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Melquíades Júnior Jornalista

Melquíades Júnior Jornalista - UFC€¦ · sim, porque como você já contextualizou agora, não é que eu tive responsabilidades muito cedo, porque eu tive, mas antes de ter essas

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eVist{ntrevista

Entrevista com Melquíades Júnior, realizada no dia 21 de novembro de 2013.

Bárbara - Melquíades, você vivenciou ainfância e boa parte da juventude no interiordo Estado, na cidade de Limoeiro do Norte.Aos sete anos, você perdeu o pai e passoua ser o único homem da casa, ao lado damãe e das três irmãs. Você teve de assumiralgumas responsabilidades ainda muito cedo.Inclusive, você falou durante a pré-entrevistaque essa dor da perda foi transformada emuma noção de atitude. Essa vivência precocecontribuiu para a construção da visão demundo que você tem hoje?

Melquíades Olha, eu acho que,~ustamente porque eu penso que foi uma dor

ansformada em atitude, ela é válida para...Enfim. hoje e sempre. Eu acho que realmenteelafoi importante por ter sido transformadora.Euentendo quefoitransformadora para o bem,para o melhor. Claro que ninguém quer umador para transformar. A gente quer transformaras coisas de alguma forma. Mas eu acho quesim, porque como você já contextualizouagora, não é que eu tive responsabilidadesmuito cedo, porque eu tive, mas antes deter essas responsabilidades muito cedo, euacho que eu vi as responsabilidades muitocedo, na figura da minha mãe. O meu paitrabalhava e sustentava a gente e a minhamãe era costureira, até hoje ela costura ... Omeu pai faleceu (quando) tinha 35 anos, eleseram bem jovens. Ela (a mãe) se viu tendode criar os quatro filhos sozinha. Ver essaresponsabilidade dela, eu acho que isso pramim foi talvez a primeira transformação. O queé essa responsabilidade? É você se ver comquatro filhos e você vai ter de se sustentar, semanter, uma família pobre ... E a partir de umamáquina de costura, né? Eeu sou o mais novodos quatro, tenho três irmãs mais velhas doque eu. Ninguém passou fome, não teve isso,até porque eu não sei exatamente o que seriapassar fome, né? É deixar pra comer maistarde? Para mim passar fome é muito mais doque isso. Mas de ver isso, de saber que elatinha de trabalhar dia e noite para conseguircolocar comida dentro de casa. Todos vamosassimilando isso muito cedo. E eu acho que aminha primeira atitude no momento, criança,(porque) eu não tinha o que fazer, era sonhar,era projetar. Eu projetei, sabe? Eu projetei

coisas boas, mas eu vi que para fazer essascoisas boas, ou seja, para chegar a essaprojeção, eu tinha de estudar. Então foi isso,de estudar, estudar. ..

Estudei na Escola Normal, que era umaescola particular, mas eu nunca tive dinheiropra pagar, eu tentava pagar com estudos, né?(rindo) Se bem que eu não estava pagando,estava recebendo. Como bolsista. E foi a vidainteira lá, dessa forma. Estudando e sempreparticipando de muitas coisas. Eu participeide muitas coisas nesse período, (do) EnsinoFundamental até antes do Ensino Médio. Oque eu quero dizer: eu estudei, tentei projetarisso de que eu poderia fazer algo por mim,pela minha família, estudando e depoisfazendo as outras projeções. No EnsinoFundamental, como eu falei, fiz muita coisa.Fiz teatro, participei de várias outras coisasrelacionadas a essa questão, enfim, questõesculturais ... Tanto que muito cedo, (quando) euestava entrando no Ensino Médio, eu tenteifazer (algo) do conhecimento que eu absorviali nas aulas, passar para as outras pessoas. Euacho massa transferir conhecimento para osoutros, mas eu precisava de dinheiro, passei I

a dar aula particular. Foi ainda aí, eu aindaestava no Ensino Médio. O que aconteciaera que eu achava que, de repente, poderiadar aulas particulares, quando eu ajudava osmeus colegas nos estudos. De que forma (euajudava meus colegas nos estudos)? Eu nãotinha livros, eu nunca tive um livro, nuncative dinheiro para comprar um livro durantetodo o Ensino Fundamental e Ensino Médio.Eu estudava pelo livro dos colegas. Inclusive,muitas vezes os livros terminavam o ano bemnovinhos (enfatizando, com ironia). Eu pediaemprestado o livro. (Por exemplo) a provaé semana que vem, eu pedia emprestadonessa semana, tentava ser muito pontual nastarefas, nos exercícios, nas leituras, porque, nasemana da prova, o livro vai ser do cara, né?Eu já tinha de ter estudado e (depois) ficavaestudando pelos meus cadernos. Eu estudavacom os colegas e acabava a gente estudandojunto. Enfim, eu, de alguma forma, ensinandouma coisa ou outra. Isso vale para Física oupara História. Tanto que, no Ensino Médio,quando eu comecei a dar aulas particulares,

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o nome de MelquíadesJunior foi indicado porBárbara Rocha. Ao suqe-rir, a estudante falou dotrabalho do jornalista nojornal Diário do Nordeste,em especial, da série "Viú-vas do Veneno".

Na defesa do nomesugerido, Bárbara tentouconvencer ao máximo asoutras pessoas da turma avotarem no repórter comoum dos perfis entrevista-dos. Durante a votação,ela ficou inquieta até onome de Melquíades ser,finalmente, escolhido.

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Além de Bárbara, ou-tros estudantes tambémtorciam pela escolha donome de Melquíades.Quando a soma de votosrevelou a definição de Me-Iquíades como um dos en-trevistados desta edição,os estudantes vibrarampelo resultado.

Além da admiração pelotrabalho do repórter, umadas reportagens de Melquí-ades, "Mulheres em defesada grande Mãe da Nature-za", foi inspiração para otema do livro-reportagemde Bárbara, que será apre-sentado como trabalho deconclusão de curso.

eu dava aula de todas as matérias. Primeiro lápor Limoeiro, depois aqui, quando vim paraFortaleza. Eu dava aula de todas as matériasmesmo: Matemática, Física, Química, queeram as que as pessoas mais precisavam,mas (também) História, Inglês, Geografia ...

Teve uma coisa interessante: a gentecomeçou a estudar Filosofia desde a quintasérie! Eu acho que isso foi bacana. A gentetinha na grade curricular, eu tive, pelo menos,desde a quinta série, o estudo de Filosofia.Imagina que eu cheguei na faculdade deCiências Sociais,pra gente estudar os filósofospré-socráticos, eu já tinha lido esses filósofos,já tinha lido muita coisa desses filósofos. Euachei massa (enfatizando)! Eu acho que essaeducação também deu uma base bacana parao que eu poderia escolher mais à frente. NoEnsino Médio, eu já parei qualquer coisa queeu fazia extra-aula, extrassala de aula, paraestudar e ensinar, dar aulas.

Mas teve outros momentos muito pontuais.Aos 13 anos eu comecei a trabalhar, (mas) nãotrabalhar de forma sistemática. A partir dos 13anos, eu tirava as minhas férias para trabalhar.Eu empacotava arroz numa indústria quetinha de arroz lá em Limoeiro. Cheguei aempacotar com a minha irmã também. Euchegava lá, sei lá, uma da tarde, a gente ficavaaté sete horas (da noite) empacotando arroz.A gente ficava num banquinho bem baixinhoe empacotava vários fardos, cada fardo com30 quilos. O quilo de arroz descia da esteira eeu ia colocando (no fardo). Num período deférias meu, eu acho que eu tive de empacotaruns 200 fardos, dependendo das entregasque tinha lá. Isso é uma lembrança bacanapra mim, quando foi o primeiro dinheiroque eu recebi e eu fui comprar o almoço decasa. Eu me senti útil, entendeu? Quandoeu disse pra minha mãe que podia deixarque eu ia pagar o almoço (nesse momento,Melquíades se emociona). Você com 13 anoschegar e dizer que vai pagar o almoço. Ali, naminha opinião, eu tinha materializado o queeu estava projetando. Na verdade, eu não

"Eu estudei, tenteiprojetar isso de queeu poderia fazer algopor mim, pela minhafamília, estudandoe depois fazendo asoutras projeções"

materializei (somente) depois que vim pracá (para Fortaleza), foi antes. Não é porquevocê pagou o almoço, não é isso. É você terassimilado essa responsabilidade e ter visto, apartir daquele momento, uma forma de vocêcontribuir (enfatizando). Da mesma forma quehoje eu me vejo tentando contribuir com omundo, com os mundos que a gente tem, eutentei, naquele momento, contribuir dentrode casa e senti a minha responsabilidade.Vamos deixar bem claro: eu não entendi issocomo exploração do trabalho infantil, porquefoi uma coisa muito pontual, eu fazia nummês do ano.

Joyce - O seu interesse pelo Jornalismoadvém desse senso de responsabilidade como qual você cresceu?

Melquíades - Eu acho que sim, porque eusempre digo que eu não vejo o Jornalismocomo um fim, mas como um meio. Então,se eu acho que eu tento lutar pelo mundo oucom o mundo por meio do Jornalismo ... Nãofosse o Jornalismo eu estaria tentando fazerde uma outra forma. Eu acho que o interessepelo Jornalismo veio de eu encontrar algo quepudesse encaixar com essas minhas vivênciase aquele lance de aptidões. Quando eu penseino Jornalismo, eu já tinha visto muitas coisase (pensei) o seguinte: "o Jornalismo é umaprofissão em que você pode aliar essa práticada leitura, do conhecimento", e eu percebiao quanto é importante, eu percebia umpouco desse poder que é a Comunicação,publicação, coisas assim... E aí que foi semoldando essa coisa do Jornalismo.

Eu passei quase dez anos fazendo teatro,e eu acho que o teatro ajudou muito, porqueeu era muito tímido, eu não me expressava,não falava nada. Quando fui para o teatro,eu arregacei (rindo). Não lembro de alguémme falando pra fazer Jornalismo. Sei lá, foi seconstruindo essa noção do Jornalismo. Eudigo: tanto foi se construindo que não teveum dia em que eu estalei e (pensei): "Pronto!Jornalismo!". Tanto que eu nem lembrodisso. Eu lembro do período em que eu fuiconstruindo isso. Antes mesmo de fazer ovestibular. Entender que "poxa, eu acho quetenho afinidade com esses assuntos, eu gostodisso, e eu acho que seria bacana. Ah, derepente o jornal pode ser importante". Porquevocê tá contando histórias, né? Histórias reais,de pessoas reais. E, se eu me sentia tocadolendo, se aquela mensagem chegou até mim,alguma mensagem que eu possa passar, derepente, vai que chega também, né? Achoque o Jornalismo pode ser esse caminho.

