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Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira Tese submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Economia. Orientador: Professor Fernando José Cardim Carvalho Agosto de 2005 1

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Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória

Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira

Tese submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Economia.

Orientador: Professor Fernando José Cardim Carvalho

Agosto de 2005

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Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e

Eficácia Regulatória

Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira

Tese submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Doutor em Economia. Aprovada por: Prof. Dr. Fernando José Cardim Carvalho (UFRJ – Orientador) Prof. Dr. Antonio José Alves Júnior (UFRRJ) Prof. Dr. Ary Vieira Barradas (UFRJ) Prof. Dr. Fernando Carlos Greenhalgh de Cerqueira Lima (UFRJ) Prof. Dr. Rogério Sobreira Bezerra (EBAPE/FGV)

Rio de Janeiro, agosto de 2005

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Le Cocq D’Oliveira, Nelson Victor. Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória. Orientador: Prof. Dr. Fernando José Cardim Carvalho. Rio de Janeiro: UFRJ/Instituto de Economia, 2005, tese de Doutorado. Palavras-chave: marco regulatório, mercado de seguros, investidores institucionais, mercados financeiros, apólices, consolidação financeira, avaliação de riscos, transferência de riscos, solvência.

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A memória de: Nelson e Estella, meus pais, por tudo que herdei de afetos, valores e perseverança perante as alegrias e os percalços desta vida; José Eduardo, meu irmão, cuja curta vida foi plena de generosidade; Thereza Ferreira Velloso, pelo amor da juventude e por ter preparado em mim a horta, para que eu pudesse dar frutos para o mundo; Carlos André da Silva Santos, por ter me auxiliado a definir o rumo das minhas esperanças, me fazendo acreditar na possibilidade da mudança.

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Agradecimentos

A compreensão do papel que cumprem as decisões cruciais no desenrolar da

trajetória das empresas é um atributo essencial da melhor teoria econômica. Talvez

usando de licença poética, talvez refletindo a relativa experiência que os anos

trouxeram, creio que também a vida dos indivíduos é marcada por decisões cruciais,

as quais redefinem de forma substantiva as trajetórias profissionais. Um estímulo

decisivo para minha passagem profissional pelo mercado de seguros foram os

sucessivos diálogos com o professor Marco Aurélio Garcia, por quem tenho não só

grande estima pessoal, mas principalmente a quem dedico profunda admiração

intelectual. Assim, testemunho aqui meu agradecimento a Marco Aurélio Garcia, por

ter apoiado e estimulado minha caminhada através de um terreno sem dúvida

fascinante, mas até então cercado de enigmas teóricos e inéditos desafios

profissionais.

A consciência acerca do papel cumprido por uma Agência Reguladora na

dinâmica e no ordenamento do mercado de seguros surgiu para mim durante o

período em que fiz parte do quadro funcional da Superintendência de Seguros

Privados – Susep – em 2003. O convívio profissional com Renê Garcia me permitiu

vislumbrar os aspectos mais significativos da transição que ora acontece no âmago

dos paradigmas regulatórios, transição esta abarcando o conjunto dos sistemas

financeiros, mas que se reveste de forte singularidade no que se refere

especificamente ao setor de seguros. A vasta erudição de Renê, e o profundo

conhecimento quanto ao funcionamento dos mercados financeiros, se conjugam com

a rara capacidade de pensar estrategicamente o papel das atividades de regulação e

supervisão, e de conceber os procedimentos táticos adequados à implementação das

mudanças consideradas desejáveis. Sou profundamente grato ao Renê pelo convívio

intelectual e pelo contínuo estímulo a perseverar no desenvolvimento dos estudos

sobre os mercados de seguros.

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A minha decisão de atravessar o por vezes árduo percurso do curso de

doutorado do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

esteve, desde o início, vinculado a expectativa de ter Fernando Cardim de Carvalho

como professor e como orientador de tese de doutoramento. Fernando Cardim é um

economista notável, por suas sucessivas e consideráveis contribuições à teoria

econômica. Mostrou-se também um orientador absolutamente digno da palavra; não

só orientou no sentido acadêmico estrito, como me proporcionou o apoio pessoal

necessário ao enfrentamento das questões trabalhosas e complicadas, que o processo

de elaboração teórica foi apresentando, no entremeio de atividades profissionais por

vezes bastante turbulentas. Foi um privilégio ter sido orientado por Fernando Cardim

de Carvalho, e ter compartilhado de seu saber, vivência acadêmica e paciência pessoal

para com meus limites e percalços.

Sou grato a Carlos Vinicius de O. Coutinho, pelo auxílio na pesquisa em meio

eletrônico e pela elucidação de diversas dificuldades de interpretação de textos em

línguas estrangeiras. Sou grato também a Ângela Teixeira por auxiliar na revisão do

texto.

A minha irmã Cláudia Beatriz, agradeço a permanente afeição e ao fraterno

apoio prestado a esta empreitada, aspecto fundamental para que eu pudesse ter

chegado a conclusão do trabalho.

Às minhas filhas Laura, Beatriz e Valentina, declaro meu amor e minha

dívida, pelas sucessivas noites e finais de semana em que estive ausente, dedicado a

feitura da tese e falho na atenção paterna. A elas agradeço o carinho, o amor e a

espera.

A Elizabeth Jacob, minha companheira e meu amor, agradeço o apoio, o

incentivo e o convívio amoroso, combustível fundamental para que a chama da

coragem intelectual e da perseverança não se apagasse, perante as tantas e tantas

páginas a serem lidas e as outras tantas a serem escritas.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO...............................................................................................................9

CAPÍTULO I - Características dos Mercados de Seguros........................................14

I.1 - Introdução.................................................................................................................14

I.2 - Características gerais da atividade seguradora.........................................................17

I.3 - Seguros de Vida........................................................................................................22

I.3.1 - Seguro de Vida Temporário..................................................................................22

I.3.2 - Seguro de Vida Permanente..................................................................................23

I.4 - Seguros de Ramos Elementares................................................................................28

I.5 - Resseguros................................................................................................................29

I.5.1 - Fatores que influenciam a utilização do resseguro................................................31

I.5.2 - Modalidades de operações de resseguro................................................................32

I.6 - Administração dos riscos cobertos pelas seguradoras e o resseguro........................33

I.7 - Conclusões................................................................................................................36

CAPITULO 2 - Atuação das Companhias Seguradoras nos Mercados Financeiros Internacionais.................................................................................................................40

II.1 - Introdução ...............................................................................................................40

II.2 - Regras regulatórias e preservação da solvência: condicionantes da política de investimentos das companhias seguradoras.....................................................................41

II.3 - Características dos diferentes contratos e estrutura dos ativos e passivos: influência sobre as políticas de investimento das seguradoras..........................................................44

II.4 - Ciclos de negócios e ciclos de conjuntura: influência nas estratégias de investimento das seguradoras...........................................................................................47

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II.5 - Características dos mercados nacionais e diferenciação das estratégias de investimento das seguradoras...........................................................................................57

II.6 - Investimentos em derivativos de crédito e o papel das seguradoras monoline.......64

II.7 Investimentos em Catastrophe Bonds.......................................................................74

II.8 - Perfil de Investimentos das Companhias Resseguradoras.......................................78

II.9 - Conclusões...............................................................................................................83

CAPÍTULO 3 - Conglomerados Financeiros e Mercados de Seguros.......................86

III.1 - Introdução..............................................................................................................86

III.2 - Fatores que impulsionam a consolidação financeira..............................................87

III.2.1 - Globalização Produtiva e Consolidação Financeira............................................89

III.2.2 - Mudança Tecnológica e Consolidação Financeira..............................................90

III.2.3 - Diversificação de Produtos, Securitização e Consolidação Financeira...............90

III.2.4 - Mudanças no padrão regulatório e consolidação financeira................................94

III.3 - Mudança regulatória e consolidação nos principais mercados internacionais........91

III.3.1 - Desregulação e consolidação financeira nos EUA...............................................91

III.3.2 - Desregulação e Consolidação Financeira na Europa............................................95

III.3.3 - Desregulação e consolidação financeira no Japão................................................97

III.4 - Padrões e Mecanismos de Consolidação Financeira.............................................100

III.5 - Conglomerados Financeiros e Empresas de Seguros............................................106

III.5.1 - Consolidação no Mercado de Resseguros..........................................................107

III.5.2 - Modelos de integração entre bancos e seguradoras............................................110

III.6 - Conclusões.............................................................................................................123

CAPÍTULO 4 - Riscos Incidentes sobre as Empresas de Seguros.............................127

IV.1 - Introdução..............................................................................................................127

IV.2 - Evolução dos critérios para classificação dos riscos.............................................129

IV.3 - Riscos ao nível das empresas e riscos do mercado................................................135

IV.4 - Riscos Sistêmicos: Conceitos fundamentais..........................................................143

IV.5 - Companhias de seguros e geração de riscos sistêmicos........................................147

IV.6 - Riscos sistêmicos e participação de seguradoras em conglomerados...................153

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IV.7 - Conclusões.............................................................................................................161

CAPÍTULO 5 - Mudança de Paradigma e Eficácia Regulatória Nos Mercados de

Seguros...........................................................................................................................165

V.1 - Introdução.............................................................................................................165

V.2 - Fundamentos e Objetivos da Regulação nos Mercados Financeiros e de

Seguros...........................................................................................................................168

V.2.1 - Assimetria de informações e legitimação regulatória nos mercados financeiros e

de seguros.......................................................................................................................170

V.2.2 - Externalidades e ação estruturante das agências de regulação e supervisão nos

mercados financeiros e de seguros.................................................................................175

V.3 - Solvência e Controle de Riscos: a Nova Estratégia Regulatória para os Mercados

de Seguros......................................................................................................................183

V.3.1 - A Transição para uma Nova Estratégia Regulatória..........................................183

V.3.2 - O Modelo de Requerimentos de Capital Baseados em Riscos..........................186

V.4 - Interação entre Diferentes Riscos e Regulação Integrada....................................192

V.5 - Assimetria de informações e integridade dos contratos: o papel das agencias de

regulação na manutenção da confiança pública nos mercados de seguros....................196

V.5.1 - Aspectos relativos a disciplina de mercado e ao público consumidor...............196

V.5.2 - Atitude Regulatória e Riscos de Reputação.......................................................200

V.6 - Conclusões............................................................................................................201

CO NCLUSÕES...........................................................................................................205

REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS..........................................................................220

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Introdução

Os mercados de seguros têm demonstrado um notável crescimento no plano

internacional ao longo do último vintênio. A dinâmica de desenvolvimento econômico

contemporâneo, observada com ênfase nas características apresentadas pelos países de

maior renda per capita, tem favorecido a disseminação das transações de coberturas de

riscos mediante a aquisição de apólices de seguros. Este fenômeno reforça a concepção de

que os serviços prestados pelas seguradoras se inserem na classificação de bens superiores,

cujo crescimento reflete mais que proporcionalmente a melhoria dos padrões de renda.

No caso de seguros de ramos elementares, destinados fundamentalmente à

preservação do valor patrimonial dos bens em propriedade de empresas e famílias, alguns

processos conjugados respondem pela ampliação das transações. O primeiro é a própria

expansão tanto da quantidade como do valor unitário dos bens de capital e de consumo

durável adquiridos nos principais mercados mundiais. A segunda causa é a desenvoltura

assumida pelo comércio regional e internacional em períodos recentes, fortalecendo as

operações de seguros vinculadas ao manuseio e deslocamento de cargas e a cobertura de

riscos incidentes sobre meios de transportes (trens, navios e aviões), cujas dimensões se

mostram em contínuo crescimento. Outro fator que pode ser assinalado é a conexão entre o

crescimento das diferentes modalidades de financiamento e o papel subsidiário que os

seguros de crédito cumprem na viabilização destas transações. Por fim, a demanda por

seguros de responsabilidade civil espelha as decisões de tribunais, em particular nos

Estados Unidos da América, ampliando a variedade de eventos sujeitos a indenizações por

danos a terceiros, e aumentando significativamente os valores atribuídos a tais indenizações

(Forbes, 2004).

As circunstâncias listadas acima são apenas alguns dentre diversos fatores

intervenientes no crescimento dos mercados seguradores. As companhias de seguros

reúnem, em um só negócio, a atribuição - muitas vezes complexa - de avaliar riscos a serem

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cobertos, estimar a probabilidade de ocorrência de perdas e danos, e ainda obter parcela

significativa de sua receita total mediante a gestão de recursos de terceiros. Devido ao

volume expressivo de recursos recolhidos, seguradoras de um modo geral, e seguradoras de

vida em particular, são importantes atores nos mercados financeiros internacionais,

ressaltando-se seu papel de investidores institucionais.

Seja devido as fortes externalidades de que se revestem as operações de seguros,

seja pelo papel assumido pelas companhias de seguros enquanto importante partícipe dos

mercados financeiros, a questão regulatória se caracteriza como componente fundamental

para a própria definição da dinâmica de expansão deste setor.

A estrutura regulatória para o setor de seguros desenvolveu-se ao longo do século

XX de forma aproximadamente similar nos diferentes países onde esta atividade assumiu

maior relevo. Duas preocupações sobressaíram perante os responsáveis pela moldura legal

na qual se abrigaram os negócios das companhias seguradoras: a manutenção da liquidez

suficiente para que as companhias pudessem honrar as obrigações assumidas e a confiança

pública quanto a esta capacidade (e ao ânimo de fazê-lo) por parte das empresas.

Em relação às preocupações antes assinaladas, o ordenamento das normas

regulatórias procurou garantir a capacidade de empresas do ramo de seguros honrarem seus

compromissos, mediante a cobrança de tarifas consideradas adequadas por parte dos órgãos

reguladores (Stewart, 2003, e Lima, 1999). Ainda dentro do objetivo de preservar a

capacidade financeira das seguradoras, procuraram as agências de regulação impor uma

permanência de ativos em montantes e modalidades de liquidez condizentes com as

estimativas de desembolsos futuros. À falta de critérios mais apurados, tornou-se usual

estipular requisitos mínimos de capital para ingressar no mercado, sendo exigidos ainda

valores suplementares, determinados por um percentual dos prêmios auferidos pela venda

de apólices em períodos imediatamente anteriores.

Considerando as peculiaridades das operações de seguros, pode-se classificar a

prática legal acima referida como uma estratégia regulatória focada em liquidez (Carvalho,

2004). A atuação das seguradoras, diferentemente dos bancos comerciais, não as torna

sujeitas a corridas para saques por partes dos clientes. A liquidez mostra-se necessária

conforme os saques decorrentes das indenizações pactuadas vão ocorrendo, o que significa

que as disponibilidades de liquidez devem ser garantidas ex-ante, dado que os desembolsos

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são, por suposição, distribuídos ao longo do tempo. O que não é sabido com certeza é a

intensidade e o eventual acúmulo de indenizações que poderá ocorrer em um período

determinado, isto é, durante um determinado mês, trimestre ou ano corridos. Daí a

imposição de uma margem de liquidez, consubstanciada em ativos financeiros, por parte da

autoridade reguladora.

Outra questão que se constitui em perene objeto de atenção das autoridades

reguladoras é a manutenção e reforço da confiança pública no cumprimento adequado dos

termos pactuados nas apólices. A princípio, o esforço em assegurar a manutenção da

solvência, perante os custos de indenizações estimados, foi o esteio das concepções de boa

prática regulatória. Com o tempo, outros instrumentos foram incorporados, entre os quais

assume maior importância o estabelecimento dos fundos garantidores (Yasui, 2001). De um

modo geral, as autoridades de regulação e supervisão assumem, de forma implícita ou

explícita, o fortalecimento da reputação dos mercados de seguros como uma de suas

principais atribuições.

O arranjo regulatório esboçado de forma muito concisa nos parágrafos anteriores

tem sofrido uma reelaboração consistente e contínua em períodos recentes. Mudanças

vivenciadas pelos mercados financeiros a partir da supressão de restrições regulatórias,

acarretando possibilidades de atuação dos diferentes tipos de instituições em segmentos

antes estanques, deram ênfase a inovações financeiras incorporadas tanto nos passivos

como na carteira de ativos destes atores. A proliferação de produtos concorrentes e

similares, oferecidos quer por bancos como por seguradoras e outros investidores

institucionais, é um dos principais traços distintivos do ciclo de transformações que os

mercados financeiros ostentam desde a década de 1980.

Desregulação e interposição entre mercados antes compartimentados geraram novos

instrumentos financeiros, entre os quais se destaca o processo de securitização. Este traduz,

ao atestar a expansão da desintermediação financeira, uma redução do papel tradicional dos

bancos comerciais na oferta de crédito a corporações não financeiras (Paula, 2002).

Conforme as formas tradicionais de rentabilidade bancária diminuíram, foi desencadeado

um processo de fusões e aquisições, capitaneado pelos bancos, mas envolvendo as várias

modalidades de instituições financeiras. O que esteve e está em jogo é a obtenção de

economias de escala e de escopo, tornadas possíveis pela flexibilização das restrições

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regulatórias antes incidentes sobre estes mercados. No caso das companhias de seguros, isto

têm significado um fortalecimento considerável do canal bancário como leito privilegiado

de comercialização de apólices, e a ocorrência de fusões e aquisições envolvendo

instituições bancárias e seguradoras ( Falautano e Marsiglia, 2003).

Mercados de seguros respondem por operações singulares, no sentido de que não

encontram similares significativos na atuação de outros tipos de instituições. Isto implica

que o arcabouço regulatório específico destes mercados deve ser capaz de prever os riscos

que lhes são intrínsecos, e prover normas e procedimentos que atenuem as possibilidades de

insolvência das companhias de seguros. Ademais, seguradoras são importantes investidores

institucionais, e desempenham um papel destacado nos mercados de títulos e de ações.

Além disso, têm sido parte integrante do processo de consolidação financeira que está

recompondo as estruturas corporativas dos participantes dos mercados financeiros

internacionais. Neste contexto, o atual processo de mudança de paradigmas regulatórios

que se desenvolve em relação as corporações financeiras, deve respeitar as peculiaridades

da atividade seguradora. De fato, as mudanças regulatórias próprias ao setor devem partir

da identificação dos riscos inerentes à atividade e adicionar ainda normas que previnam

riscos incorridos por seguradoras, mas que são comuns também as demais instituições

financeiras. A identificação das peculiaridades dos riscos sofridos por seguradoras, e a

avaliação da eficácia do paradigma regulatório que vem sendo desenhado para o setor,

constituem o tema desta tese de doutorado.

O primeiro capítulo traça um sucinto panorama das características das companhias

de seguros e do mercado segurador. O segundo capítulo expõe o desempenho das

companhias de seguros enquanto investidores institucionais, analisando ainda o papel das

seguradoras nos novos mercados de transferência de riscos de crédito, tema este que tem

chamado a atenção de organizações multilaterais como a OCDE (2001), o FMI (2002 e

2004) e a IAIS (2003).

O terceiro capítulo abrange o processo de consolidação dos mercados financeiros,

seus fatores propulsores e a tipologia de que se revestem as diferentes modalidades de

fusões e aquisições. Em um segundo movimento, são descritos e analisados os efeitos deste

fenômeno sobre a estrutura e o desempenho dos mercados de seguros em diferentes regiões

e países.

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O quarto capítulo recupera os principais riscos incidentes sobre as companhias de

seguros, e, a partir da literatura especializada, sistematiza estes riscos e avalia a

contribuição das seguradoras perante as instabilidades a que estão sujeitos os mercados

financeiros internacionais. Tomando em consideração as conclusões do capítulo quarto, o

quinto capítulo irá analisar as razões para que se desenvolva a regulação prudencial nos

mercados de seguros, e exercitará uma avaliação acerca da eficácia dos novos instrumentos

regulatórios ora em implementação nos diferentes mercados de seguros, dentre os quais o

Brasil.

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Capítulo 1: Características dos Mercados de Seguros

1.1 Introdução

Neste capítulo são apresentadas as características fundamentais da atividade

seguradora. É explicitada sua subdivisão em dois grandes ramos, sendo um constituído

pelos seguros de vida e outro englobando aqueles destinados à preservação patrimonial,

conhecidos no Brasil como seguros de ramos elementares. É ainda descrito o papel

relevante desempenhado pelo resseguro, para o funcionamento das operações de

cobertura de riscos, em particular aqueles riscos de maior valor e sobre os quais as

seguradoras isoladas, muitas vezes, não dispõem de um volume suficiente de

informações para formação de preços adequados aos riscos incorridos.

Seguros de vida reúnem tanto o objetivo de assegurar um valor monetário aos

beneficiários, quando do falecimento do titular da apólice, como constituem um

instrumento de poupança, a qual recebe juros e pode ser sacada a qualquer tempo pelo

titular. Sob o ponto de vista de sua condição de instrumento de poupança, os seguros de

vida se subordinam às condições gerais da função poupança estabelecida por Keynes, e

seus montantes crescem como função da renda nacional (e internacional). Quanto aos

ramos elementares, a evolução no estoque de riqueza patrimonial, e o valor de que se

revestem produtos incorporando componentes tecnológicos crescentes, contribuem para

sua expansão. O papel desempenhado pelos vários mecanismos de crédito também

estimula a indústria de seguros, seja pelo decorrente aumento na demanda de seguros de

crédito, seja porque garantias dadas a empréstimos são elas próprias compulsoriamente

sujeitas a seguros de bens. O aumento do produto em âmbito internacional, e o próprio

crescimento do comércio entre países favorecem ainda a evolução dos montantes

assegurados, tanto pelos seguros vinculados a transportes e cargas, como pela expansão

dos seguros de crédito à exportação.

A próxima seção trata das principais características da atividade seguradora,

incluindo os aspectos conceituais que embasam a lógica das operações de cobertura de

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risco. A terceira e quarta seções descrevem as diferentes modalidades de seguros de

vida e de ramos elementares. A quinta seção se dedica à introdução do resseguro como

elemento fundamental da lógica de funcionamento dos mercados de seguros, sendo

seguida da sexta seção, com tratamento complementar ao mesmo tema.

1.2 Características gerais da atividade seguradora

A atividade seguradora apresentou um quadro de expansão significativa no

último decênio, quando tomamos por base sua participação no produto agregado

internacional. A evolução dos valores relativos a aquisição de apólices de seguros está

exposto na tabela apresentada abaixo. O Brasil também assiste em anos recentes a uma

mudança de patamar no valor das transações relativas a aquisições de apólices de

seguros. Em 1994 a atividade de seguros correspondia a 1,5% do Produto Interno Bruto,

atingindo uma participação de 3,9% em 2004.

Evolução do volume mundial de prêmios de seguro no último decênio

ANO Volume total (US$ milhões) Vida Não-Vida1

1994 1.967.787 1.121.186 846.6001995 2.143.408 1.236.627 906.7811996 2.105.838 1.196.736 909.1001997 2.128.671 1.231.798 896.8731998 2.166.405 1.275.053 891.3521999 2.336.952 1.424.203 912.7492000 2.444.904 1.518.401 926.5032001 2.415.720 1.445.776 969.9452002 2.632.473 1.534.061 1.098.4122003 2.940.671 1.672.514 1.268.157

Fonte: Swiss Re, publicações. Sigma, varias edições.

Tanto internamente como no panorama internacional, as atividades das empresas

de seguros se expandem também quanto ao aspecto de diferenciação de seus produtos,

no contexto do que vem sendo chamado de indústria de serviços financeiros. Na

qualidade de investidores institucionais, operam fortemente nos mercados de capitais, e

1 Incluem-se aqui os prêmios referentes aos seguros de saúde e acidentes

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isto é particularmente verdadeiro nos mercados anglo-saxões; contudo, as alterações

proporcionadas pelo novo marco institucional europeu, em particular a adoção de uma

moeda única, têm sinalizado que, na União Européia, as empresas de seguros tendem a

trilhar um papel de crescente importância como fornecedoras de crédito via mercado de

títulos, replicando o processo já observado nos Estados Unidos da América.

Os produtos de seguros podem ser considerados bens superiores, pois sua

aquisição cresce mais que proporcionalmente aos acréscimos na renda. Quanto aos

seguros destinados à preservação patrimonial, naturalmente seus valores refletem os

próprios valores dos bens e equipamentos segurados, cujo montante é proporcional à

renda e ao produto dos diferentes países. Quanto aos seguros de vida, seu componente

de instrumento de poupança funciona como seria previsível teoricamente, considerando-

se a propensão a poupar função do nível de renda nacional. A distribuição dos negócios

de seguros entre os diferentes países e regiões do mundo atestam esta característica do

produto, como pode ser verificado no gráfico e na tabela mostrados a seguir.

Arrecadação de Prêmios -Valores em US$ milhões

Região Total América do Norte 1.114.642Europa Ocidental 987.755Japão 478.865Sul e Leste Asiático 194.462Oceania 45.280América Latina 41.871Europa Central e Oriental 34.402África 30.968Oriente Médio 12.426Fonte: Swiss Re chart room 2003

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Volume de Prêmios por Região em 2003 (em US$ milhões)

37,9%

33,6%

16,3%

6,6%

1,5%

1,4%

1,2%

1,1%

0,4%

América do Norte

Europa Ocidental

Japão

Sul e Leste Asiático

Oceania

América Latina

Europa Central e Oriental

Africa

Oriente Médio

Não obstante o desenvolvimento observado no setor segurador no Brasil e no

Mundo, as operações específicas deste mercado apresentam um tratamento teórico ainda

bastante rarefeito no que tange à ciência econômica, o que nos leva a procurar

desvendar, nos parágrafos subseqüentes, suas características singulares e tomar, como

ponto de partida, os próprios fundamentos da atividade. Isto se faz particularmente

necessário perante a idiossincrasia de que se reveste, quer a terminologia utilizada, quer

as concepções que são subjacentes ao uso de certos conceitos, que assumem conotação

particular quando aplicados na esfera securitária.

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Segundo a história econômica do seguro, em seus primórdios, o caráter de

tratamento dado aos riscos incorridos baseava-se em critérios especulativos, e foi

considerado por autoridades eclesiásticas como um jogo – e, portanto, proibido. As

cidades-estado italianas de Gênova e Veneza, exercendo intensa atividade mercantil

marítima no despontar do Renascimento, foram o berço do que ficou conhecido como

contrato de dinheiro a risco marítimo, o qual consistia em um empréstimo de

determinado valor feito a proprietários de navios que partiam a negócios. O empréstimo

– e mais um prêmio sobre o dinheiro emprestado2 – seria ressarcido parcial ou

integralmente, caso o navio chegasse ao porto, e o fizesse em condições adequadas3. No

ano de 1230, o Papa Gregório IX promulgou uma decretal que proibia a cobrança de

juros sobre os empréstimos. Apesar de ter acarretado em poucas mudanças imediatas

nesses tipos de contrato, tal promulgação forçou a evolução de suas formas, dando

margem ao aparecimento das primeiras idéias colaboradoras para a instituição do seguro

marítimo moderno. A evolução do sistema fez com que em 1309, em Gênova, fosse

firmada, através de um decreto, a idéia de “contrato”, como um contrato de seguro de

caráter inominado. O primeiro “contrato de seguro” que se tem registro formal foi feito

em Gênova no ano de 1347, um contrato de seguro marítimo, apesar de haver indícios de

documentos anteriores que também poderiam ser interpretados como um contrato de

seguro marítimo (Ferreira, 1985).

Em épocas posteriores, padrões de contratos um pouco mais evoluídos de

seguros marítimos foram o esteio do desenvolvimento da atividade na Inglaterra, e a

legendária Casa de Café de Edward Lloyd abrigou o mais antigo documento preservado

de seguro marítimo, datado de 1688. Lloyd era proprietário de uma taberna em Londres,

onde se reuniam os agentes de seguros de navios da cidade. Após estudar os costumes

dos seus fregueses e viagens feitas pelos barcos que ancoravam no porto de Londres, em

1696, começou a publicar o “Lloyd News”, e posteriormente, o “Lloyd List”,

transformando sua taberna no centro da atividade seguradora marítima. O êxito foi tão

grande que, em 1727, constituiu-se em sua taberna uma sociedade conhecida com o

2 Nas operações de seguros chama-se prêmio o valor (ou valores) pago à seguradora pelo segurado. 3 A analogia com a emissão, por parte de seguradoras e resseguradoras, de bônus CAT – bônus cujo pagamento está condicionado a não ocorrência de eventos catastróficos – é facilmente perceptível e merece ser aqui assinalada. Tais bônus serão descritos em outro capítulo deste texto.

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nome de “LLOYD`S”. Posteriormente, a taberna passou a ser chamada de “Lloyd´s

Coffe House”, e a sociedade estabelecida tornou-se a maior organização mundial de

seguros. O Lloyd`s foi, e continua a ser, a instituição de seguradores individuais mais

tradicional do mundo. Ela sempre teve como singularidade a ausência quase que

completa de legislação; o contrato de seguro baseava-se principalmente nas cláusulas da

apólice.

A base especulativa da avaliação de riscos nas operações de seguros foi

gradualmente suprimida com a incorporação de novos instrumentos de cálculo

matemático, que deram à atividade uma feição de tratamento probabilístico dos riscos

assumidos. A lei dos grandes números e, em especial, o tratamento da probabilidade da

ocorrência de um evento tomando como parâmetro as freqüências relativas observadas,

irão constituir o fundamento da atual instituição de seguros.

A incorporação do cálculo probabilístico irá condicionar o tratamento conceitual

dos riscos, e sua segregação teórica, segundo os cânones atuariais, em riscos

especulativos e riscos puros. Tecnicamente, o risco puro só admite duas possibilidades,

a saber, a ocorrência e a não ocorrência de uma perda. Já o risco especulativo admite três

alternativas, a perda, a não perda e o ganho. Por dedução podemos afirmar que o risco

especulativo é inerente à atividade empresarial, estando presente em qualquer iniciativa,

por parte dos agentes econômicos, que tenha a pretensão de auferir ganhos monetários.

Os diferentes tipos de riscos que teoricamente definem a atividade da firma são riscos

incorridos no intuito de obter lucros. Já os riscos que se encontram no âmbito da

atividade seguradora devem estar referidos à preservação patrimonial, e apresentarem

características de aleatoriedade que não apenas permitam o tratamento probabilístico,

mas inclusive afastem eventuais riscos morais que possam induzir a ação dos

beneficiários da proteção oferecida pelas empresas de seguros.

A definição de contrato de seguros afirma que se trata de uma operação que não

visa a geração de ganhos por parte do segurado, mas a preservação de seu patrimônio –

ou de sua renda – perante eventos aleatórios que possam vir a ocorrer e gerar prejuízos.

Para que um risco venha a ser considerado como segurável ele deverá guardar as

seguintes condições: ser possível, ser futuro, ser incerto, independer da vontade das

partes contratantes, resultar de sua ocorrência um prejuízo e ser mensurável

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monetariamente. Tais condições constituem na verdade o substrato jurídico que define o

espírito do contrato de seguros, oferecendo-lhe os limites que asseguram a boa fé das

partes contratantes e o sentido social e econômico da operação. O sentido social aqui se

reveste de significado específico dado que tais atividades muitas vezes são beneficiárias

de favorecimentos tributários. Antes que o termo assimetria de informações se fizesse

presente na literatura econômica, os legisladores dos diferentes países procuraram

impedir que uma das partes auferisse vantagens a partir do seu maior grau de

informação. É com esta acepção que os comentários abaixo se revestem de efetivo

significado.

A possibilidade do evento a ser segurado é um pressuposto óbvio, dada a

desutilidade de prevenir-se sobre um evento que é impossível de acontecer. A condição

da proteção ser referida a possibilidade futura de um evento, o inclui nas leis

probabilísticas, já que fenômenos que efetivamente ocorreram não constituem risco, mas

perdas já sofridas, e que, portanto, não se adequam, também, a preservação do

patrimônio presente. O fato do evento cuja ocorrência será razão de um ressarcimento

significar um prejuízo ao contratante retira a conotação especulativa ou de aposta que

estaria vinculada a contratos que não têm por objetivo a preservação do patrimônio. Por

fim, mas não menos importante, o fato do eventual prejuízo ser mensurável permite que

o contrato tome a forma de uma transação monetária.

O caráter aleatório dos riscos que são objeto do contrato de seguros determina

toda a dinâmica de funcionamento das empresas de seguros. Elas assumem riscos quanto

a ocorrência de eventos futuros e incertos, e esta incerteza significa aqui que não é certa

a ocorrência do evento, ou – como no caso dos seguros de vida – a ocorrência do evento

é certa, mas sua data é desconhecida. Estas circunstâncias fazem com que a informação

estatística seja um elemento essencial quer para a correta formação de preços, quer como

vantagem competitiva em condições de desigualdade de acesso a informações por parte

das diferentes companhias seguradoras. A pedra angular do cálculo da tarifa a ser

cobrada em cada modalidade específica de cobertura de riscos por parte da seguradora é

o chamado valor matemático do risco, que nada mais é do que a freqüência relativa com

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que ocorre um sinistro4. A definição do valor matemático do risco exige o conhecimento

de uma amostra ampla de riscos semelhantes e da quantidade de sinistros ocorridos nesta

amostra, a cada período de tempo. A relação entre o número de sinistros ocorridos,

divididos pelo total da amostra, é o valor matemático do risco. Supondo que uma

empresa seguradora opere no mercado há vários anos, poderá assim acumular uma base

de informações que lhe permita determinar, ano após ano, qual o valor matemático do

risco em uma determinada linha de cobertura de riscos. O tratamento estatístico destes

dados fornecerá a expectativa de valor matemático do risco para cada período –

normalmente de um ano – que se inicia.

Os custos incorridos pela seguradora ao pagar um determinado sinistro são

chamados de indenização. Cada sinistro específico tem seu próprio valor de indenização.

O somatório das indenizações pagas a cada período, dividido pelo total de sinistros

ocorridos nos dá o custo médio do sinistro, ou valor médio indenizado no período. A

precificação do seguro para o período subseqüente será inicialmente obtida pela

multiplicação da expectativa de valor matemático do risco pelo custo médio dos sinistros

do período anterior. O produto obtido é chamado de prêmio puro, ou prêmio estatístico.

A este prêmio estatístico serão adicionados tanto um percentual relativo a precaução

quanto a possíveis oscilações na proporção de sinistros, como um outro percentual

destinado a cobrir as despesas administrativas e a prover uma taxa de lucro para a

companhia.

Os cálculos acima representam um modelo estilizado, já que fatores como a

concorrência e mesmo a condição da companhia perante o mercado afetam tais

procedimentos, em particular no que tange a capacidade de estabelecer mark-up em

relação a taxa esperada de lucros. Companhias entrantes, por exemplo, não dispõem a

priori de uma massa de segurados grande e estável, nem possuem o acúmulo de anos de

experiência, que lhes permitam estabelecer uma amostra satisfatória para aferição

probabilística de riscos e resultados. Ao descrever-se os produtos disponíveis nestes

mercados, e examinar-se as alternativas de gestão de riscos nas próximas seções,

abordar-se-ão estes tópicos de forma mais conclusiva.

4 Sinistro é a manifestação concreta do risco previsto no contrato de seguro e que ocasiona prejuízo ou responsabilidade.

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1.3 Seguros de Vida

As seguradoras de vida proporcionam coberturas contra mortes, doenças e

incapacidades, normalmente na forma de produtos de poupança de médio ou longo

prazo, tais como as pensões. Os pagamentos dos prêmios de seguro podem ser feitos

tanto através de um único grande pagamento no início da vigência do contrato, ou

através de séries de pagamentos regulares. Os fundos resultantes são investidos para

gerar um rendimento regular para os detentores de apólices ou um ganho de capital

futuro. Geralmente, os balanços contábeis das seguradoras de vida são maiores que os

das de Ramos Elementares, sendo isto, reflexo da transformação das poupanças

familiares em investimentos. Os seguros de vida são comercializados tanto

individualmente como para grupos. Os principais produtos serão descritos abaixo, sendo

que os três primeiros tipos se prestam tanto à comercialização individual como para

grupos.

1.3.1 Seguro de vida temporário:

Também conhecido como seguro de vida a termo. Concede um benefício caso o

segurado venha a falecer no período estipulado na apólice. Normalmente tem sua

validade mínima pelo prazo de um ano, podendo ser prorrogada. Existe, também, uma

variedade de seguro de vida muito utilizada nos Estados Unidos, que vigora até a data

em que o segurado completa 65 anos. O plano de seguro de vida temporário mais usual é

aquele que oferece o chamado benefício nivelado. Ou seja, o valor da indenização se

mantém inalterado durante todo o prazo de vigência da apólice. Outro plano existente é

o que oferece um benefício decrescente, em que o valor da indenização decresce ao

longo do prazo contratual. Em um plano de cinco anos, por exemplo, o valor de

indenização decresce em um quinto a cada ano vencido. Tal modalidade costuma ser

comercializada acoplada a operações de empréstimos bancários e imobiliários. No

primeiro caso, temos o seguro de vida prestamista, e, no segundo, o seguro de tomador

de empréstimo hipotecário. São seguros que visam garantir a quitação do débito do

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crédito caso ocorra o falecimento do tomador. De um modo geral, os seguros

temporários oferecem a opção de renovação ou de conversão:

i) Seguro de vida temporário com opção de renovação: é aquele cuja apólice contém

cláusula de renovação, dando ao segurado o direito de, quando ao término do

período de vigência, renovar seu seguro sem se submeter a nova avaliação por

parte da companhia seguradora. A renovação é feita mantendo – se as mesmas

características do contrato original, exceto no que se refere ao valor do prêmio

anual a ser pago, o qual sofrerá acréscimo compatível com a elevação da idade do

segurado.

ii) Seguro de vida temporário com opção de conversão: é aquele que proporciona ao

segurado a possibilidade de transformar seu seguro temporário em um plano de

seguro permanente sem se submeter aos exames relativos a uma nova avaliação

quanto aos seus riscos pessoais. No caso de conversão, a única majoração no

prêmio será a relativa a mudança de idade do segurado. Seguros temporários com

opção de renovação ou de conversão eximem a seguradora de gastos com exames

médicos e outros, mas podem gerar um movimento de anti-seleção, já que

indivíduos com saúde debilitada no decorrer do contrato inicial podem ser mais

propensos a sua renovação ou conversão em um seguro de vida permanente. Por

isso, seguros de vida temporários que contenham uma destas duas cláusulas são

comercializados com valores de prêmios anuais superiores.

1.3.2 Seguro de vida permanente

Os seguros de vida permanente combinam a cobertura do seguro com um

elemento de poupança financeira. Pode-se distinguir duas grandes modalidades de

seguros de vida permanente, uma denominada tradicional e outra que procura incorporar

em sua formatação aspectos de maior competitividade vis a vis outras modalidades de

poupança, e que se desenvolveram nos Estados Unidos da América a partir dos anos 70,

tomando fôlego ao longo do processo de transformações financeiras verificado no último

quarto de século. Dentre estas se destacam a que recebe o nome de seguro de vida

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universal (universal life insurance), e as modalidades de seguro de vida variável

(variable life insurance).5 Serão descritas a seguir as principais características das

modalidades de seguro de vida permanente:

i) A modalidade mais usual de seguro de vida tradicional cobre o segurado por toda

a sua vida mediante o pagamento periódico de um prêmio cujo valor é constante.

Como o cálculo do risco de mortalidade é obtido a partir das tábuas de

mortalidade estatísticas, e como este risco aumenta conforme aumenta a idade do

segurado, a confecção de seguros de vida com pagamentos periódicos constantes

implica em um acréscimo nos valores pagos inicialmente em relação ao que seria

cobrado nos primeiros anos, caso os valores mensais ou anuais fossem crescentes

conforme o segurado envelhecesse. Esta diferença paga a maior nos prêmios

iniciais é utilizada pela seguradora para a constituição das provisões (reservas

matemáticas) adequadas ao equilíbrio atuarial da operação. Este modelo padrão

de seguro de vida tradicional admite variantes, cujas mais expressivas são o

pagamento de prêmios até certa idade, por exemplo até os 65 anos, ou o

pagamento de prêmios por um determinado número de anos, por exemplo

durante vinte anos. Ao atingir a idade estipulada, ou ao concluir o período de

pagamentos contratado, o titular passa a ter uma apólice saldada, sobre a qual

nenhum pagamento é mais devido. As apólices compreendem a inclusão de um

valor cumulativo, conhecido como valor garantido, que funciona como um

instrumento de poupança financeira para o titular. Apólices do tipo tradicional

incluem uma tabela que mostra como o seu valor garantido aumenta com o

tempo. Se o titular em um determinado momento desistir do seguro, ou se por

qualquer outro motivo a apólice for cancelada, a seguradora pagará ao titular o

valor garantido acumulado até aquela data, descontados os encargos pelo saque.

A reserva e o valor garantido de uma apólice do tipo tradicional aumentam ao

longo da vigência da apólice, até atingir a idade limite da tábua de mortalidade,

normalmente 99 ou 100 anos. Em geral, quando o segurado atinge a idade limite,

5 No Brasil esta modalidade de seguro de vida variável encontra como similar os produtos comercializados sob o título de VGBL (Seguro de Vida Gerador de Benefício Livre).

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a seguradora paga o valor da apólice ao beneficiário, mesmo que o segurado

continue vivo. As seguradoras também concedem empréstimos aos titulares de

apólices tendo como garantia o valor garantido.

ii) Seguro de vida do tipo universal life. Neste tipo de apólice os prêmios não são

fixos, no sentido de que o titular pode efetuar pagamentos com valores superiores

ao mínimo estipulado, e assim incrementar o saldo referente ao valor garantido.

A seguradora periodicamente soma juros ao montante do valor garantido. Além

deste valor garantido servir como colateral para empréstimos do titular junto a

seguradora, ele pode também ser objeto de resgates parciais.

iii) Seguro de vida variável. Tais produtos espelham de forma ainda mais nítida o

processo de financeirização das atividades de seguros, no sentido de

convergência dos produtos oferecidos com outros tipos de investimento

financeiro oferecidos por bancos. Sob a ótica da gestão de riscos, se caracteriza

por transferir completamente os riscos de ativos (riscos de crédito, de juros, e de

volatilidade nos mercados de renda variável) para os detentores das apólices, que

são na verdade condôminos de um fundo de investimento onde são alocadas as

reservas referentes aos prêmios arrecadados. Os ativos que garantem as reservas

técnicas das apólices de vida tradicionais são colocados em uma conta geral de

investimentos de responsabilidade da seguradora. Já os ativos que garantem as

reservas técnicas das apólices de seguro de vida variável são colocados em

contas de investimentos que a seguradora mantém em separado (separate account

ou segregated account) da conta de investimentos gerais. Desta forma, tanto o

benefício por morte como o valor garantido da apólice flutuam de acordo com o

resultado financeiro das aplicações que compõe a conta separada. As seguradoras

trabalham com um conjunto destas contas – na verdade, com vários fundos de

investimento com diferentes composições de carteira – e os titulares das apólices

escolhem o tipo de conta de aplicação que irá lastrear seus pagamentos de

prêmios. A maioria das apólices de seguro variável contém uma cláusula onde a

seguradora se compromete com a manutenção de um valor mínimo de face, mas

não garantem nem o rendimento dos investimentos nem um piso para o valor

garantido.

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iv) Anuidades, ou seguros de renda. Em sua forma básica, são contratos que, a partir

de um prêmio único, ou de uma série de prêmios pagos até certa data, dão direito

a uma série de pagamentos periódicos como benefício. Os pagamentos de

prêmios sob responsabilidade do titular da apólice podem ser feitos com cláusula

de valor fixo durante n períodos, ou podem ser apólices que aceitam pagamentos

de valores de prêmios variáveis dentro de certas faixas pré – determinadas. Neste

caso, mesmo que o contrato preveja a taxa de juros que irá vigorar para

capitalização destas parcelas, o montante final será, obviamente, resultante dos

valores diferenciados pagos ao longo do prazo da apólice. Assim, de acordo com

a modalidade de anuidade, estes pagamentos ao beneficiário podem ser fixados

de antemão, ou assumirem a forma de um montante cujo valor só será conhecido

ao final do total de períodos em que os prêmios forem pagos. Neste segundo

caso, trata-se de uma aplicação financeira em conta separada – na verdade, as

parcelas de prêmios são depositadas em fundos de investimentos que compõe as

chamadas contas separadas, e o montante ao final do período do pagamento dos

prêmios permanecerá aplicado e rendendo pagamentos periódicos ao beneficiário

conforme o desempenho do fundo que constitui a conta separada.

Se adotarmos uma classificação das anuidades a partir de sua inclusão ou não na

conta comum cuja responsabilidade é assumida pela seguradora, poderemos ter

assim duas categorias de anuidades. As que têm seus rendimentos garantidos

pela conta comum – ou conta geral – das seguradoras normalmente contém

cláusulas onde a seguradora se compromete a pagar taxas de juros superiores ao

contratado, caso os fundos da conta geral tenham resultados suficientemente

elevados para possibilitar a concessão desta vantagem. As que são regidas por

cláusulas de aplicação em contas separadas seguem o destino da rentabilidade

destas aplicações, sem garantia de remuneração básica pela seguradora. Tanto as

apólices cujos fundos pertencem a conta geral, como aquelas cujos prêmios

integram as contas separadas, tem cláusulas que permitem o resgate antecipado.

Este é o valor acumulado, menos as taxas relativas a liquidação previstas nas

apólices.

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1.4 Seguros de ramos elementares

O segmento do mercado segurador, segundo a nomenclatura brasileira,

denominado de Ramos Elementares (“non-life insurance” na nomenclatura americana)

engloba todos os ramos de seguro que têm por finalidade a garantia de perdas, danos ou

responsabilidades sobre objetos ou pessoas (incluindo os seguros de acidentes pessoais),

excluindo o Ramo Vida e o Ramo Saúde. Devido à existência de uma grande

diversidade de planos de seguro dentro do segmento, torna-se necessária à utilização de

diferentes instrumentos contratuais. Na maioria dos casos, as apólices são renovadas

anualmente. Dentre os principais ramos dentro dos Ramos Elementares estão:

• Seguro de Incêndio

• Seguro de Automóveis

• Seguro de Lucros Cessantes

• Seguro de Transportes

• Seguro de Responsabilidade Civil

• Seguro de Crédito

Os instrumentos básicos para a formulação do contrato de seguro de Ramos

Elementares são a proposta e a apólice. A proposta de seguro é um formulário impresso,

onde consta um questionário detalhado a ser preenchido pelo segurado, que servirá de

base para a emissão da apólice. A apólice é o documento emitido pelo segurador, a partir

da proposta. É o contrato de seguro propriamente dito. Além das formas tradicionais de

apólices utilizadas pelos diversos ramos, há outros tipos para atender a situações

específicas. Dentre esses tipos específicos de apólice podem ser citadas:

• Apólice Aberta; é adotada principalmente nos Ramos de Seguros de

Transportes, se destinando à inclusão por averbações de verbas e bens a segurar.

• Apólice Ajustável; é típica de seguro de armazéns ou depósitos em que o

Valor em Risco é variável no decorrer da vigência do seguro. Neste tipo de

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apólice, o segurado paga um prêmio depósito que é ajustado periodicamente em

função do valor real do estoque segurado.

• Apólice Avulsa; é a apólice destinada a cobrir riscos eventuais e

transitórios. È muito comum no ramo de transportes para cobrir, por exemplo,

mudanças.

• Apólice Multirisco; tipo de apólice que cobre vários riscos em uma só

apólice.

• Apólices de Riscos Nomeados; os riscos cobertos são enumerados,

excluindo-se da cobertura tudo aquilo que não foi especificamente nomeado.

• Apólices de Riscos Operacionais; é um seguro que cobre todos os riscos,

destinando-se a setores industriais que possuem valor de reposição mínimo dos

bens materiais em risco.

Geralmente as seguradoras de Ramos Elementares têm balanços contábeis

menores do que as de vida, porque geralmente não fazem intermediações entre

poupanças e investimentos. A lucratividade delas depende da performance de subscrição

(ou seja, os prêmios recebidos excedam os sinistros pagos) e do retorno do investimento

dos fundos retidos durante o período que vai do recebimento dos prêmios ao pagamento

dos sinistros (chamado no jargão americano de “float”).

O setor de seguro de crédito de títulos desenvolveu-se na década de 70 com o

estabelecimento de algumas companhias com ratings de AAA para prover aos

investidores de títulos municipais americanos uma garantia da pontualidade do

pagamento dos juros e do principal originalmente determinados em caso de um evento

de default do emissor. Em 1989, o Estado de Nova York fez uma emenda (artigo 69) na

sua lei do mercado segurador que requeria que todo o seguro de crédito de títulos fosse

feito através de monolines, ou seja seguradoras especializadas nessa linha de negócios.

Subseqüentemente, outros estados americanos adotaram leis similares.

A motivação para essa separação foi dar proteção aos detentores de apólices

contra falências de seguradoras. O artigo 69 define o seguro de garantia financeira e

determina os limites de risco simples e agregados, os requerimentos de capital baseados

no risco e as reservas de contingência obrigatórias.

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1.5 Resseguros

O primeiro acordo que teve os moldes de um contrato de resseguro ocorreu

também em Gênova em 1370 (Ferreira, 1988). Referia-se ao transporte marítimo de

mercadorias de Gênova para Sluis, em Flandres. Ele estabelecia que o segurador

primário estava transferindo o risco da parte mais arriscada da viagem, o trecho de Cádiz

a Sluis, para um outro segurador. O acordo foi feito entre o segurador direto (que

transferia parte do risco) e o segurador que assumia parte do risco da viagem (no caso, o

ressegurador) sem que fosse estabelecida qualquer relação contratual entre eles.

Gradativamente, tornou-se comum para as seguradoras da época transferir a uma outra

seguradora (a resseguradora) a parte mais perigosa do risco que era assumida. Com a

evolução da prática do resseguro e o aumento da sua importância, entre os séculos XVII

e XVIII foram estabelecidos pela primeira vez o limite máximo a ser protegido, a data

de vencimento para os pagamentos e as bases de recuperação.

De 1746 a 1864, em conseqüência de práticas abusivas praticadas no mercado

ressegurador inglês, onde muitas vezes o segurador direto ressegurava os riscos

subscritos integralmente a um prêmios inferior ao original, a prática do resseguro ficou

proibida na Inglaterra. Tal medida, veio a influenciar notavelmente no desenvolvimento

do Lloyd’s, pois reduziu a capacidade de aceitação das seguradoras, sendo assim, alguns

pedidos de cobertura foram transferidos aos subscritores particulares do Lloyd’s. Estes

passaram a agir como co-seguradores, apresentando um substancial desenvolvimento.

Assim, essa lei contribuiu indiretamente para a consolidação internacional da bolsa de

seguros “Lloyd’s of London”.

O aumento da acumulação de riscos assumidos pelas seguradoras causado pela

industrialização fez com que elas tivessem uma necessidade crescente de proteção de

resseguro. Tal prática, que começou cobrindo apenas riscos individuais, posteriormente

passou a cobrir os riscos de toda uma carteira, denominada resseguro por contrato.6 Um

incêndio em Hamburgo em 1842, de proporções catastróficas, impulsionou a criação da

6 Hoje em dia, esta forma é utilizada sob a denominação de resseguro automático ou obrigatório.

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primeira resseguradora profissional7, a “Kolnische Ruck”. Este grande sinistro

contribuiu para a conscientização definitiva da necessidade de repartição dos riscos de

carteiras de seguros entre diversos seguradores.

O resseguro é o ápice da atividade seguradora, fator preponderante nas

estratégias de administração dos riscos incorridos pelas seguradoras na gestão de sua

carteira de cobertura de riscos. A opção pelas várias modalidades de resseguros

existentes permite que a seguradora defina sua própria estratégia de atuação em um

determinado mercado ou em determinada linha de seguros. Devido à natureza dos riscos

cobertos pelas seguradoras de Ramos Elementares, as resseguradoras assumem maior

proporção dos riscos destas, do que das de vida. Os diferentes textos sobre a ação das

resseguradoras lhes atribui um vasto elenco de contribuições perante o mercado

segurador, como veremos a seguir.

Crescimento de Longo prazo dos mercados de Seguros de Ramos Elementares e de Resseguro (1965=100)

0,0

500,0

1000,0

1500,0

2000,0

2500,0

3000,0

1965 67 69 71 73 75 77 79 81 83 85 87 89 91 93 95 97 99

2001

Seguros de Ramos Elementares Resseguro Global PIB Global

Fonte: Swiss Re, Economic Research

7 Resseguradora profissional: seguradora especializada exclusivamente na atividade de resseguro.

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1.5.1 Fatores que levam a utilização do resseguro

i) Pulverização do risco: A subscrição de riscos concentrados em determinada área

geográfica pode acarretar que eventos catastróficos resultem em um número elevado de

sinistros de bens e responsabilidades para uma seguradora. Planos de resseguros

conhecidos como resseguro de catástrofes protegem a seguradora, limitando suas perdas

a um valor determinado, mesmo que oriundas de múltiplas apólices emitidas, desde que

os sinistros sejam todos decorrentes de um mesmo evento.

ii) Aumento da capacidade de subscrição: Trata-se de um aspecto chave tanto em

termos da lucratividade como da aquisição ou manutenção de parcelas de mercado por

parte da seguradora. Na atividade seguradora atuante na área de seguros de bens e

responsabilidades, o conceito de capacidade se reveste de dois sentidos correlatos:

capacidade ampla, que se refere aos limites relativos para a cobertura de um

determinado risco, e capacidade para produzir prêmios, que se refere ao valor agregado

de prêmios que uma companhia pode subscrever. Em ambos os casos, tais limites

costumam ser determinados pelos órgãos reguladores, tomando como base o capital

próprio da seguradora. A utilização do resseguro permite que as companhias de seguros

subscrevam riscos acima de sua capacidade, retendo apenas o percentual do risco

compatível com seus limites. Isto é válido tanto para os riscos singulares como para o

montante global de riscos assumidos. É um recurso importante para que se viabilize uma

expansão do número de apólices emitidas sem que seja necessário imobilizar o volume

de capitais próprios que se fariam obrigatórios caso não fosse utilizado o resseguro.

iii) Equilíbrio da carteira: A utilização do resseguro supre ainda o requisito de se

desenvolver uma carteira equilibrada quanto a possibilidade de incidência de sinistros

cujo valor seja o mais homogêneo possível. A negociação de resseguros para sinistros de

maior montante permite um nivelamento das expectativas de desembolso por parte da

seguradora.

iv) Estabilização dos resultados: Surge como conseqüência do equilíbrio obtido com

a negociação com empresas de resseguros, pois ao retirar da carteira da seguradora os

riscos discrepantes, gera a perspectiva de estabilidade na incidência de sinistros e,

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portanto, na previsibilidade de desembolsos. Na verdade, determinadas modalidades de

resseguro cobrem quaisquer valores de sinistros que ultrapassem um limite previamente

acordado. Ao ter assim estabelecido um teto de indenização por sinistro, a seguradora se

beneficia de uma menor taxa de flutuação em seus resultados.

v) Fortalecimento da solidez financeira do segurador: Além de fortalecer a

capacidade de subscrição, o resseguro, ao pagar comissões a seguradora, permite que

estas restituam os gastos incorridos com a emissão da apólice original, alimentando o

fluxo de caixa da empresa cedente.

vii) Uma última e importante característica dos vínculos entre seguradoras e

resseguradoras é a possibilidade das primeiras contarem com o saber específico

acumulado pelas segundas quanto aos diversos tipos de riscos cobertos. A atuação

mundial das resseguradoras e sua experiência acumulada permitem o fornecimento de

informações muitas vezes cruciais para a aceitação – ou não – de determinados riscos

cuja avaliação requer conhecimentos mais sofisticados.

