interessados tardiamente (e.g. por indicação do juiz

no decurso do processo judicial) perdendo-se, pelo menos em algumas destas situações,

a oportunidade de prevenir a escalada do conflito e os correspondentes riscos para todos

os membros da família e em especial para as crianças a ele associados, porquanto, “(…)

eu tenho uma mediação em curso em que, logo de início, a senhora recusou-se no

telefone, disse que não queria ir – é um processo do tribunal -, disse que não queria ir e

não se queria sentar à mesa com a outra parte e eu tive a fazer uma espécie de uma pré-

mediação ao telefone (…) Portanto, não tinha conhecimento. Depois de lhe explicar ela

acedeu e na primeira sessão que tivemos, que ainda não tivemos outra, ela teve uma

expressão que veio de encontro: ‘isto já veio tarde, isto já devia ter sido antes’.” (FV3M).

Por outro lado, a par da carência de informação sobre mediação familiar e da importância

de a prestar no timing adequado, salienta-se a importância de incentivar comportamentos

parentais que previnam, de facto, os interesses e bem-estar das crianças, por isso, “Eu já

estou como a MS, devia ser obrigatório, já estou quase como ela; obrigatória neste

sentido de pelo menos ser obrigatório passarem, conhecerem os métodos que são

utilizados na mediação, não é? E depois, então, decidirem, porque a grande maioria das

pessoas não sabe o que é a mediação, não sabe.” (FL3M). Assim sendo, “Eu acho é que

havia de haver mediação familiar era antes de começar os processos. Mesmo que metam

o processo.” (FA2S).

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162

Conclui-se, assim, que os resultados expostos apontam no sentido de ponderar as

vantagens da obrigatoriedade de os pais participarem numa sessão de mediação familiar

prévia ao início de processos judiciais que incidam sobre responsabilidades parentais e

direitos das crianças. Salienta-se, que as experiências em outros países como (e.g.

Austrália e Noruega) têm revelado resultados positivos, especialmente em situações de

médio e baixo conflito (Tjersland; Gulbrandsen & Haavind, 2015).

3.5 Coparentalidade no contexto da SD

Como sabemos a coparentalidade é influenciada por diversos fatores relativos aos

pais, nomeadamente crenças, perceções, expectativas e conhecimentos sobre o

desenvolvimento da criança, mas por outro lado, também as características dos filhos, o

seu temperamento, aparência, ou as suas capacidades cognitivas a determinam e

influenciam. Consequentemente, o conceito de coparentalidade remete para uma

realidade multideterminada em que múltiplas e complexas influências coexistem e são

exercidas (Belski, 1984; Bornstein, 2001; Feinberg, 2003; Margolin, et al., 2001; Van

Egeren&Hawkins, 2004).

Por sua vez, a fase de SD caracteriza-se comummente por ser um período marcado

por instabilidade e incerteza perante o esboroamento da estrutura e da organização

familiar anteriores à SD e a emergência de reconfigurar uma outra organização familiar

adaptada à nova situação. A turbulência emocional faz assim parte deste processo que é,

frequentemente marcado por elevados níveis de stress com potencial impacto na

coparentalidade.

Neste contexto, considera-se a relação de coparentalidade como sendo um

conceito que envolve a maneira como os pais se apoiam e cooperam na prestação de

cuidados aos filhos e a forma como negoceiam os respetivos papéis e responsabilidades

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163

(Margolin et al., 2001).

Assim, importa pesquisar e analisar quais os fatores que os participantes nos focus

groups apontaram como sendo os mais influentes no domínio da coparentalidade e

consequentemente os mais determinantes para as crianças. Desta forma, a análise do

conteúdo dos focus groups permitiu extrair dois domínios de impacto na coparentalidade

na fase de transição para SD. O primeiro, refere-se aos fatores de proteção e de risco

relativos no contexto da coparentalidade e o segundo diz respeito aos fatores que maior

influência apresentam no domínio da responsabilidade na tomada de decisão dos pais em

relação aos filhos na transição para a SD.

3.5.1 Fatores de proteção

Os fatores de proteção consistem em características individuais e/ou ambientais

que ajudam a moderar o conjunto de efeitos stressantes que decorrem da SD para adultos

e crianças (e.g. Amato, 2000; Hetherington, 1989; Kelly & Emery, 2003). Alguns estudos

referem que não se verificam diferenças significativas, a longo prazo, entre os filhos cujos

pais se separaram ou divorciaram e os filhos de famílias intactas (Kelly & Emery, 2003),

enquanto outros predizem que os problemas de comportamento nas crianças de pais

divorciados ou separados são persistentes e consistentes para além dos dois anos seguintes

à SD ter sido decretada (Weaver & Schofield, 2015).

De facto, trata-se de uma realidade dependente de uma ampla diversidade de

fatores, no entanto, as características das crianças e da família (e.g. cooperação, conflito,

responsividade e sensitividade dos pais,) bem como as características do ambiente

extrafamiliar, são comummente apontados como sendo fatores protetores para as crianças

e para os pais, no âmbito da SD (Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015).

Com base na análise do conteúdo dos focus groups realizados obtivemos um

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164

conjunto de categorias ilustrativas dos fatores de proteção mais significativos

identificados pelos participantes.

Figura 23. Fatores de proteção referidos pelos participantes nos focus groups.

O Figura 23 representa os fatores de proteção dominantes na relação entre os pais,

que os participantes nos focus groups percecionaram como sendo potencialmente mais

marcantes para a adaptação das crianças aquando da transição para a SD dos pais, no

âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais através de recurso ao

TFM ou a mediação familiar. Assim, o fator de proteção que se revelou mais positivo foi

a “cooperação”, com 50 referências (35%), seguiu-se o “diálogo” entre os pais que foi

indicado 43 vezes (31%) e a capacidade de os pais se focalizarem nos filhos com 32

referências (30%), por fim, a existência de mediação familiar “pré-judicial” foi expressa

6 vezes (4%).

Cooperação

A “cooperação”, consiste no respeito recíproco e na motivação para partilhar as

50; 35%

43; 31%

42; 30%

6; 4%Cooperação

Diálogo

Foco nos filhos

Mediação pré-judicial

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165

funções parentais unindo esforços para construir um entendimento comum (acordo),

independentemente das diferentes identidades, necessidades, perspetivas ou interesses

pessoais que cada um dos membros do ex-casal/pais (e.g. Margolin et al., 2001).

A motivação para colaborar conjuntamente e participar na busca de

entendimentos constitui assim o elemento essencial da cooperação, no entanto, não raras

vezes, esta cede perante a compulsão do conflito e os desafios económicos e emocionais

da SD. O processo de mediação familiar caracteriza-se por ser um contexto dinamizador,

incentivador e fortalecedor da cooperação interparental e por fomentar a ligação entre os

pais e a valorização de esforços para a concretização de objetivos e projetos comuns.

De acordo com os resultados encontrados a relação de cooperação, durante a SD,

tem como características principais a aceitação, o respeito, a confiança, o envolvimento

na procura de soluções, o desejo de inclusão do outro pai/mãe, a opção pela união de

esforços e a contenção da competição e materializando-se na forma como os pais

comunicam entre si. Contudo, estas características, frequentemente, no início da

mediação familiar estão ofuscadas, cabendo aos mediadores familiares dinamizá-las,

incentivá-las, dar-lhes forma e visibilidade.

Assim, a “cooperação”, desse logo, compreende a aceitação da realidade em

presença, especificamente, o reconhecimento da identidade do outro, “(…) que ela é

assim, sei que não a vou conseguir mudar, vou ter que conviver com esta realidade, vou

ter que a aceitar dentro da minha vida.” (FP1M); da sua fiabilidade, “A confiança.

Quando começam a reconhecer-se mutuamente como pais capazes - esse é um indicador

essencial, demonstrarem confiança um no outro. “(FP1M); demonstrando envolvimento

na construção das decisões, “Quando prometem que ‘vou pensar sobre a questão e ver

os prós e contras’ para na próxima sessão trazerem uma resposta sobre o assunto

(FV3M); e capacidade para incluírem o outro pai/mãe em momentos importantes da vida

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da criança “(…) vão à escola, e, conseguem ir os dois, por exemplo, às reuniões da escola,

que é uma coisa tão básica quanto isso, vão os dois no mesmo momento.” Por outro lado,

o conteúdo e a forma, como os pais comunicam materializa e reflete a maneira como estão

a conseguir cooperar, designadamente, “Os termos verbais e também de alguma forma

incluindo o outro, estar a falar com o outro e deixar de falar para o outro.” (FS1M).

Diálogo

A categoria “diálogo” reflete uma forma de conversação caracterizada por uma

atitude de abertura e pela predisposição para a compreensão recíproca independentemente

de existirem diferentes interesses e pontos de vista.

Como é conhecido a capacidade para dialogar é, frequentemente afetada e

diminuída em consequência da instabilidade e turbulência emocional e financeira que a

SD comporta para os membros do ex-casal. Em contrapartida, a capacidade de diálogo

entre os pais aparenta ser uma condição amiga da relação de coparentalidade que importa

estimular, tendo em conta, entre outros aspetos, a natureza duradoura deste tipo de relação

e as significativas repercussões que tem para o bem-estar dos filhos e para a realização

dos pais enquanto pais. Esta categoria - o “diálogo” entre os pais -, caracteriza-se pela

ausência de um posicionamento rígido, “Pelo tipo de comunicação, é haver ajustamentos,

é a flexibilidade que eu acho que é um elemento facilitador.” (FS2M) e pela predisposição

e abertura para a compreensão e para a discussão construtiva, isto é, “(…) passa muito

pelo que podemos observar no discurso, e, quando é um discurso em que se colocam em

causa em vez de estarem só a apontar para o outro como o culpado do que quer que

seja.” (FK1M). Por sua vez, no âmbito do processo de mediação familiar a melhoria na

qualidade do diálogo é percetível através da evolução positiva das trocas

comunicacionais, “É um processo evolutivo. Começarem voltados quase de costas e à

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medida que as sessões vão evoluindo o tal não-verbal a que nós estamos atentos, não é?!

Começam a rodar na própria cadeira, e então isso é indicativo que a comunicação

começa a fluir entre eles e que aqueles ruídos que inicialmente existiam começam a

desvanecer-se e, portanto, também aqui na comunicação isso é muito visível que há essa

necessidade, quase, da parte deles, de se deslocarem um para o outro e começarem a

falar. (FL3M), reconhecendo-se, claramente através de diversos aspetos, verbais, não

verbais, posturais… “Depois, mais visível ainda é que estão mais calmos, mais relaxados,

a postura física, podem estar mais encostados na cadeira, não gesticulam tanto, fazem

menos gestos no início fazem mais gestos, mais sorrisos, têm um tom de voz mais baixo

e, eventualmente, poderão ter um espaço físico mais aproximado, e (…) olharem-se

diretamente que no início não acontece e isso é uma mudança radical. (FJ1M).

Assim, a predisposição para o diálogo entre os pais mostra ser um fator protetor

da coparentalidade, dado que contribui positivamente para o sucesso das negociações e

para a tomada de decisões conjuntas relativamente aos filhos (Pruett & Donsky, 2011),

assim como, permite amortecer outros fatores de vulnerabilidade emergentes da transição

para a SD (e.g. fatores demográficos, económicos, etc.). Assim, os resultados

apresentados evidenciam que uma relação interpessoal positiva caracterizada pela

abertura para discutir os temas em desacordo e por um posicionamento flexível diminui

o impacto negativo da separação (Amato, 2000), observável na forma como as pessoas

comunicam, com especial enfoque para comunicação não verbal.

Foco nos filhos

A categoria “foco nos filhos” consiste na importância central e primacial que os

pais dedicam aos interesses, necessidades, bem-estar e cuidados a prestar aos filhos,

mostrando-se atentos aos seus sentimentos e inquietações. Não obstante, os desafios com

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que possam estar a confrontar-se, os pais focalizados no interesse primordial dos filhos

tendem a conseguir separar as questões relativas aos filhos dos seus próprios sentimentos

e interesses predispondo-se, se necessário, a fazer cedências e despender esforços

pessoais, emocionais, económicos, etc. em prol do acordo que entendem ser mais

vantajoso para os seus filhos. Desta forma, a focalização no bem-estar dos filhos contribui

para a agilização de decisões, consensos e procedimentos legais ajudando a atenuar e a

reduzir o tempo de desestabilização inerente às mudanças desencadeadas pelo processo

de SD.

Assim, o “foco nos filhos” ajuda a regular a emotividade negativa e contribui para

promover a racionalidade e a objetividade necessárias ao estabelecimento de acordos,

nomeadamente quanto ao exercício das responsabilidades parentais, de modo que, “Lá

está esta pessoa conseguia distanciar-se da questão da separação e dos ressentimentos

que tinha face à outra parte, mas para esta pessoa, eu acho que ela conseguia ser objetiva

em termos de pensar nas questões do filho.” (FF1S), FS2M), assim como, “É eles

pensarem que o importante são as crianças e terem discernimento suficiente para por a

zanga de lado e conseguirem pensar.” (FS2M). Também a capacidade para priorizar a

convivência e a manutenção de relações próximas e afetuosas com os filhos contribui para

amenizar conflitos e proteger a coparentalidade, a parentalidade e o interesse dos filhos,

porquanto, “Eu lembro-me de uma situação de um homem, que foi aquela que eu falei há

pouco, que ele conseguiu pôr tudo para trás das costas, o litígio, a zanga com tudo e com

todos porque queria era estar com o miúdo. (FC2S).

Os pais que colocam o interesse dos filhos acima de outros possíveis interesses

não retaliam, mas expressam elevação nas suas atitudes e decisões sendo altruístas e

generosos, “(…) tive agora um caso que a mãe disse que a menina não queria ir e ele

continuou a pagar a pensão de alimentos porque para ele [não pagar] era uma forma de

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estar a culpar a filha.” (FA1S), e, também respeitam e dão valor às opiniões e

sentimentos dos filhos “(…) A reunião foi só elas comigo (…) eram adolescentes. A

opinião, o sentir delas em relação à questão que se colocou, e os pais tomaram em

consideração essa mesma realidade de ser para elas mais satisfatório, mais confortável

estar mais tempo em casa de cada um dos pais, foi três semanas num, três semanas no

outro. (FK1M).

Como os resultados comprovam a focalização nos interesses dos filhos implica a

capacidade para diferenciar os interesses individuais dos interesses das crianças e, por

conseguinte, de tomar decisões relativas às crianças sem as confundir com as decisões

que adotariam para si mesmos. Assim, ainda que exista conflito considerável entre os

pais, estes, conseguem separar as fronteiras entre os subsistemas parental, coparental, e

ex-casal, e tomar decisões contextualizadas na realidade familiar e centradas no bem-estar

dos seus filhos. Deste modo, os pais centrados em tomar decisões ajustadas ao bem-estar

dos filhos tenderão a não estabelecer triangulação com as crianças estando, por isso, em

melhores condições para desenvolver relações de parentalidade e de coparentalidade

harmoniosas, durante e após a separação, por isso, trata-se de um fator de proteção a ter

em conta na transição para a SD.

Importa, então, salientar a importância de os mediadores familiares

desenvolverem estratégias que promovam a limpidez da diferenciação relacional, o

reconhecimento e a identificação das necessidades dos pais e dos filhos.

Mediação pré-judicial

A existência de um serviço de atendimento de mediação familiar, obrigatório,

antes de os pais iniciarem qualquer processo sobre responsabilidades parentais no

Tribunal de Família e Menores ou na Conservatória do Registo Civil, foi referido pelos

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participantes neste estudo como sendo um fator de proteção da coparentalidade na

transição para a SD ao facultar, não só o exercício do direito de uma escolha informada

sobre o tipo de processo pretendido para resolver o diferendo, mas também por contribuir

para prevenir a escalada do conflito e o desgaste económico e emocional, cujas

consequências nocivas poderiam assim ser evitadas com informação atempada e

adequada, nomeadamente através de “Um gabinete nas Conservatórias com um técnico

especializado em assessoria técnica e mediação, em processos tutelares cíveis, cuidados

parentais seja o que for que ajude o casal (…) … querem despachar para fazer ao balcão,

com o senhor da Conservatória a dizer-lhe: ‘diga que não quer dar-lhe, que dá 50 €’.

(FP1S)

3.5.2 Fatores de risco

Os fatores de risco compreendem o conjunto de eventos que surgem na transição

para a SD que as pessoas experienciam como sendo stressantes. Estes fatores aumentam

o risco de ocorrerem efeitos emocionais, comportamentais, de saúde etc. para os pais e

para os filhos que dificultam o seu ajustamento ao divórcio (e. g. Amato, 2000; Kelly &

Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015).

Como sabemos a vivência da SD não é, só por si, responsável por sintomas de

mau ajustamento emocional, comportamental ou de problemas académicos nos filhos,

mas tal, não significa que a transição para a SD possa ser vista como inócua em termos

de risco para o desenvolvimento harmonioso dos filhos, porquanto a dimensão das

dificuldades com que os pais se vêm confrontados é assinalável (Wallerstein, et al., 2013)

e determinada por variados aspetos, nomeadamente a natureza e a forma como teve inicio

a SD, o conflito entre os pais, a estabilidade económica ou a capacidade de cooperação

entre os pais (Kelly & Emery, 2003). Assim, pretende-se investigar as perceções dos

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participantes sobre os fatores de risco presentes na relação de coparentalidade cujos

efeitos são potencialmente negativos para as crianças aquando da transição para a SD.

Para tal, partindo da análise do conteúdo dos focus groups, desenvolvemos um quadro

das categorias emergentes da análise dos fatores de risco assinalados pelos participantes

no estudo.

Figura 24. Fatores de risco referidos pelos participantes nos focus groups.

A observação da figura 24 permite notar os fatores de risco percecionados pelos

participantes nos focus groups no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades

parentais. O fator de risco mais proeminente é o “conflito” com 63 referências (67%); a

“distorção do foco nos filhos” compreende 11 referências (12%); o “desequilíbrio de

poder entre os pais” foi nomeado 10 vezes (10%) e a “não cooperação” foi mencionada

10 vezes (11%).

Conflito

A categoria “conflito” inclui uma ampla variedade de situações e de interações

que comportam, emoções negativas e comportamentos revanchistas, competitivos e

63; 67%10; 10%

11; 12%

10; 11%

Conflito

Desiquillibrio depoder entre ospais

Distorção dofoco nos filhos

Nãocooperação

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destrutivos que, entre outros aspetos, prejudicam a racionalidade e a clareza da

comunicação sendo causa de sofrimento para todos os membros da família e

especialmente para as crianças.

Por conseguinte, o aumento ou a eclosão da emotividade negativa associada à SD

manifesta-se através de emoções negativas, como “Frustração, raiva, zanga, vingança,

denegrir o outro para eu me valorizar, são egoístas, há um egoísmo tão grande! Há uma

incapacidade total para se descentrarem do conflito. “(FH1S), de comunicação

disfuncional e conflito, “É a zanga, a incapacidade de dialogar com o outro, a recusa.

(FC2S), de comportamentos não verbais de oposição ao outro, “(...) foi na sala maior, eu

colocava-me… tipo mesa redonda sem a secretária e, eles mesmo assim compunham as

cadeiras completamente de costas.” (FM2S) e em interações competitivas baseadas em

ataque e contra-ataque “A vingança: ‘não me deixas ver os meninos!’” (FP1S).

Assim, a emotividade negativa e a comunicação disfuncional aumentam o

feedback negativo das interações elevando o grau do conflito para níveis de pervasividade

e de reatividade adversos ao desenvolvimento apropriado do processo de tomada de

decisão dos pais, assim como à estabilidade emocional e interesses dos filhos, o que,

necessariamente, implica efeitos negativos para a relação de coparentalidade e para as

crianças como anteriormente referimos.

Os participantes nos focus groups identificaram também outras condições

suscetíveis de amplificar o conflito, como é o caso da discordância quanto às orientações

educativas dos filhos19, particularmente quando os pais têm diferentes estilos parentais,

“O pai quer que eles tenham regas. Neste sentido, a mãe diz: que o pai está antiquado,

que os tempos mudaram, que as crianças têm direito de se manifestar.” (FV3M); ou,

quando seguem diferentes religiões e crenças, “Quando um dos pais tem uma religião e

19 De notar a previsão do artigo 1906, nº 3, do Código Civil, relativamente às formas de dirimir possíveis

discordâncias entre os pais quanto a orientações educativas e a questões da vida corrente dos filhos.

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outro não tem nenhuma é um fator de risco.” (FH1S). De notar, ainda que as

consequências nocivas do envolvimento abusivo das crianças na teia do conflito podem

decorrer não só de situações em que se pretende atingir diretamente o outro, mas ainda

de motivações que visam contestar o fim da relação, “Porque lá está! Aquela mãe através

da roupa e do narcisismo das meninas andarem muito bonitas, que prolongava ali a

relação com ele.” (FI2S).

Como ficou patente o conflito entre os pais constitui um fator de risco para o

desenvolvimento harmonioso dos filhos, contudo, nem sempre implica efeitos negativos

nas crianças, “Portanto, às vezes, há conflitos gravíssimos e a criança está a salvo e,

outras vezes, há conflitos que nem são assim tão graves e a criança está completamente

enviesada, partilhada, destroçada, porque eles os dois a usam e usam-na! E é uma falta

de respeito por um ser humano (…).” (FI2S).

Recordamos que, o conflito entre os pais é comummente referido como sendo um

fator de risco implicado com problemas de ajustamento social, cognitivo, de

comportamento, etc., nas crianças (Cummings & Davies, 2002), o qual, é suscetível de

provocar problemas acrescidos, durante a transição para a SD, sobretudo para os filhos

(e.g. Amato,2000; Amato, 2010; Kelly & Emery, 2003). Desta forma, a análise dos

resultados, permite corroborar que a interação negativa entre os pais afeta as crianças,

nomeadamente através da triangulação e da diminuição da responsividade, entre outros

aspetos.

Desequilíbrio de poder entre os pais

A categoria “Desequilíbrio de poder entre os pais” verifica-se quando, na presença

de desiguais fontes de poder, um dos pais tenta impor ao outro a sua vontade através de

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manipulação, intimidação, humilhação ou em casos mais graves por meio de violência.

A utilização abusiva do poder por algum dos pais para subjugar o outro tem

implicações negativas na regulação e na estabilidade emocional, quer dos pais, quer dos

filhos e, consequentemente, no processo de tomada de decisão sobre as responsabilidades

parentais e na subsequente reorganização familiar. As fontes de poder são de ordem

material ou imaterial sendo ostentadas, comummente através da posse de recursos

económicos, conhecimentos percecionados pelo outro como superiores, informações

específicas, influência social, restrições de contactos com pessoas significativas, indução

de sofrimento, provocação de conflito e aspetos da personalidade como vitimização,

dominação, carisma ou sedução (Bollen, Verbeke, & Euwema, 2013).

Assim, a emergência de desequilíbrios de poder entre os pais em contexto de SD

potencia diversos efeitos adversos para o ajustamento das crianças em vários aspetos,

nomeadamente, aumentando o stress relacionado com o declínio de rendimentos dos pais

em consequência da separação (Weaver & Schofield, 2015) e com manobras de

manipulação de poder e de competição pelos filhos e, bem assim, com a instabilidade

emocional induzida pelas interações de recompensa e de castigo inerentes aos jogos de

poder entre os pais.

A análise da categoria “desequilíbrio de poder entre os pais” permite compreender

diversas habilidades que os pais usam para constranger ou forçar o outro pai/mãe a

submeter-se aos seus interesses. Tais comportamentos dos pais podem envolver

diretamente os próprios filhos modificando radicalmente as relações de poder entre os

pais e entre estes e os seus filhos, “(…). De facto, as crianças ficam entregues à mãe, os

pais ficam muito reféns dessa flexibilidade da mãe (…).” (FO2M); “(…) o que acontece

muitas vezes a estes miúdos é que eles invertem os papéis, porque começam a acusar um

dos pais, nas alienações, de repente passam a ser eles que detêm o poder e isso perverte

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um bocado. (FH1S). Em outros casos o desequilíbrio de poder entre os pais leva à

degradação do seu estado emocional o que se vem a repercutir na estabilidade das

crianças, “Quando uma das partes está muito subjugada, muito revoltada, não tem

controlo, não tem confiança em si é mais difícil. Nas pessoas que aqui me aparecem há

muita diferença de poder e a diferença de poder ...” (FF1M). Foram também referidas

situações em que o desnível de poder pode ser um fator de grande impacto no processo

de tomada de decisão parental com implicações, obviamente, negativas para os filhos,

“Por exemplo, ter medo do outro, mostrar medo do outro. Por exemplo, a questão do

poder e da violência, se percebemos que um tem medo do outro, pelo menos, esse que

tem medo não estará bem posicionado naquele contexto para tomar decisões de forma

responsável, pode ser auto pressionado em termos de acolher o que o outro quer.

“(FU3M). De notar, que o contexto da transição para a SD por ser um processo de

profundas e dinâmicas mudanças, quer na estrutura, quer na hierarquia familiar, é

eminentemente propício ao acionamento de maiores e mais fortes desequilíbrios de poder,

os quais, podem vir a configurar um considerável risco para as crianças, desde logo, pela

probabilidade de estas dinâmicas tenderem a prolongar-se indefinidamente cristalizando-

se em comportamentos padronizados, “ (…) É possível perceber ao nível das

responsabilidades parentais onde é que está o poder relativamente à tomada de decisões,

ou onde esteve o poder e onde, eventualmente poderá estar, no futuro. (FL3M). Por isso,

a possibilidade de intervir preventivamente nestes casos mediante recurso a mediação

familiar representa benefícios, nomeadamente em termos da recognição da origem dos

desequilíbrios e da promoção de dinâmicas de validação dos poderes respetivos e do seu

reenquadramento no contexto da mediação familiar de forma a que o acordo alcançado

seja uma expressão funcional dos direitos das crianças e das necessidades e visões de vida

da família. Para tal é necessário, desenvolver na mediação estratégias que promovam a

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apreciação e a consciencialização do valor intrínseco de cada um dos pais e reequilibrem

a eventual sobrevalorização de um face ao outro um contexto de igualdade de facto.

Distorção do foco nos filhos

A categoria Distorção do foco nos filhos comtempla situações em que os pais

colocam em causa de forma consciente ou inconsciente os direitos e interesses das

crianças, concretamente através de comportamentos manipuladores e de

instrumentalização dos filhos (e.g. obstruir a convivência com os filhos, não pagar a

pensão de alimentos, usar os filhos como mensageiros, etc.).

Como anteriormente referimos quando a interação entre os pais é negativamente

afetada, os pais tendem a triangular os filhos de várias formas, nomeadamente utilizando-

os para conseguir estabelecer alguma comunicação com o outro e como forma de retaliar,

assim, “Há os pais que se deixam de falar de todo e que usam, nos casos mais graves, de

alienação; usam os filhos como armas de arremesso e como forma de ponte e de

comunicação com o outro.” (FL1S). Estes comportamentos dos pais demonstram que se

verifica uma obstrução do seu foco de atenção no bem-estar dos filhos, em consequência

de indiferenciação e confusão entre a relação conjugal, a relação parental e a relação

coparental.

A responsabilidade dos pais face aos filhos implica, entre outros aspetos, o

respeito pela sua dignidade, individualidade e a valorização das suas opiniões e

sentimentos. No entanto, apesar de estes direitos da criança20 se encontrarem amplamente

reconhecidos em diversos instrumentos jurídicos, quer nacionais, quer internacionais,

nem sempre os mesmos são assegurados da melhor forma pelos pais, especificamente

20 Veja-se a este propósito, o princípio da dignidade da pessoa, consagrado no artigo 1º da Constituição da

República Portuguesa, assim como, o direito da criança a ser ouvida sobre os assuntos que a afetam (e.g.

artigo 12º da Convenção sobre os Direitos da Criança).

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quando estes enfrentam situações de elevado stress ou maior vulnerabilidade e mudança

familiar. Mas, se, por um lado, a transição para a SD é um período comummente

associado a elevados níveis de stress e a uma diminuição da sensibilidade parental, por

outro lado, é também nesta fase que tais enviesamentos relativamente ao foco dos pais no

bem-estar e nos direitos das crianças se tornam mais visíveis para o exterior do núcleo

familiar.

Assim, a análise da categoria “distorção do foco nos filhos”, permite evidenciar

que o alheamento e a falta de conhecimento acerca dos direitos das crianças podem

implicar comportamentos de desrespeito pela pessoa dos filhos, “Vê-se muito a criança

como um objeto e não como um ser humano individual. (FO2M), a sensitividade e a

responsividade dos pais face aos filhos é suscetível de diminuir e de comprometer a forma

como os pais cuidam das necessidades físicas, emocionais e materiais dos seus filhos e a

maneira como conseguem minorar os efeitos adversos da SD. Estes casos, demonstram

uma fraca diferenciação entre a esfera pessoal e relacional dos pais e a dos filhos, ao

contrário do que se verifica com os pais focalizados nos filhos que, como atrás referimos,

conseguem estabelecer fronteiras entre o domínio das relações entre o ex-casal e o

domínio das relações dos pais entre si e relativamente aos seus filhos. Assim, as crianças

ressentem-se da desatenção dos pais manifestando o mal-estar e desejando que a relação

entre eles seja minimamente cordial, “(…) é uma menina que tem 7 anos, diz:’ eu só

queria que eles dissessem bom dia’. Esta miúda está adaptada a isto, independentemente

de os pais não terem respeito nenhum um pelo outro, não comunicarem, não a põem de

forma alguma no centro da situação (…)” (FH1S).

Ficou também testemunhado pelos participantes neste estudo que a “distorção do

foco nos filhos” aparenta estar implicada com o estilo educativo autoritário e com uma

fraca consciencialização e desconhecimento dos pais relativamente à necessidade de

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valorizar e respeitar os direitos da criança, nomeadamente o seu direito a exprimir as suas

opiniões sobre os assuntos que a afetam, “Tive um pai que dizia que muito agradeceu ao

pai o ter obrigado a ir para a natação, por isso, o filho vai para a natação.”(FC2M); “A

mãe perguntou ao miúdo o que é que queria frequentar e o miúdo disse que queria

violino. Foi falado isto na sessão; eu perguntei ao pai o que é que ele pensava de

inscrever o filho no violino, a resposta dele: ‘(…) não tem jeito nenhum para o violino e,

portanto, eu não concordo’. Eu acho que é não respeitar a vida da pessoa a quem ele diz

que quer o melhor”. (FP2M).

Assim, é crucial que, por um lado, que os mediadores familiares tenham presente

a necessidade de os pais considerarem os direitos das crianças ao tomarem decisões que

afetam as suas vidas, e por outro, de terem em conta a importância de estimularem as

interações coparentais sensitivas, as quais, se caracterizam pelo carinho, pela consistência

e pela responsividade (Hartz & Williford, 2015). As relações sensitivas ajudam a regular

o comportamento da criança amortecendo os efeitos negativos da SD, designadamente,

porque a sensitividade parental tende a diminuir em consequência do divórcio (Weaver,

& Schofield, 2015).

Comprova-se, assim, que a “distorção do foco dos filhos” é um risco possível da

SD, pelo que, importa que os mediadores familiares desenvolvam estratégias para ajudar

as pessoas enredadas na teia do conflito, a diferenciar os vários níveis relacionais (e.g.

pai/mãe; sogros/pai ou mãe; pais/filhos, pai ou mãe/novos companheiros, etc.), antes de

tentarem qualquer negociação com vista ao acordo. Os modelos de mediação narrativa

com aplicação de questões exploratórias, reflexivas e transformadoras ou a participação,

devidamente preparada e planeada das crianças na mediação familiar podem ser úteis para

ajudar a reconfigurar novos papéis, funções e relações. Deste modo, o processo de

mediação familiar representa um contexto ímpar para (re) centrar os pais no processo de

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tomada de decisão relativamente aos diversos tipos de responsabilidades parentais (e.g.

financeiras, educativas, saúde, segurança, etc.) de que se são titulares e cujo alcance é

emocional e jurídico.

Não cooperação

A categoria “não cooperação” consiste uma atitude de resistência da parentalidade

do outro pai/mãe e dificuldades em se valorizarem, apoiarem e respeitarem mutuamente,

no período de transição para o divórcio.

Os participantes no presente estudo referiram como principais obstáculos à

cooperação, comportamentos de desvalorização e de competição “(…) Situações em que

vão em momentos diferentes, tem médicos diferentes, tem roupas diferentes. “(FC2S);

posicionamento rígido e inflexível “Num dos casos a relação dos progenitores era tão

difícil e tão má, tão pouco flexível que o pai para ver os filhos (uma menina com 13 e um

menino com nove) era através da GNR, (…) e se o pai se atrasava as crianças já não

estavam na GNR. Ali ao minuto! (FO2M); problemas de saúde mental “(…) porque

aparecem-nos pessoas também muito perturbadas em termos da relação. (FS2M); agir

com reserva mental, designadamente, no âmbito do processo de mediação familiar, “Por

exemplo, se já construíram uma parte do acordo, por exemplo em relação às visitas, é

suposto um começar a aplicar, (…) um começa a tomar as atitudes de acordo com o que

já estabeleceu e o outro diz que não, ainda não está escrito. Continua na mesma. Ora,

isso é um indicador que aquela parte não está no acordo da mesma forma que o outro e

que, até que ponto vai cumprir aquela responsabilidade que se propõe. Porque não

começar? (FV3M); e ambivalência, “Em muitos casos é ambivalência. “(FI2S),

frequentemente, relacionada com resistência à separação reclamada pelo outro.

Estamos, assim, em presença de comportamentos de não cooperação

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possivelmente originados na família intacta, os quais, adquirem aquando da transição para

a SD, um ímpeto acrescido que se junta a uma quantidade considerável de eventos

stressantes que culminam durante o período conturbado da SD. Assim, a não cooperação

entre os pais dificulta inequivocamente o processo de tomada de decisão sobre

responsabilidades parentais a todos os níveis e é um fator de risco que se repercute

negativamente na dinâmica de reorganização familiar e, especificamente nas crianças.

Por isso, relembramos, também sob este prisma, a extrema importância da mediação

familiar, nomeadamente na sua vertente preventiva. A mediação familiar, enquanto

processo estruturado e com uma abordagem integrada e planeada com base nas

características e necessidades de tempo que cada família precisa para interiorizar as

mudanças necessárias à nova organização familiar em curso, fornece a possibilidade para

os pais reelaborarem os posicionamentos competitivos.

Em síntese, a análise dos dados permitiu corroborar a identificação de fatores de

proteção e de risco para as crianças, emergentes do desenvolvimento da relação de

coparentalidade no contexto stressante da fase da SD. Por outro lado, os resultados

sugerem que a mediação familiar permite prevenir ou minorar tais efeitos negativos

proporcionando aos pais um processo de tomada de decisão, estruturado e ajustado às

necessidades, desafios e disposições emocionais e jurídicas, entre outras.

3.5.3 Fatores de influência nas decisões responsáveis dos pais

Através da análise da categoria “Fatores de influência na responsabilidade pelas

decisões dos pais” pretende-se conhecer quais são os fatores que os participantes no

estudo consideram como sendo os que têm maior influência na capacidade de tomar

decisões sobre os filhos de forma responsável.

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Como sabemos com a decisão de separação inicia-se um período de

desorganização do sistema familiar e de forte convulsão emocional, no qual, a sucessão

de mudanças e a necessidade de tomar múltiplas e difíceis decisões exigem dos pais um

importante esforço de racionalidade, sensibilidade e de adaptação à mudança. A

expressão jurídica “responsabilidades parentais” permite que nos concentremos, desde

logo, no centro da questão que se pretende aprofundar, porquanto se trata de esclarecer

quais são os fatores que maior influencia têm na capacidade de tomar decisões

responsáveis relativamente aos filhos num contexto agitado como é o da SD.

A categoria “Fatores de influência na responsabilidade das decisões dos pais”

compreende as subcategorias fatores de influencia positiva e fatores de influencia

negativa, as quais, por sua vez, se subdividem em três dimensões cada, conforme

seguidamente se expõe.

Fatores de influencia negativa na responsabilidade dos pais

Os fatores de influencia negativa na responsabilidade dos pais identificados são:

a emotividade negativa; a falta de tempo para pensar e as limitações à autonomia.

34; 77%

4; 9% 6; 14%

Emotividadenegativa

Falta de tempopara pensar

Limitações àautonomia

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Figura 25. Fatores de influencia negativa na responsabilidade dos pais.

De acordo com os resultados expostos na figura 25, os fatores referidos pelos

participantes neste estudo, que apresentam maior influência negativa na responsabilidade

dos pais face às decisões sobre os filhos no âmbito da SD são a emotividade negativa,

com 34 referências (77%); as limitações à autonomia, com 6 referências (14%) e a falta

de tempo para pensar, com 4 referências (9%).

Emotividade negativa

Segundo Damásio (1995; 2000) as emoções constituem padrões complexos

resultantes de processos biologicamente determinados que combinam respostas químicas

e neurais dirigidas ao corpo e ao cérebro de forma a criar e a regular as condições mais

favoráveis à manutenção da vida de um organismo. Portanto, não resultam de decisões

conscientes pois são ativadas automaticamente, ainda que a sua expressão possa

eventualmente ser modelada pela aprendizagem e pela cultura. As respostam emocionais

produzem modificações no design físico e cerebral que permitem a experiência ou o

sentimento da emoção, (Damásio, 2000). Por sua vez, Greenberg (2014) refere-se à

emoção como sendo um esquema de avaliação de uma situação em função do bem-estar.

Comumente os autores, classificam as emoções em três tipos: emoções primárias;

emoções secundárias ou sociais e emoções de fundo (e. g. Damásio, 1995; 2000;

Greenberg, 2014). São emoções primárias as que ocorrem de forma automática como a

alegria, a tristeza, o medo, a raiva, a surpresa e a aversão; já as emoções secundárias

derivam de emoções primárias, como vergonha, ciúme, culpa ou o orgulho (e.g. ter

vergonha de ter medo, sentir culpa por sentir aversão em relação a alguém), por sua vez,

as emoções de fundo são estados, geralmente visíveis através da postura corporal, que

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podem ser de bem-estar, mal-estar, calma ou tensão e ser causados por condições internas

(e.g. fadiga, ruminação) ou mediante a interação com o meio (Damásio 2000).

Importa precisar que a grande maioria dos sentimentos emergem da experiência

fisiológica e mental das emoções, por isso, os termos emoção e sentimento são, por vezes,

utilizados de forma indistinta, mas a natureza do sentimento combina a consciência da

emoção (perceção) com o pensamento (Damásio, 1995).

Sucede que, o aumento e repetição de emoções desagradáveis suscita igualmente

pensamentos desaprazíveis e indutores de outras emoções negativas, ao mesmo tempo

que o processamento cognitivo é afetado. Por sua vez, o pensamento é tecido sobre a tela

das emoções mediante a linguagem que lhe dá sentido e significado, assim como, o

comportamento é compulsado a partir do dispositivo emocional que regula a

sobrevivência humana.

Estudos referem correlações entre emoções negativas, adversidade, stress e

conflito, no relacionamento do casal, assim como, a forma como os pais regulam as suas

próprias emoções e respondem às emoções negativas dos filhos afeta a eficiência da

parentalidade e a socialização dos filhos, (Blandon, 2015). Também se encontra bem

estabelecido pela investigação o impacto da adversidade experimentada pelas crianças

em consequência da SD dos pais, a qual, é um importante preditor de risco,

concretamente, na infância, adolescência e em jovens adultos (Hagan; Luecken; Modecki;

Sandler & Wolchik, 2016).

Por seu lado, como sabemos a responsabilidade parental é igualmente

comtemplada pelas leis, nomeadamente, mediante a atribuição de direitos e de deveres

funcionais aos pais, para que, estes os exerçam no interesse dos filhos de forma a que os

primordiais direitos da criança sejam devidamente acautelados.

Assim, tendo em conta as questões de investigação a que pretendemos responder

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importa frisar que a presença de emoções e de sentimentos percecionados como

desagradáveis ou negativos pelos membros do ex-casal/pais aquando da separação, é

comummente reconhecida por inúmeros autores como sendo uma das causas principais

de sofrimento e de dificuldade na consecução de acordos, designadamente os acordos

sobre o exercício das responsabilidades parentais, entre outros. Por outro lado, a

exposição prolongada e intensa ao stress e ao conflito também são fatores indutores de

emoções, sentimentos e estados desagradáveis ou negativos de medo, raiva, rejeição,

culpa e tristeza, suscetíveis de influenciar o funcionamento emocional e cognitivo que

subjaz a qualquer processo de tomada de decisão. Não obstante, não se conhecem estudos

sobre os efeitos da emotividade negativa dos pais no curso da SD, sobre o processo de

tomada de decisão dos pais relativamente à regulação das responsabilidades parentais,

muito embora, se verifiquem significativas inter-relações entre a emocionalidade negativa

experimentada na infância, durante a SD dos pais, e múltiplos índices de desregulação

em jovens adultos (e.g. abuso de álcool, aumento da magnitude da reatividade), (Hagan,

et. al., 2016).

Assim, neste trabalho almejamos explorar algumas das dimensões de influência

da emotividade negativa no quadro da responsabilidade pelas decisões que aos pais cabe

assumir no contexto em referência.

A emocionalidade negativa consiste em acentuada sensibilidade a estímulos

ambientais negativos e na tendência para desencadear emoções negativas, suscetíveis de

dificultar a adaptação a situações de elevado stresse de vida ou de significativa

adversidade (e.g. Hagan et al., 2016) como é o caso da SD.

A emotividade negativa está assim relacionada com certas respostas emocionais

desadaptativas (Greenberg, 2014) suscetíveis de influenciar a forma como os pais

pensam, comunicam e revelam responsabilidade relativamente às decisões que lhes cabe

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adotar e exercer.

Os participantes neste estudo, identificaram diversas emoções desagradáveis nos

pais associadas ao período de transição para o divórcio possíveis de influenciar

negativamente a inteleção da responsabilidade, especificamente no que concerne ao

processo de tomada de decisão sobre o exercício das responsabilidades parentais.

Das várias emoções e sentimentos referidos pelos participantes nos focus groups

destaca-se que, “Há sempre o medo! “FF1M; “(…) a tristeza.” FH1S; “(…) zanga. Eu

também sinto, às vezes, quase tipo revanche, vingança.” FC2S; “A amargura de ser

rejeitado. FP1S; “(…) logo no início da mediação, sentia-se que ela tinha uma raiva,

uma tristeza, um rancor com quem tinha tido uma história.” FP2M.

Por sua vez, a perceção dos participantes nos focus groups evidencia que a

experiência das emoções negativas pelo ex-casal/pais, na fase de SD, tem uma influência

adversa no domínio da responsabilidade que aos pais se exige no âmbito do processo de

tomada de decisão sobre a reorganização da parentalidade e da coparentalidade, quer na

vertente psicológica, quer na vertente jurídica. Salienta-se assim que, “Frustração, raiva,

zanga, vingança, ‘denegrir o outro para eu me valorizar’ … são egoístas há um egoísmo

tão grande! Há uma incapacidade total para se descentrarem do conflito.” (FH1S). Deste

modo comprova-se que, não raras vezes, o impulso emocional obscurece o foco racional

necessário para decidir em prol do bem-estar das crianças; e em outros casos, a excitação

emocional negativa compromete claramente o discernimento necessário a qualquer

decisão responsável impondo manifesto sofrimento aos filhos, “Há situações que me

afligem pela maldade que as pessoas conseguem ter, pela maldade que levam para dentro

do processo e com isso, acarretam sofrimentos enormes àquelas crianças.” (FF1S). Por

outro lado, o processo de responsabilização é um processo embrenhado no próprio

processamento das emoções, “Quando chega a altura da responsabilização, o preto no

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branco, a nível documental, onde eles sentem que ali estão a dar a sua palavra, aí, as

emoções vêm ao rubro, porque cada um tenta ser menos penalizado (…). (FV3M); por

isso, as decisões responsáveis, frequentemente, carecem de contextos de apoio

preventivo, nomeadamente através de mediação familiar, porque, “(…) isso tem que ser

legitimado, as pessoas têm que ter espaço para ... e tempo para... quer dizer, também têm

direito de ter essas emoções negativas face ao outro.” (FU3M), concretamente, para

obstar, entre outros aspetos, à instrumentalização dos filhos, pois, “(…) como se sentem

tristes ou frustradas ou magoadas por ter havido a rutura, divórcio ou separação utilizam

muito os miúdos como arma de arremesso e então a pequena vingança delas é dificultar

o contacto com os miúdos.” (FP2M).

Os resultados obtidos demonstram, pois, que emoções avassaladoras e negativas

experimentadas pelo ex-casal/pais, durante a SD, influenciam de forma adversa o

processo de decisão responsável (e.g. confusão entre conflito do ex-casal e os interesses

dos filhos; dificuldades de perceção relativamente ao sofrimento provocado nos filhos,

desregulação emocional etc.) estando associadas a posturas parentais não responsáveis no

sentido em que conduzem a estratégias de instrumentalização dos filhos, ainda que os

pais não tenham plena consciência dos efeitos dos seus atos nos filhos. Em contrapartida,

a possibilidade de os pais desenvolverem o processo de tomada decisão no contexto de

mediação familiar, no qual, o surgimento de recursos pessoais é potenciado pelos

mediadores familiares, nomeadamente trazendo à consciência emoções e experiências de

emoções positivas que os ajudam a desfazer rapidamente os efeitos stressantes das

emoções negativas e a reequilibrar o estado afetivo e racional.

