Memórias Do Velho Faceta

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Alguns relatos de Folia de Ponta de Rua

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A PALAVRA DO PASTOR, DOM BERTO I

RECIFE, 11 DE DEZEMBRO DE 2006 SEGUNDA-FEIRA NMERO 129 1) Sou um apaixonado pelo pastoril. Sou um apaixonado pelos pastoris, o pastoril infantil e o pastoril profano, ambos encenados durante os festejos natalinos. Na minha infncia eu era um torcedor ardoroso do Cordo Encarnado e, at os dias atuais, sempre me emociono quando assisto ao espetculo de cores, luzes, msicas, danas e poesia das meninas que em jornadas alegremente vo a Belm. No raro chego s lgrimas e me ponho a arengar com os torcedores do Azul que esto por perto. Quando comea o ms de dezembro, fico de olho na programao e bato essa Recife todinha atrs dos palcos onde so encenados os pastoris. No Marco Zero, no Stio da Trindade, na Praa do Entroncamento, no Pina, enfim, onde tiver um pastoril, eu estou l. Constato, com uma alegria imensa, que a Prefeitura do Recife resolveu esse ano homenagear, durante os festejos natalinos, dois velhos de pastoril aqui da cidade, duas figuras queridas e que levam alegria e festa pra todos os cantos: os velhos Xaveco e Dengoso, dois cabras sem vergonha, cheios de pantins, caoadas e safadezas, levando as platias ao delrio com suas tiradas irreverentes, seus ditos cheio de segundas intenes com as pastoras e seus trejeitos e danas. Num custa nada prevenir os leitores de outras plagas que o Velho no necessariamente um velho. O Velho um personagem do pastoril profano, devidamente caracterizado, que comanda o folguedo coadjuvado por suas pastoras, sendo a Mestra a que puxa o Cordo Encarnado e a Contra-Mestra a que puxa o Cordo Azul.

Sai com minha noiva e passei a mo na barriguinha

E a pastora langorosa, se remexendo, se entregando:

Meu velho mais embaixo, meu velho mais embaixo um bucadinho.

To cum calor, mame

Na bacurinha, mame, Num na sua, mame Mas na minha

No meu livro de crnicas A Priso de So Benedito e Outras Histrias prestei uma sentida e reverente homenagem ao Velho Rabeca, j falecido, que alegrou minhas noites de menino curioso e safado, que ia procurar numa ponta de rua, longe das luzes da festa em frente matriz, as putarias que ele despejava no mundo, cantando e danando com suas pastoras, Amara Brotinho, Amara P-de-Pato, Aranha, Carrapeta, Murioca e Odete, todas raparigas que faziam a vida nas penses da Coria. Na minha pea de teatro, Peibufo, Etc. e Coisa e Tal, botei um pastoril no palco que levava a platia ao delrio ao final do espetculo. Transcrevo, a seguir, dois textos. O primeiro uma matria que saiu no Jornal do Comrcio de ontem, sobre os festejos natalinos desse ano. O segundo um texto que tirei da internet sobre o saudoso Velho Faceta, uma figura querida que nos deixou h algum tempo.

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Abertura da programao, que este ano dedicada ao pastoril

Faceta, Pitota e Barroso j foram nomes conhecidos do folclore pernambucano no sculo 20. Eram velhos de pastoril, tradio natalina que luta para manter seu lugar na cultura popular do Nordeste. Para lembrar os mestres de ontem e valorizar os de hoje, a Prefeitura do Recife abre neste domingo a programao natalina dedicada ao pastoril. Os velhos Xaveco e Dengoso so os homenageados. Haver apresentaes durante todo o ms. Os festejos seguem at 6 de janeiro de 2007, Dia de Reis. H 25 anos, Antnio Coutinho, 71, decidiu montar um grupo de pastoril profano em Cho de Estrelas, Zona Norte do Recife. Adotou o nome de Velho Xaveco, personagem debochado. Mas a paixo por essa manifestao do ciclo natalino vem desde a infncia, quando se mudou de Bezerros (Agreste) para a capital pernambucana. Assistia muito ao Pastoril do Velho Barroso, em Tejipi (Zona Oeste), achava lindo. Meu pai no gostava muito que eu fosse. S nos anos 80 montei o meu grupo

com o Velho Treloso, que h muito tempo no vejo. Xaveco chegava a fazer em mdia cinco apresentaes nas festas de Natal, e nos ltimos anos tinha de se contentar com um ou dois shows. Atualmente, conta com cinco pastoras e cinco msicos, que no abandonam o barco. O velho cobra mais interesse dos governos com a cultura popular. Agora s vemos pastoril no interior. Tem que comear a fazer oficinas para ensinar o repertrio aos jovens, sugere. Com a homenagem da prefeitura, ele espera que a situao melhore. Pesquisadores da Fundao Joaquim Nabuco (Fundaj) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) preparam projeto, ainda sem previso de lanamento, para levar s escolas manifestaes culturais dos grandes ciclos festivos do Estado, como Natal, Carnaval e So Joo. Segundo a coordenadora do Centro de Estudos Folclricos Mrio Souto Maior da Fundaj, Rbia Lssio, a idia pr em CDs e livros canes relacionadas s festas. O material teria tambm informaes sobre a origem dos folguedos. No caso do pastoril, segundo Rbia Lssico, h registros na Idade Mdia, em Portugal. Religioso ou profano, o corpo principal do pastoril segue os mesmos moldes: o Velho, pastoras divididas em cordes azul e encarnado, levando nas mos pandeirinhos, a Diana (intermediria entre os dois cordes), a Borboleta, a Jardineira, a Libertina, o Demnio, a Cigana, o Pastor. A pesquisadora ressalta que outras manifestaes natalinas devem ser lembradas. Alm do pastoril, temos o reisado, a chegana, o bumba-meu-boi, a cavalhada, todos fazendo referncia ao dia em que Jesus nasceu. ABERTURA A abertura oficial dos festejos natalinos do Recife ser s 18h de hoje, no Marco Zero, com a entrega de placas comemorativas aos homenageados. A Orquestra Sinfnica do Recife, sob a regncia do maestro Osman Gioia, vai executar o Quebra-Nozes, de Tchaicovsky, msicas natalinas como Noite Feliz e canes de trilhas de cinema, como Adventures on earth, do filme ET. Ainda se apresentam o Coro Universitrio da UFPE, Coral Contracantos e Ballet Quebra-Nozes. A programao organizada pela Prefeitura do est distribuda em oito plos de animao: de So Pedro, no Centro da cidade, Stio da Conceio, na Zona Norte, Braslia Teimosa, Recife para os festejo de fim de ano, Marco Zero, Praa do Arsenal e o Ptio Trindade, em Casa Amarela, e Morro da Boa Viagem e Ibura, na Zona Sul.

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HOMENAGEM AO PASTORIL

Nasce em Carpina-PE, no dia 8 de janeiro de 1925, Constantino Leite Moisakis. Com esse nome foi registrada uma das figuras mais representativas do pastoril profano

de Pernambuco. "Velho Faceta", como ficou conhecido, morreu em agosto de 1986, depois de ter vivido a glria do pastoril. Contrariando a vontade de seu pai, Constantino tronou-se velho de pastora e at a sua morte trabalhou para manter acesa essa tradio tpica do Estado de Pernambuco. Acredita-se que o pastoril surgiu no final do sculo XIX como uma "nova estratgia" para atrair candidatos iniciao sexual. Um show de variedades, onde mulheres eram apresentadas ao pblico. "Simbolicamente, o Pastoril Infantil ou a Lapinha pregava e sugeria o ideal da Imaculada Conceio; o Pastoril-de-Ponta de Rua (profano), ao contrrio, defendia o ideal revolucionrio do prazer e do sexo sem concepo", descreve o livro "O Pastoril Profano de Pernambuco". No faltam nomes para o Pastoril profano: "Pastoril de Jornadas Soltas", "Pastoril de Cebola", "Pastoril de Velho", "Pastoril de Mulheres", "Pastoril de Ponta-deRua" ou "Pastoril de Mul-de-Vida". Muitos pastoris adultos ficaram conhecidos pelo nome do velho que os comandava, como o "Pastoril do Futrica", "Pastoril do Balalaica" ou "Pastoril do Barroso", irmo de Faceta e tambm bastante popular. O "Pastoril do Velho Faceta" tambm era conhecido por "Rosa Branca". Tradicional, o Velho Faceta manteve sempre as regras originais no seu pastoril. Numa apresentao que comeava s oito da noite e s terminava de madrugada, o Velho dividia o palco com as suas pastoras cantando, danando e dizendo piadas, sempre com um tempero picante. Faceta no gostava de se apresentar em centros mais desenvolvidos, preferindo os pequenos povoados, onde a populao sabia participar da brincadeira. O Velho Faceta fazia shows interativos. Alguns pagavam ao Velho para ele dizer improprios contra outras pessoas que participavam da apresentao. E ele mandava, entre outros: lenol de bixiguento, sovaco de aleijado, pancada na canela.

2) No ltimo dia 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora de Conceio, participei da grande procisso em homenagem padroeira dos Palmares e, entre talagadas de cana nas barracas e goladas de cerveja nos bares, fiz o trajeto no meio do povo, contrito e emocionado, mas sem encontrar qualquer um dos rostos que participavam da mesma procisso nos meus tempos de criana. Os antigos j partiram pra eternidade e os da minha gerao, em sua grande maioria, partiram pra outras plagas. A igreja onde fiz minha primeira comunho continua bela e imponente, contendo nos altares as mesmas imagens dos tempos passados, inclusive a de So Domingos Svio, o precoce mrtir menino. Jovens, muitos jovens, me cumprimentam e puxam assunto com o romancista da cidade, do qual nunca leram uma nica linha e, certamente, nunca iro ler escritor algum. Fico angustiado com esta constatao. O hino da padroeira um poema de rara beleza e, musicado, se torna uma verdadeira obra-prima:

Salve a me dos Palmares querida Padroeira por todos amada Somos teus filhos e pra sempre queremos te amar

Oh Maria Imaculada Acesso: http://www.luizberto.com/arq/129.htm

Leo do Norte Composio: Lenine e Paulo Csar Pinheiro Sou o corao do folclore nordestinoEu sou Mateus e Bastio do Boi Bumb Sou o boneco do Mestre Vitalino Danando uma ciranda em Itamarac Eu sou um verso de Carlos Pena Filho Num frevo de CapibaAo som da orquestra armorial Sou Capibaribe Num livro de Joo Cabral Sou mamulengo de So Bento do Una Vindo no baque solto de Maracatu Eu sou um alto de Ariano Suassuna No meio da Feira de Caruaru Sou Frei Caneca do Pastoril do Faceta Levando a flor da lira Pra nova Jerusalm Sou Luis Gonzaga E eu sou mangue tambm Eu sou mameluco, sou de Casa Forte Sou de Pernambuco, sou o Leo do Norte Sou Macambira de Joaquim Cardoso Banda de Pifo no meio do Canavial Na noite dos tambores silenciosos Sou a calunga revelando o Carnaval Sou a folia que desce l de Olinda O homem da meia-noite puxando esse cordo Sou jangadeiro na festa de Jaboato Eu sou mameluco...