1.5.2 Modalidades de operações de resseguro

As principais modalidades de resseguros oferecidas são o resseguro facultativo e o

resseguro automático, ou por contrato. Tanto em uma modalidade como em outra, o

resseguro pode ser de caráter proporcional ou não. Descreveremos a seguir as duas

grandes vertentes do resseguro, com uma concisa explanação sobre suas características e

o papel que podem cumprir perante as seguradoras.

i) O resseguro facultativo se caracteriza pela realização de contratos caso a

caso, e normalmente é utilizado pelas seguradoras em operações de grande

vulto, onde o prêmio a ser arrecadado representa um ingresso significativo,

mas o custo eventual do sinistro acarretaria um impacto significativo na

capacidade financeira da seguradora, ou ao menos consistiria em um

desembolso muito elevado perante os padrões unitários de indenização

considerados aceitáveis pela companhia. O resseguro facultativo pode ser

contratado tanto na forma proporcional, onde o repasse percentual do prêmio

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auferido como a participação nos custos do sinistro são equivalentes, como

na forma conhecida como excesso de danos. Neste segundo caso, os valores

de indenização até um determinado nível são absorvidos pela seguradora, e

os custos acima deste valor pré-fixado são de responsabilidade da

resseguradora. Os valores contratuais já não são pautados por critérios de

proporcionalidade, devendo ser objeto de negociação especifica.

ii) O resseguro por contrato implica em um vínculo muito mais forte e

duradouro entre as empresas de seguros e de resseguros. Pode ser

operacionalizado tanto na forma de contrato proporcional por carteira, como

contrato de excesso de danos por carteira. O aspecto fundamental a ser

observado é que se constitui uma virtual sociedade de fato entre a seguradora

e a resseguradora em relação as carteiras de seguros cobertas por este tipo de

contrato de resseguros. É muito útil quando a seguradora entra em áreas

novas, ou enquanto tem uma carteira pouco volumosa e sem uma clara

capacidade de aferição dos riscos no ramo. Tais tipos de contrato sempre

implicam, na prática, em algum grau de acessória e repasse de qualificação

técnica da resseguradora para a companhia de seguros, particularmente na

estimativa e precificação dos riscos incorridos.

1.6 Administração dos riscos cobertos pelas seguradoras e o resseguro

No início deste capítulo foram listadas algumas das condicionalidades relativas a

atuação de uma empresa de seguros, no que se refere inclusive as informações

necessárias ao processo de precificação, a partir da expectativa de ocorrência de sinistros

por modalidade de seguros oferecida. Os três aspectos fundamentais para a gestão ótima

de uma carteira de seguros são, respectivamente:

i) A existência de uma grande massa segurada: quanto maior a quantidade de

riscos segurados, menor a probabilidade de desvios nos resultados

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esperados. A qualidade matemática do prêmio cobrado é função direta,

entre outros fatores, da massa de riscos existente na carteira segurada.

Dentro desse princípio, uma carteira em formação ou em extinção apresenta

muito maior risco que uma carteira grande e estável. De qualquer forma, na

sua política de prevenção de riscos, uma companhia de seguros deve

procurar formar um volume de apólices seguradas que lhe ajude a

minimizar o risco ou, dito de outro modo, que lhe dê massa necessária para

a maior consistência estatística possível.

ii) Homogeneidade dos valores segurados: Além do volume dos riscos

segurados, a companhia deve procurar homogeneizar tais riscos, isto é, os

valores segurados devem ser semelhantes,sem muita variação entre eles.

Uma carteira composta de um número grande de pequenos riscos e de

alguns grandes riscos poderá apresentar grandes flutuações, o que pode ser

minimizado pela política de aceitação de riscos da companhia.

iii) Dispersão geográfica: Para evitar concentrações regionais de riscos, a

companhia deve fazer a dispersão geográfica de suas aceitações. Riscos

situados geograficamente de forma dispersa diminuem a possibilidade de

flutuações representativas.

Este modelo ideal, contudo, é de difícil verificação prática, principalmente

quando a empresa se depara com a decisão de entrar em uma linha de produtos a qual

não está afeita. Nas palavras de Botti (1995)

“O risco das companhias de seguro advém do fato de que, na prática, agrupar riscos em

similaridade e em quantidade suficientes para que a lei dos grandes números funcione

perfeitamente e a atividade de seguros não tenha um componente de jogo é comercial e

tecnicamente impossível”.

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A partir da constatação acima citada, podemos considerar que uma atividade

fundamental para companhias de seguros consiste no gerenciamento dos riscos de

assumir uma carteira – ou carteiras - de riscos alheios. Três aspectos principais

compõem este processo, constituindo mesmo a coluna vertebral da tomada de decisões

por parte da companhia. Trata-se da política de subscrição (ou aceitação de riscos), da

decisão quanto a retenção destes riscos, e da modalidade de transferência de riscos a ser

adotada. No que se refere ao último dos três quesitos, já tratamos ao analisar as

modalidades de resseguro. Veremos agora os aspectos relativos a aceitação e retenção

dos riscos:

A aceitação do risco é a efetivação do contrato de seguro, e é conhecida como

atividade de subscrição por parte da seguradora. O termo subscrição – underwriting em

inglês – é decorrente da prática de assinar um contrato por parte de um ou mais

subscritores que, nos mercados do Lloyds, apunham sua assinatura nos contratos que

eram oferecidos em negociação. A atividade de subscrição é assim o fato determinante

da comercialização do seguro enquanto um produto. Em um sentido mais abrangente, a

subscrição é a atividade de seleção dos riscos demandantes de cobertura, e materializa,

em seu conjunto, a política de subscrição da companhia de seguros. Teoricamente, a

política de subscrição deve:

i) evitar um excesso de sinistros acima daquele nível de provisão de reservas

feitas segundo as taxas praticadas;

ii) assegurar um adequado volume de negócios;

iii) pensar a distribuição ótima não apenas no curto, mas, também, no longo

prazo; e

iv) conferir o devido peso à dispersão dos riscos assumidos.

A retenção dos riscos é conhecida no Brasil como a definição dos limites

técnicos, e pode incidir sobre um percentual do volume de prêmios da carteira de

apólices, ou sobre o patrimônio líquido da companhia. Retenção dos riscos significa o

percentual do valor dos sinistros que a própria companhia seguradora está disposta a

assumir; o que excede a este limite é objeto de repasse a uma resseguradora. Limites

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maiores de retenção de riscos significam também maior percentual de prêmios

arrecadados que permanecem com a seguradora. Precauções impostas pela regulação

também cumprem um papel fundamental, estabelecendo limites técnicos obrigatórios,

impedindo retenções de riscos que comprometam a capacidade de solvência da

seguradora.

1.7: Conclusões

A atividade seguradora cresce continuamente ao longo dos últimos trinta anos.

Seguros constituem um bem superior, no sentido de que o crescimento do volume de

vendas de apólices é mais que proporcional a evolução positiva da renda agregada dos

principais países do mundo. O crescimento do número e dos valores das apólices de

seguros de vida indica uma maior capacidade de poupança das famílias, refletindo a

ampliação da renda pessoal em diferentes países. Já o crescimento das operações de

seguros de ramos elementares espelha a trajetória ascendente do valor de máquinas,

equipamentos e instalações de propriedade de empresas produtoras de bens e serviços.

Reflete também a ampliação no volume de bens transacionados através do comércio

entre diferentes regiões e países, além de sinalizar a aquisição de bens de maior valor

agregado por parte das famílias.

A característica de bem superior de que se reveste a aquisição de uma apólice de

seguros também pode ser observada quando constatamos que os países de maior renda

per capita são os principais mercados para operações de seguros. Os Estados Unidos da

América respondem por quase 38% do total de valores de prêmios arrecadados, seguido

pela Europa Ocidental com 33,6% e pelo Japão, com 16 % (dados de 2003).

As operações de seguros são mapeadas historicamente através de documentos

que surgem desde 1347 na Itália. Todavia, inicialmente tratava-se de operações de forte

cunho especulativo, ou se revestiam de caráter de fundo para socorro mútuo, sem que

fossem utilizadas técnicas que fornecessem um fundamento científico aos negócios. A

base especulativa nas operações de seguros foi gradualmente suprimida com a

incorporação de novos instrumentos de cálculo matemático, que deram a atividade uma

feição de tratamento probabilístico dos riscos assumidos. A lei dos grandes números e,

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em especial, o tratamento da probabilidade da ocorrência de um evento tomando como

parâmetro as freqüências relativas observadas, irá constituir o fundamento da atual

instituição de seguros.

O caráter aleatório dos riscos que são objeto do contrato de seguros determina

toda a dinâmica de funcionamento das empresas de seguros. Elas assumem riscos quanto

a ocorrência de eventos futuros e incertos, e esta incerteza significa aqui que não é certa

a ocorrência do evento, ou – como no caso dos seguros de vida – a ocorrência do evento

é certa, mas sua data é desconhecida.

A pedra angular do cálculo da tarifa a ser cobrada em cada modalidade

específica de cobertura de riscos por parte da seguradora é o chamado valor matemático

do risco, que nada mais é do que a freqüência relativa com que ocorre um sinistro. A

definição do valor matemático do risco exige o conhecimento de uma amostra ampla de

riscos semelhantes e da quantidade de sinistros ocorridos nesta amostra, a cada período

de tempo. A relação entre o número de sinistros ocorridos dividido pelo total da amostra

é o valor matemático do risco.

O somatório das indenizações pagas a cada período, dividido pelo total de

sinistros ocorridos nos dá o custo médio do sinistro, ou valor médio indenizado no

período. A multiplicação da expectativa de valor matemático do risco pelo custo médio

dos sinistros do período anterior fornece o chamado prêmio puro. A partir deste valor

básico são calculados percentuais relativos a prevenção de oscilações na proporção de

sinistros, a previsão de gastos com despesas administrativas e ao mark-up destinado a

prover os lucros para a companhia.

A atividade seguradora compreende dois grandes ramos, o de seguros de vida e o

de seguros de ramos elementares. As seguradoras de vida asseguram uma indenização

para o caso de morte, e pensões para situações de doença ou invalidez. Os prêmios

podem ser pagos de uma só vez ou, o que é mais freqüente, através de uma série de

pagamentos regulares. Os fundos resultantes são investidos para gerar um rendimento

regular para os detentores de apólices ou um ganho de capital futuro. Assim, seguradoras

de vida são instituições que geram grandes volumes de poupança mediante diferentes

modalidades de apólices de seguros. Os tipos de apólices se dividem em seguros

temporários ou permanentes. Estes últimos, que geram o maior volume de recursos a

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disposição das seguradoras, se subdividem em seguros tradicionais e seguros que

assumem características típicas de fundos de investimentos. Os seguros tradicionais são

compostos um valor para indenização e por um valor garantido, o qual recebe juros ao

longo do tempo e permanece a disposição do segurado para saque em eventual situação

de cancelamento da apólice. Os seguros de vida acoplados a fundos de investimentos

constituem um produto financeiro típico, cujo risco é assumido pelo detentor da apólice,

e cujo valor irá variar no tempo em função do resultado apresentado pela carteira de

títulos que compõe o fundo de investimentos ao qual a apólice está vinculada.

Seguros de ramos elementares apresentam grande variedade no objeto a ser

segurado e nos formatos que as apólices podem assumir. As principais modalidades de

seguros de ramos elementares são os seguros de incêndio, de automóveis, de lucros

cessantes, de transportes, de responsabilidade civil e de crédito.

As características das operações de seguradoras de ramos elementares fazem com

que estas companhias dependam intensivamente da transferência de parte dos riscos

cobertos para companhias de resseguros. Os contratos de resseguros permitem que as

seguradoras pulverizem seus riscos, aumentem sua própria capacidade de subscrição,

equilibrem melhor suas carteiras de riscos cobertos e apresentem assim resultados

operacionais mais estáveis. Dado o acúmulo de capacidade técnica das resseguradoras, e

suas vastas bases de dados estatísticos, as seguradoras diretas muitas vezes recorrem a

expertise das companhias de resseguros para sua avaliação de determinados riscos e

subseqüente tomada de decisão.

As principais modalidades de contratos de resseguros são o resseguro facultativo

e o resseguro automático, ou por contrato. Resseguro facultativo é uma operação isolada,

relativa a cobertura de um risco de expressivo montante, o qual a seguradora procura

repassar parcialmente para uma ou mais resseguradoras. Já o resseguro por contrato

implica em um vínculo permanente entre a seguradora e a resseguradora (ou

resseguradoras), sendo automaticamente repassados um percentual dos riscos – e dos

prêmios – subscritos pela seguradora direta.

As operações de seguros são fundamentalmente constituídas pelo gerenciamento

de riscos não especulativos que incidem sobre as demais empresas e sobre os indivíduos.

Três aspectos compõem este processo de gerenciamento: a política de subscrição

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adotada por cada companhia, a decisão acerca do percentual de retenção dos riscos

assumidos e a modalidade pela qual um percentual de riscos é repassado para as

resseguradoras. Adicionando a estes aspectos as decisões referentes aos investimentos

dos recursos postos a disposição das companhias de seguros, ter-se-á definido o escopo

de atividades que constituem o âmago da atividade seguradora.

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Capítulo 2: Atuação das Companhias Seguradoras nos Mercados

Financeiros Internacionais

2.1: Introdução

As companhias de seguros despontam nos mercados internacionais como

fortes participantes nas linhas de investimentos de títulos de dívida e ações.

Historicamente, a atenção das autoridades responsáveis pela regulação e supervisão das

companhias de seguros esteve voltada para a aferição entre o montante dos ativos e a

carga de obrigações resultante das operações das seguradoras. Tratava-se, portanto, de

quantificar e verificar a existência de disponibilidades mínimas de capital, de forma a

garantir a capacidade de pagamento dos sinistros, estimados, estes, em função das

ocorrências verificadas em períodos anteriores.

Pode-se considerar que, dadas as características intertemporais das

operações de seguros, a conduta adotada pelos órgãos de regulação, quantificando

valores mínimos de ativos requeridos, constitui um caso de estratégia regulatória com

foco na manutenção da liquidez das seguradoras perante as obrigações futuras

decorrentes dos compromissos constantes em seus passivos. O enfoque de liquidez se

materializa tanto na quantidade exigida de ativos como na discriminação dos limites

para aplicação em cada modalidade de títulos financeiros e de propriedades. Estes

limites tomam como base a liquidez atribuída a cada classe de ativos. Exemplarmente, o

volume de ativos imobiliários sempre terá um limite percentual muito inferior a

aplicações em títulos públicos.

As transformações sofridas pelos diferentes mercados nacionais e a

crescente volatilidade apresentada nos mercados financeiros, além da própria expansão e

diversificação dos investimentos das companhias de seguros, têm evidenciado a

insuficiência dos instrumentos regulatórios relacionados à avaliação dos ativos destas

empresas. Um reconhecimento dos fatores que influenciam suas estratégias de

investimento e o impacto destas decisões sobre sua capacidade de solvência é o tema

deste capítulo.

A próxima seção examina os fundamentos gerais da solvência das

seguradoras e o papel das regras regulatórias na indução de políticas de investimento. A

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terceira seção se debruça sobre a relação entre contratos, estruturas de passivos e a

compatibilidade entre estas e as operações ativas das seguradoras de vida e ramos

elementares.

A quarta seção insere a discussão sobre os ciclos de negócios específicos do

mercado segurador (ciclos de subscrição) e sua inter-relação com os movimentos

conjunturais dos mercados financeiros.

A quinta seção analisa como as diferentes configurações dos mercados

financeiros nacionais e regionais conformam o escopo de alternativas de investimento a

disposição das companhias de seguros.

A sexta seção, refletindo preocupações recentes dos organismos

internacionais que cooperam com atividades de supervisão dos países membros, aborda

e detalha a participação das seguradoras nos mercados de derivativos, em particular na

transferência de riscos de crédito de bancos para seguradoras. A sétima seção enfoca

especificamente os derivativos vinculados a incidência de catástrofes.

A oitava seção inclui uma verificação do perfil de investimentos das

resseguradoras, e a nona e última seção apresenta as conclusões do capítulo.

2.2: Regras regulatórias e preservação da solvência: condicionantes da política de

investimentos das companhias seguradoras

As companhias de seguros arrecadam prêmios e pagam os sinistros de um

percentual do conjunto dos riscos cobertos. A atividade de subscrição de riscos é assim,

por definição, seu negócio precípuo. Todavia, este será sempre complementado pela

política de investimentos da companhia e, a rigor, estas aplicações financeiras são uma

contrapartida inevitável da lógica do negócio.

O mercado segurador tem como parâmetro chave para a aferição de seu

desempenho aquilo que é chamado de índice combinado – combined ratio em inglês. O

índice combinado é calculado através do somatório dos sinistros retidos, das despesas de

comercialização e das despesas administrativas de uma seguradora, dividido pelos

prêmios auferidos por ela. Mediante a agregação do Resultado Financeiro da seguradora

aos prêmios auferidos, tem-se o índice combinado ampliado. É usual que as despesas e

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receitas próprias do negócio segurador oscilem em torno de uma posição de equilíbrio,

que se materializa na razão entre o custo total como numerador e as receitas

operacionais como denominador. Quando esta razão excede a unidade por períodos

significativos, o negócio por si próprio demonstra prejuízos acumulados.

A atividade seguradora é caracterizada pela existência de fases, em que o mero

equilíbrio operacional, ou mesmo uma situação de prejuízo operacional pouco

acentuado, é compensado pelos resultados financeiros obtidos com a aplicação dos

recursos correntes à disposição das seguradoras, isto é, ela torna-se lucrativa a partir das

receitas financeiras obtidas pelas aplicações em várias modalidades de ativos.

A rentabilidade operacional das companhias de seguros depende, por um lado, da

adequação entre os riscos a serem incorridos, e de outro, ao volume de prêmios a serem

recebidos. A lucratividade operacional terá como elemento central a diferença, a maior,

da arrecadação de prêmios menos o montante a ser desembolsado, em cada período, a

título de indenizações. Enquanto os desembolsos não ocorrem, os valores proporcionais

aos gastos futuros com indenizações ficam reservados – constituem as chamadas

reservas técnicas. Estas reservas, por sua vez, estarão representadas no outro lado dos

balanços patrimoniais sob a rubrica de ativos garantidores, posto que são constituídos

para assegurar o equilíbrio entre os valores retidos como estimativa de sinistralidade

projetada e sua aplicação sob a forma de direitos materializados em títulos públicos ou

privados e outras formas patrimoniais, como imóveis.

A condição de solvência das seguradoras, proporcionada pela compatibilidade

entre seus ativos e passivos é, naturalmente, objeto privilegiado das normas de regulação

do setor. Não é por acaso que um dos principais instrumentos regulatórios, vigentes

tanto no Brasil como nos países da comunidade européia, é o cálculo da chamada

margem de solvência. A margem de solvência, tal como é estipulada, na regulamentação

brasileira8, deverá corresponder a suficiência do Ativo Líquido para cobrir montante

igual ou superior ao maior dos seguintes parâmetros: 0,20 vezes o total da receita líquida

de prêmios emitidos nos últimos 12 meses ou 0,33 vezes a média anual do total dos

sinistros retidos nos últimos 36 meses. Além destes requisitos, a Resolução do CNSP nº

8 Resolução 55/2001 do Conselho Nacional de Seguros Privados.

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73/2002 exige um capital mínimo, constituído por uma parcela fixa correspondente a

cada ramo de seguros e a cada região onde a seguradora pretenda atuar.

A concepção de margem de solvência, da qual a normatização brasileira é

exemplo típico, está hoje virtualmente posta em cheque. Uma concepção ampliada de

solvência passa a prevalecer, incorporando como viga mestra a avaliação de riscos por

modalidade de ativos e passivos das seguradoras. Seguradoras somam os riscos

referentes à composição de sua carteira de apólices aos riscos referentes à qualidade da

gestão de seus ativos. Isto atinge os ativos garantidores e, também, a gestão de seus

ativos livres, entendidos enquanto as aplicações que extrapolam o nível de reservas

necessário à manutenção da solvência.

As aplicações que conformam os ativos das seguradoras sofrem um conjunto de

restrições regulatórias diferenciadas em cada país, restrições que definem os graus de

liberdade com que as seguradoras poderão estabelecer suas estratégias de investimento.

Os reguladores definem uma estrutura para os balanços das seguradoras e para a gestão

dos riscos. Há ainda grandes diferenças entre os regimes regulatórios com relação tanto

aos portfólios de investimento quanto aos produtos de seguro. Recente estudo do Fundo

Monetário Internacional (2004) sugere que o estilo de regulação pode também encorajar

ou retardar o desenvolvimento das técnicas de gestão de riscos. Segundo este estudo, os

regimes de solvência que determinam requerimentos de capital baseados em modelos de

riscos – como o Risk Based Capital, adotado nos Estados Unidos, estimulam o

desenvolvimento de técnicas de gestão de riscos de carteiras, ao contrário dos modelos

ainda prevalecentes na maior parte dos países europeus e da América do Sul. Quanto à

União Européia, estes padrões foram definidos no bojo dos estudos realizados no âmbito

do projeto denominado Solvência I, que procurou acompanhar as elaborações relativas

ao primeiro acordo de Basiléia, conhecido como Basiléia I. Em anos recentes, conforme

será analisado no último capítulo desta tese, desencadeou-se o projeto Solvência II, o

qual trouxe, enquanto proposta central para o debate, a adoção de critérios baseados na

gestão de riscos como principal paradigma regulatório.

O já referido estudo do FMI assinala que os regimes regulatórios que impõe

requerimentos de capital baseados no risco, como é o caso nos EUA e Japão, encorajam

a retenção de créditos de bons ratings e, relativamente, desencorajam grandes retenções

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de ações, em função da maior volatilidade dos mercados de renda variável. Já a maioria

dos sistemas europeus de regulação de solvência, enquanto as diretivas referentes ao

projeto Solvência II não se materializarem, permanecem ainda focalizados em índices

que mensuram os volumes de ativos garantidores em função da arrecadação de prêmios,

não levando em conta a composição dos ativos na determinação dos padrões mínimos de

capital. É, todavia, importante ressaltar que alguns dos principais mercados europeus,

como o alemão e o britânico, já estão sendo regidos por modelos de avaliação de riscos

de ativos similares aos adotados pelos Estados Unidos, Japão, Austrália e Canadá. Os

padrões de solvência baseados no risco também concorrem para estimular maiores

desenvolvimentos dos sistemas de gestão de riscos do que os regimes baseados nos

volumes de prêmios ou aplicados estritamente à determinação de percentuais para

modalidades de ativos que participam da composição dos portfólios de investimento das

seguradoras.

2.3 Características dos diferentes contratos e estrutura de ativos e passivos:

influência sobre as políticas de investimento das seguradoras

A gestão de recursos de terceiros pode ser compreendida como uma

responsabilidade inerente à atuação das companhias de seguros. Tal atributo decorre do

princípio pelo qual todos os segurados contribuem para que aqueles sobre os quais recaia

a adversidade possam contar com os recursos resultantes do fundo comum, administrado

pela seguradora.

Se o conjunto da atividade seguradora se reveste deste componente mutualista,

cabe, contudo, assinalar que tal característica tem reflexos muito diferentes quando se

insere no escopo de atividades de cada um dos dois grandes ramos nos quais se

subdivide o mercado do seguros. Os chamados ramos elementares, voltados

prioritariamente para a preservação patrimonial, têm contratos de curta duração, e a

gestão de recursos relativos aos prêmios pagos deve, em geral, ser compatível com os

desembolsos programados para o período de um ano. Assim, a necessidade de liquidez e

a disponibilidade de capitais devem observar o prazo de cobertura de sinistros

estabelecido contratualmente.

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As companhias de seguros de vida oferecem um produto onde as características

de seguro e de poupança se confundem, constituindo um amálgama de atribuições

plasmado nos próprios termos e condições constitutivos da apólice. Como foi visto no

capítulo anterior, mesmo seguros de vida tradicionais são compostos por um valor que

aufere rendimentos de acordo com o tempo decorrido (o chamado valor garantido) e

uma outra parcela que constitui a indenização a ser paga na ocorrência do falecimento

do titular da apólice. O valor garantido tanto pode existir nas apólices de prêmio único

como pode estar embutido nas parcelas referentes a prêmios pagos periodicamente

(anual ou mensalmente). Conforme esses valores são pagos no decorrer do tempo, maior

o montante amealhado na rubrica de valor garantido, submetido, portanto, a

remuneração de acordo com os juros estipulados em contrato.

A característica de instrumento de poupança e o aspecto de gestão de recursos

de terceiros inclui de forma evidente as companhias de seguros no âmbito mais geral das

instituições financeiras, e é objeto explicito da ação regulatória, que determina as

condições gerais sob as quais tais recursos devem ser geridos pelas seguradoras. Muito

embora os métodos se diferenciem nacionalmente, as preocupações dos órgãos

reguladores sempre abrangem aspectos qualitativos e quantitativos dos investimentos

feitos pelas companhias de seguros. A especificação, quanto aos ativos que podem ser

utilizados, estará sempre subordinada à preocupação de minimizar perdas patrimoniais, e

os aspectos quantitativos remetem à capacidade da instituição em fazer frente aos

compromissos assumidos em função dos riscos subscritos junto ao público. Assim, ao

examinar as práticas utilizadas pelas companhias de seguros em suas atividades de

investimentos, pode-se considerar o marco regulatório como um elemento fundamental

na definição de suas estratégias.

Ao coibir práticas representativas de uma maior propensão a riscos, a ação

regulatória poderia ser, circunstancialmente, considerada como conflitante com os

interesses dos acionistas de seguradoras, no sentido de ser percebida como obstáculo a

uma eventual maximização de rentabilidade.9 Ao mesmo tempo, existe uma

9 Em relação ao caso brasileiro, estudo de Contador (1999) demonstra que a fronteira de eficiência nos investimentos das seguradoras está significativamente abaixo do que seria a fronteira ótima sob as restrições regulatórias. Os custos de oportunidade incorridos por estas empresas devem-se a não otimização de suas aplicações, muito mais do que a limites impostos pelo órgão regulador.

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convergência evidente entre as preocupações legais e os interesses básicos dos

acionistas, já que o conjunto de instruções dos órgãos reguladores visa assegurar a

solvência destas companhias, assegurando sua perenidade e viabilizando a permanência

do fluxo anual de dividendos.

O desempenho financeiro das seguradoras e a preservação de suas condições de

rentabilidade e solvência durante as diferentes conjunturas do mercado dependem

fortemente dos seus investimentos e estratégias de gestão de ativos e passivos. Uma das

principais condicionalidades da estratégia de ativos de uma seguradora é o perfil de

fluxos de caixa de seus passivos. Este perfil define a necessidade de retenção suficiente

de ativos com prazos e liquidez apropriados para permitir a liquidação dos mesmos no

tempo certo.

De um modo geral, pode-se considerar que a estrutura de passivos das

companhias de seguro incentiva-as a preferir investimentos em crédito do que em ações.

O perfil da carteira de riscos cobertos, em particular a temporalidade dos contratos, irá

cumprir um papel importante nas opções de aplicação de cada seguradora, segundo o

ramo de atuação predominante ou exclusivo. Seguradoras de ramos elementares

necessitam, em geral, de ativos cuja maturação é mais curta do que aqueles procurados

por seguradoras de vida. Seguradoras de vida são instituições de poupanças de longo

prazo, com grande proporção dos passivos registrados enquanto obrigações de valores

fixos em termos nominais ou tendo garantias nominais fixas. Então, os investimentos em

renda fixa de durações similares podem atender melhor os passivos típicos das estruturas

de pagamento destas seguradoras. Já as ações, apesar de oferecerem retornos mais altos

em períodos mais longos, têm fluxos de caixa menos previsíveis ou desconhecidos e

maiores perfis de risco e volatilidade do que as aplicações de renda fixa, especialmente

em períodos intermediários. As ações, então, podem ser uma fonte de fluxos de caixa

menos confiável, tendendo os instrumentos de renda fixa a casar melhor à maioria dos

passivos de subscrição das seguradoras de vida. Isto não impediu que fatores

conjunturais tenham acarretado uma ampliação de elementos de curto prazo nos passivos

das seguradoras de vida durante os últimos anos. Em particular no mercado norte –

americano, o acirramento da competição dentre os provedores de produtos de poupança

de longo prazo, tais como fundos mútuos, levou as seguradoras a atenuar as penalidades

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para cancelamentos antecipados e a criar uma maior variedade de apólices de vida, com

retornos garantidos e características de proteção do principal. A duração mais curta e a

maior variedade das apólices geraram passivos de maior volatilidade, estimulando a

demanda por ativos de curto prazo e hedges de riscos de mercado, acarretando ainda que

as seguradoras retivessem maior montante de capital para sustentar eventuais más

performances dos seus investimentos.

As considerações apresentadas acima indicam que a própria formatação dos

produtos que compõe os passivos das seguradoras, em particular as seguradoras de vida,

é influenciada pelo comportamento dos mercados. Como já referido anteriormente, a

expansão dos índices dos mercados de ações no período anterior a 2001 induziu o

lançamento de apólices de seguro de vida cujos rendimentos estavam atrelados a estes

índices. A crescente importância dos seguros de vida na provisão de pensões, juntamente

com as baixas taxas de juros, fez com que eles se tornassem instrumentos de poupança

mais atrativos do que investimentos alternativos, constituindo, assim, um motor

adicional da grande expansão dos mercados financeiros. O “boom” do mercado de ações

implicou no enorme aumento da popularidade de apólices vinculadas a fundos, tendo

como exemplos de alta incidência deste tipo de apólices; França, Reino Unido, Bélgica e

Suécia. Este tipo de apólice é um exemplo de prêmios únicos, que são apólices que são

pagas integralmente de uma só vez. As taxas de crescimento das apólices de prêmios

únicos foram maiores do que as de pagamentos anuais em diversos países, incluindo

EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Austrália, Holanda, Suíça e África do Sul.

As apólices de prêmios únicos são consideradas mais voláteis do que as de contribuição

anual, então, quanto maior a parcela do mercado que estas ocuparem, maior pode se

tornar a volatilidade do mercado de seguros de vida.

A menor volatilidade do crédito em comparação às ações implica que um setor

segurador com maior exposição ao crédito do que a ações deva ser mais estável. Apesar

do mercado de ações ter uma maior média de retornos do que os ativos de renda fixa em

longos períodos, ele também tem uma maior volatilidade em períodos menores. Os

títulos corporativos ao contrário, historicamente, têm uma média de retornos menor do

que o mercado de ações, no entanto, também, muito menos volatilidade.

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2.4: Ciclos de negócios e ciclos de conjuntura: influência nas estratégias de

investimento das seguradoras

As decisões de investimentos das companhias de seguros estão sempre acopladas

a fatores relacionados ao ciclo de negócios próprio ao mercado segurador – também

conhecido como ciclos de subscrição – e aos ciclos de conjuntura que se desenvolvem

nos mercados financeiros. O estudo dos ciclos de subscrição é objeto de um conjunto de

trabalhos especializados, com diferentes contribuições para a interpretação do fenômeno.

Tomando por base investigações relativas a diferentes períodos, alguns autores

relacionam fases de tensionamento nos preços à incidência de severas perdas de

subscrição ou de investimentos em um dado mercado. Um choque de capital na forma de

pagamentos de sinistros inesperados sobre as apólices existentes deteriora o capital das

seguradoras e puxa para traz a curva de oferta de curto prazo. Se o capital não puder ser

levantado a um custo relativamente baixo, as seguradoras passam a reduzir o montante

de cobertura e elevar preços, num padrão de ajustes gerador de um ciclo de subscrição.

(Cummins, Harrington e Klein, 1991, e Harrington e Niehaus, 1999).

O negócio segurador é, fundamentalmente, um negócio que envolve dotações de

capital monetário e capacidade de previsão probabilística de riscos. As condições de

oferta de seguros correspondem, assim, a estes dois fatores, disponibilidades de capital e

expectativas de custos decorrentes da incidência de sinistros. Uma mudança inesperada

nos preços dos ativos componentes do portfólio das seguradoras – como uma variação

mais acentuada nas taxas de juros, ou nos mercados de renda variável - pode gerar

choques externos ocasionando um ciclo de subscrição. ( Lamm-Tennant e Weiss, 1997,

e Fung, Lai, Patterson e Witt, 1998).

O volume de capitais à disposição das seguradoras – ou capacidade de capital – é

decorrente do retorno das aplicações financeiras e do volume de prêmios arrecadados,

menos os pagamentos das indenizações. A combinação entre rentabilidade das

aplicações e custos dos sinistros determina, conjunturalmente, o processo de

precificação das apólices de seguros. As variações destes parâmetros definem aspectos

cíclicos das políticas de subscrição das seguradoras, que comportam as fases de mercado

tenso (hard–market) e mercado frouxo (soft-market).

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Nas fases de mercado frouxo, os preços das apólices baixam e os seguros

crescem em termos de penetração nos mercados, isto é, o quantitativo de transações se

expande. Fases de mercado tenso, por sua vez, se caracterizam por rigorosa seletividade

nas decisões de subscrição de riscos, apresentando significativos aumentos nos preços

das apólices, e os valores arrecadados em prêmios crescem em detrimento do

quantitativo de apólices vendidas. Estes movimentos cíclicos são determinados por

variações na capacidade de capital das seguradoras. Com maior disponibilidade de

capital, as seguradoras podem assumir volume maior de riscos subscritos, e isto induz a

uma baixa nos valores cobrados nas apólices. Quando o capital das seguradoras se torna

escasso, menos riscos podem ser subscritos, e mais caros são os prêmios cobrados.

Em função da lógica dos ciclos do mercado segurador, cabe indagar quais fatores

contribuem para a variação das disponibilidades de capital das seguradoras. Pode-se

responder que o montante de capital disponível reflete tanto aspectos que impactam os

passivos das seguradoras, como fatores que atingem seus ativos. Maiores índices de

sinistralidade, como aqueles decorrentes dos episódios de setembro de 2001 em New

York, afetam pesadamente os passivos, dado o volume de desembolsos que se fazem

necessários para pagamento de indenizações. Variações nos mercados de ativos, por sua

vez, impactam os valores patrimoniais registrados nos ativos dos balanços das

seguradoras, contribuindo para alterar os montantes de capital disponíveis como suporte

aos riscos de subscrição assumidos.

Os ciclos de mercado frouxo e mercado tenso são mais perceptíveis no

comportamento das seguradoras atuantes em ramos elementares, onde os contratos são

mais curtos e os impactos em mudanças do grau (severidade e freqüência) dos sinistros é

muito mais volátil no comparativo entre diferentes períodos. Os ciclos de subscrição de

seguradoras de ramos elementares e sua intercessão com os ciclos de preços de ativos

financeiros podem ser melhor compreendidos utilizando-se como exemplo o período

entre 1999 e 2003. Os componentes de evolução dos ciclos no período em tela serão

assinalados a seguir:

i) Nos últimos anos da década de 1990, o desenvolvimento geral do setor

segurador foi fortemente influenciado pelas altas do mercado de ações, o

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que possibilitou consideráveis ganhos de capital para o setor de não-vida.

Se por um lado, o fortalecimento do capital próprio aumentou a

capacidade de subscrição, a demanda não aumentou no mesmo ritmo, o

que provocou uma substancial queda nos preços dos seguros. Porém, a

partir da metade do ano 2000, o mercado de ações passa a ter uma queda

brusca, o que culmina em uma profunda deterioração da lucratividade das

seguradoras de não-vida no ano seguinte, registrando em 2001 uma queda

de 35% no valor relativo aos ativos financeiros em carteira das

companhias de seguros em 2000 (Swiss Re – Sigma, nº 6/2001).

ii) A taxa de crescimento da demanda para os seguros de não-vida volta a se

acelerar, apesar de moderadamente, em 2000, como conseqüência da

expansão econômica geral. A conjuntura mundial favorável repercute

positivamente no mercado segurador, pois o crescimento global volta a se

acelerar atingindo uma expansão real de 3,8%. O crescimento da Europa

e dos países emergentes aumenta, enquanto a economia americana volta a

crescer 4,1%, apesar da desaceleração do crescimento no final do ano.

Assim, o forte crescimento econômico puxa para cima a demanda por

seguros. Os valores prêmios de seguros de ramos elementares nos EUA

tiveram, contudo, uma moderada aceleração do crescimento de 1,9%,

abaixo do crescimento real do PIB.

iii) Como mencionado, e a partir de uma visualização do ciclo de subscrição

dos seguros, o mercado americano em 2000 se encontrava em um período

de transição entre a fase de mercado frouxo e a fase de mercado tenso. A

mudança do ciclo é decorrente das quedas verificadas nos mercados de

ações, as quais fazem parte substantiva dos portfólios das seguradoras de

ramos elementares. Sem contar com a mesma rentabilidade antes obtida

nos mercados de renda variável, os preços baixos até então praticados nas

apólices não mais se sustentam, e as seguradoras optam por aumentar os

preços e adotar padrões mais rígidos na seleção dos riscos a serem

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cobertos por apólices (Swiss Re – Sigma nº 6/2001). Devido a esse

estágio de transição do mercado americano, os valores arrecadados em

prêmios dos seguros patrimoniais começaram a crescer em 2000,

crescimento que irá se apoiar principalmente nos contratos com empresas,

pois estes segmentos de mercado apresentam menor elasticidade-preço,

sendo a contratação de seguros de modo geral um aspecto compulsório

perante a necessidade de preservação patrimonial das corporações.

Conseqüentemente, o crescimento de prêmios de não-vida nos EUA foi

sustentado pela forte alta de 4,2% dos seguros comerciais. Ao mesmo

tempo, devido a elevação de preços, os seguros particulares se contraíram

em termos reais em 1,5%, no período. A baixa elasticidade-preço faz com

que o crescimento dos seguros de ramos elementares seja influenciado

pelo crescimento da economia com um todo no longo prazo, tendo como

fator determinante no curto prazo o ciclo de preços dos seguros.

iv) A situação no primeiro semestre de 2001 já explicita a aceleração dos

volumes de prêmios arrecadados, em consonância com o aprofundamento

da fase de mercado tenso. Nos países industrializados, o setor cresceu

5%, refletindo a transição do ciclo de subscrição dos seguros. Entretanto,

esse crescimento do volume de prêmios se contrapôs com uma

sinistralidade altíssima e com as significantes perdas nos mercados de

ações. Além dos sinistros referentes a catástrofes naturais, os danos dos

ataques de 11 de Setembro repercutiram seriamente no setor. Segundo

estimativas feitas, os danos assegurados, incluindo os de

Responsabilidade Civil, beiraram os US$ 40 bilhões (Mey, 2004). Esses

danos foram assumidos tanto por seguradoras e resseguradoras

americanas quanto por internacionais.

v) Paralelamente, os mercados de ações, que já se encontravam em retração

acompanhando a recessão econômica, entraram em colapso devido aos

danos e repercussões do ataque ao World Trade Center. A divulgação de

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fraudes contábeis em grandes empresas americanas, como na Enron,

quebrou a confiança dos investidores, o que impossibilitou a recuperação

dos mercados de ações em um curto espaço de tempo. Então, as

seguradoras foram obrigadas a fazer amortizações extraordinárias e lançar

mão de suas reservas líquidas, diminuindo sensivelmente os rendimentos

de seus investimentos. Em 2001, o capital se transformou em um bem

sumariamente escasso tanto para as seguradoras de vida como para as de

ramos elementares.

vi) Os acontecimentos de 2001 acarretaram um forte aprofundamento da fase

de mercado tenso, e os aumentos de preços geraram um novo crescimento

do volume de prêmios no setor de seguros de Ramos Elementares. As

taxas dos prêmios dentro das linhas comerciais aumentaram

sensivelmente. No entanto, apesar do aumento dos preços, os resultados

operacionais continuaram sendo insuficientes para recomposição dos

índices de solvência em níveis satisfatórios. Além da ocorrência de

diversas perdas advindas da ocorrência de alta sinistralidade no ano em

tela (2001), a indústria de seguros de Ramos Elementares foi afetada por

um afunilamento das reservas e pelas perdas advindas dos padrões de

subscrição mais relaxados dos anos de mercado frouxo anteriores a 2000.

vii) O mercado de ações em 2002 manteve-se em declínio, em um contexto

em que as seguradoras de ramos elementares ainda arcavam com

pagamentos relacionados aos sinistros ocorridos em 2001. Toda a

indústria seguradora se deparou com um outro ano de grandes perdas de

capital, o que levou as agências de rating a reduzir a qualificação de

diversas seguradoras de vida e ramos elementares. A continuidade da fase

de mercado tenso, contudo, permitiu, em termos internacionais, um

extraordinário crescimento da arrecadação de prêmios no setor de ramos

elementares, que cresceu 9,2%. A principal causa do notável crescimento

do volume de prêmios observado no setor de seguros de ramos

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elementares, que foi o maior desde 1986, foi o aumento dos preços pelo

mundo. Devido aos baixos retornos dos investimentos, as seguradoras

foram forçadas a desenvolver produtos que retomassem a lucratividade

operacional dos negócios. As taxas de prêmios aumentaram, em

particular, nas linhas comerciais. Em função dos aumentos substanciais

nos preços das apólices, o volume de prêmios de ramos elementares nos

EUA aumentou 11,1%. No entanto, o aumento de preços teve pouco

impacto nos ganhos das seguradoras, que tiveram que lançar mão de um

substancial montante de reservas para pagar sinistros de anos anteriores e

ainda ter que se deparar com a baixa rentabilidade de seus investimentos.

viii) Em 2003, o setor segurador desfrutou de uma melhora em seu ambiente

operacional (Swiss Re – Sigma nº 6/2004). O negócio de ramos

elementares continuou a aumentar, com a receita de prêmios crescendo a

uma taxa de 6%. O aumento dos preços das ações e a redução dos riscos

de crédito dos títulos corporativos puseram um fim à recessão instaurada

e aliviaram as pressões sobre os balanços das seguradoras. Cabe observar,

contudo, que as seguradoras nos países desenvolvidos – em particular

EUA e os principais países europeus – não puderam auferir uma

recomposição de seus níveis de capital a partir da melhora então

observada nos mercados de ações, pois, devido à necessidade de liquidez,

já tinham anteriormente reduzido as participações de ações em seus

portfólios e, conseqüentemente, incorrido em perdas nessa mudança

alocativa. O aumento das taxas de prêmios e a continuidade do rigor nos

padrões de subscrição se conjugaram a uma menor intensidade na

ocorrência de sinistros em 2003. O quadro de aguda escassez de capital se

ameniza, mas não ainda o suficiente para deter aumentos subseqüentes de

preços, até porque a melhoria causada pelos resultados de subscrição foi

temperada pela persistência de baixos retornos dos investimentos.

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A análise do período entre 1999 e 2003 permite apreender como os ciclos de

subscrição do mercado de seguros se entrelaçam com os movimentos conjunturais dos

mercados financeiros. A oferta de seguros é determinada pela capacidade de capital das

seguradoras, e este capital sofre flutuações decorrentes quer dos encargos originados

pelos seus passivos, quer pelos retornos auferidos nos ativos das seguradoras. A

oscilação das perdas registradas no passivo de seus balanços é diretamente vinculada à

ocorrência de sinistros, que as seguradoras procuram estimar utilizando as ferramentas

do cálculo de probabilidades. Aí reside, paradoxalmente, o aspecto empresarial

especulativo do negócio de seguros e resseguros: embora assumindo riscos de terceiros

de caráter aleatório, e denominando estes riscos de riscos puros, posto que despidos de

perspectivas de ganhos especulativos por parte dos segurados, as companhias de seguros

incorrem, elas próprias, em uma atitude eminentemente especulativa, ao presumir e

apostar que o futuro irá espelhar o passado e o presente. Os eventuais impactos

deletérios de distorções significativas nos parâmetros projetados são, contudo, atenuados

pela utilização do resseguro e pela capacidade de seguradoras e resseguradoras

dispersarem os riscos em relação a ramos e locais geográficos.

O período entre 1999 e 2003 é importante como material de análise, pois

combina forte e inusitado incremento no valor dos sinistros, com uma conjuntura dos

mercados financeiros de queda na rentabilidade dos ativos. Ainda que o setor de seguros

de vida não sofra oscilações pronunciadas em termos de quantidade de sinistros, também

é afetado pelo comportamento dos mercados financeiros. O aspecto predominante aqui

não se refere a alterações do índice de sinistralidade, não se observando, portanto, a

interveniência de ciclos de subscrição. O fator de instabilidade se refere às condições de

concorrência entre novos produtos oferecidos pelas seguradoras de vida e os demais

instrumentos de captação de recursos oferecidos por outras instituições financeiras.

O desenvolvimento de produtos vinculando seguros de vida a fundos de

investimentos de renda variável ampliou a competitividade das seguradoras, mas

também as tornou reféns do movimento conjuntural do mercado de ações, quer pelo lado

dos ativos, quer pelos compromissos assumidos junto aos segurados.

Em uma comparação de longo prazo, nota-se que no ano de 2000, os seguros de

vida tiveram uma taxa de crescimento bem acima da média, sendo este crescimento

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superado apenas pelas extraordinárias taxas de crescimento registradas no período de

1984 a 1986. Nos EUA, o crescimento dos prêmios dos seguros de vida foi em grande

parte puxado pelo segmento de previdência, o qual cresceu quase 9% em termos reais no

ano de 2000. O Reino Unido, o maior mercado de seguros de vida europeu, foi o maior

contribuinte para o grande crescimento do volume de prêmios deste setor, que foi de

16,4% na Europa Ocidental. Durante o auge especulativo do mercado de ações, as

seguradoras procuraram atrair capitais provenientes de investimentos privados,

comercializando apólices vinculadas a índices de ações, podendo destacar-se as apólices

de prêmios únicos. Em meados do ano 2000, este tipo de negócio já começa a diminuir e

começa a entrar em colapso em 2001 (Swiss Re – Sigma, nº 6/2001).

Durante o ano de 2001, a redução do volume de prêmios de seguros de vida

acaba por quebrar a tendência de crescimento do mercado vista nos três anos anteriores.

A taxa de crescimento real do volume de prêmios foi de -1,0%, contrastando com os

6,6% obtidos em 2000. Este foi um ano de dificuldades para as seguradoras de vida nos

países industrializados. As perdas sofridas no mercado de ações, fizeram com que

diminuísse drasticamente a demanda de apólices vinculadas a fundos e índices, sendo

estas reduções só parcialmente compensadas pelo aumento das vendas de apólices com

rendimentos garantidos, assim como produtos relacionados à previdência privada.

Paralelamente à queda do volume de prêmios, houve uma redução do rendimento dos

investimentos e do capital próprio das seguradoras, em função das perdas nos mercados

de ações. Além disso, as baixas taxas de juros também contribuíram para a pressão que

foi exercida nas seguradoras de vida (Swiss Re, Sigma nº 6/2002).

Em 2001, a indústria seguradora de vida não foi capaz de prolongar o acentuado

crescimento dos anos anteriores. Nos países industrializados, a taxa de crescimento

negativa foi resultado da crise nos mercados de ações e da conjuntura desfavorável da

economia global. Apesar da demanda por seguros relacionados a rendas e pensões ter

continuado a se beneficiar de reformas nos sistemas estatais de provisão de pensões, a

negociação de apólices vinculadas a fundos e índices se viu praticamente paralisada. As

seguradoras foram obrigadas a voltar seus investimentos para produtos que lhe

fornecessem rendimentos garantidos, cuja rentabilidade era menor. Ao final de 2001, as

seguradoras de vida não só apresentaram uma redução do volume de prêmios, mas

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também uma sensível piora dos seus balanços contábeis, principalmente como

conseqüência da conjuntura desfavorável do mercado de capitais.

Nos Estados Unidos a lucratividade das seguradoras de vida sofreu sensível

compressão. A baixa taxa de juros acarretou uma queda nos retornos dos investimentos,

e as seguradoras de vida sofreram perdas significativas devido à existência de

empréstimos problemáticos em seus portfólios de títulos. Por outro lado, pelo fato das

seguradoras americanas não possuírem mais de 4% de seus portfólios de investimento

em ações, a queda do mercado de ações não as afetou tanto. Conseqüentemente, suas

perdas se mantiveram dentro de um limite tolerável. Já a proporção elevada dos

investimentos em ações nos portfólios de seguradoras européias agravou sua situação,

pois foram duplamente afetadas pela redução das quedas no volume de prêmios e no

valor dos ativos negociados nos mercados de ações.

A indústria de seguros de vida foi particularmente afetada em países em que

ações representavam uma grande parcela do portfólio de investimento das seguradoras;

as taxas de juros asseguradas eram mais altas do que as disponíveis no mercado de

capitais; apólices com retornos garantidos ou atreladas a índices de ações apresentavam

uma considerável parcela do mercado e onde o mercado de seguros de vida é saturado.

Este quadro iniciado em 2001 agravou-se no ano seguinte, sendo que em 2002 as

exposições a ações foram sensivelmente reduzidas, especialmente no Reino Unido, e os

lucros passaram a ser alocados em investimentos em renda fixa.

As seguradoras de vida da Europa Ocidental apresentaram um crescimento de

1,2% no volume de prêmios em 2002. Apesar da inevitável queda da cotação das ações e

das baixas taxas de juros, as seguradoras de vida iniciaram um movimento em busca de

recuperação. Produtos com investimentos garantidos foram oferecidos em diversos

mercados com o intuito de fazê-los mais atrativos em meio ao ambiente de queda dos

mercados de ações. Os resultados dos investimentos das seguradoras de vida pioraram

em 2002, e algumas seguradoras acabaram por apresentar problemas de solvência, o que

reduziu o rating de muitas delas.

As baixas taxas de crescimento das apólices vinculadas a fundos persistiram em

2003. A demanda por produtos de poupança tradicionais também caiu, pois as

seguradoras de vida reduziram significativamente os retornos assegurados nas novas

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apólices. No entanto, a melhoria conjuntural da economia global ajudou a aliviar a

pressão nos balanços das seguradoras de vida, e a base de capital delas também se

estabilizou em 2003. Dentre os desenvolvimentos positivos do ano estão: a recuperação

dos mercados de ações; a redução do risco de crédito dos títulos corporativos; a

reestruturação dos portfólios de investimento tendendo a investimentos menos voláteis e

mais seguros; o fluxo de capitais obtidos via emissões diretas, vendas e reestruturação

das linhas de negócio; a redução dos rendimentos assegurados pelas novas apólices.

Todavia, a situação dos mercados de seguros de vida permaneceu difícil,

particularmente dentre as seguradoras européias, que reduziram significativamente suas

retenções de capital investido em ações, ao mesmo tempo em que o mercado de ações

esboçara uma reação. Já nos Estados Unidos, apesar da de 2,1% no volume de prêmios,

as seguradoras de vida conseguiram melhorar significativamente suas bases de capital

durante 2003, principalmente em função do fortalecimento dos mercados de capitais e da

redução dos riscos de crédito dos títulos corporativos (Swiss Re – Sigma, 6/2004).

Além dos aspectos regulatórios, da necessidade de gestão compatível entre ativos

e passivos e das influências advindas dos ciclos de negócios, as decisões de investimento

estão subordinadas às possibilidades objetivas que cada mercado nacional proporciona.

Isto será analisado a seguir.

2.5: Características dos mercados nacionais e diferenciação das estratégias de

investimento das seguradoras

O grau de desenvolvimento dos diferentes mercados nacionais e suas

características próprias são fatores que afetam fortemente o leque de alternativas

disponíveis perante as decisões de investimentos das seguradoras. Em países como o

Brasil, onde os títulos da dívida pública remuneram com altas taxas reais de juros aos

aplicadores, e o mercado de capitais apresenta um contorno de alta volatilidade,

concentração nos principais papéis negociados e pequena oferta de ativos securitizados,

as aplicações das seguradoras se destinam principalmente ao financiamento da dívida

pública. A realidade é distinta nos grandes mercados financeiros internacionais, onde a

oferta de diferentes ativos financeiros e a menor rentabilidade das aplicações em títulos

governamentais permitem e estimulam a variedade dos itens no portfólio das

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seguradoras. O Estudo do Fundo Monetário Internacional (2004) assinala a importância

dos aspectos nacionais para o desenvolvimento de diferentes estilos de investimento. De

acordo com as informações deste estudo, seguradoras americanas e japonesas

tradicionalmente têm privilegiado instrumentos de crédito, as britânicas têm preferido

ações e as da Europa continental um mix de securities do governo e ações. As estruturas

dos mercados nacionais e regionais subjacentes têm desempenhado um importante papel

na influência dessas preferências.

As diferenças nos mercados financeiras nacionais estão relacionadas a uma série

de fatores históricos, institucionais e refletem a estrutura econômica e social de cada

país. Se adotarmos o enfoque desenvolvido a partir de Gerschenkron (1962), podemos

considerar sistemas baseados em mercados de capitais, bancos ou, ainda, em

mecanismos de financiamento público. Em um sistema centrado na intermediação

financeira, no qual os bancos cumprem a função de prover a grande massa de

financiamento às corporações, os mercados de capital permanecem menos

desenvolvidos. Conseqüentemente, as seguradoras têm menos oportunidades para

investir em instrumentos de dívida direta e menos incentivos para desenvolver técnicas

de gestão de risco de crédito. Seus portfólios de ativos tendem a refletir a estrutura de

seus mercados de capital regionais ou nacionais. Em contraste, em um sistema centrado

no mercado de capitais, os negócios com títulos corporativos são mais bem

desenvolvidos e as seguradoras têm já uma longa tradição de investimentos e gestão de

riscos de crédito.

As diferentes estruturas nacionais têm sido expostas ao processo de mudanças

nos mercados financeiros internacionais que têm caracterizado os últimos vinte anos.

Apesar das diferenças locais, os mercados dos principais centros econômicos têm

sofrido a influencia das inovações financeiras e do processo conhecido como

desintermediação financeira. O uso e os desenvolvimentos dos mecanismos de

securitização irão marcar a evolução dos mercados financeiros até os dias atuais. Seu

principal impulso ocorreu na segunda metade da década de 1980, conforme podemos

depreender de Ferreira et al (1998):

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“Em termos globais, a década passada foi marcada pela dominância da securitização como

inovação financeira fundamental, propiciada em boa medida pela desregulamentação dos

sistemas financeiros de vários países e pela emergência dos investidores institucionais. Houve,

portanto, um abandono da forma típica dos anos 70: os empréstimos sindicalizados. Ou seja, os

bancos foram suplantados em sua função de intermediários. Essa mudança histórica transparece

nos dados apresentados: no período 1987-89, os títulos de dívida direta (bônus, floating rate

notes) responderam por 83,3% dos recursos captados nos mercados internacionais de crédito,

contra 16,7% dos empréstimos sindicalizados”.

O palco privilegiado para a observação destes fenômenos é constituído pelo

grande mercado financeiro norte – americano. A demanda por crédito corporativo no

sistema financeiro americano opera amplamente através dos mercados de capitais,

enquanto os bancos têm um papel mais proeminente na Europa e no Japão. O mercado

de títulos corporativos é a maior fonte de crédito para os negócios não financeiros nos

EUA. Este é um fenômeno que se desenvolve há décadas, ainda que sofrendo a

influencia de alterações no marco regulatório. Um artigo de Stephen Prowse, publicado

em 1997, elucida aspectos internos dos mercados de crédito norte–americanos, e o papel

desempenhado por companhias de seguros. Importante subsídio é dado, também, pelo

artigo quanto à influencia das mudanças regulatórias no comportamento das estratégias

de investimento das companhias de seguros.

O trabalho de Prowse é focado no mercado de títulos privados que não são

negociados através de ofertas públicas, mas vendidos diretamente aos potenciais

compradores. Estes papéis são denominados “private placements”, sendo títulos de

dívida emitidos por firmas privadas e isentos de registro junto a Securities and Exchange

Commission (SEC), constituindo um mercado distinto daquele de títulos de dívida

privada (private debt securities), que é regulamentado pela conhecida “Rule 144”,

adotada pela SEC em 1990. Por lei, “private placements” devem ser vendidos apenas

para um limitado número de investidores (usualmente companhias de seguro de vida).

Esses títulos são vendidos diretamente para os investidores institucionais e normalmente

no intuito de investimento, e não de revenda, ainda contendo uma cláusula confirmando

isso. Tanto as ofertas iniciais, quanto as transações secundárias deles, também são

restritas a esse grupo de investidores.

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Page 63: Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória · Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira Tese submetida

Durante o período entre 94 e 96, a emissão bruta desses títulos foi de quase 40%

do verificado no mercado de oferta pública regulado pela SEC. Ao final de 96, o setor

corporativo não financeiro tinha cerca de US$ 450 bilhões aplicados em private

placements, cerca de 70% dos empréstimos bancários (US$ 640 bilhões) e quase 50%

dos títulos públicos (US$ 950 bilhões).

Em termos de disponibilidade e publicidade das informações, relativas à

empresa, as exigências para colocação de títulos nos mercados de private placements são

inferiores a aquelas exigidas nas ofertas públicas, enquanto as firmas mais problemáticas

acabam restritas só ao mercado de empréstimos bancários. Então, o mercado de

colocações privadas de títulos é menos intensivo em informações do que o mercado de

títulos negociados em ofertas públicas, porém, provavelmente, bastante mais intensivo

do que o de empréstimos bancários.

Os termos contratuais diferem substancialmente de acordo com qual dos três

mercados de dívida está se operando. Na média, os títulos em oferta privada são maiores

do que os empréstimos bancários e menores do que os títulos negociados em oferta

pública. Prowse, a partir de dados de 1989, afirma que cerca de 80% destes empréstimos

está entre US$ 10 e US$ 100 milhões. As maturidades dos private placements

normalmente são mais longas do que a dos empréstimos bancários e mais curtas do que

a dos títulos listados em oferta pública, sendo mais de 50% deles próximos ao longo

prazo (entre 7 e 15 anos).

