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Memorial Descritivo - O Livro Sem Fim

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Memorial descritivo do projeto de conclusão de curso entregue como requisito parcial para obtenção do grau de bacharela em Design pela UFPE em 2014.

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Estudo e produção de um livro ilustrado alternativo

Memorial descritivo apresentado ao Departamento de Design da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para

obtenção do grau de Bacharel em Design

OrientadorSilvio Barreto Campello

Universidade Federal de PernambucoCentro de Artes e Comunicação

Departamento de Design

Iara Adeodato

Recife, 2014

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O livro ilustrado não é apenas texto e imagem, é texto e imagem no espaço desse estranho objeto que é o livro.

Isabelle Nières-Chevrel

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Agradecimentos

Introdução

Metodologia

Fundamentação Teórica O Artefato Livro Livro ilustrado Livro-imagem Livro alternativo Livro-objeto

Estudo de similares e referências Formato Tema Produção Ilustração

Desenvolvimento do Projeto Público Tema Formato Desenvolvimento das ilustrações Texto x Imagem Cores Papel Capa Prototipagem Impressão, Acabamento e Resultado Final

Considerações Finais

Bibliografia

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A meus pais, João e Cristina, por serem quem eles são e terem me feito quem eu sou.

A Marina, por ser meu modelo e por ter me incentivado a fazer Design. A Pedro, pela amizade e estímulo.

Ao OZZY: Guilherme Lira, Eduardo Nóbrega, Luciana Bacelar, Markinhos Lima. Obrigada pela imensa amizade, aprendizados e inspiração em todos os momentos desde que estamos juntos nesse curso.

A Markinhos, obrigada pela tarde em que decidimos que íamos concluir isso, e toda a ajuda técnica, feedback e acompanhamento.

A Manuela dos Santos, Beatriz Chimelli, Nathalia Moura, Renatixa Mota, Gabriela Araújo e a Benke Ferraz.

A todos os meus amigos e colegas, pelo apoio e inspiração.

A Cristina Lopes, pelo incentivo e por ajudar a desatar os nós.

A Gisela Abad, pelo apoio e estímulo.

Ao meu orientador Silvio Campello, porme guiar nessa e na primeira empreitada nos livros alternativos ilustrados, e rir comigo das minhas nóias.

Aos mestres Hans Waechter e Isabella Aragão, mentores do Design Gráfico e da tipografia. A Clóves Parísio e Gentil Porto Filho pelos valiosos ensinamentos. A Conceição e a todos os professores e funcionários do dDesign.

Obrigada por todos os livros emprestados, que serão devidamente devolvidos!

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O que me aproximou do Design Gráfico, inicialmente, foi a minha afinidade com histórias contadas através de imagens. Ao entrar na universidade, pude aprofundar esse interesse e dei início aos primeiros experimentos utilizando artefatos narrativos e decidi fazer desse tema o meu projeto de conclusão.

A escolha do livro como objeto surgiu pelo interesse nas possibilidades que esse artefato oferece. Minha intenção era explorar os elementos que um livro contém como artefato gráfico e o que de inovador e alternativo (ou seja, diferente do comum ou do que estamos acostumados a lidar no dia-a-dia como sendo livro) poderia advir desses elementos: papel, páginas, capa, quarta capa, folha de guarda, folha de rosto, tipografia, texto, imagem, cor, textura, toque, interação com o leitor, narrativa, histórias.

Além de ser um artefato interessantís-simo na área do Design Gráfico, o livro me atraía por ser um objeto durável, um objeto de desejo, diferente de muitos impressos efêmeros que não possuem o mesmo cuidado gráfico e de conteúdo que um projeto editorial.

Atualmente, graças às possibilidades da indústria gráfica, os livros ilustrados e os livros alternativos têm-se feito cada vez mais presentes nas prateleiras

das livrarias e das casas das pessoas, e se tornado uma área atraente de experimentação para designers.

Um dos objetivos era tentar expandir ao máximo a ideia de livro, mas encontrar o limite para que aquilo ainda fosse reconhecido como tal e não ultrapassá-lo. Quais elementos são essenciais e próprios de um livro e que não podem ser descartados ou distorcidos para que ainda se nomeie o artefato como livro?

O outro objetivo era encontrar formas de expressar conceitos por meio do livro. Como o suporte do livro pode contribuir para a construção da narrativa? Essas perguntas me deixavam curiosa acerca do artefato e me instigavam para produzir um artefato narrativo interessante.

Ao longo da pesquisa, encontrei livros ilustrados e livros alternativos inspiradores, que subvertiam a lógica do que é esperado de um livro. Livros sem páginas, livros sem capa, livros em que era preciso que o leitor terminasse a história, livros que não eram livros. Por fim, o último objetivo era mapear o que de especial já foi feito em design de livros e assim experimentar uma abordagem inovadora para projetar um livro ilustrado.

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O projeto partiu da intenção de pro-duzir um livro ilustrado alternativo, conceitos que serão explicados e definidos detalhadamente na Fundamentação Teórica.

Definido o objeto de estudo, foi feita uma pesquisa sobre este artefato e suas particularidades, para então ser definida uma abordagem e uma narrativa. O objetivo era que a história nascesse simultaneamente com o projeto gráfico, tendo a exploração das possibilidades gráficas do artefato como um aspecto limitador e guia do processo criativo.

A Metodologia pode ser dividida em três fases: Pesquisa, Experimentação e Produção.

O objeto de estudo foi decomposto e analisado de forma geral e específica. Foi feita uma pesquisa sobre livros em geral, livros ilustrados, livros alternati-vos e livros ilustrados alternativos. Foi então feito um estudo de similares para analisar o que já existe no merca-do e definida a abordagem conceitual do projeto gráfico.

Após essa fase, iniciou-se a fase prática de decisões e testes, bem como apresentação de bonecas a possíveis leitores.

Por fim, iniciou-se a produção das ilustrações, acabamento e impressão do artefato.

1 Pesquisa teórica 2 Estudo de similares 3 Definição do conceito

4 Estudo e definição de formatos 5 Estudo e definição da história 6 Prototipagem 7 Testes com usuário

8 Produção das ilustrações 9 Acabamento10 Produção

Pesquisa

Experimentação

Produção

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O ARTEFATO LIVRO

Segundo Suzy Lee (2012), livro im-presso é uma determinada forma de arte que é capaz de conter uma his-tória, íntima, acessível, direta, portátil, viável, reproduzível, produzível em massa e universal.

De uma forma descritiva, este artefato pode ser definido como “um volume transportável, composto por páginas encadernadas, contendo texto manus-crito ou impresso e/ou imagens” (Fonte: Wikipedia). Waechter e Aragão (2012), em notas de aula, definem livro como “publicação não periódica que consiste, materialmente, na reunião de folhas de papel impressas ou manus-critas, organizadas em cadernos, soltas ou presas por processos de encadernação. Obra literária, artística ou científica que constitui um volume”, definição semelhante à da UNESCO de 1950, “publicação não-periódica impressa de no mínimo 49 páginas, além da capa, publicada no país e disponibilizada ao público”. O que não se enquadra nessa descrição é considerado folheto, revista, e outros artefatos do ramo editorial.

Um livro também pode ser definido e classificado de acordo com seu conteúdo, sua finalidade e a que público alvo este artefato se dirige. Em geral, um livro pode conter também uma carga emocional muito grande, o que traz um envolvimento com

o leitor. Além de simplesmente um registro documental, o livro pode ser um mundo – acabar com a ignorância e expandir percepções.

O livro surgiu, assim como a escri-ta, da necessidade de registro documen-tal de ideias e informações. Na antiga Suméria, ao desenvolver-se a escrita cuneiforme e graças ao trabalho dos escribas como profissionais dedicados ao registro escrito, surgiram as pri-meiras bibliotecas de tabuletas – tábuas de argila onde eram grava-das informações com o uso de uma cunha – contendo registros sobre religião, matemática, história, direito, medicina e astronomia, e um princípio de literatura, à medida que poesia, mitos e lendas eram também registrados (Meggs, pág. 22-23). Estes foram os primeiros suportes que abrigaram escritos.

Tabuleta suméria de argila, meados de 2400 a.C.

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Com o desenvolvimento do papiro no Egito Antigo, surgiam os primeiros manuscritos em rolos, suporte chama-do de volumen pelos romanos, que iam sendo desenrolados à medida que iam sendo lidos, com textos escritos em colunas. Algumas vezes um mes-mo cilindro continha várias obras, sendo então chamado de tomo. O comprimento de um volumen chegava a seis ou sete metros, e quando enrolado seu diâmetro tinha em torno de seis centímetros (Wikipedia).