Trecho de poema sem ttulo de Fernando Pessoa

"Nessa vida em que sou meu sono Eu no sou meu dono Quem sou quem me ignoro E vive atravs dessa nvoa que sou eu Todas as vidas que outrora tive numa s vida Mar sou; baixo marulho ao meu alto rujo Mas minha cor vem do meu alto cu E s me encontro quando de mim fujo"

Postado por Noemia Hime s 16:08 0 comentrios Trem de Alaga (ASCENSO FERREIRA) ASCENSO FERREIRA O sino bate, o condutor apita o apito, Solta o trem de ferro um grito, pe-se logo a caminhar - Vou danado pra Catende, vou danado pra Catende, vou danado pra Catende com vontade de chegar... Mergulham mocambos, nos mangues molhados, moleques, mulatos, vm v-lo passar. Adeus ! - Adeus ! Mangueiras, coqueiros, cajueiros em flor, cajueiros com frutos j bons de chupar... - Adeus morena do cabelo cacheado ! Mangabas maduras, mames amarelos, mames amarelos, que amostram molengos as mamas macias pra a gente mamar - Vou danado pra Catende, vou danado pra Catende, vou danado pra Catende com vontade de chegar... Postado por Noemia Hime s 15:55 0 comentrios FILOSOFIA Filosofia Ascenso Ferreira (A Jos Pereira de Arajo "Doutorzinho de Escada"). Hora de comer comer! Hora de dormir dormir! Hora de vadiar vadiar! Hora de trabalhar? Pernas pro ar que ningum de ferro! Poeta pernambucano, Ascenso Carneiro Gonalves Ferreira nasceu na cidade de Palmares no ano de 1895. Dizem que comeou a atividade literria enganado, compondo sonetos, baladas e madrigais. Depois da "Semana de Arte Moderna" e sob a influncia de Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira e de Mrio de Andrade, tomou rumos novos e achou um caminho que o conduziria a uma situao de relevo nas letras pernambucanas e nacionais. Voltou-se para os temas regionais de sua terra

que foram reunidos em seus livros "Catimb" (1927), "Cana caiana" (1939), "Poemas 1922-1951" (1951), "Poemas 1922-1953" (1953), "Catimb e outros poemas" (1963), "Poemas" (1981) e "Eu voltarei ao sol da primavera" (1985). Foram publicados postumamente, em 1986, "O Maracatu", "Prespios e Pastoris" e "O Bumba-Meu-Boi: Ensaios Folclricos", em livro organizado por Roberto Benjamin. Distingue-se no pela quantidade, mas pela qualidade, atingindo no raro efeitos novos, originais, imprevistos, em matria de humorismo e stira. O poeta faleceu na cidade do Recife (PE), em 1965. Poema publicado em "Catimb e Outros Poemas", Editora Jos Olympio - Rio de Janeiro, 1963, foi extrado do livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Sculo", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2001, pg. 83, organizada por talo Moriconi. Postado por Noemia Hime s 15:09 0 comentrios BIOGRAFIA Ascenso Carneiro Gonalves Ferreira (Palmares PE, 1895 - Recife PE, 1965). Comeou a colaborar em jornais em 1912, em Palmares e Recife PE. Em 1917 fundou, com Antonio de Barros Carvalho, Antonio Freire e Artur Griz, entre outros, a sociedade Hora Literria de Palmares. Em 1922 tornou-se colaborador nos jornais recifenses Dirio de Pernambuco e A Provncia. Dois anos depois, passou a escrever para os peridicos Mauricia, Revista do Norte, Revista de Pernambuco, A Pilhria, Revista da Cidade e Revista de Antropofagia. Participou, em 1926, do I Congresso Regionalista do Nordeste e, em 1934, do Congresso Afro-Brasileiro, ambos realizados em Recife. Seu primeiro livro de poesia, Catimb, foi lanado em 1927. Em 1939 publicou a obra potica Cana Caiana; seguiram-se Poemas, 1922/1951 (1951), Poemas, 1922/1953 (1953), Catimb e Outros Poemas (1963), Poemas (1981) e Eu Voltarei ao Sol da Primavera (1985). Na dcada de 1940 realizou conferncias e estudos sobre divertimentos populares do Nordeste. Participou da campanha presidencial de Juscelino Kubitschek, em 1955. Foram publicados postumamente, em 1986, O Maracatu, Prespios e Pastoris e O Bumba-Meu-Boi: Ensaios Folclricos, em livro organizado por Roberto Benjamin. A poesia de Ascenso Ferreira filia-se primeira gerao do Modernismo. Para Manuel Bandeira, ?os poemas de Ascenso so verdadeiras rapsdias do Nordeste, nas quais se espelha amoravelmente a alma ora brincalhona, ora pungentemente nostlgica das populaes dos engenhos e do serto?. Postado por Noemia Hime s 15:06 0 comentrios Minha escola (Ascenso Ferreira) A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prises. E o meu Mestre, carrancudo como um dicionrio; Complicado como as Matemticas; Inacessvel como Os Lusadas de Cames! sua porta eu estava sempre hesitante... De um lado a vida... A minha adorvel vida de criana: Pinhes... Papagaios... Carreiras ao sol... Vos de trapzio sombra da mangueira! Saltos da ingazeira pra dentro do rio... Jogos de castanhas... O meu engenho de barro de fazer mel! Do outro lado, aquela tortura: "As armas e os bares assinalados!" Quantas oraes? Qual o maior rio da China? A 2 + 2 A B = quanto? Que curvilneo, convexo? Menino, venha dar sua lio de retrica! "Eu comeo, atenienses, invocando a proteo dos deuses do Olimpo

para os destinos da Grcia!" Muito bem! Isto do grande Demstenes! Agora, a de francs: "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..." Basta Hoje temos sabatina... O argumento a bolo! Qual a distncia da Terra ao Sol? ?!! No sabe? Passe a mo palmatria! Bem, amanh quero isso de cor... Felizmente, boca da noite, eu tinha uma velha que me contava histrias... Lindas histrias do reino da Me-d'gua... E me ensinava a tomar a bno lua nova. Postado por Noemia Hime s 15:02 Acesso: http://nhime2000.blogspot.com/2007_03_01_archive.html

Grupo Parafolclrico da UFRN O Grupo Parafolclrico da UFRN foi criado h 14 anos com o objetivo de pesquisar as manifestaes folclricas do Brasil e express-las atravs da linguagem cnica da dana popular. Embora caracterizado como um Projeto de Extenso Universitria, o grupo tem desenvolvido pesquisas e orientaes de Estgio Supervisionado, articulando assim, ensino, pesquisa e extenso. O termo Parafolclrico indica que as danas folclricas deixam de ser expresses espontneas das vidas de seus praticantes para serem reelaboradas em ensaios, visando serem apresentadas em palcos ou outros espaos cnicos por artistas no necessariamente populares (1). No se trata de uma falsificao do popular, mas sim de uma possibilidade de criao de novas estticas, atravs das quais a cultura do povo reelaborada em novos contextos. Acredita-se que a contemporaneidade no destri o tradicional, mas lhe resignifica, combinando-o com novas informaes, haja vista que a tradicionalidade sempre se renova (2). E nesse sentido o Grupo Parafolclrico da UFRN tem sensibilizado seu pblico, especialmente os jovens, para as manifestaes do Folclore e das Artes Tradicionais, entendendo que na contemporaneidade permitir a apreciao da esttica popular torna-se indispensvel para que as manifestaes tradicionais sejam revalorizadas e pensadas como elementos da cultura essenciais para a contextualizao de novas produes dessa mesma cultura. Atualmente o Grupo Parafolclrico da UFRN busca ampliar o intercmbio com outros grupos, nacionais e internacionais, visando solidificar seus objetivos de revitalizao da cultura popular atravs da dana. Para tanto, tem na montagem e apresentao de espetculos e coreografias a possibilidade mais significativa de divulgao do seu trabalho, a partir dos quais possvel perceber a concretizao do elo entre ensino, pesquisa e extenso a partir do movimento do corpo danante que torna-se comunicao direta com o pblico. Constituindo-se de 30 componentes (em mdia), integra alunos, professores e funcionrios da UFRN, alm da comunidade em geral, que envolve-se e reveza-se nos

trabalhos de pesquisa, apoio cientfico, direo artstica, montagem coreogrfica, ensaios, aulas de dana, administrao de recursos, dentre outras funes. A dinamicidade do grupo provm dessa opo de abertura, e at mesmo de uma certa rotatividade dos seus componentes, o que permite renovar-se, sem alterar a essncia de suas propostas. Na sua trajetria, o grupo estreou dez (10) espetculos assim entitulados: Recordaes(1992); Calendrio(1993); Nossa Cor(1995); Afro-Brasil(1996); Canguleiro(1998); popular!(2000); Folguedos(2000); Folheando(2001); Guarnic(2003) e Flor do Lrio(2004). Com estes referenciais interpretamos as manifestaes tradicionais e as expressamos atravs da projeo artstica da dana, da msica e do teatro promovendo, assim, a difuso destes conhecimentos entre a comunidade em geral. Nesses anos de existncia o grupo tem produzido espetculos e participado de eventos importantes como: Festivais Internacionais de Folclore na Alemanha, I Congresso Latino-Americano de Educao Motora em Foz do Iguau/PR, 50 Reunio Anual da SBPC/RN, Festival Internacional de Folclore de Olmpia/SP, Festivais de Folclore em So Paulo, Rio Claro, Paulnea, Marlia, So Jos do Rio Preto, Piraciaba/SP alm de apresentar-se em Teatros, Escolas e Praas em Natal, no Rio Grande do Norte e em outros estados brasileiros. E como reconhecimento a nossa contribuio ao resgate da cultura popular a ABRASFESTFOLK Associao Brasileira de Festivais de Folclore durante o Festival de Folclore de Nova Prata/RS em agosto deste nos agraciou com um trofu de honra ao mrito. Composto por 22 componentes, entre bailarinos, direo e msicos, o grupo apresenta em sua proposta coreogrfica atual uma releitura do universo dramtico que constitue o pastoril e vrias outras manifestaes do perodo natalino. Suas coreografias so Pastoril Profano, Lapinha, Brincantes do Reisado e Jornada Pastoris. O Grupo Parafolclrico da UFRN tem tematizado em suas danas o universo da arte do povo atravs de processos de elaborao cnica do universo dramtico e da gestualidade dos mais distintos folguedos da cultura brasileira: jogos, teatro de bonecos, danas, cortejos, entre outros. A cada espetculo, observamos, revemos e acrescentamos informaes aos cdigos estticos visualizados nas artes tradicionais. importante dizer que esses cdigos no so apenas locais, mas universais medida que comunicam uma histria social e um universo de beleza contido em nuanas possveis de serem observadas em vrias culturas, como os cortejos de coroao dos reis do Congo, os autos de boi, as danas de roda, os rituais indgenas e as jornadas pastoris. Uma arte que se combina com as informaes de seu tempo e se refaz, no registro da oralidade, na memria de seus artistas e no corpo dos que viram ou ouviram as mais diversas narrativas. Uma arte que se faz tambm com as leituras de outros cdigos estticos, aproximando-se do imaginrio de outros artistas que se apaixonam e se encantam com essa linguagem e assim compem outros cenrios. Os artistas da arte da rua e os artistas da arte do palco encontram-se no desejo de co-habitar em um universo capaz de transformar o prosaico em um mundo povoado por mitos, lendas, cores e gestos poticos. Flor do Lrio surge da emoo e das lembranas de quando dancei pastoril na porta da Igreja, das canes do velho Faceta que ouvia na infncia, da magia da noite de Natal e do dia de reis, com o colorido de fitas e espelhos que jamais esqueci. Flor do Lrio dedicado aos artistas e a arte popular. (Petrucia Nbrega - Coregrafa)

Mais do Grupo Parafolclrico da UFRN em www.grupoparafolclorico.cjb.net Acesso: http://geraldo2006.com/arte4.html

Artista popular, Jonas Francisco Vieira, ou Velho faceta, nasceu em Carpina, a 08/01/1925. Verstil (tocador de viola, mestre de maracatu e tirador de coco), ganhou fama mesmo foi como animador de pastoril, arte qual se dedicou em 1955, quando j vivia em Itapissuma, Regio Metropolitana do Recife. Considerado um dos mais criativos mestres do pastoril profano, em Pernambuco. Acesso: http://www.pe-az.com.br/biografias/velho_faceta.htm

