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Medicina e Verdade

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SUMÁRIO

EVOCAÇÃO DO DOUTOR JOSÉ LOPES DIASFERNANDO DIAS DE CARVALHO .......................................................................................................................... 4

ASSISTÊNCIA AOS DOENTES, EM CASTELO BRANCO E SEU TERMO ENTRE COMEÇOS DOS SÉCULOSXVII E XIX (I PARTE)MANUEL DA SILVA CASTELO BRANCO ................................................................................................................. 6

DOIS HOMENS, DOIS TEMPOS - UM OBJECTIVO COMUMAMÉLIA RICOM-FERRAZ. ....................................................................................................................................... 11

O HOSPITAL DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DO FUNDÃOCLARA VAZ PINTO .................................................................................................................................................. 18

AMULETOS E EX-VOTOS DA BEIRA INTERIOR NA COLECÇÃO DO MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIAE ETNOLOGIAOLINDA SARDINHA ................................................................................................................................................ 24

A MEDICINA POPULAR NO SÉC. XIX - SUA PRÁTICA NAS ALDEIAS DA SERRA DA GARDUNHAALBERTO MENDES DE MATOS ............................................................................................................................. 32

AS II JORNADAS DE “MEDICINA NA BEIRA INTERIOR” PROGRAMA, ACTIVIDADES E NOTICIÁRIO DAIMPRENSANOTICIÁRIO POETAS DE LEITURA ....................................................................................................................... 40

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É com determinação que prosseguimos na publicação destescadernos de cultura, conscientes de estarmos a prestar umcontributo, ainda que modesto, numa via que julgamos útil paraa clarificação do saber, a partir deste vasto universo relacionadocom a medicina. Continuamos a reportar-nos em particular aaspectos originais da Beira Interior e o suporte são maiscomunicações apresentadas durante as primeiras e segundasjornadas de estudo “Medicina na Beira Interior - da Pré-históriaao séc.XX”, que tiveram lugar em Castelo Branco,respectivamente em 1989 e 1990.

Se é certo que a verdade ou o conhecimento verdadeiro sãoobjectivos em permanente procura, impõe-se que os produtosque resultaram ou resultam da actividade humana, quermateriais, quer de âmbito menos palpável, como a história dopensamento ou das mentalidades, sejam pesquisados econstituam objecto de reflexão, precisamente para que a luzseja possível. São esses exercícios dos investigadores ehomens de cultura, os que têm dado realidade às referidasjornadas, que aqui apresentamos neste 3° caderno.

O 4° caderno também está em elaboração, sendo o seuconteúdo já apresentado. Pedimos novamente àqueles queainda não tiveram oportunidade de entregar a forma definitivade algumas das suas comunicações das últimas jornadas queo façam para que o 5° número também seja adiantado.

Por último, anunciamos a data das III Jornadas de estudo“Medicina na Beira Interior- da Pré-história ao séc.XX” que serealizarão, em Castelo Branco, nos dias 25,26 e 27 de Outubrode 1991. O caminho já percorrido e o grande estímulo dosparticipantes envolvidos apontam claramente para aprossecução deste projecto. A figura e a obra do ilustre médicoalbicastrense Amato Lusitano, fonte inesgotável deinvestigação, e ainda “O amor e a morte na Beira Interior”serão referências a privilegiar neste encontro multidisciplinar,de acordo com as conclusões das II Jornadas.

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aqui desenvolveu uma acção ímpar na promoção cul-tural, sendo um dos fundadores da Acção Regionaldo Círculo Cultural, da Revista Estudos de CasteloBranco, além de escrever numerosos artigos naimprensa regional de então. Analisando toda a suaactividade na região podemos afirmar que ninguéma serviu melhor e por isso ninguém a exaltou mais.Confessava ele próprio que só compreendia a

homenagem que lheprestavam “pelo estranhoamor a esta cidade e a estaprovíncia, mas nada é maisnatural e profundo do queservir ao que se ama”.

II - O médico, onde brotavae podíamos sentir palpitar demodo tão desinteressado oenorme desejo de servir ecomunicar ensinamentos,sentia bem que a saúde é umproblema eminentementepolítico, não podendodissociar-se da filosofia devida e dos valores de umacultura. Ela não dependeportanto do êxito isolado deum factor, quer este seja denatureza biológica, psicológicaou sócio-cultural, depende simdo equilíbrio e da capacidadede adequação dosmecanismos de defesapessoais, sociais, culturais e

do lugar e importância que a pessoa, o cidadão,ocupa realmente na vida do país.

Ninguém melhor sentiu e interpretou esta filosofiade vida que o Dr. José Lopes Dias, sendo uma dassuas paixões lutar contra a ignorância, osubdesenvolvimento e o consequente baixo nívelsanitário das populações. O seu profundo sentidode serviço levou-o a debruçar-se com entusiasmo eesforço sobre problemas ligados à organizaçãosanitária do distrito, criando obras de indiscutívelmerecimento, como a Escola de Enfermagem, hojeEscola Dr. José Lopes Dias, que vem prestando àregião e ao país precioso auxilio, mercê dos técnicosaqui formados; O Jardim Escola João de Deus,porque sabia quanto é importante o ensino pré--escolar para o desenvolvimento da criança; em

Foi com muito prazer que aceitei o convite parafalar sobre o Dr. José Lopes Dias, homem invulgar,com quem convivi largamente mais de uma décadae de quem fui admirador e grande amigo, devendo--lhe muitos ensinamentos de ordem humanista e desaúde pública.

O Dr. José Lopes Dias nasceu em Vale de Lobo,hoje Vale da Senhora da Póvoa, concelho dePenamacor, em 5 de Maiode 1900, sendo o 2° filho docasal José Lopes Dias, pro-fessor primário, e CarlotaLeitão Barreiros, doméstica,oriunda de Belmonte.Tiveram 5 filhos.

Licenciou-se em Medicinaem 1923 pela Universidadede Coimbra, frequentandoem seguida o Hospital deSainte Pietrïere, em Paris,durante dois anos.

Exerceu a actividadeprofissional primeiro emPenamacor, durante seisanos, fixando-se em CasteloBranco, em 1933, ondeviveu até 12 de Janeiro de1976, data da sua morte.Aqui exerceu os cargos deMédico escolar e Delegadode Saúde do distrito,sabendo acompanhar ecompreender as profundastransformações que ocorreram no campo damedicina.

As suas principais preocupações eram aprevenção, o ensino para a saúde e odesenvolvimento, pois sentia bem que umasociedade só se torna saudável quando a par daeducação houver desenvolvimento sócio--económico e cultural equilibrado e harmonioso.

Três ideias força dominaram a sua vida:I - Um acrisolado amor a Castelo Branco e à suaregião. Por ele se fixou

nesta cidade, apesar de vários

convites para cargos superiores da Administração, e

EVOCAÇÃODO DOUTOR JOSÉ LOPES DIAS

Fernando Dias de Carvalho *

* Chefe de Serviço Hospitalar de Pediatria.Investigador de temas médicos

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colaboração com a Junta Distrital de que foi membro,o Dispensário de Puericultura Dr. Alfredo Mota, comas suas delegações rurais que englobava o Lactário,a Puericultura, a Pediatria Social, a Creche e asColónias Marítimas para crianças na Praia da Nazaré.Como Delegado de Saúde soube travar uma grandeluta com os então responsáveis pelo Ministério daSaúde, para conseguir a profilaxia da endemia dobócio existente nos concelhos da área do pinhal.

Mas um espírito profundo e desejoso de servir comcompetência e profissionalismo, sempredesinteressadamente, sabia que para além das obrascriadas era indispensável transmitir conhecimentose por isso escreveu:

Da Higiene da Primeira Infância; TuberculosePulmonar no Distrito de Castelo Branco; Pelostuberculosos de Castelo Branco; Um Serviço Socialde Puericultura; Em redor do Serviço Social; Brevesconsiderações sobre a Tuberculose em SanidadeEscolar; As criancinhas portuguesas na política daAssistência; La protection de Fenfant à Ia campagne;Misericórdias e Hospitais da Beira Baixa;Apontamentos de Higiene das Escolas Primárias;Relatórios do Dispensário de Puericultura Dr. AlfredoMota; Amato Lusitano - dr. João Rodrigues da CasteloBranco; Elementos da História da Protecção aosEstudantes na Idade Média e no séc.XVI; A Confrariada Caridade dos Estudantes; O Primeiro MédicoEscolar; Terapêutica de Amato Lusitano; CantigasPopulares da Beira Baixa, lidas e ouvidas por ummédico; Organização e Técnica da Assistência Ru-ral; Lições de Serviço Social; As Albergarias Antigasda Beira Baixa; Medicina da “Suma Orientar de ToméPires; Hidrologia Médica do Distrito de CasteloBranco; Ensaio de Combate à Mortalidade Infantil emCastelo Branco; Ensaio do Dr. L G. Leibowitz sobreAmato Lusitano; Duas Cartas de Ricardo Jorge aMenendez y Pelayo sobre ‘La Celestina”; Epidemiade Salmonelose Typhimurium; Abreugrafia dm SaúdePública, de colaboração com o Dr. Manuel LopesLouro; Estudantes da Universidade de Coimbranaturais de Castelo Branco; Enfermagem, Saúde,Assistência Rural; Um Médico Esquecido: o Dr. JoséAntónio Mourão, Fundador da Biblioteca Municipal

de Castelo Branco; Homenagem ao Dr. JoãoRodrigues de Castelo Branco; Manuel JoaquimHenriques de Paiva, Médico e Poligrafo luso--brasileiro; Tavares Proença Júníor, Fundador doMuseu Regional de Castelo Branco; Doisdocumentos inéditos sobre o poeta João Roiz deCastelo Branco; Um centenário esquecido - oconselheiro Jacinto Cândido; A Misericórdia deCastelo Branco - apontamentos históricos; DuasCartas Inéditas do Dr. José Henriques Ferreira,Comissário do FIsíco-Mor e Médico do Vice-Rei doBrasil, a Ribeiro Sanches; e em colaboração com oDr. Firmino Crespo a tradução das Sete Centúriasde Curas Médicas do Dr. João Rodrigues de CasteloBranco (Amato Lusitano); e ainda o Relatório sobreSaúde Pública e Segurança Social em França,Inglaterra e Espanha feito como bolseiro do Institutode Alta Cultura.

III- Como escritor e historiador fica o testemunhodas obras citadas, sem termos esgotado a suamenção.

O espírito insatisfeito que o caracterizava, levou-oa cultivar muitos ramos do saber, mantendosimultaneamente a maior distinção e dignidade emtodas as suas actividades. As obras falam por si. Asua preparação dá-nos bem a dimensão do homemque foi o Dr. José Lopes Dias nos omnímodosaspectos da vida.

Melhorar as condições sanitárias, ensinar edesenvolver foram as opções de vida deste nossoilustre conterrâneo.

Senhoras e Senhores:Apresentei-vos sucinta e pobremente um dos

grandes do nosso distrito, que bastante por eletrabalhou e o amou. O Homem que soube sermédico, historiador e escritor e soube ainda unir,numa visão humanista, um ideal de vida, decivilização e de cultura, baseado no princípio de queo verdadeiro desenvolvimento tem por centro oHomem. Foi esta a sua vivência no dia a dia. É estaa grande lição que o Dr. José Lopes Dias nos legou.

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ASSISTÊNCIA AOS DOENTES, EM CASTELO BRANCO E SEU TERMO,ENTRE OS COMEÇOS DOS SÉCULOS XVII E XIX.

Manuel da Silva Castelo Branco*

O presente estudo constitui o prosseguimento deum outro, elaborado para as I Jornadas de Históriada Medicina na Beira Interior (1989), onde tratei dotema em epígrafe até princípios de seiscentos.

Neste trabalho segui as linhas gerais estabelecidasentão para o primeiro, procurando apresentarigualmente por forma sumária as diversas matérias,resultantes de uma investigação aliciante mascomplexa e morosa...

I PARTE(1)

No largo período a que nos vamos reportar,continuam a funcionar em Castelo Branco e no seutermo - Alcains, Benquerenças, Cafede, Cebolais,Escalos de Cima e de Baixo, Juncal, Lentiscais,Lousa, Malpica, Mata, Maxiais, Monforte, Palvarinho,Retaxo e Salgueiro - algumas das instituições járeferidas anteriormente e, embora surjam outrasiniciativas, torna-se notório o desenvolvimento dasMisericórdias no decurso destes 200 anos...

I - INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA EMCASTELO BRANCO E NO SEU TERMO.

I.1-A MISERICÓRDIA VELHADE CASTELO BRANCO

Instalada desde o inicio na zona compreendida en-tre as ruas d’Ega e dos Oleiros, onde se erigiu a igrejade Santa Isabel e limitada, a Poente, pela artéria quetomou o seu nome, a confraria da Misericórdiaaibicastrense vai tornar-se o principal centro deassistência aos doentes da região que encabeça,desdobrando-se em múltiplas actividades...

* Engenheiro civil. Professor do Ensino Secundário

Para isso contribuíram, essencialmente, aprotecção régia e municipal, a acção meritóriadesenvolvida pelos componentes das sucessivasMesas e do serviço hospitalar, bem como o relevanteauxílio de beneméritos, alguns dos quais lhe legaramtodos os bens. Entre eles, destacamos o venerávelPadre Bartolomeu da Costa e o Prior Manuel deVasconcelos...

Pelo tombo de 1671, temos conhecimento de quea Misericórdia abrangia então duas enfermarias (umapara cada sexo), além da igreja e de outroscompartimentos (sacristia, cartório, cozinha, pátio,etc.); ali existia também, desde o 1° quartel do sécXVII, a casa dos passageiros ou hospital dosperegrinos...

No entanto, o aumento progressivo do movimentohospitalar tornou as suas instalações cada vez maisprecárias e acanhadas. Dei, a necessidade de seefectuarem diversas obras de beneficiação, iniciadasem 1620 mas ainda por concluir no ano de 1740...

Por provisão régia de 30.07.1802, a Misericórdiaobteve a licença indispensável para abrir botica porconta própria, a fim de servir não só os pobres doHospital como também o público que dela sequisesse abastecer e sendo instalada nos baixos domesmo, dando para a Rua dos Oleiros. José InácioRobalo, o seu primeiro farmacêutico, tinha oordenado de 11400 réis por ano e 48 alqueires decenteio.

Com a extinção das ordens religiosas, aMisericórdia passou para o convento de NossaSenhora da Graça, em 1835(2).

I.2 - O HOSPITAL DOS CONVALESCENTES

Com o objectivo de receber os convalescentes deambos os sexos, provenientes do hospital daMisericórdia, foi instalado pelo Padre Dr. Bartolomeuda Costa nas casas de residência, que possuía narua d’Ega, ali se conservando depois da sua morteem Lisboa, a 27-3-1608. Para o efeito este grandebenemérito deixou todos os haveres à Misericórdiade Castelo Branco, por testamento lavrado naquela

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cidade, a 30-4-1605. Os seus bens constavam deduas casas, 2 vinhas, 6 olivais, 92 terras de culturae um padrão de juro com o rendimento anual de240000 réis.

O Padre Bartolomeu da Costa, que nasceu emCastelo Branco a 24.08.1553, doutorou-se emTeologia na Universidade de Coimbra e foi tesoureiro--mor e cónego da Sé de Lisboa. Pelas suas virtudese extraordinária acção caritativa, a Igreja concedeu--lhe o título de Venerável e o Povo apelidou-o deTesoureiro Santo.

Daí, a designação por que ficou também conhecidoo Hospital dos Convalescentes, anexo ao daMisericórdia, sob cuja administração sofreuigualmente diversas obras de restauro(3)...

I.3- O HOSPITAL DAS MULHERES

Com este nome aparece registado no novo “Tombodas capelas da igreja de S. Miguel, matriz de CasteloBranco”(4),a propósito do falecimento, em 10.03.1764,de Frei Martinho Gomes Aires, vigário do Colegiadode Santa Maria e morador na freguesia de S. Miguel,“nas suas casas próprias que foram dos Samúdíos,na rua d’Ega, defronte do Hospital das Mulheres”...

Nada mais apurei sobre este hospital que,presumo, pertenceria também à Misericórdia,achando-se próximo dela, na Rua d’Ega, talvez como propósito de substituir temporariamente qualquerdos outros, em obras de beneficiação. Podemosainda supor, tratar-se do próprio Hospital dosConvalescentes, situado naquela artéria e assimdesignado por engano ou por outra razão...

I.4 - A ENFERMARIA PARA PASSAGEIROS, NAERMIDA DO ESPÍRITO SANTO

Como já vimos, consistia numa casa anexa àcapela-mor da ermida, com a qual comunicava pormeio de uma porta sita do lado do Evangelho emedindo 12 palmos de alto e 9 de largo. A enfermariatinha 35 palmos de comprido, 23 de largo e 15 dealto, sendo de telha-vã.

Ainda existia em 1706 (mas já sem serventia hábastantes anos) quando o Dr. Francisco Xavier daSerra Craesbeek, juiz de fora da vila, procedeu àexecução do “Tombo, medição e demarcação de todaa fazenda, propriedade e foros da comenda de SantaMaria do Castelo da notável vila de Castelo Branco”(5),de que era comendador o Infante D. Francisco.

I.6-A BOTICA DO PAÇO DO BISPO

Após a construção do seu paço, no extremo Norteda Corredoura, em 1596-98, os Prelados da Guarda(a cuja diocese pertencia a vila de Castelo Branco)ali passaram a residir com frequência, não só porvirtude das costumadas visitas pastorais mastambém para fugir aos rigorosos Invernos da sededo bispado. A eles se deve a primeira fase devalorização daquele edifício, quer no arranjo de váriosanexos, quer no enriquecimento do seu recheio(móveis, livros, vestimentas, quadros, utensílios decozinha, etc,etc.).

Em 1771, D. José I desmembra da vasta dioceseda Guarda o novo bispado de Castelo Branco e elevaesta vila a cidade. Assim surge a segunda fase nodesenvolvimento do Paço Episcopal, com a suaampliação e embelezamento, tornando-se semdúvida o edifício de maior envergadura da região.

Entre a ilustre série dos prelados da Guarda,destaca-se a figura de D. João de Mendonça (1711--1736), o fundador do famoso Jardim do Paço,distinto numismata e bibliófilo, ao qual se devetambém o estabelecimento de uma preciosa botica.

Para cuidar dela contratou o boticário JoãoRodrigues Curado, ao qual legaria (por sua morte) aquantia de 40.000 réis(7).

Ora a botica, bem fornecida e qualificada, erautilizada não só nos serviços internos, mas posta comtoda a liberalidade à disposição dos necessitados. Eesse costume manteve-se enquanto ela existiu...

I.5 - A CAPELA, ALBERGARIA É HOSPITAL DESANTA EULÁLIA

Situava-se na Rua dos Ferreiros, entre a porta daVila e Postiguinho dos Valadares, do lado direito de

quem ia para a Corredoura, convento da Graça ePaço do Bispo.

A capela tinha toda a frontaria em pedra de cantarialavrada e um campanário com o seu sino; a portada,virada ao Poente, dava para a rua pública; no altaroposto à entrada principal, estava o retábulo e nele,um crucifixo de marfim e as imagens de NossaSenhora da Conceição e de Santa Eulália. Aos ladosdo altar abriam-se duas portas: a da esquerda paraa sacristia e, a da direita, para a albergaria ehospedagem dos passageiros. Esta última sala, com4 varas e 3 quartas de comprimento e 3,5 de largura,tinha mais duas portas e nela havia uma chaminé equatro camas para os viandantes pobres eperegrinos, que ali se poderiam recolher e agasalhardurante três dias...

Assim vai descrita esta casa, embora maisdetalhadamente, a 26.02.1770 no “Tombo doMorgado de Santa Eulália”(6), efectuado então sobrea direcção do Dr. José Inácio de Mendonça,corregedor e ouvidor da Comarca de Castelo Branco,cavaleiro da Ordem de Cristo e do desembargo deSua Majestade...

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I.7- O RECOLHIMENTO DAS CONVERTIDAS OUCONSERVATÓRIO DE SANTA MARIA MADALENA

Mandado construir, em 1715 na Rua do Cavaleiro,pelo Bispo D. João de Mendonça (que encomendarao respectivo projecto ao cap. Eng° Valentim da CostaCastelo Branco), seria concluído mais tarde no tempodo seu sucessor D. Bernardo António de Melo Osório(1742-1771). A inauguração oficial deu-se a14.02.1753, com uma procissão solene tendo à frenteo prelado, mas só a 25 de Março começaria afuncionar, ao entrar a primeira regente, a porteira etrês recolhidas.

Inicialmente, o Conservatório destinava-se arecolher “mulheres que por seu desamparo estavamem risco de ruína conservando-se em liberdade eaonde ao mesmo tempo se empregassem no culto elouvor a Deus”. Em 1769, admitiam-se 3 categoriasde recolhidas: gratuitas “escolhidas entre as maispobres do bispado e que prometessem maiorprogresso em virtude”, que recebiam diariamente 40réis; porcionistas, que pagavam anualmente 30.000réis; e seculares, as que entravam “sem ânimo depermanência”.

Nos estatutos especificavam-se, entre outros, osordenados ao médico da casa (6.000 réis) e aosangrador (3.000 réis).

O último bispo de Castelo Branco, D. Joaquim Joséde Miranda Coutinho, conseguiu transformar umpouco os hábitos das recolhidas, criando nele umaescola do sexo feminino, por elas regido e com o fimde lhes ocupar o tempo. Porém, após o seufalecimento, tudo voltou ao antigo e o Recolhimentoentrou em franca decadência... No seu edifício seriainstalado o Asilo Distrital da Infância Desvalida(1867)(8).

I.8- O SERVIÇO DE SAÚDE MILITAR

Dizem os historiadores militares que foi a partir daGuerra da Restauração que o nosso exércitocomeçou a ter uma organização regular e surgiramnele os chamados físicos e cirurgiões-mores eajudantes de cirurgião...

Em Castelo Branco, enquanto não existiramaquartelamentos próprios, as tropas que por alipassaram aboletavam-se, geralmente, no castelo,casas religiosas e mesmo particulares...

Depois que o castelo se arruinou, constituiu-se paratal efeito um barracão na Devesa, ao fundo dacalçada de S. Gregório. Este barracão foi incendiadopelas tropas do general Loison, na noite de22.11.1807, mas Beresford mandou-o reconstruir em1313. Posteriormente, sofreu diversas alterações esó depois de 1844 se procedeu à edificação de um

novo quartel, concluído em 1860 com o auxílio dapopulação(9)...

Durante muito tempo, os militares feridos nasacções que tiveram lugar em Castelo Branco ouproximidades eram tratados no hospital da suaMisericórdia.

Com efeito, em 1814, quando da vinda de Françapara Castelo Branco do R.C.11, não havia nestacidade hospital militar, pelo que os seus doentesdeviam baixar ao da Misericórdia(10). Aliás, estasituação irá manter-se por mais tempo, como provaum oficio de 13.02.1839, enviado ao Provedor daMisericórdia pelo fiscal da 6ª Divisão Militar,remetendo-lhe duas listas com a despesa feita nohospital por praças do Batalhão de Infantaria n°13,durante os meses de Novembro e Dezembro de1838.

No entanto, a partir de finais do séc. XVIII e com asucessiva estadia de diversas forças militares nacidade, aparecem-nos também referências aoschamados Hospital Regimental e Hospital Militar...Vejamos alguns exemplos extraídos dos registosparoquiais:

- Manuel Antunes Gramacho, soldado granadeirodo Regimento de Penamacor, da Companhia doFróis, faleceu no hospital desta vila a 07.09.1762 ejaz sepultado no adro da igreja de S. Miguel(11);

- David Horsecraff, soldado do Regimento 32 del-Rei da Grã-Bretanha faleceu com o sacramento daextrema unção, por mostrar ser católico romano nohospital desta cidade, a 15.11.1808 e jaz no adro deS. Miguel(12);

- Lázaro José Vale, enfermeiro do Hospital Militardesta cidade, faleceu a 04.04.1810 e jaz na Igreja deS. Miguel(13);

- Lourenço de Melo, soldado do Batalhão deCaçadores n°2, faleceu com todos os sacramentose sem testamento, no Hospital Militar desta cidade, a31.01.1820, e jaz no cemitério(14);

- António Lopes, soldado de cavalaria do Regimenton°11, filho de Manuel Lopes, de Alpedrinha, faleceuno Hospital Regimental com todos os sacramentos esem testamento, a 26.05.1820, e jaz no cemitério(15).

Por decreto do Conselho de Guerra, datado de30.09.1666, vemos pela 1 ª vez um cirurgião, Manuelda Silva Serrão, ser nomeado para o partido militarde Castelo Branco, onde ia substituir João Pinto deOliveira(16). Efectivamente, ali serviu durante as lutasda Restauração, mas junto à fronteira, na praça dePenamacor...