Aos poucos o papiro é substituído pelo pergaminho, tipo de suporte feito a partir de peles de animais que possuía a vantagem de ser mais duradouro se comparado ao primeiro. O suporte deixa então de ser um rolo para se tornar

uma compilação de páginas costuradas e passa a se chamar códex, chegando então ao formato de livro que usamos e reconhecemos até os dias atuais. Uma das consequências fundamentais do uso do códex é a identificação da obra com o objeto do livro, pois até então os suportes não necessariamente abrigavam exclusivamente uma única obra. Dessa forma, surgem então elementos internos que conhecemos, como sumário, folha de rosto, margens, páginas em branco, fólio, capitulares etc.

A propagação e evolução do livro tal qual como o conhecemos atualmente estão diretamente associadas à produção do papel (invenção dos chineses) e ao desenvolvimento das técnicas gráficas de impressão, que

Papiro egípcio, pergaminho de documento inglês (1638) e códex sinaítico (século IV)

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17Vergilius Vaticanus (séc. V)

Um livro contemporâneo

possibilitaram a reprodução em larga escala. Ao descartar a necessidade de copistas para realizar o laborioso trabalho de reproduzir os escritos à mão, a produção de livros expande-se mundialmente.

O LIVRO ILUSTRADO

Segundo Sophie Van der Linden (2011), o livro ilustrado é aquele em que há presença maior de imagens do que de texto. “O codex, formato do livro tal como o conhecemos hoje e que sucedeu o volumen (rolo) no período romano, é um suporte que foi concebido para abrigar um texto. O livro ilustrado, pelo contrário, apresenta predominância de imagens.” (pág. 11)

Como a escrita surgiu de represen-tações pictóricas, podemos afirmar que, inicialmente, texto e ilustração sempre estiveram juntos. Os egípcios foram o primeiro povo a produzir manuscritos em que figuras e palavras se combinavam para comunicar informações (Meggs, 2009). Com a invenção do pergaminho durante a Antiguidade clássica, mais resistente que o papiro e em um formato que não precisava ser enrolado, gregos e romanos puderam explorar mais possibilidades de diagramação, e os primeiros livros em páginas surgiram (Meggs, pág. 65). O mais antigo manuscrito ilustrado desse período é o Vergilius Vaticanus, volume com duas obras importantes do maior poeta de Roma, Públio Virgílio Maro: as Geórgicas e a Eneida. Iluminuras usavam o embelezamento visual para difundir a informação com extraordinária atenção e sensibilidade em relação ao design. Decisões de combinações de texto e imagem, hierarquia, mancha de texto, equilíbrio, página dupla e imagens sangrando a página já eram

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tomadas e livros ilustrados com alto nível em Design Gráfico eram criados.

Quando Gutemberg inventa a tipografia no século XV, há o declínio do trabalho dos escribas e cresce a valorização dos ilustradores, que começavam a estampar as páginas dos livros impressos em tipografia com ilustrações em xilogravura. (Meggs, p. 105)

O desenvolvimento de diferentes tipos de ilustrações em livros, assim como aconteceu com o próprio suporte, evoluiu à medida que novas técnicas de impressão e acabamento ampliava as possibilidades gráficas. As limitações de composição de texto com imagem, que combinavam técnicas diferentes numa mesma publicação, ditaram o tipo de diagramação em livros ilustrados por algum tempo. A xilogravura foi, até o final do século XVII, a única técnica que permitia

compor com versatilidade numa mesma página caracteres e figuras.

Ao longo do século XVI, difunde-se o uso da ilustração em talho-doce, alcançando maior fineza de execução. Havia, porém, o problema de compor texto e imagem no mesmo suporte, que exigia duas impressões em procedimentos separados, um em

LIVRO ILUSTRADOOnde vivem os monstrosMaurice Sendak (1963)

Chapeuzinho VermelhoCharles Perrault, Gustave Doré (il.) (1863)

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alto e outro em baixo relevo, muitas vezes até em gráficas distintas. Desenvolvida no final do século XVIII, a litografia permitia compor imagens acompanhadas de textos manuscritos, enquanto a tipografia exigia um espaço reservado dedicado ao texto. A paulatina evolução dos processos possibilita que obras reunindo caracteres tipográficos e imagens na mesma página se multipliquem.

Aos poucos, a imagem vai ganhando força e independência e os ilustradores criam novas experiências imagéticas, permitidas pelos avanços na indústria gráfica. Ao longo do século XX, surgem iniciativas editoriais que concedem ao livro ilustrado contemporâneo toda a sua amplitude, explorando possibilidades relacionadas a texto, imagem, suporte, plasticidade, conteúdo, materialidade e temas.

Tipos de livros ilustrados

Van der Linden diferencia livro ilustrado de outros tipos de livro que contenham imagens, tanto do ponto de vista do objeto como de sua organização interna:

LIVRO COM ILUSTRAÇÃOObras que apresentam um texto acompanhado de ilustrações. O texto é especialmente predominante e autônomo do ponto de vista do sentido. O texto sustenta a narrativa.

LIVROS ILUSTRADOSObras em que a imagem é espacialmente preponderante em relação ao texto, que aliás, pode estar ausente (é então chamado, no Brasil, de livro-imagem). A narrativa se faz articulada entre texto e imagem.

HISTÓRIA EM QUADRINHOSForma de expressão caracterizada pela articulação de “imagens solidárias”

LIVRO COM ILUSTRAÇÃOAlice no País das MaravilhasLewis Carroll (1865)

HISTÓRIA EM QUADRINHOSLe Petit PrinceJoan Sfar (ano)

LIVROS POP-UPNa Floresta da PreguiçaJoan Sfar (ano)

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(sequenciais). A organização da página corresponde, majoritariamente, a uma disposição compartimentada, isto é, os quadrinhos se encontram justapostos em vários níveis.

LIVROS POP-UPTipo de livro que no espaço da página dupla acomoda sistemas de esconderijos, abas, encaixes etc., permitindo mobilidade dos elementos, ou mesmo um desdobramento em três dimensões.

LIVROS-BRINQUEDOObjetos híbridos, situados frequente-mente entre o livro e o brinquedo, que apresentam elementos associados ao livro, ou livros que contêm elementos em três dimensões (pelúcia, figuras de plástico etc.).

LIVROS INTERATIVOSApresentam-se como suporte de atividades diversas: pintura, construções, colagens... Podem abrigar materiais – além do papel – necessários para uma atividade manual (tintas, tecidos, miçangas, adesivos etc.).

Percebe-se que o livro ilustrado é um suporte que permite e estimula muita liberdade de experimentação e é nesse tipo de livro que encontramos uma grande diversidade de técnicas

e expansões na forma de pensar o suporte, tanto na usabilidade como na configuração visual. Na Inglaterra vitoriana, surgem experimentações como os Toy Books (Livros para Brincar), que atestam um particular interesse pelo suporte e seus recursos, assim como uma abordagem decorativa na ilustração. Randolph Caldecott, tido por Maurice Sendak como o inventor do livro ilustrado moderno, justapôs texto e imagem de uma forma como nunca acontecera antes, em que texto e imagem conversavam entre si ao invés de serem redundantes, e é esse aspecto que torna o livro ilustrado contemporâneo interessante: ele transcende o sentido veiculado pela imagem/texto e emerge a partir da mútua interação entre ambos.

Van der Linden resume: “O livro ilustrado seria assim uma forma de expressão que traz uma interação de textos (que podem ser subjacentes) e imagens (especialmente preponderantes) no âmbito de um suporte, caracterizada por uma livre organização da página dupla, pela diversidade de produções materiais e por um encadeamento fluido e coerente de página para página.”

LIVRO-BRINQUEDOUne souris verte (Um rato verde)Latitude Enfant (2000)

LIVRO INTERATIVOCité Gallo-romaine de GlanumLemaire, Piavlet, Salviat (2004)

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LIVRO-IMAGEM

Como definido no item anterior por Van der Linden, livro-imagem é o livro ilustrado cuja característica é a ausência de texto.