Constantino Leite Moisakis Senha Usurio

24 de maro de 2008

Nasce em Carpina-PE, no dia 8 de janeiro de 1925, Constantino Leite Moisakis. Com esse nome foi registrada uma das figuras mais representativas do pastoril profano de Pernambuco. "Velho Faceta" , como ficou conhecido, morreu em agosto de 1986, depois de ter vivido a glria do pastoril. Contrariando a vontade de seu pai, Constantino tronou-se velho de pastora e at a sua morte trabalhou para manter acesa essa tradio tpica do Estado de Pernambuco. Acredita-se que o pastoril surgiu no final do sculo XIX como uma "nova estratgia" para atrair candidatos iniciao sexual. Um show de variedades, onde mulheres eram apresentadas ao pblico. "Simbolicamente, o Pastoril Infantil ou a Lapinha pregava e sugeria o ideal da Imaculada Conceio; o Pastoril-de-Ponta de Rua (profano), ao contrrio, defendia o ideal revolucionrio do prazer e do sexo sem concepo", descreve o livro "O Pastoril Profano de Pernambuco". No faltam nomes para o Pastoril profano: "Pastoril de Jornadas Soltas", "Pastoril de Cebola", "Pastoril de Velho", "Pastoril de Mulheres", "Pastoril de Ponta-deRua" ou "Pastoril de Mul-de-Vida". Muitos pastoris adultos ficaram conhecidos pelo nome do velho que os comandava, como o "Pastoril do Futrica", "Pastoril do Balalaica" ou "Pastoril do Barroso", irmo de Faceta e tambm bastante popular. O "Pastoril do Velho Faceta" tambm era conhecido por "Rosa Branca". Tradicional, o Velho Faceta manteve sempre as regras originais no seu pastoril. Numa apresentao que comeava s oito da noite e s terminava de madrugada, o Velho dividia o palco com as suas pastoras cantando, danando e dizendo piadas, sempre com um tempero picante. Faceta no gostava de se apresentar em centros mais

desenvolvidos, preferindo os pequenos povoados, onde a populao sabia participar da brincadeira. O Velho Faceta fazia shows interativos. Alguns pagavam ao Velho para ele dizer improprios contra outras pessoas que participavam da apresentao. E ele mandava, entre outros: lenol de bixiguento, sovaco de aleijado, pancada na canela. Hoje o pastoril profano quase uma memria, relembrado por poucos, entre eles, o Velho Mangaba e o ato Walmir Chagas. Fonte: "O Pastoril Profano de Pernambuco", de L.G. de Mello e Alba Regina.

Acesso:

http://www.municipios.pe.gov.br/municipio/Constantino_Leite.asp

Pastoril paga pela lngua 13/08/2007 Folguedo corre perigo de extino por se valer de msicas com letras maliciosas e danarinas seminuas Jos Teles [email protected] Em pleno reinado de grupos de letras porns, um folguedo popular corre perigo de extino exatamente por se valer de praticamente os mesmos elementos das bandas: msicas com letras de quntuplos sentidos e danarinas com pouca roupa. O disco Antologia do pastoril profano (realizado pela Sambada Comunicao e Cultura, com patrocnio do Funcultura) traz tona uma manifestao do povo quase esquecida pelo movimento mangue, que trouxe para os palcos da ciranda ao coco-de-roda. Walmir Chagas, com seu personagem Vio Mangaba, foi o nico msico nos anos 90 que resgatou um pouco do brinquedo, porm mais como demonstrao, como definem Luiz Gonzaga de Mello e Alba Regina Mendona Pereira, no livro O pastoril profano de Pernambuco. O pastoril de ponta-de-rua a dessacralizao do prespio ou lapinha. No pastoril profano, as mocinhas dos cordes azul e encarnado foram substitudas por mulheresda-vida, com um vio, ou bedegueba. Da porque o folguedo tambm chamado de pastoril de vio, ou de pastoril de mulher-da-vida. Naturalmente, com um elenco desses, as apresentaes do pastoril no so reguladas pela moral vigente. O sexo o leit motiv dos pastoris profanos, pelo menos dos clssicos, como o Velho Faceta, por exemplo, que nos anos 70 pelas mos de Hermilo Borba Filho chegou gravadora Bandeirantes e fez sucesso nacional, com msicas como Nabo seco, mais embaixo, O piriquito ou Dona Mau. Este Velho Faceta que gravou trs discos foi o segundo com este nome. Chamava-se Jonas, morava em Abreu e Lima. O Faceta original era, segundo o citado livro, filho de um russo, chamava-se Constantino Leite Moisakis e faleceu em 1986, na pobreza. Se bem que o Faceta de Abreu e Lima tambm no tenha morrido em situao diferente. Teve um sucesso passageiro. Exibiu-se para platias de intelectuais e universitrios, mas logo foi esquecido. Um trecho do Boa noite do Velho, foi includo no incio de A cidade, no disco de estria da Chico Science & Nao Zumbi. O objetivo deste disco foi o de resgatar uma manifestao que est acabando. Hoje so muito poucos os velhos de pastoril autnticos, confirma Paloma Granjeiro da Sambada Comunicao e Cultura, que trabalhou como assistente da direo artstica na gravao do disco. Ela diz que a produo idealizou o repertrio do disco como se fosse uma apresentao de um pastoril profano: Tem o disco e um CD-ROM com

textos sobre pastoril, informaes sobe o Velho Faceta, um vdeo com depoimentos e uma pequena amostra do que o pastoril profano. Trabalharam na produo do disco e CD-ROM 80 pessoas, e foi consumido um ano de trabalho, conta Paloma Granjeiro: Procuramos chegar o mais perto possvel do esprito do pastoril profano, as msicas so do Velho Xaveco, vrias de domnio pblico e duas de Brulio de Castro. ( JC Online) ________________________________________ Semelhana com forr estilizado afastada Walmir Chagas, o Vio Mangaba, diretor musical do projeto (com Beto do Bandolim), assume que hoje s existe uma estilizao do pastoril de-ponta-de-rua: No se faz mais aquela coisa que faziam o Barroso ou o Faceta, infelizmente, a manifestao daquela forma acabou. O vio ia na zona e contratava as putas para ser pastoras. Era um tipo de brinquedo que no tinha como sobreviver, at porque nunca foi desmarginalizado., com o que ele no concorda so as comparaes entre o pastoril profano e as bandas do chamado forr estilizado: um grande equvoco comparar o pastoril com estas bandas. No tem nada a ver uam coisa com a outra. O pastoril, na verdade, fazia uma crtica ao falso moralismo, Igreja, aos coronis, aos poderosos. J as bandas, o que elas apresentam a vulgarizao do sexo, do corpo da mulher. Walmir Chagas tambm um dos intpretes no disco, que conta com participao de um vio de pastoril, Xaveco (para abertura da jornada foram sampleadas vozes de alguns clebres vios, entre eles o Velho Faceta), de Silvrio Pessoa, Carolina Leo, Cinderela, Brulio de Castro, Isaar, Ivanildo Silva, Reinaldo de Oliveira e Josildo S. O acompanhamento bem mais sofisticado do que o dos pastoris profanos (cuja instrumentao consta basicamente de uma sanfona, um bombo e um pandeiro), com trompete, trombone, sax, acordeom, percusso, sob a direo de Beto do Bandolim. Na impossibilidade de repetir a inocente obscenidade (sic) de um verdadeiro pastoril de ponta-de-rua, a produo optou por um trabalho que no estiliza, adapta a jornada para uma verso meio pop do pastoril. A introduo, por exemplo, um maxixe instrumental de Beto do Bandolim (o maxixe utilizado em outras faixas, como em Vacaria, cantada por Josildo S). O peixe pacu (Xaveco) virou um samba-de-latada. Silvrio Pessoa e Carolina Leo interpretam a conhecida Casamento da pastora (gravada pelo Velho Faceta) em ritmo de frevo. Vamos pegar caranguejo, com Walmir Chagas e Cinderela, merecia um coral feminino, ficaria melhor do que a voz masculina do cmico como uma pastora. Das melhores do disco a faixa que fecha o repertrio, Amor de criana (de domnio pblico, e popularizada pelo Velho Faceta), com Isaar e Ivanildo Silva.

Acesso:

http://www.nordesteweb.com/not07_0907/ne_not_20070813g.htm

Sexta-feira, 12 de Outubro de 2007 A Festa da Mocidade Na dcada de sessenta - J se vo quarenta anos! -, quando dezembro chegava e o fim de ano marcava o tempo, a grande atrao do Recife era a Festa da Mocidade! Instalada no Parque 13 de Maio, tinha-se de tudo, dos habituais brinquedos das festas populares ao teatro rebolado! Ningum das redondezas perdia uma noite sequer, comparecendo religiosamente ao lugar de todos os divertimentos! L por casa recebamos um Permanente Familiar, destinado a jornalista de batente e com isso costumvamos levar parentes e aderentes, os amigos, sobretudo. Uma legio de rapazes e algumas moas tinham dessa forma acesso ao recinto e aquelas alamedas

serviram para se fiar muita conversa, no exercitar dos planos da gente jovem desses outroras nunca perdidos ou acolheram sonhos e devaneios. Passeava-se mais e gastava-se de menos, porque o metal, que vil, rareava poca. Muitos sentavam apenas nos bancos do parque ou na murada dos tanques, de cujas fontes jorravam jatos dgua de um colorido especial, encantando e inebriando os espritos. Andar no polvo ou no tira - prosa, francamente, era uma temeridade e os casais de namorados, enamorados tambm, aproveitavam a hora e cumpriam a prtica mais do que benfazeja do beijo roubado, num momento qualquer de um giro maior ou de uma evoluo mais forte ou mais firme. Os ares da festa enchiam-se de gritos, como ainda hoje sucede em lugares assim, desses divertimentos mltiplos, de gente que tinha medo realmente, mas de atores que gostavam das cenas, cuidavam do texto e faziam da arte um mister parte. A roda gigante no trazia medo a ningum e levava os passageiros s proximidades do cu, deixando s nuvens a imaginao da gente sentada nas cadeirinhas, de cujo balano nasceram muitas das juras que no foram cumpridas. E os carros eltricos? Antecipadores, talvez, de certas invenes do hoje! Presos ao teto energizado por uma pea de ao, podiam correr acima e abaixo, dando ao condutor de ocasio a sensao mais do que plena de um chauffer daquela modernidade. Sem muitas das cerimnias de agora, o jogo de azar campeava e a roleta girava desprovida dos pudores todos que contaminam a ilegalidade estabelecida. Menores estavam impedidos da prtica, jogavam porm! Perdiam sempre, como costuma acontecer nos cassinos dos dias que correm! Nenhum dos pais imaginava que o dinheiro de seus ordenados, suados e sofridos, estavam sendo investidos dessa forma, na jogatina da festa. Aplicava-se o pouco da mesada e dos recursos obtidos para os gastos da noite com o guaran e o sanduche, um cachorro-quente que fosse, de carne moda e tomate nunca cozido. Um lanche a ser saboreado sem comentrios em casa, porque proibido nas recomendaes maternas, acauteladoras das infeces todas que agridem o homem, trazem a dor de barriga ao penitente menino e inquietam as mes, protetoras eternas dos filhos, mesmo com a cabea pintando as cores dos anos! O pastoril do Velho Faceta enchia as noites nas proximidades do Ano Novo e a meninada cuidava em pagar, uma ou outra pastora, das pernas grossas pelo geral, para uma apresentao especial. Cinco cruzeiros para a Diana danar ou dez para ter a Mestra mostra, sozinha no tablado, bailando para o deleite da moada! E o Velho comandava o espetculo, convidando as escolhidas pela platia ou dando as ordens sem descuidar dos assistentes, estimulados todos ao pagamento de mais uma rodada, dessa ou daquela moiola. Em se tratando de coisa ligada mais ao mundano e menos aos estilos do tempo, as apresentaes comeavam s doze horas batidas da noite e se prolongavam pela madrugada. Gente de famlia no podia freqentar lugar assim, de segundas intenes, como se falava! Havia quem conhecesse as pastoras pelo prenome, tal a constncia com que assistia s encenaes e dessa maneira fazia a escolha da preferida, cujas caractersticas fsicas preenchiam, por certo, as fantasias ou ocupavam o imaginrio com formas femininas protundentes, em moda naqueles anos! Pelas dez horas tocavam as sinetas do teatro e as vedetes entravam no palco, danando e cantando, levando uma pea a mais para o xtase de uma pliade de admiradores cativos. Era proibida rigorosamente proibida a presena de menores na platia ou nas laterais, das quais se podia assistir a tudo, de p claro, sem o conforto dos pagantes, assim diferenciados, pois que sentados viam e ouviam as mais belas mulheres que a cidade acolhia nas festas de fim de ano. O rigor da proibio fenecia diante da insistncia da meninada e das insuficincias de um investigador de menores com gestos inseguros. Bastava uma palavra mais forte ou mais spera para que o homem cedesse, no sem antes recomendar o uso de um leno cobrindo a face, para no ser identificado pela polcia como integrante de um

grupo etrio na menoridade, ainda. Tem Bu-Bu-Bu no B-B-B marcou poca na cidade e o ator Mrio Marozzi, o primeiro a usar bolsos verticais nas calas, contracenava com lindas figurantes do sexo feminino. E o boi/Pra onde que ele foi/E o boi/Vocs s falam e ningum quer trabalhar/E o boi/Pra onde que ele foi/E o boi/..., era o refro adotado e decorado pela trupe e mais do que aceito pelos nativos! Blog atualizado hoje, 12 de outubro, s 10:25 horas, em Fortaleza, na casa de minha filha Patrcia e de meu genro Cludio. Fotografia: Gentileza Manoel, Roberta e Lvia (Famlia Ferreira) Atualizao oferecida a Vadeco, primo meu, o mais velho e o mais levado da breca, ainda hoje Acesso: http://blogdegeraldopereira.blogspot.com/2007/10/festa-da-mocidade.html