De 1797 a 1799 achamos notícia doacantonamento nesta cidade do Regimento deInfantaria de Penamacor, ao qual foi aforada umavasta área de terreno, compreendida entre a Devesa(perto da Sé Catedral), a Fonte Nova e o conventode Santo António. Por essa época, a Câmara Mu-nicipal despacha os requerimentos do Dr. Inácio

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Gonçalves Forte, 1° médico inspector do exército daBeira, e do físico-mor da tropa estacionada na cidade,informando-os dos salários que se costumavampagara vários oficiais mecânicos, trabalhadores,lavadeiras, etc. Por sua vez, Manuel da Cunha,cirurgião-mor daquele Regimento, solicita o partidode cirurgia à Câmara Municipal de Castelo Brancoque, na sua sessão de 01.02.1798, acolhefavoravelmente a petição e acordou em lhe atribuir aquantia de 144.000 réis por ano, tendo em conta acapacidade e zelo já demonstrado pelo requerentena prática da sua profissão(17). O mesmo, sendodistinguido por Sua Majestade com o hábito daOrdem de Santiago, pede dispensa das provançase habilitações costumadas, solicitando também osdespachos necessários para poder receber o hábitoe professar na Sé Catedral; e tudo lhe concedempor decreto de 16.12.1798(18) . Em 1797 e de acordocom os registos municipais, Francisco José Magro,natural de Castelo Branco, acha-se continuamente“ocupado na manufactura e preparação dos remédiospara o Hospital Militar, como boticário do mesmo”.Portal motivo, recusou o cargo de depositário dasmunições de guerra existentes na casa do castelo,para o qual fora nomeado, a 27.05.1797, pelomarechal de campo João da Silveira Pinto,Governador das Armas da província da Beira(19)...

Por carta patente de 08.11.1800, o príncipe D. Joãonomeia João Lopes da Gama, ajudante de cirurgiãono Regimento de Cavalaria de Castelo Branco, paracirurgião-mor do Regimento de Infantaria deMoçambique(20)...

I.9 - O HOSPITAL DO BISPO EM ALCAINS

Funcionou a partir de 1725, numa casa situadaperto da capela de S. Brás (então dita da Senhorada Piedade e, depois, do Senhor das Chagas), narua cuja extremidade Norte vai confluir com a do Prof.Simões Carrega. Por tal motivo, essa artéria passoua ser designada pela “Rua do Hospital”, nome queainda mantém, não obstante a instituição houvessesido de pouca duração...

Deve-se a sua fundação às disposiçõestestamentárias com que faleceu, em 1719, um dosilustres filhos de Alcains, D. Manuel Sanches Goulão,bispo de Meliapor, pois deixou metade dos seushaveres destinados a obras pias e, em especial, como fim de amparar os doentes e pobres sem meiospara se curarem(21)...

I.11- A MISERICÓRDIA DE MONFORTE DA BEIRA

Como já referi na 1ª parte deste trabalho, temosnotícia da sua existência nos finais de Quinhentos.

Os três registos paroquiais, que apresentamosseguidamente, evocam-nos a Casa da Misericórdiade Monforte, com a sua igreja, hospital e respectivaIrmandade, no decurso dos séculos XVII e XVIII.

1° - Aos três dias do mês de Junho da era de 1662anos, em a Casa do Hospital da Misericórdia destelugar de Monforte, faleceu da vida presente umhomem, o qual disse que se chamava António João.Era viúvo, natural do lugar da Fatela, deste bispado,homem trabalhador que andava segando; era homemalto, bem disposto, moreno, tinha cabelo preto corridocom algumas cans; seria da idade de 50 anos poucomais ou menos. Está enterrado dentro da igreja daMisericórdia e, por ser verdade, fiz este assento eassinei, dia, mês e era tal supra. (Ass.) Padre ManuelMartins Calaça(23).

2° - Manuel Nunes, homem vagabundo que disseser natural da Venda do Sepo ou do Souto, termo deTrancoso, e disse ser casado com Maria Dias, jádefunta; e parecia ser da idade de 60 para 70 anospouco mais ou menos, já todo branco do cabelo ecalvo na moleira; e disse ter-se ausentado da suaterra pelo S. Francisco (que brevemente faria umano), faleceu da vida presente neste lugar, em o Hos-pital da Casa da Misericórdia e, foi sepultado em o

I.10- O HOSPITAL E MISERICÓRDIA DO SENHORDO LÍRIO, EM ALCAINS

Desde tempos recuados que os habitantes deAlcains veneravam o Santo Cristo do Lírio, cuja

imagem, esculpida artisticamente, acabaram porcolocar no Largo do Espírito Santo, em cima de umacoluna cilíndrica de granito, com cerca de 4 metrosde altura.

Ali acorriam milhares de peregrinos, vindos detodos os pontos do país e mesmo de Castela, naesperança de alcançarem pela sua devoção esacrifício a cura dos males que a afligiam.

A festa principal realizava-se uma vez por ano, emSetembro, e as ofertas choviam de tal modo que aIrmandade resolveu aplicar os fundos acumuladosna fundação de uma igreja ao Santo e com o seuhospital e Misericórdia.

D. João V deu a indispensável autorização, porcarta de 06.09.1742. Assim, no ano seguinte,ergueram um prédio, junto ao Largo do EspíritoSanto, onde instalaram o hospital e a Misericórdia;porém, iniciada a igreja com a construção da suacapela-mor, não puderam prosseguir o respectivocorpo por dificuldades financeiras... Isso não obstoua que, entretanto, entrasse em funcionamento tantoo hospital como a Misericórdia, realizando-se os actosreligiosos na capela-mor já construída.

Infelizmente, manteve-se a falta de verbas pelo queo projecto malogrou-se passado algum tempo, sendodissolvidas as referidas instituições(22)...

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dia 22 do presente ano e mês; e não tinha sinal algum.Era homem de estatura ordinária e de cor trigueira edisse ter 4 filhos: 2 machos e duas fêmeas, uma pornome Teresa de Jesus e a outra por nome Mónica; edos machos não disse os nomes. Não teve de quetestar, ainda que mostrasse ter,béns na sua terra e,por assim dizer fiz este termo que assino. Monforte,25.08.1725. O vigário (Ass.) António DuarteCrespo(24).

3° -A 20.07.1763, faleceu Ana Maria doSacramento, maior de 25 anos, filha de JoãoFernandes Pelote e Leonor Fernandes, natural emoradora neste lugar de Monforte, e jaz sepultadaem cova de fábrica. Teve missa de presentecantada... (tinha feito testamento, a 17.03.1763, enele mencionou a Irmandade da Misericórdia, a quemdeixou uma terra na folha detrás da serra) (25).

Ora, no “Dicionário Geográfico”, organizado peloPadre Luis Cardoso, o vigário de Monforte escreve,a 20.03.1758, que o lugar possuía Misericórdia masnão hospital. Presumo que este teria então deixadode funcionar ou se limitaria a serviços de apoio aosmédicos e cirurgiões do partido de Castela. Branco,quando ali se deslocavam nas suas visitascostumadas...

NOTAS AO CAPITULO I

(1) - Por dificuldade do autor em apresentar no devidotempo todo o texto da sua comunicação, a parte restanteserá incluída no próximo número desta revista.

(2) - O estudo da Misericórdia de Castelo Branco temsido objecto da atenção de vários estudiosos. De entreeles destacamos o Dr. Hermano de Castro e Silva, cujaobra “A Misericórdia de Castelo Branco (ApontamentosHistóricos)”, publicada no ano de 1891, saiu em 2ª edição,de 1958, ampliada com o prefácio, notas e 2ª Parte do Dr.José Lopes Dias. Para ela remetemos o leitor interessado,pois nos limitamos aqui a uma brevíssima síntese sobrea vida desta notável instituição...

(3) - Idem, nota 2; José Lopes Dias e Francisco de Morais,“Estudantes da Universidade de Coimbra, naturais deCastelo Branco”, Vila Nova de Famalicão, 1955, pp. 63 a70; António Carvalho de Parada, “Diálogos sobre a vida emorte do muito religioso sacerdote Bartholomeu da Costa,thesoureiro-mor da Sé de Lisboa”, Lisboa, 1611.

(4) - Este Tombo foi publicado pelo Dr. José Lopes Dias,sob o título de “Velhos Documentos” no Semanário

“Reconquista” de 19.05.1957.(5) ANTT. -”Tombos das Comendas da Ordem de Cristo”,

cód. 145, f1.36.(6) - Biblioteca Municipal de Castelo Branco, cód. n° 3029(7) - Idem, cód. 2735.(8) - Ulisses Vaz Pardal, “Cem anos ao serviço da Infância

- O Asilo Distrital de Castelo Branco”, ed. “Jornal doFundão”, 1969. O leitor interessado poderá encontrardiversas notícias sobre este Recolhimento em qualquerdas “Monografias” de Castelo Branco.

(9) - Manuel Tavares dos Santos, “Castelo Branco naHistória e na Arte”, Porto, 1958, pp. 115 a 158; AntónioRoxo, “Monografia de Castelo Branco”, Elvas, 1890, pp.73 a 75; Joaquim Augusto Porfírio da Silva, “MemorialChronológico e descriptivo de Castello Branco”, Lisboa,1853, pp. 98 a 101.

(10)- Vasco da Costa Salema, “Subsídios para umamonografia do Regimento de Cavalaria n°8”, (in “E.C.8.”,de n°7 - 1961163 e, em separata de 1968).

(11)-ANTT - “Registos Paroquiais da igreja de S. Miguel,em Castelo Branco”, liv. 2-Óbitos, fl. 37v. .

(12)- Ibid., liv. 5-Óbitos, fl. 40v. .(13)- Ibid., liv. 5-Óbitos, fl. 54.(14)- Ibid., liv. 5-Óbitos, fl. 94.(15)- Ibid., liv. 5-Óbitos, fl. 94v. .(16)- Id., “Decretos do extinto Conselho de Guerra”, maço

25, n°31.(17)- “Livro de Actas” da C.M.C.B.(1 8)- ANTT., “Processo de habilitação para a Ordem de

Santiago”, maço 3, n°21.(19)- “Livro de Actas” da C.M.C.B. . Em seu lugar, na

sessão de 01.07.1797, a Câmara nomeou o boticárioManuel Gomes Aires; este, porém, escusou--se também,acabando por ficar com o cargo Vicente ferreira de Araújo.

(20)- ANTT. -”Chancelaria de D. Maria I”, liv. 64, f1. 245.(21)- José Sanches Roque, “Alcains e a sua história”,

Castelo Branco, 1970, pp. 84, 86 a 89.(22)- Idem, pp. 89 a 91.(23) - ANTT. - “Registos Paroquiais de Nossa Senhora

da Ajuda, em Monforte da Beira”, liv. 4-Mistos, fl. 77v. .(24)- Ibid., liv. 4-Mistos, fl. 276v.1277.(25)-Ibid., liv. 4-Mistos, fl. 216

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DOIS HOMENS, DOIS TEMPOS- UM OBJECTIVO COMUM

Amélia Ricon-Ferraz *

Em meados do século XVII, dois terços dasuperfície terrestre tinham sido explorados. Asintensas relações comerciais geradas determinaramexigências de informação. No âmbito da actividadecientífica criaram-se os primeiros periódicos e asprimeiras sociedades eruditas. Assiste-se a umprogresso teórico e prático em temas nãonecessariamente médicos. Assim, graças à aquisiçãode plantas exóticas, à criação de jardins botânicos, àdescoberta da célula vegetal por Robert Hocke(1667), aos fundamentos da teoria dos tecidos porMalpighi e Grew, a Botânica científica lançou sólidosalicerces. A Galileu, Santoro Santorio, Drebbel,Torricelli, Gilbert, Newton e Kepler se ficou a dever aformulação de leis físicas, como as doutrinas sobrea electricidade, a óptica ocular, a dispersão da luz, ateoria do som e a invenção de aparelhos tambémcom aplicação em Medicina - os precurssores dosmodernos termómetros e microscópios, o barómetro,a bomba pneumática, entre outros. Neste século, aQuímica entrou em simbiose com a Medicina, tendocontudo adquirido autonomia no fim do mesmo,mercê dos contributos de Boyle, Descartes, Locke,Leibnitz e Bacon de Verulam, o fundador do métodoindutivo, peça motriz do desenvolvimento das ciênciasexperimentais. A Medicina mostrou íntimas relaçõescom o espírito da época, pelo recurso à indução epela concepção física e ou química da vida e dadoença, bem como pela exacta aplicação dosinstrumentos inventados. Alargaram-se osconhecimentos anatómicos e fisiológicos.Desmoronaram-se as antigas concepções humorais.De forma eclética, Tomás Sydenham eliminara adicotomia existente ao despertar para o hipocratismoadaptado aos progressos positivos da época.

Em Portugal, este século não se afirmou nasCiências em geral, e na Medicina, com factos demonta como o século precedente. A Cirurgia, nasfiguras de António da Cruz e António Ferreira, pelaoriginalidade e saber da sua prática e das suas obras,conquistou uma posição de destaque. Contudo, aAnatomia, a Fisiologia e a Patologia perseveravamnos erros galénicos. É exclusivamente no fim doséculo que uma receptividade às modernas doutrinasiatrofísicas e iatroquímicas se fez sentir. O atraso

científico obtido, teve por base uma multiplicidadede factores: a instauração da Inquisição, ascondições do exercício médico, os abusos dafisicatura-mor do reino, o domínio espanhol e ainfluência dos jesuítas. Contudo, trabalhos de valorse geraram visando preservar a saúde, tendo ematenção as exigências momentâneas. O contactodo Velho com o Novo Mundo despoletara a eclosãode quadros mórbidos nunca vistos, com ponto de

* Director do Serviço de História da Medicina“Maximiano Lemos” da Faculdade de Medicina do Porto

partida no outro lado de Oceano, ou a exacerbaçãoda enfermidade não nova, mas esquecida notempo, fosse pela atenuação da suasintomatologia, fosse pela diversidade da suaapresentação. O “Tratado único das bexigas esarampo” de Simão Pinheiro Mourão e o “Methodode conhecer e curar o morbo gallico” de DuarteMadeira Arraes são testemunho do factoapresentado.

Simão Pinheiro Mourão dedica o “tratado” a D.João de Sousa, “fidalgo cavaleiro de S.A. ... nacapitania de Pernambuco”. O escrito faculta todoum saber de forma a permitir “colher algum fruto,ou em que pudessem os Médicos doutos pôr osolhos” para obviar “as queixas, que em eccos

Figura 1

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formão os Arrecifes de Pernambuco contra os abusosmédicos”, que naquelas capitanias se observavam.O bem-estar geral, os erros cometidos no tratamentodestas duas enfermidades do Sarampo e Bexigas ea nefasta influência do cruel cometa “com que Deuseste anno nos ameaça”, estimularam o autor para ocumprimento do intento de D. João de Sousa.

Para Madeira Arraes foram as inúmeras dúvidasteóricas e práticas relativas ao diagnóstico e cura doMorbo Gallico, os agentes determinantes daestruturação da mesma. É nas notas introdutóriasdedicadas ao Leitor que Madeira justifica a linguagemescolhida: “E porque muytos destes affectos sãopertencentes à Cyrurgía, e por esta causa anda estaenfermidade mais em mãos de Cyrurgiões, muitosdos quais não são latinos e cõ o não serem tem muytalição de livros Chyrurgicos em língua vulgar, e muytobom entendimento, juízo, e destreza nas cousas daarte, me pareceo necessário fazer esta obra emlinguagem, para que fosse de utilidade a todos. Alémde que ha muytos lugares onde não ha médicos, nemcyrurgióes, especialmente nas partes transmaritimas,e por esta causa he forçado intrometerem-se outraspessoas a curar, ou cada hum tratar do seu achaque,a este respeito (calando outras comodidades) he demaior fructo à Republica escrever este livro na línguanatural”.

Figura 2 - Antigas placas destinadas à vacinação anti-variólica. Pertença do Museu de História da Medicina“Maximiano Lemos”

Simão Pinheiro Morão nasceu na vila da Covilhãem 1620 segundo F.C. Figanière e Innocencio. Tendopor pais, o advogado Henrique Morão Pinheiro, deNiza, e Marqueza Mendes de Lucena, do Fundão.Em Coimbra iniciou os seus estudos médicos e emSalamanca obteve o grau de Doutor. Cedo partiu parao Brasil, fixando-se em Pernambuco, local onde veioa falecer em 1686. Foi pai de Henrique MorãoPinheiro, médico de câmara d’el-rei D. João V ecirurgião-mor do reino. Sob o anagrama de RomãoMosia Reinhipo publica o tratado, escrito emPernambuco, mas saído do prelo em Lisboa no anode 1683, nas oficinas de João Galrão (Fig. 1).

António Ferreira, censor da obra, disse tratar--se nela da essência, causas, sinais, prognósticos ecura das ditas enfermidades, com grande erudição,e tinha-a por muito digna e capaz de sair à luz porser de muita utilidade, principalmente para osmoradores do Brasil. Innocencio fornece-nos ainda,a opinião dos redactores da Gazeta Médica sobre omérito da obra no momento da reimpressão do“tratado”, inserta no citado periódico dos nos 15 a 23de 1859: “Quanto à doutrina médica d’este opúsculo,se de outro modo não interessar, hade-o fazer semprecomo objecto histórico, e meio de comparar osprincípios e prática d’essa epocha com os queactualmente nos regulam”.

O Sarampo, introduzido na Europa pelossarracenos no século VII, foi confundido duranteséculos com outras erupções febris. A Sydenham -Patrono da Epidemiologia - coube a suaindividualização como febre eruptiva e contagiosa.Só no século XIXTrousseau, Rilliet, Barthey, Cadetde Gassicourt a reconheceram como entidademórbida em relação a outros eritemas mobiliformes.O estudo experimental da doença e a suatransmissão precederam em muito o isolamento domyxovirus do Sarampo, este da responsabilidade deJ.F. Enders e T.C. Peebles em 1945. O uso do sorode convalescentes a partir de 1918 por C. Nicolle eDebré e, quarenta anos mais tarde, a difusão davacina vieram minimizar a morbilidade e amortalidade da afecção, particularmente empopulações desprovidas de imunidade específica.

A Varíola sofreu um percurso praticamentesobreponível, no que se refere à sua identificação.Nesta, mais que a sintomatologia despertada, erapreocupante o prognóstico. A variolização, métodoprofiláctico baseado na inoculação do próprio vírusvariólico, conhecida no Oriente desde há séculos,foi introduzida em Inglaterra por Lady Montagne,esposado embaixador inglês de Constantinopla, em1721, e daí obteve pronta aceitação nos diversospaíses. Em 1796 Jenner cria a vacina peloestabelecimento de uma imunidade cruzada entre ovírus da varíola e o da doença benigna da vaca (cow-pox), pela inoculação do conteúdo de uma pústula

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desta afecção. O processo efectuava-se de braço abraço aguardando peles avanços multidisciplinaresque tornassem exequível e prático o seu uso em largaescala e para longas distâncias.

Anteriormente à monografia de Pinheiro Morão,escritores portugueses deram o seu contributoparcelar na apresentação do Sarampo. A título deexemplo, refira-se o “De febrium curatione” (1636)de André António de Castro e a “Correcção dosabusos introduzidos contra o verdadeiro methodo deMedicina” (1688) de Fr. Manuel Teixeira de Azevedo.Mais tarde, I. F.D.S., autor da “Carta crítica sobre omethodo curativo dos médicos Funchalenses” (1761)e Luis António d’Oliveira Mendes no “Discursoacadémico ao programa: Determinar em todos osseus syntomas as doenças agudas e crónicas quemais frequentemente acometem os pretos recémchegados de África, examinando as causas da suamortandade depois da sua chegada ao Brasil” (1812),prosseguem nessa abordagem mas sempre emparalelo com outras enfermidades.

Quanto à Varíola, esta foi objecto de algumasreflexões em trabalhos como as Centúrias de AmatoLusitano, o “De Medicorum principium historiae”(1657) de Zacuto Lusitano, o “Ramalhete de dúvidas”(1759) de Alexandre da Cunha, e os escritos deRibeiro Sanches, entre outros. Coube a Jacob deCastro Sarmento a divulgação da variolização emPortugal, facto que desencadeou severas discussõesentre os partidários e os adversários do método -por exemplo e respectivamente Manuel Moraes

Soares, tradutor de “La Condamine”, e Duarte RebeloSaldanha - bem como, serviu de incentivo para aelaboração de trabalhos sobre inoculação dasbexigas.

Comprovam este facto, as obras de ThomeyDimsdade “Methodo actual de inocular as bexigas”(1793) e as “Reflexões sobre a inoculação dasBexigas” (1797) de Eusébio António Rodrigues. O“Resultado das observações feitas no hospital Realde inoculação das bexigas nos anos de 1796, 1797e 1798 pelos médicos do mesmo hospital, AntónioMendes Franco, e Fortunato Rafael Amado” soborientação de Francisco Tavares, constituíram oresultado da difusão da variolização em Portugal, querapidamente irá passar para um segundo plano,mercê da divulgação dos trabalhos de Jenner,momento que datamos entre nós em 1799. Seráigualmente nesta instituição que os estudos sobre avacina serão elaborados sob orientação de FranciscoTavares, Manuel Luiz Alvares de Carvalho, ManuelVieira da Silva, entre outros. Relembrem-se osestudos de Manuel Joaquim Henriques de Paivasobre “Preservativo das bexigas e dos seus terríveisestragos, ou história da origem e descobrimento davacina dos seus efeitos ou sintomas e do mhetodode fazer a vacinação” (1801) e a “Indagação sobreas causas e efeitos das bexigas de vaca, molestiadescoberta em alguns condados occidentais deInglaterra” (1803) sobre os incidentes da vaccina porJoão António Monteiro. A criação da Instituiçãovaccínica por Bernardino António Gomes vai, desde

Figura 3

Figura 4

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1812, permitir a prática da mesma, graças aocontributo de Angelica Tamagnini, em Tomar, e MariaIsabel Wanzeller, no Porto. No decurso de dez anosforam vacinados 93.663 indivíduos segundo, osresultados estatísticos apresentados por MaximianoLemos na sua “História da Medicina em Portugal -Doutrinas e Instituições”.

Muito distante cronologicamente se encontravaSimão Pinheiro Morão e a sociedade de então, dosbenefícios técnicos e científicos ulteriores. Contudo,no tempo, a obra pela sistematização apresentada,pela simplicidade de expressão e pelo pormenor dosconhecimentos técnicos e práticos adquiridos sobreesta enfermidade, num local onde esta apresentavauma avultada manifestação, justificaram e justificam

a importância e a consulta da obra no passado e nopresente. Constituída por oito capítulos, inicia atemática com a apresentação da essência e causasdo Sarampo e Bexigas: “Qual seja a causa material,ou quaes serão os humores, de que no nosso corpo,se fazem estas duas enfermidades. ...são gerais nomundo todo... era necessário terem também causageral ou universal, donde nascessem”. Defende asua origem no sangue mênstruo que da mãe passaao filho durante a gestação. As características domesmo condicionam o aparecimento de uma ou outradas afecções. O mais delgado determinaria oaparecimento de Sarampo, e o mais espesso, aVaríola. Identifica a sede das alterações na “cute comas partes carnosas e nervosas delas”. O segundocapítulo da obra descreve os sinais e sintomasanteriores e posteriores ao aparecimento das

bexigas. Na primeira situação estavam as dores decabeça, o peso nos olhos, a ofuscação da vista. Nasegunda, o sono profundo, as dores nas costas, aspalpitações no coração, a tosse, o tremor do corpo epartes, os delírios, os espasmos, as urinas alteradas,a febre e, quantas vezes, as camaras. O terceirocapítulo é dirigido para as diferenças entre estas duasenfermidades que considera essenciais ouacidentais. Agrupa as Bexigas em função dasubstância, da quantidade, da qualidade, do tempode existência e da localização. Considera cincodiferenças acidentais: as loucas, as brancas, asnegras, as pintas, as de pele de lixa e as de olho depolvo. Na secção imediata da obra tececonsiderações relativas ao prognóstico: agravamentocrescente desde as bexigas brancas às de olho depolvo. Ainda embuido nas crenças e superstições dotempo, por vezes, deixa transparecer um medo. Aoafirmar que as bexigas são prelúdio de peste, soltaum murmúrio: “Que Deus nos livre”. O aparecimentoou evolução de determinados sinais e sintomas, aidade do paciente e a raça são outros doscondicionamentos do prognóstico. O quinto capítuloinclui as advertências necessárias à cura alertandopara a influência dos astros e do clima, nas raças,nos humores e daí, na doença e seu contágio.Estabelece os quatro tempos de ocorrência dasbexigas: o principio, o aumento, o estado e adeclinação. Por intermédio de quatro intençõescurativas se preconiza a cura no sexto capitulo. Aprimeira, compreende a evacuação dos humoresfazendo uso da sangria logo que se anteveja adoença. As veias quando “inanidas” apelam para osubstracto que se encontra nas áreas vizinhas, estasdetentoras de humores vencidos pela natureza. Daíque a prática da sangria deve persistir enquanto asveias permanecerem cheias e os sinais e sintomasda doença persistirem. Contrariando Galeno,considera prioritário o uso da sangria, e só se nãopossível, admite o recurso às sanguessugas, e porúltimo, as ventosas sarjadas. À sangria dos braçospoder-se-á seguir a dos pés, contudo impõe contra-indicação à primeira, em casos de gota coral,achaques gálicos e em mulher menstruada. Quantoao número de sangrias diz que “a razão, a experiênciae o conselhos dos autores” advoga que quanto maismelhor. Homem do seu tempo, é partidário da san-gria em detrimento da purga. Exprime essa empatiacom o pensar do séc.XVll ao abordar a prática dapurga que rejeita em todos os quatro tempos daenfermidade: “e como a Medicina toda não tenhamais que dous remédios grandes, com que acode atodas infirmídades grandes do corpo humano, quesão a sangria, e a purga, e como estas das Bexigase Sarampo, sejão grandes, não só por malignas,senão por arriscado”. Aconselha o uso de clisteressuaves e brandos exclusivamente na presença de

Figura 5

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bexigas secas e na ausência de sintomas. A segundaintenção curativa pretende ajudar a natureza aeliminar as bexigas. Para o efeito, o recolhimento dodoente, o uso de fricções e o recurso aos bezoárticossão os passos a seguir. A outra intenção visa acudirà malignidade dos humores recorrendo à pedra ba-zar à água de papoila, à escorcioneira, à língua devaca do Reino. Contudo, o melhor bezoártico diz sera água de pedra de porco espinho, água de buchodo mesmo ou a água do Padre Gaspar António queneutralizam a malignidade dos humores e venenos epossui virtude sudorífica. Alude igualmente aosatributos do unicórnio. A última intenção pressupõe acorrecção dos sintomas pelo recurso às ventosassecas, às fricções e ataduras dos membros, bemcomo, à pedra bazar, água bezoártica e sangriasrepetidas. O sétimo capitulo alude a “como se acodee com que remédios preservão alguas partes donosso corpo para que não as offendão as Bexigasantes e depois de sahirem”. O último é relativo à Dieta.