Andressa - Mas antes de ser um jornalistacom diploma, você cursou a faculdade deCiências Sociais. Como é que as CiênciasSociais e aquela rotina de estudar na Uece(Universidade Estadual do Ceará), toda essa

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bulação, somando os conteúdos das.:> cias Sociais com a carga de você estudar

sofia desde a 5ª série, desde os dez anosdade, como é que isso contribui na sua

+eira como jornalista?elquíades Interessante, porque

'11 como as aulas de Filosofia no Ensino- damental ajudaram muito para seguir,

bém as Ciências Sociais (ajudaram).diria que até mais que o (curso de)alismo, (foi) a faculdade de Ciências

iais, porque as leituras ajudaram muito,'11, muitos autores que a gente via. E euo que também, da mesma forma que euoquei que o Jornalismo foi um caminho,ando para encaixar nessas minhastades, meus anseias, (o curso de) Ciênciasiais foi isso. Foi muito importante também

a construção dessa identidade social.-- a identidade social, de fato, eu me senti

nstruindo na faculdade de Ciências Sociais.esar de que, já nessa época, eu não tinhaa universitária. Eu tinha os horários dasas e tinha semestre que eu não tinhapo de aparecer, tanto que alguns amigos

e) chamavam (de) o "colega fantasma doernestre". porque era complicado, porque euava viajando. Porque eu vim para Fortaleza,...., logo, de cara para (estudar) Ciênciasciais, me sustentando. Eu tinha de me

anter e ainda assim tinha de ajudar em casa.= tinha de trabalhar, dava aula em Fortaleza,ava aula em Limoeiro, e era nesse tempo,orrendo. Corria pra dar aula (particular),oitava, assistia à aula. Várias vezes eu

gava a topique de Limoeiro e vinha pra cá,gente saía duas e meia da manhã, chegava

aqui seis horas e às vezes eu ficava na própriaaculdade logo, porque a topique deixava. Àsezes, eu chegava com a bolsa grandona ecava tomando café na aula porque (estava)

-iorrendo de sono. Tinha um amigo que:"cava (chamando) "Melquíades, Melquíades",achando que eu estava dormindo. E tambémfoi) nessa época que eu comecei a editarm jornal por lá (em Limoeiro do Norte, o

Ornal Folha do Vale, que circulava em oitomunicípios da região do Vale do Jaguaribe.Vesse jornal, Melquíades atuou como editor,repórter, fotógrafo e diagramador).

Então, tinha essas atividades todas,trabalhava muito, trabalhava direto parame manter, para me sustentar. A situaçãomelhorou um pouco mais nessas viagens, deeu não chegar só dormindo, porque eu passeidepois a morar em frente ao CH (Centro deHumanidades) da Uece. E lá, morando mais"em cima" (da faculdade), eu conseguia vir datopique, chegar em casa, tomar um banho,trocar de roupa, tirar 15 minutos de cochilo,meia hora, e ir pra faculdade. Mas é isso, achoque essa cons çá da de t'dade social,

Inicialmente, Cam aAguiar e Roberta Souza semanifestaram para ficar naprodução da entrevista. Oconvite para a participa-ção no projeto foi feito porRoberta. Ao ouvir a pro-posta, Melquíades aceitoue, brincando, disse: "Tavafaltando nome, era?"

Somente depois de Mel-quíades ter aceítado o con-vite para participar do pro-jeto, houve uma mudançanas equipes de produção eBárbara acabou trocandode lugar com Roberta paraproduzir a entrevista juntocom Camila.

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o primeiro encontro dadupla de produção comMelquíades aconteceu nofinal da tarde de um sába-do, durante o plantão de fi-nal de semana do repórterno Diário do Nordeste.

Na conversa antes doinício da pré-entrevista, elemostrou às duas estudan-tes um dos livros que esta-va lendo. Era A cor do in-visível, de Mário Quintana.

hoje, nas reportagens que eu faço, desdea questão dos índios, em 2008 (Melquíadesproduziu uma série de reportagens sobre osindígenas do Ceará), e dos povos tradicionais,esse meu contato partiu das Ciências Sociais.Não só com essas pessoas, como (também)com os movimentos a favor dessas pessoase os pesquisadores, que alguns eram meusprofessores. Tudo isso vem do que eu estudei,do que eu lia sobre esses povos tradicionaisna época das Ciências Sociais. Por isso quea participação das Ciências Sociais foi muitomaior que o Jornalismo, porque eu mesenti tocado pela Ciências Sociais, não pelafaculdade de Jornalismo (enfatizando).

Paulo Jefferson - Melquíades, vocêacabou de falar que a faculdade de CiênciasSociais ajudou muito mais a ser jornalista doque a própria faculdade de Jornalismo e, nasconversas que você teve com as meninas(da produção, Bárbara e Camila) antesdesta entrevista, você falou que ficou muitodecepcionado com o ensino de Jornalismocomo um todo e eu queria saber que críticasvocê faz ao ensino do Jornalismo hoje, a partirdas suas experiências.

Melquíades-Olha, eu não diria (oensino deJornalismo) "como um todo". Se eu até disse,eu peço desculpas, porque, pensando bemagora, lendo o que eu falei, eu entendo, paragente evitar más interpretações, não é "comoum todo", (é) do que eu tenho conhecimento,do que eu vejo, do que eu acabo sabendo é queme decepciona. De que forma? Nas CiênciasSociais, eu tive muito esse envolvimentocom a leitura, um mergulho com a leitura,entendeu? Paracomeçar, nas Ciências Sociaisdificilmente existe uma coisa que infelizmenteno Jornalismo é quase natural: a vaidade. Háuma vaidade que quem vai fazer Jornalismotem - eu não tô dizendo que todos nós - quequem vai pra Ciências Sociais não tem. Eunão vejo, pelo menos, eu não vi. Eu acho queessa profundidade de leitura, esse contatoque a gente teve, essa noção de mundoque se abriu a partir daí, as viagens que nósfizemos e, sei lá, esse conceito de pessoase não personagens, isso me abriu o olho deuma forma que eu vi o mundo maior, que,

quando eu olhei pro (mundo) do Jornalismo,era como se de alguma forma (ele) tentassereduzir, tentasse limitar. Mas eu não estoufalando como uma crítica aos professores,aos meus professores, não é isso, é pelo queeu vejo de pessoas que vão, seja para osjornais ou para as assessorias (de imprensa),seja o que for, e eu não percebo muitas coisasde noção de mundo porque eu entendo quenenhum de nós nasce sabendo, é tudo umaconstrução, todo dia a gente tá derrubandopreconceitos, construindo alguma coisa, maseu vi de uma forma muito forte essa coisa noJornalismo (de que) "você vai ler um filósofo",que eu tinha visto no Ensino Fundamental, "láno final você vai ver um capítulo do cara".Essa forma de que você vai tirar a cópia deum capítulo de Grande Sertão: Veredas (obrade João Guimarães Rosa, escrita em 1956),eu entendo que é muito conteúdo e não dápra ver tudo, mas a minha crítica não é aoprofessor ou à ementa, mas leia o livro. E nãodá pra você ler o livro todo não?! (diziam)"Ah, o professor vai fazer um trabalho sobreum capítulo". Mas por que não ler o livro? Éporque não tem tempo? Mas que tempo éesse?

Porque eu me sentia assim, eu sempretrabalhei muito, direto, direto, dormindopouco, muita coisa na cabeça, muitapreocupação, mas eu me vi com tempo. Podeser um grande erro meu achar que todos nóstemos tempo, o que falta é a gente organizaresse tempo, principalmente porque está setratando de uma faculdade, que a gente estáse formando para uma profissão que a gentevai levar para o resto da vida, "só" porque issoé importante (em tom irônico), entendeu?! Aíé que eu acho que tem de ter tempo mesmo.

Raíssa - Você enfatiza a importância docurso de Ciências Sociais na sua práticajornalística, mas como é que você percebea transformação do Melquíades depois dagraduação de Jornalismo?

Melquíades - Eu acho que depois dessemomento de passar pelo Jornalismo, achoque foi mais um sentimento de, sei lá... Foiuma coisa mais de cumprir a diplomacia,formalizar um trabalho que já é feito há um

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ternpo. Talvez por eu me sentir jornalista há.."ais tempo, talvez por eu me identificar, por

e definir como jornalista há mais tempo,ão houve um impacto. Porque é como se

"osse o seguinte: eu estava na vida e vim paraa faculdade e entendo que para muitos de nósa lógica é) da faculdade para depois (ir) para= vida. Por que eu comparo com a vida e nãoecessariamente com o trabalho no jornal?

=>orque,às vezes, eu acho que é a partir desseomento, que a gente se propõe a sair só

essa coisa da faculdade e vai trabalhar, que,ara mim, de fato, é a vida. É como você nãoonhecer Fortaleza de modo geral e, quandoocê vai para a redação do jornal, você rodarar Fortaleza e (perceber) "porra, eu moro

aqui, nessa cidade". Por isso que eu faloesse conceito de vida.

Então, é necessário. Eu não quero de'arma alguma menosprezar esse momento,esse passo (da graduação em Jornalismo),

as ele não teve aquele impacto muito forterque eu já trabalhava nesse sentido (como

rnalista, no jornal Diário do Nordeste), eua me via dessa forma e não era... Sei lá, eu_efini antes.

William - Melquíades, entre esse "exercerjornalismo" sem uma formação acadêmica

especlfica para Jornalismo e, ao mesmoempo, não perceber tantas diferenças no

= ercício da profissão após a conquista doplorna, eu tenho uma pergunta que envolveuito do que você falou para as meninas

a pré-entrevista. Inclusive já falou aqui:e você enxerga as pessoas não como

ersonagens, mas como pessoas. Você falae se apresenta como repórter, mas depois

mbém se coloca como pessoa naqueleomento. Nesse processo de apuração, dozer jornalístico mesmo, em que momentos

ê se percebe mais como cientista socialcomo jornalista?Melquíades - Eu acho que, talvez, eu meta mais como cientista social, muitas vezes

r- sos). Apesar de que eu acho que o cientistasocial, assim como o jornalista, são roupasque a gente veste, que também são escolhas.Eu acho (que) anterior ao cientista sociale ao jornalista, tem eu mesmo e as minhas

'vências, Isso que a gente está falando daconstrução da identidade social. É como seo Jornalismo e as Ciências Sociais fosseme ementos importantes para a construção

essa identidade social, mas é minha, nãoe das Ciências Sociais nem do Jornalismo.

esmo que vá o cientista social, que vá oornalista, vai o Melquíades, entendeu? Queeu acho que é maior do que o cientista social

elquíades ou o jornalista Melquíades.O fato de tratar "como pessoas" eu não

cho que foi um método de Jornalismo, (ou)e foi um método de Ciências Sociais. Não,

IJEusempre digoque eu não vejo oJornalismo comoum fim, mas comoum meio. Eu achoque eu tento lutar

pelo mundo ou como mundo por meio

do Jornalismo"não foi. Foi porque anterior a isso, eu acho que,enfim, somos pessoas, eu sou uma pessoa,você é outra pessoa. Nós somos diferentes, eo mundo está cheio dessas diferenças. Quala finalidade que eu tenho como profissionalpara o mundo? Que tipo de modificação euquero? Para essa modificação que eu quero,para chegar até aí, de que forma eu devo agircom você? Para ter de volta alguma coisa devocê para mim? Eu acho que é muito isso.Quando eu chego para falar com as pessoas,eu chego na casa, eu sei que tem um tempo,eu sei que eu preciso de uma informação,eu tenho de voltar (com essa informação) ...Mas, inclusive, acaba sendo bom para mimcomo pessoa e para a profissão, porque euacho que a forma que eu chego nas pessoas,tentando me apresentar como pessoa é(porque) ela também se apresenta comopessoa. E acaba fluindo ainda mais essaconversa e as histórias. Porque uma dascoisas que eu tento fazer é o que eu, inclusive,estou tentando aqui, é justamente ficar àvontade. Deixar também a pessoa à vontade.Eu acho que a forma como você chega defineo que você quer dessa pessoa, e o que vocêquer dessa pessoa define o que você querde um modo geral como pessoa. Se vocêquer só uma matéria, se você quer uma frasede efeito da pessoa, você vai lá, direciona apergunta, a pessoa vai dar uma resposta, (evocê diz): "Fulano, obrigado, eu vou ter de iragora, tchau". Você nunca mas vai ver essapessoa. Você conseguiu uma entrevista.Enfim, define o que você quer, o que vocêquer como pessoa. Mas eu penso que soudiferente. Porque eu acho que é importante orespeito com essa outra pessoa. Porque, olhasó, você chega na casa de alguém para saberda vida dela. Às vezes, a gente perde umanoção, a vaidade coloca uma aura na nossaprofissão que faz com que a gente se sinta nodireito de chegar na casa do outro para saber

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A primeira parte da pré--entrevista aconteceu emuma sala na redação doDiário do Nordeste. Após25 minutos de conversa,a entrevista foi interrom-pida, pois Melquíades tevede cobrir uma suposta ma-nifestação que iria aconte-cer no Palácio da Abolição.

