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1 Mercado Voluntário de Carbono: co-benefícios para o desenvolvimento sustentável dos projetos brasileiros de cerâmica Autoria: Danielle Soares Paiva, José Célio Silveira Andrade, Ana Cristina de Oliveira Telésforo, Thaís Fernandes Dias Cairo, Luiza Schultz Cortes Freire Ramos, Luiz Eduardo Marcelo de Assis Resumo Este estudo apresenta resultados parciais de uma pesquisa que tem por objetivo analisar os co- benefícios para o desenvolvimento sustentável do mercado voluntário de carbono no Brasil, a luz de matriz analítica construída a partir de estudos da UNFCCC (2011). O presente estudo visa compreender a contribuição dos projetos brasileiros de cerâmica negociados no mercado voluntário de carbono, com base na análise documental e num estudo de caso ilustrativo: a cerâmica Gomes de Matos. Os resultados alcançados apontam poucos co-benefícios em prol do desenvolvimento sustentável para os projetos de cerâmica desenvolvidos nesse mercado.

Mercado Voluntário de Carbono: co-benefícios para o ... · ... encontram-se maior risco de fome, inanição, ... como marco político mundial em questões relacionadas ao meio ambiente,

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Mercado Voluntário de Carbono: co-benefícios para o desenvolvimento sustentável dos projetos brasileiros de cerâmica

Autoria: Danielle Soares Paiva, José Célio Silveira Andrade, Ana Cristina de Oliveira Telésforo, Thaís Fernandes Dias Cairo, Luiza Schultz Cortes Freire Ramos, Luiz Eduardo Marcelo de Assis

Resumo Este estudo apresenta resultados parciais de uma pesquisa que tem por objetivo analisar os co-benefícios para o desenvolvimento sustentável do mercado voluntário de carbono no Brasil, a luz de matriz analítica construída a partir de estudos da UNFCCC (2011). O presente estudo visa compreender a contribuição dos projetos brasileiros de cerâmica negociados no mercado voluntário de carbono, com base na análise documental e num estudo de caso ilustrativo: a cerâmica Gomes de Matos. Os resultados alcançados apontam poucos co-benefícios em prol do desenvolvimento sustentável para os projetos de cerâmica desenvolvidos nesse mercado.

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1. Introdução

As mudanças climáticas representam uma ameaça crítica às condições humanas. Dentre suas implicações, encontram-se maior risco de fome, inanição, doenças, insegurança alimentar. A constatação inequívoca da gravidade dos efeitos das mudanças climáticas estabelece desafios inadiáveis para as ações e políticas de mitigação e ou adaptação, envolvendo, principalmente, ações que sejam capazes de reverter a atual situação de concentração na atmosfera de gases de efeito estufa (GEE), principais responsáveis pelo aquecimento global e mudanças climáticas.

Foi assim que, em 16 de fevereiro de 2005, após intenso debate político, efetivamente entra em vigor o Protocolo de Kyoto (PK), acordo multilateral internacional considerado como marco político mundial em questões relacionadas ao meio ambiente, que, através de três mecanismos de flexibilização de emissões de GEE, articulou 175 países (dos quais 36 com compromissos reais de redução de emissão) em torno do compromisso de combate às mudanças climáticas. Tais instrumentos de flexibilização englobam a “Implementação Conjunta” e o “Comércio de Emissões”, que têm sua atuação restrita aos países desenvolvidos ou industrializados (os chamados países do Anexo I). Já o terceiro, “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo” (MDL), permite a participação de países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) constitui-se em uma ferramenta de mercado (SIMONI, 2009) que visa equilibrar desenvolvimento econômico e meio ambiente, permitindo que as reduções de emissões decorrentes de sua implementação sejam comercializadas. Os MDL têm como objetivos a redução de emissão de GEE e a promoção do Desenvolvimento Sustentável (DS) em países em desenvolvimento, através de projetos financiados por países desenvolvidos.

Portanto, do Protocolo decorre a criação do mercado regulado de carbono (MR), um ambiente institucional no qual os participantes estão submetidos à legislação e normas nacionais ou globais, que estabelecem critérios e regras para concepção de projetos e comercialização das Reduções Certificadas de Emissões (RCE) oriundas dos projetos de MDL. Ademais, de acordo com Streck e Lin (2008), o MDL é o único instrumento de regulação de um mercado dominado por atores privados que dependem de um comitê das Nações Unidas, o Conselho Executivo do MDL, que aprova os métodos de cálculo e projetos de redução de emissão de GEEs.

Trata-se de um mercado com grande potencial de crescimento em um país em desenvolvimento, como o Brasil. Além de obter vantagens financeiras com a venda dos créditos – RCE –, as empresas brasileiras podem aliar à sua imagem a preocupação com o meio ambiente e com o futuro da humanidade e do planeta. Os projetos de MDL podem proporcionar a possibilidade de investimentos em tecnologias mais limpas pelas empresas das nações que os adotam, e ainda em co-benefícios que vão além da redução de emissão de GEEs, o que possibilitaria a promoção do DS.

Existe também outro mercado fora do arcabouço do PK, o então denominado mercado voluntário de carbono (MV). Inicialmente utilizado por empresas e indivíduos de países não signatários do PK – como os Estados Unidos –, com o passar do tempo o MV tornou-se também uma alternativa aos rigorosos critérios do MR. Movidos por objetivos diversos, os usuários deste sistema vêm movimentando um número significativo de ativos de carbono.