Figura 6

Ainda em terras da Beira, mais concretamente emMoimenta da Beira, nasce Duarte Madeira Arraes.Após cursar medicina em Salamanca, é nomeadofísico-mor do pulso de D. João IV. Nesse tempo, comoafirmou Barbosa Machado, “não havia enfermidadeque não cedesse à efficácia dos seus medicamentos,triunfando dos achaques mais inveterados pormethodo novo, e unicamente praticado pela sua pro-funda especulação... Não somente foy insigne médicomas peritissimo cirurgião executando com fortunas,

e agilidade as mais violentas opperaçoens destaarte”. A elegante musa de Sor Violente do Ceo no“Soneto a Madeira dedicado”, chama-lhe o ApoloLusitano. Foi autor de “Novae Philisophiae, etMedicinae de occultis qualitatibus” (1650), tratadosobre as qualidades ocultas (Fig. 3). Osalexifármacos e certos alimentos teriam estemecanismo de acção. Vários foram os escritospublicados e os manuscritos deixados por Madeira(Fig. 4). A sua obra máxima foi o” Methodo deconhecer e curar o Morbo Gallico” constituído porduas partes impressas em 1642 por Lourenço deAnvers, em Lisboa (Fig. 5). Saíram estas reunidasem 1683 porAntónio Crasbeek em Lisboa (Fig. 6).Francisco da Fonseca Henriques na obra “Madeirailustrado. Methodo de conhecer e curar o morbogallico composto pelo Doutor Madeira Arraes,reformado ao sentir dos modernos” refere-se a Ma-deira e à sua obra da seguinte forma: “Foi Madeira,entre os muitos escritores do morbo gallico, hum dosque com mais clareza e com melhor methodo tratarãodele; e he este com razão o livro por onde entre osportugueses se cura geralmente este contágio: masporque na sua doutrina se achão muitas cousas queo tempo convenceo de falsas experiênciasverdadeiras, para maior excellencia desta obra, epara mais geral utilidade da gente nos pareceo tomarpor empreza a corecção destes erros, sem ofensado seu author...” (Fig. 7).

A primeira parte do livro consta de cinquentacapítulos relativos à essência, espécies, causas,sinais, prognóstico e cura do morbo gallico. Nasegunda parte, dirigida a letrados ou curiosos e combom juízo, são escolasticamente explicadas asdúvidas que possam ser levantadas pela leitura daprimeira parte. Das inúmeras designações atribuídasao morbo gallico aquelas que mereceram maioratenção e, daí a sua referência, foram a de “Malserpentiño” usada por Ruy Dias d’Ysla e “Frangueou Fringui’ de Garcia de Orta. Madeira prefere adesignação de “Morbo gallico” por ser o nome maisdifundido, embora seja adepto da origem americana.Para o autor, a afecção é uma qualidade oculta,venenosa e maligna contraída necessariamente docontágio. Considera quatro espécies da mesma,estas da primeira à quarta em íntima relação com ocrescente envolvimento do fígado: a alopécia e afebre na primeira; as pequenas máculas rasas,vermelhas ou amarelas do tamanho de lentilhas nasegunda; as manifestações anteriores associadas aampolas redondas, sem matéria, com crosta ulte-rior, na terceira; e os tumores cirrosos, fístulas,chagas, dores nocturnas, vigília e emagrecimento,na quarta, fruto da não separação da matéria mórbidado sangue e consequente deposição nas partessólidas. Os sinais da doença são sugeridos pelasimproporções da causa, afectos ou cura. Admite

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quatro modos de contágio: o hereditrio, o mediato, oimediato e pelo Ieite.O prognóstico vai depender danatureza do doente, da intenção que sendo ocultase deverá antever a partir do tempo de duração daenfermidade, do grau de atingimento do fígado e dascausas eficientes, ocasional e material. SegundoMadeira, o Morbo gallico coexiste ou determina oaparecimento de outras doenças que segundo a suanatureza assim haverá maiores ou menoresconsequências para o enfermo. Dos capítulos sétimoao décimo terceiro fala da cura do Morbo gallicoincipiente, situação em que não há envolvimento dofígado e que se caracteriza pelo aparecimento dechagas, pústulas, gonorreia purulenta, bubão e hérniagallica. Os capítulos décimo quarto, décimo quinto edécimo sexto visam a cura do Morbo gallicoconfirmado e os restantes a cura dos particularesafectos do Morbo gallico confirmado. O tratamentopressupõe o uso do guaiaco, pau santo, salsaparrilha,raiz de china e azogue, bem como de sangria e depurga.

Figura 7

Por todo o livro Madeira tece fortes elogios a RuyDias d’Ysla e fundamenta as suas afirmações emconsiderações previamente es-tabelecidas por Ysla,bem como fez uso do receituário apresentado pelomesmo. “O Tratado fructo de todos os Santos contrao mal serpentino da ilha espanhola” regista osprimeiros casos de sífilis em Portugal, por Ysla, então“cirurgião salariado” responsável pela cura dosenfermos de Mal Serpentino no Hospital Real deTodos os Santos. Outras alusões a sífilis aparecemnas “Centúrias” de Amato Lusitano - de que éexemplo a ulceração sifilítica do palato, e nos“Colóquios dos Simples e drogas e cousas medicinais

da Índia” de Garcia Horta. O introdutor da MedicinaTropical em Portugal é defensor da origem americanada afecção. António da Cruz, no “Tratado das chagas”fala do uso do mercúrio e dos banhos sudoríferos notratamento da Sífilis e João Bravo Chamiço, namonografia sobre as feridas, descreve a afecção delocalização craniana. Zacuto Lusitano fazconsiderações históricas e Monravá cria o óleohumano, remédio usado no tratamento das gomassifilíticas. Nas “Observations sur les maladiesvénériennes”, Ribeiro Sanches faz uma descriçãoclínica e anatomopatológica da afecção crónica.Jacob de Castro Sarmento no “Tratado único do usoe administração do azougue nos casos em que éproibido” e António Alvares e Silva na “Carta dirigidade hum amigo de Coimbra a outro do Porto sobre ouso interno do mercúrio sublimado, efeitos que fazno corpo e methodo de o aplicar em justo para acura de todo o género de morbo venereo”,pronunciam-se sobre o tratamento a adoptar naenfermidade. Alusões sumárias a esta enfermidadesurgirão ulteriormente nos trabalhos de FranciscoJosé Brandão - o uso das pomadas francesas -António de Almeida, Luiz António d’Oliveira Mendes- a vida e costumes dos negros de África - e ValentimSedano Bento de Melo - eficácia das Caldas daRainha nas afecções sifilíticas.

Voltando a Madeira Arraes, ele é o primeiro médicoa referir-se às termas portuguesas (1642). Indica aságuas sulfurosas como adjuvante do mercúrio ealude às águas de Lafões e Caldas da Rainha quecontinham “tanquia”, medicamento à base de ouro--pimento, provavelmente como o referiu MaximianoLemos “um sulfureto dado que o ouro pimento é umsulfureto de arsénio”.

Em conclusão: procedeu-se a um enquadramentodas obras mencionadas no saber médico estrangeiroe nacional. Estabeleceu-se, porque o contraste dosfactos mais afirma a realidade de cada um, umaanálise evolutiva desde os conceitos de génese dasenfermidades à cura, às sequelas, ou mesmo, àmorte.

Embora geograficamente afastados, SimãoPinheiro Morão e Duarte Madeira Arraes debateram--se com dificuldades sobreponíveis na luta contra asdoenças infecciosas. Fizeram-no repletos de umaexperiência temporal e intemporal, porque sempreque um homem não domina na íntegra as situaçõesque enfrenta, recorre ao que Laín Entralgo definiucomo fundo creencial da humanidade. E, de tal formacompreenderam as limitações impostas, os riscos eas necessidades imediatos, que se viram impelidosa divulgar a verdade da sua prática clinica. Fazem--no em português e como disse Madeira Arraes numadoutrina clara e distinta, evitando o mais possível todaa prolixidade.

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O HOSPITAL DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DO FUNDÃO

Clara Vaz Pinto*

INTRODUÇÃO

Em 1986 a Santa Casa da Misericórdia do Fundão solicitou ao Instituto Português do Património Cultural(IPPC) apoio técnico para a montagem de um museu.

Obtida a aprovação superior, coube-nos esse trabalho, enquanto Conservadora do Museu de FranciscoTavares Proença Júnior (Castelo Branco).

A elaboração do programa do Museu da Santa Casa implicou uma profunda investigação do respectivoArquivo Histórico. Os numerosos dados e documentos que fomos recolhendo relativos ao Hospitalpossibilitaram-nos apresentar este estudo, que mais não pretende ser que um modesto contributo para ahistória da Instituição.

Os estudos realizados sobre a Santa Casa são poucos. Em finais do séc.XIX encontramos um brevehistorial dos seus benfeitores da autoria de José Germano da Cunha(1). Já neste século Alfredo da Cunhapublicou em 1925 um pequeno folheto intitulado “A Santa Casa da Misericórdia do Fundão”. Em 1971 o Dr.Manuel Antunes Correia(2) apresentou em Coimbra á tese de licenciatura intitulada “Subsídios para a Históriada Santa Casa da Misericórdia do Fundão” cujo contributo fundamental é traçar um esboço da históriafinanceira desta instituição.

Mas todos estes autores se limitam a abordar superficialmente a história do Hospital, fazendo-lhe brevesreferências.

O Arquivo Histórico é, de facto, a grande fonte para este estudo. Está já inventariada pelo IPPC, ainda queparcialmente. Neste momento procede-se à elaboração do seu ficheiro e prepara-se o respectivo catálogo.

Para traçar a história do Hospital nos sécs. XVII e XVIII recorremos aos Livros de Actas, de Despesa eReceita, aos de Inventário e ainda, para o séc.XIX, aos Livros de Registo de Entradas e Saídas dos Doentese aos Livros de Receituários(3). Infelizmente para cada um destes items a sequência é, por diversas vezes,interrompida e, entre os vários items, não é sincrónica, o que prejudica a síntese global. Encontrámos aindadocumentos de interesse para este assunto insertos em livros alheios ao tema(4).

* Conservadora de Museus.

A IRMANDADE DA MISERICÓRDIA

É-nos desconhecida a data em que se constituiu airmandade da Misericórdia do Fundão, mas podemoscolocá-la com certa segurança no último quartel doséc.XVI.

Segundo a tradição oral a obra da irmandade,nesse tempo, limitar-se-ia ao socorro aos pobres enecessitados em suas casas e seria orientada pelosfrades do Convento de Nossa Senhora do Seixo.

Nada nos permite, pela documentação de quedispomos, confirmar ou desmentir esta tradição. Masé um facto que sempre existiu uma ligação muitoforte entre a irmandade e os frades do Convento.

A atestá-lo está o facto destes terem oferecido oaltar da igreja da Misericórdia e serem eles os únicospregadores durante a Quaresma.

O HOSPITAL

Os documentos do Arquivo Histórico relativos aoséc. XVII são bastante poucos e, como já dissemos,a sequência está truncada. Por isso a primeirareferência à existência de enfermeiros apenasaparece em 1662. Estes irmãos - cada um no mêsque lhe competia - eram responsáveis perante aMesa quer pelo socorro a prestar aos necessitadosquer pelas verbas despendidas para esse efeito.

O primeiro dado que nos permite inferir daexistência de um espaço, para os necessitados, é aaquisição de uma esteira por 200 réis.

Quanto a nós, o espaço destinado inicialmente aoHospital resumir-se-ia a uma simples divisão, talvezcom paredes de taipa e chão de terra batida.

Considerando que. a população do Fundão se

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mantém até meados do séc.XVlll em cerca de 500vizinhos(5) e que a assistência aos necessitados sefazia essencialmente nas suas casas, não haverianecessidade de grandes estruturas. Por outro lado,ainda segundo a tradição oral, a primitiva capela daMisericórdia teria sido a hoje chamada Capela de S.Miguel(6). Pensamos haver verdade nesta tradiçãoporquanto em 1756 se achava em construção a ac-tual igreja da Misericórdia(7) que só teve licença dealtar em 1745/46(8). Sendo estas construçõescontiguas, parece-nos lógico que ao lado da primeiracapela se tivesse começado a construir a nova igreja,Casa do Despacho e Hospital.

Mesmo dispondo o hospital de uma área diminuta,já deveria ter uma certa procura, pois em 1697/8dispunha de 4 enxergas (depois 6), 18 lençóis deestopa “para a cama dos doentes”, 2 cobertores depapa, 6 travesseiros, 1 almofada grande e outrapequena, 6 reposteiros, 2 bacias, 1 lâmpada e 1êmbolo de latão(9).

Só a partir de meados do primeiro quartel doséc.XVIII é que começamos a encontrar referênciasa obras no Hospital(10) sendo algumas das verbasregistadas comuns à igreja e ao Hospital(11) o que,quanto a nós, confirma a hipótese de construçãosimultânea e melhoramentos contínuos, de acordocom as possibilidades financeiras da Santa Casa.

Nesta época o âmbito do apoio oferecido pelaMisericórdia já seria mais completo, pois o Hospitaltinha dois serviços: enfermaria e hospedaria(12). Ofacto de termos colhido a informação respeitante àexistência da hospedaria num inventário de bensmóveis em que há referência a mais dependências -igreja, sacristia e enfermaria - leva-nos a pensar quea enfermaria e hospedaria seriam serviços distintos,cada um com um espaço e equipamento próprio. Aenfermaria dispunha de 8 enxergas, 24 lençóis e 13cobertores. A hospedaria de 3 colchões, 3 cobertoresamarelos, 14 travesseiros, 1 almofada, 1almofadinha, 5 toalhas de mão, 2 toalhas debretanha(13) e uma mesa de engonce (14) (15).

Em 1747, por Carta Régia de 10 de Maio(16), oFundão é elevado a vila, com magistraturas própriase demais instituições inerentes a esta condição. Odiploma régio reconhece a crescente importância doFundão no respeitante à industria têxtil. A partir destemomento a população, que andava na casa dos 500vizinhos como já referimos, tende a aumentar e nemmesmo a decadência e extinção da industria têxtil apartir de 1807/10 consegue quebrar este ritmo.

Não há dúvida que este facto, associado aosprogressos contínuos da Cirurgia e Medicina,contribuiu para a crescente procura da Misericórdiapor parte dos pobres e necessitados, quer buscandosocorro médico em casa quer necessitandointernamento. A realidade é que em todo o séc.XIX oHospital é continuamente beneficiado e ampliado(17).

O aumento do número de doentes, as noções dehigiene que entretanto se difundiram e o decoro morallevaram ao aumento do número de enfermarias e àcriação de uma enfermaria para mulheres e,finalmente, à construção de um primeiro andar.

Este edifício nunca satisfez totalmente os desejosquer da irmandade quer dos que lá trabalhavam edesde o início deste século que se começou a pensarem construir um edifício novo. Procedeu-se à recolhade fundos - nomeadamente através dos “Cortejosde Oferendas” e em 1955 foi inaugurado o actualHospital do Fundão, hoje arrendado ao Estado.

EQUIPAMENTO

A relação do equipamento da enfermaria dá-nosuma ideia bastante precisa do que ela seria. Noséc.XVII apenas temos o registo da compra de umaesteira, que provavelmente seria colocada no chão.No séc.XVlll já temos enxergas e enxergões deestopa e lençóis de linho, estopinha e estopa.Aparecem ainda almofadas, travesseiros, toalhas,guardanapos e camisas para os doentes usarem“quando recebem o Sacramento”, qualquer dasespécies em constante aumento(18). É no séc.XIX quese dá um grande salto qualitativo: além doestritamente essencial do século anterior, surgem asentrecamas e colchas de chita, as mantasespanholas, os cobertores azuis,etc.. Em 1879 já há,de certeza, 8 camas de ferro - no mínimo. Por outrolado, enquanto que no século anterior a palha dascamas seria mudada provavelmente uma vez porano, agora é mudada mensalmente. A roupa do hos-pital é lavada, engomada e arranjada mensalmentecomo se pode ver pelos Livros de Despesa.

Há mesmo recomendações da Mesa que insistempara que as enfermarias sejam arejadas comfrequência e que “se perfumem com alfazema”. Nãohá dúvida que as preocupações com a limpeza ehigiene das enfermarias se tornaram extremamenteimportantes - e também a limpeza dos doentes! Em1825/26 já existia uma dorna “para o banho dosdoentes” que foi a consertar nessa altura e muitasvezes mais. Em 1867 é substituída por uma banheira!

Como apoio à enfermaria funcionou uma cozinha:para alimentação dos doentes e dos viajantes pobres.Não temos referências directas à sua existência noséc.XVII. Apenas a compra “de uma caldeira de metalamarelo nova” que custou 960 réis em 1725 e acompra de uma galinha por 200 réis em 1714 nosindicam que, pelo menos ocasionalmente, secozinharia no hospital. Todavia a partir de 1756 ohospitaleiro passou a receber 3000 réis/ano, alémdo vencimento, para fazer a comida para os doentes

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- encargo esse que incumbiria à mulher ou mãe dohospitaleiro. Nesse ano consumiram-se 103 galinhasque custam 15.680 réis à Misericórdia(19).

A partir dessa altura torna-se frequente a aquisiçãode louça de barro(20) vidrada, branca e de Coimbra.Também se compram copos e panelas de lata, outracaldeira de latão, copos e garrafas de vidro e, nasegunda metade do séc.XIX, talheres em grandequantidade (sobretudo colheres).

Quanto ao que podemos designar como materialde enfermagem, embora com certas reservas, o maisantigo é uma seringa(21). Deveria ser um instrumentoindispensável pois, pelo menos, existe sempre umaseringa, por vezes duas com respectivo êmbolo,cabos, etc. Além destas pouco mais há: 1 prato deestanho “para a sangria dos doentes”, 1 tina de lata“para o curativo dos doentes”, 1 medida de lata“comprada por ordem do médico”, um almofariz erespectiva “mão”(22) e uma borracha para injecções.Compra-se com certa frequência pano de linho etrina(23) larga e estreita para fazer ligaduras eataduras.

Aliás vem a propósito referir que a gestão da SantaCasa sempre foi muito dura e processando-se dentrode normas extremamente rígidas consignadas emEstatutos(24). Daí não haver o mínimo desperdício dematerial: as seringas, dornas, panelas, etc., sãoconsertadas inúmeras vezes e as roupas do Hospi-tal também são remendadas e reaproveitadas o maispossível. Quando deixam de poder servir nas camas,os lençóis são aproveitados ou para mortalha dospobres que morreram no Hospital ou para ligaduras.Quem se tenha debruçado, ainda que ligeiramente,sobre a história desta Casa facilmente compreendeque só com uma gestão deste tipo se conseguiriamanter minimamente equilibrados os orçamentosanuais.

PESSOAL

No séc.XVll sabemos apenas que para cada mêshavia um irmão eleito para desempenhar o cargo deenfermeiro. Inicialmente seria ele, talvez, que tratariade tudo o respeitante à assistência aos pobres enecessitados.

Com o aumento do número de necessitados ecriação do hospital, tornou-se necessário contrataralguém, que permanentemente assegurasse aassistência aos doentes e desempenhasse váriasoutras tarefas - o hospitaleiro.

O contrato seria anual, renovável automaticamente,e completava-se com o pagamento do fato e suaconfecção (chapéu, casaca, capa, batina, sapatosou botinas e meias) e ainda as propinas, isto é, 1/4

de carneiro por ocasião das festas religiosas (25).Desde 1715 que, seguramente, existia o hospitaleiro.Não os conhecemos a todos, mas o hospitaleiro em1735 é Salvador Martins. Sucede-lhe em 1743 AndréProença, não sabemos ao certo até quando, masentre 1745 e 1749 o hospitaleiro era DomingosRibeiro. Sucede-lhe Manuel Mendes e em 1751surge-nos uma hospitaleira, Maria Francisca. Em1790 o hospitaleiro é um A. Francisco. Em 1849sabemos que Antónia Maria é a hospitaleira masem 1851 o hospitaleiro é Sebastião Pina Coelho dequem se começam a queixar, por vários motivos, osmesários, médicos e doentes. É demitido em 1871 esucede-lhe António da Cunha Taborda e RosaJoaquina, sua mãe.

Entretanto e dado o movimento de doentes, tornou--se necessário contratar uma mulher para a cozinhae uma servente para a enfermaria das mulheres.

O aumento de doentes e consequentemente oaumento do número de falecimentos no Hospital,tornou também necessária a contratação de 3 a 4homens para ajudarem o hospitaleiro nos enterros.A irmandade acabou por reconhecer que o serviçodo Hospital exigia pessoal minimamente preparadoe depois de diversas diligências conseguiu que, em1891, chegasse o primeiro grupo de Irmãs daCaridade que vão até pleno séc.XX, garantir otrabalho de enfermagem.

Não há nenhum estudo, que conheçamos sobre o

Frontispício do Compromisso daMisericórdia do Fundão

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partido do Médico e o de Cirurgião para a Covilhã eFundão. O mesmo se aplica quanto aos barbeiros--sangradores. Pensamos que estes profissionaisexistiriam no Fundão e que a Misericórdia recorriaaos seus serviços sempre que necessário, pelomenos nos casos do cirurgião e do barbeiro--sangrador. Assim se justifica que o cirurgião em 1707receba 1000 réis e depois mais 1980 réis por duascuras e que em 1710/11 o cirurgião Francisco RoizCabello receba, pela cura de um doente,1929 réis. Ejustifica-se ainda que o barbeiro FernandesBarqueiro, em 1711/12, receba “960 réis pela curado rapaz das Donas”(26). Enquanto isso, em 1707gasta-se “440 réis de propinas de carneiro para omédico” e em 1752 paga-se “960 réis para o médicoque assistiu os enfermos em falta do Dr.(?) Andrade”,pelo que podemos concluir justificadamente que omédico, tal como o hospitaleiro, tinha um contratoanual e direito às propinas.

Também neste aspecto a situação tende a evoluire no séc.XIX vamos encontrar médicos e cirurgiõescontratados. São eles: António Neves Carneiro, PedroVez de Caivalho, Hermano José Neves CastroSilva(27) e António Paulo, todos médicos, ManuelSimões, Teodósio da Silva Rolão Sequeira, PauloOliveira Matos e Lourenço Brito Simões, cirurgiões.

Quanto aos barbeiros-sangradores, além do járeferido acima, ainda trabalharam para a Santa Casa“à tarefa” como diríamos hoje, Manuel Jorge (em1716) e Miguel Pinto (em 1746). O primeiro contratoanual conhecido é o estabelecido em 1738, no qualJoão da Sunção, João Roiz Camb° e Filipe José deOliveira se comprometiam a trabalhar por 3200 réisanuais a repartir pelos três(28).

Os vencimentos foram aumento para todos eles,sobretudo no decorrer do séc.XIX, se bem que nemsempre pacificamente ...(29).

As lutas políticas do século passado também sereflectiram no Fundão e na própria Misericórdia. Asdiferentes facções tentaram controlar quer aseleições das Mesa, quer da contratação defuncionários, quer ainda influenciar as nomeaçõesdas Comissões Administrativas. O caso mais exem-plar é o cirurgião Paulo Oliveira Matos com umpercurso político e profissional bastante sinuoso ecom uma actuação nem sempre muito clara.

Mas se aparecem queixas contra o hospitaleiro,de todos os quadrantes, se há irmãos que andamfugidos, e se outros irmãos se insultam mutuamente,há que dizer que não encontrámos nada contra odesempenho profissional tanto dos médicos ecirurgiões como dos barbeiros-sangradores. Apesarde leigos na matéria podemos afirmar que osmédicos e cirurgiões acompanhavam a evolução daMedicina. Baseamo-nos na evolução do diagnósticoque se observa quer na designação das doençasquer nos receituários. Os cirurgiões não só faziam

amputações bem sucedidas como colocavampróteses que mandavam vir de Lisboa!