H 25 anos, morria em Pernambuco, o Velho Faceta (Jonas Francisco Vieira), que nasceu no dia 8 de janeiro de 1925. Acesso: http://fernando.blogueisso.com/category/de-volta-para-o-passado/

Vinde, vinde, moos e velhos Jornal do Commercio Recife - 19.01.99 por JOS TELES "Pernambuco falando para o mundo" era o slogan com que a Radio Jornal do Commercio anunciava-se durante muitos anos, sem arrogncia nem falsa modstia. Afinal nas dcadas de 40 e 50, seu sinal era o mais potente do pas, sendo captado na Oropa, Frana e Bahia. O slogan foi adotado para ttulo do terceiro disco solo do instrumentista, cantor, compositor, ator e danarino Antnio Nbrega, que faz noite de autgrafos, amanh no Caf Cordel, a partir das 19 horas, e mostra no palco do Teatro Guararapes as msicas do disco, nesta quinta-feira, s 21 horas. "Achei este slogan bonito ao relembrar dele, e tinha muita vontade de fazer um disco com as msicas que apresento nos shows que venho fazendo. Ele atenderia tambm at a vontade de reapresentar alguns msicos aqui de Pernambuco pouco conhecidos." Entre estes criadores esquecidos, por sugesto do jornalista e pesquisador Leonardo Dantas Silva, o artista incluiu Luiz de Frana, tambm conhecido por Luiz Boquinha, um coquista de quem nem ele prprio lembrava mais. de Frana, a surrealista, e nada politicamente correta, Mulher-Peixo, que Antnio Nbrega canta em levada de maxixe, a estria da paixo roxa de um sujeito por uma musa que, entre outras, porta as seguintes deficincias: "S tem uma orelha mas no defeito/ J perdeu um peito numa operao/ Quebrou a espinha e ficou marreca/ Ela careca e s tem um pulmo/ Ela tem na cara uma queimadura/ Sofre de loucura e do corao/ O vento passou entortou-lhe a boca/ fanhosa e mouca/ Mas um peixo." "Pernambuco Falando para O Mundo, produzido pela Brincante, selo de Nbrega, com patrocnio do SESC de So Paulo, antes de tudo um disco de e para o Carnaval. Com exceo de um dobrado de Capiba (Festa da Padroeira), o repertrio feito pra pular, com composies de Nbrega (em parcerias com Wilson Freire e Marcelo

Varella)), Felinho (o criador do clssico e antolgico floreio de sax em Vassourinhas, que por sinal est no disco em verso cantada), Edgard Moraes, Lourival Oliveira, adaptao de temas de domnio pblico, e claro uma seleo de sucessos de Capiba. No palco reinar nepotismo: ao lado de Nbrega, estar a mulher Rosane, os dois filhos dele, e uma irm (recm-chegada da Frana, onde estudava msica). A famlia ser acompanhada pela Banda Pernambucana, o grupo que se apresenta com Antnio Nbrega em suas andanas pelo pas, e mais a participaes de algumas integrantes do Comadre Florzinha. Aos 46 anos, Nbrega um veterano. Aos 12 anos j estudava violino na Escola de Belas Artes, mesmo tempo em que formou um conjunto com as irms, participando inclusive de festivais de msica popular. "Fui at premiado em alguns - lembra minha msica nestes conjuntos popularesca, coisas que eu escutava no rdio. Este conjunto que eu mantinha, exercia uma espcie de contrapeso para os excessos da academia", explica-se. Em 1970, com 18 anos, ele aceitou um convite de Ariano Suassuna e passou a integrar o Quinteto Armorial. Da em diante sua viso de mundo ampliou-se. Nbrega comeou a "descobrir" o rico universo da cultura popular pernambucana, que nem lhe havia sido ensinado na escola de msica, nem muito menos tocava nas rdios: "O Quinteto Armorial era um grupo de cmera, que pode ser classificado como erudito, mas se voc colocava o quinteto no meio do povo, que se acha no ter capacidade de assimilar esta msica, voc v que isto uma mentira, um preconceito. Toquei com o quinteto, em parques, praas, e o povo gostava. O problema que ele no tem liberdade de escolher neste pas, o Tchan ou outra coisa parecida." "Embora na sua msica os ritmos da msica de autores annimos apaream implcitos, em seus discos a maioria das composies de autores conhecidos, Nbrega continua aprendendo com os artistas populares. Quando ingressou no movimento armorial, ele procurou ir aonde aconteciam as manifestaes da "poeira". Freqentou por muito tempo a casa do Capito Antnio Pereira, mestre do maracatu Boi Misterioso de Afogados, foi at Juazeiro do Norte, conhecer os irmos Aniceto, famosos pelos duetos em teras que faziam. O nome do seu alterego, Tonheta, uma mistura de Toinho (como tratado pelos ntimos) e o Faceta, o velho do pastoril. "Eu no procuro reproduzir a msica feita pelo povo e sim reelabor-la, dentro de um universo que no precisa necessariamente ser atrelado a msica pop, porque as pessoas costumam rotular; ou popular, ou erudito, ou pop. Por exemplo, quando canto um caboclinho nestes meus shows carnavalescos, fao passos de caboclinho. Porm quando fao uma pea de teatro, tipo Figural, estes passos so refundidos, saem do universo folclrico e prestam-se confeco de um personagem, de uma dana", ensina Nbrega. DO ARMORIAL AO MANGUEBEAT - Dos mais aplicados seguidores das teorias do professor Ariano Suassuna, o Antnio Nbrega, que no dos mais entusiastas por guitarras eltricas, e sua arte passa a anos-luz do pop, paradoxalmente, compartilha muitas semelhanas com Chico Science. Assim como Science, ele retrabalhou os ritmos pernambucanos, dando-lhes uma roupagem inteiramente pessoal. Os dois alis iam unir foras no carnaval de 1997, s vsperas do trgico acidente acontecido com Chico Science, que faria uma participao com a Nao Zumbi no bloco Na Pancada do Ganz, na Avenida Boa Viagem: "At ento eu no conhecia Chico, no havia portanto um projeto. Minha produtora na poca foi quem sugeriu, at mesmo para dissolver alguns mal entendidos, achei a idia bastante bem-vinda. O que nos unia naquele momento era esta vontade de alar Pernambuco no cenrio nacional. Representvamos de certa forma vises opostas, mas ao mesmo tempo complementares." Acesso: http://www2.uol.com.br/JC/_1999/1901/cc1901a.htm

Quarta-feira, 23 de Janeiro de 2008 A ondulao leve da superfcie das guas

I A palavra tem alma, tem uso e razo, Em sua origem define algo bom e real Com o tempo muda, para novo uso, Mesmo assim continua soando normal. Qual a rota, o caminho por ela seguido, Pra manter-se atual e ter novo sentido Arrancaria a poesia de ser original? II Lancei uma pedra no velho Banabuy Ajudei a mat-lo, sequer ficou mgoas, E as esferas surgiram em belos sinais Sumiram ligeiras, sem foto, sem flagra. Continuaram as siriricas, na origem tupi, Como ninfa bailando, que em menino vi, Leve ondulao da superfcie das guas. III Pesquei uma piaba no velho Banabuy Ajudei a despovo-lo com uma siririca Mergulhei sem nadar com a lama no p Enquanto lavavam a gua, uma burrica, Caminhonete, rural, jipe e as bacorinhas, Pai-de-chiqueiro, cabritinhos e galinhas. Assim destrumos nossa fonte mais rica. IV Desmatei as margens do velho Banabuy E o canto da siririca no se pode ouvir Sem fmea no h macho, some o facho, Para onde ser que foram os bem-te-vis? No esgoto, no lixo do luxo e no improviso, Luta por moradia, descaso, falta de aviso, Deixamos prpria sorte o balnerio feliz. V E, sem modos, matei o velho Banabuy, Quanto doidivanas, nesse meio, habita? Um piririca sem rumo, coisa de siririca, Quando nas guas que bebe se regurgita? E o crime coletivo que todos ns cometemos Aparentemente impune, no lombo trazemos, Enquanto remediar o incurvel se cogita. VI E assim, nas pedras do velho Banabuy, Rolaria rala-bucho, rala e rola, relao, Siririca, quiromania, pega-pega, onanismo, Gente jovem, gente ingnua em felao Sem medo da pedra liste, em mau uso, De espao em abandono, vem o abuso, Sobre o manto do aude em podrido. VII Leve ondulao na superfcie da gua: Siririca, em tupi, idioma ainda usado, Serve, em modestos versos contados, Para um desejo novamente colocado: Quando vir o Parque do Aude Velho? E aquela rea voltar a um tempo belo Pra redimir a nossa gente do pecado. Extra Est passada a mensagem pensada

Banabuy meu sonho de infncia Revendo fatos sem culpar a ningum Apontando apenas nossa ignorncia. Se algum se incomodar, quem dera, Isso pode fazer do meu sonho quimera Livrai-nos Deus do poder da ganncia. Evaldo Pedro Brasil da Costa) 28 de Dezembro de 2007 Postado por e-Brasil s 01:42 Marcadores: Banabuy, Cordel49, parque, siririca Acesso: http://esperaebrasil.blogspot.com/2008/01/ondulao-leve-da-superfcie-dasguas.html

Antonio Nbrega 30/12/1996 Msico, ator, cantador e bailarino, Nbrega pesquisa e trabalha com o universo da cultura popular desde a dcada de 1970 Matinas Suzuki: Boa noite! Ele acaba de ganhar o prmio de Linguagem e Pesquisa Musical do Ano pela Associao Paulista de Crticos de Arte. No centro do ltimo Roda Viva de 1996 est Antonio Nbrega. [Comentarista]: Ele tem pouco mais de 1,60m, mas no palco ele bem maior. Ator grande, ele cheio de personagens engraados e instigantes. Chamam-no as vezes de Cazumba, uma espcie de duende, meio bicho meio gente. Chamam-no s vezes de Tonheta, clown de mltiplas habilidades que o melhor que faz transformar tristeza em felicidade. Para vestir essas mascras envolventes, o homem no quis palco pomposo no. Por isso fez l na Vila [Vila Madalena] um teatro diferente. Deu o nome do lugar de Brincante, galpo que tambm escola para encher bagagem de estudante. Como se isso no bastasse, o tal Nbrega tambm mmico. Conta histrias com movimento numa gramtica gestual cheia de refinamento, parece at que a mo fala s vezes por um momento. Grande ele quando dana. Tambm aprendeu nas populares festanas, jogou muita capoeira, danou aqui na Suia e na Frana. Aprendeu tcnicas circenses e acabou no Carlton Dance. Ficou famoso, o danado, por misturar o erudito com folgazes dos reizados. tambm um grande msico com formao em academia, mas foi nas ruas que aprendeu como se faz a magia de encantar serpentes-platias com sua msica e folia. Chamam-no, s vezes, Toinho. Pai desse menino que j vai pelo mesmo caminho. um artista completo do tipo que no se acomoda, daqueles que merecem estar no meio desta roda. Matinas Suzuki: Maravilha. D vontade da gente ficar assistindo, mas temos que conversar com o Antonio Nbrega. Para conversar com ele ns convidamos esta noite a jornalista Marta Ges, que redatora-chefe da revista Cludia; a Helena Katz, que crtica de dana do jornal O Estado de S. Paulo e tambm professora da PUC, aqui em So Paulo; o ator Paulo Autran, a quem a gente agradece imensamente a presena nesse programa essa noite; Alberto Guzik, que escritor e crtico de teatro do Jornal da Tarde; Ana Francisca Ponzio, crtica de dana da Folha de S. Paulo; Ivana Diniz, reprter da Rede Cultura e Luiz Fernando Carvalho, diretor de novelas da Rede Globo, que tambm gentilmente interrompeu as suas gravaes de novela para participar desse programa. Eu lembro a voc que o Roda Viva transmitido em rede nacional (...). Boa noite, Antonio Nbrega. Antonio Nbrega: Boa noite.