A existência de mercado alternativo ao MR pelo PK constitui-se em ambientes nos quais as negociações de créditos de carbono, intitulado Verified Emission Reduction (VER), se dão por meio de diversos agentes, como os governos, empresas, Organizações Não Governamentais (ONGs), indivíduos, etc. (SIMONI, 2009). O interesse nesse mercado está pautado no gerenciamento de seus impactos em relação às mudanças do clima, sua imagem,

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reputação, interesses em inovações tecnológicas para redução de GEE, legitimidade, necessidade de se prepararem para regulações futuras e/ou planos de revenda de créditos de carbono, lucrando com as comercializações.

Esses dois mercados vêm se expandindo no mundo com a crescente comercialização de créditos de carbono tendo como foco a redução das emissões globais, respaldado também, em virtude de que a concepção empresarial de crescimento do século XXI tem agregado aspectos socioambientais nas projeções dos projetos corporativos, visando resultados positivos para a sociedade, fundamentados em benefícios sociais, ambientais e econômicos (BAYON et al., 2009).

O Brasil é hoje o terceiro país em implementação de projetos de MDL, somente atrás da China e da Índia, enquanto no MV o país está na segunda região (América Latina) que abriga a maior parte dos projetos, ficando atrás dos EUA. Esse mercado, segundo dados da Ecosystem Marketplace (2011), embora represente 2% do volume transacionado de CO2 no Mercado de Carbono (MC) global (Tabela 01), vem crescendo constantemente em participação e tornando-se uma alternativa aos critérios rigorosos e burocráticos do MR. Ademais, dadas as incertezas das negociações climáticas pós-2012, quando se encerra o período de vigência do PK, o MV tem contribuído para a reforma dos mecanismos de flexibilização do MC, uma vez que tem se posicionado como uma alternativa ao MR.

Mercado Volume (MtCO2e) Valor (em U$ milhões)

2009 2010 2009 2010 Regulado 7.437 6.692 127.642 123.954 Voluntário 98 131 415 424 Total 7.535 6.823 128.057 124.378 Tabela 01 – Tabela comparativa volume e valor transacionado nos mercados de carbono regulado e voluntário Fonte: Adaptado Ecosystem Marketplace (2011)

O Brasil, tanto nas esferas federal, estadual quanto na municipal vem criando nos

últimos anos políticas públicas voltadas para combater as mudanças climáticas. Por meio da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), o governo brasileiro pretende reduzir, voluntariamente, entre 36,1% a 38,9% de GEE em relação a projeções futuras até 2020, fomentando, portanto, o desenvolvimento de projetos de MDL (mercado regulado) e projetos de redução e/ou mitigação de GEE (mercado voluntário) no país (BRASIL, 2009). Diante da exposição apresentada anteriormente, o PK trouxe em um dos seus princípios a proteção do clima por meio do DS, por meio do mecanismo de flexibilização denominado MDL. O MDL trouxe a possibilidade de participação de países em desenvolvimento, não obrigados pelo acordo ao cumprimento das metas fixadas, a exemplo do Brasil, China, Índia, países emergentes que integram o grupo dos BRICs ao qual pertencem também a Rússia e a África do Sul. Assim como os projetos de MDL, os projetos desenvolvidos no MV são implementados em nações em desenvolvimento ou desenvolvidas e seus créditos são comercializados para as nações desenvolvidas ou entre países em desenvolvimento. Tais projetos despertam interesses tanto de agentes que atuam no mercado de varejo quanto de fundos de investimentos ligados aos bancos e os próprios atacadistas. De acordo com Bayon, Hawn e Hamilton (2009), diversas organizações buscam, nesse mercado, as compensações das emissões de GEE, decorrentes de suas atividades, a exemplo do HSBC, Whole Foods e Nike que compram créditos de carbono na busca de cumprir sua responsabilidade social corporativa, de caráter voluntário. Segundo Souza (2012), no MV os agentes participantes buscam desenvolver projetos que contribuam para a redução das emissões globais de GEE, assim como atividades que estimulam a promoção do DS com foco na transição para uma economia de baixo carbono.

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Desta forma, de acordo com Boyd et al. (2009), o MDL permitiu que os países em desenvolvimento participassem desse mecanismo vendendo créditos de carbono e com isso apoiando atingir seu duplo objetivo que é reduzir a emissão de GEEs e gerar co-benefícios e com isso contribuir para o DS nesses países hospedeiros. Há, atualmente, inúmeras críticas aos resultados obtidos até aqui quanto à promoção do DS e às ações de mitigação das mudanças climáticas (SOUTHSOUTHNORTH, 2004). A insuficiência das contribuições é destacada, por exemplo, por Boyd et al. (2009) e por Bozmoski, Lemos e Boyd (2008), quando afirmam que estes projetos falharam na promoção de DS, especialmente, pela concentração geográfica e setorial privilegiando regiões mais ricas e tecnologias de caráter mais corretivo e de baixo conteúdo de inovação tecnológica. Ademais, informações sobre o MV têm sido tradicionalmente inexpressivas, principalmente no que tange quanto a sua contribuição para o DS. Isto posto, o presente artigo tem como objetivo analisar os co-beneficios para além da redução de GEE dos projetos brasileiros de cerâmica do MV de créditos de carbono para o DS. A escolha da atividade de cerâmica de justifica diante do fato dela atualmente ser a segunda em volume de projetos no MV brasileiro. A estratégia metodológica adotada foi a análise documental por meio dos Documentos de Concepção de Projetos (DCP) e a realização de estudo de caso ilustrativo de um projeto brasileiro de cerâmica típico desenvolvido neste mercado. 2. O Mercado Voluntário de Carbono e a abordagem de co-benefícios para o desenvolvimento sustentável

O MC pode ser definido como a “compra e venda de licenças para emissões (direito de

poluir) ou reduções de emissões (offsets) que foram respectivamente ou distribuídos por um órgão regulatório ou gerados por projetos de redução de emissões de GEE” (ECOSYSTEM MARKETPLACE, 2011, p. 05). Este mercado está dividido em duas vertentes: mercado regulado e mercado voluntário. O MR, que tem como marco legal o PK, constitui-se em um ambiente institucional no qual os participantes estão submetidos à legislação e normas nacionais ou globais, que estabelecem critérios e regras para concepção de projetos e comercialização das RCE oriundas dos projetos de MDL. Já o mercado de carbono voluntário (MV) pode ser entendido por um ambiente no qual as regras e normas emergem das relações entre os agentes participantes desse mercado, cujos projetos de mitigação e/ou redução de GEE estão submetidos a Padrões Internacionais (PIs), que fixam regras próprias para sua concepção (SOUZA, PAIVA, ANDRADE, 2011).