Falta-nos referir os meios de tratamento - remédios- e respectivos fornecedores. As “drogas” são as quese usavam nesta época em todo o lado: quina, zarcãoe pez-de-ouro, goma arábica, linhaça, mostarda,raspas de veado, salsa parrilha, etc, etc... E ainda assanguessugas ou bichas, por vezes encomendadasàs centenas... Os fornecedores foram os boticárioslocais, com excepção de duas ou três vezes que osprodutos vieram de Lisboa ou da Covilhã. Nãosabemos porque motivo isso aconteceu - faltaremos produtos no Fundão ou tentativa de montar uma“botica” própria - mas os excedentes vendidos comoconsta dos Livros de Receitas.

No séc.XVlll temos fornecedores os boticáriosBoaventura Botelho e Jorge Lopes Morais. Foi aindafornecedor o boticário Manuel Álvares Palhou, cujaCarta de Boticário se acha na Chancelaria de D. JoãoV, e que era irmão da Misericórdia, membro da Mesapor diversas vezes e foi o primeiro Procurador daCâmara Municipal do Fundão.

As importâncias pagas às “boticas” obviamenteforam variando, mas é curioso notar que, nestaépoca, aparece registado junto à respectiva verbaque é “para os medicamentos dos enfermos pormetade da sua valia como é costume”. É de 1783 oprimeiro contrato conhecido estabelecido com umboticário, Manuel Baptista Caldeira(30). Seguem--se-lhe, no séc.XIX Manuel Afonso da Cunha, JoséPedro de Brito e Mateus António Soares (1806),António Batista (1815), António Francisco Duarte(1820), José Fernandes (18.41), AnseImoTavaresSilva e Francisco António Afonso Puga (1866), ViriatoAntunes Ribeiro e Gonçalo José Fernandes (1875),Joaquim António Moreira (1879) que se vãoalternando mensalmente, embora não semproblemas(31).

Este esquema de fornecimento em regime dealternância mensal continuou ao longo do séc.XX,com várias farmácias de que ainda se lembram osfundanenses de mais idade.

DOENTES E DOENÇAS

Falar dum hospital e não tratar da sua razão de ser– doentes e doenças - seria totalmente impensável.Apesar dos livros de admissão de doentes e dereceituário muitas vezes não serem coincidentes notempo ou estarem preenchidos de forma incompleta,permitiram uma recolha de dados muito interessante.Foi nosso propósito, dada a sua abundância, sujeitá--los a tratamento informático. Infelizmente e pormotivos a que somos totalmente alheios, isso não

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Page 23: Medicina e Verdade

nos foi permitido(32). Por isso não apresentamos aquimais do que aquilo que dissemos aquando daapresentação da nossa comunicação.

Até quase meados do séc.XIX não há registo dosdoentes entrados. Os dados que recolhemosreportam-se ao período de 1845 a 1886 inclusive, àexcepção de 1859(33). É fácil verificar que o númerototal de doentes tende a aumentar e situar-se no fimdo século, acima da centena. Se bem que nemsempre esteja registado o sexo, raros são os anosem que o número de mulheres internadas é superiora metade de homens internados. O número dedoentes falecidos não é significativo em relação aototal.

Inicialmente e “grosso modo” a caquexia, aanazarca, as febres intermitentes, a sífilis, a erisipelae a sarna são as doenças mais comuns. A estasdevemos ainda acrescentar os acidentes de trabalho:quedas, fracturas, queimaduras, etc. .

Depois vão-se diversificando os diagnósticos:gastrites, gastroenterite, colite, desenteria, dispepsia,hérnia estrangulada, hepatite, alguns partosprematuros, metrorragias, abcesso mamário,congestão uterina e metrite, todos eles casosbastante raros. Além da sífilis, aparece a gonorreia,a blenorragia, herpes, vegetações anais (?) orchitee uretrite. As bronquites, catarros, peripneumonias,pleurisia, laringite e paratidite são bastantefrequentes. Mais raras, o tracoma e a emboliapulmonar. As constipações , as sezões, as febrestifóides, o sarampo, a varíola vão fazendo a suaapariçãoe,etc, etc, etc. Não perdemos ainda aesperança de “trabalhar” estes dados...

Gostaríamos ainda de referir se bem quesuperficialmente, a alimentação praticada no Hospi-tal. Como já dissemos anteriormente, a galinha é acarne consumida no Hospital no séc. XVIII. O séc.XIXtraz um enriquecimento progressivo da alimentação.A começar pela carne, e, além da galinha, consumia--se vaca e frango. Acompanhavam batata e pão,vinho, azeite, vinagre, sal e açúcar. Em 1820 a listade compras aumenta: chocolate, leite e arroz. Em1830 a alimentação é enriquecida com o uso defeijão, nabos, bacalhau, leite, ovos, letria, marmeladae ...aguardente! Em 1832 ainda há mais novidades:pas-sas de ameixa, mel, limão, café e chá. É bom,antes de mais, relembrar que o hospital era tambémhospedaria... Os doentes estavam sujeitos a umaalimentação bem diferente quando necessário. EmJulho de 1841 são estabelecidas 8 dietasdiferentes(34), consoante a doença e o estado doenfermo. Mas muitas vezes o registo do doente nãotem mencionada a dieta a praticar, omissãodeliberada ou perderam-se esses registos?

Pelo que fica dito acerca do Hospital da Santa Casada Misericórdia do Fundão e apesar do que aindafalta fazer não temos dúvidas em afirmar que a sua

criação correspondeu ao espírito das Misericórdiase que supriu uma carência, ou melhor, ajudou a supri--Ia. Não duvidamos que a irmandade colocou sempreo Hospital como tarefa principal, o que aliás éconfirmado por vários documentos. Ao contrário deoutras irmandades, nunca os Irmãos se deram porsatisfeitos com a obra feita e procuraramcorresponder sempre ao aumento da procura, econseguiram-no.

A esses homens que ao longo dos temposprocuraram praticar a solidariedade social na suaexpressão mais prática, aqui deixamos expresso onosso respeito pela obra que ajudaram a criar - eque, ainda hoje continua.

NOTAS

(1) Irmão da Santa Casa e seu Provedor em 1870/71.(2) É o actual Provedor.(3) N°.5 - Livro de Receitas e Despesa, 1662/82; N°.15 - Livro dos Inventários, 1739/1802; N°.26 - Livro de Acordão, 1817/1848; N°.29 - Livro de Receituário dos Enfermos, 1845; etc.(4) Por exemplo, os contratos com os cirurgiões Manuel

Marques de Figueiredo e Luis Paulo da Veiga no n°.7 -Livro da Distribuição dos Capelães. Ou ainda a Escaladas Dietas dos Doentes no n°.20 - Livro de Juros e Foros,1777, etc.

(5) Em 1758, o prior padre Alexandre Bernardino da VidaPinto, também Irmão da Misericórdia, e Mensário,informava que o Fundão “tem quatrocentos e secenta eoito visinhos pessoas de salvamento mil quinhentas e vintee sete”.

(6) Segundo José Caetano Salvado, em entrevista a”AVerdade”, n°.42, 15 de Outubro de 1922, Fundão

(7) O prior referido em (5) na mesma data e no mesmodocumento dizia que “tem hum hospital junto da Casa dal Mizericórdia (...) e grande parte das suas rendas segastão em fabricara Igreja da dita casa(..)”.

(8) N° - , Livro de Despesa, 1735/1762(9) Nº7, Livro da Distribuição dos Capelães, 1686/1784(10) 1717: “800 reis para o telhado novo do hospital’. 1719: “800 reis para madeira, pregos e carpinteiros”. 1756: “13.000 rreis para os pedreiros que fizeram a

parede e quina da enfermaria”.(11 ) 1752: “800 reis para o telhado da igreja e do hospi-

tal” : 520 reis para a madeira para a sacristia e

enfermaria”(12) N°.7 : Livro da Distribuição dos Capelães, 1686/1784(13) Bretanha: tecido muito fino de linho ou algodão(14) Pensamos que se pretendia escrever “mesa de

engonço”, isto é mesa articulada(15)N°.7 Livro da Distribuição dos Capelães, 1686/1784

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(16) Chancelaria de D. João V, Livro 116, f l. 99 verso(17) 1814: primeiro para a taipa: 2000 reis, homem que

colocou a taipa 6600 reis ; 9 caibros: 1000 reis; soalho7340 reis; pregos, ferragens e carpinteiros : 13.980reis.

1816: 120 reis de colocar vidros nas janelas1818: 2860 de consertos e caixilhos das janelas1824: 8135 reis para o tecto da igreja e outros reparos

na enfermaria1829: 640 reis para batentes, 9600 réis em soalho, e

7150 reis para a execução da obra1837: obras na cozinha1841: O hospital é destruído (parcialmente ?) por um

incêndio. A cozinha é reequipada com um fogão e grelhasnovas e a velha é reparada

1843: a enfermaria das mulheres é assoalhada(18) Em 1726 existem 8 enxergas e em 1795 22

enxergões(19) Em 1761 este número sobe para 228 galinhas sendo

o preço total de 36.030 reis(20) Estas aquisições são feitas no Telhado, aldeia onde

actualmente, ainda há oleiros a trabalhar(21) Pagou-se 100 reis pelo conserto da seringa em 1711/

12. Em 1732/33 adquire-se uma nova por 500 reis. Em1825/26 já custa 800 reis, em 1830/31 compra-se maisoutra e em 1841/42 mandou-se vir de Lisboa “uma seringade estanho com dois canos de pay”.

(22) Veio do Porto em 1846/47 e custou 6395 reis(23) Trina: peça de tecido, normalmente linho, que seria

para fazer ligaduras(24) Nº.6 - Livro dos Estatutos, de 1685 Nº.7 - Livro dos Estatutos, 1726(25) O vencimento do hospitaleiro tem a seguinte

evolução:1715 - 7600 reis; 1 807 - 14400 reis; 1821 - 20960 reis;

1822 - 21440 reis; 1830 - 24000 reis; 1843 - 24000 reis;1875 - 40000 reis; 1878 - 60000 reis.

(26) A despesa registada imediatamente a seguir foi feita“com a ‘covage’ do razeis das Donas”...

(27) Este médico despediu-se em 1878 e saiu do Fundão,por motivos políticos. Veio a estabelecer-se em CasteloBranco e foi médico da Santa Casa desta cidade e autorda primeira e única monografia sobre a mesma.

(28) N° 7 - Livro da Distribuição dos Capelões, 1687/1784.

(29) O Dr. A. N. Carneiro tem vários desentendimentos,por volta de 1834, com a Mesa por causa dos aumentos.O mesmo vem acontecer, mais tarde ao Dr. P. O. Matos.Em 1717/8 os médicos recebem 1200 reis por ano, em1756/7 os cirurgiões recebem 2400 reis/ano, eni 1806/7 omédico recebe 18960 ris e o cirurgião 9960 reis, em 1821/2 o médico e o cirurgião receberam 10560 reis cada um,em 1835/6 o médico A. N. Carneiro recebe 40000 reis e ocirurgião T. S. R. Sequeira 7000 reis por sete meses detrabalho. Em 1845/6 o mesmo médico recebe 30000 réise o cirurgião P. O. Matos 19200 réis. Em 1870/1 P. OliveiraMatos agora médico recebe 80000 reis anuais.

(30) N°.7 - Livro da Distribuição dos Capelães, 1687/1784(31) O boticário G. J. Fernandes, por ser Irmão da

Misericórdia, queria um contrato privilegiado. Esta situaçãomantém-se.

(32) A data em que entregamos o original parapublicação. (Agosto de 1989)

(33) ver tabela na coluna ao lado(34) Escala das DietasDieta N°1 : duas libras de caldo de galinha no dia e na

noite. Dieta N°2 : a dieta n° 1 com quatro onças de pão egalinha.

Dieta N°3 : meio arrátel de carne de chibato, vitela ouvaca e o caldo correspondente a meio arrátel de pão.

Dieta N°4 : 1 arrátel de carne e 1 arrátel de pão, fazendodeste pão açorda (miga) para o almoço.

Dieta N°5 : a dieta n°4 mais meio arrátel de pão.Dieta N06: a dieta n°4 com duas onças de arroz no caldo,

ao jantar e ceia.Dieta N°7 : 1 arrátel de pão e 1 quarto de arroz,

distribuindo o arroz no jantar e ceia e fazendo-se do pãoaçorda para o almoço.

Dieta N°8 : dieta n°5 com meio arrátel de pão.

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AMULETOS E EX-VOTOS DA BEIRA INTERIOR NA COLECÇÃO DO MUSEUNACIONAL DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA

Olinda Sardinha*

O sugestivo tema das I Jornadas sobre “Medicinana Beira Interior”, realizadas em Castelo Branco emMarço/Abril de 1989, levou-nos a procurar, de entrea colecção de etnografia do Museu Nacional deArqueologia e Etnologia (MNAE), um núcleo quepudesse ser integrado no seu âmbito. A tarefa nãofoi difícil por dispormos de acesso a um acervo deobjectos resultante do Saber e do Labor de Leite deVasconcelos, expresso entre muitos outros aspectos,pelas suas infatigáveis recolhas realizadasprincipalmente entre finais do séc.XIX e primeirasdécadas do séc.XX, um pouco por todo o país,incluindo obviamente a região das Beiras.

Não é demais recordar que Leite de Vasconcelos,com a sua formação em Medicina, para além de tertido uma actividade arqueológica de reconhecidomérito, deu igual ênfase à recolha e pesquisaetnográfica, nomeadamente ao estudo de tradiçõese crenças do Povo Português e em particular aouniverso do Sobrenatural.

No sentido de divulgar os resultados deste estudo,foi seleccionado um conjunto de objectos querepartimos em duas categorias: por um lado, eremetendo-nos para uma tradição longínqua, osamuletos, que podem ser integrados nos objectosde conteúdo profiláctico pelo carácter supersticiosoe função de protecção da mais variada natureza, parapessoas e animais; e por outro lado, os ex-votos, osquais, oferecidos a um santo de maior afeição paraagradecimento de milagres em casos de curasdifíceis ou de transes dramáticos, constituemprovavelmente dos exemplares mais belos egenuínos da devoção popular.

Em ambos os casos, encontra-se a preocupaçãoem evitar o maléfico, manter ou recuperar a saúdedas pessoas ou animais, preocupação constante daspopulações. As comunidades rurais sou berammanter vivas crenças, tradições e hábitos - cujasraízes remontam a ancestrais cultos pagãos - e,

sobretudo, souberam também conciliar e equilibrartal tipo de práticas, mágicas quase diríamos, comoutras profundamente religiosas.

Os amuletos ocupam um lugar importante entreas superstições populares. Assumindo um sentidoprofiláctico, preservando os seus portadores dedoenças ou malefícios, possuindo atributosmaravilhosos contra o mal, apresentando-se sob aforma de objectos portáteis, com formas, cores esubstâncias muito determinadas, os amuletos estãopresentes nas mais variadas circunstâncias da vidahumana.

A assimilação é conjugação de elementos pagãose cristãos (figa, meia-lua, sino-saimão, cruz, imagemda Virgem, chave) e o seu aspecto exterior,adicionados à natureza da sua substância(v. o casoda figa de azeviche), deram origem desde temposremotos a uma multiplicidade de amuletos da maisvariada espécie e natureza.

Usados por crianças1, de todos os seres os maisvulneráveis às influências maléficas, mulheres,homens e animais, podem apresentar-se de umaforma simples ou metidos no mesmo fio, de modo aque toda a sua virtude se torne mais eficaz peranteas acções nefastas. Um agrupamento de amuletosunidos num só fio ou cordão, usado ao pescoço, tomageralmente a designação de “arrelica”, “arrebica” ou“cambolhada”2.

O exemplar deste tipo que apresentamos (fig. 1)3,inédito e adquirido em Castelo Branco, é constituídopor uma conta de leite, uma conta de azeviche4, duasfigas da mão esquerdas, em azeviche, um corno euma moeda portuguesa de prata.

Analisados um por um, os elementos indicadosrevelam algumas características do maior interesse.A conta “leiteira” de ágata e cor esbranquiçada erageralmente trazida pelas mulheres aquando doaleitamento de modo a amamentar a criança durantemais tempo. Amuleto universal, a figa possuipropriedades extraordinárias contra a fascinação,quebranto e outros males, protegendo tambémanimais e coisas. Associada ao azeviche, substânciamineral, de cor preta e com virtudes mágicas contrao “mau olhado”, ela forma um conjunto geralmente

* Licenciada em História. Investigadora de temasarqueológicos e etnográficos.

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chamado de “amuleto misto”, pela fusão entre o seuaspecto exterior e a natureza ou matéria de que éfeito. O corno servia para evitar o quebranto,enquanto que a moeda de prata de seis vinténs deD. João V, tem por si própria os dons inerentes à suavalia6 e à cruz que nela figura. O seu orifício desuspensão deveria ser feito de modo a não prejudicar

Figura 1

Figura 2

a representação da cruz, a qual deveria figurarperpendicularmente.

O segundo exemplar de amuleto agora divulgado(fig. 2)7, também inédito, é designado por “cornicho”,sendo usado pelos animais. Com a forma de corno,de cor escura, possui orifícios para franjas e eracolocado na testa dos animais. As franjas,geralmente de cores vivas, serviam para espantar o“mau olhado”. É um exemplar de excelente feitura,encontrando-se esculpido através de caneluras cir-culares e espiraladas. Foi adquirido na cidade doFundão.

Finalmente apresenta-se um número de ex-votos,todos já publicados, mas de que aqui se acrescentamalguns elementos interpretativos e de proveniência.

As ofertas votivas a Santos, à Virgem e a Cristo,de tradição secular assimilada pelo cristianismo,

expressam as graças concedidas aos pedidos epromessas feitas pelos devotos nas horas de maioraflição, tais como a difícil recuperação da saúde, osacidentes em terra ou no mar, os perigos de guerra,as quedas, sendo todavia mais frequentes os quese relacionam com a saúde.

Entre os gregos e romanos já era costume a ofertade múltiplos objectos a divindades (e a sua colocaçãoem santuários), em cumprimento de um voto queera “um verdadeiro contrato, um pacto muito marcadoentre o homem e a divindade”8. Também hoje, odevoto ao apegar-se a um santo” promete umaoferta, obriga-se a cumprir uma promessa (solverevotum) retribuindo assim a graça concedida.

Significando literalmente “segundo o que seprometeu”, sendo a promessa o “voto” e ex-voto oseu cumprimento, os ex-votos podem serconstituídos por imagens de cera, madeira ou metal,representando as partes afectadas/doentes do corpohumano (tais como braços, mãos, pernas, seios eolhos) ou de animais domésticos, assim comoquadros ou painéis que retratam ou reproduzem o“milagre” sucedido9. Colocado em santuário ouermida, em troca de um pedido feito a um santo, aoferenda é um sinal e uma recompensa da graçarecebida.

Quando numa capela ou santuário se observa adiversidade de ex-votos oferecidos ao seu santopatrono, não se imagina a carga afectiva, a intimidadee a relação quase pessoal que existe entre os sereshumanos e as divindades, visível sobretudo nospainéis votivos.

São cenas vivas que se nos oferecem, cenas deum realismo tocante tanto pela sua veracidade comopela ingenuidade da sua forma. É o caso, porexemplo, do interior de um quarto de dormir, onde odoente no seu leito, rodeado dos familiares, imploraa cura da doença à Virgem, a qual, aparecendoenvolta em nuvens e dotada dos seus atributosidentificadores, parece demarcar uma certa distânciaem relação aos terrenos. Ou seja: a divindade, aVirgem neste caso, ocupa simultaneamente um lugarque lhe permite integrar uma cena doméstica, mascom uma certa distância, imposta pelo respeito quelhe é devido.

O cenário de um quadro votivo ocupa geralmentea maior parte do painel e é acompanhado peladescrição, ou parte gráfica, que começa quasesempre por “Milagre, M.Q.F. (Milagre que fez ... J,Testemunho ou Gratidão”, seguindo-se o nome dodevoto, a natureza do auxílio, o nome do santoinvocado e, por fim, a data. Assim, se podeacompanhar nos painéis votivos ou gratulatórios aacção do “Milagre”, desde a sua invocação até àrecompensa divina.

A primeira tábua ora descrita (fig. 3)10 é de formarectangular, não se encontra emoldurada, possui

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vestígio de cera no campo pictórico, apresenta umorifício de suspensão, e não se encontra datada. Ascores cingem-se ao vermelho, branco, preto e doistons de azul. Uma faixa branca na parte inferior éocupada pela legenda, com a seguinte inscrição,imitando letra de imprensa, e terminada com umpalmito: “MILLAGRE (sic), Q(ue) FES (sic) AS(e)N(ho)RA. DE /CAR-QUERE AM(ari)A. LEITOA /DO()LUGAR DE()PAREDES POR HUM (sic) SEUFILHO SOL(da)DO. / JULGADO MORTO EMABRANTES //”.

A cena, sobre fundo azul, apresenta ao centro ainvocante, de perfil e ajoelhada, de cabeçadescoberta, mãos erguidas, saia branca estampadade preto e capa vermelha. Invoca ajuda à Senhorade Cárquere, afim de encontraro seu filho“julgado mortoem Abrantes”. Asanta, no ladodireito, com ospés envoltos emnuvens e asmãos erguidas,possui coroareal, semtodavia possuirsímbolos que ap o s s a mi d e n t i f i c a r 11 .Traja túnicavermelha domesmo tom dacapa de MariaLeitoa e manto azul. O filho, de pé, veste farda ebarretina azul e calça botas pretas com borlas. Ocasaco tem as abas reviradas, gola preta e punhosde cor azul claro. O crachá da barretina é substituídopor uma cruz. Tem cabelo curto e largas suissas. Afarda, de acordo com o Regulamento Militar de 1806,é de uma unidade de infantaria, sendo do 11°Regimento, com sede em Penamacor, 4ª Brigada,Divisão Sul.

A posição dos intervenientes é rígida, estática. Maso pouco movimento da acção é compensado pelabonita tonalidade cromática e perfeição de algunspormenores, tais como as feições do nariz e dassobrancelhas, assim como o próprio desenho dosolhos.

Apesar de não possuir data, é identificada pelafarda do militar como da primeira metade do séculoXIX.

As duas tábuas relativas a casos de saúde (fig. 4 e5), têm também a forma de rectângulo e referem-sea evocações feitas por duas mulheres, sendo uma àSra. de Cárquere e a outra à Sra. do Rosário.

No primeiro caso (fig.4)12, o cenário é constituídopor duas personagens femininas, sobre um terrenoondulado, despido de vegetação. O colorido ésemelhante ao do exemplar anterior, com predomíniodo azul, vermelho e branco.

Custódia de Jesus apresenta-se de perfil, àesquerda, de joelhos, mãos erguidas e cabeçadescoberta, trajando de azul e usando xaile brancopelas costas. Invoca ajuda à Sra. de Cárquere que,no cimo do cume da superfície desenhada, seapresenta de frente, com as mãos erguidas evestindo túnica vermelha, manto azul e lenço brancona cabeça. De notar, a circunstância da Virgem calçarsandálias e a mulher sapatos pretos, parecendo queo pintor desconhecia otipo de calçado que os santos

usam ou quepretendia assimsalientar o seud e s a p e g ore la t ivamenteaos bensmateriais.

Não obstante asimplicidade dovestuário deambas, o acto deveneração emque a invocantese encontra dejoelhos e na parteinferior do relevod e s e n h a d o ,contribui para aidentificação dadevota a qual por

outras vias seria difícil reconhecer, já que a santanão terr qualquer atributo que a possa identificar.Curioso neste quadro é o facto de, ao contrário doque é usual quando se trata de problemas de saúde,não vermos o doente deitado no seu leito.

A legenda, em letra cursiva desenhada, possuiabreviaturas, situa-se na parte inferior, menciona onome da invocante e do santo, mas não especifica acausa da doença ou queda. Sabemos somente queestava “emprigo de morto” e que a Senhora lhe deusaúde. A sua transcrição é a seguinte: “M(ilagre) q(ue)f(ez) a S(enho)ra de Ca(r)quere (sic) a Custodia (sic)de Jaius (sic) / de Vinhos q(ue) estando em()p(e)rigode Morto chamouce (sic) / a S(enho)ra, ella (sic) lhedeu S(aúd)e //".

De difícil datação, tem moldura pintada e orifíciode suspensão.

O segundo quadro relativo a casos de saúde possuimoldura, uma bonita argola de suspensão e é datadode 1818 (fig. 5)13.

A representação deste “milagre”, cuja acção sedesenrola no quarto da doente, está dividida

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verticalmente em dois quadros. No quadro daesquerda, a devota da Senhora do Rosário aparecedeitada numa cama de cabeceira alta, forma ovaladae ornada desem ic í r cu l osvazados, lençóiscom renda ealmofada comas extremidadesatadas e colchade cor vermelha;dela apenas sevislumbra acabeça. Naoutra metade dat á b u a ,encontramos ai m a g e mesplendorosa deNossa Senhorado Rosáriotrajando túnicabranca e mantoazul. Aparece nomeio de nuvens, como que retratando uma aparição,e com os seus atributos próprios: o rosário e o Meninoao colo, que veste túnica de cor vermelha igual àcolcha.

A legenda utiliza letra de imprensa e tem algumaslacunas orto gráficas. Desconhecemos o nome dadevota e não está especificada a doença de que am e s m ap a d e c i a ;apenas serefere quee s t a v a“g ravemen teenferma”. É aseguinte a suat r a n s c r i ç ã o :“M(ila)ce. (sic)q(ue). fes (sic)N ( o s s a ).S(enhor)ª. doRozario (sic),a()huma (sic)deVota (sic)estando elagravem(en)te /e m f e r m a(sic)()a()mesmaS(enhor)ª. foi Servida Restituila (sic). Anno 1818 //”.