No final de 95, as seguradoras de vida possuíam US$ 250 bilhões em private

placements, representando cerca de 14% dos seus ativos em geral e 37% dos seus títulos

corporativos. Prowse irá ressaltar que as companhias de seguro de vida fazem grandes

investimentos em tecnologia de controle de riscos, tendo grandes staffs de analistas de

crédito, os quais avaliam a qualidade de crédito potencial dos tomadores de empréstimos

e realizam o monitoramento da solvabilidade das firmas as quais o crédito foi cedido. Os

custos operacionais do gerenciamento de riscos são cobertos pelo maior rendimento

ajustado pelo risco dos títulos adquiridos em oferta privada, em relação aos títulos

públicos, os quais exigem pouco ou nenhum monitoramento ativo por parte dos

detentores dos títulos.

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Mudanças regulatórias relacionadas à introdução de modelos de RBC– risk based

capital – tornaram maiores as exigências, por parte das seguradoras, para aquisição

destes títulos de colocação privada. Isto redundou na retração das emissões de títulos

com menor classificação nos sistemas de rating, esvaziando o mercado para empresas

posicionadas igual ou pior a BB-.

O artigo de Prowse (1997) antecipa em oito anos as conclusões presentes no já

referido estudo de 2004 do FMI, ao ressaltar o fato de que as seguradoras de vida

americanas são importantes fontes de crédito aos negócios. O montante de crédito a

corporações e consumidores retido nos portfolios de títulos delas cresceu rapidamente e,

hoje, supera os estoques de tais empréstimos nos bancos.

As companhias de seguros, em particular as de seguros de vida, usam uma

grande variedade de instrumentos do mercado de capitais para atingir as exposições de

crédito e ações desejadas, assim como os níveis de risco e lucro. Além do mais, devido

ao fato dos mercados de capital americanos serem muito líquidos, o montante de

atividade desempenhado pelas seguradoras têm pouco impacto nos preços ou na

volatilidade do mercado. Isso facilitou o aumento da capacidade de gestão de riscos das

seguradoras americanas, que vêm cada vez mais empregando pessoas e sistemas

especializados na gestão de risco de crédito. Títulos corporativos representaram 61% do

portfolio agregado dessas seguradoras no final de 2002 (FMI, 2004). As seguradoras

americanas também retêm seus investimentos em contas separadas, devido à existência

de produtos como annuities variáveis, nos quais como em um fundo mútuo, os

detentores de apólices recebem um retorno baseado nos ativos investidos. Em 2002,

28% dos ativos das seguradoras de vida americanas estavam em contas separadas, com

74% desses ativos sendo ações. Os produtos de seguro relacionados a contas de ativos

separadas passam explicitamente o risco de investimento ao consumidor final ou ao

detentor da apólice, e não representam um risco de solvência para a seguradora.

A estrutura do mercado britânico ajuda a explicar por que as seguradoras

britânicas historicamente têm uma alta proporção de investimentos alocados em ações e

uma alocação significativamente menor em títulos corporativos e governamentais. O

sistema financeiro britânico é orientado pelo mercado de capitais, como nos EUA, mas

continua a ter um mercado de títulos corporativos relativamente menor e concentrado.

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Em diversos aspectos, a estrutura do mercado britânico é similar à americana e a da

Europa continental. O mercado de ações britânico é grande e líquido, enquanto que os

empréstimos bancários a instituições não financeiras é maior em comparação ao PIB do

que nos EUA. Ao mesmo tempo, os mercados britânicos de dívida corporativa e

governamental são relativamente pequenos se comparados aos americanos, e a emissão

corporativa é concentrada em uns poucos setores, tais como o bancário. Em 1999, ações

representavam mais de 58% dos portfolios das seguradoras britânicas. Entretanto, desde

2000, elas têm aumentado significativamente suas alocações em títulos corporativos, ao

passo que os mercados de crédito europeus vêm se desenvolvendo mais amplamente, e

reduzindo suas alocações em ações.

Sistemas baseados em crédito bancário, tais como os vistos na Europa e no

Japão, têm relativamente menos mercados de títulos corporativos não financeiros e

maiores estoques de empréstimos. Entretanto, as diferenças estruturais entre EUA e a

Europa Continental vêm se estreitando desde a adoção do euro, tendo em vista que, na

área do euro, o mercado de títulos corporativos quase que dobrou de tamanho entre 1999

e 2003. Em contraste, a fraca demanda por crédito do setor corporativo e o prolongado

período de estagnação da atividade econômica no Japão, contribuíram para o vagaroso

crescimento do mercado japonês de títulos corporativos.

Na Europa Continental, a grande maioria dos créditos corporativos continua a ser

cedido pelo sistema bancário. Apesar do mercado de títulos de crédito europeu ter

crescido, permanece menos desenvolvido do que o mercado americano em termos de

diversidade de produtos e maturidades e é menos líquido. Conseqüentemente, as

seguradoras em alguns países da União Européia, como na Alemanha e Suíça, tendem a

reter montantes relativamente maiores de títulos governamentais e ações do que suas

congêneres norte-americanas. Tanto no mercado de títulos corporativos quanto

governamentais, as seguradoras de vida têm menos títulos de longa duração disponíveis

para poder fazer operações de hedge com os passivos de longo prazo. O tamanho

reduzido desses mercados de ações e de títulos de dívida direta restringe as grandes

seguradoras. Essas restrições limitam as ferramentas do mercado de capitais disponíveis

para a gestão de riscos das seguradoras. Entretanto, o mercado de crédito europeu vem

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se expandindo desde 1999, assim, as grandes seguradoras européias vêm desenvolvendo

suas técnicas e sistemas de gestão de riscos nos últimos anos.

No Japão, as seguradoras têm uma cultura de gestão de crédito, mas devido à

estrutura baseada na estabilidade dos relacionamentos entre empresas do país, isso se

deu principalmente através de empréstimos e, não, de títulos corporativos. Durante a

rápida expansão de crédito do começo dos anos 80, regulações garantiram às

seguradoras um exclusivo privilégio de provimento de crédito de longo prazo ao setor

corporativo. Durante o final dos anos 80, entretanto, a desregulação permitiu que os

bancos comerciais também competissem no mercado de empréstimos de longo prazo, e

desde os anos 90, vem havendo uma fraca demanda por empréstimos e uma capacidade

ociosa no setor bancário. Esses fatores combinados à deterioração da qualidade dos

empréstimos, reduziram as retenções de crédito das seguradoras e obrigaram-nas a

investir mais em títulos governamentais e, em alguns casos, títulos estrangeiros,

mudando a composição de seus portfólios.

De maneira similar ao ocorrido na Europa, a desregulação juntamente com a

conjuntura econômica favorável fizeram com que as seguradoras japonesas investissem

mais em ações. A severa e prolongada crise no mercado de ações japonês, entretanto,

expôs as seguradoras a significativas pressões de solvência. As posições das seguradoras

de vida em ações caíram de 35% para 9% do total de ativos entre 1989 e 2002,

primordialmente devido aos declínios dos preços, e não tanto às vendas de ativos.

Diferentemente das seguradoras européias, as seguradoras japonesas não venderam

ações durante a queda do mercado, mas a acumulação de perdas de valor erodiu suas

margens de solvência. Antigas apólices com altos rendimentos garantidos levaram as

seguradoras a spreads negativos em meio ao ambiente de baixas taxas de juros. As

seguradoras de vida passaram a pagar taxas médias de retorno garantido já estabelecidas

em torno de 3 e 4%, enquanto seus investimentos só geravam retornos de 1,5 a 2%.

A estrutura do mercado de capitais nos EUA facilitou os investimentos em títulos

corporativos, enquanto que os sistemas na Europa continental, na Grã Bretanha e no

Japão fizeram com que as seguradoras dependessem mais de títulos governamentais,

ações e empréstimos respectivamente. Como os mercados de títulos corporativos e de

crédito continuam a se desenvolver fora dos EUA, a ampla transferência de exposições

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de crédito dos bancos para as seguradoras deve continuar aumentando. Hoje em dia, vê-

se, relativamente, mais sistemas de gestão de risco especialistas em crédito e orientados

pelo mercado de capitais nos EUA; entretanto, a tendência em outros mercados é

evidente, e grandes seguradoras européias estão, rapidamente, aprimorando suas técnicas

de gestão de risco de crédito. Tem se tornado perceptível, ainda, um movimento de

convergência nas características dos mercados europeus e norte – americano. Estão se

esmaecendo as fronteiras entre mercados baseados em financiamento através de títulos

de dívida e emissão de ações e os mercados onde o financiamento da atividade

econômica constituía prerrogativa de instituições bancárias. Estas mudanças ampliam as

opções de aplicação das seguradoras tanto em termos dos instrumentos disponíveis como

em termos das regiões do mundo onde tais ativos podem estar sendo negociados.

2.6: Investimentos em derivativos de crédito e o papel das seguradoras monoline

Uma das características incorporadas à nova formatação adquirida pelos

mercados financeiros foi a chamada desintermediação, isto é, a crescente utilização de

títulos de dívida direta como instrumento de captação de recursos por parte das

corporações. Em substituição aos empréstimos bancários tradicionais, estes títulos

(notes, debêntures, comercial papers, bonds, etc...) recebem a denominação genérica de

securities nos mercados anglo saxões. Tal denominação deu origem ainda ao termo

securitization, que significa a transformação de outros instrumentos financeiros em

títulos. O caso padrão é o agrupamento de um conjunto de recebíveis como colateral dos

novos títulos emitidos.

Ao realizarem investimentos em títulos de dívida direta de corporações não

financeiras, as seguradoras estão diversificando seu portfólio de riscos, agregando aos

riscos subscritos nas operações passivas os riscos decorrentes da composição de seus

ativos. Além disso, ao participar como investidoras nos títulos lastreados em

agrupamentos de fluxos de caixa oriundo de diferentes contratos originais de

empréstimos, podem contar com uma prévia pulverização destes riscos embutida em

uma só operação de compra de títulos.

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Em termos técnicos, uma operação de securitização é um processo pelo qual uma

variedade de ativos financeiros normalmente ilíquidos e relativamente homogêneos (os

chamados ativos - base) são agregados em pools, passando a servir de lastro para a

emissão de títulos financeiros, os quais são, então, vendidos a investidores. Os fluxos de

caixa gerados pelos ativos-base são usados para pagar o principal e os encargos dos

títulos, além das despesas da operação. Os títulos, por seu lado, são lastreadas pelos

ativos e são conhecidos como Asset-Backed Securities (“ABSs”).

Normalmente, cada securitização tem três participantes:

• Uma instituição que origina os ativos base, por exemplo, um banco que

concede o conjunto de empréstimos que irá, posteriormente, servir de lastro para

o ABS. Estas instituições são denominadas em inglês originator; os ativos base

podem ser quaisquer recebíveis, isto é, fluxos de pagamento contratados.

• Intermediários (freqüentemente chamados de “Special Purpose Vehicles” –

SPV); estruturam a securitização e ajudam a viabilizar a venda das ABSs aos

investidores.

• Investidores; compram as ABSs.

Dentre os originators, destacam-se os bancos que, crescentemente, através das

securitizações, tentam pulverizar os riscos originários da sua atividade, particularmente

as concentrações de riscos de crédito, com o intuito de otimizar o uso de seus balanços e

suas práticas de gestão de riscos. Tais transferências de risco estão crescendo a taxas

muito altas, tendo-se, então, em andamento, um processo de realocação de risco de

crédito ou dos instrumentos de crédito do setor bancário para os setores não bancários

(Buckley et al, 2004).

Fundos de pensão e seguradoras vêm despontando como sendo os principais

investidores institucionais nesse mercado de crédito bancário, ou seja, estão absorvendo

o risco de crédito transferido pelos bancos. Tais intermediários financeiros apresentam

passivos relativamente longos, então, os instrumentos de crédito tendem ser uma boa

opção de investimento para facilitar o casamento entre ativos e passivos em seus

balanços (FMI, 2004). Como os fluxos de caixa gerados pelo portfolio dos ativos-base

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podem ser separados em vários pedaços, conhecidos como tranches10, os investidores

têm acesso a uma ampla variedade de combinações de risco, retornos e prazos.

Nas transações tradicionais de securitização, geralmente, o portfólio de ativos é

transferido, através de uma venda definitiva dos ativos a um intermediário, que emite

securities lastreadas a eles. Esses intermediários, Sociedades de Propósito Específico,

(Special Purpose Vehicles – SPV), são pessoas jurídicas formadas pelos originators,

cujo único objetivo é comprar o pool de ativos do originator com os fundos recebidos

através da emissão de securities lastreadas pelos próprios ativos. O balanço financeiro de

um SPV consiste dos ativos adquiridos do originator e de passivos constituídos pelos

títulos emitidos. Os títulos são quitados pelos pagamentos regulares que as terceiras

partes realizam para quitar sua dívida e, caso elas entrem em default, os investidores

(compradores dos títulos) arcam com a dívida.

O isolamento do risco de crédito dos ativos a serem securitizados e do risco de

crédito do originator é o principal objetivo das securitizações (Moody’s, 2003). No

entanto, o grau de separação dos ativos do originator pode variar. Nas transações

tradicionais de securitização, os ativos são efetivamente vendidos para um SPV, sendo,

então, excluídos do balanço do originator. Todavia, o desenvolvimento de novos

instrumentos possibilitou o isolamento parcial do risco dos ativos sem excluí-los dos

balanços contábeis.

Normalmente, a abordagem adotada é determinada pela natureza dos ativos a

serem securitizados. As estruturas das transações também tendem a variar dentre as

diferentes jurisdições, por exemplo, nos EUA são mais comuns as vendas definitivas dos

ativos, enquanto que na Europa continental o isolamento dos ativos tem sido mais

comum. No entanto, com o acirramento das pressões competitivas, vêm generalizando-

se os incentivos às transações com vendas definitivas.

O reforço de crédito é um importante instrumento na estruturação das transações

de securitização (Lumpkin, 1999). Ele protege os investidores contra dois tipos de

riscos: (1) o risco de o originator cometer um default nas suas obrigações junto ao SPV

nos casos onde um juros residual é retido pelo originator; (2) o risco de defaults dos

10 Diferentes classes de securities emitidas com diferenciados perfis de risco, retorno e prazos para atender às necessidades dos investidores.

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clientes do originator serem maiores do que o esperado ou o risco de ocorrência de

outras contingências que reduzam o valor de mercado dos ativos no SPV.

Um vasto rol de mecanismos de reforço de crédito está disponível a tais

transações, que podem ser caracterizados como internos ou externos. Um exemplo de

reforço de crédito interno é a sobre-colateralização, que consiste em fazer com que o

valor dos ativos transferidos ao SPV seja maior do que o montante de títulos emitidos

aos investidores. Uma outra forma comum de reforço de crédito interno é a

subordinação, na qual diversas classes de tranches de títulos são emitidas pelo SPV,

sendo algumas dessas subordinadas, ou seja, designadas a absorver eventos de crédito

acima do normal e outras que são protegidas do risco de default pela presença dessas

tranches subordinadas. Geralmente, a subordinação das tranches se dá na seguinte

ordem: tranches equity; tranches mezanino; tranches sênior; tranches super sênior.

Os mecanismos de reforço de crédito externo incluem diferentes tipos de seguro

de crédito, “guarantees” e letras de crédito de instituições financeiras tais como bancos,

seguradoras e resseguradoras. Destaca-se dentre os mecanismos a atuação de

seguradoras de crédito com altos ratings (geralmente AAA), especializadas no

provimento de proteção de crédito para títulos financeiros. Normalmente, elas fornecem

proteção apenas para os tranches sênior e super sênior, que desta forma podem refletir

em seus ratings a confiabilidade demandada pelos investidores. O processo de organizar

os ativos em pools relativamente homogêneos, facilita as análises atuariais dos riscos, o

que permite que as agências de rating de crédito e, em alguns casos, terceiras partes

garantidoras de crédito, reverem e validarem as decisões iniciais de subscrição de crédito

dos emprestadores.

As transações de securitização têm evoluído bastante nos últimos anos, tanto em

termos das entidades emissoras e dos investidores, quanto dos ativos securitizados e das

securities emitidas. Testemunhou-se o crescimento e o desenvolvimento de sofisticadas

ferramentas para estimar e gerir o risco de crédito, o que vem contribuindo para o

aumento da liquidez nos mercados de swaps e de hedge e, conseqüentemente, facilitando

o crescimento de alguns tipos de instrumentos de securitização.

Tal desenvolvimento somado ao crescimento da familiaridade das agências de

rating vem permitindo que as instituições transfiram risco de exposições de crédito

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selecionadas através do uso de derivativos de crédito. A junção do uso de derivativos e

dos mecanismos tradicionais de securitização em uma mesma transação tem se tornado

tendência proeminente, pois permite que os ativos a serem securitizados possam

permanecer no balanço dos originadores, o que faz com que a estrutura se torne passível

a hedges de todos os tipos de ativos financeiros. Na realidade, os ativos têm seu risco de

crédito temporariamente isolado (Lumpkin, 1999).

A combinação de derivativos de crédito e securitização tem uma maior

eficiência de custo do que as transações de securitização puras feitas por bancos de altos

ratings, possibilitando-os continuar a financiar seus portfolios pagando um prêmio

relativamente pequeno pelo hedge. O uso de derivativos também pode evitar problemas

legais e regulatórios se comparado ao uso das transações de securitização tradicionais.

Pelas razões acima elencadas, nota-se, nos últimos anos, um brutal crescimento do uso

dos instrumentos de securitização que são denominados não-consolidados, ou seja, que o

risco de crédito é transferido diretamente do originador para o investidor, sem a presença

de um intermediário (Rule, 2001a).

Um dos métodos para securitizar empréstimos diretamente sem o uso de um SPV

é a emissão de “Credit Linked-Notes” (CLNs). As notas são ligadas à performance de

um número específico de tomadores de empréstimos. As CLNs garantem que todos os

juros dos empréstimos securitizados passem do originator para os investidores. Os

investidores ficam intitulados a receber todos os pagamentos de juros e a restituição do

principal dos empréstimos em questão, mas também assumem o risco de crédito, ao

passo que os originators não têm obrigação de compensá-los por quaisquer perdas

advindas de um default de um dos tomadores de empréstimo do portfolio subjacente.

Pelo fato de todos os fluxos de caixa passarem para os investidores, CLNs possibilitam

os bancos a derivar benefícios de menores encargos de capital baseado no risco sem ter

que tirá-los do balanço.

Um outro método para securitizar diretamente os empréstimos é o uso de swaps

que se referem a um pool específico de ativos. Existem duas variantes: Credit Default

Swaps (CDSs) e Total Return Swaps. Nas transações de CDS, o originator entra em

acordo com uma contraparte em fazer pagamentos regulares (geralmente baseados no

montante do principal de um pool de ativos subjacente) em troca de proteção contra um

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evento de crédito específico, que não necessita se relacionar com o pool de ativos

subjacentes securitizado, ou seja, o CDS, diferentemente de uma transação de ABS, não

requer o casamento de fluxos de caixa entre os títulos subjacentes e as securities. O

evento de crédito pode ser definido de vários modos, todavia, geralmente, refere-se a um

default de um ou mais tomadores de empréstimo. Se o evento especificado ocorrer, a

contraparte faz o pagamento ao originator.

Já nos Total Return Swaps, o originator concorda em transferir para sua

contraparte os fluxos de caixa recebidos do pool de empréstimos designado somado a

qualquer aumento líquido no valor de mercado dos empréstimos. Em troca, a contraparte

faz pagamentos regulares ligados a algum índice de taxa de juros somados a qualquer

redução líquida no valor de mercado dos empréstimos entre as datas de pagamento

estipuladas. Sob a ocorrência de um evento de crédito especificado, o acordo de swap

termina e é calculado um pagamento final. Tanto os Total Return Swaps quanto os CDSs

permitem que o emprestador transfira os riscos de um pool de empréstimos, sem ter que

retirar os ativos de seu balanço ou notificar os tomadores de empréstimo (Lumpkin,

1999).

Já os CDOs (Collaterized Debt Obligations) são instrumentos que têm estruturas

similares às de uma securitização tradicional, no entanto, se diferenciam destas pelo fato

de reunirem um pool de ativos heterogêneo e, conseqüentemente, diferentes níveis de

risco de crédito. Pela heterogeneidade encontrada em seus portfólios, tais transações não

são muito padronizadas (Hyder, 2002). Os CDOs podem ser divididos em dois

principais tipos: Cash Flow CDOs e Market Value CDOs. Como já diz o nome, cash

flow CDOs, dependem dos fluxos de caixa gerados pelo pool de ativos subjacente. Tais

transações formam a grande massa de emissão de CDOs. Market value CDOs por outro

lado, requerem a venda dos ativos caso o valor de mercado rompa certos níveis

predeterminados.

No entanto, a evolução dos mecanismos de transferência de risco de um portfólio

de ativos juntamente com a tendência à utilização de instrumentos de natureza não

consolidada, deu origem ao que chamamos de CDOs sintéticos (Rule, 2001a). Esses

instrumentos são compostos por portfólios de riscos de crédito referenciados através de

CDSs e criando tranches sintéticos, representam os diferentes níveis de risco de crédito

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dentro do portfólio. Nos portfólios de CDSs a transferência de risco, como nos CDSs

simples, também é atingida sem qualquer mudança no controle legal dos ativos

subjacentes tanto via uma série de CDSs single name ou um CDS single referenciado a

todos os créditos no portfólio.

O mercado de derivativos de crédito vem crescendo a taxas altíssimas nos

últimos anos. Desde 1998, o valor nocional11 do montante de proteção vendida passou

de US$ 350 bilhões para mais de US$ 4 trilhões em 2004.

Evolução do mercado de Derivativos de Crédito (valor nocional)

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

anos

US$

bilh

ões

Derivativos de Crédito (valor nocional)

Fonte: Fonte: British Bankers’ Association (BBA); Board of Governors of the Federal Reserve System; U.K. Office of National Statistics; ECB; Bank of Japan; and IMF staff estimates; Global Credit Derivatives Survey, Fitch Ratings (2004).

Como já enfatizado anteriormente, as securitizações de natureza não-consolidada

vêm ganhando bastante força recentemente, haja vista que o volume de CDSs é o maior

e o que tem apresentado a maior taxa de crescimento dentre os instrumentos de

derivativos de crédito. Em 2003, dentre os US$ 3 trilhões de proteção vendida até então,

11 O valor de face dos ativos securitizados.

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os CDSs single-name alcançaram US$ 1, 9 trilhões, apresentando um crescimento de

100% em relação ao ano anterior, como destacado no relatório Fitch Ratings (2004). A

velocidade de crescimento continuamente maior do que a dos outros produtos pode ser

parcialmente entendida como reflexo do crescimento dos produtos de portfólio (que

cresceram 49% em relação a 2002), ao passo que intermediários e investidores assumem

grandes posições de single-name para fazer um hedge das suas exposições em portfólios

de CDSs (CDOs sintéticos).

Ainda que as dimensões e a liquidez dos diferentes mercados influenciem na

determinação da atuação das seguradoras (e demais investidores institucionais), a

experiência mostra que alterações no marco regulatório e institucional cumprem papel

chave para desencadear inovações financeiras bem sucedidas. Todo o processo de

securitização de recebíveis e de derivativos de crédito deflagrados nos mercados norte –

americanos foram fortemente facilitados pela atuação das seguradoras de crédito

monolines. O setor de seguro de crédito de títulos desenvolveu-se na década de 70 com

o estabelecimento de algumas companhias com ratings de AAA, para prover aos

investidores de títulos municipais americanos uma garantia da pontualidade do

pagamento dos juros e do principal originalmente determinados, em caso de um evento

de default do emissor. Em 1989, o Estado de Nova York fez uma emenda (artigo 69) na

sua lei do mercado segurador que requeria que todo o seguro de crédito de títulos fosse

feito através de monolines, ou seja, seguradoras especializadas nessa linha de negócios.

Subseqüentemente, outros estados americanos adotaram leis similares (Rule, 2001b).

A motivação para essa separação foi dar proteção aos detentores de apólices contra

falências de seguradoras. O artigo 69 define o seguro de garantia financeira e determina

os limites de risco simples e agregados, os requerimentos de capital baseados no risco e

as reservas de contingência obrigatórias.

As monolines deixaram de abranger só o mercado municipal americano,

diversificando sua atuação com o mercado de ABSs nos anos 80, e com o de CDOs nos

anos 90. Em 2000, cerca de 63% do valor bruto assegurado pelas monolines eram outras

obrigações, que não títulos municipais americanos. Essas obrigações eram

principalmente MBSs, outros ABSs, CDOs e portfolio de CDSs.

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Na estruturação dessas transações, destacam-se as posições dos bancos como

compradores líquidos de proteção de crédito, ou seja, transferindo o risco de crédito de

seus ativos, e as seguradoras como vendedoras líquidas de proteção de crédito ou, em

outras palavras, assumindo risco de crédito.12

Posições Globais de Derivativos de Crédito por Setor em 2002 (US$ bilhões)

Proteção de crédito

vendida Proteção de crédito

comprada Proteção líquida de crédito comprada

Bancos Globais 1.324 1.553 229 Seguradoras (incluindo as "monoline") 344 41 -303 Seguradoras (excluindo as "monoline") 152 15 -137 Seguradoras de crédito monoline 192 26 -166

Fonte: Fitch Ratings. Ibid FMI (2004).

Normalmente, as monolines apenas assumem risco de crédito dos tranches mais

seniores dos CDOs e dos CDSs sintéticos. Às vezes, uma transação envolve tanto

financiamento, quanto transferência de riscos, com uma monoline provendo uma

garantia financeira. Entretanto, geralmente, o banco ou o banco de investimento que está

comprando a proteção não precisa de financiamento. Nesse caso, ele apenas está

comprando proteção de crédito diretamente da monoline, normalmente sob a forma de

um portfólio de CDSs.

Além dos requerimentos regulatórios, as monolines são fiscalizadas pelas agências

de rating. A preservação do rating de AAA é vital para o ramo delas. As agências de

rating estimam e determinam uma incumbência de capital para qualquer transação

realizada por essas seguradoras. Essas incumbências de capital se elevam caso o rating

do devedor caia. A estabilidade do rating de AAA gera um spread maior e uma

estabilidade de preços das securities, ou seja, um benefício adicional aos investidores.

As agências de rating e os requerimentos regulatórios dão fortes incentivos para

monolines de ratings AAA não assegurarem os investimentos de maior risco ou grandes 12 Deve-se ressaltar também a participação dos fundos de pensão na venda de proteção de crédito.

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exposições de companhias, pois isso expõem-nas a eventos de risco. As finanças

estruturadas são atrativas a elas, pois o risco está em portfólios de ativos e, normalmente,

dividido em tranches. ABSs e CDOs segurados pelas monolines, normalmente, têm um

ou mais níveis de reforço de crédito além da apólice de seguro. Uma das formas de

definir o negócio das monolines é que elas emitem opções que são uma forma de

proteção dos investidores contra eventos de mercado que não a garantia em cash.

As monolines têm uma alavancagem relativamente alta. Seu capital combinado

com as reservas de prêmios representava cerca de 1,4% do valor bruto das dívidas

garantidas até o final de 2000 (Rule, 2001b) As companhias resseguram entre 10 e 20%

dos seus negócios. Isso se dá parcialmente através de divisão dos prêmios e perdas nos

novos negócios, parcialmente através de coberturas de resseguro específicas para riscos

particulares e parcialmente através de acordos de “stop loss”, que transferem um

montante finito de perdas para as resseguradoras, caso as perdas acumuladas excedam o

patamar estipulado em qualquer um dos anos de vigência do contrato. Elas usam,

principalmente, as grandes resseguradoras globais, mas também utilizam um pequeno

número de resseguradoras monoline. Além disso, as monolines têm linhas de crédito

especiais dos bancos, que elas podem usar caso as perdas cumulativas excedam certos

patamares.

O envolvimento das monolines, tanto no mercado primário, quanto no secundário

de CDOs, se dá das seguintes formas:

• As apólices de garantia financeira são emitidas com lastramento nos fluxos

de caixa dos ativos dos CDOs. No mercado primário, essa apólice é um dos documentos

de operação da transação. As notas podem ser negociadas no mercado secundário com

benefícios completos da apólice. No entanto, no mercado secundário, as monolines não

fazem parte da transação original. Então, a apólice é normalmente emitida em benefício

do detentor das notas do CDO e pode ou não ser transferível.

• Os CDSs são usados para prover um derivativo ou uma execução sintética

de um CDO. Em tais transações, as seguradoras monoline estão primordialmente

envolvidas com o tranche super sênior.

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Os CDOs são um componente importante dos portfólios da maioria das

monolines. Elas não beneficiam apenas os investidores e os financiadores das CDOs,

geralmente, são a chave para o sucesso da execução dessas transações inovadoras.

(Hyder, 2002). Alguns CDOs envolvendo ativos relativamente novos como dívidas de

mercados emergentes ou ABSs, não poderiam ter evoluído eficientemente sem o

envolvimento das seguradoras monoline, tanto a níveis do mercado primário, quanto

secundário. As seguradoras monoline têm os recursos, a especialização, e o

conhecimento financeiro para compreender os ativos subjacentes, conduzi-los com

aplicação, prover o feedback necessário para os investidores, interagir com as agências

de rating e trabalhar por longos períodos nas estruturas de transação mais novas e

inovadoras existentes.

As notas de CDO tendem a ser altamente ilíquidas, pois há poucas informações

empíricas disponíveis nas transações. No entanto, as CDOs asseguradas gozam de uma

maior liquidez do que as não seguradas, devido à estabilidade de ratings que as

seguradoras monoline proporcionam. Quando uma monoline está envolvida em uma

transação de CDO a nível primário, a transação tem que seguir os critérios de subscrição

estipulados por ela. As seguradoras monoline têm seus próprios padrões para a

diversificação de portfolio. A transação também se beneficia das detalhadas análises de

fluxo de caixa e documentações legais levantadas pela monoline. Assim, o mercado

secundário das CDOs se torna mais líquido.

Pode-se, então, perceber a vital importância das seguradoras monoline ao mercado

de derivativos de crédito. Notavelmente, as transações que envolvem portfólios de ativos

só puderam se expandir da forma como fizeram, devido às garantias, benefícios e

padronização que as monolines provêm.

2.7: Investimentos em Catastrophe Bonds

Os títulos de catástrofe são um dos derivativos financeiros mais recentes

transacionados nos mercados de capitais. A criação dos Cat bonds, juntamente com

outros produtos financeiros de mesma linha, como Opções de seguro de catástrofe, foi

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motivada em parte pela necessidade de cobrir as massivas perdas da indústria de P&C

nos últimos anos. Esses títulos também representam uma nova classe de ativos, pelo

fato de proverem um mecanismo de hedge contra desastres naturais, um risco que não

tem nenhuma correlação com índices dos mercados de capitais. Até então, não há

nenhum mercado secundário para esses títulos.

Até recentemente, as resseguradoras de ramos elementares, segundo uma visão

consensual da maioria do mercado, tinham eficientes mecanismos de precificação.

Entretanto, a ocorrência de catástrofes naturais como furacões e terremotos, passou a

impelir um impacto muito grande na indústria. Consequentemente, o setor antes visto

como estável, passou a apresentar algumas insolvências devido à ocorrência de desastres

como os furacões Andrew (1992), Opal (1995) e Fran (1996). Tais desastres voltaram os

interesses para o desenvolvimento de meios alternativos para a subscrição de seguros,

surgindo, então, os títulos de catástrofe. A primeira tentativa de emissão bem sucedida

de um título de catástrofe que se tem registro foi feita em 1996, ou seja, os cat bonds são

uma classe de ativo relativamente recente (Feder, 2002). O mercado de capitais proveu

uma nova fonte de segurança para o mercado segurador (Baryshnikov et al, 2003).

Uma das possíveis variações de um cat bond, acontece com uma seguradora ou

resseguradora que busca transferir o risco de uma catástrofe natural através da emissão

de um título de curto prazo com atrativas taxas de juros. Como todo título, os títulos de

catástrofe contêm o risco do tomador do empréstimo não ser capaz de pagar o principal e

os juros no momento adequado, comumente chamado de risco de crédito. Os tomadores

de empréstimo devem pagar um prêmio de risco na forma de uma taxa de juros baseada

na estimativa do mercado de capitais para seu risco de crédito.

Na maioria dos casos, o funcionamento dos títulos é relativamente eficiente. Os

títulos de catástrofe são financiados por uma entidade exposta ao risco de perdas

advindas de alguma catástrofe natural. A entidade pode ser uma seguradora que assumiu

exposições a catástrofes através de contratos de seguro ou pode ser uma entidade que

tenha exposição a catástrofes devido à localização de seus negócios. Em um cat bond, o

emissor busca mitigar suas exposições através da transferência de uma porção de seus

riscos ao mercado de capitais. Para induzir a aceitação do mercado de capitais, o emissor

deve concordar em pagar um retorno compatível com o montante de risco transferido.

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Normalmente, a transação é estruturada da seguinte forma: o originador forma

um SPV, que é uma corporação cujo único propósito é gerar fundos no mercado de

capitais e entrar em um contrato de resseguro com o originador. O SPV gera fundos

através da venda de dívidas para investidores no mercado de capitais. Para assegurar que

os fundos levantados estarão disponíveis no caso da ocorrência do evento de catástrofe,

é estabelecida uma conta de colateral em conjunto com a formação do SPV. Os fundos

arrecadados são depositados na conta de colateral e o originador recebe juros da security

nessa conta. Então, a conta colateraliza as obrigações do SPV junto ao originador. Ela é

estabelecida com uma política de investimento que a limita a investimentos de baixo

risco (renda fixa), assim como títulos públicos americanos ou outras securities de rating

AAA. A conta de colateral também entra em um contrato de Total Return Swap com

uma contraparte de alto rating para converter os lucros procedentes de seus

investimentos a uma base consistente com a taxa de juros estabelecida para o título e

para garantir o montante do principal dos ativos da conta de colateral (Fitch Ratings,

2001).

A transferência de risco de catástrofe é executada através de um contrato de

resseguro entre o SPV e o originator. Através desse contrato fica determinado que na

ocorrência de uma catástrofe natural especificada, dentro de um tempo predeterminado,

o SPV tem que desembolsar fundos da conta de colateral para o originador de acordo

com um fórmula específica. Os SPVs são pouco capitalizados e não conduzem outros

negócios. Conseqüentemente, se os fundos da conta de colateral são desembolsados para

o originador, o SPV não é capaz de realizar todos os pagamentos de juros e de principal

na maturidade. Ou seja, esse é o mecanismo através do qual o risco de catástrofes

naturais é transferido do originador para os compradores dos títulos.

A outra metade da equação é o mecanismo que compensa o mercado de capitais

pela aceitação do risco de catástrofe do originator. Os lucros gerados pela venda dos

títulos de catástrofe são depositados em uma conta de colateral, cujos investimentos são

limitados apenas às securities de altos ratings, ou seja, o retorno auferido pela conta de

colateral é essencialmente livre de riscos. Tendo em vista que a contraparte do swap

recebe um pagamento pela garantia oferecida através do Total Return Swap, o retorno

líquido dos fundos investidos da conta de colateral é quase que livre de riscos. Os

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detentores dos títulos não os adquiririam se o retorno não lhes compensasse o risco

assumido.

Ao passo que a conta de colateral tem ganhos quase que livres de risco, e os

detentores dos títulos os demandam a uma taxa que não é livre de risco, a diferença é

maquilada pelo originator na forma de pagamentos periódicos para o SPV. Esses

pagamentos representam o custo da proteção contra a catástrofe e são análogos aos

prêmios que seriam pagos a uma seguradora por uma cobertura, segundo um contrato de

resseguro.

Há diversas seguradoras e resseguradoras que vendem seguros para eventos

catastróficos. Os cat bonds oferecem aos originadores diversas vantagens. Uma das

vantagens é advinda da flutuação da capacidade das seguradoras de absorver catástrofes,

que são de baixa previsibilidade e estimação. O mercado de capitais é, então, uma fonte

significativa de capacidade adicional para os momentos em que a capacidade de

absorção das seguradoras for baixa. Os cat bonds também têm risco de crédito muito

pequeno, pois os fundos gerados pelos títulos são mantidos em uma conta de colateral e

investidos em securities de renda fixa de alta qualidade, cujos principais são garantidos

por swaps de contrapartes de altos ratings.

Número de transações e montante de emissões de Cat Bonds

Fonte: McGhee (2004).

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O mercado de títulos de catástrofe testemunhou um recorde no montante de

emissões no ano de 2003, que foi de US$ 1,73 bilhões. Tal montante de emissões

representou um crescimento de 42% em relação ao recorde de 2002, que foi de US$ 1,22

bilhões. Durante o ano, observou-se um total de oito transações, sendo três dessas

originárias de novos emissores. Desde 97, houve 54 emissões de títulos de catástrofe

totalizando cerca de US$ 8 bilhões.

De 97 a 2003, nota-se um aumento da padronização das transações de cat bonds

através de contínuas inovações, como por exemplo, na transação da Formosa Re, a

introdução do mecanismo de cupons ajustáveis. Nota-se, também, o crescente aumento

do montante de cada emissão. Já há alguns anos, prevalece uma tendência ao

estabelecimento de prazos de três anos para as transações.

A grande maioria dos tranches de cat bonds continua a ter baixos ratings,

normalmente de BB. No entanto, para atender as necessidades dos emissores e as

preferências dos investidores, tem havido a estruturação de tranches com outros ratings

(B, BBB, A). Assim, a base de investidores para essa classe de ativos continua a crescer

rapidamente, destacando-se o surgimento de fundos de gestão dedicados ao investimento

em cat bonds, que totalizam cerca de US$ 3 bilhões (McGhee, 2004).

O mercado de Cat Bonds apresentou um substancial crescimento em 2003, tanto

em termos do total de emissões, quanto da maturação do mercado. Os investidores

institucionais cada vez mais injetam novos capitais nessa classe de ativos. Então, a

junção dessas tendências com a redução dos custos para a emissão desses títulos, indica

o potencial para o contínuo crescimento do mercado. Os Cat Bonds continuam a ser um

importante complemento para o mercado de resseguro e, além do mais, representam

crescentemente uma importante fonte nova de capital para seguradoras e resseguradoras.

2.8: Perfil de Investimentos das Companhias Resseguradoras

As decisões de investimento das resseguradoras seguem, de modo geral, os

princípios que regem as decisões das seguradoras, em particular as seguradoras de ramos

elementares. As normas regulatórias sobre as resseguradoras são consideradas mais

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fluidas do que as aplicadas às seguradoras diretas, ainda que os investimentos da

indústria resseguradora estejam em algumas jurisdições sujeitos a exigências legais,

envolvendo tanto aspectos qualitativos como limites quantitativos para diferentes

modalidades de aplicações em ativos. Já os efeitos da classificação das agências de

rating pesam direta e indiretamente sobre as companhias de resseguros, afetando sua

política de investimentos. Isto ocorre porque, nos países onde já estão adotados

procedimentos de avaliação de riscos como método básico para a atuação dos órgãos de

supervisão, as avaliações dos riscos de crédito incorridos por seguradoras são em grande

parte afetadas por suas relações com resseguradoras. Se as seguradoras diretas se

relacionam com resseguradoras com ratings insatisfatórios, isto repercute em sua

avaliação de riscos por parte da autoridade supervisora, o que acarreta, inclusive,

maiores requerimentos de capital. Por sua vez, se as resseguradoras investem em classes

de ativos consideradas de maior risco, isto reduz sua qualificação por parte das agências

de classificação de riscos.

Há uma estreita relação entre os investimentos de uma resseguradora e a provisão

de cobertura de resseguro, cobrindo o período de recebimento do prêmio para

pagamentos de sinistros. Os ativos de investimento surgem primordialmente das receitas

obtidas com prêmios e do reinvestimento dos lucros. Resseguradoras reproduzem a

estrutura básica do negócio de seguros, mas o fazem em uma escala muito maior, o que

significa, também, a escala de capital necessário para operar em amplitude adequada a

dispersão dos riscos assumidos. Resseguradoras de menor porte, vinculadas a mercados

nacionais ou regionais, estão condicionadas a limites mais estreitos de retenção de

riscos, sendo obrigadas a repassar volumes significativos dos prêmios arrecadados

através de mecanismos de retrocessão. O mercado é assim fortemente concentrado, o

que será objeto de análise no próximo capítulo, destinado a análise dos processos de

consolidação nos mercados financeiros internacionais. Do ponto de vista desta seção, é

importante assinalar apenas o significativo volume de capitais que compõe o ativo do

balanço dos principais grupos resseguradores.

Um estudo recente sobre o mercado global de resseguros (IAIS, 2005) permite

que se observe a composição dos ativos que integram o balanço patrimonial consolidado

das principais instituições de resseguros:

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Elementos do Ativo % do Total Títulos de Dívida 40 Recebíveis de (Re)seguros 24 Investimentos em Ações 17 Caixa 10 Outros 9

Fonte: IAIS (2005).

Conforme o referido estudo, dentre os títulos retidos pelas resseguradoras, 35%

deles foram emitidos por Estados e 54% por emissores de setores de fora da indústria de

serviços financeiros. Menos de 7% do total foi identificado como sendo emitido por

instituições financeiras (dividido quase que igualmente entre bancos e outras instituições

de investimento).

Com relação aos recebíveis de (re) seguro, é esperado que um montante

significativo dos ativos das resseguradoras esteja exposto ao setor segurador. Essa

exposição surge de recebíveis relacionados ao negócio cedido (resseguro e retrocessão) e

prêmios relativos aos negócios diretos e de resseguro, que juntos contabilizam 24% do

total de ativos selecionados (21% e 3% respectivamente). Do montante relativo a

recebíveis dos negócios cedidos, 41% está coberto por colateral.

Investimentos em ações e participações contabilizam mais de 17% do total e

dividem-se da seguinte forma: 19% no setor segurador, 11% em instituições financeiras;

e 66% em outros setores. O caixa das resseguradoras, em sua maioria, está depositado

em bancos ou retido como depósitos dentro do setor segurador. “Outros” inclui

instrumentos de derivativos financeiros (6%), dos quais a maioria está coberta por

colateral e outros empréstimos e recebíveis (3%).

Ainda que alguns grupos resseguradores mantenham o controle de seguradoras

diretas, pelo menos 77% dos ativos selecionados estão retidos em não-filiadas. Ativos

retidos em entidades filiadas representam cerca de 22% do total.

Os balanços das resseguradoras reportadas apresentaram ativos totalizando

US$578 bilhões. O valor de mercado correspondente dos instrumentos financeiros

(levando em conta que nem sempre o valor de mercado é reconhecido nos estatutos

financeiros) totalizou US$ 629 bilhões, indicando um ganho não realizado de US$ 51

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bilhões ao final de 2003. Em termos do valor do balanço, as resseguradoras reportadas

investiram em instrumentos financeiros na seguinte proporção:

Instrumento Financeiro % do total Títulos da Dívida 57 Investimentos em Ações 24 Empréstimos não-negociáveis 2 Empréstimos de Hipoteca e Propriedades

4

Outros 13 Fonte: IAIS (2005).

O valor de mercado dos títulos de dívida retidos é de US$ 338 bilhões, incluindo

um ganho não realizado de US$ 11 bilhões. As resseguradoras retêm estes títulos para

cobrir a parte de longa duração de seus negócios, e a estatísticas mostram que a maior

parte de seus investimentos está nessa classe de ativos.

O valor de mercado de participações e outros investimentos em ações é de US$

174 bilhões, incluindo ganhos não realizados de US$ 34 bilhões. Desses ganhos não

realizados, US$ 12 bilhões relacionam-se com a retenção de participações das próprias

entidades reportadas ou de suas filiais, que sob circunstâncias normais não são retidas

por propósitos de liquidez e não estão disponíveis para venda.

Naturalmente, ganhos não realizados em ativos de renda variável flutuam de

acordo com os movimentos nos mercados de ações. A análise antes desenvolvida sobre

os impactos destas flutuações no portfólio das seguradoras é válida, também, para

companhias de resseguros. A drástica queda dos investimentos anteriormente a 2003,

naturalmente teve um impacto sobre os investimentos das companhias resseguradoras e

as retenções de ações foram parcialmente reduzidas em 2003. Ao mesmo tempo, cada

vez mais maiores montantes foram investidos em títulos de renda fixa, aumentando a

densidades destes papéis nas carteiras das resseguradoras. Movidas pela força da

performance positiva dos títulos corporativos em 2003, as resseguradoras obtiveram um

notável aumento dos retornos dos investimentos.

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2.9: Conclusões

A gestão de ativos financeiros é componente fundamental do negócio das

companhias de seguros. É usual que seguradoras, mesmo aquelas que atuam em ramos

elementares, atravessem períodos onde as receitas operacionais se mantenham

equivalentes aos custos incorridos com despesas administrativas e pagamentos de

indenizações aos segurados. A lucratividade destas empresas é atingida, nestes períodos,

através dos resultados positivos alcançados nas aplicações em ativos financeiros.

Os preceitos regulatórios nos diferentes países dedicam significativa

atenção ao volume e composição dos ativos das seguradoras. Até meados da década de

1990, o enfoque regulatório adotado de forma generalizada tinha como prioridade

garantir que as seguradoras pudessem dispor de liquidez necessária para fazer frente aos

pagamentos das indenizações referentes aos sinistros estimados em função da

quantidade de apólices emitidas. No mercado de seguros, a liquidez precisa estar

garantida ex – ante, dada a temporalidade de que se reveste a relação entre prêmios

pagos e sinistros ocorridos. Assim, o foco regulatório recai na chamada margem de

solvência (que, na verdade, poderia se chamar margem de liquidez).

A margem de solvência é constituída por um índice relativamente arbitrário

determinado pelo órgão regulador. O caso brasileiro, consoante com as regras

internacionais adotadas de forma relativamente padronizada até meados da década de

1990, define os níveis mínimos de retenção na forma de ativos através do maior entre

dois índices: 20% da receita obtida com prêmios nos últimos doze meses, ou 33% do

valor médio anual de sinistros ocorridos nos três anos precedentes.

Além de impor tais exigências quantitativas, as autoridades também

delimitam percentuais máximos de aplicação por classes de ativos. Títulos públicos,

ações e outros papéis considerados de alta liquidez devem compor a maior parcela dos

ativos financeiros possuídos pelas seguradoras. Entretanto, a qualidade destes ativos e a

flutuação de preços a qual estão expostos, não é objeto de aferição por parte das

agências regulatórias.

O conceito de margem de solvência utilizado no Brasil vigorou nos Estados

Unidos da América até cerca de dez anos atrás, e continua em uso na maioria dos países

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europeus. Todavia, tende a ser suplantado conforme gradativamente vão se

disseminando modelos regulatórios baseados na avaliação de riscos, os quais incluem a

mensuração probabilística de volatilidade nas diferentes classes de ativos que compõe o

portfólio das seguradoras.

As características das diferentes apólices oferecidas nos mercados de

seguros influenciam diretamente a estrutura dos passivos das empresas do setor.

Companhias atuantes em ramos elementares têm passivos curtos, geralmente em torno

de um ano. Seguradoras de vida têm passivos de longo termo e data de liquidação

incerta. Em cada um destes casos, a compatibilidade entre ativos e passivos requer

diferentes estratégias de investimentos nos mercados financeiros. Assim, o perfil de

fluxo de caixa dos passivos define requisitos de retenção de ativos com prazos e liquidez

apropriados, em função das necessidades de liquidação das obrigações contratuais

abrigadas pelas seguradoras.

O volume de capitais à disposição das seguradoras – ou capacidade de capital –

é decorrente do retorno das aplicações financeiras e do volume de prêmios arrecadados,

menos os pagamentos das indenizações. A combinação entre rentabilidade das

aplicações e custos dos sinistros determina, conjunturalmente, o processo de

precificação das apólices de seguros. As variações destes parâmetros definem aspectos

cíclicos das políticas de subscrição das seguradoras, que comportam as fases de mercado

tenso (hard–market) e mercado frouxo (soft-market).

Com maior disponibilidade de capital, as seguradoras podem assumir volume

maior de riscos subscritos, e isto induz a uma baixa nos valores cobrados nas apólices.

Quando o capital das seguradoras se torna escasso, menos riscos podem ser subscritos, e

mais caros são os prêmios cobrados.

Em função da lógica dos ciclos do mercado segurador, cabe indagar quais fatores

contribuem para a variação das disponibilidades de capital das seguradoras. Pode-se

responder que o montante de capital disponível reflete tanto aspectos que impactam os

passivos das seguradoras, como fatores que atingem seus ativos. Maiores índices de

sinistralidade, como aqueles decorrentes dos episódios de setembro de 2001 em New

York, afetam pesadamente os passivos, dado o volume de desembolsos que se fazem

necessários para pagamento de indenizações. Variações nos mercados de ativos, por sua

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vez, impactam os valores patrimoniais registrados nos ativos dos balanços das

seguradoras, contribuindo para alterar os montantes de capital disponíveis como suporte

aos riscos de subscrição assumidos. Conjunturas onde prevalece uma maior

rentabilidade nos mercados de ações e títulos de dívida ampliam a capacidade de capital,

induzindo as seguradoras a aceitar maior volume de riscos a preços menores, relaxando

as exigências de precificação. Fases de maior sinistralidade e/ ou menores índices de

rentabilidade nas aplicações financeiras reduzem o capital disponível e contribuem para

maior seletividade na subscrição de riscos, refletindo-se, também, nos preços praticados

pelas seguradoras.

O período entre 2001 e 2003 assistiu ao abrupto declínio dos mercados de ações

em âmbito internacional. Nos países onde ações representam uma grande parcela do

portfólio das seguradoras, como alguns países europeus, o impacto sobre a solvência

destas instituições foi considerável. Já seguradoras de vida norte-americanas, que não

possuem posições significativas no mercado de ações, apresentaram capacidade muito

mais consistente de suportar o período crítico entre 2001 e 2003.

As características dos diferentes mercados nacionais e regionais também

influenciam decisões de investimento, já que estas devem se adequar ao escopo de

alternativas ofertadas. De acordo com a conceituação desenvolvida a partir de

Gerschenkron (1962) os sistemas financeiros podem ser definidos como baseados em

mercados de capitais ou em financiamento bancário. Esta classificação preliminar, na

qual mercados de países anglo-saxônicos são definidos como tendo sistemas financeiros

baseados em mercados de capitais, demanda melhor precisão quando são comparados os

mecanismos de financiamento prevalecentes na Inglaterra e na América do Norte. No

caso inglês, o mercado de capitais funciona principalmente via negociação de ações,

enquanto nos Estados Unidos existe um amplo e líquido mercado para negociação de

títulos de dívida direta de corporações não financeiras. O portfólio das seguradoras em

cada um desses países reflete as diferentes proporções de ações e títulos corporativos

existente nos respectivos mercados. Nos demais países desenvolvidos, além dessa

distinção, assume relevo, também, o peso da dívida pública e a conformação

institucional dos mecanismos habituais de financiamento. No Japão, seguradoras têm

tradicionalmente disponibilizado empréstimos diretamente a corporações não

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financeiras, enquanto na Alemanha, o papel predominante dos bancos no leque de

financiamentos a empresas, influi nas possibilidades de ativos à disposição das

seguradoras, as quais tendem a reter prioritariamente títulos da dívida pública, além de

ações.

A observação dos processos em curso nos principais mercados financeiros

internacionais – em particular o mercado norte – americano – sugere que as companhias

de seguros podem contribuir fortemente para o financiamento das corporações não

financeiras. Além de cumprir uma atividade essencial para o desenvolvimento

econômico através da oferta de seguros, podem também tornar disponível grande massa

de recursos para a concessão de créditos ao setor privado. Podem ainda, através dos

diferentes instrumentos de securitização – aí incluídos os derivativos de crédito –

fornecer liquidez a títulos representativos de diferentes tipos de fluxos de caixa,

contribuindo para a ampliação das possibilidades de financiamento por parte de outras

instituições financeiras.

Inovações financeiras, mudanças regulatórias e investidores institucionais – com

ênfase nas companhias de seguros - são componentes interativos na expansão e

diversificação dos mecanismos de crédito colocados à disposição do setor privado não

financeiro. Constituem, portanto, elementos proeminentes na geração de poupanças

disponíveis para o giro dos negócios e a agilização dos mecanismos de funding, aptos a

otimizar a alocação de recursos ao setor produtivo. Tais inovações permitem ainda uma

melhor dispersão dos riscos por parte das seguradoras, em particular as seguradoras de

vida, proporcionando uma exposição mais diversificada, incluindo em seu portfólio de

ativos riscos vinculados à atividade bancária e de seguro de crédito.

Companhias resseguradoras refletem aspectos relevantes da lógica de decisões de

investimentos presente entre as seguradoras diretas de ramos elementares. O diferencial

é dado, evidentemente, pelas dimensões de capital. A amplitude das operações e a

concentração do mercado nas grandes resseguradoras se traduzem nos expressivos

valores aplicados por estas instituições nos mercados financeiros: o conjunto de

investimentos atingiu US$ 629 bilhões em fins de 2003. Desses, US$ 338 bilhões

estavam aplicados em títulos de renda fixa e US$ 174 bilhões em ações.

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Capítulo 3: Conglomerados Financeiros e Mercados de Seguros

3.1: Introdução

A transformação nos marcos regulatórios detém uma responsabilidade ímpar na

eclosão dos processos de consolidação nos mercados financeiros. Tal transformação é

composta por dois vértices complementares, sendo um relacionado à ruptura do modelo

de segmentação dos mercados internos e outro dirigido a extinguir as restrições antes

existentes ao livre fluxo internacional de capitais.

O movimento de desregulação doméstica irá acarretar, do ponto de vista do

mercado de seguros, um padrão de consolidação, onde a imbricação entre bancos e

seguradoras fortalecerá indubitavelmente o canal bancário como principal instrumento de

comercialização de apólices para os chamados seguros massificados, cada vez mais

negociados, enquanto parte integrante do pacote de serviços financeiros, oferecido pelos

bancos a seus clientes.

Os fatores que impulsionam o processo de consolidação são analisados neste

capítulo, com ênfase nas mudanças dos arranjos regulatórios ocorridas nos principais

mercados financeiros. A próxima seção elenca os diferentes elementos propulsores da

consolidação, iniciando por uma referência a própria globalização das empresas não

financeiras. A seguir, são consideradas as mudanças tecnológicas que constituem a nova

base técnica para as operações das corporações financeiras, as quais se conjugam e dão

suporte ao conjunto de inovações financeiras que tem tornado cada vez mais permeáveis

as fronteiras antes existentes entre os diferentes segmentos do mercado financeiro.

As transformações nos marcos regulatórios, dada a relevância de sua contribuição

para o processo de consolidação, constituem o tema da terceira seção. São enfocadas as

experiências correntes nos Estados Unidos da América, na Europa ocidental e no Japão.

A quarta seção descreve os mecanismos e padrões observáveis nas experiências de

consolidação, fornecendo uma tipologia dos diferentes arranjos e combinações existentes.

A quinta seção estuda especificamente as conseqüências da consolidação

financeira sobre os mercados de seguros. Especial atenção é dada tanto à consolidação

verificada nos mercados globais de resseguros, quanto à expansão dos processos de

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bancassurance, convergindo para o canal bancário um volume crescente de operações de

comercialização de seguros.

A sexta seção apresenta as conclusões do capítulo.

3.2: Fatores que impulsionam a consolidação financeira

As transformações nos mercados financeiros, evidenciadas a partir dos últimos

vinte anos do século XX, constituem um processo interativo, onde a especificação de

causalidades unidirecionais nem sempre é tarefa fácil. Movimentos regulatórios

interagem com inovações financeiras, que se expandem a partir da ampliação da base

tecnológica e alteram tanto os produtos como a dinâmica dos mercados. Estas mudanças

geram novas demandas regulatórias, ao mesmo tempo em que colocam desafios perante o

modo de operar dos participantes dos diferentes segmentos do mercado financeiro. O

processo conhecido como globalização financeira se desenvolve sob o signo das

mudanças regulatórias e do uso intensivo de novas tecnologias, que conjugam avanços na

informática e nas telecomunicações. Entremeadas a estas mudanças regulatórias e da base

tecnológica, temos a eclosão de novos produtos – as inovações financeiras, dentre as

quais se destacam os já descritos processos de expansão dos mercados de títulos, e de

geração de títulos constituídos a partir de instrumentos tradicionais de crédito, dando

lugar crescente nos mercados financeiros aos produtos securitizados. Sob diversos

aspectos, ocorre um esmaecimento das fronteiras relativas aos diferentes ramos de

atividade, muitas vezes a partir de inovações financeiras e dissolução de rígidas barreiras

regulatórias antes vigentes.