Após a equipe de pro-dução ter saído do Diáriodo Nordeste, Melquíadesenviou uma mensagemde texto para o celular deBárbara desapontado, poistinha interrompido a entre-vista por causa da cober-tura de uma manifestaçãoque não iria acontecer.

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A mensagem era a se-guinte: "Alarme falso. Nostempos de hoje, a socie-dade produz a notícia e osjornais correm atrás. Atéos jornais perceberem quea sociedade pode fazer omesmo que eles: mentir.rsrs".

Para o material a serentregue aos entrevistado-res, a equipe de produçãoentrevistou alguns amigosde Melquíades que tam-bém são jornalistas: Ma-ristela Crispim, Ivna Girão,Erilene Firmino e EmersonRodrigues, todos do Diáriodo Nordeste.

da vida da pessoa! Pronto, tá bom, e vocêvai ter de dizer. Isso é muito ruim. Por pensardiferente, porque eu acho que deve existiressa relação de respeito e limites, que eu ajodessa forma. São personagens? São, acabamsendo personagens, (mas) são pessoas. Eutenho vários "eus", nós temos vários "eus",eu acho que, enfim ... É um "eu" meu que vaiencontrar com o "eu" de outra pessoa.

Analu - Em relação às suas experiências noJornalismo: você falou que não sentiu muitadiferença após ter conquistado o diploma docurso porque você já se sentia jornalista, vocêjá tinha experiência lá no interior do Estado,em Limoeiro, tanto na Folha do Vale quantono site Limoeiro Livre. Mas você tinha essaexperiência no interior. Como foi para vocêfazer essa transição de começar a colaborarcom matérias para o Diário do Nordeste e irconseguindo seu espaço dentro do jornal?

Melquíades Eu já escreviasistematicamente para o Diário do Nordesteantes, nesse período todo da faculdade. Eujá mandava diariamente matérias, já estavaenvolvido nisso tudo. Já tinha, inclusive, feitosérie de reportagem, um caderno intei;o de12 páginas. Teve a (série) dos índios (Indiosdo Ceará), que foi em 2008. Eu já tinha essavivência também no Diário, que, de umaforma mais conceitual, é mais "jornalismo",digamos assim, do que a "oficina" que eufiz em Limoeiro. Isso ajudou demais nessaconstrução, porque eu já fazia todas asatividades, esse trabalho. O trabalho dareportagem, de tudo. Por isso que eu achoque não houve esse choque. Eu tinha feito oLimoeiro Livre, que foi apenas um site (que)durou alguns meses. Foi um dos primeirossites de Limoeiro do Norte, foi em 1997, entre1996 e 1997, com um primo. Eu disse: "Ah,vamos fazer". E ele: "Beleza". (Ele) queriamexer com design, diagramação do site eeu ia com as notícias. Esse foi um primeiromomento. Depois eu fui para Folha do Vale,que existe até hoje, e comecei também acontribuir com algumas coisas. A primeiramatéria que eu fiz para Folha do Vale foi sobreo Limoeiro Livre, era sobre o meu trabalho.Até que - como não havia uma equipe dejornalistas nem nada na Folha do Vale, sãoapenas pessoas guerreiras que veem aimportância de um jornal para uma cidade,como uma forma de registro da história - (elesdisseram): "Você pode mandar um materialpra Folha?" Eu fui mandando aos pou~os epublicava uma matéria ou outra. DepOIS eujá fazia a matéria, depois eu diagram~va amatéria, depois eu virei editor-chefe do Jornalde lá (risos). A Folha do Vale tem 17 anos, euacho, mais ou menos isso.

Roberta - Você está falando dessas suasexperiências e desde o começo já trabalhava

com isso, de produzir, apurar, escrever, tirarfotografias. É uma coisa que você já vemdesenvolvendo desde o começo da suacarreira como jornalista, e até hoje é umacaracterística que se perpetua. Alguns amigoso definem como um jornalista "rnultitarefa".Nesse sentido, eu gostaria de saber comovocê acha que essa sua característicacontribui para a sua produção como jornalista,principalmente no cenário como o que nósvivemos atualmente, dessas transformaçõesque o Jornalismo vem passando.

Melquíades - Olha, do ponto de vistapessoal e profissional, do que eu me colococomo jornalista, eu acho que é massa. Achobacana essas outras formas de produção.Você imagina que eu pensava a página - aliás,até hoje eu faço isso - dialogando com oscolegas que são responsáveis pelos setores.Mas você pensar a página, pensar a fotografia,o texto ... Eu acho que havia uma sintonianisso. Vai uma crítica, muitas vezes, às formasde se trabalhar em jornal, onde não há muitainteração do fotógrafo com o repórter de textoe, às vezes, saem duas coisas. Não é porqueeu ache que os dois têm de pensar a mesmacoisa não, mas, (em algumas situações) nãohouve a mínima sintonia para haver umadiscussão, um debate. Às vezes, não temisso. Mais uma vez, vai se culpar a pressa,porque eles têm de ir superrápido fazer umapauta, fazer a foto. Essas tarefas me ajudarama colocar em sintonia a fotografia com o texto.Quando eu vejo uma matéria que tem o texto ea foto (minhas), (eu não fico pensando) "olha,

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as duas são minhas". Não é isso. É porqueeu senti um complemento ali, que às vezesa gente não consegue ter, mas é normal. Doponto de vista dessa sociedade capitalistarindo) em que vivemos, isso é ruim. De que

iorrna? Isso é bom quando eu me sinto bempara escrever, fotografar, gravar um vídeo com

m celular e disso fazer um documentário ...Ou até pensar o desenho de uma página.Eu acho massa. Agora, do ponto de vistaapitalista, para a lógica patronal capitalistasso é bom porque são várias funções numsó, vamos demitir os outros. Isso é péssimo.Eu tenho um medo muito grande disso,quando eu estou escrevendo e fotografando,porque eu acho bacana e me sinto bem.

as... Aí é um dos limites que a gente tem dese impor. Poxa, mas, se pensarem que todo-nundo pode escrever, fotografar e não sei ouê, vai acabar o trabalho do fotógrafo. Isso

e muito, muito errado. Eu vejo dessa forma.Do ponto de vista de experiência, é bastanteenriquecedor. Mas, como estamos inseridos

um mercado de trabalho, para o mercado de-rabalho isso pode ser ruim, por haver essa

ercepção de que vamos cada vez mais (termenos profissionais).

O que eu entendo que deveria se pensar éque, em vez de o jornalista escrever, fotografarou desenhar uma página, é se pensar queo jornalista possa ter experiências e leiturasnas áreas sociais, econômicas, políticas ...O que deve é haver um bolo com todosesses segmentos para o jornalista "engolirodinho". são essas diversas experiências.Porque isso vai ampliar sua noção de mundocomo jornalista, (mais) do que se você fizersó o Jornalismo Esportivo, se você fizero Jornalismo Econômico, Político e nãoentender que tudo isso está envolvido,entendeu? Que há uma transversalidade. Euacho que é esse "rnulti", essas multifaces, quedeveria ser a lógica. O jornalista que possa terexperiências nessas áreas enriquecedoras.Mas estamos nivelando por baixo, que éexatamente o contrário. Vamos tirar osempregos e ver alguém que faça tudo e vaiacabar não fazendo bem feito.

Joyce - Ainda com relação à entrada noDiário, que aconteceu até por iniciativa sua deenviar material para lá. Devido ao interessepor pautas sociais, mais críticas, você nuncateve restrições em trabalhar na grande mídia?

Melquíades - Isso é um ponto beminteressante, que eu acho que acaba abrindopara outras perguntas. É o seguinte: existeaquele ditado que (diz) que, se você querescrever tudo que você quiser, tenha o seupróprio jornal. Quando a gente se insere no quese convencionou chamar de "grande mídia".a gente sabe que tem restrições, tem váriaslimitações de diversos tipos, principalmente

dependendo das linhas editoriais. Isso éfato. Mas, sem querer fazer qualquer defesa,sem querer ser advogado do diabo, fazerqualquer coisa nesse sentido, eu acho queé muito mais produtivo e enriquecedor deconstrução da identidade profissional eu nãoter o meu próprio jornal para escrever o queeu quiser, eu acho muito melhor escrever nojornal dos outros e encontrar esses limitesdos outros. Porque esses limites dos outrossão o que vai, inclusive, me desafiar e fazercom que eu, de alguma forma, amplie osmeus conhecimentos. Vou dizer de umaforma muito prática: quando você sabe quehá limitações porque o jornal não é seu, édos outros, você tem de estar muito maisfundamentado. O trabalho empírico temde ser muito maior, digamos assim, essaexperiência tem de ser maior. E tudo isso éuma cobrança que você (enfatizando) estáfazendo, antes, como profissional, (mais) doque o que o outro está colocando para você,está impondo para você, está empurrando. Eisso é desafiador.

Daí, eu comecei a refletir sobre essacoisa da grande mídia, né? Esse conceitode grande mídia. Porque muitas vezes sediscute a grande mídia como uma coisa muitohermética, intransponível, quando, na minhaopinião, são conceitos que nós temos, nósconstruímos, mas somos nós que construímosque também moldamos, damos o rótulo,a embalagem, enroscamos, fechamos ebotamos na prateleira. Eu acho que eu fui naprateleira desenroscar (risos). Quando eu vique matérias que, aparentemente, não seriampublicadas na, colocando as aspas, "grandemidia" - lembrando que isso é um conceitodos outros e não um conceito que eu dei -, issode alguma forma foi (se) destruindo primeiroem mim. Sempre vai existir limitações, eu nãodevo me iludir, mas o fato de você conseguiressas matérias de temática social publicadasnesses grandes meios, (tem) duas coisas:primeiro, me fez tentar apurar ainda mais e,digamos, fundamentar ainda mais a minhaopinião, porque se você escreve num jornal

"Nós somos diferentes,e o mundo tá aí cheio

dessas diferenças.Qual a finalidade

que eu tenhocomo profissional

pro mundo 7"

ELOUIADES JU IOR 89

A maior parte das en-trevistas com os amigosde Melquíades foram fei-tas na redação do Diáriodo Nordeste. Nas con-versas, os colegas o defi-niam como um "repórtersensível"; "um jornalistaapaixonado"; e "cuidado-so na apuração".