O último exemplar que apresentamos (fig.6)14,proveniente de Cavouco (concelho de Resende), éum painel pintado a óleo sobre suporte metálico,formado por duas folhas, sendo datado de 1878.

Numa primeira análise pode dizer-se que possuiduas particularidades fora do comum: a primeira dizrespeito ao facto de ser um dos poucos casos com

assinatura deautor (ManuelDuarte, da aldeiade Massas,concelho deResende), aliásexemplar único noMNA; a segunda,prende-se com ofacto de arepresentação do“milagre” darexp l i c i tamenteconta de duasf a s e scronologicamentesucessivas nodesenrolar da suaacção: a fase an-terior ao desastree a que

documenta as suas consequências.O momento anterior ao acontecimento é

representado na parte superior do quadro, vendo-seduas vacas jungidas a um carro cheio de espigas demilho, em circulação à beira de um caminho,enquanto o homem vai à frente dos animais e, comuma aguilhada, toca no animal da esquerda. Atrás,

segue a mulher,cuja menor alturapoderá serexplicada pelaausência deperspectiva ou pordesempenhar umpapel muitosecundário nosacontecimentos. Ocarro, cheio demaçarocas, dáindícios de umbom ano agrícolaou de uma g r i c u l t o rmed ianamenteabastado. Apaisagem éformada por

arvoredo e ervas com flores vermelhas que fazem adelimitação do muro que separa as duas fases dosucedido.

Ao passarmos para a cena seguinte, observa-seos animais e o carro caídos, situação atribulada vivida

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também por José Pereira, que tenta ajudá-losenquanto que Santo António (com os seus atributospróprios: Jesus sobre um livro), também protectordos animais, envolto em nuvens e trajando hábitofranciscano, observa e intervém no sucedido.

Quadro de policromia sóbria, à base de cinzentose castanhos, este painel possui alguma qualidadeartística, visível em certos pormenores de execuçãotécnica: a expressividade posta no desenho dasituação aflitiva dos animais, o traço do traje dohomem e da mulher, a perspectiva das patas dosanimais na cena anterior ao desastre, etc.

A legenda descreve com algum pormenor oacidente e, talcomo em todosos restantesp a i n é i s ,a p r e s e n t apautas comoas doscadernos dec a l i g r a f i a ,marcando ocorpo dasletras e o limitesuperior dasma iúscu las .Utiliza letra deimprensa e, nocanto inferiordireito, indica onome e anaturalidade dopintor. A sua transcrição é a seguinte: “M(ilagre).Q(ue). FEZ S(an)to.ANTONIO (sic), A JOSE (sic)P(e)REIRA, DO CAVOUCO Q(ue). VINDO ASVACAS E O CARRO POR O CAMINHO, / DEREPENTE FUJIRAM (sic) ÀS (sic) TRAZEIRAS (sic),E CAIRAM DE UMA PAREDE ABAIXO, ES(an)to.ANTÓNIO LHE / VALLEU (sic) QUE NADATEVE PERIGO. EM 1878 //”.

Aspectos como o tipo de carro rural, com cabeçalhoa todo o comprimento, assim como o jugo demolhelhas, contribuem para situar espacial etemporalmente a acção deste “milagre”, elementosque em todo o caso nos são dados na próprialegenda.

Não obstante a importância e riqueza iconográficae pictórica dos painéis referidos até aqui, existemoutras manifestações gratulatórias do maior interessepara o estudo da religiosidade popular. Referimo-nosa ofertas votivas de outro tipo, tais como: tranças,grinaldas, velas, muletas, todas incluídas no grupoque geralmente é designado por ex-votos directos15,ou testemunhos16, assim chamados por terem sidopertença do ofertante, possuindo uma função profana

até à altura em que se transformaram em ex-votos;e as pinturas e representações escultóricas de mãos,braços, pernas, assim como de alguns animaisdomésticos, que geralmente se incluem no grupo dosex-votos indirectos ou figurativos, por representarem,numa alusão a afectações ou doenças (ou ainda, nocaso de animais, à sua fecundação), algumas partesdo corpo humano ou de animais domésticos (emboraem ambos os casos segundo proporçõesnormalmente não coincidentes com a sua realidadeanatómica).

Do primeiro tipo indicado apresenta-se um conjuntoconstituído por uma tigela e quatro colheres (fig. 7)17.

A tigela deloiça, de corazulada, commotivo floral atoda a volta, é defabrico do séc.XIX. Das quatrocolheres, trêssão de metal euma demadeira. Estaúltima é defeitura muitotosca, enquantoas de metal sãomais elaboradase apresentamf i g u r a ç ã ocordiforme nocabe Tigela e

colheres foram oferecidas a Nossa Senhora doFastio, venerada à época da aquisição do conjunto,em 1896, pelo Doutor Leite de Vasconcelos, nacapela do Paço Episcopal de Viseu, ocasião em queforam igualmente adquiridas as peças a seguirdescritas, todas incluídas no grupo de ex-votosfigurativos acima indicados.Os exemplares de suínos (fig. 8, 9 e 10), e a vaca

Figura 7

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(fig. 11), todos de madeira, são muito toscos, compouca expressão anatómica. Entre os suínos, oprimeiro (fig. 8)18, apresenta o corpo sob formacilíndrica, adelgaçado para a frente, é feito de umasó peça. As patas, de diferente variedade de madeira,encaixam na superfície ventral; os olhos sãoassinalados através de dois entalhes oblíquos; asorelhas, recortadas em cabedal, são de tamanhoquase diminuto; ao invés da cauda, também emcabedal, presa por um prego, que é longa e separaos quartos traseiros; um entalhe em baixo relevorepresenta o órgão genital do animal. O segundoexemplar (fig. 9)19 é assaz curioso porque o seu corpoé muito pequeno e desproporcionado em relação àcabeça que tem 10 cm de comprimento; as orelhassão afuniladas, estão dirigidas para a frente echamam quase de imediato a atenção do observador.O último suíno (fig. 10)20 é de elaboração muitodiferente da dos anteriores: tem corpo de forma

Figuras 12 (em cima, à esquerda), 13 (em cima, àdireita), 14 (em baixo, à esquerda) e 15 (em baixo, àdireita).

alongada e focinho inclinado, quase roçando no chão;tem cauda e orelhas de cabedal. Por fim, o exem-plar da vaca acima assinalado (fig. 11)21 é tambémfeito de uma só peça, possui corpo cilíndricoadelgaçado duplamente, para a cauda e para opescoço, cabeça subrectangular, olhosrepresentados por dois orifícios, boca ligeiramenteaberta e narinas salientes, cabeça com uma certaexpressividade, cauda de couro e, por cima do órgãogenital, apresenta quatro mamas, estando duascolocadas entre os membros traseiros.

O último grupo de ex-votos figurativos a que orafazemos referência é constituído por representaçõesde membros do corpo humano, igualmente emmadeira: um braço esquerdo, uma perna esquerdae outra direita, duas mãos (esquerda e direita) e umpé direito (fig. 12, 13, 14 e 15).

O braço esquerdo (fig. 12)22 é feito de uma só peçacom excepção do polegar, que está preso por umprego; possui forma esguia, dedos mal aparados,vendo-se uma possível deficiência física. Na opiniãode Luis Chaves trata-se de um “cotovelo junto dopulso,23. É um trabalho grosseiro e foi oferecido àimagem de Santo Amaro, num santuário de Lamas,na região de Sátão.

A perna esquerda (fig. 13, à direita)24, igualmentede elaboração rude, é feita de uma só peça, com amesma espessura ao longo de toda a sua altura. Nopé, os dedos encontram-se somente delimitados porquatro golpes. A perna direita (fig. 13, à esquerda)25,de forma mais esguia, segue grosseiramente aslinhas anatómicas, uma vez que se reconhece nelaos volumes próprios do joelho e da “barriga da perna”.

A mão esquerda (fig. 14, à esquerda)26 é de todosos exemplares o que apresenta um trabalho deexecução mais perfeita, com proporções gerais

Figuras 8 (cima, à esquerda), 9 (cima, à direita, 10 (embaixo, à esquerda) e 11 (em baixo, à direita)

correctas, tendo os dedos afastados e as unhas bemdefinidas. A mão direita (fig. 14, à direita)27 é maisrude, apresenta os dedos de dimensões quaseidênticas, sem definição das unhas.

O pé direito (fig. 15)28 é um exemplar de boaelaboração, apresenta os dedos bem divididos eunhas “bem golpeadas”. Ainda segundo Luis Chaves,lembra a forma de um sapateiro.

Do conjunto de ex-votos apresentados ao longodeste texto pode concluir-se que os “milagres”, aoapresentarem doentes no leito, acidentes de trabalhoe outras situações de perigo, e ao retratarem a figura

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1 VASCONCELOS, José Leite de - “EtnografiaPortuguesa”, IX, 1985, p.247, nota 1: “as criançastrazem enfiadas numa fita no pulso direito (tambémeu trouxe), moedinhas de prata, de cruz, antigas(meio tostão, três vinténs), uma conta de azeviche efigas, contra as bruxas e o ar (Lamego)”.

2 MARTHA, M. Cardoso; PINTO, M. Augusto -“Folclore da Figueira”. Esposende, 1913, II, p.86: “areunião de muitos amuletos ao pescoço das crianças,unidos por uma só argola ou cordão, tem o nome decambulhada”.

3 Conta de leite - espessura: 1,3 cm. Conta deazeviche - espessura: 1 cm. Figas - comprimento: 3e 3,5 cm. Corno - comprimento: 4 cm. Moeda -diâmetro: 2,5 cm. N° de inventário MNAE: 5734.

4 VASCONCELOS, José Leite de - “Etnografia

Portuguesa”. Lisboa, 1985, IX, p.204, nota 1: “ oazeviche, segundo a crença portuguesa, livra defascinação, de quebranto ou mau-olhado e defeitiços”.

5 VASCONCELOS; José Leite de - “A figa”. Porto,1925, p.23: “fazer a figa com a mão esquerda temmais virtude, mais acção”.

6 VASCONCELOS, José Leite de - “EtnografiaPortuguesa”. Lisboa, 1985, IX, p. 266, nota “moeda”:“moeda de seis vinténs, tendo um furo no topo dacruz, trazida pelas crianças, ao pescoço, ou no braço,livra do ar (Vila Pouca de Aguiar)”.

7 Comprimento: 11,5 cm. N° de inventário MNAE:2491

8 TOUTAIN, J. -”Votum”, in Dictionnaire dasAntiguités Grecques et Romaines, Paris, 1914, fase,49, pág. 974.

9 Mais raramente, podem também ser constituídospor objectos de uso comum, relacionados com osatributos do santo protector invocado. É o caso dasmaçarocas de fio referidas por José de Vasconcelosem Matança, concelho de Fornos de Algodres: “outrasanta de bastante devoção na Matança é a SantaTecla, advogada das tecedeiras que lhe colocammaçarocas no altar, junto da imagem; lá vi eu muitas,que constituíam cumprimento de promessas, querodizer, ex-votos” (in De Terra em Terra, I, 1927, Lisboa,p. 141).

10 Proveniência: Cárquere (concelho de Resende).Dimensões: 24,5 cm x 21,5 cm. Número de inventáriodo MNAE: 2081.

11 Uma das imagens da Senhora de Cárquere quese encontra na igreja daquela localidade é de marfim,e de dimensões diminutas (2,9 cm de altura e 1,4cm de base). É de feitura antiga, sendo descrita doseguinte modo por Vergílio Correia: “a Senhora érepresentada com o menino assente sobre o joelho,de coroa encordada e denticulada posta sobre umamantilha curta, e de túnica e manto. Com a mão direitaum pouco erguida, abençoa, como os Cristos dosevangeliários e dos esmaltes. O menino, coroadocomo a mãe, segura um livro na mão esquerda, eabençoa também com a direita; os seus pés nús,muito rudes, estão virados na mesma direcção. Nosvestuários há manchas delidas de ouro e encarnado”(in “Nossa Senhora de Cáquere”, Terra Portuguesa,3° vol., 1917, pág. 60).

12 Proveniência: Cárquere (Concelho de Resende).Dimensões: 29 cm x 18,5 cm. Número de inventáriodo MNAE: 2254.

13 Proveniência: Resende (provavelmente).Dimensões: 38 cm x 23 cm. Número de inventáriodo MNAE: 2166.

14 Proveniência: Cavouco (concelho de Resende).Dimensões: 69,5 cm x 50,5 cm. Número de inventáriodo MNAE: 271.

15 V. VASCONCELOS, José Leite de - “Severim de

do santo, além de permitirem imaginar a quantidadee variedade de promessas e perigos por que osdevotos passaram e mostrarem a sequência daacção do “milagre”, desde a invocação até ao pedidoconcedido, encontram-se imbuídos de uma cargaafectivo/religiosa, de uma relação e de um contactoentre o Homem e o Sagrado sem dúvida originais ereveladores da sensibilidade popular. São, também,obras de um valor inestimável para o estudo dasdoenças, dos santos, do vestuário, dos cenários deinteriores de quartos de dormir e outros aspectosligados à vida tradicional, sobretudo nos séculos XVIIIe XIX. Aspectos que, em maior ou menor grau, sãotambém passíveis de estudo através de ex-votos,directos ou indirectos, e de tantas outras ofertas quea vivência religiosa das populações produziu e nãocouberam dentro do âmbito do presente texto(fotografias, dinheiro, esculturas em cera, etc.).

Para concluir, diremos que o pequeno conjunto deamuletos e ex-votos expostos ora apresentado érepresentativo de uma vivência prática e espiritualelucidativa da sobrevivência de velhas tradiçõesreligiosas e da riqueza espiritual que até há poucotempo perdurava de forma harmoniosa naspopulações rurais da Beira Interior. Os poucosvestígios dessas crenças que ainda sobrevivemconstituem um bem precioso que importa estudar,dando continuidade a certos trabalhos, como essede Jaime Lopes Dias, cujo pioneirismo cumprehomenagear através de uma divulgação que nosestimule o gosto pelas diferentes facetas do Viverpopular.

NOTAS

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Faria (notas bibliográficas - literárias)”, Boletim daSegunda Classe, vol. VII-VIII, 1912-13, Coimbra,1914, p. 286.

16 FERRO, Xosé R. Marino - Las Romerias /Peregrínaciones y Sus Símbolos, ed. Xerais Galícia,1914, p. 253.

17 Proveniência de todo o conjunto: Paço Episco-pal de Viseu. Tigela - altura: 5,5 cm - n° de inventárioMNAE: 2529. Colheres - comprimento: 13,5 cm, 18,5,14 cm, e 19 cm - n° de inventário MNAE: 2529A a D.

18 Proveniência: Santuário perto de Lamas(concelho de Sátão). Dimensões: 32,5 cm x 16,5 cm.N° de inventário do MNAE: 2195.

19 Proveniência: Santuário perto de Lamas(concelho de Sátão). Dimensões: 20 cm x 14,5 cm.N° de inventário do MNAE: 2184.

20 Proveniência: Santuário perto de Lamas(concelho de Sátão). Dimensões: 28 cm x 12,5 cm.N° de inventário do MNAE: 2190.

21 Proveniência: concelho de Sátão. Dimensões: 33

cm x 12 cm. N° de inventário do MNAE: 2177.22 Proveniência: Lamas ( concelho de Sátão).

Comprimento: 39 cm. N° de inventário do MNAE:2244.

23 CHAVES, Luis -”Os “ex-votos” esculturados doMuseu Etnológico Português”, in O ArcheólogoPortuguês, Lisboa, 1914, n° XIX, pág. 294.

24Proveniência: Sátão. Dimensões-Altura: 24,5 cm-comprimento do pé: 12 cm. N° de inventário doMNAE: 2236.

25 Proveniência: Sátão. Dimensões: altura-19,5 cm;comprimento do pé - 5,5 cm. N° de inventário doMNAE: 2225.

26 Proveniência: Sátão. Comprimento: 25,5 cm. N°de inventário do MNAE: 22334.

27 Proveniência: Sátão. Comprimento: 19,5 cm. N°de inventário do MNAE: 2246.

28 Proveniência: Sátão. Comprimento: 23 cm. N°de inventário do MNAE: 2250.

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A MEDICINA POPULAR NO SÉCULO XIX- SUA PRÁTICA NAS ALDEIAS DA SERRA DA GARDUNHA

Albano Mendes de Matos*

A medicina popular é um conhecimento que opovo tem do corpo e da saúde, determinadopelo contexto histórico onde vive e que podetransformar-se em saber de cariz religioso.

RAUL ITURRA

I -O HOMEM, A DOENÇA E A MORTE

Ao longo da sua história, a Humanidade sofreu osefeitos devastadores de muitas doenças, comconsequências sociais trágicas, adaptando-se aomeio, mercê de especializações vitais para umaresposta às agressões.

O conceito de doença constitui uma abstracção quereúne sintomas observados em doentes atacadospor um mesmo germe. Cada doença tem existênciaem relação ao paciente e à sua cultura. Só existemdoenças, quando o indivíduo portador do agentecausador não está a ele adaptado. O mesmo germepode causar doenças em certos indivíduos e nãomolestar outros, que, por adaptação biológica outécnica, oferecem resistência. É neste aspecto quea medicina, nos seus aspectos preventivo e curativo,se agrega às ciências do homem, como fenómenocultural, e tem o seu grande desenvolvimento nosúltimos cem anos.

A doença surge em todos os animais desde a suaaparição. Está associada ao homem desde aemergência deste. O homem sempre tentou explicá--la. Sempre sentiu a necessidade de explicar o desconhecido, como forma de saber e como curiosidade.

Em todos os momentos culturais da história, ohomem quis chegar ao desconhecido, ao que estavapara além da sua vivência comum, da sua percepçãoimediata, dando explicações que hoje nos pareceriamaberrantes, mas que foram formuladas numa épocaprecisa e de acordo com as mentalidades dos tem-pos. Assim, a doença nem sempre teve as mesmasorigens. Por um lado, foi uma punição dos deuses,fruto de infracção às regras, de ofensa à divindade.Então, era curada por uma purificação. Por outro lado,foi um mal do corpo, susceptível de ser tratado comprodutos possuidores de propriedades curativas,surgindo, neste caso, uma medicina de observação,seguindo princípios de farmacopeia. Verificamos,então, duas espécies de doenças: uma de origemreligiosa, culpabilizante, metafísica, e outra racional,fruto do estudo e da observação do homem.

Até aos nossos dias, pudemos encontrar, nasaldeias da Gardunha, aquelas duas atitudes peranteos males que atingem o corpo humano: o castigodos deuses, numa explicação religiosa, de doençacomo punição, e a doença provocada por agentespatogénicos, numa explicação racional. Há cerca deuma dezena de anos, o pároco de uma vila da BeiraBaixa, durante a homilia dominical, apontava asdeformidades e as doenças das crianças comopossível fruto dos pecados dos pais.

Ambas as explicações são dados culturais, emboraLicenciado em antropologia. Investigador de temas

antropológicos

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a níveis de compreensão diferentes e dementalidades opostas.

A racionalidade da medicina e a dessacralizaçãodas causas das doenças projectaram-se numa provaevidente: o doente está nessa situação, porque temo seu organismo invadido por algo estranho e nocivo.

O corpo humano é um organismo admirável. Osórgãos adaptam-se maravilhosamente sob uma har-monia total. Essa harmonia, essa ordem perfeita, queé o estado de saúde, está continuamente a sofrer asmais variadas espécies de perturbações e agressõesque podem provocar doenças. Pelos sintomasmanifestados, é apercebido o agente perturbador ediagnostica-se a doença. A arte da medicina, quercientífica, quer popular, tem a finalidade de prevenirque qualquer perturbação aconteça, ou de tentardestruir o agente da agressão, para que sejarestabelecida a harmonia do organismo, a saúde, eseja evitada a morte. A medicina projecta-se numaluta contra a morte. Poucos passam de um século,mas cada vez mais são as pessoas que atingemidades avançadas, fazendo recuar a morte. Estaevidência é uma vitória da medicina, por umaresposta cultural às agressividades do meio,provocadas pelos agentes microbianos, bacterianosou virulentos, ou, ainda, uma resposta às doençasdegenerativas, responsáveis por disfunçõesorgânicas e anomalias metabólicas.

II -A MEDICINA POPULAR NA BEIRABAIXA

a) O SERRANO DA GARDUNHA E O SEU MEIOAMBIENTE

A nossa imaginação pode reconstituir a vida dospovos nos mais remotos lugares da Beira, na serra,na charneca ou no campo, desde há séculos,trabalhando a terra, arroteando os matos, palmo apalmo, numa agricultura de subsistência,sacralizando os momentos principais da vida,entoando orações, rezas e esconjuros, perante osfactos perturbadores da vivência normal,especialmente as doenças que atingiam o corpo,cujas origens ignoravam.

Este homem beirão, temendo a doença e a fome,projectava-se, por certo, numa teia de dúvidas, decrenças e de medos, que conduziam acomportamentos que hoje nos parecem estranhos,mas que são respostas culturais para satisfação dasnecessidades biológicas, sociais e espirituais.

O serrano da Gardunha, vivendo a maior parte davida no seu “habitat”, sempre cuidou do corpo e daalma, segundo os costumes e as técnicas adequados

ao seu viver, em função da sua cultura e dos valoresque a tornavam inteligível, e sempre tentou dar umaresposta ao mundo que o cercava, por forma a torná--lo o mais harmonioso possível.

Esse homem serrano, ainda nos meados do séculopassado, urinava sobre uma ferida, cobria-a comraspas do feltro do chapéu, ou dava-a a lamber a umcão para estancar o sangue e para sarar. Estehomem, que usava chapéu de aba larga para que oSol não lhe provocasse febres ou maleitas, vivia juntode estrumeiras e de dejectos, em conjunto com osanimais, ignorando o modo como se disseminavamos micróbios e as bactérias e como eram adquiridasas doenças.

Os serranos, na maioria analfabetos, perante afragilidade do organismo e face ao peso de uma vidadura e atormentada, procurando a comida para o diaa dia, senhores de uma sabedoria tradicional, emcontacto com a Natureza, com extraordináriamanifestação de esperança e de crença, pediam aprotecção de Deus, dos Santos e das Senhoras,mediante sacrifícios, orações e outros rituais, eaproveitavam as propriedades de muitas substânciasnaturais, que faziam parte do seu sistema ecológico,para produzirem a cura de muitas moléstias que, du-rante séculos, passavam pelos caminhos das Beiras,com um cortejo de misérias e tristezas.

Podemos afirmar que cada lar serrano tinha a suafarmácia doméstica, com remédios colhidos noscampos ou retirados de animais em alturas próprias.Estes produtos da fitoterapia e da zooterapia, e asvárias maneiras de aplicá-los, formam um notávelcontributo para o conhecimento da medicina popu-lar, bem como definem e identificam o homem beirão,na sua dimensão antropológica, com as suaspreocupações e os seus medos, perante odesconhecido, mas acreditando nos seus sacrifíciose nas suas obras.

Longa foi a história do homem, até que surgisse aideia do saneamento doméstico e dos lugarespúblicos. Só depois dos meados deste século, asautoridades do País tiveram um olhar dirigido para alimpeza e para o problema do saneamento das zo-nas rurais, no sentido da preservação da saúde e dahigiene das populações.

As aldeias da Gardunha eram depósitos de detritos,excrementos, produtos putrefactos e estrumesfermentando, propícios à proliferação de moscas ede outros vectores responsáveis pela disseminaçãode muitas doenças, que molestavam as pessoas e,muito especialmente, as crianças transmitindo-lhesos germes da disenteria, da febre tifóide, da difteria,que as não poupavam, com elevada mortalidadeinfantil, perante a conformação das mães, porqueeram anjinhos que Nosso Senhor chamava.

Alcaide, Castelo Novo, Alcongosta e Casal da

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Serra, ainda na primeira metade deste século,apresentavam algumas ruas atapetadas deestrumeiras, a sua periferia era uma cintura deexcrementos humanos e, junto de muitas casas, nosmonturos, putrefaziam-se todas as espécies dedetritos, esgravatados por galinhas e fossados porsuínos. O homem criava um ambiente favorável àmovimentação e proliferação dos germes seusagressores. Foi necessária uma longa mentalizaçãoe educação das pessoas, no sentido de eliminar osfocos originários de muitas doenças infecciosas, quefoi um grande salto cultural na prevenção da doença,na preservação do ambiente e do consequente modode vida.

Ao longo dos tempos, o povo foi experimentandoprodutos de origem vegetal, animal e mineral, emconjunto com práticas mágico-religiosas, paraminorar as suas mazelas.

b) PRODUTOS VEGETAIS NAMEDICINA POPULAR

O homem, como vimos, vive inserido num sistemaparasitário dependente das plantas. Elas fornecem--lhe o alimento e elas lhe propiciam os ingredientespara uma grande parte dos remédios. O vegetal podeter veneno e ser remédio. Muitas espécies vegetaistêm acção terapêutica sobre algumas doenças. Dezmil espécies vegetais, em todo o mundo, sãoprocuradas para lhes extraírem partículas utilizáveisem medicina.