Sobre este artefato, Suzy Lee afirma que “alguns leitores se sentem desconfortáveis, pois não há nada ‘para ler’” (pág. 150). Sophie Van der Linden tenta desmistificar esse senso comum: “as imagens, cujo alcance é sem dúvida universal, não exigem menos do ato de leitura. Nisso talvez resida um mal-entendido crucial. Considerada adequada aos não-alfabetizados – a quem esses livros são destinados em particular –, é raro que a leitura de imagens resulte de um aprendizado, uma vez que

ela irá paulatinamente desaparecer da nossa trajetória de leitores. Ora, assim como o texto, a imagem requer atenção, conhecimento de seus respectivos códigos e uma verdadeira interpretação”. (pág. 8)

Livro-imagem é uma nomenclatura que me atrai, pois é como dizer que o livro inteiro é uma única imagem. Pela natureza conceitual que resolvi abordar para criar este livro ilustrado alternativo, essa definição se encaixa perfeitamente, pois O Livro Sem Fim é, assim como um livro comum, um conjunto de imagens sequenciais, mas também pode ser lido como um livro-imagem contínuo, em que há apenas uma imagem simultânea, um retrato de um instante, ou de vários instantes sequenciais, que ficou ali registrado.

OndaSuzy Lee (2010)

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LIVRO ALTERNATIVO

Definimos aqui como livro alternativo (ou experimental) o artefato que subverte a lógica de um livro comum e que se diferencia do padrão dos demais, seja no seu formato, conteúdo, design, legibilidade, estética, forma de manuseio, modo de leitura e uso.

Em sua disciplina de Design Editorial, Waechter (2013) caracteriza o livro alternativo pelo seu conteúdo diferenciado, público específico, edição limitada, cópias limitadas, Design exclusivo, uso de materiais diferenciados, acabamentos diferenciados, usabilidade diferenciada e circulação exclusiva.

LIVRO-OBJETO

“O livro-objeto é um espécime único, pois (...) transcende os limites tradicionais dos livros comuns, baseados principalmente no texto. Este elemento pode ser visto, antes de tudo, como uma obra artística visual. Desta forma, ele rompe com o formato mais conhecido do livro, e busca sua identidade na produção imagética

Paul Hekkert

imanente às Artes Plásticas. Mesmo assim o livro-objeto pode ser lido, este ainda é o seu objetivo, embora esta leitura ocorra de uma forma distinta. Ela é realizada por meio de palavras soltas, sentenças curtas ou de um discurso mínimo.” (Fonte: http://www.infoescola.com/literatura/livros-objeto)

O livro-objeto é um tipo de livro alternativo que assume um caráter mais plástico e tridimensional, assemelhando-se muitas vezes a outros artefatos que não são livros. Como definido acima, o texto desse tipo de livro não é seu foco principal, e em geral, se há texto, este possui caráter metafórico, de difícil (ou até impossível) leitura, ou simplesmente conceitual.

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Poema de FitaIara Adeodato (2014)

Livro-objetoAutor desconhecido

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FORMATO

Seleção de livros que subvertem de alguma forma o formato tradicional esperado de um livro. Por formato tradicional, consideramos: retangular, com capa e páginas individuais sequenciais.

A Viagem de Tom pelo Mundo dos MúsicosIara Adeodato2010, Não publicado

Foram eleitos alguns livros que continham os aspectos mais interessantes que se destacaram dos demais ao longo da pesquisa. Os livros foram divididos em quatro aspectos: formato, tema (ou conceito, ou história), produção e ilustração.

Este livro foi produzido por mim no início do curso de Design na UFPE. Foi um dos primeiros experimentos na direção de produzir livros ilustrados alternativos, e foi o elemento catalisador da produção do projeto descrito neste memorial. O livro tem um formato de violão, o que faz

referência direta ao tema musical da história: um menino em um mundo de músicos, em busca do instrumento individual o qual ele nasceu destinado a tocar. O formato traz desafios para a diagramação, mas traz um grande apelo visual e interativo com as crianças.

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Este livro usa o formato do suporte como ponto de partida para a construção da narrativa, algo similar às experimentações de Suzy Lee que serão mostradas adiante. A partir do formato inclinado, acompanhado pelas ilustrações e também pelo texto, o livro nos conta a história de um

O livro inclinadoPeter Newell1910, nova edição de 2008, Cosac Naify

Abra este pequeno livroJess Klausmeier2013, Cosac Naify

carrinho de bebê foge desgovernado descendo ladeira abaixo, causando uma grande desordem por onde passa. Peter Newell marcou época na literatura infantil como precursor do livro-objeto, cujo formato traduz a ação da história.

Ilustrado por Suzy Lee, este livro cria uma narrativa a partir do simples ato de abrir o livro. Ou melhor, vários livros. Pois uma vez aberto, o que encontramos é outro livro. “O leitor vai acompanhar a história da joaninha, que abre um pequeno livro verde para ler a história do sapo, que por sua vez abre um pequeno livro laranja para

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IsmáliaAlphonsus de Guimarães2006, Cosac Naify

ler sobre a coelha, e por ai vai. Cada vez que um personagem abre um novo livro, o leitor, literalmente, abre junto com ele.” (Resenha da editora). As páginas internas funcionam na verdade como capas de outros livros, e nenhum livro é de fato “lido”, apenas abertos e, no fim, fechados!

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Denominado de livro-poema pela editora, este pequeno livro tem formato sanfonado, utilizando os vincos como divisão entre as ilustrações que mostram Ismália em cima da torre e seu reflexo no mar. O formato contínuo traz uma plasticidade muito interessante à obra, e remete à estrutura de poema, que é contínua e, em sua configuração tradicional, ocuparia o espaço de apenas uma página. O livro é embalado em uma caixinha, que funciona como capa e quarta-capa ou mesmo uma jaqueta, já que o miolo sanfonado é envolvido por duas pranchas de papelão, uma em cada lado, que funcionam também como uma nova capa e quarta-capa.

Não sendo exatamente um ponto negativo do projeto, não podemos deixar de mencionar o fato de o verso das páginas sanfonadas, onde não acontecem o texto e as ilustrações, fica quase todo em branco, a não ser por um pequeno posfácio, dados da

ficha técnica e o colofon. Esse espaço poderia ter sido pensado de forma a ser melhor utilizado. Outro ponto do projeto que torna a interação um pouco confusa (mas novamente aqui não é considerado um problema) é que a sanfona pode ser aberta em duas direções, e não fica claro, até o leitor abrir ambos os lados e encontrar a folha de rosto, onde a história começa. Já que o verso não foi usado para abrigar informações, a sanfona poderia ter sido projetada de forma a ser aberta apenas em uma direção para evitar a confusão.

Pedro PedreiroFernando Vilela / Chico Buarque2013, Casa da Palavra

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Bartleby, o EscrivãoHerman Melville2008, Cosac Naify

“Um dos primeiros sucessos de Chico Buarque foi transformado em livro-objeto pelo artista plástico Fernando Vilela. O livro conta a história de Pedro Pedreiro, que espera o trem que nunca vem. Ao imprimir a letra em um livro sanfonado, Vilela mostra ao leitor que, sem perceber, Pedro sempre esteve dentro do trem.” (Resenha da editora)

Em formato sanfonado, assim como Ismália, este livro utiliza da

continuidade da sanfona para representar a longevidade do espaço físico do trem ao longo da história. O leitor tem a sensação quase de estar acompanhando a história à medida que o trem passa, como se a música tivesse a duração exata da passagem do trem na estação. Também traz a ideia de simultaneidade, enquanto vemos passageiros irem e virem, tudo ao mesmo tempo em que o trem caminha e caminhamos com ele.

TEMA

Estes livros não necessariamente subvertem o formato esperado de um livro, mas se utilizam do tema, de um conceito que parta do conteúdo do livro, para criar seu projeto gráfico e configuração visual.

Considero este livro especialmente interessante porque o projeto gráfico em si já conta uma história. Muitas pessoas de quem ouvi falarem deste livro não faziam ideia do seu título ou de detalhes da história, mas contavam empolgadas sobre o projeto gráfico de um livro sobre um personagem “trancado”, o qual você tinha que violar, descosturar e rasgar para poder ler.

A interação com o artefato já se inicia no ato mais banal e primeiro ao pegar um livro: abri-lo, mesma ação que inspirou a historinha de Abra este Pequeno Livro. Isso já desperta a curiosidade do leitor. Ao finalmente conseguir abrir o livro que não se abre, o leitor ainda terá que rasgar página por página para conseguir ter acesso ao conteúdo, podendo fazer o uso de uma pequena régua de acetato que vem junto com o livro.