Outras característicasdestacadas pelos colegasentrevistados foram a de-dicação de Melquíades àprofissão, o tratamentohumanizado em seus tex-tos e o fato de ele ser umapessoa "doce",

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"A gente só vai, como jornalistas, transfor-mar o Jornalismo, se transformar o homem. O

homem dentro de nós"

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MELouíADES JÚNIOR I 91

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A chefe de Melquíades,Maristela Crispim, contouque a equipe tem umabrincadeira de chamá-Iode "menino veneno", porcausa da série de reporta-gens sobre os agrotóxicos.

A produção tinha a inten-ção de entrevistar a mãe deMelquíades, dona Raimun-da, que mora em Limoeirodo Norte, mas, de últimahora, não foi possível viajaraté o município para con-versar com ela.

que é seu você vai dizer a sua opinião, maspara você convencer o outro a publicar, vocêprecisa ter mais fundamentos do que vocêachou que precisaria. Por isso que eu achoque há uma pedagogia nesse obstáculo. Épor esse motivo, e também (por) achar que,da mesma forma que eu acho que a gentedeve desconstruir um pouco esse conceitode "personagem", por que não o de "grandemídia"? Ainda que isso vá levar anos, enfim, étodo um processo. E, sim, eu fico muito felizde ver esse material publicado (Melquíadesse refere a matérias de temáticas sociaiscontrárias aos interesses da grande mídia).Tive situações em que as pessoas realmentequestionaram, indagaram: "Mas o jornal vaipermitir publicar uma matéria sobre essetema?" E eu consegui páginas e mais páginassobre um tema. Acho que isso prova quetambém há muito de nós, repórteres. Dependemuito de nós, também. Vai ter aquela barreiraque você não vai passar, mas as primeirassomos nós que colocamos.

Andressa - Melquíades, ainda comocorrespondente do Regional (no jornal Diáriodo Nordeste), você produziu a série índiosno Ceará, Excluídos e Povos do Mar. Aindanesse pensamento da grande mídia, vocêacha que ser esse repórter com o olhar parao tradicional, mas sem encarar o tradicionalcomo uma coisa exótica, ajudou a ganharcada vez mais espaço pra esse material decunho mais social dentro do Diário?

Melquíades - Sim. O caderno Regionalfoi uma verdadeira escola. Foram noveanos correspondendo no caderno Regional.Fazendo as fotos, fazendo os textos, viajandosozinho por aí. Eu viajei de tudo que vocêsimaginarem (Melquíades fala que postou emuma rede social, no dia da entrevista, umafoto dele em uma canoa durante a produçãoda Série Jaguaribe - Memórias das Águas,"pre ir pro outro lado colher histórias'} Euacho essa pergunta tão pertinente, porqueeu posso colocar ao lado da pergunta sobreas Ciências Sociais, das vivências, porqueé transformador para o seu trabalho como

"Ouando você sabeque há limitações

porque o jornal nãoé seu, é dos outros,

você tem queestar muito maisfundamentado"

correspondente. Você va pe o interior doEstado, fazer matérias, encontrar pessoas,conhecer pessoas e tudo. Porém o seu espaçoé aquele em que você se reporta. O que euquero dizer: eu não fazia a matéria e voltavapara uma redação climatizada, fechadinha. Eucontinuava lá. Por continuar lá, isso me faziasentir muito mais coisas. O contato maior comas pessoas... Havia preocupações, porquevocê está entrevistando a pessoa que ela podesaber até onde você mora e você acaba setornando conhecido no município e na região.Acontecia uma coisa muito interessante: naredação você vai para um lugar, faz a matériae volta. Você é um repórter que foi fazer amatéria I para o jornal. No interior, não. Dealguma forma, o seu nome tem um destaquemaior. De alguma forma, você é (também)um personagem quando está colocandoaquela matéria. Independentemente da minhaconstrução da identidade social e profissional,o Regional me colocava também como umaidentidade ali, um personagem ali, porqueera o Melquíades .Júnior. Chegava no interior,as pessoas falavam: "Você é o MelquíadesJúnior?"

Eu acho que o caderno Regional formouesse repórter multi não sei o quê, sei lá, essapalavra... Multitarefa, né? (rindo) Porquetinha de fazer as coisas. Eu andava com amochila e tinha tudo. Era o computador, acâmera fotográfica, gravador, bloco de notas,o modem da Internet. Ia para os lugares,pegava ônibus, mototáxi, táxi, carona ... Faziatudo isso e, de onde eu estava, pegou sinal,eu (pensava): "Vou plugar aqui, escolher asfotos, mandar as fotos, o texto ... ", Isso ajudou,inclusive, no tempo. Porque, normalmente,quando a gente vai fazer uma matéria, vocêse preocupa ou só com o texto ou só com afotografia. Eu tinha de me preocupar com asduas coisas no caderno que fecha mais cedodo jornal (risos)! Foi um negócio louco! Foidefinidor dessa questão das pautas sociais.Como eu escrevi a matéria do Memóriasdas Águas agora, dos povos ribeirinhos, dopessoal do Rio Jaguaribe. Nasci em Limoeirodo Norte, por onde passa o (rio) Jaguaribe,então, quando eu chego lá, eu sou um deles ...

William - A primeira matéria de capaque você fez para o Regional foi sobre o RioJaguaribe e você abriu o texto com um poemado Demócrito Rocha (jornalista baiano quese radicou no Ceará, onde fundou o Jornal OPovo. Nasceu em 1888e faleceu em 1943)quedizia: "O Rio Jaguaribe é uma artéria abertapor onde se escorre e se perde o sangue noCeará". Agora, saiu o primeiro caderno dasérie Memórias das Águas (série sobre ospovos ribeirinhos do rio Jaguaribe, publicadanos dias 20 e 22 de novembro de 2013),e quando eu estava lendo um dos textos,

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hamado "Meninos do Rio", vi que em algum-nornento você se coloca como menino do rioambém, e em outros momentos, quando fala

das séries que já fez. Você acha importantesempre se pautar por vivências pessoais?

Melquíades - Na página de "Meninos doqio", eu digo que sou um menino do rio, maseu me sinto menino do rio desde a primeiranha do texto, lá na página que eu falo da

cerca de arame farpado. Entendendo como-nenino do rio não só (em relação) ao RioJaguaribe, mas pegando um pouco a frase doGuimarães Rosa, de que o sertão é universal,também) há um rio universal. E eu me sintomenino desse rio. Então, o que eu vivi émuito relativo, porque eu não vivi enchente,ão fui botado para fora de casa, eu não fui

contaminado por agrotóxicos (tema da sérieViúvas do Veneno, publicada em abril de2013), eu não fui expulso da minha terra paraque outra pessoa ficasse ... Mas eu entendosso como uma vivência. Por isso que medentificar com essas pessoas é me fazer estará. Não é que eu vá falar (nas) matérias daquiloque eu já conheci, ou já vivi, ou há uma coisameio autobiográfica. Não é isso. É mais. Essemeu sentimento de vivência é aquilo com queeu me identifico. Pode ter alguma história quenão vivi, que eu não vivenciei, que eu não vi ...Ainda (enfatizando). Mas, de repente, sei lá,no ano que vem eu posso deparar com umahistória como se tivesse vivido. Eu acho quevai muito além do passional e do parcial.

Andressa - Você falou, quando conversoucom as meninas da produção, que buscasentir a dor do outro para colocar no texto.Eu queria saber se essa é uma busca sua paradiferenciar o tratamento do seu Jornalismopara o Jornalismo que busca ser maisobjetivo, busca ser mais frio, busca ser umpouco mais afastado. Esse é um tratamentoque você procura dar nas suas matérias?Fazer essa diferenciação entre a abordagemda mídia tradicional e do jornalismo feito peloMelquíades?

Melquíades - Eu acho que essa formacom que eu me refiro de lidar com a outrapessoa e fazer uma matéria daí também me

ajuda nessa coisa da pessoa ficar à vontadee não se sentir tão invadida, porque ali nãodeixa de ser uma invasão. E conseguir queela fale mais, inclusive. Tem uma situação deuma senhora que a gente foi entrevistar numacomunidade quilombola não-reconhecida,ainda, em Jati (sul do Estado do Ceará),(era) um vão só a casa dela, de taipa e tudo,de barro ... E a gente estava fazendo umamatéria, ela falando das dificuldades, ela faloude uma série de coisas, de que não chegaágua, que tem de botar o balde de água nacabeça e pegar longe, tem de subir o morro.Às quatro e meia da madrugada (ela) sai paravarrer a rua, porque, na verdade, a pessoaque é servente é que deveria fazer, mas elarecebe por fora, sei lá, 40 reais por mês paratodo dia, quatro e meia da manhã, varrer arua. Ela falou tudo isso, mas, por essa minhapreocupação, além de agradecer e tal, depoisque a gente encerrou as fotos e pareceu queali tinha encerrado a entrevista, eu sentei nacama dela e perguntei - porque ela falou quetinha um marido e filhos, quase como quemchega para um irmão, e disse: "Té tudo bem,té]" Eu perguntei! Ela mostrou o remédio dafilha que tem epilepsia, de sete anos. Talveznaquele momento ela confiou, sentou e disseque tinha botado o marido para fora (decasa) estava com uma semana, porque eleestava querendo abusar das meninas. Era opadrasto das meninas e ele estava bêbado,era alcoólatra e... Entendeu? Ela falou nummomento em que não tinha câmera, nãotinha foto, estávamos os dois sentados nacama dela, conversando, porta aberta. Estavaprestes a sair. Claro, eu poderia ter usadoisso como um elemento maior na matéria.Eu nem usei. Ela falou para mim e não parao jornalista. E eu busquei respeitar isso. Mas,de alguma forma, isso faz parte do processode construção da minha dor. De qualquer umde nós. Eu acho que vocês, inclusive, no fimdesses trabalhos de laboratório, de repenteentrevistam uma pessoa que dá vontade devocê chorar com ela. É isso, é quando, dealguma forma, há uma construção da dor emvocê. Essa minha forma de trabalhar - e eu

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A segunda parte da en-trevista demorou algumtempo para acontecer,pois Melquiades iria viajardurante cerca de 10 diaspara produzir a série dereportagens "JaguaribeMemórias das Águas".

No dia 03 de novem-bro de 2013, foi realizadaa segunda parte da pré--entrevista, na Praça daArgentina, que tambémseria espaço para a en-trevista com toda a tur-ma. Mas devido à faltade cadeiras suficientes napraça, a produção decidiumudar o local.

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Na pré-entrevista, aequipe de produção con-versou durante bastantetempo com Melquíades.Ficaram, inclusive, rece-osas de que a entrevistaultrapasse o limite de tem-po, que era de duas horas.