Dominique Laurent, investigador francês, afirmouque 50% da farmacologia moderna é isolada dasplantas, como, por exemplo, a aspirina que épreparada a partir de extracto de salgueiro.

É evidente que houve uma medicina popular quesoube aplicar ervas e outros produtos terapêuticosatravés de conhecimentos transmitidos de geraçãoem geração. Por certo, a fitoterapia é tão antiga comoalgumas doenças conhecidas. As plantas sempreofereceram ao homem algumas propriedades dassuas raízes, folhas, cascas, caules, sucos e flores,sob a forma de xaropes, infusões, cozimentos,vapores e emplastros.

A própria medicina oficial recomendou, algumasvezes, o uso dos remédios caseiros. Um Aviso--Público emanado do Cirurgião-Mor do Reino, em1833, sobre a “Colera Morbus”, propõe a aplicaçãode remédios caseiros, como medida preventiva ecomo primeiros tratamentos contra aquela doença.Mandava aplicar sanguessugas sobre a região doestômago, previamente untada com óleo deamêndoas doces ou unguento de alteia. Largadasas sanguessugas, aplicavam-se no local cataplasmasde linhaça e dava-se a beber ao paciente água morna,

chá de cidreira ou de macela. Para combater asecura, devia-se tomar água do cozimento de gramacom alteia e gotas de limão. Para combater a diarreia,tomar tisanas obtidas pelo cozimento de sêmeas,raspas de pontas de veado e alteia.

Nas povoações serranas de Castelo Novo, doCasal da Serra e do Alcaide, faziam-se aplicações,no século passado e, com certeza, durante muitosséculos anteriores, na terapia ou na prevenção dealgumas doenças, das seguintes plantas medicinais,que deviam ser secas à sombra e, sempre quepossível, serem colhidas de rebentos e de plantasem florescência.

Elaboramos este trabalho a partir de um cadernode apontamentos de Agostinho Cordeiro Vaz,barbeiro, curandeiro e sangrador, de Castelo Novo,falecido nos finais do século passado, que era grandeconhecedor da medicina popular, colaborando commédicos do Fundão e de Alpedrinha.

Alecrim

Era tido como calmante ealiviava as doenças docoração. Tomando duas aquatro colheres, pelamanhã e à tarde, de águaonde foi cozido alecrim,limpava-se o estômago,restabelecia-se o apetite efavorecia a digestão.

Defumações comalecrim, sacralizado pelabênção em Domingo deRamos, purificavam os aresda casa e afugentavam astrovoadas.

Alho

Esfregado nos dentes, fazia abrandar a dor.Ingerido cru, fazia expulsar as lombrigas e atenuavao reumático.

Agrião

Era utilizado em“sinapismos”, comorevulsivo. Em xarope, eratomado para fortalecer oorganismo debilitado pordoenças.

“Barba de Milho”

O chá da “barba de milho” curava os males da

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bexiga e era benéfico para as vias urinárias.

Cebola

Um casco de cebola, com azeite aquecido nopróprio casco, aplicado sobre um abcesso(massadela), fazia-o amadurecer e purgar,contribuindo para a rapidez da cura. As verrugas ouimpingens, esfregadas com cebola, desapareciam.Bebendo água com sumo de cebola era remédio paraexpulsar as lombrigas.

CidreiraFazia um óptimo chá para os males de estômago.

Erva-doceA água do cozimento fazia bem às cólicas

intestinais e acalmava nos espasmos.

FigueiraO suco leitoso fazia

abrandar a dor provocadapela picada do lacrau eevitava lesões inflamatóriasprolongadas.

HortelãO chá de hortelã-pimenta ou de hortelã vulgar

curava as dores de estômago e possuía propriedadescalmantes.

LaranjeiraO cozimento, em água, das folhas ou das flores,

tomado várias vezes ao dia aquietava os nervos.

MacelaA infusão de macela em água quente tomava-se

contra os resfriamentos, as constipações e nascólicas.

MalvaEra uma erva

muito importantena medicina popu-lar. Fazendogargarejos comchá de malvas,c u r a v a m - s einfecções dagarganta. A águade malvas erabenéfica nalavagem de feridase era óptima parao tratamento dospés gretados. Emclisteres, tinha acção terapêutica sobre hemorróidasdo recto. Abreviava-se a cura dos panarícios,mergulhando-os várias vezes ao dia em água demalvas aquecida. O vapor do cozimento de malvasem água curava a inflamação dos ouvidos e saravaas irritações do ânus.

OliveiraO chá das folhas dos

rebentos de oliveiracombatia as palpitações docoração. O azeite virgemtirava o cerume dos ouvidose fazia abrandar as doresdos mesmos.

PimpinelaO xarope preparado com

cozimento de pimpinela,figos secos e açúcar, curavagripes, catarros eflatulências.

LinhaçaPapas de farinha de linhaça, sob., a forma de

cataplasma, tinham acção refrigerante. Eram,também, aplicadas como emoliente em inchaços epartes congestionadas.

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PinheiroO sumo dos rebentos de pinheiro, chupado pelas

crianças, curava a tosse convulsa e aliviava asconstipações.

Roseira BrancaA infusão em água das pétalas da roseira branca

curava a inflamação dos olhos, fazendo várias lavagens por dia. Era usada, também, em ‘fumigações’,fervendo as pétalas em água e dirigindo o vapor paraos olhos, normalmente, sob um cobertor, a servir deabafo.

Roseira BravaPétalas de roseira brava, fervidas em água, davam

um chá bom para o tratamento dos rins e da bexiga.

RosmaninhoO chá de rosmaninho era usado para as fadigas,

esgotamentos e diabetes.

SabugueiroA flor, as folhas e a casca do sabugueiro eram

utilizadas em chá para curar as cólicas dos intestinos,fazer parar a soltura e no tratamento das viasurinárias. A casca do sabugueiro, mastigada, tiravaas dores de dentes. O sabugueiro era tido comopurificador do sangue, limpava o corpo humano desubstâncias nocivas.

TíliaO chá da flor seca tinha grande eficácia sobre o

catarro crónico, além de exercer limpeza sobre osbrônquios e os pulmões. Era utilizado comosudorífero.

UrtigaAplicavam-se, cozidas ainda quentes e envolvidas

em panos, sobre inchaços provocados por quedasou pancadas. Tomando chá de urtigas, acalmavam--se afecções pulmonares e desembaraçava-se oestômago de matérias nocivas.

c) OUTROS REMÉDIOS E CURATIVOS DAMEDICINA CASEIRA

Além das substâncias vegetais, outros produtosforam utilizados na farmacopeia popular dos serranosda Gardunha, bem como muitas outras formas detratamento serviam para os mais diversos fins, notratamento de mazelas e doenças.

A enxúndia de galinha era usada, normalmente,em estado rançoso, como unguento no tratamentodo “trasorelho’ ou “papeira” e em muitos inchaços.Aplicava-se sob a parte molestada, cobria-se compapel pardo e amarrava-se um pano.

A clara do ovo da galinha era utilizada para envolveras queimaduras, evitando, desse modo, as infecçõespelo contacto com o ar. No tratamento de unheirosou de panarícios, metia-se o dedo molestado numovo, previamente furado, o que favorecia a cura.

O emprego do mel, como remédio para males dohomem, pode dizer-se que é universal. Encontram--se referências ao mel em pinturas murais e baixosrelevos, no Egipto, como a cresta e a extracção.

Em papiros, com mais de três mil anos, háreferência à cura de várias doenças pelo mel, comonas feridas, no tratamento da garganta, dos rins edos olhos.

Hipócrates recomendava o mel para o tratamentode algumas doenças, especialmente feridasinfectadas, no catarro expectorante e na tosse.Galeno considerava o mel como um grande remédiopara todos os males. No Corão, o mel é referido comoum grande remédio e um bom alimento.

O mel tem sido utilizado tanto na medicina popu-lar, como na medicina científica. Encontram-se, nasaldeias da Gardunha, muitas referências ao melcomo remédio caseiro.

O mel era um remédio por excelência, umdepurativo e um fortificante. Era receitado para seringerido em estados de fraqueza e em males do“bofe”. Tomado às colheres, desfazia catarros, curavairritações da garganta e bronquites, além de com-bater a prisão do ventre e fazer expulsar as “bichas”ou lombrigas. Era óptimo para o tratamento dasgretas nas mãos, do cieiro e dos “sapinhos”(dermatose da mucosa oral). Como unguento,amolecia carbúnculos, furúnculos e abcessos, alémde beneficiar a cura das úlceras. Água com mel,fervida, curava a inflamação dos olhos, por lavagensvárias vezes ao dia. O vapor ou fumo seco, obtidopor lançamento do mel sobre brasas, orientado comum funil para os dentes cariados, aliviava as dores.

É costume dizer-se na Beira Baixa: “ O mel é mimo,o vinho nobreza e o azeite riqueza”.

O homem beirão, no isolamento dos campos, ounas encostas das serras, longe de facultativos,médicos ou cirurgiões, tinha que recorrer à sua

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sabedoria para tratar as diversas doenças e mazelasque o atingiam.

Se tinha um carbúnculo ou um antraz, muito vul-gares no século passado, recorria ao barbeiro, aocurandeiro ou ao ferrador, para esses “nascidosmaus” serem queimados.

“O mal que o remédio não cura, diziam os antigos,cura-o o ferro; o mal que o ferro não cura, cura-o ofogo; o mal que o fogo não cura, é incurável”(RENGADE, 1883, p. 714). Estes ditos antigos tinhamactualidade nas aldeias da Gardunha, no séculopassado. A cauterização dos “nascidos” e feridas erapraticada por barbeiros, curandeiros e ferradores. O“ferro em brasa” era muito utilizado para destruircarbúnculos, antrazes e outros “nascidos”, queagrediam o homem da Gardunha. Queimado o“nascido”, era o local envolvido com um pano limpo,molhado em água fria.

Para atalhar o sarampo, embrulhavam-se ascrianças em cobertores vermelhos e fechavam-seas portas e janelas para não entrar luz, nem vento.

Para a cura de queimaduras ligeiras, envolviam--se com azeite e batatas cruas esmagadas, após alavagem com água fria, e abafavam-se com um trapolimpo.

Os calos eram eliminados por corte, com asdevidas cautelas, após o amolecimento em água demalvas aquecida.

Se o sangue saltava pelo nariz, era estancado combanhos de água morna com sal.

III - A MAGIA, O EXORCISMO E A CURAMILAGROSA

A magia, a cura milagrosa e os exorcismos forammanifestações praticadas, com frequência, pelaspessoas de todas as Beiras e acompanhavam asgentes da Gardunha nos transes de aflição.

A par dos remédios que a natureza pôs à disposiçãodo homem, o camponês da Gardunha, perante odesconhecido e o sobrenatural, tentou curas porpráticas mágico-religiosas, para as suas mazelas.Estas pessoas, ignorando as origens das doenças,julgando, por vezes, serem enviadas por Deus,praticaram rituais terapêuticos, pedindo aos Santose às Senhoras para os livrarem ou para os curaremdos males, de que hoje ainda há sobrevivências,como a promessa material ou á promessa sacrificial

A Nossa Senhora da Orada, em São Vicente daBeira, bem como as “águas santas” que brotam deuma fonte, junto da capela, foram procuradas paraas mais diversas doenças. Contam-se muitas curasmilagrosas, como pessoas entrevadas que eramtransportadas para junto da Senhora, faziam otratamento pelas águas e pelas rezas, durante umcertotempo, e regressavam a pé para as suas casas.

Ainda existe, na encosta junto da capela, a casa doermitão, onde os doentes se recolhiam.

Frei Agostinho de Santa Maria, no “SantuárioMariano”, de 1711, refere muitas curas milagrosas,operadas pela Senhora da Orada. Uma mulher doCasal da Serra, São Vicente da Beira, teve, durantemuito tempo, um eczema numa das mãos. Comonão via esperanças de cura, com os remédioscaseiros, foi pedir à Senhora da Orada que lhecurasse a mão, prometendo-lhe uma novena. Du-rante nove dias seguidos foi, a pé, banhar a mãonas “águas santas” e rezar à porta da capela. Emcasa, durante o dia, lavava várias vezes o eczemacom a água da Senhora e rezava. Ao nono dia, oeczema tinha desaparecido.

Sem a água, seria impossível fazer muitostratamentos com os remédios caseiros. A hidroterapiafoi muito utilizada pelas gentes da Gardunha. Umacura que seja produzida a partir da água tem umsentido de regeneração. O tecido doente regenera--se. A água que brota da terra, especialmente se jorrajunto dos Santos ou das Senhoras, tem um valorsagrado. Atribuem-se às águas as virtudes dosSantos, cujo poder é simbólico, não medicinal, masapenas eficácia mágica.

Para cura dos “tontos” da cabeça, com desmandosdo foro psíquico, eram praticados rituais de magiasimpática: uma pessoa levava uma peça de roupado paciente ao São Bartolomeu, esfregava-a noSanto e dava-se a vestir ao doente. As virtudesterapêuticas de São Bartolomeu funcionavam nocorpo do paciente, através da peça de vestuário,normalmente uma camisa.

O São Macário do Alcaide, tido como o milagreirodos surdos, tinha o poder de curar as doenças dosouvidos. O doente introduzia um pedaço de pano,por vezes, com um pingo de cera benzida, cortadodo hábito do Santo, usado durante um ano, oferecidoaos romeiros durante a festa anual. A cura pelo ‘trapo”era acompanhada de orações e de promessas aoSão Macário.

O São Sebastião protegia as crianças das“bexigas”. A mãe, ou uma pessoa de família, rodeavao pescoço do Santo com um fio de algodão ou comum nastro fino que, depois, era colocado no pescoçoda criança. O fio ou o nastro tinham o poder e a virtudede afastarem as ‘bexigas”.

A fé da religiosidade popular atribuía virtudesterapêuticas e preventivas aos Santos. Estaterapêutica era, normalmente, ritualizada porfamiliares do doente, que iam junto dos Santos fazeras práticas e pedir a protecção ou a cura, num actode magia ou de fé.

Algumas pessoas, acometidas de perturbaçõesmentais passageiras, eram tidas como possessasde espíritos. Eram, então, submetidas a exorcismos,quer por padres exorcistas, quer por “benzilhões”,

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bruxas ou quaisquer pessoas entendidas. Rezas,recitações mágicas, promessas, água-benta eremédios caseiros expurgavam das pessoas osespíritos malignos.

IV - O CURANDEIRO, O BARBEIRO E OENDIREITA

O homem camponês estava muito sujeito adiversos acidentes, que provocavam feridas,luxações, entorses, fracturas e queimaduras. Querpor falta de médicos, quer por falta de meiosfinanceiros, quer por crenças, costumes ementalidades, a maioria dos habitantes recorria aocurandeiro, ao barbeiro e ao endireita, quando se viaa contas com lesões corporais. Em muitaslocalidades, havia endireitas e curandeiros muitohábeis no seu mester, por vezes, fruto de uma longaaprendizagem. Muitos barbeiros, industriados sobreas mais variadas práticas curativas, eram oprolongamento dos médicos junto dos doentes e foimuito reconhecida a sua utilidade.

Um Regimento do Cirurgião-Mor do Reino, de 12de Dezembro de 1631, prevê a existência debarbeiros como auxiliares dos médicos, após teremprestado provas das suas habilidades, perante umjúri, podendo ser sangradores, facto que se prolongaaté ao século XIX. Prevê o mesmo Regimento quequaisquer pessoas podem curar enfermidades etratar feridas, se lhes for reconhecido mérito paraesse fim.

A sangria foi muito praticada na região da Gardunhaaté aos finais do século passado. Este acto operatórioera praticado nas veias superficiais da curva docotovelo, normalmente,nas veias medianas cefálicasou nas veias medianas basílicas, por picada com umalanceta, tendo previamente colocado uma ligadura,apertada, acima do ponto a sangrar. Tirado o sanguejulgado necessário, era retirada a ligadura, a feridalavada com água fria e sobre ela colocada umacompressa.

No terceiro quartel do século passado, AgostinhoCordeiro Vaz, barbeiro-curandeiro de Castelo Novo,muito entendido na medicina popular, com méritoreconhecido por cirurgiões, sangrou um indíviduoatacado por febres, a pedido da família deste. Odoente morreu e o barbeiro teve que responder emtribunal. Condenado a indemnizar a família dofalecido, teve que vender bens próprios parasatisfazer o encargo.

A sangria era vulgar, especialmente quando sejulgava que as doenças provinham de alterações dosangue. O bisturi ou a lanceta faziam parte tanto damala do cirurgião, como da bagagem do curandeiro,sempre prontos a praticar a flebotomia nas veias dos

pacientes, como meio terapêutico.Para diminuir uma congestão sanguínea, ou

eliminar uma dor, eram aplicadas, localmente,ventosas sobre pequenas incisões na pele, para asaída de sangue. Normal, foi também a utilização desanguessugas para o mesmo efeito, as vulgares“bichas”.

A maioria das pessoas da Gardunha, comproblemas nos ossos, acorria aos “endireitas”, pois,tinha desconfiança para com os hospitais, quandoos havia, porque eram locais para doenças de morte,segundo a mentalidade de então.

Fractura, entorse, luxação eram trabalho para“endireitas”. Ossos “desmentidos” e costelas“quebradas” eram serviços para os curiososendireitas. Endireitavam-se os ossos, envolvia-se obraço, a perna ou a mão com um pano apertado,colocava-se sobre o pano uma papa de farinha decenteio, amassada com urtigas, apertando tudo comoutro pano, por vezes, uma telha para permitirimobilidade. Depois, o descanso e uma reza a NossoSenhor ou a promessa a um Santo.

Por estes exemplos, podemos afirmar que, duranteséculos, sempre existiu uma medicina popular emsobreposição com a medicina oficial e não erramosse afirmarmos que muitas pessoas não conhecerammais do que o curandeiro, o “endireita” e o barbeiro,para tratamento das suas mazelas. Estas figuraspopulares foram muito importantes no processo cul-tural das sociedades das Beiras, sacrificadas porepidemias, infecções, maleitas e nascidos. Estasfiguras de um passado recente, para além dasmanifestações de algum charlatanismo, tiveram umpapel importante na ajuda aos doentes, aliviando--lhes os padecimentos e curando-lhes alguns males,nas doenças curáveis, segundo umaterapêuticaempírica, administrando remédios caseiros eefectuando práticas tradicionais, para os maisdiversos efeitos.

V - CONCLUSÃO

O problema das medidas de higiene e saneamento,da erradicação e do tratamento de doenças, tem sidoum factor cultural e uma questão de mentalidades.

No segundo estágio da evolução humana, em quea sedentarização se acentua, passando o homem adepender mais das plantas e animais domésticos,surgiu o problema do destino dos excrementoshumanos e outros tipos de lixo, o que facilitou afixação e proliferação de doenças. Mais animaispassaram a viver nas proximidades do homem emultiplicaram-se os vectores transmissores dedoenças, especialmente a mosca.

Um longo caminho cultural se processou na história

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do homem. A retrete tem pouco mais de cem anos,mas leva dezenas de anos a aceitação da construçãode latrinas para substituição dos campos como localde defecação.

O desaparecimento de estrumeiras nas ruas, bemcomo das “furdas” dos suínos junto da habitação, foiobtido mediante medidas coercivas. Houvedificuldades em persuadir o povo a seguir os conselhos dos médicos. Era difícil impor aos rurais oque vinha de fora, que viviam numa permanentedesconfiança perante o desconhecido e a inovação.

Não há dúvidas que houve sempre relaçõesecológicas envolvidas com a disseminação de certasdoenças do homem. Mas o povo não entendia arelação de causalidade entre alguns aspectos domeio ambiente e as doenças. Não compreendia asorigens destas, nem se apercebia dos agentestransmissores.

Há bem pouco tempo que o homem aprendeu aproteger-se através de medidas higiénicas e a tratar-se pela medicina oficial. Adaptou-se cultural ebiologicamente ao meio e sofreu a selecção naturalao longo dos tempos. Mas, só recentemente tentouvencer culturalmente a barreira da doença de umaforma projectada e consciente.

É evidente que existiu uma prática de medicinapopular, na região da Gardunha, como em qualqueroutro local, em sobreposição com a prática médicaoficial. Existiu uma medicina preventiva e curativa,que conhecia as ervas e outros produtos de valorterapêutico e soube aplicá-los, com maior ou menorexpressão.

Os aspectos da medicina tradicional, queregistamos, são factos que demonstram a vivênciado homem beirão, serrano, charneco ou do campo,entregue ao seu destino, tentando responder aodesconhe cido e às agressões porforma a satisfazeras necessidades individuais e colectivas, para defesada saúde e da preservação do corpo dos rigores domeio, dos maus espíritos ou da punição dos deuses,afastando-se da morte o máximo de tempo possível.

BIBLIOGRAFIA

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OUTRAS FONTES

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Pesquisa Antropológica, na serra da Gardunha, de1983 a 1988.

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AS II JORNADAS DE “MEDICINA NA BEIRA INTERIOR- DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉC.XX” PROGRAMA, ACTIVIDADES E NOTICIÁRIO DA

IMPRENSA

II JORNADAS “MEDICINA NA BEIRA INTERIOR”- A DOENÇA E A MORTE COMO TEMA

As II Jornadas da “Medicina na Beira Interior - daPré-História ao século XX” vão ter lugar na EscolaSuperior de Educação de Castelo Branco, nos dias16, 17 e 18 de Novembro. Organizadas pelosCadernos de Cultura “Medicina na Beira Interior”, como patrocínio da Sociedade Portuguesa de EscritoresMédicos, centram, este ano, os trabalhos nos temasda doença e da morte nesta região.

O encontro vai assim reunir um conjunto deespecialistas das várias áreas das Ciências Humanas- desde a História das Ideias à Antropologia, daEtnografia à Sociologia, da História das Artes àArqueologia, da Geografia à Botânica, da Anatomiaà Fisiologia, da Filosofia à Literatura e à Linguística,da História Económica e Social à História Política einstitucional - que irão analisar aspectos da realidadecultural da Beira Interior.

As sessões vão desenvolver-se dentro de umaperspectiva temporal que vai desde a Pré-história aoséculo XX e a abordagem multidisciplinar permitirá,certamente; clarificar aspectos que ao longo dotempo foram definindo o percurso do Homem destaregião do Interior Português em particular quandoconfrontado com a doença e a morte.

O programa definitivo, que conta para já com umagrande exposição bibliográfica sobre o Dr. José LopesDias e uma interessante palestra do Dr. AntónioSalvado sobre “O médico e a medicina na literaturaportuguesa”, será divulgado oportunamente.

(Notícias da Covilhã, de 19-X-90)

Evocação do Doutor José Lopes Dias,pelo Professor Caria Mendes(Biblioteca Municipal)

A DOENÇA E A MORTETema geral das jornadas dando continuidade

às do ano transacto

Subordinadas ao tema geral a doença e a morte,terão lugar nos dias 16,17 e 18 de Novembro, as IIJornadas de Estudo “Medicina na Beira Interior”,numa iniciativa da Sociedade Portuguesa de Escritores Médicos e dos cadernos de cultura Medicinana Beira interior - da pré-história ao séc.XX, que sepublicam em Castelo Branco. Deste modo, dão asentidades promotoras continuidade ao que foraanunciado aquando da realização das I Jornadas,em Abril de 1989.

Nessa altura, a “bela e arrojada iniciativa” teve ajusta compensação na presença e colaboração demuitos médicos e professores vindos de váriospontos do país e que nas suas comunicações eintervenções muito contribuíram para o alto nívelcultural e científico de que se revestiram as jornadas.

Levar a efeito um conjunto de sessões queconstituíssem motivo de reflexão e de estudo acercada realidade antropológica da Beira Interior atravésdos tempos, foi um dos motivos que deram origem aestas jornadas. Mas, constituíram também, estasJornadas, como que uma homenagem às centenasde Beirões que, pelo menos desde o séc. XVI, têmprocurado as faculdades de medicina portuguesas eestrangeiras.

As I Jornadas tiveram como objectivo levar a efeito,numa perspectiva interdisciplinar e tendo como póloreferenciador aquilo a que usualmente se chama deMedicina, um encontro de especialistas dasdiferentes áreas das Ciências Humanas queencontrem a substância das suas comunicações narealidade cultural da Beira Interior. Este ano, assessões, que decorrerão na Escola Superior deEducação, de Castelo Branco, serão estruturadasmediante uma coordenada temporal que vem da pré--história até à actualidade. Trata-se, pois, de umencontro de investigadores que, em perspectivasinter-disciplinares, procurarão relevar os aspectosque foram definindo, ao longo do tempo, o viver doHomem nesta região do Interior Português, na sualuta contra a doença e a morte. E isto, com o recursoa áreas tão diversas do saber, como a arqueologia,a história das ideias, a antropologia ou a sociologia,

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como a geografia, a botânica, a anatomia, a fisiologiaou a filosofia, a literatura, a linguística, a históriareligiosa, ou a história política e institucional, a históriaeconómica e social, ou as artes e a etnografia.

Actividades paralelas serão também levadas aefeito, nomeadamente duas exposições consagradasà vida e à obra desse grande investigador ehumanista que foi o Dr. José Lopes Dias, e umapalestra a ser pronunciada pelo Dr. António Salvado,subordinada ao titulo “O médico e a medicina comotema na poesia portuguesa”.