Ao observar o processo de consolidação no interior dos mercados financeiros,

cabe inicialmente assinalar que este fenômeno replica um movimento de fusões e

aquisições que se desenrola em todos os mercados globalizados, envolvendo todos os

tipos de indústrias. Mercados amplos e líquidos irão oferecer estímulos ainda mais

poderosos ao movimento de formação de diferentes modalidades de acordos e uniões

entre empresas, com maior evidência para as fusões e aquisições. A própria

disponibilidade de ativos financeiros diversificados, compondo um amplo leque de

alternativas negociáveis em mercados organizados e, portanto, gerando significativas

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expectativas de liquidez, leva a uma reconfiguração dos padrões anteriores de avaliação

dos investimentos. Carneiro (1999) afirma que:

A financeirização amplia o escopo do investimento puramente patrimonial das empresas, ou seja, aqueles realizados com o intuito de obter ganhos patrimoniais imediatos. Daí a grande onda de fusões e aquisições domésticas e internacionais que caracterizaram os últimos 20 anos. Quanto ao investimento diretamente produtivo, embora continue sendo essencial e induzido pela concorrência, sofre importantes modificações, tais como as exigências de maior liquidez – na prática um período de amortização mais curto. Isto significa uma restrição adicional ao investimento e certamente constitui outra das razões para seu menor dinamismo decorrente da liberalização financeira.

O encurtamento no horizonte dos retornos é, por si só, um fator importante no

sentido de direcionar decisões de investimento no sentido de “comprar pronto”,

fundamentalmente em ramos de atividade onde a concorrência não se apóia

principalmente em domínio de tecnologias exclusivas desenvolvidas internamente à

corporação. Comprar pronto significa adquirir um fluxo de caixa já em andamento, além

de permitir a diversificação de produtos usando o canal recém adquirido. Significa, ainda,

fortalecer posições de mercado que eventualmente permitam políticas mais favoráveis de

formação de preços.

Em adição ao predomínio de um enfoque financeiro e “curto – prazista”, podemos

considerar ainda que a internacionalização dos mercados faz com que o processo de

consolidação ocupe um papel destacado nas estratégias corporativas em diferentes ramos

da economia. No caso específico das empresas atuantes nos mercados financeiros, pode-

se elencar como alguns de seus fatores impulsionadores, em ordem inversa de

prioridades, questões vinculadas ao próprio processo de globalização produtiva, aos

avanços tecnológicos, a disseminação das inovações financeiras e as mudanças

regulatórias implementadas em âmbito internacional.

3.2.1: Globalização Produtiva e Consolidação Financeira

Alguns aspectos da globalização, relativos ao comportamento das corporações não

financeiras nos mercados internacionais, criam pressões adicionais à internacionalização

dos provedores de serviços financeiros. A globalização afeta fortemente as instituições,

ao lhes induzir a prover serviços de vendas em massa em múltiplos mercados. O aumento

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do número de corporações globais exige dos provedores de serviços financeiros o mix de

produtos necessários para atender qualquer necessidade de investimento ou de

gerenciamento de riscos em qualquer locação, onde as corporações operem. Ou seja,

como as corporações não-financeiras aumentaram o escopo geográfico de suas operações,

criaram uma demanda por provimento de produtos e serviços financeiros atrelados à

natureza internacional de suas operações. A manutenção da presença em múltiplos

mercados financeiros, oferecendo um amplo leque de produtos e serviços, pode acarretar

relativamente altos custos fixos, criando a necessidade de um grande tamanho para atingir

economias de escala.

3.2.2: Mudança Tecnológica e Consolidação Financeira

A introdução das mudanças tecnológicas gerou alterações nos padrões de

concorrência ao permitir economias de escala, viabilizando dimensões ampliadas para a

comercialização de produtos e serviços. Facilitou, ainda, que estes assumissem

características de commodities, passíveis de serem transacionados por diferentes tipos de

instituições financeiras. Ao mesmo tempo, permitiram o desenvolvimento de ferramentas

geradoras de vantagens de escala na atividade de gerenciamento de risco, inclusive

contratos de derivativos e outras garantias.

Os avanços tecnológicos, combinados com as técnicas da engenharia financeira,

possibilitaram tanto a criação de novos serviços e produtos, como a reformatação dos

riscos financeiros de produtos já existentes, atendendo, assim, as necessidades de

gerenciamento de risco e de investimento de consumidores específicos. Corporações

financeiras com infra-estrutura tecnológica apropriada podem oferecer um arranjo de

produtos e serviços mais extenso, para um número maior de clientes em uma área mais

abrangente. Ao mesmo tempo, a tecnologia disponível possibilita que as instituições

financeiras façam rápidos ajustes nos seus portfólios de investimento, através das

crescentes conexões globais entre os mercados financeiros13.

13 Um exemplo corriqueiro é a utilização de ordens pré – programadas de compra ou venda de títulos, quando estes atingem determinadas cotações nos pregões eletrônicos internacionais.

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Serviços financeiros, objetivando atingir vendas massivas, têm altos custos em

investimentos em tecnologia, porém pequenas margens, dada a intensificação da

concorrência que inclina para baixo os preços. Assim, os provedores desses serviços

perseguem fusões e aquisições como meio de dividir esses custos por uma base maior de

consumidores. As grandes melhorias na velocidade e na qualidade das telecomunicações,

computadores e serviços de informação ajudaram a reduzir os custos informacionais e

transacionais. Esse desenvolvimento teve um grande impacto na indústria de serviços

financeiros e, em conjunto com a desregulação da oferta de produtos, resulta em uma

competição na base de produto por produto. As instituições financeiras de todos os tipos

oferecem agora produtos e serviços que não competem apenas com os oferecidos pelos

competidores do setor, mas, sim, com também com aqueles providos por outras

categorias de provedores de serviços financeiros. Por exemplo, os bancos estão

crescentemente se engajando em atividades não tradicionais, como a venda de seguros.

Em meio a esse processo, muitos produtos financeiros estão sendo convertidos em

commodities, caracterizados por um alto grau de padronização e competição focada no

preço.

3.2.3: Diversificação de Produtos, Securitização e Consolidação Financeira

As margens de lucros em diversos segmentos financeiros se estreitaram como

resultado da facilitação da entrada e da natureza de commodities que muitos dos produtos

financeiros assumiram. Então, baixas margens implicam na necessidade de altos volumes

para a geração de retornos mais altos. Essa necessidade fez com que algumas firmas

optassem por fusões e aquisições como meio de atingir essa massa crítica. Este tipo de

procedimento também vêm sendo uma opção freqüente para bancos que buscam se

afirmar em um sistema global. Adquirindo uma instituição já existente em dado mercado,

o adquirente pode ter uma posição mais rapidamente do que teria com uma estratégia

orgânica de crescimento.

Em adição à crescente necessidade de provedores de serviços financeiros para

expandir a escala de operações, a globalização influenciou na mudança do dinamismo

competitivo de outros segmentos de mercado. Diversos produtos financeiros são agora

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oferecidos internacionalmente por competidores globais, através de canais diretos e

indiretos. Alguns produtos e serviços bancários tradicionais ainda são providos em níveis

regionais ou locais, porém uns poucos provedores globais (tendo como exemplo os

bancos espanhóis na América Latina) começaram a fazer incursões competitivas em

diversos mercados. Então, participantes nacionais e regionais são forçados a responder a

essa ameaça imposta pelos novos entrantes, seja através da emulação da oferta dos

produtos (que reforça o processo de “comoditisation”), ou do oferecimento de preços

melhores, que requer um aumento de eficiência, ou do oferecimento de serviços melhores

ou diferenciados.

O formato tradicional de intermediação financeira torna-se cada vez mais

secundário perante a ampliação dos mercados de emissão de títulos representativos de

dívidas das corporações. Instrumentos de captação de recursos junto ao público passam a

ser oferecidos por um conjunto de instituições que, a um quarto de século atrás, não

existiam, como é o caso dos fundos mútuos. Carvalho (1998) ilustra o poder de competição

destes fundos em relação à indústria bancária:

“Conforme ocorreu em outros segmentos do mercado financeiro, alguns destes fundos foram criados para evitar restrições regulatórias sobre aplicações permitidas às instituições financeiras e sobre o pagamento de juros sobre depósitos à vista, como nos casos dos fundos do mercado monetário. Para os indivíduos, estes fundos oferecem a possibilidade de ganhos de juros sobre saldos transacionários, algo que os depósitos à vista nos bancos comerciais, em geral, não podiam oferecer. Por outro lado, a possibilidade de escolher aplicações livres das restrições impostas pelas autoridades monetárias sobre os bancos, permitiu a estes fundos alcançar retornos mais elevados, ainda que ao custo da aceitação de riscos maiores.”

Como foi visto nas seções precedentes, companhias seguradoras e fundos de

pensão também assumem destacado papel nos mercados de crédito, particularmente no

vasto mercado norte – americano. Este padrão de financiamento centrado no mercado de

capitais parece estar, tendencialmente, se mesclando com o padrão centrado em

financiamento bancário, especialmente no continente europeu, a partir das perspectivas de

um mercado unificado sob uma única moeda.

Na mesma linha de raciocínio exposta acima, o Report on Consolidation observa

que a globalização dos mercados de capitais contribui para a mudança de um sistema

centrado nos bancos para um centrado no mercado. Como os mercados de capitais se

expandiram, se tornando mais líquidos e eficientes, os créditos de maior qualidade

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crescentemente vêm se voltado para papéis comerciais e títulos de mercado em lugar de

linhas convencionais de empréstimos praticados por instituições bancárias e de seguros.

No lado passivo do balanço dos bancos, vem ocorrendo uma substancial transferência do

fluxo de depósitos, que se desloca para um amplo rol de produtos financeiros

concorrentes, oferecidos por várias instituições de diferentes setores. Para as seguradoras

e fundos mútuos, os produtos bancários competem contra contratos de investimentos

garantidos.

O quadro exposto a seguir, obtido em Paula (2002), retrata o movimento de

diversificação das fontes de receitas dos bancos, como conseqüência do novo padrão de

pressão competitiva que incide sobre os empréstimos tradicionais.

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Indicadores de desempenho dos bancos comerciais em países selecionados Países Receitas não-Juros (%)

1980-82 1986-88 1992-94

Estados Unidos Alemanha

França

Itália

Reino Unido

Canadá

Austrália

Bélgica

Países Baixos

Noruega

Espanha

Suécia

Suíça

24

29

16

26

29

22

_

15

25

27

18

30

47

30

30

17

29

37

27

40

22

26

30

20

31

49

35

29

46

26

43

36

42

26

30

29

27

44

51

Fonte: OCDE e BIS. Anual Report, 66th. Basel. 1996. apud Paula (2002)

Obs: Os dados se referem a percentagem do resultado bruto.

Um padrão de resposta das empresas tem sido a busca de ampliar sua dimensão

e seu portfólio de produtos em oferta. Este procedimento tem levado a uma nova

denominação para este conjunto de instituições, ora identificada como indústria de

serviços financeiros. Os bancos assumem um papel de protagonistas neste rumo de

diversificação de produtos, o qual ocorre em paralelo a própria expansão de sua rede de

agências, seja por crescimento endógeno, seja por fusões e aquisições com outros

bancos. Uma análise indicativa da importância da queda nas receitas com juros como

fator que impulsiona este movimento encontra-se em Paula (2002):

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“A onda de fusões e aquisições no mundo — dentro e fora das fronteiras nacionais — resulta parcialmente das recentes mudanças nos sistemas financeiros. Como já foi visto anteriormente, as margens líquidas de juros dos bancos estão sob pressão para baixo, uma vez que a competição tem aumentado. Bancos procuram responder a esse desafio cortando seus custos operacionais. Entretanto, como existem limites à compressão dos custos, eles praticamente não têm outra alternativa senão tentar aumentar sua base de clientes, assim como seus negócios em geral, de modo a se beneficiar de maiores economias de escala e de escopo. De modo a aumentar seus negócios, os bancos têm duas opções: (a) crescer organicamente, expandindo sua escala de negócios; ou (b) crescer através de fusões e aquisições, que é a forma mais rápida para expansão. A recente onda de F&A nos países desenvolvidos tem levado à constituição de grandes conglomerados financeiros, atuando em diferentes mercados.”

Como será visto a seguir, os grandes bancos lideraram os processos de fusões e

aquisições que marcaram a década de 1990. Todavia, outros partícipes do mercado

financeiro, em particular as seguradoras européias e o mercado ressegurador

internacional, também sofreram processos de consolidação significativos, ainda que a

concentração em alguns importantes mercados, como EUA e Japão, não tenha

apresentado alterações significativas.

3.2.4: Mudanças no padrão regulatório e consolidação financeira

As novas abordagens da prática regulatória, que vem se disseminando desde a

década de 1990, também contribuíram para facilitar o processo de consolidação

financeira, a partir da própria possibilidade de diversificação dos portfólios das diferentes

instituições. Em diversos países, as regulações da indústria de serviços financeiros,

especialmente as aplicadas às instituições bancárias, tenderam no passado a se centrarem

quase que completamente na segurança (por exemplo, proteção dos consumidores e

prevenção de falências). Entretanto, essas estruturas regulatórias vêm mudando na

maioria dos países, passando de sistemas de estrito controle regulatório para sistemas

baseados na elevação da eficiência através da competição, com ênfase na disciplina de

mercado e supervisão e diretrizes do capital baseadas no risco.

Em alguns casos, é difícil distinguir-se os efeitos da reforma regulatória nos

serviços financeiros dos efeitos dos avanços na tecnologia, inovações na engenharia

financeira e outros desenvolvimentos que operam na mesma direção e podem ter

precedido às mudanças regulatórias. Todavia, a decisão política de promover as

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alterações do marco regulatório constitui um fator decisivo para viabilizar novos

padrões de competição, com a exposição de corporações locais a competição de firmas

estrangeiras. Significa, muitas vezes, uma forte mudança do ambiente macroeconômico

no qual se desenrolam as disputas de mercado, sendo comum a existência de algum grau

de arbitragem governamental perante a eventual entrada de competidores

internacionais14.

A observação dos diferentes mercados tende a relacionar diretamente a mudança

do marco regulatório com a eclosão de processos de consolidação financeira. Com as

respectivas particularidades, os três principais mercados financeiros mundiais – Estados

Unidos da América, Europa Continental e Japão - têm seu ritmo de fusões e aquisições

em parte determinado pelo marco regulatório vigente ou por suas transformações. O

marco regulatório é menos influente no que tange a conglomeração dentro dos mesmos

segmentos de mercado e entre empresas do mesmo país. A transição de mercados

segmentados para o que se convenciona chamar de indústria de serviços financeiros só é

possível, a rigor, com a flexibilização do marco legal respectivo. Dada a importância e

proeminência do movimento de liberalização regulatória para o processo de consolidação

financeira, suas repercussões sobre os principais mercados internacionais será analisada

em separado, fornecendo o conteúdo da próxima seção.

3.3: Mudança regulatória e consolidação nos principais mercados internacionais

3.3.1: Desregulação e consolidação financeira nos EUA

A mudança regulatória na América do Norte apresenta-se como um processo

gradual de remoção das restrições à expansão geográfica bancária, e tem como um dos

grandes marcos a passagem do Ato Riegle-Neal em 1994 que, a partir de junho de 1995,

passa a permitir a atuação interestadual das Banking Holding Companies (BHCs). Em

1997, uma emenda assinada pelo presidente Clinton, faz com que seja facilitada a atuação

14 A desregulação dos serviços financeiros, freqüentemente, vem sendo acompanhada em vários países pela eclosão de crises financeiras, ocorridas como desdobramento de supressões abruptas de limites aos fluxos internacionais de capitais.

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em âmbito nacional de bancos anteriormente estritamente estaduais, ou seja, facilitando a

abertura de filiais bancárias nos outros estados. A emenda modifica a lei que

anteriormente dizia que as filiais bancárias, atuando em outros estados, deveriam

obedecer às normas do estado “hóspede”. A partir daí, todas as filiais bancárias passaram

a obedecer às normas do estado sede do banco. Desde então, o número de grandes fusões

bancárias aumentou significativamente nos EUA. A maioria das grandes fusões bancárias

recentes envolveu bancos de estados diferentes. Um outro ponto a se destacar sobre as

megafusões anunciadas nos últimos anos, é o fato de os bancos adquiridos serem

normalmente instituições “saudáveis” que tenderiam a sobreviver no mercado

independentemente (Kwan, 2004). Tal característica contrasta-se com a tendência

observada no final dos anos 80 e começo dos anos 90 nos EUA, quando diversas fusões

envolviam bancos relativamente fracos sendo adquiridos por organizações mais fortes

(tendência essa que também foi observada no Japão).

A experiência norte-americana sugere que o processo de consolidação acelerou-

se em função da desregulação. O nível das atividades de fusão e aquisição aumentou

bastante nos estados após aprovarem os acordos para o funcionamento de bancos

interestaduais. Além disso, a porcentagem de depósitos retidos por subsidiários de fora

do estado do BHC de 2 para 28% entre 1979 a 1994. A desregulação também resultou

em uma significativa entrada de novas filiais bancárias nos estados.

Em conseqüência da rápida expansão da atividade de fusões e aquisições, o

número de bancos e de organizações bancárias caiu cerca de 40% entre 1989 e 1999. A

parcela do total de ativos da nação retida pelas oito maiores organizações bancárias

aproximadamente dobrou nesse período, subindo de 21,3% para 41,5%. Ao mesmo

tempo em que o market-share dos grandes bancos aumentava, o market-share e a

lucratividade dos bancos pequenos e muito pequenos15 caía consideravelmente. Nesse

período o market-share dos pequenos bancos caiu de 12,3% para 9% e dos bancos muito

pequenos de 3,3% para 1,6% (Lown et al, 2002).

A desregulação das restrições ao campo de atuação dos bancos nos EUA foi

amadurecendo gradualmente (Hermann, 2002). As restrições existentes sobre a carteira

15 Define-se aqui pequenos bancos como aqueles com menos de US$ 300 milhões e mais de US$ 50 milhões em ativos e bancos muito pequenos aqueles com menos de US$ 50 milhões em ativos

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de investimentos dos bancos comerciais e a conformação de seus passivos foram postas

em pauta no congresso diversas vezes; pelo Ato bancário de 1933 (Glass-Steagall Act),

pelo Banking Holding Company Act de 1956 e suas emendas em 1970. No entanto, a

liberalização efetiva só começou em 1987, quando o Federal Reserve expandiu a

capacidade dos BHCs de subscrever dívidas corporativas e ações através da “Seção 20”,

desde que as receitas oriundas dessa atividade não ultrapassasse 5% da receita total da

subsidiária. Esse limite foi expandido para 10% em 1989 e, finalmente, para 25% em

1996. Também em 1996, o Federal Reserve começa a contemplar a eliminação das

barreiras anteriormente instituídas entre as atividades bancárias e não bancárias dentro

da estrutura de um BHC. Tais barreiras haviam sido instituídas originalmente para isolar

os subsidiários bancários dos subsidiários não bancários, que supostamente possuíam

maiores riscos. Em 1997, a maioria das barreias já haviam sido removidas. A passagem

do Gramm-Leach-Bliley Act foi um marco no processo liberalizante, pois acaba por

remover quase que por completo as barreiras remanescentes que separavam bancos,

sociedades distribuidoras de títulos e seguradoras (Lown, Osler, Strahan e Sufi, 2002).

A lei conhecida como Gramm-Leach-Bliley Act foi assinada em 12 de novembro

de 1999, tendo como principal medida o fim das restrições existentes à atuação das

instituições financeiras em diferentes segmentos do mercado. A lei expandiu as “Banking

Holding Companies” (entidades que controlam um ou mais bancos comerciais e

supervisionadas pelo Federal Reserve) através da criação de um novo tipo de companhia

de serviços financeiros, a “Financial Holding Company” (FHC), que engloba diversas

atividades do setor financeiro, incluindo a de seguros. Uma FHC pode engajar-se em

diversas atividades financeiras, incluindo qualquer atividade futura que o Federal Reserve

e a Secretaria do Tesouro julguem ser de natureza financeira ou complementar a uma

atividade financeira, caso esta não provoque nenhum risco substancial à segurança e ao

respaldo da instituição. Mais de quinhentas bank holding companies se tornaram FHCs

um ano após a opção estar disponível.

Todas as atividades financeiras são essencialmente reguladas pela agência que

supervisiona tais transações desde antes da passagem da lei. Então, mesmo que um

seguro seja vendido por um banco ou por uma seguradora, a venda é regulada pelos

estados, a chamada “Regulação Funcional”.

100

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EUA : Crescimento do Número de FHCs, 2000-2003

2000

2001

2002

2003

FHCs domésticas 457 565 603 600

FHCs estrangeiras 20 23 30 30

Total de FHCs 477 588 633 630

FHCs Como um porcentagem do total de BHCs 9% 11% 12% 12%

Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve System Ibid Financial Services Fact Book 2005.

O aumento das instituições chamadas FHCs, que foram criadas pelo Ato Gramm-

Leach-Bliley, demonstra claramente o aumento da convergência dos serviços financeiros

após a aprovação da nova lei. O número de FHCs é pequeno em relação ao de BHCs, no

entanto são instituições muito mais poderosas financeiramente. Elas controlavam cerca de

78% de todos os ativos financeiros bancários no primeiro semestre de 2003, de acordo

com o Federal Reserve. Mais da metade dos maiores BHCs (aqueles com mais de US$ 10

bilhões em ativos) se tornaram FHCs desde 1999. A maioria dos FHCs eram Bank

Holding Companies na passagem do Ato. Entretanto, diversas entidades, dentre elas a

MetLife, a Charles Schwab & Co. e a Franklin Resourses, adquiriram bancos e se

tornaram FHCs. (Financial Services Fact Book 2005)

O Quadro abaixo ilustra o processo de fusões e aquisições deflagrado no período

subseqüente a liberalização financeira de 1999:

101

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NÚMERO E VALOR ANUNCIADO DE FUSÕES E AQUISIÇÕES NO MERCADO NORTE-AMERICANO POR SETOR DE 1999 a 2003 ($ bilhões)

1999

2000

2001

2002

2003

Acordos Valor Acordos Valor Acordos Valor Acordos Valor Acordos ValorSecurities (1) 165 $12.9 201 $67.8 224 $14.5 170 $8.1 129 $12.3Specialty finance (2) 215 20.7 163 37.6 101 24.1 107 23.6 84 20.1Bancos 283 68.9 213 90.2 206 32.1 179 8.6 193 63.7Bancos de Poupança 74 7.5 67 4.4 55 8.5 52 9.0 49 8.7Seguradoras 441 38.5 344 23.6 327 65.3 312 9.7 310 58.5Vida/Saúde 55 16.4 58 13.3 44 58.6 29 3.0 33 14.5Ramos Elementares 73 20.2 65 9.5 65 2.4 58 0.5 70 22.4Corretoras e Agentes 274 0.4 196 0.5 199 1.2 204 1.2 192 1.1Managed care 39 1.5 25 0.3 19 3.2 21 5.0 15 20.5Total 1,178 148.5 988 223.6 913 144.5 820 59.0 765 163.3

(1) Incluem companhias de securities e de investimento, corretoras e gestoras de ativos. (2) A classificação Specialty finance engloba pequenas firmas de finança a grandes operadoras de cartão de

crédito.

Fonte: SNL Financial LC. Ibid Financial Services Fact Book 2005.

3.3.2: Desregulação e Consolidação Financeira na Europa

A Europa também vem passando por um processo de desregulação. A diretiva

bancária da União Européia permitiu que os bancos operassem quase que livremente

pelos países europeus desde 1993 e a implementação na união monetária também vem a

acelerar as fusões e aquisições internacionais. Entretanto, tem havido poucas

consolidações internacionais intra-européias de bancos, apesar de ter havido um

considerável movimento de consolidação de outras instituições financeiras. Isso sugere

que possa haver outros impedimentos às consolidações internacionais intra-européias de

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bancos, tais como fatores políticos, comportamentos culturais e institucionais, ciclos de

liquidação e métodos e sistemas de pagamento. Sendo assim, a consolidação européia

pode ser temperada pelas diferenças estruturais remanescentes entre os mercados de

capitais e os regimes regulatórios e tarifários das diferentes nações (Berger, 1999).

No caso da Europa continental, a criação do euro teve um impacto no ambiente

competitivo para algumas instituições. O surto na atividade de consolidação na área do

euro após a sua introdução acarreta algumas especulações, sendo a estimação desse

impacto complexa por duas razões. Primeiramente, porque ocorre paralelamente às

tendências gerais de liberalização dos movimentos de capital, e em segundo, o

relacionamento entre o euro e o processo de consolidação varia de segmento para

segmento do sistema financeiro.

Desde o seu início, o euro, rapidamente, levou a um mercado de moeda integrado,

afetando, então, os motivos para consolidações de duas maneiras. Primeiramente,

removeu a vantagem de preço da taxa de juros doméstica auferida por bancos domésticos

especializados no tratamento na moeda em questão. E em segundo, dado o tamanho do

mercado de moeda integrado, há uma necessidade de provedores de serviços de

pagamento para bancos menores, o que favorece as grandes instituições devido ao

equipamento tecnológico requerido, acarretando altos custos de instalação.

O euro também contribui a maior integração dos mercados de capitais, apesar de

ser um processo de menor intensidade do que o ocorrido no mercado monetário. Em

geral, a integração dos mercados de capitais têm três efeitos principais influindo nos

motivos da consolidação bancária:

• Cria um aumento potencial do rendimento relacionado ao aumento do

tamanho, particularmente no caso dos investimentos institucionais.

• Há potencial para economias de escala no lado do custo.

• Um tamanho suficiente pode ser requerido para proporcionar uma vantagem

completa da diversificação de risco dentro da indústria na área do euro.

A integração dos mercados de títulos corporativos também pode afetar os motivos

à consolidação, caso a emissão dos títulos se torne uma alternativa significativa às

corporações, ao invés dos tradicionais empréstimos bancários. As margens de juros

podem reduzir-se, induzindo os bancos à perseguição de um market share maior através

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de consolidações. É digno de nota que, a concentração do setor financeiro é bem maior

em países pequenos, como os países nórdicos ou nos países baixos (Holanda e Bélgica),

do que no resto da Europa continental, particularmente Itália e Alemanha. Isso se dá, pois

o processo de consolidações internacionais nesses países menores está mais adiantado do

que nos outros países europeus. Nos EUA e no Japão, onde a concentração permanece

baixa, apesar do início do processo de consolidação, pode-se esperar um aumento da

concentração nos serviços financeiros no futuro.

Mais de dois terços das M&A européias nos anos 90, mensuradas pelo valor total

das transações envolvendo a aquisição de firmas financeiras européias, ocorreu durante os

três últimos anos da década. O total de transações de firmas nos países europeus aqui

analisados foi menor do que o número de transações na América do Norte, no entanto,

geralmente, foram maiores. Mas o valor total delas foi apenas cerca de metade do valor

total das transações da América do Norte. O setor segurador apresentou o segundo maior

nível de atividade, com 25% do valor total dos acordos (Group of Ten, 2001).

A relativa importância de aquisições domésticas envolvendo o setor segurador e

um outro setor teve destaque na Europa. O valor total de tais transações representou cerca

de 50% do valor total das transações domésticas envolvendo indústrias diferentes na

Alemanha, na França, na Espanha e na Suíça. A indústria seguradora foi a líder nas

transações dentro do mesmo setor e entre países diferentes na Europa. Em seis dos nove

países europeus em questão, mais de 50% do valor desse tipo de transações envolveu uma

seguradora. Esses acordos tiveram particular importância na Alemanha, Itália, Holanda e

Suíça.

3.3.3 Desregulação e consolidação financeira no Japão

No final dos anos 90, o sistema bancário japonês experimentou um colapso massivo, que

foi resultado de uma bolha especulativa no mercado de ações e no de propriedades

privadas. Após os bancos japoneses acumularem grandes montantes de empréstimos

inadimplentes durante os anos 80, viram na propriedade privada uma possível solução

para suas debilidades. Como acreditavam que os preços dos imóveis iriam continuar

subindo indefinidamente, os bancos passaram a conceder empréstimos de alto risco

colaterizados por propriedades privadas. No entanto, para reverter essa tendência do

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mercado, o governo utilizou-se da política monetária, que causou uma drástica queda de

preços dos imóveis. Então, as companhias tomadoras de empréstimos ficaram em uma

situação financeira muito difícil, o que acabou por gerar uma série de eventos de default.

Para tentar solucionar a crise bancária, o governo japonês implementou uma série de

mudanças regulatórias (Madzharova e Kolev, 2005).

Em novembro de 1996, o Primeiro Ministro japonês Hashimoto viabilizou um

plano para reformar os mercados e as instituições financeiras japonesas até o ano de

2001. O plano, que consistia de doze propostas, foi chamado de “Big Bang”, uma

analogia aos esforços Britânicos para reformar os mercados de capitais e a indústria de

corretagem e distribuição de títulos uma década mais cedo. O objetivo do Big Bang

japonês, de acordo com Hashimoto, era criar “um sistema financeiro livre, justo e global”

- livre de modo que operasse mais de acordo com os princípios de mercado que com as

prescrições regulatórias; justo de modo que fosse transparente e confiável; e global, de

modo que fosse sofisticado e internacionalmente respeitado (Craig, 1998).

As reformas cobriram intensivamente todas as áreas do setor financeiro – os

setores bancário, de mercado de capitais e segurador. Elas drasticamente removeram as

restrições a produtos, serviços e estruturas organizacionais, e ao mesmo tempo, tentaram

melhorar as regras comerciais para a proteção dos consumidores e as estruturas para lidar

com falências. Tais reformas buscaram revitalizar todo o setor financeiro japonês através

da abertura do mercado ao investimento estrangeiro, implementando um processo

desregulatório.

As iniciativas desregulatórias incentivaram um surto de fusões bancárias. As

fusões de bancos japoneses foram amplamente defensivas em termos da entrada de

firmas estrangeiras no mercado bancário japonês e no setor financeiro como um todo. Os

bancos japoneses, mesmo assim, continuaram a ter que lidar com problemas

relacionados a dívidas. Como observado por Craig (1998), o número total de bancos no

Japão caiu significativamente, e hoje em dia, há menos de dez grandes bancos que detêm

mais de 80% do mercado.

No curto prazo, o principal objetivo das medidas regulatórias era ajudar os

bancos a recuperarem-se da crise. Então, eles foram providos com capital para cobrir

alguns dos defaults de seus empréstimos. Apesar de isso não ser o bastante para

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revigorar o sistema bancário, o setor financeiro foi aberto ao investimento estrangeiro, e

o governo japonês encorajou a atividade de fusões e aquisições dos bancos insolventes

como uma forma de acelerar o processo de recuperação do setor.

Até Agosto de 2001, sete bancos falidos foram reprivatizados. O Long Term

Credit Bank of Japan (LTCB) foi adquirido pela firma de investimentos Ripplewood

Holdings em 2000 e renomeado Shinsei Bank; no mesmo ano, o Nippon Credit Bank

(NCB) passou a operar como Aozora Bank sob o controle de um consórcio liderado pelo

Softbank Corp. Cinco bancos regionais insolventes foram transferidos para novos

proprietários.

Os bancos que não faliram foram obrigados a juntar forças para se adequarem

aos novos requerimentos de capital. A reorganização da indústria bancária japonesa

avançou bastante em 99, quando três dos maiores bancos, o Industrial Bank of Japan

(IBJ), o Daí-Ichi Kangyo (DKB) e o Fuji Bank anunciaram que iriam se juntar para

formar uma Banking Holding Company em outubro de 2000. Os bancos Sumitomo e

Sakura também fundiram-se em 2002. Com a incorporação da IBJ e LTCB pelo Grupo

Mizuho e do NCB pelo Aozora Bank, a categoria de bancos de crédito de longo prazo

como uma parte do sistema bancário estritamente segmentado virtualmente desapareceu

(Andreas, 2001).

Após o surgimento do Grupo Mizuho emergiram mais três grandes grupos que,

juntamente com este, ficaram conhecidos como “mega-bancos”, instituições de papel

fundamental na aceleração da reestruturação do sistema bancário japonês. São eles:

• UFJ Holdings Inc. foi formada pelo Sanwa Bank, Tokai Bank e Toyo

Trust & banking Co. em abril de 2001.

• O Banco de Tokyo-Mitsubishi anunciou a criação de uma outra holding

company com o Mitsubihi Trsut & Banking Co. e o Nipponm Trust Bank.

• O Sumitomo Bank e o Sakuraba bank, principais bancos dos dois mais

tradicionais conglomerados corporativos (zaibatsus), acordaram em fundir-se em

abril de 2003, fundando o Sumitomo Banking Corp.

Um dos efeitos mais evidentes do “Big Bang” é a abertura do setor financeiro

para competidores e bancos estrangeiros. Os novos entrantes proporcionaram e vêm

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proporcionando ao tradicional setor bancário japonês produtos inovadores e avanços

tecnológicos. Bancos estrangeiros já vinham operando no Japão há décadas, no entanto,

até então, apenas em pequena escala. Pelo menos desde a reforma financeira de 1992, os

bancos estrangeiros têm direitos iguais aos nacionais. Todavia, a regulação bancária

restringia a competição via produtos e preços. Após a reforma Big Bang, ocorreu um

quadro mais favorável à atuação dos bancos estrangeiros em dois aspectos:

primeiramente, permitindo a competição, o que torna possível pela primeira vez o uso

integral de vantagens comparativas como a força financeira, estruturas eficientes e

tecnologias, avançados sistemas de gestão de risco e redes globais. Em segundo lugar, a

desregulação das finanças corporativas e a reestruturação das participações acionárias

cruzadas e dos conglomerados corporativos keiretsus contraíram investimentos no setor

bancário, sinalizando uma maior competitividade dos bancos estrangeiros sobre os

japoneses, dada a fragilidade financeira destes.

Os bancos estrangeiros vêm penetrando em uma escala bem maior, mesmo em

campos tradicionais das instituições financeiras japonesas após o Big Bang. Em 2000,

83 bancos estrangeiros foram registrados no Japão, abaixo do pico de 93, registrado em

97. No entanto, uma parte dessa redução está relacionada a fusões bancárias, tendo

também ocorrido diversos acordos e alianças financeiras dentre as instituições

estrangeiras.

Todavia, eles ainda se deparam com um ambiente regulatório um tanto ou quanto

inflexível. Apesar da compartimentalização do sistema bancário japonês ter sido

significativamente enfraquecida pelo Big Bang, os bancos ainda são forçados a impor as

chamadas barreiras divisórias (“fire walls”) entre os diversos departamentos bancários.

Os bancos universais ainda são proibidos no Japão (Andréas, 2001).

Apesar da recessão econômica e da crise financeira, o setor bancário mudou

significativamente, passando de uma indústria fechada, protegida pelo governo e

dirigida pelo governo, para uma mais aberta e orientada pelo mercado

107

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3.4: Padrões e Mecanismos de Consolidação Financeira

A década de 1990 assistiu a um forte processo de consolidação financeira, cujo

ápice decorreu entre 1997 e 1998. Uma retrospectiva sobre o fenômeno da consolidação

neste período nos é proporcionado pelo Group of Ten (2001). O referido estudo adota

uma classificação onde, sob o conceito mais geral de consolidação, quatro modalidades

de integração de atividades são listadas, segundo duas grandes classes:

• fusões e aquisições

• joint ventures e alianças estratégicas

O estudo reconhece que é muitas vezes difícil distinguir os processos de fusão e

aquisição, já que em ambos os métodos, duas firmas anteriormente independentes se

tornam comumente controladas. De um modo geral, considera-se que fusão é uma

transação na qual pelo menos uma das entidades iniciais perde sua identidade. Uma

aquisição normalmente é classificada como uma transação na qual uma firma adquire o

controle de outra, sem haver a combinação dos ativos das firmas envolvidas. Fusões e

aquisições também podem ser distinguidas definindo fusões como transações envolvendo

duas firmas que são essencialmente de tamanhos similares, enquanto aquisições são

transações em que uma parte claramente obtém o controle da outra.

Alianças estratégicas são parcerias entre firmas independentes que envolvem a

criação de ativos tangíveis ou intangíveis. Podem ser mais apropriadas para a troca de

informações técnicas e de conhecimentos sofisticados ou quando há restrições

regulatórias, legais ou culturais, fazendo com que uma colaboração completa se torne

mais difícil ou ilegal. Podem servir para aumentar a cooperação entre as firmas ou servir

como um primeiro passo para uma futura fusão ou aquisição.

Uma joint venture ocorre quando duas ou mais firmas independentes formam e

controlam conjuntamente uma entidade diferente, que é criada para alcançar um objetivo

específico. Essa nova entidade normalmente se divide nas forças de cada parceiro. Elas

facilitam a consolidação, pois permitem que as firmas desenvolvam fortes laços, e

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também servem como precursoras de futuras consolidações mais extensivas como

fusões.

Fusões podem aumentar os lucros futuros estimados, tanto reduzindo os custos

esperados, quanto aumentando os rendimentos estimados. De um modo geral, pode-se

afirmar que fusões e aquisições podem ocasionar reduções nos custos e aumentos nos

rendimentos por razões que incluem:

• Economias de Escala

• Economias de Escopo

• Redução de riscos através da diversificação geográfica ou de produtos.

• Redução das obrigações fiscais

• Aumentos do poder monopolístico e monopsônico

• Melhores condições de acesso aos mercados de capitais e maiores

facilidades para receber uma melhor avaliação de crédito (“credit rating”)

• Entrada em novos mercados geográficos ou de produtos a custos menores

• Com uma maior diversificação de seus produtos, as firmas podem oferecer

aos clientes pacotes unificados com uma variedade de produtos diferentes.

• Com o aumento do produto ou com uma maior diversificação geográfica, as

firmas podem expandir o pool de clientes potenciais.

• Com um maior market share, as firmas podem atrair mais facilmente

clientes.

Os mecanismos fundamentais para a consolidação nos mercados financeiros têm

sido as fusões e aquisições. O Report on Consolidation apresenta informações

registradas pela Securities Data Company (SDC), informando que nos anos 90

ocorreram mais de 7.300 acordos, em que uma firma financeira, em um dos países

analisados (G10 mais Espanha e Austrália), foi adquirida por outra firma financeira. O

valor desses acordos foi aproximadamente US$ 1,6 trilhões.

O nível da atividade de F&As, envolvendo firmas financeiras, aumentou durante

os anos 90, com forte crescimento tanto no número, quanto no valor médio das

transações. Nos últimos três anos da década, houve uma substancial elevação do número

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e do valor associado a grandes acordos de F&A, ocorrendo anualmente

aproximadamente 900 transações envolvendo a aquisição de uma companhia em um dos

países analisados. Esses acordos foram associados a um valor total estimado de quase

US$ 400 bilhões por ano. O rápido crescimento do valor dessas transações foi

acompanhado por um aumento no tamanho médio estimado por transação, aumento

similar ao crescimento do valor de mercado das ações do setor financeiro durante o

mesmo período.

Fusões e Aquisições de valores superiores a US$ 1 bilhão

Fonte: Thomson Financial, SDC Platinum Ibid Group of Ten (2001).

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

F & A 8 10 6 11 14 23 21 49 58 46

Valor

(US$

bil.)

26,5 22,1 12,4 39,7 23,7 113 59 233 431 291

A maioria das M&A durante essa década envolveram firmas bancárias. Cerca de

60% dos acordos envolveram a aquisição de uma organização bancária, 25% corretoras

de títulos e apenas 15% seguradoras. Os acordos bancários representaram cerca de 70%

do valor, enquanto que os de companhias corretoras de títulos apenas cerca de 11%.

Uma tipologia dos processos de fusões e aquisições no mercado financeiro

estabelece quatro grupamentos diferentes, de acordo com o envolvimento dos países e

das indústrias:

i) O primeiro grupo compreende acordos domésticos e de mesma indústria. Os

dados claramente indicam que a maioria dos acordos de M&A durante os

anos 90 se enquadram nesse grupo, cerca de 70% tanto do número de

transações, quanto do valor dos acordos. O valor médio desses acordos foi

bem maior na última metade da década do que na primeira metade. O valor

médio dos acordos foi de US$ 150 milhões no período até 94 e salta para

US$ 500 milhões entre 95 e 99. Nos últimos dois anos, a média foi de US$

800 milhões. A indústria bancária representou a maior parte dessas

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transações, cerca de 68% dos acordos e 78% do valor dos acordos, nos quais

um banco foi adquirido.

ii) O segundo tipo de acordo doméstico envolve firmas que operam no mesmo

país, porém em setores diferentes. Apesar de serem o segundo tipo de acordo

mais comum, só representam cerca de 15% deles e do valor total dos

acordos. Houve um substancial aumento desse tipo de acordo ao longo da

década. Em termos dos valores das transações, 98 foi um ano de grandes

acordos. O valor agregado durante o ano foi de US$ 110 bilhões, cerca de

metade do valor total da década, sendo que o valor médio das transações

excedeu US$ 1,3 bilhões. Esses acordos, na maioria, resultaram na criação

ou em substancial crescimento de grandes e complexas organizações

bancárias. Como no primeiro grupo de acordos, fusões com bancos também

foram as transações mais comuns. Os valores médios para acordos

domésticos entre indústrias diferentes relativos às firmas adquiridas de cada

indústria foram comparáveis aos níveis médios de acordos similares dentro

da mesma indústria, com exceção à indústria seguradora, na qual os acordos

dentro da indústria forma maiores na média.

iii) O terceiro tipo de acordo é entre indústrias do mesmo setor, porém de países

diferentes. Durante os anos 90, o valor total de aquisições de firmas

localizadas nos países aqui analisados por firmas estrangeiras operando na

mesma indústria foi de US$ 140 bilhões, correspondendo a cerca de 10% do

total de transações no setor financeiro no período. O impacto dos vários

impedimentos a consolidações trans-fronteiriças, incluindo barreiras

econômicas, operacionais e regulatórias, é evidenciado pela grande diferença

entre os níveis de fusões domésticas e internacionais nas indústrias.

iv) O tipo de acordo menos comum foi entre indústrias diferentes, de países

diferentes. Houve apenas cerca de 250 transações de M&A, em que, firmas

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de indústrias dos países em questão foram adquiridas e mais de 330, nas

quais o adquirente era de um dos países em questão. A transação média

dessa categoria normalmente envolveu um valor menor do que nos acordos

que as firmas dividiam um país ou uma indústria ou ambos. Similarmente às

outras categorias, aumentaram no final da década, principalmente nos

últimos três anos. Esses acordos ajudaram na criação e no crescimento de

instituições financeiras grandes e complexas.

Com respeito a consolidações domésticas, dentro do mesmo setor financeiro, o

fator motivacional mais forte aparece sendo o desejo de atingir economias de escala.

Isso se dá ao fato de que são requeridos grandes investimentos para se levar vantagem

dos últimos avanços tecnológicos ou para o desenvolvimento de produtos inovadores,

que só podem ser feitos por grandes organizações. Outro fator importante é o aumento

dos rendimentos relacionado ao aumento de tamanho da firma e ao aumento de poder de

mercado (market share).

Para consolidações domésticas entre setores financeiros diferentes, o motivo

mais importante aparece sendo o aumento dos rendimentos relacionado à diversificação

de produtos, ou a possibilidade de oferecer aos clientes uma compra diversa de uma só

vez (“one-stop shopping”). Para consolidações internacionais dentro do mesmo setor,

tanto o aumento de market share, quanto o aumento dos rendimentos aparecem como os

principais motivos. Já para consolidações entre setores diferentes de países diferentes, o

aumento do poder de mercado aparece sendo um pouco mais importante do que o

aumento dos rendimentos.

A importância relativa da atividade de M&A, mensurada pelo valor total dos

acordos ao longo da década dividido pelo PIB do período, diferiu substancialmente entre

os diversos países (Group of Ten, 2001). Na Alemanha, no Japão e no Canadá, essa

medida foi menor do que 0,5%, no entanto, na Suíça, na Bélgica, nos EUA e no Reino

Unido, foi maior do que 1%, dependendo se a classificação for feita através do

adquirente ou do adquirido. Os países também diferiram na extensão a qual as suas

firmas se engajaram em fusões internacionais. Nos Eua e no Japão, quase todos os

acordos envolveram duas firmas do país sede da firma em questão. Em contraste,

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quando uma das firmas se localizava na Bélgica, metade dos acordos, representando

cerca de 40% do valor total dos acordos, envolveram uma transação internacional.

Aproximadamente todos os países apresentaram valores médios dos contratos

maiores no fim da década. Em sete países, o valor médio dos acordos envolvendo um

país sede da firma foi, pelo menos, três vezes maior nos últimos três anos do que nos

sete primeiros anos da década. A Suíça foi o exemplo mais notável, onde o valor médio

das firmas adquiridas foi quase trinta vezes maior no final da década. Essa diferença se

relaciona à aquisição ou ao envolvimento em fusões de um pequeno número de firmas

enormes, iniciando-se em 97.

As aquisições de firmas financeiras norte-americanas por firmas estrangeiras do

mesmo setor aumentaram no final dos anos 90, três quartos do valor total de tais

transações na década é advindo do período entre 97 e 99. Firmas americanas fizeram

mais aquisições de firmas estrangeiras do mesmo setor, do que foram adquiridas, porém

o tamanho das aquisições feitas por americanos foi menor (US$ 300 milhões contra US$

800 milhões).

Durante os anos 90, em particular e principalmente, no setor bancário, o processo

de consolidação teve um forte impacto. Primeiro, o número de instituições decresceu na

maioria dos países, demonstrando a ocorrência da atividade de M&A. Cerca de 50% dos

países teve um declínio maior do que 20% no número total de bancos. O segundo efeito

da consolidação foi aumento da importância de grandes bancos, como indica o

crescimento das várias medidas da concentração de depósitos. Essas medidas cresceram

em todos os países, exceto no Japão e no Reino Unido. O notável aumento da

concentração bancária demonstra a crescente dominância dos bancos líderes.

Os dados são menos compreensivos e as conjunturas relacionadas à consolidação

são menos consistentes na indústria seguradora. O número de seguradoras tanto de vida,

quanto de não-vida mostraram arranjos inconsistentes entre os diversos países, caindo

em alguns países e aumentando em outros. A concentração tem uma leve tendência de

aumento em ambos os setores, porém não dando margem a uma constatação do

progresso do processo de consolidação. Como resultado, há poucas evidências que a

indústria seguradora se tornou mais concentrada nos anos 90. No entanto, apresenta um

crescimento relativo normalmente maior que o PIB dos países.

113

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3.5: Conglomerados Financeiros e Empresas de Seguros

Ao se estudar a influência do processo de consolidação financeira sobre o setor

de seguros, a análise deverá ser segregada a partir de alguns recortes significativos. O

primeiro deles abrange as companhias de resseguros, as quais cumprem uma atividade

altamente especializada e necessitam de altos volumes de capital para viabilizar suas

operações. Como será desenvolvido adiante, o mercado de resseguros constitui um

particular exemplo de consolidação com especialização.

O segundo aspecto a ser observado na análise da consolidação no mercado de

seguros, é a importância dos canais de comercialização para a expansão de parcelas de

mercado das empresas, naqueles ramos que podemos chamar de ramos ofertantes de

produtos de massa. É o caso típico de seguros de vida, os quais também têm incorporado

de forma crescente as características de produtos tipicamente financeiros, como foi visto

anteriormente. Estes segmentos do mercado de seguros têm sido objeto de forte

intercessão entre bancos e seguradoras, intercessão esta que tanto estimula o processo de

fusões entre estas instituições, como leva a que bancos procurem constituir suas próprias

seguradoras ou, ainda, a que bancos passem a adquirir empresas de corretagem de

seguros. Em tais situações, as mudanças regulatórias têm cumprido importante papel, ao

autorizar quer as fusões, quer a comercialização de seguros através das agências

bancárias.

O terceiro aspecto a ser considerado é que a própria diversidade do mercado

segurador, com a existência de muitos ramos distintos e empresas especializadas, acarreta

um processo de consolidação irregular, no sentido da permanência de baixos índices de

concentração mesmo em países onde a consolidação está em estágio avançado.

3.5.1 Consolidação no Mercado de Resseguros

A capacidade de absorver riscos depende diretamente do acúmulo de informações

técnicas específicas, da habilidade em promover a adequada dispersão geográfica e

setorial destes riscos, e da disponibilidade de capitais próprios compatível com o volume

114

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de operações adequado. Estas condições, aplicáveis em geral a todas as instituições do

mercado de seguros, assomam ainda maior amplitude no âmbito das atividades de

resseguros.

As empresas de resseguros, por não estabelecerem relações diretas com o público,

sempre estiveram submetidas a padrões mais fluidos de regulação. Todavia, o risco de

crédito das seguradoras, em particular as de ramos elementares, é profundamente

marcado pelas relações que estas estabelecem com companhias de resseguros. Os

contratos de resseguros criam vínculos apenas entre a seguradora e a resseguradora, sendo

exclusiva responsabilidade da primeira o cumprimento das obrigações relativas ao

pagamento de sinistros junto aos consumidores. Neste sentido, as mudanças regulatórias

pouco afetam a dinâmica do mercado internacional de resseguros, exceto em situações

onde existam impedimentos legais para sua atuação, como é o caso do monopólio estatal

do resseguro no Brasil.

O mercado de resseguros, dadas as suas características, apresenta fortes tendências a

consolidação. A capacidade de dispersar riscos e o acúmulo de acervo técnico acerca de

aspectos incidentes em diferentes regiões do mundo já confere um viés de forte

internacionalização na escala de operações. Os altos volumes de capital necessários

acentuam este viés. A grande importância de que se revestem, para as seguradoras, as

parcerias com empresas de resseguros confere a estes vínculos um movimento cíclico de

fuga para a qualidade, em que as relações preferenciais se orientam para resseguradoras

de maior solidez. Este movimento é agravado ainda pelos critérios utilizados por agências

de classificação de riscos, as quais incluem em seus critérios de avaliação de seguradoras

as parcerias que estas detém com resseguradoras. Um elevado grau de transferência de

riscos para resseguradoras de menor porte (e mais baixa classificação) afeta

desfavoravelmente a nota atribuída à seguradora.

Os fatores acima elencados contribuem decisivamente para que o mercado global de

resseguro seja fortemente concentrado em um pequeno número de companhias. A porção

de mercado dos quatro maiores resseguradores aumentou de 22% para 35%, entre 1990 e

2000. O volume total dos prêmios brutos dos 35 maiores resseguradores globais foi de

154 bilhões de dólares em 2002, representando um crescimento de 20,4% em relação ao

ano anterior (Forbes, 2004).

115

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A lista dos 10 maiores grupos de resseguradores globais (que estão sediados em

diferentes países) ilustra o caráter internacional da indústria do resseguro.

Os 10 Maiores Grupos Resseguradores Globais

Prêmios Brutos Emitidos em 2002 (em US$ milhões) 1. Munich Re 24.570

2. Swiss Re Group 23.575

3. Berkshire Hathaway Group 16.018

4. Hannover Re 13.066

5. Lloyd’s of London 11.077

6. GE Global Insurance Holdings 11.020

7. Scor Group 5.258

8. Axa Re Group 4.405

9. XL Capital 4.178

10. Converium Group 3.536

fonte: A.M. Best Co. (Insight Global).

A presença de resseguradores em vários mercados globais passa por constantes

mudanças em conseqüência de uma série de fatores como, por exemplo, a necessidade

de nova capacidade de capital para subscrição de riscos ou o surgimento de excesso de

capacidade em determinados mercados. Além disso, conforme os riscos se tornam mais

sofisticados, resseguradoras menores ou de médio porte nem sempre são capazes de

atender as necessidades crescentemente complexas de seus clientes. Como exemplo, o

número de grandes resseguradores operando no mercado de ramos elementares nos

E.U.A. declinou de 112, em 1980, para 30, em junho de 2003, sendo que cerca de 75%

dos resseguros cedidos por seguradoras americanas são subscritos por resseguradores de

fora dos EUA.

A tendência em torno da concentração se tornou mais acentuada a partir da

metade dos anos 90. Com a finalidade de adquirir maior escala e presença diversificada,

as resseguradoras cresceram através da absorção de alguns de seus competidores,

116

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principalmente buscando fortalecer suas posições nos grandes mercados da Europa e

América do Norte.

O ano de 1995 foi o primeiro de muitos de significativas fusões e aquisições.

Como notado no relatório Global Reinsurance Highlights, da Standard & Poor’s (1999),

a General Re adquiriu a Cologne Re. No ano seguinte, a Munich Re adquiriu a

Americam Re e a Swiss Re adquiriu a Mercantile & General.

Em Bermudas, a ACE comprou a resseguradora de ramos elementares Tempest,

e logo em seguida a CAT Ltd. A XL adicionou a resseguradora de seguros catastróficos

Global Capital Re ao seu portfólio e, mais tarde, assumiu o controle da Mid Ocean Re.

Em 1997 e 1998, o processo continuou. A maior resseguradora de ramos

elementares de Bermudas, a Partner Re, comprou a resseguradora francesa SAFR, e uma

outra de Bermudas, a Terra Nova, adquiriu a Corifrance. A Munich Re adquiriu a Reale

Ri na Itália. A Berkshire Hathaway adquiriu a General & Cologne Re, e a ERC comprou

as companhias norte-americanas Industrial Risk Insurers e Kemper Re, além da

resseguradora britânica Eagle Star Re. Ainda mais mudanças continuaram a ocorrer em

1999, a XL, agora XL Capital, assumiu o controle da companhia norte-americana NAC

Re. Mais recentemente, a seguradora norte-americana Markel adquiriu a resseguradora

de Bermudas Terra Nova.

Durante a década de 90, o número de resseguradoras mundo afora reduziu-se,

ficando os negócios significativamente mais concentrados. Por exemplo, entre 1990 e

1996, o número de resseguradoras profissionais (assim chamadas aquelas que se

dedicam exclusivamente às operações de resseguros) norte-americanas caiu de 130 para

41. Em 1990, as cinco maiores resseguradoras tinham aproximadamente o controle de

21% do mercado de resseguro de ramos elementares no mundo, estimado em US$ 90

bilhões por ano; no final do ano de 1998, as cinco maiores controlavam 37% do mercado

global de resseguro de ramos elementares (Standard & Poor’s, 1999).

A consolidação nos mercados de resseguros, ao contrário do processo

envolvendo outros atores do mercado financeiro, não se caracteriza pela aquisição de

instituições atuantes em outros segmentos. Dadas as condições técnicas assaz

especializadas do negócio, e os altos volumes de capital necessários, os rumos tomados

117

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pela consolidação marcham no sentido da concentração com especialização. Isto não

quer dizer que se trate de um mercado a salvo de novos entrantes. Ao contrário, há

também muitas companhias entrando e outras saindo do mercado; todavia este

movimento envolve principalmente pequenos resseguradores que operam em nichos de

mercado como o de resseguro de excesso de danos de responsabilidade civil. Sua

participação no mercado, todavia, é pouco significativa.

3.5.2: Modelos de integração entre bancos e seguradoras

No que se refere à integração societária unificando o controle entre bancos e

seguradoras, muito embora o fenômeno não seja por demais recente, tomou contudo

uma dimensão inédita nos últimos dez anos. Verificado inicialmente como um

procedimento predominantemente europeu, apresenta duas variantes conforme a

absorção se dê pela via de bancos assumindo o controle de seguradoras,

(bancassurance), ou de seguradoras incorporando bancos (assurbanking). Esta fusão

entre atividades bancárias e de seguros hoje é observável, também, no espaço econômico

norte-americano e já se manifesta na Ásia como processo ainda incipiente, mas em

rápida expansão em alguns dos principais mercados da região. No Brasil encontra-se tão

disseminado que cumpre um papel de canal prioritário de comercialização em ramos

significativos do mercado segurador. Em relação ao ambiente da União Européia,

Paula(2002) assinala que...

“...as fusões e aquisições financeiras não tem se restringido às linhas da indústria bancária, mas estão, também, freqüentemente fora destas, em particular em operações envolvendo duas instituições financeiras não bancárias ou bancos comprando companhias de seguro, presumivelmente devido a popularidade do bancassurance e a ausência de barreiras legais. Entretanto as instituições bancárias tem se expandido mais ativamente para outros setores da indústria financeira do que outras instituições financeiras no negócio bancário.”