No dia da discussão dapauta da entrevista, Bárba-ra colidiu o carro próximoà Universidade. Ela, Cami-Ia, Roberta e William, quetambém estavam no veí-culo, chegaram um poucoatrasados na sala. Porém,no final tudo deu certo e apauta proposta pela equi-pe de produção não tevemuitas alterações.

"Da mesma formaque eu acho que

a gente devedesconstruir um

pouco esse conceitode "personaqern".por que não o de"qrande mídia"?"

não falo com muito conhecimento de causa,por não conhecer outras formas de trabalhar-, eu continuo investindo nela, por achar quedaí a gente consegue mais informações, ashistórias, inclusive, ficam mais ricas. Que foio que aconteceu com as viúvas, acho quehouve essa chance de profundidade porquehouve esse tipo de contato, de você ficar,sabe, falando com o personagem, de ficarfalando com a pessoa. Isso ajudou.

Paulo Jefferson - Você falou, na pré-entrevista, que o incomodava muito, nojornalismo factual, a superficialidade que agente procura dar nas matérias do dia a dia.O questionamento que eu faço, então, écomo é que foi a entrada para o Núcleo deReportagens Especiais, porque hoje vocêpassa um tempo maior para produzir asreportagens que você faz...

Melquíades - Eu vi (o convite para integraro Núcleo de Reportagens Especiais) comoum reconhecimento do (meu) trabalho. Dealguma forma acharam que, para o que elesqueriam propor, eu poderia me encaixar. Sebem que essa palavra "encaixar" é muitoforte. Eu acho que não dá para encaixar, agente nunca está se encaixando, porquesignifica quase que como se você estivessesendo completamente moldado por outracoisa. Isso eu espero que nunca aconteça.Mas eu vi como um reconhecimento, fiquei

surpreso, eu realmente não esperava. Eutanto não esperava que eu nunca tinha inscritooutras matérias em prêmios, em nada. Asminhas matérias anteriores participavamdos concursos internos do jornal. Oreconhecimento era muito ali e eu fazia omeu trabalho. Mas, quando eu fui convidado,eu achei muito bacana por entender que eupoderia dar sequência a alguns projetos e,inclusive, construir outros. A sequência a queeu me refiro é exatamente (ao trabalho) dasviúvas, que eu já vinha há um tempo falandodisso. Também não foi um estalo. Quandoeu cheguei, foi muito natural esse processode pensar nas viúvas. Quando eu falo essaquestão da superficialidade, eu acho que tema ver com a nossa formação, do que a genteestá se propondo.

Bárbara - Melquíades, quando vocêentrou no Núcleo de Reportagens Especiais,o primeiro trabalho, de fato, como integrantedesse núcleo, foi a série Viúvas do Veneno,que é resultado de um processo de apuraçãode cerca de sete anos. Como surgiu a ideiapara sugerir para o próprio núcleo produzir asérie Viúvas do Veneno?

Melquíades - Eu já vinha acompanhandoessa questão dos agrotóxicos, eu já vinhacom uma certa pré-disposição de que éum tema que o jornal já tratava. É muitoimportante ressaltar isso, eu volto para aqueleconceito do lance da grande mídia, quandose fala muito que "ah, não vai publicar".Já vinha há sete anos fazendo denúncias,fazendo matérias relatando, colocando essasdenúncias sobre a questão da contaminaçãopor agrotóxicos. Quando eu vim comessa ideia é que me disseram o seguinte:"Olha, há um suporte maior (no Núcleo deReportagens Especiais), uma estrutura maiorpara que você possa dedicar um tempo". Eupensei: "Poxa, acho que isso é o que todosnós queremos: ter um tempo maior parafazer uma matéria". Aí me vi nessa vontade.Passei um mês para dar a resposta, porqueeu tinha outras atividades em Limoeiro, alémde correspondente, enfim, família, minha

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filha nascendo, uma série de coisas que nãodá para você dizer assim: "Olha, você vailargar metade do que você faz e ficar só comaquela outra metade que satisfaz". Foi bemdifícil, passei um mês, depois decidi e (algumintegrante do Núcleo) falou: "Olha, aqui vocêtem os projetos (de reportagem)". Eu penseiem apresentar o projeto das Viúvas, entãofoi aí que eu, como já estava acontecendo asemana do Zé Maria do Tomé (evento quereúne pessoas de diversos movimentos naChapada do Apodi para cobrar justiça emrelação ao assassinato de Zé Maria do Tomée à exploração do campo pelo agronegócio),tinha outra pesquisa que estavam concluindo,tudo conspirava para que fosse um momentooportuno para fechar um certo ciclo desseassunto. Eu ofereci o projeto das Viúvasdo Veneno, que também o nome não veiologo. Eu pensei nisto: "Ah, vou falar sobre aquestão dos agrotóxicos". Mas de um outroolhar. De que forma? Eu já escrevi tanto sobreagrotóxico. Como escrever sobre o tema quevocê já escreve, com informações que você jásabe, que você já disse, com personagens quevocê já conhece e algumas vezes até já relatousobre isso? De que forma? Aí foi que nasceuum pouco desse olhar. E eu fiquei pensandonisto: de que forma (eu poderia trazer) esse(novo) olhar? Então as viúvas, se são elas aspessoas com quem eu falo hoje, a matéria écom elas, porque o Vanderlei morreu, o ZéMaria morreu e (há) outras pessoas que vãomorrer e há mais pessoas que morreram e(outras) que eu não conheço ainda, vamosdialogar com essas pessoas, esse assunto, foidaí que veio esse projeto das Viúvas.

Raíssa - Mas escolher essa perspectiva damatéria pelas viúvas também foi uma formade ter a proposta aceita pelo jornal?

Melquíades - Não, o que eu me preocupeimuito para ter a proposta aceita pelo jornalfoi a fundamentação. Tudo bem, é muitocomplicado dizer que as pessoas morreramcontaminadas por agrotóxicos, é muito difícil.Um dos problemas que eu relato na matéria éessa dificuldade do nexo causal. Eu conhecivárias pessoas que eu poderia dizer: "Olha,fulano morreu contaminado por agrotóxico".Mas volta àquela questão: quem sou eu pradizer assim? Precisava de um embasamento,inclusive científico, maior. A minhapreocupação maior foi nessa proposta, tantoque eu levei mais ou menos um mês e meioaté entregar (o projeto). Poderia ser apenasum projeto em que eu resumia, mas eu pudecolocar no projeto aquelas informações. Eutinha inclusive informação médica, porqueeu consegui cópia de prontuário, porqueeu consegui a certidão de óbito da Rosália,lá em Caaporã, na Paraíba, que dizia queela morreu por aplasia medular. Você vaidizer: "O que pode causar? Que diabo éaplasia medular?" Peguei as informações doSinitox (Sistema Nacional de InformaçõesToxico Farmacológicas), Ceatox (Centro deAssistência Toxicológica). Isso foi a grandepreocupação, de estar fundamentado. Comotambém foi em outras matérias, eu procureidar o mais fundamentado possível, porque àsvezes você gera até um constrangimento de"é, isso aqui deve ser publicado".

Foi muito bem recebido, realmente houveuma fluência muito massa. Acho que passouuma onda aí que foi a sacação, o lance dasviúvas, foi essa história, foi fundamentar,foi conseguir essas coisas, porque ninguémdisse que precisava de certidão de óbito,mas eu fui procurando muitas coisas, muitasprovas, muitas comprovações, tanto que amatéria levou esse tempo que levou, teve 15páginas - e quantos personagens de fato?Cinco, tirando os cientistas, tirando não seiquê. Porque (sobre) aquelas pessoas eu tinhamais informações que pudessem pontuar quefoi contaminação por agrotóxicos, porquetinha relatório médico, em alguns casos tinhaum relatório da perita médica falando, porquea questão foipra Justiça e tal ... Então, isso medeu aquele suporte. Pronto, eu coloquei issona proposta e foi aprovado.

Andressa - Você falou que não precisouninguém dizer que precisava da certidão deóbito ou de algumas provas para apresentara proposta para que o jornal aceitassea publicação, mas existiu algum tipo deorientação sobre como escrever essa matéria, oque poderia entrar ou o que não deveria entrar,algum tipo de censura antes de ela ser escrita?

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Dois dias antes da en-trevista, o professor Ro-naldo Salgado sugeriuque a entrevista fosse feitano Restaurante Dona Chi-ca e a turma concordou.No mesmo dia, a equipede produção foi ao esta-belecimento e a adminis-tração aceitou a proposta.Foi um alívio!

A entrevista foi realizadaem uma quinta-feira, entreas publicações da série dereportagens "Jaguaribe- Memórias das Águas",resultado da viagem deMelquíades pela região doVale do Jaguaribe após aprimeira pré-entrevista.

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Além do trabalho deempacotar arroz, Melquí-ades limpava o jardim davizinha, esposa do donoda indústria de arroz, quese tornou dona da casaonde a família do jornalistamorava. Por causa de umacrise financeira, o pai deleprecisou vender o imóvel.

Na época do vestibular,Melquíades lia "avidamen-te" o jornal Folha de SãoPaulo, fornecido pelo vi-gário Padre João, hoje umgrande amigo. Ele acreditaque as leituras ajudarammuito na produção dostextos jornalísticos.

Melquíades - O processo de produção damatéria, até toda a concepção de páginas,foi uma coisa muito de confiança em mim,e eu achei maravilhoso porque também vicomo reconhecimento do meu trabalho. Nãohouve esse direcionamento. Não existiu,em momento algum, um direcionamento.A preocupação que me foi dada foi de estarfundamentado. Quem pode dizer isso se nãovocê? Porque uma coisa é o que eu (digo) ... Éo lance das dores, né? De você tomar as doresdo outro. Uma hora é você que tá dizendo,mas e quando não é você? Eu preciso do"não você" ali. Isso foi a preocupação. E dessaforma eu me senti desafiado e fui atrás, entreiem contato com vários pesquisadores aquido Nordeste, foi primordial a participação dopessoal da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)em Recife. Fui lendo muita coisa, eu estavalendo tese de doutorado sobre carcinomas,fórmulas da carcinogenomia, enfim, algumnome que eu não lembro, com fórmulasquânticas. Claro, eu não fui tentar entenderessas fórmulas, mas só para entender queera uma tese de doutorado, uma coisa muitotécnica, mas eu poderia encontrar algunselementos porque aquela pessoa fez algumaspesquisas e eu poderia ir atrás daquilo. É uma

assembleias, várias reuniões, na AssembleiaLegislativa, de comissão de não sei o quê comcomissão de não sei o quê para tratar desseassunto. Eu entendi, de alguma forma, queas matérias ajudaram nisso. Sabe por quê?Porque, de um modo geral, as universidadesestão sempre tratando esses temas, estãosempre com essas pessoas. Mas, às vezes,não há um trabalho de extensão que nãoseja apenas apresentar a pesquisa. Asuniversidades estão riquíssimas, eu acho queas estantes das bibliotecas das universidadessão um celeiro de pautas que estão lá nocantinho.

Raíssa - Com relação a esse desafiode escrever em uma grande empresa decomunicação, você mencionou que o fatode trabalhar no jornal do outro tem umafunção didática, tanto porque você vai atrásde provar o que você está afirmando, comovocê aprende o limite de até onde você podeir. Existe uma certa autocensura?