Falta de tempo

As pessoas precisam de tempo adequado para integrar as emoções e se acalmarem,

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para refletir e para desenvolver novas visões da realidade e se comportarem de forma

responsável. A vontade de resolver a SD com a máxima urgência resulta, em larga

medida, da sensação de que se livram dos problemas e dos conflitos com a obtenção do

acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Mas, qualquer comprometimento responsável exige o tempo necessário à

ponderação das decisões a tomar, o que nem sempre se compagina com as motivações

imediatistas, quer das pessoas, quer dos próprios organismos oficiais (e.g. Conservatórias

do Registo Civil). Tal situação, tem impacto na responsabilidade com que as decisões

inerentes às questões que às crianças respeitam são protagonizadas.

Algumas ex-casais/pais aparentam ter a crença de que a composição das questões

legais coloca o ponto final no sofrimento implícito aos sentimentos e emoções

desagradáveis e dolorosas, contudo tais convicções conduzem, muitas vezes, a conflitos

ainda mais graves e a incumprimentos, porque o acordo alcançado era: “Falso acordo.”

(FH1S); “Portanto resolveram de comum acordo, porque se queriam despachar um do

outro, desculpem a expressão.” (FP1S); “(…) há a parte do resolver o divórcio depressa

na Conservatória e as regulações que depois vão dar origem a incumprimentos.” (FP1S).

Assim, o desejo de resolver da forma mais rápida possível as questões legais

influencia negativamente a dimensão da responsabilidade com que as decisões relativas

à organização de vida e ao bem-estar das crianças devem ser assumidas.

Limitações à autonomia

As limitações à autonomia refletem constrangimentos externos ao próprio ou

condicionalismos individuais como acontece quando ocorre diminuição da capacidade

para se autodeterminar, isto é, para assumir a responsabilidade pelas próprias decisões.

Os constrangimentos à autonomia podem ser incompatíveis com a

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responsabilidade que as decisões a tomar impõem, nomeadamente quando as pessoas se

encontram de algum modo coagidas na sua liberdade de expressão e de decisão, “Por

exemplo, ter medo do outro, mostrar medo do outro. Por exemplo, a questão do poder e

da violência, se percebemos que um tem medo do outro, pelo menos esse que tem medo

não estará bem posicionado naquele contexto para tomar decisões de forma responsável,

pode ser autopressionado em termos de acolher o que o outro quer. (FU3M); de igual

modo, certas condições de saúde podem influenciar negativamente a capacidade para ser

responsável. “Se uma pessoa não para de chorar (…) é um sinal de não estar nas

melhores condições para tomar decisões responsáveis. Porquê? Porque não está em

condições de saúde pessoal favoráveis a fazer valer a sua responsabilidade nas decisões

que toma.” (FU3M); bem como, a influência de certas características pessoais dos pais

pode contender negativamente com a responsabilidade que aos mesmos é exigida, uma

vez que, “(…) as responsabilidades parentais estão definidas de forma jurídica como é

que deve cumprir, tem que dar alimentação tem que dar. Mas, o que rege as pessoas para

serem responsáveis, o problema é que também há pessoas que são irresponsáveis.”

(FG1S).

Desta forma, os resultados corroboram que, quando algum dos pais se mostrar

coagido na sua liberdade para tomar decisões conscientes ou não estiver em condições de

saúde física ou mental que lhe permitam participar, compreender e assumir a

responsabilidade pelas decisões ou, ainda se configurar um perfil de personalidade

inconsistente, quer com a tomada de decisões sobre os filhos, quer com a execução das

mesmas, é de considerar que a responsabilidade parental se encontra comprometida e que,

devem ser adotados procedimentos e estratégias de mediação familiar destinadas a

enfrentar a situação detetada tais como: encaminhamento para profissionais de saúde,

reequilíbrio de poderes, emporwerment da pessoa fragilizada, etc..

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Fatores de influência positiva na responsabilidade dos pais

Os fatores de influência positiva na responsabilidade dos pais encontrados são

quatro e consistem na autonomia; na emotividade positiva; em ter tempo para pensar e na

valorização das opiniões dos filhos.

Figura 26. Fatores de influência positiva na responsabilidade dos pais.

Em conformidade com os resultados expostos na figura 26 os fatores referidos

pelos participantes com maior influência negativa na responsabilidade dos pais face às

decisões sobre os filhos, no âmbito da SD são: condições pessoais positivas, com 47

referências (51 %); a autonomia, com 19 referências (20%); ter tempo para pensar, com

19 referências (20%) e valorizar as opiniões dos filhos, com 8 referências (9%).

Condições pessoais positivas

A categoria “condições pessoais positivas” compreende emoções positivas (e.g.

amizade, gratidão, compaixão ou o interesse) e disposições positivas tais como a

19; 20%

47; 51%

19; 20%

8; 9%

Autonomia

Condiçõespessoaispositivas

Ter tempopara pensar

Valorizar asopiniões dosfilhos

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resiliência, o otimismo e o coping.

O estudo das emoções positivas, das características individuais positivas e das

relações positivas entre grupos, entre outros temas, são matérias a que se dedica a

Psicologia Positiva (Kobau; Seligman.; Peterson & Diener, 2011). Deste modo, a

Psicologia Positiva preconiza a ampliação e a produção de emoções e afetos positivos

visando assim fomentar a expansão de certas dimensões cognitivas como a curiosidade e

a criatividade, bem como, desenvolver a experiência de afetos positivos e de

comportamentos de aproximação, de exploração e de envolvimento, de forma a promover

competências e recursos pessoais, familiares e sociais (Fredrickson, 2001; Kobau, et al.,

2011).

Importa salientar que, as emoções negativas não são simplesmente o oposto das

emoções positivas, umas e outras compreendem diferentes determinantes e consequências

(Kobau, et al., 2011). As primeiras, destinam-se a assegurar e manter a eficiência da

performance fisiológica e mental necessária à segurança e sobrevivência humana (e.g.

fugir ou atacar perante uma ameaça iminente), por isso, são adaptativas a curto prazo

(Kobau, et al., 2011); as segundas, permitem apreciar experiências de bem-estar

significativas e permitem reprimir ou desfazer os efeitos adversos de eventos negativos

reduzindo, nomeadamente o stress induzido pela reação a situações desagradáveis e

contribuindo para a autoestabilizacão. De destacar, que é sobretudo a frequência das

emoções positivas e não tanto a sua intensidade que determina a respetiva eficiência ao

nível do bem-estar pessoal e da qualidade das relações familiares, de saúde, etc. (Kobau,

et al., 2011).

De notar, que a par das emoções positivas também as disposições afetivas como

o otimismo, a resiliência ou certos estímulos ambientais são passíveis de influenciar as

condições internas que favorecem uma postura responsável durante o processo de decisão

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e na concretização das decisões parentais.

Como sabemos, a transição para a SD envolve a reestruturação do sistema

familiar, e consequentemente a necessidade de resposta a diversos constrangimentos e a

consideráveis fatores de stress. Nesta fase, os pais vivem a experiência da

responsabilidade face aos filhos de forma intensa e exigente, seja através das imposições

jurídicas e da supervisão jurisdicional, seja no plano prático do funcionamento da vida

corrente dos filhos. Ao mesmo tempo, são confrontados com a necessidade de se

adaptarem às mudanças em curso e com a dificuldade de regularem os afetos negativos e

resolverem conflitos de forma eficaz. Neste contexto, salienta-se que as avaliações

favoráveis do ex-casal/pais sobre o passado e as expetativas otimistas em relação ao

futuro a par com as emoções positivas constituem fatores de moderação da reatividade

negativa que, parecem também contribuir para induzir estados de bem-estar que facilitam

a regulação emocional adaptativa e a resiliência (Kobau, et al., 2011). A noção de

resiliência reflete-se, pois, através da capacidade de auto-organização e de auto-

estabilizacão adaptativa na sequência de distúrbios no sistema familiar causados por

situações de adversidade (MacPhee; Lunkenheimer & Riggs, 2015), como as que

comummente ocorrem aquando da transição para a SD.

A influência das “condições pessoais positivas” dos pais, foi apontada pelos

participantes nos focus groups como sendo um fator preponderante para a materialização

de comportamentos e atitudes caracterizadoras de responsabilidade, no âmbito do

processo de tomada de decisão relativamente ao acordo quanto ao exercício das

responsabilidades parentais.

Os resultados obtidos permitem corroborar que a presença de disposições

positivas como a preservação do sentimento de pertença à família (e.g. manutenção da

relação pais/filhos) permitem suavizar as emoções negativas induzidas pelo

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desmoronamento da estrutura e organização familiar (e.g. perda e tristeza), “Ok!

‘Separamo-nos, mas ainda somos uma família’ (…) quando as pessoas começam a ter

um vislumbre disso, acho que é uma emoção positiva muito genuína, muito forte,

qualquer coisa de pertença, naquela situação diferente, com as coisas alteradas, mas as

pessoas a sentirem que ainda são uma família, não sei que nome lhe dar … de pertença.”

(FU3M). De igual modo, a presença de afeto positivo entre o ex-casal/pais (e.g. não ficar

indiferente ao sofrimento exprimido pelo outro) tem influência no desenvolvimento de

comportamentos e de decisões responsáveis permitindo desenvolver compreensão e o

apoio, “(…) por exemplo, naquela situação em que a pessoa tem uma reação, ser

impactante para ela o estado emocional do outro, se o outro bloqueia, desata a chorar,

a pessoa reagir a isso ou parar também, ou tentar ajudar, quer dizer não continuar

indiferente. Portanto, ter ressonância positiva.” (FU3M), bem como, são também

relevantes as vivências do amor comum pelos filhos, as conversas sobre eles ou as

recordações prazerosas do passado, porque são elos que os ligam e que fomentam a

interiorização da responsabilidade ao longo do processo de decisão. “(…) quando os vejo

a falar dos miúdos com emoção, às vezes estou a vê-los falar dos miúdos e parece que

eles os estão a ver, contam o que fazem com eles e o que mais gostam e, quando os

descrevem!… (…) (FC2S). Também o otimismo ou a disposição dos pais quanto ao futuro

são aspetos que potenciam a corporização de posturas de responsabilidade, durante a SD,

“(…) o amor, o amor pelos filhos e, penso que enquanto sentimento, a demonstração de

tranquilidade a respeito do futuro. (…)” (FP1M); “Recordo-me de uma mediação que fiz

(…) em que a mediação foi útil, foi eficaz, em que numa situação inicial, enfim, de algum

medo da parte do pai, transformou-se numa situação de colaboração e de confiança em

relação ao futuro.” (FJ3M).

Assim, a análise dos resultados da categoria “condições pessoais positivas”

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comprova que a emotividade positiva e as disposições positivas como as memórias

agradáveis do passado ou a forma otimista como se encara o futuro influenciam

nitidamente a interiorização da responsabilidade e contribuem para dinamizar a

comunicação de forma construtiva contribuindo, assim, para potenciar a tomada de

decisões responsáveis. Por outro lado, estes resultados permitem também inferir que,

tendo em atenção a natureza, os modelos e as estratégias em que assenta a mediação

familiar (e.g. reforçar perspetivas otimistas, desafiar crenças, estimular a reflexão,

acalmar, focalizar, e ajudar as pessoas a colocarem os problemas em perspetiva), o

processo de mediação familiar contribui para a intensificar, ativar e desenvolver a

responsabilidade parental, especialmente quanto às questões que afetam diretamente a

vida dos filhos no período de maior vulnerabilidade da transição para SD.

Autonomia

A “autonomia” consiste na capacidade de os pais tomarem decisões, de

forma livre, racional e em consonância com os constrangimentos e conhecimentos

disponíveis num determinado momento e contexto. A autonomia não nega a influência

externa, mas recoloca a pessoa perante a sua capacidade de refletir sobre as limitações

que são impostas, de forma a nortear o seu comportamento e definir qual a direção a

seguir.

A eficiência de qualquer comportamento responsável por parte dos pais tem uma

dimensão subjetiva que implica a perfilhação de um posicionamento com sentido para a

pessoa concreta que tem a responsabilidade pela decisão e pelo seu cumprimento “(…) a

responsabilidade vem de dentro, a decisão é exterior. “(FC2M), por isso, é

imprescindível que os pais sejam livres em termos de capacidade de autodeterminação

para que se sintam os verdadeiros autores da decisão, “Tomam a decisão de não querer

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ir para tribunal, de modo a eles próprios acordarem o projeto de vida daquele filho

acordando os termos de como é que vai ser (…)” (FG1S), de facto, a falta de vinculo

pessoal ao conteúdo do acordo sobre as responsabilidades parentais tenderá a gerar

incomodidade podendo mesmo ser causa de reativação de conflito e de incumprimento

da lei, “ (…) Na minha experiência, na minha prática é o que eles quiserem, não interessa

nada se há guarda partilhada ou se é conjunta, se eles têm que pagar pensão se não têm,

se não houver essa responsabilização, o que é que interessa o quê que a lei diga? …”

(FC2M). O exercício da autonomia implica a necessidade de observar e ponderar as

condicionantes que envolvem a decisão a tomar, quer no plano subjetivo, quer no plano

objetivo e racional, “Eu lembro-me de uma sessão de mediação em que (…) apercebemo-

nos de que o pai com os rendimentos que tinha e com as despesas que tinha não conseguia

suportar o montante que devia dar aos miúdos e, então ele decidiu arranjar outro

emprego.” (FP2M).

Assim, a análise dos resultados extraídos desta categoria permite afirmar que pais

autónomos e capacitados para tomarem decisões por si próprios se encontram numa

situação mais robusta para desenvolverem as suas atribuições parentais de forma

responsável. De notar, contudo, que o ambiente processual em que as decisões parentais

são construídas e assumidas pode constituir um fator mais ou menos facilitador de

autonomia. É fundamental que tal ambiente seja calmo e apropriado à avaliação precisa

das questões que o caso concreto suscite. Neste sentido, o processo de mediação familiar

é seguramente um contexto eficiente para o desenvolvimento de comportamentos de

autorresponsabilização, de exploração e de criatividade no âmbito da transição para a SD.

Ter tempo para pensar

A categoria “Ter tempo para pensar” consiste em os pais, de acordo com as

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informações disponíveis e as suas habilidades intelectuais e cognitivas, disporem de

tempo adequado para questionar, para integrar e para redefinir formulações construtivas,

criativas e conciliadoras.

O caminho da SD é um tempo de (des) construção, mas também de (re) construção

em que o futuro da família se vai alicerçando com base em múltiplas decisões que podem

ser exigentes e complexas e, por isso, carentes de “Um tempo com alguma liberdade e

apoio, não o tempo em que estão a ser pressionados pelo tribunal, pelos advogados, pela

família. Portanto, as pessoas terem tempo para se debaterem com as questões que têm

que resolver (…)” (FU3M); para integrarem os novos desafios da sua vida emocional

“Eu ia só dizer do tempo emocional que as pessoas precisam para digerir. “(FV3M); e

para descobrirem outras visões possíveis sobre o assunto e redefinirem as suas posições,

“Houve uma decisão de um pai que, numa determinada mediação, simplesmente disse:

‘fui para casa, pensei melhor e, de facto, a minha mulher tinha razão, de facto a criança

fica melhor um pouco mais de tempo com ela’ (…).” (FJ1M).

Importa considerar que a necessidade de tempo é subjetiva e depende de múltiplos

fatores, enquanto para algumas pessoas a consecução da SD é sentida com premência,

“(…) às vezes nós dizemos que se tivéssemos ali ‘acordos tipo’ acho que as pessoas os

faziam naquela hora.” (FG1S); em outros casos, há uma colisão de tempos, porque “(…)

vamos bater na frase que todos nós conhecemos: ‘o tempo da criança não é o tempo dos

adultos’ (…), a criança não pode esperar, mas os pais têm que se decidir no dia seguinte.

“(FV3M).

Assim, os resultados decorrentes da análise desta categoria indicam que as pessoas

necessitam de um determinado período de tempo, adequado a cada caso concreto, para

tomarem decisões informadas e responsáveis, o qual, está relacionado com as

necessidades individuais dos pais para explorarem, interiorizarem e refletirem sobre o

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sentido e as implicações para as crianças e para os próprios das suas decisões. Assim,

quanto mais ajustado for o tempo necessário ao processo de decisão, melhor interiorizada

ficará a responsabilidade parental. Por outro lado, a consideração deste aspeto, por parte

dos mediadores familiares, pode refletir-se numa condução personalizada, produtiva e

criativa do processo de mediação familiar.

Valorizar a opinião dos filhos

A categoria “valorizar a opinião dos filhos” consiste na disposição dos pais para

escutar e dar valor aos sentimentos, opiniões e necessidades da criança de acordo com a

sua idade e maturidade.

Como sabemos os direitos da criança encontram-se amplamente consagrados nas

leis, não obstante, a responsabilidade por dar vida a esses direitos nem sempre é

observada, nomeadamente pelos pais e mediadores familiares, em todas as situações e

procedimentos que envolvem as crianças. De facto, o cuidado em escutar as crianças e

dar valor às suas opiniões é ser crucial para a perceção e o alcance da responsabilidade

que incumbe aos pais aquando da tomada de decisões com impacto na vida das crianças,

“(…) é importante devolver aos pais (…) como é que a criança vê, como é que a criança

sente, quais são as consequências para a criança, quais as necessidades, uma série de

coisas, muitas vezes a observação da interação da díade pai/filho o que quer que seja,

eu acho que é uma boa estratégia e funciona. “(FH1S). Levar em conta a voz da criança

informa e enriquece o processo de tomada de decisão e contribui para enraizar as decisões

tomadas nas vivências dos filhos, “A opinião, o sentir delas em relação a esta questão

que se colocou e, os pais tomaram em consideração essa mesma realidade de ser para

elas mais satisfatório, mais confortável, estar mais tempo em casa de cada um dos pais.

Foi três semanas num, três semanas no outro.” (FK1M).

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197

De notar, que a escuta dos sentimentos, motivações e desejos das crianças

contribui para a interiorização da responsabilidade dos pais face aos filhos e para a tomada

de decisões equilibradas, na transição para a SD.

Assim, constata-se que a dimensão da responsabilidade é uma componente crucial

do processo de tomada de decisões sobre responsabilidades parentais. A experiência da

responsabilidade dos pais e das mães é explicitamente influenciada por fatores pessoais e

contextuais que potenciam a interiorização e o robustecimento de comportamentos e de

decisões cuidadas e centradas nos filhos e também por aspetos negativos que dificultam

a compreensão, interiorização e materialização de atitudes comprometidas com a

responsabilidade parental, no período de SD.

3.6 Perceções sobre o enquadramento prévio ao processo de mediação familiar

Tendo em conta as incertezas que se colocam relativamente à adequação da mediação

familiar a determinadas situações, nomeadamente aos casos em que se detete

violência/abuso e nos casos de elevado conflito considerou-se pertinente explorar e

analisar as perceções dos participantes nos focus groups relativamente a esse assunto.

De notar, que a noção de perceção nos remete para “aqueles aspetos de

informação disponível numa situação nos quais um indivíduo repara e enquadra em

categorias que lhe são significativas" (Baucom & Epstein, 1990, p. 66, cit. por Narciso &

Ribeiro, 2009, p.78) e que estão intimamente conectadas com as interpretações e os

significados que as pessoas atribuem a um determinado evento.

Assim, com base no procedimento adotado para a de análise dos dados dos focus

groups obtivemos a categoria hierárquica principal - Perceções sobre o enquadramento

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198

prévio ao processo de MF -, a qual, compreende três subcategorias21: 1) perceções sobre

o uso dos conhecimentos jurídicos pelos mediadores familiares, referida 19 vezes pelos

participantes nos focus groups; 2) perceções sobre condições prévias para mediação

familiar, nomeada 47 vezes; 3) perceções sobre o sucesso da mediação familiar durante

o processo judicial, com 37 referências.

3.6.1 Perceções sobre o uso de conhecimentos jurídicos

A necessidade de os mediadores familiares possuírem conhecimentos jurídicos,

nomeadamente na área da Família e dos Direitos das Crianças e a forma como os devem

utilizar é uma questão pertinente, sobretudo quando se cruzam com o campo da mediação

familiar questões legais que implicam direitos indisponíveis ou quando estão em causa

acordos cuja eficácia depende de homologação judicial. De facto, apesar de os cursos de

formação em mediação familiar oficialmente reconhecidos integrarem obrigatoriamente

matérias jurídicas, a necessidade e utilidade destes conhecimentos é controversa entre os

mediadores familiares e, eventualmente, entre as diversas escolas e modelos de formação.

21 Estes resultados estão apresentados de forma mais pormenorizada no Apêndice C.

2; 14%

12; 86%

Desnecessários Necessários

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199

Figura 27. Necessidade de os mediadores familiares terem conhecimentos jurídicos.

Os resultados apresentados na figura 27 indicam que 12 participantes (86 %) nos

focus groups consideram que os mediadores familiares devem ter conhecimentos

jurídicos, enquanto 2 dos participantes (14 %) refere que são desnecessários.

Por isso, a necessidade de os mediadores familiares disporem de uma base segura

de formação jurídica contribui para um desempenho eficiente da sua atividade, desde

logo, pelo facto de que “O desconhecimento da lei não beneficia ninguém.” (FL3M); por

conferir maior solidez à intervenção, pois, “(…) sei quais os parâmetros em que eles

podem fazer os acordos e, depois digo-lhes que para assinarem o acordo podem

consultar um profissional de direito, um advogado.” (FF1M) e por levar em conta os

objetivos concretos que motivam, comummente as pessoas a solicitar a mediação

Familiar e que visam regularizar e normalizar situações familiares e patrimoniais

abrangidas pelo sistema jurídico, “Eu acho que um mediador para fazer um acordo

convenientemente em mediação familiar deve ter conhecimentos jurídicos (…). Eu ponho

lá tudo o que é jurídico e não é jurídico para aquele acordo não vir para trás, porque eu

sei o que é que o Ministério Público vai pesar. “(FL3M).

Não obstante, também foi mencionado por outros participantes neste estudo que

os mediadores familiares não necessitam de conhecer as leis que enquadram as decisões

a tomar na mediação familiar, “Pois, eu sinto-me muito confortável por não conhecer

grosso modo a lei, se conhecesse também não fazia uso. “(FK1M); remetendo

exclusivamente para os mediados a incumbência de recolher as necessárias informações

jurídicas junto de advogados, “Eu concordo com o que a K disse, sinto-me

superconfortável e remeto sempre para os profissionais. (FS1M).

Os resultados permitem concluir que a perceção dos participantes nos focus

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200

groups indica uma tendência marcada para considerar o conhecimento das leis sobre a

família e as crianças como sendo útil e necessário para a condução realista e abrangente

do processo de mediação familiar, não obstante, a importância de ter presente que tais

conhecimentos não devem extrapolar o que se mostrar estritamente necessário ao

enquadramento consistente das questões a abordar, nem devem sobrepor-se ao papel de

aconselhamento e orientação jurídica que cabe exclusivamente ao advogado ou a

qualquer outro especialista se o tema a esclarecer for de outra ordem (e.g. psicólogo,

assistente social, etc.). De rememorar, que as matérias respeitantes aos acordos sobre o

exercício das responsabilidades parentais são, na sua maioria, de ordem imperativa, uma

vez que, estão em causa direitos primordiais das crianças e da família que importa

observar por todos profissionais envolvidos na situação. Acresce que, a mediação familiar

corre geralmente em articulação com o sistema judicial e administrativo, por isso, a

produção de acordos eventualmente irregulares ou inválidos no plano jurídico não se

mostra realista por não se verem alcançados todos os objetivos visados, quer na perspetiva

dos pais, quer na perspetiva dos demais interlocutores e instituições envolvidas.

Parkinson, (2008) refere que os mediadores familiares devem evitar entrar em detalhes

jurídicos devendo sugerir aos mediados a obtenção de aconselhamento jurídico sempre

que se mostre necessário, quer durante, quer no final da mediação familiar. Salienta-se,

no entanto, que os mediadores familiares habilitados com conhecimentos jurídicos de um

nível apropriado estão melhor posicionados para conseguir identificar e discernir a

natureza dos assuntos suscetíveis de carecer de esclarecimento jurídico, assim como, para

os integrar no esquema das sessões de mediação familiar.

3.6.2 Perceções sobre condições prévias para mediação familiar

Page 229: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

201

A mediação familiar pode ser encarada como um processo que contribui, entre

outros aspetos, para revigorar sentimentos de controlo e de segurança comummente

ameaçados pelas várias mudanças e incertezas emergentes da transição para a SD (eg.

afetivas, familiares, económicas, etc.). De facto, a construção gradual de compromissos

entre os pais, para além, de potenciar e consolidar o nível de confiança apropriado à

construção conjunta das decisões que irão dar a forma e o conteúdo aos diversos acordos

necessários a consecução jurídica da SD contribui, também, para potenciar a assimilação

da nova estrutura, organização e funcionamento das relações parentais e coparentais

emergentes. No entanto, importa frisar que em determinadas casos e condições

específicas, a mediação familiar pode, eventualmente, não ser a abordagem mais

adequada. Assim, as perceções dos participantes neste estudo sobre aspetos como: o

contacto inicial dos mediados com a mediação familiar; a (in) existência de informação

jurídica por parte dos mediados e a ponderação sobre a adequação da mediação familiar

relativamente ao caso em presença, refletem uma dimensão que releva explorar no

contexto deste trabalho.

Contacto inicial dos mediados com a mediação familiar

Através desta categoria pretendeu-se explorar os principais elementos captados e

valorizados pelos participantes nos focus groups relativamente aos primeiros contactos

das pessoas com o processo de mediação familiar

Os resultados emergentes da análise desta categoria refletem que, no contacto

inicial dos mediados com o contexto da mediação familiar, são percetíveis estados de

cansaço, desmotivação, descrença e desconfiança, “E, depois, também estão muito

cansados, o que sinto é que estão muito cansados já passaram por relatórios sociais, já

passaram por inquéritos, já passaram por gente a dizer como é que vão fazer como é que

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202

não vão. (FC2M); (…) vêm muito descrentes, já veem tão cansados de tanta coisa, tão

desmotivadas, não confiam um no outro. “(FS1M). Foram também identificados indícios

– captados na comunicação verbal e não verbal -, de que as pessoas estão inquietas ou

ansiosos, “(…) as pessoas quando chegam estão fisicamente muito agitadas, não estão

no mesmo sítio, normalmente movimentam-se, têm um tom de voz alterado geralmente

acima do normal, falam em sobreposição ao outro, são agressivas, noto um tom de

agressividade naquilo que eu consigo ver no não verbal. (FJ1M) e inseguros, tentando

“criar um aliado connosco.” (FK1M); ao mesmo tempo que, a comunicação apresenta

várias nuances de disfuncionalidade (…) “Não se escutam um ao outro, na interação

percebe-se que há uma não escuta e também alguma rigidez em termos físicos de

postura.” (FK1M).

Parkinson (2008) assinala que é essencial que os mediadores familiares

reconheçam as inquietudes, receios e desconfianças iniciais de quem recorre a mediação

familiar, de forma a poderem desenvolver estratégias que ajudem a tranquilizar, encorajar

ou normalizar as inseguranças iniciais.

De notar, que os resultados demonstram que os estados de desânimo e de fadiga

acumulada (e.g. arrastamento de processos judiciais; desgaste do conflito, etc.) são

frequentes quando as pessoas iniciam a mediação familiar sendo, por isso, importante que

os mediadores familiares orientem as sessões de forma a transmitirem conforto e empatia,

ajudando as pessoas a fortalecerem-se emocionalmente e apoiando o processo de

empoderamento das forças construtivas entretanto afundadas sob o peso do conflito.

Indicadores relativos a (in)adequação da Mediação Familiar ao caso concreto

Como é sabido nem todos os casos de SD reúnem as condições para uma

intervenção profícua de mediação familiar. Assim, procurou-se descobrir pistas que

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203

ajudem os mediadores familiares a determinar se um caso concreto é ou não é adequado

para mediação familiar.

Verifica-se inadequação de uma situação para mediação familiar quando se

constatam situações potencialmente impeditivas como aquelas em que o mediador

familiar toma conhecimento da prática de crime grave que ponha em causa a vida ou a

integridade física e mental de uma pessoa e, ainda, quando se detetam condicionantes

pessoais ou relacionais suscetíveis de diminuir a capacidade de autodeterminação das

pessoas. Em princípio, a mediação familiar é um processo seguro para intervir em

situações em que possa existir alguma forma de agressividade ou de violência, contudo,

estes casos devem ser objeto de rigorosa ponderação quanto aos possíveis riscos

envolvidos (e.g. violência doméstica e abuso grave).

A categoria referente aos “Indicadores relativos a (in)adequação da MF ao caso

concreto” compreende um total de 29 referências. Por sua vez, esta categoria subdivide-

se em duas subcategorias: a subcategoria relativa a casos em que o processo de mediação

familiar é “Inadequado”, indicada 12 vezes e a subcategoria em que o processo de

mediação familiar é “Adequado”, a qual, apresenta compreende 17 referências.

Indicadores de Inadequação.

Os aspetos referidos pelos participantes nos focus groups como causas possíveis

de inadequação do caso para mediação familiar encontram-se relacionados com situações

em que, de forma temporária ou permanente, a capacidade de autodeterminação pode

estar diminuída. Assim, destacam-se situações em que as condições de saúde física e/ou

mental se encontram afetadas de forma a prejudicar a capacidade para tomar decisões de

forma responsável, livre e consciente. Desta forma, os “(…) problemas que são já de

perturbação de personalidade, por um lado, por outro lado, aquilo que sinto é que há de

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204

tudo, mas acho que tem a ver com o tipo de relação. (FL1S); assim como, a necessidade

de acompanhamento prévio ou concomitante com a mediação familiar de terapia, porque

“Há casos negativos em que a mediação não funciona e que, são casos que deviam ir

para a terapia.” (FC2M). A estes indicadores acrescem situações em que, face à

gravidade do conflito e ao elevado nível de hostilidade, não seja aceitável para as próprias

pessoas envolvidas a partilha do espaço comum da mediação familiar, tendo em conta

que “(…) a pessoa se foi agredida, se foi menosprezada na sua moral, no seu íntimo pelo

outro, pode não estar nas devidas circunstâncias psicológicas para estar em mediação.”

Acresce que, certas falhas de informação sobre mediação familiar,

nomeadamente, por parte de profissionais da área jurídica, podem originar

encaminhamentos desajustados para mediação familiar, “Depois, também há outro

problema é que muitos dos juízes não sabem bem o quê que é a mediação familiar. Outro

dia recebi um que pensava que vinha para a terapia familiar. “(FS2M). De frisar, ainda

a perceção que os participantes nos focus groups têm de que os casos procedentes do

tribunal são de dificuldade acrescida, “Os casos que vêm do Tribunal ... é que os

processos que se apresentam do tribunal, eu já tive diversas experiências, diversas! -

Para além de não serem mediáveis.” (FV3M).

Assim, os resultados obtidos fornecem pistas que ajudam a ponderar as possíveis

vantagens e desvantagens da mediação familiar face a um determinado caso concreto. De

salientar, que certas condições pessoais, como os problemas de saúde mental são

suscetíveis de diminuir fortemente a capacidade de autodeterminação das pessoas

envolvidas e, por isso, ser desaconselhada a utilização de mediação familiar. Por seu lado,

encaminhamentos precipitados para mediação familiar e a severidade do conflito são

igualmente indicadores a considerar relativamente a uma possível inadequação da

mediação familiar ao caso em presença. Não obstante, a possibilidade de a mediação

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205

familiar em casos de violência doméstica ser discutível, (e.g. Parkinson, 2008; Rossi,

Holtzworth-Munroe & Applegate, 2015) é de considerar que a severidade, o grau de

intimidação, a frequência, o tipo de violência física e/ou psicológica e a existência ou não

de processo criminal, constituem elementos decisivos na ponderação/avaliação do caso

concreto pelos mediadores familiares (Ballard, Holtzworth-Munroe, Applegate & Beck,

2011).

Indicadores de adequação.

A análise da categoria relativa aos indicadores de adequação dos casos para

mediação familiar, visa descobrir aspetos e características que sugerem a existência de

conformidade das situações concretas com o processo de mediação familiar.

Quando a opção pela mediação familiar parte das pessoas envolvidas no conflito

e surge livre de pressões, então, a mediação familiar é provavelmente a forma mais

adequada para gerir o conflito, “Eu estava animadíssima, ao princípio, porque chegaram-

me só processos dos que vêm voluntariamente e então correram bem.” (FP2M); assim

como, expectativas positivas dos mediados indiciam um processo mais ágil, “(…) as

pessoas dizem que vêm por conhecimento que tiveram e vêm por alguém que lhes falou

da mediação e vêm com uma expectativa positiva, ora, quando as partes se apresentam

desta maneira todo o trabalho tem um caminho diferente, digamos, flui com facilidade.

FV3M); também, a linguagem não verbal fornece pistas sobre o ajustamento do caso à

mediação familiar, “E o conforto deles pareceu-me tão grande que, muito rapidamente,

entraram, assim, na mediação. “(FJ1M), sendo ainda a motivação para dialogar e refletir

outro indicador de que a abordagem do conflito através da mediação familiar será bem-

sucedida, “(…) há também gente, pais que chegam à procura de uma coisa diferente e

com vontade de se sentarem a conversar e a pensar o que que vamos fazer.” (FC2M).

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206

Desta forma, a voluntariedade, as expectativas positivas, a sensação de conforto e

a motivação para o diálogo dos ex-casais/pais são manifestamente indicadores claros de

que a mediação familiar é uma forma positiva e ajustada para a resolução dos assuntos

que se colocam a uma determinada família específica, aquando da SD.

Informação jurídica dos mediados

Uma das características da mediação familiar é a de que os pais devem assumir

por inteiro a responsabilidade pelas decisões que adotam, por isso, é essencial que

detenham todas os dados e informações necessárias para que o processo de tomada de

seja fundamentado e esclarecido. Acresce, ainda, que o quadro jurídico de referência

sobre responsabilidades parentais assenta na necessidade de garantir que os interesses e

direitos da criança ficam devidamente acautelados em situações que implicam alterações

importantes na vida da criança como sucede aquando da SD dos pais. Como tal importa

conhecer que perceções têm os participantes nos focus groups relativamente à informação

jurídica dos pais quanto aos assuntos sobre os quais vão tomar decisões e estabelecer

acordos.

A categoria “Informação Jurídica dos mediados” (42 referências) respeita à

informação jurídica de base que enquadra o tema das responsabilidades parentais, a qual,

compreende as subcategorias “Informação suficiente” (9 referências) e a subcategoria

“Informação insuficiente” (33 referências).

Assim, os resultados obtidos demonstram que a perceção dos participantes nos

focus groups é a de que a maioria dos pais não detêm a informação jurídica suficiente e

quando a têm nem sempre é correta, apesar de estarem em causa assuntos que,

comummente afetam a vida dos seus filhos. De notar, que a existência de equívocos

quanto aos conceitos jurídicos é frequente e suscetível de gerar confusão e insegurança

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207

nos pais relativamente ao alcance e às implicações dos acordos dificultando, entre outros

aspetos, o cumprimento dos mesmos, “Há uma situação também muito recente de uma

senhora que disse que estava preocupadíssima com a regulação das responsabilidades

parentais, (…). E vai ao advogado e o advogado disse: ‘sim, sim, isso agora anda para

aí uma modernice com a guarda alternada! (…) ela estava completamente desnorteada

com a questão; não sabem distinguir entre o que é a partilha das responsabilidades

parentais e as guardas, a guarda alternada … há aqui muita mistura de conceitos.

“(FL3M). Em contrapartida, quando os pais têm informação jurídica estão melhor

apetrechados para explorar os assuntos e para delimitar o espaço negocial de forma

racional e realista, (…) tinha ali uma informação que normalmente as pessoas não têm,

porque nem sabem qual era a lei anterior quanto mais a atual e que estava a usar no seu

próprio interesse, mas penso num sentido positivo. (…) (FI2S).

Os resultados sugerem que na maioria dos casos os pais não se encontram

devidamente esclarecidos no plano jurídico relativamente aos assuntos que irão abordar

na mediação familiar, especificamente, sobre a regulação do exercício das

responsabilidades parentais e os direitos das crianças. De notar ainda, que nos casos em

que os pais estão assessorados por advogados, continua a manifestar-se alguma confusão

de conceitos jurídicos. Este conhecimento insuficiente ou deturpado das coordenadas

jurídicas essenciais que subjazem aos acordos que versam sobre as crianças é suscetível

de fomentar alguma confusão e intermináveis discussões sobre os direitos de cada um dos

pais quando o que realmente pode estar em causa são os direitos das crianças.

3.6.3 Perceções sobre o sucesso da mediação familiar durante o processo judicial

Como sabemos a mediação familiar pode ocorrer antes ou depois de iniciado o

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208

processo judicial. Assim pretende-se explorar quais são as perceções dos participantes

nos focus groups relativamente à influência do processo judicial no desenvolvimento e

no resultado da mediação familiar.

O processo de análise dos dados permitiu criar a categoria “Perceções sobre o

sucesso da MF durante o processo judicial” (37 referências), a qual, originou a

subcategoria “Perceções negativas” (34 referências) e a categoria “Perceções positivas”

(3 referências). Assim, os resultados sugerem que a existência prévia de um processo

judicial à mediação familiar tem impacto negativo na dinâmica e no resultado do processo

de mediação familiar.

Perceção negativa

Verifica-se que o contacto dos pais com o processo judicial tem consequências

negativas na severidade e no aumento do conflito; “Da minha experiência se é processo

de tribunal. a interação é sempre péssima, vêm sempre zangadíssimos, com o conflito

aceso, é muito difícil a interação, da minha experiência dos processos de tribunal não

consigo chegar a bom porto (…) “(FS2M); porque, a natureza controvertida do processo

judicial tende a fortalecer o conflito, “O sistema judicial como reforço do conflito, quem

é alvo do processo fica ofendido e o conflito tende a aumentar; guerra em tribunal com

advogados; terminam sem acordos voltam para tribunal.” (FP2M), assim como, a

adversariedade e a defesa de interesses contrapostos pode mostrar-se um obstáculo à

concentração dos pais na procura de consensos sobre as crianças. “No fundo, a guerra em

tribunal com os advogados é como eu costumo dizer aos pais, é entre os adultos, é para

alimentar o conflito entre eles, não é para resolver o problema das crianças.” (FP1S);

“No tribunal o padrão é culpar o outro, (…).” (FH1S).

Verifica-se, pois, que quando a mediação familiar ocorre durante o processo

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209

judicial o conflito é frequentemente mais forte implicando, por isso, uma maior

probabilidade de a mediação familiar terminar sem acordo e de o caso retornar ao tribunal.

Assim, a análise dos resultados sugere que a mediação familiar deveria ocorrer antes de

se iniciar o processo em tribunal, de forma preventiva e efetivamente protetora da família

e da criança aquando da transição para a SD.

Perceção negativa sobre o impacto do processo judicial na dinâmica do conflito

A categoria “Perceção negativa sobre o impacto do processo judicial na dinâmica

do conflito” (3 referências) sugere que o recurso aos tribunais, em determinados casos,

tem um efeito contentor sobre o conflito “O tribunal e as regras funcionam também como

contentores, porque, de facto se não houvesse um limite, uma contenção, podia não

parar.” (FI2S).

Em síntese, as perceções dos participantes nos focus groups relativamente à

categoria “Perceções sobre o enquadramento prévio do processo de MF” refletem a

importância de avaliar a adequabilidade dos casos ao processo de mediação familiar, de

forma a evitar consequências negativas, nomeadamente o reforço do conflito por meio da

mediação familiar e a não observância dos princípios da voluntariedade, da

autodeterminação e da segurança das pessoas envolvidas. Acresce a relevância que os

participantes neste estudo atribuíram à posse de conhecimentos e informações jurídicas,

quer por parte dos mediadores, quer por parte das pessoas que recorrem a mediação

familiar.

3.7 Síntese do capítulo

Neste capítulo, procedemos à análise do sistema hierárquico de categorias obtido

a partir da análise do conteúdo dos focus groups. Começamos por investigar as tipologias

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210

de conflito familiares mais comuns e os fatores funcionais de ativação e de pacificação

do conflito. Seguidamente, procedemos à análise das estratégias que os mediadores

familiares e os assessores do ISS utilizam com mais frequência e consideram mais

eficientes, tentando corelacioná-las com os modelos de mediação familiar comummente

referidos na literatura. Tendo presente, no quadro desta tese, a centralidade do tema do

processo de tomada de decisão dos pais no âmbito da mediação familiar, examinámos o

tópico da coparentalidade tentando identificar os fatores de proteção e os fatores de risco

para as crianças na transição da SD dos pais. Por outro lado, tentámos descobrir fatores

de influência positiva e negativa na capacidade de interiorização e de materialização da

responsabilidade no contexto do processo de tomada de decisão sobre as

responsabilidades parentais. Finalmente, exploramos diversas perceções dos participantes

nos focus groups relativamente a assuntos pouco estudados, tais como a dimensão jurídica

e a adoção de procedimentos preventivos e de triagem nos processos de mediação

familiar.

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211

CAPÍTULO IV

____________________________________________________________

4. ESTUDO EMPÍRICO 2 - FATORES DE IMPACTO NA

PARENTALIDADE NA TRANSIÇÃO PARA A SD E O PROCESSO

DE TOMADA DE DECISÃO SOBRE RESPONSABILIDADES

PARENTAIS, NO CONTEXTO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR

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212

4.1 Resumo do capítulo

Neste capítulo irão ser estudadas quatro domínios de influência no processo de

tomada de decisão dos pais, durante o período de transição para a SD, tais como: fatores

de proteção e fatores de risco; fatores de influência do processo de decisão e indicadores

de sensibilidade parental e o possível impacto do fator tempo no processo de decisão.

Serão, também, identificadas as características essenciais das decisões parentais

responsáveis e a forma como a mediação familiar está associada à formação e à

elaboração destas decisões. Finalmente, pretende-se compreender o impacto do processo

de decisão sobre o tema das responsabilidades parentais, em contexto de mediação

familiar, especificamente, em relação à prevenção da qualidade da coparentalidade, da

parentalidade e na prossecução do princípio da proteção primacial do superior interesse

da criança.

4.2 Metodologia

Como sabemos a presente tese é de natureza eminentemente qualitativa sendo, por

isso, orientada para explorar processos, padrões e significações a partir de diferentes

informantes, experiências e enquadramentos. Este estudo 2, desenvolve-se no seguimento

do estudo 1, mas visa abarcar a realidade em estudo a partir de um outro universo de

experiências, visões da realidade, perceções e significações, o qual, corresponde às

vivências de pais e de mães que participaram num processo de mediação familiar,

independentemente de o mesmo ter sido concluído com ou sem acordo. Tendo presente

que, a realidade apenas pode ser apreendida de uma forma imperfeita, dada a sua natureza

complexa e suscetível de múltiplas versões, é crucial aprofundar e ampliar o campo de

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213

observação, assim como, enraizar a própria investigação na realidade que pretendemos

estudar.

De salientar que, entre outros domínios, os fatores de proteção e de risco para os

filhos, emergentes na fase de transição para a SD dos pais e os fatores de influência no

processo de decisão, são transversais aos dois estudos empíricos realizados sendo que, o

estudo 2, é desenvolvido com base nas perceções dos pais e das mães que estiveram em

contacto com mediação familiar. Desta forma, pretende-se aprofundar e ampliar o campo

de observação e firmar a consistência deste processo de investigação.

4.3 Objetivos

Este estudo compreende cinco objetivos gerais definidos da seguinte forma:

1) definir decisões parentais responsáveis;

2) investigar as principais dimensões de influência no processo de tomada de

decisão sobre responsabilidades parentais, durante a SD;

3) identificar os fatores de proteção e os fatores de risco para as crianças e para os

pais, na fase de SD;

3) conhecer a influência da sensibilidade parental no processo de tomada de

decisão e de adaptação da família (pais e filhos) à SD.

5) conhecer o impacto da mediação familiar relativamente à concretização dos

direitos das crianças e para a proteção dos seus interesses, na fase de SD dos pais.

4.3.1 Objetivos específicos

Para o presente estudo empírico formulámos os seguintes objetivos específicos:

1) caracterizar as decisões parentais responsáveis;

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214

2) identificar domínios de impacto no processo de tomada de decisão dos pais, e

identificar as suas implicações para a mediação familiar;

3) averiguar fatores de proteção e de risco para as crianças e para os pais, na fase

de transição para a SD;

4) investigar a influência da sensibilidade parental, durante a fase de transição

para a SD;

5) explorar perceções dos pais relativamente à forma como perspetivam a relação

de coparentalidade no presente e em relação ao futuro;

6) conhecer a perceção dos pais quanto à participação das crianças no processo de

mediação familiar e identificar os critérios a adotar quanto à inclusão das crianças;

7) avaliar o nível de satisfação/insatisfação com a mediação familiar;

8) investigar a influência da coparentalidade no processo de tomada de decisão

sobre responsabilidades parentais, na transição para a SD.