O estudo Sigma n. 7/2002, dedicado ao desenvolvimento do processo de

bancassurance na Ásia, reforça o reconhecimento dos vínculos entre a queda das receitas

com juros e a expansão da diversificação dos produtos e serviços oferecidos pelos

118

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bancos. Conforme este estudo, “a crescente concorrência e a desregulação das taxas de

juros implicaram em uma diminuição nas margens de lucro para os bancos asiáticos. A

fim de operar com mais eficácia nos mercados financeiros emergentes e garantir uma

forte presença na disputa por ativos financeiros domésticos, os bancos se orientam cada

vez mais para operações de seguros em busca de novas oportunidades”.

As considerações acima são corroboradas por outros estudiosos do assunto. É

sintomático observar, de acordo com Falautano e Marsiglia (2003), que o balanço entre

os negócios de vida e não-vida vem gradualmente mudando a favor das seguradoras de

vida. As seguradoras de não-vida caíram a nível global para 40% do volume total de

prêmios anual. Existem diversas razões para a evolução positiva das seguradoras de vida,

incluindo as reformas da Seguridade Social em diversos países avançados, incentivos

fiscais, e difusão de produtos com um forte componente financeiro. Todavia, os produtos

de seguros de vida são mais facilmente incorporados à composição de pacotes financeiros

oferecidos pelos bancos a seus clientes, e este fator não pode ser ignorado, em um

momento em que a distinção tradicional entre produtos financeiros praticamente

desapareceu com a eliminação de diversas barreiras tecnológicas e regulatórias

(Falautano e Marsiglia, 2003).

O argumento pode ser ilustrado pela evolução dos prêmios relativos a seguros de

vida por parte de bancos norte-americanos:

Prêmios de seguros de vida auferidos por bancos de 2000 a 2003 nos EUA

(milhões)

2000 $338

2001 452

2002 643

2003 926 Fonte: Kenneth Kehrer Associates Ibid Financial Services Fact Book 2005.

O crescimento assinala o período posterior a desregulação promovida nos

mercados financeiros norte-americanos em 1999, e sua dimensão parece indicar uma

119

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tendência sólida no sentido de afirmar o canal bancário como instrumento de

comercialização de seguros individuais, particularmente aqueles cujas características

incluem forte componente de poupança, como é o caso dos seguros de vida.

Nesta abordagem também tem relevo a interação entre os vários segmentos da

atividade financeira. Segundo as autoras, a mudança é refletida não só na aceleração das

estratégias de concentração (fusões e aquisições setoriais e intersetoriais), mas também

no modo de lidar com as pressões competitivas nos principais setores financeiros.

Observam ainda que, cada vez mais, mercados segmentados vêm dando lugar ao

conceito de Indústria de Serviços Financeiros (FSI) e centros financeiros mundiais.

Citando os dados do RCFM, Falautano e Marsiglia enfatizam que o cenário competitivo

da última década se caracterizou por uma onda de M&A dentro do FSI, e que a indústria

de seguros está totalmente envolvida nesse processo de consolidação. Na Europa, o

número de seguradoras começou a diminuir em 97 e, em cinco anos aproximadamente,

200 companhias foram absorvidas por outros grupos (caindo de 4882 em 97 para 4693

firmas em 2001), porém mantendo mais ou menos estável o número de empregados.

O resultado mais óbvio da integração financeira entre bancos e seguradoras é o

uso do canal bancário para comercialização de apólices de seguros. Os resultados da

liberalização financeira nos Estados Unidos da América, a partir do Gramm-Leach-

Bliley Act reforçam esta percepção. Quando a lei foi aprovada, esperava-se uma massiva

onda de fusões inter-setoriais. De fato ocorreram muitas fusões, no entanto, não dentre

os principais participantes do mercado. Bancos adquiriram mais agências de seguros e

corretoras do que seguradoras, contrariando as previsões. Algumas das maiores

corretoras de seguros agora pertencem a bancos. Isto pode ser depreendido de acordo

com a tabela abaixo:

Aquisições de agências de seguros por bancos de 2000 a 2003 nos EUA

2000

2001

2002

2003

Número de Acordos 63 56 60 54

Valor dos Acordos (US$ milhões) $131.8 $383.7 $136.2 $656.1

Fonte: SNL Financial LC Ibid Financial Services Fact Book 2005.

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As seguradoras utilizaram-se das novas características da legislação, abrindo

bancos ao invés de adquirir os já existentes. O número de Financial Holding Companies

responsáveis por subscrição de riscos mediante apólices de seguros cresceu

significativamente, mas este indicador pode simplesmente ratificar o fato de que

seguradoras de grande porte se habilitaram como FHCs. Pode, ainda, indicar que

seguradoras estão adquirindo bancos como instrumento de diversificação de seus canais

de distribuição de seguros.

Número de Financial Holding Companies engajadas em atividades de

subscrição de seguros de 2000 a 2003 nos EUA

2000

2001

2002 2003(1)

FHCs domésticas 7 16 20 17

FHCs estrangeiras 4 8 9 9

Total 11 22 29 26

Ativos derivados da subscrição de seguros declarados ($ billions) $116.1 $340.7 $347.1 $356.2

(1) No final do primeiro trimestre de 2003. Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve System Ibid Financial Services Fact Book 2005.

Da mesma forma que os bancos, é bastante provável que seguradoras,

transformadas em FHCs, estejam também reforçando suas posições nos canais de

distribuição adquirindo agências de seguros. De qualquer forma, está, sem dúvida, se

ampliando o controle deste canal de distribuição por parte dos conglomerados

financeiros.

Número de Financial Holding Companies que incorporaram atividades de

Agência de Seguros de 2000 a 2003 nos EUA

2000

2001

2002

2003(1)

FHCs domésticas 82 128 150 155

FHCs estrangeiras 4 5 9 10

Total 86 133 159 165

(1) Final do primeiro trimestre de 2003. Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve System Ibid Financial Services Fact Book 2005.

121

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Cabe observar que as mudanças decorrentes na liberalização regulatória norte-

americana não parecem ter afetado muito intensamente o perfil de concentração do

mercado segurador. O gráfico a seguir mostra que a tendência à concentração não se

alterou significativamente a partir do novo marco regulatório:

Market-share das seguradoras norte-americanas de 1983 a 2003

22,7

52,1

25,225,7

46,4

27,928,6

49,8

21,6

0

10

20

30

40

50

60

Das quatro maiores seguradoras Da quinta a quiqugésima maior seguradora De todas as demais seguradoras

1983 1993 2003

Fonte: Durand (2003)

A forma como se dispõe o mercado segurador tende a diferir bastante de país para

país. Na estrutura da União Européia, apesar do processo regulatório progressivamente

convergir em torno de um mercado segurador único europeu, ainda existe uma grande

predominância de modelos específicos, concentrados em um canal de comercialização

dominante. Têm-se como exemplos os corretores no Reino Unido e os agentes na

Alemanha e na Itália. O tipo de integração de bancassurrance adotado tem sido

influenciado por diferentes sistemas regulatórios e diversas fórmulas para separar os

riscos implícitos nos bancos e nas seguradoras.

122

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A análise de Durand (2003) sublinha esta dicotomia, observando que o mercado de

seguros de vida no Reino Unido está amplamente nas mãos dos corretores. O market

share deles cresceu de 40% em 1992 para 54% em 1999. As vendas dos agentes também

têm um importante papel em um mercado totalmente regulado pelo Financial Services &

Markets Act (FSMA), que impõe condições de mercado muito estritas. Em que pese os

esforços dos bancos, sua penetração no mercado segurador é difícil e oscilante: sua

participação atingiu os 15% em 1992, porém está em torno de 9% atualmente. Apesar de

serem formadas parcerias entre seguradoras e bancos, e de serem esperadas reformas na

distribuição dos produtos de vida, ainda é difícil se esperar crescimento do

bancassurrance no Reino Unido.

Na Alemanha, ainda segundo Durand, o mercado continua a ser dominado pelos

agentes de venda, mesmo o seu market share tendo declinado de 85% em 1992 para 54%

em 99. Esse declínio beneficiou tanto corretores quanto os bancassurrances, que

apresentaram crescimentos de market share de 2 para 20% e de 1 para 18%

respectivamente, no período de 92 a 99. O fato do bancassurrance ter obtido pouco

sucesso pode ser explicado pelas restrições regulatórias existentes ligadas à venda de

seguros. Apesar do market share do bancassurrance ter crescido nos anos 90, as

numerosas parcerias e trocas de ações entre seguradoras e bancos tenderam a agir como

uma barreira a entrada de novos participantes no mercado.

Falautano e Marsiglia (2003) consideram que o mercado alemão representa um tipo

de laboratório de bancassurrance. O principal canal de distribuição do mercado de

seguros de vida são as agências. Os acordos e alianças mais recentes entre as seguradoras

e os bancos mostram uma tendência positiva de evolução do bancassurrance, mesmo que

ainda corresponda a apenas 20% da coleta de prêmios.

Um estudo desenvolvido por Maurer (2003) sobre os investidores institucionais na

Alemanha permite uma observação mais próxima quanto à atuação das seguradoras

alemãs. A indústria seguradora alemã é a quarta maior do mundo, atrás de EUA, Japão e

RU, tendo uma participação de 6% do total do volume de prêmios do mundo. Porém essa

porcentagem decaiu desde 1980, quando era cerca de 9,25%. Esse declínio pode ser

explicado pelo fato de os seguros virem progressivamente sendo deslocados da

seguridade social e dos fundos de pensões para contratos privados nos EUA e no RU. No

123

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entanto, o sistema de proteção social alemão, ainda hoje, provém consistentes benefícios

e também requer substanciosas contribuições. A estrutura legal dos ofertantes de

coberturas de seguros é organizada como corporações, companhias mútuas ou públicas.

As seguradoras de vida tem um market-share de 37,5%, sendo o setor mais

importante do mercado segurador alemão. A maioria das companhias é organizada como

corporações acionárias. A regulação corrente proíbe que seguradoras de vida alemãs

provenham coberturas em outras linhas. Para oferecer uma diversidade de produtos

maior, então, é comum a criação de estruturas de holding, pelo qual apenas a principal do

grupo é registrada no “stock exchange”. Especialmente as companhias resseguradoras,

têm participação substancial nas seguradoras diretas.

Com mais de € 850 bilhões de ativos sob gestão, as seguradoras alemãs são os

principais investidores institucionais do país. Dentre eles, destacam-se as seguradoras de

vida, que têm uma participação de mais de €600 bilhões, e cobrem cerca de 70% do total

de ativos sob gestão. Com relação à alocação dos ativos e à disposição de todo o portfólio

entre os principais setores de investimento, observam-se diferenças significativas entre as

diferentes linhas, devido à natureza das obrigações de cada setor. As incertezas sobre o

timing e o montante das obrigações futuras nas linhas de P&C e Resseguro são muito

maiores do que nas de vida.

Existem 262 seguradoras de vida na Alemanha, sendo que, destas, 123 oferecem

coberturas para o público em geral e 139 são as chamadas “Pensionskassen”. Elas

formam um grupo de seguradoras de vida, que é legalmente independente do patrocínio

de empregadores (normalmente uma companhia, corporação pública ou grupo industrial)

e provém a provisão de aposentadorias para trabalhadores. Esse grupo tem um market-

share de cerca de 3% do total dos prêmios do mercado de seguros de vida alemão, e uma

participação de cerca de 10% dos ativos sob gestão.

De acordo com a regulação, as seguradoras de vida alemãs devem distribuir pelo

menos 90% dos seus lucros anuais, se positivos, para os detentores de apólices. Devido à

competição por novas fatias do mercado, a taxa de divisão de lucros é por vezes ainda

mais alta.

Alguns dos participantes do mercado alemão introduziram o bancassurrance nas

suas estratégias internacionais (a Allianz na Itália através da RAS em uma joint venture

124

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com a Unicredito in Creditras Vita e na França através da AGF, adquirindo uma

participação acionária na Crédit Lyonnais) e a aquisição do Dresdner Bank pela Allianz

confirma a tendência ao bancassurrance (apesar do difícil começo do processo de

integração entre os dois gigantes). Falautano e Marsiglia (2003) afirmam que, a partir de

dados de dezembro de 2001, aproximadamente 50% das companhias alemãs de seguros já

tinham empreendido ou estavam por adotar negócios no ramo do bancassurrance.

Na Holanda, em um mercado competitivo e concentrado, onde todos os canais de

distribuição têm representatividade, bancassurrance aparece sendo reconhecidamente um

ofertante que oferece preços competitivos e um serviço completo de produtos. Apesar dos

corretores continuarem a dominar o mercado, bancassurrance ganhou um significativo

impulso recentemente, representando 18% do market share hoje, e com uma tendência de

consolidação de sua posição no futuro.

Na Bélgica, o bancassurrance vem apresentando um rápido crescimento nos

últimos anos. Essa tendência, no entanto, não foi amparada pelo mercado de seguros de

vida, o qual é amplamente dominado pela venda de produtos por corretores, mesmo

existindo uma variedade de métodos de distribuição disponíveis. O crescimento foi

suportado por investimentos feitos por companhias estrangeiras, principalmente de

Luxemburgo, obviamente obtendo vantagens da rápida expansão do mercado de seguros

de vida. Por último, o fato da ocorrência de muitas fusões, aquisições e reestruturação de

companhias que aproximaram as seguradoras e os bancos. Os cinco líderes de mercado

são membros de grupos bancários ou de seguradoras. Com 56% do market share no setor

de vida, as atividades de bancassurrance se tornaram o principal canal de distribuição do

país. Caracteriza-se pelo largo percentual de produtos individuais (355 excluindo as

apólices Unit Linked) e por um balanço equilibrado entre produtos de poupança e

produtos de proteção.

O quadro em que se encontram os mercados inglês e alemão não impede que o

panorama europeu constitua um cenário privilegiado para a observação do processo de

unificação das atividades entre bancos e seguradoras. Segundo Durand (2003), o termo

bancassurrance apareceu pela primeira vez na França após 1980 para definir a venda de

seguros através dos canais de distribuição bancária. As informações deste autor nos

indicam que a diversificação de serviços bancários rumo à oferta de produtos de seguros

125

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antecede, na França, o conjunto de unificação de serviços financeiros que caracteriza a

fase da globalização financeira. Na França, nos anos 70, tendo os bancos que lidar com

um mercado bancário altamente competitivo, fizeram uso da já existente legislação no

setor segurador, surgindo os primeiros modelos de bancassurrance. Assim, puderam

auferir de uma nova fonte de lucros, que serviu para diversificar a atividade bancária e

otimizar sua oferta de produtos, aumentando a carteira de serviços para os clientes. As

necessidades dos consumidores puderam, assim, ser atendidas de forma simplificada, de

uma só vez em uma mesma agência. Em 2000, bancassurrance na França obteve 35% do

volume de prêmios de seguros de vida, 60% dos prêmios das poupanças, 7% dos prêmios

dos seguros de P&C e 69% dos novos rendimentos dos prêmios das poupanças

individuais. Esse sucesso fez da França a líder em poupanças individuais do mercado de

seguros europeu. Em termos do rendimento dos prêmios, ela também se coloca em

primeiro dentre os modelos de bancassurrance.

Assim como na Espanha e em Portugal, bancassurrance evoluiu rapidamente na

Itália e agora representa dois terços dos novos produtos vendidos todos os anos. As taxas

de crescimento do setor de seguros de vida são as mesmas de uma indústria em seu

estágio de desenvolvimento (13 % em termos reais em 2001).

Na Itália, bancassurrance tem diferentes performances nos negócios de vida e não-

vida. Os agentes dominam no setor de não-vida (86% do total de prêmios em 2001), com

um crescimento gradual em outros canais (vendas diretas e corretores). Já no setor de

seguros de vida em 2001, bancassurrance coletou 61,2 % dos prêmios, aumentando para

72,4% quando as vendas através dos provedores financeiros são incluídas, seguido de

17,9% coletado pelas agências. Bancassurrance coleta dois terços dos prêmios ligados a

produtos altamente financeiros e de capitalização e praticamente 50% dos produtos

tradicionais. Os agentes tradicionais desempenham um importante papel nos seguros de

saúde, fundos de pensão e planos de pensão individual.

O boom do bancassurrance ocorreu depois que os bancos foram liberados a

adquirir participações acionárias diretas nas seguradoras (após 1990), assim fazendo com

que houvesse uma evolução de um modelo baseado em acordos comerciais e em formas

fracas e não-estratégicas, para formas mais fortes de integração. Na Itália, existem vários

tipos de bancassurrance híbridos:

126

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• Acordos comerciais de tipo não-cativo entre pequenos bancos e seguradoras

internacionais (Skandia, Scottish Equitable, Cardif, Axa, Clerical Medical)

ou nacionais(Cattolica).

• Acionistas minoritários uma ou mais companhias, ligados a tipologias

bancárias específicas.

• Acionistas qualificados (o grupo Cattolica Assicurazioni tem paticipação

acionária no grupo Banca Lombarda e Piemontese, com quem criou uma

joint venture chamada LombardaVita).

• Controle dividido de companhias estabelecido através de joint ventures com

uma seguradora que seja um forte parceiro(originalmente implementado

pela Monte dei Paschi com a Crédit Agricole no começo na Montepaschi

Vita) .

• Controle exclusivo de uma subsidiária da seguradora por um banco.

Assim como a França, a Espanha é um dos mercados que mais desenvolveu o

modelo de bancassurrance. Em 2001, o modelo obteve mais de 65% do rendimento dos

prêmios (aproximadamente €17 bilhões), enquanto que em 92, apenas 43%. Entretanto,

esse alto crescimento não se relaciona só ao bancassurrance, pois o setor de seguros de

vida na Espanha vem sustentando um crescimento anual médio de 30% nos últimos

quinze anos.

Portugal foi o país europeu que apresentou a maior taxa de penetração no

bancassurance, com 82% de market-share. Todavia, a limitação do mercado de seguros

de vida português faz com que isso represente apenas € 4 bilhões aproximadamente.

O Report on Consolidation in Financial Markets, publicado em conjunto pelo BIS, FMI

e OECD nos informa que a integração entre bancos e seguradoras pode requerer diversos

estágios, replicando o que foi observado em geral na criação e consolidação da chamada

Indústria de serviços financeiros (FSI). Os modelos de integração organizacional podem

ser divididos segundo a escala dos “níveis de integração”:

• Acordos comerciais entre um banco e uma seguradora.

127

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• Aliança estratégica, com um acordo de distribuição de seguros, entre uma

seguradora e um banco, fortalecida por uma troca de participações acionárias

minoritárias.

• Joint venture entre bancos e seguradoras.

• Estrutura cativa, através de um “take over” feito por um banco ou seguradora.

• Estrutura cativa, através do estabelecimento de uma companhia.

Na Europa, a venda de seguros de vida por filiais bancárias teve resultados

positivos graças à:

• Redução na distribuição de custos e facilitação ao seu acesso.

• Contatos com uma abrangente carteira de clientes.

• A sinergia entre as tradicionais formas de poupança e os planos de seguridade social

individuais.

• Produtos com alto conteúdo financeiro nas fases expansionistas do mercado de

ações.

• Produtos com rendimentos garantidos nas fases recessivas do mercado de ações.

Embora voltado para o estudo do desenvolvimento das relações entre bancos e

seguradoras no continente asiático, um já referido estudo da Swiss Re esboça um quadro

onde são alinhavadas as mútuas vantagens que são auferidas em processos de

bancassurance.

O estudo em referência expõe um quadro de vantagens que se encaixam segundo o

tipo de interação existente entre bancos e seguradoras. A conclusão, como podemos

observar abaixo, é que a integração societária gera maior rentabilidade absoluta.

128

Page 129: Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória · Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira Tese submetida

Benefícios do Bancassurance

Benefícios para os

Bancos A

cord

os

de D

istr

ibui

ção

Join

t Ven

ture

s

Ope

raçõ

es

Inte

grad

as

Benefícios para as

Seguradoras

Aco

rdos

de D

istr

ibui

ção

Join

t Ven

ture

s

Ope

raçõ

es

Inte

grad

as

Fluxo de receitas

adicional mediante a

diversificação em

seguros

X

X

X

Ter acesso a enorme

carteira de clientes

dos bancos

X

X

X

Sustentar suas

amplas carteiras de

clientes

X

X

X

Reduzir o uso dos

agentes e aproveitar

canais bancários

X

X

X

Vender uma ampla

gama de serviços

financeiros aos

clientes

X

X

Compartilhar os

serviços com os

bancos

X

X

Reduzir a

necessidade de

capital ajustado ao

risco

X

Desenvolver novos

produtos financeiros

em colaboração com

sócios bancários

X

X

Prestar serviços

financeiros

integrados

X

X

Estabelecer boa

imagemde mercado,

sem rede própria de

agentes

X

X

X

Conceder fundos

que, caso contrário,

estariam nas mãos

das seguradoras de

vida,

X

X

Obter capital

adicional para

melhorar solvência

e expandir o

negócio

X

X

Fonte: Swiss Re – Sigma nº 7/2002.

Legenda: Uma cruz significa que o benefício é aplicável em maior medida à modalidade específica de uma

operação de bancassurance. As estruturas integradas incluem holdings, sociedades filiais e conglomerados

financeiros.

129

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Tanto o processo de consolidação dos mercados financeiros nos últimos 20 anos

como o desenvolvimento das atividades de Bancassurance são aspectos diferentes e

interconectados de um período de liberalização financeira. O vento liberalizante para a

mobilidade do capital líquido atuou primeiramente no sentido de esmaecer as fronteiras

nacionais para investimentos de curto e médio prazo. O movimento cronologicamente

subseqüente consistiu em remover barreiras regulatórias internas ao desencadeamento

de fusões e aquisições entre instituições financeiras atuantes em diferentes segmentos

do mercado. A permissão para este tipo de alteração no controle societário ocorre ao

mesmo tempo em que são dissolvidos os limites legais de operação para os

conglomerados financeiros, permitindo-lhes atuar, em simultâneo, nos diferentes

segmentos do mercado financeiro de cada país.

Um dos resultados colaterais destes processos acima listados foi a crescente

preocupação com os riscos advindos de mercados liberalizados e cada vez mais

concentrados. No próximo capítulo serão discutidos os riscos sistêmicos associados aos

mercados financeiros consolidados e suas relações com os riscos inerentes às

instituições de seguros.

3.6: Conclusões

A consolidação nos mercados financeiros emerge como resultante de um

conjunto de fatores, entre os quais assumem papel relevante as mudanças tecnológicas, a

eclosão das inovações financeiras e, principalmente, a chamada desregulação financeira.

Restrições regulatórias constituíram uma barreira legal ao processo de consolidação

financeira sob dois aspectos principais: impedindo a atividade de instituições financeiras

– principalmente bancos comerciais – em outros segmentos dos mercados financeiros

domésticos, e mantendo barreiras a entrada de competidores internacionais nos

diferentes mercados nacionais, ou, no caso dos Estados Unidos, erigindo barreiras até

mesmo à atuação interestadual de bancos comerciais.

A persistência de restrições regulatórias à atuação dos bancos e demais

instituições conviveu com um processo mais geral de intensa diversificação dos

instrumentos financeiros e significativa ampliação na liquidez dos mercados. Novos

130

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atores surgem em cena nos mercados financeiros a partir da década de 1980, oferecendo

um leque de produtos destinados à captação de recursos junto ao público com taxas de

rentabilidade mais atrativas do que aquelas existentes nos depósitos bancários. Os

investidores institucionais, com destaque para os fundos mútuos, tiram partido da

capacidade de composição de carteiras diversificadas, integrando diferentes ativos

financeiros, e reduzem o espaço tradicional para as operações bancárias. O

fortalecimento do processo de desintermediação financeira amplia o papel dos

investidores institucionais no fornecimento de crédito via aquisição de títulos de dívida

direta, ocasionando uma redução nas receitas tradicionais das instituições bancárias.

A suspensão das restrições regulatórias vem se dando de forma diferenciada nos

três grandes mercados mundiais. A diretiva da União Européia relacionada à atuação dos

bancos lhes permitiu operar, desde 1993, em todo o espaço conformado pelos mercados

unificados dos países membros, não havendo, também, restrições significativas ao

processo de conglomeração financeira. A adoção de uma moeda única, da mesma forma,

consistiu em um estímulo significativo ao amadurecimento dos mercados de capitais

europeus como provedores de crédito direto, para corporações não financeiras, mediante

emissão de títulos de dívida. O espaço tradicional de atuação bancária e a obtenção de

receitas fundamentalmente através de juros de empréstimos sofre um continuado

declínio.

O conjunto de fatores acima descritos concorre para uma forte pressão no sentido

de que os grupos financeiros – em particular bancos comerciais – busquem ganhos de

escala e de escopo em suas operações. A efetivação destas estratégias só pode se

viabilizar a partir do momento em que as restrições regulatórias sejam suspensas ou

atenuadas. Se a liberalização à atuação dos bancos foi sancionada desde 1993 na União

Européia, o levantamento dos entraves regulatórios nos Estados Unidos da América só

ocorreu, ainda que parcialmente, com a autorização para o funcionamento das Financial

Holding Companies, em 1999. Não se trata, ainda, de permitir a constituição de

organizações com carteiras representativas de operações ativas e passivas em diferentes

segmentos do mercado, como seria a versão ideal ou estilizada dos bancos universais;

trata-se da permissão para o funcionamento de conglomerados com subsidiárias atuantes

131

Page 132: Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória · Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira Tese submetida

nos vários ramos financeiros e seu estabelecimento nos diferentes estados da federação

norte-americana.

Quanto ao Japão, um plano liberalizante foi promulgado em 1996, e sua

implementação se efetuou até 2001, sob a denominação de “Big Bang”. As reformas

removeram drasticamente as restrições regulatórias até então existentes, permitindo a

entrada de corporações estrangeiras nos mercados japoneses e deflagrando um surto de

fusões e consolidação entre os grupos financeiros locais. Todavia, a regulação ainda

mantém em compartimentos estanques os diferentes segmentos do mercado financeiro,

não sendo possível a atuação de instituições nos moldes dos bancos universais.

Em linhas gerais, o processo de flexibilização das restrições à atividade de

bancos e outras instituições financeiras resultou em um substantivo movimento de

fusões e aquisições, desenvolvido ao longo da década de 1990 e com maior ênfase entre

1998 e os dias atuais. Uma tipologia deste processo estabelece quatro grupamentos

diferentes de classificação e motivação para as fusões e aquisições. Um primeiro grupo,

compreendendo acordos dentro da mesma indústria e país, tem o nítido objetivo de

ampliar economias de escala para as operações já realizadas. Um segundo tipo de

acordo, ainda em âmbito doméstico, envolve firmas de diferentes setores, por vezes

gerando amplas e complexas organizações financeiras. A motivação inconteste, nesses

casos, é a busca de economias de escopo através da diversificação de produtos

oferecidos. O terceiro tipo, fusões entre empresas da mesma indústria, porém de

diferentes países, denota a expansão para uma escala internacional de operações e o

atingimento de outros mercados nacionais através de uma instituição já atuante nos

respectivos países. Por fim, a fusão ou aquisição entre empresas de mercados diferentes

com diferentes origens nacionais pode significar tanto ampliação do escopo de

operações como um interesse direcionado a exercer operações específicas em um

mercado selecionado. O resultado geral deste processo de consolidação tem sido o

crescimento do papel desempenhado pelos grandes grupos bancários no conjunto do

sistema financeiro internacional.

Do ponto de vista do impacto da consolidação sobre os mercados de seguros,

dois aspectos sobressaem. O primeiro é a consolidação com especialização que tem

caracterizado o processo de concentração do mercado global de resseguros. A partir de

132

Page 133: Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória · Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira Tese submetida

uma amostra composta pelas 43 maiores resseguradoras, estudo realizado pela IAIS

identificou que os dez maiores grupos resseguradores têm participação dominante tanto

no setor de ramos elementares, com 50 % do total do mercado, como no mercado de

resseguro de apólices de seguros de vida, com participação de 87%.

O segundo aspecto de interveniência do processo de consolidação sobre os

mercados de seguros refere-se ao papel crescente que o canal bancário passa

gradativamente a exercer na comercialização de apólices de seguros. As práticas

conhecidas como bancassurance, não apenas se aprofundam no continente europeu,

como as aquisições de agências corretoras de seguros por parte de bancos nos Estados

Unidos sinalizam a expansão das vendas de seguros através do canal bancário.

Por fim, cabe assinalar que a integração entre seguradoras e outras instituições

financeiras – especialmente bancos comerciais – no interior de um mesmo

conglomerado, trazem novas implicações acerca dos instrumentos à disposição das

autoridades responsáveis pela regulação e supervisão dos mercados financeiros. Aos

temas já incluídos na agenda desses órgãos, passa a se incorporar a preocupação acerca

dos efeitos concatenados de problemas de solvência atingindo tanto a bancos como a

seguradoras. Um dos subprodutos da desregulação e consolidação dos mercados é,

paradoxalmente, a emergência de novos requisitos regulatórios.

133

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Capítulo 4: Riscos Incidentes sobre as Empresas de Seguros

4.1 – Introdução

A cobertura de riscos alheios é o principal objeto da atividade das companhias de

seguros. Conforme foi exposto nos capítulos precedentes, a absorção dos riscos de

terceiros exige o domínio de um conjunto de técnicas e procedimentos específicos que

constituem o cerne da atividade seguradora. O acerto na utilização destas técnicas é que

irá permitir que a empresa se mantenha solvente e obtenha lucros operacionais. Todavia,

ao gerenciar riscos de terceiros, as companhias de seguros incorrem, elas próprias, em

um conjunto de riscos que ameaçam sua solvência. Analisar e classificar cada

modalidade desses riscos é parte essencial do negócio, e tem sido cada vez mais o foco

prioritário da ação regulatória.

De forma análoga ao que se observa em outros segmentos do mercado financeiro,

são as instituições implicadas em sugerir e aplicar mecanismos de regulação e

supervisão que vem produzindo estudos sobre a questão dos riscos a que estão sujeitas

as corporações de seguros. O paradigma é fornecido pelos Acordos de Basiléia I e II.

Para o conjunto do mercado financeiro, as principais fontes de estudos são o BIS, o FMI

e a OCDE, além dos Bancos Centrais de diferentes países. Quanto à área de seguros, a

NAIC nos Estados Unidos e o projeto Solvência II da União Européia são os principais

centros de fomento e organização das informações sobre o tema, além de estudos da

IAIS e da própria OCDE.

A necessidade de identificar as fontes de riscos e apurar os critérios para sua

avaliação e mensuração responde a fatores decorrentes, de forma mediata ou imediata,

da eclosão de crises nos mercados supervisionados. O desenvolvimento do projeto

Solvência II na Comunidade Européia segue na esteira dos procedimentos decorrentes

do Acordo de Basiléia II sobre supervisão dos mercados financeiros. Independentemente

das motivações do primeiro Acordo de Basiléia de 1988, quando este foi ratificado, seus

134

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termos refletiam as condições que haviam predominado na primeira metade da década

iniciada em 1980 (Carvalho, 2004). A crise da dívida latino-americana parecia assinalar

o padrão de erro a ser evitado nas transações financeiras internacionais. O impacto dos

créditos duvidosos nos balanços dos grandes bancos parecia sinalizar que o risco a ser

incorrido por instituições financeiras iria constituir-se prioritariamente de crises de

inadimplência de países endividados da periferia do sistema capitalista. Os fatos

subseqüentes irão alterar a ordem das prioridades dos entes regulatórios. Neste sentido, é

perceptível a influencia dos acontecimentos críticos ocorridos nos anos de 1990 sobre as

preocupações dominantes na elaboração das regras do Basiléia II, preocupações estas,

também, incorporadas na agenda do projeto Solvência II.

Em relação ao processo de identificação de riscos que norteou a mudança

do paradigma regulatório norte-americano no início dos anos de 1990, as sucessivas

falências de seguradoras ocorridas a partir de meados de 1980 forneceram o material

privilegiado de estudos preliminares à implantação do modelo de Risk Based Capital.

No próximo capítulo, dedicado às mudanças dos padrões regulatórios em

desenvolvimento no cenário internacional, tratar-se-á mais explicitamente das

características dos modelos de Risk Based Capital – RBC. O que nos interessa assinalar

agora é que, tanto no caso norte-americano como no âmbito da União Européia, a

mudança do enfoque regulatório obrigou a um melhor estudo e detalhamento dos riscos

a serem monitorados.

O presente capítulo tomará como base os avanços conquistados nesse campo do

conhecimento, os quais permitem a definição de uma taxonomia dos riscos fundamentais

que incidem sobre o setor. A próxima seção cuidará da sistematização de riscos

decorrente de estudos que antecederam e subsidiaram mudanças regulatórias. A terceira

seção cuidará da distribuição dos riscos incidentes no nível da empresa e do mercado de

seguros especificamente.

Uma quarta seção apresentará o conceito de risco sistêmico, permitindo a

abordagem das seções seguintes, onde será discutida a possibilidade de companhias de

seguros sejam agentes causadores de riscos sistêmicos nos mercados financeiros (quinta

seção). A particular questão quanto a eventuais riscos originados pela integração de

135

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seguradoras em mercados financeiros será tratada à parte, na sexta seção. A sétima seção

encerra o capítulo, apresentando as conclusões sobre os temas abordados.

4.2 – Evolução dos critérios para classificação dos riscos

A sistematização dos riscos incorridos por empresas de seguros tem sido objeto

de estudos detalhados em circunstâncias vinculadas a reformulação dos marcos

regulatórios. Isto pode ser verificado tanto no início da década de 1990, nos Estados

Unidos, como transcorre atualmente, desde fins da década de 1990 até os dias atuais, na

União Européia.

Os esforços para conformação de um marco regulatório voltado para a

Supervisão de Riscos nos Estados Unidos deram origem ao sistema RBC – Risk Based

Capital, e tiveram como ponto de partida um conjunto de estudos sobre o processo de

insolvência de seguradoras. Os dois principais suportes para a identificação dos riscos a

serem objeto de regulamentação foram um estudo da AM Best de 1990/91, e um

conjunto de textos agrupados na compilação “The Financial Dynamics of the Insurance

Industry”, editado por Eward Altman e Irwin Vanderwoof.

De acordo com Klein (1995), a partir de 1990, a NAIC deixou de considerar

adequados como instrumento regulatório garantidor de solvência os padrões fixos de

capital mínimo até então requeridos. A opção então assumida foi o estabelecimento de

requerimentos de capital baseados no risco, requerimentos estes que iriam variar de

acordo com os montantes e os tipos de exposição sofridas pelas seguradoras. Em

dezembro de 1990, a NAIC concluiu que o padrão RBC era plausível e preferível aos

padrões de capital mínimo fixos e, subseqüentemente, estabeleceu grupos de trabalho

separados para desenvolver os novos critérios para as seguradoras de vida/saúde e ramos

elementares. Após um período de testes e discussões, em Dezembro de 1992, a NAIC

adotou uma fórmula de RBC para vida/saúde e uma lei modelo. O desenvolvimento e a

implementação da fórmula RBC para ramos elementares demorou mais um ano, sendo

adotada somente em dezembro de 1993.

Ao desenvolver os estudos preliminares à implantação do RBC, foram

determinados os motivos mais freqüentes de falências de seguradoras de vida/saúde.

136

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Dentre estes fatores sobressaíram critérios inadequados de precificação dos prêmios,

rápido crescimento, concentração exagerada de capital em ativos de grande volatilidade

ou de alto risco de crédito. Dentre os fatores externos que afetaram as insolvências

foram apontados o ciclo de subscrição frouxa dos seguros de saúde, o rápido

crescimento de produtos relacionados a investimentos e corridas de saques por parte de

detentores de apólices.

Como resultado dos estudos feitos, a fórmula da NAIC para o RBC das

seguradoras de vida/saúde engloba quatro grandes categorias de risco: risco de ativos,

risco de precificação ou de seguro, risco de taxa de juros, risco dos negócios. Na

verdade, estes quatro grandes grupos trazem embutidas diferentes categorias de riscos

identificados. A denominação genérica de risco de ativos engloba tanto o risco de

default – que é uma modalidade expressiva do risco de crédito nas seguradoras de vida -

como os riscos de que variações no valor de mercado da carteira de investimentos

acarretem perdas patrimoniais para a seguradora.

Os chamados riscos de seguro referem-se à probabilidade de que os prêmios e as

reservas estejam inadequados para cobrir os pagamentos de benefícios. Ou seja, é uma

outra denominação para os riscos de subscrição inadequada, tão comuns em períodos de

mercado frouxo.

O risco de taxa de juros leva em conta a possibilidade de que uma seguradora

possa ter problemas de liquidez devido a mudanças na taxa de juros. No caso das

seguradoras de vida, como vimos no capítulo sobre as estratégias de investimentos das

seguradoras, o cálculo atuarial para formação do preço das apólices leva em conta o fato

de que, ao longo de um período estimado, os prêmios pagos serão aplicados pela

seguradora a uma determinada taxa de juros. Ao mesmo tempo, o valor garantido das

apólices, muitas vezes, é, por sua vez, atrelado a uma dada taxa de juros contratual. Em

caso de queda das taxas de juros das aplicações a patamares inferiores aos juros

estimados atuarialmente – ou comprometidos contratualmente com o detentor da apólice

– colocam-se problemas potenciais de solvência para as seguradoras.

A categoria geral denominada de risco de negócios refere-se a possibilidade da

seguradora não conseguir manter um volume de vendas suficiente para cobrir seus

custos e arcar com os pagamentos de sinistros.

137

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Em relação à natureza dos riscos incidentes sobre seguradoras de ramos

elementares, foram elencadas as seguintes categorias de riscos: Riscos de Investimentos,

Riscos de Crédito e Riscos de Subscrição (Cummins et al, 1995).

A análise dos riscos de investimento inclui a possibilidade de perdas nos

mercados de ações, de títulos públicos e privados, riscos de liquidez e riscos de taxas de

juros. Ações desempenham um importante papel nos portfólios das seguradoras de

ramos elementares. Ao contrário das seguradoras de vida, as seguradoras de ramos

elementares nos Estados Unidos tendem a ter significativa parcela de seus investimentos

em ações. Consideram–se, assim, significativos os riscos de preços inerentes a maior

volatilidade destes investimentos.

Apesar de títulos públicos e corporativos em geral estarem sujeitos ao risco de

default, o risco dos títulos retidos pelas seguradoras de ramos elementares foi

considerado muito pequeno quando da realização dos estudos patrocinados pela NAIC.

Cummins et al (1995) apresenta dados do ano de 1990 que demonstraram que 98% dos

títulos adquiridos em oferta pública pelas seguradoras de ramos elementares eram de

classificação elevada segundo os critérios da NAIC. Apenas 1,5% dos títulos do

portfólio da indústria era de baixos ratings. Assim, esse risco não foi considerado

significativo para a indústria como um todo. A maioria dos riscos de default existentes

pode ser efetivamente diversificada através de um portfólio que consista de títulos de

variados emissores.

Um outro risco associado à retenção de títulos por parte das seguradoras de

ramos elementares é o risco de liquidez: o risco de que a seguradora possa ter que

assumir uma perda de capital em um título para satisfazer demandas de liquidez. Apesar

de que riscos de liquidez mereçam alguma atenção em seguradoras de ramos

elementares, em geral isto não é um problema muito sério. Private placements e títulos

de baixos ratings transacionados publicamente podem sofrer um real risco de liquidez,

pois o mercado secundário para eles é muito reduzido. Entretanto, esses títulos têm

pouca importância para a maioria das seguradoras de ramos elementares.

O risco sofrido pelas seguradoras de ramos elementares de maior significância,

devido à retenção de títulos de renda fixa, é o risco de taxa de juros. O risco de taxa de

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juros surge, porque os valores de mercado dos ativos e passivos de uma seguradora são

diferentemente afetados por mudanças nas taxas de juros. A princípio, as seguradoras

poderiam reduzir amplamente suas exposições ao risco de taxa de juros através da

retenção de portfólios de ativos com durações aproximadamente iguais às de seus

passivos. Todavia, nem sempre isto acontece, e é usual a constatação de que os ativos

das seguradoras têm uma duração significativamente mais longa do que seus passivos.

Então, se as taxas de juros caem, o valor de mercado dos ativos sobe mais do que o valor

de mercado de seus passivos, aumentando o capital disponível para a seguradora.

Entretanto, se as taxas de juros sobem, o valor dos ativos tende a declinar mais do que os

passivos, reduzindo o capital disponível e potencialmente afetando a solvência.

Os riscos de crédito são relevantes para o mercado segurador. O principal risco

de crédito refere-se a possibilidade de que os devedores cometam um default das suas

obrigações. Apesar de similar ao risco de default de títulos, o risco de crédito aqui é

tratado separadamente, pois as seguradoras sofrem risco de crédito em obrigações que

são únicas da indústria seguradora e o risco de crédito é mais difícil de ser diversificado

do que o risco de default dos instrumentos de dívida transacionados. As fontes de risco

de crédito para as seguradoras de ramos elementares são recebíveis de resseguro e

recolhimentos de prêmios relativos a agentes e detentores de apólice.

O risco de crédito nas operações de resseguro é o risco de que as resseguradoras

cometam falhas nos pagamentos de suas obrigações junto às seguradoras. Por exemplo,

a resseguradora pode ser incapaz de reembolsar a seguradora por perdas cobertas pelo

contrato de resseguro.

As seguradoras também sofrem risco de crédito dos chamados balanços de

prêmios. Muitos detentores de apólice recebem suas contas diretamente do agente de

venda de seguros. O agente deduz sua comissão e remete os valores relativos ao restante

do prêmio para a companhia de seguros. A maioria dos agentes não remete fundos à

companhia imediatamente ao recebimento do prêmio, criando contas a receber

conhecidas como balanços dos agentes. Os balanços de prêmios podem, também, ser

resultado de atrasos de pagamentos dos detentores de apólice à companhia. A

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probabilidade de que alguns detentores de apólice e agentes tornem-se inadimplentes em

suas obrigações junto à companhia criam uma outra fonte de risco de crédito.

A última categoria de riscos identificada no processo de estabelecimento do RBC

norte -americano para seguradoras de ramos elementares é o risco de subscrição. Trata-

se do risco de que os prêmios estipulados, mais o rendimento auferido dos investimentos

feitos entre o pagamento do prêmio e as datas de pagamento de perdas, sejam

inadequados para pagar as perdas da seguradora e os gastos com as obrigações. Os

fluxos de caixa advindos da subscrição são indiscutivelmente os maiores dentro da

indústria de ramos elementares. Então, não é surpreendente que o risco de subscrição

tenha sido a causa mais importante das insolvências de seguradoras no período de 1969

a 1990, conforme o referido estudo da AM Best de 1991.

Em um mercado competitivo, o prêmio estipulado para uma apólice de seguro

reflete o valor esperado das perdas, os gastos administrativos e de comercialização –

incluídas as comissões – e o lucro das seguradoras. Então, a maior fonte de risco de

subscrição concentra-se na possibilidade das perdas serem maiores do que o esperado.

Isso pode ocorrer devido a um erro de estimação ou por acontecimentos do acaso, como,

por exemplo, altas perdas resultantes de uma catástrofe ou de fortes e cumulativas

perdas com eventos não relacionados entre si. O risco de ocorrência de altas perdas

inesperadas obviamente varia de acordo com a linha de seguro. Por exemplo, o principal

risco que afeta as linhas de seguros de bens é o risco de catástrofes. Já em linhas de

responsabilidade civil de longo prazo, para as quais a incerteza sobre os custos de

sinistros para as apólices vendidas em um dado período pode não ser completamente

resolvidos por muitos anos, os principais riscos incluem mudanças na legislação e

exposições inesperadas a riscos não identificados quando da assinatura dos contratos.

Os esforços empreendidos pela NAIC no mapeamento dos riscos evidenciados

pelas falências de seguradoras americanas possibilitaram a adoção do novo modelo

regulatório que passou a vigorar nos Estados Unidos. O foco de classificação dos riscos

então adotado, como vimos, foi por segmentação das duas grandes áreas do mercado

segurador, vida e saúde e ramos elementares. Os estudos deflagrados no bojo do projeto

Solvência II da União Européia irá não apenas incorporar, mas também reordenar a

classificação dos riscos a que estão sujeitas as empresas de seguros.

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O contexto e o viés das análises desenvolvidas no decorrer do Solvência II

refletem fatores que ainda não se materializavam significativamente no mercado

segurador norte-americano no início da década de 1990. Em comum, há ênfase na

constituição de um novo paradigma regulatório, focado na avaliação dos riscos. Como

influências distintas, destacam-se as preocupações presentes nos estudos do Novo

Acordo de Basiléia, cuja discussão foi moldada quer pelas crises financeiras da década

de 1990, quer pela verificação de um forte processo de consolidação nos mercados

financeiros, consolidação esta que, como vimos, não esteve ausente dos próprios

mercados seguradores.

As novas condições presentes nos sistemas financeiros marcam já os estudos

preliminares contratados para embasar os posicionamentos dos comitês responsáveis

pela elaboração do Solvência II. O estudo da KPMG, entregue em maio de 2002, na

seção responsável pela identificação dos riscos incidentes sobre as seguradoras, já

contempla um referencial analítico diferenciado. Ainda que identificando os riscos já

estabelecidos pelos estudos que antecederam a modelagem norte-americana do Risk

Based Capital, esses não apenas serão mais bem detalhados, como sofrerão uma

classificação em três patamares, a saber: Riscos ao nível das empresas, riscos incidentes

sobre o conjunto do mercado segurador (denominados também como riscos

sistemáticos) e riscos sistêmicos.

É importante desde já assinalar que as preocupações internacionais relacionadas

à identificação e prevenção de situações de riscos foram crescendo ao mesmo tempo em

que se desenvolviam os aspectos de conglomeração dos mercados financeiros e de

convergência entre os produtos comercializados por diferentes tipos de instituições. A

interdependência entre diferentes segmentos do mercado e a integração de diferentes

instituições acentuou as atenções regulatórias quanto a impactos cumulativos que alguns

fatores de riscos poderiam desencadear, afetando a estabilidade do conjunto dos

mercados financeiros.

As preocupações relacionadas a riscos decorrentes de conglomeração não

constaram das linhas de trabalho desenvolvidas pelos supervisores norte-americanos no

início dos anos da década de 1990, nem se encontram explicitados no rol de riscos

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abordados nos quadros da KPMG, apresentados à Comissão Européia de Assuntos

Financeiros.

Em defesa do modelo construído pelo aparato regulatório norte-americano para o

setor segurador, devemos assinalar que este antecedeu a fase de maior liberalização e

consolidação dos mercados financeiros. Os principais marcos legais permissivos das

fusões e da constituição de conglomerados são posteriores à implementação do RBC. Ao

mesmo tempo, deve-se creditar ao modelo desenvolvido sob inspiração da NAIC o

mérito de ter, pioneiramente, situado na avaliação e mensuração dos riscos o centro da

atividade de supervisão.

A classificação de riscos apresentada pela KPMG tem como fontes explícitas os

estudos relacionados aos processos de insolvências de seguradoras norte-americanas16 e

o “Muller Group Report”, desenvolvido no âmbito do próprio projeto Solvência II.

Como fontes implícitas, utilizou-se da experiência de companhias de seguros que já

haviam desenvolvido internamente seus próprios modelos de classificação e avaliação

de riscos. O resultado obtido foi a elaboração de um detalhado quadro dos riscos

incidentes sobre as companhias de seguros, e de um conjunto preliminar de estudos

relativo ao papel dos riscos sistemáticos e sistêmicos sobre os mercados de seguros.

Cada um destes níveis de incidência de riscos será analisado nas seções subseqüentes.

4.3 – Riscos ao nível das empresas e riscos do mercado

Pode-se classificar as exposições das seguradoras ao risco em três diferentes

níveis:

• Riscos surgidos ao nível das entidades

• Riscos sofridos pela indústria seguradora (riscos sistemáticos)

• Riscos sofridos pela economia (riscos sistêmicos)

Esta classificação é passível de nuances na definição e no posicionamento dos

riscos classificados. Riscos de investimentos, por exemplo, podem ser identificados no

âmbito da companhia, por má alocação de recursos em empresas emissoras de títulos

16 Em particular os estudos da AM Best de 1991 e de 1999.

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cuja solidez seja mal analisada. Também podem ocorrer concentrações de aplicações em

ações de um setor que venha a apresentar, adiante, problemas de desvalorização e

conseqüente perda patrimonial. Estes riscos de investimentos estão sob o controle e a

responsabilidade da companhia de seguros. Já situações de quedas generalizadas nos

valores dos títulos negociados em bolsas são enquadradas como um risco sistêmico,

embora afetem diretamente os investimentos das companhias de seguros.

O mesmo raciocínio exposto acima pode servir para a análise dos riscos

incidentes sobre o passivo das companhias. Riscos de subscrição podem ser decorrentes

de má gestão técnica, relacionada, por exemplo, à precificação inadequada ou

conhecimento imperfeito sobre a freqüência dos sinistros a serem cobertos. Riscos de

subscrição podem ser subitamente agravados, ainda, por eventos sistêmicos não

previstos, ou cuja severidade se mostre muito mais acentuada do que as experiências

anteriores poderiam prever. Trata-se neste último caso de um evento sistêmico que afeta

negativamente todo um segmento segurador, ou mesmo o conjunto dos mercados

financeiros. Em suma, um mesmo aspecto formal – por exemplo, os ativos das

instituições – pode ser objeto de riscos de má gestão empresarial, de eventos que afetem

o conjunto do segmento, ou de eventos que afetem o conjunto dos mercados financeiros

ou, mesmo, a economia como um todo.

Ao serem elencados os riscos das companhias de seguros, além de levar em conta

a sua distribuição enquanto riscos ao nível da companhia, do mercado e com incidência

sistêmica, outro aspecto deve servir como elemento diferenciador. A dualidade básica do

mercado de seguros, que tem como dois grandes ramos o segmento de seguros de vida e

o segmento de ramos elementares, se espelha, também, quando são definidas a

incidência e a gravidade potencial dos diferentes tipos de riscos. Os quadros

apresentados a seguir, adaptados do relatório da KPMG (2002), procuram assinalar estas

particularidades. A classificação dos riscos feitos por aquela instituição merece reparos,

particularmente no posicionamento de alguns itens, que são apresentados como riscos ao

nível da companhia, mas são riscos cuja incidência se reflete ao nível do mercado como

um todo. Apresentar-se-ão os quadros da KPMG referentes a riscos ao nível da empresa

e a riscos sistemáticos e, então, as considerações críticas serão desenvolvidas.

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Riscos ao nível da companhia

Riscos Seguro de vida seguro de não-vida Subscrição pura Grau e freqüência dos sinistros relacionados a

mudanças na mortalidade antecipada, morbidade e longevidade.

Grau e freqüência de sinistros relacionados a eventos imprevisíveis, como riscos naturais, fogo, poluição, crimes, guerras, terrorismo e outros.

Gerenciamento de subscrição

Fraca subscrição através da seleção de maus riscos e design inapropriado do produto.

Fraca subscrição através da seleção de maus riscos e design inapropriado do produto. Perdas relativas a baixos preços e provisões, gerenciamento das decisões de expansão, inexperiência e acumulação e concentração de grandes perdas.

Crédito Negligência de riscos em investimentos e débito de prêmios dos intermediários.

Negligência de riscos em investimentos e débito de prêmios dos intermediários. Falhas no resseguro é a principal causa do risco de crédito.

Resseguro O programa de resseguro geralmente é menos importante no setor vida do que no não vida.

A aquisição de cobertura insuficiente pode ocasionar dificuldades financeiras no caso de sinistros inesperados ou grandes perdas.

Operacional Fraude, venda equivocada, sistemas, controle e gerenciamento de falências são as principais causas das perdas operacionais.

Fraude, programa de resseguro inadequado, sistemas, controle e gerenciamento de falências são as principais causas das perdas operacionais.

Investimento Fracos resultados dos investimentos como conseqüência de um mix inapropriado, supervalorização dos ativos, e sua excessiva concentração em determinados produtos de investimento. Uma porção significativa dos riscos de investimento é conduzida pelos detentores de apólices.

Fracos resultados dos investimentos como conseqüência de um mix inapropriado, supervalorização dos ativos, e sua excessiva concentração em determinados produtos de investimento. Diferentemente do seguro de vida, grande porção dos riscos de investimento é conduzida pelos acionistas.

Liquidez Incapacidade na liquidação de ativos quando preciso, tendo que aceitar preços mais baixos.

Incapacidade na liquidação de ativos quando preciso, tendo que aceitar preços mais baixos.

Descasamento de ativos e passivos

Descasamentos entre ativos e passivos relativos ao fluxo de caixa, moeda e prazos.

Este risco não é normalmente um fator muito relevante para seguradoras de não vida, devido às curtas durações de seus contratos.

Lapsos de vendas Um nível mais baixo de apólices causa uma menor recuperação dos custos fixos

Mais baixo do que o nível orçamentário dos prêmios terá impacto na lucratividade.

Provisões Níveis de provisão inadequados podem fazer com que a posição financeira da companhia seja apresentada de uma forma melhor do que realmente é. Isso pode resultar em decisões inapropriadas de subscrição e gerenciamento.

Níveis de provisão inadequados podem fazer com que a posição financeira da companhia seja apresentada de uma forma melhor do que realmente é. Isso pode resultar em decisões inapropriadas de subscrição e gerenciamento.

Fonte: Thébault, (2002)

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Riscos sofridos pela indústria seguradora (riscos sistemáticos)

Riscos sistemáticos são ocasionados por fatores externos que afetam toda a indústria

seguradora. Na maioria dos casos, a companhia não é capaz de influenciar nos eventos, mas

pode estar em uma posição de relativo controle de riscos. O quadro estabelecido pela

KPMG é o seguinte:

Riscos Seguro de vida Seguro de não vida Jurisdicionais Implicações das decisões das cortes que

afetam as obrigações dos detentores de apólices. Isso não é um risco significativo para as seguradoras de vida.

Riscos legais têm um impacto maior nas seguradoras de não vida, devido às decisões das cortes com respeito aos sinistros do passivo.

Mudanças de mercado

Implicações das mudanças nas atitudes e comportamento dos competidores.

Implicações das mudanças nas atitudes e comportamento dos competidores. Implicações dos ciclos de seguros. Em tempos de baixas taxas de prêmios, há um alto risco das seguradoras entrarem em contratos pouco competitivos.

Fonte: Thébault, (2002)

A observação dos dois quadros acima sugere que o primeiro item do primeiro

quadro, relacionado como riscos puros de subscrição, deve antes ser incluída na

categoria dos riscos sistemáticos, afetando o conjunto do mercado ou, mais

especificamente, todo um ramo ou segmento do mercado segurador. Grau e freqüência

dos sinistros relacionados a mudanças na mortalidade antecipada, morbidade e

longevidade são fatores que afetam o conjunto das seguradoras de vida e saúde. Novos e

mais caros métodos de tratamento de doenças crônicas acarretam maiores gastos das

seguradoras de saúde. Mudanças mais acentuadas na longevidade significam

pagamentos de anuidades vitalícias mais prolongados, sendo o mesmo raciocínio válido

para planos de aposentadoria privada.

No caso de seguradoras de ramos elementares, o rol de situações apresentadas no

item inicial – riscos de subscrição pura - é ainda mais evidentemente de caráter

sistemático ou sistêmico. A própria denominação de eventos imprevisíveis já coloca

estes fenômenos como além da capacidade de mensuração probabilística e precificação

adequada por parte das seguradoras, exceto, naturalmente em áreas reconhecidamente

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sujeitas a catástrofes naturais ou índices de violência e criminalidade mais acentuados.

Uma vulnerabilidade indesejada a estes riscos de difícil mensuração pode ser incluída

como problema de gerenciamento ineficaz nas decisões de subscrição e retenção de

riscos. Isto remete ao item subseqüente, gerenciamento da subscrição, e mais

especificamente à política adotada para transferências de riscos para instituições de

resseguros. Mas o risco de subscrição em seu sentido estrito, relacionado a

descompassos entre a sinistralidade prevista e aquela efetivamente ocorrida, deve ser

alocado no rol dos riscos sistemáticos, pois tende a afetar todo um segmento do

mercado.

Exemplo de eventos sistemáticos com efeitos sobre todo um segmento do

mercado nos é fornecido pela crise vivida pela indústria de seguros norte–americana no

período da década de 1980. Um inusitado aumento de custos dos sinistros de

Responsabilidade Civil em apólices vendidas durante o começo dos anos 80, ocasiona o

aumento das insolvências observadas de 1984 a 1991, intervalo conhecido como o

“período da crise dos seguros de Responsabilidade Civil”. Conforme Zycher (2004), os

estudos feitos pela A.M.Best entre 1991 e 1992, verificaram que as causas mais

freqüentes das insolvências das seguradoras de Responsabilidade Civil eram

estimativas incorretas quanto a ocorrência de sinistros, contratos inadequados e

expansão muito rápida. A alta inflação e a flutuação das taxas de juros também podem

ser citadas como importantes fatores econômicos externos que influíram nas falências

das seguradoras de Responsabilidade Civil.