Melquíades - Eu acho que é quase umaautoregulação. Não vejo como autocensura.Sabe por quê? É muito delicada essa palavra:censura. O que de fato é a censura? Ela édelicada, é muito forte. Eu acho que nãocorresponde ao que foi a realidade. Eu não

liAs universidades estão riquíssimas, euacho que as estantes das bibliotecas dasuniversidades são um celeiro de pautas

que estão lá no cantinho"coisa que eu faço muito. Eu agradeço demaisàs universidades, porque quando eu tenhoalguma matéria que eu possa investigar, euvou atrás de alguém que tenha um trabalhonessa área e eu vou ler.

Por exemplo, o do Jaguaribe agora, tudobem que era uma matéria sobre o rio, queeu fiz o percurso, mas eu achei arquivos dedissertação, de mestrado, de doutorado,algumas pessoas que eu já conhecia. Eufui pegando isso pra me fundamentar.A preocupação foi exatamente essa, atéapresentar todo esse conteúdo. Pronto,cheguei a essas conclusões, está aqui omaterial. (Em) todo esse processo, eu, de umaforma muito feliz, consegui toda essa fluência,essa preocupação, essa coisa do jornal. Euacredito que, também, esse tema foi parafrente porque eu consegui esse espaço dentrodo jornal sete anos e tanto atrás para falardisso. Tanto é que foram matérias anterioresque geraram outras ações, como, enfim ...Foi feita uma ementa numa lei para proibira pulverização aérea no Ceará, foram várias

vejo como autocensura. Eu me policiei, mepreocupei, houve, eu diria, uma autoregulação,mas não uma censura propriamente dita. Eeu posso até depois encontrar elementospara isso que eu estou dizendo agora,para provar isso. Sempre que eu fui fazer amatéria, eu já tinha uma aprovação préviado jornal para ir fazer. Então, não foi umacoisa do tipo: "Vou fazer aqui e vou ver seeu convenço". Isso existe, essa construção,principalmente, nas matérias maiores, masnormalmente, eu digo. Aliás, (eles) têm desaber que eu estou indo, que eu vou fazermatéria tal. Há uma aprovação lá no início.Já houve esse pontapé, essa aprovação dojornal. As pessoas perguntavam: "Ah, masvai sair?" (Eu dizia): "O jornal está sabendoque eu estou aqui, sobre o que eu vou falar".Eu entendo perfeitamente, é natural essetipo de pergunta, inclusive dessas pessoas(que estão) fora. Tenho várias pessoas quechegaram para mim relatando: "Olha, estevea imprensa aqui, a gente fez a matéria, nãosaiu nada" ou "Esteve imprensa aqui, a gente

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alou e disseram uma coisa completamente ocontrário da gente". Eu entendo que a culpa é,muitas vezes, nossa. Claro, não vou botar sóno repórter que foi, é tudo. É da edição, é dorepórter, da proposta do jornal.

Mas, de alguma forma, o repórter podevoltar para redação com argumentossuficientes para, de repente, o meio decomunicação não fazer o olhar que já faria,que é o lance de reforçar os estereótipos,como eu falo das matérias policiais. Euentendo que os meios de comunicaçãoquerem isso nas matérias policiais porque vaidar audiência, mas no que o repórter podecontribuir, nem que seja um pouquinho decada coisa que ele traz de lá? E eu comemorosempre o seguinte: eu sei que eu não vouconseguir falar tudo o que eu quero, mas seeu conseguir falar metade do que eu quero,se eu vou ter meia página e não uma, euprefiro ter meia do que não ter nenhuma.Isso eu comemoro, porque de alguma formaeu contribuí. Censura (seria) se eu fossecalado. Em nenhum momento, graças aDeus, eu me senti calado. Porque, inclusive,quando tentaram calar, não foi um meio decomunicação, e outra pessoa é que foi calada,que foi o Zé Maria Filho, e não foi por culpados meios de comunicação. Isso foi mais doque censura, não é? (Melquíades se refere aoassassinato do agricultor e líder comunitárioZé Maria do Tomé, sua fonte exclusiva porcerca de sete anos, que foi assassinado pordenunciar os conflitos causados pelo uso deagrotóxicos em Limoeiro do Norte).

Analu - Melquíades, quando você estavaconversando com as meninas na pré-entrevista, você falou que é uma pessoamuito crítica, principalmente em relação aosconflitos sociais. E você citou agora a mortedo Zé Maria, que foi uma fonte exclusiva suadurante sete anos, teve uma proximidademuito grande tanto com você quanto com asmatérias. Eu queria saber o que você sentiuquando recebeu a notícia da morte do ZéMaria.

Melquíades - Foi bem complicado. Euestava aqui em Fortaleza, estava voltando(para Limoeiro) quando disseram isso. Umamigo ligou e disse: "Acabaram de matar o Zé

Maria". Eu fiquei (pensando): "Poxa vida ... "Fiquei chocado, surpreso, mas naquelemomento me veio tudo o que ele falava,o que ele dizia, que tinha sido ameaçado.Isso veio muito forte. E, claro, assim que eusoube da morte, eu só imaginei que devia seralguma coisa relacionada ao que ele falava,à questão dos agrotóxicos. Poderia ter sidoqualquer coisa, eu não sabia direito quandome disseram da morte dele, até eu saber quefoi uma execução. Foram 19 tiros de pistolaponto 40, que é de poder de polícia. Foi umasituação em que o cara atirou à queima-roupa,ele foi derrubado da moto e terminaram de daros outros tiros com ele no chão e o cara empé na frente dele, segundo as investigaçõesda polícia. A perícia chegou a essa conclusão.

Minha família ficou preocupada porentender que (o assassinato) deve ter sidopelo que ele falava. O Zé Maria era uma fonteexclusiva, mas ele falava nos auditórios,ele estava sempre na Fafidam (Faculdadede Filosofia Dom Aureliano Matos), que é aunidade da Uece lá em Limoeiro, em algunseventos em que estava o pessoal de paletópara falar da inauguração de não sei o quê, eleia lá do jeitão dele, pegava o microfone e dizia:"A gente está bebendo água contaminada!"Houve, sim, censura do Zé Maria, em relaçãoa emissoras de rádio lá em Limoeiro, porque,de fato, não deixavam ele falar. Durante essetempo todo, nesses sete anos, o Zé Maria erafonte das matérias, ele estava nas matérias. Detodos os lugares, dos meios de comunicação,o único em que o Zé Maria de fato teve vozfoi no jornal Diário do Nordeste, por meio dasminhas matérias. E ele se tornou uma fonteainda mais confiável quando ele chegava parao Procurador do Ministério Público Federal,que tem uma vara federal em Limoeiro, edizia que os caras (das empresas) estavamampliando as cercas. Ninguém vê, ninguémdiz nada, porque as terras são do governo.A cerca está aqui, vamos avançar mais 200metros. O Ministério Público encaminhou àJustiça Federal um pedido para demarcartodo o território da Chapada do Apodi paraver o que era da União e o que não era. Foifeita essa demarcação, a gente fez matériasobre isso. Falei com os Procuradores. Eu

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Melquíades foi profes-sor particular entre osanos 2000 e 2008. Dosalunos que teve duranteesse período, quase todosjá estão formados, entreeles, uma arquiteta e umadentista.

Melquíades tem umafilha de um ano de idade,Maria Lis. Na entrevistaque a equipe de produçãofez com Ivna Girão, a jorna-lista revelou que o amigo éum pai muito dedicado e,agora, o jornalismo tem dedividir a paixão de Melqula-des com a pequena.

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Com a série "Viúvas doVeneno" Melquíades foifina lista do Prêmio Essode Jornalismo - o maiordo País -, na categoriaAmbiental; e do PrêmioAllianz Seguros de Jorna-lismo, na categoria Sus-tentabilidade - MudançasAmbientais.

o repórter conquistou,ainda, o Prêmio HSBC deJornalismo na categoriaMídia Nacional, no seg-mento jornal, e no GrandePrêmio. Depois de recebero troféu, ele foi recepcio-nado com bastante come-moração na redação doDiário do Nordeste.

acho que é um dos nossos instrumentos, nacomunicação, essa mobilização, de você estaracompanhando, estar repercutindo o assuntoe isso pode ser um instrumento de pressãopara a própria Justiça.

Eu estava aguardando a resposta do juiz.Quando eu dei uma matéria dizendo queo Ministério Público encaminhou (o caso)à Justiça Federal, de alguma forma ela estásendo cobrada de que ela vai ter de daruma resposta. Está sendo dito nos meios decomunicação que a Justiça Federal tem dedar uma resposta. Comprovou-se, aí foi feitaa demarcação, viram que tinha um monte decoisa errada e tinham várias outras coisas.Estavam pulverizando (os agrotóxicos), ZéMaria ia para a pista de pouso, tentava entrarpara fotografar fazendo a pulverização pertodas casas - porque o Código Florestal foiatualizado agora, que é de 1965, mas ali jádizia que a pulverização pode ser feita a até500 metros das residências, mas elas eramfeitas por cima. E ainda que não fosse, ovento levava. Tinha tudo isso e o Zé Maria iacomprovando as informações.

O Zé Maria passou também a ser fontepara os centros de pesquisa, o pessoal daUFC (Universidade Federal do Ceará) mesmo,do Núcleo Tramas (grupo de pesquisa daUniversidade que trabalha com a questãodos agrotóxicos na Chapada do Apodi) r aRaquel Rigotto (professora coordenadora doNúcleo). Da mesma forma que eu tive essainvestigação com o Zé Maria e encontrei osmeus elementos como jornalista, os cientistasfizeram a mesma coisa. A partir do Zé Mariavocê conseguia elementos para chegar apessoas tais, fizeram exames nessas pessoas.Foi um outro método de investigação. Tevea apuração jornalística e a outra investigaçãocientífica deles, do pessoal da área de saúde.E o que une essas pessoas? O Zé Maria. Vocêtem os meios de comunicação "pulverizando"essa informação e você tem a ciênciaquerendo dizer que o que ele criticava não eraideologia.

Camila - Melquíades, tendo em vistatodos esses riscos que esse tema coloca,você nunca teve medo de assinar os textos?

Melquíades - Sim, tive medo. Mas nuncafoi aquele medo de dizer que não vou (fazera matéria). Foi você ir com medo, mas emnenhum momento pensar em não ir. Eucheguei a ligar para o jornal para dizer: "Sópara avisar que eu estou subindo a Chapadado Apodi (região onde existem os conflitos poragrotóxicos) e devo voltar, se estiver saindoumas oito da manhã, acho que até meio dia euestou de volta. É só para avisar". Sem muitoalarde. As pessoas perguntavam para mim,nas ruas, dentro de casa também, a minhafamília, se eu não tinha medo. Eusempre tentei

IIEle percebeu quenão dava mais paradar um passo atrás.Olha só, o Zé Marianão deu um passoatrás, por que eutenho que dar?"

relativizar muito esse medo. Eu tinha medo,mas não ia dizer que estava com medo. Foium medo para eu saber que tinha medo, masdeveria continuar, né? Quando o Zé Maria foimorto, continuei com esse medo, mas essemedo veio com uma inquietação ainda maior,de entender que o Zé Maria foi uma pessoaque estava indignada, como várias. Como eutinha dito, (ele) estava saturado de tudo. ZéMaria chegou a tal nível de indignação pelosproblemas que nada mais (o) impedia, nemque ele tivesse de morrer por isso. (Eu fiqueimais inquieto) de ver muitas histórias, de vercrianças contaminadas, de ver p Zé Mariadizendo isso, de chegar para as instituições,para os órgãos e departamentos relacionadosà questão de água e eles dizendo que nãopodiam fazer nada. Ele foi com tudo.