Matinas Suzuki: Msico, cantador, ator, bailarino, difcil a gente comear a definir o seu trabalho, a comear a arrumar um jeito de conversar sobre o seu trabalho. Mas voc prefere uma expresso prpria, que a tradio do brincante. Voc poderia falar um pouco sobre isso? De onde veio esse nome, onde voc o escolheu? Antonio Nbrega: Quando eu comecei a me interessar pelo universo dos artistas populares, isso em Recife, em 1970, a partir deste ano, ento eu logo tomei conhecimento que os fazedores de espetculos populares no se chamavam, no se autodenominavam artistas e sim brincantes ou folgazes. At aqui na regio sul do pas eles tambm se chamam de folgazeiros, que muito bonito tambm. E esse nome logo que eu encontrei, ele me seduziu. E eu ento, quando parti para o que eu chamo, grandiosamente, da minha iniciao aos mistrios do povo brasileiro, ento, eu tomei esse nome como nome de batismo. Quando eu criei tambm o meu teatro, juntamente com Rosa, minha mulher, eu coloquei esse nome de brincante. Quer dizer, o brincante o qu? aquele artista que tanto toca, quanto dana, quanto canta, quanto faz pantomimas. Artista esse que eu sempre fiquei seduzido e eu me propus a ser. Alberto Guzik: Eu queria que voc falasse, voc j falou vrias vezes para a gente em entrevistas, mas eu acho que precisa ficar registrado. O processo teu de formao do erudito para o popular, eu queria que voc contasse como foi essa passagem, a descoberta do popular e, obviamente, queria que voc falasse da influncia do Suassuna [Ariano Vilar Suassuna (1927-) importante dramaturgo brasileiro, autor de O auto da compadecida] na tua vida. Que papel ele desempenhou? Antonio Nbrega: Bem, o Ariano Suassuna, que eu chamo de mestre e amigo, teve um papel decisivo, porque quando eu tinha 18 anos, eu estudava violino, tinha tido uma formao acadmica muito boa de violino e mantinha com minhas irms um conjunto domstico, um conjunto de msica popular. As msicas que ouvamos nas rdios, na televiso, ns ento as tocvamos nossa maneira em programas que fazamos na televiso de Recife. Ento, eu como que habitava dois universos bastante distintos. A da msica clssica por um lado e o da msica, eu diria, mais popular ou mais popularesca. E quando eu conheci Ariano ele teve um papel fundamental... Alberto Guzik: Como que voc conheceu o Ariano? Antonio Nbrega: Eu o conheci porque ele fundou o Quinteto Armorial, ele estava comeando a criar esse grupo e em Recife eu tocava em orquestra de Cmara, em quarteto, enfim, eu era um msico que participava do universo da msica erudita de Recife. E muito jovem, naturalmente, 17 anos, ele me convidou para integrar o Quinteto Armorial. E a partir desse encontro com Ariano eu comecei ento a ver, a enxergar um universo que at ento eu no tinha visto, que foi o dos artistas, culturalmente muito rica neste sentido. Ariano gosta at de dizer uma coisa que eu repito: eu via e no avistava. Ou avistava e no via. E a partir da eu comecei a me interessar ento, eu fui seduzido, eu digo at que brutalmente, pelos artistas populares da minha regio primeiramente, e depois pelos do Brasil. E a, durante pelo menos 10 anos da minha vida, eu me coloquei integralmente, quer dizer, meu corpo, minha voz, a servio desse aprendizado. Ento eu no s aprendia com os passistas, do frevo de Recife, com os capoeiristas, com os mestres do reisado, como viajava at para outras regies, principalmente do Nordeste e conheci muitos mestres. Eu no diria que eu fui um autodidata, eu tive outros mestres, no habituais queles que normalmente se tem para uma formao de danarino e de ator. Eu acho que, sinteticamente, esse o incio do meu trajeto como artista. Helena Katz: Toninho, pegando esse seu trnsito para o dito popular, voc sabe que

na dana existe aquela verdade oficial, que uma mentira, mas uma verdade oficial, que sem o erudito do bal no d para danar. Como voc faz a sntese, verdade que para o Tonheta, para o Mateus, essa sua formao erudita que garantiram o sucesso ou no? Antonio Nbrega: No, elas tm um papel muito importante e acho que nem respondi integralmente pergunta do Guzik. No violino, por exemplo, eu tive uma formao clssica, bastante completa, com um professor maravilhoso, chamado Luiz Soleil, um grande catalo, que mora em Florianpolis. E o que eu fiz? Eu depois coloquei essa tcnica a servio da rabeca popular, que eu aprendi. No caso da dana, foi o oposto. Eu aprendi a danar com os artistas populares e depois comecei a estudar os princpios e leis gerais do movimento, no s estudei, por exemplo, o cdigo da dana clssica, mas eu me interessei por outros cdigos de dana. Inclusive, eu gosto muito de utilizar um conceito do Peter Burke, que ele fala dos grandes teatros diferentes do mundo. E a ele coloca os teatros rituais da frica, das festas do carnaval do Brasil e de outros pases da Amrica Latina, os grandes teatros do Oriente, como a pera de Pequim, de Cabul etc. E comecei ento a ver que esses cdigos, eles so, inclusive, chamados de Teatros dana, quer dizer, os limites entre teatro e dana neste tipo de teatro-dana [risos], muito difcil de se mostrar. Eu ento comecei a observar que havia princpios e leis gerais em todos os eles. O que ocorre o seguinte, que as danas so diferentes em suas formas, mas so idnticas em seus princpios. Ento, no caso da dana eu comecei a colocar esses princpios para fortalecer, para amplificar tudo aquilo que eu tinha aprendido com os danarinos populares. De maneira que eu acho muito importante. Neste sentido, ns temos um pas maravilhoso, porque ns temos uma cultura popular fecundssima, vitalizadora e, ao mesmo tempo, temos a possibilidade de ter uma formao clssica erudita muito boa. Eu acho que a ponte entre elas duas - no meio delas duas - que reside a grande arte e cultura brasileira... Paulo Autran: E o Klaus Viana [(1928-1992) danarino e coregrafo] tambm teve um papel grande nessa sua formao, no foi? Antonio Nbrega: Nesse sentido o Klaus Viana teve um papel fundamental, porque quando eu cheguei aqui em So Paulo, na busca justamente de estudar esses princpios, Klaus Viana foi uma dessas pessoas que me fez conhecer esses princpios. De maneira que eu tenho em Klaus um grande mestre tambm em So Paulo. Talvez da minha formao, no com os artistas populares, Klaus Viana seja o mais representativo. Paulo Autran: Me diga uma coisa, voc se considera tenor ou bartono? Antonio Nbrega: A minha voz de tenor. Paulo Autran: Eu li um artigo num jornal elogiando muito voc, alis, voc unanimidade. Todo mundo te elogia, com toda a razo, porque voc merece. Mas dizia que voc era um tenor primitivo. Tua voz era de tenor primitivo. Eu nunca tinha ouvido essa classificao. O que voc achou quando se viu chamado de tenor primitivo? Antonio Nbrega: Eu acho que at entendo. Na verdade, o registro da minha voz realmente de tenor, um tenor clssico. E eu acho que pelo tipo de procedimento que eu uso na minha voz, embora eu tenha estudado tambm canto lrico, eu fiz sempre o mesmo processo, aprendi a tcnica do canto lrico e coloc-la a servio dos cantos que eu aprendi com os artistas populares. Ento, embora eu tenha adquirido a tcnica do canto lrico, os procedimentos, quer dizer, portamentos, trinados, do cantador. Ento, eu acho que isso que responde o tenor primitivo. O tenor primitivo a voz rascante que eu utilizo na maioria dos cantos que eu canto.

Antonio Nbrega: Propositalmente [risos]. Luiz Fernando Carvalho: Eu gostaria que voc falasse um pouco sobre o mestre Salustiano [Manuel Salustiano Soares (1945-) pernambucano especialista em msica popular brasileira], que um pouco talvez o seu mestre no plano do popular. Antonio Nbrega: Mestre mais moderno. Entre os artistas populares que eu tive, eu devo, principalmente, a um deles, de maneira bem maior, que foi o mestre Antonio Pereira [Antnio Pereira, intrprete do Capito do Boi Misterioso, do bairro Mustardinha em Recife]. Ele morreu com 88 anos. Inclusive morreu at no dia do meu aniversrio, ou seja, dois de maio. Luiz Fernando Carvalho: E era de Recife tambm. Antonio Nbrega: Era de Recife. Foi com ele que eu aprendi muito. Eu me recordo que at eu ia com ele s vezes catar Jacu-Ipiranga, que um tipo de vime, que a gente recolhe nos canais de Recife, com os quais a gente fazia as figuras do boi, da burrinha. E ns amos l ento nos mangues buscar isso, configurvamos as figuras. Eu guardo grandes recordaes do mestre Antonio Pereira. Chamado capito Antonio Pereira, porque no bumba-meu-boi ele fazia o papel do capito, mas ele no era um capito de patente no. Mas, posteriormente a ele, eu conheci mestre Salustiano. Vindo do meio rural, se estabeleceu em Recife e um grande brincante. Um grande artista popular, que mora l em Recife, que rabequeiro tambm e , sobretudo, responsvel por um grande maracatu que existe, o maracatu Piaba de Ouro. Eles usam muito esses nomes. Piaba um peixe desse tamaninho, [mostra com a mo o tamanho do peixe] que d nos crregos de Recife. E o mestre Salustiano mestre Salu, como conhecido - um grande mestre. J fizemos at alguma coisa com ele em cinema. Luiz Fernando Carvalho: Eu queria completar um pouco essa pergunta, que voc falasse da relao entre o Mateus e o Tonheta? Antonio Nbrega: O Mateus a figura principal do bumba-meu-boi. Aqui em So Paulo, eu no sei se vocs j viram a Folia de Reis. E tem duas figuras que se paramentam festivamente, com mscara, e que danam, carregam basto. So os cmicos, os bufes, para usar um conceito bastante conhecido. E no bumba-meu-boi essas figuras so representadas pelas figuras do Mateus e do Bastio. como se fosse, na nomenclatura do circo clssico, do Augusto e do clown. o homem da cobra e o secretrio, ou seja, o sisudo e o farsesco. Eu digo, na brincadeira, que o cartesiano e o desordenado [risos]. o yin e o yang. Pois bem, existem essas duas figuras, que correspondem at, ligando at com a comdia de arte ao arlequim e ao briguela. Pois bem, logo que eu botei os olhos nessa figura do Mateus, fui tomado integralmente por essa figura. E eu comecei ento a aprender o que ele fazia. O meu processo de aprendizado com os artistas populares foi primeiro da pura imitao. Mimeses. Pois bem, e comecei a imit-los, em tudo que eles faziam. E eu tive, especialmente, um deles, foi um grande mestre meu, foi mestre Guariba. O Guariba o nome que se d l no Nordeste ao macaco. E o mestre Guariba, nas gatimanhas que ele fazia, nas micagens, ele lembrava muito o macaco. E, por isso, chamavam ele Guariba. E foi com ele que eu aprendi muito das coisas. Naturalmente, como eu disse desde o incio, a base, a referncia da minha formao com a cultura popular. Ento, Mateus essa figura e que depois, ento, a essa substncia popular eu fui incorporar outros elementos daquela que eu poderia chamar da formao erudita. E a esto, o qu? Esto os comediantes do cinema mudo, Buster Keaton, Chaplin; esto at aqui os palhaos mesmo do Kiogen, da pera de Pequim, os grandes cmicos da poca da chanchada, Oscarito, Grande Otelo, e at da chanchada no brasileira, como o Tot. Enfim, tudo isso material que referncia para o personagem Tonheta.