Fases do ciclo de subscrição onde predominam condições de mercado frouxo

tornam as companhias de seguros mais vulneráveis a riscos sistemáticos relacionados à

maior severidade dos sinistros, e a aspectos sistêmicos relacionados ao comportamento

dos mercados de títulos de renda fixa (risco de taxas de juros) e de renda variável.

O mesmo estudo feito em 1991 e 1992 pela A.M.Best irá incluir uma análise

sobre as causas mais freqüentes das falências das seguradoras de Vida e Saúde. Os

fatores descritos como responsáveis pela crise vivida no setor são decorrentes de

comportamentos característicos de fases de mercado frouxo. Preços e lucratividade

inadequados e expansão muito rápida despontam como a principal causa de problemas

nesse segmento. Como decorrência da percepção das condições de crise por parte do

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público, ocorreram ondas de cancelamentos de contratos por parte dos detentores de

apólices.

Em 1991, o valor total dos ativos de seguradoras insolventes aumenta

drasticamente, tendo em vista a falência de seis seguradoras, as quais tinham todas,

individualmente, mais de US$ 4 bilhões de reservas em 1990 (Harrington, 1992).

A literatura sobre o processo de crise nas seguradoras de vida e saúde no período

aponta que, apesar de alguns detalhes variarem, as histórias das insolvências dessas

instituições em 1991 são bastante similares. As estratégias em busca de ampliação das

respectivas parcelas de mercado foram baseadas na emissão de grande quantidade de

contratos com investimentos prometendo retornos fixos e seguros de vida indexados às

variações na taxa de juros. Para obter altos rendimentos, as seguradoras apostaram em

estratégias de investimento de alto risco que, por ventura, acabaram não sendo bem

sucedidas. Aqui os riscos de mercado incorridos nas aplicações parecem ter jogado papel

fundamental como razão das insolvências verificadas. O que veio a piorar a situação

financeira dessas empresas foi a difusão das informações a respeito de suas conjunturas,

o que levou vários detentores de apólices a suspender seus contratos. Assim, as

companhias agravaram seus problemas de liquidez. Em uma das companhias, a

Executive Life, por exemplo, os valores resgatados pelos consumidores, excederam US$

3 bilhões em 1990, ano precedente à sua insolvência. Já na Mutual Benefit, estima-se

que US$ 1 bilhão foi resgatado durante a semana precedente ao quadro de requisição de

intervenção pelos reguladores de New Jersey. Também foi verificado o aumento dos

resgates monetários em outras companhias antes da intervenção do órgão supervisor

(Harrington, 1992).

O advento do modelo de supervisão baseado em riscos nos Estados Unidos

restringiu a possibilidade de agravamento combinado de riscos de subscrição com riscos

de flutuação de taxas de juros, ao impor maiores requerimentos de capital de acordo com

os riscos estimados, tanto de passivos como de ativos. Em países onde ainda não

vigoram modelos de supervisão baseados em riscos, surtos de falências derivadas de

fases de mercado frouxo, com má seleção de riscos cobertos e aplicações de ativos em

papéis de maior volatilidade potencial não podem ser considerados implausíveis.

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Uma importante categoria de riscos que se evidencia a partir dos exemplos

empíricos acima referidos, e que não consta nem na abordagem regulatória norte-

americana nem no estudo da KPMG (2002), é aquilo que se pode denominar riscos de

reputação, ou riscos de confiança dos consumidores em determinado segmento do

mercado de seguros. As ondas de cancelamentos de apólices descritas anteriormente são

um exemplo do impacto que uma crise de confiança pode acarretar sobre o mercado. A

crise de confiança, ou de reputação, pode surgir também independentemente do público

questionar a solidez financeira das instituições, bastando tão somente que pairem

dúvidas sobre o ânimo efetivo de pagamento do seguro, ou de que o pagamento será

efetuado de forma tempestiva e de acordo com os termos contratuais pactuados.

Tanto no caso de desconfianças do público perante a solidez financeira das

seguradoras, quanto em relação ao efetivo pagamento no caso de ocorrências de

sinistros, podemos relacionar estes problemas como decorrentes de propagação de riscos

de reputação.

Além dos riscos ao nível da empresa e do mercado, seguradoras também estão

expostas aos riscos que surgem de forma exógena, tratados sob a denominação de riscos

sistêmicos. No citado estudo da KPMG para a comissão encarregada de supervisionar os

trabalhos do Projeto Solvência II, consta um quadro onde estão esboçados os efeitos de

riscos sistêmicos sobre empresas de seguros. No elenco de riscos detalhados a seguir

combinam-se turbulências nos mercados financeiros, traduzidas em volatilidade nas

taxas de juros, câmbio e mercados de ações, com mudanças ambientais causadoras de

catástrofes, mudanças sociais e tecnológicas.

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Riscos sofridos pela economia (riscos sistêmicos)

Risco seguro de vida seguro de não vida Flutuação do valor de mercado dos investimentos

Variação do valor de mercado dos investimentos, com perdas patrimoniais. Em produtos de investimento, uma porção significativa do risco é conduzida pelo detentor de apólice.

Variação do valor de mercado dos investimentos, com perdas patrimoniais. Diferentemente dos seguros de vida, todos os riscos de investimento são conduzidos pelos acionistas.

Mudanças ambientais Sinistros relacionados a mortes e à saúde resultantes de catástrofes naturais (enchentes, furacões, poluição, etc).

Aumento da freqüência e do grau de perdas relacionadas a catástrofes naturais.

Mudanças sociais ou políticas

O aumento da longevidade tem implicações negativas no custo das anuidades, porém positivas para o período do contrato. Aumento da mortalidade relativo ao surgimento de novas doenças.

Aumento de perdas relativo ao comportamento social (crimes, roubos, etc).

Ciclo econômico Conjunturas desfavoráveis no ciclo econômico aumentam o número de cancelamentos de contratos, devido a incapacidade de pagar os prêmios. Impacto nos investimentos.

O aumento do desemprego faz com que cresça o número de perdas relativas a roubos e crimes. A recessão reduz os níveis de rendimento dos prêmios relativo ao ciclo dos seguros.

Taxa de inflação Aumentos na taxa de inflação afetam diretamente os pagamentos dos contratos de longo prazo, caso os benefícios sejam atrelados à inflação. Também aumenta os gastos com sinistros da área médica em certas apólices.

A inflação tem um grande impacto financeiro no custo de liquidação de sinistros. Tem impacto na base de gastos.

Taxa de juros A taxas de juros é um dos principais causadores de risco no setor de seguros de vida, pois afeta a avaliação dos ativos e passivos.

Mudanças de curto prazo na taxa de juros têm impacto no rendimento dos investimentos. A taxa de juros não é uma grande causadora de risco nos contratos de curto prazo de seguros de não vida.

Taxa de câmbio Pode resultar em perdas onde há significativos passivos estrangeiros que não são compensados por investimentos na mesma moeda. Em produtos de investimento uma porção significativa do risco de taxa de câmbio é assumida pelo detentor de apólice.

Pode resultar em perdas onde há significativos passivos estrangeiros que não são compensados por investimentos na mesma moeda. Esse risco é mais significativo nos seguros de não vida do que nos de vida.

Mudanças tecnológicas Pagamentos mais altos como resultado dos aumentos de longevidade, conseqüentes da cura de doenças. Sinistros mais altos resultantes do tratamento de doenças crônicas.

Novas tecnologias aumentam perdas relativas a falhas nos sistemas, sinistros decorrentes do desenvolvimento de novos carros, chips e aviões. Também tem impacto na eficiência dos canais de distribuição.

Fonte: Thébault, (2002)

Ainda que o quadro apresente de forma sucinta fenômenos geradores de riscos

originados em esferas alheias à dinâmica do mercado em um sentido mais estrito, a

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sistematização elaborada pela KPMG incorre em alguns equívocos. A ausência de rigor

teórico na conceituação de riscos sistêmicos contamina a análise aplicada dos efeitos desses

riscos sobre o mercado segurador. Mudanças tecnológicas nos procedimentos terapêuticos,

aumento da longevidade e impactos da inflação em contratos de longo prazo são processos

com influência gradativa nos negócios de seguros. Não podem assim ser considerados

riscos sistêmicos, pois não são fenômenos portadores de choques que alterem drasticamente

o ritmo previsível de desempenho de ativos e passivos das empresas de seguros. A seção

seguinte procurará fornecer, ainda que de forma concisa, uma moldura conceitual sobre a

qual possam ser analisadas algumas das diversas facetas que vinculam a atuação das

seguradoras com riscos sistêmicos, tanto na condição de agentes atingidos por estes

fenômenos, quer como eventual elemento causal de ameaças a estabilidade dos sistemas

financeiros internacionais.

4.4 – Riscos sistêmicos: Conceitos fundamentais

Ao longo da década de 1990 a preocupação com as crises econômicas freqüentes

passou a ocupar um lugar cada vez maior na agenda das instituições multilaterais, e surgiu

um significativo conjunto de trabalhos teóricos sobre as causas dessas crises. O conceito de

risco sistêmico foi incorporado à teoria econômica, tendo em vista a necessidade de forjar

um ferramental analítico que auxiliasse na identificação e prevenção dos fatores

desencadeadores das crises. A preocupação com estes fatores é a outra face da moeda dos

propósitos de estabilização que hoje constituem o centro das atenções dos órgãos

internacionais.

Nesta seção examinaremos o conceito de risco sistêmico, tanto em sua acepção

diretamente vinculada aos mercados financeiros, como no sentido de eventos que causem

impactos sobre o mercado segurador, e que possam se desdobrar sobre o conjunto dos

mercados financeiros.

O risco sistêmico é o risco de ocorrência de um evento sistêmico. Eventos

sistêmicos são aqueles que causam simultâneos efeitos adversos em um grande número de

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instituições ou mercados como conseqüência de choques profundos e sistemáticos (Bandt e

Hartman, 2002).

Na literatura econômica, a observação sobre riscos sistêmicos está vinculada às

experiências sobre crises financeiras. Duas questões têm tratamentos diferenciados,

segundo os diferentes autores. Uma diz respeito à amplitude das conseqüências dos riscos,

que podem ser ou não restritas aos mercados financeiros. A outra área de sombra a ser

assinalada é que a distinção entre evento e choque nem sempre é clara. Por exemplo, o

relatório do Group of Ten (2001), considera que um evento de risco sistêmico financeiro

pode ser visto como um choque, no qual os efeitos do impacto e da transmissão são

suficientemente amplos e profundos para danificar severamente a alocação de recursos e

riscos no sistema financeiro e na economia real como um todo.

Adotaremos aqui as seguintes definições:

a) riscos financeiros sistêmicos são aqueles riscos cuja incidência poderá acarretar

choques sobre o sistema financeiro capazes de colapsar parcial ou

completamente suas atividades correntes, de modo a desencadear efeitos

adversos sobre o conjunto da atividade econômica;

b) riscos sistêmicos não financeiros são aqueles que – decorrentes de catástrofes e

outros fenômenos da natureza, como epidemias, ou de ações humanas como

guerra ou atos de terrorismo – podem levar ao colapso os mercados

internacionais de seguros, além de afetarem direta e indiretamente as demais

atividades econômicas e sociais;

c) Quanto aos conceitos de evento sistêmico e de choques, iremos considerar que o

evento é a causa subjacente ao choque, e o choque é o fenômeno que causa a

materialização concreta da crise, repercutindo não apenas sobre uma, mas sobre

muitas instituições. Nestes termos, podemos considerar, a título de exemplo, que

a liberalização das contas de capital em países de médio desenvolvimento

econômico nas décadas de 1980 e 1990, e a concomitante manutenção de

regimes de câmbio fixo são eventos sistêmicos que desencadeiam choques

(colapsos) cambiais decorrentes da volatilidade nos fluxos de entrada e saída de

capitais;

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d) Em uma crise sistêmica, os choques tendem a reverberar sobre as demais

instituições e mercados, através dos chamados mecanismos de propagação.

O elemento chave na definição do risco sistêmico é, assim, o evento sistêmico, o

qual é composto de dois importantes elementos: choques e mecanismos de propagação.

Os choques podem ser classificados como idiossincráticos ou sistemáticos.

Idiossincráticos são aqueles que inicialmente afetam apenas uma instituição ou um

grupo específico de ativos. Os choques sistemáticos afetam vastos segmentos da

economia, em particular os sistemas financeiros, podendo se espraiar pelo setor real.

O segundo elemento relevante na análise dos riscos sistêmicos, que é o

reconhecimento dos mecanismos de propagação, só faz sentido para aqueles choques

que não se limitam a uma empresa ou a um segmento específico, mas são capazes de se

propagar por todo o sistema financeiro, gerando efeitos sobre o setor real. Ainda que

choques idiossincráticos possam teoricamente ser capazes de causar riscos sistêmicos, as

evidencias empíricas não são fortes no sentido de corroborar esta hipótese, e seu estudo

torna-se supérfluo para os objetivos deste trabalho. Já os choques sistemáticos

pressupõem a existência de mecanismos de propagação, e a teoria pertinente tem

buscado identificá-los. São três os fatores comumente relacionados como mecanismos

de propagação de choques na esfera financeira:

i) A característica de reserva fracionária dos saldos de moeda em poder dos bancos.

Ou seja, aquilo que constitui a própria essência da atividade bancária tradicional,

o papel de intermediação financeira a partir da compatibilização de diferentes

prazos entre os fluxos de depósitos recebidos e os fluxos de empréstimos

concedidos, se transforma no ponto frágil da estrutura bancária. Isto porque os

saldos realmente existentes constituem uma fração dos valores nominais

depositados, e os prazos de vencimento dos empréstimos é sempre muito mais

dilatado do que os depósitos à vista, como o próprio nome destes indica. A

clássica corrida bancária acarretará sempre a insuficiência de caixa e a falência

bancária, exceto nos casos em que a regulação haja preventivamente estabelecido

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mecanismos de prevenção. A exigência de encaixes compulsórios, o papel de

emprestador de última instância do Banco Central, e o estabelecimento de fundos

garantidores de depósitos tornaram a possibilidade de propagação destes choques

remota e, de qualquer forma, atenuaram seus possíveis impactos sobre a

economia real.

ii) Um segundo mecanismo de propagação, que caracteriza bem a idéia do “efeito

dominó”, diz respeito às interconexões entre os bancos (e demais instituições

financeiras), através dos mercados interbancários e dos sistemas de liquidação de

títulos e valores. A insolvência de um banco se traduziria na incapacidade de

cumprir suas obrigações com os demais e, se for o caso de uma instituição de

maior porte, sua inadimplência acarretaria sucessivas outras ondas de

inadimplência, em um período muito curto de tempo.

iii) O terceiro mecanismo de propagação conecta direta e imediatamente às

vicissitudes da crise do sistema financeiro com o conjunto de atividades

econômicas. Isto é um fenômeno historicamente singular, no sentido da absoluta

contemporaneidade de que se reveste atualmente o papel do sistema financeiro

na viabilidade do conjunto de transações cotidianas da sociedade capitalista

(Carvalho, 1998). Como os bancos interligados fornecem o sistema de

pagamentos que sanciona a liquidação de todas as transferências significativas de

meios de pagamento, todo o sistema de comercialização de bens e serviços

depende diretamente do bom funcionamento destas instituições. Um colapso do

sistema de pagamentos bancários paralisaria imediatamente a quase totalidade da

atividade econômica corrente.

Ao observarmos os mecanismos de propagação dos choques listados acima,

podemos depreender que as companhias seguradoras, de per si, não podem servir de

instrumentos de propagação de choques no interior dos sistemas financeiros. Isto não

exclui a possibilidade de seguradoras ou resseguradoras vinculadas a conglomerados,

ocasionarem indiretamente crises sistêmicas, caso sua insolvência arraste para a

bancarrota o conglomerado em seu conjunto. Ao examinarmos na próxima seção as

eventualidades de que riscos sistêmicos ocorram a partir de problemas no mercado

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segurador, iremos, também, contemplar a análise das situações onde conglomerados

detenham o controle de uma seguradora.

4.5 - Companhias de seguros e geração de riscos sistêmicos

Conforme o Report, uma distorção financeira que não possui uma alta

probabilidade de causar um efeito significante na atividade econômica real não é um

evento de risco sistêmico. A partir desta definição conceitual básica, pode-se

desenvolver um corpo de análise relativo à possibilidade de crises do mercado segurador

desencadear crises sistêmicas. A primeira situação a ser investigada é se o colapso

financeiro de uma seguradora poderia ferir gravemente os mercados de seguros

causando riscos sistemáticos cujos desdobramentos afetassem fortemente o setor

financeiro (e assim indiretamente repercutindo sobre o setor real).

A próxima questão é relacionada aos efeitos diretos sobre os mercados

financeiros que poderiam ser desencadeados pela falência de uma ou várias seguradoras,

dado que estas instituições têm presença significativa nos mercados internacionais de

crédito e de renda variável.

A terceira via de investigação a ser observada é a possibilidade de que um

impacto (choque sistêmico) sofrido pelo conjunto do setor segurador venha a afetar

direta e significantemente o setor real, sem a mediação dos eventuais danos sofridos pelo

setor financeiro.

Uma quarta linha de questionamento postula como problema a integração de uma

seguradora no âmbito de um conglomerado financeiro. Cada uma destas situações será

agora considerada:

i) A relação entre seguradoras não contempla significativas relações bilaterais ou

multilaterais entre diferentes companhias. Ao contrário do sistema bancário, em

que efeitos de contágio podem se propagar através da rede de depósitos

interbancários ou do sistema integrado de pagamentos, nenhum mecanismo

deste tipo existe entre os seguradores. A falência de uma seguradora não afeta

diretamente nem mesmo as resseguradoras, ainda que o inverso seja, sem

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dúvida, verdadeiro. Caso a seguradora vá à falência, ou sofra a intervenção do

órgão supervisor, os contratos de resseguro contratados com a resseguradora

continuam em vigor, já tendo sido feitos os repasses dos prêmios à época da

contratação do resseguro.

O risco de contágio pode ocorrer por outro caminho, que é uma eventual crise

de confiança que atinja o público em sua relação com o conjunto do mercado

segurador. Todavia, esta possibilidade torna-se remota a partir da instituição de

mecanismos regulatórios adequados. Um destes mecanismos é o fundo

garantidor, que permite o ressarcimento dos valores devidos quando ocorrem

sinistros cobertos por contratos que estejam em vigor quando da intervenção da

agência pública responsável. Além do mais, quando ocorre uma intervenção

deste tipo, o usual é que a carteira de seguros seja adquirida por outra

companhia, mantendo-se a integridade de todos os contratos ativos. Em suma,

as dificuldades e o eventual encerramento de atividades de uma seguradora não

trazem impactos que podemos denominar de horizontais, no sentido de afetar

outras seguradoras. A exceção a ser observada é referente ao surgimento de

danos à reputação dos mercados de seguros. A existência de mecanismos

regulatórios adequados, como o fundo garantidor e os sistemas de solvência

baseados na avaliação dos riscos incorridos pela seguradora, são fatores

suficientes para evitar constrangimentos horizontais desta ordem.

ii) A segunda linha de investigação acerca dos possíveis efeitos sistêmicos

decorrentes de falências de seguradoras demanda reconhecer que essas

instituições exercem considerável papel nos mercados de títulos. Todavia, ao

examinar acima a hipótese de falências de seguradoras, já foi observado que não

existem possibilidades significativas de contágios horizontais, no sentido de que

a falência de uma seguradora arraste consigo outras instituições congêneres.

Portanto, a causa de falências múltiplas nos mercados de seguros só pode estar

associada a eventos sistemáticos ou sistêmicos. Mesmo os eventos sistemáticos,

tais como mudanças nas obrigações legais que afetem determinados tipos de

contratos, não tendem a ir além de um segmento ou ramo específico, o que

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permite suprimir tais situações do rol de fatores causadores de maiores impactos

sobre os mercados de títulos de dívida ou de ações. Resta assim a situação em

que se verifique um surto significativo de falências em vastos setores dos

mercados de seguros. Tal situação poderia ser deflagrada a partir de causas

endógenas ao mercado ou por motivos exógenos. Neste segundo caso, as

seguradoras estariam sendo afetadas por um choque sistêmico desencadeado por

outros fatores que não se originam na dinâmica do próprio mercado segurador, e

suas conseqüências serão examinadas subseqüentemente. Assim, a questão a

qual deve ser tratada aqui é a possibilidade de que, por motivos internos ao

mercado de seguros (motivos sistemáticos), seja desencadeada uma seqüência

de falências nas companhias de seguros. Em termos efetivos, uma situação

deste tipo só poderia ser plausível em condições de mercado frouxo, onde se

acumulassem graves ineficiências nos procedimentos de subscrição de riscos, e

onde as expectativas relacionadas à rentabilidade das operações ativas se

mostrassem fortemente equivocadas.

A análise da hipótese acima exige que separemos, devido as suas distintas

características, as seguradoras de ramos elementares das seguradoras de vida. As

seguradoras de ramos elementares são gestoras de um fluxo de caixa contínuo,

promovido por uma sistemática renovação de seus contratos de curto período. Se

supusermos a inexistência de sazonalidades – o que é razoável para o conjunto dos

ramos elementares – e se tomarmos como padrão a absoluta maioria de contratos com

prazo de um ano, podemos afirmar que, a cada mês, um doze avos da carteira total de

apólices sofre renovação. Desta forma, por terem contratos de curto período, as

companhias de ramos elementares podem rapidamente reposicionar seus critérios de

aceitação e precificação de riscos, recompondo sua carteira de apólices conforme os seus

resultados forem se deteriorando. Como um expediente adicional, e que é

costumeiramente utilizado (ainda que eticamente seja discutível), em face de

dificuldades financeiras, as seguradoras de ramos elementares podem postergar

pagamentos, a fim de obter uma melhor gestão de seu fluxo de caixa (FMI, 2004).

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As seguradoras de ramos elementares também têm forte relacionamento com as

resseguradoras, sendo usual o repasse de parcela considerável dos riscos. Mesmo

supondo-se que haja uma política equivocada de retenção excessiva de riscos, isto

também pode ser alterado no que concerne aos contratos novos que forem assinados.

A resposta perante dificuldades oriundas de políticas inadequadas de aceitação e

precificação de riscos, características das fases frouxas do ciclo, é a passagem à fase de

mercado tenso, onde a seleção e o preço das coberturas tornam-se mais caras e

criteriosas. A este respeito, é digno de nota que o volume de prêmios arrecadados

mantêm constante sua tendência de crescimento nas duas fases, conforme estudo da

Swiss Re (2003).

É importante assinalar que, se em alguns segmentos troca-se maior volume a

preços mais baixos, por volume mais restrito a preços mais elevados, em outros, o

próprio volume de demanda tende a permanecer inalterado no curto prazo. Em diversos

segmentos a demanda por seguros é relativamente inelástica. É importante ainda

assinalar que nos segmentos de seguros empresariais, a abstenção em renovar as várias

modalidades de contratos é inviável, ainda que possam ser tomadas medidas no sentido

de uma política mais sofisticada de controle de riscos, e que se possa ainda buscar

alternativas de transferência de riscos que não incluam a cobertura tradicional de

seguros. De qualquer forma, tais procedimentos não eximem empresas e indivíduos de

buscar proteção patrimonial principalmente através da renovação de suas apólices, ainda

que os valores pagos se mostrem majorados em relação a períodos anteriores.

Por fim, um aspecto essencial a ser considerado é a imposição regulatória de

limites de retenção para as seguradoras, limites estes determinados pelo volume de

capital de cada empresa. Mesmo sistemas regulatórios não orientados para a avaliação

de riscos impõem tais limites, que servem tanto para o total de riscos subscritos, como

para o montante relativo a cada ramo de operações, sendo que no Brasil são ainda

estabelecidos limites por região17. A transição para um marco regulatório efetivamente

calcado na avaliação de riscos, abrangendo tanto os aspectos do passivo como as

diferentes modalidades de inversão dos ativos, coíbe a realização de investimentos

17 Nos Estados Unidos os limites sempre são estaduais, dada a peculiar estrutura regulatória implementada por supervisores estaduais.

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temerários, pela imposição de requerimentos de capital relativos a cada item

supervisionado dos passivos e ativos. Essas considerações fornecem indícios de que é

remota a possibilidade de uma crise endógena no mercado de seguros de ramos

elementares.

As companhias de seguros de vida têm uma composição de ativos e passivos

muito distinta da indústria de seguros de ramos elementares. A longa duração de seus

passivos faz com que erros de subscrição acarretem danos de médio e longo prazo, tanto

no que se refere aos riscos de morbidade (indenizações por morte) como de longevidade

(pagamento de anuidades). Além disso, as apólices de seguros de vida – assim como os

planos de previdência – tem um forte componente de poupança, sobre o qual incorre o

conjunto de riscos de mercado, aí incluídos riscos de crédito, de taxas de juros e de

volatilidade nos mercados de renda variável. Contudo, o único caso observado de crise

incidente sobre um número significativo de seguradoras de vida foi o ocorrido nos anos

iniciais da década de 1990 nos Estados Unidos. Mesmo assim, no auge da crise em

1992, a falência de 32 seguradoras de vida representou um quantitativo inferior a 1% do

total das 8.500 seguradoras em operação no país (Klein, 1995).

Os riscos de subscrição vinculados a alterações quanto ao aumento da

longevidade tendem a se manifestar gradativamente, e não constituem risco de

mudanças abruptas nos fluxos de desembolsos. As chamadas tábuas de mortalidade, que

registram a expectativa média de sobrevivência a partir das diferentes faixas etárias, têm

sido reformuladas com freqüência compatível com as mudanças observadas. A mais

recente em uso data do ano 2000, captando as alterações em curso. O mesmo raciocínio

vale para o cálculo inverso, que é o da taxa de morbidade em condições ordinárias.

Naturalmente a ocorrência de guerras ou epidemias rompe com os critérios atuariais;

neste caso, contudo, trata-se de fator inusitado, a ser incluído no rol das catástrofes.

Riscos de guerra são, por definição, inseguráveis.

Os riscos de taxas de juros se manifestam, quando do processo de subscrição,

porque o valor dos prêmios pagos é precificado, levando-se em conta tanto as

estimativas de morbidade, quanto a obtenção de rendimentos por parte da seguradora na

aplicação destes recursos nos mercados financeiros. Trata-se, assim, de um fluxo

descontado a partir de uma dada taxa estimada de juros. Quanto mais elevada for a taxa,

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menores serão os valores pagos periodicamente pelo detentor da apólice. Caso estes

juros sejam superestimados, a seguradora incorre na possibilidade de resultados

operacionais indesejáveis, insuficientes para a cobertura de seus próprios custos

administrativos e obtenção do percentual de lucros planejado. O caso do Japão foi

bastante significativo a este respeito, já que as quedas verificadas nas taxas de juros de

mercado colocaram as seguradoras em situação de forte risco de insolvência. A

excepcionalidade da situação japonesa foi tal que o governo autorizou a mudança para

menor nas taxas contratadas em plena vigência das apólices.

O antídoto eficaz para taxas de juros inverossímeis na projeção de resultados

futuros em aplicações de recursos arrecadados com os prêmios pagos é – além da

evidente qualificação técnica dos atuários responsáveis pelos cálculos – a avaliação por

parte dos órgãos de regulação. Com a adoção do modelo de supervisão baseada na

análise de riscos de subscrição, as exigências de capital coíbem a adoção de projeções de

fluxos de caixa irrealistas por parte dos entes segurados, o que neutraliza a possibilidade

de riscos de insolvência futura em conseqüência de descasamentos entre taxas

compromissadas nas apólices e retornos realmente obtidos ao longo do tempo nas

aplicações de renda fixa feitas pelas seguradoras.

A principal área de riscos nas seguradoras de vida localiza-se na oferta de

produtos de poupança, que cada vez mais constituem exemplos da concorrência com os

produtos bancários. O perfil usual é o de um seguro de vida atrelado à aplicação em um

fundo de investimento. A utilização em larga escala de produtos com essas

características é um marco no processo de concorrência na indústria de serviços

financeiros, aproximando fortemente as características entre produtos oferecidos por

seguradoras e aplicações típicas do portfólio de serviços bancários. Assim, o

comportamento destes tipos de produtos é suscetível tanto a saques por parte dos

detentores das apólices, como incorre nos riscos de investimento de fundos atrelados a

aplicações em mercados voláteis. Ocorre que tais apólices foram deslocadas para as

chamadas contas segregadas do balanço das seguradoras, e todo o risco quanto ao

desempenho das aplicações financeiras recai sobre o detentor da apólice, da mesma

forma que os fundos de investimento comercializados pelos bancos têm seu risco

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assumido pelos investidores. Destarte, os riscos de volatilidade e / ou perdas

patrimoniais não é um risco para as seguradoras.

A ação regulatória constitui o principal mecanismo de controle de riscos no ramo

de seguros de vida. As seguradoras de vida se caracterizam fundamentalmente pela

gestão de recursos de terceiros. Assim, ainda que riscos de subscrição possam ocorrer,

estes podem ser atenuados por mudança nas condições dos novos contratos e,

principalmente, impedidos de serem cometidos a partir da adoção de métodos de

supervisão que enfoquem os riscos de subscrição como um de seus principais elementos

regulatórios. O mesmo se aplica quanto aos impactos relacionados a critérios

inadequados de gestão dos ativos.

4.6 – Riscos sistêmicos e participação de seguradoras em conglomerados

O acentuado processo de consolidação e conglomeração que permeia os

mercados financeiros levantou, por parte dos organismos internacionais, preocupações

acerca do surgimento de riscos sistêmicos vinculados a esta nova configuração

empresarial. No que tange a participação de seguradoras em conglomerados, as

preocupações combinaram os aspectos da conglomeração com os aspectos da crescente

participação das seguradoras em mercados de crédito e derivativos de crédito.18 Os dois

aspectos serão aqui tratados de forma concisa, pois as preocupações dos órgãos

internacionais não têm sido reiteradas, ao menos no que se refere à participação de

seguradoras nos mercados de transferências de risco de crédito.

Ao incluir em seus portfólios de investimentos títulos lastreados por empréstimos

bancários concedidos a corporações não financeiras, as seguradoras apenas diversificam

sua prática de adquirir títulos de dívida direta. Ao concentrar, como vimos

anteriormente, suas aplicações nos tranches sênior e mezanino, garantem que seu

portfólio de empréstimos conte com o aval de empresas de rating que atribuem

classificação bastante positiva a estes títulos. Como já observamos, para as empresas de

seguros isto se inclui na estratégia geral de diversificar seus riscos através do uso de seus

18 Pelo menos duas edições do IMF Global Financial Stability Report, de junho de 2002 e de abril de 2004, tratam do assunto.

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investimentos em créditos a empresas consideradas sólidas, solidez esta que também

está presente no pool de dívidas que compõe os tranches superiores de um CDO, ou que

perfazem o lastro de um CDS – single name.

Quando o mesmo fenômeno é observado sob a ótica de uma seguradora inserida

em um conglomerado que integre um banco comercial, podem ocorrer problemas de

concentração de crédito, desde que, tanto o banco como a seguradora, estejam

direcionando suas aplicações em títulos para os mesmos devedores, ou até concentrando

em um mesmo segmento empresarial suas operações de crédito. Procedimentos

regulatórios e de supervisão estanques, possivelmente, não perceberão este tipo de risco.

A integração entre bancos e seguradoras pode acarretar vários tipos novos de

riscos de concentração, com diferentes combinações possíveis. Uma alta sinistralidade

em determinados ramos de atividades e regiões que sejam ao mesmo tempo um foco

privilegiado de concessão de empréstimos bancários pode acarretar danos conjuntos para

a seguradora e o banco. Exposições cruzadas a riscos correlatos devem ser evitadas, e

apenas um modelo de supervisão com forte grau de integração poderá monitorar este

tipo de riscos.

Conforme assinala o Report on Consolidation, processos de fusões e aquisições

podem gerar organizações por demais complexas, onde os procedimentos gerenciais

sofram algum tipo de deseconomias de escala e de escopo. Benefícios advindos da

diversificação de produtos, no contexto de concorrência que emergiu com a eclosão do

modelo de indústria de serviços financeiros, podem ser neutralizados quando um só

conglomerado surge da fusão de seguradoras e bancos. Ainda que o canal bancário

viabilize a massificação da venda de alguns tipos de seguros, outros produtos de

seguradoras de vida podem ser neutralizados, pois conflitam com instrumentos de

aplicação financeira disponibilizados anteriormente pelo banco. Além disso, a expertise

necessária para alguns tipos de produtos não se adquire com a vivência típica dos

quadros gerenciais de instituições bancárias. A literatura pertinente assinala que

benefícios advindos da eficiência gerencial são menos prováveis em consolidações entre

setores diferentes, podendo criar deseconomias de escopo, caso os gerentes se afastem

muito de suas principais áreas de competência.

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Um estudo realizado por Sharma (2002), que trata de problemas de solvência em

seguradoras européias, identificou diversas dificuldades oriundas de processos de

conglomeração. Tanto casos de bancos que abriram suas próprias seguradoras, como de

seguradoras que foram adquiridas e passaram a ser geridas pela matriz bancária

apresentaram problemas decorrentes de falta de expertise por parte dos tomadores de

decisão. Precificação inadequada, descasamento de ativos e passivos e subordinação dos

investimentos da seguradora a estratégias priorizadas para o conjunto do grupo – mas

não condizentes com as necessidades da companhia de seguros – foram algumas das

questões realçadas no estudo.

Sharma (2002) também sinaliza a existência de problemas decorrentes de

desajustes que advém quer da diversidade de atividades e mercados em que opera o

conglomerado, quer de sua pouca concatenação entre diferentes mercados nacionais.

Esta percepção quanto aos chamados riscos operacionais, inclusive a baixa

fidedignidade dos dados tratados no interior da corporação, reforça a necessidade da

acurácia dos controles internos. A respeito de problemas desta ordem, o Report on

Consolidation já havia chamado a atenção para os riscos operacionais relacionados à

dificuldade de se monitorar e controlar as ações das diferentes unidades nas

organizações consolidadas. Ainda que os avanços nas técnicas gerenciais trazidos pelo

progresso tecnológico possam contrabalançar o potencial de aumento dos riscos

operacionais durante o processo de consolidação, a potencialidade a esse tipo de

problema é maior em consolidações internacionais e intersetoriais, nas quais há um

maior distanciamento organizacional e geográfico entre a gerencia sênior e os

empregados. As organizações podem se tornar mais vulneráveis a esse tipo de risco

devido a erros operacionais, falhas no monitoramento dos riscos de crédito e

concentrações de riscos, atividades fraudulentas ou criminosas ou riscos de mercado

inesperados.

A efetiva avaliação quanto ao binômio conglomeração versus riscos sistêmicos

se reveste de forte significado perante as propostas de implantação de novos paradigmas

regulatórios. Um caminho adequado é supor, a priori, a inexistência de restrições

regulatórias à atuação de um conglomerado idealizado, composto por seguradora, banco

comercial e uma área que podemos denominar banco de investimentos.

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A partir desta configuração estilizada pode ser feita uma verificação preliminar

se, no caso específico de conglomerados contendo um setor voltado para a atuação no

mercado segurador, isto implicará em minorar ou ampliar as possibilidades do advento

de riscos de insolvência desse conglomerado, riscos esses que, por hipótese, sejam

passíveis de rápido contágio para as demais instituições, tornando-se, assim, riscos

sistêmicos.

No sentido de elaborar a análise acima referida, optamos por definir

primeiramente um quadro de maior abstração onde os mecanismos de regulação e

supervisão estejam ausentes. Esse movimento teórico se justifica para que possamos

conceitualmente estipular situações onde exista, a priori, a possível ocorrência de

impactos negativos sobre a liquidez e solvência do conglomerado, impactos estes

oriundos de problemas desencadeados por sua área de seguros. Desde que estabeleçamos

os aspectos capazes de provocar esses riscos, iremos a seguir elaborar hipóteses quanto a

desdobramentos de riscos cumulativos, isto é, a incidência simultânea de riscos oriundos

da atividade seguradora junto a outros riscos que sejam derivados da área de operações

com títulos e valores e da área de operações bancárias tradicionais.

O parágrafo acima delineia a hipótese de um banco universal pleno – uma

instituição financeira contendo diversas carteiras, ou áreas de negócio, sobre as quais a

princípio não se aplicam restrições de ordem regulatória, mas sujeita tão somente às

circunstâncias dos diferentes – e eventualmente interconectados – mercados onde atua.

Após a análise de seu conjunto de riscos em forma pura – vale dizer, sem restrições

advindas de regulamentação específica – iremos introduzir o papel que o aparato

regulatório cumpre na limitação destes riscos. O estudo terá como referência as

interações entre a área de seguros e as demais áreas do conglomerado, ou seja, a

combinação entre riscos oriundos da área de seguros com riscos introduzidos por outras

áreas/carteiras. Outras combinações possíveis são consideradas extrapolando o objeto

dessa abordagem.

Quanto aos riscos decorrentes da atividade bancária tradicional, para evitar

sobreposição da análise entre as áreas acima e a área comercial estrito senso, incluirão

somente os riscos de crédito em operações correntes de empréstimos e os riscos de

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iliquidez usualmente manifestos quando ocorrem saques superiores às disponibilidades

de numerário nas reservas, ou quando a tomada de recursos destas instituições no

mercado interbancário passa a sofrer restrições por parte de outras instituições, tanto em

termos de custos imputados quanto no que se refere a volumes, isto é, ao montante de

valores que a instituição em tela consegue levantar junto a este mercado.

Quando examinamos uma seguradora na sua condição de entidade autônoma, os

riscos referentes à má composição de sua carteira de apólices se somam a riscos

referentes à qualidade da gestão de seus ativos garantidores, que são aqueles definidos

como necessários à manutenção de sua condição de solvência e, também, a gestão de

seus ativos livres, entendidos como as aplicações que extrapolam o nível de reservas

necessário à manutenção da solvência. Neste sentido, uma seguradora incorre nos

mesmos riscos de ativos que as demais instituições que aplicam recursos nos mercados

de renda variável, renda fixa, imobiliário etc...Outrossim, seguradoras incorporam riscos

de crédito e riscos de mercado como os demais investidores institucionais e empresas

financeiras. Além disso, seguradoras têm um particular risco de crédito oriundo de sua

atividade fim, pois desenvolvem operações de repasse de riscos a cosseguradores e

resseguradores. Caso essas instituições apresentem, por sua vez, problemas em honrar os

compromissos assumidos, isso irá acarretar riscos de sobrecarga para a seguradora, pois

terá que arcar sozinha com a indenização de sinistros que venham a ocorrer, alterando as

proporções entre receitas recebidas a título de prêmios pagos pelos segurados, e as

despesas incorridas no pagamento das indenizações.

Para os fins desse exercício, que supõe as atividades seguradoras enquanto

integradas num conglomerado, podemos segregar a responsabilidade quanto à gestão de

ativos para uma conta da carteira de investimentos. Na verdade, estamos apenas dando

forma neste modelo idealizado a uma velha máxima corrente nos conglomerados

nacionais, mesmo antes do advento do regulamento autorizando seu funcionamento

como bancos múltiplos a partir de 1988. Reza esta máxima que “dinheiro não tem

carimbo” o que equivale a sancionar, na prática, a centralização dos fluxos de

pagamento na tesouraria do conglomerado para a tomada de decisões de aplicação do

float de recursos disponíveis.

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Se a rentabilidade das operações de seguros dependem, por um lado, da

adequação entre os riscos a serem incorridos e de outro ao volume de prêmios a serem

recebidos, a rentabilidade terá como elemento central a diferença, a maior, da

arrecadação de prêmios menos o montante a ser desembolsado, em cada período, a título

de indenizações. Como os contratos são precificados e comercializados ex – ante, e os

desembolsos representam sinistros efetivamente ocorridos, a correta predição da

probabilidade destes sinistros ocorrerem – vale dizer, o cálculo atuarial, joga um papel

chave na solvência das seguradoras. Enquanto os desembolsos não ocorrem, os valores

proporcionais aos gastos futuros com indenizações ficam reservados – constituem as

chamadas reservas técnicas, cuja contraparte no lado dos ativos patrimoniais é lançada

na rubrica dos ativos garantidores, cuja rentabilidade financeira contribui para a

formação do lucro da instituição.

Quando inserimos uma carteira de seguros no âmbito de um conglomerado

financeiro, estamos transferindo a política de aplicações dos recursos da seguradora para

a ótica geral das aplicações do conglomerado. Nesse ambiente conformado por um

modelo de absoluta ausência de regulação, podemos começar a formular hipóteses

quanto à interação de ações moldadas por diferentes cenários. Em outras palavras,

podemos introduzir eventos sistêmicos que irão afetar de forma diferenciada o

conglomerado em função dos procedimentos resultantes da sua área de seguros com as

demais áreas de operação.

Uma primeira hipótese pode ser a incidência de uma má seleção de riscos, que

acarrete prejuízos representados em um índice combinado significativamente superior a

unidade. A má seleção pode ser fruto de erros técnicos atuariais, ou pode ser induzida

por um acirramento da concorrência que imponha preços abaixo do que seriam padrões

adequados de solvência. Podemos ainda supor, como foi o caso dos seguros de

responsabilidade civil nos Estados Unidos na década de 1980, que interpretações do

poder judiciário imponham uma abrangência às responsabilidades contratuais muito

superiores ao previsto quando da realização das estimativas atuariais quanto à ocorrência

de sinistros. Vamos agora introduzir a hipótese complementar, qual seja, que o valor da

carteira seja declinante, devido a uma sistemática elevação de juros por parte do Banco

Central. Marcharemos para uma situação de insolvência das operações baseadas em

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seguros conjugada com um declínio na rentabilidade financeira dos ativos garantidores,

o que acarretará, a partir de um determinado ponto, a insuficiência de recursos para fazer

frente às indenizações devidas

Podemos estender o raciocínio acima visualizado para abarcar, além dos títulos

de renda fixa, uma carteira composta também por ações, supondo que uma elevação das

taxas de juros acarrete a queda dos preços de mercado destes papéis. Se a ponderação

das operações de seguros responder por um percentual significativo no conjunto do

conglomerado, este poderá ser em seu conjunto arrastado para a insolvência. O

caminho de busca de liquidez dar – se – á, alternativamente, através da área de banco

comercial do conglomerado. Esta poderá recorrer ou a um aumento da captação em

depósitos a prazo junto ao público ou a operações no interbancário. Esta última

modalidade de captação será limitada pela percepção de riscos dos demais participantes,

alertados pelos volumes crescentes de empréstimos por parte do conglomerado em

questão. Quanto ao público, a prática de juros acima da média de mercado será também

um elemento a mais para gerar desconfianças e dificuldades na obtenção de mais

recursos. De qualquer forma, seja pela via do interbancário, seja pela captação de

depósitos a prazo junto ao público, o que se estará obtendo, em troca de liquidez

imediata, será um agravamento das perdas econômicas, tornadas cada vez mais

cumulativas. Em um mundo sem regulação – e, portanto, sem emprestador em última

instância – a corrida bancária será iminente, assim como o inadimplemento das

obrigações junto a outras instituições financeiras.

É digno de observação que, mesmo com uma recomposição da carteira de

aplicações por parte da área de investimentos, a hipótese de insolvência permanece.

Podemos supor que a venda sucessiva dos títulos cujo valor de face foi abruptamente

reduzido, tenha permitido a compra de outros, aptos a auferir melhor rentabilidade com

os novos patamares de juros. Podemos supor, ainda, que a continuidade de ingressos

obtidos com a venda de novos contratos de seguros esteja possibilitando a melhora na

composição da carteira, através da aquisição de títulos de melhor rentabilidade. A

possibilidade de insolvência permanece, desde que suponhamos que a velocidade pela

qual a carteira pode ser recomposta é inferior à velocidade em que os sinistros incorrem

– ou inferior a magnitude com que as indenizações se apresentam.

166

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Sabe-se que um dos motivos fundamentais para o processo de fusões e aquisições

é a expectativa de acionistas quanto à expansão da rentabilidade global das operações.

Sabemos também que a redução das margens de lucros obtidas com as tradicionais

atividades de intermediação financeira por parte dos bancos comerciais impulsionou

essas instituições à busca de diversificação mediante economias de escala e de escopo.

Tal direcionamento à diversificação materializou – se, em muitas situações, na aquisição

de empresas de seguros, ou na constituição de uma empresa de seguros a partir da

estrutura pré - existente da instituição bancária. Podemos mesmo afirmar que o processo

conhecido como bancassurrance tem, nessas situações, seu principal pilar. Imaginemos

um quadro conjuntural onde as taxas de juros baixas não permitam maiores ganhos quer

em aplicações de renda fixa, quer na intermediação, e que a competição nos mercados de

títulos também restrinjam ganhos relacionados à corretagem destes títulos.

Uma tentação forte, nessas condições, é de que se busque maior risco nas

aplicações de renda variável, e que se procure ganhos de float a partir de uma maior

massa de apólices de seguros subscritas. O alargamento na base de contratos implica em

condições menos favoráveis ou adequadas de seleção de riscos. Uma má política de

subscrição nos diferentes ramos, conjugada a uma exposição a riscos altos nos mercados

de renda variável pode gerar uma forte vulnerabilidade por parte do conglomerado. Um

fator externo – por exemplo, uma desordem climática de intensidade incomum - poderá

desencadear fortes prejuízos operacionais no segmento segurador. Se ocorrerem em

simultâneas perdas nas operações especulativas nos mercados de títulos, o conglomerado

terá sérias dificuldades em obter recursos significativos a partir da colocação de seus

próprios bônus, ou só o fará a custos muito elevados em termos de taxas de juros. Se

esse mesmo conglomerado – em seu segmento de banco comercial – estiver ocupando

um papel significativo quanto ao conjunto de pagamentos e operações no interbancário,

é possível que sua insolvência arraste outras instituições.

A formulação do potencial de riscos sistêmicos descrita nos parágrafos anteriores

propositadamente abstraiu a ação regulatória. Ao replicar esse modelo idealizado perante

condições de maior aderência a realidade, torna-se indispensável a inserção dos

instrumentos regulatórios como agentes determinantes para prevenção de riscos

sistêmicos.

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4.7: Conclusões

A promoção e sistematização de estudos objetivando identificar e classificar

riscos incidentes sobre companhias de seguros, normalmente são parte integrante de

esforços orientados a melhoria dos instrumentos regulatórios. Governos nacionais e

organismos internacionais são assim os principais responsáveis pelos avanços

verificados nesta matéria.

O presente capítulo, consoante com os motivos expostos acima, tomou como

base os estudos desenvolvidos pela NAIC norte-americana e pela União Européia no

âmbito de seu projeto de um marco regulatório europeu, projeto este denominado

Solvência II. Outras contribuições, particularmente dirigidas a investigação sobre a

relação entre seguradoras, conglomerados e riscos sistêmicos, foram proporcionadas

pelo FMI e a OCDE, e estão contempladas nas reflexões desenvolvidas ao longo deste

capítulo.

Os principais riscos incorridos por companhias de seguros são, respectivamente,

riscos de subscrição, riscos de ativos e riscos de crédito. Os riscos de subscrição

abrangem todo o processo de precificação das apólices e constituição das provisões

pertinentes, tanto no ramo de seguros de vida quanto nos seguros de ramos elementares.

No caso das seguradoras de vida, dentro dos riscos de subscrição encontramos os

riscos de juros, pois a precificação das apólices embute uma estimativa tanto do

crescimento do chamado valor garantido, ao qual faz jus o titular da apólice, como os

rendimentos suplementares que constituem parte do retorno esperado pela seguradora no

negócio.

Seguradoras de vida têm menos riscos de oscilações inesperadas em freqüência e

severidade de sinistros, devido a relativa confiabilidade proporcionada pelas tábuas de

mortalidade. Já as seguradoras de ramos elementares estão bastante expostas a

oscilações nos sinistros estimados probabilisticamente. Riscos de subscrição podem ser

subitamente agravados por eventos sistêmicos não previstos, ou cuja severidade se

mostre muito mais acentuada do que as experiências anteriores poderiam prever.

Riscos de investimentos podem afetar fortemente o capital das seguradoras. Sob

o ponto de vista dos ativos garantidores, isto pode por em cheque sua capacidade de

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Page 169: Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória · Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira Tese submetida

honrar as obrigações assumidas. Em relação ao capital próprio das seguradoras, perdas

de capital decorrentes de quedas nos valores dos ativos criam limites objetivos a

continuidade dos negócios destas empresas, no ritmo e amplitude planejados.

A denominação mais geral de riscos de crédito aglutina dois tipos de riscos que

na prática são bastante diferenciados. Em se tratando dos riscos de default de emissores

de títulos de crédito (títulos de dívida corporativa) que componham o portfólio de ativos

da seguradora, temos uma situação a ser enquadrada na análise mais geral dos riscos de

ativos, que englobam tanto as aplicações de renda variável como as de renda fixa, como

é o caso em questão.

Uma outra variante de risco de crédito é aquela surgida em decorrência do não

cumprimento de compromissos assumidos por resseguradoras. Neste caso, a situação se

reveste de um componente crítico cuja dimensão é determinada pelo peso que a

transferência de prêmios e riscos para a resseguradora em falta tem no conjunto dos

sinistros a serem pagos pela seguradora.

A abordagem desenvolvida pelo estudo da KPMG que foi contratado pela

comissão responsável pelo projeto Solvência II classifica os riscos sofridos por

seguradoras em três blocos. O primeiro bloco inclui os riscos que se manifestam no

âmbito das companhias. Riscos de subscrição e gerenciamento de subscrição, riscos de

crédito e aquisição insuficiente de coberturas de resseguro, má composição da carteira

de investimentos e gestão inadequada (descasamento) da relação entre ativos e passivos,

e riscos decorrentes de deficiências nos controles operacionais são os principais itens

assinalados neste bloco.

Um segundo bloco elenca os chamados riscos sistemáticos, ou seja, aqueles

incidentes sobre o conjunto do mercado segurador. Neste caso, a KPMG inclui apenas

duas grandes categorias, os riscos jurídicos, decorrentes das decisões dos tribunais

ampliando os direitos dos detentores de apólices, e os riscos relativos a mudanças no

mercado, como por exemplo o acirramento da concorrência.

Aos riscos referentes ao conjunto do mercado, incluídos na curta lista elaborada

pela KPMG falta, contudo, uma categoria aqui denominada como riscos de reputação.

Estes riscos são aqueles vinculados a opinião do público em relação a efetiva garantia

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Page 170: Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória · Mercados de Seguros: Solvência, Riscos e Eficácia Regulatória Nelson Victor Le Cocq d’Oliveira Tese submetida

quanto a manutenção da integridade dos contratos. Uma crise de confiança pode estar

relacionada tanto a existência de dúvidas acerca da solidez financeira das empresas,

como pode surgir do espraiamento de dúvidas sobre o ânimo efetivo de realizar o

pagamento das indenizações, de forma tempestiva e de acordo com os termos pactuados

contratualmente.

Em um terceiro bloco a KPMG apresenta um conjunto de riscos cuja origem é

exógena aos mercados seguradores. Sob a categoria de riscos sistêmicos estão incluídas

flutuações nos mercados de ativos, alterações em taxas de juros e câmbio, recessão

econômica e mudanças ambientais. São aspectos decorrentes quer de ocorrência de

catástrofes, quer de eventuais crises sistêmicas nos mercados financeiros.

Riscos sistêmicos podem atingir fortemente o desempenho do mercado

segurador, dado que suas disponibilidades financeiras estão alocadas nos mercados de

títulos e ações. Podem se refletir ainda em cancelamentos massivos de apólices de

seguros de vida, e em parcial retração dos seguros de ramos elementares, restringindo o

fluxo de caixa das operações destas seguradoras.

Riscos sistêmicos são desencadeados fundamentalmente por problemas

evidenciados em operações de instituições bancárias. Seguradoras não causam riscos

sistêmicos, exceto na hipótese de constituírem parte integrante de conglomerados

financeiros que contenham uma subsidiária – ou uma carteira – com atribuições de

banco comercial.

As seguradoras não tem entre si significativas relações bilaterais, e a falência de

uma seguradora não afeta a solidez financeira das demais. Portanto, a hipótese de

falências múltiplas de seguradoras só pode ser admitida em caso de choques exógenos

ao mercado segurador. Nesta situação, as seguradoras, juntamente as demais instituições

financeiras, estariam sendo vitimadas (e não sendo causadoras) por eventos sistêmicos

de origem externa as operações de seguros.

A resposta usual das companhias de seguros a perdas em seus ativos – e

conseqüente contração em sua capacidade de capital – é a passagem de uma fase frouxa

do ciclo de subscrição para uma fase de mercado tenso, onde a seleção e o preço das

coberturas de riscos tornam-se mais caras e criteriosas. Além disso, a própria utilização

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de mecanismos de transferência de riscos, via resseguros, auxilia a recuperação da

capacidade por parte das seguradoras.

A integração entre bancos e seguradoras abre as portas para que a crise de uma

seguradora arraste consigo o conglomerado, e este, através das operações de sua área

bancária, cause uma crise sistêmica devido a seus compromissos nos sistemas de

pagamentos e nos empréstimos interbancários. A atuação regulatória é o principal

mecanismo preventivo em situações deste tipo. A avaliação dos riscos de ativos e de

subscrição da carteira de riscos subscritos, e a avaliação das condições de risco e

solvência do conjunto do conglomerado são os meios para conter riscos sistêmicos deste

teor.

Anteriormente neste capítulo foram elencados diversos riscos, identificados na

sistematização demandada por entidades comprometidas com o desenvolvimento dos

padrões de regulação. O que sobressai da formulação da hipótese de conglomerados

atuantes em um mundo sem regulação não é a mera essencialidade desta; o que surge

como um elemento decididamente novo em relação a estudos focados especificamente

nas empresas de seguros, é que a regulação de seguradoras em conglomerados é um

instrumento limitado se for atinente apenas ao conjunto de operações singulares da

seguradora.

O processo de diversificação dos produtos e o desenvolvimento e aumento da

complexidade dos mercados financeiros colocou a necessidade crucial de um novo

marco regulatório, focado na prevenção e avaliação de riscos como instrumento chave

para a manutenção da solvência das seguradoras. O processo de conglomeração das

empresas financeiras – aí incluídas as instituições de seguros – veio justapor ao

paradigma de supervisão baseada em riscos, a exigência de que este tipo de ação

supervisora se faça de forma integrada, abarcando simultaneamente o conjunto de riscos

ao qual está exposto o conglomerado. Estas são as pedras angulares do modelo de

supervisão que deverá se constituir no marco regulatório contemporâneo.

171

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Capitulo 5: Mudança de Paradigma e Eficácia Regulatória Nos

Mercados de Seguros

5.1: Introdução

O último quarto de século assistiu a um profundo processo de mudanças nos

mercados financeiros internacionais. A liberalização financeira acarretou uma

intensificação nos fluxos de capitais entre países, e as alterações nos marcos regulatórios

induziram a uma integração significativa entre os diferentes segmentos dos mercados

financeiros, com o surgimento de inovações que esmaeceram as diferenças entre

produtos e linhas de atuação das corporações do setor.

Mudanças cruciais ocorreram e vêm ocorrendo nos mercados financeiros, nas

estruturas corporativas e nos arcabouços regulatórios. Os novos produtos financeiros

alteram a composição de ativos e passivos das diferentes instituições. A crescente oferta

de títulos de dívida direta, e a formação de instrumentos financeiros condensando em

títulos negociáveis os mais diversos fluxos de caixa originários de operações de crédito –

o processo dito de securitização – reconfiguraram as alternativas de portfólio para os

investidores institucionais.

Os produtos bancários que tradicionalmente atraíam as poupanças individuais,

depósitos a prazo fixo, passaram a concorrer diretamente com aplicações em fundos de

investimento com diversificadas composições de carteira. A emergência de fundos

mútuos é uma inovação financeira importante na construção deste novo ambiente que

tem caracterizado os mercados financeiros, pois conformaram um referencial a ser

emulado por bancos, seguradoras e outras instituições. Bancos organizaram fundos de

investimentos dos quais são administradores, seguradoras de vida criaram apólices de

seguros cujo rendimento está atrelado a um fundo de investimentos. Assiste-se a um

movimento de verdadeiro mimetismo entre os produtos financeiros oferecidos por

instituições originárias de diferentes segmentos de mercado. Isto acontece no bojo de um

vasto conjunto de mudanças amparado pelo desenvolvimento tecnológico que,

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conjugando à microeletrônica e aos sistemas de telecomunicações, viabiliza a

multiplicação de operações em tempo presente entre os diferentes centros financeiros

espalhados pelo mundo.