9) Examinar possíveis relações entre a voluntariedade dos mediados e a forma

como terminam o processo de mediação familiar (com ou sem acordo).

4.3.2 Questões de investigação

Tendo em perspetiva os objetivos gerais e específicos atrás definidos formulámos

as seguintes questões de investigação:

Q1. Que aspetos caracterizam, dificultam e promovem a tomada de decisões

parentais responsáveis, na transição para a SD, no âmbito da mediação familiar?

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215

Q.2 Quais são os domínios de influência implicados no processo de tomada de

decisão dos pais, relativamente à regulação das responsabilidades parentais?

Q3. Quais são os fatores promotores de mudança adaptativa relativamente aos pais

em conflito, no âmbito do processo de mediação familiar?

Q4. Que relação tem o processo de mediação familiar, na fase de SD, com o

processo de tomada de decisão (responsável) dos pais?

Q5. Quais são os fatores de proteção e de risco para as crianças e para os pais,

durante a fase de transição para a SD?

Q6. Qual a influência positiva ou negativa do fator tempo na redução do conflito

entre os pais?

Q7. Qual a relevância da sensibilidade parental durante a SD? E que influência

tem no processo de tomada de decisão dos pais e no ajustamento das crianças à SD?

Q8. Como é que os pais perspetivam a coparentalidade no presente e no futuro?

Q 9. Qual é a perspetiva dos pais/mães quanto à efetivação do direito de

participação das crianças no processo de mediação familiar? E quais são os critérios a

adotar quanto à inclusão das crianças?

Q10. Qual é o nível de satisfação/insatisfação dos participantes relativamente à

mediação familiar?

Q11. Que relações podem ser encontradas entre as dimensões da coparentalidade

(QC) e a coparentalidade positiva e negativa identificada nos pais/mães, na transição para

a SD?

Page 244: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

216

Q.12 Que associação existe entre a coparentalidade a voluntariedade e o final do

processo de mediação com ou sem acordo?

4.3.3 Critérios e circunstâncias de seleção da amostra

Tendo em consideração que os critérios de seleção da amostra foram

desenvolvidos no capítulo II limitamos-mos, neste momento, a referir que a amostra para

este estudo foi selecionada tendo em vista o tipo de investigação (qualitativa) que se

pretende desenvolver (Fontenot, Poddar, Cardon & Marshall, 2013), a orientação

metodológica, os objetivos e as questões de investigação que colocámos. A obtenção de

diferentes perspetivas sobre os fenómenos em estudo, não só, amplia as possibilidades de

acesso ao conhecimento, como também, contribui para a validade da investigação. Neste

sentido, empreendemos, em primeiro lugar, o estudo 1, com mediadores familiares e

assessores do ISS e, em segundo lugar, este estudo 2, com pais e mães que tivessem

passado por um processo de mediação familiar relativo a responsabilidades parentais.

A autorização para o acesso aos contactos dos utentes (pais e mães) do Sistema de

mediação familiar público que compõem a amostra do estudo 2, foi possível na sequência

da apresentação do nosso projeto de investigação, junto do órgão competente do Gabinete

para a Resolução de Litígios (GRAL) - Direção Geral de Política de Justiça22.

4.3.3.1 Estratégia de amostragem

22 Os contactos desenvolvidos com o Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios, Ministério da

Justiça, para autorização de obtenção da amostra foram realizados simultaneamente para o estudo 1 e para

o estudo 2. Assim, para evitar repetições desnecessárias, remetemos para o capítulo 3 para uma descrição

mais detalhada.

Page 245: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

217

Tomando como ponto de partida para a definição da amostra os utentes do SMF

que tiveram contacto com a mediação familiar, selecionámos a amostra de acordo com os

objetivos centrais da presente investigação, nomeadamente:1) os participantes terem

experienciado um processo de mediação familiar relativo ao exercício das

responsabilidades parentais; 2) a mediação familiar ter decorrido no âmbito do SMF,

durante o ano imediatamente anterior ao início da recolha dos dados. Ao delimitar a

amostra nestes termos pretendeu-se, entre outros aspetos, selecionar participantes cujas

memórias e experiências objetivas e subjetivas ainda permanecessem acessíveis e vivas.

Assim, a experiência da SD dos pais e das mães e o contacto com o processo de

mediação familiar pública foram os fatores iniciais que pautaram a delimitação inicial da

amostra. Em primeiro lugar, porque as suas vivências da coparentalidade, de

parentalidade e de disrupção da conjugalidade a par com a sua experiência da mediação

familiar se apresentam como sendo essenciais para a compreensão dos fenómenos que se

pretendem estudar e compreender através deste trabalho. Em segundo lugar, optámos por

não incluir na amostra pais e mães que tivessem realizado mediação familiar no âmbito

privado, tendo em conta que a atividade privada de mediação familiar não se encontrava

ainda regulamentada23 à data em que recolhemos a amostra. De facto, o nosso propósito

foi aceder às vivências de pais e de mães em situação de SD e no âmbito de processos

conduzidos por mediadores familiares com experiência consistente e juridicamente

enquadrada, de forma a recolher dados relevantes.

Por outro lado, considerando que a presente investigação incide sobre a fase

específica de transição para a SD, mostrou-se necessário enquadrar a amostra nesse

23 Atualmente toda a atividade de mediação de conflitos encontra-se regulamentada através da Portaria n.º

344/2013 de 27 de novembro, na qual, se define que o serviço do Ministério da Justiça competente para

assegurar a organização, o acesso e a divulgação da lista de mediadores de conflitos habilitados para o

exercício da mediação privada.

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218

contexto temporal. Acresce que, o recrutamento dos participantes dentro da população

total de utentes do SMF no ano anterior ao início da recolha dos dados, ocorreu em função

da disponibilidade dos utentes para aderirem à realização da entrevista e o términus do

recrutamento foi decidido em função do nível de saturação teórica atingida (e.g. Corbin

& Strauss, 2008; Flick, 2005).

4.3.3.2 Número, duração e setting das entrevistas

Neste estudo realizámos um total de 29 entrevistas individuais com pais/mães com

a duração de 1h a 1h 30m cada, numa sala apropriada para o efeito, nas instalações da

Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, entre outubro de 2011 e março de

2013.

4.3.3.3 Entrevista semiestruturada

A entrevista semiestruturada caracteriza-se pela “incorporação de questões mais

ou menos abertas no guião” (Flick, 2005), de forma, a possibilitar que as pessoas

respondam de forma espontânea e se sintam à vontade para expor as suas experiências e

vivências. Tal como afirma Charmaz (2006) a entrevista semiestruturada visa obter

respostas descritivas, tanto da realidade externa (e.g. fatos, acontecimentos), como da

realidade interna (e.g. sentimentos, significados) possibilitando assim ao investigador o

acesso à interpretação que os respondentes fazem do mundo (Silverman, 2000). É, por

isso, que a entrevista semiestruturada é um instrumento que se adapta positivamente aos

métodos da GT (Creswell, 2007; Charmaz, 2006). O formato da entrevista

semiestruturada tem a vantagem de ajudar a manter o foco nos tópicos centrais da

investigação, ao mesmo tempo que, admite flexibilidade (e.g. alterações da ordem das

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219

questões, introdução de questões suscitadas pela conversa com os entrevistados, etc.),

(Charmaz, 2006; Flick, 2005). Contudo, como se trata de uma entrevista parcialmente

estruturada, o maior desafio da sua aplicação reside no equilíbrio entre flexibilidade e a

direção da reflexão, de forma a que todas as questões sejam respondidas (Flick, 2005).

Por sua vez, a abordagem e o tratamento qualitativo dos dados, permite apreender

o sentido das experiências, emoções e os factos que os participantes da investigação nos

transmitiram, assim como, possibilita a comparação entre as várias respostas que nos

confiaram (Flick, 2005).

No presente estudo 2, o guião da entrevista semiestruturada é composto por 34

questões semiabertas, integradas em 11 blocos temáticos. A elaboração do guião da

entrevista teve por base a revisão de literatura efetuada, a sensibilidade emergente da

prática profissional da investigadora e os resultados do estudo empírico 1.

4.3.3.4 Questionário sociodemográfico

O Questionário sociodemográfico é composto por questões de resposta rápida e

foi construído de forma a recolher elementos sobre a caracterização sociodemográfica dos

participantes no estudo, especificamente: a nacionalidade, a idade, o sexo, o estado civil,

o nível de escolaridade e a religiosidade. Além disso, recolheram-se ainda informações

relativas ao agregado familiar no momento da regulação das responsabilidades parentais,

concretamente: o número de filhos, idades, sexo, duração do casamento/união e estado

civil atual. Também se obtiveram elementos acerca da mediação familiar,

especificamente: as circunstâncias em que teve lugar o processo de mediação familiar

(como primeira opção ou na sequência de um processo judicial), o tempo decorrido após

o término do processo de mediação familiar e se o mesmo terminou com ou sem acordo.

Page 248: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

220

4.3.3.5 Procedimentos, preparação e realização das entrevistas

Os participantes no presente estudo empírico foram recrutados a partir de uma

listagem fornecida pelo GRAL na sequência dos contactos desenvolvidos para o acesso à

amostra. Esta listagem continha, unicamente, os nomes e os contactos telefónicos de 219

utentes do SMF (pais e mães) que, dentro do ano imediatamente anterior ao início da

recolha dos dados, passaram pela mediação familiar pública.

Seguidamente, iniciámos os contactos telefónicos com o intuito de obter a adesão

dos utentes do SMF para a realização da entrevista. Por variadas razões (e.g. falta de

tempo, dificuldade em falar do tema, etc.) muitos destes utentes não se mostraram

disponíveis para realizar as entrevistas. Assim, através da conversa telefónica com os

potenciais participantes no estudo e, após a apresentação da investigadora e dos principais

objetivos da investigação, tentámos sensibilizar os pais/mães para a extrema importância

da sua colaboração para o presente estudo empírico.

4.3.3.6 Realização das entrevistas semiestruturadas

Posteriormente, no dia e hora agendados para a realização das entrevistas, o

contacto presencial com o participante no estudo acontecia no átrio principal da

Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Desde o primeiro momento,

pretendeu-se estabelecer um clima afável para que o participante se sentisse à vontade e

confortável com os instrumentos técnicos necessários à entrevista, assim como, recolher

a autorização para a gravação da entrevista com a garantia de anonimato. Seguidamente,

tinha início a entrevista que era conduzida segundo o respetivo protocolo, ainda que

dando espaço para explorar e refletir sobre aspetos que se mostrassem relevantes. Na reta

final da entrevista era crucial dar a possibilidade ao participante de expor comentários,

Page 249: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

221

sugestões ou ideias. Finalmente, reiteravam-se os agradecimentos e faziam-se as

despedidas.

4.3.3.7 Preparação dos dados

A interpretação e a análise dos dados recolhidos através das entrevistas

semiestruturadas e do questionário sociodemográfico, requerem uma adequada

preparação para que a sua utilização informática se processe de forma consistente

(Baseley, 2010; Bloomberg & Volpe, 2008). Com o intuito de evitar repetições inúteis,

dado que, este assunto já foi tratado anteriormente no capítulo 3.24 abstemos-mos de o

desenvolver neste local.

4.3.4 Análise dos dados

De acordo com a orientação metodológica seguida nesta tese (GT), a recolha e a

análise dos dados não constituem fases separadas, mas sim, processos interligados e

concomitantes (Charmaz, 2006).

4.3.4.1 Caracterização da amostra

No presente estudo empírico a amostra é caracterizada através das variáveis

sociodemográficas recolhidas aquando da realização das entrevistas semiestruturadas.

A amostra é composta por pais e mães com filhos de idade inferior a 18 anos,

perfazendo o total de 29 participantes (N=29), dos quais, relativamente a 18 participantes

24 Este assunto encontra-se desenvolvido no Capítulo III.

Page 250: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

222

obtivemos dados dos dois membros do ex-casal (9 ex-casais) e relativamente a 11

participantes recolhemos dados apenas dados de um dos ex-cônjuges.

Tabela 3

Caracterização sociodemográfica da amostra do estudo 2

Frequência

(N)

Percentagem

(%)

Média

(M)

Desvio-

Padrão

(DP)

Sexo

Masculino

Feminino

14

15

48.3

51.7

Nacionalidade 29 100

Idade

33 – 52 anos

41.62 5.447

Nível de Escolaridade

Ensino Secundário

Ensino universitário

7

22

24.1

75.9

Duração do casamento

(anos)*

11.250 5.288

Nº de filhos (n=20)

1 filho

2 filhos

10

10

50

50

1.5

Idade dos filhos

1 - 24

7.93

5.037

Sexo dos filhos

Masculino

Feminino

14

16

46.7

53.3

Termo do processo de MF

(meses)

0 - 36

15.97

11.021

Resultado da MF

Sem Acordo (0)

Com Acordo (1)

7

13

35

65

Situação em que se

recorreu à MF

Proc. Judicial (0)

8

40

Page 251: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

223

Como 1ª opção (1) 12 60

Situação civil atual

Sozinho (0)

União de facto (1)

Casado (2)

Outra (3)

17

6

2

4

58.6

20.7

6.9

13.8

Religião

Sim (0)

Não (1)

15

14

51.74

48.3

Assim, de acordo com as variáveis sociodemográficas consideradas verifica-se

que 14 participantes são do sexo masculino (48.3%) e 15 são do sexo feminino (51.7%),

têm todos nacionalidade portuguesa (100%) e idades compreendidas entre os 33 e os 52

anos (M=41.62; DP=5.447).

Quanto ao nível de escolaridade, 7 participantes possuem o ensino secundário

(24.1%) e 22 têm o ensino universitário (75.9%). A duração do casamento ou da união de

facto é de cerca de 11 anos (M=11.250; DP=5.288)25.

Por sua vez, para o efeito do apuramento do número de filhos26, idade dos filhos27

e sexo dos filhos28, a amostra considerada (n=20) é inferior à amostra total dos

participantes (n=29), tendo em conta, que se optou por considerar nestes itens um único

valor relativamente aos participantes que formam um ex-casal, de modo a evitar a

duplicação da informação. Assim, no que se refere ao nº de filhos consta-se que 10

participantes têm 1 filho (50%) e 10 têm 2 filhos (50%), (M=1.5); quanto à idade dos

filhos varia entre 1 ano e 24 anos, situando-se a média em cerca de 8 anos (M= 7.93;

25 Relativamente às situações em que os dois membros do ex-casal realizaram a entrevista, considerou-se

apenas um valor para o casamento ou união de facto. De notar, ainda que, se verificou discrepância quanto

ao nº de anos de casamento ou união de facto indicados relativamente a 4 ex-casais, tendo-se, por essa razão

efetuado a média dos dois valores referidos de forma a evitar a escolha discricionária pelo valor indicado

por um dos participantes..

Page 252: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

224

DP=5.037) e relativamente ao sexo dos filhos são 14 crianças do sexo masculino (46.7%)

e 16 do sexo feminino. (53.3 %).

No que respeita ao termo do processo de mediação familiar, ou seja: ao tempo

decorrido entre o fim da mediação familiar e a realização da entrevista semiestruturada,

e média rondou os 16 meses (M=15.97; DP=11.021).

Relativamente aos itens, resultado do processo de mediação familiar e situação

em se recorreu a mediação familiar, optou-se também nestes casos por considerar como

uma única informação a resposta dada pelos 2 membros de cada ex-casais reduzindo estes

itens a 20 respostas (n=20). Desta forma, terminaram sem acordo 7 (35%) processos de

mediação familiar e com acordo 13 (65%) processos. No que diz respeito à situação em

que recorreram a mediação familiar 8 (40%) participantes iniciaram o processo de

mediação familiar após o início de um processo judicial e 12 (60%) utilizaram a mediação

familiar como 1ª opção para resolver o diferendo.

No que concerne à situação civil atual verifica-se que 17 dos participantes (58.6%)

vivem sozinhos, 6 vivem em união de facto (20.7%), 2 estão casados (6.9%) e 4 estão em

outra situação (13.8%). Relativamente à religiosidade 15 participantes são católicos

(51.74%) e 14 não têm religião (48.3%).

4.3.4.2 Processo de codificação

O presente estudo 2 foi desenvolvido com o suporte do software Qualitative

Solutions Research (QSR) NVivo 11 for Windows (Baseley, 2010). A análise dos dados

deste estudo consistiu num processo circular e dinâmico que sintetizamos da seguinte

forma: 1) à medida que as entrevistas vão sendo feitas e transcritas o investigador realiza

uma leitura atenta de forma a familiarizar-se com os dados e a reconhecer e anotar as

ideias principais; 2) o processo de análise dos dados desenvolve-se de forma sistemática

Page 253: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

225

de forma a organizar os extratos recortados dos dados de acordo com as suas

características mais significativas; 3)seguidamente todos os extratos são codificados

dentro das categorias temáticas; 4) as categorias são, depois, revistas, comparadas e

refinadas verificando-se se os domínios temáticos refletem o conteúdo das subcategorias

integrantes; 5) posteriormente procede-se à revisão final de todo o sistema hierárquico de

categorias verificando se o mesmo espelha a essência do estudo, nomeadamente, os

fatores de proteção e os fatores de risco que envolvem a transição para a SD, assim como,

os fatores de influência no processo de tomada de decisão e ainda o reflexo das DPR na

proteção real e concreta do superior interesse da criança em conexão com o contexto da

mediação familiar; 6) finalmente os resultados obtidos são reduzidos a escrito e

apresentados.

Figura 28. Mapa temático do estudo 2.

Page 254: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

226

A figura 28 exibe o mapa temático do estudo empírico 2 desenvolvido ao longo

do processo de análise categorial. Pretende-se representar as categoriais primordiais e a

forma como se interligam entre si.

4.4 Modelos e abordagens gerais do processo de tomada de decisão

Como sabemos o processo de mediação familiar visa criar um contexto

estruturado e orientado para proporcionar ao ex-casal/pais condições que promovam a

tomada de decisões consistentes e enraizadas na situação concreta de cada família, apesar

dos níveis de stress, ambiguidade e de incerteza que comummente acompanham o

processo de decisão sobre o exercício das responsabilidades e o processo de mudança

inerente à SD.

De referir, que a teoria relativa à tomada de decisão tem na sua base investigações

científicas incidentes em variadas áreas, nomeadamente, sobre situações que envolvem

stress, incerteza, ambiguidade, risco ou emergência (Kleespies, 2014; Starcke & Brand,

2016). No entanto, importa notar que não se conhecem quaisquer estudos científicos sobre

o processo de tomada de decisão, no âmbito da SD, ou na área específica da mediação

familiar e das responsabilidades parentais.

Kleespies, (2014) sintetiza os modelos teóricos existentes sobre tomada de

decisão, em três grupos distintos: modelos Racionais e Normativos; modelos Descritivos

e modelos de tomada de decisão Naturalísticos.

Relativamente aos modelos Racionais e Normativos, Driskell e Johnston (1998)

afirmam que, “o processo de tomada de decisão normativo e analítico envolve uma busca

de informação sistemática e organizada de modo a detetar todas as alternativas

disponíveis que permitam gerar e comparar um vasto conjunto de opções com vista a

selecionar as escolhas que, com maior probabilidade, possam alcançar um resultado

Page 255: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

227

ótimo.” (p.205). A necessidade de avaliar a probabilidade de as decisões tomadas serem

as mais adequadas para alcançar os objetivos pretendidos é, pois, um ponto fulcral destes

modelos de tomada de decisão, o que nem sempre se coaduna com o dinamismo de muitas

situações que requerem uma decisão rápida ou em que não é possível obter todas as

informações conexas com a decisão. De notar, no entanto, que, em muitos casos, há tempo

suficiente para tomar decisões estruturadas (Driskell & Johnston, 1998) e que nem todas

as situações e assuntos requerem decisões rápidas e imediatas. Salienta-se, contudo, que

estes modelos de base racional e normativa são contestados por não atenderem ao facto

de as decisões humanas não configurarem processos exclusivamente racionais (e.g.

Damásio, 2010; Kleespies, 2014).

Segundo os modelos Teóricos Descritivos o processo de tomada de decisão não é

concebido numa perspetiva exclusivamente racional, quantitativa e probabilística

(Kahneman, 2011; Kleespies, 2014). De facto, vários estudos demonstram que as pessoas

quando confrontadas com condições complexas e de incerteza utilizam um número

limitado de alternativas e de estratégias, de forma, a ajustarem e simplificarem as

operações de tomada de decisão. Kahneman, (2011), desenvolve o modelo Descritivo

com base na heurística que define, tecnicamente, como sendo um “procedimento simples

que ajuda a obter respostas adequadas, embora frequentemente imperfeitas, para questões

difíceis” (p. 97), ou seja, a capacidade para produzir atalhos ou respostas intuitivas sobre

questões complexas. Desta forma, o autor refere as características básicas de dois

Sistemas de estratégias responsáveis pelo processamento das decisões. O Sistema 1 opera

de forma automática, rápida e sem dispêndio de esforço, realiza inferências, foca-se na

evidência, afasta dúvidas e promove sensações, afeições e inclinações que, ao serem

cometidas ao Sistema 2, se transformam em crenças, atitudes e intenções. Por sua vez, o

Sistema 2 dispõe de capacidade de autocrítica e de resistência às inspirações do Sistema

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228

1, designadamente, retardando processos e impondo análise lógica. Os dois Sistemas de

estratégias funcionam de forma interligada, o Sistema 1 opera como simplificador da

probabilidade oferecendo respostas mentais automáticas, mas sem grande escrutínio

enquanto o Sistema 2, mais lento, mas mais cauteloso verifica a plausibilidade da resposta

do Sistema 1 podendo rejeitá-la ou modifica-la. A forma de pensamento automático

gerado pelo Sistema 1 compreende ainda estratégias mentais que Kahneman, (2011)

designa de processos substituição, os quais, têm lugar nas situações em que não existindo

resposta direta para uma questão, essa questão é substituída por outra semelhante para a

qual exista resposta. Quando este processamento é endossado ao Sistema 2 são então

desenvolvidas estratégias de verificação, alteração ou rejeição da resposta encontrada

pelo Sistema 1.

Desta forma, o pensamento intuitivo decorre da simplificação da heurística

(estratégias ou atalhos cognitivos) e não como resultado de habilidades adquiridas através

da experiência, o que pressupõe menor precisão e maior tendência para vieses

sistemáticos (Kahneman & Klein, 2009).

Por seu lado, os modelos de decisão Naturalísticos distinguem-se dos modelos

anteriormente referidos, desde logo, pela ênfase colocada nos efeitos do contexto que

envolvem muitas decisões tomadas no mundo real, isto é, em ambientes naturais,

dinâmicos, incertos e sujeitos a mudanças rápidas (Kleespies, 2014). Os modelos

Naturalísticos compreendem diferentes formulações, especificamente: 1) modelo de

decisão com primado da recognição; 2) modelo de decisão recognição/metacognição; 3)

modelo de consciência da situação; 4) estratégia de tomada de decisão hipervigilante.

O cerne do modelo Primado da Recognição não é o de encontrar maneiras de

reduzir ou eliminar os erros relativos à tomada de decisão, mas sim o de encontrar formas

de ajudar as pessoas a atuarem com habilidade usando a sua experiência de forma eficaz.

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229

De acordo, com investigações realizadas em diversos settings29 (Zsambok, 1993)

constata-se que, em primeiro lugar, as pessoas tomam decisões de acordo com os dados

selecionados pelos seus quadros mentais e não mediante grandes conjuntos de opções

(Kleespies, 2014). Segundo Klein (2015), os insights não ocorrem necessariamente da

recolha de extensos conjuntos de dados sobre as questões a decidir, pois, também podem

surgir por se detetarem contradições e irregularidades ou conexões várias. Deste modo, a

incerteza associada à tomada de decisão parece ser mais uma consequência de um

inadequado enquadramento de informações do que da ausência dessas informações

(Klein, 2015). Nesta perspetiva as decisões acertadas não decorrem da comparação de

múltiplas opções, nem tão pouco a experiência se limita a um conjunto de regras e de

procedimentos30 . As decisões profícuas resultam, pois, de padrões pessoais que as

pessoas usam para lidar com as situações e do conhecimento tácito (Klein, 2015), ou seja,

advém da acumulação, através da experiência, de um conjunto de respostas praticamente

automáticas a padrões reconhecidos (Cohen, Freeman & Thompson, 1998). Desta forma,

o modelo baseado no primado da recognição aproxima-se da noção de intuição

(Kleespies, 2014), enquanto estrutura não unitária e multifacetada. Neste sentido, Gore e

Sadler-Smith, (2011) afirmam que a intuição tem vindo a ser entendida, cada vez mais,

não como estrutura una, mas como construção dual que é composta por dois tipos de

intuições: primárias e secundárias. As intuições primárias compreendem as intuições

orientadas para a resolução de problemas, as intuições sociais, as intuições morais e as

intuições criativas; enquanto as intuições secundárias correspondem às inferências

radicadas em afetos, em reconhecimento de experiências e previsões e em processos como

o reconhecimento de coincidências, a empatia, a simulação mental ou insights.

29 Salientam-se as investigações realizadas no âmbito de Klein, Inc., com enfermeiros, engenheiros,

comportamento de consumidores, unidades de terapia intensiva, bombeiros, etc... 30 O Modelo Primado da Recognição diferencia-se assim claramente dos modelos Racionais e Normativos.

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230

No modelo Recognição/Metacognição, à semelhança do modelo anteriormente

referido, afirma-se que a cognição das respostas humanas típicas às situações dinâmicas

da vida constitui o cerne do processo decisão, mas, acrescenta que as pessoas perante

circunstâncias novas ou pouco rotineiras complementam essa estrutura cognitiva

tipificada com um conjunto de processos metacognitivos que, quando ativados, permitem

verificar e melhorar a performance da tomada de decisão (Cohen, et al., 1998). Segundo,

Cohen et al., (1998) a integração de informações nessas estruturas cognitivas de

pensamento envolve uma combinação de processos metacognitivos, tais como: 1) os

processos de identificação de evidências no contexto evolutivo da situação; 2) os

processos de criticidade que permitem a identificação de problemas como a incompletude

(e.g. pistas incompletas), o conflito ou a falta confiabilidade (e.g. intenção hostil oculta);

3) os processos de correção que impulsionam ações internas (e.g. revisão de

pressupostos, novas interpretações que ajudam a dissipar conflitos e a colmatar lacunas )

e ações externas (e.g. recolha de novos dados); 4) o processo referido como “teste

rápido” (p.160), que controla os sistemas de crítica e de correção. O processamento

metarecognitivo é assim moderado por experiências passadas de sucesso e de fracasso, as

quais contribuem para analisar os custos e os benefícios decorrentes do tempo gasto com

o regresso ao processo de criticidade ou com a inibição desse processamento.

O modelo denominado de Consciência de Situação “refere-se à capacidade das

pessoas para desenvolverem uma representação interna do estado atual do ambiente e de

projetarem estados prováveis desse ambiente” (p. 343), (Jones & Endsley, 2004). Assim,

o ponto central deste modelo de tomada de decisão é o de entender e descrever, quer, a

perceção que os decisores têm de uma dada situação enquadrada num contexto espácio-

temporal concreto, quer, as operações mentais de compreensão e de projeção da situação

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ao longo do tempo (Jones & Endsley, 2004)31. Nesta perspetiva, o eventual fracasso do

processo de tomada de decisão não reside tanto na decisão em si, mas antes em falhas

relacionadas com a perceção da situação e respetiva dinâmica. O modelo Consciência da

Situação inclui três níveis: 1) perceção relativa aos aspetos críticos do ambiente; 2)

compreensão do significado desses fatores críticos; 3) conjetura do que é provável

acontecer com a situação em evolução no futuro imediato.

Por fim, o modelo nomeado de Estratégia de Tomada de Decisão Hipervigilante,

incide sobre o treino de estratégias específicas para tomada de decisão em cenários de

emergência (e.g. decisões clinicas, militares) em que as decisões são tomadas sob forte

pressão do tempo e em que podem existir ambiguidades e informações dissonantes

(Kleepsies, 2014).

Conforme anteriormente referimos o estudo do tema da tomada de decisão revela

um interesse intrínseco para múltiplas áreas de conhecimento como a Psicologia, a

Economia, a Sociologia, a Politica, a Justiça etc., mas, apresenta consideráveis

dificuldades, na medida em que, podemos observar as ações das pessoas, mas não

conseguimos ver os dispositivos e os processos reais e ocultos que a mente usa no

processamento das decisões. Contudo, o tempo disponível para tomar qualquer decisão,

assim como, a natureza do assunto sobre o qual se vai decidir são elementos essenciais

do processo de deliberação, no qual, intervêm e cooperam dois níveis de consciência, um

mais oculto e outro mais exposto (Damásio, 2010).

Damásio (2010) ao aludir a esse nível (en)coberto da consciência explicita a ideia

de “inconsciente cognitivo” (pp.345) referindo que tal estrutura cognitiva opera através

da sinergia entre o nível consciente e inconsciente. Então, o treino consciente e repetido

31 De salientar, que o modelo de tomada de Consciência de Decisão tem como base científica principal

estudos relacionados com contextos muito específicos, nos quais, os fatores tempo e espaço têm um papel

crucial na tomada de decisão (e.g. tecnologias relacionadas com aviação).

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da decisão e a acumulação de conhecimento, posteriormente mesclado na ação, dão lugar,

a uma “competência de desempenho” (pp.345). Por sua vez, tal competência de

desempenho que opera de forma oculta à consciência, embora seja repassada por

orientações conscientes, caracteriza-se pela ausência de esforço de reflexão e por

diminuto dispêndio de tempo para a decisão e para a ação o que claramente oferece um

dispositivo muito vantajoso para a condução da vida corrente. De destacar, que a

competência de desempenho atua mediante os constrangimentos impostos pelo controlo

homeostático o que a torna resistente a mudança, a não ser, através de “uma força oposta

e bem treinada” (pp.347), ou seja, através de um processo consciente de contra-ataque

emocional (Damásio, 2010) capaz de enfrentar o automatismo produzido mediante o

inconsciente cognitivo.

Diversamente, as decisões conscientes não configurando opções automáticas e

instantâneas constituem processos dominados por operações de reflexão e de ponderação

(Damásio, 2010). Então, as deliberações conscientes parecem ser formas adequadas e

vantajosas, sobretudo, quando se trata de reger assuntos de elevada importância que

carecem de tempo para serem refletidos, analisados, avaliados e para metamorfosear

enredos emocionais. Neste sentido, os processos racionais podem ajudar a gerir as

experiências emocionais latentes como é frequente acontecer no âmbito do processo de

tomada de decisão em mediação familiar.

Quando refletimos nos vários enquadramentos e conceptualizações sobre a

tomada de decisão percebemos que, além de traduzirem distintas explicações e teorias

para o fenómeno, representam, igualmente, mapas específicos sobre o processamento das

decisões em múltiplos contextos e situações de vida.

Assim, atendendo às teorias supramencionadas sobre a tomada da decisão e à

considerável quantidade de investigação científica produzida, nomeadamente na área da

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Psicologia, vários autores (e.g. Cohen et al., 1998; Damásio, 2010; Epstein, Lipson,

Holstein, & Huh, 1992; Kahneman, 2011) aludem a dois estilos operacionais de

processamento da informação subjacente a qualquer tomada de decisão: o sistema

intuitivo e experimental e o sistema analítico e racional. Neste contexto, salienta-se o

contributo da teoria geral da personalidade, especificamente, da Auto-teoria cognitiva-

experiencial (e.g. Epstein; Pacini; Denes-Raj & Heier, 1996) para o estudo das formas de

pensamento subjacentes ao processamento da informação no contexto da tomada de

decisão.

Tabela 6

Comparação entre o estilo de pensamento intuitivo, experimental, analítico e racional.

Adaptado de Epstein, et al., (1992)

Sistema 1: processamento experiencial e intuitivo

Sistema 2: processamento analítico e racional

1. Pensamento holístico. 1. Pensamento analítico.

2. Automático (ocorre sem esforço)

2. Intencional: (exige esforço de reflexão)

3. Afetivo: orientado pelo que provoca bem-estar

(prazer/dor).

3. Lógico: norteado pelo que é racional

4. Conexões associativas. 4. Conexões lógicas.

5. O comportamento é mediado por “vibrações”

causadas por ocorrências passadas.

5. O comportamento é mediado pela avaliação criteriosa

dos eventos.

6. A realidade é codificada em imagens concretas,

metáforas e narrativas.

6. A realidade é codificada em símbolos abstratos,

palavras e números.

7. Processamento mais rápido: orientado para a ação

imediata.

7. Processamento mais lento: orientado para a ação

retardada.

8. Resistente à mudança: a mudança é lenta e para ser

eficaz requer treino intenso e repetitivas experiências.

8. Mudanças fáceis: mudança é rápida e ocorre com

novos argumentos e evidências.

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9. Diferenciação mais grosseira: generalização ampla e

pensamento estereotipado.

9. Diferenciação de nível mais elevada.

10. integração menos consolidada: dissociativa,

emocional.

10. Integração mais forte: princípios gerais de contexto.

11. Experienciar de forma passiva e pré-consciente:

pensamento travado ou capturado pelas emoções.

11. experienciar de forma ativa e consciente: controlo

dos pensamentos.

12. Auto evidência válida: “experimentar é crer”. 12. Impõe justificação através da lógica e da evidência.

A observação da tabela 6 permite comparar os parâmetros conceptuais em que se

baseiam os modelos Racionais e Normativos e os modelos Descritivos e Naturalísticos, e

ajuda a distinguir os diferentes modos de processamento da informação que as pessoas

utilizam aquando da tomada de decisão. De facto, Epstein, et al., (1996) afirmam que

ambos os sistemas operam de forma integrada embora sejam independentes, na medida

em que funcionam segundo regras distintas “o sistema racional funciona por meio de

regras gerais e abstratas guiadas pela análise e pela lógica, enquanto que o sistema

experiencial opera por regras heurísticas específicas do contexto” (p. 401), o que, entre

outros aspetos, esclarece a origem de conflitos ocasionais entre o pensamento e o

sentimento. Estes autores salientam, ainda, que o grau de domínio emocional está

claramente associado ao grau de domínio do sistema experiencial, cujas qualidades

evolutivas e adaptativas são inegáveis, mas, que no confronto com situações que

requeiram análise lógica e compreensão de relações abstratas, parece ficar aquém do

desempenho desejável.

Em síntese: tendo presente que as relações familiares emergem de uma rede

afetiva, emocional e jurídica entretecida ao longo das várias fases do ciclo de vida é de

crucial importância debruçarmo-nos sobre as condições e sistemas implicados no

processamento das decisões dos pais aquando da regulação das responsabilidades

parentais, tendo em vista o campo da mediação familiar. Assim, os modelos de tomada

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235

de decisão atrás referidos, contribuem para abrir a reflexão e oferecem pistas para a

pesquisa sobre o funcionamento do processo de tomada de decisão dos pais. Tendo em

vista que a mediação familiar é por natureza um processo de tomada de decisão e, que os

pais à semelhança de outros decisores operam com base em dispositivos semelhantes,

importa especificar os seguintes pontos sintetizados com base na antecedente análise

sobre os modelos e as abordagens relativas aos processos de tomada de decisão:

1) as pessoas usam dois sistemas de pensamento interativos, organizados,

adaptativos e independentes no processamento das decisões, mas o domínio de um em

relação ao outro depende do grau de conforto e confiança individual, em relação a um

sistema ou ao outro (Epstein, et al., 1996; Kahneman, 2011);

2) as pessoas têm consciência de que dispõem de duas diferentes formas de pensar

respondendo a certas situações de uma forma mais experiencial e outras de uma forma

mais racional (e.g. Damásio, 2010; Epstein, et al., 1992; 1996);

3) o comportamento exprime o exercício conjunto de ambos os modos de

pensamento (Epstein, et al., (1996);

4) as decisões são tomadas sob influência dos efeitos do contexto que as

envolvem (Kleespies, 2014), isto é, estão sujeitas a múltiplos fatores ambientais (e.g.

stress, mudança, incerteza) e individuais (e.g. exigências homeostáticas), (Damásio,

2010);

5) em muitas situações, há tempo disponível para tomar decisões estruturadas

(Driskell & Johnston, 1998), por isso, a importância dos assuntos e o tempo disponível

para tomar as decisões são fatores definidores do modelo de processo de decisão, (e.g.

processo de mediação familiar);

6) as decisões conscientes parecem ser formas apropriadas para tratar assuntos de

elevada importância que requerem tempo para serem refletidos, examinados e avaliados

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os riscos e as possíveis consequências (e.g. questões relativas responsabilidades parentais

para com os filhos), assim como, para serem assimiladas situações emocionais pesadas

(e.g. transição para a SD), (Damásio, 2010);

7) estudos científicos sobre os estilos de pensamento realizados por Epstein, et al.,

(1996) revelaram que os níveis médios de processamento racional e experiencial se

mostraram semelhantes para homens e mulheres não se confirmando, portanto, o

estereótipo de que as mulheres são mais intuitivas e os homens mais racionais, contudo,

tais estudos evidenciaram, também, diferentes correlações dependentes do sexo,

nomeadamente, uma associação entre mulheres com autorrelato de muito alta

racionalidade e dificuldades nas relações interpessoais em consequência de experiências

intimas de abuso (e.g. abuso sexual).

4.5 Apresentação e discussão dos resultados

Ao longo do estudo empírico que se segue, entre outros aspetos, tentaremos

aprofundar em que medida é que a mediação familiar constitui um processo estruturado,

eficiente e promotor do apoio necessário para que os pais possam alcançar decisões

responsáveis, preventivas e protetivas para os membros da família, na fase de transição

para a SD.

4.5.1 Caracterização das decisões dos pais na transição para a SD, no âmbito da

mediação familiar

Relativamente à caracterização das decisões sobre responsabilidades parentais, os

participantes no estudo 2 identificaram, tanto as suas características como os seus

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obstáculos, assim como, apontaram aspetos em que a mediação familiar contribuiu

positivamente/negativamente para a tomada de decisões responsáveis.

Tabela 7

Caracterização geral das decisões dos pais relativamente a responsabilidades parentais,

durante a SD.

Categoria Principal:

Decisões parentais responsáveis na fase de

transição para a SD

Nº de

Participantes

Nº de

Referências

Características das decisões parentais

responsáveis

28 142

Potencialidades da MF relativamente às

decisões responsáveis

19 50

Obstáculos às decisões responsáveis 17 44

Total 29 236

Através da tabela 7 verifica-se que da análise do conteúdo das entrevistas

realizadas emergiram três subcategorias primordiais: a primeira subcategoria, relaciona-

se com as características das DPR e compreende 142 referências relativas a respostas

dadas por 28 participantes no estudo; a segunda subcategoria respeitantante às

potencialidades da MF relativamente às decisões responsáveis alcança 50 referências

relativas a 19 participantes e a terceira subcategoria relativa aos obstáculos suscetíveis de

se interpor às DPR apresenta 44 referências mencionadas 17 participantes. Assim, o total

das referências desta categoria-mãe é de 236 referências fornecidas por 28 sujeitos da

amostra composta por 29 participantes.

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238

4.5.2 Características das DPR

A análise detalhada das subcategorias emergentes permitiu obter um conjunto de

características e de particularidades conexas com as DPR conforme a seguir se demonstra.

Tabela 8

Características das DPR identificadas pelos pais/participantes (nº de participantes e nº

de referências)

Características (Decisões Responsáveis)

Nº de

Participantes

Nº de

referências

Autónomas 2 3

Centradas nos filhos 13 24

Com tempo para pensar 7 10

Conjuntas 16 23

Exequíveis 14 24

Gratificantes 13 13

Inclusivas 4 6

Informadas 3 4

Refletidas 19 33

Total 28 142

A tabela 8 permite caracterizar as DPR através de 10 características fundamentais,

tais como: a autonomia, referida 3 vezes por 2 participantes; as decisões centradas nos

filhos apresentam 24 referências e foram indicadas por 13 dos participantes; ter tempo

para pensar foi referido 10 vezes por 7 participantes; as decisões conjuntas apresentam

23 referências e foram citadas por 16 dos participantes; as decisões exequíveis incluem

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24 referências e foram mencionadas por 14 participantes; as decisões informadas foram

identificadas 4 vezes por 3 participantes e as decisões refletidas apresentam 33 referências

e foram nomeadas por 19 participantes.

4.5.2.1 Autonomia

A autonomia implica que as decisões sejam assumidas de forma livre e

independente, não condicionadas por influências externas nomeadamente, familiares,

advogados, etc. “(…) a advogada, explicou que seria preferível a mãe ter … que é o ponto

de vista da advogada que, muitas vezes, é o ponto de vista pessoal dela e, isto, agora já

é eu a pensar que há advogados que se aproveitam disto para litigar.” (E24-P7) e sejam,

por isso, isentas “(…) isenção, que não haja terceiros envolvidos que não os pais…”

(E26-P8).

4.5.2.2 Centradas no interesse dos filhos

As decisões centradas nos filhos são tomadas primacialmente em função dos

interesses e do bem-estar dos filhos sendo orientadas pelo respeito pela pessoa dos filhos.

Os pais preocupam-se em tomar decisões que assegurem a satisfação das necessidades

fundamentais, físicas, culturais, económicas, educativas, a segurança, a estabilidade e o

desenvolvimento harmonioso das crianças, mostram-se atentos às reações, opiniões e

sentimento dos filhos e esforçam-se por facilitar a sua adaptação à SD.

Esta característica realça a centralidade da criança no processo de decisão dos

pais, em primeiro lugar, na atenção dada ao seu estatuto jurídico; em segundo lugar, na

preocupação com a estabilidade e organização concreta da sua vida familiar, pessoal,

escolar, social e da satisfação das suas necessidades físicas, psíquicas e morais da criança;

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em terceiro lugar, na forma como os pais equacionam as melhores condições de adaptação

para os seus filhos e, em quarto lugar, salienta-se a presença do afeto na elaboração das

decisões tomadas.

Assim, as decisões focalizadas nos filhos são marcadas pelo sentido do respeito

pela pessoa da criança nas suas diversas facetas de vida, “Lá está, (…) respeitar os filhos

como seres humanos e como menores e como pessoas, com uma ligação sentimental

muito forte, não é… a ambos os pais… e, portanto, respeitar todas essas vertentes” (E20-

P6), incluindo os seus direitos,” Que os direitos da criança estejam salvaguardados,

acima de tudo (…)” (E04-P2); tendo em conta a estabilidade dos filhos, “(…) que todos

os efeitos negativos sejam atenuados (…), para criar essa base de estabilidade, que eles

não vejam … de uma de forma negativa, vejam só diferente.” , assim como, “ ter em

linha de conta aquilo que as crianças estão a viver, o que estão a sentir, tentar conjugar

quais são as necessidades normais que a criança tenha, o que é que precisam em termos

de educação, de apoio psicológico (se for o caso), tentar tirar o máximo de instabilidade

possível… (E11-P); proporcionando condições adaptação dos filhos à SD “Para (…)

assegurar a continuidade dos estudos no mesmo estabelecimento de ensino, sem

perturbação das rotinas, obrigou-me a decidir ter que ir viver numa segunda morada

para acautelar os interesses dele.” (E05-P); “Portanto… ambos criarem condições não

é… dentro dos possíveis, para que a criança não note uma mudança muito brusca na sua

vida, porque ela não percebe (…). Minimizar um pouco o estrago que os adultos fizeram,

não é?…” (E04-P2). Deste modo, é inegável o papel do afeto dos pais pelos filhos na

maneira como pensam, sentem e depois modelam as decisões de modo a “Que assegure

o conforto das crianças… sei lá… tudo o que uma criança tem direito, não é… desde a

alimentação, a poder estudar, a ter direito a visitar ou estar com ambos os pais… a não

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se afastar das famílias de um e de outro, continuar a poder estar com os seus amigos…

pronto… acho que é isto. (E19-M6).

Em síntese: a capacidade de os pais tomarem decisões centradas nos interesses

dos filhos evidencia-se, nomeadamente: 1) no respeito relativamente aos direitos e

estatuto jurídico da criança; 2) no desejo de lhes proporcionar estabilidade (e.g. evitar

mudanças de escola de residência, etc.); 3) no empenho em criar condições para a

adaptação dos filhos; 4) na sensibilidade para separar e colocar os interesses dos filhos

acima dos seus próprios interesses.

4.5.2.3 Tempo para pensar

Como sabemos não se conhecem estudos sobre a tomada de decisão no campo da

mediação familiar, contudo, o tempo disponível para decidir é claramente um fator

decisivo no processamento das decisões, tanto mais, que há muitas situações que não

implicam decisão imediata e em que os assuntos requerem reflexão (e.g. Damásio, 2010;

Driskell & Johnston, 1998; Kleespies, 2014), como sucede com a maioria das decisões

que integram qualquer acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais.

Os participantes no presente estudo demonstraram que as DPR exigem tempo para

pensar, para questionar, para avançar passo a passo, para assimilar e se ajustar

emocionalmente às situações sobre as quais se decide e que a quantidade de tempo que

cada um dos pais necessita para elaborar a informação é geralmente diferente.

Assim, as DPR são tomadas dentro de um tempo adequado para refletir, reavaliar,

interiorizar a responsabilidade e refinar os acordos alcançados“(…) não ser uma sessão

ou duas… prolongar minimamente no tempo, para dar tempo para que a pessoa vá

tomando decisões, vá refletindo sobre as decisões que tomou… possa voltar atrás, possa

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modificar, para que no final do processo haja segurança e sentimento de que se foi

responsável na decisão e de que, portanto, se vai ser responsável face ao que se decidiu.