A DOENÇA E A MORTE NABEIRA INTERIOR

Dando continuidade ao ciclo iniciado em 1989, vãorealizar-se na Escola Superior de Educação deCastelo Branco, nos dias 16,17 e 18 de Novembro,as II Jornadas de estudo “Medicina na Beira interiorda Pré-história ao séc. XX”.

O Encontro, cuja realização é dos Cadernos deCultura com aquele titulo, dirigidos pelo Dr. LourençoMarques, anestesista do Hospital do Fundão eeditados pelo escritor Dr. António Salvado, tem opatrocínio da Sociedade Portuguesa de EscritoresMédicos.

Estas II Jornadas vão ter como pólos de referênciaa doença e a morte na Beira Interior e os trabalhosem que participarão investigadores ligados adiferentes áreas das Ciências Médicas e Humanas,da Anatomia à Fisiologia, da História das Ideias àAntropologia, da História da Arte à Arqueologia, daHistória da Literatura à Linguística, da Etnografia àSociologia e da História Política e Institucional àHistória Económica e Social, vão desenrolar-sedentro de uma perspectiva temporal que vai da Pré--história à actualidade.

Durante as Jornadas estará patente uma grandeexposição bibliográfica da obra do historiador damedicina e notável polígrafo, o médico albicastrenseDr. José Lopes Dias, a quem se deve a iniciativa datradução das célebres Centúrias Médicas de AmatoLusitano, cuja vida e obra investigou profundamente.

Do programa consta uma palestra sobre o médicoe a medicina como tema na poesia portuguesa, peloDr. António Salvado.

(Noticias Médicas, de 9-XI-90)

A MEMÓRIA DA MORTE DAPRÉ-HISTÓRIA AO SÉC.XX NA

MEDICINA DA BEIRA INTERIOR

O enigma da morte, da Pré-história ao SécXX, vaiser analisado este fim-de-semana, em CasteloBranco. É nas II Jornadas de Estudo “Medicina naBeira interior”, que a partir de hoje, sexta-feira, 16, eaté domingo, decorrem na Escola Superior deEducação. É uma perspectiva multidisciplinar que adiversidade das comunicações traduz. As Jornadasiniciam-se hoje, sexta-feira, pelas 16 horas, com umapalestra do Dr. Josias Gyll sobre a“Pluridimensionalidade da morte - do fantasma àrealidade”. Às 17 horas terá lugar a inauguração daExposição Bibliográfica sobre a obra do Dr. JoséLopes Dias, na Biblioteca Municipal.

Sábado, dia 17, os trabalhos iniciam-se às 9 e 30com apresentação de comunicações prolongando--se até às 17 e 30. Às 17 e 45 terá lugar uma visita àexposição “Cantigas populares da Beira Baixa lidase ouvidas por um médico”, guiada pela Drª AdelaideSalvado. A exposição é elaborada a partir de umensaio com o mesmo título do Dr. José Lopes Dias.Às 19 e 30 terá lugar um jantar de convívio.

No domingo, 18, o início dos trabalhos está previstopara as 10 horas. Haverá apresentação decomunicações e uma palestra pelo Dr. AntónioSalvado sobre o ‘Louvor e deslouvor do médico napoesia portuguesa’. Depois terão lugar a formulaçãoe leitura das conclusões. As comunicações às IIjornadas de Estudo ‘Medicina na Beira Interior’marcam uma diversidade temática, que é justorealçar. A qualidade dos autores dos trabalhos é outranota que dá a dimensão cultural do acontecimento:

Prof. António Branquinho Pequeno - “Epitáfios eCrisântemos da memória”; Dr. António LourençoMarques -”A medicina e o médico perante o doentemoribundo e incurável, no séc. XVI - o testemunhode Amato Lusitano”; Dra Fanny Andrée Font Xavierda Cunha - “Apologia da hidroterapia na conservaçãoda saúde - nota introdutória à tradução de ummanuscrito de Ribeiro Sanches (1699-1783)”; Prof.Iria Gonçalves -”Fragilidade da velhice e da doença- alguns exemplos da idade média beirã”; DoutorJesué Pinharanda Gomes - “O sistema mágico namedicina popular em Riba Coa nos meados do séc.XX”; Dr. José Morgado Pereira - “Estados da alma -doença e morte propósito de algumas obras literáriasportuguesas do séc.XX”; Eng° Manuel da SilvaCastelo Branco- “Assistência aos doentes em CasteloBranco e seu termo, desde o começo de Seiscentosaté finais do séc. XVIII”; Drª Cristina Lopes Dias - “Oimaginário da peste no séc.XVI”; Eng° António Manuel

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Lopes Dias - “Algumas plantas aromáticas eterapêuticas usadas por Amato Lusitano”; Drª MariaAdelaide Salvado -”O sentimento da morte nos finaisdo séc.XIX, nas notícias necrológicas da imprensaregional da Beira Interior”; Drª Melba Ferreira Lopesda Costa - “Augusto da Silva Carvalho - subsídiospara a História da Medicina em Portugal”; Dr. RomeroBandeira Gandra -”A crónica dos Cónegos Regrantesde Santo Agostinho e a 1ª Escola de MedicinaPortuguesa”; Prof. Alfredo Rasteiro -”António deAndrade (1581-1634) e a subida ao Tibete em 1624";Drª Amélia Ricon -”Dois homens, dois tempos: umobjectivo comum: Simão Pinheiro Mourão e DuarteMadeira Arrais”.

Estão também previstas comunicações dosseguintes autores: Prof. Armando Moreno, Dr. RuiPita, Dr. Albano Mendes de Matos, Dr. ArnaldoValente, Prof. Cândido Beirante, Dr. FernandoCurado, Prof. Geraldes Freire, Dra Maria daAssunção Vilhena Fernandes, Drª Olinda MoraisSardinha, Dr. Luis Raposo e Dr. Vasco Mantas.

(Jornal do Fundão, de 16-XI-90)

O Doutor Josias Gyll pronunciando asua conferência“ Pluridimensionalidade da morte - dofantasma à realidade “ .

II JORNADAS DE ESTUDOMEDICINA DA BEIRA INTERIOR- DA

PRÉ-HISTÓRIA AO SEC. XXESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇAO

PROGRAMA

Dia 16 de Novembro - sexta-feira

15h.30 - Recepção e entrega de documentação14h.00-Abertura das II Jornadas- Palestra: “Pluridimensionalidade da morte - do

fantasma à realidade”, pelo Dr. Josias Gyll.17h.00 - Inauguração da Exposição Bibliográfica

consagrada ao Dr. José Lopes Dias, na Biblioteca

Municipal (Praça Luis de Camões, antiga PraçaVelha).

Dia 17 de Novembro - sábado

09h.30-Apresentação de comunicaçõesA sessão prolongar-se-á até às 12h.30, com

intervalo para café.14h.30 - Continuação dos trabalhos17h.45 -Visita guiada à Exposiçã ”Cantigas

populares da Beira Baixa lidas e ouvidas por ummédico”, elaborada a partir do ensaio com o mesmotítulo do Dr. José Lopes Dias).

19h.30 - Jantar convívio num restaurante da cidade.

Dia 18 de Novembro - domingo

10h.00 - Recomeço dos trabalhos- Continuação da apresentação das comunicações- Palestra: “Louvor e deslouvor do médico na poesia

portuguesa”, pelo Dr. António Salvado.- Formulação e leitura das conclusões destas II

Jornadas.12h.30 - Encerramento.

JORNADAS DA BEIRA INTERIOR: A MORTE EMDEBATE

“Uma continuação mais aclarada de todo umprograma já estabelecido, mas que agora vaiganhando novos cambiantes enriquecedores” foicomo o Dr. António Lourenço Marques anunciou oinicio dos trabalhos das II Jornadas da Medicina naBeira Interior que voltaram a ter lugar em CasteloBranco, no passado mês de Novembro.

Durante três dias, estiveram reunidos na escolaSuperior de Educação cerca de trinta especialistas einvestigadores de múltiplas áreas das CiênciasHumanas, tendo desenvolvido um fecundo debatesobre uma temática diversa, mas que incidiu emparticular na realidade da morte a partir detestemunhos da Beira Interior.

Sete comunicações incidiram expressamente emaspectos ligados a esta experiência limite da vida,tendo suscitado reflexões e debates, por vezesapaixonados, mas que contribuíram, indiscutivelmente, para o seu conhecimento mais aprofundado.Diversas incidên-cias se verificaram, desde oespecialista em Geriatria, o Dr. Josias Gyll, quepartindo do conhecimento pessoal das vivências dosmoribundos, falou na “Pluridimensionalidade damorte - do fantasma à realidade”, ao psiquiatra Dr.José Morgado Pereira que questionando a cada vezmais notória crise de valores contemporânea (bemevidente na desumanização crescente da assistênciahospitalar, quer aos doentes quer aos moribundos),

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procurou captar com notável precisão os “Estadosde Alma: doença e morte”, em especial nas obras deFernando Namora, Jaime Cortesão e ManuelLaranjeira, escritores-médicos das Beiras.

A coordenada temporal alargada que caracterizaestes Encontros de estudo também aqui se verificou.Do século XX para trás, a comunicação da Drª MariaAdelaide Salvado pesquisou em “O sentimento damorte nos finais do séc. XIX, nas notíciasnecrológicas da imprensa regional da B.I.” os sinaisque também na morte não deixam de exprimir commuita clareza os diferentes atributos da vida deacordo com a origem social. O antropologista clinico,Prof. Branquinho Pequeno propôs também umcurioso percurso pelos epitáfios ao longo da história,em “Epitáfios e crisântemos da memória”, pro-cedendo a uma leitura semiológica elucidativa “darecusa da morte e um desejo de conservar o morto”quase sempre bem evidente nestes registosfunerários.

O Dr. Lourenço Marques recuou até ao séc. XVI,estudando o comportamento do médico e aperspectiva da medicina perante o doente moribundoe incurável, a partir dos testemunhos de AmatoLusitano, legados nas Centúrias de Curas Medicinais.O humanismo foi então uma realidade viva, mas comHipócrates como referencial. A especialista emhistória medieval, Prof.a Iria Gonçalves, apresentouum retrato realista, partindo detestemunhos da regiãoexaustivamente investigados, de como se vivia avelhice e a doença e também como se morria naBeira, em época tão recuada.

Outros temas ligados à doença e à sua cura ou àinvestigação histórica da medicina mereceram aatenção dos comunicantes. O escritor Doutor JesuéPinharanda Gomes apresentou um trabalho degrande rigor científico sobre a interpretação de “Osistema mágico na medicina popular em Riba Coanos meados do séc. XX”. O Eng.° Manuel da SilvaCastelo Branco continuou a sua minuciosa e bemreveladora investigação sobre a “Assistência aosdoentes em Castelo Branco e seu termo desde oscomeços de seiscentos até finais do séc. XVlll”, con-tinuando a tarefa iniciada nas I Jornadas.

“O imaginário da peste no século XVI” foi o temada Dr.ª Cristina Lopes Dias, sendo “Algumas plantase terapêuticas usadas por Amato Lusitano” estudadaspelo Eng.° António Lopes Dias. A Dr.ª Fanny Xavierda Cunha, da Sociedade de Estudos do séc. XVIII,debruçou-se sobre um manuscrito de RibeiroSanches, dedicado à hidroterapia.

As doenças de António de Andrade (1581-1634)aquando da sua subida ao Tibete em 1624, foramreveladas pelo Prof. Alfredo Rasteiro, num trabalhode grande rigor de interpretação médica e histórica.Outros dois vultos históricos da medicina, naturaisda Beira, Simão Pinheiro Mourão e Duarte Madeira

Arrais, interessaram a investigação da Dr.ª AméliaRicon Ferraz.

O debate sobre o estado do ensino da História daMedicina em Portugal, com a intervenção de algunsdos seus expoentes como o Prof. Caria Mendes,presidente da Sociedade Portuguesa de História daMedicina, o Prof. Alfredo Rasteiro da Faculdade deMedicina da Universidade de Coimbra e o Dr. RomeroBandeira, Delegado Nacional da SociedadeInternacional de História da Medicina, verificou-seapós a exposição da Dr.ª Melba Lopes da Costa sobre“Augusto da Silva Carvalho - subsídios para a Históriada Medicina em Portugal”. O Dr. Romero BandeiraGandra foi ainda buscar à Crónica dos CónegosRegrantes de Santo Agostinho importantesrevelações sobre a 1ª Escola de Medicina Portuguesa.

Uma importante exposição bibliográficaconsagrada ao Doutor José Lopes Dias, daresponsabilidade da direcção da Biblioteca Munici-pal, foi inaugurada no primeiro dia das Jornadas.Nesta cerimónia, em que estiveram presentesdiversos familiares do notável beirão, foi anunciadapelo vice-presidente da Câmara Municipal a intençãode vir a atribuir-se o seu nome a topónimo de umaartéria da cidade. O Prof. Caria Mendes, que conviveucom o Doutor José Lopes Dias, fez nesta altura, umabrilhante evocação, iluminada por Amato.

Exposição “Cantigas populares da Beira Baixalidas e ouvidas por um médico”

Uma outra exposição “Cantigas populares da BeiraBaixa lidas e ouvidas por um médico” (Doutor JoséLopes Dias) organizada pela Dr.ª Adelaide Salvadoesteve exposta no átrio da Escola Superior deEducação.

As Jornadas encerraram com uma palestra do Dr.António Salvado, um dos dinamizadores da iniciativa,sobre o “Louvor e deslouvor do médico na poesiaportuguesa”, desde os trovadores aos românticos,passando por Gil Vicente e pelos líricos do barroco.

Um aspecto de realçar ficou patente nestas IIJornadas como foi dito na sessão de abertura peloDr. Lourenço Marques: “A nota talvez mais curiosa e

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estranhamente original é que o número decomunicantes vai bem além do número departicipantes inscritos. Será que este facto indiscutívelrevelará a existência de uma determinadamentalidade que parece imperar na Beira?”.

Indiscutível também as II Jornadas de Medicina naBeira Interior - da Pré-história ao séc. XX foram umêxito e devem continuar. A publicação dascomunicações que os organizadores se propõemcontinuar a levar a efeito nos seus Cadernos deCultura cujo segundo número foi agora divulgado,constitui um valioso contributo cultural quer para aBeira Interior, quer para o próprio movimento deabertura à abordagem interdisciplinar dos grandestemas que preocupam o Homem e que passam pelaMedicina.

III JORNADAS: AMATO LUSITANO EMDESTAQUE

As III Jornadas a realizar em 1991 terão uma partededicada ao grande médico da Renascença, JoãoRodrigues de Castelo Branco (Amato Lusitano), emcuja obra se descortina uma assinalável riqueza deaspectos susceptíveis de tratamento de forte pendorinterdisciplinar. A medicina, mas também a fisiologia,e a anatomia, a antropologia e a etnologia, a filologia,a linguística e a história literária, a história das ideias,a sociologia, a geografia e a botânica, de entre osvários ramos do saber podem, encontrar os seustemas nos livros notáveis de Amato Lusitano.

A segunda parte deste terceiro encontro de CasteloBranco será mais uma vez sobre a morte, e tambémsobre o amor. Oportunamente os organizadores,onde se destacam os drs. António Lourenço Marquese António Salvado, divulgarão o projectopormenorizado das III Jornadas.

(Noticias Médicas, de 14-I-91)

A MORTE NÃO APAGA A VIDA

Não é fácil descrever nem sequer sintetizar o queforam as IIJornadas de Estudo, Medicina na BeiraInterior- Da Pré-História ao século XX subordinadasao tema excitante “A doença e a morte na Beira Inte-rior”. O tema é por si algo polémico e nebuloso, mastratado por especialistas competentes, não só osseus aspectos científicos como também os humanostornaram-se acessíveis e atraentes. Os cerca dequarenta participantes acompanharam com interesseos trabalhos apresentados sempre seguidos de

diálogo animado e proveitoso, porque osintervenientes eram conhecedores da matéria em de-bate.

Foi vasta a gama dos assuntos tratados, mas todossubordinados à temática enunciada, e se algunsencararam aspectos mais ou menos universais, amaioria deteve-se em casos e figuras da Beira Inte-rior, até porque o grande motor destas Jornadas é o“prestantíssimo” médico Amato Lusitano, conhecidouniversalmente.

A par das comunicações de tipo cientifico e históriconão faltaram as de carácter literário e sentimental epopular.

Feliz foi a ideia de integrar nestas Jornadas umahomenagem ao dr. José Lopes Dias, que para alémde médico proficiente deixou uma espantosa obrade investigação cientifica e histórica e de carácterassistêncial. Mas creio que o seu trabalho de maiormérito foi o estudo que fez e deixou sobre o“magnifico” médico albicastrense Amato Lusitano.

Óptimo seria que as diversas e ricas comunicaçõesfossem coligidas em volume. Seria um preciosodocumento sobre a história da medicina na Beira In-terior.

A sessão inaugural teve lugar no auditório da EscolaSuperior de Educação, na tarde do dia 16, com cercade meia centena de pessoas.

Na mesa da presidência estavam o eng. Rapoula,vice-presidente da Câmara Municipal, Dr.ª AnaManso, presidente da A.R.S., Dr. José Martinho,presidente da Comissão Instaladora da E.S.E., Dr.Caria Mendes, presidente da Sociedade Portuguesade História da Medicina, Dr. António LourençoMarques, da Comissão Organizadora bem como oDr. António Salvado que abriu a sessão com palavrasde saudação e agradecimento para os participantes.

O Dr. António Lourenço fez uma breve história dasJornadas de Medicina, salientando os seus objectivose o sentido histórico e humanístico e até literáriodelas.

Do tema de fundo marcado para esta sessão -“Pluridimensionalidade da morte - do fantasma àrealidade”- ocupou-se o dr. Josias Gil, que relacionouavida e a morte como realidades interligadas, paradeduzir que a morte, longe de ser um fim, é umprolongamento da vida.

Foi feliz a ideia de integrar nas Jornadas, umahomenagem ao Dr. José Lopes Dias, ricapersonalidade que se distinguiu pela sua cultura epelo sentido social que soube imprimir à sua operosaactividade.

Iniciativa da Câmara Municipal, foi concretizadapelo Departamento de Extensão Cultural daBiblioteca Municipal, de que é o director o Dr. ErnestoPinto Lobo que, mais uma vez, mostrou os seus dotesorganizativos pela forma como dispôs a apresentaçãoda vasta obra do homenageado. Organizado pelo

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mesmo Departamento foi distribuído um opúsculo (22págs.) com a resenha das obras e artigos dispersospor várias revistas e jornais do Dr. José Lopes Dias,que abre com palavras do Presidente da Câmara.

A exposição teve lugar no salão da Biblioteca Mu-nicipal Dr. Jaime Lopes Dias, irmão do homenageado.Na inauguração, usou da palavra, em primeiro lugar,o Dr. António Salvado que, depois de dizer do motivoda exposição, deu a palavra ao vice-presidente doMunicípio, eng. Rapoula, que fez eco do apreço daCâmara que por sua vez exprime o sentir dapopulação, pelo “cidadão honorário da cidade deCastelo Branco”. Por isso era com muita alegria quetransmitia a decisão de a Câmara de consagrar onome do homenageado numa rua ou praça da cidade(Soubemos, posteriormente que será a rotunda daentrada norte da cidade a escolhida. Com toda arazão porque ali se encontra a Escola deEnfermagem fundada pelo Dr. José Lopes Dias eque tem o seu nome).

O Dr. Caria Mendes nas palavras que proferiu,associou os nomes de Lopes Dias e Amato lusitano,distantes um do outro no tempo, mas muito próximospela actividade médica, demorando-se mais sobre aobra de João Rodrigues que mostrou conhecercopiosamente.

O Eng. António Lopes Dias, filho do homenageado,agradeceu em seu nome e da família aquelaexpressiva homenagem e recordou a figurainesquecível de seu pai que, para além do mais, seimpos sempre pela bondade, pela compreensão epela sinceridade e paz de espírito.

Os trabalhos prosseguiram na E.S.E., tendo asvárias sessões sido presididas sucessivamente pelaProf.a Dr.ª Iria Gonçalves, catedrática de História Me-dieval da Universidade Nova de Lisboa, Prof. Dr.Alfredo Rasteiro, da Faculdade de Medicina daUniversidade de Coimbra e Prof. Dr. Caria Mendes,da Faculdade de Medicina de Lisboa.

Comunicantes e participantes tiveram ocasião devisitar na E.S.E. a exposição “Cancioneiro da BeiraBaixa, lido e ouvido por um médico”, elaborada a partirdo ensaio do mesmo nome, da autoria do Dr. JoséLopes Dias e organizada pela Dr.ª Maria AdelaideNeto Salvado.

No final, feitas as conclusões, decidiu-serecomendar a quem tem o poder político, económicoe religioso “que reflicta sobre a derradeira função damedicina na sociedade, para que esta se dedi que àpessoa como pessoa, e não como coisa”. Foi, ainda,recomendada a elaboração de uma Antologia sobreo tema da morte na nossa literatura, face aos poucoselementos de estudo existentes. Por outro lado, juntodas universidades, estruturas governamentais eoutras entidades ligadas ao ensino, tentar que seconsiga a tradução de obras importantes para amedicina, uma vez que a maioria está inscrita em

latim.Decidiu-se também, que nas próximas Jornadas,

se estendam a outros ramos da ciência para que setornem ainda mais vivas e, sobretudo “nãoparticularizar nem regionalizar demais”.

O tema base do próximo ano poderá ser, e segundoo discutido, “Amato Lusitano”, uma vez que ele seráum manancial da medicina albicastrense e da BeiraInterior.

Como sugestão final, ficou no ar a ideia doalargamento das Jornadas a outros focos culturais,promovendo visitas históricas.

(Reconquista, de 23-XI-90)

Durante a exposição bibliográficaconsagrada ao Doutor José Lopes Dias(Biblioteca Municipal).

AMATO, AMOR E MORTE

As segundas jornadas de História da Medicina naBeira Interior subordinadas ao tema Doença, velhicee morte, realizaram-se, em Castelo Branco, nopassado fim-de-semana e deixaram clara aneces-sidade de se continuar este projecto de estudoe reflexão multidisciplinar, que engloba especialistasdos vários campos do saber, na tentativa decompreender o ser humano no seu, tão inevitávelcomo acidentado, caminho para a morte.

AS COMUNICAÇÕES

Das 15 comunicações apresentadas salientamos,pelo debate que provocaram, as do médico JosiasGyll, a do psiquiatra José Morgado Pereira e a doprofessor Jesué Pinharanda Gomes.

Josias Gyll, no seu texto apresentou algumas dasquestões que mais preocupam a generalidade daspessoas: a angústia da morte, a relação com os vi-vos (a família, o médico) com o moribundo e a relaçãodo moribundo com a própria morte. Partindo da sua

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experiência, como clínico e como pessoa, Josias Gylltentou desdramatizar a figura da morte como fimúltimo, encarando-a apenas como uma mudança, noseio de um universo que não morre. Convidou aindaos vivos a mudarem o seu modo de estar com omoribundo: em vez de fugirem da sua presença ouexprimirem a dor através de gritos e choros, devemfalar-lhe docemente e, sobretudo tocá-lo para oajudar a aceitar a sua passagem com serenidade e,até alegria.

José Morgado Pereira fez uma curta incursão naliteratura portuguesa contemporânea e, através detextos de Fernando Namora, Manuel Laranjeira eJaime Cortesão, analisou as interacções que existementre o médico e a doença, o médico e o doente/pessoa, e a relação do doente com a sua própriadoença.

Jesué Pinharanda Gomes trouxe consigo umaproposta de interpretação de um ensalmo (reza comefeitos curativos) oriundo da tradição oral, para que,com a ajuda de todos os presentes, se encontrassempistas, a nível literário e medicinal, para a sua maiscompleta decifração.

A ORGANIZAÇÃO

Sendo esta, uma segunda edição esperar-se-ia queas pequenas mazelas organizativas de que tinhamenfermado as primeiras jornadas, tivessemdesaparecido. E que os promotores soubessemorientar e ordenar as intervenções. Infelizmente talnão se verificou. As comunicações seguiam-se semque se percebesse a lógica de entrada, que, no caso,deveria ser temática. Esta dispersão não facilitou eempobreceu, algumas vezes o debate.

A mesa mostrou uma grande ineficácia paraorientar os trabalhos permitindo que os comentários

às comunicações se prolongassem indefinida ecansativamente. Este ano (para além do médicoAlfredo Rasteiro que não abdica da última palavra e,muitas vezes, ganha por cansaço dos adversários)apareceu um vestuto e bem humurado médico, o Dr.Caria Mendes, possuidor de uma verve invejável, quepôs à prova a paciência de grande parte dospresentes, perdendo-se em longuissimas divagaçõesque, entre outras coisas, fizeram atrasarconsideravelmente o final das jornadas e apressaras conclusões e os projectos futuros.

Precalços à parte, o ambiente, mesmo quando osassistentes escasseavam, era vivo e cordial. Notou-se, como já vem sendo hábito a ausência declínicos...

AS CONCLUSÕES

Devido ao adiantado da hora (a tarde crescia coma perspectiva, para muitas pessoas, de uma viagemsem almoço) as conclusões reduziram-se asugestões dispersas e algumas mesmoimpraticáveis. No entanto, certas propostas merecemregisto pela sua importância: promover a elaboraçãode uma antologia sobre a morte na literaturaportuguesa contemporânea (Sécs. XIX e )OX);propor, a entidades universitárias, a tradução do latimde obras importantes, escritas por médicos; orientaros trabalhos das próximas jornadas para a figura deAmato Lusitano e para outros temas - Amor e Morte.