Empresas buscam um bom posicionamento nos mercados em que atuam, a partir de ações de responsabilidade socioambiental e aumento da vantagem competitiva frente aos seus concorrentes. A participação e/ou migração de novas empresas para esse mercado se dá também em função de que apresentam maior celeridade nos procedimentos de validação de projetos em comparação ao regulado, o que maximiza o retorno do investimento (SIMONI, 2009). Assim, dentre os projetos desenvolvidos no MV de carbono, estão: a) projetos com metodologias de pequena escala, não viáveis, do ponto de vista econômico, no MR; b) projetos que não atendem a critérios estabelecidos pelo MDL e; c) projetos que já computaram créditos retroativos, ou seja, créditos computados antes mesmo do registro do projeto (SIMONI, 2009).

Considerando-se a existência de falhas no setor (características de mensuração, fiscalização, contabilização das reduções de emissões, dentre outras, essenciais ao mercado de offset) que impactam na credibilidade das VERs negociadas, foram estabelecidos Padrões Internacionais (PIs), a partir da mobilização dos agentes participantes desse mercado (SIMONI, 2009). Com isso, regras foram instituídas de forma a tentar dar ao mercado a credibilidade necessária para seu efetivo funcionamento.

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Embora a razão da existência dos PIs esteja na concessão de credibilidade e transparência ao MV, alguns deles têm solicitado que os projetos gerem co-benefícios ambientais e para sociedade (sociais), ultrapassando a exigência mínima de mitigação/ eliminação da geração de GEE para os créditos de carbono, como o Brasil Mata Viva Standard; CarbonFix Standard; Climate, Community & Biodiversity Standard (CCB); Gold Standard (GS); Panda Standard; Plan Vivo Standards e Social Carbon (SC) (ECOSYSTEM MARKETPLACE, 2011). Exigem-se dos proponentes algumas regras no desenvolvimento do projeto de forma que eles possam assumir uma postura proativa no que diz respeito aos aspectos ambientais e sociais. Em alguns casos, como SC e Gold Standard, são elencados alguns indicadores específicos para mensuração desses benefícios. Para Ecosystem Marketplace (2011), há evidencias de que projetos com essa natureza tendem a serem mais valorizados no mercado e seus preços mais elevados.

Até o momento, esta pesquisa mapeou 153 projetos brasileiros registrados no MV. De acordo com Simoni (2009), todos os projetos brasileiros desenvolvidos no MV são de pequena escala, já que constituem atividades de projeto de energia renovável (capacidade de até 15 megawatts) ou são atividades que resultam em reduções de emissões menores ou iguais a 60 quilos tCO2e por ano (MCT, 2011).

Os projetos podem ser divididos em 8 (oito) escopos setoriais, a saber: eficiência energética, energia renovável, reciclagem, reflorestamento, resíduos, suinocultura, troca de combustíveis fósseis e troca de combustível proveniente de mata nativa. Cabe observar que os escopos resíduos e troca de combustível proveniente de mata nativa são específicos do MV, não havendo qualquer registro no MR. A Figura 01, a seguir, demonstra a divisão dos projetos registrados (total 153) por escopo setorial no Brasil, apontando para os escopos setoriais mais representativos (troca de combustível proveniente de mata nativa, suinocultura e troca de combustível fóssil) e para os menos (reflorestamento, energia renovável, eficiência energética e resíduos).

Figura 01 – Percentual de Projetos por Escopo Setorial Fonte: Elaborado pelos autores (2012) No que se refere à distribuição dos projetos por atividade empresarial, que 47% dos

projetos pertencem à atividade de criação intensiva de animais, envolvendo o manejo e disposição de resíduos de suinocultura e pecuária, seguido da atividade de cerâmica que envolve o escopo de troca de combustível fóssil com 33%, e pela indústria de energia com 9%, conforme a Figura 02:

3%

7%1%

7% 1%

46%

13%

22%

Projetos MV por Escopo Setorial

Eficiência Energética

Energia Renovável

Reciclagem

Reflorestamento

Resíduos

Suinocultura

Troca de Combustível Fossil

Troca de Combustível proveniente de mata nativa

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Figura 02 – Percentual de Projetos por Atividade Fonte: Elaborado pelos autores (2012)

2.1 Co-benefícios dos projetos do mercado regulado de carbono Um dos princípios do PK é que os projetos de MDL, presentes no MR, deveriam

atender a dois objetivos: reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos países em desenvolvimento e contribuir para o DS. Desta forma, os países em desenvolvimento não só recebem investimentos com a sua implantação, como também passam a estar em consonância com os princípios do DS (SEIFFERT, 2009).

Particularmente para o MR, esses co-benefícios seriam aqueles não associados diretamente à redução das emissões de carbono derivados de projetos potenciais de MDL. De modo geral, esses benefícios incluem melhora na qualidade do ar e da água, intensificação na preservação do solo, proteção contra enchentes, energia elétrica para áreas rurais ou remotas, e aumento nas oportunidades de emprego.