Ivana Diniz: sempre um p aqui e outro ali. O Brasil real e o Brasil oficial. A idia do Machado de Assis [Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) escritor brasileiro considerado o mais importante do sculo XIX, fundador da Academia Brasileira de Letras], o erudito e o popular, a bandeira do Ariano Suassuna e o masculino e o feminino da dana oriental. Voc acha que o equilbrio entre esses conceitos que a matria do Tonheta, que a matria do Mateus, que virou o Tonheta? Antonio Nbrega: Eu acho que, eu mesmo, carrego dentro de mim uma tenso muito forte entre esses dois plos. Quando eu comecei a criar o Tonheta, eu observei o seguinte, que os cmicos, na maioria deles, quando eles tm um personagem, um palhao, eles geralmente se dedicam, eles doam toda a sua vida quele personagem. Por exemplo, Buster Keaton [Joseph Frank Keaton Jr. (1895-1966)], Chaplin [Charles Chaplin (1889-1977)], Tati [Jacques Tati (1907-1982), Oscarito [pseudnimo de Oscar Lorenzo Jacinto de la Imaculada Concepcin Tereza Dias (1906-1970) ator da chanchada brasileira], Tot [Antonio de Curtis (1898-1967)], Renato Arago, quer dizer, o palhao cmico muito obsessivo. Ele quase que no permite que outra figura se intrometa no dilogo entre ele e o seu criador. O prprio Mateus, do bumba-meu-boi, assim. Mas eu, dentro de mim, pulsavam outros impulsos que no s o do palhao e era muito difcil de resolver isso, porque eu estava com o esteretipo muito forte dentro de mim. E eu disse como que eu vou resolver isso na minha vida? No que eu no tinha que ter esses paradigmas como achatadores, eles no poderiam ser de tal maneira obsessivos a ponto de eu minar dentro de mim outros impulsos. E eu vi que eu tinha um impulso oposto ao do Tonheta. Que no caso dos meus espetculos eu resolvo com a figura do narrador. a figura que conta as aventuras do Tonheta, justamente com Rosalina de Jesus, que a sua mulher, que a minha mulher na vida real, Rosane, que atriz nos espetculos. E eu criei ento a figura de Joo Sidurino. E desta maneira eu pude resolver esses plos que eu tenho dentro de mim, que essa tenso contnua entre o masculino e o feminino, entre ser brincalho e srio. Nesse momento, por exemplo, aqui, eu vivo um pouco essa tenso [risos]. A vontade de pegar a rabeca e o violo e dar uns cangaps [piruetas] aqui pelo ar [risos] e, ao mesmo tempo, ser obrigado a ser um pouco conceitual, terico. Uma vez eu fui para o J Soares, no sabia como ir h cinco anos, era uma participao que eu tinha numa pea do Gabriel Vilela, eu fazia o Tonheta. Ento, pediram para eu ir paramentado como o Tonheta. E eu fui. Agora, o J no conhecia a mim, pessoalmente, muito menos conhecia que diabo esse Tonheta [risos]. Ento, apresentou a mim para conversar com ele e eu fiquei extremamente dividido, porque eu com a mscara, o nome do personagem e o homem perguntando perguntas srias. Ento, foi um desastre completo [risos]. Ainda hoje ele no me quer no programa dele. Foi um desastre absurdo. Mas, enfim, mas eu acho que aqui eu estou mais vontade [risos]. Ana Francisca Ponzio: Voc se considera mais msico, mais ator, mais bailarino ou isso se alterna? Antonio Nbrega: Olha, eu tenho uma paixo muito grande por tudo, pela msica, pela dana, pelo teatro. Mas, eu acho que a msica a base profunda de tudo isso. Eu acho que ela o que move. Eu, sem a msica, no posso cantar, no posso, naturalmente, tocar nenhum instrumento e no posso danar. E at no teatro que eu fao, a msica, eu sinto at que o Tonheta, a gestualidade do Tonheta nasceu da msica. A codificao gestual dele como se ele tivesse uma musiquinha por dentro, um metrnomo meldico, no s rtmico que animasse a cadncia de atuao dele. De maneira que eu acho que a msica, talvez, tenha um papel mais importante. E a msica tem uma coisa que um pouco diferente, por exemplo, da dana. Na dana, voc com trs 4 horas de trabalho voc est exaurido. A dana depende muito de uma energia fsica. E a msica no. A msica voc pega, eu pego o violino, o violo e se me deixarem eu passo trs, 4 horas tocando. mais fcil por esse

lado. H esse fator que favorece a msica ser, digamos no meu caso, elemento principal. Paulo Autran: Voc instrumentista, compositor, cantor, bailarino, mmico e ator. Voc alguma vez sentiu a tentao de fazer um espetculo s como ator, por exemplo? Antonio Nbrega: Essa uma pergunta muito boa. Eu acho que eu nunca saberia, eu no tenho limites muito precisos de onde comea o ator, onde comea o msico e onde comea o bailarino. Eu acho que eu no conseguiria. Eu teria limitaes. Por que, quem sabe, tudo isso que eu fao, no uma forma de dissolver, quem sabe, a minha incompetncia para ser cada um deles bem competente? [risos]. Eu acho que eu consigo, dentro da minha histria, a juno de tudo isso - eu no posso rodar muito, seno vai dar uma confuso aqui, ele me alertou - quer dizer, a conjuno de tudo isso que faz com que os meus espetculos sejam, vamos dizer assim, bem recebidos. Talvez se eu fosse fazer uma coisa s eu talvez no tivesse o resultado que eu tenho, presumo eu. Mas a sua pergunta instigante [risos]. Marta Ges: Antonio, em relao maneira como voc recebido. O que a gente poderia concluir a respeito do pblico brasileiro diante do fato de que voc se tornou uma unanimidade? Ser que o pblico gosta mais da arte popular do que ele tem oportunidade de encontrar? Antonio Nbrega: Como eu tenho me apresentado em platias muito diferentes, muito dspares entre elas, ento eu tenho um testemunho, at me desculpem a vaidade, mas eu tenho um testemunho otimista em relao ao que eu tenho feito. Porque como eu tenho, s vezes eu coloco um pouco essa metfora, no sei se ela muito clara, no sei se ela boa. como a palma da minha mo, como se no espetculo eu tivesse, por exemplo, dez elementos de comunicao com o pblico. Dentre esses dez, cinco tem um respaldo um pouco mais erudito, so as minhas referncias. Por exemplo, no brincante eu tenho, um espetculo em que o tecido musical - depois que eu me dei conta - a trilha sonora composto de grandes compositores russos. Tem um tema de Procfia, de Stravinsky e de Rakmanima. Compositores eruditos. Eu tenho referncia de Rabelais, por exemplo. claro que essas msicas so dissolvidas tambm. A maneira como elas so colocadas no so dentro do rigor do erudito, no um quarteto de cordas que est tocando, no uma orquestra sinfnica. Matinas Suzuki: E so msicos tambm que tiveram uma influncia popular muito grande. Antonio Nbrega: Exatamente. Principalmente o Stravinsky [Igor Stravinsky (18921971) compositor]. Tem um momento imbricante que eu uso o Petruskha. E o Petrushka o irmo do Tonheta. E quando eu dano essas msicas, eu estou danando, digamos, com os movimentos de um bailarino brasileiro. Pois bem, mas so referncias eruditas. Por outro lado aqui, eu tenho referncias absolutamente populares. a maneira farsesca de Tonheta rir, a piada mais fcil de ser digerida, o gesto mais fcil de se aprendido. A um pblico menos letrado, digamos assim, encontra aqui nesses resonadores de se comunicar. O outro j encontra aqui. Ento, eu tenho sempre essa interligao, essa perene utilizao de elementos que vem de cdigos, digamos da alta e da baixa cultura, vamos utilizar esses termos, se bem que eu no acho nem que um baixo e que o outro alto. De maneira que eu acho que isso responde ento comunicao que eu venho tendo com o pblico. Eu tenho me apresentado em palanques, para um pblico bem popular e tenho recebido uma compreenso muito boa, muito generosa. E me apresentado tambm em pblicos bem cultos [risos]. Alberto Guzik: Como que nasceu o Tonheta, qual foi o dia de nascimento do

Tonheta? Como que voc identificou essa personagem, que tua? Antonio Nbrega: Eu acho que o Tonheta nasceu no espetculo que eu fiz em Recife, h exatos 20 anos. Que bodas 20 anos?[risos]... precisamos inventar uma boda, boda tonhetnica, pronto [risos]. Ento, no espetculo que eu montei, chamado Bandeira do divino, nesse momento eu chamava de Mateus Tonheta. Por qu? Porque o Mateus era um genrico de palhao. Existe o Mateus cravo do dia, flor do dia, Mateus Guariba e eu era o Mateus Tonheta. Tonheta pelo fato seguinte, eu em Recife acompanhava muito as peripcias de um velho artista popular chamado Velho Faceta. Velho de pastoril. um outro tipo de palhao, s que um palhao cujo universo dele est mais ligado ao picaresco, com as pastoras, as piadas dele so bastantes picantes, e o Velho Faceta, ele era chamado de Faceta por ser uma pessoa que fazia muitos trejeitos com a face. [Exibio da pea de Nobrega] Antonio Nobrega: Aquela ali a rainha Isabel e o Tonheta sendo apresentado para a rainha [refere-se ao vdeo que entra em exibio]. Antonio Nobrega: Eu...posso continuar a falar? Pois bem, e eu ia muito ver o Velho Faceta e os meus amigos, por derivao, eu sou chamado de Tonhinho, passaram de Tonhinho para Tonheta. E eu achei muito bonito esse nome, muito profcuo. A gama de significados que Tonheta tem, est a a Rosana para provar isso depois. Pois bem, eu comecei ento a chamar de Mateus Tonheta. Depois eu vi que eu no precisava colocar o nome Mateus e no brincante ento eu tirei o Mateus e ficou s o Tonheta. Mas, no nascimento mesmo, a data de nascimento foi novembro de 1976, com a Bandeira do divino, bodas de Tonheta. Alberto Guzik: E quando que voc comeou a elaborar a histria do Tonheta, que j se transformou numa saga, numa epopia, numa espcie de uma aventura csmica? Antonio Nbrega: Bem, eu comecei assim... eu acho que desde essa poca que a minha cabea j circunavegava em torno dessa epopia bufnica, como eu chamo, dessa epopia picaresca. Eu li muito as novelas picarescas e h muito tempo que eu tive a sorte de ter parceiros maravilhosos na criao, principalmente brincante, como o Brulio Tavares, que ainda tenho, o Romero de Andrade Lima e, principalmente, a minha mulher Rosane, porque agentar essa histria toda no foi fcil para ela no [risos]. Mas, enfim, at eu descobrir, por exemplo, que eu, para contar a histria do Tonheta, eu precisava de um narrador, Joo Sidurino, isso no foi brincadeira no. Por exemplo, o nome Joo Sidurino. De onde veio esse nome, Sidurino, por exemplo? Eu, uma vez, lendo Guimares Rosa [Joo Guimares Rosa (1908-1967) considerado o maior escritor brasileiro do sculo XX, autor de Grande serto: veredas], eu me recordo que quando ele faz, quando Riobaldo [personagem de Grande serto] assume o bando, assume o jaguno para comear a campanha, ele comea ento a se reunir com o bando e a certa altura ao nomear cada um dos jagunos ele para num Sidurino, que alegrava a gente. a nica referncia que existe a esse nome no Grande serto: veredas. Ento, o que eu fiz, eu pressupus que Sidurino devia ser o festeiro dos jagunos, deveria ser aquele que contava histrias. J fiz a, j dei panos para a imaginao. E achei que um nome bonito, consolidado o nome atravs de um personagem, no chega nem a ser um personagem, est l numa obra grandiosa do Brasil. E Joo, primeiro evangelista, o nome do meu pai, enfim, Joo tem uma grande histria na minha vida pessoal. Ento, est a, Joo Sidurino. Marta Ges: E o Joo o contador de histrias? Antonio Nbrega: E o Joo ento o contador da histria do Tonheta, mas eu estava concluindo isso em relao a qu? Alberto Guzik: A histria do Tonheta. Antonio Nbrega: Pronto, a histria do Tonheta.