Joyce - Mas você não pensou em mantero sigilo do nome dele para a própria proteçãoda fonte, ainda que ele insistisse?

Melquíades - Eu já fazia algumas matériascom o Zé Maria, quando, de repente, ele foiameaçado de morte e ligou para mim dizendoque tinha sido ameaçado. Eu fiquei muitopreocupado e disse assim: "Cara, você tem dedenunciar isso à Polícia. Vá para a Polícia, vádizer e tal. Como foi? Ligaram para o celular?Era um número conhecido? (Você) chegou areconhecer a voz? Leve isso para a Polícia!"A partir daí, eu fiquei preocupado, inclusive,com isso, de que ele estava com documentos,essa coisa de ele levar (os documentos) paraum canto, para outro. Ele estava semprecolocando a vida em risco. E eu tive umaconversa muito séria com ele, de dizer oseguinte: "Olha, então não vamos colocar seunome na matéria, tem outras pessoas quepodem falar sobre isso, as próprias pessoasque estão vivendo isso contigo". Eu podia,sim, preservar a identidade, de repente, poruma questão de responsabilidade nossa(como jornalista). Eu deixei bem claro paraele isso: "Não vai invalidar a publicação damatéria. Eu sei que é você que está dizendo,o jornal sabe que é você que está dizendo,mas eu não preciso colocar o seu nome".

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Mas ele disse que não, que podia colocar, quecolocasse. Ele estava de um jeito que (dizia):"Eu quero que saibam que fui eu". (Ele estavacom) esse nível de indignação tão grande,que ele percebeu que não dava mais paradar um passo atrás. Olha só, o Zé Maria nãodeu um passo atrás, por que eu tenho de dar?Por que as pessoas ao redor têm de dar? OZé Maria deu a cara a tapa e levou, não foi?E nós? Que cara nós podemos dar? Por issoque houve esse medo, mas essa inquietaçãofoi muito mais forte.

O Zé Maria, sim, sempre fazia questão. Eledizia: "Eu quero que saibam (que sou eu)".Porque se ele fosse só uma fonte, uma fonte,uma fonte, iriam esquecer o nome dele, eleiria ser assassinado, e aí? Quando o Zé Mariafoi assassinado, tudo isso estava na berlinda.Ele estava com o nome muito "quente" naspessoas. E, de alguma forma, isso acabouservindo de pressão para que se investigasse,porque poderia ser só mais uma morte,como eu soube que uma ou outra pessoaque estava no rol de testemunhas do casodo Zé Maria foi assassinada. São pessoasque a gente não sabia o nome, que a gentesó soube de um relato policial de que alguémfoi encontrado, um cadáver de um agricultore pronto. (Como) uma dessas pessoas quepodem estar (trabalhando) na agricultura,de repente, teve um infarto, morreu ali e, derepente, vão encontrar. Até fontes dentro daprópria polícia dizerem que ele foi torturado,que aquela pessoa tinha algum tipo devínculo com o Zé Maria. Essa pessoa não era,entre aspas, ninguém. O Zé Maria era umapessoa (mais importante nesse sentido). Euacho que no que a evidência do nome (do ZéMaria) está ajudando é mais no sentido dessaindignação geral e de que a Justiça resolva, ouque, de fato, seja justa, sem querer condenarninguém antecipadamente, acho que nãoé a nossa função, nem como ser humano,que dirá como jornalista. Mas ele não queria,enfim ... Não dava mais para segurar. Foi umadecisão dele e não minha.

Bárbara - Durante o período de apuração

de material para a sene Viúvas do Veneno,você teve de entrevistar mulheres que tinhamde tocar no próprio sofrimento para que vocêpudesse narrar a dor delas, já que era umasérie que falava de agrotóxicos, porém, deuma forma muito mais humanizada. Eu queriasaber como você conquistou a confiançadessas mulheres para que elas pudessemfalar desse sofrimento e como você lidoucom essa situação de ter de falar da dor delas,porém, mantendo esse "distanciamento" dorep6rter.

Melquíades - Num dos primeiros diálogos(com as fontes), eu tento colocar aquilo queé a minha opinião, aquilo que nós, comojornalistas, nós, como pessoas de meios decomunicação ou que, enfim, fazemos nossomeio, nós podemos, sim, ser instrumentos demobilização social. Foi isso o que eu falei paraelas: "Eu entendo a sua dor, mas eu acho quetem outras pessoas que estão passando poressa dor e nós não conhecemos". E eu achoque essa dor, que já foi externada, precisaser só evidenciada. Por achar que alguém vailer a matéria e vai se indignar ou que algumaprovidência seja tomada para que outraspessoas não cheguem àquela situação. Issoeu disse para as viúvas. É como você falarcom a mãe de um filho que morreu numacidente de trânsito. Ela não vai querer issopra mãe nenhuma! Ela vai querer que, de fato,haja sinalização, as pessoas não bebam nahora de dirigir ... O quanto ela puder dizer isso,que isso também é uma forma da indignaçãosaturada, é quando nós, na minha opinião,ficamos indignados com isso tudo. "Ah, euacho errado a violência, a poluição ... ". Sim,mas e aí? O que é que nós podemos fazer?Quando você satura, você vai fazer (algo). Euacho que o Zé Maria fez e as viúvas fizeram,mas fizeram na forma de lembrar - que nãoé lembrar, porque elas não esqueciam disso,mas na forma de falar dessa dor. É meio queum sentimento de mãe dessas viúvas, porqueelas estão preocupadas com que outrasmulheres e outras crianças, outros filhos, nãosofram esse tipo de dor. A minha ideia foi

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o Brasil é, atualmente,o maior consumidor deagrotóxicos do mundo.Esses produtos químicostêm gerado diversos da-nos ao meio ambiente eà saúde das pessoas quelidam com o "veneno" dia-riamente."

Apesar de ter feito qran-des reportagens antes, apremiada série Viúvas doVeneno foi a primeira queMelquíades inscreveu emprêmios.

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Os acertos sobre horá-rio e local da entrevista ea coleta de algumas infor-mações para o materialde produção aconteciamsempre na redação doDiário do Nordeste, entreMelquíades e a estudanteBárbara, que é estagiáriado jornal.

A entrevista aconteceuem um espaço aberto dorestaurante Dona Chica, naAvenida da Universidade.Bárbara e Camila ficaramcom medo que o barulhodos veículos que passavamna rua prejudicasse a grava-ção do áudio da entrevista.

tentar fazer uma ponte com todos nós e comoutras "viúvas do veneno" em potencial. Euconverso isso com elas.

Teve situações, por exemplo, teve uma(viúva) que (ahistória) foi muito difícil, porquefoi a que teve o momento mais depressivo,porque foi tudo muito rápido para a mortedele (do marido dela). Ele sentiu uma dor e,de repente, em questão de pouquíssimosmeses (ele morreu). E ela perdeu de 25 a 30quilos, não conseguia mais falar sobre isso, ofilho perguntava: "Onde é que está meu pai?"(Melquíades se emociona). Ela não sabia oque fazer, o que falar. Ela sofreu muito. Elasofre até hoje, como todas sofrem, mas erauma situação muito complicada, ela nãoqueria falar dentro de casa, ela não queriafalar para o próprio filho. Ela está com aquelador ainda muito forte, ela não conseguiuadministrar essa dor. Foi uma situação muitodelicada. Deixando muito claro que tem deexistir sempre esse respeito: tudo bem, elaé um personagem interessante do ponto devista jornalístico, mas, se ela disser que nãovai falar, eu posso até tentar convencer, mas,se eu não conseguir convencer, eu tenho derespeitar, porque é onde entra a questão,(que) além do ponto de vista jornalístico, (elaé uma) pessoa. São pessoas. Eu coloqueiisso para ela. Inclusive, o caso do marido delaestava na Justiça. Ela percebeu, inclusive, quetalvez fosse importante a sociedade entenderque a Justiça já foi cobrada. Eu entendi issocomo um dos fatores para ajudar nessecontato, e (entram) outras coisas: a formacomo a gente se coloca, a forma com que agente se propõe, que vem muito de nós, vai

definir se a entrevista vai continuar ou se essavivência vai continuar num outro contato. Vaidepender muito mais de nós, como pessoa,do que como repórter. Eu tento falar para apessoa: "Olha, eu acho que esse problemamerece que as pessoas saibam disso, porquehá outras pessoas que viveram isso que asenhora viveu". Como, de fato, existiu. Como,de fato, houve identidade de outras pessoasque têm preocupação com seus maridos, quepossam estar contaminados com agrotóxicos,como isso também ajudou nesse empurrãoda própria Justiça tomar uma decisão como,de fato, tomou. A Justiça tomou uma decisãoem (um contexto) que havia tudo, haviaprovas médicas, tanto do grupo de médicospesquisadores como do perito médico. Enfim,havia várias comprovações. Estava tudo ali.(Melquíades se refere ao caso de Maria daConceição, uma das viúvas, que venceu naJustiça um processo contra a empresa onde omarido trabalhava e vai receber indenização).Por provas muito menores as pessoas sãojulgadas e condenadas neste país, só porindício a pessoa é condenada (rindo), mais doque indiciada. Então, tinha todas essas provase, ainda assim, estava lá. De alguma forma,impulsionou isso.

Joyce - A dona Branquinha era a esposado Zé Maria e ela seria uma de suas fontes,visto que ela também ficou viúva, já que oZé Maria foi assassinado. A matéria dela, noentanto, não foi publicada, né? Como vocêentende essa não-publicação?

Melquíades - Por ser o nome "viúvas doveneno", a proposta inicial tinha sido de (falarsobre) as viúvas de maridos que morreramcontaminados por agrotóxicos. Dentro doprimeiro conceito do que seriam as viúvas,estão todas lá. Independentemente dequalquer coisa, a dona Branquinha foi umafonte, como o Zé Maria, mas eu sinto a donaBranquinha ali quase como a poesia quevoltou para a página do Rio Jaguaribe, comouma satisfação, como um desfecho. Sim,

"Minha grande,., ,

preocupaçao e queesse "oba oba" quese fez em torno da

(série) Viúvas depoisda premiação nuncafosse maior do queaquela indignação"

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havia essa questão da colocação da donaBranquinha. Essa matéria, desde a primeiraedição, que foi no dia 17 de abril (de 2013),gerou uma repercussão muito grande, tantodo ponto de vista jornalístico, de as pessoasterem visto aquele material, como materialjornalístico, como a denúncia em si. E euentendo que, dentro dessas preocupações(de) que o jornal não é meu, mas enfim,a gente tem de ter esse cuidado, houvepara mim essa ideia de que, olha, vamoscolocar as viúvas de maridos que morreramcontaminados por agrotóxicos. O Zé Mariafoi uma fonte, de certa forma a Branquinha éuma viúva dentro desse contexto, uma viúvado veneno, mas eu acho que, quando houveessa decisão por a gente deixar (somente)essas viúvas (de maridos que faleceramcontaminados por agrotóxicos), que eu pareinum segundo momento, eu percebi que ... Euacho que consegui dar o recado, conseguicolocar as viúvas ali e a dona Branquinha nãoestaria esquecida porque o marido foi a fontee, sei lá, os centros de pesquisa, todo mundoentende dessa forma.

que a Justiça está dizendo que é para ser sobsegredo de Justiça?