(E09-P2); são decisões consolidadas, “Ser pensada com tempo, não é? Ser amadurecida.”

(E23-M7). Para decidir compenetradamente, os pais precisam de tempo para suavizar o

ímpeto de certas emoções que, de outra forma, os poderiam impelir a adotar posições

precipitadas, “Sim, porque eu, às vezes, o facto de estar furioso (…) podia-nos levar a

assinar um papel, logo de chofre, que implicava uma decisão para o resto da vida,

enquanto, ali, pronto, não era logo, tínhamos que esperar pela sessão (E24-P7); o tempo

que medeia entre as sessões funciona, igualmente, como um fator de moderação

contribuindo para a eficiência do processamento emocional E29-M9 – Sim, sim.

Principalmente pelo facto de ir com calma. O não ter que ter pressa, a nível de

sentimentos, a nível interior, foi muito importante (E29-M9); assim como do pensamento

racional (…) A Dra. disse para ir para casa refletir sobre isso… na sessão seguinte, aí

sim, já assumiu que o valor era alto…(E28-P9).

Assim, a circunstância de tomar decisões com tempo mostra-se claramente

associada com as DPR e, consequentemente, com processo de mediação familiar, cuja,

estrutura se afigura promotora da maturação racional e emocional necessária ao

enfrentamento e decisão sobre as várias dimensões das responsabilidades dos pais para

com os filhos, na transição para a SD.

4.5.2.4 Conjuntas

As decisões conjuntas correspondem à situação em que ambos os pais se

percecionam, reciprocamente, como coautores das decisões contidas no acordo sobre as

responsabilidades parentais.

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Os participantes neste estudo permitem corroborar que as decisões conjuntas

implicam, por parte do mediador familiar, uma atitude de independência, isenção e um

correto domínio da imparcialidade não só em termos substantivos, mas também, enquanto

estratégia guia de todo o procedimento de mediação familiar, caso contrário, o poder de

decisão acabaria por ser percecionado como sendo exterior ao domínio da

coparentalidade, nomeadamente como pertença da esfera de ação do mediador familiar,

do outro pai/mãe, juiz, etc..

Assim, a construção de decisões percecionadas como conjuntas pelos pais

relaciona-se com a prática da imparcialidade e “(…) a mediadora sempre se recusou a

tomar partido fosse no que fosse, só chamou a atenção de que era necessário definir

determinados aspetos, e pediu-nos para chegarmos a acordo sobre isso e fazermos

trabalhos para casa, digamos assim, e chegarmos lá com as ideias mais ou menos

acertadas (…)” (E20-P6) e com a perceção de acordo recíproco “Tem que ser uma

decisão que seja tomada de comum acordo.” (E16-M); pois,” (…) o equilíbrio não se

consegue só com uma pessoa, consegue-se, em princípio, com as duas.” (E14-M). Por

outro lado, verifica-se que os pais, ao inverso de se submeterem aos imperativos do poder

de decisão de outrem (e.g. juiz), avocam e exercem tal poder tomando as decisões

necessárias à reorganização das responsabilidades parentais decorrentes da SD, “Sinto-

me bem, correu tudo bem. Só aquela parte do valor… senti um bocado de receio. Se não

houvesse mediação, era o juiz que decidia… (…). Foi um acordo que foi feito com a

minha ex-mulher. Foi um acordo feito à nossa medida. (E28-P9).

Desta forma, as decisões conjuntas fomentam o envolvimento, a organização e a

participação nas decisões coparentais e o empoderamento dos poderes/deveres inerentes

ao exercício das responsabilidades parentais.

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4.5.2.5 Exequíveis

As decisões responsáveis caracterizam-se por serem exequíveis, ou seja, têm por

base a situação real, os recursos pessoais, laborais e financeiros, as limitações e forças de

todas as pessoas envolvidas na execução do acordo. Se um acordo for muito difícil de pôr

em prática será certamente mais provável que surjam incumprimentos no futuro.

Deste modo, a exequibilidade das decisões manifesta-se em aspetos tais como: o

realismo com que foram elaboradas “(…) nós até podíamos definir um acordo que era

muito interessante e depois não se cumpria e, eu acho que todo este processo ajudou a

que se chegasse a um acordo que se pode cumprir, que fosse realista.” (E01-P); ao levar

em conta o contexto familiar, “Que seja concretizável, porque, às vezes, as decisões não

são concretizáveis, porque, nós vivemos muito longe um do outro, portanto, temos que

encontrar uma decisão que seja concretizável. (E16-M); a viabilidade económica dos

encargos que são assumidos; “E também na viabilidade económico-financeiro das

soluções encontradas.” (E24-P7); a aceitação de limitações intransponíveis “Olhe, acho

que cedi imenso quanto ao valor da pensão de alimentos, mas, porque sabia que

basicamente aquilo não ia interessar nada, porque ele não ia cumprir de maneira

nenhuma.” (E15-M) e, também, levando em linha de conta as capacidades específicas de

cada pessoa para pôr em prática a decisão. “É ter em conta as capacidades que os pais

têm de cumprir com aquilo que assinaram (…) (E21-P5)

Por outro lado, o processo de decisão, no âmbito da mediação familiar, é referido

pelos participantes como sendo um contexto positivo para a composição de decisões

concretizáveis, “Fazendo perguntas. Para mim foi importante, porque é assim …

tranquiliza uma pessoa; às vezes faz as perguntas e faz as perguntas mais no extremo do

acordo, que acho que são aquelas que nos permitem, eu acho, dissipar mais dúvidas.”

(E01-P).

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Assim, conclui-se que a exequibilidade das decisões tomadas aquando da

regulação do exercício das responsabilidades é uma característica crucial das DPR e que

o processo de mediação se apresenta como sendo um contexto promotor de acordos

realistas e ajustados ao contexto específico de cada família, durante a SD.

4.5.2.6 Gratificantes

As decisões gratificantes refletem satisfação e conforto com as opções adotadas.

Subsiste a perceção de se terem adotado as melhores opções possíveis para as crianças.

São, por isso, decisões associadas a sentimentos positivos, tais como: conforto, “que seja

confortável, tanto eu como do outro lado estarmos confortáveis com essa decisão. (E16-

M); alívio; bem-estar “Eu sinto-me muito bem, muito aliviado de ter sido encontrado um

ponto de equilíbrio na relação com os dois que, se traduz, na forma objetiva e num

benefício claro, inequívoco no bem-estar do meu filho, ao fim de um ano. (E05-P);

segurança “Para já me transmitiu-me alguma segurança (…)” (E19-M6).

Por conseguinte, as DPR caracterizam-se por estarem associadas a sentimentos

positivos recompensadores e tranquilizadores capazes de contribuir para equilibrar outros

sentimentos negativos entre os pais e entre estes e os seus filhos relacionados com a SD

(e.g. culpa; raiva. Etc.).

4.5.2.7 Inclusivas

As DPR são inclusivas na medida em que levam em conta e valorizam a presença

e participação ativa e regular de ambos os pais na vida dos filhos e na realização concreta

das responsabilidades parentais.

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Assim as decisões que são tomadas com o propósito de manter ambos os pais

envolvidos nos cuidados parentais visam a participação de ambos os pais nas várias

dimensões da vida da criança, “Ser participativo. Ah! … e nos cuidados de saúde, no dia-

a-dia, presente na escola, presente nas atividades extracurriculares ou nas atividades de

fim-de-semana … é assim que eu vejo.” (E25-P). De notar, que a participação dos pais

nas múltiplas vertentes práticas das responsabilidades parentais deve ir além do plano

abstrato e materializar-se numa relação consciente e efetiva da parentalidade, “(…) tem

que ser uma relação de poder paternal, não se pode perder o laço tanto da mãe como do

pai, portanto, tem que haver, mesmo que seja um que tenha mais tempo que o outro, tem

que haver um ponto de equilíbrio e, nós fora do acordo encontrar situações que

mantenham o contacto. (E16-M)

4.5.2.8 Informadas

As DPR caracterizam-se por serem adotadas de forma esclarecida. Pressupõe-se

o acesso à informação referente aos assuntos a decidir.

Os participantes neste estudo, referiram que um processo de decisão deve ser

acompanhado pela possibilidade de os pais poderem recolher as informações necessárias

à escolha fundamentada das suas opções, “Por outro lado, que seja informado, isto é, que

seja qualitativamente assegurada a justificação das decisões que são tomadas, porque é

que são tomadas, nos termos em que são tomadas, e o que é que se vai alcançar por via

disso… e pronto. (E09-P2). A incumbência de prestar informação (e.g. jurídica) objetiva

e segura recai sobre os diversos especialistas no assunto que os pais entendam consultar,

mas, também, impende sobre o mediador familiar, nomeadamente quanto ao quadro legal

da mediação familiar e sobre as balizas legais que enquadram a validade de qualquer

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acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, “Sim, sim… ali foi tudo

explicado, tudo dito! Havia coisas que eu não estava dentro do assunto e fiquei dentro

do assunto, esclarecido… e, inclusive, já houve colegas meus que passaram pelo divórcio

e dei o conselho da mediação.” (E28-P9). Por outro lado, também é desejável que os pais

se comprometam na obtenção de dados questionando e pondo dúvidas nas sessões de

mediação familiar, “Sim. A forma de lidar com as incertezas era ir questionando. (E27-

M8).

As decisões informadas contribuem para a solidez das decisões relativas às

responsabilidades parentais constituindo, assim, uma característica das DPR

4.5.2.9 Refletidas

As decisões refletidas caracterizam-se por decorrerem do desenvolvimento de um

processo de maturação racional consciente, no qual, diversas opções são equacionadas,

ponderadas e avaliadas.

Assim, a possibilidade de refletir sobre as diversas questões que se colocam

aquando da regulação das responsabilidades parentais é uma característica básica das

DPR. Deste modo, as decisões refletidas são conscientes, “Consciente. Ah... segura,

sabendo perfeitamente porquê que eu estou ali, o quê que eu vou assinar, sabendo

exatamente o que eu estou a dizer.” (E07-P2); são decisões ponderadas, “É ponderada e

tomada com a convicção de que é o melhor para elas (…)” (E12-M4); é ampliado o

campo de observação, “(…) foram equacionadas várias possibilidades de solução, (…)

nós tínhamos uma parte já resolvida, mas, depois houve partes em que nós não fazíamos

a mínima ideia como é que iriamos resolver. (E27-M8); são pesadas as respetivas

consequências, “Perceber quais as implicações na saúde, na segurança e no

desenvolvimento das crianças. Saber que implicações têm no bem-estar e no

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248

desenvolvimento e na autonomia das crianças, no crescimento e na maturidade das

crianças. (E24-P7); e avaliadas de acordo com a realidade familiar em presença, “É,

dentro da realidade dos pais, portanto, e do divórcio e da situação… da realidade que

vai acontecer e que está a acontecer… os pais avaliarem, nessa realidade, qual é a

melhor opção para as filhas. (E17-P2)”. De observar, que as DPR são, então, melhor

processadas no âmbito de um contexto reflexivo em que, “No nosso caso … muito

claramente, nós reformulámos, pensámos, discutimos e decidimos.” (E24-P7).

Importa recordar que aquando da rotura conjugal são desencadeados na família

diversos eventos que, por sua vez, determinam a tomada de distintos tipos de deliberações

práticas. Enquanto, algumas dessas decisões precisam de ser tomadas de forma rápida

para acautelar aspetos prementes, outras decisões – apesar de serem igualmente

importantes - podem ser tomadas de forma ponderada, porque não carecem de uma ação

imediata.

A criação de novos esquemas de reorganização das relações entre os pais e dos

pais relativamente aos filhos, o planeamento do dia-a-dia e a redefinição jurídica da

estrutura e do funcionamento familiar exigem um certo tempo de maturação,

nomeadamente, para que os pais possam interiorizar os desafios da mudança que a SD

impõe à família e poderem refletir, avaliar e comprometerem-se mutuamente com as

soluções possíveis. Seguramente que o processo de tomada de decisão entre os pais não

se pode descrever, unicamente, com base nos modelos de decisão racionais e objetivos

em que se dispõe de tempo para pensar nas várias opções, no entanto, importa salientar

que a maioria das matérias fundamentais relativos ao exercício das responsabilidades

parentais (e.g. residência, regime de convivência, partilha das responsabilidades

económicas, etc.) não se coadunam com decisões tomadas de forma apressada e imediata,

pelo contrário, são assuntos que exigem tempo para serem compreendidos, assimilados,

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249

analisadas, avaliadas e decididos com vista à obtenção de soluções harmoniosas e

preventivas de conflitos futuros entre os pais.

4.5.3 Obstáculos às decisões responsáveis

Nesta categoria identificam-se comportamentos, sentimentos e experiências que

embaraçam o processamento de DPR, no contexto de mediação familiar.

Tabela 9

Obstáculos à composição de DPR

Obstáculos (Decisões Responsáveis)

Nº de

Participantes

Nº de

referências

Debate insuficiente 7 10

Desconfiança relativa ao cumprimento do acordo 14 22

Desconforto com as decisões assumidas 5 6

Informação Insuficiente 4 6

Total 17 44

A tabela 9 representa as subcategorias procedentes da análise da categoria

principal relativa aos obstáculos que se prendem com o processamento de DPR. A

subcategoria “Debate insuficiente” apresenta 10 referências e foi referida por 7

participantes; a subcategoria “Desconfiança relativa ao cumprimento do acordo”, foi

mencionada 22 vezes por 17 participantes; a subcategoria “Desconforto com a mediação

familiar”, compreende 6 referências, indicadas por 5 participantes e a subcategoria

“Informação Insuficiente” apresenta 6 referências relativas a 4 participantes. Deste modo,

17 dos participantes do total da amostra identificaram obstáculos suscetíveis de contender

com uma ajustada elaboração de DPR.

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250

4.5.3.1 Debate insuficiente

A análise desta categoria permite constatar que a ligeireza com que são abordados

os problemas e assuntos em presença, assim como, o estreitamento das opções

consideradas condiciona a qualidade da decisão tomada pelos pais. Assim, a insuficiência

de debate implica que, “Foram equacionadas várias possibilidades de solução, mas não

todas… ou pelo menos aquelas que eu penso que são mais importantes…” (E09-P2);

criando a sensação de que o acordo alcançado não é o resultado da laboração dos pais ,

mas sim o produto estandardizado “(…) mas não foi… não foram decisões trabalhadas

por ambos até chegar ali, não…aquilo acabou por ser um bocadinho uma minuta… não

diria minuta, mas acaba por ser quase um documento bastante standard… em que depois

fomos alterando pouquinhas coisas para estarmos de acordo, e assinarmos, e… e pronto,

e ficar a situação, na altura, resolvida, coisa que não se verificou depois… (E17-M5).

Deste modo, importa sublinhar a importância de os mediadores familiares não

saltarem etapas do processo de mediação familiar e de terem o cuidado de criar um espaço

amplo e clarificador de debate, no qual, ambos os pais se envolvam de forma a gerar um

leque de opções tão vasto quanto possível que lhes permita tomar decisões responsáveis

e fundamentadas.

4.5.3.2 Desconfiança relativa ao cumprimento do acordo

A desconfiança quanto ao cumprimento condiciona o processo de tomada de

decisão, nomeadamente minando e fechando a discussão e o âmbito do acordo em torno

das dúvidas existentes sobre o seu cumprimento. Tais dúvidas, podem, de facto, justificar-

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251

se, “Eu sabia, á partida que não ia ser cumprido o acordo, não tinha dúvidas que não ia

ser cumprido, mas, precisava de ter o acordo.” (E15-M); ou, pelo contrário, revelarem-

se injustificadas “Sim, tive receio…, mas, acabou por se cumprir na generalidade.” (E21-

P5). Em outras situações, apesar de se confirmar a desconfiança relativa ao

incumprimento de decisões acordadas, o processo de mediação familiar foi considerado

como sensivelmente positivo para dissipar algumas das incertezas existentes, “Incerteza

não acontecia, porque eu tinha a certeza que não ia funcionar. (…). Porque, ao fim ao

cabo, havia coisas que iam-se manter na mesma, foi tempo perdido? Não foi, porque na

realidade há coisas que melhoraram, não tenho dúvida, mas não se resolveu tudo. Eu

diria talvez 50% dos problemas foram resolvidos. (E22-P).

Assim, verifica-se que quando existe desconfiança sobre a firmeza da execução

do acordo pelo outro pai/mãe, tal facto, pode levar os pais a tomarem decisões com

reserva mental em função da sua previsão de incumprimento pelo outro. Mas, também se

confirma que a metodologia da mediação familiar contribui para ajudar os pais a enfrentar

a incerteza e investir na confiança.

4.5.3.3 Desconforto com as decisões assumidas

Esta categoria compreende a sensação de insatisfação com as decisões assumidas,

quer durante a tomada de decisão, quer posteriormente aquando da execução do acordo.

Inclui sentimentos de arrependimento, “O facto de não haver a consciência, estaria eu

no meu perfeito juízo eu nunca teria feito o acordo que fiz, jamais! (E18-M); frustração,

“Frustrada… “(E17-M5); e ambiguidade, “Sinto-me confortável, se bem que as… como

estava a dizer, as decisões que foram assumidas e que estão plasmadas no acordo não

correspondem àquilo que são as nossas vivências no dia-a-dia… eu sabia que estava a

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252

pôr situações no acordo, que depois não seriam as vividas, não é… não iam acontecer.

(…)” E23-M7.

Assim, é crucial que os mediadores familiares estejam atentos aos sinais de

incómodo, ambiguidade ou arrependimento dos pais face às decisões que vão sendo

tomadas, nomeadamente, criando espaço para que se possa reavaliar as decisões tomadas

e questionar sobre como se sentem relativamente às opções que acordaram. Deste modo,

o contexto da mediação familiar permite ajudar as pessoas a decidir de forma consciente

e responsável, mesmo que a decisão possível, no caso concreto, seja a de desistir da

mediação familiar e optar pelo Tribunal. Compete aos mediadores familiares contribuir

para promover um bom processo de decisão, não convencer as pessoas a escolher a

mediação familiar para resolver os seus diferendos.

4.5.3.4 Informação Insuficiente

Esta categoria relaciona-se com situações em que existe falta de informação ou

informação incompleta, ambígua ou errada.

A falta de informações pertinentes pode conduzir a que sejam tomadas decisões

num sentido diverso daquelas que seriam adotadas se a informação necessária fosse

conhecida, sucedendo que, “Mesmo até questões relativas a IRS, não explicarem o quê

que vai implicar nesse tipo de coisas porque acabamos depois por cometer erros em

coisas que desconhecíamos (…).” (E13-P4). Outro problema referido prende-se com a

possibilidade de haver equívocos e imprecisões quanto à prestação/compreensão da

informação fornecida pelo mediador familiar, o que, pode conduzir à tomada de decisões

incongruentes e falaciosas, “Não foi equacionada a residência alternada. Foi uma

condição, o que significa que não se pode discutir, e que, também, não foi explicada, não

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253

foi dito (…), houve uma informação genérica: ‘que tem que ser assim…’ e não me parece

que tenha que ser assim… e gostava de ler sobre o assunto…” (E09-P2)

As decisões que integram os acordos necessários à formalização da SD e das

responsabilidades parentais repercutem-se em diversos domínios da vida (e.g. jurídico,

fiscal, económico, vida das crianças, etc.), por isso, a recolha da informação que se mostre

adequada à tomada de decisões esclarecidas é uma ação que os mediadores familiares

devem incentivar nos intervenientes na mediação. Por outro lado, também os mediadores

familiares devem estar atualizados e preparados para facultar, de forma imparcial,

elementos informativos essenciais e estruturantes, nomeadamente quanto ao exercício das

responsabilidades parentais na mediação. Não obstante, importa rememorar que os

mediadores familiares não são conselheiros, nem especialistas em todos os assuntos que

são chamados à discussão nas sessões de mediação familiar. Em primeiro lugar, os

mediadores familiares não podem, naturalmente, dominar todas as áreas de

conhecimento, em segundo lugar, a questão mais importante é a de conseguirem

identificar as falhas de informações e a necessidade de novos dados para que possam

direcionar os pais/ex-casal no sentido de buscarem o esclarecimentos, nomeadamente,

junto de especialistas ou de instituições (e.g. Serviço de Finanças; Segurança Social,

advogados, psicólogos, etc. ), para que, assim possam ficar aptos para tomarem decisões

fundamentadas.

4.5.4 Potencialidades da mediação familiar para a composição de decisões

responsáveis

A categoria Potencialidades da mediação familiar para a composição de decisões

responsáveis consiste em averiguar em que aspetos é que o processo de mediação familiar

contribui para consubstanciar as propriedades das DPR.

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254

Tabela 10

Características da mediação familiar que contribuem para o processamento de DPR

Potencialidades da mediação familiar

para a composição de decisões

responsáveis

Nº de

Participantes

Nº de

referências

Estimular a cooperação 6 10

Prevenir a conflitualidade 12 27

Promover decisões gratificantes 8 13

Total 19 50

Os resultados expostos na tabela 10, permitem verificar que os participantes no

presente estudo consideraram três domínios específicos através dos quais a mediação

familiar facilita a tomada de decisões qualificadas como DPR, tais como: a subcategoria

relativa à promoção de “decisões gratificantes”, com 13 referências respeitantes a 8

participantes; a subcategoria referente a “estimular a cooperação ”, com 10 referências,

nomeadas por 6 participantes e a subcategoria “prevenir a conflitualidade”, referida 27

vezes por 12 dos participantes. No total, a categoria “Potencialidades da mediação

familiar para a composição de decisões responsáveis” apresenta 50 referências relativas

a 20 participantes.

4.5.4.1 O estimulo à cooperação

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255

A mediação familiar na medida em que promove um contexto colaborativo,

humano, empático e orientado para o diálogo contribui para a tomada de decisões

parentais construtivas e responsáveis.

De notar, que comparativamente com outras abordagens (e.g. negociação com

advogados) o processo de mediação familiar é percecionado pelos participantes neste

estudo como sendo mais apropriado à tomada de decisão relativamente às

responsabilidades parentais, designadamente por ser mais humano, intimo e pessoal,

“(…) no fundo, o que foi feito na mediação, com o advogado estavam lá a… não estavam

era postas de uma maneira tão humana… portanto, com as mediadoras foi uma coisa

mais pessoal… mais íntima, portanto isso talvez tenha sido fundamental.” (E23-M7).

Salienta-se, também, o impacto da escuta e da empatia como alicerces do diálogo e do

entendimento, claramente, indispensáveis à tomada de qualquer decisão conjunta.

“Talvez. Portanto, no lado emocional há uma abordagem pessoal muito mais forte, em

termos emocionais, na mediação. Ouvir a outra pessoa, ouvir os argumentos da outra

pessoa…embora possa haver alguma agressividade, não é naquela base formal do

tribunal. Consegue-se falar, conversar, algo que não se faz em tribunal.” (E11-P).

Importa, ainda, referir que os efeitos positivos da experiência da cooperação entre os pais

se refletem, positivamente, para além da mediação familiar, em outras decisões futuras,

“(…) hoje em dia ela diz-me, por exemplo, ainda ontem. ‘Ah, eu amanhã saio às 23h da

noite, podes ficar com a R? Não é o meu dia. ‘Podes ficar com a R’? - Por acaso não

posso, tinha um compromisso. Mas pronto, chegámos a este ponto. E sem a mediação

era impossível…” (E23-P).

4.5.4.2 A prevenção da conflitualidade

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256

A mediação familiar é comummente encarada como sendo preventiva da

conflitualidade, na medida em que favorece a tomada de decisões por acordo de ambos

os pais antes que as suas posições se extremem e o conflito evolua em espiral. A

estabilização da turbulência emocional que está na raiz do conflito é, claramente, aliada

da tomada de DPR.

Assim, a mediação familiar é potencialmente preventiva da evolução perniciosa

do conflito, “(…) acho, que é importante a mediação, e acho que é tentar que as coisas

fiquem sólidas nessa altura, prevenir a conflitualidade.” (E15-M); desde logo, porque o

contexto da mediação familiar torna possível uma libertação controlada das emoções

fortes que, frequentemente, invadem o ex-casal/pais, o que contribui nitidamente para a

racionalização do conflito e para a mudança de uma sua postura inicial de oposição para

uma postura de composição conjunta dos interesses em jogo, “Portanto acho que esvazia

um pouco aquela tensão e a necessidade de ‘lutar por’, de cada novo dia se ter que

ganhar isto ou perder aquilo… isto como disse desaparece depois do acordo, é um alívio

muito grande desse ponto de vista.” (E09-P2). De salientar, as potenciais desvantagens

de os pais não terem conseguido decidir por consenso em mediação familiar e o processo

ter prosseguido em tribunal “(…) se tivéssemos feito ali [na mediação] o acordo teria

sido muito importante e tínhamos sido os dois a tomar as decisões e talvez até pudéssemos

ter um relacionamento mais fácil do que temos atualmente. (…).”. (E16-M).

A mediação familiar oferece, pois, um contexto de decisão que potencia

claramente a tomada de decisões cientes, responsáveis e promotoras de maior realização

e satisfação quer ao nível da parentalidade, quer no plano da coparentalidade, durante e

após a SD.

4.5.4.3 Promoção de decisões refletidas

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257

O processo de MF contribui para a tomada de DPR, na medida em que, os

consensos vão sendo alcançados num quadro aberto de ponderação e de aprofundamento

sobre os vários assuntos a decidir e as respetivas implicações.

Desta forma, através da mediação familiar ajudam-se os pais a evitar assumir

decisões precipitadas, “Ah! Teria sido diferente, completamente. Provavelmente muito

mais agressividade, muito mais precipitação, muito mais atos impensados, e com

implicações para a criança.” (E24-P7); ao mesmo tempo, que é promovida a reflexão e

a fundamentação das opções elegidas “(…) havia uma proposta inicial muito básica,

quase de rascunho… e que isso era muito limitado relativamente ao acordo final,

portanto, houve muito mais decisões a serem tomadas, houve aquela necessidade de

ponderar muito bem cada decisão, e foi mesmo diferente… não há dúvida sobre isso.”

(E09-P3); sendo, pois, consideradas as implicações de cada escolha possível, quer para

os pais, quer para o bem-estar da criança, “Eu acho que …. Ah … consciência da

implicação das coisas, ia ser inferior, iríamos cometer alguns erros ao regular o

exercício do poder paternal e, erros jurídicos e também erros que teriam consequências

para a vida das pessoas envolvidas, das crianças e das nossas vidas… “(E24-P7).

Assim, os resultados atrás apresentados corroboram que, considerando o tempo

disponível para a tomada de decisão, a relevância e a complexidade dos assuntos a tratar,

as circunstâncias contextuais, subjetivas e emocionais, assim como, as exigências práticas

e legais, o processo de tomada de decisão dos pais quanto à regulação do exercício das

responsabilidades parentais é nitidamente melhor enquadrado através da mediação

familiar comparativamente a outras modalidades (e.g. tribunais, advogados,

conservatórias do Registo Civil), na medida em que, o processo de mediação familiar

integra ambos os sistemas básicos de pensamento relativos à tomada de decisão: o

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258

processamento experiencial e intuitivo e o processamento analítico racional (Epstein, et

al.,1996). A conjugação destes dois sistemas de pensamento é crucial para a tomada de

decisões familiares, as quais, requerem uma visão holística, mas também analítica,

intencional e reflexiva, em que se impõe a mudança rápida, mas também ocorre

resistência à mesma. De facto, a experiência do controlo do pensamento, não raras vezes,

capturado pelas emoções é fundamental para desenvolver de forma ativa e flexível a

adaptação dos pais e das crianças à nova estrutura familiar emergente da SD. Por isso, a

mediação familiar diferencia-se e justifica-se, nomeadamente por proporcionar um

espaço de auto-organização familiar através do qual se visa preservar a relação de

coparentalidade e a proteção do superior interesse da criança relativamente aos riscos

associados ao conflito, no contexto da SD.

4.5.5 Domínios de influência implicados no processo de tomada de decisão dos pais,

relativamente à regulação das responsabilidades parentais, na fase de SD

As mudanças produzidas perante o acontecimento da SD, ditam a necessidade de

realizar alterações nas regras básicas de funcionamento, organização e estrutura do

sistema familiar. Diversos autores têm desenvolvido as suas teorias e desenhado as suas

intervenções terapêuticas, no campo da família, com base na teoria dos sistemas (e.g.

Ausloos, 2003; Bateson, Jackson, Haley e Weakland, 1963; Minuchin, 1985; Watzlawick,

et al., 1993). Também, no âmbito da mediação familiar, o cerne da teoria sistémica

comporta um conjunto de princípios com inegável interesse e com clara implicação para

o seu enquadramento conceptual e instrumental. Assim, atendendo à especificidade da

abordagem através da mediação familiar, quando o sistema familiar se encontra em

mutação para a SD importa focar os princípios básicos dos sistemas vivos (Minuchin

(1985), tais como: 1) cada sistema organiza-se como uma totalidade sendo, por isso, os

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259

elementos dentro do sistema são necessariamente interdependentes; 2) os padrões do

sistema são circulares e não lineares; 3) os sistemas têm propriedades homeostáticas que

tentam manter a estabilidade dos seus padrões. 4) os sistemas abertos evoluem e mudam;

5) os sistemas são compostos por subsistemas; 6) os subsistemas dentro de um sistema

amplo estão separados por fronteiras e as interações entre essas fronteiras são governadas

por regras implícitas e padrões.

O presente estudo, permitiu identificar cinco domínios de influência no processo

de decisão dos pais, no âmbito do processo de mediação familiar, especificamente: 1)

Comunicação entre os pais; 2) Contexto da mediação familiar; 3) Emotividade; 4)

Promoção de mudanças através da mediação familiar; 5) Relação entre os pais.

Tabela 11

Domínios de influência no processo de decisão dos pais, no âmbito da regulação das

responsabilidades parentais

Categoria principal:

Domínios de influência na tomada de decisão dos

pais

Nº de

Participantes

Nº de

referências

Comunicação 29 154

Contexto da mediação familiar 29 419

Emotividade 29 209

Promoção de mudanças 28 187

Relação interpessoal 29 103

Total 29 1050

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260

Com base na análise da categoria primordial Domínios de influência na tomada

de decisão dos pais obtiveram-se as 5 categorias de análise apresentadas na tabela 12:

comunicação, contexto da mediação familiar, Emotividade, Promoção de Mudanças e

Relação interpessoal.

4.5.5.1 Comunicação

A comunicação humana compreende toda a relação interacional realizada através

de mensagens verbais, para-verbais e não verbais independentemente de as mensagens

serem intencionais ou não (e.g. Alarcão, 2006; Watzlawick, et al., 1993). Por sua vez,

comunicação funcional é aquela que tem a capacidade de aproximar e de pôr em relação

os intervenientes na comunicação; enquanto, a comunicação disfuncional define-se pela

potencialidade para gerar obstáculos à compreensão e animosidade (e.g. Alarcão, 2006;

Watzlawick, et al., 1993).

Ao estudar os efeitos pragmáticos da comunicação humana o foco de atenção é a

relação que medeia a interação entre os interlocutores num determinado contexto.

(Watzlawick, et al., 1993). Assim a forma como os pais comunicam entre si e com os

filhos evidencia em geral padrões comunicacionais e comportamentos geralmente

anteriores à SD e que tendem a perpetuar-se comunicação entre os pais é o cerne

Perante a SD, o sistema da família move-se da disrupção de padrões, através da

exploração de alternativas na busca de novos padrões mais apropriados à mudança e às

circunstâncias com que se defrontam. Se, por um lado, a forma como os membros da

família comunicam entre si reflete esta realidade, há que contar, por outro lado, com as

exigências homeostáticas que forçam a manutenção de determinados padrões de

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261

comportamento, não raras vezes, anteriores à SD. Em consequência, as características da

comunicação entre os pais fornecem diversos indicadores e elementos cruciais para o

planeamento da mediação familiar e das estratégias a implementar, de forma a promover

deliberações parentais responsáveis.

Tabela 12

Características da comunicação entre os pais na transição para a SD

Comunicação

Nº de

Participantes

Nº de

referências

Comunicação disfuncional 12 43

Comunicação funcional 14 41

Confusão com os conceitos jurídicos 4 14

Mudanças positivas na comunicação

Abrir canais de comunicação

Expandir o campo de reflexão

19

56

15 32

11 24

Total 29 154

De acordo com a tabela 12, observa-se que a categoria relativa à comunicação dos

pais, durante o processo de decisão no contexto de mediação familiar, integra o total de

154 referências relativas aos 29 participantes no estudo. Por sua vez, esta categoria agrega

as seguintes 5 subcategorias: comunicação disfuncional, com 43 referências indicadas

por 12 participantes; comunicação funcional, com 41 referências mencionadas por 14

participantes; confusão com os conceitos jurídicos, com 14 referências relativas a 4

participantes e mudanças positivas na comunicação com 56 referências indicadas por 19

participantes, dos quais, 15 indicaram 32 vezes a abertura de canais de comunicação e

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262

11 deles referiram 24 vezes a reflexão conjunta como sendo promotoras de mudanças

positivas no funcionamento da comunicação.

4.5.5.1.1 Comunicação disfuncional

O desenvolvimento de padrões disfuncionais de comunicação leva, em última

instância, à captura da capacidade de cooperação entre os pais, revelando-se, através de

trocas comunicacionais agitadas, confusas e contaminadas por comportamentos de

rejeição, desqualificação, desconfirmação ou por interações patológicas como a escalada

simétrica e a complementaridade rígida (Watzlawick, et al., 1993).

Assim, as formas de comunicação disfuncional, podem refletir comportamentos

marcadas por uma lógica de escalada simétrica que alteia o conflito a intermináveis

combates, os quais, obviamente comprometem as exigências de cooperação que

impendem sobre as figuras parentais, “Eu acho que não é bem cooperação é mais ao

contrário, acho que houve o preparar de armas para conseguir chegar à batalha.” (E07-

P2). Outras manifestações de padrões disfuncionais de comunicação verificam-se nos

comportamentos que visam desqualificar o interlocutor, “(…) deitou cá para fora coisas

que não podia deitar ao telefone comigo, porque, às vezes, cortava-lhe o telefone, pronto!

(…)” (E16-M); ou em formas ainda mais disfuncionais de comunicação como a

desconfirmação do eu do outro, negando o seu valor intrínseco, “(…) diz que é muito

compreensiva, mas na prática as coisas têm que ser feitas à maneira dela e, isso traduz-

se na ideia: ‘gostas deste quadro aqui? Não. Não faz mal tu habituas-te’ - percebe? E

não é uma coisa muito simpática.” (E01-P).

4.5.5.1.2 Comunicação funcional

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263

Como sabemos a comunicação funcional caracteriza-se por uma atitude de

abertura, interesse e curiosidade em conhecer, compreender e refletir sobre os pontos de

vista e experiências de cada um dos pais envolvidos no processo de decisão sobre a

organização e a regulação das responsabilidades parentais relativamente aos filhos.

Quando os pais comunicam mostrando interesse em partilhar as suas ideias e

impressões sobre a situação que os ocupa, “Nós ao falarmos sobre os nossos assuntos e

a forma como nós gostamos das coisas, temos acesso à forma como o outro pensa.

Portanto, o outro expõe a sua forma de pensar.” (E27-M8); então, a comunicação alcança

a seu objetivo primordial ligando as pessoas através da compreensão, da cooperação e da

inclusão das diferentes perspetivas e modos de ser, “(…). A minha intenção ou o que eu

tive que aceitar... tive que retroceder nos meus domínios para ele ter…, mas quer dizer:

acho que sim, assim é que deve ser, ele também tem direitos.” (E29-M9).

Por outro lado, a forma funcional ou disfuncional como o ex-casal/pais

comunicam durante as sessões de mediação familiar parece refletir os padrões de

comunicação estabelecidos antes da SD, “Ah! Foi útil, porque nós tínhamos aqui uma

coisa boa, é que nos dávamos bem, não fomos para lá assim em guerra, quando há isso…

acho que é difícil depois a mediação toda.” (E13-P4).

Assim, os resultados comprovam que o nível de

funcionalidade/disfuncionalidade da comunicação entre os pais, no contexto de tomada

de decisão relativamente à regulação das responsabilidades condiciona a evolução e o

resultado da mediação familiar.

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264

Figura 29. Comparação entre as categorias “comunicação funcional” e “comunicação

disfuncional” e o resultado da mediação familiar (com acordo ou sem acordo).

Os resultados expostos na figura 29 evidenciam uma associação entre os processos

de mediação que terminaram sem acordo e a não identificação de comunicação funcional,

enquanto a comunicação disfuncional foi reconhecida por 7 participantes. Inversamente,

nos casos em que a mediação familiar terminou com acordo, a comunicação funcional é

prevalente ao ser referida por 14 participantes e a comunicação disfuncional é menos

prevalente apesar de 5 cinco participantes terem mencionado essa categoria.

De sublinhar que a comunicação disfuncional é claramente condicionante, mas

não é decisiva para que a mediação familiar termine sem acordo, pois em alguns casos

foi possível alcançar acordo apesar de a comunicação se mostrar disfuncional (5

processos).

Deste modo, os resultados comprovam que quanto mais disfuncional é a

comunicação menores são as possibilidades de a Mediação terminar com acordo e quanto

mais funcional é a comunicação maiores são as probabilidades de a concluir com acordo.

5

7

14

0

Mediação = Acordo

Mediação = SemAcordo

Comunicação funcional

Comunicaçãodisfuncional

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265

Em consequência, importa analisar que mudanças ocorrem ao nível da

comunicação disfuncional que promovem a codecisão entre os pais, no âmbito da

mediação familiar.

4.5.5.2 Mudanças positivas na comunicação

A categoria Mudanças positivas na comunicação compreende alterações, ainda

que subtis, na maneira como os ex-casal/pais comunicam, as quais se refletem, quer nas

diferenças positivas ao nível da capacidade de compreensão das respetivas situações,

posições ou sentimentos, quer numa maior abertura e funcionalização dos canais e formas

de comunicação.

A subcategoria abertura de canais de comunicação, compreende os aspetos em

que a comunicação tende a evoluir de um patamar menos funcional para um nível mais

funcional. Tal transição materializa-se, entre múltiplos aspetos, em função da promoção

da escuta ativa, da remoção de equívocos, interpretações erróneas ou através da

descoberta de novos espaços de entendimento dos quais os pais não estavam cientes antes

de terem iniciado o processo de mediação familiar.

Os resultados decorrentes da análise desta subcategoria sugerem que o processo

de tomada de decisão, no contexto da mediação familiar, promove mudanças positivas ao

nível da comunicação que se revelam na abertura ao diálogo, “Pouco… pode parecer-lhe

estranho, mas só para o simples facto de ir ao médico não havia comunicação, antes…

agora, felizmente, já há.” (E11-P). Tal comunicação aberta é desenvolvida mediante

intervenções concretas, nomeadamente pela desobstrução dos canais de comunicação de

forma a que a conversação possa decorrer de forma clara e realista “Sem dúvida nenhuma,

talvez o podermos conversar, não é, podermos, hum… pronto. A pessoa diz A e ter a

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266

certeza que a outra ouve A e não B. (E22-P). Mas, também a exploração de assuntos e

situações aparentemente inusitadas podem abrir novos trilhos condizentes com formas

mais funcionais de comunicação entre os pais, “Bem, acho que ajudou muito falarmos de

… por incrível que pareça, de coisas, que no tempo, parecia que não tinham

rigorosamente nada a ver. (E10-M).

Por sua vez, a subcategoria expandir o plano de reflexão inclui situações em que

ocorre uma ampliação do campo de observação inicial, nomeadamente, através da

promoção da curiosidade para deixar o olhar deter-se no mundo do outro e ter um lampejo

de como ele é, da sua idiossincrasia e complexidade, “Ajudou-me a tentar ver, ajudou-me

nalgumas situações a ver também o outro lado. Porque é a tal coisa, é muito fácil nós

fecharmo-nos nas nossas ideias, nas nossas emoções, nos nossos sentimentos, nas nossas

mágoas, e esquecermos a outra parte… a outra parte faz parte, tem direito a fazer parte

tem de fazer parte (…).” (E14-M). Por outro lado, a mediação familiar, tem como

principio básico a dinamização de um contexto de compreensão ampla e abrangente de

forma a que os pais possam tomar decisões fundamentadas, “(…) a mediação também

ajudou a estruturar ideias, a ouvir o outro, em vez de ser por mensagens ou, assim com

um tom mais alto.” (E25-P).

Assim, as alterações positivas na forma como os pais comunicam, no âmbito do

processo de mediação familiar sugerem uma tendência para o aumento da probabilidade

de a mediação familiar vir a terminar com acordo.

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267

Figura 30. Mudanças positivas na comunicação relativamente aos casos em que a

mediação familiar terminou com acordo ou sem acordo.

De acordo com a figura 30 a capacidade de os pais incorporarem mudanças na

forma como comunicam através da integração de hábitos de pensamento e de interação

adaptativos e funcionais reflete uma maior probabilidade de estes pais virem a terminar a

mediação familiar com acordo. De notar, que a maioria - 71% dos participantes que

conseguiram desenvolver mudanças positivas na comunicação conseguiram terminar o

processo de mediação familiar com acordo-, enquanto 29% não chegaram a acordo.

Assim, estes resultados demonstram que a integração de mudanças positivas ao nível

comunicação disfuncional se encontra relacionada com uma maior possibilidade de a

mediação familiar terminar com acordo, em consequência de uma maior abertura do

sistema parental para assimilar a informação e (re) elaborar novos significados e

programar o futuro.

Verifica-se assim uma associação positiva entre comunicação funcional e

probabilidade de acordo e uma associação negativa entre comunicação disfuncional e

menores possibilidades de acordo. Esta constatação permite comprovar o impacto do

17; 71%

7; 29%

Mediação = Acordo

Mediação = Sem Acordo

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268

processo de mediação familiar, se o mesmo for operacionalizado com o uso de estratégias

que incidam ao nível ao de padrões comunicacionais disfuncionais de modo desenvolver

a construção de acordos preventivos da conflitualidade após a SD.

4.5.5.3 Contexto da mediação familiar

A noção de contexto de mediação familiar compreende o conjunto formado pelos

intervenientes (e.g. pais, crianças, advogados, etc.), pelo mediador e pelo meio envolvente

onde as sessões decorrem, de modo a que num período de tempo determinado o processo

de mediação evolua no sentido de serem alcançados os objetivos delineados.

De salientar, a pertinência em incluir a noção de processo no perímetro da

definição de contexto de mediação familiar, de tal forma que, é por essa via dinâmica que

os mediados (co)evoluem e acomodam a (re)organização da coparentalidade, da

parentalidade e das suas múltiplas vertentes de vida em transição para a SD. Tal é a rota

processual de elaboração de um acordo autocomposto, mas observante do sistema jurídico

em referência, nomeadamente quanto às leis sobre as crianças.

Na sequência da análise do conteúdo das entrevistas objeto deste trabalho, iremos

seguidamente atentar nos resultados constantes da seguinte tabela.

Tabela 13

Categoria Contexto da mediação familiar e respetivas subcategorias

Contexto da mediação familiar Nº de

Participantes

Nº de

referências

Clima da mediação 26 51

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269

Espaço da mediação 14 20

Intervenção dos advogados 5 9

Motivação para a mediação familiar 16 32

Obstáculos processuais 14 52

Perceções sobre o contexto

processual

28 165

Postura do mediador 21 89

Total 29 419

De acordo com os elementos apresentados na Tabela da categoria Contexto da

mediação familiar emergiram 7 subcategorias32, tais como: Clima da mediação, com 51

referências mencionadas por 26 participantes; Espaço da mediação, com 20 citações,

referidas por 14 participantes; Intervenção dos advogados, com 9 referências, indicadas

por 5 participantes; Motivação para a mediação familiar, com 32 referências

mencionadas por 16 participantes; Obstáculos processuais, com 52 referências, indicadas

por 14 participantes; Perceções sobre o contexto processual, com 165 referências,

indicadas por 28 participantes e Postura do mediador, com 89 referências relativas a 21

participantes.

Assim, o processo de mediação familiar desenvolve-se num contexto específico e

determinado pela interação dos diversos elementos, condições, motivações, desafios e

perceções dos intervenientes no processo de mediação.

De destacar, que do conjunto das várias subcategorias associadas ao Contexto a

menos referida é a intervenção dos advogados, mas apesar disso reflete claramente a

32 As subcategorias filhas, por sua vez, decompõem-se em outras subcategorias.

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270

forma como a intervenção dos advogados na mediação familiar é considerada pelos

participantes.

Figura 31. Impacto da participação dos advogados na mediação familiar.

Assim, os valores expressos na figura 31 demonstram a impressão negativa dos

participantes relativamente à intervenção dos advogados no contexto da mediação

familiar, pois 8 participantes consideram-na negativa (89%) e apenas 1 participante a

considera positiva (11%).

Como se constata através dos resultados atrás expostos, as categorias mais

proeminentes relativamente à sua influência no contexto da mediação familiar são o

Clima da mediação, os Obstáculos processuais, as Perceções sobre o contexto

processual e a Postura do mediador.