O MDL tem sido um mecanismo bem sucedido no que tange à transferência de recursos para pagamento por reduções de emissões de GEEs, no entanto há muitas críticas no que se refere à promoção do DS (BUMPUS e COLE, 2010). Para os autores, o MDL pode ser visto sob dois polos: por um lado compreendido como um instrumento de movimentação do capital do Norte para o Sul, resultando, portanto, numa distribuição desigual dos benefícios do desenvolvimento, já que os co-beneficios que por ventura possam ser gerados ‘seguem’ as emissões de GEEs; por outro, o MR seria um grande promotor de DS através da implementação dos seus projetos de MDL.

Entretanto, o DS tem sido difícil de perceber por causa de problemas de negociação, a exemplo da soberania nacional, e pelo fato de não haver um consenso sobre os critérios e indicadores para determinação e avaliação dos co-benefícios. Para Bumpus e Cole (2010), a maior dificuldade reside na sua operacionalização de forma realista. Os co-beneficios dependem na sua maioria onde o projeto está sendo implantado, já que cabe a Autoridade Nacional Designada (AND) determinar os critérios que devem ser atendidos para sua contribuição quanto ao DS. Em geral, as decisões tomadas pelas autoridades atendem a um contexto específico, baseado em prioridades nacionais e institucionais, as demandas do mercado e da participação (ou não) dos interessados em vários níveis.

Para Bumpus e Cole (2010) entender a contribuição do MDL para o DS requer compreender o papel das ANDs e os critérios adotados para determinar a contribuição para o país hospedeiro. Entretanto, é importante ressaltar que a responsabilidade por determinar as

1%

1%

32%

7%

9%

1%

47%

1%

1%

Projetos MV por Atividade

Alimentos

Celulose

Cerâmica

Conservação e Restauração de Florestas

Indústria de Energia

Indústria de Comércio e Madeira

Criação intensiva de animais

Reciclagem

Textil

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contribuições desses projetos para o DS pode ser compartilhada com outras partes interessadas que atuam de forma ativa no MC, a exemplo dos fundos de investimento, as ONGs e comunidades locais envolvidas. Cabem a esses atores examinar e fazer cumprir por meio de relatórios, medição e verificação em múltiplas escalas os co-benefícios gerados e as emissões reduzidas de GEEs. Ademais, para os autores, o mercado também pode auxiliar no cumprimento do propósito de promoção do DS ao privilegiarem a compra ou a precificação de projetos de “boa qualidade”.

Desta forma, a UNFCCC (2011) realizou estudo para avaliar o quanto um projeto de MDL contribui para o DS. Para tanto, foi elencada uma lista de indicadores de DS com a qual um projeto é avaliado e deve demonstrar a natureza de sua contribuição. Cabe ressaltar que se trata de uma proposta inovadora, pois, para Bumpus e Cole (2010), cabem às ANDs de cada país determinar os critérios para que os projetos de MDL contribuam para o DS, não havendo, portanto, critérios e indicadores de uma forma unificada e consensual para avaliação de todos os países hospedeiros.

O estudo da UNFCCC (2011) dispôs uma lista de 15 indicadores que cobrem três dimensões do DS: desenvolvimento econômico, proteção ambiental e desenvolvimento social (ver Figura 03). Eles abrangem a maioria dos critérios usados por outros estudos (OLSEN, FENHANN, 2008; ALEXEEW et al., 2010; BOYD et. al., 2009; OLSEN, 2007).

Referido estudo demonstrou que os co-benefícios mais frequentes são a criação de emprego - 516 ocorrências - e redução do ruído, odores, poeira ou poluição - 374 ocorrências), de um total de 2.250 projetos/ empresas pesquisadas (UNFCCC, 2011). Tal resultado corrobora com os argumentos de Olsen e Fenhann (2008) que constaram padrão similar na análise de projetos de MDL demonstrando que a geração de emprego foi o impacto mais provável, seguido da contribuição para o crescimento econômico e melhor qualidade do ar (Figura 03):

Figura 03 – Número de projetos de MDL por co-benefícios avaliados Fonte: UNFCCC (2011) Ademais, a UNFCCC (2011) demonstra que a maioria dos projetos de MDL analisados

declara mais de um co-benefício, todavia nenhum deles é citado em mais de 25% dos projetos. O co-benefício mais citado dentre os projetos analisados foi o melhoria e/ou proteção dos recursos naturais, o qual constitui uma exceção, revelando o percentual de 36% presentes principalmente nos projetos de florestamento e reflorestamento. As maiores contribuições sociais são reivindicadas por projetos de gás industrial, principalmente através do envolvimento da população local e promoção da educação.

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De forma geral, o estudo da UNFCCC (2011) aponta para uma tendência de aumento no percentual de projetos que reivindicam o co-benefício de redução do ruído, odores, poeira ou poluentes, já que o percentual aumentou de 12% em 2005 para 21% em 2011, assim como para uma redução de utilização eficiente dos recursos naturais, com resultados de 7% (2007) para 1% (2011).

Nesta abordagem, os projetos de MDL reivindicam diversos co-benefícios de DS, sendo a criação de emprego mais proeminente. O país anfitrião pode ter um efeito sobre o mix de co-benefícios, já que cabe à AND determinar os critérios que devem ser atendidos para promoção do DS. O estudo da UNFCCC (2011) demonstrou que os co-beneficios declarados não mudaram em muito ao longo do tempo, sendo, no entanto, sempre diversificados. O estudo concluiu que diante das inúmeras reivindicações declaradas nos Documentos de Concepção dos Projetos (DCP) dos projetos de MDL há uma forte evidência de contribuição para o DS no país de acolhimento. Já para Boyd et al. (2009), anos após a implementação do MDL, é possível observar que o objetivo de promover o DS nem sempre é atendido. De acordo com os autores, isso se dá já que o critério a ser estabelecido está sob a responsabilidade dos governos dos países hospedeiros, os quais nem sempre os definem de forma clara e mensurável, se preocupando apenas em obter investimento através desse mecanismo que é o MC.