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Este projeto gráfico não subverte a configuração tradicional de um livro, mas adiciona essa interação como uma característica especial diretamente relacionada ao conceito do personagem e à história contada.

Neste livro, um conto sobre dois russos em São Petersburgo que se encantam por duas passantes na Avenida Niévski, a disposição do texto nas páginas está dividida em dois blocos espelhados, numa referência ao fluxo dos passantes por ambos os lados da via. É embrulhado por uma cópia de um exemplar de jornal da época.

Existem vários livros com configuração visual que possibilitam dois sentidos de leitura. É comum a configuração de livros com dois textos, um começando de um lado e de outro do livro, em que é preciso começar o novo texto pela quarta-capa do primeiro e girá-lo 180

graus para corrigir o sentido. Também é comum livros que dividem textos diferentes simultaneamente na mesma página, em duas colunas, como por exemplo livros bilíngues. Não foi encontrado, no entando, configurações simulares ao projeto de Av. Niévski. Aqui, a leitura também é feita em dois sentidos, porém distribui uma única história ao longo do livro, dividindo-a em cada metade horizontal das páginas para fazer um vaivém, o que faz alusão direta à fisicalidade da avenida e, assim como Pedro Pedreiro, traz a sensação de que estamos percorrendo fisicamente a história, acompanhando os personagens.

Av. NiévskiNikolai Gógol2012, Cosac Naify

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A história conta a tensa espera dos dois protagonistas de um evento "raro e estranho" que mudaria suas vidas. O projeto gráfico acompanha a evolução da narrativa. À medida que a espera

A Fera na SelvaHenry James2007, Cosac Naify

A Trilogia de Keri SmithKeri Smith

torna-se mais dramática, a gramatura das páginas do livro aumenta, as tonalidades do papel escurecem e a entrelinha do texto diminui. A mudança gradativa das páginas acompanhando a narrativa e o uso dos recursos tipográficos para dificultar a leitura e estressar o leitor tornam esse projeto muito interessante e dialoga diretamente com a história.

Keri Smith é ilustradora e autora de vários best-sellers sobre criatividade. Três dos seus livros me chamam a atenção: Wreck This Journal (Destrua esse diário), This is Not a Book (Isso não é um livro) e Finish This Book (Termine este livro) pelo tema, pela interatividade e pelos seus títulos provocativos.

Em Destrua esse diário, os “leitores” são encorajados a se envolverem em atos destrutivos, ou seja, preencher o livro

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com todas as sugestões das páginas, que vão desde a abrir um buraco nas páginas, pintar com café, desenhar fora das linhas, até a rasgar as páginas. Em Isto não é um livro, a cada página o leitor terá uma nova definição do que aquilo é. Então, a partir disso, poderá utilizar o livro do modo que bem entender. Termine Este Livro pede a ajuda do leitor para concluir um enigma e coletar pistas para concluir a história.

Trilogia da MargemSuzy Lee

2012, Cosac Naify

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Espelho (2010)

Onda (2008)

Sombra (2011)

Nessa trilogia, Suzy Lee explora as possibilidades gráficas proporcionadas pela divisão entre as páginas abertas de um livro.

Suzy Lee explora magnificamente essa divisão física, que, em geral, é ignorada. Páginas duplas usam essa separação para dividir a diagramação, enquanto imagens que sangram ambas as páginas ultrapassam esse limite como se ele fosse inexistente. Os três livros desenvolvidos partem dessa separação para criar reflexos, barreiras e sombra, usando a materialidade do livro para interferir e narrar a história.

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Este livro foi o tema inspirador do projeto do Livro sem Fim. Cependant... me intrigou bastante, pois subvertia vários aspectos esperados do artefato: não possui capa; não tem começo, nem fim definidos. O conteúdo são ilustrações de cenas do cotidiano. A sequência repetitiva e a aparente “ausência” de narrativa, dando uma ideia de simultaneidade e ao mesmo tempo de atemporalidade às cenas retratadas me intrigaram bastante. A encadernação em espiral contribuiu para trazer a ideia de continuidade, e criar este loop eterno. Meu interesse cresceu quando não encontrei nenhum outro livro conceitualmente ou projetualmente parecido.

Cependant... (No entanto...)Paul Cox2002, Seul Jeneusse

PRODUÇÃO

Nesta seção, foram selecionados livros que utilizavam dos meios disponíveis da indústria gráfica para criar forte apelo visual e acrescentar elementos à narrativa, com o objetivo de mapear as possibilidades de impressão e de usos de materiais disponíveis.

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Este livro se utiliza de diversos materiais diferentes e recursos da indústria gráfica para criar um livro de grande impacto visual. Já na capa dura, temos a atenção prendida pelo contato com tecido na lombada, impressão em pantone, verniz localizado e um hot stamping dourado. No interior, o pantone reaparece

em todas as páginas, em elementos estratégicos de destaque. O texto só aparece no início e no fim do livro. Uma série de recortes, uso de papel vegetal e páginas completamente preenchidas com ricas ilustrações fazem deste livro uma referência de possibilidades oferecidas pela indústria gráfica para enriquecer um projeto.

A grande viagem da senhorita PrudênciaCharlotte Gastaut2010, Ática

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Na noite escuraBruno Munari2008, Cosac Naify

Assim como Senhorita Prudência, este livro de Bruno Munari utiliza vários tipos de papel. Papéis de diferentes cores e gramaturas, papéis transparentes e recortes conduzem a história. A noite é representada pelo papel preto, enquanto o papel vegetal é utilizado para transmitir a sensação da aurora, quando a vista ainda fica ofuscada pelos primeiros raios do sol e deixa aquela “névoa” sobre os objetos.

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Na noite escuraBruno Munari2008, Cosac Naify

The Hole BookPeter Newell

2008, Cosac Naify

Novamente Peter Newell aparece como referência, dessa vez se utilizando de uma faca de corte para criar um buraco físico em todas as páginas que conduz a narrativa e cria a interação das imagens com o suporte.

A história se inicia no instante em que Tom Potts dispara uma arma sem

querer, abrindo o buraco mencionado no título. É interessante percorrer as páginas e termos a sensação e de estarmos perseguindo a bala, presenciando o momento em que ela fura e interfere em cada situação, mas sempre um milisegundo atrás dela.

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ILUSTRAÇÃO

Aqui foram selecionados livros que me atraíam pelo estilo de ilustração. A maioria dos livros expostos aqui anteriormente também me agradavam esteticamente, porém os mostrados a seguir são os que serviram de referência para a produção das ilustrações do projeto. Foi uma decisão baseada em gosto estético, simplicidade do traço, similaridade com meu estilo de ilustração, qualidade técnica que poderia ser produzida por mim, e pelo meu interesse na quantidade reduzida de cores.

Novamente, Suzy Lee retorna como referência, também de ilustração. Lee é uma grande exploradora de livros ilustrados de forma conceitual, mas também explora brilhantemente a força de suas ilustrações. São desenhos simples, produzidos com poucos traços, em geral produzidos com carvão. Em cada um de seus livros em sua Trilogia da Margem, há apenas o uso de uma cor, além do contorno

preto: o amarelo, em Espelho e Sombra, e o azul, em Onda.

O traço simples e expressivo de Lee, em contorno preto sobre papel branco, aliado ao uso de uma cor que traz impacto à imagem e acrescenta tom à narrativa e à textura usada pelos materiais de desenho usados por ela, trazem uma plasticidade e impacto visual muito fortes às suas obras.

Trilogia da MargemSuzy Lee2012, Cosac Naify

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Fico à espera...Cali e Block2009, Cosac Naify

Também aqui, todas as ilustrações são muito simples e feitas em contorno preto, mas são igualmente expressivas, mostrando que a força de um livro ilustrado não está na complexidade da técnica utilizada. Um aspecto especial é que todas interagem com um fio de barbante vermelho, que está presente ao longo de toda a narrativa. O formato horizontal faz com que as páginas du-plas assumam um caráter panorâmico.

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Após a pesquisa inicial de referências e inspirações de livros alternativos e ilustrados, listei os tipos que mais me chamaram atenção e que pareciam ser mais singulares, tanto pela abor-dagem como pela falta de livros similares, seja no conceito ou na apresentação gráfica.

Após listar estas abordagens que me atraíam, elegi o Cependant como livro mais singular e interessante. Meu interesse cresceu quando pesquisei e não encontrei nada projetualmente ou conceitualmente parecido. Optei então por criar algo inspirado nele, e em

como eu poderia usar dos recursos do Design Gráfico e Editorial para narrar uma história em looping, que não tivesse começo ou fim.