Finalmente, é de realçar a aceitação da CâmaraMunicipal de Castelo Branco da proposta feita pelaorganização das jornadas, de atribuir a uma artériada cidade o nome do médico e historiador José LopesDias, cuja obra foi objecto de uma exposição, naBiblioteca Municipal.

M. D.

(Gazeta do Interior, de 22-XI-90)

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ENTREVISTA À RÁDIO URBANA(Castelo Branco) Em 29-XI-91

R.U - Dr. Lourenço Marques, como foram as IIJornadas da Medicina na Beira Interior e qual oproveito que o cidadão comum poderá tirardelas?

L.M. - Agradecemos a oportunidade de mais umavez estarmos aqui, agora para fazermos o ponto darealização dessas “ll Jornadas da Medicina na BeiraInterior- da Pré-história ao séc. XX”, que tiveram lugarno último fim de semana, com início na sexta-feira,prolongando-se até à tarde de Domingo, uma tardebem crescida aliás. É com muito orgulho quepodemos dizer que as Jornadas reuniram em CasteloBranco um conjunto de investigadores e especialistasde diferentes áreas das ciências humanas que vieramà nossa cidade beiroa discutir temas de grandeimportância. Esta é a nota para já que gostaríamosde salientar. Foram 16 comunicantes e foram cercade 30 pessoas ligadas à investigação e/ouconhecedores profundos de determinadas áreas doconhecimento que estiveram connosco.

Os temas deste ano foram a doença e a morte. Aocentrarmos nesta temática os nossos trabalhos,quisemos reforçar a ideia de que as “Jornadas daMedicina na Beira Interior” têm a ver com o homemnuma situação mais concreta, isto é, quando éconfrontado com a doença e com a morte. Este foitambém o tema do ano passado e vai ser o tema desempre!

As comunicações apresentadas incidiram, comodisse, nesta temática, porque mesmo aquelas quese referiram a aspectos mais concretos da Históriada medicina portuguesa, trataram da medicina, domédico, do médico investigador, ou do médico deoutros tempos, aqui da Beira, e que se preocuparammuito com a doença e com a morte, nessas épocas.Falar na doença e na morte e talvez um pleonasmo,nesta configuração. As nossas Jornadas, repito,serão sempre dedicadas ao estudo destas realidadese às experiências do homem que de qualquer modotocam tais realidades.

O Dr. António Salvado esclarecerá melhor a ligaçãodas comunicações a esta preocupação. Devemosreforçar, no entanto, uma ideia-força que nos orienta:a nossa intenção é trazer isto a um debate, um de-bate aberto e livre, um debate sem tempo, um de-bate que não é de modo nenhum limitado pelosorganizadores dos Encontros e que este ano foiextremamente frutuoso. Os debates que todas ascomunicações suscitaram, (e reforçamos: todas as

comunicações) foram discussões muito ricas,prolongando-se por vezes por muito ter tempo. E háuma nota curiosa que queremos referir: todos osparticipantes que se encontravam na Escola Supe-rior de Educação, nunca abandonaram sequertemporariamente os trabalhos, nunca semanifestaram maçados com a persistência dos de-bates. Tivemos a sorte e a honra de ter entre nóspersonalidades de grande valor. Todos osparticipantes foram importantes, todos deram umcontributo notável a este encontro interdisciplinar. Noentanto, permito-me citar alguns para dar a ideia omais fiel possível dessa qualidade. Um, comoexemplo: o Professor Caria Mendes que pela suapreparação e grande erudição enriqueceu muito ostrabalhos; e outros como foram os participantes quedirigiram as mesas, o Professor Alfredo Rasteiro e aProfessora Iria Gonçalves, personalidades ligadas ànossa Beira, que permitiram e contribuíram para queo debate fosse efectivamente um espaço privilegiado.

R. U. - As comunicações vão continuar a serpublicadas?

L.M. - Sim. Foi uma das conclusões das I Jornadas.Já editamos dois cadernos com 11 das 17comunicações das I Jornadas. Vamos continuar comeste projecto, que é apesar de tudo difícil e só temsido possível graças ao apoio de amigos que assuportam com a inclusão de publicidade. Garantimostambém que as comunicações das II Jornadas serãopublicadas.

R.U. - Dr. António Salvado, em sua opinião, comodecorreram as Jornadas ao nível da nossaregião? Como é que a nossa região aceitou e deque maneira aceitou a realização destas “IIJornadas da Medicina na Beira Interior”?

A.S. -Temos que ir um pouco atrás e falar ainda dasprimeiras, porque quando essas foram estruturadase depois accionadas, a própria designação dada àsmesmas deve ter perturbado alguma coisa. Naverdade, chamar a umas “jornadas de estudo demedicina na Beira Interior”, até aí, enfim, é tudorazoável. Mas, depois, dar-lhe uma perspectiva tem-poral da pré-história ao séc. XX, é assim um poucoestranho... Falar da Medicina na pré-história e nessasidades tão remotas...Mas o programa é um projecto que foi longamente

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reflectido por mim e pelo Dr. Lourenço Marques. Eparece que com alguns frutos. E a prova é que serealizaram as segundas, os cadernos de cultura“Medicina na Beira Interior - da Pré-história ao séc.XX” vão no segundo número, o que significa que oprojecto está a materializar-se e está realmente aganhar aspectos bem concretos e visíveis para todaa gente.

Passado um ano e tal da realização das I Jornadas,aconteceram as II. E, pormenor bem curioso, muitosdos comunicantes do último ano apareceram denovo, gente que acreditou no projecto vindo outravez colaborar connosco. O número de participantesnão foi talvez muito relevante pois as Jornadas, emboa verdade, estavam abertas a toda a gente, detodas as áreas, digamos, não só aos médicos, mastambém aos professores, etc., etc.. Não houve nesseaspecto uma participação muito acentuada. E é talvezum pormenor que será de lamentar, porque, quantoa mim, esta situação que foi termos um número decomunicantes quase próximo do número departicipantes, o que normalmente não acontece emnenhum lado, leva-nos a ponderar o seguinte: masserá que Castelo Branco avança para umnivelamento desastroso? Quero dizer: será que acomunidade cada vez se vai alheando mais? - e eunão falo apenas na comunidade em geral, falotambém e, respeitando certos padrões e uma vezque a Universidade existe, na comunidadeuniversitária. Pelo menos os universitários... Ora, algoparece não caminhar de uma maneira muitosatisfatória. Não me compete a mim, evidentemente,fazer a análise das razões, detectar e dizer porquê.A nossa intenção foi levar a efeito as II Jornadas,conseguimos realizá-las com êxito superior àqueleque as I Jornadas haviam apresentado; a animaçãocultural, digamos, foi muito maior; para lá do valorintrínseco das próprias comunicações, os debatessuscitados foram vivíssimos; houve, e o Dr. LourençoMarques já salientou esse facto, a presença do Pro-fessor Caria Mendes que animou de maneiraespantosamente viva os debates. É um senhor daCátedra, mas que sabe aliar ao saber umacapacidade espantosa de fazer humor. E nestascoisas o humor é também necessário, porque mesmoque haja uma grande vivacidade, há sempre um ououtro participante que tem tendência para dormir. Asmesas serem presididas por gente dotada dessacapacidade foi realmente bom.

Só mais um pormenor relacionado com adiversidade. Um médico e um licenciado emhumanidades pensarem e elaborarem um projectodeste teor, tentando unir disciplinas tão diversas noconjunto das ciências humanas, prova que é verdade,que podia acontecer, ficou devidamente provado queaconteceu, que acontece e porque é que não há-dede vir a acontecer outra vez? E, ainda com satisfação,

também anotamos que alguns dos comunicantes doúltimo ano, e gente que tem responsabilidades até anível internacional neste tipo de realizações, nosmanifestaram a sua alegria pela continuidade. Nofundo, dir-se-ia que não se acreditava bem... Ascoisas têm um número um, mas depois não há onúmero dois. É o primeiro qualquer coisa, mas nãohá o segundo. Pois, provou-se que com algumesforço, ou, se se quiser, com muito esforço, comalgum trabalho, ou se quiser, com muito trabalho eprincipalmente com ponderação e com uma união eharmonia perfeitas, foi possível levar o projecto paraa frente. E até já podemos anunciar que estamos atrabalhar no 3° número dos cadernos de cultura“Medicina na Beira Interior - da Pré-história ao séc.XX”....

R.U. - Aliás eu tenho aqui na minha frente umnúmero aberto numa página em que isto querdizer muito: “Para o ano há mais”. Se mepermitem, eu queria aqui fazer um considerandosobre tudo o que ouvi: é evidente que nem tudoterá corrido ao vosso belo prazer ou pelo menoscomo desejariam. Mas eu queria aqui fazer umabrin-cadeira e dizer-vos que há pessoas que vãoapenas ao andebol porque só gostam de andebole há pessoas que só vão às Jornadas da Medicinana Beira Interior, porque gostam da medicina,, equerem aprender, querem cultivar-se. O facto deuma ou outra pessoa faltar, talvez não queirasignificar muito, quando à frente de umaorganização estão pessoas cheias de qualidades,cheias de valor e que para além disso têm acoragem de vir a um jornal e dizer aquilo que foi,aquilo que anseiam e aquilo que realizaram e,depois também através da rádio, fazem ainda umaexpansão mais dilatada sobre o que foi umagrande jornada. Parece-me que isto será o meuincentivo muito modesto para vos dizer que ovosso trabalho foi bem compreendido, eu sei quefoi bem compreendido, toda a gente o sabe... Nãosei quantos milhares de pessoas estão a ouvir-nos mas sei que há muita gente à espera porqueestava anunciada esta entrevista, que servetambém de forma de estimulo e de apoio. PortantoDr. Salvado e Dr. Lourenço, vamos para a frente.Castelo Branco é uma cidade em francoprogresso. Já hoje repeti isto não sei quantasvezes, porque eu sou aibicastrense. A minhacostelinha de albicastrense faz-me dizer isto efaz-me dizê-lo também muito sentidamente.

A.S. - Do ponto de vista científico tudo correuoptimamente. Do ponto de vista da convivência en-tre gente interessada pela investigação, foi tambémtudo óptimo. Quer dizer: se me perguntar e se eutiver que dizer o que falhou aqui? Eia, que diabos!

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Também tenho andado em jornadas, em congressos,etc, talvez não muito, devido à vida profissional...Quanto a mim, se me permite, nada falhou!

LM. - Eu comungo esta opinião do Dr. Salvado.Vamos lá a ver, quando há pedaço, nós talveztivéssemos transmitido um pouco a ideia de umacerta mágoa por não haver tantos participantes comopensamos que o interesse destas jornadasjustificariam, pensamos , no entanto também, e indode encontro aquilo que o sr. Mendes Serrasqueirodisse, que de facto Castelo Branco é uma cidadeem franco progresso. E eu tiraria aqui um outroensinamento. É que de facto há cultura em CasteloBranco. Estamos um pouco atrasados, é verdade,mas há cultura, e o podermos realizar estas Jornadasem Castelo Branco, com investigadores e

especialistas de grande nomea-da que vêm à nossacidade, é um outro lado da questão. Isto significaprogresso também. É um progresso que talvez acomunidade beiroa não esteja a acompanhar tãorapidamente, mas de que irá com certeza aperceber-se. Estamos no bom caminho, pois temindiscutivelmente um sentido de progresso...

R.U. -...e acima de tudo com a colaboração detodos os que vivem em Castelo Branco, mesmo quenão sejam naturais daqui. São pessoas que estão jáenraizadas que também são responsáveis porjornadas como estas. Porque sejam de fora da terraou sejam da terra, estão a contribuir para um bemcomum, estão a engrandecer e isso merece oaplauso de todos.

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NOTAS DE LEITURA

“MÉDICOS ESCRITORESPORTUGUESES”

Editado pela editora ERL, foi distribuídorecentemente o 1° volume da obra do Prof. ArmandoMoreno intitulada “Médicos Escritores Portugueses”.

Nas I Jornadas de estudo ”Medicina na Beira Inte-rior - da Pré-história ao séc.XX”, este autorapresentou a comunicação “Médicos Escritores daBeira Interior” tendo então afirmado que “logo nosalvores da nacionalidade, os médicos portuguesespassaram para a escrita as suas meditações, a suaexperiência, do que resultou um manancial de textosavoengos de interesse filológico e literário”, comocomprova no livro que agora nos apresentou.

Antes de avançar propriamente pela análise/revelação dos médicos portugueses que desde 1276se ocuparam também da escrita de pendor literário,o Prof. Armando Moreno procede a uma criteriosareflexão sobre os porquês de muitos médicosapresentarem “um tal tipo de excrescênciaprofissional, esta solução espiritual dos lazeres, estafuga fantasiosa ao dia a dia”. E parece-lhe claro que,como explicação global, para além de uma prováveltendência inata, sobressai a importância “daformação” de médico.

“O homem que escolhe por profissão a actividade

cujo fim é tratar o seu semelhante, aliviar-lhe osofrimento, cata a vida por um prisma especial,espreita o seu meio de sobrevivência com tonalidades ricas, desenha um perfil espiritual singular”. Éatravés desta vivência muito particular, reflectida poruma formação profissional que apurou o sentido deobservação e descritivo (Anatomia, Histologia,...) ede explicação/interpretação (Fisiopatologia,Psiquiatria,...), que o autor médico cria a obra literária,“nessa perene procura do entendimento da verdadehumana e objectual”, na afirmação de Luis ToledoMachado.

E se a experiência do sofrimento, primícia dasfontes literárias, se comporta como extremamentefecundante, pois arrasta o homem até ao âmago doser, leva-o a participar no drama humano que é eternoou atemporal, e circunscreve caminhos quedeterminam o próprio caminho do homem, acoabitação do médico com o ser sofredor, solidáriocom ele, produz “uma inquietação perante a vida ouperante a morte que vai gerando o paralelismo narealização de uma ansiedade única que origina omédico escritor”, na explicação do Prof. ArmandoMoreno.

Procedendo ao enquadramento histórico, numperíodo que vai de 1276 a 1760, são lembradosdepois 16 médicos escritores, desde Pedro Hispanoa João Pinto Delgado, com informações bio--bibliográficas, por vezes originais, e a apresentaçãode recolha de alguns dos seus textos. João Rodriguesde Castelo Branco é um vulto marcante do séc.XVI,bem referenciado nesta obra. “Senhor de notávelexperiência, vasta erudição, espírito observador eesclarecido” decide-se escrever obras “de notávelvalor médico, escritas com elegância e clareza”, comonos diz o Prof. Armando Moreno, que, para além deProf. Catedrático da Universidade Técnica de Lisboae Universidade do Porto, é licenciado em Línguas eLiteraturas Modernas.

Outros autores estudados são os já referidos PedroHispano (o papa João XXI) e João Pinto Delgado, eainda Valesco de Taranta, Christophorus, JoséVizinho, Leão Hebreu, Garcia da Horta, Mestre João,Pedro Nunes, António Luis, 3 médicos distintosidentificados por Mestre António, Afonso Miranda eTomás Rodrigues da Veiga. João Pinto Delgadofaleceu em 1590, esgotando-se aqui o primeiro rolde autores que esta monumental obra vai apresentar.A edição é primorosa e um recheio notável degravuras torna a leitura ainda mais atraente einformativa A.L.M.

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OS AZULEJOS DOCONVENTO DE BRANCANES

A investigação histórica tem sido um dos camposcom mais atracção por médicos com preocupaçõeshumanísticas e culturais. São bastantes os trabalhospublicados em Portugal, da autoria de médicos, cujoescopo se inscreve no âmbito historiográfico ecuriosamente com uma recrudescência em autoresmais novos. O tenente-coronel médico, Dr. FernandoMatos Rodrigues, anestesista, deu à estampa umestudo precioso sobre o que ainda resta doimportante acervo de azulejos do antigo Semináriopara Missionários Apostólicos Franciscanos deNossa Senhora dos Anjos, em Brancanes, nosarredores de Setúbal.

O volume que inclui 28 fotografias dos referidosazulejos, alguns bastante danificados pela acçãodesastrosa do homem, tem, para além da revelaçãode importantes aspectos artísticos, o mérito de nosalertar para a grave situação de degradação a queeste material de indiscutível valor artístico e culturalacabou por chegar. O Dr. Matos Rodrigues descrevepormenorizadamente, perante as peças, algunsdesses estragos.

O opúsculo inclui ainda uma breve história doconvento e uma bibliografia que poderá orientaroutros estudiosos a desenvolverem quer o estudodos azulejos que classifica de joaninos, instaladosentre os anos de 1711 e 1715, quer de outrosaspectos artísticos do Con-vento de BrancanesA.L.M.

A HISTÓRIA DO CORPO

Editado pela Difel e da autoria do Prof. JorgeCrespo, A História do Corpo é uma obra a referenciarno panorama dos estudos historiográficos eantropológicos portugueses, por constituir umaproposta rica pelas múltiplas abordagens que sugeredesta realidade que é o corpo, aqui entendido comocampo e protagonista das mudanças que severificaram no início do século XIX português.Partindo da exploração exaustiva dos arquivos daIntendência Gerai da Polícia, do Ministério do Reinoe da Real Mesa Censória e ainda dos registosparoquiais e muitas outras fontes impressas, esteinvestigador pôde abranger um plurifacetismo notávelda problemática do corpo. A doença surge como umtema privilegiado. As políticas de saúde, os temposda doença e da morte (os cuidados com a morteaparente para evitar o enterramento prematuropreenchem uma boa parte de um capítulo), asepidemias, as terapêuticas, a higiene pública e a

alimentação são aspectos ligados à área dosofrimento do corpo investigados com minúcia naprimeira parte do livro dedicada à “redução dosdefeitos do corpo”. Aqui se captam realidades bemmarcantes do próprio corpo, como a doença e amorte e as raízes destes males. Estamos por vezesperante uma sociologia da morbidade, pelo que serevela quanto à presença permanente e opressivadas doenças na vida das pessoas e da sociedade.

Uma outra perspectiva explorada na segunda partedeste livro tem a ver com “os prazeres do corpo”. Asfestas, as corridas de touros, as lutas entre as aldeias,os jogos de fortuna e de azar, os espectáculos como corpo (teatro, circo,...), mas também ocharlatanismo e a superstição e, por outro lado, aintervenção das autoridades administrativas epoliciais na regulamentação e repressão dosexcessos são os objectos da pesquisa delineadanesta parte da obra. Uma forma de nos aproximardo conhecimento das condições de vida, em Portu-gal de finais do século XVIII e princípios do séculoXIX, entre o absolutismo e o primeiro períodoconstitucional. Uma época com fermentos demudança bem necessários devido ao estadolamentável a que tínhamos chegado.

Este trabalho do Prof. Jorge Crespo insere-se aindana melhor tradição dos novos historiadores queprocuraram descortinar no banal, “junto do quotidianoe do numeroso, a carne e o sangue da história”, aojeito da afirmação de Jacques Revel.

Algumas limitações das fontes “não podem deixarde lançar o investigador no desconhecido mas, aomesmo tempo, libertam-no para os caminhos daimaginação e da curiosidade, para arrancar dedocumentos e factos aparentementedesinteressantes, as linhas com que se tecem ascondutas porventura mais significativas da condiçãohumana”, explica o autor.

A História do Corpo demonstra-nos isto mesmo.Pena é que estudos desta índole não abundem en-tre nós. A.L.M.

KALLIOPE DE MEDICINAVolume 3 nº1 -1990

Destinada a acolher “estudos da história da medicinae do medicamento, técnica, arte, ciência, cultura esaber médico”, este número de Kalliope, De Medicina,órgão da cadeira de História da Medicina, daUniversidade de Coimbra, continua a revelar bonstrabalhos de investigação e divulgação daquelasáreas.

O Prof. Alfredo Rasteiro, que é a alma destapublicação, assina um estudo “Sobre o ensino daHistória da Medicina em cadeira de propósito” na

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Universidade Portuguesa, que nos seduz por revelarem todo o seu percurso um dos aspectos essenciaisdeste ensino: “A História da Medicina é uma Escolade tolerância, de coerência e de dignidade”, bemevidente em todas as manifestações com elarelacionadas, apesar de, em muitos casos, secircunscreverem a tentativas sem sucesso.Efectivamente é “paupérrima a historiografia médicaportuguesa”. Mas Ribeiro Sanches é uma referênciaprimordial.

Ainda do mesmo autor, podemos ler outrosestudos: um sobre “A grande viagem dos óculos”relacionado com a introdução deste utensílio, noJapão, pelo missionário português Francisco Cabral,em 1571; outro sobre “a cirurgia em Coimbra noséculo XVII”, renascida em 1613 depois da introduçãopor Guevara, em 1557, e logo extinta em 1561,quando este Lente de Anatomia, natural de Granada,se mudou para Lisboa, onde veio a ter papelrelevante, no Hospital de Todos os Santos, ao serviçodo estudo e do ensino da Anatomia; ainda a Históriada Cirurgia portuguesa é enriquecida com umaanálise da obra “Historiae Chirurgicae Epitome, 1790”de Caetano de Almeida (1738-1798), destacandouma interessante referência a Amato Lusitano,“Homem instruído, engenhoso e grande observador,cujas obras devem ser conhecidas e consultadas”.

A evolução do estudo e do ensino “da Anatomiaem Coimbra no século XVlII”, no fulcro da renovaçãodos estudos médicos, como preocupação do reitorFrancisco de Figueiroa (1662-1744), preenche umoutro trabalho de J.J. Carvalho Santos.

“Uma missão científica para o estudo da febreamarela no Brasil” levada a cabo, em 1900, por umComité da Escola de Medicina Tropical daUniversidade de Liverpool, serve de tema a umtrabalho de Juan A. del Regato, referindo ainvestigação sobre a transmissibilidade da doençapelo mosquito, que também fez assuas própriasvítimas. Artigos sobre a história da farmácia, emPortugal, e um noticiário e notas de leitura completameste volume. A.L.M.

Com o objectivo de desenvolver “o estudo sobre acorrecta relação entre Ciência e Ética,particularmente nos domínios da medicina, biologiae antropologia”, a Sociedade Portuguesa de Ciênciae Ética “Pedro Hispano”, sediada no Porto, temdesenvolvido algumas actividades que devem serrealçadas.

Além de intervenções em simpósios e palestras,decorreu já o 2° ano do curso de Estudos Superioresde Ciência e Ética na Saúde com uma frequência de50 alunos que são também profissionais de saúde.No ano passado, teve lugar um curso sobre a famíliae o doente terminal. Em Abril último, realizaram-seconferências sobre “Transplantação da medula”,“Eutanásia”, “Morte cerebral” e “Redescoberta daNatureza - o pensamento ecológico”.

Outras iniciativas como a publicação de cadernose a elaboração, em curso, de um dicionário ético--jurídico das ciências da vida fazem parte dosprojectos desta Sociedade. Realizações que contri-buirão certamente para proporcionar uma “formaçãohumanistica e ética mais aprofundada do que aquelaque os profissionais de saúde obtêm nas Escolas”,conforme referiram ao Noticias Médicasresponsáveis da SPCEPH.

O convívio das diferentes ciências humanas, queassim se pode tornar realidade, constituirá um passodecisivo no sentido de “compreender o fenómeno daciência em si mesma e dos paradigmas que afazem avançar” nas palavras dos dirigentes destaSociedade.

A Sociedade Portuguesa de Ciência e Ética “PedroHispano” tem sede na Rua António Patrício, 174-10

Dto., 4100 Porto.

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SOCIEDADE PORTUGUESADE CIÊNCIA E ÉTICA

“PEDRO HISPANO”

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PRÓXIMO NÚMERO DE“MEDICINA NA BEIRA INTERIOR- DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉC. XX”

O quarto número desta publicação, a sair em Outubro aquando das IIIJornadas, incluirá os seguintes trabalhos:

- Parte III de “A assistência aos doentes em Castelo Branco e o seutermo”,de M.S. Castelo Branco;

- “António de Andrade (1581-1634) e a subida ao Tibete em 1624” deAlfredo Rasteiro; - “O imaginário da peste no século XVI”, de Cristina LopesDias;

- “A medicina e o médico perante o doente moribundo e incurável noséc.XVI. o testemunho de Amato Lusitano”, de António Lourenço Marques;

-”Apologia da hidroterapia na conservação da saúde - nota introdutória àtradução de um manuscrito de Ribeiro Sanches (1699-1783)”, de FannyAndreé Font Xavier da Cunha.

- “O sentimento da morte nos finais do séc.XIX, nas noticias necrológicasda Beira Interior” ,de Maria Adelaide Salvado;

- “O sistema mágico na medicina popular em Riba Côa nos meados doséc.XX” de J. Pinharanda Gomes;

- “Epitáfitos e crisântemos da memória” de Branquinho Pequeno.

III JORNADAS DE ESTUDOMEDICINA NA BEIRA INTERIOR- DA PRÉ-H ISTÓRIA AO SÉCULO XX

Local : Escola Superior de Educação de Castelo Branco

Data : 25, 26, e 27 de Outubro de 1991

Temas:I parte - Amato Lusitano - a obra e o autorII parte - O amor e a morte na Beira Interior

Secretariado: Quinta Dr. Beirão, 23-1° E 6000 Castelo BrancoTelefones: 22471 e 22570

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