Sendo assim, há muito espaço para melhorias nas abordagens utilizadas para a declaração e avaliação do DS dos projetos de MDL. Bumpus e Cole (2010) corroboram para esse argumento, ressaltando que se deve exigir transparência e análises imparciais nos relatórios de acompanhamento, verificação e validação dos projetos, situação que se observa no governo do Peru e Honduras, em que as autoridades locais solicitam acompanhamento dos co-beneficios no relatório de monitoramento de forma específica e clara (no Peru, em especial, exigiu-se um projeto eletricidade para a comunidade local).

Já quanto ao MV, nao existem muitos estudos sobre co-beneficios dos projetos comercializados nesse tipo de mercado, estudos como Nussbaumer (2009), Drupp (2011) e Wood (2011) destacam a exigência de alguns PIs na comprovação de co-benefícios que vão além da redução de emissão de GEEs, o que se verifica no CCB, Gold Standard e SC, que solicitam o atendimento a indicadores ambientais e sociais, como o envolvimento da comunidade local, utilização eficiente dos recursos naturais, dentre outros. Portanto, entende-se que os projetos do MV registrados por esses PIs possuem um potencial maior de contribuição para o DS (KOLLMUSS et al., 2008), justificando-se a realização desta pesquisa nos projetos brasileiros de cerâmica negociados nesse mercado. 3. Procedimentos metodológicos

Para realizar a análise, foi criado em primeiro lugar um banco de dados dos projetos

brasileiros de cerâmica registrados no MV de carbono, abrangendo os detalhes dos projetos-chave extraídos dos respectivos documentos disponíveis ao público (DCPs).

Informações sobre o MV de carbono têm sido tradicionalmente inexpressivas. Ao longo dos últimos anos, estes mercados não só se tornaram uma oportunidade para a ação do consumidor cidadão, mas também uma fonte alternativa de financiamento de carbono e uma incubadora de inovação do MC. À medida que os MV tenham ganho rápida atratividade, alguns relatórios independentes têm procurado resposta a um "buraco negro" de informações. Para detectar os projetos voluntários de carbono no Brasil, os sites dos PIs definidos no relatório de Peters-Stanley et al. (2011) foram visitados para pesquisar a localização e demais informações dos projetos registrados.

O corte temporal utilizado para o mapeamento dos projetos do MV foi de janeiro de 2011 até agosto de 2012. Todos os DCPs foram analisados e suas informações foram

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organizadas em planilha de excel, sendo destacados os 49 projetos de cerâmica e utilizada a matriz descrita na Tabela 02 para analise dos co-benefícios declarados. Essa matriz foi construida com base no estudo realizado pelo UNFCCC (2011) para o MR e discutido anteriormente. A análise do DCPs dos projetos brasileiros no MV, sendo marcado cada indicador como '+1' quando for observada uma contribuição positiva para o DS constante no documento, '0' se não for mencionada contribuição, e '-1 "quando uma contribuição negativa para o DS é afirmada.

Além dos DCPs foram buscados demais documentos que apoiaram na concepção do projeto. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental, de caráter exploratória, por meio de consulta a livros, relatórios corporativos, periódicos nacionais e internacionais, artigos científicos nacionais e internacionais, relatórios técnicos, bases de dados nacionais e internacionais, bem como sites institucionais. Foram buscadas informações sobre o MV de carbono como forma a apoiar na análise do estudo de caso.

Para alcance do objetivo deste artigo dentre esses 49 projetos, foi escolhido o projeto Cerâmica Gomes de Matos (CGM) como estudo de caso ilustrativo, dada a tipicidade do projeto frente aos demais projetos do setor de cerâmica.

Além da análise documental do projeto, o CGM foi visitado sendo entrevistados os desenvolvedores do projeto e as comunidades locais, a fim de verificar as informações de documentos. Os indicadores da Tabela 02 também foram usados para orientar a avaliação dos co-benefícios a partir do estudo de caso ilustrativo. Foi realizada pesquisa de campo no projeto CGM visando comparar e verificar os co-benefícios declarados no Documento de Concepção do Projeto (DCP) com os encontrados no campo. Tal procedimento já foi realizado em outros trabalhos de pesquisa (a exemplo de Subbarao e Lloyd (2011)).

CONCEITO DIMENSÃO COMPONENTE INDICADORES

Co-benefícios do Mercado de

Carbono Voluntário

Desenvolvimento Sustentável

Desenvolvimento Econômico

Benefício financeiro direto / indireto para a economia local e / ou regional Geração de empregos locais / regionais Desenvolvimento ou difusão local da tecnologia importada Investimento em infraestrutura local/ regional

Proteção Ambiental

Utilização eficiente dos recursos naturais Redução de ruído, odores, poeira ou poluentes Melhoria e / ou proteção dos recursos naturais Melhoria na utilização de energia Promoção de energias renováveis

Desenvolvimento Social

Melhoria das condições de trabalho e / ou direitos humanos

Promoção da educação Melhoria das condições de saúde e segurança Redução da pobreza Envolvimento da Comunidade Local

Empoderamento das mulheres, o cuidado das crianças e dos vulneráveis

Tabela 02 – Modelo de Análise da Pesquisa Fonte: Adaptado de UNFCCC (2011) 4. Caracterização dos projetos de cerâmica no Mercado Voluntário Brasileiro Dentre os projetos do MV, a segunda atividade mais representativa é a de cerâmica com 32% dos projetos comercializados nesse mercado. Os projetos de cerâmica contemplam atividades de troca de combustível proveniente de mata nativa, o que consiste na utilização da biomassa renovável disponíveis na região para a geração eficiente de energia térmica para consumo cativo. Cabe observar que em países em desenvolvimento como o Brasil, a taxa de desmatamento de florestas nativas é diretamente proporcional à concentração de gases de