Conceitualmente, também me atraíam livros como a série de Keri Smith de livros colaborativos, em que o enga-jamento e participação ativa do leitor eram necessários. Isso se relaciona com uma forma de narrativa que também me atraía, que era a possibilidade de um livro, diferente do Cependant que não tinha fim, ter mais de um final.

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PÚBLICO

Van der Linden explica que, muitas vezes, o livro ilustrado é destinado a um público mais jovem, de ainda não-leitores. Portanto, seu contato com o livro se dá por meio de mediadores, adultos que adquirem o livro e o lêem para a criança. Ao projetar um livro infanto-juvenil, é necessário portanto estar atento para o que ela chama de dual address (destinatário duplo) e atender tanto ao universo dos adultos como ao das crianças.

Em casos em que o livro ilustrado será lido em voz alta para uma criança por um mediador, entra em cena um aspecto que merece atenção especial para um novo tipo de recepção: sonoridades, tonalidade e efeitos de estilo do leitor (teatralização, ideias preconcebidas etc.). “Essa situação de leitura pode, por fim, referir-se a um modo de recepção próximo ao do espetáculo, pela percepção simultânea de ao menos dois sentidos distintos, a visão e a audição.”

Pude observar esse aspecto in loco ao levar A Viagem de Tom Pelo Mundo dos Músicos para mostrar às crianças do Centro Escolar Carochinha e analisar a sua receptividade ao livro. O público-alvo de A Viagem de Tom é infantil. Pela complexidade da história, visa atingir uma faixa etária de 6 a 10 anos, ou seja, de crianças que já sabem ler e não precisam de um mediador. Porém, por uma questão de praticidade e para mostrar ao maior número de crianças em menos tempo, Tia Bel (a diretora) decidiu ler a história para o grupo. Durante a leitura, Tia Bel fazia perguntas e solicitava a interação das crianças com a história, brincou com o violão e encarnou os personagens enquanto lia o livro. A relação criada entre as crianças e a história teve participação direta do mediador, que

decididamente moldou o modo como as crianças reagiram ao livro.

Ainda segundo Van der Linden, o tipo de livro ilustrado mais consumido por adultos é do gênero HQ. Porém, cada vez mais, existe a procura do público adulto por livros imagéticos, principalmente designers gráficos e ilustradores, e há um crescente interesse tanto do consumidor quanto das editoras em comercializar esse tipo de produto.

Para este projeto, foi decidido abranger um maior público, não restringindo o alvo a crianças. O objetivo era fazer uma história simples, madura, que pudesse interessar tanto a adultos como também a um público mais jovem.

TEMA

Decidido o tema geral de looping, inicialmente pensei em uma história a respeito de um menino que cruzava com uma menina mas nunca se falavam. O looping seria esse eterno encontro e desencontro. Como eu queria que a história tivesse um final feliz, quis que em algum momento o leitor terminasse o looping no momento em que eles se encontrassem.

Foram pensadas pistas gráficas que direcionassem o leitor para esse possível final. Foi feita uma boneca de teste, com dois começos e dois finais. Porém, a dificuldade de criar uma história que se encaixasse nesse modelo e a criação de um suporte adequado me fizeram descartar essa primeira ideia.

Foi então feito um brainstorming juntamente com um colega designer e ilustrador sobre histórias que representassem ciclos que se

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repetissem. Chegamos a temas como tempo, estações do ano, ciclo da vida, relacionamentos, encontros, sentimentos. Foram feitas bonecas de teste para pensar em formatos que trariam esse significado de repetição.

Me interessava fazer um livro metalinguístico, cujo tema parte do

O Livro que se descreve a si próprioNuno Lacerda, 2012

Boneca com esboços da primeira história

próprio artefato livro, como acontece em vários exemplos mostrados aqui. Me interessava também fazer uso do suporte para desenrolar uma narrativa, como explorado por Suzy Lee em sua

Trilogia da Margem e por Peter Newell em O Livro Inclinado.

Como eu estava tendo dificuldades em criar uma história para o livro e eu não queria perder mais tempo com isso, que não era meu trabalho como designer, decidi então fazer desse processo de criação do projeto de conclusão o tema do livro.

Nessa fase, foi feita uma nova pesquisa, dessa vez focada em livros cíclicos, livros com fins alternativos, livros sem fim.

A respeito de livros com mais de um fim, foram encontrados algumas séries de livros infantis interativos, como a “Escolha a sua Aventura” (Ediouro), que permitiam a criação de várias histórias por meio de instruções que conduzem a diferentes páginas. O leitor encarna o personagem principal, e vai lendo a história até que esta lhe convida a fazer uma escolha, e a história continua de acordo com a escolha do leitor.

Foi também encontrada uma série de livros exploratórios acerca do tema de livos sem fim criados pelo artista Nuno Lacerda em seu portfolio online. Sobre eles, ele escreve: “Existe algo de paradoxal entre o formato e o conteúdo, a sucessão de páginas acrescenta uma dimensão temporal ao assunto retratado que é quase estático. São histórias onde nada acontece infinitamente.”

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Existem aspectos e temas muito interessantes abordados por Lacerda, porém o formato, como ele próprio aponta, não faz jus à infinitude proposta pelos seus temas. Minha intenção era aprofundar a ideia, mas sem usar a mesma solução projetual usada em Cependant.

FORMATO

O livro ilustrado contemporâneo oferece grande variedade de formatos, como pudemos analisar no Estudo de Similares. Como dito anteriormente, o objetivo era explorar essa possibilidade e projetar um suporte cujo formato contrariasse o tradicional e fosse alternativo, mesmo que de forma sutil.

“A organização das mensagem a serviço da página ou da página dupla, bem como o tamanho e a localização das imagens e do texto, estão solidamente articulados com as dimensões do livro. Por essa perspectiva, o formato se torna determinante para a expressão. Assim como o pintor escolhe sua tela, o

O vigilanteNuno Lacerda, 2012

criador do livro ilustrado compõe em função das dimensões do livro.” (Van der Linden, pág. 52)

Segundo Van der Linden, o formato vertical, mais alto do que largo, é o mais comum. O formato horizontal, mais largo que alto, permite uma organização plana das imagens, favorecendo a expressão do movimento e do tempo, e a realização de imagens sequenciais.

O formato nasceu concomitante à narrativa. Enquanto testava possíveis formatos, pensava nas possíveis histórias que cada um deles poderia abrigar. Durante os testes, cheguei a outros formatos interessantes, mas que não serviriam para o tema final escolhido, mas serviram de estudo e inspiração.

Dois começos e dois fins - Opção 1

Um dos testes focando na história contínua, com dois começos e dois fins (ideia inicial de história) deu forma a esse suporte, que possui duas possibilidades de lombada, dois inícios e dois finais. Achei uma configuração bem interessante, que pode ser adaptada para uso em outros projetos. Assim como o formato do Livro sem Fim, este formado tem suas extremidades coladas e forma uma sanfona dividida ao meio por 4 vincos que formam lombadas em ambas as faces.

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Dois começos e dois fins - Opção 2

Esse outro teste foi inspirado nas duplas encadernações em z e em Bartleby, o Escrivão. Seriam páginas encadernadas de ambos os lados, e dependendo de qual lado a encadernação fosse mantida, a história seria diferente. No caso, seria a mesma história, mas com ordem invertida. Também achei o formato interessante, mas teria que criar uma história que fizesse sentido de trás pra frente e de frente para trás, e além disso, que isso fizesse alguma diferença especial na narrativa.

Após a definição do tema de looping, comecei a explorar formatos que pudessem traduzir essa ideia. Foi percebido que a formato mais representativo para transmistir a ideia de continuidade seria um suporte que também fosse contínuo. Livros como Pedro Pedreiro e Ismália possuíam essa continuidade, mas não a ciclicidade. Após vários testes, chegamos em alguns formatos:

Circular

O final físico do livro é representado pela última página e então pela quarta-capa. De imediato, a primeira

decisão foi a de eliminar esses elementos do suporte.

Ao pensar em representar continui-dade, a primeira figura geométrica que vem à cabeça é o círculo. O círculo não possui extremidades, nem começo nem fim. Adaptando esse conceito para o suporte do livro, comecei a pensar nas possibilidades de usar um formato circular, unindo as extremi-dades de uma lâmina inteira de papel.