Matinas Suzuki: Pegando um pouco a pergunta da Marta Ges, voc trabalha com um material que de tradio oral e, portanto, de difcil preservao, vamos dizer assim. E num pas que cada vez mais urbano, num pas que est cada vez mais, alis, o Brasil tem um processo de urbanizao violento, quer dizer, no um processo de organizao que acontece sem traumas, ele violento e muito rpido. Eu tinha uma curiosidade. Voc acha que o interesse por esse tipo de trabalho est crescendo, est diminuindo, h algo a ser feito? Enfim, como que voc analisa, saindo um pouco dos seus personagens e olhando um pouco esse universo? Antonio Nbrega: Eu acho que o interesse por esse universo est crescendo muito. Eu me lembro que quando eu sa de Recife, por exemplo, h 13 anos, os msicos da minha cidade no tinham o interesse que hoje j tem. Por exemplo, hoje j existem bandas, grupos de msica, por exemplo, o caso do mestre Ambrsio, que esteve at aqui, de Recife. Alberto Guzik: Faz um sucesso louco. Antonio Nbrega: Exatamente. o caso, por exemplo, de trabalhos at de ordem mesmo, at de ordem terica sobre a cultura popular. Por exemplo, mas naturalmente ns no temos mais aquela efervescncia que tnhamos em relao, por exemplo, no caso especfico do bumba-meu-boi. Hoje j diminuiu bastante o nmero deles. Mas, em contrapartida, por exemplo, no carnaval, o nmero de pessoas que j dana frevo, de passistas, que no s dana no perodo de carnaval, mas at em outras pocas, diferente de h 15 anos. Mas, ao mesmo tempo, eu acho que a tendncia ao cosmopolitismo muito grande por outro lado. Eu no sei se o interesse do crescimento por aqui proporcional ao crescimento do outro lado. Mas que maior, sem dvida, do que, por exemplo, do que quando eu estava em Recife, sem dvida. A poesia popular, os cantadores, h uma resistncia muito forte ainda, quer dizer, ns temos ainda grandes cantadores populares, uma poesia popular muito rica, muito forte, agora, no sei, no tenho condies de avaliar at que ponto essa cultura vai conseguir gerar, consolidar uma arte brasileira mesmo, nos moldes que eu acho que o Brasil necessita. Voc veja, por exemplo, no campo da dana. Eu falo muito para os danarino e, principalmente, para os coregrafos, que a gente tem que desocidentalizar um pouco a nossa dana. A nossa dana ainda muito angulosa, para usar um conceito tirado da filosofia, muito cartesiana. Eu acho que a gente tem que ondulear - ser que existe essa palavra? [risos] - frasear mais essa dana. E eu acho que a gente tem um bolso to maravilhoso, de movimento, de passos. O frevo, por exemplo, um armazm de passos. A histria do frevo, a histria do nascimento do frevo uma coisa maravilhosa, um milagre musical e da dana, que eu no sei se eu vou poder contar aqui, que os coregrafos e danarinos brasileiros deviam procurar compreender, para compreender amar e ver o quanto isto poderia ser importante para a msica brasileira. Marta Ges: Mas o que nos impede de saber a histria do frevo? Antonio Nbrega: Eu vou contar. A histria do frevo foi assim. O capoeira era uma figura que, no incio do sculo, as bandas militares do Recife, as maiores corporaes militares, eram rivais. Ento, os mestres o que faziam, chamavam os lees de chcara, ficavam protegendo para eventuais refregas com outras bandas [risos]. Ento, o que tinha o capoeirista? Alm de ter a eficincia da luta, ele tinha o corpo impregnado de uma gestualidade. Pois bem, e a banda tocava o qu? Dobrados, maxixes, polcas, valsas. Na poca, no existia o frevo. Com o tempo, isso gastou, pelo menos, uns 50 anos, comeou o maestro da banda a acelerar aquela msica em funo da figura do capoeirista que iria ali na frente. Comeou a haver um dilogo mudo, um dilogo sem palavras, inconsciente, que no final de mais de 50 anos gerou uma msica que no era mais o dobrado, o maxixe ou a polca, mas sim uma msica quente, mais acelerada e da o nome de frevo. O povo, na sua ignorncia,

quer dizer, na sua falta de conhecimento da msica, a gua ta frevendo, em vez de a gua est fervendo. Frever e da Frevo. Frevo frevioca, frevidouro, pois bem, com o tempo essa msica, gerou, o passista era o qu? Era oriundo da capoeira e dos prprios movimentos do maxixe, da polca e do dobrado comeou a nascer um vocabulrio que maravilhoso. O armazm de passos que o frevo tem, a meu ver, ele capaz de criar uma dana clssica brasileira. Agora, quer dizer, criar essa dana clssica brasileira sem o que no s a dana clssica pode oferecer, mas outras tantas. Por exemplo, a noo que ns temos do en dedans e en dehors. s vezes, as pessoas no sabem nem o que quer dizer en dedans e en dehor. Para dentro e para fora. No frevo, tem um passo chamado para fora e para dentro, ento, um movimento que exatamente aquele movimento do clssico... [mostra o passo sem sair da cadeira] Antonio Nobrega: Agora, o que ns precisamos sistematizar, codificar, ver onde, por exemplo, os princpios das danas... Matinas Suzuki: Ns estamos ouvindo um frevo seu. Antonio Nbrega: , eu no posso danar porque estou amarrado [Fala se segurando na cadeira... risos]. Ponta de p e calcanhar, pronto. O que en dedan e en dehors chama ponta de p e calcanhar. O que eu acho muito que a gente no Brasil ignora. Eu vejo boa vontade nos coregrafos e nos bailarinos, mas o meio que a gente vive, o cosmopolitismo, no permite que a gente enxergue. Matinas Suzuki: Agora, por falar nisso, eu no sou uma pessoa especializada na rea, mas eu li os jornais. Parece que a dana brasileira foi muito bem num festival que houve em Lyon, na Frana. Inclusive voc foi um dos destaques l. H um interesse internacional pela dana brasileira, voc detectou isso? Ana Francisca Ponzio: Eu perguntaria o seguinte: depois do teu sucesso na Bienal de Lyon [Festival Internacional de dana que ocorre em Lyon- interior da Frana. Antonio Nobrega abriu o festiva danando frevo], voc est convencido de que os regionalismos brasileiros tm sentido universal? Antonio Nbrega: Estou. Eu acho que a dana brasileira tem que se impor pela sua diferena, no pelo exotismo. Porque eu acho a gente tentar revelar o Brasil pelo exotismo eu acho um gosto falso, menor. Agora, claro que tem que mostrar a nossa diferena, a nossa maneira particular de ser. E eu acho que existe, quer dizer, provavelmente eu tenha sido bem recebido por esse contingente diferencial que existe no meu trabalho. Eu acho sim, eu acho que existem elementos regionais que se universalizam no meu trabalho. Helena Katz: Eu queria retomar uma coisa. Quanto voc estava falando sobre os coregrafos brasileiros e a necessidade de sistematizao, Antonio Nbrega no tem uma dor na conscincia pela responsabilidade de no estar fazendo isso? Antonio Nbrega: Olhe, tem, mas veja, eu pergunto muito, eu acho que eu estou me reserando, se Deus me der vida suficiente, para no futuro poder me dedicar mais dana. Pelo fato de eu ter abraado a msica, o teatro, a dana, eu no me sinto muito vontade, at por uma questo fsica de tempo. As pessoas me procuram bastante para que eu crie uma companhia. Eu estou pensando seriamente neste ano... Helena Katz: Eu at lembro que voc j foi para uma universidade, faz uns 10 anos, para tentar fazer alguma coisa. Antonio Nbrega: Exatamente. Na Universidade de Campinas [Unicamp], ns estivemos juntos l. E eu tenho muito interesse, porque, curiosamente, apesar de eu ser da msica mesmo, a minha essncia musical, onde eu me sinto mais competente para trabalhar com pessoas, se eu for dar aula de violino, eu sou um desastre [risos]. Mas eu no sinto que sou um desastre ao trabalhar com pessoas com a dana. Eu no

sei porque. Talvez por ter ficado muito atento a ela, talvez pelo fato de no Brasil ainda ser difcil encontrar pessoas que tenham se debruado sobre a vertente popular mesmo, ento isso me obrigou a ter uma acuidade maior, a observar melhor. Ana Francisca Ponzio: Voc acha que existe um certo preconceito por parte de criadores e at da mdia com relao a essa dificuldade de usar mais intensamente os elementos da cultura brasileira, com o receio de que isso possa ser interpretado como folclrico, no sentido reducionista, pejorativo, enfim? Paulo Autran: Por outro lado tambm, tudo o que a gente l a seu respeito, diz que voc conseguiu universalizar uma inspirao regional e eu acho que voc conseguiu isso plenamente. Vocs no esto de acordo comigo no? Realmente, o espetculo que voc faz um espetculo para qualquer lugar do mundo. Da o sucesso que voc fez em Lyon, na Frana. No s pelo extico, pelo bonito, pelo elevado, pela alegria que voc transmite, pela beleza do que voc faz. absolutamente universal. Antonio Nbrega: , realmente eu no posso reclamar da acolhida que eu tenho tido do pblico em geral, dos crticos em particular... Paulo Autran: E tem outra coisa, os brasileiros em geral, os que moram nas grandes cidades, pensam que s existem as grandes cidades no Brasil. Eles se esquecem que o Brasil um pas enorme, colossal. A variedade de coisas que existe, eu viajo muito, adoro viajar com a minha companhia de teatro, ento eu tenho conhecido brasis que o paulista, que o carioca no tem noo de que existe. E voc pegou toda, principalmente no Nordeste, toda a sua inspirao nordestina e transformou isso numa coisa absolutamente universal. Antonio Nbrega: Obrigado. Matinas Suzuki: Toninho, ns estamos chegando no finalzinho do primeiro bloco. Vamos encerrar o primeiro bloco com voc cantando ou tocando alguma coisa e da a gente volta daqui a pouquinho com a segunda parte da entrevista com o Antonio Nbrega. Antonio Nbrega: Vamos fazer o seguinte, eu deixo para cantar no final. Matinas Suzuki: Ento est bom. Ns voltamos daqui a pouco. [intervalo] Matinas Suzuki: Ns voltamos com o ltimo Roda Viva de 1996 que essa noite entrevista o msico bailarino ator. Helena Katz: Eu queria continuar e queria que voltasse a falar sobre a questo da mdia e dos preconceitos, talvez, e que voc pegasse isso e levasse adiante. Por que, ento, com tanta riqueza, l de onde voc vem, do nordeste, porque a cada vero a gente precisa deglutir s a dana do "tchan", a dana "da garrafa", por que isso, s? Antonio Nbrega: Eu, antes de chegar aqui, eu vou retomando aquela pergunta do preconceito. Eu acho que, s vezes, at numa cidade como So Paulo, que, s vezes, as pessoas me perguntam, voc vem l de Recife, l do nordeste, l a cultura popular to rica. Est certo, uma regio bem presenteada em relao cultura popular. Mas, em relao a So Paulo. A capoeira? A capoeira uma coisa muito importante e a gente enfrenta at um problema curiosa com a capoeira. Os grandes mestres da capoeira, por formao, eles acham que capoeira s luta. E, s vezes,