O Clima da mediação respeita à perceção que os participantes têm do ambiente

que envolve as sessões de mediação familiar. Encontra-se relacionado com a confiança e

o conforto emocional.

8; 89%

1; 11%

Intervençãonegativa

Intervençãopositiva

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271

Figura 32. Clima da mediação familiar.

Através da figura 32 verifica-se que 21 dos participantes consideraram que o clima

em que decorreram as sessões de mediação era confortável (64%), enquanto 12 dos

participantes percecionaram desconforto nas sessões de mediação familiar (36%). A

confiança e o á vontade são essenciais para que as pessoas se possam expor e comunicar

os seus sentimentos e preocupações de forma aberta, por isso, a promoção de um ambiente

agradável é fulcral na mediação familiar, “Sim, sim, sim foi confortável, eu acho, que

estive de corpo inteiro “de alma e coração” porque emocionei-me muitas vezes.” (E10-

M). Inversamente, o clima das sessões de mediação familiar pode ser desconfortável se

as pessoas sentirem falta de privacidade e de reserva, por isso o número de intervenientes

nas sessões deve ser cuidadosamente considerado, “(…) portanto, estávamos nós os dois,

os dois advogados, e ainda mais três assistentes que vinham… eram de Angola, ou Cabo

Verde, uma coisa assim… uma ex-colónia, em que estavam ali para tentar aprender, de

alguma forma, (…) estava a senhora da mediação, nós os quatro e mais três, portanto,

aquilo era uma sala pequena e cheia de gente, não é…” (E21-P5).

O espaço físico destinado à mediação familiar deve ser apropriado,

nomeadamente em termos de dimensão e de comodidade, pois a relação entre as pessoas

21; 64%

12; 36%

Confortável

Desconfortável

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272

e o espaço contribui para potenciar uma sensação de à-vontade e de confiança ou de

constrangimento e de opressão.

Figura 33. Perceções relativas ao espaço físico onde decorre a mediação familiar.

A figura 33 permite verificar que 9 participantes (60%) consideraram o espaço

físico onde se realizou a mediação como sendo agradável; 5 participantes (33%)

consideraram-nos desagradável e 1 participante considerou o espaço (7%) neutro.

O local onde decorrem as sessões de mediação familiar pode deixar nos mediados

uma impressão desagradável por ser um espaço não insonorizado “(…) confesso que o

espaço onde decorreu, houve uma altura, que se estivéssemos mais em silêncio ouvíamos

a conversa dos senhores do lado.” (E02-M); opressivo, “(…) tirando o facto de ser uma

sala sem janelas não tinha nada de grave… pronto, era um cubículo.” (E21-P5); e de

desconforto quando a temperatura da sala é demasiado alta ou baixa, “Ao princípio não,

até porque o ar condicionado não funcionava, como tática negocial é bom - estou a

brincar!” (E01-P).

Inversamente, o espaço físico onde ocorre a mediação é percecionado como sendo

agradável se proporcionar bem-estar e comodidade, “(…) com o espaço? Confortável,

9; 60%5; 33%

1; 7%

Agradável

Desagradável

Neutro

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273

senti-me bem.” (E02-M); assim como, se garantir condições de confidencialidade das

sessões “Em termos do espaço físico das condições de confidencialidade que nos foram

garantidas.” (E05-P).

Deste modo, verifica-se que as condições existentes na sala de mediação,

influenciam o contexto de decisão na mediação familiar sendo, suscetíveis de influir na

disposição dos intervenientes na mediação, na medida em que, os mediados registam

sensações agradáveis ou desagradáveis consoante se sentem resguardados em termos de

confidencialidade e de bem-estar físico ou não (e.g. temperatura da sala, existência de

janelas).

A motivação para a mediação familiar é, também, um componente do contexto

da mediação familiar, de tal forma que o tom e o ritmo das sessões de mediação são

influenciados pelas razões que motivam as pessoas a recorrer à mediação familiar.

O impulso para recorrer a mediação familiar pode ocorrer voluntariamente por

iniciativa espontânea dos interessados ou por sugestão do juiz nos termos do artigo 24º,

nº 1 e nº 2, da Lei nº 141/2015, de 8 de setembro. Não obstante, a necessidade de acolher

o princípio da voluntariedade previsto no artigo 4º, da Lei nº 29/2013 de 19 de abril,

importa notar que as razões que movem os mediados numa e noutra situação são distintas.

Em primeiro lugar, no caso em que os interessados optam por sua iniciativa pela mediação

familiar é porque pensaram antecipadamente sobre o meio mais apropriado à abordagem

do seu caso; em segundo lugar, na maioria das situações a procura espontânea da

mediação familiar antecede a propositura da ação judicial e em terceiro lugar, quando já

existe um processo judicial a conflitualidade apresenta-se formalmente declarada e a

sugestão do juiz é geralmente percecionada como compulsória sendo, por isso, aceite por

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274

razões de conveniência ainda que não exista qualquer predisposição das partes para aderir,

de facto, à mediação familiar.

Desta forma, o nível de voluntariedade com que os intervenientes aderem ao

processo de mediação familiar é passível de condicionar o grau de envolvimento no

processo de mediação familiar e consequentemente de a virem a concluir com ou sem

acordo.

Figura 34. Motivação voluntária para a mediação familiar e motivação voluntária

condicionada.

Conforme se verifica através da figura 34, 12 dos participantes (60%) referiram

que optaram voluntariamente pela mediação familiar enquanto 8 participantes (40%)

indicaram que a sua participação registou alguma forma de constrangimento.

A escolha voluntária e espontânea da mediação familiar para resolver o conflito

implica uma opção refletida “(…) a grande preocupação que nos levou a dirigir-nos a

um especialista desta matéria foi saber como lidar com duas crianças (…) de facto,

ajudou bastante.” (E24-P7) e positiva, “Eu acho que… lá está, o compromisso que nós

assumimos de irmos colaborar para uma mediação bem-sucedida. (…). (E20-P6). Por

sua vez, as motivações que estão na base de uma adesão voluntária condicionada

12; 60%

8; 40%Voluntária

Voluntáriacondicionada

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275

resultam, em primeiro lugar, da perceção que as partes têm do juiz como entidade

soberana da qual emanam ordens não sugestões, “Achava eu que era uma perda de tempo,

se quer que lhe diga, achei que pronto, vou lá porque a juíza mandou ir.” (E14-M),

comprometendo-se assim a autenticidade da voluntariedade; “Tínhamos já, à partida um

litígio muito grande, fomos os dois um pouco obrigados porque foi uma decisão de

tribunal, logo aí houve um constrangimento (…). (E16-M). No entanto, as motivações

que interferem com a voluntariedade podem também advir de outro tipo de situações, tais

como, problemas económicos, “Eu equacionei a possibilidade de desistir, mas eu

materialmente, na altura, eu não tinha mínima possibilidade de contratar um advogado.

(E18-M).

Verifica-se, assim, que as motivações por detrás da voluntariedade apontam para

diferentes padrões de adesão à Mediação, por isso, importa esclarecer se existe relação

entre o tipo de voluntariedade e a conclusão da mediação familiar com ou sem acordo.

Figura 35. Tipos de voluntariedade (de acordo com as motivações subjacentes) e

conclusão do processo de mediação familiar (com acordo/sem, acordo).

Conforme se extrai da figura 35 nos casos de voluntariedade condicionada apenas

foi possível alcançar acordo em 4 situações tendo terminado sem acordo em 13 casos, em

12

4

4

13

Voluntária

Voluntária condicionada Conclusão da mediação = Acordo

Conclusão da mediação = SemAcordo

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276

contrapartida, quando se verificou voluntariedade plena conseguiu-se obter acordo em 12

casos e apenas 4 deles terminaram sem acordo.

Desta forma, os resultados corroboram que, quanto menos condicionada é a

voluntariedade maiores são as possibilidades de acordo. Esta constatação tem

implicações, nomeadamente quanto à necessidade de triagem prévia ao processo de

mediação familiar, de forma a evitar que as situações que não se mostrarem apropriadas

não sejam abordadas através de mediação familiar.

As Perceções sobre o processo traduzem as impressões que os participantes

assinalaram, nomeadamente no que respeita à organização e estrutura do processo (e.g.

regras processuais, número de sessões, duração, etc.).

Figura 36. Perceções referentes ao desenvolvimento do processo (nº de participantes e

percentagem).

Relativamente à perceção negativa dos participantes sobre o processo de

Mediação de Familiar de destacar dois aspetos: o primeiro, respeita a uma impressão de

desagrado e de improdutividade por certos temas relevantes não terem sido abordados e

discutidos nas sessões (e.g. pensão de alimentos; visitas, diferença entre despesas médicas

10; 23%

10; 23%23; 54%

Perceçãonegativa

PerceçãoAmbígua

Perceçãopositiva

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277

correntes extraordinárias, não contabilização das despesas com o vestuário), “Por

exemplo, uma particularidade, eu estava desempregada quando fiz a mediação e isso não

foi um facto sequer … não sei se seria pertinente ter sido falado ali se não, mas nem

sequer foi aflorado, digamos, portanto, eu que me lixasse, eu que havia de arranjar o

dinheiro (…)” (E17-M5); “(…)a questão das visitas… (não foi abordada)”. (E22-P); o

segundo, incide sobre falhas na veiculação de informação e na circularização da

comunicação nas sessões “(…) tive quatro sessões, nessas quatro sessões não fui senhora

de dizer absolutamente nada, nada.” (E18-M).

No que se refere à perceção positiva sobre o processo de mediação familiar foi

claramente afirmado pelos participantes o impacto positivo da organização e estrutura do

processo de mediação familiar, por este processo lhes permitir refletir, clarificar,

comparar, ampliar o leque de opções, testar as decisões antes da sua formalização

definitiva, ter tempo para amadurecer, decidir e fundamentar as decisões e para evitar o

sofrimento não só aos filhos, mas também dos pais, “Eu acho, que antes de chegarmos

aos filhos tem que haver um entendimento das nossas necessidades também, e eu acho,

que foi fundamental. (…)” (E10-M).

Assim, como anteriormente referimos, o processo de mediação familiar relativo

a responsabilidades parentais, na transição para SD, configura um quadro de trabalho

disciplinador que visa ajudar os pais a tomar decisões racionais, sensitivas, criativas e

ajustadas ao seu caso específico, através da promoção das capacidades disponíveis na

família, de tal forma que, o acordo final reflita a criação da organização da vida que o

sistema familiar, em transição para a SD, conseguiu gerar ao longo do processo de

mediação familiar, “ (…) talvez… tenha obrigado a pensar mais cuidadosamente e mais

prolongadamente cada decisão… o facto de me ter obrigado a fazer aquela disciplina de

reflexão, sobre as implicações de todas as decisões, no fundo criou uma espécie de

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278

padrão de decisão e de fundamentação da decisão que se manteve e se tem mantido ao

longo do tempo. (E09-P3).

A crise da SD, o conflito e a incerteza ínsita à complexidade do sistema familiar,

encerram, simultaneamente, o tempo, as circunstâncias e a oportunidade para eclosão da

criatividade necessária ao processo de (co)elaboração de um acordo sobre o exercício das

responsabilidades parentais que reflita a atenção às necessidades de todas as pessoas

implicadas, especificamente, os pais e os filhos, “Eu acho, que antes de chegarmos aos

filhos tem que haver um entendimento das nossas necessidades também, e eu acho, que

foi fundamental. (…)” (E10-M). Acresce, que a pertinência em experimentar certas

decisões antes de as adotar de forma definitiva, “Experiências, mas não é no mau sentido

é no sentido de eu ver: - gostava que elas ficassem comigo uma semana - e, depois, pego

nelas e estão lá o fim-de-semana, e uma pessoa vê o comportamento delas e pensa: se

calhar, aquela é muito pequenina para isto. Isso é muito importante, porque mais do que

nós falarmos é nós vermos a reação (…). (E01-P).

A categoria referente a perceções ambíguas remete para relatos ambivalentes

sobre o processo de Mediação em que, concomitantemente são referidos aspetos positivos

a par com menções negativas, nomeadamente, falta de sintonia com o estilo do mediador

(e.g. mediador diretivo), dilação exagerada do processo de mediação; desagrado

relacionado com comediação em que um dos mediadores faltou a algumas sessões; os

pais esperarem na mesma sala enquanto aguardavam pela sessão).

Desta forma, verifica-se como todos os detalhes são absorvidos e integrados pelos

participantes seja em sentido negativo, ou seja, de forma positiva. De salientar, que a

entrega dos pais ao diálogo, à cooperação, à formação de decisões racionais e

fundamentadas na realidade será tanto mais proeminente quanto maior o cuidado do

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279

mediador familiar com o planeamento e preparação de todos os pormenores do processo

de mediação. De facto, todos os detalhes têm a sua influência e o seu peso por mais subtis

que sejam.

Há diversos obstáculos que podem influir na dinâmica do processo de decisão dos

pais ao nível da mediação familiar, por isso, interessa identificá-los, nomeadamente para

que, sempre que possível, sejam afastados ou contornados.

Figura 37. Obstáculos processuais identificados no contexto do processo de mediação

familiar (nº de participantes e percentagens).

Os obstáculos processuais verificam-se quando a evolução eficiente do processo

de mediação familiar é perturbada em função de determinados eventos, tais como:

alteração na periodicidade das sessões (e.g. desmarcação de sessões, intervalos de tempo

excessivos entre sessões), referida por 2 participantes (8%); baixas expectativas dos

mediados (e.g. os mediados pensam que no seu caso a mediação não pode ajudar

problema), referida por 6 participantes (23%) ; inexistência de triagem, e.g. não haver

2; 8%

6; 23%

3; 11%

1; 4%

5; 19%

3; 12%

6; 23%

Alteração na periodicidade dassessões

Baixas expectativas dosmediados

Inexistência de triagem

Informações processuaisincorretas

Número insuficiente de sessões

Número excessivo deintervenientes na sessão

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280

avaliação sobre a adequação do caso ao processo de mediação familiar), referida por 3

participantes (11%) ; informações processuais incorretas (e.g. equívocos quanto a

informações prestadas pelo SMF ou pelo mediador), referido por 1 participante (4%);

número excessivo de intervenientes na sessão (advogados, estagiários, etc.), referida por

3 participantes (12%); número insuficiente de sessões de mediação (e.g. pré-mediação

sem sessões individuais), referido por 3 participantes (12%) e rigidez procedimental (e.g.

abordagem standard ao estabelecer um número fixo de sessões), referida por 6

participantes (23%).

A análise categorial relativa à influência da postura do mediador no contexto da

mediação familiar, permitiu discriminar um conjunto de atributos positivos e negativos

suscetíveis de interferir no contexto da mediação familiar relativamente ao exercício das

responsabilidades parentais.

Figura 38. Atributos positivos para o contexto de mediação familiar relativos à postura

do mediador (nº de participantes e percentagens).

De acordo com os resultados apresentados através da figura 38, verifica-se que os

atributos relativos à postura do mediador que mais influem positivamente no contexto da

mediação familiar são, a assertividade mencionada por 6 participantes (33%); a

3; 16%

8; 42%

2; 10%

6; 32%Assertividade

competência

empatia

imparcialidade

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281

competência, referida por 8 participantes (42%); a empatia indicada por 2 participantes

(10%) e a imparcialidade referida por 6 participantes (32%).

Não obstante, a pertinência do conjunto de atributos positivos para o processo de

decisão atrás referidos, é notória a influência positiva que os participantes neste estudo

atribuem à competência do mediador familiar, competência esta, que consiste no

conhecimento e experiência manifestada pelos mediadores familiares na condução das

sessões de mediação familiar, a qual, pressupõe, perspicácia e aplicação correta de

conhecimentos (e.g. método de trabalho consistente, flexibilidade, objetividade, domínio

de estratégias, prestação de informações fidedignas, subtileza, etc.). Deste modo, é

crucial, “O acompanhamento da mediadora, das capacidades da mediadora na

mediação, bem como, do seu treino. (E05-P). Também, a imparcialidade, assertividade e

empatia são influentes na eficiência contexto emergente da mediação familiar.

A análise do conteúdo categorial permitiu também especificar quais os atributos

do mediador familiar que mais influenciam negativamente o desenvolvimento do

processo de decisão parental.

Figura 39. Atributos negativos para o contexto de mediação familiar relativos à

postura do mediador (nº de participantes e percentagens).

3; 14%

7; 33%

5; 24%

6; 29%

Falhas de ética

Incompetência

Desiquilibrio nacondução doprocesso

Passividade

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282

A figura 39 exibe atributos negativos inerentes à postura do mediador que se

mostraram associados ao contexto em que o processo de mediação familiar se desenrola,

tais como, Falhas de ética, referidas por 3 participantes (14%); Incompetência,

mencionada por 7 participantes (33%); Desequilíbrio na condução do processo, referido

por 5 participantes (24%) e Passividade a que aludiram 6 participantes (29%).

A incompetência advém essencialmente da escassez de conhecimentos de vária

ordem e de falta de treino do mediador/a familiar, “Mas, ela não estaria muito preparada,

pronto (…). Portanto, tem que se ter algum traquejo, ela não o tinha, por muito que tenha

dito que fazia aquilo há não sei quantos anos. (…) (E18-M). De notar, que a inabilidade

sobretudo quando clamorosa propaga um lastro de desconfiança com efeitos perversos

designadamente para a mediação familiar sobretudo se atendermos a que, a mesma, ainda

não está suficientemente implantada, quer em termos sociais, quer académicos e

institucionais. “Para o fim já tínhamos aquela ideia de que a pessoa (mediadora) não nos

estava a explicar tudo bem, achámos isso, sim. “(E13-P4).

Por outro lado, a falta de ética (e.g. ocultação de que se conhece uma das partes);

a passividade do mediador familiar (e.g. mediador/a sem perspicácia, iniciativa e

criatividade) e o desequilíbrio na condução do processo, consistente em prepotência;

perda de controlo da interação dos mediados e de fio condutor nas sessões, difunde

disposições e posturas do mediador familiar que contaminam o contexto de tomada de

decisão.

Como sabemos, vários autores têm salientado a importância dos efeitos do

contexto para o processo de tomada de decisão, nomeadamente em ambientes naturais,

dinâmicos e incertos (Kleespies, 2014). Relativamente à mediação familiar, alguns

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283

autores têm referido a importância, nomeadamente, da formação dos rececionistas, da

preparação do espaço e da disposição do mobiliário, no sentido de se criar uma atmosfera

tranquilizadora (Parkinson, 2008).

Em síntese, com a análise dos resultados permitiu averiguar quais foram os efeitos

do contexto envolvente ao processo de tomada de decisão que os participantes

identificaram como sendo os mais impressivos, durante a mediação familiar. Assim,

destacam-se três tipos de efeitos de contexto: 1) Efeitos inerentes à impressão causada

pelas condições do espaço onde se realizam as sessões (e.g. insonorização e climatização

da sala; 2) efeitos produzidos pelo clima envolvente (e.g. confortável, acolhedor,

tranquilizador, etc.); 3) efeitos relativos à interação entre os participantes envolvidos nas

sessões (e.g. advogados, postura do mediador, mediados); 4) efeitos derivados de

contingências processuais (e.g. voluntariedade/(in)voluntariedade, obstáculos inerentes

ao processo e estrutura orgânica da mediação familiar).Deste modo, a identificação destes

fatores pode contribuir para reduzir os efeitos negativos e potencializar os que se

mostraram positivos.

4.5.5.4 Emotividade

O conflito associado à SD, comumente, irrompe ou intensifica-se a partir do

momento em que a comunicação do desejo de separação é veiculada entre os membros

do casal. Por sua vez, as emoções são parte integrante da essência do conflito (Picard &

Siltanen, 2013), cuja turbulência é passível de comprometer os dispositivos de regulação

emocional e de constranger de forma imediata e automática as operações racionais de

elaboração mais lenta.

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284

A experiência emotiva33 inerente à SD é vivida de forma própria, em tempos nem

sempre coincidentes, pelo pai, pela mãe e pelas crianças, de tal forma que as emoções

implícitas à perda do outro espelham o estado dos vínculos afetivos (Emery, 2012).

Assim, o processo emocional e afetivo de SD compreende um estádio inicial de

entorpecimento, ansiedade e eventual protesto, ao qual, se segue um estádio de

desorganização e de tristeza que dará lugar a um estádio de reorganização e de

desvinculação (Emery, 2012). De facto, a SD envolve mudanças com consequências

significativas, nomeadamente em termos socioeconómicos, legais, psicológicos e

emocionais (Braver et. al., 2006), para cada um dos membros da família, para o

subsistema parental, para o subsistema coparental e para o sistema familiar, de tal maneira

que, o decaimento da regulação emocional e a irrupção de raiva, são ocorrências

frequentes em qualquer dos estádios da SD. Por seu lado, um dos objetivos gerais que é

comummente endereçado à mediação familiar é o de diminuir o nível de adversariedade

e o de aumentar a estabilidade emocional dos pais melhorando assim as suas

competências parentais (Beck, & Sales 2001; Bush & Folger, 2005; Irving & Benjamin

2005)

O papel das emoções no processo de mediação é considerado de diferentes formas

pela generalidade dos modelos de mediação familiar, por isso, importa considerar como

é que o tema das emoções associadas à SD, no contexto da mediação familiar, é

perspetivado no panorama global da mediação familiar. Em primeiro lugar, de acordo

com Picard e Siltanen (2013) a experiência de emoções positivas e negativas está

associada à aquisição de competências para entender e gerir as emoções próprias do

mediador familiar e as emoções dos mediados, de tal forma que, o processo de aprender

33 Tendo em conta que o tema da emotividade foi abordado ao longo da tese, para evitar repetições,

remetemos, especificamente, para o capitulo 3, pp 99 – 101.

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285

é um processo aberto e construtivo entre mediador familiar/mediados. Em segundo lugar,

importa notar a relevância das emoções no quadro da mediação familiar Terapêutica e da

Mediação Transformativa, relevância esta, patente, quer no quadro de trabalho proposto

por cada um destes modelos, quer através da respetiva conceção do conflito, enquanto

realidade emocional suscetível de transformação em oposição à noção de resolução de

conflitos propugnada pelas teorias facilitadoras ou racionalistas de mediação familiar

(Bush & Folger, 2005; Jameson, Bodtker, Porch, Jordani, 2009).

Consequentemente, afigura-se, de crucial importância compreender a influência

da emotividade (positiva e negativa) dos pais que participaram no presente estudo 2, bem

como, a sua influência no processo de tomada de decisão relativamente às

responsabilidades parentais face aos seus filhos. Para tal, procedemos à análise e à

apresentação dos resultados emergentes da categoria Emotividade.

Tabela 14

Categoria Emotividade e as respetivas subcategorias (nº de participantes e nº de

referências)

Emotividade

Nº de

Participantes

Nº de

referências

Positiva 11 20

Negativa 18 59

Efeito mediação/emotividade 24 80

Perceção sobre as emoções

(próprio e de outrem)

24 61

Total 29 215

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286

A categoria Emotividade compreende as seguintes subcategorias; Emotividade

positiva, apresenta 20 referências, foi mencionada por 11 participantes e a Emotividade

negativa, com 59 referências relativas a 18 participantes; o Efeito mediação/emotividade,

compreende 80 referências relativas a 24 participantes e a Perceção sobre as emoções

(próprio e de outrem), com 61 referências relativas a 24 participantes. A categoria

Emotividade, apresenta um total de 215 referências respeitantes a 29 participantes.

Kobau, et al., (2011) afirmam que as emoções positivas ampliam a atenção das

pessoas, assim como, as suas competências cognitivas, criativas e a curiosidade ajudando-

as a desenvolver comportamentos exploratórios e a otimizar os seus recursos e qualidades

sociais, entre outras, reduzindo os efeitos stressantes decorrentes de eventos negativos

(e.g. conflito) contribuindo para o reequilíbrio físico e mental.

Por seu lado, as emoções negativas têm uma função adaptativa a curto prazo

(Kobau, et al., 2011). De notar, no entanto, a propensão para as associar a falhas de

racionalidade, impulsividade ou desânimo (Maiese, 2006) e, por isso, adversas à tomada

de decisões importantes que impliquem reflexão, discernimento e tempo de maturação.

Por seu lado, as emoções negativas são por vezes associadas a falhas de

racionalidade, impulsividade ou desânimo (Maiese, 2006) e, por isso, consideradas hostis

para a tomada de decisões importantes que impliquem reflexão, discernimento e tempo

de maturação. No entanto, de notar que as emoções negativas desempenham uma função

adaptativa a curto prazo (Kobau, et al., 2011) e que o estilo pessoal de pensamento, mais

intuitivo e experimental ou mais analítico e racional (2010; Epstein, et al. 1992) tem

igualmente influência no processo de tomada de decisão.

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287

Comummente considera-se que a emoção compreende três tipos de processos

(Jameson, et al., 2009), especificamente, um processo fisiológico que permite sentir as

emoções, um processo cognitivo que possibilita a sua compreensão e interpretação e um

processo comunicativo que proporciona a sua expressão através de pistas verbais ou não

verbais. Assim, tendo presente que as emoções são componentes do conflito, importa

analisar a subcategoria Emotividade de modo a compreender como é que os pais/ex-casal

percecionam e interpretam as suas experiências emocionais no curso do processo de

decisão relativo às responsabilidades parentais.

Figura 40. Caracterização das emoções como positivas e negativas durante a mediação

familiar (nº de participantes e percentagens).

De acordo com a figura 40, 18 participantes (72%) aludiram à presença de

emoções negativas e 7 participantes (28%) indiciaram emoções positivas.

De notar, que apesar do contexto de stress e de conflito alguns dos pais

identificaram emoções positivas (e sentimentos) durante a mediação familiar, tais como:

amizade, “Amizade sim, sim. A amizade e aquela preocupação não estou a decidir nada

que vá ter aqui uma consequência má e que eu não estou a ver qual é (…).” (E13-P4);

18; 72%

7; 28% Negativa

Positiva

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288

respeito “(…) mas, certamente haveria ali algum respeito um pelo outro.” (E20-P6);

confiança e valorização do outro, “Eu acho, que eu tenho consciência apesar da minha

visão, que o P é um bom pai para os filhos e dá aquilo que pode dar (…). (E10-M).

Por seu lado, a emotividade negativa, foi amplamente demonstrada através de

expressões que retratam emoções e sentimentos com elevado potencial de conflito,

nomeadamente: a sensação de que o outro sente raiva e do ódio “ (…) ele ficou-me com

muita raiva - ter arranjado outra pessoa -, misturou isso tudo com o ódio” (E03-M1);

desconfiança e traição, “Sei lá… talvez do foro emocional, a desconfiança, foi a traição

também…(E04-P2); a raiva e o ódio pelo outro e por si mesmo E15-M – Claro (…) que

o meu ódio ou a minha raiva por ele foi sempre muito ah … partilhada com o meu ódio

ou com a minha raiva por mim própria por ter chegado àquele ponto (…) (E15-M);

vingança e ódio, “(…) eu sei que a partir do dia que eu fiz queixa dele no tribunal ele

nunca mais me vai perdoar… é um ódio de morte, até ao fim” (E06-M3); desprezo “é o

pai dos meus filhos, no meu conceito é um ser diminuído, ou seja, ele, de facto tem coisas

positivas, mas é uma pessoa completamente desajustada do mundo e eu não tenho

qualquer tipo de sentimento.” (E15-M).

Relativamente ao Efeito mediação/emotividade, pretende-se conhecer o impacto

que a que mediação familiar tem na experiência emocional dos pais/ex-casal e,

consequentemente no processo de tomada de decisão inerente à reorganização de vida

que o acordo sobre o exercício das responsabilidades reflete.

Assim, a análise da subcategoria Efeito mediação/emotividade permite constatar

dois tipos distintos de efeitos: 1) quando no contexto de mediação familiar os mediadores

familiares propiciam a ativação e o reforço de emoções negativas há um impacto real

adverso na relação entre os pais e no processo de tomada de decisão; 2) por outro lado, o

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289

contexto de mediação familiar pode facilitar o ajustamento emocional à mudança. No

primeiro caso, salienta-se que, o facto de se reavivarem experiências emocionais

dolorosas, já esquecidas ou adormecidas pode ser contraproducente especialmente

quando não se vislumbra qualquer utilidade em explorar tais experiências “(…) foi mais

acordar coisas que não eram essenciais para aquela tomada de decisão. Não, como lhe

digo, foi só o reavivar (…)” (E12-M4). Do mesmo modo, recordar situações

eventualmente já perdoadas pode provocar sofrimento emocional acrescido e um maior

afastamento entre os pais “assim nas nossas sessões vieram ao de cima muitas coisas que

já estavam esquecidas e perdoadas, portanto, como eu lhe disse foi um desgaste

emocional muito grande, para mim foi. (…) acho, que a mediação familiar não nos

aproximou, antes pelo contrário.” (E16-M).

Contudo, a consciência das emoções e a possibilidade de as exprimir também tem

uma função adaptativa “(…) portanto, era ali uma dualidade… por um lado era todas

essas emoções das coisas que estavam a acabar e que eu tinha que assumir isso, mas que

também se estavam a resolver e, pronto, iam por um caminho diferente.” (E19-M6). De

facto, a ação dos mediadores familiares durante as sessões promove a contenção das

emoções, “(…) a moderação também ajuda a clarificar e a tomar decisões mais

acertadas… a tal contenção (emocional).” (E23-M7); a sua evolução consciente e

adaptativa, bem como, e melhoria da performance deliberativa “(…) sim, com o tempo

íamos tomando consciência, não era uma coisa precipitada, era uma coisa que era

mastigada, íamos tomando consciência, íamos dando nome às coisas, íamos percebendo

porque que estávamos assim com um determinado estado emocional e de que maneira é

que ia implicar determinadas decisões.” (E24-P7). O processo de mediação familiar pode

ser assim um caminho em que os mediados, gradualmente, vão tomando contacto com as

suas emoções e com as do outro, reconhecendo-as, compreendendo-as e usando essa

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290

aprendizagem para conduzir o processo de tomada de decisão de forma positiva e

responsável. Aos mediadores incumbe a tarefa de manter o controlo das sessões,

promover a clarificação e desenvolver a confiança dos pais no processo de decisão para

que possam estabelecer acordos conscientes e responsáveis. “Pronto e à medida que as

reuniões foram-se desenrolando fui ganhando confiança e pronto… e acreditando que

aquilo ia dar um resultado (…) fui ganhando confiança. (E04-P2).

Figura 41. Conclusão da mediação familiar com acordo e sem acordo em função

do nº de participantes que referenciaram a existência de emotividade negativa (18

participantes).

De notar, que do conjunto de 18 participantes que aludiram à presença de

emoções negativas apenas 6 participantes (33%) terminaram o processo de mediação

familiar sem acordo, enquanto os restantes 12 participantes o concluíram o processo de

mediação familiar com acordo. Estes resultados corroboram o potencial de sucesso da

mediação familiar na gestão de conflitos familiares agravados por emotividade negativa.

12; 67%

6; 33% Acordo

SemAcordo

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291

Figura 42. Conclusão da mediação familiar com acordo e sem acordo em função do nº

de participantes que referenciaram a existência de emotividade positiva (7 participantes).

Relativamente à figura 42 verifica-se que 1 participante (14%) referiu a presença

de emoções positivas apesar de ter concluído o processo de mediação familiar sem

acordo, ao invés dos restantes 6 participantes (86%) que o concluíram com acordo.

Desta forma, a comparação entre a figura 41 e a figura 42, sugere que a presença

de emoções positivas é um indicador de maior probabilidade de os pais virem a alcançar

um acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, mas, por outro lado, a

existência de emotividade negativa não inviabiliza a possibilidade de acordo, embora

aconselhe o uso de estratégias calculadas para gerir adequadamente o processo de

mediação familiar. Ademais o nível de emotividade negativa em presença, durante a

mediação, depende de vários fatores que devem ser ponderados pelos mediadores

familiares, nomeadamente, o momento em que se recorre a mediação familiar, o tempo

decorrido desde a decisão de SD, as motivações da SD.

Assim, a análise dos resultados obtidos permite extrair os seguintes pontos a ter

em conta pelos mediadores familiares:

1) Trazer ao de cima emoções adormecidas, assim como, sua comunicação e

interpretação, pode ser contraproducente, especialmente, quando em relação a tais

6; 86%

1; 14%

Acordo

Sem Acordo

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292

vivências já existir distanciamento ou quando as ofensas já tiverem sido

perdoadas. Nestas situações o desencadear de memórias emocionais é sentida

pelos mediados como inútil, indesejada e desagradável;

2) É fundamental que os mediadores familiares detenham o controlo da exposição

emocional dos mediados, nomeadamente, estando atentos a pistas verbais e não

verbais indiciadoras de potenciais explosões de raiva, hostilidade ou agressividade

(e.g. assertividade e imposição de regras nas sessões, fazer intervalo; terminar a

sessão, realizar reuniões individuais);

3) A contenção emocional quando conduzida com sucesso pelos mediadores

familiares é percecionada pelos mediados como sinal de que o contexto é seguro

para exprimir, refletir e interpretar as suas emoções e sentimentos contribuindo,

desse modo, para uma evolução segura e gradual do processo de ajustamento

emocional decorrente da SD;

4) A expressão emocional deve ser controlada pelos mediadores familiares e

avaliados os riscos envolvidos de acordo com o nível de conflito;

5) A expressão emocional quando conduzida de forma adequada e quando desejada

pelos mediados tem influência positiva na qualidade das decisões tomadas, pois,

permite aumentar o campo de compreensão, reinterpretar as situações e refinar as

decisões adotadas.

A subcategoria Perceção sobre as emoções (próprio e de outrem) consiste em

saber identificar o que sente e/ou o que o outro sente, compreender como os sentimentos

vão mudando e identificar as mudanças, bem como, sentir-se mais consciente em relação

aos sentimentos pelos filhos.

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293

Figura 43. Perceção dos participantes relativamente às suas próprias emoções e às

emoções sentidas outro pai/mãe.

De acordo com a figura 43, verifica-se que os participantes que referem Não

perceção emocional das suas emoções das emoções/ outro, adotaram uma postura,

durante a mediação familiar, reflexiva, racional, objetiva, “(…) não me parece que estar

a formalizar questões num contexto de forte pendor jurídico seja muito relativo ao

sentimento e às emoções, não é, acho que é um contexto muito racional… pelo menos

para apelar para as minhas emoções… (E20-P6).

Relativamente aos participantes que demonstraram ter Perceção das emoções do

outro, os resultados sugerem que a empatia foi um componente do processo de tomada

de decisão sobre as responsabilidades parentais, de tal modo que, “Acho que ela se sentiu

muito desamparada e eu também não soube apoiar, na medida em que podia ter

apoiado… se fosse hoje, deveria ter feito algumas coisas diferentes.” (E21-P5). De facto,

algumas vezes, é apenas durante as sessões de mediação familiar, que o sofrimento do

outro é verdadeiramente apreendido “(…) eu sabia que ela não estava bem, mas teve

perto do suicídio, apercebi-me, mas não muito… esteve perto de desaparecer, mas não

me tinha apercebido.” (E25-P).

Quanto à perceção das próprias emoções, de salientar o papel da mediação

3

10

17

Não perceçãoemoções

próprias/outro

Perceçãoemoções do

outro

Perceçãoemoçõespróprias

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294

familiar enquanto espaço possível para a descoberta e para desenvolver o

autoconhecimento, de tal modo que, “Talvez, sim, não consigo concretizar, mas sim,

talvez, às vezes, surpreendia-me a mim própria.” (E12-M4),

Como sabemos, os sistemas e estilos de pensamento que sustentam as operações

de tomada de decisão têm por base diversos aspetos, nomeadamente, o tempo disponível

para decidir, a natureza dos assuntos (e.g. Driskell & Johnston, 1998), o contexto da

interação entre duas formas distintas de pensar, uma mais analítica e racional e outra mais

holística, experimental e afetiva sendo que, em geral uma predomina em relação à outra

(Epstein, et al., 1992). De facto, os resultados relativos à análise precedente permitem

corroborar que a forma como os mediados processam a informação atinente à tomada de

decisão difere de pessoa para pessoa, de tal forma que alguns dos participantes enfatizam

a racionalidade e a lógica do pensamento jurídico, enquanto outros vão ao encontro de

formas de pensar mais afetivas experienciais e holísticas que lhes permitem desenvolver

a consciência de si e do outro (Damásio 2010), a compreensão e a empatia. Então, a

questão que se coloca aos mediadores familiares é a de conseguirem identificar os padrões

de pensamento dos mediados subjacentes à tomada de decisão no contexto da SD e de

conduzirem o processo de mediação familiar de uma maneira ajustada ao padrão de

pensamento em presença. De notar, como pode ser desconfortável ou mesmo penoso

recordar e analisar experiências emocionais que não são consideradas relevantes para o

processo de tomada de decisão sobre as crianças, uma vez que os padrões de pensamento

subjacentes serão para estas pessoas analíticos, objetivos e jurídicos. Ao invés, para quem

estrutura o pensamento a partir da experiência emocional e afetiva, perspetiva-se segundo

uma procura do sentido da experiência vivida que é assim uma espécie de alicerce para

as decisões a tomar. Deste modo, a perceção emocional dos participantes neste estudo,

permitiu comprovar que a interação entre a emoção e o processamento do pensamento

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295

tem um papel importante no processo de mediação familiar.

4.5.5.5 Promoção da mudança em contexto de mediação familiar

Independentemente de o estilo de o mediador familiar ser mais interventivo ou

facilitativo são, comumente, dinamizados instrumentos (estratégias) que de forma

sistemática e organizada visam ajudar os participantes a tomar decisões conjuntas e

consensuais sobre o exercício do cuidado parental. A este contexto dinâmico e

colaborativo, geralmente, estão implícitos objetivos que visam a promoção de mudanças

de posicionamento e de comportamento, entre outras. Assim importa investigar como é

que essas mudanças ocorrem, que estratégias as favorecem e que aspetos as dificultam.

Tabela 15

Subcategoria de Análise: Estratégias e contextos que potenciam mudanças

Subcategoria de análise:

Estratégias e contextos que

potenciam mudanças

Excertos de conteúdo dos participantes

Ser imparcial “Foi o diálogo, ter uma pessoa imparcial que nos

pusesse a pensar, refletir e comunicar.” (E27-M8)

“Eu que… a certa altura, porque obviamente

houve situações em que me parecia que eu tinha

razão, não é? E estava-se mesmo a ver que ela

não tinha razão, mas a mediadora sempre foi

muito imparcial.” (E20-P6)

Desenvolver a empatia

(a decisão é a expressão

conjunta da perspetiva de

ambos)

(…) faz-nos pensar assim: tu existes, mas o outro

também existe. (…)” (E03-M1)

(…) aumentando essa perceção já não estou só a

pensar em mim também já estou a pensar nela

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296

(E01-P)

Explorar alternativas

(Desbloquear o círculo vicioso,

encontrar soluções)

“(…) sem a mediação provavelmente ainda hoje

estávamos a discutir as mesmas coisas.” (E02-M)

“E até situações que não nos passavam pela

cabeça, e… que vieram à conversa e pronto… e

chegámos ao acordo, não é…” (E04 - P2)

Valorizar

(Acalmar, aceitação)

“Achou que o estavam a valorizar também e eu

acho que o acalmou e ajudou um bocado também

a aceitar.” (E03 - M1)

Focalizar

(Centrar no essencial,

controlar a tendência para a

dispersão)

“(…) a mediadora sempre alertou foi para o

interesse … para se fazer tudo no interesse da

criança, para respeitar a criança. (…) “E03-M1

Contexto

“(…) aqui é o espaço que obriga mesmo a pensar.

(E01-P)

Clarificação (Objetividade.

Conhecimentos jurídicos do

mediador familiar)

(…) O conhecimento da lei foi eficaz, foi decisivo

… nessas tomadas de decisão. (E04 - P2)

Promover a compreensão das

experiências emocionais e

afetivas

(Melhorar a relação entre os

pais (possível influência na

coparentalidade)

“Sem nos apercebermos, ou seja, falarmos de

quais eram os nossos sentimentos em relação ao

casamento, quais os sentimentos que temos hoje

em relação à nossa relação, questões desse tipo

que não tinham diretamente a ver com o meu

filho, mas que de alguma forma (…) não estão

completamente resolvidas e fechadas, portanto,

continuavam a afetar o funcionamento do acordo

de Responsabilidades Parentais. (E05-P)

Regularidade semanal das

sessões de mediação familiar

(Organização e produtividade)

“Houve, também aqui um fator importante que, eu

acho que é determinante no resultado, é a

regularidade, a cadência, há a cadência semanal

(das sessões) (…)” (E10-M)

Organização/Atividades para

os mediados realizarem entre

as sessões

(Envolvimento,

“Ela (mediadora) fez-nos fazer uma lista dos

assuntos que nós achávamos importantes discutir

sobre os nossos filhos, chegar a acordo … e

tentou dar-nos assuntos para pensarmos em casa,

e foi a partir daí que nós conseguimos começar a

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297

responsabilização) falar nalguns assuntos.” (E14-M)

Empoderamento

(Aceitação e promoção das

próprias capacidades (e.g.

Bush & Folger, 2005).

(…) não são os outros que nos dão o peixe dão-

nos a cana e depois vamos à procura do peixe.

(E10-M)

Circularizar a comunicação E10-M – Mas ajudou a fazer o percurso da nossa

vida e sermos confrontados com questões muitas

delas curiosas, do género: ‘o P disse qualquer

coisa o quê que a C está agora neste momento a

pensar sobre isso?’ “(E10-M)

Voluntariedade

(Compromisso e

responsabilidade)

“(…) nós é que tínhamos que chegar aos

acordos… e, portanto, se estivéssemos dispostos a

isso ambos, então que se podia ir para a frente

com o processo e tal e deixou-nos um tempo a

pensar e, portanto… a partir do momento em que

nós aceitamos isso, há ali uma espécie de um

compromisso.” (E20-P6)

Agenda

(Perceção do sucesso

alcançado. Encorajamento

para continuar. Organização)

“(…) as pessoas quando tendem a misturar os

assuntos todos, não conseguem chegar a acordo

sobre nada, porque face a um vem o resto tudo

abaixo, não é… enquanto que se uma pessoa for

caminhando ponto por ponto - este já está

resolvido, este também – e, depois chega ao fim e

já só há dois ou três de desacordo, a pessoa

também pensa “ah, também… mais dois ou três e

a gente até consegue chegar a acordo, não é…”

(E21-P5)

Enquadramento reflexivo “(…) permitia-nos pensar entre os espaços que

mediavam as sessões, sobre os passos que tinham

já feitos e, até de alguma forma, nos prepararmos

para aquilo que viria à frente… e isso leva a um

amadurecimento ao longo da secção.” (E23-M7)

Controlo das emoções “Foi importante, porque disciplinou-nos e

ajudou-nos a controlar as emoções.” (E24-P7)

A tabela 15 apresenta as Estratégias e contextos de mediação familiar que os

pais/mães consideraram que mais os ajudaram a desenvolver mudanças adaptativas no

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298

âmbito do processo de mediação familiar, destacando-se claramente as estratégias

relacionadas com a gestão do conflito com foco na comunicação e relação (e.g. a

circularização da comunicação, clarificação, focalização, empoderamento, contexto

colaborativo, etc.) sendo que, as estratégias direcionadas para a gestão e estruturação do

processo de mediação familiar foram igualmente evidenciadas pelos participantes como

sendo eficazes. De notar, que tais resultados evidenciados pelos pais/mães que passaram

por um processo de mediação familiar vão ao encontro dos resultados obtidos no estudo

1 (focus groups) em que foram exploradas as estratégias que os mediadores familiares e

os técnicos do ISS consideravam mais eficazes na gestão do conflito em mediação

familiar. No entanto, importa salientar que os princípios da imparcialidade e da

voluntariedade sendo princípios substantivos da mediação familiar, surgem

percecionados pelos participantes do presente estudo, na sua vertente operante e

instrumental, ou seja, como estratégias promotoras de responsabilidade e de confiança.

Quanto à análise da subcategoria: como é que ocorrem as mudanças de perspetiva

os pais/mães revelaram três pontos centrais: 1) diálogo; 2) compromisso para a mediação

familiar; 3) responsabilidade.

Assim, as mudanças de perspetiva dos pais emergem do diálogo“(…) quando

sentimos só nós, dentro de nós, é uma coisa e, as coisas tomam uma proporção às vezes

absolutamente gigantesca, e quando acabam por vir cá para fora, quando se fala, quando

elas passam do pensamento e do sentimento para a palavra, há logo ali um caminho que

é feito porque quando nós às vezes dizemos aquilo que pensamos e sentimos, acabamos

por ter uma perceção da coisa como se estivéssemos de fora… e acabamos por conseguir

lidar melhor… eu acho que é muito importante, é mesmo muito importante.”(E14-M) da

interiorização da responsabilidade pela tomada de decisões “Ah … e que mais? Somos

forçados a ser o centro das soluções, não são os mediadores que nos vão dar as soluções,

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299

nós somos obrigados a pensar sobre aquilo que é verbalizado, ali, na altura, e neste

recordar de vários passos da vida e de várias coisas acaba por nos levar a uma situação

em que temos que, friamente, ser nós a decidir. (E10-M) e do compromisso para se

envolverem na mediação Familiar “E a partir do momento e que as pessoas… em que

nós assumimos esse compromisso, isso também tínhamos uma responsabilidade de não

estar a tropeliar aquilo de alguma maneira (…)” (E20-P6).