A ideia me parecia bem atraente, plástica e tridimensional. Ao fazer a boneca, me dei conta das interessantes possibilidades de usar ambas as faces do papel, o que poderia ser bem versátil. O formato contínuo me remeteu às fitas do zootropo, máquina criada em 1834 como um dos primeiros experimentos para criar imagens animadas.

Este formato tinha a dificuldade, porém, de armazenamento. Cogitei usar uma embalagem cilíndrica para abrigá-lo, e fiz alguns testes. Havia no entanto a possibilidade de amassar o papel e essa configuração se aproximava demais do conceito de livro-objeto e se distanciava muito do conceito de livro, que não havia intenção de ser ultrapassado para que o artefato ainda fosse reconhecido como tal.

Zootropo

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Fita de Moebius

Outro formato que imediatamente vem à cabeça associado à ideia de infinitude é o símbolo do infinito. Trazendo isso para a tridimensionalidade, conseguimos construir a chamada Fita de Moebius após rotacionar em 180 graus uma das extremidades antes de uni-las.

Esse formato era bem interessante e transmitia bem a ideia de continuidade, e só possuía uma face, diferente do anterior. Porém, ao testar a boneca, constatou-se de que este possuía o mesmo problema de armazenamento e manuseio do leitor. A forma era confusa demais e necessitaria de uma caixa grande que seria pouco aproveitada.

Formato adotado

Decidiu-se então retroceder um pouco e adotar o formato circular, porém adicionando vincos, de forma a criar a ideia de paginas, o que resolvia o problema do armazenamento e remetia mais à ideia de livro. Nesse momento foi também então decidido que haveria uma embalagem em forma de caixinha para abrigar o miolo, funcionando mais ou menos da forma como acontece em Ismália.

Como a intenção era que o livro não sugerisse nenhum começo correto, não poderia haver uma lombada. Porém, em formatos sanfonados, na página inicial se cria uma lombada fazendo um vinco duplo, que serve para abrigar todo o volume que as páginas dobradas criam. Essa lombada não poderia existir, pois iria sugerir que a página da lombada era o início. Foi testado então um número máximo de vincos que poderia ser utilizado sem criar um volume grande não abaulassem as páginas, demandando

a necessidade de uma lombada. Chegou-se à conclusão, portanto, de que o suporte teria 8 vincos, criando 8 páginas e portanto 8 cenas.

Foram testados formatos mais compridos, em que haveria uma área maior para ser desdobrada, bem como lâminas mais curtas. Uma lâmina com largura muito grande era complicada de manusear, enquanto uma pequena era desinteressante. Definiu-se então o formato ideal da lâmina (aberta) em 110 x 10 centímetros, com tamanho

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fechado de 13,5 x 10 centímetros. Fechado, esse formato é portátil e compacto, próximo ao de um cartão postal e aos livros de bolso, pode ser facilmente armazenado em prateleiras junto a outros livros e aberto possui área grande suficiente para criar impacto visual e interação com o leitor. O formato fechado então ficou horizontal, o que contribui para dar o aspecto comprido do artefato ao ser desdobrado e haveria espaço suficiente para compor as cenas e as ações da personagem. Sobre o efeito visual causado pela página dupla ao abrirmos livros com formatos horizontais, Van der Linden comenta: “além de assumir inesperado efeito espetacular, a sensação de altura dessa representação adquire uma amplitude considerável quando se trata de formatos estreitos” (pág. 53), como acontece em Fico à espera.

Em livros ilustrados, é muito comum que haja composições em página dupla, o que faz com que o formato inicial da capa seja duplicado. No caso do formato adotado para o Livro Sem Fim, se completamente esticado, o que vemos é uma página quádrupla: quatro cenas na frente e quatro cenas no verso. Como existe uma continuidade constante e não há um início definido, essa versatilidade pedia então que as cenas ou “páginas” fossem compostas de forma a serem vistas simultaneamente, uma ao lado da outra.

Houve a preocupação de que o leitor não conseguisse, uma vez desdobrado o livro, saber dobrá-lo novamente do jeito correto. E não há nada mais irritante do que abrir um impresso e não conseguir fechá-lo, como aqueles mapas turísticos imensos que jamais

conseguimos dobrar novamente como o recebemos. Foi feito um teste então com esse formato costurado. A costura, porém, impedia o livro de ser aberto, limava a interessante possibilidade de se ver por inteiro o verso interno da página e criava uma separação física muito presente que tirava o conceito de infinitude buscado, o que levou à decisão de descartar a ideia. Após mais alguns testes com o formato anterior, percebi que a questão da dobra não era exatamente um problema, e que se o leitor quisesse dobrar de outra maneira, não consideraria isso algo ruim, contanto que ele conseguisse dobrá-lo e armazená-lo novamente. Acho até que pode estimular o leitor a interagir com o suporte e a descobrir as possibilidades de dobra e de uso do artefato.

Não foram encontrados suportes que utilizassem esse tipo de formato, com uma cola que unisse as extremidades do papel. O único exemplo encontrado está na seção de dobras e cortes em The Production Manual, de Ambrose e Harris: uma placa tridimensional para ser usada em mesa de recepção, com o uso de um adesivo e impressão frente e verso, indica se o membro da equipe está presente ou ausente. Nessa seção, o livro traz uma série de possibilidades de dobras e vincos, mas nenhuma une as extremidades do papel.

Placas de mesaThirteen

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DESENVOLVIMENTO DAS ILUSTRAÇÕES

Após a definição do tema e do formato do suporte, foram iniciados os rascunhos e esboços das ilustrações definitivas.

O tema do livro era o processo de criação do próprio livro, pela própria autora. A personagem principal, portanto, foi inspirada nesta que vos escreve. No entando, a aparência da personagem é bem genérica: uma menina de cabelo comprido ondulado. Como não queria dar um ar sério à personagem, pois não queria que a história ficasse carregada de tensão, decidi fazer uma aparência um pouco infantil.

Foram esboçadas algumas cenas que se repetiam comigo a cada vez que eu tentava sentar para fazer o projeto. A primeira cena que desenhei foi a cena do prazo. Inicialmente fiz o desenho com um calendário preso na parede com a data, sinalizando que estava próximo da entrega do trabalho. Percebi, no entanto, que essa data marcada trazia a sensação de que o tempo não estava passando, quando eu queria que o

leitor pudesse intepretar que aquele ciclo vicioso se repetia por vários dias. Adiante, essa cena foi modificada para a que a personagem olha o relógio – que está de

frente para ela, portanto o leitor não sabe que

horas são. A cada nova volta que o leitor termina

na história, pode ter passado mais alguns minutos, e a personagem continua presa na mesma história. E o tempo passando...

A partir daí, a narrativa segue a seguinte lógica: após o susto com o tempo, a personagem decide entrar em ação. Tenta começar a se inspirar, lendo livros, ouvindo música, procurando referências no Behance. Não consegue nada. Fica com fome, então decide pegar algo para comer enquanto pensa. Fica cansada. Decide espairecer vendo um pouco de seriado. Daí lembra que o prazo está apertando. E começa tudo de novo.

Ao definir as cenas, produzi-as novamente, dessa vez em nanquin. As imagens foram digitalizadas e transferidas para o Photoshop, onde os ajustes finais de posição, close-ups, tamanhos e cores foram feitos.

A cena que sucede a do relógio mostra a personagem preocupada, voltada para a esquerda. Esse foi um recurso que experimentei a partir das observações de Van der Linden. Por causa do nosso sentido ocidental de leitura, quanto mais próximo da direita da página um personagem está, mais seu movimento dá a impressão de ser precipitado, como se ele estivesse tentando passar à próxima página. Quando vários personagens estão envolvidos num mesmo movimento, aquele situado mais próximo da margem direita será percebido como o mais veloz, o mais próximo do seu objetivo. Ela cita um livro chamado Willy, o Mágico, de Anthony Browne, em cujas primeiras páginas Willy aparece caminhando da esquerda para

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a direita, mas no dia em que acorda atrasado, aparece correndo em direção à esquerda da página dupla, “como se quisesse voltar no tempo!” É a ideia que foi explorada nesta cena. Pelo formato contínuo, se a personagem

pudesse “caminhar” pela história de trás pra frente, ela poderia ganhar tempo. É uma das cenas mais banais do livro, a única em que nenhuma “ação” específica está acontecendo, mas que foi pensada para tentar transmitir essas ideias. Pode ser um simples “andando para lá e para cá” de preocupação, mas também pode ter esse efeito de “quebra” na narrativa.