no tem a abertura de cabea de ver que a capoeira, alm da luta, muito mais. Vocs viram, eu desconheo se existe no mundo uma luta marcial que ao invs de brados, gritos de guerra [Faz gestos de lutas orientais enquanto faz "gritos" como os existentes no karat]. Antonio Nobrega: No, a capoeira se faz danando, cantando e tocando instrumento. Se luta dessa maneira. Veja que coisa maravilhosa. Isso uma coisa diferenciadora do que ns somos. Isso marca muito claramente o temperamento, o carter do povo que ns somos. Ento, voc veja, a capoeira, alm de servir naturalmente para a luta, ela serve para muito mais coisas, quer dizer, eu acho que um adestramento maravilhoso para o ator-bailarino brasileiro. A capoeira permite movimentos no cho, permite saltos, propicia saltos, tem movimentos acrobticos, ento, quer dizer, na medida que o bailarino se lana na capoeira, eu acho que ns temos um pouco de medo, s vezes, do esteritipo da capoeira. De se impregnar naquele movimento e depois no conseguir se libertar. Mas, na medida que a gente consiga penetrar no universo da capoeira, a gente consegue depois se libertar daquilo que somente utilizado para a luta. Ento, nesse sentido que eu acho que falta, s vezes, um pouco coragem mesmo. Vamos aprender aquilo mesmo. O medo de perder o cho, como se eu aprendesse a capoeira e vou deformar a minha formao com o clssico, com o moderno. No, eu acho que ns precisamos ter essa coragem de deformar. Eu acho que precisa ser deformado. O clssico, para sobreviver, precisa ser deformado. E onde ele tem sobrevivido onde ele foi deformado. Porque seno ele vira catacumba. Eu reconheo que sou bastante conhecido entre os crticos, entre os chamados formadores de opinio, mas eu no sou um artista, absolutamente, popular no Brasil. Eu no tenho popularidade. Popularidade quem que d? So programas de audincia como o Fausto, como Silvio Santos, por a. Eu no estive. No que eu no queira, porque eu acho que se em algum momento eu participar de algum desses programas irei, naturalmente, fazer aquilo que eu fao, em qualquer um deles. Agora, eu acho que a mdia, s vezes, tem um papel, ... eu acho que no existe outra razo para explicar uma msica como o "Tchan", por exemplo, ter um sucesso to grande neste pas, em detrimento de obras de compositores to maravilhosos como Lamartine [Lamartine de Azeredo Babo (1904-1963) cantor, compositor, revistgrafo, humorista e produtor], como Noel Rosa [Noel de Medeiros Rosa (1910-1937) sambista], como Capiba [Loureno de Fonseca Barbosa (1904-) compositor de frevo]. Pronto, eu vou tocar. V que marchinha bonita de Capiba [toma o violo e canta]. Ento veja, a delicadeza dessa marchinha. Paulo Autran: "A mesma rosa amarela" tambm dele. Linda. Antonio Nbrega: Tambm dele. Capiba um compositor, o que ele escreveu, tudo maravilhoso. E, no entanto, ficou restrito ao carnaval, praticamente, de Recife. Agora, dizer que o povo no gosta, dizer que o povo s gosta do "Tchan", mentira, porque tem que mostrar isso aqui, como outras coisas que eu tenho mostrado dentro deste esprito, principalmente no pancada do Algazarras. O povo gosta, o povo vibra. A que eu acho. A mdia tem um papel muito grande. uma deformao da mdia. Eu s acredito que seja isso. No tem outra razo. Ana Francisca Ponzio: Costuma se dizer que a dana uma manifestao espontnea no Brasil, presente em todas as circunstncias. No entanto, ao contrrio da msica popular, a dana como linguagem esttica mais elaborada, ela no tem tanta repercusso e at um pouco frgil, digamos. Voc acha que isso ocorre por situao que voc est explicando, de negar um pouco as suas razes? Antonio Nbrega: Em Recife, por exemplo, a gente, mesmo no sendo carnaval, a gente comemora certos eventos com a orquestra de frevo e danando frevo. Eu j presenciei essas cenas. A mesma banda que toca o frevo a mesma que acompanha a procisso, no dia, por exemplo, de Nossa Senhora da Conceio, oito de dezembro. Ento, h essa ligao. Na frica, nos pases africanos eu j vi isso muito

tambm. Na prpria frica do Sul, eles comemoram muitos eventos cantando e danando, sai todo mundo cantando e danando no meio da rua. Isso, em Pernambuco particularmente, em Recife, existe. Numa cidade como So Paulo isso bastante diludo. Quisramos ns que a gente pudesse comemorar mais sempre cantando e danando as coisas. Mas, o que eu acho, no caso da dana, o que pior que, por exemplo, ns temos uma literatura brasileira, que se identifica com o carter do povo que ns somos. Desde os regionalistas at os no-regionalistas. Temos uma artes plsticas com a mesma caracterstica; temos uma msica, no campo da msica erudita Villa-Lobos [Heitor Villa Lobos (1887-1959) compositor de msicas erudita], Marlos Nobre [(1939-)ompositor de msica erudita], por a vai. Uma msica erudita, mas cuja referncia o popular. No caso da dana, a nossa dana artstica ainda no tem a mesma ligao. A dana artstica que ns vamos ver no teatro, ela a mais distante da nossa dana, da nossa cultura popular, diferentemente de todas as outras manifestaes artsticas. Por isso que eu acho que a dana do Brasil est em atraso em relao s outras, no sei se vocs concordam com isso. claro, h grupos de interesse, eu vi o trabalho do Grupo Corpo e acho que esto buscando, no estou deselogiando no [risos], muito pelo contrrio, mas eu acho que a gente no chegou ainda aonde podemos chegar. Marta Ges: Mas, Antonio, em relao maneira como ns nos movemos, no s como ns danamos, voc vendo a movimentao do brasileiro, o que voc pode dizer a respeito do nosso carter, a partir da nossa movimentao? Antonio Nbrega: Olhe, eu acho que em termos de carter no muito... rapaz, no gosto dessa palavra, mas sempre caio nela, cartesiano [risos]. Eu acho que a nossa composio de humor e cordialidade, eu acho que ns somos sim um pouco cordial, apesar de toda a discusso que ns no somos, se somos mais ou se nunca fomos, eu acho que no, que ns somos um povo em que muitas de nossas atitudes so geradas pelo corao. Est a a nossa cordialidade. Ento, acho que isso se reflete na nossa, at mesmo ns l nordestinos, temos uma gestualidade um pouco mais intensa que os paulistanos e as pessoas do sul. E eu acho que essa composio de nossa generosidade, de nossa maneira de ser, se traduz tambm na nossa maneira de andar, na nossa maneira de falar, em tudo isso. Agora, eu no conseguiria traduzir uma dana somente a partir do nosso cdigo gestual do dia a dia. Eu preciso ter um repertrio muito maior ao meu alcance. Alm da capoeira, que eu j falei, as danas, por exemplo, Moambique, as festas, ns temos em todo o Brasil. O bumbameu-boi, por exemplo. Ah, o bumba-meu-boi do nordeste. no. O bumba-meu-boi existe praticamente, praticamente no, em todos os estados brasileiros. Paulo Autran: Em Santa Catarina, Rio de Janeiro... Antonio Nbrega: Em Santa Catarina, chamado boi-de-mamo. Por que? Porque a cabea do boi esculpida no mamo, no fruto. Em todos os lugares tem. Num lugar se chama cavalo-marinho, outro boi-de-mamo, no outro boi bumb. Com diferenas regionais, mas com uma cepa nica. O frevo, por exemplo, outra coisa muito bonita. O frevo, s vezes, a gente pensa que uma dana de um passo s. A gente est longe l, da vem aquela multido, subindo e descendo. a onda do frevo. Da a gente se aproxima mais, a j v que j existem movimentos, j comea a haver uma individualizao. Quando chega mais perto, v que cada um est fazendo um movimento, mas como se fosse um movimento dentro do todo. Isso que eu acho bonito. O cho coletivo de todo mundo, mas dentro desse cho coletivo, cada um personalizado. Eu acho que isso pode ser feito em toda dana brasileira. Matinas Suzuki: Uma curiosidade que eu tenho. So Paulo, na verdade, uma grande cidade nordestina. Voc encontrou aqui no contato com essas pessoas que vieram do nordeste trabalhar em So Paulo em busca de um sonho, de uma vida, uma coisa desse tipo, voc encontrou alguma manifestao que ao chegar em So Paulo tenha mudado as suas caractersticas e que seja uma coisa do Nordeste, mas j com um sotaque de So Paulo, alguma coisa que seja interessante por esse lado? Voc conseguiu

detectar alguma coisa desse tipo? Antonio Nbrega: No, Matinas, no consegui. Eu, aqui em So Paulo, talvez eu esteja mentindo. Eu encontrei sim no Embu [municpio brasileiro pertencente regio metropolitana de So Paulo], uma grande figura, que Raquel Trindade [(1941-) artista plstica]. E foi com ela, inclusive, que eu aprendi as danas dos orixs, que ns chamamos l de xang, na Bahia chamado de Candombl. Que a meu ver, por exemplo, para o ator especialmente, eu acho que uma grande codificao gestual de personagens e figuras. Em algumas daquelas figuras do meu espetculo, na figura da Velha, na figura, por exemplo, do guerreiro, eu parti do arqutipo vamos dizer assim, do esteritipo, dos orixs que fazem parte da dana dos orixs. Parti de Oxossi [orix da caa e da fartura], para a criao do guerreiro e parti de Obaluay [ o mesmo que Omulu, um orix associado Terra] para a criao daquela velha. Ou seja, eu aprendi um cdigo, sistematizei um cdigo de cada uma dessas figuras e a partir daquilo eu comecei a improvisar. Comecei a colocar o meu universo popular a partir daquilo, como inclusive fazem os teatros codificados do Oriente, que so, evidentemente, codificaes mais refinadas,porque existe a cristalizao do tema. Mas, que cada ator, um Mei Lan Fang [(1894-1961) ator e dramaturgo], que foi um grande ator chins, ele fazia vrios papis femininos e papis femininos cujas diferenas entre si eram mnimas, eram muito pequenas. Eram coisas de um requinte absoluto. Mas partia de um grande quadro codificado. Alberto Guzik: A gente chegou num ponto que me parece muito importante. Eu queria que voc falasse um pouco como voc cria os seus espetculos, como que voc rene material e como que voc canaliza esse material para os seus espetculos. Voc j deu alguns exemplos, eu queria que voc desse mais alguns exemplos. E eu queria que voc falasse tambm como o seu processo de trabalho, porque voc canta, dana, toca, so todas atividades que exigem um treino constante. Voc tem horrio no dia para fazer tudo isso? Voc se prepara constantemente para tudo isso? Fala sobre isso. Antonio Nbrega: Eu tenho uma disciplina muito rigorosa. A sorte que eu nasci com essa propenso. Ento, para mim no difcil ser disciplinado. Seria difcil se eu no tivesse inclinao para isso. Alberto Guzik: Alm do mais, voc l muito e voc vai a teatro ver espetculos de outras pessoas, no daquele tipo de artista que s v o seu prprio espetculo. Antonio Nbrega: Naturalmente, com tudo isso eu tenho, eu gostaria de ler mais. Eu me ressinto muito, eu acho que a minha formao no slida no, eu gostaria de ter uma formao mais rica. Eu tenho, necessariamente, uma disciplina muito rigorosa. E no s isso, eu tenho um universo de vida j pautado por isso. Eu divido minha vida em duas contingncias. Quando eu vivo em poca de apresentao, eu procuro falar menos, dormir mais cedo, at mesmo no meu dia a dia, com a minha mulher e com meus filhos, eu tenho uma vida em que eu no me exponho muito. Quando eu no tenho, eu quase que viro outra pessoa. Por exemplo, na semana retrasada eu fiz seis espetculos, um atrs do outro, o que exige muito da voz, ento no posso estar falando o tempo todo. Uma vez, eu pegando um txi, coisa mais incmoda do mundo, o motorista conversando comigo e eu j no podia falar mais [risos]. E o motorista querendo conversar comigo e eu doido para conversar com o homem. Uma atitude muito ingentil, muito descorts da minha parte. E aq