Eu diria que isso também embasou oconteúdo do que eu tinha e tenho sobre o ZéMaria. O que eu quero dizer é (que) apesarde um certo alarde que se criou, (de dizer):"Cadê a história?" Porque há pressão, há umasérie de coisas, volta o lance lá das páginas ...Eu prefiro ter, se não uma página, ter meia(página) do que nenhuma. E eu prefirocomemorar isso, como eu prefiro comemorar,sabe, a evidência das viúvas, não o prêmio e odinheiro. De que lado eu estou? Eu acho queas pessoas dos movimentos que, inclusive,de alguma forma se aproximaram de mimnesse sentido, não só (para) parabenizar, maspor ajudar na força, por haver uma pressãodepois da publicação, eu acho que num outromomento elas entenderam isso, como essecuidado. E, ao mesmo tempo, eu acho queisso me alimentou. Toda história que não foicontada depois, eu vejo como um alimentoque é desperdiçado, porque a gente vive de,enfim ... As nossas histórias, como a comida,nos alimentam. Um alimenta o corpo, o

Outra coisa importante: a dona Branquinhasempre teve muito medo, antes, durantee depois. Isso foi muito delicado pra mim.Ela nunca quis se envolver nas histórias doZé Maria, nas questões, nos contatos. Eua via porque eu ia à casa do Zé Maria, via etal, e tinha esse contato, mas ela não queriase envolver). Era uma luta dele, (mas) dela

também, de certa forma, ela assumiu essaluta. Mas sempre foi muito retraída nessesentido. O que eu tenho a dizer - e eu seique gerou uma repercussão porque se viu afoto da dona Branquinha e (pensaram): "Ah,mas ela não está (na reportagem)" - (é que)na minha opinião, foi chato? Foi, inclusive,foi chato, mas eu tentei transformar isso,também, no seguinte: não foi censura, eu nãovejo dessa forma. Eu acho que deu para daresse recado, ali, a partir dessas viúvas queficaram. E (enfatizando) uma outra questão:'10 que eu tenho de contato, das informaçõesdo Zé Maria, tem muitas informações queestão sob segredo de Justiça. Se estão sobsegredo de Justiça, eu não posso dizer. Eusei, eu tive acesso, mas quem sou eu tambémpara, de repente, divulgar, publicar uma coisa

outro alimenta a alma. Mas eu não sou dedesperdiçar comida e eu vou continuar nãodesperdiçando (sorrindo).

Camila - Esse seu trabalho das Viúvasdo Veneno teve bastante repercussão, tantojornalisticamente, de você ter ganhadoprêmios, quanto essa questão da vitória naJustiça. E com esse prêmio do HSBC quevocê ganhou, você disse que iria doar oprêmio para as viúvas. Qual é a sua intençãoao fazer isso?

Melquíades - Não vejo como altruísmo,eu vejo como uma obrigação. Porque, olhasó: você foi evidenciado, você foi premiado,inclusive, em dinheiro, por contar a dor dooutro, por narrar a dor do outro. A minhagrande preocupação é que esse "oba oba"que se fez em torno da (série) Viúvas depoisda premiação nunca fosse maior do queaquela inquietação, do que aquela indignação,que começou quando eu comecei a fazer eencontrar essas pessoas, e seguiu na primeirarepercussão, que foi aquela repercussão daspessoas (perceberem): "Poxa, está havendoesse problema!" e tudo ... Essa é a minhagrande preocupação. Eu sempre digo às

oC? o

Quando respondia àpergunta a respeito domedo de assinar os textossobre os agrotóxicos, Me-Iquíades disse que sentiumedo de verdade somen-te quando foi fazer umamatéria policial.

A matéria era sobre ocaso de dois irmãos quemataram e esquartejaramum homem e o transpor-taram de Fortaleza até omunicípio de Tabuleiro doNorte dentro de uma caixade computador.

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Entre os projetos futu-ros de Melquíades, está olançamento do livro-repor-tagem sobre as viúvas dapremiada série, com umaabordagem mais aprofun-dada, inclusive, contem-plando a história de ZéMaria e dona Branquinha.

Depois da entrevista,Melquíades enviou umamensagem para Bárbaracom alguns links de tex-tos dele publicados no siteObservatório da Imprensa,dos quais, segundo ele, aconversa com a turma otinha feito lembrar.

110 sertão éuniversal, (também)há um rio universal.

E eu me sintomenino desse rio(. .. ) Por isso, me

identificar com essaspessoas é me fazer

estar lá"pessoas: "Obrigado, massa, obrigado peloreconhecimento, pelo prêmio, mas se lembreque a gente está falando de uma dor". PÔ,é um prêmio, as Viúvas do Veneno, (mas)estamos falando de um problema. Pra mim,isso me incomodou, muito (por) entender(que), poxa, eu estou aqui fazendo a pessoarelembrar (a sua dor), falar dessa dor. Eu mesenti meio que usando essa pessoa e isso mefez muito mal, me faz sentir mal. Você volta(rettetindoi.eeoe? Isso me incomoda. Eu tentotransformar, inclusive, isso. (Eu penso) no queeu vou fazer, escrever, ver o que eu consigogerar a partir dai. Não foi só porque elas sãomiseráveis, não. foi só porque elas precisamde dinheiro, por exemplo, a dona Conceição(uma das viúvas, personagem da série) éumaque faz bicos, lavando, varrendo a casa dosoutros, numa situação em que (e/a) continuasó e (é) bem complicado. É como que umasatisfação. Não é o dinheiro em si.

Camila - Depois de a gente ter sedebruçado profundamente sobre todas assuas produções, a gente queria refletir umpouco sobre o papel do Jornalismo nissotudo. Você tem esse envolvimento compautas que tratam de questões sociais muitofortes, como também os conflitos ambientais,e todas as suas produções acabam trazendoimpactos, como essa questão de terestimulado pesquisas e a questão da vitóriana Justiça de uma das viúvas. O que eu queriasaber é em relação a esse seu desejo detransformação social por meio do Jornalismo.Refletindo sobre o cotidiano e a dinâmica donosso fazer jornalístico, como a gente podeinserir esse objetivo da transformação socialna nossa atividade, cotidianamente?

Melquíades - Eu acho que a gente sóconsegue fazer isso se a gente se transformarprimeiro. Tem de haver essa transformação.Eu acho que essa transformação nãonecessariamente se dá quando você perde

um parente ou quando acontece algo.Isso pode ser um catalisador para algumatransformação, mas, sei lá, (eu sugiro) quea gente crie e construa essa predisposiçãopara a transformação. Na minha opinião, éesse sentimento de igualdade, de você sever. no outro. Quando a gente tenta chegara ISSO, pode haver uma transformação.No Jornalismo, eu acho que isso é o maisimportante, porque eu acho que, se a gentetiver essa transformação e se a gente se verno outro, a gente passa a ter mais cuidadocom o outro. Se a gente passa a ter maiscuidado, passa a ter mais respeito, esserespeito vai ser colocado no trabalho que agente for fazer. Isso vale para qualquer tipode pauta, qualquer tipo de matéria. Eu achoque isso é o transformador. A gente só vai,como jornalistas, transformar o Jornalismose transformar o homem. O homem dentrode nós, para que, depois do Jornalismo, agente tente ajudar com que outras pessoastambém se transformem.

Uma coisa muito importante: eu nãoquero ver nada como heroísmo. "Ah, você foilá, fez o relato e tudo". Porque tratar esse tipode atividade que a gente faz como heroísmoseria o mesmo que dar mais evidência à(série) Viúvas (do Veneno) ter ganho umprêmio nacional do que o problema dasviúvas, do que o problema da contaminaçãode agrotóxicos. E isso que a gente tem deprezar muito. Na minha opinião, estamosfazendo nosso trabalho. Se houver essatentativa de olhar o outro melhor, eu achoque a gente olha o outro melhor quanto maisa gente convive com o outro. O outro não sãosó as pessoas de casa, é o outro do outro ladoda rua, do outro lado do rio, do outro lado dacidade. Porque a gente vê outras realidades eeu acho que, em alguma dessas realidades: agente está lá, a gente pode se encontrar. Nãoimporta se você nasceu e se criou na áreanobre de Fortaleza, no melhor condomínio doprédio e, de repente, você vai para o extremoda cidade, completamente diferente, masacho que você pode estar lá também. Porque,no final das contas, somos todos humanosestamos todos sujeitos aos mesmos defeitos:aos mesmos erros, todos temos o mesmopotencial. Isso é que é transformador proJornalismo.

Isso do sentimento da ciência social nãoé que a faculdade de Jornalismo não consiqapreparar nesse sentido, talvez ela não consigapreparar porque precise inserir um poucomais isso, a formação social dentro do curso,para que o cara não saiba só o que é a partetécnica, de /ead e não sei o quê, e só vaientender o mundo quando disser "eu vou parao mercado de trabalho". Aí você vê o encontrocom o outro como uma necessidade, porque

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ocê está no mercado de trabalho, então vocêai encontrar o outro por uma necessidade eão por um desejo. Em qualquer profissão,

em qualquerfaculdade, do que a gente tiver ...Se a gente puder ter essa formação social na-ade curricular, isso vai ajudar, vai dependeruito da gente. E, sim, sabe, (é) o grupo, a

equipe dizer "olha, vamos procurar outrasessoas, vamos para outros lugares". Eueguei nas Ciências Sociais e, de repente,pra comunidade dos (índios) Tremembé

e Almofala, (foi) meu primeiro contato,aticamente. Não foi (para fazer) matéria lá.ue massa que eu tive aquele contato, entãoamos aproximar esses contatos, para que nãoeja só na faculdade, ou depois da faculdade,

e você teve uma pauta para ir fazer e vocêe chocou com a realidade que você nãoonhece e, às vezes, o seu deslumbramentoode reforçar o seu preconceito ou o seuroprio desconhecimento diante daquilo. Deepente, chegar numa aldeia indígena e dizer:Cadê os índios?" Porque eles não estãoeminus, nus ou de cocar. quando a questãooutra. Eu acho que isso a gente pode inserir

qualquer formação, e a partir daí... Oelhor Jornalismo vai ser consequência deelhores pessoas e, de alguma forma, esseelhor Jornalismo vai possibilitar que outras

essoas possam se tornar melhores.

E QUíADES JÚ 10R 103

A mensagem dizia:"Textos de quase dez anosatrás, ainda no início deum processo de rnatura-ção de crítica e de escrita ...Processo que, pensandobem, espero nunca fin-de ... ",

Os títulos dos textoseram "Como a mídia con-templa a miséria" e "Ascausas que a mídia nãocontempla", publicadosno Observatório da im-prensa, respectivamente,em 2004 e 2005.