Os poucos elementos representados ao longo do cenário servem para indicar que a personagem está dentro de casa, num mesmo espaço físico. Esses elementos também compõem a construção da narrativa, na medida em que “prendem” a personagem, que além de estar presa em um ciclo temporal vicioso, está presa em um ciclo físico, como se ela ficasse perambulando pela casa e pelos cômodos mas sem chegar a nenhum lugar. Não há limites claros entre os diferentes cômodos, só pequenas sugestões de que ela talvez esteja na sala, no quarto, na cozinha, no corredor, e novamente na sala. A estante foi propositadamente inserida no meio de um dos vincos para quebrar a separação clara entre as páginas, reforçando a ideia de continuidade, como se o livro inteiro, apesar a existência de vincos que formam páginas, fosse uma única imagem infinita.

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TEXTO x IMAGEM

“A escrita nasceu da imagem, daí sua vocação para se associar novamente a ela” (Anne-Marie Christin in Para Ler o Livro Ilustrado, pág. 89). No livro ilustrado, tudo é imagem, inclusive o texto. Decidi trabalhar a composição do texto e da imagem tratando ambos como imagem. Como a configuração do livro permite que se visualize a frente e o verso, o exterior e o interior, simultaneamente, dessa forma, ao mesmo tempo em que imagem e texto estão dissociados, eles estão associados. O texto foi projetado para que funcione de forma plástica, possivelmente até ilegível, pois o foco não é o conteúdo mas sim mostrar a confusão mental da personagem.

A respeito dessa relação em livros ilustrados, Van der Linden comenta que é difícil discernir, nessas composições, o que é texto e o que é imagem. “O livro ilustrado gera então novas maneiras de ler, decerto mais próximas da leitura interativa multimídia. O leitor opera constantes vaivéns entre as diferentes mensagens, faz escolhas, estabelece aproximações, antecipa, busca e constrói, ele próprio, o sentido.” É nessa interação que o livro ilustrado se faz mais forte e, eu diria, infinito.

Van der Linden descreve as possibilidades de diagramação de texto e imagem em um livro ilustrado em quatro tipos: dissociação, associação, compartimentação e conjunção.

DISSOCIAÇÃO: Situação de máxima separação entre texto e imagem. “O livro ilustrado herdou do livro com ilustração tradicional a alternância entre página de texto e página com imagens. Neste tipo de organização, a imagem costuma ocupar aquilo que os tipógrafos chamam de “página nobre”, a da direita – aquela em que o olhar se detém na abertura do livro –, ao passo que o texto fica na página da esquerda. O texto é geralmente impresso sobre um fundo homogêneo.” Este estilo contribui para valorizar e destacar a imagem, mas pode ser um tanto repetitivo e tornar o ritmo de leitura vagaroso, pois o leitor faz pausas para ler a imagem e o texto alternadamente.

ASSOCIAÇÃO“A diagramação mais comum (...), reúne pelo menos um enunciado verbal e um enunciado visual no espaço da página.” O texto pode se situar em um espaço reservado ou ocupar o fundo da imagem. A leitura se torna mais dinâmica.

COMPARTIMENTAÇÃO: Tipo de diagramação próxima da história em quadrinhos, em que várias imagens emolduradas são acompanhadas de pequenos textos ou balões.

CONJUNÇÃO: Neste caso, “a diagramação fica mais próxima de uma composição num suporte. A grande diferença em relação à diagramação associativa está na apresentação de vários enunciados (...). Os enunciados ficam entremeados, e não justapostos, e os textos, de modo literal, integram a imagem. Sejam elas visuais ou verbais,

DISSOCIAÇÃOLa Dame HiverIrmãos Grimm, Nathalie Novi

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as mensagens se revelam conjunta e globalmente, ao passo que na diagramação associativa, mesmo que várias mensagens estejam lado a lado, elas tendem a ser percebidas uma a uma, em sucessão”.

No presente projeto, a citação de Anne-Marie Christin é especialmente verdadeira, pois o texto nasceu após a criação da narrativa em imagens. Inicialmente, a intenção era criar um livro-imagem, sem texto,

ASSOCIAÇÃOAprèsLaurent Moreau

CONJUNÇÃOThe Day I Swapped My Dad for Two GoldfishNeil Gaiman, Dave McKean

possivelmente com imagens em ambos os versos do papel. Porém, ao esboçar as ilustrações, pensei que seria mais interessante usar o verso para criar uma text-ura.

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Após tomar essa decisão, fiz alguns esboços manuais tomando como referência visual imagens que criavam texturas com palavras. Não houve preocupação formal com o conteúdo do texto, apenas escrevi palavras e frases que surgiam quando me perguntei o que passava na minha mente enquanto estava preocupada e travada durante o processo criativo.

Os cartazes tipográficos dadaístas misturam letras que remetem à estética de recorte e colagem com caracteres mecânicos de tipografia móvel, dando um ar um tanto pesado à textura final. Tomei como base a textura criada na revista Komma, que tem uma estética de pincel.

Revista Komma #13Design Faculty of the University of Applied Sciences, Mannheim

Acima: Theo van Doesburg (1923)Abaixo: Testes com pincel e marcador

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Não fiquei totalmente satisfeita com o resultado manual, então decidi procurar fontes digitais que tivessem aspecto manual, inacabado, que dialogassem com as ilustrações.

Após uma breve pesquisa de fontes similares que possuíssem a estética de pincel e um acabamento pouco refinado, escolhi utilizar a fonte Brush Up Too. A fonte é em caixa alta, o que contribui pro aspecto tenso e confuso do tema e preenche bem toda a extensão da página, criando uma poderosa presença por meio da textura forte. A Too é a variação itálica da Brush Up. Achei que as letras inclinadas conferiram uma dinâmica maior à textura, pois a fonte em sua forma regular, sendo caixa alta, estava deixando a mancha gráfica muito dura.

A posição das palavras foi projetada de forma que, ao ver-se o livro aberto, o texto lido tivesse relação com as imagens observadas, porém essa associação pode ser feita de forma livre pelo leitor. Existem palavras e

frases que fazem referência a tempo, por exemplo (para se associar com a imagem do relógio), frases pedindo socorro, auto-incentivo etc, mas em geral são palavras soltas, sem ordem definida, como se estivessem surgindo na mente simultaneamente como várias janelas pop-ups. A leitura é contínua, sem pontuação, confusa, como acontece nas páginas iniciais de A Grande Viagem da Senhorita Prudência, as únicas em que há texto,

Textura finalizada

Brush Up TooRicardo Marcin, Erica JungPintassilgoPrints (2013)

ocupando toda a página com as cobranças da mãe de Prudência, até que as palavras somem no meio do seu devaneio.

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CORES

Desde o início, minha intenção era usar um número reduzido de cores. Foi uma decisão baseada em gosto estético e na vontade de explorar o uso de poucas cores, pois existem muitos trabalhos interessantíssimos que conseguem um resultado impactante utilizando um número reduzido de cores.

Decidi então que usaria apenas uma única cor combinada com o preto e o branco. Pensando no tema do livro, de estresse, angústia, tensão, a decisão pelo vermelho pareceu ser tomada por si mesma.

Decidiu-se usar a cor no fundo inteiro, para preencher a forma e dar impacto visual, conferindo poder aos desenhos, que são de natureza simples.

Testou-se usar os contornos vazados, mas não funcionou, permanecendo assim os contornos em preto, e usando o branco, com uma textura de pincel, para dar luminosidade e acrescentar mais profundidade nos desenhos.

PAPEL

As primeiras bonecas foram feitas em papel offset comum. Foram feitos testes com papéis de gramatura mais rígida e novamente com papéis de gramatura menor que não fossem offset.

Ainda testando as possibilidades de livro circular, sem vinco, o papel mais rígido permitia que o livro ficasse em pé com mais facilidade e dava um aspecto mais palpável e tridimensional, mais encorpado, robusto, porém possuía a desvantagem de ser difícil de inserir em um recipiente sem amassar ou danificar o papel. Gramatura mais fina dava mais a ideia de rolo.

Ao decidir pelo formado vincado, tomei também a decisão pela gramatura do papel: o livro não poderia ter uma gramatura muito alta, pois dificultaria as dobras e no formato fechado as páginas poderiam ficar abauladas.