As mudanças de perspetiva entre os pais resultam, então, do compromisso

assumido, entre o pai e a mãe, para colaborarem durante o processo de mediação, de

forma aberta, sincera e sem reserva mental. A responsabilidade cimenta a construção de

soluções funcionais para a partilha dos cuidados a ter com os filhos no futuro. Por sua

vez, é na conversação que as narrativas se transformam e enriquecem e se alteram as

ideias e perspetivas iniciais dando lugar a perspetivas mais adaptativas.

Relativamente à subcategoria de análise O que mudou na postura dos pais/mães

importa concretizar que aspetos traduzem mudanças na postura dos pais/mães em

consequência do processo de mediação familiar. Assim, comprovam-se mudanças

positivas na gestão das emoções, “Eventualmente não teria havido um controlo tão

grande dessas emoções (…).” (E17-M5), assim como, se verificam atitudes mais flexíveis

durante as negociações acompanhadas das necessárias cedências à concretização dos

acordos, “(…). Obviamente aprende-se a ter flexibilidade.” (E11-P); por isso, o acordo

final é distinto da posição ostentada no início da mediação familiar “Esse para mim era

o acordo que eu queria, semanas divididas, despesas divididas. Fez-me perceber a

posição dela, por sua vez, fiz um acordo totalmente diferente do que eu tinha pensado no

início.” (E01-P), sendo cada decisão uma síntese da vontade de ambos os pais “(…) não

é só a vontade de um que prevalece é que tem que ser a vontade dos dois. (E03-M1).

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300

Desta forma, comprova-se que a tomada de decisão atinente à regulação do

exercício das responsabilidades parentais, pressupõe mutações ainda que subtis do quadro

de referência da pessoa, da história das significações e das posturas dos mediados, cujas

implicações concretas na vida, quer dos pais, quer das crianças, são evidentes.

No que concerne à subcategoria de análise Barreiras à promoção de mudança,

pretende conhecer que aspetos é que os participantes neste trabalho consideraram que, de

algum modo, obstruíram o desenvolvimento do processo de tomada de decisão sobre as

responsabilidades parentais, no contexto de mediação familiar.

Verifica-se que os pais/mães consideraram menos adequadas à promoção de

mudanças adaptativas aquelas abordagens em que os mediadores familiares atuaram de

forma mais superficial e limitada, concretamente, quando estava em causa o apuramento

de um valor de pensão de alimentos, “Agora que me está a fazer essa pergunta eu própria

estou surpresa, porque era óbvio, mas não eu nunca fiz um cálculo do que eu pudesse

gastar com o meu filho.” (E18-M), ou quando a concretização do direito da criança a

participar a participar na mediação familiar não foi implementada, “(…) há coisas que eu

não contei, ela chorava imenso quando tinha que ir uma semana para o pai e eu isto

nunca pude contar ali no meio de uma sessão, porque eu sei que, depois, o pai ia

sacrificar a miúda - ‘então tu choras?!’ -, porque ele não sabe, ele não sabia, porque a

miúda escondia tudo e, essas coisas, não pude transmitir à mediadora. (M16-M). De um

modo geral, a simplificação da intervenção dos mediadores familiares, a falta de

aprofundamento e de análise dos problemas ou o uso de receitas e conselhos para abordar

problemas complexos, “(…) era a expressão que ela utilizava: ‘deixe lá a raiva, vamo-

nos centrar no presente deixe lá o passado, perdoe’. “foram traduzidos pelos pais/mães

como sendo limitações para a sua evolução adaptativa perante o conflito e para a

qualidade das suas decisões finais.

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301

Em síntese, estes resultados comprovam que a mediação familiar é um processo

que promove mudanças adaptativas por parte dos pais e das crianças. Estas mudanças

adaptativas desenvolvem-se no contexto específico da mediação familiar, tanto no plano

da expressão e da compreensão emocional, como no plano da comunicação e do

comportamento e, bem assim, ao nível da reconfiguração da visão inicial do conflito e

da forma como projetavam a organização, cuidados face aos seus filhos, incluindo a

responsabilidade de lhes proporcionar os meios e as condições para estes exercerem os

seus direitos (e.g. direito a exprimir a sua opinião relativamente aos assuntos que afetam

a criança no âmbito da mediação familiar).

4.5.5.6 Relação interpessoal

A relação traduz o resultado do padrão de comportamentos entre parceiros de uma

relação, define-se, por isso, pela redundância de padrões complementares (prevalência de

diferenças); simétricos (prevalência de semelhanças) e transitórios (conjunto de padrões

de domínio, submissão e igualdade), (Narciso & Ribeiro, 2009). Durante a transição para

a SD, os pais/ex-casal experimentam situações de discórdia, de tal forma que é possível

distinguir diferentes padrões de comportamento no enfrentamento do conflito (Suares,

2003).

De acordo com Suares (2003), a prevalência do interesse no próprio ou/e a

prevalência do interesse no outro protagonista do conflito, permite diferenciar formas de

relação entre os mediados face ao enfrentamento do conflito:

1) Competição: alta prevalência dos interesses individuais e muito baixa ou nula

valorização dos interesses da outra parte no conflito;

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302

2) Colaboração: alta valorização dos interesses individuais assim como dos

interesses da outra parte;

3) Contemporização: o interesse por si mesmo e pela outra parte é semelhante;

4) Evitamento: baixa prevalência quer pelos interesses individuais, quer pelos

interesses da outra parte;

5) Acomodação: baixo foco no interesse individual e elevado foco no interesse da

outra parte.

Figura 44. Tipos de relação interpessoal perante o conflito durante o processo de

mediação familiar.

Conforme se extrai da figura 44, a análise da categoria Relação interpessoal

durante o processo de mediação familiar, permitiu aos participantes neste estudo,

reconhecer os padrões de enfrentamento do conflito comummente referidos na literatura

sobre gestão de conflitos (Suares, 2003).

Assim, a forma de interação Acomodação foi referido por 2 participantes; a

2

13

11

25

12

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303

relação de Colaboração foi reconhecida por 13 participantes “Colaborar.” (E20-P6); a

relação de competição foi identificada por 11 participantes, “É que ninguém queria ceder

em favor do outro... uma luta por nós, e não... isto faz parte.” (E14-M), a relação

contemporização foi apontada por 2 participantes; a relação de tipo Evitamento foi

reconhecida por 5 participantes, “Na altura, era de evitar… sim, sim… apesar de termos

assinado o acordo, estávamos…sim, de evitar.” (E17-M5). Finalmente 12 participantes

reconheceram que a maneira como interagiram não se encaixava numa única forma pura

de relação, pois consistia numa conjugação Mista, do género: evitar/competir, “Posso

escolher duas? Evitar/competir.” (E07-P2); competir/colaborar, “Nessa altura?... não

sei, estava entre o competir e o colaborar… acho que havia uma dualidade que… que ao

mesmo tempo sentia isso, não é, que competíamos por determinadas coisas, mas depois

também tínhamos que acabar por colaborar. (E19-M6); contemporizar/colaborar, “Eu

diria, contemporizar e colaborar, penso que sim. (E22-P); evitar/colaborar “Olhe é assim,

eu acho, que é mais o evitar e o colaborar (…)” (E15-M).

Assim, é possível sintetizar a tipologia de relações interpessoais conflituais como

sendo uma configuração de forças dinâmicas movidas por interesses e objetivos (e.g.

emocionais, aspetos do poder, etc.) suscetíveis de impelir o conflito em direções distintas:

uma direção tendencialmente mais cooperante (formas colaborativas, mistas), outra

direção tendencialmente mais destrutiva e obstrutiva (competição, acomodação) e uma

terceira direção tendencialmente instável (e.g. evitamento, competição/evitamento, etc.).

Segundo Deutsch (2001) uma relação interpessoal entre os protagonistas de um

conflito compreende, uma interdependência positiva e uma interdependência negativa. A

interdependência positiva verifica-se quando a quantidade de interesses ou objetivos que

uma pessoa alcança ou tem possibilidade de alcançar está positivamente correlacionada

com a quantidade de objetivos e de interesses que os outros obtêm ou têm a possibilidade

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304

de obter. Inversamente a interdependência negativa implica que a quantidade de objetivos

e interesses ou a probabilidade de os realizar esteja correlacionada negativamente com a

quantidade ou probabilidade de os outros alcançarem os seus objetivos. O autor ilustra

esta dicotomia através das expressões: “afundar ou nadar juntos” ou “se um nada o outro

afunda e vice-versa” (Deutsch 2001, p. 77). Estes posicionamentos são acompanhados

por parte dos protagonistas do conflito por dois tipos opostos de ações: ações efetivas

destinadas a promover a realização dos objetivos ou inversamente por ações destinadas a

obstruir a concretização dos mesmos (Deutsch 2001).

Assim, os posicionamentos face ao conflito e as ações que dele decorrem parecem

estar implicadas com os desequilíbrios de poder entre os pais/ex-casal, nomeadamente,

em função de aspetos económicos, informação e conhecimentos superiores percebidos

como relevantes pelo outro, poder em relação aos filhos, personalidade e coerção, poder

jurídico e normas sociais (Bollen, et. al., 2013) aquando da SD e no contexto da mediação

familiar.

Cromwell e Olson (1975, citados por Byrn e Carr, 2000) afirmam que a

conceptualização do poder no casal engloba três domínios distintos, mas interligados: o

poder final refere-se a quem tem o poder de proferir a última palavra; a base do poder

respeita aos aspetos económicos e pessoais, nomeadamente os aspetos relativos aos

salários, gestão do dinheiro, etc., e a violência psicológica e violência física; e os

processos de poder relativos a técnicas de persuasão, resolução de problemas e esquemas

para o controlo da relação.

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305

Figura 45. Relação interpessoal face à detenção e ao uso do poder. (Nº de participantes e

percentagens).

A figura 45 reflete dimensões do poder na relação interpessoal entre os pais/ex-

casal, no decurso da mediação familiar. Assim, a subcategoria relativa ao poder de tomar

a decisão final foi mencionada por 2 participantes (13%); a subcategoria relativa ao

desequilíbrio da base do poder foi referida 5 participantes (31%); a subcategoria referente

à relação equitativa do poder foi identificada por 4 participantes (25%) e a subcategoria

inerente a manobras de controlo do poder foi referida por 5 participantes (31%).

Tendo presente que as dimensões do poder não se extinguem com a decisão de

SD, especialmente, quando a relação parental perdura e é necessário regular as

responsabilidades parentais, analisou-se a forma como os pais/ex-casais se relacionam

face ao poder proveniente de várias fontes materiais e imateriais (Bollen, et. al., 2013)

que se agregaram em quatro categorias de análise: o poder de decisão final, base de poder,

controlo de poder e equidade.

Relativamente, ao poder de proferir a decisão final, “(…) parece que é a deusa e

que uma pessoa tem que se submeter.” (E25-P), espelha-se assim a posição de quem tem

a prerrogativa de decidir em definitivo sobre o assunto em causa,

2; 13%

5; 31%

4; 25%

5; 31%Decisão final

Base do poder

Relação equitativa

Controlo de poder

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306

A base do poder respeita ao poder económico “(…) uma vez que eu estava

desempregada e ele fazia esse uso de eu não ter rendimentos e de querer tirar a guarda

da menina (…)” (E03-M1); a ocorrências de violência física, “(…) portanto eu cheguei

a casa, estávamos em fim-de-semana, cheguei a casa com os miúdos e ele empurrou-me

aos safanões para dentro da cozinha e desatou a dar socos na minha cara… e ele atirou-

me contra o frigorífico e partiu a porta do frigorífico… “(E23-M7) e de violência

psicológica “A relação era de competição e de poder… eu sentia-me completamente

esmigalhada por ele, mas não era o que eu queria, mas pela personalidade dele acabou

por resultar nisso, não consegui evitar…” (E03-M1), de tal maneira que o uso abusivo

do poder é passível de alcançar negativamente a atividade do mediador familiar, “(…)

mas como digo, ele pela agressividade que mostrou ele teve sempre uma posição de força

na mediação toda, eu fui sempre o elo mais fraco. (E18-M).

As estratégias de controlo de poder manifestam-se, entre outros aspetos, através

do uso de táticas de coerção, resistência e dilação “(…) metade das sessões eram sempre

arrastadas por ele com dúvidas das sessões anteriores e reequacionando tudo, e

portanto, aquilo foi um processo que se arrastou durante muito tempo… (…) porque,

também, uma coisa que ele fazia muito era, nós marcávamos as sessões e depois ele ia

desmarcando e arrastando, protelando… arranjava sempre situações para complicar a

coisa. (E23-M7)

A relação equitativa do poder traduz tanto a partilha das responsabilidades, como

a tomada de decisões conjuntas “Que eu sabia que não era justo eu ter a exclusividade

da tutela do nosso filho não é… e nessa medida, serviu para vá lá… solidificar essa ideia

que eu no meu intimo sentia… que não era justo que por eu ser mãe ter mais… de ficar

eu com a exclusividade do meu filho, em vez de ser uma guarda partilhada, porque

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307

realmente não faz sentido não é… quando os pais também se preocupam, quando os pais

também educam, não faz sentido estar a privar nem o filho nem o pai dessa relação não

é…” (E08 - M3).

Por conseguinte, a partilha equitativa do poder relativamente aos assuntos

inerentes à SD, compreende um maior equilíbrio na tomada de decisões, na distribuição

das responsabilidades e está associada a formas de comunicação aberta e empática.

O desequilíbrio de poder entre os mediados é comummente referido como sendo

um fator adverso, tanto para a obtenção de decisões consensuais como ao nível da

condução construtiva do processo de mediação familiar, pelo que, a identificação das

fontes de poder em presença na SD (Bollen, et. al., 2013; Deutsch, 2001) e as estratégias

destinadas ao seu (re)equilíbrio revelam interesse acrescido especialmente por parte dos

mediadores familiares (e.g. Parkinson; 2008).

Ao atendermos às formas de relação interpessoal apresentadas na figura 45

verificamos que se destacam as formas colaborativa, competitiva e mista. Por sua vez, os

resultados relativos à relação face ao poder apontam para uma dicotomia entre uma

distribuição equitativa do poder e formas de desequilíbrio de poder. A análise categorial

permitiu, pois, verificar que a competição e a colaboração predominam na sua forma pura

entre os pais/ex-casal, as quais, por sua vez, dão origem a várias combinações mistas (e.g.

competição/evitamento; competição/colaboração, etc.). De acordo com Deutsch (2001)

os estilos de relacionamento cooperativo e competitivo estão associados, respetivamente,

a formas de comunicação construtiva e destrutiva colaborativa. De facto, os resultados

obtidos através desta análise categorial permitem corroborar que o relacionamento

colaborativo entre os pais/ex-casal está associado a formas de comunicação construtiva:

aberta, empática, amistosa, confiante, sensível aos interesses de ambos e em que há

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308

partilha equitativa do poder e a tendência para aumentar o poder mutuo, disposição para

tomar decisões conjuntas e para distribuir as responsabilidades, especificamente, quanto

às crianças. Em contrapartida a relação competitiva encontra-se associada a comunicação

disfuncional com grande envolvimento emocional, utilização de manipulação, atitudes

hostis, desconfiança sensibilidade aumentada aos interesses opostos, desejo de exercer

poder e influência sobre o outro e escalada simétrica.

Em síntese a relação colaborativa está associada a formas equitativas de partilha

do poder e a relação competitiva está associada a desequilíbrios de poder. Assim, uma

das principais atribuições da atividade dos mediadores familiares é a de gerir e equilibrar

o poder, abrir a comunicação e o entendimento mútuo entre os pais/ex-casal (Bollen, et.

al., 2013).

Deste modo, é crucial que os mediadores familiares intervenham de maneira a

promover um contexto colaborativo, nomeadamente nos seguintes aspetos: 1) tornar a

comunicação mais efetiva promovendo a escuta ativa; 2) desenvolver a empatia e

valorizar das soluções encontradas; 3) coordenar as sessões (gerir o tempo, organizar as

atividades, assertividade, etc.); 4) legitimar a confiança nas ideias e valores próprios assim

como nas do outro; 5) promover a aceitação do problema como sendo mútuo e a

responsividade por uma solução que responda aos interesses de todos e, concretamente

aos interesses das crianças que são o alvo das decisões a tomar.

4.5.6 Fatores de Proteção e Fatores de Risco associados à SD

Os fatores de risco para as crianças relativamente à SD dos pais têm sido objeto

de vários estudos e encontram-se bem documentados pela investigação científica. A

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309

severidade e a duração da SD desencadeiam múltiplos eventos potencialmente stressantes

que variam de criança para criança, de família para família e ao longo do tempo (Amato,

2000; Amato, 2010; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003). Desta

forma, uma multiplicidade de fatores, tais como: a natureza e severidade da separação

inicial, o conflito parental, o enfraquecimento do envolvimento parental, a diminuição

dos recursos económicos, as características individuais dos pais e da criança; as

características da família e o contexto extrafamiliar (Hetherington, 1999; Kelly & Emery,

2003; Weaver & Schofield, 2015), podem dificultar os esforços das crianças para lidarem

com a SD e gerar diversos problemas comprovados por várias investigações empíricas

que evidenciam o aumento do risco de problemas de ajustamento para as crianças (e.g.

Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015), nomeadamente, aumento significativo

de comportamentos de internalização, problemas sociais, académicos em comparação

com crianças de famílias intactas, assim como, problemas com externalização incluindo

situações relacionadas com problemas com figuras de autoridade e com os pais, sendo

que o risco é potencialmente mais elevado com a ocorrência de subsequente divórcio,

recasamento e redivórcio (Amato, 2010; Kelly & Emery, 2003).

Verifica-se, assim, que os fatores de risco nas crianças resultam de múltiplos

fatores, nomeadamente, a influência do aumento do risco experienciado pelos pais e pelas

mães em consequência da SD. Estudos têm revelado que os indivíduos divorciados, em

comparação com indivíduos casados, apresentam mais sintomas de depressão e de

ansiedade, mais problemas de saúde, mais uso de substâncias e maior risco de mortalidade

em geral (Amato, 2010). De facto, a SD é comumente uma experiência stressante em que

ocorrem muitas mudanças concentradas em pouco tempo, nomeadamente, o fim de um

relacionamento de longo prazo, a necessidade de lidar com emoções fortes e dolorosas,

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310

mudanças de residência, eventual declínio no padrão de vida, e adaptação a um estilo de

vida individual (Amato, 2010; Sanford & Rivers, 2017).

Amato (2010) defende que a literatura sobre os efeitos do divórcio no bem-estar

das crianças, permite distinguir duas perspetivas teóricas relativamente à influência do

divórcio no bem-estar dos adultos: a primeira afirma que existe uma relação de tipo causa-

efeito entre o divórcio e o bem-estar do ex-casal (desaparecimento de benefícios do

casamento/união) e a segunda perspetiva que defende que a associação entre o divórcio e

o bem-estar é uma consequência de uma seleção de fatores e, por isso, o estabelecimento

de qualquer nexo causal não é aceitável, independentemente de a SD ser comummente

procedida por um declínio psicológico e de bem-estar físico que, na maior parte dos casos

é recuperável.

Desta forma os fatores adversos decorrentes da SD que geralmente dificultam o

ajustamento das crianças e dos pais à SD são múltiplos, variam ao longo do tempo e a

trajetória e características de cada criança ou adulto diferenciam-se de tal forma, que

certos eventos sendo fatores de vulnerabilidade para uns são inócuos para outros.

Sanford e Rivers (2017) ao desenvolverem estudos preliminares com vista à

preparação de um instrumento34 destinado a medir as preocupações mais salientes dos

pais/ex-casal quando estes enfrentam o divórcio, identificaram - com a colaboração de

mediadores familiares e com base numa revisão de literatura -, uma lista composta por

seis tipos de preocupações principais dos pais/ex-casal quanto à SD. De facto, a

identificação das perceções dos pais relativamente à SD, revela-se especialmente

relevante, em primeiro lugar, porque os tipos de preocupações traduzem uma primeira

34 O instrumento “Parting Parent Concern Inventory” compreende uma escala composta por seis tipos de

preocupações e respetivas variáveis.

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311

apreciação dos pais sobre o conflito, a qual, irá influenciar a forma como eles o irão

enfrentar; em segundo lugar, porque os tipos de preocupações permitem estabelecer uma

previsão quanto à forma, mais ou menos cooperante, como irão negociar os acordos sobre

as responsabilidades parentais e o divórcio. Assim, as tipologias de preocupações incluem

seis dimensões: 1) as preocupações relacionadas com a probabilidade de ocorrência de

maldade (e.g. receio de que o outro seja desonesto, agressivo ou cruel, bem como

preocupações relacionadas com ameaças, instrumentalização das crianças, etc.)

encontram-se associadas a conflitos destrutivos; 2) as preocupações relacionadas com o

poder (e.g. receio da capacidade do outro para dominar através de meios materiais como

dinheiro ou imateriais como a manipulação, coação, influência, etc.) evidenciam

desequilíbrios da interação interpessoal; 3) as preocupações relacionadas com a possível

rejeição da criança (e.g. receio que a criança se afaste e se desligue por causa da SD)

denunciam vínculos familiares pobres e frágeis, especificamente entre o pai ou a mãe,

conforme os casos, e a criança; 4) as preocupações relacionadas com a concretização do

acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais (e.g. receio de restrição do

contacto com os filhos, pensão de alimentos, etc.); 5) as preocupações relacionadas com

a autoestima (e.g. receio de desvalorização, solidão, etc.); 6) as preocupações

relacionadas com o declínio económico (e.g. alteração de padrão de vida; custos relativos

ao processo judicial ou administrativo da SD).

De salientar, que a identificação das preocupações permite aos mediadores

familiares antecipar formas possíveis de como os mediados irão negociar e cooperar

durante a mediação familiar, como se irá desenvolver a relação de coparentalidade e como

irão gerir eventuais efeitos emocionais nas suas crianças (Sanford & Rivers, 2017). Deste

modo, os mediadores familiares poderão delinear as suas intervenções de forma incisiva,

realista e metódica, nomeadamente através do uso de estratégias que visem promover

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312

fatores de proteção e minar os fatores de risco (e.g. promoção da resiliência, reforço

positivo, direcionar para o futuro, dinamizar passos concretos que contribuam para

diminuir as preocupações, estratégias de equilíbrio de poder, reencaminhar para outros

serviços, etc.).

Assim, tendo presente a revisão de literatura realizada, procedemos à análise

categorial do conteúdo das entrevistas dos participantes neste estudo.

4.5.6.1 Fatores de Proteção

Os fatores protetores ao atuarem como amortecedores de acontecimentos

stressantes decorrentes da SD para as crianças (Amato, 2000; Kelly & Emery, 2003;

Weaver & Schofield, 2015) e também para os seus pais (Amato, 2010) tem sido

amplamente estudado. Contudo, não conhecemos estudos que incidam, simultaneamente,

sobre a fase específica de transição entre a SD e em que os pais tenham passado por um

processo de mediação familiar relativo à regulação das responsabilidades parentais.

Tabela 16

Fatores de proteção para a família (crianças e pais), durante a fase de transição para a

SD (nº de participantes e nº de referências das categorias relativas aos fatores de

proteção das subcategorias emergentes da coparentalidade positiva)

Fatores de Proteção

Nº de

participantes

Nº de

referências

Aceitação do fim da união/casamento 3 8

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313

Apoio familiar e extrafamiliar 3 7

Coparentalidade positiva 16 59

Partilha Parental

Solidariedade parental

Suporte parental

Não neutralização da

coparentalidade

7

11

10

2

10

25

28

3

Diminuição do conflito 18 35

Foco no afeto e bem-estar dos filhos 22 56

Motivações positivas quanto à pós-SD 8 18

Total 26 189

O desenvolvimento da análise categorial permitiu assim encontrar 6 subcategorias

de fatores de proteção, durante a transição para a SD, das quais, as mais referidas por

maior número de participantes foram: o foco no afeto e bem-estar dos filhos (31%), a

diminuição do conflito (26%) e a coparentalidade positiva (23%).

Assim o foco no afeto e bem-estar dos filhos, durante a transição para a SD surge

como sendo o mais relevante fator de proteção à semelhança dos resultados obtidos no

estudo 1. De facto, a centralidade da criança no decorrer do processo de decisão é crucial

para que as decisões a tomar pelos pais, não se afastem do seu interesse superior. Deste

modo, quando há a preocupação em assegurar o bem-estar dos filhos parte-se de um

princípio de convergência em torno do qual é possível unir esforços para encontrar

soluções para outras questões em que discordem, “É assim eu acho que nós aqui partimos

com uma vantagem que é que nós os dois estamos mais preocupados com as filhas do

que propriamente connosco. (E01); então, a luta é uma luta comum, pelo acordo mais

protetor do bem-estar da criança, “Apesar de estar sempre intrínseco o aspeto monetário,

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314

mas vi que na relação estávamos a lutar acima de tudo pelo bem-estar da filha.” (E03-

M1).

A categoria Diminuição do conflito, não apenas se repercute positivamente ao

nível da interação entre os pais, “A tensão eu acho que ela diminuiu um pouco ao longo

das sessões… tendo em conta, lá está, voltarmos a conversar um pouco, houve mais

diálogo…, portanto, a tensão diminuiu…” (E22-P); como, também, influi na relação

parental pais/filho, “Mas, claramente vejo uma melhoria naquilo que é a relação do meu

filho para com cada um dos pais, porque lá está, ele está blindado por um acordo que

salvaguarda os interesses do menor para com cada um.” (E05-P). Por outro lado, quando

relação interparental conflituosa se prolonga e resiste à mediação familiar, a conclusão

do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, contribui para melhorar a

previsibilidade e a sensação de segurança da nova organização familiar permitindo,

assim, uma certa estabilização do nível de conflito, “Penso que a nossa relação está mais

estável, ali diminuíram os conflitos porque nós temos tudo regulado. (E16-M).

Desta forma, a mediação familiar parece oferecer vantagens para a abordagem do

conflito, uma vez que se desenvolve segundo um processo juridicamente enquadrado que

faculta aos pais um aspeto de segurança quanto à validade das soluções encontradas para

as crianças. Tais soluções conjuntas, embora forjadas a partir da diferença de pontos de

vista, consubstanciam o acordo que é pertença de ambos, como se se tratasse de um

processo composto por uma única parte processual: os autores, pois, não existem réus

nem requeridos. Neste sentido, a mediação familiar apresenta-se como sendo um

procedimento claramente preventivo e amortecedor do conflito.

Na categoria de análise coparentalidade positiva pretendeu-se investigar como é

que os pais se relacionam relativamente aos cuidados e responsabilidades face aos seus

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315

filhos, durante a fase de SD, tendo presente que a coparentalidade é o centro nevrálgico

do relacionamento entre os pais/ex-casal, durante a SD. Vários estudos comprovam que

a relação de coparentalidade pode ser compreendida através de dimensões que permitem

caracterizar a sua estrutura (Feinberg, 2003; Margolin, et al.; 2001; Van Egeren &

Hawkins, 2004).

Assim, o desenvolvimento da análise dos dados permitiu identificar três

subcategorias de coparentalidade positiva coincidentes com as dimensões de

coparentalidade definidas por Van Egeren e Hawkins (2004): partilha parental;

solidariedade coparental e suporte coparental e não neutralização coparental. A

subcategoria partilha parental relaciona-se com o envolvimento e a forma equitativa

como os pais partilham a responsabilidade e os cuidados a prestar aos filhos

individualmente e conjuntamente; a subcategoria suporte coparental compreende um

conjunto de ações dos pais que, reciprocamente, oferecem suporte e ampliam o esforço

do outro pai/mãe para alcançar as metas parentais. Os pais desenvolvem uma relação

triádica cimentada nas perceções que cada um tem sobre o desempenho do outro e de

ambos e através de interações construtivas; a solidariedade coparental diz respeito ao

afeto, à emotividade positiva, à proximidade, à semelhança de valores educativos e à

capacidade para crescer em conjunto de formar um subsistema executivo coerente; a

subcategoria categoria não neutralizar a coparentalidade do outro verifica-se quando os

pais se respeitam e agem de forma honesta e sem artifícios que prejudiquem a realização

da relação parental do outro (e.g. instrumentalização dos filhos, dificultar contatos,

críticas, desrespeito etc.).

Tabela 17

Subcategoria de Análise: Coparentalidade positiva como fator de proteção durante a SD

Page 344: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

316

Subcategoria de

Análise:

Coparentalidade

Positiva

Excertos de conteúdo das entrevistas dos participantes no

estudo 2

Partilha

parental

“Em termos de preocupações da minha filha. O bem-estar da

minha filha… (eram preocupações comuns).” E28-P9

“Sim, ver os direitos de cada um assegurados, os dela claro. Acho

que foi essa a preocupação. (…).” (E29-M9)

Suporte

coparental

“Ele é a pessoa a quem eu telefono se acontecer alguma coisa com

elas, mesmo as decisões quotidianas acabam por ser partilhadas

com ele.” (E12-M4)

“Sim. A minha ex-mulher ainda agora me ligou para falar da festa

do dia do pai. Há fins de semana que eu estou fora, na Suíça, e

calha no fim de semana que fico com a minha filha… e eu falo com

ela e pergunto se posso trocar. E trocamos. Temos bom

entendimento.” (E28-P9)

Solidariedade

coparental

“Todos, era tudo comum… porque o meu ex-marido também era

muito pai-galinha, somos muito parecidos na forma como

queremos educá-lo, como queremos tratar dele, como vivemos o

nosso filho, é uma forma muito semelhante… ambos estávamos na

mesma.” (E08-M3).

“Porque notámos aqui, também, relativamente a elas, falámos

sempre com elas muito, esclarecemos muito em casa, falámos os

dois, nunca era só um para perceber, que nos afastávamos, mas

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317

que nos dávamos bem, que havia, enfim, uma harmonia ainda (…).

“(E13-P4)

Não

neutralização da

coparentalidade

“Seremos talvez um bom exemplo porque não fizemos dos nossos

filhos bodes expiatórios.” (E10-M)

A coparentalidade é uma experiência marcante e significativa, através da qual,

duas pessoas vão negociando, ao longo do tempo, os seus papéis e responsabilidades

relativamente à criança (Margolin, et al, 2001; Van Egeren & Hawkins, 2004), bem como,

é uma relação que se processa em conexão com o geral das relações entre os pais que, por

sua vez, são influenciados por um amplo contexto cultural (Feinberg, 2003).

A coparentalidade é, frequentemente, o único terreno onde os pais/ex-casal

continuam a relacionar-se, durante após a SD, (Margolin, et al., 2001), por isso, é também,

muitas vezes, o espaço relacional onde o conflito estala e se eleva. No entanto, apesar do

stress que geralmente envolve a transição para a SD, a análise categorial realizada permite

verificar a existência de coparentalidade positiva demonstrada, nomeadamente, através

coordenação de esforços em torno de objetivos comuns (e.g. objetivos educacionais),

através da consideração pelos respetivos direitos e pelos direitos da criança, mediante

uma predisposição dar suporte ao outro pai/mãe, etc.

Desta forma, os resultados obtidos corroboram que a coparentalidade positiva

constitui um contributo forte de proteção com impacto positivo no ajustamento à SD

(Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015). Por sua vez, a mediação familiar

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318

através de estratégias35 que permitam a prevenção do conflito e a focalização dos pais nas

seus papéis e responsabilidades parentais proporciona um contexto de apoio para as

crianças, na medida em que, contribui para moderar outros fatores de risco relacionados

com a rotura familiar.

Para além destes três fatores de proteção mais fortes - foco nos filhos, diminuição

do conflito, coparentalidade positiva -, a análise categorial permitiu identificar ainda três

fatores de proteção, na transição para a SD, especificamente: a projeção de motivações

positivas para o pós-divórcio, a aceitação do fim da união e o apoio familiar e

extrafamiliar. Importa, ainda salientar que as perceções positivas, quer quanto aceitação

do fim da união, quer quanto às motivações positivas para o pós-divórcio, podem

influenciar a forma como os pais/mediados definem os seus conflitos e como os irão

enfrentar (Sanford & Rivers, 2017).

Assim, a generalidade dos fatores de proteção identificados no presente estudo é

consistente com investigações anteriores sobre o tema (Amato, 2000, Amato, 2010;

Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015).

De salientar, o impacto positivo da mediação familiar relativamente à prevenção da

escalada do conflito interpessoal na transição para a SD, como suporte e reforço da

coparentalidade positiva e no que se refere à criação de condições para que as crianças

possam exercer os seus direitos participando, ativamente, de acordo com a sua idade e

maturidade, nas decisões que as afetam, em conformidade com a legislação nacional e

internacional36 e no âmbito do seu superior interesse.

35 Os mediadores familiares podem propor atividades conjuntas nas sessões ou entre sessões, foco nas

decisões parentais construídas por ambos por meio de reflexão e de ponderação, participação da criança na

mediação familiar, entre outras. 36 Entre outros diplomas salientam-se os seguintes:

Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de

novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990;

Page 347: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

319

4.5.6.2 Fatores de Risco

A forma como os fatores de stress afetam as reações das crianças à SD depende

de várias situações, designadamente, a natureza da separação inicial, os recursos

parentais, a cooperação, a estabilidade dos recursos económicos, os recursos individuais

das crianças e a ativação de múltiplos fatores de stress (Kelly & Emery, 2003). Por outro

lado, vários estudos referem que os indivíduos divorciados comparativamente com

indivíduos casados, exibem mais sintomas de depressão e ansiedade, mais problemas de

saúde, mais uso de substâncias e maior risco de mortalidade geral (Amato, 2010).

Amato, (2010) observa que, alguns autores consideram que existe uma associação

causal entre a SD e o aumento do risco de diversas consequências negativas para as

crianças, incluindo problemas de internalização e de externalização, comparativamente

com crianças de famílias intactas; enquanto, para outros autores, tal associação causal

está adulterada tendo em conta que os efeitos adversos nas crianças resultam de uma

seleção de múltiplos fatores. Em síntese, considera-se que a transição para a SD é

normalmente seguida por um declínio do bem-estar físico e psicológico que afeta as

crianças e os seus pais, embora, na maioria dos casos, esse declínio seja temporário e

revertível de acordo com diversos fatores moderadores (e.g. Hetherington &Stanley-

Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003).

Assim, através do presente estudo pretende-se investigar quais são os fatores de

risco identificados pelos pais que recorreram a mediação familiar para regular o exercício

das responsabilidades parentais.

Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças, adotadas

pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 17 de novembro de 2010;

Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro.

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320

Tabela 18

Fatores de risco para a família (crianças e pais), durante a fase de transição para a SD

(nº de participantes e nº de referências das categorias principais e das subcategorias

emergentes da coparentalidade negativa, do conflito elevado)

Fatores de Risco

Nº de

Participantes

Nº de

referências

Coparentalidade negativa

Fraca solidariedade parental

Fraca partilha parental

Fraco suporte coparental

Neutralizar a coparentalidade

16

9

3

6

5

47

17

4

19

7

Declínio económico 6 9

Elevado conflito

Conflito tipo destrutivo

Envolvimento reativo dos filhos

Violência

11

9

5

3

53

23

23

10

Intromissão familiar e extrafamiliar 5 14

Partilha de residência após separação

4 9

Severidade da transição para a SD

Desgaste da pré- SD

Infidelidade

19

11

5

9

77

33

13

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321

Reatividade ao fim da união

Vulnerabilidade pessoal

6

21

11

Total

24 205

De acordo com os resultados emergentes da categoria de análise Fatores de Risco,

apresentados na tabela 18, é possível distinguir dois grupos de fatores de risco consoante

o número de participantes e de referências exposto. O primeiro grupo de fatores de risco

é constituído pela coparentalidade negativa, por elevado conflito e pela severidade da

transição para a SD; o segundo grupo de fatores de risco - com um nº de referências e

de participantes ligeiramente menos significativo do que o primeiro -, é formado pelas

subcategorias: declínio económico, pela intromissão familiar e extrafamiliar e pela

reatividade ao fim da união.

De acordo com os resultados exibidos a coparentalidade negativa é composta por

quatro subcategorias de análise, especificamente: fraca solidariedade parental; fraca

partilha parental, fraco suporte coparental e pela neutralização da coparentalidade (Van

Egeren & Hawkins, 2004).

Tabela 19

Subcategoria de Análise: Coparentalidade negativa como fator de risco durante a SD

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322

Subcategoria de

Análise:

Coparentalidade

Negativa

Excertos de conteúdo das entrevistas dos participantes no

estudo 2

Fraca partilha

parental

“Acho que nós tínhamos mesmo muito pouca coisa em comum…

acho que a única coisa que efetivamente tínhamos em comum era

que não lhes acontecesse nada de mal nem que ficassem ali

entregues a qualquer pessoa ou… sei lá… (E21-P5).

Fraco suporte

coparental

“Portanto, eu trabalhava, eu era mãe. Ele não tinha

disponibilidade porque não queria ter, tudo era muito

condicionado à vontade dele, à preguiça dele - ‘eu não tenho

tempo’, ‘eu não posso’, ‘eu agora preciso de ir descansar’, ‘agora

tenho que ir para a piscina’, ‘agora tenho que ir jogar ténis com

os meus amigos’…, portanto, ele era uma pessoa ausente logo a

seguir ao nascimento da primeira filha (…).” (E23-M7)

“Pronto, não quer dizer que ele também não se preocupasse com

os filhos à sua maneira, não é…, mas que eu me sentia sozinha e

ele muito distante, senti… e com os dois filhos e com dificuldades

financeiras na altura. “(E19-M6)

Fraca

solidariedade

coparental

“Comum…havia um espírito de tentar proteger os interesses do

meu filho de alguma forma, mas dizer que isso é um sentimento

comum … ah … a maneira de proteger esses mesmos interesses

era tão divergente do outro que nem isso era comum.” (E05-P)

“A educação é muito diferente. Eu sou adepto da palmada no rabo

(…). A avó dizia ‘oh querido não faças isso’ … para elas tocar nas

pessoas nem pensar.” (E26-P8)

Neutralizar a

coparentalidade

“Estamos a falar de um pai que as duas ou três vezes que esteve

com o filho era - a ‘cabra da tua mãe’-, portanto, acho, que o

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323

meu filho está melhor sem contacto com o pai por muito que não

seja isso que eu desejo.” (E18-M).

“Existe uma relação de vingança e ódio que se reflete na filha,

ou seja, a filha tem a mesma relação comigo que é vingança que

é…” (E07-P2)

Assim, os resultados permitem comprovar que a coparentalidade negativa se

caracteriza por uma partilha parental empobrecida, por solidariedade parental fraca com

prevalência de diferentes estilos educativos e diferentes visões sobre os interesses da

criança e por reduzido suporte parental marcado pelo distanciamento e pela omissão de

prestação de cuidados aos filhos, assim como, por tentativas de neutralização da

coparentalidade, nomeadamente através de estratégias de aliança à criança contra o outro

pai/mãe mediante manobras de manipulação e por diversas tentativas para tentar minar

a relação de parentalidade com a criança. Se considerarmos o aumento de emoções

negativas, o conflito, e a incerteza claramente associadas à SD, é possível prever o reforço

e a evolução negativa da relação de coparentalidade e, consequentemente, o aumento do

risco para o bem-estar físico e psicológico das crianças, em resultado da intensidade e da

duração dos respetivos esforços de adaptação das crianças à SD.

O Declínio económico, entre outros aspetos, pode acontecer como resultado da

reorganização da economia familiar, de novos encargos habitacionais, do aumento de

gastos individuais, de alterações patrimoniais decorrentes da realização das partilhas dos

bens comuns do casal. Em consequência, quando se verifica um declínio substancial dos

recursos económicos da família o risco para o bem-estar físico e psicológico da família

tende a aumentar, “Na altura… sim, sim, havia… porque uma coisa é estarmos a viver

numa casa, outra coisa é termos duas casas para pagar, não é? - que foi o que

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324

aconteceu…, portanto, o nível de vida baixou bastante e… e pronto, a vida tinha mais

dificuldades, e os miúdos sofreram um bocado com isso… também. (E19-M6). De notar

que a diminuição do padrão de vida da família tem sido apontada, em vários estudos (e.g.

(Kelly, 2003) como sendo um fator de risco para problemas psicológicos nas crianças e

fonte de desequilíbrios de poder entre os pais (Bollen et al., 2013).

Como sabemos o conflito tem componentes negativas, mas o elevado conflito37

aumenta ainda mais o espetro de problemas para os seus protagonistas diretos ou

indiretos. O conflito elevado é um processo crónico, com intensa litigância sobre as

responsabilidades parentais, protestos cruzados, hostilidade, raiva, difamação,

triangulação, taxas altas de incumprimento, assim como, violência psicológica e/ou física

dependendo do grau do conflito ser mais ou menos elevado (e.g.Anderson, et. al., 2011;

Haddad, et. al., 2016). Desta forma, as crianças expostas a situações de elevado conflito,

no âmbito da SD, ficam sujeitas a riscos significativos de trauma, stress, depressão,

isolamento social, problemas académicos e de autoestima, assim como, a um impacto

negativo no seu desenvolvimento e funcionamento psicológico (Haddad, et. al., 2016).

A análise categorial do fator de risco elevado conflito permitiu identificar três

subcategorias: o conflito destrutivo; o envolvimento reativo dos filhos e violência. Estas

subcategorias fornecem indicadores que, por um lado, contribuem para distinguir formas

graves de conflito que facilitem a preparação das intervenções dos mediadores familiares

ao caso concreto, e por outro lado, fornecem pistas importantes para a realização de

triagem para mediação familiar.

37 A definição e as características de conflito elevado encontram-se melhor desenvolvidas no capítulo 1.

Page 353: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

325

A subcategoria de análise conflito destrutivo evidencia, nomeadamente, o carácter

pervasivo das interações negativas e a escalada simétrica. São frequentes as discussões,

os insultos, dinâmicas de competição e problemas de comunicação e a relitigância, etc.

Tabela 20

Subcategoria de Análise: elevado conflito

Subcategoria de

Análise: Elevado

Conflito

Excertos de conteúdo das entrevistas dos participantes no

estudo 2

Conflito de tipo

destrutivo

“A primeira reação foi de compreensão, tentar manter as coisas

todas como estavam, deixando ficar a casa, o dinheiro, o carro,

tudo. A segunda foi de talvez revolta querer mesmo chegar a vias

de facto, não digo que não, que nunca me tenha passado pela

cabeça, bater-lhe, qualquer coisa e depois foi afastar-me deixar

de telefonar deixar de ouvir deixar de lá estar, porque se eu lá não

estiver não acontece nada e daí eu também me ter afastado da

minha filha.” (E07-P2);

“E havia uma conflituosidade enorme em termos de tribunal, com

requerimentos a voarem todos os dias. Portanto o conflito ali era

muito, muito grande e eu penso que foi feito aquilo que foi possível

(na mediação), na altura, dada a disposição que nós estávamos

para isso.” (E14-M);

“Já falei, foi piorando, a agressividade ficou mais latente o meu

medo ficou maior, portanto, o medo automaticamente também nos

tolda um bocadinho o espírito não nos dá clareza de decisão, foi,

foi pior.” (E18-M)

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326

Envolvimento

reativo dos

filhos no conflito

“No princípio custou muito, a ela e a mim… sentia-me muito só e

ela sentia muito a falta do pai… foi muito complicado, mas

passado este tempo habituámo-nos nós as duas, vivemos uma para

a outra… a outra pessoa já nem nos lembra sequer. (E06 - M3)

“Existe uma relação de vingança e ódio que se reflete na I (filha),

ou seja, a I tem a mesma relação comigo que é vingança que é…”

(E07-P2)

Violência “Portanto… Por tudo o que ele fez, ele viu o pai a tentar atropelar-

me com um carro, ele viu o pai a correr daquela janela para esta

janela aos urros, aos urros ‘eu mato-te! eu mato-te!’ e o menino

lá dentro sem conseguir respirar e pronto ouviu o pai ‘ a sua mãe

é uma “puta” e a ‘cabra da sua mãe’, portanto ficou com o mundo

dele todo virado de pernas para o ar. (E18-M).

“por exemplo: eu lembro-me que ele gritava muito, ele é uma

pessoa que grita muito… e o mais novo chorava muito e houve

cenas gravíssimas, eu não cheguei a ir à polícia, mas cheguei a

ameaça-lo, que se voltasse a ter aquelas atitudes com o mais

novo… cenas de gritos, violência verbal e física e o miúdo entrava

em pânico. (E23-M7).

Haddad, et. al., (2016) realizaram um estudo de revisão de literatura sobre elevado

conflito, no qual, consideram que as situações de elevado conflito rondam entre 10% a

20%. No entanto, os resultados obtidos no presente trabalho revelam uma percentagem

mais alta de elevado conflito considerando que 11 participantes revelaram uma dinâmica

interacional de elevado conflito (38%) não revelado pelos restantes 18 participantes

(62%). Uma possível explicação para a percentagem mais elevada de elevado conflito

obtida no presente estudo, poderá residir nas características específicas da nossa amostra,

na medida em que, todos os participantes que integram o presente estudo passaram pela

Page 355: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

327

mediação familiar o que, permite antever uma dificuldade inicial de resolução do conflito

pelos próprios e, consequentemente a procura de ajuda junto dos serviços de resolução de

litígios familiar judiciais e extrajudiciais. Desta forma, não são abarcados pelo estudo os

casos de SD, que se processam fora dos tribunais e da mediação familiar e que

pressupõem acordos amigáveis realizados, nomeadamente através da Conservatória do

Registo Civil. Acresce ainda a natureza qualitativa do presente estudo e o tamanho da

amostra que não permite amplas generalizações.