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efeito estufa na atmosfera, o que intensifica o aquecimento global. Este tipo de madeira é considerada uma biomassa não-renovável, uma vez que não é originado em áreas com atividades de reflorestamento. Para Rezende (2009), devido ao alto grau de informalidade do setor de cerâmica e à urgência no retorno do investimento a ser realizado, o MV torna-se mais atrativo para essa atividade. O autor ressalta que em países em desenvolvimento, como o Brasil, tais mecanismos podem se tornar importantes fontes de capital, dada a vasta disponibilidade de recursos renováveis e o grande potencial de desenvolvimento de projetos voltados para a sustentabilidade ambiental.

No Brasil, foram desenvolvidos 49 projetos de cerâmica no MV. Rio de Janeiro é o Estado que mais hospeda projetos, com 25% projetos em atividade, seguido pelo Estado de São Paulo com 23%, demonstrando, portanto que a maioria dos projetos de cerâmica está concentrada na região Sudeste (Figura 04). Todos os projetos foram desenvolvidos com apoio da consultoria Sustainable Carbon e quase todos foram registrados pelo PI Verified Carbon Standard (VCS) em conjunto com o PI SC. Apenas um projeto - Ceará Renewable Energy Bundled Project - foi registrado pelo PI Gold Standard. Ademais, foram utilizadas apenas duas metodologia para desenvolvimento e apuração dos créditos de carbono: a metodologia AMS-I.C: Thermal energy for the user with or without electricity em menor escala e AMS-I.E: Switch from Non – Renewable Biomass for Thermal Applications by the User em sua maioria.

Figura 04 – Percentual de projetos de cerâmica por Estado Fonte: Elaborado pelos autores (2012) Em geral os projetos de cerâmica englobam ações que vão além das regras exigidas pelo PI VCS, focado na verificação da redução das emissões de GEEs, uma vez que o PI SC exige o atendimento a critérios próprios que valorizam benefícios para as comunidades com ações voltadas para o local e global; uma análise do potencial de biodiversidade e ecossistemas; que busque a solução de problemas e para sustentabilidade, bem como reconheça as relações de poder e o contexto político (GARCIA et al, 2009). A metodologia do PI SC possui uma abordagem sobre sustentabilidade mais abrangente, englobando os aspectos Humano, Social, Natural, Biodiversidade (ou Tecnológico), Financeiro e Carbono. Particularmente no que se refere aos critérios específicos para as indústrias ceramistas, foi realizada a substituição do aspecto biodiversidade para o tecnológico, dada dificuldade de mensuração dos impactos das indústrias cerâmicas sobre a biodiversidade, e entendendo a extrema importância da tecnologia para o DS nesse setor.

5. Análise dos co-benefícios dos projetos de cerâmica no Mercado Voluntário Brasileiro

4%6%

8%

12%

14%

25%

2%

23%

6%

Projetos de Cerâmica por Estado

AL

CE

MG

PA

PE

RJ

SE

SP

TO

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A partir da análise documental dos DCPs foi possível observar os seguintes co-benefícios declarados nos projetos de cerâmica, conforme pode ser observado na Figura 05:

Figura 05 – Co-benefícios dos projetos de cerâmica Fonte: Elaborado pelos autores (2012)

A dimensão que apresentou mais co-benefícios declarados foi ambiental, seguida da econômica e por último a social. Os co-benefícios mais preponderantes foram: desenvolvimento ou difusão local da tecnologia importada; utilização eficiente dos recursos naturais e promoção de energias renováveis. O desenvolvimento ou difusão local de tecnologia importada se deve à aquisição de máquinas e equipamentos, a exemplo de triturador de madeira e machado de circular, os quais permitem com que a madeira de reflorestamento seja cortada em pedaços menores facilitando sua entrada nos fornos. Tais resultados demonstram que o setor de cerâmica difere dos verificados no MR pelo estudo na UNFCCC (2011), já que a exemplo do indicador de redução de ruído, odores, poeira ou poluentes que foi apontado como extremamente positivo nesse estudo sendo que na pesquisa foi pontuado negativamente.

Ademais, como um resultado da mudança de combustível, são desenvolvidos cursos de formação extensiva para os empregados, a fim de clarificar novas medidas relacionadas com a nova tecnologia e assim manter a qualidade do produto final. Sendo assim tal co-benefício acarretou positivamente outros na medida em que os treinamentos oferecidos também versavam sobre manuseio e condições mais seguras de trabalho, impactando positivamente na melhoria das condições de trabalho e de saúde e segurança com a troca de combustível. Tal fato corrobora com o disposto por Paiva et al (2012) em que alguns co-benefícios estimulam outros, particularmente como ocorre com o “melhoria das condições de trabalho” e “melhoria nas condições de saúde e segurança”.

Interessante ressaltar que o fato dos projetos de cerâmica estar baseado na troca de combustível proveniente de mata nativa, acarreta positivamente em co-beneficios como utilização eficiente dos recursos naturais e promoção de energias renováveis, o que justifica sua preponderância sobre os demais. Além disso, a troca de combustível favorece com que sejam preservados os recursos naturais como a própria mata nativa, resultando na melhoria e / ou proteção desses recursos.

Diferentemente, os projetos de cerâmica não visam gerar maiores sinergias no âmbito local resultando em poucos co-benefícios relacionados à economia e comunidade local, a exemplo de investimento em infraestrutura local; redução da pobreza; empoderamento das mulheres, o cuidado das crianças e dos frágeis; promoção da educação e benefício financeiro direto / indireto para a economia local.