Havia o desejo de usar um papel especial, possivelmente até com cor, e usar impressão em branco e preto. Foram contatadas 4 gráficas, mas apenas uma imprimia em frente e verso no tamanho desejado e apenas uma imprimia na cor branca, e apenas em largas tiragens.

Havia soluções para contornar esse problema, que foram cogitadas. Em geral, impressões de grandes tamanhos, até mesmo como alguns dos próprios livros mostrados aqui, como o Pedro Pedreiro, cujo tamanho aberto excede 3 metros, são feitas em vários papéis separados e depois várias colas são feitas para unir todas as partes da impressão, por exemplo. Porém, meu objetivo era que o livro possuísse uma única cola, que unisse as duas extremidades de uma lâmina. Haver mais de uma cola traria uma rigidez ao suporte que iria comprometer a

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sua maleabilidade, e aumentaria a possibilidade de haver erros de registro (que com certeza ocorreriam). A impressão foi feita em policromia na gráfica que permitia impressão frente e verso no tamanho desejado, e a decisão do papel foi feita junto a gráfica. À época da impressão, os papéis disponíveis para impressão naquele formato eram o Couché Brilho 170g/m2 ou o Couché Fosco 230g/m2. Optou-se pela gramatura menor pelas razões explicadas anteriormente e o resultado obtido atingiu as expectativas desejadas.

CAPA

O projeto gráfico da capa começou a ser desenvolvido após a finalização do projeto do miolo. Foi projetada uma caixa como planejado inicialmente, aos moldes de Ismália. Havia a intenção de utilizar uma textura na capa, então fiz uma usando pincel e naquin, fazendo referência à textura usada nos textos e no branco das ilustrações.

A coloração foi feita digitalmente. Testei combinações com as três cores utilizadas, mas as que usavam preto ficaram demasiado agressivas. Optou-se portando pelo uso do vermelho com branco, que na mistura da textura tornou-se um vermelho mais claro. A tipografia do título é a mesma do miolo. A tipografia para o nome da autora foi escolhida por ser delicada e formal e fazer contraste com a robustez e informalidade da tipografia do título, em sua variação itálica para acompanhar a inclinação das letras do título.

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PROTOTIPAGEM

Durante a realização dos esboços, antes da arte-finalização, começaram-se a produzir novas bonecas, dessa vez impressas, com o objetivo de acompanhar o processo de materialização da ideia.

Para a produção da boneca, em tama-nho reduzido, a frente e o verso foram impressos separadamente e em segui-da acoplados. Neste momento, con-firmou-se a impossibilidade de usar um papel de gramatura mais alta, como previsto, pois a boneca ficou muito abaulada e houve a formação não intencional de uma lombada. Essa primeira boneca havia sido impressa sem cores definidas, apenas com o

fundo chapado e com os desenhos de linha vazados. Após a impressão, foi descartada a possibilidade de usar esse tipo de configuração, pois o tipo de ilustração ficava estranho sobre o fundo escuro. Neste momento também foi feita a simulação da textura do verso para verificação da interação entre texto e imagem e para prever o tamanho do corpo que deveria ser utilizado.

Nesse momento, a boneca foi apresentada a algumas pessoas para observação e coleta de opinião. Foi observado que o artefato despertava

curiosidade, e que cada pessoa o manejava de forma diferente. Todas demonstraram interesse por descobrir o conteúdo da textura interna e o desdobravam para observar as cenas de forma contínua, o que trouxe confiança de que o suporte estava cumprindo sua intenção inicial.

IMPRESSÃO, ACABAMENTO E RESULTADO FINAL

Após o fechamento dos arquivos, realizaram-se as primeiras impressões. Foram feitas três impressões do miolo até chegar no resultado final obtido, e duas impressões da capa.

A primeira impressão do miolo apresentou um problema de cálculo do vinco. Uma das ilustrações estava encostando numa dobra. Esse problema foi corrigido e feita nova impressão, que seria a versão final.

O problema que havia nessa segunda impressão já havia sido previsto antes da primeira impressão e confirmado após vê-la, que era o problema da tinta descascar nos vincos. Quando o miolo foi projetado com uma cor chapada, isso foi previsto antes de imprimir as primeiras bonecas, porém não foi considerado um problema. Por via das dúvidas, foi pensado em alternativas para o caso: livros como Ismália, que possui vincos, tomam o cuidado de não haver impressão nessas áreas. O descascamento também poderia ser minimizado com a escolha de um papel com gramatura ainda menor, ou de papéis que retém mais tinta, como Pedro Pedreiro, que provavelmente usa papel offset, eu arriscaria dizer. No entanto, não havia a opção de usar papel offset para impressão do meu livro, e não queria fazer divisões das imagens retirando a cor dos vincos pois iria quebrar a continuidade.

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Uma outra opção que poderia consertar isso e que a gráfica poderia prover era a processo de laminação, processo de acabamento gráfico que plastifica a folha. A desvantagem desse processo é que enrijeceria o papel e poderia deixar o miolo muito abaulado. Os pequenos descascamentos seriam então mantidos.

No entanto, ao apresentar o livro como estava nessa segunda impressão para algumas pessoas, muitas comentaram a respeito dos descascados, o que me fez ver que, por eu ter previsto isso, o acontecido não me saltou tanto aos meus olhos como aos de terceiros, então achei melhor dar novamente atenção a isso. Decidi testar uma nova impressão, com laminação, o

que resolveu o problema dos vincos, e não ficou abaulado como eu temia, chegando à versão final do miolo.

Na primeira impressão da capa, o tamanho ficou um pouco maior do que o miolo, o que não me agradou. Ela de fato havia sido projetada para ter meio centímetro de folga do miolo, mas ao ver o resultado, preferi que a capa ficasse rente ao tamanho do miolo, assim como acontece em Ismália. O tamanho foi reduzido e foi feita nova impressão, chegando à versão final da capa.

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Assim como Van der Linden, ao final deste trabalho, “percebo mais do que nunca o quanto o livro ilustrado é uma forma original, livre e que, felizmente, permanece em parte inapreensível”.

Por meio da pesquisa, percebemos que o livro é um artefato que não se encerra em si e que traz inúmeros elementos que podem ser explorados, distorcidos e usados como ponto de partida para criação, como o meio da página para os livros de Suzy Lee, ausência de começo e ausência de fim em Paul Cox, a ausência de capa, a presença de várias capas como em Abra este Pequeno Livro, a ordem de páginas, a sequência, a simultaneidade.

O livro, como todo artefato, possui limites, mas que podem ser transgredi-dos, tornando este objeto um artefato extremamente diverso e flexível, contrariando qualquer tentativa de fixação de regras de funcionamento.

A escolha do tema do “Livro sem Fim” me levou a explorar um aspecto do livro, que norteou todo o desenvolvimento do projeto gráfico, da definição do formato do suporte e da produção das ilustrações. O livro sem fim tenta transgredir a finitude da história por meio de um suporte que evoque continuidade e repetição,

e assim acaba também modificando o formato tradicional, a interação com o leitor e transforma a capa em embalagem.

Com a obra acabada, meu trabalho está completo. A obra agora se encerra na interpretação dos leitores. Minha intenção inicial pode ou não ser apreendida da forma esperada. Alguns leitores acreditam que o livro termina quando a personagem percebe que está na hora de começar a trabalhar, outros que o livro tem vários fins. Alguns manuseiam o livro da forma tradicional, passando as páginas, enquanto outros já desdobram e o lêem aberto. Alguns lêem imagens e texto simultaneamente, enquanto outros vêem primeiro um e depois o outro. Alguns têm a curiosidade de virar o livro do avesso. Que mais possibilidades, sequer previstas por mim, este livro pode conter? O mundo dos livros ilustrados alternativos é fascinante e sem dúvida ainda há muito nele que pretendo explorar, e levar adiante outros experimentos que foram iniciados ao longo desse projeto.

O problema, como disse uma amiga, é que... este livro tem fim, sim!

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LEE, Suzy. A trilogia da margem. São Paulo: Cosac Naify, 2012LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011MEGGS, Philib B. História do Design Gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2009AMBROSE, Gavin. HARRIS, Paul. The Production Manual: A Graphic Design Handbook. Paperback, 2008

WEBSITES VISITADOS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Livrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_livrohttp://www.infoescola.com/literatura/livros-objetohttp://nunolacerda.weebly.com/livros.html

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Finalizado na primavera de 2014

FONTES Akagi e Brush Up TooPAPEL Opaline 180 g/m2

TIRAGEM 5 exemplares

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