A análise da categoria elevado conflito permite verificar quais são as

características que predominam no conflito de tal forma que, seja possível qualificá-lo

como elevado e distingui-lo face a níveis mais leves e moderados. Assim, o conflito

elevado comporta um potencial de agressividade, competição, reatividade emocional,

insegurança emocional, desconfiança mútua, triangulação dos filhos e de profissionais

(e.g. alienação parental, triangulação de advogados, etc.), escalada (Anderson et al., 2011;

Haddad, et al., 2016) de carácter invasivo e continuado, inclusivamente, após a SD, numa

dinâmica de relitigância, (e.g. ações judiciais sucessivas de incumprimento e de alteração

das responsabilidades parentais) impulsionada, frequentemente, apenas por uma das

partes (Friedman, 2004).

Assim, o elevado conflito é um impactante fator de risco cujos efeitos

devastadores, para as crianças e para os pais, têm vindo a ser comparados com as

consequências de outros tipos de abuso como o abuso sexual (Haddad, et al., 2016) de tal

forma que, as crianças expostas a altos níveis de conflito acerca das responsabilidades

parentais, durante ou após a SD, ficam sujeitas a riscos significativos de trauma, stress,

depressão, isolamento social, dificuldades académicos e repercussões consideráveis no

seu desenvolvimento e funcionamento psicológico (Anderson et al., 2011; Haddad, et al.,

2016).

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328

De entre os vários aspetos que potenciam o desenvolvimento do conflito elevado,

destacam-se razões sistémicas relacionadas com o sistema legal (Haddad, et al., 2016), a

não aceitação do final do casamento/união por um dos cônjuges, (Sbarra & Emery, 2008)

e problemas relacionados com a personalidade incluindo psicopatologia (Friedman,

2004). Assim, tendo em presença a gravidade das situações de elevado conflito é crucial

encontrar formas de identificar o processo mais adequado para os pais/ex-casal

resolverem a sua discórdia, assim como, aumentar a eficiência do processo de mediação

familiar. Para tal, importa reforçar a qualidade da mediação familiar e apostar em políticas

preventivas, especificamente através da realização de triagem, na fase de contacto da

família com o sistema judicial/extrajudicial.

De referir, que os resultados obtidos suportam a importância da realização de

triagem, concretamente, com o objetivo de detetar padrões de conflito severo,

especificamente, o nível de disfuncionalidade da comunicação, da cooperação e de

perigosidade, de forma a identificar o processo mais adequado à abordagem da

problemática em presença. A investigação empírica sobre o tema, embora não seja muito

abrangente, permite constatar que o procedimento de triagem na mediação familiar

contribui para aumentar a taxa de acordos em mediação, para diminuir o número de

serviços implicados na resolução do conflito e para reduzir a taxa de relitigância evitando

a repetição de sucessivas tentativas falhadas de acordo.

A categoria Severidade da transição para a SD, compreende experiências prévias

e/ou concomitantes com a SD, suscetíveis de aumentar o risco de conflito e de

dificuldades de ajustamento emocional do ex-casal/pais e dos filhos à SD,

especificamente: surpresa e choque, “Se nos estivéssemos a dar mal, e a discutir…, mas

não! Foi um grande choque. Foi de um momento para o outro.” (E28-P9), desilusão,

perda, baixa-auto-estima, “A razão do divórcio, por exemplo: no meu caso, eu acho que

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329

levei um pontapé… a minha autoestima foi muito abaixo, em todos os aspetos. Sentia-me

má mãe, má mulher, não tinha emprego…, portanto estava mesmo de rastos, o que não

veio ajudar nada.” (E27-M8), infidelidade, “O facto de a mãe do meu filho ter estado

numa relação extraconjugal na altura da separação, isso (…), teve necessariamente um

impacto bastante negativo para todos, não é? …” (E05-P), dificuldade de desvinculação

do outro, “(…) aquele que não quer (o divórcio) vai estar sempre muito suscetível a não

facilitar, a não querer que a nova situação seja pacífica… e isso para mim, é o pior, é o

pior. (E17-M5) e vulnerabilidades individuais como as que resultam associadas a

problemas de ordem psicológica, “Ele estava a passar uma fase psicológica muito

instável que, acho, que também pode ter consequências nos meus filhos e em mim própria

e, depois, também no meu comportamento, também com os meus filhos, porque isso

estava-me a desestabilizar bastante.” (E17-M5).

O sofrimento intenso e não partilhado, prévio à tomada de decisão de SD,

comporta alívio para o cônjuge iniciante da SD que, quando comunica o seu desejo de

SD ao outro, poderá sentir-se aliviado uma vez que o luto já foi feito, mas pode

desencadear mágoa, ressentimento, humilhação e uma contra reação da outra parte que

não aceitou ainda a perda do casamento/união e que necessita de debater e compreender

em contraposição ao outro que já tem tudo pensado e decidido. A mediação familiar pode

então contribuir para minorar o risco de conflito, proporcionando um quadro de diálogo

orientado para a compreensão e para o respeito recíproco pelo processo individual de cada

um, tendo em conta o tempo que cada um dos mediados precisa para aceitar e se adaptar

à nova configuração familiar que ambos organizarem ao longo das sessões de mediação

familiar.

Assim, as dinâmicas entre o cônjuge/parceiro iniciador da SD e o cônjuge/parceiro

não aceitante da SD indiciam risco de aumento de conflito, assim como, a vulnerabilidade

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330

pessoal e a infidelidade constituem aspetos potenciadores e sugerem risco do aumento de

conflito e de problemas de ajustamento à SD para os pais e para as crianças. De notar,

que a mediação familiar pré judicial poderia, por um lado, evitar que o conflito

progredisse para o plano judicial e, por outro, encaminhar o caso concreto para a instância

mais conveniente (e.g. psicologia, advocacias, tribunais, APAV., etc.) mediante a

realização de triagem adequada.

Relativamente à subcategoria de análise Intromissão familiar e extrafamiliar, de

salientar que, não obstante a motivação de apoio por parte da família e ou de amigos, o

facto é que tal interferência acaba, frequentemente, por contribuir para inflamar o conflito,

“ Sim, acho que essa interferência foi péssima, mesmo a questão de logo ir a correr para

advogados, e isto e aquilo, é tudo lá da família… gente de advogados e afins, e acham

que assim é que se resolvem as coisas e, depois, não se resolvem, mas chega-se ao fim

com a mesma porcaria. (E21-P5) e para (des)empoderar os pais na condução do processo

de SD, “(…) A certa altura acabavam por interferir. Interferiam e condicionavam as

nossas decisões quando não tinham nada que se meter.” (E24-P7).

Finalmente, a subcategoria de análise Partilha de habitação após separação, é um

fator de mal-estar insuportável (E18-M) – Eu acho, que quando um casal decide que se

deve separar um dos dois deve sair imediatamente da casa, porque depois, a convivência

é insuportável e as crianças acabam por ter que assistir a cenas. (…).”. Tal situação

induz ambiguidade e incerteza aumentando, por isso, o risco de conflito e de problemas

acrescidos para as crianças, (…). Eles (filhos) ressentiram-se nesses seis meses, porque

nós deixámos de fazer coisas em família. A vivermos na mesma casa era a semana do pai

e a semana da mãe. (…). (E26-P8).

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331

De facto, a associação entre o declínio do bem-estar físico e psicológico para pais

e para as crianças em consequência da SD tem vindo a ser referida por vários autores (e.g.

Amato, 2010 Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Kelly, 2003), no entanto, a

prevalência de vulnerabilidade nas crianças decorrente da SD depende ,em grande

medida, da forma como a transição para a SD é negociada, do tipo e intensidade dos

fatores de risco e dos fatores de proteção envolvidos, bem como das mudanças de vida e

familiares ocorridas durante o período da separação (Hetherington & Stanley-Hagan,

1999).

Assim, os resultados obtidos corroboram anteriores estudos sobre o tema, bem

como comprovam a necessidade de desenvolver práticas mais eficientes de mediação

familiar, quer no seu quadro atual como na perspetiva preventiva.

4.5.7 Impacto do tempo no conflito

Através da categoria de análise Impacto do tempo no conflito pretende-se

compreender se o decorrer do tempo tem um efeito mais positivo ou mais negativo

relativamente ao desenvolvimento do conflito.

Tabela 21

Impacto do decorrer do tempo no desenvolvimento do conflito

Categoria de análise: Impacto do tempo no

conflito

Negativo Positivo

Participantes (12) 4 (25%) 9 (75%)

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332

Os resultados sugerem que a passagem do tempo para a maioria dos participantes

(75%) tem um efeito positivo sobre o conflito contribuindo para a sua diminuição “as

coisas mais próximas da separação são muito mais duras, muito mais ríspidas, (…), mas

depois com o passar do tempo começam a amolecer.” (E25-P). Contudo, alguns

participantes (25%) consideraram que o decurso do tempo contribuiu para perpetuar o

conflito, (…) desde a nossa separação efetiva passaram sete anos e eu não vejo grandes

melhoras no conflito ou na perceção de uma ausência de comunicação entre os pais.

(E05-P), apesar de se admitir que a mediação familiar poderia ter ajudado a controlar o

avanço do conflito, caso tivesse acontecido no momento adequado, “Com aquela tal

sensação de que isto (a mediação) (…) está a aparecer é tarde.” (E22-P), sugerindo-se

que a oportunidade da mediação familiar se situa dentro do primeiro ano, após a decisão,

Não, a tempo não foi (a mediação), acho que a mediação serve se for logo… o decorrer

de pelo menos um ano do divórcio, acho que depois começa a ser tempo a mais… começa

a haver muito conflito (…).” (E06 - M3).

Em síntese, os resultados sugerem que na maioria dos casos a passagem do tempo

que medeia entre a comunicação de SD e o final do processo de mediação familiar

contribui para desaceleração do conflito e da intensidade emocional negativa.

Eventualmente, determinadas características interacionais entre o ex-casal, como o

elevado conflito, poderão estar relacionados com a impenetrabilidade de qualquer efeito

benéfico do tempo para a dinâmica do conflito.

4.5.8 Sensibilidade Parental

A relação pai/mãe-filho é influenciada por múltiplos fatores, mas os recursos

psicológicos dos pais, as características das crianças e as fontes contextuais de suporte ou

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333

de stress são fatores determinantes na relação pai/mãe-filho (Belski, 1984). Por sua vez,

a associação entre o conflito destrutivo, isto é, o conflito intenso, em escalada e não

resolvido, é consistentemente associado a insegurança emocional, quer nas relações entre

o casal, quer nas relações pai/mãe-filhos (Cummings & Davies, 2002).

A sensibilidade parental consiste numa vantagem proveniente do bem-estar

experimentado num ambiente positivo e com funcionamento competente dos pais de que

algumas crianças beneficiam ao contrário de outras. Pluess e Belsky (2013) afirmam que

a sensibilidade parental não é um fator protetor no sentido em que não funciona contra a

adversidade, mas, antes um benefício ou vantagem de que usufruem umas pessoas e não

outras (Pluess & Belsky, 2013).

Figura 46. Indicadores de sensibilidade parental, na transição para a SD.

A análise da categoria sensibilidade parental, durante da SD, permite verificar que

a Perceção dos pais relativamente ao impacto da relação pai/mãe-filhos é o indicador

mais prevalente da promoção da segurança e bem-estar nos filhos, “Do ponto de vista

emocional, do ponto de vista intelectual, do ponto de vista de ele se sentir bem consigo

3; 4%

19; 29%

25; 38%

14; 21%

5; 8%

Conversar com as criançassobre o que está aacontecer

Identificar sentimentosna criança

Perceção impacto darelação pai/mãe - filhos

Respeito pela criança

Sentido de autocritica

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334

mesmo, do ponto de vista de para ele estar bem é necessário que os pais estejam bem

também…” (E09-P2), demonstrando preocupação, “(…). Pelo aspeto psicológico deles,

mesmo em termos físicos... porque acho que (o conflito entre os pais) traz ansiedade (…)”

(E11-P).

A subcategoria identificar sentimentos nos filhos permite constatar que os pais

sensitivos estão sintonizados com as emoções dos seus filhos, “(…)mostra-se ansioso -

não de uma forma continua -, quer dizer que há fases em mostra desconforto quando vai

do pai para a mãe e, eventualmente pode mostrar alguma resistência, (…), depende muito

do contexto… (E09-P2), e estão atentos aos seus comportamentos, “Desde o mau

comportamento, o fingir que não ouve (…), começou a ter esses problemas na escola ...

as coisas têm melhorado, não lida bem com as regras, tem essa dificuldade.

Utiliza muito bem todo aquele esquema de chantagem entre o pai e a mãe (…). (E11-P).

Relativamente à subcategoria respeito pela criança, salienta-se a forma como os

pais não só escutam, como dão valor às opiniões das crianças, “(…) São duas crianças

pequenas e eles próprios vão-nos levando porque dizem: ‘mas, porque é que vocês

discutem? Não vale a pena…’, e nós ouvimo-los. (E14-M).

Finalmente, a subcategoria conversar com os filhos sobre as mudanças inerentes

à SD, “A forma como lhes foi dito pelo pai foi: ‘o quê que vocês acham de ter agora duas

casas, a mamã vive numa casa e o papá vive noutra’ e foi assim, desta forma, que eles

foram interiorizando que o pai ia ter uma casa e eles iam continuar ali. (E10-M) fomenta

o sentimento de segurança nos filhos, tal como a subcategoria sentido de autocritica,

contribui para que os pais se questionem e assim possam melhorar os seus

comportamentos para com os seus filhos, E14-M - Sim. É a tal coisa do, daí é que eu

acho que essa é a expressão que define que nós não atendemos ao superior interesse dos

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335

nossos filhos…nós atendemos aos nossos interesses. Atendemos às nossas emoções… e é

complicado. (E14-M).

4.5.8.1 Perceções dos pais sobre a relação de coparentalidade atual e futura

Seguidamente investigou-se a forma como os pais percecionam presentemente a

sua relação de coparentalidade e como perspetivam o seu desenvolvimento futuro.

Figura 47. Comparação entre a perceção dos pais sobre a sua relação de coparentalidade

no presente e a forma como a perspetivam para o futuro.

De acordo com os resultados exposto no Figura 47 não se verificam alterações

substanciais relativamente à experiência de coparentalidade instável

(colaborante/competitiva) para o futuro, salientando-se que cerca de metade dos

participantes (14 participantes quanto à coparentalidade atual e 13 participantes no que

respeita à coparentalidade futura), manifestam uma relação de coparentalidade oscilante

14

6

10

13

11

17

A : Colaborante -competitiva

B : Competitiva C : Cooperativa

1 : Coparentalidade atual Coparentalidade futura

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336

quer, no presente quer no futuro. Este resultado evidencia algum tipo de incerteza, cuja

origem relacional poderá mesmo ser anterior à SD, mas que se projeta para o futuro.

Relativamente à coparentalidade competitiva verifica-se que as expetativas dos

pais quanto ao futuro são mais negativas do que as vivências atuais projetando, por isso,

que o quadro de coparentalidade competitiva se deteriore, nomeadamente em razão da

escalada do conflito.

Finalmente, considera-se que a coparentalidade positiva tenderá a existir e a

evidenciar-se mais claramente do que no presente.

Assim, os resultados sugerem que quanto mais negativa é a coparentalidade no

presente mais negativa a expectativas de melhoramento ou estabilização da

coparentalidade futura, “Vai ser tendencialmente, para nula.” (E23-M7) e, inversamente

quanto mais positiva é a coparentalidade mais esperançosas são as expectativas dos pais

quanto à coparentalidade futura, “Cada vez melhor, cada vez melhor (relação de entre os

pais em relação aos filhos).” E24-P7. Deste modo, importa realçar a necessidade de

apostar na melhoria de serviços preventivos e de encaminhamento rigoroso dos casos de

conflito, em contexto de SD, aquando do primeiro contacto sistema judicial, extrajudicial,

administrativo ou privado.

4.5.8.2 Perceção dos pais relativamente à adaptação dos filhos à SD

Como anteriormente constatámos a adaptação das crianças à SD depende da

conjugação de múltiplos fatores, nomeadamente, dos vários fatores de risco e de proteção

envolvidos na SD e da capacidade de os pais promoveram comportamentos sensíveis mais

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337

vantajosos para os seus filhos. Assim, a categoria de análise perceção dos pais

relativamente à adaptação dos filhos à SD, permite averiguar de que forma é que os pais

avaliam a adaptação dos seus filhos às mudanças introduzidas pela reorganização familiar

decorrente do processo de formalização da SD.

Figura 48. Perceção dos pais relativamente à adaptação dos filhos à SD.

A figura 48 permite verificar que os pais consideram que a adaptação dos filhos à

SD é predominantemente positiva (46%) ou razoável (39%)e apenas um pequeno número

de pais a consideram que a adaptação dos filhos como negativa (15%). De notar, que o

tempo decorrido após a conclusão da mediação familiar, variou entre um mês e dois anos

o que limita a apreciação rigorosa dos resultados, embora indicie uma tendência positiva

quanto à adaptação das crianças após o final do processo de mediação familiar.

4.5.9 Integração do direito da criança a participar no processo de mediação

familiar

As crianças devem ser tratadas como titulares de direitos devendo, para o efeito,

serem criadas todas as condições judiciais e extrajudiciais para o seu exercício efetivo. O

4; 15%

12; 46%

10; 39% Negativa

Positiva

Razoável

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338

direito das crianças a participar nos assuntos que lhe respeitam ou que as afetem de acordo

com a sua idade e maturidade, encontra-se estabelecido em diversos diplomas jurídicos

internos (e.g. artigo 5º Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro) e externos (e.g. artigo 12 CDC;

DJAC,). Acresce, assim, a importância de tornar o sistema judicial/extrajudicial (cfr.

DJAC) mais adaptado às crianças, nomeadamente através do melhoramento das

metodologias de inclusão na criança no processo de mediação familiar, da criação de

condições instrumentais e logísticas e de formação específica e/ou supervisão para

mediadores familiares que integram as crianças no processo de mediação familiar, de

forma a promover a concretização do direito de audição da criança de acordo com o seu

superior interesse.

De salientar, a importância da conjugação entre o direito de participação da

criança (artigo 12 da CDC) nos assuntos que a afetam e o princípio do superior interesse

da criança (artigo 3º da CDC), sobretudo atendendo à tensão possível entre a efetivação

destas duas normas da CDC e aos diferentes níveis de concretização do direito de audição

da criança (James; Haugen; Rantalaiho & Marples, 2010).

O debate sobre a questão de saber se as crianças devem ser incluídas de forma

direta ou indireta na mediação familiar tem suscitado diversos argumentos, quer

favoráveis, quer desfavoráveis (Birnbaum, 2009; Parkinson, 2008; Schoffer, 2005). Não

obstante, estudos recentes tendem a considerar a prevalência da vantagem de incluir as

crianças no processo de mediação familiar (Ferreira, 2013; McIntosh; Wells; Smyth &

Long, 2008; Rudd; Ogle; Holtzworth-Munroe; Applegate & D’Onofrio, 2015).

Um dos objetivos do presente trabalho é o de investigar como é que os pais/mães

encaram a participação das crianças na mediação familiar e quais os requisitos a observar

na concretização do seu direito de participação no processo de mediação familiar.

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339

Figura 49. Perspetivas dos pais relativamente à inclusão das crianças no processo de

mediação familiar.

De acordo com os resultados exibidos verifica-se que a maioria dos participantes,

neste estudo consideraram que as crianças devem participar na mediação familiar (65%),

enquanto um número menor de pais/mães (22%) referiu que a inclusão das crianças na

mediação apenas deve ocorrer em situações específicas, sendo o grupo dos participantes

que não concordaram com o envolvimento das crianças claramente minoritário (13%).

Assim, os resultados sugerem a adesão positiva dos pais relativamente ao envolvimento

dos seus filhos na mediação familiar. Por sua vez, estudos recentes têm revelado menor

hostilidade entre os pais e melhor ajustamento pragmático dos acordos (McIntosh et al.,

2008), bem como melhoria na promoção da coparentalidade positiva (Rudd et al., 2015),

relativamente aos modelos de inclusão da criança no processo de mediação familiar, quer

seja na modalidade de mediação centrada na criança, como seja na modalidade de

mediação inclusiva da criança, comparativamente com os modelos comuns não inclusivos

da criança na mediação familiar. Acresce ainda que, os resultados obtidos neste estudo

mostram-se em consonância com as diretrizes mais avançados no domínio da justiça

adaptada às crianças e evidenciam a adesão dos pais e mães à materialização de alterações

3; 13%

15; 65%

5; 22%

Nãoparticipação dacriança

Participação dacriança

Participação dacriançasituaçõesespecíficas

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340

legislativas no direito interno português no sentido da implementação de uma justiça

amiga das crianças.

Importa, no entanto, salientar que qualquer forma de inclusão da criança no

processo de mediação familiar deverá ser acompanhada de uma despistagem rigorosa de

casos, eventualmente, desadequados à inclusão das crianças na mediação familiar,

especificamente, as situações de elevado conflito, de distúrbios psiquiátricos ou de maus-

tratos, abuso de substâncias, etc. (McIntosh, et al., 2008). Desta forma, impõe a

supervisão e formação específica dos mediadores familiares no sentido da adaptação da

mediação familiar às crianças de modo a garantir o exercício seguro dos seus direitos.

4.5.9.1 Requisitos para a inclusão das crianças na mediação

Relativamente à análise da categoria Critérios de audição das crianças, referida

por 25 dos participantes no presente trabalho, importa referir que os principais critérios

de inclusão das crianças no processo de mediação familiar mencionados podem ser

agrupados em critérios relativos à pessoa da criança, critérios procedimentais e relativos

aos mediadores familiares. Os critérios inerentes à criança relacionam-se, por um lado,

com a sua idade e maturidade e, por outro lado, com a necessidade de respeito pelos seus

direitos, nomeadamente a garantia de se exprimir de forma livre de quaisquer pressões, a

não manipulação e não responsabilização pelos pais ou pelo mediador familiar após a

sua participação da criança. Os critérios procedimentais para a inclusão da criança

mencionam a necessidade de avaliação e preparação prévia, entre os pais e o mediador

familiar, num ambiente adequado às crianças e sem a presença dos pais e a audição da

criança ser realizada por um mediador familiar especializado em modelos de inclusão.

Page 369: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

341

4.5.10 Satisfação com a mediação familiar

Finalmente, procedeu-se à análise da categoria Satisfação com a mediação

familiar com o objetivo de explorar o nível de satisfação/Insatisfação/indiferença

percecionado pelos participantes no presente estudo.

Figura 50. Satisfação/insatisfação/indiferença dos participantes no estudo relativamente

ao processo de mediação familiar.

De notar, que a maioria do total dos participantes (54%) referiu encontrar-se

satisfeito com o processo de mediação tendo sido mencionada satisfação com todo o

processo de mediação familiar, referida por 17 dos participantes, “Ah, positivos tudo.

Ficou tudo esclarecido, tudo bonitinho, o nó desmanchou-se. Está tudo claro. Estruturou

o pensamento, inclusivamente de coisas que nós nem pensávamos que tínhamos que estar

a decidir, não é? Foi positivo. Recomendo. (E27-M8); assim como, satisfação com

aspetos mais concretos (e.g. realização de compromissos, intervenção do mediador,

metodologia de trabalho, eficácia do acordo), “No final da mediação senti que tinha dado

19; 38%

27; 54%

4; 8%

Insatisfação

Satisfação

Indiferente

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342

um passo fundamental para se resolverem as coisas.” (E15-M); “(…) de facto, nos deu

ali um espaço neutro que levou a que (…) se conseguisse fazer a assinatura do acordo.

(E17-M5).

De salientar, igualmente, que um número relativamente elevado de participantes

(38%) ficou insatisfeito com o processo de mediação familiar, por razões variadas (e.g.

criticas da Conservatória do Registo Civil ao acordo sobre o exercício das

responsabilidades parentais, processo muito longo ou demasiado rápido, reincidência no

recurso a tribunal, etc. ), “ (…) Houve ali uma semana de descanso até ir á Conservatória

e me dizerem que aquilo não era útil, que não me aceitavam e que aquilo não servia para

nada, aí começou a guerra.”( E18-M); criticas à atuação do mediador familiar, “Ah …,

mas, nada disso ficou escrito, era um acordo verbal, mas, num advogado ficaria escrito

(…).” (E18-M).

Por fim, um reduzido número de participantes (4%) revelou indiferença face à

mediação familiar no sentido em que, não se consideraram nem satisfeitos, nem

insatisfeitos.

Assim, os resultados sugerem a necessidade de melhorar a qualidade dos serviços

de mediação familiar, quer no plano institucional, quer ao nível da qualidade da mediação

reformulando o processo de mediação familiar e atualizando as metodologias de

intervenção.

4.6 Integração de variáveis quantitativas

Page 371: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

343

4.6.1 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade e a origem do processo de mediação familiar bem

como o resultado do processo de mediação familiar

Os resultados obtidos em cada uma das três subescalas do Questionário de

Coparentalidade (Margolin, et al., 2001 adaptação Portuguesa, Pedro & Ribeiro, 2014)

foram calculados com base na média de cada dimensão ou subescala, (Marôco, 2011;

Pestana & Gageiro, 2008). Consequentemente, procedeu-se à análise de possíveis

diferenças entre os resultados de cada dimensão (cooperação, triangulação e conflito), a

origem do processo de mediação familiar (judicial ou voluntário) e o resultado da

mediação familiar (com acordo ou sem acordo) por intermédio do software SPSS 22.0,

do teste T para amostras independentes para cada uma das associações em evidência

(Marôco, 2011; Martinez & Ferreira, 2007; Pestana & Gageiro, 2008).

4.6.2 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de mediação familiar –

voluntária ou judicial

Tendo em conta que cada uma das amostras relativas à origem do processo de

mediação familiar possuem uma dimensão inferior a 30 (𝑁𝐽𝑢𝑑𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 = 10; 𝑁𝑉𝑜𝑙𝑢𝑛𝑡á𝑟𝑖𝑜 =

20), foi necessário efetuar o teste de Shapiro-Wilk para aferir a normalidade da variável

em questão (Gleitman, Fridlund & Reisberg, 2007; Mâroco, 2011).38

Após verificar que o p-value do teste de Shapiro-Wilk se encontra entre 0.09 e

0.58739 (p>0.05), podemos assumir a existência de normalidade para um nível de

38 A utilização do teste de Shapiro-Wilk, em detrimento do teste de Kolmogorov-Smirnov deve-se ao facto

de a amostra em análise ser de dimensão reduzida (N<50) (Pestana & Gageiro; 2008). 39 Vide Apêndice L, output 1.

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344

significância α=5% (Mâroco, 2011; Martinez & Ferreira, 2007) e consequentemente

aplicar o teste-t de amostras independentes, para verificar se existem diferenças

significativas entre os resultados obtidos nas subescalas do Questionário da

Coparentalidade em função da origem do processo de mediação familiar (Mâroco, 2011;

Pestana & Gageiro, 2008).

Uma vez que o p-value do teste de Levene para igualdade de variâncias encontra-se entre

0.23 e 0.61440 (p>0.05), não rejeitamos a hipótese de homogeneidade das variâncias, ao

nível de significância α=5% (Martinez & Ferreira, 2007). Posto isto, podemos verificar o

p-value do teste-t para a igualdade de médias para cada uma das subescalas do

Questionário da Coparentalidade.

Na subescala da cooperação, o p-value do teste-t para a igualdade de médias é de

0.00341, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala da cooperação não

são idênticos nos participantes que recorreram à mediação familiar na sequência de

processo judicial, comparativamente aos participantes que recorreram a este processo por

de forma voluntária, constatando-se assim diferenças nos resultados obtidos na subescala

da cooperação em função da origem do processo de mediação familiar, a um nível de

significância de α=5%, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).

Na subescala da triangulação, o p-value do teste-t para a igualdade de médias é

0,04042, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala da triangulação não

são idênticos nos participantes que recorreram à mediação familiar na sequência de um

processo judicial, quando comparados aos participantes que recorreram a este processo

40 Vide Apêndice L, output 2. 41 Vide Apêndice L, output 2. 42 Vide Apêndice L, output 2.

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345

voluntariamente, havendo deste modo diferenças nos resultados obtidos na subescala da

triangulação em função da origem do processo de mediação familiar, a um nível de

significância de α=5%, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).

Por último, na subescala do conflito, o p-value do teste-t para a igualdade de

médias é 0.11043, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala do conflito

são idênticos nos participantes que recorreram à mediação familiar na sequência de um

processo judicial, relativamente aos participantes que recorreram a este processo

voluntariamente, não havendo deste modo diferenças nos resultados obtidos na subescala

do conflito em função da origem do processo de mediação familiar, a um nível de

significância de α=5%, uma vez que p>0.05 (Mâroco, 2011).

4.6.3 Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo de mediação familiar

– com acordo ou sem acordo

Tendo em conta que cada uma das amostras relativas ao resultado do processo de

mediação familiar possuem uma dimensão inferior a 30 (𝑁𝐴𝑐𝑜𝑟𝑑𝑜 = 21; 𝑁𝑆𝑒𝑚 𝑎𝑐𝑜𝑟𝑑𝑜 = 9),

foi necessário efetuar o teste de Shapiro-Wilk para aferir a normalidade da variável em

questão (Gleitman, Fridlund & Reisberg, 2007; Mâroco, 2011).44

Após verificar que o p-value do teste de Shapiro-Wilk se encontra entre 0.18 e 0.59245

(p>0.05), podemos assumir a existência de normalidade para um nível de significância

α=5% (Mâroco, 2011; Martinez & Ferreira, 2007) e consequentemente aplicar o teste-t

43 Vide Apêndice L, output 2. 44 A utilização do teste de Shapiro-Wilk, em detrimento do teste de Kolmogorov-Smirnov deve-se ao facto

de a amostra em análise ser de dimensão reduzida (N<50) (Pestana & Gageiro; 2008). 45 Vide Apêndice M, output 3.

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346

de amostras independentes, para verificar se existem diferenças significativas entre os

resultados obtidos nas subescalas do Questionário da Coparentalidade em função da

natureza do processo de mediação familiar (Mâroco, 2011; Pestana & Gageiro, 2008).

Uma vez que o p-value do teste de Levene para igualdade de variâncias encontra-

se entre 0.051 e 0.33246 (p>0.05), não rejeitamos a hipótese de homogeneidade das

variâncias, ao nível de significância α=5% (Martinez & Ferreira, 2007). Assim, podemos

verificar o p-value do teste-t para a igualdade de médias para cada uma das subescalas do

Questionário da Coparentalidade.

Na subescala da cooperação, o p-value do teste-t para a igualdade de médias é de

0.00847, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala da cooperação não

são idênticos nos participantes que terminaram o processo de mediação familiar com

acordo, comparativamente aos participantes que terminaram o processo de mediação

familiar sem acordo, havendo assim diferenças nos resultados obtidos na subescala da

cooperação em função do resultado do processo de mediação familiar, a um nível de

significância de α=5%, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).

Na subescala da triangulação, o p-value do teste-t para a igualdade de médias é

0,00148, por isso pode concluir-se que os valores médios da subescala da triangulação não

são idênticos nos participantes que terminaram a o processo de mediação familiar com

acordo, comparativamente aos participantes que terminaram o processo de mediação

familiar sem acordo, havendo deste modo diferenças nos resultados obtidos na subescala

46 Vide Apêndice M, output 4. 47 Vide Apêndice M, output 4. 48 Vide Apêndice M, output 4.

Page 375: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

347

da triangulação em função do resultado do processo de mediação familiar, a um nível de

significância de α=5%, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).

Por último, na sub-escala do conflito, o p-value do teste-t para a igualdade de

médias é 0.33249, por isso pode concluir-se que os valores médios da sub-escala do

conflito são idênticos nos participantes que terminaram a o processo de mediação familiar

com acordo, comparativamente aos participantes que terminaram o processo de mediação

familiar sem acordo, não havendo deste modo diferenças nos resultados obtidos na

subescala do conflito em função do resultado do processo de mediação familiar, a um

nível de significância de α=5%, uma vez que p>0.05 (Mâroco, 2011).

4.6.4 Análise da possível relação entre a variável origem do processo de mediação

familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do processo de mediação

familiar (com acordo ou sem acordo)

Tendo em conta a análise comparativa dos resultados obtidos nas três subescalas

do Questionário de Coparentalidade realizada, pareceu-nos pertinente e fundamental

averiguar a existência de uma relação entre a variável origem do processo de mediação

familiar e a variável resultado do processo de mediação familiar.

Mais precisamente, pretendeu-se determinar se a origem do processo de mediação

familiar (judicial ou voluntária) tem impacto no resultado do processo da mediação

familiar relativamente à obtenção ou não de acordo relativo ao exercício das

responsabilidades parentais.

49 Vide Apêndice M, output 4.

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348

Consequentemente, de modo a analisar a relação entre as variáveis, procedemos à

realização de uma tabela de contingência (Marôco, 2011; Martinez & Ferreira, 2007), e

logo depois, utilizámos o teste de Fisher (Almeida & Freire, 2008; Gleitman, Fridlund &

Reisberg, 2007; Marôco, 2011), com o objetivo de verificar se efetivamente existe uma

relação entre a origem do processo de mediação familiar e o resultado do mesmo.

Os resultados obtidos50, permitem observar que de uma amostra de 30

participantes, 20 recorreram a mediação familiar de forma voluntária e 10 recorreram à

mediação familiar na sequência de um processo judicial. De referir, que 9 participantes

terminaram a mediação familiar sem acordo, enquanto 21 terminaram com acordo, mais

detalhadamente, dos 10 casos que recorreram à mediação familiar na sequência de um

processo judicial, 7 (70%) terminaram sem acordo, enquanto 3 (30%) terminaram com

acordo. Por sua vez, dos 20 casos que recorreram à mediação familiar de forma voluntária,

2 (10%) terminaram o processo sem acordo, enquanto 18 (90%) concluíram o processo

com acordo.

Com base na análise efetuado procedeu-se à aferição de uma associação

significativa entre as variáveis acima identificadas, através do teste exato de Fisher51,

uma vez que estamos perante subgrupos de variáveis com uma amostra inferior a 20

(N<20) (Martinez & Ferreira, 2007). Neste caso em especial, estamos perante o caso de

uma tabela de contingência 2x2 (Almeida & Freire, 2008). Por conseguinte, e atentos ao

facto de que o p-value do teste de Fisher é 0.002, existe evidência estatística, ao nível de

significância α=5%, de que as variáveis não são independentes, estando deste modo

associadas, uma vez que p<0.05 (Mâroco, 2011).

50 Vide Apêndice N, output 5. 51 Vide Apêndice N, output 6.

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349

Visto que a análise através do teste de Fisher apresenta valores de significância inferiores

a 0.05 (p=0.02), podemos afirmar que existe uma associação positiva entre a origem do

processo de mediação familiar (voluntária ou judicial) e o resultado desse mesmo

processo (com ou sem acordo).

Os resultados expressos no teste de Fisher encontram assim sustentação no estudo

empirico1 uma vez que a existência de processo judicial anterior à mediação familiar foi

considerada pelos participantes nos focus groups como sendo um fator ativador de

conflito, tendo sido evidenciada uma perceção negativa relativamente ao sucesso dos

processos de mediação familiar provenientes de um processo judicial em curso. Além

disso esta conclusão é consentânea com outros estudos (Emery, 2012; Tomé, 2011). Mais

ainda, verifica-se que no Questionário da Coparentalidade o grau de cooperação obtido é

superior nos participantes que recorreram a mediação familiar voluntariamente e o grau

de triangulação obtido é superior nos casos em que a mediação familiar ocorreu na

sequência de processo judicial.

4.7 Síntese do capítulo

Neste capítulo realizámos a análise do sistema categorial do estudo 3, através da

qual se caracterizaram as decisões parentais responsáveis, assim como, se identificaram

os grandes domínios de influência no processo de tomada de decisão no contexto da

mediação familiar, pessoais (ex-casal/pais), contextuais e de promoção de mudança

positiva, caracterizando-os e interligando-os com as estratégias específicas de mediação.

Investigamos, também, os fatores de proteção e os fatores de risco integrando os obtidos

na literatura atual sobre o tema e analisou-se a sensibilidade parental como fator de

promoção de vantagens para as crianças e a influência do decurso do tempo no

ajustamento do ex-casal/pais à SD. Examinámos de que forma o direito de participação

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350

das crianças nos assuntos que as afetam é observado pelos pais e quais os critérios a

utilizar na definição da sua inclusão. Finalmente, averiguámos que perceção

positiva/negativa, têm os pais-mães/mediados sobre a sua experiência de mediação

familiar.

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351

CAPÍTULO V

____________________________________________________________

5. CONCLUSÕES

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352

5.1 Conclusões

A presente tese foi elaborada com o propósito de contribuir para investigar

potencialidades teóricas e práticas da mediação familiar, relativamente ao exercício das

responsabilidades parentais, no contexto de SD. O estudo 1, teve como principais

objetivos aumentar a compreensão sobre os conflitos familiares e sobre as estratégias e

modelos de mediação familiar e identificar os fatores de proteção e fatores de risco que

interferem na relação entre os pais e no bem-estar das crianças. Com o estudo 2 pretendeu-

se averiguar as características das decisões parentais responsáveis, bem como os efeitos

da mediação familiar na relação pais/filhos e na coparentalidade. Além disso

identificaram-se domínios estruturantes do processo de mediação familiar que

contribuem para um mais amplo enquadramento teórico da mediação familiar. Nos

estudos realizados teve-se sempre em vista o aprofundamento de mecanismos

concretizadores do superior interesse das crianças e respetivos demais direitos.

5.2 A especificidade dos conflitos familiares

Os resultados obtidos no estudo 1 relativamente ao conflito corroboram a tipologia

de conflitos identificada por Moore (2005) evidenciando a transversalidade dos conflitos

de relação em relação aos outros tipos de conflitos, porquanto a componente emocional,

a comunicação pobre e disfuncional e o comportamento negativo e repetitivo são comuns

à generalidade dos conflitos familiares apesar das características diferenciadoras de cada

tipo de conflito identificado. Cada tipo de conflito inclui não só um conjunto de pistas

que auxiliam os mediadores familiares a direcionar adequadamente sua intervenção,

como também fornecem um quadro de referência sobre a (in) adequabilidade do caso

concreto por meio de mediação família. Por sua vez, os resultados do estudo 2,

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353

relativamente às formas de relação interparental durante a mediação são compagináveis

com as características dos tipos de conflito analisados no estudo 1 evidenciando a

associação dos estilos de relacionamento colaborativo e competitivo, a formas de

comunicação construtiva e destrutiva tal como Deutsch (2001) já tinha afirmado. Assim,

os resultados dos estudos 1 e 2 permitem confirmar que a relação colaborativa entre os

pais está associada a formas equitativas de partilha do poder, de distribuição de

responsabilidades quanto às crianças e à predisposição para tomar decisões conjuntas

enquanto a relação competitiva está associada a desequilíbrios de poder, a emotividade

forte e negativa e manipulação.

Deste modo, sublinha-se que as interações competitivas estão associadas a

conflitos estruturais e relacionais, cujo planeamento e intervenção requer especial

cuidado com as metodologias e estratégias a utilizar pelos mediadores familiares. Neste

sentido, à semelhança de Bollen, et. al., (2013) verifica-se a pertinência em aplicar

estratégias especificamente orientadas para gerir e equilibrar o poder, para abrir a

comunicação e a compreensão entre os pais/ex-casal.

Deve ainda ser salientado que, os resultados relativos ao conflito, especificamente,

os fatores de influência no conflito familiar, são consonantes com a perspetiva do conflito

defendida por Brack, et al., (2011) , isto é, como realidade ecologicamente

multideterminada, complexa e enredada numa teia de relações dissonantes entre o ex-

casal/pais que acontecem no núcleo microssistémico, incisivo e preciso e que evoluem

numa relação de interdependência com múltiplos fatores ambientais relativos ao

mesossistema (e.g. família extensa, amigos, etc.), e ao macrossistema (e.g. sistema

judicial, cultura, etc.).

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354

5.3 Modelos de mediação familiar

Os resultados do estudo empírico 1 permitem verificar que os mediadores

familiares identificaram estratégias de mediação claramente características de modelos

de mediação familiar, ao contrário os assessores do ISS que não referiram qualquer

estratégia distintiva de determinado modelo de mediação. Não obstante a prevalência de

formação de mediação familiar dos participantes do ISS e a proximidade da sua

intervenção em situações de litigio relativas a SD, este resultado justifica-se,

precisamente, porque a intervenção dos assessores do ISS no âmbito da audiência técnica

especializada (artigo 23º do RGPTC) é distinta da mediação familiar (artigo 24º RGPTC),

quer ponto de vista substantivo como do ponto de vista pragmático.

É ainda relevante referir que a análise categorial do estudo 1 permitiu concluir que

os resultados do total dos cinco focus groups não sugerem uma adesão coerente e

sistemática aos modelos concretos de mediação familiar comuns, apesar de se verificar

que só os mediadores familiares mostraram conhecer e utilizar estratégias consentâneas

com os modelos de mediação familiar definidos. Mas mais, os resultados emergentes

sobretudo do estudo 1 no seu conjunto evidenciam que os modelos de mediação familiar

mais comuns não são ainda suficientemente consistentes devendo ser melhor

aprofundados na formação dos mediadores familiares, conclusões estas, coincidentes com

outras investigações anteriormente realizadas (Sbarra &Emery, 2001).

Não obstante a difusão na literatura sobre mediação familiar de múltiplas

estratégias de mediação (Bush & Folger, 2005; Fisher, Ury & Patton, 2007; Irving &

Benjamin 2005; Moore, 2003; Parkinson, 2008; Suares, M., 2003). A análise categorial

do estudo 1 permitiu uma sistematização inovadora das diversas estratégias de mediação

familiar referidas pelos participantes nos focus groups de acordo com a sua função e os

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355

objetivos do processo de mediação familiar. Pretende-se que esta sistematização das

diversas estratégias de mediação contribua para uma melhor utilização e compreensão

das mesmas no contexto da literatura sobre mediação familiar (Bush & Folger, 2005;

Fisher, Ury & Patton, 2007; Irving & Benjamin 2005; Moore, 2003; Parkinson, 2008;

Suares, M., 2003).

5.4 Domínios de influência no processo de mediação familiar

Os resultados emergentes dos dois estudos realizados, mas sobretudo do estudo 2

e especificamente da categoria de análise Domínios de influência no processo de

mediação familiar, permitiram identificar cinco dimensões de influência a considerar na

condução do processo de tomada de decisão em mediação familiar: a dimensão

emocional; a dimensão da comunicação, o contexto, a relação interpessoal dos pais e a

integração de mudanças adaptativas. Os resultados sugerem que os estilos de mediação

familiar interventivo ou facilitativo (Kressel, 2007) devem ser consonantes com a

natureza dos assuntos a decidir (e.g. Driskell & Johnston, 1998) e com a forma como os

participantes na mediação processam a informação tendo em conta que os padrões de

pensamento diferem de pessoa para pessoa (Epstein, et al., 1992), pois certas pessoas

enfatizam a racionalidade, a lógica e o quadro legal, enquanto outras vão ao encontro de

formas de pensar mais afetivas, experienciais e holísticas que lhes permitem desenvolver

a consciência de si e do outro (Damásio 2010), a compreensão e a empatia. Assim, os

resultados sustentam que os mediadores familiares devem ser sensíveis aos distintos

padrões de pensamento dos mediados de modo a dinamizar o processamento racional e

afetivo que se mostrar mais confortável para os participantes na mediação familiar.

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356

Os resultados obtidos relativamente à análise da categoria de análise Domínios de

influência no processo de mediação permitem reportar que a tomada de decisão no

contexto de mediação familiar, determinou mudanças finas do quadro de referência da

pessoa, da história, das significações e das posturas dos mediados essenciais a uma melhor

adaptação à reorganização e adaptação da família após a SD.

Deve ser ainda referida que foi possível caracterizar as decisões responsáveis

sobre responsabilidades parentais, em contexto de SD, os respetivos obstáculos e as

potencialidades de mediação familiar para a sua promoção mediante o estimulo à

cooperação, a prevenção do conflito e a dinamização de um contexto reflexivo.

5.5 Fatores de proteção e fatores de risco, na transição para a SD

O estudo 1 e o estudo 2 refletem resultados consentâneos com vários estudos sobre

o aumento do risco de diversas consequências negativas para as crianças relacionadas

com a SD dos pais (Anderson et al., 2011; Amato, 2000; Amato, 2010; Hetherington, &

Stanley-Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003; Weaver & Schofield, 2015). O estudo 2

evidencia uma associação entre o aumento de riscos específicos de consequências

negativas para as crianças durante a SD dos pais, destacando-se fatores como: a

coparentalidade negativa, o elevado conflito e a severidade da SD (Haddad, et al., 2016;

Sbarra & Emery, 2008). Inversamente, os fatores protetores apontam para a

coparentalidade positiva, para a diminuição do conflito e para o foco dos pais no bem-

estar das crianças. Importa ainda referir que os resultados relativos à forma como os pais

perspetivam a coparentalidade no futuro, sustentam um aumento da cooperação apesar de

ainda se manterem dinâmicas de coparentalidade competitiva.