Este cumulativo somatório de mudanças trouxe consigo um leque de crises

financeiras que se iniciou nos anos de 1980 e se espalhou ao longo da década de 1990.

Perante este quadro de instabilidade, organismos internacionais e órgãos nacionais de

supervisão procuraram estabelecer metodologias de supervisão voltadas para a

prevenção de riscos de insolvência que pudessem reverberar através dos sistemas

financeiros. Dentre as preocupações que se fizeram desde então presentes, passou a ser

incluída a observação das companhias de seguros e resseguros, e colocou-se a questão

sobre como a evolução de seu desempenho nos mercados financeiros poderia vir a afetar

a estabilidade destes mercados.

A pertinência da avaliação do comportamento das seguradoras se justifica por

diversos aspectos. O primeiro deles é o próprio crescimento apresentado por este

segmento de negócios, o qual demonstra um índice superior ao do nível de renda e

produto da economia mundial (conforme analisado no primeiro capítulo desta tese). O

segundo fator salientado pelas instituições internacionais, em particular o Fundo

Monetário Internacional, é o volume de investimentos das companhias de seguro, e o

papel significativo destes investimentos nos mercados de derivativos de crédito, aspectos

tratados no capítulo segundo. Um terceiro elemento submetido à análise é a inserção de

seguradoras dentro de conglomerados financeiros, e a expansão do canal bancário como

eixo de comercialização de produtos de seguradoras, processo examinado no terceiro

capítulo. Um quarto flanco de apreensões, manifesto em diferentes estudos relacionados

à estabilidade financeira, refere-se aos eventuais reflexos que uma crise das instituições

de seguros poderia causar sobre a estabilidade financeira global. Tal preocupação

induziu a um esforço de identificação dos riscos incorridos pelas empresas de seguros, e

a avaliação de desdobramentos sistêmicos que tais riscos pudessem acarretar, tema este

objeto do quarto capítulo desta tese.

A busca de identificação dos potenciais riscos desencadeados por empresas de

seguros se insere dentro do âmbito propositivo que caracteriza os fóruns nacionais e

internacionais vinculados à elaboração de normas e critérios de regulação financeira.

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Isto é um aspecto por si só positivo, considerando-se que risco e regulação são matérias

intrinsecamente interligadas. A aferição dos riscos que um determinado segmento pode

causar à estabilidade financeira nacional e global é, sob quaisquer considerações

práticas, a simultânea aferição da eficácia dos procedimentos regulatórios que fornecem

o substrato legal e normativo sobre o qual se desenvolvem as atividades supervisionadas.

A análise do potencial de instabilidade de um segmento (ou do papel de agente

contributivo para o funcionamento estável dos mercados) deverá, assim, incluir o

reconhecimento da interveniência do marco regulatório como fator de maior ou menor

eficácia na contenção de crises.

A simbiose entre mercados regulados e agentes reguladores – melhor dizendo

neste particular, normas regulatórias – torna-se visível quando se acompanha a trajetória

do que se convencionou chamar de liberalização e desregulação dos mercados

financeiros. A permissão de recomposição das estruturas corporativas deu-se como

corolário natural da autorização para que as mesmas atuassem em diversos mercados

financeiros. Ao ter disponível tal autorização, o estímulo a ganhos de escala e escopo

conduziu naturalmente ao processo de fusões e aquisições entre instituições financeiras

que atuavam em distintos segmentos do mercado. A configuração de conglomerados

financeiros torna-se, assim, uma óbvia alternativa, perante a qual os órgãos reguladores

se sentem induzidos a reformular suas próprias estratégias de atuação. Esta

reconfiguração irá se manifestar através de duas principais linhas, abarcando tanto o

ferramental a ser utilizado como a própria estrutura das agências supervisoras. Buscar

avaliar a eficácia deste novo arranjo regulatório é a atribuição deste quinto capítulo.

Aferir a eficácia de um aparato regulatório requer clareza nos critérios a serem

utilizados como elementos de mensuração. Esta questão está inserida de forma relevante

tanto no panorama internacional, quanto no plano doméstico19. Um aspecto a ser

ressaltado é o estágio de transição que hoje vigora no plano internacional, onde o

conjunto de mudanças previsto ainda é objeto de desenvolvimento teórico, consolidação

normativa ou, quando muito, implementação recente. Dado este quadro, a avaliação do

conjunto de instrumentos que perfazem o novo paradigma regulatório é, evidentemente,

19 O marco regulatório do setor de seguros no Brasil atravessa uma fase de significativas mudanças, iniciada em 2003 e ora em andamento. Consulte-se a respeito Maranhão, 2005.

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circunscrita ao exame da coerência lógica entre as medidas preconizadas e os fins a

serem atingidos. A tradicional verificação de compatibilidade entre metas definidas e

métodos a serem utilizados se impõe como recurso de análise e, simultaneamente, único

instrumento adequado aos propósitos da investigação. Portanto, em se tratando de um

corpo de normas determinantes de práticas a serem desenvolvidas pela agência

regulatória, o estudo de sua eficácia potencial se reveste de caráter qualitativo, pois não

se dispõe de informações quantitativas ou séries históricas que possam dar suporte a

análises ex-post, baseadas em dados numéricos. Nestas condições, a missão de investigar

a eficácia do novo padrão que vem sendo gestado, se orienta para uma análise

comparativa entre os objetivos propostos e os meios ora engendrados para o seu

atingimento. Assim, o desenvolvimento das novas estratégias regulatórias e seus efeitos

potencias sobre o mercado de seguros é o objeto deste quinto capítulo.

Além desta introdução, temos uma segunda seção que define os fundamentos e

objetivos da regulação nos mercados financeiros e de seguros. A terceira seção analisa

as principais mudanças em andamento nos paradigmas regulatórios para mercados de

seguros. A quarta seção faz um julgamento sobre as medidas regulatórias preconizadas e

sua pertinência em relação à preservação dos interesses dos consumidores e ao

desenvolvimento dos mercados de seguros.

5.2: Fundamentos e Objetivos da Regulação nos Mercados Financeiros e de

Seguros

A fundamentação teórica para a necessidade de uma ação regulatória por parte do

Estado ocupa um lugar singular no corpo da teoria econômica neoclássica. Trata-se de

uma construção ad hoc, no sentido de que a prática regulatória não só antecede a

formulação da teoria, como pelo fato de que a intervenção estatal no domínio econômico

foi contestada a partir mesmo dos primórdios da ciência econômica, assentados pelas

obras de Smith e Ricardo. Assumir a necessidade da ação do Estado significa reconhecer

que a “mão invisível” precisa ser guiada por um condutor visível, ostensivo e com

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poderes coativos sobre os agentes econômicos atuantes em determinados mercados20.

Ou que, para a manutenção de condições próximas àquelas definidas como de livre

concorrência, não é suficiente a dinâmica interna própria a esses mercados.

A regulação de um mercado significa a imposição de padrões de comportamento

e de limites à atuação de seus integrantes. É, por definição, uma contraposição ao livre

funcionamento das empresas. Ainda que as correntes majoritárias no campo da teoria

econômica confiem na virtude dos mercados em atingir espontaneamente um nível

ótimo de atendimento aos desejos e necessidades de todas as partes envolvidas –

ofertantes e demandantes de bens e serviços – é, todavia, praticamente consensual o

reconhecimento quanto a plausibilidade da ação regulatória. Conforme Garcia (2002):

“Na moderna concepção liberal, a despeito da necessidade de minimização da

intervenção estatal na economia, a atividade de regulação é imperativa para a estabilidade dos mercados e no estabelecimento de condições ao pleno exercício dos instrumentos de segurança institucional, que garantam padrões mínimos de segurança aos adquirentes de serviços financeiros, diante das instituições ofertantes de contratos e serviços. No plano das atribuições do “Estado-mínimo”, essas são funções indispensáveis ao equilíbrio das relações comerciais que envolvem confiança e fidúcia. Isto porque tais atividades são, normalmente, associadas com a gestão, administração e custódia de patrimônio ou uso de serviços financeiros voltados para a formação de poupança financeira, atributos intimamente ligados com a atividade de prestação de serviços financeiros”.

A regulação se justifica, ainda, a partir da constatação de que as condições

espontâneas de concorrência envolvem potenciais falhas, decorrentes da assimetria de

informações existente entre os diferentes atores envolvidos na oferta e demanda de tais

bens e serviços.

Alem da legitimidade em buscar uma atuação corretiva no que tange à ocorrência

de assimetrias de informação, a ação regulatória se torna também necessária devido ao

que se convencionou denominar de externalidades, que são os benefícios ou custos

envolvidos em determinados mercados que extrapolam os limites estritos dessas

transações, gerando outros efeitos sobre a economia que não aqueles conscientemente

buscados pelos atores envolvidos diretamente na oferta e demanda de tais produtos ou

20 A análise crítica da relação lógica entre a Teoria da Regulação e o corpo teórico prevalecente na ciência econômica não só levanta o debate sobre os desvãos teóricos acima referidos, como traz a tona um vazio teórico crucial que é a ausência de uma abrangente e fundada definição das relações entre Estados e Mercados. Tal agenda de pesquisa, evidentemente alheia ao escopo desta tese, tem um ponto de partida consistente em Carvalho (2004).

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serviços. Como veremos adiante, mercados financeiros são detentores de fortes

externalidades, o que torna impositiva a sua regulação e supervisão.

Os dois conceitos acima enunciados, assimetria de informações e existência de

externalidades, são parte integrante das teorias que fundamentam a ação regulatória.

Ainda que com fortes vínculos com ambos os conceitos, outros dois atributos da ação

regulatória surgem quando se examina o caso dos mercados financeiros em geral e do

mercado de seguros em particular. Trata-se do que será aqui chamado de atuação

legitimadora e estruturante do órgão regulador perante os mercados regulados. Cada

uma destas quatro atribuições será analisada a seguir.

5.2.1: Assimetria de informações e legitimação regulatória nos mercados

financeiros e de seguros

O conceito de assimetria de informações joga um papel chave na fundamentação

da regulação de serviços financeiros em geral, e de seguros em particular. Assimetria de

informações é a inexistência de condições igualitárias de acesso às informações

relevantes para decisões tomadas em um determinado mercado. O domínio de

conhecimentos pertinentes sobre aspectos de uma dada transação, quando são exclusivos

de apenas uma das partes contratantes, configura uma situação análoga às condições de

monopólio.

Ao procurar soluções que contornem situações de informações assimétricas,

pode-se fazer uma distinção simplificada aqui entre grandes clientes, normalmente

pessoas jurídicas com maior capacidade de avaliação em relação a suas demandas de

produtos financeiros, e os consumidores em geral. Os grandes clientes podem, a

princípio, examinar a situação financeira de uma instituição provedora de fundos de

aplicação, ou de uma seguradora. Nestes casos, a demanda de atuação de um órgão

regulador se orienta para impor às instituições financeiras e de seguros uma clara

exposição pública dos documentos necessários para a análise dos clientes quanto a sua

solidez e quanto às reais características dos produtos oferecidos. As proposições

relacionadas ao que tem se convencionado denominar disciplina de mercado no âmbito

do Novo Acordo de Basiléia se dirigem ao atendimento deste tipo de preocupação,

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impondo normas claras e definidas em relação aos procedimentos que devem ser

adotados pelas empresas financeiras. Todavia, tais exigências, de certa forma

complementares ao trabalho desenvolvido por agências de classificação de empresas

(rating), atendem apenas às necessidades de clientes capacitados a percorrer e interpretar

tais fontes de informação.

Quanto mais complexas se tornam as operações financeiras, mais acirrada se

torna, também, a desigualdade no domínio técnico existente entre as instituições

ofertantes de produtos financeiros e os consumidores destes produtos. No caso das

operações de varejo vinculadas à captação de recursos para fundos de investimento, ou

nas operações envolvendo vendas massificadas de seguros, esta desigualdade atinge

mesmo seu paroxismo. No tocante aos fundos ofertados pela rede bancária, sua

composição, seus instrumentos de gestão – inclusive os aparatos tecnológicos de

mensuração de riscos (softwares) – quedam absolutamente distantes das habilidades e

conhecimentos do cliente mediano. No caso das operações de seguros, o extenso

clausulado envolvido e o próprio caráter complexo de muitas operações, inclusive os

procedimentos implícitos na avaliação de riscos e formação de preços, constituem

evidentes barreiras a uma clara apreensão das características dos produtos por parte de

seus consumidores. Da mesma forma, a confiabilidade quanto ao estado financeiro da

seguradora, a solidez com que administra seus diversos tipos de riscos, o volume de

capital efetivamente disponível para fazer frente a pagamentos relacionados a uma maior

incidência ou severidade dos sinistros, etc... são informações cruciais que estão, de modo

geral, além do campo de conhecimento dos indivíduos medianos que constituem a

grande massa de consumidores de determinadas modalidades de seguros.

A ação regulatória, ao buscar prevenir conseqüências indesejáveis da assimetria

de informações, utiliza dois grupos de instrumentos, os quais serão aqui denominados

garantias difusas e garantias explícitas. As garantias difusas são obtidas a partir do

deslocamento da confiança dos consumidores perante as instituições estatais, para o aval

que o Estado dá, mediante a chancela do órgão regulador, aos mercados por este

regulados e supervisionados. Para compreender a importância desta função, deve-se

considerar que as decisões de aquisição de produtos financeiros em geral, e de seguros

em particular, se dão em um quadro de profunda incerteza (no sentido keynesiano), por

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parte dos consumidores individuais. Um consumidor típico deveria investir suficiente

tempo e recursos monetários para adquirir capacidade técnica para avaliar, com relativa

margem de segurança, as condições da empresa, e mesmo do produto adquirido. A

chancela estatal empresta sua credibilidade ao produto e estende a confiança difusa

existente no poder público ao mercado supervisionado. Sob este aspecto, podemos

considerar o conjunto do aparato jurídico uma espécie de vasto guarda-chuva

regulatório, destinado a zelar pela integridade dos contratos. Em contrapartida, quanto

menos eficácia for atribuída pelos consumidores à atuação do poder judiciário, mais

necessária se torna a visibilidade da ação regulatória, no sentido de infundir no público

credibilidade para os produtos financeiros. Esta visibilidade decorre do conjunto de

atributos de que se revestem as ações de regulação e supervisão, em particular no que

toca a sua capacidade de impor regras de conduta aos entes supervisionados, preservar

sua capacidade de cumprir com suas obrigações, punir atos de descumprimento de

contratos e – em casos extremos, evitar ou minimizar perdas por parte dos

consumidores.

O elenco de responsabilidades relacionado à atuação dos órgãos de regulação e

supervisão explicitam os limites que pode alcançar a chamada auto – regulação. Em

termos gerais, a regulação estatal e a auto – regulação dos mercados compartilham de

alguns atributos comuns, como sanções e penalidades ao descumprimento das regras

assumidas pelo ente regulador, e estímulos relacionados ao cumprimento das práticas

recomendadas. Todavia, a auto - regulação sempre desempenhará um papel

complementar à regulação estatal (Santos, 2005) e tem limites estabelecidos quer pela

eficácia restrita das sanções que pode ministrar – já que não emanadas por um ente

público com poder de polícia para exercer a fiscalização das empresas, quer – no caso

em que é exercida por entidades representativas do segmento a ser supervisionado - pela

existência de conflitos de interesse derivados de seu duplo papel enquanto representante

dos segmentos a serem auto – regulados. Impor custos que redundem em maior

benefício a agentes externos ao mercado pode gerar crises de legitimidade ao ente

responsável em formular e conduzir as práticas consideradas adequadas. Ademais,

perante o público consumidor, é inevitável o reconhecimento destes conflitos, e a

própria função geradora de credibilidade desempenhada pela regulação pública perante

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os mercados supervisionados, perde eficácia ao ser transposta para o âmbito privado de

representação destes interesses. Ao mesmo tempo, aquilo que será aqui denominado de

função estruturante do órgão regulador e supervisor deixa de existir quando,

hipoteticamente, a atividade de regulação e supervisão é transferida para a esfera

privada. Isto significa supor que um determinado pacote de bens públicos possa ser

oferecido por instituições subsidiadas por recursos privados, o que se constitui em

evidente contra-senso teórico, mesmo quando nos restringimos ao marco da teoria da

regulação convencionalmente aceita.

No caso dos seguros, a visibilidade da ação regulatória cumpre uma função ainda

mais evidente, posto que, nas sociedades contemporâneas desenvolvidas, o

relacionamento do público com o setor bancário é uma prática cotidiana, tendo em vista

a já assinalada função de recepção de depósitos à vista e de sistema geral de pagamento

cumprido pelos bancos. A confiabilidade, neste caso, é reforçada pelo uso constante

destes serviços por parte da população, conjugada, ainda, a maior visibilidade dos

próprios mecanismos de supervisão que a autoridade monetária – ou o supervisor

bancário – detém. Os produtos do mercado de seguros, ao contrário, são objeto de uma

única transação anual, como nos casos dos ramos elementares, ou constituem contratos

que implicam o pagamento de parcelas periódicas à seguradora por parte do segurado,

sem que ao longo do contrato nenhuma contraprestação de serviços seja possível, como

é o caso dos seguros de vida. Na verdade, neste caso é ainda mais necessária a confiança

do consumidor, pois, por definição, ele não estará presente quando ocorrer o pagamento

da indenização contratada, a ser recebida por seus beneficiários.

O texto abaixo, extraído de Lima (1999) sinaliza claramente os limites que a

ausência de visibilidade do órgão regulador impõe ao desenvolvimento dos mercados de

seguros: “A importância relativa do setor de seguros de um país está diretamente

relacionada com o seu grau de desenvolvimento econômico. No caso do Brasil, podem ainda ser mencionadas algumas causas estruturais e históricas que explicam o relativo subdesenvolvimento do setor segurador brasileiro. Antes de mais nada, deve-se registrar o fato de que a péssima distribuição da renda e da riqueza reduz fortemente o mercado potencial de seguros, em particular dos seguros de pessoas físicas. Além disso, não existe uma “cultura de seguros”, fruto em parte da inadequada divulgação das vantagens econômicas de se contratar seguros, mas que é também alimentada por uma descrença generalizada nas instituições. A maioria da população desconfia da capacidade e até mesmo da disposição das companhias de seguro de honrar seus compromissos, desconhece o papel que podem desempenhar os órgãos reguladores do

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setor e, principalmente, mostra-se reticente quanto à eficiência e presteza do poder judiciário.” (ênfase acrescentada)

É provável que em paises de menor desenvolvimento econômico e solidez

institucional, o papel de ofertante de garantias difusas por parte do órgão de regulação e

supervisão seja mais proeminente. Todavia, sua importância pode ser verificada em

todos os países, inclusive centros capitalistas desenvolvidos. A NAIC norte-americana,

ao promover a alteração do marco regulatório nos anos de 1990, definiu que o modelo

RBC tem como uma de suas explícitas missões “Aumentar a credibilidade pública na

indústria de seguros” (Klein, 1995).

Garantias difusas são instrumentos úteis para legitimação dos mercados, mas a

efetiva proteção ao consumidor é muito mais perceptível quando são instituídas

garantias explícitas. A principal destas garantias é a existência de fundos garantidores,

mas também podem ser oferecidas através de procedimentos especiais que protejam os

detentores de apólices no caso de insolvências de seguradoras. Isto significa que, ao

promover a intervenção em seguradoras com problemas de insolvência, o órgão

supervisor tem poderes para ressarcir eventuais sinistros utilizando as provisões técnicas

existentes, ou realizar devoluções parciais dos valores pagos considerando-se o tempo

restante de vigência dos contratos, como ocorre na Alemanha, Itália e Espanha (Yasui,

2001). De qualquer forma, estes instrumentos são compensações apenas parciais, pois as

restituições durante os procedimentos de liquidação podem ser substancialmente

menores do que o valor de face dos sinistros. Mesmo no caso em que os detentores de

apólice não venham a sofrer nenhuma perda financeira, eles tendem a sofrer uma

redução de liquidez, devido a morosidade do processo de liquidação, o qual pode se

prolongar por alguns anos. Um fundo de proteção dos detentores de apólice pode aliviar

significativamente as dificuldades que os consumidores podem sofrer no caso de

falência de uma seguradora. Constitui uma importante inovação que tem sido

incorporada ao arcabouço regulatório, e que será examinado com mais detalhe em seção

subseqüente. Cabe aqui ressaltar que a legitimação dos mercados seguradores não

prescinde nem da ação regulatória para preservação da solvência das empresas, nem da

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existência de mecanismos que projetem a garantia pública quanto à preservação do

patrimônio e dos direitos dos consumidores em caso de insolvência.

5.2.2: Externalidades e ação estruturante das agências de regulação e supervisão

nos mercados financeiros e de seguros

A existência de externalidades nas operações dos mercados financeiros contribui

decisivamente para a geração de demandas por regulação e supervisão destes mercados.

A regulação emerge assim como um bem público, um insumo essencial para que as

operações destes mercados se desenvolvam de forma considerada socialmente

proveitosa, zelando para que não ocorram problemas que comprometam os direitos

individuais envolvidos, nem sejam geradas situações que possam pôr em risco as

condições de funcionamento do conjunto das empresas atuantes nestes mercados. Como

observa Carvalho (2004), a denominação de regulação prudencial é uma exclusividade

da regulação de mercados financeiros, mais exatamente das atividades bancárias. Tal

característica, em que a atividade supervisora está voltada para a prevenção antecipada

de situações críticas, decorre da particular natureza da atividade dos bancos. Estes não

apenas são provedores de um insumo generalizado para o funcionamento do conjunto da

atividade econômica, que é a concessão de crédito, como, na condição de receptores de

depósitos à vista, tornaram-se os centros realizadores de todas as liquidações

significativas de operações de compra e venda, através do moderno sistema de

pagamentos.

Temos, assim, uma realidade onde os bancos reúnem tanto o papel de

fornecedores de crédito como o de operadores dos sistemas de pagamentos, elementos

fundamentais para o funcionamento do conjunto dos mercados e, portanto, geradores de

altas externalidades para todos os demais agentes econômicos. Desta forma, a regulação

bancária se coloca com uma responsabilidade ímpar perante o conjunto do

funcionamento da atividade econômica. Ademais, lida com um componente singular,

que é a base para o funcionamento corrente dos mercados financeiros, componente este

constituído pela confiança experimentada pelo público quanto ao desempenho correto e

sem falhas das instituições nas quais depositaram seus valores monetários. De fato, a

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mais estrita confiança é a base do negócio bancário, tanto no seu papel de captação de

depósitos à vista como nos depósitos a prazo. Crises de confiança se traduzem

imediatamente em saques e corridas bancárias, sendo sempre possível que a crise de

uma instituição seja percebida como sinal de crise generalizada pelo conjunto de

instituições bancárias.

O aspecto explosivo de uma eventual corrida bancária consiste no fato de que os

bancos trabalham no regime de reservas fracionárias, sendo intrinsecamente vulneráveis

perante um movimento generalizado de saques. A crise financeira desencadeada em

1929 a partir dos Estados Unidos assinalou a importância de que se utilizassem

instrumentos de política monetária para impedir situações de insolvência no sistema

bancário. Além das exigências de manutenção de encaixes obrigatórios, a norma

regulatória – com seu foco em liquidez (Carvalho, 2004), apetrechou os Bancos Centrais

para minimizarem crises bancárias com um arsenal de medidas para uso ex post, sob o

ponto de vista da saúde financeira dos bancos. A própria disseminação desses

instrumentos (empréstimos de liquidez e também a constituição de fundos garantidores

de depósitos) infundiu crescente confiança no público, minimizando a percepção quanto

aos riscos em manter seus depósitos na rede bancária. O desenvolvimento de mercados

interbancários e a disponibilidade de títulos públicos, mantidos habitualmente no

portfólio dos bancos e facilmente negociáveis nesses mercados, contribuíram, também,

para que eventuais situações de iliquidez pudessem ser mais favoravelmente

contornadas.

Os mercados de seguros apresentam distintas características em relação às

atividades tipicamente bancárias, ainda que áreas de convergência crescente venham se

desenvolvendo. Como já foi referido anteriormente, ao invés de relações cotidianas,

como é o caso dos serviços bancários, o público tem um padrão de relacionamento muito

mais esporádico com as transações que envolvem serviços de seguradoras. Todavia, os

seguros são um produto que está profundamente entranhado na teia de transações

comerciais que perfazem a dinâmica de uma sociedade contemporânea. Atentando

apenas para operações entre empresas, podemos perceber que os seguros constituem

componente essencial tanto para decisões de investimento quanto para comercialização

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de produtos acabados de maior valor, constituindo fundamento básico ainda para toda a

atividade exportadora.

O modelo de globalização industrial, em que plantas e fornecedores espalhados

pelo mundo são encarregados de produzir componentes de produtos cuja montagem final

ocorre em diferentes países, tem acentuado a necessidade de utilização de seguros

vinculados ao transporte de mercadorias. O mesmo se observa em relação a

equipamentos e bens de capital. Klein e Skipper (1999), citam o exemplo da construção

de um novo avião Jumbo, fabricado por um consórcio de companhias européias: as asas,

a fuselagem e outros componentes são fabricados em diferentes países e transportados

para um local central para a montagem final do avião. A destruição de um dos

componentes em trânsito não apenas resultaria em um grande prejuízo direto, mas

também em prejuízos conseqüentes da interrupção das atividades e do atraso na entrega

do avião à empresa que o encomendou.

O valor médio dos bens despachados em um container também continua a

crescer. Isto é conseqüência de uma incorporação maior de tecnologia nos produtos e do

tamanho reduzido de muitos computadores e formas relacionadas de tecnologia (p. ex.,

telefones celulares), permitindo que uma quantidade maior desses produtos seja

despachada em um mesmo container.

Ao mesmo tempo, o crescimento do comércio envolvendo matérias primas

alavanca as operações de seguros tanto em relação aos bens transacionados como em

relação aos meios de transporte utilizados, os quais são, por sua vez, bens de capital de

alto valor para as empresas de transporte. As dimensões de navios petroleiros e de

transporte de containers é tal que cada um representa um risco de sinistro catastrófico. O

transporte de carga por avião e outras formas de transporte aéreo também se expande

tanto em termos do número de aeronaves empregadas como em relação ao seu tamanho

médio.

Em termos de reflexão no campo da teoria econômica, talvez a mais atrativa

faceta do instituto do seguro esteja vinculada ao papel que exerce nas decisões de

investimento e como parte integrante de seus mecanismos de financiamento. O seguro

permite a decomposição do risco especulativo inerente à tomada de decisões de

investimento em pelo menos duas categorias, quais sejam os riscos próprios à decisão de

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investimento do ponto de vista de suas conseqüências econômico-financeiras para a

firma, e os riscos que poderiam advir de elementos aleatórios estranhos ao processo

econômico, tais como riscos de incêndio, quebra de maquinário, catástrofes naturais que

afetem as instalações fabris, etc...Caso não existisse o instituto do seguro, a firma

deveria optar por incorporar tais riscos enquanto um custo a mais na avaliação de seus

projetos de investimento, e teria que fazê-lo sem uma base sólida de conhecimentos

acerca das probabilidades de ocorrência de tais eventos. Isto implica, no limite, em ter

um fundo que possibilitasse a imediata reposição de componentes cruciais, ou seu

deslocamento – quando possível – para outras plantas fabris, perante casos de incêndio,

terremoto, inundações, etc...Na prática, isto implica em soluções análogas àquelas que

levam à estruturação de seguradoras cativas, que são aquelas dedicadas a segurar o

negócio de uma grande corporação. Evidentemente, tal solução só é possível em

operações extremamente lucrativas e passíveis de determinadas similaridades em suas

diversas instalações. Para o grande universo de empresas, mesmo de grande porte, a

constituição de uma companhia cativa não é compensatória, por falta de escala de

operações. Ademais, uma seguradora cativa nada mais é do que uma espécie particular

de seguradora, o que só reforça, ao fim e ao cabo, a necessidade do seguro para a

viabilidade das operações empresariais.

Os seguros tornam-se peças essenciais para as decisões de investimento, também,

pela ótica do financiamento. Concessões de créditos de maior vulto sempre estão

vinculadas ao estabelecimento dos chamados colaterais, que são as garantias reais dadas

pelos tomadores do crédito. Quer seja na forma de hipoteca de bens imóveis, quer seja

na garantia oferecida pelo próprio maquinário ou quaisquer equipamentos a serem

financiados, a obrigatoriedade de assegurar tais bens é exigência corrente para a

realização do financiamento. De fato, se o bem dado em garantia sofrer quaisquer

avarias ou danos decorrentes de ações humanas ou qualquer tipo de acidente – inclusive

eventos originados por catástrofes naturais – a garantia proporcionada deixa de existir.

Isto torna o seguro um item obrigatório na realização de contratos de financiamento para

implementação de novos investimentos, e mesmo para concessão de créditos de maior

vulto para capital de giro das empresas e corporações.

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Quando se examina o desenvolvimento dos diferentes mecanismos de crédito,

torna-se perceptível a confluência direta e indireta com produtos de seguros. Sob o ponto

de vista de instituições bancárias, o seguro de crédito encontra-se cada vez mais

incorporado às diversas modalidades de empréstimos de varejo. Quando se analisa o

processo de desintermediação financeira, vale dizer, a contínua ampliação de operações

de emissão de títulos de dívida direta por parte das corporações, observa-se que o papel

das seguradoras de crédito tornou-se vital para a expansão dessas operações. Como foi

visto no capítulo segundo, o processo de securitização em geral, e o de derivativos de

crédito em particular, tem como elemento fundamental para a construção desses

produtos a participação dos instrumentos de reforço de crédito proporcionados pelas

seguradoras monoline. Todavia, a principal contribuição das seguradoras está na sua

atuação – na condição de investidores institucionais – enquanto fornecedoras de crédito,

via aquisição de títulos de dívida direta. Nos mercados de maior amplitude e liquidez,

onde florescem as negociações de tais títulos, avulta este papel financiador das

seguradoras. Através da alavancagem de grandes somas de milhares de pequenos

pagantes de prêmios, as seguradoras amealham recursos para financiar projetos de

investimento e demandas de capital de giro. Nos mercados norte-americanos, por

exemplo, as seguradoras provêm financiamento para um terço de toda a dívida

corporativa. (Klein e Skipper, 1999).

A presença disseminada dos seguros enquanto componente acessório

fundamental para inúmeras modalidades de transações nos mais diversos mercados

justifica que o poder público, reconhecendo a influência do mercado de seguros sobre a

atividade econômica, zele por seu adequado funcionamento. Mais do que uma relação

externa, de definição de regras de comportamento das empresas perante os contratos

com consumidores, ou de observação dos resultados apresentados nos balanços

patrimoniais, a ação dos órgãos reguladores e de supervisão em muitas situações se

reveste de um papel estruturante quanto às condições de funcionamento das empresas e

mercados de seguros.

O ponto essencial a ser assinalado é que, ao instituir agências reguladoras, o

estado favorece a organização dos mercados, e aloca recursos para um especial tipo de

provisão de bens públicos, que é a produção de parâmetros para a organização

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empresarial. Ao fornecer tais bens e serviços, o estado absorve custos que, devido as

suas próprias características de disponibilidade para todos os integrantes de um dado

mercado, não seriam assumidos pelo setor privado, compreendido este como cada uma

de suas empresas individuais. Ou seja, ganhos técnicos e gerenciais, capazes de

assegurar melhores condições de solvência e lucratividade, ao serem obtidos por

empresas ou corporações específicas, tendem sempre a serem apropriados como

vantagens competitivas, não sendo, portanto, tais habilidades objeto de livre divulgação.

Ao reconhecer a existência de externalidades, o poder público incumbe ao órgão

regulador, dentre outras funções que exerce, a de se constituir enquanto um

departamento técnico geral, que agrega subsídios muitas vezes indispensáveis ao

desenvolvimento e à prática cotidiana dos negócios por parte das empresas do setor.

Exemplos deste papel cumprido pelo setor público podem ser encontrados em diferentes

países. Os departamentos estaduais de supervisão nos Estados Unidos historicamente

determinaram as tarifas a serem cobradas nas diferentes linhas de negócios das

seguradoras, prática esta que só nos anos de 1970 começou a caducar. No caso

brasileiro, Lima (1999) nos remete ao papel desempenhado pelo IRB – Instituto de

Resseguros do Brasil no desenvolvimento das atividades de seguros no país:

“Na prática, a atuação reguladora do IRB alcançava todos os produtos de seguro, na medida em que só ele poderia aceitar resseguro. Para permitir o fortalecimento das empresas nacionais − em sua maioria de pequeno porte −, incentivar a criação de novas seguradoras e reduzir a necessidade de contratação de resseguro no exterior, IRB estabeleceu um baixo limite de retenção (isto é, de aceitação de riscos individuais) para as seguradoras, sendo o excedente transferido para um fundo (“excedente único”) por ele administrado. A parcela não retida pelo IRB era então majoritariamente repassada para todas as seguradoras, de acordo com seu patrimônio líquido, e o restante − o que ultrapassasse a capacidade de retenção do mercado interno − era retrocedido ao exterior. As seguradoras de capital nacional − geralmente inferiores tecnicamente − foram também beneficiadas pelo fato de que os produtos eram padronizados e seus preços estabelecidos pelo IRB, poupando-as de qualquer preocupação com os aspectos atuariais e mercadológicos dos seguros e resseguro. As seguradoras de pequeno porte nem sequer possuíam um departamento técnico atuarial” (ênfase acrescentada).

Tomando o caso brasileiro como um dentre vários exemplos, observa-se que

historicamente o Estado assumiu para si um papel estruturante perante a dinâmica dos

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mercados financeiros. Além do conhecido processo da Reforma Bancária de 1964/6521,

e na esteira desses arranjos regulatórios, assistiu-se no Brasil a criação do Conselho

Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Superintendência de Seguros Privados

(Susep), em 1967. O surgimento dessas instituições, “fazia parte do maior interesse do

governo no desenvolvimento do mercado de seguros, entendido na época como setor de

interesse nacional” (Lima, 1999).

Em se tratando de países em desenvolvimento, pode parecer que, de forma

similar aos estágios ou modelos desenvolvidos por Gerschenkron, estaríamos nos

deparando com uma ação estatal destinada a ordenar, promover e fomentar mecanismos

necessários ao desenvolvimento econômico. Entretanto, a observação da atuação de

órgãos reguladores na área de seguros indica que trata-se de uma função permanente

atribuída, ainda que de forma implícita, a estas agências. Um estudo sobre a atuação dos

órgãos de supervisão de seguros nos Estados Unidos ressalta que finalidade dos sistemas

de supervisão baseados no risco é o manejo de recursos regulatórios escassos, os quais

devem ser alocados de acordo com a necessidade prioritária de cada companhia,

utilizando práticas e procedimentos que estimem a melhor fonte de risco para a

estabilidade contínua dos mercados seguradores (Barth, 2003). Assim, segundo este

autor, o principal objetivo do sistema RBS é a minimização dos custos totais dos riscos

de insolvência, devendo o regulador ser visto “como um membro do quadro da diretoria,

ajudando a guiar as ações dos gerentes, porém deixando as decisões do dia a dia nas

mãos deles”. Confirma-se, assim, a existência de uma expectativa generalizada quanto

ao papel a ser cumprido por agências regulatórias, enquanto um elemento de elaboração

e oferta de insumos técnicos e parâmetros de gestão para empresas supervisionadas.

Consoante aos atributos das agências reguladoras e supervisoras enumeradas nos

parágrafos anteriores, podemos definir os objetivos da regulação nos mercados de

seguros em quatro aspectos principais. Um é a preservação dos interesses dos

consumidores, buscando reduzir os efeitos maléficos das assimetrias de informação.

Vinculado a este, temos a manutenção da boa reputação desses mercados e a sua 21 A conformação legal de um arranjo específico e segmentado sobre o sistema financeiro nacional no período é objeto de inúmeros estudos. Minha própria tese de mestrado contém um capítulo sobre o tema. Um estudo aprofundado sobre um dos tópicos da Reforma, o papel das chamadas “financeiras” encontra-se em Almeida(...).

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legitimação, obtida tanto pelas medidas gerais de preservação da solvência das

instituições (garantias difusas), como pela construção de mecanismos explícitos de

ressarcimento aos consumidores em caso de insolvência das empresas (garantias

explícitas). Um terceiro objetivo, este explícito, é a própria atribuição de manutenção da

solvência das instituições supervisionadas, devido ao caráter de externalidades oriundas

das transações correntes no mercado segurador. Embora esta atribuição de zelar pela

solvência também se aplique à preservação dos interesses genéricos dos consumidores

de seguros, a existência de externalidades obriga ao órgão regulador a preservar a

continuidade do funcionamento dos mercados de seguros enquanto um centro gerador de

insumo amplamente utilizado em outros mercados. Em decorrência dessas

externalidades, e como instrumento de aperfeiçoamento do funcionamento do conjunto

de entes supervisionados, a atuação dos órgãos de regulação e supervisão se reveste

também de características de um departamento técnico provedor de capacitação para o

conjunto das empresas do setor. De uma forma mais incisiva, podemos supor que, a

essas agências públicas, cabe por vezes o papel de gestora das estratégias de fomento

desses mercados, cabendo-lhes compatibilizar seu desenvolvimento com os interesses e

necessidades dos demais segmentos da atividade econômica.

A consecução dos objetivos acima listados se traduz em duas grandes linhas de

atuação para as agências regulatórias dos mercados de seguros:

i) promover mecanismos que fortaleçam a solvência das instituições de

seguros, estabelecendo parâmetros de gestão e regras de conduta, e disseminando

habilidades que as capacitem a lidar com os diversos riscos a que foram expostas, riscos

estes analisados no capítulo precedente desta tese;

ii) preservar os direitos dos consumidores, sujeitos à forte assimetria de

informações perante os provedores de apólices de seguros, inclusive através da

implantação de mecanismos que ofereçam garantias explícitas de preservação

patrimonial em caso de falências ou outros casos de descumprimento de contratos.

As duas próximas seções irão examinar, à luz dos parâmetros acima indicados, a

eficácia das novas tendências regulatórias em curso. A próxima seção focaliza os novos

instrumentos destinados a preservar a solvência das companhias de seguros, utilizando-

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se de modelos de avaliação de riscos. A seção subseqüente se debruça sobre os

mecanismos destinados a preservar os direitos dos consumidores e zelar pela integridade

dos contratos.

5.3: Solvência e Controle de Riscos: a Nova Estratégia Regulatória para os

Mercados de Seguros

5.3.1: A Transição para uma Nova Estratégia Regulatória

Plasma-se, em nível internacional, uma nova estratégia regulatória que atinge

todo o sistema financeiro, e tem como centro de referência o Novo Acordo de Basiléia.

O Acordo, por constituir-se de um espaço propositivo com abrangência sobre os

mercados internacionais, catalisa e espraia as inovações regulatórias em matéria de

solvência. Conforme assinalado por Carvalho, o foco regulatório transitou da observação

quanto a liquidez das instituições financeiras, para a busca em assegurar sua solvência.

Mudou o foco como decorrência da própria evolução do instrumental disponível, em

geral apto a lidar com suprimento de liquidez perante corridas bancárias clássicas.

Mudou o foco também como conseqüência óbvia da alteração verificada nos próprios

atores atuantes nos mercados regulados. Não se trata mais (ou apenas) de assegurar

liquidez a bancos (ou seguradoras) perante ausência de numerário para fazer frente a

pagamentos de saques ou de sinistros, mas de garantir a solvência tanto de instituições

isoladas como de conglomerados financeiros atuantes em várias frentes de negócios,

mediante uma inovada gama de produtos financeiros.

A arquitetura prudencial proposta no novo acordo de Basiléia tem influenciado o

debate acerca do modelo a ser adotado pela União Européia quanto a supervisão das

empresas de seguros, debate desenvolvido em torno do projeto Solvência II. A partir de

2001, o Comitê da Basiléia ofereceu a conhecida estrutura apoiada em três pilares:

i) Primeiro Pilar: Requerimentos de capitais próprios em função dos riscos

em operações ativas dos bancos (riscos de operações de crédito e de investimentos de

mercado) sendo para isto utilizados critérios da avaliação probabilística de eventuais

perdas máximas (por unidade de tempo). Além de propor modelos padronizados de

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mensuração destes riscos, o Comitê de Basiléia estimula o desenvolvimento de modelos

próprios de avaliação de riscos por parte dos bancos, modelos estes que deverão ser

credenciados pelas agências nacionais de supervisão. Ainda neste primeiro pilar está

incluída a modalidade denominada risco operacional, a qual corresponde ao risco de

perdas diretas ou indiretas devido a falhas em controles de rotinas, procedimentos, falhas

em sistemas computacionais, fraudes, etc...Devido à insuficiência de dados estatísticos,

optou-se por um acréscimo percentual de 20 % em relação ao somatório dos demais

riscos.

ii) Segundo Pilar: Processo de supervisão, inclusive com inspeções in loco nas

entidades supervisionadas. Os princípios nos quais se apóia a recomendação de

fortalecimento da ação de supervisão levam em conta que os bancos devem dispor de

procedimentos de avaliação quanto à necessidade de fundos próprios em função de seu

perfil de riscos, que os supervisores devem julgar a qualidade destes procedimentos, e as

estratégias aplicadas pelos bancos em suas operações. Devem, ainda, os organismos de

supervisão serem capazes de intervir, solicitando ações corretivas, de forma ágil e em

tempo hábil para que os níveis de capital não declinem até um patamar inferior ao

estipulado como necessário.

iii) Medidas destinadas a favorecer a disciplina de mercado, através da

exigência de publicidade quanto ao conjunto de demonstrativos financeiros, vínculos

entre empresas pertencentes ao mesmo grupo, modelos utilizados para aferição dos

riscos, etc...

A observação dos rumos tomada pelo novo acordo de Basiléia demonstra que se

optou por conjugar uma expressiva abertura perante a capacidade de autoregulação – ou

auto-gestão dos riscos – por parte dos bancos, com uma crescente exigência de

supervisão focada nos próprios procedimentos internos das entidades supervisionadas.

Como observado por Carvalho, não se trata mais de focar a supervisão nas relações

estabelecidas entre os bancos e os demais atores econômicos, mas de acompanhar

individualmente os bancos, suas estratégias e seus sistemas internos de tomadas de

decisão. Torna-se nítido o pressuposto de que, para zelar pela estabilidade dos sistemas

financeiros e pela prevalência de regras adequadas de concorrência entre os bancos

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internacionalmente ativos, é necessário o acompanhamento e validação da dinâmica

interna de cada um dos entes supervisionados.

A adaptação do paradigma de Basiléia ao setor de seguros requer um conjunto de

precauções. No que tange a principal inovação proposta, que é a delegação às

instituições da prerrogativa de desenvolverem seus próprios modelos, a comissão

encarregada do projeto Solvência II levanta justificadas ressalvas. Argüindo quanto a

menor propensão ao risco das seguradoras na gestão de suas operações ativas, e levando

em conta a heterogeneidade de empresas, tanto em termos de tamanho como em relação

a diversidades de suas operações, a comissão se inclina favoravelmente à existência de

um modelo padrão do tipo Risk Based Capital (RBC), o qual poderia, de forma

suplementar, sofrer adequações por parte das empresas capacitadas a formular seus

próprios modelos. De fato não se pode deixar de levar em consideração que as regras do

Comitê de Basiléia se destinam, prioritariamente, a bancos atuantes internacionalmente,

o que já pressupõe uma estrutura corporativa de maior porte e diversificação.

As considerações da comissão responsável pela condução dos trabalhos do

projeto Solvência II são dignas de particular atenção para os órgãos regulatórios do

mercado de seguros da América do Sul, pois as estruturas regulatórias desses países,

Brasil inclusive, são similares àquelas que ora são objeto de alterações nos países

europeus. Coincidentemente, no Brasil são dados os passos fundamentais para a

alteração do marco regulatório vigente, e aspectos como a heterogeneidade entre as

empresas atuantes, o forte crescimento da atuação dos conglomerados enquanto

empresas líderes no mercado e o desenvolvimento das diversas composições de

bancassurance, são fatores de similitude com a realidade européia. Como fator

diferenciador, inexiste nos países da América do Sul uma tradição de empresas de

resseguros privadas, que possam ser consideradas repositórios de expertise acumulada

em aspectos técnicos do mercado segurador. No Brasil, inclusive, a permanência, até os

dias atuais, do monopólio estatal do resseguro fortaleceu ainda mais o papel das

instituições públicas como centros de elaboração e disseminação da capacidade técnica

na área. Destarte, a elaboração de um modelo padrão de requerimentos de capital

baseados nos riscos de ativos e passivos torna-se desejável e imprescindível.

192

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Cabe observar que a supervisão baseada em riscos se afirma como tendência

predominante de constituição de aparatos regulatórios em âmbito internacional. A

implementação pioneira dos modelos de Risk Based Capital ocorreu nos Estados Unidos

da América, na primeira metade da década de 1990. O instrumental utilizado antecipou

recomendações que posteriormente iriam estar presentes, em um contexto mais amplo,

no Novo Acordo de Basiléia (Basiléia II). Outros países como Canadá, Austrália e

Japão, já adotaram modelos com essa inspiração antes das definições a este respeito

serem preconizadas pelos estudos em andamento na União Européia.

5.3.2: O Modelo de Requerimentos de Capital Baseados em Riscos

A origem dos modelos de avaliação de riscos baseados no cálculo de

probabilidade de uma perda máxima, em um dado período de tempo, por modalidade de

aplicação financeira, tem sua origem na esfera bancária (Jorion, 1999), e são conhecidos

como modelos do tipo VaR, abreviatura da expressão em inglês Value at Risk. Sua

aplicação aos investimentos – operações ativas – de uma seguradora não carece de

inovação substantiva. No que se refere à adequação destes modelos aos passivos de

seguradoras, mostrou-se necessária uma modelagem própria, seguindo, todavia, os

mesmos critérios metodológicos (Fraga, 2005).

A composição do RBC norte-americano incluiu os seguintes itens:

i) Nas seguradoras de vida, a fórmula do RBC agrupa os riscos em quatro

categorias: riscos de ativos, risco inerente à atividade seguradora, risco de taxa

de juros, e risco do negócio, que correspondem respectivamente a C1, C2, C3 e

C4. Paralelamente a essas duas categorias principais de risco, o RBC estabelece

um requerimento de capital para os passivos de fora dos balanços das

seguradoras e um tratamento especial para ações de seguradoras subsidiárias

(C0). O C0 é a soma desses dois requerimentos. O requerimento de capital

correspondente ao risco de ativos (C1) é calculado correlacionando os

investimentos a coeficientes, que variam de 0 a 30%. Tais coeficientes são iguais

para os ramos vida e ramos elementares, com a exceção do coeficiente para

ações, que para vida é 30% e para ramos elementares 15%. O risco de seguro

193

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(C2) representa o risco da ocorrência de um desenvolvimento adverso nas taxas

de mortalidade ou morbidade. Mais precisamente falando, cobre o risco tanto do

estabelecimento de um prêmio inadequado quanto o risco da ocorrência de

flutuações inesperadas da taxa de sinistros. O componente C3 (risco de taxa de

juros) é calculado através de provisões matemáticas para cada categoria de

contrato, variando de 0,7% a 3%. Os requerimentos de capital calculados para o

risco de negócio correspondem aos riscos não cobertos pelos itens precedentes.

O RBC total é calculado segundo a seguinte fórmula:

24

23

22

21

23140 )( bbcsaaa CCCCCCCCRBC +++++++=

ii) Nas seguradoras de ramos elementares, a fórmula do RBC agrupa os riscos em

duas categorias principais de risco: riscos de ativos e riscos de subscrição. Os

riscos de ativos se dividem em três sub-categorias: risco de investimentos em

renda fixa, risco de outros investimentos e risco de crédito (R1, R2 e R3

respectivamente). Tais riscos relacionam-se às perdas associadas a uma queda do

valor dos ativos ou ao default de emissores. O risco de subscrição é a

possibilidade de se estabelecer uma provisão contra perdas inadequada (R4) ou

prêmios insuficientes (R5). Paralelamente a estas duas categorias principais de

risco, como na fórmula do RBC para seguradoras de vida, estabelece-se um

requerimento de capital para os passivos de fora dos balanços das seguradoras e

um tratamento especial para ações de seguradoras subsidiárias (R0), sendo este a

soma desses dois requerimentos. O risco de investimentos em renda fixa (R1) é

determinado através dos coeficientes correlacionados com a qualidade de cada

título. Os outros riscos de investimento (R2) também são calculados através de

coeficientes correlacionados a cada tipo de investimento em renda variável. No

cálculo do risco de crédito (R3), é feita uma distinção entre dois componentes:

R3’, o risco associado aos sinistros das resseguradoras, e R3’’, o risco associado a

outros sinistros. O princípio subjacente ao cálculo do risco de subscrição

relacionado ao estabelecimento de provisões (R4) é aplicar às provisões de

sinistros, fatores que difiram entre as companhias. Tais fatores variam de

companhia para companhia, apesar de refletirem uma combinação de fatores

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determinados pela NAIC para todo o mercado e fatores corretivos baseados no

desenvolvimento das perdas de cada companhia. Os fatores determinados pela

NAIC, para todo o mercado, baseiam-se na pior taxa de evolução das perdas

possível observada em dez anos, não sendo estes calculados anualmente. Já os

fatores particulares de cada seguradora são anualmente calculados. O risco de

subscrição relacionado ao estabelecimento dos prêmios (R5) reflete o risco de

que os prêmios coletados em um dado negócio possam não ser suficientes para

atender os sinistros correspondentes. O princípio para seu cálculo é similar ao de

R4. O RBC total é calculado pelo método conhecido como ajuste de covariância,

que se dá da seguinte forma:

25

24

'3

2''3

'3

22

210 )5,0)5,0( RRRRRRRRRBC +++++++=

ou, dependendo do caso, podendo ser designado por:

25

24

23

22

210 RRRRRRRBC +++++=

Os modelos de risco calcados em avaliação de probabilidades de perdas máximas

por item de operações tem seu resultado final obtido através de um somatório

qualificado dos valores aferidos, produzindo-se, então, um valor de capital a ser

requerido à instituição por parte do órgão supervisor. Em relação ao paradigma anterior,

que impunha como requerimentos de capital valores que traduziam percentuais sobre os

passivos assumidos, e, ademais, ignoravam os riscos incidentes sobre as operações

ativas da seguradora, trata-se de um desenvolvimento bastante positivo. Ao inserir

critérios de maior acurácia sobre os riscos das operações passivas, nomeadamente

avaliando os riscos de subscrição incorridos pelas seguradoras, fortalece ainda mais a

eficácia do instrumental de supervisão.

A modelagem prevista no RBC abarca os principais riscos que podem ser

encontrados no âmbito das companhias de seguros, conforme foi exposto no capítulo

precedente, onde estes riscos foram analisados. Cabe observar que na estrutura do

Acordo de Basiléia para regulação bancária, os riscos de taxas de juros não entram no

rol de riscos tratados no primeiro pilar, que impõem regras quantitativas de

requerimentos de capital. No caso do RBC para seguradoras de vida, esse ingrediente é

fundamental, posto que a precificação dos prêmios leva em conta os retornos obtidos

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pela seguradora ao longo do tempo, em função da aplicação dos recursos obtidos nas

parcelas pagas periodicamente pelos segurados. Dada uma tábua de mortalidade, que

estima a duração média dos contratos, e uma taxa de juros definida contratualmente,

constrói-se um fluxo descontado de caixa que determina – em função do valor pactuado

como indenização – os valores a serem pagos como prêmios. O risco de taxas de juros

incide, portanto, não apenas no resultado de operações ativas – aplicações da seguradora

– mas também por estar alojado na própria determinação dos custos incidentes perante

os passivos assumidos.

A adoção de modelos padronizados do tipo RBC introduz parâmetros definidos

quanto aos riscos de subscrição em ramos elementares, e reforça o já assinalado papel de

um departamento técnico geral por parte do órgão regulador. Isto ocorre porque, para

que seja arbitrado um risco de sinistralidade para cada uma das modalidades de carteira

– ou linha de seguros, como incêndios, danos e roubos de automóveis, etc...faz-se

necessária a assunção, por parte do órgão regulador, da elaboração (ou validação) de

séries históricas indicativas das respectivas probabilidades de ocorrência de sinistros, por

ramo de negócios.

A capacidade de dispor de um banco de dados com séries que permitam o cálculo

de probabilidades de sinistros é uma importante vantagem competitiva nos mercados de

seguros, e a ausência de acesso a esses dados, no limite, pode ser considerada uma

barreira a entrada em mercados locais. A organização destas informações e sua

disponibilidade ao público por parte da agência reguladora podem ser consideradas um

estímulo à entrada de novas empresas e, portanto, ao aumento da concorrência. Como

nada impede que determinadas corporações desenvolvam séries e modelos de cálculo

probabilístico de maior acurácia que a agência reguladora, o estímulo à melhoria técnica

por parte de cada empresa permanece, ainda que sem a característica de elemento de

inibição ao ingresso de competidores.

Em países que têm mantido uma estrutura de regulação e supervisão tradicional,

baseada em requerimentos de capital fixos e exigências de ativos garantidores

constituídos na forma de percentuais relativos ao volume de prêmios auferidos em dado

período, a introdução de modelos de supervisão baseada em riscos não é uma mudança

trivial, a qual deva se esperar que seja rápida e facilmente absorvida pelo mercado. A

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própria exigência de um corpo técnico, interno às companhias de seguros, com

capacitação para elaborar e lidar com tais procedimentos, requer algum grau de

maturação, isto é, requer um período de formação que não é instantâneo. Muito embora

em países de médio desenvolvimento econômico, como é o caso do Brasil, o mercado

financeiro já disponha de significativa massa crítica em termos de profissionais treinados

para lidar com riscos de ativos - riscos de câmbio, juros, crédito e volatilidade nos

mercados de renda variável – a adequação dessas metodologias à especificidade dos

mercados de seguros não é trivial. Os riscos de crédito das companhias de ramos

elementares, por exemplo, prendem-se principalmente às possibilidades de default das

resseguradoras, caso que se torna ainda mais grave em situações de maior severidade

dos sinistros. Outro risco de crédito significativo, como foi visto no capítulo anterior, é

aquele vinculado a pontualidade e conformidade dos repasses a serem feitos por

agências de seguros ou corretoras. Riscos desse tipo são exclusivos de empresas de

seguros. Todavia, a estimativa de riscos de subscrição é que constitui o principal veio de

trabalho na confecção de modelos para empresas de seguros, e as habilidades exigidas

para essa tarefa não podem ser encontradas em profissionais atuantes em outros

mercados. Quanto aos seguros de vida, o papel determinante das estimativas de

morbidade e longevidade, isto é, a adequação das tábuas de mortalidade disponíveis e as

informações relativas a diferentes estratos da população, são áreas de conhecimentos

específicos cujo desenvolvimento não extrapola aos círculos profissionais relacionados

com instituições de seguros e previdência.

Mudanças regulatórias de maior amplitude implicam em algum grau de

transformação na cultura organizacional das empresas supervisionadas. Sob este aspecto,

a metodologia de modelos do tipo RBC apresenta características favoráveis a um padrão

de implantação gradual. As fórmulas exibidas anteriormente deixam perceptível que

cada um dos diferentes itens que constituem o somatório de quadrados inserido no

radicando pode ser introduzidos em diferentes momentos, de acordo com o ritmo

considerado desejável pela agência de supervisão, em função da capacidade de absorção

das empresas.

Ao assumir uma linha de raciocínio embasada nos três pilares do Acordo de

Basiléia – metodologia esta também assumida pelo projeto Solvência II – fica claro que

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as atribuições e responsabilidades renovadas do órgão regulador acarretam uma forte

observância do chamado segundo pilar. As inspeções e avaliações promovidas através

da verificação de procedimentos no interior das companhias supervisionadas assumem,

além de seu aspecto corretivo e fiscalizatório – um importante sentido de interlocução

didática, mormente quando se tratar de eventual credenciamento de modelos

desenvolvidos internamente.