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Benefício financeiro direto / indireto para a economia local e / ou regional Geração de empregos locais / regionais

Desenvolvimento ou difusão local da tecnologia importadaInvestimento em infraestrutura local/ regional

Utilização eficiente dos recursos naturaisRedução de ruído, odores, poeira ou poluentesMelhoria e / ou proteção dos recursos naturais

Melhoria na utilização de energiaPromoção de energias renováveis

Melhoria das condições de trabalho e / ou direitos humanosPromoção da educação

Melhoria das condições de saúde e segurançaRedução da pobreza

Envolvimento da Comunidade LocalEmpoderamento das mulheres, o cuidado das crianças e dos frágeis

Co-benefícios Projetos Cerâmica MV Brasileiro

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Alguns projetos identificaram negativamente o co-benefício de redução de ruído, odores, poeira ou poluentes, uma vez que são geradas cinzas com a queima da biomassa. Entretanto, os projetos afirmam que esse impacto será mitigado com a incorporação das cinzas na argila utilizada como isolante térmico na entrada fornos.

5.1 O estudo de caso ilustrativo: Cerâmica Gomes de Matos

A Cerâmica Gomes de Matos (CGM) é uma empresa de médio porte, que possui em

torno de 160 funcionários, está no mercado há cerca de 20 anos e tem como principal atividade a produção de cerâmica vermelha. Têm em torno de vinte produtos diferenciados entre tijolos, blocos e telhas. Está situada na região semiárida nordestina, região conhecida como Vale do Cariri, na cidade de Crato, Ceará, e faz parte do mercado voluntário de carbono desde 2006 (CGM-DC, 2011).

Esse projeto utilizou como padrão internacional para medição dos créditos de carbono o VCS e foi elaborado pela consultoria Sustainable Carbon. Teve início em 2006, sendo suas emissões contabilizadas nesse mesmo ano. O referido projeto consiste em utilizar madeira de florestamento e resíduos lenhosos (como aparas de madeira), que são biomassas renováveis, além de materiais que eram considerados resíduos (como podas de cajueiro e pó de serraria), para alimentar os fornos em vez de utilizar a madeira proveniente de desmatamento da caatinga.

O projeto tem duração estimada de 10 anos, prevê uma redução anual média de 28 toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2eq), ou seja, 280 mil toneladas de CO2eq até o término do prazo estipulado, o que configura um projeto de pequena escala. Tem como principal atividade a substituição do uso de lenha, proveniente de desmatamento, por biomassa, derivadas de restos de podas árvores urbanas, podas de cajueiro e pó de serraria na alimentação dos fornos da cerâmica. Como o projeto gera anualmente menos de 45 MWthermal, este projeto é classificado como de pequena escala. A aplicação do quadro teórico-metodológico anteriormente apresentado, tendo como base os DCPs analisados, as observações em campo e as entrevistas semi-estruturadas (ao projeto e a consultores especializados neste tipo de projeto), originou as seguintes constatações, com relação aos co-benefícios deste projeto (Tabela 03):

Dimensão Co-benefício CGM Econômica Benefício financeiro direto / indireto para a economia local e / ou regional X

Geração de empregos locais / regionais Desenvolvimento ou difusão local da tecnologia importada X Investimento em infraestrutura local/ regional

Ambiental Utilização eficiente dos recursos naturais Redução de ruído, odores, poeira ou poluentes X Melhoria e / ou proteção dos recursos naturais X Melhoria na utilização de energia X Promoção de energias renováveis

Social Melhoria das condições de trabalho e / ou direitos humanos X Promoção da educação Melhoria das condições de saúde e segurança X Redução da pobreza Envolvimento da Comunidade Local Empoderamento das mulheres, o cuidado das crianças e dos vulneráveis

Tabela 03 – Co-beneficios identificados no projeto CGM Fonte: Elaborado pelos autores (2012)

O projeto da Cerâmica Gomes de Matos (CGM) apresentou pouca contribuição para o DS, já que contribui com 7 (sete) dos 15 indicadores elencados. Assim como na análise documental de todos os projetos, a dimensão ambiental foi preponderante em co-benefícios

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apresentados no projeto CGM enquanto que a econômica foi a que obteve menor contribuição.

No aspecto econômico, à medida que se encontra novas formas de matérias-primas para alimentação dos fornos, como os restos de colheita e pó de serraria, é possível observar benefício financeiro direto à população local, já que os agricultores e donos de serrarias vendem esses produtos para a indústria, gerando assim um novo segmento de mercado.

No que se referem aos co-benefícios ambientais, um deles é a redução de poeiras (fuligem) na fábrica. Com o projeto, foram instalados filtros ou ampliada altura das chaminés, o que gera menos poeira para o meio externo. Além disso, a mecanização contribui com a redução de poluentes, pois quando se deixa de alimentar o forno manualmente, a combustão se torna mais eficiente e o que antes era lançado ao meio ambiente, retorna ao processo produtivo, fechando o ciclo dentro da atmosfera do forno, reduzindo os resíduos expostos ao ar e melhorando a eficiência energética.

A proposta corrobora em muito para a promoção de energias renováveis, uma vez que são utilizadas biomassas renováveis para alimentar os fornos em substituição a uma matéria-prima antes extraída da mata nativa. Ademais, foram adquiridos com o projeto novos equipamentos: um triturador para beneficiar a poda das árvores; um dosador, aparelho utilizado para inserir o pó de serraria nos fornos; a construção de galpões para que as biomassas fiquem protegidos do sol, evitando a evaporação e aumentando o rendimento da combustão (CGM-DP, 2011), além de um sistema de canalização para regular a temperatura dos fornos, o que diminui consequentemente o gasto de energia.