Page 385: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

357

O estudo 2 permitiu verificar que existe uma associação negativa entre os

processos de mediação familiar iniciados no decurso de um processo judicial e a obtenção

de acordo através de mediação familiar. Em contrapartida, constatou-se uma maior

prevalência de acordo sobre as responsabilidades parentais nos processos de mediação

familiar que foram impulsionados pelos intervenientes na mediação familiar do que nos

processos de mediação familiar que tiveram lugar na sequência de um processo judicial.

.

5.6 Implicações práticas

A presente tese tem importantes implicações práticas em vários aspetos: em

primeiro lugar é fundamental que os mediadores familiares possam desenvolver a sua

atividade de forma interligada e tenham condições para trabalhar em equipa, para que

possam potenciar e desenvolver criativamente a sua atividade contrariando a dispersão de

experiências e de conhecimentos e contribuindo para melhorar a qualidade do serviço

público ou privado com o qual colaboram. Em segundo lugar, os resultados comprovam

que na fase de SD há uma concentração de fatores de risco para as crianças e para os pais

de considerável impacto que podem ser prevenidos através de mediação familiar. Em

terceiro lugar, a importância da realização de triagem pré judicial ou antes do início do

processo de mediação permitiria a diminuição de recurso a tribunal, mas também evitaria

a utilização de mediação familiar quando tal não fosse adequado ao caso concreto. Em

quatro lugar, os resultados no seu conjunto demonstram que a mediação familiar tem um

impacto positivo no ajustamento dos pais e das crianças na transição para a SD sendo,

também nesse sentido recomendada em vários diplomas de direito interno e externo,

nomeadamente nas Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a

justiça adaptada às crianças, adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa

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358

em 17 de novembro de 2010. Mais ainda, as diretrizes determinam o recurso a mediação

familiar antes do início de qualquer processo judicial que envolva crianças em ordem à

proteção do superior interesse das crianças. Em quinto lugar, os resultados no seu

conjunto, evidenciam a necessidade de desenvolvimento de novas politicas de

desenvolvimento e atualização das práticas de mediação familiar preventivas e

direcionadas para uma prática da mediação familiar adaptada ao exercício efetivo dos

direitos das crianças.

5.7 Limites e pistas para futuras investigações

Observando-se a escassez de investigação científica sobre mediação familiar e a

dificuldade de obtenção de amostras significativas sobre o tema em estudo, salienta-se a

importância desta investigação para uma melhor integração interdisciplinar, compreensão

teórica e para a prática concreta da mediação familiar. No entanto, esta tese tem

limitações. Em primeiro lugar, evidencia-se a necessidade de se realizarem estudos

quantitativos que suportem um grau de generalização que este trabalho não alcança. Em

segundo lugar, a amostra do estudo 1 foi composta por mediadores familiares todos

colaboradores do serviço público de mediação familiar - SMF não permitindo assim a

inclusão de perspetivas dos mediadores familiares que desenvolvem a sua atividade no

setor privado; em terceiro lugar, não foram incluídos no estudo outros participantes com

impacto na mediação familiar como os advogados. De referir, que a presente dissertação

fornece várias pistas para futuras investigações, nomeadamente sobre métodos de

inclusão das crianças na mediação familiar e especialmente sobre o desenvolvimento de

métodos de mediação preventiva. Os resultados do estudo 1 e do estudo 2 revelam que o

contexto judicial comporta diversas consequências negativas para gestão dos conflitos

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359

familiares dando origem a relitigância frequente e aumento do conflito em torno das

responsabilidades parentais quando, o que o está em causa é o conflito entre o casal e ex-

casal. De referir, a necessidade de prevenir o risco de problemas psicológicos para as

crianças em consequência da SD. Por outro lado, verifica-se que a mediação familiar tem

um efeito promotor do ajustamento dos pais e das crianças à SD ajudando a atenuar o

conflito e melhorando a relação de coparentalidade e a relação pais-filhos. Neste sentido,

esta tese sustenta a necessidade de se implementar politicas legislativas e medidas

concretas destinadas a promover a mediação familiar antes do processo judicial e não

apenas, durante ou após o decurso do processo judicial, como atualmente se encontra

previsto na legislação nacional. Desta forma, são de extrema importância investigações

futuras que permitam sustentar um sistema de mediação familiar assente na prevenção de

riscos potencialmente negativos para as famílias e especialmente para as crianças.

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Lei n.º 29/2013, de 19 de abril (estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação

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Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro (aprova o Regime Geral do Processo Tutelar Cível -

RGPTC)

Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro (altera o regime jurídico do divórcio, introduzindo a

mediação familiar).

Portaria n.º 344/2013 de 27 de novembro (regulamenta a mediação privada)

Despacho nº 12368/97, de 28 de agosto de 1997

Despacho 1091/2002, de 16 de janeiro de 2002.

Despacho n.º 18778/2007, de 22 de agosto (regula o SMF)

Page 411: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

APÊNDICES

DOUTORAMENTO EM PSICOLOGIA

Especialidade: Psicologia Clínica| Área Temática: Psicologia da Família e Intervenção Familiar

Lucinda das Dores Tiago Gomes

Tese orientada pela Professora Doutora Maria Teresa Ribeiro especialmente elaborada para obtenção

do grau de doutora.

2017

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

PSICOLOGIA

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2

APÊNDICES

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3

ÍNDICE DE APÊNDICES

Apêndice A - Pedido de autorização para desenvolvimento de investigação

em Mediação Familiar

4

Apêndice B - Pedido de autorização para gravação de entrevistas 7

Apêndice C - Guião de entrevista para focus groups com mediadores

familiares e com técnicos de assessoria técnica aos TFM

9

Apêndice D - Guião de questionário sociodemográfico - focus groups 12

Apêndice E - Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa 14

Apêndice F - Estudo 2 - Entrevista semiestruturada 20

Apêndice G - Questionário sociodemográfico – pais e mães 25

Apêndice H - Questionário da Coparentalidade - QC 27

Apêndice I - Sistema de Categorias do Estudo 2 29

Apêndice J - Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa 31

Apêndice L - Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três

subescalas do Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de

mediação familiar – voluntário ou judicial

35

Apêndice M - Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três

subescalas do Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo

de mediação familiar – com acordo ou sem acordo

37

Apêndice N - Análise da possível relação entre a variável origem do processo

de mediação familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do

processo de mediação familiar (com acordo ou sem acordo)

39

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4

APÊNDICE A

Pedido de autorização para desenvolvimento de investigação

em Mediação Familiar

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5

Lisboa, 2010-02-08

Assunto: Pedido de autorização para desenvolvimento de investigação em Mediação

Familiar

Exmo. Senhor

Director do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios

Dr. Domingos Farinho

Após a conclusão do Curso de Estudos Avançados em Psicologia Clínica, especialidade

de Psicologia da Família e Intervenções Familiares, no âmbito do 1º ano do “Programa

de Doutoramento Inter-universitário entre as Faculdades de Psicologia das Universidades

de Coimbra e de Lisboa”, encontro-me, presentemente, a desenvolver o meu projecto de

investigação na área temática da mediação familiar.

A pertinência deste estudo, entre outras razões, justifica-se face à escassez de investigação

sobre mediação familiar em Portugal, e ao crescente impacto desta no quadro da

abordagem dos conflitos familiares. Com este projecto pretende-se, entre outros aspectos,

aumentar o conhecimento sobre mediação familiar, aprofundar e compreender os

modelos e práticas que informam a actividade, bem como determinar factores de

protecção e de risco na fase de transição para a separação/divórcio.

O desenvolvimento do projecto, de matriz qualitativa, orientado pela Grounded Theory,

compõe-se por um primeiro estudo com aplicação da metodologia de focus-groups, a

realizar com mediadores e, por um segundo estudo em que se irão aplicar entrevistas

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6

semi-estruturadas a cerca de 30 pais e mães que tenham passado por um processo de

mediação familiar.

A colaboração do GRAL é fundamental para a concretização deste trabalho, uma vez que

a recolha dos dados implica, por um lado, o acesso aos mediadores que integram o SMF

e, por outro, aos processos relativos aos cerca de 30 pais e mães que compõem a amostra,

pelo que, tomamos a iniciativa de solicitar a V. Exa. a marcação de uma reunião com o

propósito de explicitar com maior detalhe os objectivos do nosso trabalho e de nos

ajustarmos aos procedimentos que V. Exa. venha a considerar apropriados, no caso de vir

a ser concedida a autorização que agora solicitamos.

A Professora Doutora Maria Teresa Ribeiro -, minha orientadora de doutoramento -

manifestou disponibilidade para estar presente na reunião, facto que decerto muito

contribuirá para um mais perfeito esclarecimento dos objectivos do estudo.

Conscientes da atitude de abertura do GRAL à investigação, designadamente em

trabalhos de mestrado já efectuados, desejamos que o nosso projecto possa merecer a

melhor atenção de V. Exa., tanto mais que se trata de uma investigação no âmbito de um

doutoramento na área da mediação familiar.

Com os meus melhores cumprimentos,

Lucinda Gomes

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APÊNDICE B

Pedido de autorização para gravação de entrevistas

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AUTORIZAÇÃO

Tendo conhecimento dos objectivos da investigação em Mediação

Familiar realizada no âmbito do Programa de Doutoramento Inter-Universitário

Coimbra - Lisboa, em Psicologia Clínica – Psicologia da Família e Intervenções

Familiares, pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, da Licenciada

Lucinda Gomes, sob orientação da Professora Doutora Maria Teresa Ribeiro, e

estando assegurado por estas o meu anonimato, venho por este meio autorizar

a gravação áudio da entrevista semi-estruturada realizada no dia ___/___/___,

em ___________________, assim como o uso da transcrição da mesma para

investigação e publicação profissional.

Lisboa, _____ de ___________________ de 2013

________________________________________

(Assinatura do(a) Participante)

________________________________________

(Assinatura da Doutoranda)

________________________________________

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(Assinatura da Orientadora)

APÊNDICE C

Guião de entrevista para focus groups com mediadores

familiares e com técnicos de assessoria técnica aos TFM

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Guião de entrevista para focus groups com mediadores familiares e com técnicos

de assessoria técnica aos Tribunais de Família e Menores

Abertura

Introdução

1. Com base na vossa experiência na assessoria técnica aos Tribunais de Família e

Menores (TFM) e como mediadores familiares, como descrevem o comportamento

dos pais, ente si, com processos em curso de regulação/alteração/incumprimento das

responsabilidades parentais, em Mediação Familiar e/ou no tribunal?

Transição

2. Apesar das diferenças na expressão do conflito, este, de um modo geral está

presente nos casos de mediação ou de tribunal. De acordo com a vossa experiência, é-vos

possível identificar aspetos/tipos de conflito em que considerem que as estratégias por

vós utilizadas foram eficientes?

3. Podem contar-nos uma situação em que tenham considerado que a técnica ou

estratégia que usaram teve sucesso?

4. Encontram alguma relação entre as características do conflito e o sucesso de

algumas técnicas e estratégias de mediação que tenham utilizado?

Questões-Chave

5. Peço-vos que pensem num caso em que a mediação/entrevista se mostrou

adequada à abordagem do conflito parental/conjugal.

Nesse caso concreto, que emoções positivas identificaram nos pais? Como se

comportavam um com o outro?

6. Quer se trate de Mediação Familiar quer se trate de assessoria técnica ao

tribunal, a vossa atuação é orientada por uma moldura jurídica que, entre outros aspetos,

visa proteger o interesse superior da criança.

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Qual é a vossa perceção sobre o conhecimento jurídico que os pais detêm quando

são chamados a decidir sobre as responsabilidades parentais?

6. Podem dar um exemplo que ilustre um caso em que considerem que os pais

estavam esclarecidos sobre os aspetos jurídicos? Que impacto teve nas decisões que

vieram a tomar?

7. Pensando ainda nos pais, na fase do divórcio/separação – que elementos

identificam como potenciadores de responsabilidade das decisões parentais em relação:

Comportamento

Emotividade

Relação

Comunicação

Valores e crenças

8. Com base na última mediação/entrevista que realizaram.

Como descrevem a gestão das questões emocionais? E os aspetos da comunicação?

9. Qual a vossa opinião sobre a inclusão das crianças nos processos de regulação

do exercício das responsabilidades parentais na Mediação Familiar?

10. Gostaria de ouvir a vossa opinião sobre se há distinção entre decisões parentais

responsáveis e as responsabilidades parentais? Elementos distintivos?

11. Lembram-se de algum exemplo que ilustre, no vosso entender, uma tomada

de decisões parentais responsáveis pelos pais?

12. Que aspetos, do vosso ponto de vista, favorecem a tomada de decisões

parentais responsáveis? E quais os aspetos desfavoráveis?

Finalização

13. Que aspetos gostariam de ver estudados no campo da proteção efetiva do bem-

estar da criança, na fase de transição para o divórcio/separação?

14. Há algum aspeto de que queiram falar além dos que aqui abordamos?

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APÊNDICE D

Guião de questionário sociodemográfico - focus groups

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QUESTIONÁRIO SÓCIO-DEMOGRÁFICO

FOCUS GROUPS

As informações obtidas através deste questionário são essenciais para obter uma melhor

compreensão dos dados recolhidos na entrevista de focus groups.

O seu nome será posteriormente codificado de modo a garantir o anonimato.

1. Sexo: M F 2. Idade: ________

anos

3. Habilitações académicas de base

Psicologia Direito

Serviço Social Outra

4. Possui um curso de formação em Mediação familiar com ________ horas

Reconhecida pelo Ministério da Justiça

Reconhecida por outro organismo/instituição

Não reconhecida

Não possui formação em mediação

5. Exerce funções de mediador(a) familiar: há _________ anos:

No SMF No sector Privado Outro

6. Não exerce mediação familiar, mas trabalha com famílias na fase de transição para o

divórcio/separação no âmbito da assessoria técnica ao tribunal:

Sim _________________ (nome da Instituição)

Não

Muito obrigada pela sua colaboração!

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APÊNDICE E

Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa

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Focus groups

Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa <Internals\\Focus Groups\\FG1 - MF> - § 3 referências codificadas [1,03% Cobertura] Referência 1 - 0,92% Cobertura

FP1M: Tristeza. Porque começam a vislumbrar o fim daquilo que foram construindo ao longo

dos anos e não é fácil para as pessoas. Por vezes, noutros tipos de mediação, o acordo é muito

satisfatório para as pessoas, mas aqui na mediação familiar comporta muita dor, tristeza, o

desvanecer de muitos sonhos construídos ao longo da vida e naquele documento que nós

estamos a trabalhar seja para o Tribunal ou Conservatória ou qualquer outro fim, está o fim

desse relacionamento.

Referência 2 - 0,06% Cobertura

FK1M: Pois, mas há sempre o medo.

Referência 3 - 0,05% Cobertura

FF1M: Há sempre o medo!

<Internals\\Focus Groups\\FG2 - MF> - § 6 referências codificadas [2,24% Cobertura] Referência 1 - 0,14% Cobertura

FC2M: O medo é uma emoção e é básica, acho que o importante é ser operacionalizada.

Referência 2 - 0,55% Cobertura

FP2M: Eu tive uma mediação, eles eram pais de uma menina, não eram casados, ele era casado

e ela engravidou dele e então apareceram com a miúda e foi muito giro porque a mãe trazia

uma raiva enorme do pai e, logo no início da mediação, sentia-se que ela tinha uma raiva, uma

tristeza, um rancor com quem tinha tido uma história.

Referência 3 - 0,43% Cobertura

(FP2M): E noto em relação à emotividade, como se sentem tristes ou frustradas ou magoadas

por ter havido a ruptura, divórcio ou separação utilizam muito os miúdos como arma de

arremesso e então a pequena vingança delas é dificultar o contacto com os miúdos.

Referência 4 - 0,37% Cobertura

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FC2M: Eu vejo de outra perspectiva que é a única coisa que lhes resta é os filhos e os filhos então

ocupam esse vazio e, então, os filhos são tudo e o pai, é que até está a atrapalhar, vendo de

outra perspectiva, claro.

Referência 5 - 0,68% Cobertura

FO2M: Mas, também já me aconteceu aparecer um terceiro e isso provocar ciúmes, o outro ser

posto de lado, não conseguir através da ex-mulher uma comunicação com projecção nas

crianças e ele verbalizar mesmo; nessa situação eu fiz um “caucus” para ver se desbloqueava

um bocadinho e ele verbalizar mesmo que o novo marido da mãe das crianças passava muito

mais tempo com os seus filhos do que ele próprio.

Referência 6 - 0,06% Cobertura

(FP2M): Muito ressentimento entre eles.

<Internals\\Focus Groups\\FG3 - MF> - § 9 referências codificadas [2,73% Cobertura] Referência 1 - 0,45% Cobertura

FU3M: Posso pensar num caso de emoção positiva, não sei muito bem que nome dar a esta

emoção, mas é uma emoção que surge um bocadinho por oposição àquela emoção negativa e

má que percebemos que, muitas vezes, está ao rubro nos mediados relacionada com a perda,

aqueles mediados que pensaram que a sua família acabou.

Referência 2 - 0,08% Cobertura

FU3M: Influência [as decisões dos pais] estar fora de si.

Referência 3 - 0,11% Cobertura

FL3M: Estas questões das emoções, muitas vezes… É as raivas, os ódios, sei lá!

Referência 4 - 0,26% Cobertura

FU3M: Mas, eu acho que isso tem que ser legitimado, as pessoas tem que ter espaço para ... e

tempo para... quer dizer, também têm direito de ter essas emoções [negativas] face ao outro.

Referência 5 - 0,32% Cobertura

FV3M: Muitas vezes, as emoções - nas questões das responsabilidades parentais -, muitas vezes,

têm a ver com as cedências, um sente que tem estado a fazer mais cedências do que o outro,

que o outro se encontra um bocado aliviado.

Referência 6 - 0,37% Cobertura

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(FV3M): Quando chega a altura da responsabilização, o preto no branco, a nível documental,

onde eles sentem que ali estão a dar a sua palavra, aí, as emoções vêm ao rubro, porque cada

um tenta ser menos penalizado- entre aspas - nas responsabilidades em relação ao outro.

Referência 7 - 0,34% Cobertura

(FV3M): Muitas vezes, não conseguem avançar porque eles estão muito tensos, porque estão a

mexer, na criança, no dinheiro, na outra família que lá está e muitas vezes é preciso parar, vão

pensar, vão fazer contas, vão esfriar os ânimos e reflectir.

Referência 8 - 0,53% Cobertura

(FV3M): Portanto o tempo que as pessoas precisam não existe tem que haver atropelos, tem

que haver ódios latentes no decidir, porque ainda não foram afastados, a situação não foi

digerida não foi aceite, tudo isto, não há tempo e, reflecte-se depois, numa sessão de mediação

mal sucedida e reflecte-se nos tribunais e em toda a dinâmica deste processo das

responsabilidades parentais.

Referência 9 - 0,29% Cobertura

(FV3M): Muitas das vezes, há pais que parecem ser excelentes pessoas e que parecem maus,

mas não são, quer dizer, isto tudo são questões, quer dizer nós não, podemos pôr a cereja no

bolo e o bolo estar caído.

<Internals\\Focus Groups\\FG4 - ISS> - § 12 referências codificadas [3,34% Cobertura] Referência 1 - 0,05% Cobertura

FP1S: A amargura de ser rejeitado.

Referência 2 - 0,08% Cobertura

FP1S: A emoção negativa mais flagrante é o despeito.

Referência 3 - 0,08% Cobertura

FH1S: Em termos de sentimentos acho que é ódio e medo.

Referência 4 - 0,26% Cobertura

FH1S): Frustração, raiva, zanga, vingança, denegrir o outro para eu me valorizar, são egoístas há

um egoísmo tão grande! Há uma incapacidade total para se descentrarem do conflito.

Referência 5 - 0,27% Cobertura

FF1S: Há situações que me afligem pela maldade que as pessoas conseguem ter, pela maldade

que levam para dentro do processo e que, com isso, acarretam sofrimentos enormes àquelas

crianças.

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Referência 6 - 1,18% Cobertura

(FF1S): Estou a lembrar-me de um processo que achei horroroso que aquele pai sujeitou aquela

filha de 4 anos a coisas terríveis porque a mãe o deixou e tinha um companheiro, iniciou uma

relação com outra pessoa, separou-se dele mas levou consigo a filha, aquele homem nunca

aceitou esta separação, nunca. E. então, o quê que ele faz? - É uma coisa que resulta logo em

tribunal: abuso sexual por parte do companheiro da mãe, é sempre! - porque aí há logo inibição

de visitas, acabou! - Há logo retirada da criança à mãe, de 4 anos, e sujeitou aquela criança a

Instituto de Medicina Legal, a tudo, uma coisa horrível, e aquele pai conscientemente fez isto

tudo, a criança esteve privada da mãe um ano depois teve que se sujeitar a andar de psicólogo

em psicólogo, depois, às tantas não havia nada de conclusivo.

Referência 7 - 0,32% Cobertura

FP1S: Desculpa interromper-te FF1S..., mas é assim: uma pessoa fica chocada, eu sou fã de FOX

LIFE, às vezes vê-se aquelas séries e pensamos assim: É pá! isto acontece! e depois vou trabalhar,

há dias que eu chego a casa ….

Referência 8 - 0,43% Cobertura

FP1S): Nós estarmos a ver na televisão até nos esquecemos que aquilo está tão próximo e o que

mais me assusta, na PP já me assustava porque a violência física é complicada de gerir, mas a

violência que se faz nos processos tutelares cíveis, o jogo psicológico, a utilização que se faz das

emoções.

Referência 9 - 0,10% Cobertura

FF1S: Para mim é as maldades que fazem aos filhos para atingir o outro.

Referência 10 - 0,04% Cobertura

FH1S: Para mim é a tristeza.

Referência 11 - 0,45% Cobertura

FF1S): Na comunicação, ela dizia: - Eu com aquela pessoa só falo do meu filho, lá está! Havia

ressentimentos ainda face ao divórcio e a relação que tiveram, mas eu com aquela pessoa vou

sempre arranjar uma plataforma de entendimento em relação ao meu filho e eu acho que isto

é muito difícil de encontrar.

Referência 12 - 0,08% Cobertura

FP1S: É a vingança -,” não me deixas ver os meninos”.

<Internals\\Focus Groups\\FG5 - ISS> - § 4 referências codificadas [1,03% Cobertura]

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Referência 1 - 0,10% Cobertura

FC2S: Conflito, zanga, eu também sinto, às vezes, quase tipo revanche, vingança.

Referência 2 - 0,44% Cobertura

(FI2S): Pessoas destituídas ... como é que hei de dizer? - principalmente homens -, que a situação

foi de tal forma dolorosa, de tal forma negativa, a consequência foi de tal forma negativa para

as suas próprias vidas que se tornaram indiferentes que se tornaram ‘num deixa andar ‘não só

com a regulação dos filhos como com eles próprios.

Referência 3 - 0,14% Cobertura

(FC2S): Eu acho que senti alívio da parte dela e da parte dele senti-o compreendido e sentiu-o

valorizado.

Referência 4 - 0,35% Cobertura

(FC2S): De facto, eram amigos e nunca se posicionou terem filhos e, portanto ele sentiu isso

como uma traição da parte dela e, ela, por sua vez, queria isso e houve uma espécie de

engenharia à moda antiga, o seu desejo não foi explicitado e acabou por ficar grávida.

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APÊNDICE F

Estudo 2 - Entrevista semiestruturada

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Entrevista semiestruturada

Doutoramento: Mediação familiar e processo de transição para a separação-divórcio:

Fatores de influencia e impacto das decisões parentais responsáveis para a

(co)parentalidade construtiva na fase da separação-divórcio

Lucinda Gomes e Maria Teresa Ribeiro

Questões Objetivos

1) Entre outros aspetos, a mediação familiar é um processo no âmbito do qual os pais vão tomando decisões com impacto familiar, parental e filial.

a. Em que medida é que a mediação familiar contribuiu para aumentar a compreensão das necessidades e dos sentimentos de cada um dos intervenientes (pai e mãe) e dos filhos?

b. De que forma é que esse aspeto contribuiu para ajudar a explorar (identificar, refletir, analisar,) as questões relativas aos vossos filhos?

c. Considera que as decisões que tomaram com vista ao acordo sobre as responsabilidades parentais (RP’s), teriam sido diferentes se não tivessem passado pela mediação familiar? Em que aspeto (s)?

d. As decisões parentais que ficaram expressas no acordo foram tomadas por ambos?

Compreender de que forma é que o processo de mediação familiar influência a tomada de decisões conjuntas sobre os filhos.

2) Que significados atribuem às expressões exercício conjunto e exercício exclusivo das responsabilidades parentais

3) Como é que no seu entender se distinguem as questões de particular importância da vida do filho das questões da vida corrente do filho.

4) O que significam para si as seguintes expressões: Residência Guarda

Responsabilidades Parentais. Descobrir perceções e significações dos pais sobre os conceitos jurídicos fundamentais que delimitam o acordo sobre os filhos no desenrolar da separação/ divórcio.

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Visitas Convívio dos pais com os filhos Organização do tempo dos filhos Comparticipação económica nas despesas do filho Pensão de alimentos Partilha das responsabilidades económicas

5) Como é que vê o direito de audição das crianças no processo de mediação? Que aspetos relativos ao filho devem ser acautelados pelo mediador e pelos pais quando os filhos intervêm na mediação (e.g. idade, tema a abordar, momento e razão de ser da participação da criança)

6) Sentiu que o processo de mediação o (a) ajudou a compreender a lógica dos conceitos jurídicos? De que forma?

7) Como define o superior interesse do seu filho (s)?

Compreender em que medida é que a mediação familiar é um processo de concretização dos direitos das crianças e da família no seu todo.

8) a. Sentiu-se confortável fisicamente e emocionalmente na

mediação familiar (p. ex. a sala de mediação; contactos com o mediador; confiança no mediador)?

b. De que forma é que o quadro de trabalho do processo de mediação familiar (regras, princípios, estrutura processual) contribuiu para vos ajudar a pensar e a decidir sobre os vários tópicos da agenda estabelecida na mediação familiar?

Compreender de que forma é que o contexto da mediação familiar influência o processo de decisão parental.

9) (Re) organizar a vida dos pais e, especificamente, dos filhos, no âmbito do divórcio/separação compreende um conjunto de decisões destinadas a garantir à criança a continuidade dos cuidados parentais, de acordo com a moldura jurídica imperativa e em vigor.

a. A mediação familiar teve impacto na sua perceção sobre

os deveres e as obrigações que assumia para consigo, para com o outro pai/mãe e para com os filhos? De que forma é que esse aspeto se revelou importante para a tomada de decisão sobre os vários itens relativos ao acordo sobre as RP’s?

b. Lembra-se de ter tido dúvidas sobre se algum aspeto do

acordo sobre as RP’s não viesse a ser cumprido (por um dos pais, por oposição dos filhos, outro motivo)? Como lidou com essa incerteza?

Caracterizar e aprofundar o conceito de responsabilidade de decisão parental.

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c. Considera que ao decidir (p. ex. sobre a residência; contactos dos filhos com os pais) foram equacionadas várias possibilidades de solução?

d. Como é que se sente com as decisões que assumiu (ou que foram adotadas) no acordo sobre as RP’s. O que pensa que teria sido diferente se o acordo não tivesse sido elaborado em mediação familiar?

10) a. Como é que se sentia no início da mediação? Nas sessões

seguintes? Quando terminaram o processo? (p. ex. maior/menor: tranquilidade, zanga, ansiedade, receio, confiança, alívio, etc.).

b. Aconteceu-lhe sentir maior contacto com as suas emoções e sentimentos (para com o outro pai/mãe; crianças) à medida que a mediação familiar avançava? Que relevância dá a esse aspeto para o assumir conjunto dos vossos deveres (responsabilidades) para com os vossos filhos?

c. O que considera que teria sido diferente, em termos dos sentimentos e emoções que vivenciou se não tivessem estado em mediação familiar?

d. Sente que os sentimentos e emoções presentes na relação entre os pais tiveram influência nas decisões que foram adotando relativamente aos vossos filhos?

Identificar fatores emocionais e a sua influência na predisposição para a tomada de decisões parentais responsáveis. Compreender como ocorrem os processos de mudança da emotividade negativa para emotividade positiva.

11) a. De que forma é que a mediação familiar o(a) ajudou a

compreender a maneira de pensar e o comportamento do outro pai/mãe?

b. Sentiu que vossos contributos (opiniões, ideias, sugestões) para a tomada das decisões sobre os vossos filhos se complementavam?

c. Considera que a mediação familiar contribuiu para a abertura de canais de comunicação entre o pai e a mãe relativamente os filhos? Atualmente a comunicação mantem-se aberta?

d. Considera que as vossas divergências iniciais se foram esbatendo? Que fatores influenciaram esse processo?

Identificar o eventual impacto da comunicação na responsabilidade de decisão dos pais Compreender o processo de transição da comunicação disfuncional /funcional.

12) a. De que forma é que cooperaram na preparação das

decisões que, vieram a adotar no decurso da mediação familiar (p. ex. trazer elementos para a mediação sobre o montante das despesas e dos rendimentos dos pais e dos filhos; cumprir acordos pré-estabelecidos nas sessões de mediação familiar)?

Relação e responsabilidade.

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b. Das seguintes expressões indique a(as) que melhor caracteriza(m) a relação parental que estabeleceu durante a mediação com o pai/mãe: EVITAR; ACOMODAR;

CONTEMPORIZAR; COMPETIR; COLABORAR? Presentemente caracteriza a vossa relação da mesma forma? Considera que o tipo de relação parental tem impacto nos filhos? Em que aspetos?

13) Que aspeto (s) considera que têm um impacto mais forte – positivo e/ou negativo - na forma como ambos os pais vivenciaram a fase do divórcio/separação? Vê alguma relação entre esses aspetos e o bem-estar dos vossos filhos?

14) Como é que a (eventual) tensão resultante da rutura conjugal evoluiu ao longo das sessões de mediação familiar?

15) Que sentimentos e preocupações considera que eram comuns aos dois pais, durante o processo de mediação familiar?

16) De que forma é que os vossos filhos se ajustaram à reorganização de vida acordada no âmbito da mediação familiar?

17) Que perceção tem sobre os sentimentos dos seus filhos no decurso da fase de decisão parental sobre a nova organização de vida? Considera que as opiniões dos vossos filhos foram respeitadas?

Fatores de proteção e de risco:

Ter / não ter como prioridade o bem-estar dos filhos.

Separação/Confusão entre o conflito conjugal parental

Desejar/Não desejar a presença do outro progenitor na vida da criança

Evolução Escalada/declínio do conflito

18) Ao elaborar o acordo sobre o exercício das RP’s, os pais tomam um conjunto de decisões fundamentais para os filhos com o objetivo principal de os proteger e de lhes assegurar o cuidado parental.

a. Que características considera fundamentais para que uma decisão parental seja considerada responsável?

Decisões parentais responsáveis?

19) Que aspeto (s) considerou mais negativos e mais positivos na mediação familiar?

Conhecer a perceção positiva ou negativa sobre o processo de mediação familiar

20) Como é que imagina que a sua relação com o pai/mãe dos seus filhos vai ser no futuro. E a vossa relação enquanto família (pais e filhos)?

Explorar expectativas sobre o futuro da família

Reflexões pós-entrevista

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APÊNDICE G

Questionário sociodemográfico – pais e mães

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QUESTIONÁRIO SÓCIO-DEMOGRÁFICO

1. Idade: ______ anos 2. Nacionalidade: ___________________________

3. Sexo: Masculino □ Feminino □

4. Nível de escolaridade:

Ensino Básico □ Ensino Secundário □ Ensino Universitário □

5. Quanto tempo esteve casado(a) ou a viver em união de facto? -----------------------------------------

6. Quantos filhos têm? (na data da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais) ___________

7. Idade (s) dos filhos do sexo F: ___, ___, ___ 8. Idade (s) dos filhos do sexo M: ___, ____, ___

9. Há quanto tempo terminou o processo de mediação Familiar? ______________ (meses/anos)

10. O processo terminou:

Com acordo □ Sem acordo □

11. Em que situação recorreu a mediação familiar?

Como primeira opção para resolução do diferendo □

Na sequência de processo judicial □

12. Em que situação se encontra actualmente?

Viver sozinho(a) □ casado(a) □ união facto □ Outra □

13. Religião

Sim □ Não □ Qual? _____________________

Por favor verifique se preencheu todo o questionário

Muito obrigada pela sua colaboração!

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APÊNDICE H

Questionário da Coparentalidade - QC

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APÊNDICE I

Sistema de Categorias do Estudo 2

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Sistema de Categorias do Estudo 2

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APÊNDICE J

Excerto da categoria de Análise - Emotividade Negativa

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(Estudo 2)

EXERTO DA CATEGORIA - PARTICIPAÇÃO DA CRIANÇA NA MEDIAÇÃO <Internals\\E03M1> - § 1 referência codificada [0,18% Cobertura] Referência 1 - 0,18% Cobertura

E03-M1 – Eu acho que a criança devia participar, apesar de haver crianças que ainda são

pequenas, não têm maturidade.

<Internals\\E04P1> - § 1 referência codificada [0,10% Cobertura] Referência 1 - 0,10% Cobertura

E04 - P2 – Acho bem… acho bem…

<Internals\\E05P> - § 1 referência codificada [0,52% Cobertura] Referência 1 - 0,52% Cobertura

E05-P – Eu acho que a intervenção dos filhos no processo de mediação, da qual, não tenho

experiência porque o meu filho não participou no processo de mediação, ahmm … deve ser

tomada em consideração.

<Internals\\E06M2> - § 2 referências codificadas [1,48% Cobertura] Referência 1 - 0,56% Cobertura

E06 - M3 – Eu acho que é importante… costuma-se dizer que as crianças não mentem, e às vezes

quando os pais, que é o meu caso… às vezes a única forma de provar que uma coisa é verdade

é ouvir a criança…

Referência 2 - 0,92% Cobertura

E06 - M3 – Foi, ela sentiu um alivio… e deixou de ter medo, por exemplo, ela quando foi a

tribunal, julgava que só iam a tribunal pessoas que iam ser presas, ou porque matavam, ou

porque roubaram alguém… esse é que foi o pior para ela, as pessoas que iam ao tribunal iam ser

presas… e eu expliquei-lhe que não, que eram ouvidas.

<Internals\\E07P2> - § 1 referência codificada [0,42% Cobertura] Referência 1 - 0,42% Cobertura

E07-P2 – Eu acho que elas devem participar sempre, independentemente da idade. Uma criança

tem uma visão que é a visão dela e deve participar sempre.

<Internals\\E08M3> - § 1 referência codificada [1,29% Cobertura]

Page 444: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

34

Referência 1 - 1,29% Cobertura

E08 - M3 - Mas eu acho que é importante também ouvirmos e mesmo agora, que o processo já

está mais ou menos instituído não é… continuamos a ouvir a criança, eu acho que é sempre

importante e eu procuro fazer isso, ouvir sempre o que ele tem… porque ele vai dizendo… muitas

vezes nem é de uma forma muito formal, mas às vezes são pequenos indícios, pequenas coisas,

que ele também ainda só tem 5 anos…, mas eu procuro estar atenta ao que ele vai querendo

dizer na maneira dele não é…

<Internals\\E11P> - § 3 referências codificadas [2,02% Cobertura] Referência 1 - 0,34% Cobertura

E11-P - Em termos gerais vejo bem desde o momento que eles [filhos] tenham maturidade para

isso.

Referência 2 - 1,22% Cobertura

E11-P – Os pais teriam a obrigação de acautelar a maior parte deles… o mediador tem de estar

realmente muito atento, escolher muito bem os assuntos, de forma a não criar situações de

maior tensão nas crianças, porque acho que são sempre situações violentas para elas, e isso é

um ponto em que, embora eu ache que eles devam ir, causa-me algum receio.

Referência 3 - 0,46% Cobertura

E11-P – Acho que as crianças já sentem muito a separação dos pais, estarem a ser ouvidas, por

um lado permite-lhes dar a versão deles.

<Internals\\E12M4> - § 1 referência codificada [0,12% Cobertura] Referência 1 - 0,12% Cobertura

E12-M4 – Á partida acho que é positivo.

<Internals\\E13P4> - § 2 referências codificadas [0,88% Cobertura] Referência 1 - 0,38% Cobertura

E13-P4 – Acho que sim, até por uma questão do mediador que está ali ter a certeza do

quê que se fala, porque pode haver ocultação de coisas, por interesses de algumas

coisas.

Referência 2 - 0,50% Cobertura

Page 445: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

35

(E13-P4) – E acho que as crianças apesar de muito jovens e não terem capacidade para

isso, mas há algumas questões que são muito importantes de se lhes pôr, falar bem com

elas, porque a questão principal que nós pomos era sempre elas.

<Internals\\E16M> - § 1 referência codificada [0,12% Cobertura] Referência 1 - 0,12% Cobertura

E16-M – Vejo [bem] porque, a minha filha teve que ser ouvida em tribunal.

<Internals\\E17M5> - § 1 referência codificada [0,38% Cobertura] Referência 1 - 0,38% Cobertura

E17-M5 – É complicado para mim dizer isso, não é… portanto, na minha situação, isso não seria

possível sequer… não acho mau, a partir de uma determinada idade das crianças não me choca

minimamente… não… não me choca.

<Internals\\E18M> - § 1 referência codificada [0,44% Cobertura] Referência 1 - 0,44% Cobertura

E18-M – De acordo com a minha experiência, portanto eu concordo, por principio que as

crianças pudessem ser ouvidas, por muito que acho, que possa ser mau para ambos os lados,

depende do grau de manejamento que elas tenham sido, mas, acho, que sim.

<Internals\\E20P6> - § 1 referência codificada [0,27% Cobertura] Referência 1 - 0,27% Cobertura

E20-P6 – Bom, se ele existe, eu vejo bem… se existe esse direito [o direito de audição da criança],

eu vejo bem…

<Internals\\E24P7> - § 1 referência codificada [0,22% Cobertura] Referência 1 - 0,22% Cobertura

E24-P7 – Eu acho que as crianças devem ser ouvidas. Na minha opinião, sim.

<Internals\\E26P8> - § 1 referência codificada [1,48% Cobertura] Referência 1 - 1,48% Cobertura

E26-P8 – Acho que têm todo o direito de serem ouvidas. Agora é preciso muito cuidado quem

vai fazer as perguntas. Não pode ser matreiro, tem de ser um psicólogo… ou pedopsiquiatra… e

tem de ser com muito jeitinho. No nosso caso, de certeza que terão algo a opinar, quer dizer o

de quatro anos não, passa-lhe ao lado. O de sete já pode ter alguma opinião formada… se bem

que… nunca houve violência física… e a violência psicológica não passou da gritaria.

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APÊNDICE L

Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de mediação

familiar – voluntário ou judicial.

Page 447: Mediação familiar e processo de mudança adaptativa ......mediação familiar tem sido associada, quer à diminuição dos fatores de stress a que as crianças ficam expostas em

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APÊNDICE L. Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade com a origem do processo de mediação familiar -,

voluntário ou judicial.

Output 1. Verificação da normalidade da variável “origem do processo de mediação familiar”

(Origem MF) relativamente às sub-escalas do Questionário da Coparentalidade.

Testes de Normalidade

Origem MF

Kolmogorov-Smirnova Shapiro-Wilk

Estatística gl Sig. Estatística gl Sig.

Cooperação Judicial ,218 10 ,196 ,909 10 ,277

Voluntário ,127 20 ,200* ,941 20 ,255

Triangulação Judicial ,234 10 ,130 ,943 10 ,587

Voluntário ,174 20 ,114 ,864 20 ,009

Conflito Judicial ,182 10 ,200* ,903 10 ,238

Voluntário ,135 20 ,200* ,950 20 ,360

*. Este é um limite inferior da significância verdadeira.

a. Correlação de Significância de Lilliefors

Output 2. Verificação da existência de diferenças nas diversas subescalas do Questionário da

Coparentalidade relativamente à variável “origem do processo de mediação familiar” (Origem

MF).

Teste de amostras independentes

Teste de Levene

para igualdade de

variâncias

Teste-t para igualdade de médias

F Sig. t gl Sig.

(bilat.)

Diferenç

a média

Erro

padrão

diferença

95% Intervalo de

Confiança (Diferença)

Inferior Superior

Cooperação (a) 5,778 ,023 -3,281 28 ,003 -1,31000 ,40532 -2,16025 -,49975

(b) -3,948 27,997 ,000 -1,31000 ,33184 -1,98975 -,63025

Triangulaçã

o

(a) ,737 ,398 2,149 28 ,040 ,95000 ,44216 ,04428 1,85572

(b) 2,240 20,242 ,036 ,95000 ,42406 ,06611 1,83389

Conflito (a) ,261 ,614 1,649 28 ,110 ,3500 ,2123 -,0848 ,7848

(b) 1,751 21,266 ,094 ,3500 ,1998 -,0653 ,7653

(a) Variâncias iguais assumidas.

(b) Variâncias iguais não assumidas.

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APÊNDICE M

Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três subescalas do

Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo de

mediação familiar – com acordo ou sem acordo.

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Apêndice M. Análise comparativa entre os resultados obtidos nas três sub-escalas do

Questionário de Coparentalidade com o resultado do processo de mediação familiar – i.e,

com acordo ou sem acordo.

Output 3. Verificação da normalidade da variável “resultado do processo de mediação familiar”

(Resultado MF) relativamente às subescalas do Questionário da Coparentalidade.

Testes de Normalidade

(Resultado

MF)

Kolmogorov-Smirnova Shapiro-Wilk

Estatística gl Sig. Estatística gl Sig.

Cooperação Acordo ,138 21 ,200* ,946 21 ,290

Sem Acordo ,161 9 ,200* ,932 9 ,497

Triangulação Acordo ,197 21 ,033 ,885 21 ,018

Sem Acordo ,211 9 ,200* ,941 9 ,592

Conflito Acordo ,177 21 ,083 ,921 21 ,089

Sem Acordo ,296 9 ,022 ,829 9 ,043

*. Este é um limite inferior da significância verdadeira.

a. Correlação de Significância de Lilliefors

Output 4. Verificação da existência de diferenças nas diversas subescalas do Questionário da

Coparentalidade relativamente à variável “resultado do processo de mediação familiar”

(Resultado MF).

Teste de amostras independentes

Teste de Levene

para igualdade de

variâncias

Teste-t para igualdade de médias

F Sig. t gl Sig.

(bilat.)

Diferenç

a média

Erro

padrão

diferença

95% Intervalo de

Confiança (Diferença)

Inferior Superior

Cooperação (a) 7,324 ,051 -2,852 28 ,008 -1,23175 ,43187 -2,11639 -,34711

(b) -3,639 27,997 ,001 -1,21270 ,33329 -1,89582 -,52958

Triangulação (a) 1,343 ,256 3,698 28 ,001 1,48810 , ,40237 ,66388 2,31231

(b) 4,176 20,435 ,000 1,48810 ,35634 ,74580 2,23039

Conflito (a) ,976 ,332 ,988 28 ,331 ,2222 ,2248 -,2383 ,6827

(b) 1,074 18,538 ,297 ,2222 ,2069 -,2116 ,6560

(a) Variâncias iguais assumidas.

(b) Variâncias iguais não assumidas.

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APÊNDICE N

Análise da possível relação entre a variável origem do processo de

mediação familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do

processo de mediação familiar (com acordo ou sem acordo)

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Apêndice N. Análise da possível relação entre a variável origem do processo de mediação

familiar (judicial ou voluntário) com a variável resultado do processo de mediação familiar

(com acordo ou sem acordo).

Output 5. Associação entre a origem do processo de mediação familiar (OrigemProcessoMF) e o

resultado do processo de mediação familiar (Result.MediaçãoMF).

Tabulação cruzada OrigemProcessoMF * Result.ProcessoMF

Result.MediaçãoMF

Total Acordo

Sem

Acordo

Origem

ProcessoMF

Voluntário Contagem 18 2 20

% em OrigemProcessoMF 90,0% 10,0% 100,0%

% em Result.MediaçãoF 85,7% 22,2% 66,7%

Judicial Contagem 3 7 10

% em OrigemProcessoMF 30,0% 70,0% 100,0%

% em Result.MediaçãoF 14,3% 77,8% 33,3%

Output 6. Teste de Fisher para aferir a existência de uma associação significativa entre a variável

OrigemProcessoMF e a variável Result.MediaçãoMF.

Testes qui-quadrado

Valor gl

Significância

Assintótica

(Bilateral)

Sig exata

(2 lados)

Sig exata

(1 lado)

Qui-quadrado de Pearson 11,429a 1 ,001

Correção de continuidadeb 8,750 1 ,003

Razão de verossimilhança 11,431 1 ,001

Teste Exato de Fisher ,002 ,002

Associação Linear por Linear 11,048 1 ,001

Nº de Casos Válidos 30

a. 1 células (25,0%) esperavam uma contagem menor que 5. A contagem mínima esperada é 3,00.

b. Computado apenas para uma tabela 2x2

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