Um caminho natural na perspectiva de uma estratégia de introdução gradual dos

procedimentos de avaliação de riscos é iniciar a interlocução com as empresas

supervisionadas a partir dos riscos de subscrição.22 Essa área é uma ponte natural para o

diálogo, tendo em vista que é disseminado o conhecimento dos mercados quanto ao fato

que a maior parte das falências de seguradoras, em âmbito internacional, ocorreu por

problemas na área de subscrição de riscos (KPMG, 2002). Ainda que haja a já referida

ausência de conhecimentos técnicos a este respeito em outros segmentos do mercado

financeiro, as séries de sinistralidades a partir das quais serão calculados os

requerimentos de capital são objeto corrente das análises técnicas das seguradoras e dos

profissionais de atuária responsáveis pela precificação dos prêmios e constituição das

respectivas provisões técnicas.

Mesmo adotando estratégias de imposição gradual de itens para efeito de

avaliação de riscos, é de supor que o papel desempenhado pelo órgão regulador seja

fortalecido, embora sob novas atribuições. A perspectiva de liderar a disseminação

impositiva de novos padrões de gerenciamento de riscos exige, em simultâneo, um

esforço de capacitação por parte da agência supervisora, e realça seu papel enquanto

centro irradiador de parâmetros de gestão para as empresas supervisionadas. Ainda que o

objetivo a ser alcançado inclua o estímulo ao desenvolvimento de modelos internos de

avaliação de riscos nas empresas, o órgão regulador tende a disseminar informações e

generalizar os conhecimentos acerca do que podemos chamar “melhores práticas”. Isso

decorre do próprio movimento de avalista geral, através do qual todas as práticas das

diferentes companhias passam a ser submetidas ao crivo do órgão regulador. Além do

22 No caso brasileiro, esta tem sido a estratégia ora adotada pelo órgão regulador e supervisor do mercado de seguros, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

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mais, não se pode perder de vista que o modelo padrão desenvolvido pelo regulador é o

insumo básico e o ponto de referência comum a todas as companhias.

5.4: Interação entre Diferentes Riscos e Regulação Integrada

Em que pese tratar-se de um inegável avanço regulatório, e por mais desejável

que seja sua implementação generalizada nos diferentes espaços nacionais, as técnicas

de modelagem do tipo RBC sofrem algumas limitações. Tanto por parte das empresas,

como principalmente no âmbito das agências de supervisão, torna-se necessário o

desenvolvimento de aptidões para que situações de convergência entre diferentes riscos

sejam analisadas de forma preventiva. Os usuais testes de stress, onde uma ou mais

variáveis componentes do modelo são aleatoriamente exacerbadas, não é um

instrumento de maior utilidade, mesmo porque, em última instância, não se pode exigir

que vastos volumes de capital sejam preventivamente imobilizados por empresas de

seguros, caso em que a rentabilidade do negócio quedaria a um nível de virtual

dissolução destes mercados (Carvalho et al, 2000). Em outras palavras, o que se coloca

como necessário é o discernimento proveniente de adequadas análises econômicas

acerca de possíveis cenários de interação e intercessão de riscos, capacidade esta que é

diferente do mero exercício de manipulação modelística de parâmetros em programas

computacionais. Fragilidades pontuais em diferentes variáveis podem convergir para

situações de insolvência, quando sofrem os efeitos de conjunturas econômicas

particulares, como fica claro em estudo promovido pela Financial Services Authority

britânica (McDonnel, 2002).

Em relação a interação de riscos sofridos por seguradoras, a experiência do 11 de

setembro de 2001 trouxe um exemplo traumático de como riscos aparentemente não

correlacionados podem, em certas circunstãncias, convergir significativamente(Mey,

2002). Além da inusitada severidade dos sinistros, cujo valor mínimo estimado alcançou

a casa dos quarenta bilhões de dólares, os desdobramentos políticos, sociais e

econômicos incidiram fortemente sobre o mercado de ações. Em um verdadeiro efeito de

pinça, os pagamentos de indenizações ao longo de fins de 2001 e meados de 2002 se

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conjugaram com uma forte redução nos valores dos ativos das seguradoras de ramos

elementares representados por inversões em títulos de renda variável. Esta conjuntura de

elevadas perdas de capital foi, sob o prisma econômico, agravada pela opção das

agências de rating em rebaixar a classificação das seguradoras em função de suas

posições ativas nos mercados de ações. A maioria das empresas seguradoras liquidou

parte significativa das ações em carteira, com o intuito de melhorar sua classificação, e o

resultado de médio prazo foi a incapacidade de reforçar seus níveis de capital quando da

reversão dos valores de mercado das ações que haviam sido alienadas.

O episódio acima relatado expõe a necessidade de contrapor-se uma análise

econômica mais robusta – ou mesmo alguma análise econômica consistente – perante as

alterações em índices extraídos de modelos probabilísticos. Não se trata de negar

validade a esses modelos, mas de reconhecer tanto seus préstimos quanto seus limites.

Observe-se que a antes referida liquidação de ações não foi determinada por motivos de

demanda imediata de liquidez, mas por adequação aos critérios de avaliação de agências

de classificação. A lição a ser tirada sob a ótica dos órgãos de regulação e supervisão é

que a interatividade com as empresas supervisionadas deve incluir recomendações gerais

de conduta relacionada à gestão de ativos, particularmente em situações de crise ou

perante ocorrência de sinistros catastróficos de maior gravidade e repercussão.

A questão da intercessão de riscos oriundos de diversas fontes nos remete ao tipo

de estrutura corporativa que hoje tende a predominar nos mercados financeiros, e a

possibilidade de ocorrência de riscos sistêmicos. Conglomerados financeiros tendem a

estar expostos a um conjunto maior de incidência de riscos, e a sofrer estes riscos de

forma cumulativa em função de agravamentos na conjuntura econômica. Esse é um

aspecto essencial para um padrão de atuação regulatória orientada para a solvência das

instituições.

O processo de consolidação financeira nos diferentes países e regiões acarreta

uma fragilidade intrínseca a modelos de supervisão de seguradoras que empreendam de

forma estanque a avaliação de riscos, sem que essa avaliação esteja inserida no contexto

das demais operações do conglomerado. A regulação de seguros compartilha com os

demais integrantes do sistema financeiro o objetivo de zelar pela estabilidade do sistema

financeiro. Todavia, como foi argumentado no capítulo precedente, a possibilidade de

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uma causalidade direta de choque sistêmico por parte de uma instituição de seguros é, no

mínimo, remota.

O capítulo anterior desta tese, ao procurar diagnosticar riscos sistêmicos

provenientes da atuação de empresas de seguros, só logrou identificar uma possibilidade

consistente de deflagração de um choque a partir do colapso de uma seguradora. Este

caso se refere exatamente a situação onde a hipotética empresa de seguros seja parte

integrante de um conglomerado financeiro onde se façam, também presentes, atividades

de bancos comerciais. Em outras palavras, riscos sistêmicos têm possibilidade de ocorrer

a partir de danos significativos causados por uma instituição bancária a seus similares,

gerando uma cadeia de insolvências causadas por sucessivos defaults em operações

interbancárias. Um colapso, mesmo que parcial, no sistema de relacionamento entre

bancos, pode acarretar sérios efeitos no setor real da economia, inclusive por seu

impacto imediato no sistema de pagamentos sobre o qual se assenta atualmente a quase

totalidade das relações mercantis.

Quando o enunciado acima é projetado sobre as atribuições de uma autoridade

responsável por funções de regulação e supervisão, alguns requisitos para sua maior

eficácia podem ser deduzidos. Considerando que os riscos não podem mais estar

restritos a um segmento isolado, dada a proeminência das estruturas conglomeradas,

torna-se ineficaz a permanência de estruturas de supervisão segmentadas, já que os

próprios entes supervisionados já não mais existem enquanto instituições confinadas à

atuação em apenas um segmento isolado do mercado financeiro.

A tendência regulatória predominante aponta no sentido de construção de

agências integradas, capazes de abarcar o conjunto das instituições financeiras. O motivo

fundamental arrolado em defesa desse tipo de arranjo institucional é a própria

transformação das estruturas de mercado, prevalecendo cada vez mais densamente as

operações dos conglomerados financeiros frente aos espaços ocupados por instituições

independentes. A partir desse aspecto chave, outros argumentos são adicionados, tais

como economias de escala, fortalecimento da capacidade técnica e operativa das

agências integradas, maior solidez institucional e maior relevância no ambiente de

instituições governamentais. Tais condições podem contribuir para que estas agências

tenham respaldo para contrapor-se politicamente aos grandes grupos financeiros,

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evitando, assim, o fenômeno conhecido como captura das agências regulatórias pelos

entes regulados.

A instituição que fornece o paradigma para a reorganização das estruturas

regulatórias é a Financial Services Authority britânica (Martinez e Rose, 2002). Embora

os países escandinavos tenham sido pioneiros na integração regulatória, o papel muito

mais expressivo dos mercados financeiros ingleses, e a radicalidade da reestruturação

efetivada, a qual foi precedida de significativo debate teórico (Goodhart et al, 1998),

fizeram do modelo inglês a principal referência teórica e política.

Examinando-se os principais aspectos que incentivaram a formação de agências

regulatórias integradas, observa-se a existência de três grupos de argumentos centrais

(Taylor e Fleming, 1999). O primeiro é a perseguição de economias de escala na atuação

regulatória, argumento privilegiado quando os sistemas financeiros são diminutos, dadas

as próprias dimensões do país em questão. O segundo, o qual é normalmente utilizado

para países com grau de desenvolvimento econômico intermediário, é a verificação

quanto à predominância dos bancos atuando de forma muito concentrada em todos os

ramos financeiros. O terceiro argumento é próprio a economias e sistemas financeiros

maiores e diversificados, onde a presença de conglomerados financeiros acarreta a

necessidade de uma agência integrada capaz de avaliar em conjunto os riscos das

diferentes áreas de atuação dessas corporações.

A partir das considerações acima, uma menção ao caso brasileiro assinala que

tanto a segunda como a terceira situação prevalecem. No Brasil o mercado bancário é

fortemente concentrado, os bancos têm ocupado um papel crescente e dominante como

canal de comercialização dos seguros, e ainda constituem conglomerados que ocupam

virtualmente todos os nichos de atuação nos mercados financeiros. A opção por uma

atuação integrada dos diferentes reguladores ou, preferencialmente, a constituição de

uma agência reguladora única, assumindo as responsabilidades por empresas atuantes

em todos os diferentes segmentos financeiros, tende a ser uma crescente necessidade

para efetivação de estratégias regulatórias focadas em solvência.23

23 Garcia, 2002, desenvolve o argumento no sentido da construção da agência regulatória unificada como solução preferencial para o arcabouço regulatório nacional.

202

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5.5: Assimetria de informações e integridade dos contratos: o papel das agências de

regulação na manutenção da confiança pública nos mercados de seguros

5.5.1: Aspectos relativos à disciplina de mercado e ao público consumidor

A tendência regulatória predominante nos mercados financeiros volta-se para a

manutenção da solvência das instituições financeiras. Contudo, quando nos debruçamos

sobre os mercados de seguros, é forçoso assinalar que as seguradoras em sua atividade

específica dificilmente seriam responsáveis pela eclosão de crises sistêmicas. Mais

ainda, devido às peculiaridades do mercado segurador, o papel da confiança pública

perante a integridade dos contratos cumpre um papel ainda mais relevante do que em

outros segmentos do mercado financeiro. Essa questão se desdobra em três linhas

diferenciadas de responsabilidades para o órgão regulador. A primeira delas diz respeito

quer aos investidores em títulos e ações de seguradoras, quer aos grandes clientes

corporativos; a segunda refere-se à existência de garantias, para os consumidores, em

caso de insolvência das instituições; a terceira, mais sutil, porém não menos importante,

diz respeito à coerência entre os termos contratuais e a ação efetiva das seguradoras em

caso de ocorrência do sinistro.

Quanto a investidores e grandes clientes, uns e outros têm a suposta capacidade

de avaliar os riscos incorridos seja em seus investimentos, seja em efetuar contratos

relativos a riscos vultosos com as seguradoras. Para estes atores, as medidas de

disciplina de mercado constituem um fulcro de atuação regulatória suficiente, no sentido

de que, ao promover o acesso a um conjunto relevante de informações, a autoridade

reguladora e supervisora proporciona as condições requeridas para a avaliação quanto

aos riscos incorridos por investidores e grandes clientes. De fato, tal especificação é

consistente com a definição de disciplina de mercado para o setor segurador de

Harrington (2005b); “disciplina de mercado é a extensão na qual os mercados de

produto e de capitais disciplinam o comportamento de aceitação de riscos das

seguradoras”.

203

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Ao seguir a abordagem de Basiléia II, o terceiro pilar do Solvência II trata da

disciplina de mercado, e institui como requisitos o fornecimento de informações por

parte das empresas de seguros que incluem os sistemas de gestão de risco

implementados, a descrição das principais exposições ao risco e até os resultado das

análises de stress-testing efetuadas nos ativos e nas provisões técnicas.

Além disso, dois outros movimentos desenvolvidos nos principais países – e que

tendem a se espraiar pelos diferentes mercados internacionais - são considerados

importantes fatores para a disciplina de mercado, a saber, os posicionamentos das

agências de rating e uma tendência generalizada em torno de uma maior transparência e

harmonização das regras contábeis.

As exigências quanto à disciplina de mercado nos moldes acima referidos podem

ser consideradas assaz insuficientes perante os objetivos de manutenção da confiança

pública nos mercados de seguros. Apesar da coexistência teórica entre uma disciplina de

mercado movida pelos consumidores e uma pelos investidores, a disciplina de mercado

no setor segurador refere-se primordialmente à disciplina de mercado de produtos, ou

seja, pela disciplina de mercado movida pelos consumidores (movida pelos detentores

de apólice). Harrington (2005b) define tal disciplina de mercado como: “a extensão na

qual a demanda dos detentores de apólice é sensitiva ao risco de insolvência e motiva as

seguradoras a gerirem seus riscos”.

A principal estrutura regulatória implementada nos mercados de seguros de

diferentes países com o objetivo de infundir um maior grau de confiança pública em

relação à preservação dos objetivos pactuados nas apólices de seguros tem sido a

instituição dos fundos garantidores. Segundo um estudo da OCDE, (Yasui, 2001), dentre

os países membros daquela organização, ao menos 21 países têm um ou mais fundos. A

rigor, encontramos dois tipos de fundos, sendo um deles um fundo vinculado a

existência de seguros compulsórios. O exemplo típico é um fundo para seguros

compulsórios de responsabilidade civil de veículos automotores, que busca

principalmente proteger as vítimas de acidentes de carro, assegurando uma indenização

mínima por qualquer dano ou perda de rendimento. Dentre os países membros da

OCDE, pelo menos quatorze têm fundos que cobrem os seguros compulsórios de

responsabilidade civil de automóveis exclusivamente. O Brasil também tem um

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mecanismo similar, oriundo dos recursos obtido com o seguro obrigatório para

automóveis, conhecido pela sigla DPVAT. Tais fundos, entretanto, embora cumpram

uma função social inquestionável, não se coadunam com as características que estamos

denominando de garantias explícitas a detentores de apólices, pois não se relacionam

diretamente com a proteção dos consumidores perante a possível insolvência de

seguradoras. Para atingir esse objetivo, é necessária a existência de um fundo geral que

cubra uma maior variedade de classes de seguro, tanto compulsórias quanto não

compulsórias, incluindo a maioria dos produtos de uma seguradora. Ou seja, um fundo

criado para assegurar o pagamento de sinistros aos detentores de apólice no caso de uma

companhia se tornar insolvente e incapaz de cumprir suas obrigações.

Dentre os países membros da OCDE, nove deles (Canadá, França, Irlanda,

Japão, Coréia, Noruega, Polônia, Grã-Bretanha e EUA) já haviam estabelecido fundos

garantidores até 2001. Esses fundos apresentam variações nacionais em relação aos

mecanismos de financiamento e estrutura de cobertura que proporcionam aos detentores

de apólices. De um modo geral, e de acordo com os preceitos que fazem dos

consumidores individuais os elementos mais vulneráveis perante assimetrias

informacionais, tais fundos excluem as corporações de seus benefícios, restringindo-os a

consumidores pessoas físicas ou pequenas empresas.

A maioria dos fundos de proteção aos detentores de apólice existentes tem certos

limites relativos à compensação paga aos beneficiários dos sinistros no caso de

insolvência de uma seguradora. Os limites de compensação variam significativamente

dentre os fundos existentes. Existem dois tipos: teto de pagamento e pagamentos

parciais. Países como Canadá, França, Coréia e EUA adotaram o primeiro método.

Muitos dos fundos que adotaram este método definem um montante limite fixo para

cada detentor de apólice, e não para cada apólice. Japão e EUA não têm um limite fixo

ao montante pago pelos fundos para cada detentor de apólice ou apólice. No entanto,

eles restringem a compensação a 90% do valor contratual inicial para cada sinistro

coberto.

Dois modelos gerais de financiamento são encontrados, financiamentos ex – post

e ex – ante. Nos casos de financiamento ex – post, os fundos ficam à disposição das

seguradoras, sendo sua contribuição solicitada quando da ocorrência de insolvências.

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Apesar do quadro de diversidade entre diferentes países, pode ser observada uma

tendência em favor do financiamento ex-ante, devido a maior agilidade em lidar com

casos de insolvência, e também para que a visibilidade deste mecanismo de proteção se

evidencie mais fortemente perante o público consumidor. O quadro abaixo informa os

percentuais arrecadados pelos diferentes modelos de fundos garantidores:

Estimação das contribuições anuais

Mecanismo País Fundo para o setor vida

Fundo para o setor Ramos Elementares

França 0,05 % das provisões técnicas

-----------

Japão US$ 330 milhões para todas as companhias

US$ 41 milhões para todas as companhias

Coréia 0,3% dos prêmios 0,3% dos prêmios

Financiamento ex-ante

Noruega --------- 1% dos prêmios Canadá 1,33% do capital

requerido 0,75% dos prêmios

Irlanda --------- 2% da receita bruta de prêmios Polônia24 Percentual definido

pelo Ministério da Fazenda

Percentual definido pelo Ministério da Fazenda

Reino Unido

1% da receita bruta de prêmios

1% da receita líquida de prêmios

Financiamento ex-post

EUA 2% da receita bruta de prêmios

2% da receita líquida de prêmios

Fonte: Yasui (2001).

Os recursos arrecadados diretamente das companhias de seguros, por vezes, não

são considerados suficientes para garantir uma satisfatória composição para os fundos

garantidores. Alguns mecanismos introduzem a participação do governo no respaldo as

operações destes fundos. Como exemplo de suporte direto, temos a legislação irlandesa,

a qual estipula que os governo pode adiantar ao fundo as somas necessárias para

possibilitá-lo pagar os sinistros sofridos pelos detentores de apólice. No caso do Japão, o

governo garante os empréstimos levantados pela administração do fundo, visando

facilitar o levantamento de recursos para a proteção dos consumidores. A Coréia, na

24 A lei polonesa diz que a taxa deve ser especificada pela regulação do ministro das finanças.

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esteira da crise desencadeada após a experiência de abertura de sua conta de capital e do

estouro da bolha especulativa subseqüente, viu-se na contingência de, entre outras

medidas, estruturar um fundo garantidor para lidar com casos de insolvência de

instituições financeiras, incluindo seguradoras, o Deposit Insurance Fund. Essa

instituição vai, em certo sentido, além da mera concessão de um aval dado pelo governo

ao levantamento de empréstimos, como no caso japonês, pois está autorizada a tomar

diretamente recursos através da emissão de títulos governamentais.

5.5.2: Atitude Regulatória e Riscos de Reputação

No capítulo anterior, ao serem tratados os riscos incidentes sobre o mercado de

seguros, (riscos sistemáticos), foi assinalada a existência de um tipo de risco ali

denominado como risco de reputação. Este risco é uma especial variante da manutenção

da confiança pública que se objetiva obter com a instituição de fundos garantidores. Eles

asseguram a preservação dos objetivos do segurado perante a eventual insolvência das

seguradoras. O risco de reputação aqui assinalado diz respeito a receios de que,

ocorrendo o sinistro e mantida a saúde financeira das seguradoras, medidas protelatórias

e evasivas dificultem o pagamento da indenização pactuada. Tal receio é decorrente, em

um sentido mais amplo, de uma percepção do público quanto à ineficácia das instâncias

do poder judiciário em prontamente fazer valer os direitos das partes em eventual litígio.

Tais circunstâncias impõe à Agência Supervisora uma responsabilidade forte no sentido

de evitar, ou atenuar, a disseminação de práticas consideradas lesivas aos consumidores

por parte de entes supervisionados.

Um recurso usual, perante situações de descumprimento – ou não cumprimento

em tempo hábil –de contratos é a imposição de sanções de ordem pecuniária a partir de

processos administrativos originados por reclamações de segurados, analisadas e

consideradas pertinentes. Todavia, a tramitação desses expedientes esbarra, quanto a sua

efetividade, nos próprios limites organizacionais da Agência, a qual se vê na

contingência de ter que alocar substanciais recursos materiais e humanos na correção de

desvios de conduta por parte dos entes supervisionados. Uma alternativa, posta em

prática no caso brasileiro, foi a promoção de Ouvidorias independentes, com alçada

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própria para pagamento de sinistros até determinado valor, nas companhias de seguros.

A avaliação da eficácia dessas Ouvidorias passa a ser um instrumento importante no

sentido de informar ao público sobre o empenho e presteza com que tais empresas se

propõem, de fato, a resolver situações pendentes. A implantação de Ouvidorias não é

obrigatória, mas a sua existência e avaliação de conformidade na atuação, por parte do

órgão regulador, passa a constituir atenuante, em caso de estabelecimento de multas em

processos administrativos julgados pela agência.

Independentemente dos mecanismos a serem adotados, a atitude da Agência de

Regulação e Supervisão assume um papel crucial perante a construção de uma

confiabilidade pública generalizada em relação ao mercado supervisionado. Uma firme

determinação de coibir abusos e métodos que possam causar lesões aos direitos dos

consumidores é pré-requisito essencial ao desenvolvimento das operações de seguros, e

devem ser atributos permanentes e relevantes da ação supervisora, mormente em países

onde as práticas do judiciário não são consideradas por parte do público suficientes para

a preservação dos direitos contratuais.

5.6: Conclusões

Os objetivos da regulação em mercados de seguros compartilham alguns

aspectos fundamentais com os demais mercados financeiros, em particular os mercados

bancários. Mercados de seguros incorrem em fortes assimetrias de informações, o que

impõe ao órgão regulador uma ação preventiva e corretiva no que tange ao zelo pela

integridade dos contratos e manutenção da confiança do público consumidor, sem a qual

mercados de seguros iriam fenecer, permanecendo seu desenvolvimento restrito a níveis

limitados de penetração na economia.

Mercados de seguros também são portadores de fortes externalidades, o que lhes

assegura um status de merecedores de regulação prudencial, à semelhança dos demais

mercados financeiros. Além disso, o papel das agências de regulação em seguros

historicamente incluiu um papel de departamento técnico geral, gerando diretrizes

quanto à conformação de produtos e métodos de gestão. Tais funções, na condição de

bens públicos, cumprem papel importante no desenvolvimento desses mercados, e

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tendem a se manter, ainda, no âmbito de um novo marco regulatório ora em

implementação nos diferentes mercados internacionais de seguros.

As fortes externalidades existentes nas atividades de seguros impõem aos órgãos

de regulação e supervisão um esforço continuado de aperfeiçoamento de métodos

destinados à manutenção da solvência das instituições seguradoras. Dentro do atual

contexto internacional, isso remete a utilização de técnicas orientadas para a avaliação

de riscos, dentre as quais se incluem os modelos de requerimentos de capital do tipo

RBC – Risk Based Capital.

As medidas integrantes no novo paradigma regulatório traduzem um significativo

avanço no que tange à preservação da solvência e melhor nível de proteção aos

consumidores. Áreas antes absolutamente desguarnecidas, como a gestão de ativos das

seguradoras, passam a estar submetidas ao escrutínio de avaliações probabilísticas de

riscos, através de modelos desenvolvidos pelo próprio órgão regulador, ou pelas

instituições supervisionadas, nos casos em que modelos internos são avaliados pelos

órgãos de supervisão e considerados adequados. Riscos de subscrição, que constituem o

cerne da atividade seguradora, passam, também, a sofrer um escrutínio baseado em

melhores técnicas, pondo em relevo os critérios utilizados para precificação e para a

constituição das provisões relativas aos riscos subscritos.

Modelos probabilísticos de estimação de riscos, ainda que configurem um

importante elemento de análise, não prescindem de um julgamento embasado na

confecção de cenários econômicos plausíveis, que permitam eventuais orientações

preventivas por parte das agências supervisoras. Testes de stress tendem, por sua vez, a

redundar inócuos, pois exacerbam aleatoriamente o comportamento de algumas

variáveis, produzindo valores de riscos hipotéticos para os quais as empresas

supervisionadas não poderiam imobilizar capitais compatíveis, sob pena de queda

vigorosa na rentabilidade de suas operações e conseqüente esvaziamento do mercado por

redução da oferta.

Estratégias regulatórias destinadas à preservação da solvência de seguradoras não

podem abstrair a atual predominância dos conglomerados financeiros que, no caso dos

mercados de seguros, se caracterizam ainda por fazer do canal bancário um elemento de

comercialização de seguros em crescente ampliação. A existência de conglomerados

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financeiros induz a cooperação entre os diferentes órgãos de regulação dos vários

segmentos de mercado financeiro, ou, preferencialmente, a constituição de agências

regulatórias integradas, cujo paradigma principal é proporcionado pela autoridade de

supervisão financeira integrada da Inglaterra. Ao funcionar de forma integrada, a

agência reguladora unificada está mais capacitada a apreender possibilidades de

intercessão de riscos incidentes sobre os conglomerados financeiros, sendo assim sua

atuação mais adequada a preservação da solvência destas corporações.

Mercados de seguros apresentam forte demanda para que se faça presente uma

firme atitude regulatória e de supervisão destinada à manutenção da confiança pública

quanto à solvência das instituições, a manutenção da integridade dos contratos e à

efetiva correção de condutas inadequadas por parte dos entes supervisionados. A

instituição de fundos garantidores atenua consideravelmente receios relacionados às

eventuais perdas patrimoniais relacionadas à insolvência de seguradoras. Ao mesmo

tempo, a consolidação de uma reputação de firme respeito a integridade dos contratos

pactuados é elemento indispensável para o desenvolvimento dos mercados de seguros,

cabendo forte responsabilidade ao órgão supervisor em explicitar a existência de sanções

que coíbam, com eficácia, eventuais descumprimentos contratuais, ou atitudes

protelatórias relacionadas ao pagamento de indenizações.

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Conclusões

A atividade seguradora se expande continuamente ao longo dos últimos trinta anos,

tanto no que se refere aos seguros de vida como em relação aos seguros de ramos

elementares. Pode-se depreender assim que as características do padrão de

desenvolvimento econômico contemporâneo são favoráveis à expansão das operações de

seguros. De forma acessória, apólices de seguros participam de um variado e crescente

perfil de transações vinculadas ao comércio doméstico e internacional, a utilização mais

intensiva de bens e equipamentos com maior componente tecnológico, ao

desenvolvimento de várias modalidades de financiamento e mesmo da diversificação de

instrumentos de transferência de riscos através dos mercados de derivativos de crédito.

Os mercados de seguros se subdividem em duas grandes áreas de atuação,

englobando os seguros do ramo vida e os seguros de ramos elementares. Seguradoras de

vida concedem indenizações no caso de morte do titular da apólice, e pensões para

situações de doença ou invalidez. Os seguros de vida tradicionais são compostos por um

valor para indenização e mais um valor garantido, o qual recebe juros ao longo do tempo

e permanece a disposição do segurado para saque em eventual situação de cancelamento

da apólice. Os prêmios podem ser pagos de uma só vez ou, o que é mais freqüente,

através de uma série de pagamentos periódicos. Os fundos resultantes são investidos

para gerar um rendimento regular para os detentores de apólices, além de ganhos de

capital para as companhias de seguros. Assim, seguradoras de vida são instituições que

geram grandes volumes de poupança mediante diferentes modalidades de apólices de

seguros.

O processo de inovações financeiras, e o novo padrão de concorrência entre

instituições de diferentes segmentos do mercado financeiro, estimularam as seguradoras

a lançarem apólices cujo rendimento passou a ser vinculado ao desempenho de

mercados de renda variável. Os seguros de vida acoplados a fundos de investimentos

lastreados em ações constituem um produto financeiro típico, cujo risco é assumido pelo

detentor da apólice, e cujo valor irá variar no tempo em função do resultado apresentado

pela carteira de títulos que compõe o fundo de investimentos ao qual a apólice está

vinculada.

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A ampliação da renda pessoal em diferentes países acarreta uma maior capacidade

de poupança, a qual se reflete no crescimento do número e dos valores das apólices de

seguros de vida. Já o crescimento das operações de seguros de ramos elementares

espelha a trajetória ascendente do valor de máquinas, equipamentos e instalações de

propriedade de empresas produtoras de bens e serviços, além do já referido papel do

crescente comércio internacional. O desempenho positivo da comercialização de

apólices na área financeira reflete também a ampliação no volume de operações de

financiamento, as quais tem como elemento acessório a figura do seguro de crédito.

Além disso, as garantias colaterais em operações de empréstimos, constituídas por bens

de alto valor unitário, são obrigatoriamente asseguradas. Por fim, a expansão das

operações de seguros particulares pode ainda sinalizar a aquisição de bens de maior

valor agregado por parte das famílias.

A base de conhecimentos técnicos essenciais para o desenvolvimento das

operações de seguros está disponível desde fins do século XIX, quando já estavam

organizadas algumas das instituições que até hoje permanecem no mercado de seguros.

A incorporação de instrumentos de cálculo matemático supriu a atividade de seguros

com uma estrutura de procedimentos capaz de viabilizar a evolução dos negócios. A lei

dos grandes números e, em especial, o tratamento probabilístico da ocorrência de um

evento, tomando como parâmetro as freqüências relativas observadas em períodos

anteriores, irá constituir o fundamento da atual instituição de seguros.

O caráter aleatório dos riscos que são objeto do contrato de seguros determina

toda a dinâmica de funcionamento das empresas do setor. Seguradoras de vida

constroem o preço de suas apólices tendo como fundamento atuarial as tábuas de

mortalidade, e seguradoras de ramos elementares têm em seus registros estatísticos sobre

sinistros um instrumento essencial de precificação.

Seguros de ramos elementares apresentam grande variedade no objeto a ser

segurado e nos formatos que as apólices podem assumir. As principais modalidades de

seguros de ramos elementares são os seguros de incêndio, de automóveis, de lucros

cessantes, de transportes, de responsabilidade civil e de crédito.

As características das operações de seguradoras de ramos elementares fazem com

que estas companhias dependam intensivamente da transferência de parte dos riscos

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cobertos para companhias de resseguros. Os contratos de resseguros permitem que as

seguradoras pulverizem seus riscos, aumentem sua própria capacidade de subscrição,

equilibrem melhor suas carteiras de riscos cobertos e apresentem assim resultados

operacionais mais estáveis. Dado o acúmulo de capacidade técnica das resseguradoras, e

suas vastas bases de dados estatísticos, as seguradoras diretas muitas vezes recorrem a

expertise das companhias de resseguros para sua avaliação de determinados riscos e

subseqüente tomada de decisão.

As operações de seguros são fundamentalmente constituídas pelo gerenciamento

de riscos não especulativos que incidem sobre as demais empresas e sobre os indivíduos.

Três aspectos compõem este processo de gerenciamento: a política de subscrição

adotada por cada companhia, a decisão acerca do percentual de retenção dos riscos

assumidos e a modalidade pela qual um percentual de riscos é repassado para as

resseguradoras. Adicionando a estes aspectos as decisões referentes aos investimentos

dos recursos postos a disposição das companhias de seguros, ter-se-á definido o escopo

de atividades que constituem o âmago da atividade seguradora.

Gestão dos investimentos e ciclos de negócios nos mercados de seguros

A gestão de ativos financeiros é componente fundamental do negócio das

companhias de seguros. Seguradoras de vida são instituições responsáveis pela gestão de

vultosos montantes de recursos de terceiros. Quanto às seguradoras atuantes em ramos

elementares, é usual que atravessem períodos onde as receitas operacionais se

mantenham equivalentes aos custos incorridos com despesas administrativas e

pagamentos de indenizações aos segurados. A lucratividade destas empresas é atingida,

nestes períodos, através dos resultados positivos alcançados nas aplicações em ativos

financeiros.

As características das diferentes apólices oferecidas nos mercados de seguros

influenciam diretamente a estrutura dos passivos das empresas do setor. Companhias

atuantes em ramos elementares têm passivos curtos, geralmente em torno de um ano.

Seguradoras de vida têm passivos de longo termo e data de liquidação incerta. Em cada

um destes casos, a compatibilidade entre ativos e passivos requer diferentes estratégias

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de investimentos nos mercados financeiros. Assim, o perfil de fluxo de caixa dos

passivos define requisitos de retenção de ativos com prazos e liquidez apropriados, em

função das necessidades de liquidação das obrigações contratuais abrigadas pelas

seguradoras.

O volume de capitais a disposição das seguradoras – ou capacidade de capital –

é decorrente do retorno das aplicações financeiras e do volume de prêmios arrecadados,

menos os pagamentos das indenizações. A combinação entre rentabilidade das

aplicações e custos dos sinistros determina, conjunturalmente, o processo de

precificação das apólices de seguros. As variações destes parâmetros definem aspectos

cíclicos das políticas de subscrição das seguradoras, que comportam as fases de mercado

tenso (hard–market) e mercado frouxo (soft-market).

Com maior disponibilidade de capital, as seguradoras podem assumir volume

maior de riscos subscritos, e isto induz a uma baixa nos valores cobrados nas apólices.

Quando o capital das seguradoras se torna escasso, menos riscos podem ser subscritos, e

mais caros são os prêmios cobrados.

O montante de capital disponível reflete tanto aspectos que impactam os passivos

das seguradoras, como fatores que atingem seus ativos. Variações nos mercados de

títulos e ações impactam os valores patrimoniais registrados nos ativos dos balanços das

seguradoras, contribuindo para alterar os montantes de capital disponíveis como suporte

aos riscos de subscrição assumidos. Conjunturas onde prevalece uma maior

rentabilidade nos mercados de ações e títulos de dívida ampliam a capacidade de capital,

induzindo as seguradoras a aceitar maior volume de riscos a preços menores, relaxando

as exigências de precificação. Períodos com maiores índices de sinistralidade, ou

ocorrência de catástrofes ou eventos inusitados, como os episódios de setembro de 2001

em New York, afetam pesadamente os passivos, dado o volume de desembolsos que se

fazem necessários para pagamento de indenizações. Fases de maior sinistralidade e/ ou

menores índices de rentabilidade nas aplicações financeiras reduzem o capital disponível

e contribuem para maior seletividade na subscrição de riscos, refletindo-se também nos

preços praticados pelas seguradoras.

Além de levar em conta as suas estruturas de passivos, e responder aos aspectos

conjunturais, as decisões de investimento das companhias de seguros devem ainda se

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adequar ao escopo de alternativas disponíveis nos diferentes mercados nacionais e

regionais. Em decorrência do aporte teórico apresentado por Gerschenkron (1962),

sistemas financeiros podem ser definidos como baseados em mercados de capitais ou em

financiamento bancário. Esta definição serve como um primeiro critério classificatório,

mas a observação dos principais mercados anglo–saxões demonstra a necessidade de

maior precisão analítica. No Reino Unido o mercado de capitais funciona principalmente

via negociação de ações, enquanto nos Estados Unidos existe um amplo e líquido

mercado para negociação de títulos de dívida direta de corporações não financeiras. O

portfólio das seguradoras em cada um destes países reflete as diferentes proporções de

ações e títulos corporativos existente nos respectivos mercados. Nos demais países

desenvolvidos assumem relevo também o peso da dívida pública e a conformação

institucional dos mecanismos habituais de financiamento. No Japão seguradoras tem

tradicionalmente disponibilizado empréstimos diretamente a corporações não

financeiras, enquanto na Alemanha o papel predominante dos bancos no leque de

financiamentos a empresas influi nas possibilidades de ativos a disposição das

seguradoras, as quais tendem a reter prioritariamente títulos da dívida pública, além de

ações.

Companhias de seguros desempenham um importante papel enquanto

investidores institucionais, ofertando grande massa de recursos para o financiamento das

corporações não financeiras. Podem ainda, através dos diferentes instrumentos de

securitização – aí incluídos os derivativos de crédito – fornecer liquidez a títulos

representativos de diferentes tipos de fluxos de caixa, contribuindo para a ampliação das

possibilidades de financiamento por parte de outras instituições financeiras.

A atuação das companhias de seguros nos mercados financeiros se desenrola em

um ambiente onde inovações financeiras e mudanças regulatórias são componentes

interativos que convergem para a expansão e diversificação dos mecanismos de crédito

colocados à disposição do setor privado não financeiro. Seguradoras constituem

elementos proeminentes na geração de poupanças disponíveis para o giro dos negócios e

a agilização dos mecanismos de funding, contribuindo para melhor alocação de recursos

ao setor produtivo. Tais inovações permitem ainda uma melhor dispersão dos riscos por

parte das seguradoras, em particular as seguradoras de vida, proporcionando uma

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exposição mais diversificada ao incluir em seu portfólio de ativos riscos vinculados a

atividade bancária e de seguro de crédito.

Consolidação financeira, desregulação e novos requisitos regulatórios

A escalada de fusões e aquisições entre corporações reestruturou o perfil dos

mercados financeiros internacionais no último decênio. Este movimento de consolidação

teve como principal fator permissivo a chamada desregulação financeira, tendo como

elementos coadjuvantes – ainda que fundamentais - as mudanças tecnológicas e a

eclosão das inovações financeiras.

A persistência de restrições regulatórias à atuação dos bancos e demais

instituições conviveu com um processo mais geral de intensa diversificação dos

instrumentos financeiros e significativa ampliação na liquidez dos mercados. Novos

atores surgem em cena nos mercados financeiros a partir da década de 1980, oferecendo

um leque de produtos destinados a captação de recursos junto ao público com taxas de

rentabilidade mais atrativas do que aquelas existentes nos depósitos bancários. O

fortalecimento do processo de desintermediação financeira amplia o papel dos

investidores institucionais no fornecimento de crédito via aquisição de títulos de dívida

direta, ocasionando uma redução nas receitas tradicionais das instituições bancárias.

A suspensão das restrições regulatórias vem se dando de forma diferenciada nos

três grandes mercados mundiais. A diretiva da União Européia relacionada a atuação dos

bancos permitiu a estes operar, desde 1993, em todo o espaço conformado pelos

mercados unificados dos países membros, não havendo também restrições significativas

ao processo de conglomeração financeira. A adoção de uma moeda única também

consistiu em um estímulo significativo ao amadurecimento dos mercados de capitais

europeus como provedores de crédito direto, para corporações não financeiras, mediante

emissão de títulos de dívida. O espaço tradicional de atuação bancária e a obtenção de

receitas fundamentalmente através de juros de empréstimos sofre um continuado

declínio.

O conjunto de fatores acima descritos concorre para uma forte pressão no sentido

de que os grupos financeiros – em particular bancos comerciais – busquem ganhos de

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escala e de escopo em suas operações. A efetivação destas estratégias só pode se

viabilizar a partir do momento em que as restrições regulatórias sejam suspensas ou

atenuadas. Se a liberalização a atuação dos bancos foi sancionada desde 1993 na União

Européia, o levantamento dos entraves regulatórios nos Estados Unidos da América só

ocorreu, ainda que parcialmente, com a autorização para o funcionamento das Financial

Holding Companies, em 1999. Quanto ao Japão, um plano liberalizante foi promulgado

em 1996, e sua implementação se efetuou até 2001. As reformas removeram

drasticamente as restrições regulatórias até então existentes, permitindo a entrada de

corporações estrangeiras nos mercados japoneses e deflagrando um surto de fusões e

consolidação entre os grupos financeiros locais.

O processo de flexibilização das restrições a atividade de bancos e outras

instituições financeiras resultou em um substantivo movimento de fusões e aquisições,

desenvolvido ao longo da década de 1990 e com maior ênfase entre 1998 e os dias

atuais. Uma tipologia deste processo estabelece quatro grupamentos diferentes de

classificação e motivação para as fusões e aquisições. Um primeiro grupo,

compreendendo acordos dentro da mesma indústria e país, tem o nítido objetivo de

ampliar economias de escala para as operações já realizadas. Um segundo tipo de

acordo, ainda em âmbito doméstico, envolve firmas de diferentes setores, por vezes

gerando amplas e complexas organizações financeiras. A motivação inconteste, nestes

casos, é a busca de economias de escopo através da diversificação de produtos

oferecidos. O terceiro tipo, fusões entre empresas da mesma indústria, porém de

diferentes países, denota a expansão para uma escala internacional de operações e o

atingimento de outros mercados nacionais através de uma instituição já atuante nos

respectivos países. Por fim, a fusão ou aquisição entre empresas de mercados diferentes

com diferentes origens nacionais pode significar tanto ampliação do escopo de

operações como um interesse direcionado a exercer operações específicas em um

mercado selecionado. O resultado geral deste processo de consolidação tem sido o

crescimento do papel desempenhado pelos grandes grupos bancários no conjunto do

sistema financeiro internacional.

Do ponto de vista do impacto da consolidação sobre os mercados de seguros,

dois aspectos sobressaem. O primeiro é a consolidação com especialização que tem

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caracterizado o processo de concentração do mercado global de resseguros. A partir de

uma amostra composta pelas 43 maiores resseguradoras, estudo realizado pela IAIS

identificou que os dez maiores grupos resseguradores têm participação dominante tanto

no setor de ramos elementares, com 50 % do total do mercado, como no mercado de

resseguro de apólices de seguros de vida, com participação de 87%.

O segundo aspecto de interveniência do processo de consolidação sobre os

mercados de seguros refere-se ao papel crescente que o canal bancário passa

gradativamente a exercer na comercialização de apólices de seguros. As práticas

conhecidas como bancassurance, não apenas se aprofundam no continente europeu,

como as aquisições de agencias corretoras de seguros por parte de bancos nos Estados

Unidos sinalizam a expansão das vendas de seguros através do canal bancário.

A integração entre seguradoras e outras instituições financeiras (particularmente

os bancos comerciais), dando origem a conglomerados financeiros, acarretou novas

demandas regulatórias para autoridades supervisoras. Problemas de solvência de

conglomerados implicam na relativa ineficácia de avaliações restritas e estanques a cada

uma de suas partes componentes. Em um movimento espiral, a desregulação contribuiu

para a consolidação nos mercados financeiros, e esta consolidação, por sua vez, trouxe

novas exigências regulatórias, agora com o foco nas inter-relações entre riscos

incidentes sobre as diferentes entidades constitutivas deste novo formato corporativo.

Riscos incorridos por companhias de seguros

Os principais riscos incorridos por companhias de seguros são, respectivamente,

riscos de subscrição, riscos de ativos e riscos de crédito. Os riscos de subscrição

abrangem todo o processo de precificação das apólices e constituição das provisões

pertinentes, tanto no ramo de seguros de vida quanto nos seguros de ramos elementares.

No caso das seguradoras de vida, dentro dos riscos de subscrição encontramos os

riscos de juros, pois a precificação das apólices embute uma estimativa tanto do

crescimento do chamado valor garantido, ao qual faz jus o titular da apólice, como os

rendimentos suplementares que constituem parte do retorno esperado pela seguradora no

negócio.

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Seguradoras de vida tem menos riscos de oscilações inesperadas em freqüência e

severidade de sinistros, devido a relativa confiabilidade proporcionada pelas tábuas de

mortalidade. Já as seguradoras de ramos elementares estão bastante expostas a

oscilações nos sinistros estimados probabilisticamente. Riscos de subscrição podem ser

subitamente agravados por eventos sistêmicos não previstos, ou cuja severidade se

mostre muito mais acentuada do que as experiências anteriores poderiam prever.

Riscos de investimentos podem afetar fortemente o capital das seguradoras. Sob

o ponto de vista dos ativos garantidores, isto pode por em cheque sua capacidade de

honrar as obrigações assumidas. Em relação ao capital próprio das seguradoras, perdas

de capital decorrentes de quedas nos valores dos ativos criam limites objetivos a

continuidade dos negócios destas empresas, no ritmo e amplitude planejados.

A denominação mais geral de riscos de crédito aglutina dois tipos de riscos que

na prática são bastante diferenciados. Em se tratando dos riscos de default de emissores

de títulos de crédito (títulos de dívida corporativa) que componham o portfólio de ativos

da seguradora, temos uma situação a ser enquadrada na análise mais geral dos riscos de

ativos, que englobam tanto as aplicações de renda variável como as de renda fixa, como

é o caso em questão.

Uma outra variante de risco de crédito é aquela surgida em decorrência do não

cumprimento de compromissos assumidos por resseguradoras. Neste caso, a situação se

reveste de um componente crítico cuja dimensão é determinada pelo peso que a

transferência de prêmios e riscos para a resseguradora em falta tem no conjunto dos

sinistros a serem pagos pela seguradora.

Um estudo desenvolvido pela KPMG mediante contrato com a comissão

responsável pelo projeto Solvência II classifica os riscos sofridos por seguradoras em

três blocos. O primeiro bloco inclui os riscos que se manifestam no âmbito das

companhias. Riscos de subscrição e gerenciamento de subscrição, riscos de crédito e

aquisição insuficiente de coberturas de resseguro, má composição da carteira de

investimentos e gestão inadequada (descasamento) da relação entre ativos e passivos, e

riscos decorrentes de deficiências nos controles operacionais são os principais itens

assinalados neste bloco.

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Um segundo bloco elenca os chamados riscos sistemáticos, ou seja, aqueles

incidentes sobre o conjunto do mercado segurador. Neste caso, a KPMG inclui apenas

duas grandes categorias, os riscos jurídicos, decorrentes das decisões dos tribunais

ampliando os direitos dos detentores de apólices, e os riscos relativos a mudanças no

mercado, como por exemplo, o acirramento da concorrência.

Aos riscos referentes ao conjunto do mercado, incluídos na curta lista elaborada

pela KPMG falta, contudo, uma categoria aqui denominada como riscos de reputação.

Estes riscos são aqueles vinculados a opinião do público em relação a efetiva garantia

quanto a manutenção da integridade dos contratos. Uma crise de confiança pode estar

relacionada tanto a existência de dúvidas acerca da solidez financeira das empresas,

como pode surgir do espraiamento de dúvidas sobre o ânimo efetivo de realizar o

pagamento das indenizações, de forma tempestiva e de acordo com os termos pactuados

contratualmente. Mercados de seguros apresentam forte demanda para que se faça

presente uma firme atitude regulatória e de supervisão destinada a manutenção da

confiança pública quanto a solvência das instituições, a manutenção da integridade dos

contratos e a efetiva correção de condutas inadequadas por parte dos entes

supervisionados. A instituição de fundos garantidores atenua consideravelmente receios

relacionados as eventuais perdas patrimoniais relacionadas a insolvência de seguradoras.

Ao mesmo tempo, a consolidação de uma reputação de firme respeito a integridade dos

contratos pactuados é elemento indispensável para o desenvolvimento dos mercados de

seguros, cabendo forte responsabilidade ao órgão supervisor em explicitar a existência

de sanções que coíbam com eficácia eventuais descumprimentos contratuais, ou atitudes

protelatórias relacionadas ao pagamento de indenizações.

Em um terceiro bloco pode-se incluir o conjunto de riscos cuja origem é exógena

aos mercados seguradores. Sob a categoria de riscos sistêmicos estão incluídas

flutuações nos mercados de ativos, alterações em taxas de juros e câmbio, recessão

econômica e mudanças ambientais. São aspectos decorrentes quer de ocorrência de

catástrofes, quer de eventuais crises sistêmicas nos mercados financeiros.

Riscos sistêmicos podem atingir fortemente o desempenho do mercado

segurador, dado que suas disponibilidades financeiras estão alocadas nos mercados de

títulos e ações. Podem se refletir ainda em cancelamentos massivos de apólices de

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seguros de vida, e em parcial retração dos seguros de ramos elementares, restringindo o

fluxo de caixa das operações destas seguradoras.

Riscos sistêmicos são desencadeados fundamentalmente por problemas

evidenciados em operações de instituições bancárias. Seguradoras não causam riscos

sistêmicos, exceto na hipótese de constituírem parte integrante de conglomerados

financeiros que contenham uma subsidiária – ou uma carteira – com atribuições de

banco comercial.

As seguradoras não têm entre si significativas relações bilaterais, e a falência de

uma seguradora não afeta a solidez financeira das demais. Portanto, a hipótese de

falências múltiplas de seguradoras só pode ser admitida em caso de choques exógenos

ao mercado segurador. Nesta situação, as seguradoras, juntamente as demais instituições

financeiras, estariam sendo vitimadas (e não sendo causadoras) por eventos sistêmicos

de origem externa as operações de seguros.

A resposta usual das companhias de seguros a perdas em seus ativos – e

conseqüente contração em sua capacidade de capital – é a passagem de uma fase frouxa

do ciclo de subscrição para uma fase de mercado tenso, onde a seleção e o preço das

coberturas de riscos tornam-se mais caras e criteriosas. Além disso, a própria utilização

de mecanismos de transferência de riscos, via resseguros, auxilia a recuperação da

capacidade por parte das seguradoras.

A integração entre bancos e seguradoras abre as portas para que a crise de uma

seguradora arraste consigo o conglomerado, e este, através das operações de sua área

bancária, cause uma crise sistêmica devido a seus compromissos nos sistemas de

pagamentos e nos empréstimos interbancários. A atuação regulatória é o principal

mecanismo preventivo em situações deste tipo. A avaliação dos riscos de ativos e de

subscrição da carteira de riscos subscritos, e a avaliação das condições de risco e

solvência do conjunto do conglomerado são os meios para conter riscos sistêmicos deste

teor.

O que sobressai da formulação da hipótese de conglomerados atuantes em um

mundo sem regulação não é a mera essencialidade desta; o que surge como um elemento

decididamente novo em relação a estudos focados especificamente nas empresas de

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seguros, é que a regulação de seguradoras em conglomerados é um instrumento limitado

se for atinente apenas ao conjunto de operações singulares da seguradora.

O processo de diversificação dos produtos e o desenvolvimento e aumento da

complexidade dos mercados financeiros colocou a necessidade crucial de um novo

marco regulatório, focado na prevenção e avaliação de riscos como instrumento chave

para a manutenção da solvência das seguradoras. O processo de conglomeração das

empresas financeiras – aí incluídas as instituições de seguros – veio justapor ao

paradigma de supervisão baseada em riscos, a exigência de que este tipo de ação

supervisora se faça de forma integrada, abarcando simultaneamente o conjunto de riscos

ao qual está exposto o conglomerado.

Eficácia e limites do novo marco regulatório para mercados de seguros

Os objetivos da regulação em mercados de seguros compartilham alguns

aspectos fundamentais com os demais mercados financeiros, em particular os mercados

bancários. Mercados de seguros incorrem em fortes assimetrias de informações, o que

impõe ao órgão regulador uma ação preventiva e corretiva no que tange ao zelo pela

integridade dos contratos e manutenção da confiança do público consumidor, sem a qual

mercados de seguros iriam fenecer, permanecendo seu desenvolvimento restrito a níveis

limitados de penetração na economia.

Mercados de seguros também são portadores de fortes externalidades, o que lhes

assegura um status de merecedores de regulação prudencial, a semelhança dos demais

mercados financeiros. Além disso, o papel das agências de regulação em seguros

historicamente incluiu um papel de departamento técnico geral, gerando diretrizes

quanto a conformação de produtos e métodos de gestão. Tais funções, na condição de

bens públicos, cumprem papel importante no desenvolvimento destes mercados, e

tendem a se manter ainda no âmbito de um novo marco regulatório ora em

implementação nos diferentes mercados internacionais de seguros.

As fortes externalidades existentes nas atividades de seguros impõe aos órgãos de

regulação e supervisão um esforço continuado de aperfeiçoamento de métodos

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destinados a manutenção da solvência das instituições seguradoras. Dentro do atual

contexto internacional, isto remete a utilização de técnicas orientadas para a avaliação de

riscos, dentre as quais se incluem os modelos de requerimentos de capital do tipo RBC –

Risk Based Capital.

Até meados da década de 1990, o enfoque regulatório adotado de forma

generalizada tinha como prioridade garantir que as seguradoras pudessem dispor de

liquidez necessária para fazer frente aos pagamentos das indenizações referentes aos

sinistros estimados em função da quantidade de apólices emitidas. A materialização

deste enfoque se dá pela instituição do conceito de margem de solvência (que na verdade

poderia se chamar margem de liquidez).

A margem de solvência é constituída por um índice relativamente arbitrário

determinado pelo órgão regulador. Maranhão (2003) observa que o critério do capital

mínimo e da margem de solvência leva em consideração tanto o volume de operações como

a experiência da empresa quanto ao pagamento de sinistros ocorridos. Todavia, outros

fatores não são levados em consideração, tais como a qualidade dos riscos subscritos, dos

resseguros contratados, e os riscos relativos a qualidade dos ativos que garantem as

reservas. Neste aspecto, existem limites a serem observados quanto a modalidade de

aplicações – renda fixa e variável, por exemplo – mas não quanto a qualificação dos

devedores ou a aferição dos riscos de carteira de ações, por exemplo.

Títulos públicos, ações e outros papéis considerados de alta liquidez devem

compor a maior parcela dos ativos financeiros possuídos pelas seguradoras. Entretanto, a

qualidade destes ativos e a flutuação de preços a qual estão expostos não é objeto de

aferição por parte das agências regulatórias dos países da América do Sul e de muitos

países desenvolvidos.

O conceito de margem de solvência, nos moldes em que ainda é utilizado

no Brasil e em outros países, tende a ser suplantado conforme gradativamente vão se

disseminando modelos regulatórios baseados na avaliação de riscos, os quais incluem a

mensuração probabilística de volatilidade nas diferentes classes de ativos que compõe o

portfólio das seguradoras. Isto é uma exigência quer da volatilidade presente nos

diferentes mercados de ativos, quer da diferenciação das próprias atividades e mercados

onde as seguradoras passam a se fazer cada vez mais presentes, aí incluídos os mercados

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de derivativos de crédito. Este processo assume ainda novos contornos quando se

observa a transformação corporativa das instituições financeiras – seguradoras inclusive

– na direção da formação de estruturas conglomeradas.

As medidas integrantes no novo paradigma regulatório traduzem um significativo

avanço no que tange a preservação da solvência e melhor nível de proteção aos

consumidores. Áreas antes absolutamente desguarnecidas, como a gestão de ativos das

seguradoras, passam a estar submetidas ao escrutínio de avaliações probabilísticas de

riscos, através de modelos desenvolvidos pelo próprio órgão regulador, ou pelas

instituições supervisionadas, nos casos em que modelos internos são avaliados pelos

órgãos de supervisão e considerados adequados. Riscos de subscrição, que constituem o

cerne da atividade seguradora, passam também a sofrer um escrutínio baseado em

melhores técnicas, pondo em relevo os critérios utilizados para precificação e para a

constituição das provisões relativas aos riscos subscritos.

Modelos probabilísticos de estimação de riscos, ainda que configurem um

importante elemento de análise, não prescindem de um julgamento embasado na

confecção de cenários econômicos plausíveis, que permitam eventuais orientações

preventivas por parte das agências supervisoras. Testes de stress tendem, por sua vez, a

redundar inócuos, pois exacerbam aleatoriamente o comportamento de algumas

variáveis, produzindo valores de riscos hipotéticos para os quais as empresas

supervisionadas não poderiam imobilizar capitais compatíveis, sob pena de queda

vigorosa na rentabilidade de suas operações e conseqüente esvaziamento do mercado por

redução da oferta.

A predominância de conglomerados como forma corporativa fundamental nos

mercados financeiros deve ser considerado aspecto chave para a formulação e eficácia

de estratégias regulatórias contemporâneas para mercados financeiros. Ademais, a

preservação da solvência de seguradoras implica em reconhecer o canal bancário

enquanto um elemento de comercialização de seguros em crescente ampliação. A

existência de conglomerados financeiros induz a cooperação entre os diferentes órgãos

de regulação dos vários segmentos de mercado financeiro, ou, preferencialmente, a

constituição de agências regulatórias integradas, cujo paradigma principal é

proporcionado pela autoridade de supervisão financeira integrada da Inglaterra. Ao

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funcionar de forma integrada, a agencia reguladora unificada está mais capacitada a

apreender possibilidades de intercessão de riscos incidentes sobre os conglomerados

financeiros, sendo assim sua atuação mais adequada à preservação da solvência destas

corporações.

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