Além disso, segundo dados da CGM-DP (2011), o projeto reduzirá o desmatamento de 22.800 m3 de madeira/ano o equivalente a 1,9 mil m3/mês. Deste modo, auxilia na proteção dos recursos naturais (madeira nativa) e reduz a produção de lixo, pois materiais que antes seriam descartados para os lixões como as podas de árvores, restos de colheita (coco babaçu, algaroba e eucalipto) e pó de serraria são direcionados para a empresa, reduzindo o volume dos lixos urbanos, e a geração metano (CH4), um gás vinte e uma vezes mais prejudicial às mudanças climáticas do que o gás carbônico (CO2) gerado a partir da queima desses materiais nos fornos da empresa.

Quanto ao aspecto social, neste projeto foram incorporadas inovações simples, como adaptações de equipamentos e métodos, onde houve a necessidade de novos aprendizados e de uma maior capacitação de seus funcionários. Essas inovações em geral também contribuem para uma melhoria das condições de trabalho, a partir do momento que tornam o ambiente laboral menos insalubre. Igualmente, a aquisição dos novos equipamentos (trituradores de madeira e dosadores) exigiu certa capacitação dos funcionários para o seu manuseio, sendo também ministradas palestras relacionadas à melhoria de vida, o que contribuiu para certa melhora nas condições de trabalho, como maior uso de equipamentos de proteção individual, com resultados na saúde geral do indivíduo. Desta forma constata-se que os co-benefícios verificados no estudo de caso possuem resultados muito aproximados com os demais do setor, mas diferem dos verificados no estudo da UNFCCC (2011), muito embora em todos os resultados a dimensão social foi a que apresentou co-benefícios menos frequentes. 6. Considerações finais

O presente artigo objetiva analisar os co-beneficios para além da redução de GEE dos projetos brasileiros de cerâmica do MV de créditos de carbono para o DS, tendo como estratégia metodológica a análise documental por meio dos Documentos de Concepção de Projetos (DCP) e a realização de estudo de caso ilustrativo do projeto CGM.

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Tanto a análise documental como o estudo de caso apontam poucos benefícios dos projetos de cerâmica do MV para o DS. Os co-benefícios mais preponderantes estavam concentrados em sua maioria na dimensão ambiental, sendo identificados a promoção de energias renováveis; a utilização eficiente dos recursos naturais e a melhoria e / ou proteção dos recursos naturais. Entretanto, essa perspectiva é a única que aponta um co-benefício negativamente que é a redução de ruído, odores, poeira ou poluentes que é impactada com a geração de cinzas com a queima da biomassa. Entretanto, o estudo de caso aponta positivamente esse co-benefício demonstrando que é possível dirimir esse aspecto com a introdução de filtros ou alterando a altura das chaminés, corroborando para os resultados da UNFCCC (2011) em que aponta para uma tendência de aumento no percentual de projetos que reivindicam o co-benefício de redução do ruído, odores, poeira ou poluentes.

A dimensão econômica apresenta pouca contribuição para o DS embora o co-benefício desenvolvimento ou difusão local da tecnologia importada tenha sido apontado com um dos que mais contribuíram para o DS. Já a dimensão social, aponta positivamente para co-benefícios como melhoria das condições de trabalho e melhoria das condições de saúde e segurança. Outrossim, é possível constatar que os projetos de cerâmica possui pouca sinergia com a comunidade sendo os benefícios nessa dimensão percebidos apenas para dentro da empresa.

Desta forma, em geral os dados apresentados demonstram que os projetos de cerâmica apresentaram poucos avanços na promoção do DS, indo de encontro com os resultados da UNFCCC (2011) e Boyd et al. (2009) nos seus estudos sobre o MR. Embora estudos apontam para possibilidade do MV contribuírem mais para o DS que o MR, dada sua maior flexibilidade e a diversidade de atores, a segunda maior atividade – cerâmica – aponta poucos avanços nos co-benefícios em prol do DS.

Ademais, o SC ao exigir o atendimento critérios que buscam co-benefícios ambientais e sociais para além da redução de emissão de GEEs e particularmente quanto aos projetos de cerâmica ter dado enfoque ao tecnológico, entendendo a extrema importância da tecnologia para o DS desse setor, resultou na preponderância do co-benefício de desenvolvimento ou difusão local da tecnologia, que também teve um efeito positivo nos demais.

Como análise preliminar, não há ainda como avaliar conclusivamente as contribuições dos projetos de cerâmica por ora analisados, tratando de um work in progress, já que se pretende analisar todos os projetos do MV no Brasil por meio de análise documental e mais 10 estudos de casos representativos. Pelo mesmo motivo, ficam prejudicadas, por ora, as possíveis ampliações de suas leituras e inferências a outros cenários e situações. Referências ALEXEEW, J.; BERGSET, L.; MEYER, K.; PETERSON, J.; SCHNEIDER, L.; UNGER, C. An analysis of the relationship between the additionality of CDM projects and their contribution to sustainable development. International Environmental Agreements. Politics, Law and Economics. 10 (3), pp. 233-248. 2010. BAYON, R.; HAWN, A.; HAMILTON, K.. Voluntary Carbon Markets: An International Business Guide to What They Are and How They Work. 2a. ed. Earthscan: London, 2009. BOYD, E.; HULTMAN, N.; ROBERTS, J.; CORBERA, E.; COLE, J.; BOZMOSKI, A.; EBELING, J.; TIPPMAN, R.; MANN, P.; BROWN, K.; LIVERMAN, D.,. Reforming the CDM for sustainable development: lessons learned and policy futures. Enviromental Science & Policy. I2, 820-831, 2009.

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